Psicologia USP - Conhecimento e Razão Instrumental
-
Upload
rosi-giordano -
Category
Documents
-
view
7 -
download
2
description
Transcript of Psicologia USP - Conhecimento e Razão Instrumental
-
19/04/2015 PsicologiaUSPConhecimentoeRazoInstrumental
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641997000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt 1/9
MoreMore
ServicesonDemand
Article
Articleinxmlformat
Articlereferences
Howtocitethisarticle
CurriculumScienTI
Automatictranslation
Sendthisarticlebyemail
Indicators
CitedbySciELO
Accessstatistics
Relatedlinks
Share
Permalink
PsicologiaUSPPrintversionISSN01036564
Psicol.USPvol.8n.1SoPaulo1997
http://dx.doi.org/10.1590/S010365641997000100002
CONHECIMENTOERAZOINSTRUMENTAL
FranklinLeopoldoeSilvaDepartamentodeFilosofia
FaculdadedeFilosofia,LetraseCinciasHumanasUSP
Estetextotratadealgunsaspectosquejulgamosimportantespara o entendimento da noo de razo instrumental.Focalizamos numa primeira parte alguns temas inscritos nafundao filosfica da modernidade, visando assim fornecersubsdiosparaacompreensodahistriacrticadarazofeitapor Adorno e Horkheimer. Procuramos tambm tratar depontosestratgicosparaaabordagemdialticadoIluminismo,com a finalidade de esclarecer a necessidade, posta pelosautores, da considerao das contradies presentes nodesenvolvimento da razo iluminista, tais comoprogresso/regressoeautonomia/dominao.Descritores:Iluminismo.Razoinstrumental.Histria.Teoria.Crtica.
Quemquerqueaindasejacapazde lanarumolharcrticoaomundocontemporneonopodercertamentedeixardesesurpreenderaocompararosresultadosdoprocessohistricodamodernidadecomoprojetoquesepodeinferirdaspretensesdenossosancestraisfundadores.BaconeDescartessituamsenestarelaodepaternidade exatamente porque propuseram os meios racionais de emancipao do homem em relao sforasdanaturezaeaosdogmasestabelecidosporinstnciasdeautoridadealheiasaodomniodapurarazo.Taismeios racionais constituemos procedimentos de conhecimento da realidade em todos os seus aspectos.Conhecer emancipa porque o conhecimento traz consigo o domnio da realidade. Da submisso ao senhoriosobreanaturezapoisatrajetriaquecaracterizaapassagemdoarcaicoaomoderno,doprimadodomundoexteriorprimaziadeumsujeito livrequesesituaperanteomundonaposiodeumjuizqueaomesmotempoumsenhor.Asduasatribuiesvinculamseaosabercujonicoinstrumentoarazo.Afirmaseassimumpoder indefinidodeexplorao intelectual da realidadeque temcomoconseqncianecessriaodomniotcnicodanatureza.
Em princpio, nenhum elemento haveria neste quadro que pudesse causar estranheza ao homem do nossosculo, habituado s conquistas tecnolgicas derivadas do progresso da cincia e marcha acelerada quecaracterizaodomniodaterraporviadascriaesdoengenhohumano.Entretanto,senosdetivssemosnumaanlise mais precisa deste pensamento que se constituiu na alvorada dos tempos modernos, duas coisaspoderiamtalvezcausarinquietao.Aprimeiraocarterutpicodecertaspropostasdeorganizaosocialdotrabalhocientficoqueacompanhamemesmoilustramapretensodedomnioracional.EmBacon,textoscomoaNovaAtlntidadescrevem,naformadautopia,umacivilizaoextremamenteequilibrada,totalmentecalcadanabuscaeorganizaodosaberem todososdomnios,doque resultaoestadode felicidadedesfrutadoportodososhabitantes.OsegundomotivodeinquietaoderivadamaneiracomoDescartespretendiaintegraras
-
19/04/2015 PsicologiaUSPConhecimentoeRazoInstrumental
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641997000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt 2/9
vriaspartesquecompematotalidadeunitriadosaberhumano,definindoavinculaodoempreendimentotericocomassuasaplicaesprticasatravsdotermosabedoria.Aestaperfeitaintegraoentreateoriaea prtica assinalado omesmo objetivo proposto por Bacon: a consecuo da felicidade humana.Os ramosextremosdarvorequeemDescartesrepresentaosistemadosabersoamecnica,amedicinaeamoral,oque nos indica que o saber terico se complementa na sua aplicao harmnica s trs dimenses queconcorrem,noserhumano,paraafelicidade:odomniotcnicodanaturezapelasartesmecnicas,aextinodasdoenaseoprolongamentodavidaefinalmenteodomniointernodaspaixesquedevelevarserenidadedoesprito.
Por que propsitos to razoveis aparecem hoje para ns como revestidos de um carter quase bizarro?Simplesmenteporqueahistriadamodernidademostrouaincompatibilidadeentreasduaspartesdoprojeto:aautonomia da razo e a conquista da felicidade.Mas responder destamaneira implica tambmem constatarqueumaharmonia inicial tornousehistoricamenteumconflito.Comefeito,tantoparaDescartesquandoparaBacon,nadadeveriaoporoexercciodaracionalidaderealizaodafelicidade,postoquenoprpriosentidodaorganizaoracionaldosaberjestariaincludooobjetivodobemestarhumanoemtodososaspectos.Estarelaoestpressupostacomoverdadeiranaprpriagnesedoprojetodeemancipaoracional,umavezqueoconhecimentospodelevarrealizaodaliberdade.Autopiabaconiananosignificaorelatodoimpossvel,mas exatamente a representao literria do possvel e a noo cartesiana de sabedoria expressasimplesmenteanecessidadedetotalizaoharmnicadetodasasdimensesdavidahumana.Istonoscolocadiantedeumproblemasingularmentedifcil:explicarcomoahistriaencarregousedetornarfalsoalgoqueopensamentoinstituiucomoverdadefundamental.
A direo em que esta questo deve ser pensada tende a agravla sobremaneira, pois foi a trilha histricaseguida pela modernidade que aprofundou o conflito entre os elementos que se deveriam combinar e estepercursohistriconadamenosqueoprogresso.
*
Nada mais bvio do que a constatao de que a razo fator de progresso. O que caracteriza o avanohistrico da modernidade sobretudo o desenvolvimento da cincia e da tcnica, tornado possvel pelasperspectivasmetafsicasemetodolgicasinstitudasefundamentadasnosculoXVII,pelotrabalhodeGalileu,BaconeDescartes.Acompreensomaisaprofundadadoprocesso,noentanto,exigequeseperguntepelotipoderacionalidadequeseexerceunesteprogresso.Adistinoaserfeitacorrespondesduasfacesdoqueanteschamamosdeprojetodamodernidade.Vimosque,paraconceberumconhecimentoquelevasserealizaodafelicidade como conseqncia, tanto Bacon quanto Descartes tiveram de acoplar atividade de conhecer odomnio da realidade, pois a tcnica dominadora que estabelece condies para o aprimoramento da vida.Num primeiro momento, a inveno e a consolidao dos meios de dominao proporcionados peloconhecimento tarefa de uma racionalidade instrumental num segundo momento, o estabelecimento dasfinalidades a que tais meios deveriam servir para a consecuo dos fins constitui o objetivo de umaracionalidade prtica. Vse por a que, num projeto de emancipao autntico, as duas coisas soinseparveis, embora coordenem suas diferenas no prprio processo de expanso racional. Dominar anaturezaapropriarse,peloconhecimento,dosmeiosquepermitamcoloclaemharmoniacomasfinalidadeshumanas.Osignificadodopredomniodasubjetividadenainstauraodaculturamodernaaplenaassunodovalordequesedevemrevestirasfinalidadeshumanas.Arazocomomedidadetodasascoisasnotemaprincpio umestatuto apenas lgico,mas tambmaxiolgico, que se expressano reconhecimento dohomemcomovalor,apartirdesuacondiodeenteracional.
Assim a modernidade parece traduzir para termos puramente racionais uma combinatria de origemaristotlica:arazotericaqueconheceeporestaviacriaosmeiosearazoprtica(nosentidodafronesisaristotlica)quedevediscernirosfins.Seriaacompletaintegraodestasduasperspectivasqueresultarianoque Descartes chamou de Sabedoria. Mas h um elemento complicador na prpria gnese deste projeto. Otrabalhodefundamentaodaatitudegalilaica,levadoaefeitoporDescartes,equeconstituiaelaboraodasbasesmetafsicas do conhecimento em sentidomoderno, tinha como um de seus alicerces uma idiamuitontida, que aos olhos de Descartes aparecia como um pressuposto absolutamente necessrio para que oconhecimentoviesseapossuirumcartersistemtico:aunidadedarazo.Compreendeseapreocupaodofilsofo. Jqueprecisoestabelecerumfundamento inquestionvelsobreoqual repousardoravante todooconhecimento, a consistncia e a completude do sistema que assim se edificar depende da solidez e daunidadedoseuprincpio.Somentedestamaneiraosujeitopodeconstituir,apartirdointelecto,acertezaquedevecaracterizara sua relaocomoobjeto.Renunciarunidadeda razoseria retornarsoscilaesquemarcavamumaconcepoprmetdicadeconhecimento,avariaoentrefundamentosensvelefundamentointelectual, que justamente havia suscitado a dvida e a tarefa de reforma da Filosofia. Mas da unidade darazo seguemse duas conseqncias necessrias: a unidade do mtodo e a unidade do objeto. Como amesma razo que se aplica nos vrios modos de conhecimento, e como se trata de estabelecer sempre omesmotipodecertezacujoparadigmaaevidnciamatemtica,spossvelconceberumnicomtodo.Ecomo a objetividade constituda a partir desta unidademetdica, seguese que um nico tipo de objeto adequado a um nico mtodo. Podese continuar falando numa diversidade de objetos (a alma, Deus, oscorpos),mas o conhecimento evidente supe a reduo desta diversidade de contedos a uma uniformidadeintelectual. De algumamaneira preciso abstrair da diversidade a unidade, para que haja correspondnciaentremtodoeobjeto.aprpriaunidadedoparadigmaqueexigeestareduo,jqueacertezamatemtica,isto , eminentemente intelectual e que incide sobre entes abstratos, o prottipo de evidncia. este o
-
19/04/2015 PsicologiaUSPConhecimentoeRazoInstrumental
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641997000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt 3/9
significadodamatematizaodomundo,oudocartermatematizantedoconhecimentoenquantotal.
estaunidadequeprejudica,desdeoincio,avisodadiferenaedaarticulaoentreotericoeoprtico.Descartes no pe em dvida a diferena entre a Fsica e a Moral, mas a necessidade de conhecimentoigualmente evidente em todos os domnios faz com que o conhecimento em moral deva seguir o mesmoparadigma do conhecimento fsico.Ora, uma vez estemodelo estabelecido, as coordenadas fundamentais doconhecimento esto definitivamente postas, uma vez que ser este modelo que propiciar precisamente oprogresso,jqueelevistocomoonicoquepodepermitiroacessoevidnciaterica.Osentidoltimodoprogressoamximaexpansodestemodelo.AdelimitaocrticadoconhecimentotericofeitaporKantsemove ainda dentro destas coordenadas. A interdio do conhecimentometafsico, se de um lado restringe ohorizonte da teoria, de outro refora o carter puramente e formalmente racional do fundamento daatividade cognitiva, que em Descartes ainda dependia de uma relao entre a razo humana e Deus comogarantia das representaes evidentes. por isto que a depurao formal das estruturas lgicas doconhecimento emKant opera como restritor do mbito do conhecimento terico, paramelhor fundamentar aunidadedoconhecimento.
Comistopodemosavaliarcomooprogressodoconhecimentoocorredemaneirasolidriaaumarestriodoexerccio da racionalidade terica. O surgimento das novas cincias e a abertura de novos campos deobjetividade subordinamse unidade do paradigma, j que o estatuto de cientificidade depende daconformao das novas realidades a uma definio prvia de conhecimento objetivo. Assim se consuma asuperposioentre racionalidadee racionalidade instrumentalou tcnica,permanecendoa idiacartesianadeque a diversidade de contedos no pode implicar na quebra da homogeneidade da noo de objeto. Estahegemoniadarazo instrumentalproduzconseqnciasde largoalcancequantoaoquesedevecompreenderporemancipaoeautonomiacomocaractersticasdamodernidade,equantorelaoentreestasduasnoeseaidiadeprogresso.
*
Comefeito,apartirdoquadroacimatraadosomosobrigadosarelacionarduasidiasaprincpioantagnicas:autonomiaesubordinao.Arealizaodaautonomiadarazoresultounoestabelecimentodeummodeloderacionalidadeaoqual se subordina todoo conhecimentoeque sepe como requisitodoprprioexercciodarazo.Ahegemoniadoparadigma,consolidadahistoricamente,implicouentonainversodovaloraprincpioimplcitonaprpria idiadeautonomia.Aexpansodaatividade racional oprogresso fica sendoentoasimples incorporaodenovoscontedosaummodelo formalderacionalidadequepermanece invarivelnassuasgrandeslinhas.Oexemplomaisradicaldestaidiadeprogressocientficoaepistemologiapositivaeoscritriosdecientificidadequesoporelaestabelecidos.Oreconhecimentodaverdadecientficacomovalorficanainteiradependnciadaconformaodoconhecimentoaomodelodaobjetividadefsicomatemtica.
Aconseqnciadestepressupostonoapenasaadaptaodarealidadeaoscritriosdeobjetividade,comasubseqente perda que isto possa acarretar no que concerne adequao entre mtodo e objeto. Aconseqnciamaior,quedealgumamaneira japareceemDescartes,adissoluoda realidadenoatodesuatransformaoemobjetodeconhecimento.poristoqueaflexibilizaodomodelo,oudealgunsdeseusrequisitos,nobastapara fazerdeumanovaadequaoumaverdadeiraapreensodarealidademesma.Porexemplo,nobasta,comofizeramosepistemlogosfrancesesdofinaldosculopassado,estabelecergrausdedeterminismo para garantir a adaptao domodelo fsicomatemtico a novas cincias, no intuito de reduzirassimaperdaderealidadenoprocessodeobjetivao.Istosignificamanterseaindanointeriordaperspectivadeterminista,ampliandoapenasalatitudedeinserodarealidadenomodelodeobjetividade.
claroqueestesproblemasaparecemdemaneiramaiscontundentenocasodascinciasquetmporobjetoohomem,sejamaquelasconvencionalmenteditas"humanas",comoaSociologiaeaHistria,sejamaquelasquepelomenos tmohomementre os seus objetos, como o caso da Psicologia. As questes que esta ltimasuscita em termos de epistemologia e teoria da cincia so particularmente relevantes para umequacionamentocrticodoproblemadarazoinstrumental.
Boapartedacrticaquese fazPsicologiacientficadesdeo finaldosculoXIXatosanos30destesculopode ser remetida a um problema de fundo, que foi desdobrado em vrias dificuldades de ordemepistemolgica e de teoria do conhecimento. Tratasedapossibilidadede fazer do sujeitoumobjeto. De umlado o simples enunciado do problema j prenuncia a sua insolubilidade de outro e por istomesmo talproblemasformuladoapartirdeumaposiocrticaemrelaoPsicologiacientficaquesepraticavanapocaaquenosreferimos.desenotarqueocarterfundamentaldesteproblemaaparecenaamplagamadeposies crticasqueele recobre.Numextremo,aabsoluta interdiocomteanadeumaPsicologia cientfica,exatamente devida impossibilidade de objetivar os contedos, demarcandolhes um territrio distinto daBiologiaedaFsicaSocial:aidiadeumaPsicologiacientficacontrariaaprprianoodemtodocientfico.Num outro extremo, a crtica bergsoniana, que v na objetivao dos contedos a dissoluo inelutvel daespecificidadedopsquico.Aqui,aimpossibilidadedeumaPsicologiacientficanosmoldestradicionaissedeveao cartermetafsicodaquiloquedeveria se constituir comoo seuobjeto:oprprio sujeito,ouoesprito.Adiferena entre estas duas posies, que se inscrevem em campos filosficos absolutamente opostos, queBergson prope uma forma de conhecimento que, abandonando completamente os parmetros do modelotradicional,permitiriaumacertaaproximaodopsiquismoentendidocomotemporalidadeinternaoudurao.Neste sentido o "mtodo" da Psicologia coincidiria parcial ou mesmo totalmente com o da Metafsica. exatamente o carter inalcanvel do estrato subjetivo que leva Comte a pronunciar o seu interdito. Assim
-
19/04/2015 PsicologiaUSPConhecimentoeRazoInstrumental
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641997000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt 4/9
amboscoincidemdealgumamaneiranoresultado,emboradivergindoradicalmentenospontosdepartida.
Aquestocentral,quedecertomodotraduzoproblemafundamentalenunciadoacima,adaespecificidadedo"objeto" da Psicologia. A reivindicao desta especificidade, no caso de Bergson, obrigao a abraar a duratarefadedefinila.Estetrabalho,sobreoqualnonospodemosdeteraqui,nemmesmopararesumilo,produzresultados em duas instncias. Na primeira, a que chamaramos de epistemolgica ou metodolgica, aconclusoaquesechegaadeumatotal inadequaoentremtodotradicional modelocartesiano filtradopelo formalismokantianoeretraduzidopelopositivismoeosujeitopsicolgiconoestratomaisprofundodesua "vida interior", que para Bergson coincide mais propriamente com o psquico. O carter analtico domtodo, sua vocao categorial que se expressa na formulao de conceitos fixos que deveriam encerrarformalmente o objeto, delimitando com nitidez espacial os seus contornos e focalizandoo, para tanto, demltiplasperspectivasexternas,redundarianumaaberraoalgocomoumageometriadasubjetividade.Nasegunda instncia, que poderamos denominar de metafsica o que em termos bergsonianos significa arealidadea ser estudada, a especificidadedopsquico aproximadamentedefinida comoa fluncia temporaldasvivncias, impossveldesercaptadanosmoldesdorealismosubstancialistatradicional, jqueseopefixidezdeumacoisa.Emambososcasosoquetemosaoposioapressupostosmetodolgicosemetafsicoseoque se impeo reconhecimentodeque,no casodaPsicologia,o conhecimentonoestparaoobjetoassimcomooconceitoestparaa coisa,oua leiparaos fenmenosque regula. Isto significaa falnciadomodelofsicomatemticonaPsicologia.
Masistosignifica,aomesmotempo,entenderascausasdaaplicaoporassimdizerespontneadestemodeloaumarealidadeque lhetoadversa.Tratasedotriunfohistricodeumcertoparadigmaderacionalidade,que institui o seu objeto, constituindoo como homogneo aos esquemas intelectuais, mesmo ao preo docompletodistanciamentodarealidadeaserconhecida.unicamentea forado instrumentoquemoldaoseuproduto.IstoindicaeporistooexemplodaPsicologiaestratgiconoapenasograuaquepodechegaroconstruto artificial no conhecimento, mas principalmente o abandono, por parte da razo instrumental, dosujeito,cujaemancipaoeenaltecimentohaviasidoatarefamaisinsignedaprpriarazo,nonascimentodamodernidade.
*
Paradarcontadacomplexidadedesteprocessoprecisocompreenderalgodahistriadarazo,eassimtentarseguir um movimento que se caracteriza simultaneamente pelo progresso e pela regresso. Uma dascontribuiesbsicasdeAdornoeHorkheimerparaa compreensodoprocessohistricodedesenvolvimentodo Iluminismo foi chamar a ateno para a relao dialtica entre estes dois termos, mostrando assim anecessidadede introduziraconsideraodacontradionahistriadarazoenoprocessoemancipadorcujarealizaosedariaaolongodestaprpriahistria1.Ora,tendoemvistaoqueexpusemosataqui,noresultade maneira alguma surpreendente que o trabalho de elucidao histrica levado a efeito pelos doisrepresentantesdaEscoladeFrankfurttenhatidocomoomaiormritoaproduodeumaaporia,precisamenteaindissociabilidadeentreprogressoeregressoqueenunciamoshpouco.
Aaporiacomquenosdefrontamosemnossotrabalhorevelaseassimcomooprimeiroobjetoainvestigar:aautodestruiodoesclarecimento.Noalimentamosdvidanenhumaenistoconsistenossapetitioprincipiidequealiberdadenasociedadeinseparveldopensamentoesclarecedor.Contudo,acreditamosterreconhecidocomamesmaclarezaqueoprprioconceitodestepensamento,tantoquantoasformashistricasconcretas,asinstituiesdasociedadecomasquaisestentrelaado,contmogermeparaaregressoquehojetemlugarportodaparte.Seoesclarecimentonoacolhedentrodesiareflexosobreesteelementoregressivo,estselandoseuprpriodestino.Abandonandoaseusinimigosareflexosobreoelementodestrutivodoprogresso,opensamentocegamentepragmatizadoperdeseucartersuperadore,poristo,tambmsuarelaocomaverdade.(Adorno&Horkheimer,1986,p.13).
O esforo de racionalizao da natureza produziu o seu "desencantamento", isto , o animismo natural foisubstitudopela compreensodaarticulaodos fenmenos, o que levao entendimento a operar sobre eles.Enquantoanaturezaaparececomoumconjuntodeforasquesesituaalmdacompreensohumana,ecomoqualohomemdeverelacionarseemtermosdecumplicidade,conjurao,temor,identificao,apelo,oqueseverifica,porsuposto,umavinculaoemqueoserhumanosesubmeteaodesconhecido,aindaquefaadanatureza a matriz de representaes mticas. Somente a racionalidade tcnica permite operar com osfenmenos em termos de submetlos ao poder humano. A diferena est precisamente neste fator: adominao.Quandoosacerdoteinvocaasforasdanaturezaembenefciodohomem,oqueelefaznaverdadetentarreverteropoderdominantedestasforas,paraqueelasnoseempenhemnadestruiodouniversohumano.Completamentediferenteocasodatcnica,vistoqueaasupremacia,opodereapossibilidadededomniosituamsedo ladodohomem.Anatureza foiesvaziadadeumaalma, isto,deumpoderque tantopodia auxiliar quanto aterrorizar. Por isto o progresso do conhecimento o progresso do domnio e oIluminismo a passagem do mito razo esclarecida. Mas, devido identificao, j comentada, entreconhecimentoedominao,ainstrumentaoparaodomnioacabarecobrindoatotalidadedoqueseentendeporexercciodaracionalidade.Olimitedodomnioainrciadodominado:assimosenhoriosobreanaturezase expressa racionalmente no carter plenamente constitudo doobjeto. A natureza, e tudo que ela contm,passadeforaacoisa.Hqueseentender,noentanto,queesteprocessodereificaoinscrevesenomagodaracionalidadeinstrumentalcomoasuaprpriarazodeser.destaformaquetodoequalquerobjetodeveser tratado como coisa. No difcil constatar ento que a homologia formalmente exigida para que oinstrumento modele seu produto faz com que fique estabelecida tambm uma ntima relao entre razo ecoisa,racionalidadeereificao.aexpansodoreinodofsicoinertequeconstituiassimotriunfodarazo.
-
19/04/2015 PsicologiaUSPConhecimentoeRazoInstrumental
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641997000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt 5/9
Ora,ocompromissoqueassimseinstituientreaatividadedarazoeapassividadedeummundodeobjetosredundanacompletaidentificaoentreracionalidadeemanipulao.
O esclarecimento comportase com as coisas como o ditador se comporta com os homens. Este conheceos namedidaemquepodemanipullos.Ohomemdecinciaconheceascoisasnamedidaemquepodefazlas.(Adorno&Horkheimer,1986,p.24).
Aqui adquire todo seu sentido o problema acima formulado e que exprimia o dilema da Psicologia: apossibilidadedefazerdosujeitoumobjeto.Quandoesteconhecimentoinstrumentalvoltaseparaadimensodohumano, s pode tratla em termosde objetomanipulvel. Surge entouma contradio insupervel nombito de qualquer conhecimento do homem enquanto sujeito por isto a cientificidade regida pela razoinstrumental deve necessariamente abandonar a considerao do sujeito e construir uma homologiafundamental entreohomemequalqueroutroobjeto.desta formaqueoprprio conhecimento sed comonegao do sujeito, e a atividade da razo produz a passividade do sujeito racional enquanto objeto deconhecimento.Areificaodosujeitocomonicapossibilidadedeconhecloodefine, ipsofacto,nos termosdaalienao.O controledanatureza,queaanulaode suaatividade, jquea racionalidade se confundecom a identidade, isto , a estabilidade tautolgica a que logicamente se deveria poder reduzir todos osfenmenos, estendese assim ao sujeito quando este se torna tema de elucidao racional. Ora, estarepresentaoreificadaqueosujeitotemdesimesmoqueoperaaregressodeumapretensaemancipaoa uma total submisso e controle, numa realidade histricosocial totalmente administrada pelos parmetrosfuncionaisdarazoinstrumental.
neste sentido que se pode falar em "autodestruio do esclarecimento". A racionalidade tcnica no simplesmenteaquelaqueseservedatcnica,masaquelaquese identificacomatcnica, isto, identificaomeio como fim. Esta identificao entre parte e todo resultado essencial do processo histrico deesclarecimento. Omodelo objetivista triunfou na teoria da cincia como o nico possvel no porque seja onicoracional,mas porque o nico em que a razo semostraprodutiva, isto manipuladora: conhecer saber fazer. Esta eficincia do saber semostra no seu carter pragmtico. O pragmatismo da cincia no elemento derivado, que a ela se acrescentaria de fora. H uma intencionalidade pragmtica originria naconscincia intelectual, que foi expressa exatamente na identificao entre conhecer e dominar. paracontrolarqueseconhece.Estacaractersticanoapenasdosabercientfico,masdetodosaber,namedidaemquesua finalidadeassegurara sobrevivncia.Neste sentidoapraxisoelementomotordodesejodeconhecer,daanaturalidadedestedesejo,afirmadadesdeAristteles.FoiestecarterpragmticointrnsecoaoconhecimentoquemotivouasconcepesdeBaconedeDescartes,nostermosdeumpossvelcasamentofelizentreateoriaeaprtica.Masnamedidaemqueomundoprticoperdeusuaautonomiaearazoinstrumentalganhouumadimenso totalitria,aprticapassouaserentendidacomoderivaoda teoria,meraaplicaotcnica do conhecimento tericoinstrumental. Como a tcnica existe, em princpio para satisfazer asnecessidades humanas, estas passaram a ser compreendidas no mbito da razo instrumental, a nica quepodesatisfazlasatravsdaaplicao tcnica.Estadissoluodomundoprticoesuasubordinao razoterica definida como instrumental pode ser considerada outro elemento de regresso, pois omundo prticoseria aquele em que as finalidades humanas poderiam se constituir autonomamente. A esta dissoluo domundo prtico corresponde a cegueira a que se referem os frankfurtianos: "o pensamento cegamentepragmatizado". A eficincia produtiva do pensamento instrumental estabelece um desequilbrio entre a aocomosimplesecompulsriaaplicaodos resultadosdoprogressoeodiscernimento racionaldas finalidadesquedeveriamgovernarestaatividade.Poristoaaodominadoraoriundadatecnologiatantomaisincuadoponto de vista tico quanto mais se torna febril e constante. Isto porque a relao entre as necessidadeshumanaseasatisfaodelastornouseumcrculooperantedentrodoslimitesdarazoinstrumental,comoodemonstra principalmente o papel do consumo como finalidade e ao mesmo tempo estmulo de reincioperptuodaproduotecnolgica.
Assim se constitui, pois, a aporia a que se referem Adorno e Horkheimer: a emancipao se converte emsubmisso, na medida em que o progresso da razo instrumental coincide com a regresso do humano categoriadecoisa.Oimpulsoparaadominaodanaturezanasceudotemorfrenteaodesconhecido.Osmitoseosrituaiscumpriramprimeiramenteestafuno,emqueohomem,paracontrolar,sesubmetia.Acincia,aodesencantar a natureza, isto , ao substituir a relao com as foras pela formalizao metdica de ndolematematizante, apaziguou a exterioridade, destituindoa de vida. Mas o triunfo da instrumentalidadedominadorainstaurouumaoutrafontededominao,aprpriarazoenquantoessencialmentedominadora.Daatendnciadosindivduosaalienaremaliberdadeemprincpioconquistadanasdiversasfigurasdarazo,oumesmoemqualquerdosseusprodutos,desdeasdescobertascientficasatomarketingeleitoral.Aquestoque, tendo esta aporia se constitudo no interior do movimento da razo emancipadora, ela no pode serinteiramente avaliada pelos parmetros tericos do prprio Iluminismo. Da a reivindicao, por parte deAdornoeHorkheimer,deumateoriacrticaqueestejadotadade instrumentosparaentenderestemovimentocomplexonoapenasnalinearidadedoseuprogresso,mastambmnosmeandrosdesuascontradies.Oqueatradiocartesianalegoucomomodelodeteoriaalgodotadodaeconomiadeelementosedoesquematismoquecaracterizamoraciocnioabstrato.Oprestgiohistricodascinciasexatasenaturaisimpsscinciasdohomem o mesmo paradigma, do que decorrem as dificuldades a que j aludimos. No entanto, o maisimportanteaconsideraraquiapresenadahistrianaprpriaconstituiodoobjetodestascincias.Oqueateoria crtica tem de diferente da teoria tradicional, para alm da questo domtodo, a considerao docarterhistricodaprpriarazo.Jamaischegaramosanotarquearazoiluministatrazemsioseucontrriose a abordssemos a partir de sua definio puramente lgica e ahistrica. a historicidade da razo quepermite ver no seu desenvolvimento o entrelaamento de fatores de diversas ordens que nos obrigam a
-
19/04/2015 PsicologiaUSPConhecimentoeRazoInstrumental
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641997000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt 6/9
considerarconjuntamentearacionalidadeeamitificao,oprogressoearegresso,acivilizaoeabarbrie.Ailusodalinearidadenosmostrariaacivilizaosucedendobarbrie,aracionalidadesucedendoaomitoeoprogressocomoincompatvelcomoretornoaestgiosprimriosdeconhecimentoesociabilidade.Umateoriacrtica,queconsideraatotalidadedasrelaesnasprticashumanasenoapenasaseleodeelementosquedesenham o progresso linear, nos obriga a dialetizar o processo histrico, ao nos mostrar que qualquerrealidade, na medida em que se afirma historicamente, traz em si aquilo que a nega. Mas tal viso supesujeitosproduzindoconcretamentesuasprticasapartirdecondiesdadas.
A teoriaemsentido tradicional, cartesiano,comoaqueseencontraemvigorem todasascinciasespecializadas,organizaaexperinciabasedeformulaodequestesquesurgememconexocomareproduodavidadentrodasociedadeatual.Ossistemasdasdisciplinascontmosconhecimentosdetalformaque,sobcircunstnciasdadas,soaplicveisaomaiornmeropossveldeocasies.Agnesesocialdosproblemas,assituaesreaisnasquaisacinciaempregadaeosfinsperseguidosemsuaaplicao,soporelamesmaconsideradosexteriores.Ateoriacrticadasociedade,aocontrrio,temcomoobjetooshomenscomoprodutoresdetodasassuasformashistricasdevida.Assituaesefetivas,nasquaisacinciasebaseia,noparaelaumacoisadada,cujonicoproblemaestaria namera constatao e previso segundo as leis da probabilidade. O que dado no depende apenas danatureza,mastambmdopoderdohomemsobreela.(Horkheimer,1989a,p.69).
Estetextopodeserentendidoapartirdaformulaoweberianadeumadicotomiaquepodeserditabsicanaidia moderna de teoria: a separao entre juzos de fato e juzos de valor. A teoria tradicional supe apossibilidade de uma descrio neutra da realidade, mesmo que esta realidade seja psicolgica, social ouhistrica,isto,mesmonaquiloqueserefereaohomem.Noprocessodedesencantamentoquecoincidecomaprogressivaracionalizaodomundo,oquepermitiuaohomemsairdeumarelaoanimistacomanaturezafoi o distanciamento dos fenmenos naturais, estabelecido por via da mediao metdica, que passou aconstituirentoamedidadadescrioobjetivadarealidade.Nestesentidoaposiotomadafrenterealidadeaposiodesujeitodeconhecimento,munidodosinstrumentosquevenhamapermitirarepresentaomaisadequadadomundo.Emboraaadequaopossaserentendidacomoumamedidadeavaliaodapertinnciadoconhecimento,tratasedeumamedidalgica,cujafinalidadedisportodososobjetosnauniformidadeemque eles devem aparecer para o sujeito, respeitando assim a unidade bsica do modelo racional. Nestaperspectiva,nocabeaosujeitojulgaracercadaconstituiodascoisas,dasrelaesentreosfenmenosedosistema de produo de eventos reais, questionando a organizao cosmolgica em termos de valor, isto ,procurando discernir entre o bom e o mau na instncia dos fatos. Este tipo de juzo no cabe dentro dosparmetrosdecientificidade,postoquenohaveriameiosdemediroseugraudeobjetividade.nestesentidoque Horkheimer diz, no texto citado, que a gnese, a singularidade situacional e os fins perseguidos soconsideradospelateoriatradicionalcomo"exteriores",oquesignificaquenofazempartedoquadroformaldeconhecimento,emborapossamviraser temadeconsideraesextracientficas,porexemplo,a"opinio"docientistaacercade taisassuntos, formuladanoentantoapartir deumaposioemqueeleno se colocariajustamente como cientista. A hegemonia do modelo de teoria faz com que esta atitude tenha que serreproduzidaemtodososcamposdeconhecimento.
Porqueumateoriacrticanopodedeixardeconsiderar"agnesesocialdosproblemas,assituaesreaisnasquaisa cinciaempregadaeos finsperseguidos"?Porque tal teorianopartedahomogeneidadedodado,isto,dauniformidadeapriori concebidade tudooque for consideradoobjeto.A razodisto que, para ateoriacrtica,arealidadeproduzidapelossujeitosenquantoagenteshistricos.Oquedizrespeitoaohomemnuncapodesertomadocomoumdadonatural.Tomarohomemcomoprodutordasprticasqueconstituemasua realidade tirlo da esfera dos objetos fsicoinertes, considerar a impossibilidade de separar, nosujeito,oqueeledoqueele faz,entendendoqueaaohumanasedistinguedaaodosobjetosnaturaisporserdotadadeintencionalidade.Comefeito,anoodeagentequandorelacionadacomaaohistricanopode ser assimilada simplesmente a umprocesso de causalidade natural. Quando se diz que os homens so"produtoresdetodasassuasformashistricasdevida",nosepodedeixardeconsiderarnestaproduoumaintencionalidade racional emoral, que aprpria caracterizaodaaohistrica como aohumana casocontrrionohaveriacomodistinguiroprocessohistricodoprocessonatural.Istosignificaqueainstnciadosocialnopodeserconsideradacomomeiodeatividadehistricadamesmamaneiraqueseconsideraomeionatural como ambiente dos organismos em geral. E isto porque a organizao domeio, no caso da relaoentre o homem e a sociedade, depende da produo das prticas que vo estruturando e modificando estemeio.
Isto significa que quando se trata de conhecer o homem, tratase de conhecer um sujeito histrico, e noapenas um sujeito dado. A subjetividade se institui no interrelacionamento das prticas constituintes douniverso humano. Podemos num certo sentido dizer que o problema que est aqui colocado para todas ascinciashumanasomesmoqueestpostoparaaPsicologia:comofazerdosujeitoumobjeto,semdeixardeconheclo como sujeito? O problema tornase insolvel se for tratado apenas epistemologicamente. E istodevidoaumaquestofundamentalquepodeserenunciadacomoovalordacincia.Aquelequesepecomosujeitodeumconhecimentoque temcomoobjetoo sujeito, colocasepor istomesmoentre aqueles objetosquedevemserconhecidoscomosujeitos.Nohnestecasoadistnciaquefuncionacomooperadormetdico,demarcandomuitobemoquesujeitoeoqueobjeto.Senaturalizoaesferadohumanoreduzindoaaumconjunto de objetos anlogos aos objetos fsicos, colocome por isto na posio de nico sujeito, o que teoricamente problemtico e praticamente insustentvel. A intersubjetividade a moldura desta prticahistricaparticularqueoconhecimentocientfico.Aposiotericanomepenoexteriordahistriaedasociedade. intersubjetividade corresponde a interdependncia das atividades que se desenvolvem noentrelaamentosocial.
-
19/04/2015 PsicologiaUSPConhecimentoeRazoInstrumental
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641997000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt 7/9
Na verdade, a vida da sociedade um resultado da totalidade do trabalho nos diferentes ramos de profisso, e,mesmoqueadivisodotrabalhofuncionemalsobomododeproduocapitalista,osseusramose,dentreelesacincia,nopodemservistoscomoautnomoseindependentes.(...)Somomentosdaproduosocial,mesmoque,propriamentefalando,sejampoucoprodutivosouatimprodutivos.(Horkheimer,1989b,p.37).
As relaes dinmicas da totalidade social no permitem o isolamento da atividade terica, e estainterdependncia fundamenta o compromisso do cientista. Em suma, no h neutralidade e portanto hinteresse. O interesse relacionado ao conhecimento no pode ser tratado como conjuntura ou acidente: estnecessariamentepresentenaatividadetericapelasimplesrazodequeestaumaprticahistricasituadaemrelaoaoutrasecomoelementodeumquadrodeinterconexes.Adiferenaentreateoriatradicionaleateoria crtica que aquela desconhece o interesse como motor do conhecimento, por no admitir qualquerescala de valor no procedimento terico, enquanto a teoria crtica acolhe entre seus temas de reflexo ointeresse e procura elucidar o seu lugar e o seu papel. Neste sentido a teoria crtica pode chegar a ver aneutralidade cientfica da teoria tradicional como neutralizao ideolgica da questo do interesse noconhecimento. A ideologia da neutralidade se expressa, j o vimos, numa linguagem epistemolgica: aneutralidade requisito lgico de objetividade.Mas vemos tambmagora quequando a relao cognitiva seestabelecedesujeitoasujeitosaobjetividadeneutraoperanecessariamentedeformareducionista,poissupea identificaoentreprticahistricaeobjetonatural.Ora, tal identificaopodeser tratadaemdoisnveis:comoequvocometodolgico,noplanodaepistemologiaecomoprocedimentodereificao,noplanodatica.Emambososnveisestemjogoaverdade.Dopontodevistaepistemolgico,noconfrontoentreumaFsicaSocialpositivistaeumaSociologiacrticaoquesejogaaverdadenaapreensodoagentesocialedesuasaese relaes.NodebateentreumaPsicologia fisicalistaeumaabordagemnoorganicistadopsquico,oque est em jogo a verdadena apreensoda conscincia.Mas talvez o ponto quemereamaior destaqueestejaprecisamentenoplanodasconseqnciasticasdaracionalidadeinstrumentalnascinciasdohomem:osignificadodaobjetivaonaturalistadosujeitoedesuasprticas,arepresentaodapessoacomocoisa.
*
A estreita vinculao entre as dificuldades epistemolgicas e as conseqncias ticasmostra que uma visocrticadahistriadarazoedosprocedimentoscientficosnoestde formaalgumacomprometidacomummoralismoacusatriooucomqualquerveleidaderomnticaderetornoaumaidadedeouro.Pelocontrrio,ofatodequeanecessidadedoprocessohistrico,quetransformouosujeitodedominadoremdominadopelosseus prprios instrumentos de dominao, s possa ser inteiramente compreendida pormeio de ummtododialticoindicaalgicapresentenestastransformaes,todaselasoperadaspelosprpriossujeitoshistricos,num espantoso movimento de simbiose progressiva entre emancipao e dominao. Na enorme diferenaexistente entre omito e a cincia podese notar contudo uma continuidade: em ambos os casos tratase deescaparaoterror,conjurandooucontrolando.Talvezesteimpulsobsicopossanosauxiliarnacompreensodacontradioinerenteaoprocessodeesclarecimentoedarelevnciadasconseqnciasticas.Aseguranaqueamediao domtodo racional proporciona diante de ummundo desencantado provoca tambma confianailimitadanoinstrumentodedominao.Eestaconfianadeveserproporcionalameaalatentederetornodoencantamento reprimido ou do terror de que o conhecimento nos livrou. precisamente esta confiana narazo e no seu progresso ilimitado que enfraquece a viso crtica da racionalidade como prtica humana esocialmente determinada. A razo tornase absoluta e este carter se exprime justamente atravs do seuaspectomaiseficaz:ainstrumentalizao.Eporistosepodedizerqueasubmissoincondicionadarazonosedistingue,estruturalmenteenoplanodamotivaoprofunda,deumarecadanamitologia.Somenteassimse explica que o mesmo instrumento sirva crtica e dominao totalitria, liberdade e servidovoluntria.Estasimetriaentrerazoemitotemalgodeaterrorizante:elasignificaqueaorganizaoracionaldacincia,daproduo,dasociedadepodeconviverperfeitamentecommecanismosdePsicologiacoletivaqueintegremaalienaoeabarbriecomobens.Onazismomostrouque istonoapenasumaconjectura.Seconsiderarmosavinculao,suficientementeevidente,entreosprocessosdedesautonomizaoindividualededissoluo tica na esfera da sociabilidade, teremos uma viso razoavelmente ntida do elemento autofgicoinscritonoprocessocivilizatrio:aambivalnciadoterrorcomorepressoeproteo.
O preo da dominao no meramente a alienao dos homens com relao aos objetos dominados com acoisificaodoesprito,asprpriasrelaesdoshomensforamenfeitiadas, inclusiveasrelaesdecadaindivduoconsigomesmo.Elesereduzaumpontonodaldasreaesefunesconvencionaisqueseesperamdelecomoalgoobjetivo.Oanimismohaviadotadoascoisasdeumaalma,oindustrialismocoisificaasalmas.(Adorno&Horkheimer,1986,p.40).
A reificao como conseqncia ticohistrica da prevalncia da razo instrumental vinculase assim alienaodossujeitosdaaonosseusprodutos.Nestesentidoaproduooinversodaatividadelivre.Masaproduo,poroutro lado,conseqnciadaposiohistricadeumsujeitoativoedominadordanatureza.No h portanto como desvincular, no nvel das conseqncias ticas, o industrialismo produtivista daracionalidadetcnicaqueotornoupossvel,mesmoconsiderandoquedeterminadasatividadesdarazo,comoacinciabsica,nosejamimediatamenteprodutivas.Apossibilidadedetransitaremtermosdecontinuidaderacional do objeto para o produto que justifica a autocompreenso objetivista do sujeito, isto , aimpossibilidadedeosujeitosepensarcomotal,poisnosoapenas"asprpriasrelaesdoshomens"entresiqueseachamcomprometidascoma"coisificaodoesprito"aidiaquecadaindivduotemdesimesmo,"asrelaesdecadaindivduoconsigomesmo",estofundamentadasnaautocompreensodecadaumcomo"algoobjetivo".Estaobjetividadeserefletenasaesereaesqueso"objetivamente"esperadasdele, isto,naprojeodeumegoconvencional.Noportantoavisodooutroquemealienademimmesmo,soueuquevoluntariamentemealienonavisodooutro.Estainautenticidadefundamentalfazpartedoprocessodeentre
-
19/04/2015 PsicologiaUSPConhecimentoeRazoInstrumental
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641997000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt 8/9
expressoinstrumentaldassubjetividades.Cadaumnoapenasumsujeitoqueoolhardooutrotransformaemobjetotodossoprodutosdaobjetividadereificadoradeumaracionalidadesocialadequadaaum"mundoadministrado".
Isto que se manifesta por assim dizer naturalmente no plano das relaes humanas aparece formalizado eexacerbado na cincia, onde a reificao encontra o amparo dos parmetros lgicos justificadores daobjetividadeterica.destaformaqueacontece,deformainteiramente"danificadora"(expressodeAdorno),oentrelaamentosocialentreasprticasdesociabilidadeeasatividadestericas,umasrefletindoasoutras,nosmodos especficos de resposta s exigncias da instrumentalidade.Diante desta totalidade cindida, comoumcorpocompostodemutilaes,ateoriacrticaseposicionaresolutamenteemtermosdejuzodevalor.Elano esconde, portanto, o seu interesse e o seu compromisso. O impulso crtico no deve se desfazer nadescrio e na constatao dos limites, como em Kant. Numa perspectiva efetivamente emancipadora etransformadora,a razodeveriavernos limitesaocasiodasuperaoenoopretextoda resignao. Istonosignificadeformaalgumaquesedevaentenderumapassagemsempreconseqentedacrticaaoativismo.Estepodefacilmenteserincorporadodediversasformasnaquilocontraoqualreage.Aprpriacompreensodoalcance do processo histrico da modernidade aponta para o perigo de gratuidade de uma resistnciaimediatista.Como conciliar o interesse e o compromisso coma recusa emapontar a sada?Mas, aomesmotempo,comoproporqueseescapedabarbrieseconsiderlaemtermosdefuturoiminentefecharosolhossuapresena?"Esperlaparaofuturo,depoisdeAuschwitzeHiroshima,fazpartedopobreconsolodequeaindapossvelesperaralgopior."(Adorno,1995,p.214).
Compreender a histria moderna, a gnese e o processo de desenvolvimento da razo iluminista, ascontradiesqueelaimplica,tambmcompreendercomoforampossveisAuschwitzeHiroshima.Ointeresseeocompromissoaenvolvidossignificamnoentantoqueestacompreensonosedemtermosdaposiodeumsujeitodiantedeeventosobjetivos.A compreensodabarbrie sadquire sentidoseacrescentaalgoaonossopoderdeevitarasuarepetio.porestemotivoqueopensarcrticojsednombitodapraxise,assim,jseconfiguradealgumamaneiracomoresistnciaa"algopior".
LEOPOLDOeSILVA,F.KnowledgeandInstrumentalReason.PsicologiaUSP,SoPaulo,v.8,n.1,p.1131,1997.
Abstract:Thistextdealswithfeaturesconsideredofimportanceforthegeneralcomprehensionoftheconceptofinstrumentalreason.Primarily,inthearticle,afewthemesinscribedinthephilosophicalfoundationofmoderntimesarepointedout,andtherefore,provideaidforanunderstandingofthecriticalhistoryofreasonformulatedbyAdornoandHorkheimer.StrategicpointsforthedebateofthedialecticsofIlluminismarediscussed,withtheobjectiveofhighlightingthenecessityofconsideringthecontradictionspresentinthedevelopmentofilluministicreasonsuchasprogress/regressionaswellasautonomy/domination.Indexterms:Illuminism.Instrumentalreason.History.Theory.Criticism.
REFERNCIASBIBLIOGRFICAS
ADORNO,T.W.Notasmarginaissobreteoriaepraxis.In:Palavrasesinais:modeloscrticos2.Petrpolis,Vozes,1995.[Links]
ADORNO,T.W.HORKHEIMER,M.Dialticadoesclarecimento:fragmentosfilosficos.Trad.GuidoAntoniodeAlmeida.2.ed.RiodeJaneiro,JorgeZahar,1986.[Links]
HORKHEIMER,M.Filosofiaeteoriacrtica.SoPaulo,NovaCultural,1989a.(ColeoOsPensadores)[Links]
HORKHEIMER,M.Teoriatradicionaleteoriacrtica.SoPaulo,NovaCultural,1989b.(ColeoOsPensadores)[Links]
1Cf.principalmenteAdornoeHorkheimer(1986),sobretudoocaptulosobreoConceitodeesclarecimento,p.1852.
CreativeCommonsLicenseAllthecontentsofthisjournal,exceptwhereotherwisenoted,islicensedunderaCreativeCommonsAttributionLicense
InstitutodePsicologia
-
19/04/2015 PsicologiaUSPConhecimentoeRazoInstrumental
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641997000100002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt 9/9
Av.Prof.MelloMoraes,1721BlocoA,sala202CidadeUniversitriaArmandodeSallesOliveira
05508900SoPauloSPBrazil