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Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004) 1 XVI REGIONAL SEMINAR OF FISCAL POLICY CEPAL/ILPES, Santiago de Chile, 29.01.2004 Session 6 - “Financial relationships between different levels of Governments: Implications of Existing Fiscal Systems for Fiscal Management and Efficiency and Equity in Service Provision” ( sujeito à revisão ) BRASIL, UM CASO À PARTE José Roberto Rodrigues Afonso ? INTRODUÇÃO (federalismo à brasileira) A descentralização fiscal tornou-se uma tendência crescente em todo o mundo ao longo das duas últimas décadas. Nesse movimento, as relações financeiras entre as diferentes esferas de governo foram desenhadas, em geral, de modo a tentar impedir que criem constrangimentos para o gerenciamento da política fiscal e da própria política econômica, no mais amplo espectro, e a buscar uma melhoria na eficiência e eficácia da prestação de serviços públicos, notadamente na área social. Uma avaliação dos resultados desses dois princípios no caso brasileiro exige atenção especial para as peculiaridades que marcam a institucionalização e a operação das relações financeiras intergovernamentais. 1 Isto pode ser resumido na seguinte frase de Wiesner (2003, p.76): “For several reasons, Brazil´s descentralization is a special case featuring particular policy and institutional characteristics.” O Brasil, com dimensões continentais, constitui uma federação democrática, de direito e também de fato. Poucos outros países atendem a essas condições, sendo a última novidade marcante a mudança no comando do governo federal em 2003, em que pela primeira vez em décadas um presidente, civil e eleito diretamente (Fernando Henrique Cardoso), foi sucedido por outro ? Economista do BNDES e consultor técnico da Câmara dos Deputados (lotado na Liderança do PSDB). E-mail: [email protected] . Site: www.joserobertoafonso.ecn.br . As opiniões aqui expressas são exclusivas do autor e não necessariamente das instituições a que está vinculado. Erika Amorim participou das pesquisas e reflexões. Elaborado com base em informações disponíveis até 15.1.2004. Esta versão será revisada e posteriormente divulgada no site do autor. 1 Para estudos mais detalhados e recentes do autor sobre o federalismo brasileiro, ver Rezende e Afonso (2002) e Serra e Afonso (2002). Também sugerimos Rezende e Oliveira (2003) para uma análise abrangente e atualizada sobre a descentralização e federalismo no Brasil. Outras análises e estatísticas sobre finanças públicas no Brasil estão disponíveis no site: http://www.federativo.bndes.gov.br/

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Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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XVI REGIONAL SEMINAR OF FISCAL POLICY CEPAL/ILPES, Santiago de Chile, 29.01.2004 Session 6 - “Financial relationships between different levels of Governments: Implications of Existing Fiscal Systems for Fiscal Management and Efficiency and Equity in Service Provision” ( sujeito à revisão )

BRASIL, UM CASO À PARTE

José Roberto Rodrigues Afonso ?

INTRODUÇÃO (federalismo à brasileira) A descentralização fiscal tornou-se uma tendência crescente em todo o

mundo ao longo das duas últimas décadas. Nesse movimento, as relações financeiras entre as diferentes esferas de governo foram desenhadas, em geral, de modo a tentar impedir que criem constrangimentos para o gerenciamento da política fiscal e da própria política econômica, no mais amplo espectro, e a buscar uma melhoria na eficiência e eficácia da prestação de serviços públicos, notadamente na área social.

Uma avaliação dos resultados desses dois princípios no caso brasileiro

exige atenção especial para as peculiaridades que marcam a institucionalização e a operação das relações financeiras intergovernamentais. 1 Isto pode ser resumido na seguinte frase de Wiesner (2003, p.76): “For several reasons, Brazil´s descentralization is a special case featuring particular policy and institutional characteristics.”

O Brasil, com dimensões continentais, constitui uma federação

democrática, de direito e também de fato. Poucos outros países atendem a essas condições, sendo a última novidade marcante a mudança no comando do governo federal em 2003, em que pela primeira vez em décadas um presidente, civil e eleito diretamente (Fernando Henrique Cardoso), foi sucedido por outro ? Economista do BNDES e consultor técnico da Câmara dos Deputados (lotado na Liderança do PSDB). E-mail: [email protected] . Site: www.joserobertoafonso.ecn.br. As opiniões aqui expressas são exclusivas do autor e não necessariamente das instituições a que está vinculado. Erika Amorim participou das pesquisas e reflexões. Elaborado com base em informações disponíveis até 15.1.2004. Esta versão será revisada e posteriormente divulgada no site do autor. 1 Para estudos mais detalhados e recentes do autor sobre o federalismo brasileiro, ver Rezende e Afonso (2002) e Serra e Afonso (2002). Também sugerimos Rezende e Oliveira (2003) para uma análise abrangente e atualizada sobre a descentralização e federalismo no Brasil. Outras análises e estatísticas sobre finanças públicas no Brasil estão disponíveis no site: http://www.federativo.bndes.gov.br/

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de igual condição e que comandava uma tenaz oposição ao governo anterior (Luiz Inácio Lula da Silva), ainda tendo a transição sido institucionalizada e transcorrida na mais perfeita harmonia política e administrativa, a ponto de ter receber reconhecimento e mesmo prêmio em escala internacional.

Ainda se pode acrescentar que o caráter de federalismo democrático

também é reforçado pelo fato de que, na mesma eleição, a maioria dos Estados mais importantes da federação, econômica e politicamente do País, passaram a ser dirigidos por governadores de partidos de oposição ao governo federal. No primeiro ano dos governos, isto não implicou maiores tensões, pelo contrário, a aliança entre os chefes dos Executivos federal e estaduais foi fundamental para a aprovação pelo Congresso Nacional, em poucos meses, de dois projetos de reforma constitucional, previdenciária e tributária.

No âmbito do sistema fiscal, a grande singularidade do Brasil é que a

descentralização não está alicerçada numa opção de política pública e econômica, formulada e executada sob comando do governo federal. Suas autoridades, políticas e econômicas, aqui, não podem adotar ou mudar a maior parte das relações intergovernamentais, segundo os objetivos e as avaliações que traçam por livre arbítrio.

No Brasil, a grande opção política pela descentralização foi tomada

pelos Constituintes que elaboraram e aprovaram a Constituição da República, vigente desde outubro de 1988, que foi o marco básico no processo de redemocratização após pouco mais de duas décadas de um regime militar ditatorial. Na Assembléia Constituinte, prevaleceu a idéia de que o esvaziamento fiscal e financeiro do governo central e o concomitante fortalecimento dos governos estaduais e municipais, especialmente das unidades das regiões menos desenvolvidas, constituiriam uma espécie de braço financeiro do movimento político maior.

O pacto federativo constitui um princípio sempre invocado mas nunca

formalizado como tal, porém, tem como base o longo e detalhista texto a respeito do sistema tributário na Constituição. No seu corpo, é cravada a atribuição de competências tributárias exclusivas para cada uma das três esferas de governo, com a singularidade de atribuir importantes tributos indiretos aos governos subnacionais – o imposto sobre circulação de mercadorias é delegado aos Estados e outro sobre serviços aos Municípios, com o texto constitucional ainda detalhando uma série de normas básicas para sua cobrança de modo a lhe assegurar ampla autonomia. O mesmo se sucede com a repartição constitucional de impostos, em que são constitucionalizados:

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as porcentagens da partilha, as limitações para que sejam direcionados os usos e até mesmo alguns critérios de rateio.

No campo das competências de responsabilidades e despesas, a situação

não é muito diferente. Embora a Constituição até repita alguma divisão intergovernamental de atribuições, na prática, há superposição de tarefas, especialmente por conta das profundas diferenças regionais, não apenas das condições econômicas e sociais, como também das capacidades executivas das administrações públicas estaduais e municipais. De qualquer forma, é importante destacar que a maior parte dos gastos públicos subnacionais não decorrem de tarefas delegadas pelas esferas superiores de governo; porém, são assumidos por unidade inferior de governo, mesmo sem um ato lhe atribua formalmente a responsabilidade por sua execução, a pretexto de atender interesses e necessidades da comunidade local. Embora sem um aparato institucional explícito e vinculado como o das receitas tributárias, o gasto público também foi crescentemente descentralizado e apenas atribuído por um a outro governo, formalmente e podendo ser retirado a qualquer momento.

Por força da Constituição nacional, Estados e Municípios gozam de ampla

autonomia para cobrar seus impostos e arrecadar as demais receitas, para executar suas despesas, inclusive para contratar servidores e definir os salários, para contrair dívidas, sendo os orçamentos e as prestações de contas aprovadas por poderes Legislativos próprios e não dependem de autorizações ou avaliações, ex-ante ou ex-post, do governo federal – com exceção das transferências ditas voluntárias e de eventuais empréstimos contraídos junto a órgãos federais, que envolvem montantes inferiores às transferências tributárias obrigatórias. Mesmo neste caso, os governos subnacionais gozam de razoável raio de manobra no caso dos maiores repasses federais, vinculados a programas do ensino fundamental e de saúde pública (que mais constituem as chamadas block grants).

Estas considerações iniciais objetivam qualificar os traços institucionais que condicionam o sistema fiscal brasileiro, fazendo com que sua experiência seja mais singular relativamente à maioria das economias em desenvolvimento, e devem ser consideradas, acima de tudo, numa avaliação sobre a estrutura e o funcionamento dos diferentes esquemas de relações financeiras intergovernamentais no País. Isto não significa que tais relações não devam ser avaliadas, como se o sistema fosse perfeito e o aparato institucional não admitisse mudanças. É fundamental, porém, ter sempre presente que os condicionantes do sistema brasileiro diferem, e muito das outras experiências nacionais. A descentralização aqui não resulta de uma opção de políticas públicas de um governo, nem mesmo é apenas uma estratégia fiscal da política

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econômica; ela tem um status muito maior, intimamente vinculado à estrutura permanente que se deu à federação brasileira em sua Constituição – sem contar que esta forma de organização do Estado é adotada desde a primeira Constituição republicana ao final do século XIX. Atento a tais especificidades do federalismo brasileiro, este trabalho se propõe a abordar brevemente a funcionalidade das relações financeiras intergovernamentais, sob dois pontos de vistas: do gerenciamento macro, fiscal e econômico, e da qualidade da prestação de serviços sociais básicos.

Na próxima seção são descritos os traços marcantes dos esquemas de relações financeiras entre governos. Na seção dedicada à avaliação pela ótica das políticas econômicas, é avaliado o comportamento recente do déficit e da dívida pública, com ênfase para o cumprimento pleno e sucessivo das metas acordadas com o FMI. Na seção dedicada à avaliação pela ótica dos serviços prestados, é analisado o novo papel das relações intergovernamentais nas áreas de educação, saúde e proteção social. A conclusão discute alternativas para aperfeiçoar o sistema, inclusive questionando a necessidade e a eficácia da redução das vinculações fiscais como forma de melhorar o desempenho do sistema.

ESTADO DAS ARTES DAS RELAÇÕES ENTRE GOVERNOS Já é notório que o Brasil é dos países organizados como Federação e,

dentre estes, apresenta dos graus mais avançados de descentralização fiscal, independente de qual seja a medida.

Curiosamente, a noção de uma descentralização avançada não é do senso

comum dentro do País, especialmente no universo político, em que se reclama cada vez mais da centralização do sistema.2 Essa percepção, porém, reflete mudanças na tendência da divisão federativa da receita tributária definida pela Constituinte de 1988, ainda pouco divulgada e debatida no País. Tais alterações ficam mais claras no biênio 2003/2004, com as evidências estatísticas apontando no sentido exatamente inverso ao do discurso oficial, com uma crescente participação federal na arrecadação e na divisão da receita.

2 Este também era o principal discurso no passado do Partido dos Trabalhadores que assumiu a Presidência da República em 2003, que, na campanha eleitoral, anunciava que a grande peculiaridade de seu projeto de reforma tributária era a revisão do pacto federativo para aumentar as rendas dos governos subnacionais.

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Antes de tratar da conjuntura, vale apresentar um quadro geral da federação, das relações intergovernamentais e, depois, do sistema tributário.

A divisão por esfera de governo dos principais fluxos e estoques fiscais,

revela a expressiva importância relativa dos governos subnacionais – como indica o quadro a seguir.

ASPECTOS GERAIS DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA: DIVISÃO ENTRE AS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO

Unidades Arrecadação Receita Pessoal Benefícios Formação Total Superávit Juros DívidaPrópria Disponível Ativo Sociais Capital Fixo (inclui juros) Primário (Competência) Líquida

Central União 1 68,5% 58,6% 30,0% 85,0% 17,6% 57,8% 76,2% 71,6% 64,6%Intermediária Estados 26+1 26,8% 25,0% 43,2% 12,9% 41,4% 25,5% 20,7% 24,2% 31,1%Local Municípios 5532+27 4,7% 16,4% 26,8% 2,1% 41,0% 16,6% 3,1% 4,2% 4,3%

5.586 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%34,6% 34,6% 10,12% 14,67% 2,20% 41,08% -4,27% 9,35% 55,8%2003 2003 2002 2002 2002 2002 jan-nov/03 jan-nov/03 nov/2003

Elaboração própria. Fontes primárias: IBGE, BACEN, MINIFAZ.

Organização política: esfera estadual - 26 Estados mais o Distrito Federal; esfera local - 5.560 Municípios instalados e recebendo transferências federais, sendo 26 capitais, 5532 do Interior e o Distrito Federal.

Recursos tributários e despesas públicas - conceito de contas nacionais, incluindo seguridade social (com fundos extraorçamentários, como FGTS) e exclusive atividades empresariais.

Necessidades de financiamento e dívida líquida das administrações governamentais: excluídas empresas estatais e incluído banco central; superávit no período janeiro a novembro e dívida ao final deste mês.

período

Recursos Tributários Despesas Públicas (contas nacionais) Necessidade Financto. e Dívida LíquidaEsferas de Governo

Totalem % do PIB

No âmbito do sistema tributário, a elevada carga tributária global (estimada para 2003 em 34,6% do PIB) tem a seguinte participação estadual e municipal: arrecadam diretamente pouco mais de 30% e, após as transferências constitucionais, aumentam essa participação relativa para mais de 40%. Esta última proporção era semelhante à divisão de toda a despesa das administrações públicas nas contas nacionais (41,1% do PIB em 2002). Tal resultado, porém, esconde uma brutal diferença na distribuição conforme a categoria de gastos: o governo federal explica em torno de 80% ou mais dos gastos com benefícios sociais (14,7% do PIB) e juros da dívida (perto de 10% do PIB em 2003), porém, numa situação inversa, a participação estadual e municipal sobe para 70% da folha salarial dos servidores em atividade (10,1% do PIB) e para mais de 80% no caso da formação bruta de capital fixo (2,2% do PIB).

Seguindo a metodologia da dívida líquida do setor público e suas

necessidades de financiamento, os últimos resultados (novembro de 2003) – excluindo as empresas estatais do cálculo - revelam que os governos subnacionais responderam por mais de um quinto do superávit primário parcial do ano (4,3% do PIB) e mais de um terço da dívida líquida das administrações públicas (55,8% do PIB). 3

3 Para uma comparação consistente com os fluxos de receitas e despesas que compreendem apenas atividades governamentais, a dívida líquida aqui empresada exclui as empresas estatais. Estas são consideradas em seção posterior que trata do superávit primário e da dívida líquida de todo o setor público brasileiro – subindo em 2003 para, respectivamente, 4,24% e 57,2% do PIB, na apuração parcial até novembro.

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Um retrato abrangente e atualizado dos fluxos intergovernamentais nas contas das administrações públicas é revelado pela contabilidade nacional – a última divulgada pelo IBGE é relativa ao exercício financeiro de 2002. Compreende não apenas a repartição constitucional de receitas, como todas transferências assim contadas nos balanços das administrações públicas – ou seja, inclui outros repasses regulares, como os da vinculação ao fundo de ensino fundamental – FUNDEF –, os do sistema único de saúde – o SUS e as obrigações federais com antigos territórios emancipados, como também as transferências ditas voluntárias, decididas ad hoc mas sempre inscritas no orçamento do governo doador). 4

ESTRUTURA DAS RELAÇÕES FINANCEIRAS INTERGOVERNAMENTAIS EM 2002

FluxosInvergovernamentais R$ bilhões % do PIB % do Total Bruta Própria Bruta Própria Tributária

Despesas 104.936 7,80% 100,0% 16,0% 19,0% 14,9% 17,7% 22,3%União 73.570 5,47% 70,1% 18,7% 23,0% 17,1% 17,1% 22,3%Estados 30.784 2,29% 29,3% 17,9% 21,8% 17,0% 23,1% 25,9%Municípios 582 0,04% 0,6% 0,6% 0,6% 0,6% 2,0% 2,9%

Receitas 104.936 7,80% 100,0% 16,0% 19,0% 14,9% 17,7% 22,3%União 103 0,01% 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%Estados 45.026 3,35% 42,9% 26,2% 31,9% 24,9% 33,8% 37,9%Municípios 59.807 4,44% 57,0% 64,6% 65,0% 64,4% 201,1% 294,2%

Balanço (0) 0,00% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%União (73.467) -5,46% -70,0% -18,7% -23,0% -17,1% -17,1% -22,2%Estados 14.242 1,06% 13,6% 8,3% 10,1% 7,9% 10,7% 12,0%Municípios 59.225 4,40% 56,4% 64,0% 64,4% 63,8% 199,2% 291,3%Elaboração própria. Fonte primária: IBGE, Contas Nacionais de 2002 (Tabela 39)

Diferença entre despesa/receita bruta ou própria = fluxos intergovernamentais.

Despesa inclui consumo intermediário, remuneração dos empregados, subsídios, benefícios sociais, juros e formação bruta de capital fixo

Receita incluir tributárias, rendas da propriedade e receitas diversas.

Transferência inclui não apenas a repartição constitucional de tributos, como também outros repasses regulares (FUNDEF, SUS) e transferências voluntárias.

Montante Em % da Despesa Em % da Receita

O fluxo total de recursos entre governos é volumoso e movimentou uma

parcela de 7,8% do PIB em 2002. Isto equivale a pouco mais de um quinto de toda receita tributária nacional e, computadas outras receitas, cerca de 18% das receitas correntes dos governos. Pelo lado do gasto, tal fluxo consumiu 16% do total da despesa fiscal. O sentido das transferências é praticamente sempre das esferas superiores para as interiores – mesmo os Estados, no balanço entre o que concedem e o que recebem, acabam com um saldo positivo de 1,1% do PIB e equivalente a 10% de seu orçamento próprio.5

Pela ótica dos governos doadores, verifica-se uma concentração de 70%

dos fluxos na União, que transfere um montante igual a 5,5% do PIB em 2002, o que consome um quinto de seu gasto fiscal global e equivale a 22% de sua receita tributária ou 17% de tudo que arrecada. Embora os Estados concedam

4 Os balanços anuais das unidades das três esferas de governo (citados ao longo deste trabalho) são coletados pela STN e consolidados sob o título Finanças do Brasil, estando disponíveis em seu site: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/index.asp 5 Excepcionalmente, com a criação do FUNDEF passaram a existir maiores transferências horizontais, inclusive com redistribuição de recursos entre governos estaduais e municipais, como será descrito a seguir.

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outros 30% do total transferido, estas também pesam dentro de seu orçamento: consomem em torno de um quinto de sua despesa total ou um quarto se computadas apenas a arrecadação tributária direta.

Pela ótica dos governos receptores, é observado em 2002 que os

Municípios (4,4% do PIB) são mais beneficiados que os Estados (3,3% do PIB): recebem transferências num volume que é o triplo do que arrecadam diretamente de tributos e o dobro da receita própria, de modo que 65% da despesa municipal é financiada por transferências. Os Estados, por sua vez, recebem um volume de transferências equivalente a um terço de sua receita própria e que responderá por mais de um quarto de sua despesa.

Não é demais ressaltar que este diagnóstico do conjunto de governos

subnacionais muda significativamente entre as unidades, sobretudo considerada as profundas disparidades econômicas e também fiscais. O grau de dependência de cada unidade de governo em relação às transferências, especialmente dos fundos de participação na receita de impostos federais, é uma função direta do seu estágio de desenvolvimento. Por conseguinte, quando é muito diferenciada a evolução das receitas próprias e das transferidas, também é bem distinto o comportamento das finanças subnacionais.

Após este diagnóstico mais global das relações financeiras

intergovernamentais vale focar a análise no sistema tributário uma vez que a repartição constitucional de receitas (6,3% do PIB em 2002) equivale a 80% da transferência global entre governos.

Se não houve nenhuma reforma mais profunda das competências

tributárias, por outro lado, o país assistiu a um expressivo e contínuo aumento da carga tributária global após a grave crise externa atravessada pelo País ao final dos anos noventa, o que levou a adoção de um austero programa de estabilidade fiscal, alicerçado num feroz aumento dos tributos federais.

Entre 1998 e 2002, a carga global saltou de 29,6 para 35,5 pontos

percentuais do PIB. Estimativas preliminares próprias apontam um recuo dessa carga para 34,6% do PIB em 2003, diante da estagnação da economia e, sobretudo, da queda das receitas extraordinárias - as da receita federal foram de 0,5% do PIB contra 1,4% no ano anterior.6 Ou seja, expurgadas tal 6 Os recolhimentos extraordinários da Receita Federal em 2002 foram da ordem de R$ 18,5 bilhões, caindo para R$ 7,9 bilhões em 2003, em grande parte devido à regularização naquele ano pelos fundos de previdência complementar privados do imposto de renda devido por vários anos em que preferiram questionar na justiça e depois acabaram derrotados pelo fisco. À parte tais fluxos, a carga corrente formada apenas pelos tributos da Receita Federal chegou a aumentar ligeiramente entre 2002 e 2003: de 15,9% para 16,2% do PIB.

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fluxo atípico, a arrecadação corrente ficou estável, em torno de 34,1% do PIB, no biênio 2002/2003. Por outro lado, as projeções orçamentárias para 2004 sinalizam um recorde histórico com a carga global podendo subir para 36,2% do PIB, puxada pela retomada do crescimento e, especialmente, por uma série de aumentos de tributos promovidos pelo governo federal e chancelados na estimativa de receita de seu orçamento, base da carga projetada.

CARGA TRIBUTARIA BRUTA GLOBAL NO PÓS-GUERRA: 1947 a 2004

13%

15%

17%

19%

21%

23%

25%

27%

29%

31%

33%

35%

37%

1947 1949 1951 1953 1955 1957 1959 1961 1963 1965 1967 1969 1971 1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003

Anos

Em %

do P

IB

A tendência histórica a elevação da carga tributária e o elevado

patamar que atinge, muito acima do padrão das economias em desenvolvimento, assumem proporções peculiares no início desta década, em que, pela primeira vez, o crescimento da receita tributária descola do desempenho decrescente do produto interno. Por trás dessa disparada da carga tributária, ocorrem mudanças muito importantes na divisão federativa dos recursos.

CRESCIMENTO NO PÓS-GUERRA DO PIB E DA RECEITA TRIBUTÁRIA GLOBAL - 1952 a 2004: média móvel últimos 5 anos da taxa real anual

-1

1

3

5

7

9

11

13

15

17

1952

1954

1956

1958

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

Ano Contas Nacionais. Deflator Implicíto do PIB

% a

.a. (m

édia

das

taxa

s an

uais)

PIB Receita Tributária Global

Numa retrospectiva de médio prazo, após a grave crise cambial do final

dos anos 90, o aumento de carga tributária coincidiu com uma recentralização

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da arrecadação tributária direta, ainda que parcialmente atenuada pelo lado das transferências intergovernamentais. Antes da reforma radicalmente descentralizadora promovida pela Constituição de 1988, a União arrecadava diretamente 70% da carga tributária nacional (22,4% do PIB), que cai para 63% em 1991. Depois, da criação do Real, a criação e o aumento das contribuições sociais permitiu a União elevar sua proporção na carga global para casa dos 69% entre 2002/2004.

A observação mais importante para esta análise, porém, envolve o

conceito da receita tributária disponível, computando, além da arrecadação própria, a repartição constitucional de impostos entre as diferentes esferas de governo.

Numa visão histórica, os Estados perderam, e muita, importância

relativa. Em 1960, detinham 34% da receita tributária nacional. Foram os mais atingidos pela centralização militar, que reduziu tal fatia para 22% em 1980 e, com a abertura política, recuperaram uma proporção de 27% no ano em que foi aprovada a última grande reforma (1988). A posição relativa estadual até chegou a subir para 29% em 1991, mas, a partir daí, caiu constantemente, a ponto de se estimar que em 2003 tenha detido apenas um quarto da receita tributária nacional, uma proporção abaixo da registrada em 1988.

EVOLUÇÃO DA RECEITA TRIBUTÁRIA POR NÍVEL DE GOVERNO - 1960/2004Anos selecionados. Conceito contas nacionais.

Conceito/Ano

Federal Estadual Local Total Central Estadual Local Total

ARRECADAÇÃO DIRETA

1960 11,10 5,50 0,80 17,40 64,0 31,3 4,8 100,0

1980 18,50 5,40 0,70 24,60 75,1 22,0 2,9 100,0

1988 15,79 5,94 0,65 22,40 70,5 26,5 2,9 100,0

2002e 24,39 9,47 1,68 35,54 68,6 26,7 4,7 100,0

2003e 23,72 9,26 1,63 34,60 68,5 26,8 4,7 100,0

2004o 24,99 9,46 1,74 36,18 69,1 26,1 4,8 100,0

RECEITA DISPONÍVEL

1960 10,40 5,90 1,10 17,40 59,4 34,0 6,6 100,0

1980 17,00 5,50 2,10 24,60 69,2 22,2 8,6 100,0

1988 14,00 6,00 2,40 22,40 62,3 26,9 10,8 100,0

2002e 20,56 9,06 5,92 35,54 57,9 25,5 16,7 100,0

2003e 20,28 8,65 5,67 34,60 58,6 25,0 16,4 100,0

2004o 21,42 8,90 5,87 36,18 59,2 24,6 16,2 100,0

Elaboração própria. Fontes primárias: FGV/IBGE, Contas Nacionais; STN, SRF, IBGE, MPAS, CEF, CONFAZ e FINBRA/STN.

e/ Estimativas preliminares. o/ Orçamento da União.

Metodologia das contas nacionais inclui impostos, taxas e contribuições, inclusive CPMF e FGTS, bem assim dívida ativa e juros.

Arrecadação direta: competências tributárias próprias. Receita disponível: arrecadação mais e/ou menos repartição constitucional de tributos.

Carga Tributária- % do PIB Composição - % do Total

Os Municípios, em contrapartida, foram os maiores beneficiados pela

reforma tributária numa primeira etapa: elevaram sua participação no bolo

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

10

tributário nacional de 11% para 17% nos dez primeiros anos de vigência do novo sistema (a ponto de alguns indagaram se, na prática, não estaria sendo criada uma federação de Municípios). 7 Porém, a partir da crise externa do final da década de noventa, o avanço federal acarretou uma perda marginal de posição municipal, que fecha o ano de 2003 detendo pouco mais de 16% do bolo tributário nacional. DIVISÃO ANUAL DA RECEITA TRIBUTÁRIA DISPONÍVEL POR ESFERA DE GOVERNO: 1988/2004

AnosFederal Estadual Municipal Total Federal Estadual Municipal Total

1988 13,96 6,03 2,42 22,40 62,3 26,9 10,8 100,0

1989 14,73 6,03 3,36 24,13 61,1 25,0 13,9 100,0

1990 16,95 7,94 3,89 28,78 58,9 27,6 13,5 100,01991 13,78 7,47 3,96 25,21 54,7 29,6 15,7 100,0

1992 14,23 7,03 3,73 24,98 57,0 28,1 14,9 100,0

1993 14,90 6,81 4,07 25,78 57,8 26,4 15,8 100,0

1994 17,65 7,47 4,64 29,75 59,3 25,1 15,6 100,0

1995 16,52 8,00 4,88 29,41 56,2 27,2 16,6 100,01996 16,30 8,04 4,75 29,09 56,0 27,6 16,3 100,0

1997 16,62 8,18 4,76 29,56 56,2 27,7 16,1 100,0

1998 16,66 7,89 5,09 29,64 56,2 26,6 17,2 100,0

1999 18,08 8,25 5,39 31,71 57,0 26,0 17,0 100,0

2000 18,53 8,63 5,52 32,67 56,7 26,4 16,9 100,02001 19,58 8,86 5,70 34,14 57,4 25,9 16,7 100,0

2002/e 20,56 9,06 5,92 35,54 57,9 25,5 16,7 100,0

2003/e 20,28 8,65 5,67 34,60 58,6 25,0 16,4 100,0

2004/o 21,42 8,90 5,87 36,18 59,2 24,6 16,2 100,0

Variação 2003/1988

em % PIB 6,33 2,62 3,25 12,20 51,9 21,5 26,6 100,0

variação relativa 45,4% 43,6% 134,2% 54,5%

Variação 2004/1988

em % PIB 7,46 2,87 3,45 13,78 54,1 20,8 25,0 100,0variação relativa 53,5% 47,7% 142,5% 61,5%

Elaboração própria. Fontes primárias: FGV/IBGE, Contas Nacionais; STN, SRF, IBGE, MPAS, CEF, CONFAZ e FINBRA/STN.

e/ Estimativas preliminares. o/ Orçamento da União.

Metodologia das contas nacionais inclui impostos, taxas e contribuições, inclusive CPMF e FGTS, bem assim dívida ativa e juros.

Receita disponível: arrecadação direta mais e/ou menos repartição constitucional de tributos.

Em % do PIB Participação % no Total

Nos últimos anos, a situação só não foi ainda pior para os governos locais porque ganharam crescente fatia da receita tributária estadual com a redistribuição promovida pelo FUNDEF, sem contar os crescentes repasses do SUS, que, por não terem caráter estrutural, não são contabilizados no quadro da divisão federativa da receita tributária. Mas, por categoria de Municípios, dada as grandes diferenças de padrão de financiamento, a situação é bastante diferenciada com destaque para a redução recente do FPM que afeta sobremaneira aqueles de menor porte e do interior mais pobre:8 em 2003, após

7 Esta era a questão principal que tinha sido posta a Afonso e Mello (2002) para abordar em conferência do FMI sobre experiências federativas comparativas. 8 Agrupados os balanços locais de 2002 por faixa populacional, verifica-se que o FPM explica quase 60% da receita tributária disponível ou metade da receita corrente para os Municípios com menos de cinco mil habitantes. A medida em que cresce a população, diminui a dependência, mas, de qualquer forma, mesmo nas

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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cair 16% em relação ao ano anterior, o total do FPM ficou abaixo de R$ 20 bilhões, o menor montante repassado num ano desde 1995. 9

Já a União que tinha sofrido duramente os efeitos iniciais da implantação do atual sistema tributário, com sua fatia no bolo tributário nacional caindo de 62% em 1988 para menos de 55% em 1991 (seu pior ano), no conceito de receita disponível, recuperou pontualmente grande parte de seu espaço no ano de criação do Real – 59% em 1994. Depois, voltou a recuar até chegar em 56% em 1998. A partir daí, dois movimentos com a mesma origem, aumentaram a carga tributária nacional e também a participação relativa da União - subiu para 58% em 2002. Avançou ainda mais na primeira metade do atual governo, com projeções indicando que pode ultrapassar a fatia relativa de 59% do bolo tributário nacional em 2004 e ficar a apenas três pontos percentuais abaixo da posição anterior a última grande reforma. AUMENTO E DIVISÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA GLOBAL NO PERÍODO PÓS-CONSTITUINTE - 1988/2004

Em p.p. por fasePIB % total União Estados Municípios União Estados Municípios

Pós-Constituinte 1988-2003 12,20 100% 6,33 2,62 3,25 52% 22% 27%Pré-Real 1988-1993 3,38 28% 0,95 0,78 1,65 28% 23% 49%Pós-Real Imediato 1993-1998 3,86 32% 1,76 1,08 1,02 46% 28% 26%Pós-Crise Cambial 1998-2003 4,96 41% 3,62 0,76 0,58 73% 15% 12%Gov.Lula- 2 Anos 2004-2002 0,65 100% 0,85 -0,16 -0,05 132% -24% -8%Pós-Constituinte 1988-2004 13,78 100% 7,46 2,87 3,45 54% 21% 25%Elaboração própria. Fontes primárias: FGV/IBGE, Contas Nacionais; STN, SRF, IBGE, MPAS, CEF, CONFAZ e FINBRA/STN.

e/ Estimativas preliminares para 2002/03. o/ Projeções orçamentárias para 2004.

Metodologia das contas nacionais inclui impostos, taxas e contribuições, inclusive CPMF e FGTS, bem assim dívida ativa e juros.

Receita disponível: arrecadação direta mais e/ou menos repartição constitucional de tributos.

Em p.p. do PIB Em %Quanto cada esfera de governo se apropriou do aumento de carga?

PeríodoAumento da Carga

A política tributária do atual governo federal privilegia, em um grau sem precedente anterior, a cobrança de contribuições sociais, que não são compartilhadas com outras esferas de governo, em detrimento da perda de importância relativa e absoluta, em valores constantes, da arrecadação dos impostos de renda e, sobretudo, de produtos industrializados, repartidos através dos fundos de participação.

Confrontando a arrecadação, de um lado, de IR e IPI (base do

FPE/FPM) e, de outro lado, das quatro maiores contribuições sociais (COFINS, PIS, CSLL e CPMF), verifica-se que os agregados praticamente se equivaliam em 1994 e 2002, último ano dos governos Franco e Cardoso, respectivamente (a distância aumentou cinco pontos em oito anos, por uma expansão na margem – contribuições crescem mais que impostos). A estimativa, porém, é de que em cidades de 50 a 100 mil habitantes, sozinho o FPM responde por um quarto da receita tributária disponível e um quinto da receita corrente. 9 A retração do FPM provocou uma grave financeira conjuntura nos pequenos Municípios do interior, com notícias de que mais de dois mil deles não pagaram o décimo -terceiro salário para seus servidores em dezembro de 2003. Tal movimento acelerou uma deterioração das finanças locais já constatada nos balanços do ano anterior – 44% dos Municípios (2.423) fecharam 2002 com déficit fiscal, segundo IBAM (2003), proporção que aumenta entre cidades do Norte e Nordeste.

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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2003 tais contribuições tenham arrecadado 13% a mais do que os dois impostos e, em 2004, segundo as projeções do orçamento federal, a diferença salte para 27%. Ou seja, a diferença aumentaria em um quarto com apenas dois anos do Governo Lula. 10

Se a descentralização inicialmente tinha sido, na prática, muito mais um

movimento de municipalização dos recursos públicos, o avanço recente do governo federal na divisão do bolo nacional tributário consolida o esvaziamento financeiro dos governos estaduais e aponta, pelos primeiros lances do atual governo federal, para uma tendência recentralizadora da arrecadação direta e também, em menor grau, da receita disponível. Se há uma crise na Federação, ela é, antes de tudo, uma crise estrutural no nível intermediário de governo, e nos momentos de maior redução dos repasses dos fundos de participação, uma crise conjuntural dos governos muito dependentes de transferências.

EFEITOS NO GERENCIAMENTO MACRO Um pouco mais, um pouco menos descentralizado o sistema fiscal, o fato

é que tal processo não impediu avanços notáveis na mudança estrutural das finanças públicas brasileiras nos últimos anos. A estabilidade monetária foi implantada e consolidada a despeito da federação descentralizada. O mesmo vale para a estabilidade fiscal, perseguida e alcançada com a nova política econômica implantada ao final da década anterior, baseada num triplo regime – de metas inflacionárias, de câmbio flutuante e de responsabilidade fiscal.

A existência de um sistema de relações intergovernamentais,

movimentando um expressivo fluxo de recursos visando à descentralização horizontal e vertical do sistema fiscal, não impediu a formulação e a implementação dessa política econômica, inclusive relativamente à exigência de fiel cumprimento das metas fiscais, demandando aumento na geração de superávits primários também pelos governos subnacionais e de restrição das respectivas dívidas líquidas. Também não comprometeu as mudanças de estratégias na política tributária, com destaque para o aumento já apontado da 10 A arrecadação conjunta de IR e IPI aumentou cerca de R$ 42 bilhões entre 1994 e 2002 (durante os dois mandatos de Fernando Henrique) contra um crescimento em torno de R$ 46 bilhões das principais contribuições sociais (COFINS, PIS, CSLL e CPMF) – ou seja, a base dos fundos de participação perderam posição relativa na margem. Porém, o cenário entre 2002 e 2004 (na primeira metade do Governo Lula) é bem diferente, segundo o orçamento do próprio governo federal: os dois impostos diminuirão em quase R$ 10 bilhões (-0,75% do PIB), enquanto aquelas contribuições crescerão em torno de R$ 18 bilhões (+0,86% do PIB). Por isso, a razão entre os dois agregados subirá de 97% em 1994 e 102% em 2002 para 113% em 2003 e 127% em 2004. É uma evidência do esvaziamento relativo da base dos fundos de participação.

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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carga global, muito menos das políticas de gastos, seja de maior austeridade com folha salarial, previdência de servidores e investimentos, seja para avançar e descentralizar políticas sociais, tanto as de caráter universal (ensino e saúde), quanto os novos programas assistenciais focados (parcerias com outros governos foram fundamentais para sua implementação).

Por trás, dessa guinada fiscal, econômica e social está um processo de

reestruturação do Estado que foi coroado com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (a LRF) em meados de 2000 e aplicada as três esferas de governo – ou seja, ela mais consolidou as mudanças que já estavam do que as iniciou. Made in Brazil, é uma peça legal com poucos paralelos em outros países. Muito mais importante do que a lei em si foi a mudança de mentalidade que ela viabilizou, com uma nova consciência em torno da necessidade do equilíbrio macroeconômico, a qual aderiu a base política do atual comando do governo federal que, no passado, consistia no único bloco de oposição àquela lei e as políticas e práticas que enseja.

A profunda mudança do padrão fiscal no Brasil tem sido reconhecida

internacionalmente. Uma “divisora de água” assim foi resumida a LRF na visão do FMI quando emitiu uma avaliação extremamente positiva sobre as contas e as práticas fiscais no Brasil ao final de 2001 (avaliação que nada tinha a ver com os empréstimos e o acordo técnico), sublinhando que alcançamos um grau de transparência fiscal como o de poucos outros países em desenvolvimento, inclusive na liderança de uso do chamado governo eletrônico.11 A OCDE12 e o Banco Mundial13, por sua vez, também divulgaram análises elogiando a performance fiscal brasileira, ambos concentrando suas atenções sobre os 11 Segundo o IMF (2001, p.2):

“In the last few years Brazil has achieved a high degree of fiscal transparency, together with major improvements in the management of its public finance… The cornestone of these achievements has been the enactment in May 2000 of the Fiscal Responsibility Law which sets out for all levels of government fiscal rules designed to ensure medium-term fiscal sustainability, and strict transparency requirements to underpin the effectiveness and credibility of such rules of theses achievements has been the enactment in May 2000 of the Fiscal Responsibility Law … Brazil has attained high standards with respect to main indicators of fiscal management and transparency. In particular, the following specific aspects are worth highlighting… Brazil is at the front of countries at comparable level of development in the use of electronic means for the dissemination of fiscal statistics, legislation, and administrative regulation on tax and budgetary matters, and for delivery of government services, as well as to facilitate civil society´s scrutiny of government activities and programs…”

12 Segundo OECD (2001, p.69): “The government turned again to the issue of fiscal policy in order to redress fiscal imbalances and restore the credibility of fiscal policy…. The new Fiscal Responsibility Law (FRL), approved in May 2000, was one of the instruments to ensure that the fiscal position of sub-national governments was consistent with this overall goal, through the law applies to all levels of government. The FRL is also improvising the transparency of public accounts and the budgetary process.” 13 Segundo World Bank (2001, p.28): “The new Law of Fiscal Responsibility is expected to rein in the hitherto irresponsible fiscal management by sub-national governmetns. But, for the time being, Brazil has no option but to continue to pursue tight fiscal policy and pursue structural reforms such as administrative reform and pension reform. Results of these measures are critical for the consolidation of the PPA” (p.28).

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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avanços da LRF nos ganhos em conciliar a ampla autonomia dos governos subnacionais e o exercício da chamada boa governança macroeconômica, especialmente ressaltando que aqueles governos, após a nova lei, deixaram de representar ameaças para a estabilidade macroeconômica.

A luz desse novo e favorável cenário institucional das finanças públicas

brasileiras, vale analisar as políticas fiscais e seus os resultados mais recentes, seja pelo lado do superávit e da dívida, seja pelo lado da tributação.

Superávit e Dívida (resultados melhores que metas) Gerar superávit primário e manter a dívida pública sob controle são os

aspectos mais relevantes para a política fiscal de um país que seja forçado a promover um vigoroso e rápido ajuste fiscal para atender aos compromissos de sua dívida e para sanear uma sucessão de crises externas, enfrentadas ao longo da segunda metade dos anos 90 e mais recentemente, ao final de 2003, com outra gerada pelas expectativas em torno da eleição de um Presidente da República que comandava uma tenaz oposição ao governo anterior.

Até meados dos anos noventa, o País atravessou um processo

descontrolado de endividamento estadual e municipal, as vezes induzido pela própria política econômica, por vezes sem registro adequado das dívidas. Após a criação do Real, o governo federal iniciou um novo e definitivo processo de renegociação e assunção pelo Tesouro Nacional de todas as dívidas, inclusive as bancárias e as mobiliárias, em troca, dentre outros, de se firmar um programa de ajuste fiscal com cada Estado e com cada Município, incluindo metas de desempenho e vedação de novas captações até que a dívida fosse reduzida a um teto nacional; dos credores pagarem uma prestação mensal do serviço da dívida em proporção fixa da receita corrente; e, o principal, da oferta por eles de contragarantias firmes (bloqueio e retenção automática de transferências constitucionais e receitas próprias).

No dia seguinte em que foi concluído tal sucessão de programas de

rolagem das dívidas, foi editada a Lei de Responsabilidade Fiscal vedando a concessão de novos créditos pela União, bem assim qualquer repactuação do que já tinha sido renegociado (exceção apenas para avais em empréstimos externos, desde que haja contragarantia suficiente e adequada). Para alguns, bastaria este dispositivo para assegurar o sucesso daquela lei. De fato, cortado o cordão umbilical entre governos federal e subnacionais, foi possível combinar autonomia e responsabilidade pela primeira vez na história da

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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federação brasileira. E não é simples mudar esta que é uma lei complementar, o que exige aprovação da maioria absoluta de cada Casa do Congresso. 14

Um fluxo corrente e substancioso de pagamentos da dívida renegociada

foi adotado a partir de 2000. Foram raros os casos em que algum governo estadual ou municipal não pagou a prestação mensal da dívida; de qualquer forma, isto resultou no bloqueio dos recursos próprios pelo Tesouro. Como os maiores governos subnacionais viram seu acesso ao mercado de crédito ser praticamente anulado e com a regularização dos pagamentos do serviço da dívida renegociada, os governos subnacionais passaram a gerar superávits primários firmes e crescentes. NECESSIDADE DE FINANCIAMENTO DO SETOR PÚBLICO - % do PIB: 1988/2003

Conceito/Esfera 1998 1999 2000 2001 2002 2003 até nov.

RESULTADO NOMINAL 7,46 5,78 3,61 3,58 4,59 4,65

Governo Central 4,93 2,7 2,27 2,11 0,75 3,45

Estados 1,8 2,68 1,81 1,93 3,25 1,38 Municípios 0,22 0,47 0,27 0,1 0,58 0,26

Empresas Estatais 0,51 -0,07 -0,74 -0,56 0,01 -0,44

JUROS NOMINAIS 7,47 8,97 7,08 7,21 8,48 9,59

Governo Central 5,48 5,03 4,13 3,94 3,12 6,7 Estados 1,39 2,84 2,23 2,53 3,89 2,26

Municípios 0,44 0,52 0,4 0,37 0,73 0,39 Empresas Estatais 0,16 0,58 0,32 0,37 0,74 0,24

RESULTADO PRIMÁRIO -0,01 -3,19 -3,47 -3,63 -3,89 -4,94

Governo Central -0,55 -2,33 -1,86 -1,83 -2,37 -3,25

Estados 0,41 -0,16 -0,42 -0,6 -0,64 -0,88 Municípios -0,22 -0,05 -0,13 -0,27 -0,15 -0,13

Empresas Estatais 0,35 -0,65 -1,06 -0,93 -0,73 -0,68

Elaboração Própria. Fonte primária: Bacen (Séries Temporais). Sinais indicam: (+) déficit; (-) superávit Após a grave crise externa no final dos anos 90, o País fechou uma

sucessão de acordos com o FMI, no qual a meta de geração de superávit primário começou em 3,1% do PIB em 1999 e chegou a 3,75% do PIB no início de 2002, mas, após a crise de confiança gerada pela campanha presidencial, foi elevada para 3,88% e, depois, 4,25% do produto – meta esta que o novo governo federal estendeu até 2007. Se neste quesito o País conseguiu cumprir periódica e sistematicamente todas as metas periódicas, a evolução foi outra no caso da dívida líquida, seja pela continuidade do processo de

14 Em meio a campanha presidencial de 2002, o então candidato Lula prometeu a governadores e prefeitos reverter tal restrição da LRF, mas, felizmente, após sua vitória e posse, nunca mais tocou no assunto.

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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reconhecimento de passivos (os chamados esqueletos), seja, sobretudo pelo impacto da elevação da taxa real de juros e da desvalorização cambial. Basta dizer que a primeira meta para dívida líquida era sua redução da casa de 53% do PIB, após a maxidesvalorização cambial, para 46,5% ao final de 2001.

Na apuração das necessidades de financiamento, segundo a metodologia

definida com o FMI, 1998 foi o último ano em que governos subnacionais registram déficit primário, ainda assim de reduzidos 0,2% do PIB (explicado pelo mau resultado dos estados). O mesmo percentual de superávit foi registrado no ano seguinte e melhorou nos exercícios posteriores até atingir 1% do PIB em 2003 (excepcionalmente, compreendendo o período janeiro a novembro). Destaque-se, neste último ano, que o setor público brasileiro gerou um superávit montando a R$ 70,3 bilhões até novembro acima da meta acordada com o FMI de gerar até dezembro um saldo de R$ 65,0 bilhões. Esta mesma situação de folga se repete pelo lado do estoque da dívida líquida do setor público em 2003: o teto acordado com o Fundo era de R$ 955 bilhões até dezembro, porém, um mês antes, o montante era de R$ 905 bilhões. Ainda assim o drástico aumento dos juros da dívida em 2003 consumiu todo acréscimo de superávit primário e resultou na geração do maior déficit nominal desta década. 15

O componente da dívida líquida estadual e municipal tem uma evolução

menos favorável na virada da década, não pela geração de déficits ou pela antiga colocação de papéis com spread excessivo, mas sim pelo reconhecimento de dívidas antigas que não eram devidamente contabilizados e, sobretudo, pelo fato de que o indexador dos contratos de refinanciamento com o Tesouro, o índice geral de preços - o IGP-DI, calculado pela FGV – teve uma evolução muito acima dos índices de preços ao consumidor, especialmente por ser mais sensível à desvalorização cambial.

Assim, a dívida líquida dos governos subnacionais subiu de 14,1% para

18,3% do PIB, entre 1998 e 2001, depois de concluído o processo de refinanciamento com o Tesouro. Após fechar 2002 em 18,4% do produto, saltou para 19,8% em novembro de 2003, não devido a déficit mas sim por conta da correção das operações renegociadas com o Tesouro que usam um indexador demasiado inflado – o IGP (isto nada afeta o fluxo, calculado como

15 Não é demais registrar que, a despeito do aumento do superávit primário em 2003, este foi insuficiente para atender ao crescimento da despesa total, especialmente do Tesouro Nacional, decorrente da sensível elevação das taxas de juros básicas após a eleição do Presidente Lula e até o dito restabelecimento da confiança pelo mercado. Vale mencionar que, entre janeiro a novembro de 2003, a despeito do superávit primário próximo a 5% do PIB, os juros nominais chegaram a 9,6% do produto e, no final, o setor público registrou um déficit nominal de 4,6% do PIB.

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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proporção da receita; e pode implicar em aumentar o resíduo a ser rolado ao final do período originalmente contratado).

DÍVIDA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO - % do PIB - 1998/2003

Esfera 1998 1999 2000 2001 2002 2003 até nov.

TOTAL 41,71 48,68 48,77 52,63 55,49 57,17

Governo Central 25,00 29,80 30,57 32,79 35,32 36,03

Estados 12,23 13,94 13,96 16,20 16,25 17,36 Municípios 1,92 2,15 2,09 2,08 2,20 2,42 Empresas Estatais 2,56 2,79 2,15 1,56 1,72 1,36

Elaboração Própria. Fonte primária: Bacen (Séries Temporais). Compreende dívida interna e externa. É curioso destacar as diferenças de portes entre Estados, muito mais

endividados e por isso obrigados a realizar maiores superávits primários, do que os Municípios. Embora o orçamento dos primeiros não chegue a ser o dobro da esfera local de governo, o superávit primário exigido dos Estados (0,9% do PIB até novembro de 2003) é quase sete vezes superior ao resultado gerado pelos Municípios (0,1% do PIB). Afinal, essa é a mesma proporção observada no caso da dívida: 17,4% do PIB da estadual contra apenas 2,4% do PIB da municipal.

A concentração da dívida estadual e municipal no governo federal (quase

95% do total) é outra característica marcante: ao final de novembro de 2003, apenas as dívidas renegociadas junto ao Tesouro Nacional montavam a R$ 262 bilhões ou equivalente a 16,5% do PIB, dos quais 91% devidos pelos governos estaduais.

Mais uma vez, cabe alertar que são marcantes as diferenças entre as

unidades de governo, algumas muito mais endividadas do que outras (mais da metade dos Municípios brasileiros, por exemplo, sequer contraíram dívida bancária), porém, a melhoria dos resultados fiscais é uma tônica generalizada, independente de porte ou de região das unidades federadas.

A descentralização não impediu a formulação e a implementação de uma

política de profunda austeridade fiscal.16 As vultuosas transferências

16 Araújo (2003, pp.74-75) identificou que o ajuste fiscal dos governos es taduais na virada da década foi, em grande parte, baseado em cortes de gastos:

“Entre 1999 (ano no qual, conforme mencionado, quase todos os estados já haviam assinado contratos de refinanciamento) e 2001 (último ano para o qual há dados disponíveis), os gastos totais do conjunto dos estados caíram 2,1% em termos reais, os dispêndios com pessoal (principal componente dos gastos correntes) e as despesas de capital também experimentaram decréscimos reais de 2,2% e 33,9%, respectivamente. O decréscimo da despesa total só não foi maior porque, a

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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intergovernamentais, ao constituir, ao mesmo tempo, base de cálculo para a prestação do serviço da dívida e garantia para retenção e repasse de valores líquidos, contribui direta e decisivamente para que governos subnacionais participem do esforço fiscal nacional. Elas ampliam o montante das prestações a serem pagas e asseguram perfeito e amplo adimplemento nas dívidas subnacionais renegociadas junto ao Tesouro, que, por sua vez, representam a quase totalidade do que é devido por Estados e Municípios.

Vale destacar, ainda, que os Estados, apesar de perderem crescente e

expressivamente participação na divisão do bolo formado pela receita tributária nacional, têm gerado um superávit primário em torno de 9% de sua receita tributária disponível, quando a mesma razão chega a 16% no caso do governo federal (mas com um volume e uma diversidade muito maior de receita) e menos de 3% no caso dos governos locais. Os Estados estão fazendo um expressivo sacrifício para pagar, hoje e caro, pelos pecados cometidos por suas gestões passadas desequilibradas orçamentária e financeiramente – a mesma conclusão a que chegam autores como Guardia e Sonder (2004). 17

Pseudo reforma Tributária e impasses contínuos Ao final de dezembro de 2003 foi aprovada uma emenda constitucional 18

que teria promovido uma pretensa reforma do sistema tributário, com base em

despeito da redução dos gastos com pessoal, as despesas correntes aumentaram em 5,6% ... Em outras palavras, o resultado da evolução dos gastos do conjunto dos estados revela que os mesmos se esforçaram em ajustar suas contas buscando diminuir suas despesas. O ajuste, entretanto, não se deu pelo corte dos gastos correntes – cujos dispêndios costumam ter caráter permanente –, mas foi devido principalmente à drástica redução das despesas de capital. Em 1999, as despesas de capital respondiam por 19,5% dos gastos totais e, em 2001, passaram a ser responsáveis por 13,2%... Os dispêndios com pessoal também caíram, mas não em proporção suficiente para fazer decrescer os gastos correntes.”

17 Segundo estudo recente e específico sobre o tema de Guardia e Sonder (2004, pp. 25 e 26): “... The purpose of this paper was to discuss the institutional characteristics of fiscal federalism in Brazil, the recent changes and the impact on the fiscal outcome of subnational governments. Three aspects were emphasized: revenue assignment, intergovernmental transfers mechanisms and control of subnational debt, which are the defining elements in the relationship between the different levels of governments in any country. In each one of these areas, we found strong evidence to affirm that the characteristics of the federalist system in Brazil have been a key element in the choice of the policies used to promote the fiscal adjustment and in explaining its result... ... A well implemented fiscal adjustment program and a reliable system of fiscal federalism are two inextricably linked ingredients in the achievement of long term macroeconomic stability. Large federations should look at their fiscal federalist system of rules and mechanisms as a central piece of their overall economic architecture. Particularly during times of fiscal adjustment (but also during more stable periods) the fiscal federalist system is simultaneously an important tool for policy makers and a focus of vulnerability if not given the deserved attention. Brazil’s successful fiscal adjustment owes much to way in which, on one hand, adjustment measures have been adopted in accordance to the existing fiscal federalist system and, on the other hand, changes to the federalist system have been done keeping in mind the macroeconomic fiscal adjustment objectives.”

18 Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003. Texto disponível em: http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/emc%2042-2003?OpenDocument

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projeto enviado pelo novo governo ao final de abril. As mudanças promovidas estão longe de reformular o sistema. A emenda atende apenas às necessidades mais prementes de resguardar o ajuste fiscal, através da prorrogação, até 2007, da cobrança do tributo provisório sobre transações financeiras (a CPMF) e do mecanismo de desvinculação orçamentária federal (a chamada DRU), que torna 20% das contribuições de livre aplicação. Outras poucas e limitadas medidas pontuais foram aprovadas – merecendo maior nota a possível criação de um regime especial e nacional para microempresas (chamado de SuperSimples).

A emenda não mexeu em nenhuma competência tributária, e pouco

mudou as relações intergovernamentais - por ora, só introduziu a partilha de um quarto da contribuição econômica sobre combustíveis para financiar investimentos em transportes (a CIDE). Mesmo a excessiva atenção dada pelo projeto original do governo para o ICMS estadual, de concreto, restou o exacerbamento da guerra fiscal que tanto pretendia combater (a constitucionalização da desoneração das exportações não tem qualquer efeito prático, pois já era atendida através de uma lei complementar).

As medidas tributárias mais importantes adotadas em 2003, porém,

foram promovidas pelo governo federal através de medidas provisórias, enquanto o Congresso discutia o projeto de reforma constitucional, com destaque, primeiro, para o aumento de tributos (CSLL e ISS) sobre prestadores de serviços, e, depois, a mudança da base de cálculo da contribuição sobre faturamento (COFINS) para tornar não-cumulativa a exigência das grandes empresas do País. É das alterações na legislação tributária mais importantes e esperadas dos últimos anos, a pretexto de corrigir o mais cumulativo dos tributos e melhorar a competitividade do sistema nacional, porém, a calibragem da alíquota (de 3% sobre o faturamento bruto passou para 7,6% sobre o faturamento líquido) levou a um aumento expressivo da carga tributária em 2004 (de 0,65% do PIB segundo as projeções oficiais do orçamento).

Mais uma vez, ficou para o futuro, que pode não ser tão longe, uma

enorme e complexa agenda de reforma tributária, em especial para melhorar a competitividade do sistema – vide Varsano (2003).

Como a reforma do imposto estadual foi modificada pelo Senado,

continuará a ser examinada pela Câmara, como outras mudanças que podem afetar as transferências (como uma elevação do FPM e a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional), mas sem previsão sobre a evolução dos trabalhos – uma vez que as matérias que eram prioritárias para o governo

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federal já foram aprovadas, sem contar que no caso dos fundos citados, este só terá a perder se as mudanças forem à frente.

Ainda no campo da reforma tributária a ser enfrentada e promovida em

algum dia, vale mencionar, ainda, que nos últimos anos surgiu e vem crescendo uma tese que associa a eventual ineficiência na provisão de serviços públicos no Brasil, especialmente na área social, às distorções da repartição constitucional de receitas tributárias, exatamente a temática de boa parte deste trabalho. Fernando Rezende foi o primeiro e é o mais veemente defensor de uma reformulação mais profunda das relações financeiras entre governos no âmbito da reforma tributária. 19

O argumento é centrado na má distribuição regional de recursos

públicos. O ponto-de-partida é o desequilíbrio na repartição regional de receitas tributárias e de gastos públicos, especialmente ditada pela inadequada, às vezes até injusta, distribuição regional das transferências tributárias. O descompasso na divisão federativa de recursos e responsabilidades era praticamente inevitável quando o processo de descentralização foi feito sem qualquer planejamento, implementado sem uma coordenação superior e sem mecanismos adequados de avaliação e repactuação, uma vez que imperou a opção política, imposta “de cima para baixo” (pela Assembléia Constituinte de 1987/99), e se deixou de lado qualquer formulação ou execução técnica.

É conhecido, mas muito pouco divulgado (e raramente considerado nos

debates políticos nacionais), o diagnóstico de que existem profundas disparidades regionais na divisão das receitas per capita, seja entre governos estaduais, seja entre governos municipais, que não guardam correspondência com as desigualdades econômicas e sociais.

Um estudo recentemente divulgado - Prado et alli (2003) – detalha o

perfil da partilha de recursos na federação brasileira, e conclui que não há qualquer lógica que explique as diferenças entre os recursos disponíveis por cada unidade de governo, que não envolvem apenas regiões ou tipos de 19 Em resumo, Rezende (2003, p.23) defende que...

“Após quase quatro décadas e sucessivos remendos, o modelo do federalismo fiscal brasileiro precisa passar por uma profunda transformação. Nessa transformação, a preocupação fundamental deve estar posta na obtenção de um novo equilíbrio entre a repartição de competências e os mecanismos de repartição. Para tanto, será necessário enfrentar o tabu em que se transformou a discussão de mudanças nos fundos de participação e demais mecanismos de partilhas e transferências tributárias. Por mais que essa discussão encerre um enorme potencial de conflitos, é necessário enfrentá-la, mesmo porque as modificações prévias na natureza dos tributos e nas respectivas competências, irão alterar a repartição das receitas que, na ausência de ajustes nos mecanismos de repartição, poderão levar a novos aumentos de carga tributária para assegurar a manutenção do status quo.”

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unidades de governo, sempre que medidos em valores per capita.20 (Aliás, este é um indicador pouco utilizado no debate federativo e regional, sobretudo naquele em que predominam aspectos políticos, praticamente todas as comparações entre dimensões de governo tomam os valores brutos de suas variáveis orçamentárias, supondo que a riqueza esteja associada à magnitude dos recursos movimentados e ignorando completamente o tamanho da população, até mesmo das mais pobres, atendida por aquela unidade de governo).

As surpresas já começam nas comparações regionais em que o estudo

revela que a liderança do ranking da receita não é exercida pelos governos dos Estados mais ricos. A receita final per capita dos governos subnacionais de São Paulo é inferior em quase 40% a maior do país - de Roraima, um ex-território federal localizado na Região Norte. As discrepâncias entre Estados de uma mesma região também são grandes: na região Nordeste, por exemplo, a receita total per capita dos governos de Sergipe, a maior, é cerca de 60% superior a do Maranhão, a mais baixa. Se considerarmos só os Municípios, há um perfil errático de distribuição da receita, concluindo Prado et alli (2003) que, à parte os Municípios das capitais, agrupados por faixas de população, os maiores valores per capita são encontrados entre as cidades com menos de cinco mil habitantes.

Esta irracionalidade na divisão federativa dos recursos está

alimentando uma nova corrente de pensamento em torno da futura reforma tributária - por ora ainda limitada às discussões técnicas -, defendendo que não se limite apenas aos princípios de melhoria da competitividade e às mudanças nas competências tributárias, mas que mude e expressivamente os esquemas de repartição de receitas de impostos. 21

20 Ainda que tome por base dados de um antigo exercício financeiro (1997), é possível que as discrepâncias não tenham sofrido grandes alterações ao longo dos últimos anos. 21 Piancastelli e Camillo (2003, p.23) concluem o mesmo usando uma metodologia de análise econométrica:

“As transferências, quando reguladas por dispositivos constitucionais, podem voltar-se mais nitidamente para os objetivos econômicos e sociais almejados, e podem ser imunes a ocasionais pressões políticas. Em geral, é mais difícil alterá -las e mais fácil inspecioná-las. Entretanto, no contexto do federalismo fiscal brasileiro, o maciço volume de transferências constitucionais para os estados não tem gerado os resultados esperados, uma vez que as discrepâncias de renda per capita entre os estados permanecem inalteradas. As indicações são, portanto, a necessidade de vincular as transferências constitucionais a objetivos econômicos e sociais explícitos, bem como a necessidade de aglutinar as transferências voluntárias em torno dos objetivos mais importantes propostos pelos partidos que assumiram o governo, com base nos quais foram eleitos. Tais iniciativas certamente reduziriam o clientelismo e a dispersão de recursos públicos, e assim aumentariam a eficiência das transferências de recursos para os governos subnacionais.

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O foco principal da crítica é o critério de rateio dos fundos de participação. No caso do FPE, nem há fórmula mas uma tabela congelada com a divisão por Estado, arbitrada politicamente logo após a promulgação da nova Constituição e frontalmente contraria a esta que prevê que uma lei estabeleça critérios de partilha (aliás, a suprema corte da justiça federal está examinando ações questionando a validade daquela partilha). No caso do FPM, é mantida a mesma formulação decretada pelo governo militar em meados dos anos 60, com base em atos ditatoriais, limitando a participação das capitais e das cidades mais populosas (aonde a então oposição tinha vencidas as primeiras eleições municipais após o golpe militar) e, como contrapartida, transferindo maiores valores per capita para as cidades do menor extrato de partilha - com até 10 mil habitantes.

Sem desmerecer a tese e a inegável necessidade de revisão dos

critérios de rateio dos fundos de participação, cabem algumas observações. Primeiro, as distorções na divisão regional da receita decorrentes dos

vícios da partilha do FPE e do FPM perderam força recentemente a medida em que diminuiu a própria relevância dessas transferências, com o esvaziamento relativo da base de cálculo, do IR e do IPI, face ao aumento contínuo das contribuições federais.

Segundo, cresceram de importância as transferências regulares

relativas ao FUNDEF e ao SUS, com critérios próprios, onde há um mínimo de planejamento e correspondência entre gastos e volume de transferências, e diminuem as discrepâncias regionais quando os repasses regionais são mensurados em valores per capita. No caso dos Municípios, a receita agregada de transferências do FUNDEF e do SUS praticamente se equivale ao repasse normal do FPM.22 Esta é a melhor evidência de que da montagem de uma espécie de sistema paralelo de relações intergovernamentais no âmbito da Ordem Social (da mesma forma que as contribuições representaram um sistema de arrecadação paralelo ao tradicionalmente composto por impostos e taxas). O ideal era que a reforma das transferências antes preconizada tivesse um escopo ainda mais global, também computando tais programas sociais, que acabam funcionando como um sistema de relações intergovernamentais paralelo ao tributário.

22 Em 2002, os balanços das Prefeituras brasileiras registraram uma receita agregada oriunda do FUNDEF e do SUS da ordem de R$ 15,7 bilhões, o equivalente a 97% da receita com o FPM (embora, lembrando que parcela do FUNDEF é oriunda deste fundo) – agrupadas as cidades por faixa de renda, aqueles já superam o FPM nos balanços de quem tem mais de 50 mil habitantes. A importância relativa também pode ser evidenciada pelo fato de que as duas fontes já equivalem a três quartos da arrecadação tributária própria municipal e a um quarto do total da receita tributária disponível.

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Terceiro, é bom lembrar que uma reforma desse porte pouco ou nada depende de emenda constitucional, bastando mudanças em leis complementares, ainda que com quorum qualificado. Este fato, entretanto, não diminui a constatação de que falta a mínima vontade política para mexer em tais critérios. No sentido inverso, quase todos os projetos de reforma se preocupam desde já em anunciar que não mudarão as fórmulas de partilhas, já antevendo as resistências – no caso do projeto de emenda constitucional votados em 2003, por tal temor, sequer o governo federal quis mexer no imposto municipal sobre serviços (o ISS), quanto mais propor uma mudança mínima, ainda que com transição lenta e gradual, no rateio dos fundos.

EFEITOS NA PROVISÃO DE SERVIÇOS O campo das relações intergovernamentais que mais cresceu no Brasil

desde meados dos anos 90 envolve o financiamento ou mesmo a parceria na execução na provisão de serviços, no âmbito do esforço maior que marcou a adoção de políticas sociais ativas e criativas.

Os dois casos mais marcantes envolvem a remodelagem do financiamento

do ensino fundamental público e, depois, do sistema único de saúde, que envolveram a criação de vinculações, as mudanças nos critérios de rateio das principais transferências tributárias e as ampliações dos aportes pelo governo federal como indutor da maior e efetiva participação estadual e municipal.

Chama-se a atenção que nem sempre tais relações têm caráter

financeiro, ou seja, implica em movimentação de recursos entre os governos. Este é o caso típico dos novos programas de proteção e assistência social, no qual, em geral, o financiamento é federal (por vezes, complementado ou com programas paralelos, em alguns Estados e Municípios), mas aqueles governos têm papel ativo, seja na implementação dos serviços, seja no acompanhamento e avaliação dos mesmos (por exemplo, cadastrando a população beneficiada e verificando o cumprimento pelas famílias de suas obrigações).

Se muitos dessas políticas e programas ainda não foram devidamente

analisadas em profundidade, até pelo caráter recente e muito pulverizado entre atividades e entre órgãos públicos, quanto mais foram tratados os aspectos mais específicos das relações intergovernamentais. De qualquer forma, além da documentação pública tradicional, já surgem trabalhos abordando muito os aspectos micros dessas políticas e práticas, inclusive para atender a interesses de organismos estrangeiros, multilaterais ou do terceiro setor, porque o País vem se destacando nas comparações internacionais de

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indicadores sociais e significa que tenha muitas experiências concretas para serem examinadas e replicadas em economias semelhantes.

A redivisão federativa no Ensino Fundamental – FUNDEF A primeira mudança mais importante nas relações financeiras intergovernamentais envolveu a vinculação constitucional para a manutenção e o desenvolvimento da educação. Em setembro de 1996, uma emenda constitucional criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério (o FUNDEF), com o objetivo de alterar a sistemática de financiamento desse ramo da educação. 23

Na prática, foi criada uma subvinculação, temporária (10 anos), que destinou a tal fundo, em cada unidade federada, a parcela de 60% dos 25% da maioria das receitas de impostos estaduais e municipais vinculados à educação. Constitui uma espécie de destaque de 15% das transferências federais dos fundos de participação (FPE, FPM, FPEx e Lei Kandir) que cabe a cada Estado, mais 15% da arrecadação própria de ICMS no respectivo Estado, que são vinculados ao respectivo FUNDEF (na prática, não existe um mas 27 FUNDEFs). Enquanto, 85% dos Fundos de Participação são repartidos entre os governos subnacionais segundo os critérios de rateio normais, e 85% do ICMS são repartidos entre o Estado (três quartos) e seus Municípios (um quarto, segundo uma fórmula predefinida), os recursos reunidos no FUNDEF de cada Estado são repartidos entre o governo estadual e os governos municipais segundo o número de alunos matriculados nas escolas de primeiro grau mantidas por cada unidade federada.

Além da redistribuição de recursos entre governos subnacionais, a União

se comprometeu a transferir uma complementação para o fundo estadual que não atingir um patamar mínimo de aplicação anual por aluno. Este subsídio federal foi proposto para facilitar a aprovação e a adesão dos governos subnacionais à proposta, porém, posteriormente, se tornou irrelevante para a operação do FUNDEF. Desde o início da operação, em 1998, o piso foi fixado abaixo da média nacional e, a seguir, foi corrigido abaixo do crescimento nominal das receitas tributárias que alimentam o Fundo, de modo que foram reduzidos sensivelmente, tanto à cobertura (de apenas oito Estados beneficiados pela complementação no primeiro ano, só a metade a recebeu em 2003), quanto à despesa financeira (a dotação diminuiu até mesmo em valores nominais nesse período, passando de cerca de meio bilhão de reais para cerca R$ 300 milhões). 23 Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/1998.

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O FUNDEF constitui, portanto, acima de tudo, um mecanismo inovador e,

ainda único, no sistema fiscal de brasileiro pois implica uma profunda e periódica (anual) redistribuição de recursos, seja em caráter vertical (da esfera estadual em favor da municipal), seja em caráter horizontal (entre as prefeituras). O tamanho da rede escolar de cada unidade de governo é que se torna o critério único e decisivo para balizar essa nova forma de relações financeiras intergovernamentais no País. Portanto, há um estímulo direto para a ampliação da provisão de serviços. Infelizmente, também acabava, por princípio, induzindo fraudes estatísticas, tendo sido denunciados casos isolados mas que gerou uma reação de fortalecimento do controle e de ações conjuntas, inclusive de âmbito criminal, por parte do Ministério da Educação, dos Tribunais de Contas e do Ministério Público. 24

Por ser melhor a saúde financeira dos Municípios do que dos Estados,

em geral, o mesmo processo acabou representando uma descentralização dos recursos e correspondentes gastos, além de um processo muito mais racional de partilha de recursos entre unidades do que os critérios vigentes para o FPM (que ponderam a população, por faixas, com um piso excessivamente elevado e um teto demasiado reduzido).

É interessante destacar que, em que pese o governo federal ter

assumido finalmente um papel de planejador, formulador, coordenador e avaliador de uma nova política de financiamento da educação, em nada mudou a responsabilidade estadual e municipal em relação à provisão dos serviços e a descentralização se deu por adesão, por um processo natural de opção local pela expansão e assunção da rede antes estadual. A municipalização não foi imposta, nem pela emenda constitucional do FUNDEF, muito menos por determinação do governo federal; mas sim foi induzida pelo redesenho das relações financeiras intergovernamentais.

A subvinculação do FUNDEF tem um peso considerável no cenário fiscal brasileiro: em 2003, movimentou R$ 25,2 bilhões, equivalendo a 1,6% do PIB e respondendo por mais de 11% da receita tributária disponível subnacional. A redistribuição vertical é expressiva tanto que os Municípios ficaram com 51% do total movimentado (a diferença é mais marcante em relação ao ICMS em que tal repartição seria 75% estadual contra apenas 25% municipal).

24 Neste contexto, o Ministério da Educação colabora com a atuação dos Procuradores Estaduais na identificação de eventuais irregularidades e na tomada de providências contra seus responsáveis, chegando a divulgar na Internet, desde 2003, um documento denominado Subsídios ao Ministério Público para Acompanhamento do FUNDEF : http://www.mec.gov.br/sef/fundef/pdf/fundef.pdf

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Em termos financeiros, isto significa que, sem o FUNDEF, a receita tributária disponível dos Estados, em seu conjunto, seria superior em R$ 4,8 bilhões ou 0,3% do PIB. Dito de outra forma, este é o montante que perderam os governos estaduais, equivalendo a 5,5% do total de sua receita originária, em favor dos governos municipais e em apenas um exercício, de 2003. Neste ano, em todos os 26 Estados, os governos estaduais redistribuíram receita a favor de seus Municípios por conta do FUNDEF.25

Tal magnitude também é a quantificação da descentralização promovida

na prestação deste serviço. Em termos físicos, fica evidente o grande avanço da municipalização quando, em 1997, antes da criação do FUNDEF, as prefeituras respondiam por 40,7% do total de matrículas na rede pública; subindo dez pontos percentuais em apenas cinco anos.

A avaliação mais importante, portanto, gira em torno do aumento do

número de crianças na escola e praticamente se assegurou a universalização do ensino fundamental (entre 1997 e 2001, a taxa de escolarização de crianças até 14 anos passou de 87,5% para 96,3%). O governo federal tem divulgado balanços anuais detalhados dos impactos financeiros e físicos do FUNDEF – vide, por exemplo, Ministério da Educação, relatório (2003) e manual (2004).26 Este também foi objeto de análises dos mais diferentes campos profissionais – Abreu (2003), por exemplo, debate as possíveis alternativas para financiar a expansão da educação básica no País e em torno de aspectos operacionais dos Fundos, sobretudo em torno da cobertura de gasto que ele deve aceitar. Em princípio, os defensores do segmento defendem a exclusão do custeio pelo FUNDEF de gastos com professores aposentados, ou mesmo de ações complementares como distribuição de merenda e livros ou o transporte de alunos, buscando ampliar o orçamento disponível para as atividades finais; naturalmente, o oposto interessa aos administradores fiscais de cada governo uma vez que quanto mais ampla a lista de despesas aceitas alcançam maior de raio de manobra no orçamento e na execução financeira.

Consolidada a experiência, o debate agora envolve, antes de tudo, a transformação da norma constitucional do FUNDEF de transitória em

25 Em termos regionais, os efeitos redistributivos da receita estadual para a esfera municipal foram mais acentuados nas regiões menos desenvolvidas. No Nordeste, com o FUNDEF, a receita disponível de seus governos estaduais diminuiu em quase 8% e a dos respectivos Municípios aumentou em cerca de 15%. Já no Sul/Sudeste, tais variações ficaram em torno de 3% e 6%, respectivamente. Isoladamente, o impacto descentralizador foi maior nos Estados do Ceará (-11% da receita do governo estadual), Alagoas e Maranhão (-9%) e Rio de Janeiro (-85). Por outro lado, o governo estadual de São Paulo foi o menos afetado pela criação do FUNDEF: a redistribuição atingiu pouco mais de 1% de sua receita disponível (com um ganho em torno de 3% de suas Prefeituras). 26 Outros relatórios de avaliação e estudos em torno do FUNDEF podem ser encontrados no site do Ministério da Educação: http://www.mec.gov.br/sef/fundef/default.shtm

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permanente.27 O mesmo vale em relação aos novos desafios até decorrentes do sucesso do anterior. No caso do ensino fundamental, uma vez que agora a criança já vai para a escola, o grande objetivo é melhorar a qualidade do ensino e, na medida do possível, aumentar a carga horária, especialmente nas regiões mais pobres. No caso do ensino médio, responder a rápida e intensa ampliação da demanda tendo em vista que um maior contingente consegue concluir o ensino fundamental (entre 1997 e 2001, o total de matrículas neste ciclo já aumentou em 71%). No caso do ensino infantil, o desafio é o de aumentar a baixa cobertura, embora, dificilmente podendo alcançar a universalização tendo em vista o custo por aluno ser elevado e superior ao dos estágios seguintes (naquele mesmo período, as matrículas aumentaram em 20% neste ciclo).

Como financiar essa expansão dos demais ramos de ensino é a questão. Não vale replicar a bem sucedida sistemática redistributiva do FUNDEF porque o ensino infantil é da competência municipal e o médio, da estadual. A tendência é que a União seja chamada a exercer um papel mais ativo no financiamento das novas frentes de expansão do ensino, o que acabou fazendo em caráter marginal no FUNDEF. Isto é inevitável notadamente no caso do ensino médio, em que é mais premente o crescimento das vagas e a crise fiscal dos Estados impede que a maioria atenda esses compromissos. A ativação do Sistema Único de Saúde – SUS A Constituição de 1988 tornou universal o acesso à saúde pública e sacramentou a implantação de um sistema único e descentralizado de saúde – conhecido como SUS. Para se ter idéia do alcance social do sistema, vale citar que, atualmente, 28,6% da população brasileira é usuária exclusiva do SUS, subindo para 61,5% no caso dos usuários do SUS e de outro sistema (apenas uma minoria de 8,7% nunca usa o sistema).

Historicamente, o governo federal sempre teve um papel predominante, não apenas no financiamento, quanto na prestação direta dos serviços e na contratação de uma rede conveniada, uma vez que a assistência médica era vinculada ao mesmo sistema de previdência social. A política sanitária nunca definiu claramente os papéis de cada governo, de modo que, só para comparar duas realidades próximas, a maior parte dos grandes hospitais eram federais 27 Só fica alguma dúvida porque, quando foi criado, o Partido dos Trabalhadores se posicionou radicalmente contra a proposta, a exemplo da LRF, alegando que seria ferida a autonomia federativa. Depois, o Partido transformou numa grande bandeira a criação de um fundo único e amplo para financiar toda a educação básica. Após assumir o governo federal, entretanto, não houve posicionamento mais claro do governo, nem qualquer proposta formal.

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no Rio de Janeiro e estaduais em São Paulo. Embora único, o sistema era marcado por sobreposição de funções e uma grande centralização do custeio e da operação.

A partir de meados de noventa, a medida em que se reforçou as finanças do Ministério da Saúde, foi implantada uma firme política de descentralização das ações e dos serviços, mais uma vez tendo objetivo final delegar ao Município a gestão plena do sistema em seu território - atualmente, a gestão plena é adotada em quase 600 deles (mas em 16 Estados continua nas mãos do governo estadual), sem contar que a gestão da atenção básica já compreende cerca de cinco mil. Num processo paulatino, a administração das unidades federais de saúde foram repassados para a gestão estadual e, preferencialmente, municipal, bem assim estes também assumiram a própria contratação e pagamento dos serviços contratados junto à rede conveniada, ambulatorial e hospitalar, incluindo entidades sem fins lucrativos (como as santas casas) e empresas privadas, cabendo ao governo federal assegurar os recursos para seu custeio.

Depois de recomposto o orçamento federal do ministério setorial e

regularizados os fluxos financeiros dos programas citados, o governo federal apoiou uma emenda constitucional, originária do Partido dos Trabalhadores, então oposicionista, e aprovada praticamente por unanimidade, 28 facultando a vinculação de receitas tributárias próprias para o SUS com base em lei complementar, com obrigatória reavaliação qüinqüenal. Em caráter transitório, foi determinado pela emenda de que o gasto federal obedecesse ao do ano anterior, corrigido pela variação nominal do PIB, enquanto, para as outras esferas de governo, foi fixado um cronograma para crescente vinculação dos impostos estaduais e dos municipais – até atingirem as parcelas de 12% e 15%, respectivamente, a partir de 2004 (aliás, nada impede que futura lei complementar altere os percentuais, o mesmo modificasse a natureza da vinculação - por exemplo, para exigir de cada governo a aplicação de um valor per capita das receitas próprias).

É bom situar, portanto, que se trata de um tipo de vinculação

razoavelmente diferente da aplicada para o ensino, a começar por não estar cravado no corpo permanente da Constituição o critério de cálculo da aplicação, e também por não alterar os critérios de rateio das transferências. Uma série de dúvidas e discussões vem surgindo na implementação desta vinculação ao SUS, especialmente em torno da abrangência, cuja fronteira ainda é mais tênue relativamente a saneamento e à assistência oferecida a

28 Emenda Constitucional nº 29, de 13/09/2000.

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servidores, sem contar as discussões sobre a base de partida da vinculação federal e as respectivas estimativas do PIB.

Para se ter idéia da monumental dimensão do SUS, Ministério da Saúde

(2003, p.5) informa que o atendimento ambulatorial compreende mais de 63 mil unidades e cerca de 153 milhões de procedimentos por ano, enquanto a assistência hospitalar mobiliza mais de 5,8 mil unidades, com 441 mil leitos e cerca de 11,7 milhões de internações anuais, sendo 2,6 milhões de partos, 83 mil cirurgias cardíacas e 60 mil cirurgias oncológicas.

Regularizado o processo da assistência tradicional, passou o governo federal a criar e expandir cada vez mais programas de atenção básica a saúde, onde, mais uma vez, os governos subnacionais foram acionados como parceiros cabendo a eles a execução da maior parte das ações – por exemplo, a contratação de médicos, enfermeiros e atendentes dos programas de saúde família e agentes comunitários de saúde, as compras de remédios, vacinas e outras aplicações de um repasse per capita periódico a título de piso de atenção básica (PAB).

Assim, a política ativa de saúde envolveu, dentre outros, a expansão do Programa Saúde da Família - PSF, o acesso gratuito aos principais medicamentos, a ampliação do número de vacinas e da cobertura vacinal, a expansão e a melhor qualidade do atendimento pré-natal (aumento de 89% nas consultas pré-natais entre 1997 e 2001) e altos investimentos na recuperação e modernização tecnológica da rede física do SUS. Segundo o Ministério da Saúde (2003, p.5), novamente impressiona o porte da atuação do SUS: 1 bilhão de procedimentos de atenção básica, com 251 milhões de exames laboratoriais e 8,1 milhões de exames de ultra-sonografias; já a expansão do PSF permite sua presença em 90% das cidades, atendendo 55 milhões de pessoas e mobilizando mais de 17,6 mil equipes de médico família. Ao contrário da educação, o financiamento federal ainda é predominante e não há um fundo para unificar aplicações, muito menos redistribuições horizontais ou verticais de recursos, como no caso do FUNDEF. 29 29 Oliveira (2003, pp. 268-269) também destaca essa diferença entre as recentes emendas do SUS e do FUNDEF:

“No caso da saúde, onde a demanda não pode ser quantificada, e conseqüentemente os recursos necessários para o seu atendimento, dadas as incertezas que predominam nessa área sobre as necessidades da população, marcadas por uma grande diversidade regional, a vinculação é importante para garantir fontes estáveis de recursos e para fortalecer a cooperação financeira intergovernamental na sua cobertura mas não é suficiente para garantir a redução das desigualdades. Neste caso, a ação equalizadora da União, baseada em critérios de redistribuição de recursos que considerem as distintas realidades regionais, suas carências e necessidades específicas, desponta como decisiva para que esse objetivo seja alcançado, e não apenas de forma complementar, como no caso dos serviços educacionais.”

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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As relações financeiras intergovernamentais são importantes, mas tem

um sentido único, oriundas do governo federal, para beneficiar os governos subnacionais –segundo o Ministério da Saúde (2003, p.9), 74% de seu orçamento compreende transferência para os governos subnacionais. São duas grandes linhas de repasse, a maior vinculada à prestação de serviços pela rede conveniada do SUS – ainda que sejam orçadas como transferências entre governos, na prática, tais montantes constituem muito mais uma renda por um serviço, prestado diretamente ou a contratar com os conveniados.

A outra parcela dos recursos se refere a programas de atenção básica de saúde. Uma parte transita pelas contas subnacionais, especialmente das prefeituras, como uma transferência clássica; como os repasses são regulares e os critérios de rateio predefinidos e com definição técnicas, mais se assemelham às repartições de receitas do que às transferências tipicamente voluntárias e irregulares (aliás, a própria LRF excluiu os repasses do SUS deste último bloco). Por vezes, os recursos da chamada assistência primária são pagos diretamente pelo governo federal para os profissionais e outros fornecedores contratados, ainda que a administração dos serviços esteja a cargo dos gestores locais. Com a crescente descentralização promovida pelo SUS, as transferências do SUS assumem uma dimensão fiscal tão relevante quanto muito das fontes de repartições de receitas tributárias. Pelo lados dos governos subnacionais receptores das transferências, em 2002 tinham sido escritas como repasses oriundos do SUS um montante de R$ 7,9 bilhões, equivalentes a 0,6% do PIB, a cerca de 4% da receita tributária disponível e a 15% do total de impostos federais repartidos.

O estágio avançado da municipalização é dado pelo fato de que 79% desses recursos foram recebidos para os governos locais. O montante de R$ 6,3 bilhões provenientes do SUS no balanço das receitas municipais equivale a 30% de sua arrecadação tributária direta e a 38% do FPM. Como tais repasses tem forte aderência à distribuição demográfica, dois terços são recebidos por prefeituras de cidades com mais de 100 mil habitantes. O SUS constitui de longe a transferência federal mais importante e uma das maiores fontes da receita para os Municípios de maior porte do país, com mais de 500 mil habitantes: supera em 74% o FPM, equivale a 19% os tributos diretos e a pouco mais de 9% da receita tributária disponível.

Essa política de saúde alcançou resultados bastante positivos, que

podem ser sintetizados na rápida e sensível melhora dos indicadores de

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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mortalidade infantil: caiu de 38,4 por mil nascidos vivos, em 1994, para 28 por mil em 2001, uma redução expressiva de 27%, na média nacional – em que pese serem bastante acentuadas as disparidades regionais (no Nordeste, apesar de uma redução relativa superior a nacional, o índice ainda era de 44% em 2001).

Periodicamente, são divulgados balanços das ações do SUS – como o

recente Ministério da Saúde (2003), 30 além da crescente avaliação por especialistas e organismos, inclusive multilaterais – caso, por exemplo, Medici (2003) que analisa especificamente o tema da descentralização para o BID, ou de Biasoto (2003), que recupera o processo histórico e foca nas relações intergovernamentais.31

Se muito se avançou nos últimos anos, por outro lado, há muito mais

ainda o que fazer para ampliar a oferta e melhorar a qualidade dos serviços da saúde pública. Quiçá, o principal desafio a ser enfrentado na gestão do SUS seja elevar a produtividade do gasto.

No campo macro, é fácil saber que a melhor política para economizar

com os gastos futuros de assistência médico-hospitalar é investir na expansão das ações preventivas, com destaque para a criação de novas equipes e a ampliação da cobertura dos programas de saúde família e agentes comunitários. No campo micro, há muito o que se fazer para melhorar o controle e a qualidade do gasto, como através da tão esperada adoção de um cartão eletrônico de identificação dos usuários e a ampliação do uso do pregão eletrônico como forma de agilizar compras e reduzir seus custos.32 É preciso, porém, sempre ter presente que tais mudanças devem atentar: primeiro, para a dimensão da empreitada – basta dizer que o serviço de processamento do sistema (o DATASUS) gerencia um dos maiores bancos de dados do mundo; segundo, para a imperiosidade de se manter e aprofundar as parcerias com governos subnacionais, por onde passam as soluções anteriores, tanto no campo 30 Para aprofundar a análise, o Ministério oferecer ampla Biblioteca Virtual no site: http://dtr2001.saude.gov.br/bvs/biblioteca.htm 31 A conclusão de Biasoto (2004, p.49) é a seguinte:

“A política de saúde, nos últimos anos, foi marcada por três distintos desafios. O primeiro deles foi a realização da descentralização das ações e serviços de saúde, proposta por diversos segmentos sociais dentro do processo de democratização e conduzida por inúmeros gestores do sistema. O segundo foi a transição do modelo de garantia securitária ao modelo de acesso universalizado, que também envolvia diversos elementos de caráter federativo, além da própria forma de assistência à saúde. O terceiro foi a enorme luta no seio da seguridade social e do orçamento governamental para garantir recursos federais à saúde e viabilizar as vinculações nas três esferas de governo. Nenhum dos casos resultou em desenhos definitivos das novas institucionalidades e políticas. No entanto, em todos eles, o acúmulo de experiências, a consolidação de direitos e a definição de espaços de ação já criou raízes e campos de negociação política. Vale dizer, a busca dos gestores federais e estaduais em recuperar condições de participação do processo é prova do sucesso da descentralização, que evidentemente tem que se recolocar novas questões a cada momento.”

32 Ver Fernandes (2004) para uma análise atualizada da experiência brasileira e dos enormes potenciais para controle e redução de custos abertos pelos canais de compras eletrônicas.

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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macro, como no micro; terceiro, que a sistemática de vinculação se faz necessária para dar tranqüilidade de um aporte mínimo de recursos básicos pelo governo federal e para tentar financiar a expansão com aportes crescentes dos governos estaduais e municipais.

A nascente Rede de Proteção Social

Uma política social mais ativa teve seqüência após as mudanças antes apontadas nas políticas universais de ensino e saúde, quando, no início desta década, foram criados novos programas assistenciais focados na população mais pobre do País – casos do pagamento, através de cartões, de auxílios financeiros para crianças retiradas do trabalho escravo e mantê-las na escola (programa de erradicação do trabalho infantil – o PETI), para incentivar a matrícula e manutenção das crianças em escolas (o Bolsa-Escola), para estimular a amamentação materna e a alimentação infantil (o Bolsa-Alimentação) e também para compensar os efeitos da retirada de subsídios do preço do gás de cozinha (o Vale Gás). Estes programas, após mudança promovida pelo novo governo federal, passaram a ter gestão unificada sob a denominação de Bolsa-Família, porém, continuam os mesmos os critérios de inclusão, pagamento e contrapartidas exigidas dos beneficiários.

Num conceito mais abrangente, foi denominada de Rede de Proteção

Social o conjunto dessas ações governamentais voltadas ao pagamento de benefícios sociais, aí computados outros programas, mais antigos e por vezes com alguma contribuição, como os do seguro-desemprego, o abono salarial para trabalhadores de baixa renda e, o maior de todos, a previdência rural (em que a imensa maioria se aposentou sem um mínimo de contribuição atuarial). 33

A inovação que ficou mais conhecida, inclusive atraindo atenção de outros países, foi o fato dos benefícios não serem distribuídos em espécie (como leite ou alimento) mas sim pagos em dinheiro, preferencialmente às mães: usam cartões magnéticos para efetuar saques na rede bancária e também de loterias e comprarem os bens de primeira necessidade, diretamente no comércio local, conforme a sua conveniência.

33 Para uma idéia da dimensão da proteção social dada por estes programas, vale citar que, em 2003, o programa do seguro-desemprego deve atender 4,6 milhões de trabalhadores desempregados; os de assistência social (LOAS), pagam um salário-mínimo mensal para 642 mil idosos com mais de 70 anos ou inválidos e 1,5 milhões de idosos a partir de 67 anos e portadores de deficiências; e a previdência rural também paga um salário para quase 7 milhões de aposentados no campo.

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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AÇÕES SOCIAIS DO GOVERNO FEDERAL EM PARCERIA COM OUTROS GOVERNOS - 2003

Ações Ministério Público-Alvo Tipo de Número de Gasto RealizadoGovernamental Benefício Beneficiários R$ milhões (até out/03)

REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL

Bolsa Escola EducaçãoCrianças de 6 a 15 anos em famílias com até 1/2 salário mínimo per capita

R$ 15 por criança, até 3 crianças por família 10.207 mil 1.264,20

Auxílio-Gás Minas EnergiaFamílias com renda per capita máxima de 1/2 salário mínimo

R$ 7,50 por família 7,9 milhões 695,2

Bolsa Alimentação Saúde

Crianças até 6 anos, gestantes e nutrizes, em famílias com até 1/2 salário mínimo per capita

R$ 15 por criança, até 3 crianças por família

2 milhões 264,4

Erradicação do Trabalho Infantil - PETI

Assistência Social

Crianças de 7 a 14 anos com trabalho insalubre, penoso ou degradante, em famílias com até 1/2 salário mínimo per capita

R$ 25 por criança na área rural e R$ 40 na área urbana

841 mil 183,4

Agente Jovem de Desenvolvimento Assistência Social

Jovens de 15 a 17 anos residentes em comunidades de baixa renda cuja renda familiar per capita seja inferior a 1/2 salário mínimo

R$ 65 por jovem 52 mil 29,5

OUTROS

Merenda: Alimentação Escolar

Educação

Alunos do ensino pré-escolar e fundamental, de escolas públicas e filantrópicas

R$ 0,60 por aluno da pré-escolar e R$ 0,13 do fundamental

36,9 milhões 895,1

Medicamentos Saúde

População carente de acesso aos medicamentos estratégicos e excepcionais

Distribuição de remédios

- AIDS: 152 mil - tuberculose, malária, diabetes: 59,2 milhões - neurológicas: 214 mil

1148,3

Livro Didático EducaçãoEscolas do ensino fundamental da rede pública

Distribuição de livros 111 milhões 50,8

Fome Zero: Cartão Alimentação

PresidênciaFamílias de baixa renda, inicialmente do semi-árido do Nordeste

R$ 50 por família 2,5 milhões 259,5

Elaboração: Gabinete Senador Lúcia Vania. Fonte primária: SIAFI/STN e Sistema Câmara dos Deputados.

A parceria com governos subnacionais teve um papel crucial para a implementação e o acompanhamento desses programas de assistência, uma vez que autoridades e servidores, especialmente municipais, foram cruciais para o trabalho de identificação, cadastramento e posterior monitoramento das crianças e famílias assistidas. Ainda que os recursos não transitem pelas contas das prefeituras, não deixa de constituir uma forma de relações intergovernamentais, na medida em que é fundamental a participação dos municípios na definição e identificação do público-alvo. Nas regiões mais pobres do país, constitui um benefício indireto valioso uma vez que parcela expressiva do parco comércio local se tornou dependente do consumo pelos aposentados e pelas famílias beneficiadas por tais programas. 34

34 Para uma avaliação sumária da montagem desse novo aparato de relações intergovernamentais e provisão de serviços sociais, é interessante recorrer a Almeida (2003, pp.2-3):

“A agenda de reforma do sistema de proteção social brasileiro não nasceu pronta. Foi uma construção política e social, que envolveu debates, conflitos e duro aprendizado para muitos atores:

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Se a operação de tais programas prosseguiu normalmente num primeiro momento após a mudança no comando do governo federal em 2003, as dúvidas começaram a surgir numa etapa seguinte.

Logo na posse do governo, foi lançado o Fome Zero, voltado a alimentar os famintos e combater as causas da pobreza, mas foi criado como um novo programa e sem ameaçar os que já funcionavam. Muita polêmica foi provocada, a começar pela idéia inicial de distribuir alimentos ao invés de auxílio financeiro a entregar, considerada um retrocesso em termos de política social. Com tantas dificuldades operacionais, o orçamento do programa foi drasticamente reduzido de R$ 1,7 bilhões para R$ 416 milhões, entre 2003 e 2004.

Depois, foi lançada a idéia de unificar programas de assistência e,

diante das críticas sobre a perda de instrumentos de controle (por exemplo, da vacinação ou da freqüência escolar), o governo federal acabou optando por apenas unificar os cadastros dos diferentes programas assistenciais (iniciativa que já estava em curto), sob o título de Bolsa-Família, e mais do que nunca se faria necessária a parceria com os governos subnacionais – porém, até o fechamento do ano, nenhum Estado tinha aderido ao novo programa federal.

Preocupa crescentemente aos especialistas em programas sociais a idéia

que começa a firmar que as autoridades da área do novo governo estão mais preocupadas em mudar ou tentar mudar a denominação ou a avaliação de programas criados pelos governos anteriores, do que em aperfeiçoar e expandir o que já existia e dava resultados. Em particular, uma variável decisiva para o sucesso dos programas já existentes passa pelo relacionamento intergovernamental. 35

governos nos três níveis da federação, oposições, organizações da sociedade. De outra parte, ... ela foi se enriquecendo com novos temas e novas maneiras de pensar velhos temas, ao longo da década dos 90 ... As reformas da previdência social, da assistência, da atenção básica à saúde, da educação, da habitação e das ações dirigidas à pobreza extrema eram seus pontos centrais. A reforma do sistema de proteção social requeria mudança institucional, e parte significativa dela feita por alteração das leis ou, em muitos casos, da própria Constituição. Ela implicou, também, nos casos da saúde, assistência social e educação, transferência de competências e responsabilidades do governo federal – e, em menor medida, dos governos estaduais – para os Municípios, bem como a construção de mecanismos de cooperação entre os três níveis de governo.”

35 Uma análise da execução do orçamento de 2003, até outubro (elaborada pelo Gabinete da Senadora Lúcia Vânia) evidencia que em programas sociais anteriores e com parcerias intergovernamentais é mais elevado o percentual de empenho dos recursos disponíveis – caso de 99% no caso da merenda escolar, 98% do auxílio-gás, 79% da bolsa escola e 73% da bolsa alimentação – do que em outros programas que dependiam apenas da gestão do governo federal - abaixo de 12% no caso de ações da defesa civil, de 8% no saneamento básico e do seguro-safra e menos de 1% para infra -estrutura da agricultura familiar.

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Ao que tudo indica, melhor do que reinventar a roda nas políticas sociais, seria corrigir as distorções, ampliar as parcerias, aprimorar os mecanismos de controle, enfim, melhorar os programas sociais já existentes, do que tentar inovar, e muito, em algo que tanta falta faz para a população mais pobre.

CONCLUSÕES (reestruturar, não; aperfeiçoar, sim) Este trabalho procurou examinar as implicações das relações

financeiras intergovernamentais para o gerenciamento das políticas fiscal e macroeconômica e para a provisão de bens e serviços públicos no âmbito da federação brasileira.

Desde o início, foi chamada a atenção para o fato de que a

descentralização fiscal aqui não segue os modelos teóricos ou as experiências da grande maioria dos países, em que constitui um processo planejado e coordenado pela esfera central de governo. Nestes, as transferências financeiras visam mais a atender aos objetivos das políticas públicas setoriais formuladas por aquela esfera de governo. Enquanto, no caso brasileiro, tais repasses visam, antes de tudo, assegurar autonomia fiscal e financeira para as unidades subnacionais de governo. Tal especificidade do federalismo brasileiro não impediu, em nossa opinião, que o País lograsse sucesso recente na implementação das políticas econômicas e sociais. Por certo, persistem problemas e desafios que demandam um aperfeiçoamento das relações financeiras intergovernamentais, porém, não uma reestruturação completa.

No campo da macroeconomia, a Lei de Responsabilidade Fiscal

representou o ponto marcante de um amplo e longo processo de reestruturação das finanças públicas nacionais. Cada unidade de governo tornou-se, após tal lei, maior e responsável por suas contas e coisas. Foi cortado o cordão umbilical que as unia ao Tesouro Nacional, especialmente por conta da vedação para que este volte a refinanciar dívidas estaduais e municipais. O pagamento corrente e sem risco de default das prestações da dívida subnacional anteriormente renegociada com o Tesouro vem assegurando o cumprimento firme e sem maiores dificuldades das metas fiscais, inclusive as acordadas com o FMI, não tendo ocorrido qualquer e menor desvio em nenhum período de avaliação periódica pelo Fundo.

No campo da provisão de serviços, na segunda metade dos anos noventa,

o governo federal recuperou sua capacidade de formulação e de execução de políticas sociais ativas, na qual voltou a exercer seu papel precípuo de formulador, coordenador e financiador e, sempre que possível, delegou ou

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compartilhou a execução de programas com os governos subnacionais, especialmente nas áreas de ensino fundamental e de assistência médico-hospitalar e, sobretudo de atenção básica a saúde, além de novos programas de assistência social.36 Foi construída uma dita rede de proteção social, com ações focadas em contingentes mais pobres e desassistidos da população, em que Estados e, sobretudo, Municípios exerceram um papel importante na identificação, cadastramento e acompanhamento dos indivíduos assistidos, ainda que quase sempre os recursos a eles transferidos não passem por seus cofres subnacionais e sejam pagos diretamente aos assistidos através de cartões que permitiram saques na rede bancária e de loterias.

A boa avaliação geral da eficiência e eficácia desses programas sociais

pode ser resumida no reconhecimento e premiação internacional: segundo o PNUD, “o Brasil é o país que galgou mais posições na classificação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) desde 1975. Foram 16 postos ganhos ao longo de 26 anos, levando o país à 65ª posição”, sendo que os avanços mais recentes registrados pelo índice de 2003 foram imputados aos sucessos obtidos no campo da educação e da saúde, mais que compensando a deterioração pelo lado da renda. Isto não significa que as mazelas sociais estejam perto de serem resolvidas, nem que as parcerias entre governos nos programas sociais não mereçam reparos e correções. 37

36 Para uma breve análise de experiências internacionais comparadas justamente no caso de ensino, saúde e assistência social, vide Mello (2003, pp.24-25), do qual destacamos algumas frases finais :

“The choice between administrative deconcentration and full decentralization depends on incentives.... Decentralization can lead to the creation of unfunded mandates.... Decentralization has been motivated in many cases by theoretical considerations, rather than empirical scrutiny.... Vested interests may be a deterrent to decentralization. For decentralization to be successful, there must be willingness on the part of central government to share power and on the part of local governments and communities to assume new responsibilities.... A precondition for successful decentralization is good governance at the implementing level. There is some evidence in the literature that decentralization is correlated with corruption... Although decentralization tends to expand the volume of the service delivered, greater subnational spending on social programs does not generate efficiency gains when accompanied by overprovision of public service to local elites...”

37 Neste ponto, é interessante reproduzir as conclusões sobre o caso brasileiro de uma recente e ampla análise da descentralização fiscal latino-americana - segundo Wiesner (2003, p.76 e p.80):

“... What currently warrants attention is the ‘integrality’ of its efforts and results in the following four interdependent processes: (i) fiscal decentralization at the state and municipal level; (ii) decentralization towards the markets (e.g., privatization and regulation); (iii) sectoral decentralization (e.g., in education and health); and (iv) the response to macroeconomic resctrictions in a globalized environment. What is remarkable is that Brazil – together with Chile and to som extent Mexico – increasingly is putting together an integrated institutional framework to givern policy consistency to all these interrelated and demanding processes. This is a major challenge indeed.” “Brazil is a prime example of just how difficult but attainable this challenge can be, since the country hás confronted several of these problems and is now well ahead of most Latin American countries in dealing adequately with them. It is a country now fully aware of what could be called the ‘integrality and policy consistency requirement’ ”

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Os resultados atuais foram alcançados apesar das relações intergovernamentais no Brasil não serem desenhadas com tais objetivos explícitos: não contemplam mecanismos de rateio e de avaliação da repartição constitucional de tributos (a principal fonte de transferências) de modo a repartir receitas entre governos subnacionais para assegurar e premiar, tanto a geração de superávits primários e o enquadramento da dívida dentro dos limites pré-fixados, quanto à prestação de serviços públicos.

Ainda que o federalismo brasileiro não permita uma ingerência direta e

específica do governo central nas atividades desempenhadas pelos governos subnacionais, isto não tem impedido que se persiga os princípios de controle social através da adoção de mecanismos de mensuração da performance dos Estados e Municípios nas mais diferentes áreas num contexto de controle social. Esta é uma área em que muito se pode avançar na produção e divulgação de indicadores de desempenho, com um razoável grau de detalhamento setorial, de modo a estimular as comparações entre governos de regiões e de economias semelhantes, com orçamentos e aparatos institucionais parecidos (ainda que sempre se atentando para as profundas disparidades regionais). Porém, é bom ter presente de que tais índices de performance não servirão para dimensionar os montantes a serem transferidos aos governos subnacionais no futuro.

A intenção é que uma ampla transparência mais ampla da gestão fiscal

induza uma cobrança pelas respectivas comunidades de melhor desempenho das autoridades locais.38 Neste contexto, o papel do governo central deve estar mais voltado para a geração de informações e para fomentar o debate, que deveria ser levado para os canais com competência constitucional para redefinir as relações entre governos (o Congresso Nacional).

Mesmo que o governo central tivesse poderes para vincular prestação de

serviços ao montante repartido, o seu raio de manobra não é tão amplo quando supõe uma avaliação técnica simplória. Exemplificando com o caso da saúde. Supondo que na avaliação da eficácia da aplicação pelos Municípios dos repasses do piso de atenção básica, se conclua que em determinado Município o desempenho foi pior do que nos congêneres, digamos que nele a mortalidade infantil subiu ao invés de cair como no resto de sua região, resta o seguinte desafio: caberia ao governo federal reduzir ou cortar os repasses futuros? Com menos recursos para investir na saúde, aquela localidade conseguiria 38 O potencial interesse da população em tais indicadores pode ser dado pelo amplo espaço dado pela mídia para a recente divulgação dos índices de desenvolvimento humano (IDH) por Estado e por Município – em alguns casos, até por bairro -, que tende a despertar maior interesse pelo cruzamento dos indicadores locais com o de unidades federadas próximas.

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reverter o quadro que já tinha piorado quando era maior o seu orçamento para a área? Quem deve ser punido pela avaliação da performance, os dirigentes municipais ou as famílias em que continuarão a nascer crianças mortas? A mesma situação e dúvidas pode ser facilmente aplicada em caso de ensino, da assistência e outras áreas sociais.

O bom senso recomenda que, no caso de programas sociais básicos, que envolvam a provisão contínua de serviços públicos indispensáveis à população, especialmente às camadas mais pobres, qualquer punição (e talvez até mesmo a premiação) decorrente de uma avaliação de desempenho não deve passar pelo financiamento e gasto com tais ações, mas sim, no caso de se optar por impacto financeiro, afetando outras parcelas do orçamento local (por exemplo, permitindo o maior acesso a crédito para investimentos em infra-estrutura). Isto para não falar que o reconhecimento social do desempenho dos dirigentes locais tem um forte apelo num regime democrático, com eleições a cada quadro anos do chefe do Executivo e das casas legislativas, de cada Estado e de cada Município.

Cabe, por último, criticar a idéia que começa a crescer entre os

formuladores da estratégia macroeconômica nacional de que o melhor caminho para o bom desempenho fiscal e para a maior eficiência e eficácia na prestação de serviços passa pela desvinculação orçamentária. O cerne da crítica é que não há relação de causa e efeito – isto é, nem vincular, muito menos desvincular, por si só, asseguram boas ou más performances do gasto.

Se as autoridades econômicas federais insistirem em aprofundar tal

debate, isto pode resultar numa grande perda de tempo e de esforços, inclusive políticos e, ainda que aprovada, para pouco ou nenhum resultado prático. Afinal, num exemplo extremo, se as contribuições para a seguridade social fossem convertidas em impostos de livre aplicação, por si só, isso não significaria desobrigar a previdência social de pagar aposentadorias e pensões, nem mesmo aos que ainda trabalham mas têm direitos adquiridos.

Uma linha antiga de defesa da desvinculação passa pelo orçamento.

Sempre foi alegado que, sem tal processo, seria impossível cumprir as metas fiscais, porém, as mais duras firmadas com o FMI, inclusive após a elevação da meta de superávit primário para patamar nunca observado na história recente, foram sucessiva e plenamente cumpridas.

É inegável que a política fiscal do governo federal foi e continuará sendo

beneficiada pela desvinculação de 20% de sua receita tributária, porém, o maior efeito prático desta medida era liberar contribuições da seguridade

Relações Intergovernamentais: Brasil. José R. Afonso (jan./2004)

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(COFINS, CSLL) para financiar os benefícios dos servidores inativos – o que fora proibido por uma lei ordinária, a Geral da Seguridade Social. Isto para não falar que, após a implantação do caixa único do Tesouro Nacional, sempre há opção de simplesmente contingenciar as dotações orçamentárias e manter entesourado os recursos, como atalho mais curto para assegurar a geração do superávit.

Já no âmbito estadual e municipal, o atendimento das metas de

superávit primário tem sido fruto justamente de uma vinculação: de proporção da receita corrente para pagamento mensal do serviço da dívida renegociada com o Tesouro Nacional. (Ou se espera que o Congresso Nacional aprove, em dois turnos, por três quintos dos votos, em cada Casa, uma emenda que retire a obrigação constitucional dos governos aplicarem receitas no ensino fundamental e na saúde básica mas mantenha exatamente a mesma obrigação em relação ao serviço de suas dívidas?)

Como os resultados fiscais vêm ficando até acima dos acordados com o

FMI e não mais se consegue alegar que as vinculações impediram o ajuste fiscal, o governo federal mudou o pretexto. No novo memorando de entendimentos firmado já pelo novo governo federal com o FMI, alegam “... uma rigidez orçamentária que muitas vezes inibe de maneira significativa uma alocação mais justa e eficiente dos recursos públicos”, para prometerem, por ora, um estudo sobre as implicações das vinculações para o ajuste cíclico da política fiscal e para a melhoria do gasto público.39

No campo orçamentário, a nova tese é que, num contexto de carga

tributária constante, faz-se necessário controlar e reduzir gastos correntes, como melhor ou único caminho para aumentar os gastos de capital, em termos absolutos e relativos. De certa forma, aspiram por revincular os recursos para investimentos; na prática, pretendem cobrar contribuições a pretexto de 39 Na carta dirigida pelo Ministério da Fazenda ao FMI, em 21.11. 2003, p.3 (ver em http://www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/carta_INTENCOES_FMI%20vfinal.pdf ), consta:

“9. Flexibilidade orçamentária e investimento . Como conseqüência de anos de inflação e frágil disciplina fiscal, menos de 15 por cento das despesas primárias são alocadas de forma discricionária pelo governo, criando uma rigidez orçamentária que muitas vezes inibe de maneira significativa uma alocação mais justa e eficiente dos recursos públicos. O resultado dessa rigidez é que uma parcela pequena do orçamento tem que suportar a maior parte de qualquer ajuste fiscal, implicando muitas vezes em cortes nos gastos mais produtivos e com maior capacidade de estimular o crescimento. Além disso, o excesso de vinculação tende a tornar a política fiscal pró-cíclica e a diminuir o escrutínio da qualidade das despesas vinculadas. Adicionalmente, ainda há muito pouca avaliação quanto à efetividade das despesas públicas, com indicadores de desempenho das metas finalísticas freqüentemente falhos em focar suficientemente nos resultados. O governo vem se empenhando em resolver esses assuntos e planeja preparar um estudo sobre as implicações das vinculações setoriais, em particular à luz da intenção de introduzir o ajuste cíclico na política fiscal e melhorar a qualidade do gasto público.”

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financiar gastos sociais correntes, como os da seguridade social, porém, alocar no orçamento a receita para outra finalidade, bem distinta, como os projetos de infra-estrutura econômica.

Confrontadas tais idéias com a prática fiscal recente, surgem algumas

inconsistências. Afinal, na emenda da reforma tributária, o atual governo ampliou o alcance da desvinculação constitucional (DRU) para alcançar também as contribuições econômicas, de modo que reduziu sua obrigação justamente de aplicar recursos tributários em investimentos na malha viária (menos 20% da contribuição cobrada sobre consumo de combustíveis – a CIDE), bem como em fundos setoriais para se investir na universalização das telecomunicações e da energia elétrica e no apoio a ciência e tecnologia, dentre outros. De qualquer forma, antes da DRU alcançar tais tributos, tais despesas de capital também eram alvo de contingenciamentos orçamentários, inclusive com cortes superiores aos gastos correntes, de modo a acumular crescentes e expressivas disponibilidades no caixa único do Tesouro Nacional.

A falta de coerência entre o discurso e a prática consta também de

outro detalhe que passou desapercebido na última mudança constitucional: se de um lado prorrogava e ampliava a DRU, por outro, a mesma emenda criou uma nova e ampla vinculação para o custeio das administrações fazendárias, permitindo que lei de cada governo determine a aplicação compulsória não apenas parcela de impostos próprios, como até mesmo das transferências de impostos arrecadados por outros governos. O mesmo ato também facultou o estabelecimento pelos Estados de duas novas vinculações de receitas tributárias: para programas de apoio à inclusão e promoção social e para o fomento à cultura, ambos gastos correntes típicos.

A tese mais inovadora e surpreendente é de que a vinculação prejudica a

eficiência e a eficácia da provisão de serviços sociais básicos.40 Ora, as

40 Aliás, o próprio Ministério da Fazenda, ao mesmo tempo em que firmava um novo memorando com o FMI defendendo a desvinculação, apresentou um estudo polêmico sobre a quantidade e a qualidade do gasto social do governo federal defendendo mais e melhores gastos com ensino, saúde e proteção social, embora quase todo o financiamento dessas ações dependa, de uma ou outra forma, de vinculações, seja de receitas (de contribuições), seja de gastos (caso da saúde). Conforme SPE (2003, p. 3):

“Os dados e estimativas de incidência apresentados neste documento permitem verificar que mais de 2/3 das receitas líquidas do Governo Central são usadas para financiar despesas na área social. No entanto, embora o Brasil seja um país relativamente jovem, a maior parte desse gasto refere -se ao pagamento de aposentadorias e pensões, cuja incidência, no caso brasileiro, tem forte componente regressivo. Em contraste, os gastos sociais com maior poder de enfrentamento da pobreza e das desigualdade sociais – como, educação fundamental e média, saúde básica e programas de renda mínima – apesar de crescentes, ainda têm uma participação bastante reduzida no orçamento do Governo Central. A possibilidade de ampliação dos recursos destinados aos brasileiros mais pobres e de fornecer uma verdadeira rede de proteção social, capaz de amparar a população mais vulnerável, depende de forma decisiva da realização de reformas estruturais que reduzam os privilégios

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vinculações constitucionais foram aprovadas sob o pretexto de assegurar a continuidade do financiamento e da despesa com benefícios e serviços sociais básicos, inclusive para permitir a pactuação de uma nova divisão de responsabilidades entre esferas de governo que promovesse a descentralização das ações e também para custear o aumento dos gastos correntes resultantes das novas e maiores inversões esperadas. Agora, o atual governo federal lança a tese radicalmente inversa.

No caso das emendas constitucionais que criaram a subvinculação em

favor do ensino fundamental (o FUNDEF) e abriram caminho para vinculações de receitas tributárias para o sistema único de saúde (SUS), 41mais do que visar à ampliação de gastos nos respectivos programas públicos (inclusive podendo e contemplando investimentos fixos no caso do SUS), elas foram muito mais defendidas e aprovadas como mecanismo para assegurar a continuidade do financiamento da prestação dos serviços, dando regularidade nas transferências para outras esferas de governo e no pagamento dos salários dos servidores (professores e médicos) e dos serviços prestados pela rede conveniada (assistência a alunos deficientes e hospitais, públicos ou privados). Isto sem contar o simples fato de que quase todo o investimento público gera um gasto corrente no futuro, que tende a ser mais expressivo ainda na área social – aliás, muitas vezes, o custo de manutenção de uma escola ou de um hospitalar, em apenas um ano, ou pouco mais, supera o valor gasto com a obra de sua construção.

Em outros casos, a vinculação foi desenhada com um regime especial, visando gerar uma poupança pública no presente que financie o gasto futuro, ou mesmo procure evitá-lo – caso particular do destinação constitucional da contribuição sobre receitas (do PIS/PASEP) para aplicações através do BNDES e para custeio do seguro-desemprego, no âmbito do Fundo de Amparo aos Trabalhadores (o FAT).42

concedidos pelo atual sistema – tanto por meio de gastos diretos quanto através de renúncias fiscais – a grupos de renda mais alta....”

41 Oliveira (2003, p. 268), após uma exaustiva análise dos impactos das duas emendas constitucionais tratando do financiamento da educação e da saúde, conclui que:

“As duas vinculações repontam como importantes instrumentos do processo de descentralização, à medida que ampliam e tornam cativos recursos para o financiamento das áreas sociais vitais e aumentam a responsabilidade das esferas subnacionais tanto no seu financiamento como na administração e execução dos gastos, reforçando os laços de cooperação financeira intergovernamental, com estímulos para os objetivos de maior eficiência na aplicação dos recursos; Do ponto de vista, entretanto, de sua capacidade de atendimento da demanda e carências da população, e de redução das desigualdades existentes, numa realidade como a brasileira, marcada por grande diversidade econômica e social entre suas regiões e unidades da Federação, as duas vinculações apresentam comportamento distinto, enquanto instrumentos voltados para essa finalidade...”

42 Mesmo que fosse aceita a tese de que o país precisa de mecanismos fiscais anticíclicos, é paradoxal que graças justamente a uma vinculação constitucional se formou um dos itens mais valiosos do patrimônio público federal - o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, cujo valor do fundo já supera o valor contábil

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De uma ou outra forma, a vinculação de receitas para programas sociais básicos constitui o coração da macropolítica social do governo anterior e que logrou avanços inegáveis, inclusive com reconhecimento internacional. É óbvio que isso, por si só, não assegura a melhoria ou uma ótima eficiência e eficácia nos gastos desses programas. Por certo, existem problemas na formulação e, sobretudo, na execução. O gasto ainda é mal feito, até mesmo casos comprovados mas isolados de desvios de recursos e corrupção. Se a vinculação permitiu melhor a quantidade do gasto social, há muito o que se fazer para melhorar sua qualidade. Mas, para tanto, a solução não passa pela desvinculação: ao contrário, sem garantia de regularidade dos repasses e aplicações, esta pode e deve agravar as deficiências e distorções do gasto.

Não é no campo macro que estão as dificuldades fiscais mais prementes, logo, não são medidas de caráter macro (como a desvinculação) que irão solucioná-las. Os inegáveis e grandes problemas do gasto envolvem a gestão das atividades e dos projetos. O foco das distorções e, ao mesmo tempo, das soluções deve estar passar pela chamada microeconomia do setor público. 43

Um caminho consensual é da modernização dos poderes públicos. Há

algum tempo, o processo já tinha sido relançado no Brasil, abrangendo todas as esferas de governo e com muitas histórias de sucesso, especialmente em torno do chamado governo eletrônico. 44 Neste caso, os avanços foram tantos e de tal ordem que mereceram crescentes e importantes reconhecimentos internacionais, desde organismos multilaterais e universidades até consultorias privadas – vide Comitê do Governo Eletrônico (2003, pp. 42-43).45 Não é de

das ações de controle da PETROBRAS, a maior empresa do País e entre as maiores do mundo. Assim, uma parcela (40%) da receita corrente do PIS/PASEP forma uma poupança no BNDES, justamente aplicada no financiamento de projetos de investimentos geradores de emprego, além da reserva de liquidez imediata formada pela rara conta bancária que fica fora da conta única do Tesouro. Quando a economia se desacelera, entra em recessão, e explode o número de desempregados e a pressão por gastos com seguro-desemprego, o FAT pode sacar de suas reservas, recorrer aos juros ganhos sobre suas aplicações, para atender ao aumento de desempregados justamente quando caí a arrecadação da fonte tributária do fundo. 43 Focar na melhoria da gestão o caminho para aumentar a eficiência e a eficácia da provisão de serviços é a mesma linha defendida por outro estudo já citado do Ministério da Fazenda, que, aliás, não contém uma menção sequer à vinculação ou desvinculação em suas 47 páginas. Segundo SPE (2003, p.3):

“...Além disso, as reformas devem melhorar a qualidade do gasto social também em termos de eficiência, aumentando o impacto de cada real gasto sobre os indicadores sociais. Nesse sentido, uma reforma importante é a unificação dos programas de garantia de renda mínima. Ressalte-se também a necessidade de implementação de um sistema de monitoramento e avaliação dos programas sociais.”

44 Para uma primeira análise abrangente de experiências do governo eletrônico em diferentes campos, órgãos e esferas de governo, ver Fernandes e Afonso (2001). 45 Dentre outros, destaca-se o estudo da ONU analisando as experiências de governo eletrônico em mais uma centena de países - UN/ASPA (2002), classificando o Brasil na 18º posição dentro do estrato dos 36 países mais avançados, tipificados como high e-gov capacity.

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hoje que defendemos que dar continuidade e, acima de tudo, aprofundar os projetos e as ações de melhoria da gestão pública constitui o necessário day after da Lei de Responsabilidade Fiscal – ver Afonso (2002). 46

Modernizar a gestão passa por formar e reciclar servidores, por

generalizar práticas de planejamento e administração estratégica, por investir muito e aproveitar todas oportunidades abertas pelos avanços da informática, por atrair e fomentar tais mudanças nos poderes Legislativo e Judiciário, bem como nas outras milhares de unidades de governo subnacional, e tudo isso não passa pela desvinculação de receitas, ou é contraditório com ela.

A recente mudança do comando do governo federal, porém, se é dito que

pouco mudou na política macroeconômica, por outro lado, afetou mais os aspectos micro, com descontinuidade de uma série de iniciativas da administração federal 47 - para não falar nos já notórios e inegáveis problemas nas políticas sociais, inclusive com retrocessos cada vez mais aparentes.48 Felizmente, tal desarranjo tem mais caráter conjuntural do que constitui uma disfunção estrutural, de modo que, se o comando do governo retomar a vontade política de priorizar e efetivamente implantar os planos de modernização da gestão, é possível recuperar em pouco tempo ações e resultados, sobretudo porque as novas tecnologias de informação e comunicação cada vez mais abrem novas oportunidades.49

Voltando ao debate da desvinculação, vale registrar que, em 2003, o

Congresso Nacional já discutiu a idéia em duas oportunidades: no exame do

46 Entendemos que tal percepção ainda não foi assimilada totalmente pelo novo governo federal que, por ora, se limita a declarar uma profissão de fé naquela lei (até porque, quando foi aprovada no Congresso em 2000, o Partido dos Trabalhadores foi unânime contra e, depois, ainda tentou derrubar toda a lei no Supremo Tribunal Federal – STF). E confunde uma reforma estrutural com uma empreitada conjuntural, ao julgar que a melhor prova de seu novo compromisso com a responsabilidade fiscal estaria na elevação da meta de superávit primário, sem que o FMI o tivesse pedido, e, mais do que isso, na geração de resultados ao longo de 2003 acima daquela meta histórica, se orgulhando a área fazendária de que a primeira vez estar-se-ia promovendo cortes de despesas. 47 Vale exemplificar com as dificuldades operacionais para expansão e renovação das linhas de financiamento à modernização da gestão fiscal dos governos subnacionais, seja aquelas repassadas pelo BID (caso da criação de nova etapa do programa estadual, PNAFE, ou da implantação do congênere municipal, PNAFEM, e mesmo da contratação de outros programas, para os Tribunais de Contas e para os sistemas estaduais de planejamento e administração), seja com recursos próprios dos bancos locais (diminuindo a divulgação do PMAT municipal do BNDES). 48 Um sintoma desses problemas é a notícia de uma redução de 80% da dotação para 2004 do já citado programa de erradicação do trabalho infantil – PETI, definida pelo atual governo federal em seu primeiro orçamento, de modo que a alocação de apenas R$ 100 milhões deve permitir o atendimento de cerca de 200 mil, contra um contingente de 841 mil beneficiados em 2003 e uma meta do próprio governo de chegar a 1,5 milhão de crianças. 49 O governo federal já divulgou um ambicioso plano de gestão cujo sucesso em sua implementação parece mais decisivo para o enfrentamento das questões antes levantadas do que mudanças mais profundas na estrutura institucional da federação e das finanças – ver Secretaria de Gestão (2003).

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projeto de reforma tributária (quando rejeitou na Câmara e depois no Senado, inclusive a grande maioria da própria base do governo de situação, a extensão da desvinculação de receita federal para as estaduais e municipais) e, depois, em torno do orçamento federal (quando se posicionou majoritariamente contra a redução dos gastos tradicionais com saúde, ao computar como tal os gastos com outros programas assemelhados, inclusive o Fome Zero e o de combate à pobreza; e depois, quando do veto presidencial ao apoio pelo FUNDEF de alunos excepcionais em unidades do terceiro setor).

Neste cenário, além de ser uma falsa e inócua solução, ao menos para os

problemas de gestão que afetam o gasto público no Brasil, qualquer proposta de desvinculação da receita tende, ao que tudo indica, implicar uma enorme perda de tempo e de esforços políticos. Retomar os projetos e os processo de modernização do Estado, que parecem ter sido afetados pela descontinuidade administrativa resultante da troca de comando do governo federal, é uma solução com custos (políticos e financeiros) mais reduzidos e com resultados mais imediatos e garantidos em termos da melhora da eficiência e da eficácia da provisão de serviços no País.

A conclusão geral é no sentido de que a federação brasileira continua

demandando aperfeiçoamentos mas não uma reestruturação. _______________________________

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