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  • 7/21/2019 A Fisiologia Integrada Do SNC

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    FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO

    A Fisiologia Integrada

    Cesar Timo-Iaria

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    INTRODUO

    Este livro destina-se a expor a fisiologia do sistema nervoso como o conjunto de processos que geram, controlam e regulam as funes do organismo animal. Muitasdessas funes so geradas pelo sistema nervoso mas todas so, direta ou indiretamente,controladas por ele. Embora o texto se relacione precipuamente com os mamferos,freqentemente mencionaremos fenmenos funcionais de outras classes de animais,inclusive de invertebrados, a fim de incrementar a lgica da exposio e,conseqentemente, a compreenso das funes nervosas dos mamferos. Como se ver no

    decorrer da leitura, a maneira como apresentaremos o estudo do sistema nervoso diferesensivelmente das formas usuais de tratar desse tema. Geralmente o sistema nervoso estudado como um mosaico de funes, no como um sistema , embora ele seja o sistema por excelncia no organismo animal.

    Para atingirmos esse objetivo, teremos de abandonar alguns conceitosultrapassados e errneos. Como exemplo de tais erros vale citar que o significado dotermo Biologia hoje profundamente deturpado. A palavra Biologia , criada pelo

    anatomista germnico Burdach no ano de 1800, deriva debios+logos , dois termos gregosque significam, aproximadamente,vida e estudo. Segundo Burdach, Biologia o estudodos seres vivos. Portanto, desde uma organela intracelular ou um canal de sdio at aSociologia e a Economia, que so atividades apenas dos seres vivos, tudo o que serelaciona com os organismos vivos deve ser includo na Biologia. No cabe, porconseguinte, distinguirbiolgico de cultural , nem psicolgico de biolgico ou biolgicode social , erros comunssimos. No se justifica tampouco o nome cincias da vida para

    denominar, por exemplo, a agricultura, visto que Biologia significa precisamentecinciada vida .

    Um sistema um conjunto cujas partes se interligam segundo um plano ouesquema que permite o funcionamento do todo como conseqncia do funcionamento decada uma das partes. Essa definio implica, evidentemente, uma lgica especfica naarticulao das partes e mltiplos processos de reaferentao entre elas, a fim de que cada

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    uma execute convenientemente sua funo para que um resultado final, atividade ltimado sistema, seja atingido com um mnimo de desvios.

    Em meados do sculo XIX, enquanto desenvolvia o conceito deconstncia domeio interno , uma das mais importantes descobertas cientficas de todos os tempos (maistarde denominadohomeostase ou hemostasia por Cannon), o grande fisiologista francsClaude Bernard enunciou o princpio de queo todo nem sempre igual soma de suas

    partes , resultando no que outro importante fisiologista, Sperry, denominou funo

    emergente , a que tambm podemos dar o nome demetafuno . As funes biolgicas sogeralmente emergentes ou metafunes; quando se trata das funes resultantes da

    atividade do sistema nervoso, esse carter emergente muito evidente e torna acompreenso das funes nervosas mais complexas uma tarefa especialmente difcil.

    O organismo de um animal como um todo um sistema; por outro lado, o sistemacardiovascular, assim como o renal ou o endcrino, tambm um sistema em si mesmo,cuja funo contribui para o funcionamento adequado do sistema nervoso. Este, por suavez, que faz que todos os sistemas funcionem integradamente, para que o sistema maior o organismo, o corpo possa sobreviver como um todo equilibrado.

    O sistema nervoso gera ou controla ou regula, de forma direta ou indireta, todasas funes do organismo animal, desde os invertebrados mais simples at o vertebrado

    mais complexo, a espcie humana. Quando se analisa a arquitetura do sistema nervoso aolongo da escala filogentica percebe-se que as principais funes que mantm oorganismo vivo j se identificam nos invertebados mais simples. Evoluindo de formamuitssimo complicada, encontram-se essa funes em todas as espcies animais. Osistema cardiovascular, o respiratrio, o endcrino, assim como o comportamento de

    apreenso e ingesto de alimentos, a eliminao dos detritos e das substncias j inteis para o organismo e a reproduo, existem em celenterados como nos primatas. O sistemanervoso j existe nos animais mais simples e gera, controla ou regula todas essas funes.Por isso, inteiramente possvel estudar a Fisiologia das vrias funes, e de modointegrado, a partir da fisiologia do sistema nervoso.

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    O fenmenovida algo ainda mal compreendido e s recentemente pde serenquadrado no quadro geral da Fsica. Embora ainda no se conhea com preciso aorigem da vida, so j bem conhecidas muitas etapas da evoluo de diversas molculas prprias dos seres vivos. Os sistemas biolgicos caracterizam-se por uma organizaoque deve ser finamente mantida. Os desvios do equilbro de cada sistema s podem sertolerados dentro de uma faixa muito estreita de variao, visto que desvios maiores, seno corrigidos, o conduzem inexoravelmente para a desagregao. Ao contrrio, ossistemas inanimados tendem para a entropia mxima. Entropia, importante conceito emFsica, mede a energia disponvel em um sistema, o que, por sua vez, mede sua desordem.

    Por conseguinte, quanto maior a desordem, maior a entropia, a energia livre. OUniverso, como um todo, provavelmente em futuro muito distante, que alguns fsicoscalculam em 10116 anos, atingir a entropia mxima, quando nenhuma organizao ser possvel. Entretanto, contrariando essa tendncia do mundo inanimado, os fenmenos biolgicos caracterizam-se, entre outros atributos, por uma organizao elevadssima, que parece at crescer filogeneticamente. A essa caracterstica nica dos seres vivos (pelomenos em nosso planeta e por enquanto), Schrdinger, o fsico austraco que formalizou

    matematicamente a mecnica quntica, deu o nome denegentropia , denominaosincopada deentropia negativa.

    Segundo Schrdinger, no h violao das leis da Fsica no fato de que a entropiados seres vivos seja negativa, uma vez que ela assim mantida custa da entropia positiva resultante da morte dos seres vivos de que os seres vivos se nutrem. Quandocomemos carne ou alface a entropia negativa desses tecidos, que chamamosalimentos , desfeita por sua digesto e libera sua entropia positiva, que incorporada pela nossa,

    possibilitando a manunteno da entropia negativa. imensa, como veremos ao longodeste livro, a contribuio do sistema nervoso para a manuteno da entropia negativados seres vivos animais.

    Embora j se conheam muitas reaes qumicas que devem ter presidido oaparecimento dos seres vivos em nosso planeta (como provavelmente em muitos e muitosmilhes de outros nos muitos bilhes de sistemas planetrios que devem existir no

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    Universo), ainda no sabe de fato como o fenmeno vida se iniciou. possvel que seconsegussemos juntar os bilhes de molculas que constituem uma clula noconseguiramos criar uma entidade viva. Talvez o fenmeno vida seja transmitido pelo DNA como fenmenos que ocorrem em uma dimenso da Fsica que no se cingeapenas s trs espaciais ( x, y e z ) e o tempo. Os fsicos hoje admitem pelo menos 11dimenses mas alguns acreditam que s com 31 dimenses ser possvel explicar todo oUniverso. Por conseguinte, conhecer de fato o que constitui o fenmeno vida talveztenha de aguardar que se descubram todas essas dimenses.

    Neste livro trataremos de no violar a lgica, embora esta seja freqentemente

    violada quando se trata do sistema nervoso, devido a conceitos errneos comumenteutilizados e transferidos para a linguagem com que ele descrito. Alm disso, o cartercomplexo e no raro eivado de fantasias no cientficas de algumas manifestaes daatividade neural, e em especial a conscincia, em muito contribui para incorreo do quese diz correntemente sobre o sistema nervoso. Para atingir esse objetivo trataremos demanter o mximo de lgica possvel na exposio de todos os captulos.

    Os sistemas do organismo animal foram-se tornando filogeneticamente maiscomplexos e eficientes ao longo da evoluo, devido s mltiplas alas dereaferentao

    e reeferentao (conhecidas como feedback ou feedforward , respectivamente) que iamsendo criadas, anulando erros, reforando, amplificando, reduzindo ou mesmo anulando ofuncionamento de cada etapa de gnese e integrao funcional. Os resultados maiselevados dessa adio de mais e mais mecanismos controladores de cada etapa daatividade em cada sistema foi a aquisio de mais estabilidade mas tambm de mais

    versatilidade na interveno de cada subsistema no sistema geral.Ao longo da filognese o sistema nervoso sofreu modificaes estruturais efuncionais muito drsticas porm sua organizao manteve-se, apesar de ter sido muitocomplicada. Em um molusco, um inseto ou uma ave h sempre uma dilatao dianteiraque programa as funes neurais e as executa por intermdio de neurnios situadoscaudalmente, os quais as transmitem para a periferia, de onde partem outras informaes,

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    que entram no sistema nervoso. Nos celenterados a poro mais rostral um gngliocerebride (cuja organizao relativamente simples), nos moluscos j h uma estrutura bem mais complexa e nos peixes, nos rpteis, nas aves e nos mameros aparece umaestrutura ainda muitssimo mais complexa, oencfalo. Nos mamferos desenvolve-se, naregio mais frontal uma estrutura altamente avanada, ocrtex cerebral . Toda a poromais frontal do encfalo denomina-setelencfalo , ou crebro ; chamar o encfalo decrebro , portanto, incorreto.

    Admite-se que um sistema pode ser considerado bem conhecido quando seconsegue express-lo por meio de equaes matemticas coerentes. A despeito de

    mltiplas tentativas realizadas para exprimir as funes neurais por intermdio deequaes, somente algumas funes relativamente simples so atualmente expressasmatematicamente de maneira fidedigna. Exprimir o sistema nervoso inteiro por sistemasde equaes matemticas por ora impossvel por duas razes fundamentais. Em primeiro lugar, o que sabemos da organizao doscircuitos neurais, constitudos pelasassociaes entre os neurnios, ainda muito incipiente, a despeito do muito que seconhece. Essa insuficincia no nos permite saber precisamente como funcionam nem

    mesmo circuitos neurais bem simples, como se ver ao longo deste livro. Em segundolugar, certamente ainda no existem mtodos matemticos com poder suficiente para

    descrever formalmente esse que o mais complexo de todos os sistemas conhecidos naTerra. Por conseguinte, o problema cuja soluo mais premente o conhecimentoadequado da hodologia neural. Hodologia o nome que se d ao estudo das vias, isto ,dos circuitos que constituem um sistema, desde as vias por onde trafegam os automveisem uma cidade at as vias que interconectam os neurnios no sistema nervoso, passando

    pelos circuitos eletrnicos e telefnicos. Por motivos bvios, no objetivo deste livro oestudo da hodologia neural; existem vrios textos excelentes destinados a esse tema, queaconselhamos ao leitor consultar quando necessrio. de se esperar que em futuro muitoremoto os dois magnos problemas acima mencionados sejam resolvidos, resultando nadescrio integral e simples de todas as funes nervosas. Assim, tornar-se- possvelrepresentar partes e o todo por intermdio de equaes matemticas.

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    A fim de se destacar a absoluta relevncia da hodologia neural para oentendimento do funcionamento de todo o sistema nervoso, invocaremos uma analogiainteiramente pertinente. O esquema grfico de um aparelho eletrnico exprimesimbolicamente todas as conexes entre os componentes do circuito. Quem consegueler um circuito eletrnico consegue deduzir suas funes. At a inveno dos circuitosintegrados era relativamente fcil entender bem um circuito eletrnico. Os circuitosintegrados so atualmente to intricados que seus componentes, montados em volumesdiminutos, executam funes que na antiga eletrnica, baseada em vlvulas,demandavam metros cbicos de equipamento. Apenas os engenheiros eletrnicos tm

    hoje conhecimento para deduzir as funes produzidas por um circuito integrado e sabercomo funciona. No sistema nervoso existe o equivalente aos circuitos integrados : os

    microcircuitos (ou circuitos locais ), constitudos de neurnios (ditosinterneurnios ) quese acoplam segundo associaes ainda apenas parcialmente conhecidas. Em algumasregies do sistema nervoso os interneurnios constituem mais de 90% dos neurnios, oque complica sobremaneira a complexidade dos microcircuitos de que participam. Noncleo caudado, por exemplo, os interneurnios predominam sobre os neurnios de sada,

    que levam as informaes a outras partes do sistema nervoso central (estudaremos maistarde a constituio de alguns microcircuitos simples).

    O principal obstculo ao conhecimento da constituio e do funcionamento dosmicrocircuitos a inexistncia de tcnicas que permitam registrar concomitantemente os potenciais eltricos de todos (ou pelo menos da maioria) os interneurnios de ummicrocircuito. Conseqentemente, pouco sabemos de fato sobre como a informao nele tratada e mesmo gerada. Atualmente o nico mtodo seguro que permite estudar

    detalhadamente um microcircuito a microscopia eletrnica, o que torna inviveldecifr-los a curto prazo, visto que se no aparecerem tcnicas mais poderosas seronecessrios milhares de anos para se chegar a conhecer adequadamente um nmerosignificativo desses circuitos no sistema nervoso dos vertebrados. Tal insuficinciametodolgica uma das razes da impossibilidade de se chegar presentemente a exprimiras funes neurais integradas por meio de sistemas de equaes.

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    A Biologia, como a cincia da vida , constitui-se de apenas duas disciplinasfundamentais: a que estuda a estrutura ( Morfologia ) e a que trata das funes( Fisiologia ). A Fisiologia, definida muito acertadamente pelo mdico e matemticofrancs Jean Fernel em seu livroUniversa Medicina , publicado em 1554, oestudo do

    funcionamento dos seres vivos . Albrecht von Haller publicou no fim do sculo18 umfamoso tratado de Fisiologia, em 8 volumes, sob o nome latino de Elementa

    Physiologiae , o primeiro grande texto dessa disciplina da Biologia. Interessante, e muitoadequado, era o outro nome que von Haller dava Fisiologia, tambm em latim,

    Anatomia Animata , isto , a Anatomia Animada, ligando de forma muito precisa o

    funcionamento estrutura. Von Gudden, importante neuropsiquiatra e neuranatomistagermnico do sculo 19, escreveu certa vez, com toda a propriedade: Erst Anatomie;aber wenn erst Physiologie, niemals ohne Anatomie, isto , Primeiro sempre aAnatomia mas se a Fisiologia vem primeiro, nunca sem a Anatomia, com o que queriadizer que a estrutura e a funo devem estar sempre juntas.

    Por tudo isso, neste textoqualquer funo em seres vivos ser considerada parteda Fisiologia. Esta, entretanto, subdivide-se didaticamente em vrias subdisciplinas, tais

    como a Biofsica, a Gentica, a Bioqumica, a Farmacologia e a Fisiologia de Sistemas. A Fisiologia de Sistemas atualmente a nica estudada e definida como Fisiologia nos

    livros didticos e nos cursos, o que no correto. A Fisiologia de Sistemas constitui-seda fisiologia renal, da cardiovascular, da respiratria, da digestiva, da endcrina, dalocomotora, da nervosa, da imunolgica e da hematolgica. A Bioqumica foi definidaem 1868 por Foster, fisiologista britnico, como a Fisiologia Molecular . Se juntarmos a

    Morfologia Molecular , que se destina a estudar a constituio molecular das clulas

    vivas, Fisiologia Molecular (que Bioqumica) chegaremos Biologia Molecular , subdisciplina da Biologia que estuda a estrutura e o funcionamento das molculas

    biolgicas e no s as molculas implicadas na gentica, como se vem diferenciandoinadmissivelmente em nossos tempos a Biologia Molecular. O esquema abaixo sumariaessas divises da Biologia.

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    A Fsica , evidentemente, a cincia bsica por excelncia e trata das propriedades gerais e fundamentais de matria e energia; todos os demais ramos dacincia dela derivam. AQumica , derivada direta da Fsica, trata das propriedadesespecficas da matria e pode ser considerada a Fsica da ltima rbita de elctrons, vistoque esta que promove a ligao entre tomos e assim constitui as molculas. Algumasformas de substncias qumicas constituem amatria organizada e o maior grau deorganizao encontra-se na Biologia . De forma sucinta, pode-se resumir a posio daFisiologia dos vertebrados no seguinte esquema de disciplinas cientficas:

    Fsica > Qumica> matria organizada > GeologiaCristalografiaMetalurgia... etc.Biologia

    AnatomiaMorfologia Histologia

    CitologiaEstrutura qumica (Morfologia Molecular)

    BiologiaGenticaBiofsica

    Fisiologia Bioqumica (Fisiologia Molecular)

    cardiovascularlocomotorhematolgico

    Fisiologia de sistemas imunolgicorenalrespiratriodigestivoendcrinonervoso

    A Medicina compreende, evidentemente, o mesmo quadro acima esquematizado porm alterado como patologia (anatomopatologia, histopatologia, citopatologia,

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    patologia molecular); o diagnstico das alteraes patolgicas e a busca da correo detais alteraes constituem a clnica e a teraputica, respectivamente.

    O esquema acima apresentado pode ser modificado para adaptar-se a todos osanimais e, com as modificaes pertinentes, tambm aos vegetais e aos outros reinos.

    FLUXOGRAMA DE INFORMAO NO SISTEMA NERVOSO

    Como dissemos acima, impossvel por ora conhecer bem a constituio de todosos circuitos de neurnios que operam no sistema nervoso central. Entre cada dois passosfuncionais no sistema nervoso devem existir incontveis processos de troca de

    informao, a fim de gerar as informaes que passaro para os passos subseqentes, oque envolve a atividade de um nmero elevadssimo de neurnios. Estamos muito longede quando ser possvel identificar integralmente no s os mecanismos implicados mastambm os neurnios que participam da organizao de qualquer manifestao daatividade nervosa. Entretanto, possvel imaginar pelo menos alguns passos necessriose primrios para que tudo isso ocorra, independentemente do nmero de neurnios e donmero de unidades de informao que fluem entre tais neurnios.

    O sistema nervoso existe nos animais invertebrados e vertebrados. Suaorganizao, em ambos os filos, baseia-se emcircuitos de neurnios, que so asestruturas que de fato geram as funes neurais. Nos vertebrados a variedade e o nmerode neurnios ultrapassam em muito os correspondentes dos invertebrados. Entretanto, parece que muitos dos circuitos fundamentais so semelhantes em invertebrados evertebrados porm, alm de haver circuitos mais complexos em vertebrados, o nmero ea variedade de associaes entre os circuitos nestes ltimos so imensamente maiores do

    que naqueles. E certamente nisso que reside o diferente desempenho de uns e de outrosanimais.Os circuitos neurais tornaram-se progressivamente mais numerosos e complexos

    ao longo da filognese, gerando funes cada vez mais versteis e complexas, o queatinge o mximo atual em nossa espcie. Entretanto, tambm certo que novas e maiscomplicadas espcies surgiro nos muitos milhes de anos prximos e ainda mais nas

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    prximas centenas de milhes de anos. absolutamente impossvel prever por enquantocomo sero tais seres vivos, j que desconhecemos completamente as leis que regem aevoluo filogentica. Contudo, pode-se imaginar que alguns sero muito mais evoludosdo que nossa espcie. Neles dever haver funes que nos so inteiramente imprevisveis.Se a evoluo houvesse cessado com os chimpanzs esses animais seriam os maisevoludos, os mais hbeis, os mais inteligentes da Terra mas seria impossvel para elesimaginar que alguma espcie ulterior pudesse criar o clculo integral ou a mecnicaquntica ou, ainda, estabelecer a origem gentica de tudo o que eles seriam. Oschimpanzs, os gorilas, os bonobos, os babunos, os orangutangos e vrios outros

    primatas muito evoludos, em que pese sua inteligncia e habilidade, no tm capacidade para deduzir um teorema matemtico, escrever um poema, compor uma sinfonia ouescrever um programa de computao. Esse passo evolutivo aconteceu com nossosantepassados mais diretos porm foram necessrias centenas de milhares de anos paraque o conhecimento se acumulasse paulatinamente, at que explodisse com oconhecimento gerado pela civilizao grega, da qual deriva tudo o que fazemos esabemos em nossos dias. No se pode prever hoje como sero as espcies que

    substituiro a nossa como lderes de nosso planeta, que funes novas tero e como serocapazes de raciocinar de forma diferente de ns. Se o sistema nervoso central continuar a

    crescer como veio crescendo na classe dos mamferos, sobretudo na ordem dos primatas(da qual fazemos parte), pode-se at imaginar que os espcimes vindouros mais prximosde ns talvez tenham bossas cranianas enormes, para acomodar avantajados lobosfrontais e as regies corticais implicadas na sensibilidade de todos os tipos que por oraconhecemos; foram os lobos frontais e as reas corticais sensoriais que mais cresceram

    nas espcies de hominides que precederam a nossa. Alm disso, provavelmente o loboda nsula, que cresce continuamente dos roedores para os primatas, ser to proeminenteque duas bossas laterais proeminaro nas regies laterais da cabea.

    um exerccio interessante, porm talvez incuo, descobrir que novas funesneurais surgiro no futuro. Nossos primos chimpanzs no conseguiriam jamais imaginarnossa criatividade cientfica ou literria, ns provavelmente tampouco conseguiremos

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    prever novas funes neurais superiores s nossas, mas que certamente ocorrero emfuturo muito distante. Podemos arriscar a previso de duas qualidades hoje sumamenteraras mas que qui se tornaro comuns nas espcies que nos substituiro dentro de doisou trs milhes de anos. Algumas rarssimas pessoas conseguem realizar mentalmenteclculos complicados em apenas alguns segundos; outras tm a feliz capacidade de lerum texto longo uma s vez e memoriz-lo integralmente; um desses indivduosconseguia, 80 anos atrs, depois de ler uma folha de jornal, reproduzi-la de trs paradiante. provvel que dentro de um milho de anos essas funes sejam normais em20% da populao e em 3 ou 4 milhes de anos sejam comuns em 80 ou 90% da

    populao de espcies, obviamente, outras que no a nossa.

    Quando analisamos o sistema nervoso como um sistema conclui-se que, a despeitode sua imensa complexidade, ele gera apenas duas modalidades de funes finaisefetoras: 1)homeostase e 2) oscomportamentos . Essas duas categorias tm sido intensa eextensamente estudadas ao longo dos sculos, constituindo os resultados de tais estudos amaior parte do que conhecemos sobre o sistema nervoso. Ambas as funes

    compreendem numerosas formas de manifestao da atividade neural e ambas podem serseguidas, de forma muito simplificada, no esquema da figura 1. O que se pode estudar

    bem por enquanto so seus resultados finais, a homeostase e os comportamentos, e umadas formas que as iniciam (as funes sensoriais). Todos os demais passos so de umacomplexidade desafiadora e de dificlima abordagem direta, como veremos paulatinamente no desenrolar do texto; temos acesso a esses passos geralmente de formamuito indireta mas que geraram imenso conhecimento.

    A homeostase consiste na estabilizao de funes intrnsecas que estabilizam omeio interno. Nas ltimas dcadas descobriram-se oscilaes regulares das funeshomeostticas (ciclos biolgicos ) porm isso em nada afeta o conceito de estabilidade domeio interno, visto que elas no so aleatrias, so todas programadas pelo sistemanervoso, como exporemos mais tarde e, por conseguinte, fazem parte da estabilidade.Provavelmente tal estabilizao iniciou-se quando molculas biolgicas se juntaram e

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    foram envolvidas por membranas (membrana celular), cujas propriedades qumicas eramtais que permitiam que o meio celular interno se conservasse com composio prximado meio externo em que se originaram, qui a gua dos mares primitivos. Quando asclulas animais se juntaram e constituiram os animais, um meio lqido circulante foicriado para levar a cada clula as substncias necessrias constncia intracelular, sendo para isso tornados tambm estveis. Nos vegetais tambm existe funo equivalente, masmuito distinto, que promove a migrao da seiva em completo sistema vascular interno.

    Muito interessante, nesse contexto, que, quando de um meio de cultura deamebas (protistas unicelulares) se retiram substncias necessrias a seu metabolismo, elas

    passam a emitir mediadores qumicos (entre os quais AMP cclico) que atraem progressivamente as clulas, antes independentes, formando um verdadeiro organismo pluricelular. As amebas juntam-se, ento, constituindo-se camadas externas que captamsubstncias nutritivas do meio e as transferem para as camadas internas, entre as quaisaparece um espao interno que se assemelha cavidade celomtica dos metazorios primrios e mais tarde o sistema circulatrio dos animais mais evoludos.

    A homeostase tem por finalidaderegular (regolare em latim significa bitolar,

    cingir a uma faixa bem definida) a presso arterial, a freqncia cardaca, a freqnciarespiratria, a presso parcial do oxignio (pO2) e do dixido de carbono (pCO2), pH,

    glicemia, concentrao plasmtica de numerosos hormnios, temperatura corprea etc.Os mecanismos ativados para se conseguir essa estabilizao so custosos ecomplicadssimos, como estudaremos mais tarde.

    Os comportamentos so, ao contrrio da homeostase, de impossvel definio porque h comportamentos simples e comportamentos muito complicados, com toda a

    gama intermediria que se possa imaginar. Quando um cisco entra em um de nossosolhos imediatamente o fechamos; considerado um simples reflexo, esse ato , naverdade, um comportamento defensivo reflexo, embora muito simples (as vias implicadasem sua organizao so h tempos bem conhecidas). Quando escrevemos ou lemos umtexto ou prestamos ateno a algum que nos fala ou fazemos mentalmente um clculo

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    aritmtico tambm estamos emitindo comportamentos porm a organizao e a expressodesses comportamentos so muitssimo mais complicadas do que o piscar de olhos.

    O que h de comum nesses vrios tipos de comportamento? Na dcada de 1940 o psiclogo americano Skinner, inquieto com a impossibilidade de se definir umcomportamento, criou uma regra (regra, porque tem excees) que nos d uma pistaimediata para saber quando se trata de um comportamento. Segundo o conceito deSkinner,comportamento o que vemos que um indivduo est fazendo . Por conseguinte,sorrir um comportamento, assim como caminhar, coar a cabea, urinar, vomitar, tossir,urinar, falar, prestar ateno etc. Segundo esse conceito, o padro motor de um

    comportamento que geralmente o define.Para ns que somos animais eminentementevisuais , vendo que em geral

    sabemos se outro animal de nossa espcie ou de outra est andando, comendo, cuspindo,rindo, coando o nariz, vomitando, piscando, fugindo, copulando, comendo etc. Para umanimalmacrosmtico (cujo sistema olfativo predominante) a informao olfativa devedesempenhar funo mais importante do que a visual mas esta essencial paradiferenciao de certos comportamentos. Mesmo ns podemos saber se um indivduo est

    emitindo o comportamento de andar ou de cantar, ainda que estejamos com os olhosfechados. Se bem que na maioria das vezes, examinando-se visualmente outro animal

    possvel ter uma idia de que comportamento est sendo produzido por seu sistemanervoso, s vezes no possvel definir o comportamento em curso. Por exemplo, seestamos falando com algum que nos esteja olhando fixamente no sabemos com certezase essa pessoa est de fato atenta ou distrada. De acordo com o conceito de Skinner, se a pessoa com quem falamos nos olha fixamente e permanece imvel podemos identificar o

    comportamento de prestar ateno. Entretanto, ela pode estar-nos olhando firmemente porm distrada. Pela anlise dos componentes motores desse comportamento odiagnstico poder, por conseguinte, induzir-nos a erro. Se, entretanto, medirmos afreqncia cardaca da pessoa saberemos imediatamente se ela est prestando ateno ouest distrada. Se est prestando ateno ocorre aumento da freqncia cardaca, da presso arterial, da freqncia respiratria, do dimetro pupilar. Se estiver distrada todas

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    essas variveis funcionais estaro diminudas. Por conseguinte, temos de adicionar aoscomponentes motores do comportamento essas mencionadas variveis, que denominamos

    componentes vegetativos . Aparentemente,todos os comportamentos se constituem demanifestaes (ou componentes) motores e manifestaes (ou componentes) vegetativos .

    Apesar de esse conceito ser correto, geralmente s se d importncia acomponentes vegetativos de comportamentos estilizados ou sistematizados comoexerccio muscular, agresso e fuga, s vezes muito radicais e extremos. No incio dosculo 20 Cannon enunciou o conceito de que tais manifestaes funcionais caracterizam

    fuga ou luta mas bvio que esse conceito incorreto: atualmente elas so claramente

    detectadas em animais, humanos ou no, como parte de qualquer comportamento. Fazerum clculo aritmtico ou imaginar mentalmente uma cena, como exporemos mais tarde, provoca ajustes vegetativos por vezes bastante intensos. Por conseguinte, os ajustesvegetativos fazem parte de qualquer comportamento, independentemente da quantidadede msculos que entram em ao. Enquanto um ajuste vegetativo homeosttico tende amanter uma funo dentro de limites bem determinados, os ajustes vegetativos

    comportamentais a afasta de tais limites.

    Por que so necessrios tais ajustes qualquer que seja o comportamento e no squando h muita atividade muscular, como ainda se acredita? A razo simples: osneurnios consomem 20% de todo o oxignio inspirado pelos pulmes, o que equivale a10 vezes mais do que a mdia do organismo. A razo dessa forte avidez por oxignio

    resulta dos processos de gnese e manuteno do potencial eltrico que existe atravs damembrana dos neurnios, da transmisso de potenciais de um neurnio para outro e deoutros processos comuns aos neurnios e a outras clulas do organismo. Alm disso, a

    principal fonte de energia para as clulas nervosas a glicose. Por outro lado, qualquerfuno neural requer sempre a mobilizao de milhes ou mesmo bilhes de neurnios,ainda que seja pensar, atentar para algo ou mesmo sonhar. Por isso, necessrio proverde muito oxignio e glicose o sistema nervoso o tempo todo e o sangue que leva ambos para o tecido nervoso. Da a necessidade de o sistema cardiovascular aumentar o fluxo

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    sangneo para a regio ativa em dado instante e o sistema respiratrio inspirar maisoxignio, que o sistema cardiovascular envia, junto com mais glicose, regio ativa.

    Ajustes vegetativos dos comportamentos

    Alguns ajustes vegetativos tm de ocorrer quando qualquer comportamento emitido e so necessrios manuteno da atividade metablica dos neurnios e dosmsculos ativos, por isso que os denominamosajustes vegetativos de suporte . Taisajustes so o aumento da presso arterial, da freqncia cardaca, do volume sistlico, daventilao pulmonar, da glicemia, do dimetro pupilar, da sudorese palmar e plantar. Por

    um processo interessante de aprendizado a freqncia cardaca pode at diminuir,aumentando muito o volume sistlico. fcil entender porque o sistema nervoso alteraesses dois ajustes: se a freqncia cardaca aumenta muito no h tempo para que osventrculos se encham adequadamente de sangue e portanto impossvel aumentar ofluxo sangneo para os neurnios e msculos. Por isso a freqncia cardaca aumenta pouco ou at diminui e o aumento do volume sistlico passa a ser a varivel principaldesse importantssimo ajuste vegetativo.

    Em certos comportamentos ocorrem,alm dos ajustes vegetativos de suporte outros que denominamosajustes vegetativos especficos , pois no fazem parte dequalquer comportamento, apenas de um ou dois. Exemplifiquemos:

    Comportamento alimentar:- movimentao do esfago, do estmago, intestino, vescula biliar, coldoco- secreo salivar, gstrica, entrica, pancretica, biliar

    - ajuste de fluxo sangneo para prom[over os movimentos viscerais e secreesdigestivas

    - aumento do fluxo sangneo nas regies em que se encontram os neurniosque programam e executam os componentes motores e vegetativos especficosdo comportamento alimentar

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    Comportamento sexual:- dilatao dos corpos cavernosos do pnis e do clitris- vasodilatao das mamas- vasodilatao das paredes vaginais- secrees das glndulas vaginais (para lubrificar o canal vaginal)- secrees prostticas- secrees da vescula seminal- contrao da musculatura uretral (ejaculao)- aumento do fluxo sangneo em todos os rgos envolvidos (msculos e

    glndulas) e nas regies do sistema nervoso que geram e controlam as vriasfunes implicadas no comportamento sexual

    Comportamento de falar:- secreo salivar (para lubrificar a mucosa oral, a fim de que esta no seja

    lesada pela intensa movimentao da lngua)- aumento do fluxo sangneo nas regies ativadas para gerar e controlar o

    comportamento de falar

    Comportamento de urinar:- contrao msculo detrusor da bexiga- inibio do esfncter externo da bexiga- contrao da musculatura uretral- aumento de fluxo sangneo nas regies ativadas para gerar e controlar o

    comportamento de urinarO comportamento de urinar descrito em todos os livros como um reflexo parassimptico, conceito esse inteiramente errado, pois trata-se de umcomportamento completo, com componentes motores e vegetativos de suportee especficos.

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    As modalidades comportamenais so muitas, tais como os alertas(inespecficos e atentos), a locomoo, os de defesa, os de ataque, o alimentar,o de beber, o sexual, os excretores (mico, defecao), os de comunicao(falar, escrever, rir, chorar etc.), o de parir, o maternal, os sociais e muitosoutros. Todos se caracterizam por componentes motores e por componentesvegetatativos (de suporte e especficos.)

    impossvel, por ora, como j foi dito acima, conhecer inteiramente ofluxo de informao que gera, regula e controla todas as funes neurais. O

    seguinte esquema (figura 1), altamente simplificado, permite-nos, contudo, teruma noo do conjunto e das principais etapas das vrias funes neurais.

    M----------- MV----------- motores

    Anlise sntese (configurao) Identificao Deciso Progamao Execuo-> sup.A----------- vegetativos

    SS---------- esp.

    As quatro letras esquerda representam as origens da atividade neural.SS=sistemas sensoriais. A: comportamentos automticos. V: comportamentosvoluntrios. M=comportamentos gerados por informao memorizada. Somente ossistemas sensoriais, como origem de ajustes vegetativos homeostticos e decomportamentos so bem conhecidos presentemente. Dos sistemas que geram ajustesvegetativos e comportamentos automticos so bem conhecidos os que geram a presso

    arterial, a respirao, o sono e poucos outros so razoavelmente bem conhecidos. Ossistemas que geram comportamentos voluntrios so os menos conhecidos, embora j sesaiba muito sobre manifestaes de tais comportamentos.

    Todos os circuitos neurais que produzem as quatro formas de ajustes vegetativoshomeostticos e de comportamentos geram potenciais de ao que tm de ser analisados(etapa de anlise). Uma vez analisados eles podem ser combinados, gerando

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    configuraes eletrofisiolgicas especficas (fase de sntese ou configurao). Aconfigurao pode ser comparada com outras memorizadas e ento o sistema nervoso pode identificar (fase de identificao) a informao original. Quando se trata de algumaalterao homeosttica a identificao sempre no-consciente. Quando se trata de umcomportamento (sensorial, mnemnico, automtico ou voluntrio) a identificao consciente.

    Vejamos, a seguir, um exemplo de um ajuste homeosttico e de um comportamento, quenesse exemplo tambm homeosttico mas nos possibilita identificar integralmente um e outrotipo de funo neural. Se ingerirmos alimento muito salgado a presso osmtica do meio interno

    eleva-se e para normaliz-la o sistema nervoso mobiliza vrios mecanismos. Sensores situados nodiencfalo, no intestino, no bulbo olfativo e talvez em algumas veias detectam o aumento da presso osmtica e ativam a neuro-hipfise para secretar mais hormnio antidiurtico(vasopressina), o que reduz a eliminao de gua pelos rins; alm disso, aumenta a eliminao desdio pela urina. Com esses ajustes aos poucos a presso osmtica se normaliza. Essemecanismo, que inconsciente, opera continuamente (e disso nem nos damos conta), constituiumajuste homeosttico .

    Entretanto, se o alimento ingerido contm muito sal o ajuste homeosttico torna-se

    insuficiente para normalizar a presso osmtica do meio interno. necessrio reduzir aquantidade de gua presente na urina mas alm disso passa a ocorrer reduo da salivao e fortereabsoro de gua pela mucosa intestinal. Esses fenmenos todos, juntos, criam uma situaocaracterizada por intensa alterao funcional do organismo e so, em conjunto, identificados pelo processoconsciente , originando a sensao de sede . Como conseqncia, o sistema nervosodesencadeia um comportamento inteiramente especfico, buscar gua, seguido de outro, o de beber. Por conseguinte, se um ajuste homeosttico insuficiente para corrigir um desequilbriohomeosttico, ocorre um comportamento que o corrige.

    Fenmenos equivalentes ocorrem com relao glicose. Existem sensores (glicoceptores)que medem continuamente a glicemia no sangue que passa pelo hipotlamo, pelo ncleo do tratosolitrio (situado na medula oblonga) e pelo fgado. medida que a glicose utilizada pelostecidos a glicemia tende a reduzir-se; entretanto, os glicoceptores detectam mnimas redues daglicemia e ativam o fgado para produzir glicose, que lanada no sangue at normalizar-se suaconcentrao. Desse modo a glicemia tende a manter-se constante. medida que o tempo passa o

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    trabalho metablico do fgado para no deixar a glicemia baixar torna-se cada vez mais intenso.Em certo instante, sinais (constitudos de metablitos da glicogenlise e da neoglicognese eimpulsos nervosos oriundos do fgado) vo ao hipotlamo e informam que o metabolismoheptico para manter a glicemia j atingiu nvel crtico. Enquanto esses mecanismos todosoperam continuamente e so inconscientes, a chegada das informaes hepticas ao hipotlamo

    gera sua identificao consciente, a qual se exprime como fome. Esta origina o comportamento de busca de alimentos e depois o de ingeri-los. No a hipoglicemia que causa fome mas o trabalhometablico do fgado para no deixar a glicemia baixar.

    Como ltimos exemplos de fenmenos fisiolgicos de alta relevncia em Medicina, hque considerar os ajustes vegetativos que ocorrem durante qualquer comportamento, cujodesconhecimento pode gerar diagnsticos errados e, conseqentemente, teraputica inadequada.Todos os comportamentos (pensar, prestar ateno, caminhar, falar, ouvir, escrever, correr, urinar,defecar, copular, brigar, sorri e todos os demais) constituem-se decomponentes motores , que soos que vemos e nos permitem identificar o tipo de comportamento a cada instante, e de

    componentes vegetativos, de alta relevncia em Fisiologia e em Medicina. Todos os tecidos queintervm na atividade comportamental necessitam de mais oxignio, glicose e cidos graxos. Osistema nervoso, que usa 20% de todo o oxignio inspirado (dez vezes mais que a mdia de todo oorganismo), consome principalmente glicose. Portanto, a presso arterial, a respirao, a glicemiae o fluxo sangneo para todos os rgos mobilizados devem aumentar durante qualquercomportamento. Esses ajustes vegetativos, que ocorrem em qualquer comportamento,denominam-seajustes vegetativos de suporte . Alguns comportamentos necessitam deajustesvegetativos especficos alm dos de suporte. Por exemplo, o comportamento alimentar precisa desalivao, secreo gstrica, entrica, pancretica e biliar, alm de movimentao do esfago,estmago, intestino etc. O comportamento sexual necessita de aumento do fluxo sangneo paraos corpos cavernosos do pnis e do clitris, mamas e parede vaginal, secreo de gonadotrofinas,contrao dos canais deferentes, do tero e uretra.

    Vale chamar a ateno para um ajuste vegetativo importantssimo que, se desconhecido, pode provocar erro diagnstico. Qualquer tipo de comportamento necessita de aumento da presso arterial e, em geral, da freqncia cardaca. Quando se tira a presso de uma pessoa, aateno que esse procedimento desperta, alm do receio de que a presso seja elevada e atmesmo a presena do mdico, acompanha-se sempre de aumento da presso e da freqnciacardaca, alteraes essas fisiolgicas, isto , normais. Por isso, necessrio acalmar o paciente e

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    medir a presso no mnimo trs vezes, at que se chegue a valor que prximo do basal de fato, oque raramente acontece. H pessoas que no conseguem relaxar do alerta e do medo e sua presso sempre mais alta do que a normal. Quando a presso medida vrias vezes por dia porintermdio de um Holter, a insuflao brusca do manguito causa aumento da presso pelo alertaassim provocado, o que pode ser ainda mais intenso durante a noite, quando a insuflao domanguito freqentemente desperta o paciente. Esse fator deve ser levado em considerao sempre.

    Outro exemplo de grande relevncia fisiolgica e mdica a hiperventilao provocada por dor intensa e contnua, a qual acaba por provocar alcalose sangnea; se o mdico no souberque a alcalose efeito secundrio da hiperventilao, fenmeno inteiramente normal, provocado pelo forte alerta resultante da dor forte e contnua (esta sim, patolgica), pode ser induzido a errodiagnstico.

    Existem numerosos mecanismos automticos que mantm as funes homeostticasdentro de uma faixa regular. Por exemplo, a presso arterial mantida em sua faixa denormalidade por reflexos originados em sensores (baroceptores) situados principalmente nos seioscarotdeos e na crossa da aorta. Se a presso tende a baixar (que a tendncia natural) os baroceptores detectam a hipotenso e enviam as informaes pertinentes a vrios centros situadosno tronco enceflico, sobretudo na medula oblonga, os quais ativam vias simpticas, que promovem vasoconstrio em alguns territrios do organismo e aumentam a freqncia cardacae a fora de contrao do msculo cardaco. Se a presso tende a subir a ativao dos baroceptorescausa fenmenos opostos, com os quais a presso se normaliza. Se a tenso de O2 diminui ouaumenta, a ativao ou a desativao, respectivamente, dos quimioceptores sensveis ao oxignio, promovem alteraes da respirao, a fim de trazer a pO2 normalidade. Existem tambmsensores sensveis ao CO2; se este aumenta, os sensores ativam a respirao, a fim de elimin-lo enormalizar a pCO2. Esses so todos ajustes homeostticos . Entretanto, qualquer comportamentodemanda maior afluxo de oxignio ao sistema nervoso central e aos msculos implicados nocomportamento, o que, por sua vez, requer aumento da presso arterial. A fim de que isso ocorra

    preciso inibir os reflexos homeostticos , o que de fato acontece. A glicemia mantida pelossensores concentrao de glicose no sangue. Quando h necessidade de aument-la, durante umcomportamento, o sistema que programa o comportamento, por intermdio do sistema simptico, bloqueia a secreo de insulina pelas clulas beta do pncreas e ao mesmo tempo ativa aglicogenlise e a neoglicognese hepticas. Com esses ajustes a glicemia pode subir e prover osistema nervoso com a glicose de que ele necessita. A musculatura que executa os componentes

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    motores do comportamento tambm utiliza glicose porm principalmente cidos graxos, o que

    significa que tambm deva haver aumento de sua liberao a partir dotecido adiposo. Ocomportamento de caminhar, por exemplo, necessita de alto fluxo de oxignio no s aosmsculos deambulatrios mas tambm aos centros nervosos implicados nocomportamento. O comportamento sexual, o alimentar, o de urinar, o de defecar, o devomitar e todos os outros implicam semelhantes ajustes vegetativos, a fim de poderem sergerados e executados.

    H comportamentos com alto componente mental, como prestar ateno, fazerclculos, imaginar cenas e at sonhar, que tambm exibem componentes motores

    (imobilizao da cabea e dos olhos, movimentao dos olhos etc.) e necessitam deajustes vegetativos, graas aos quais a intensa atividade neural possvel e a poucaatividade muscular seja vivel. Durante a fase do sono em que ocorre a maioria dossonhos, o sono paradoxal ou sono dessincronizado , a presso arterial, a freqnciacardaca e a ventilao pulmonar se reduzem significativamente. Entretanto, quandoocorre um sonho todas essas funes vegetativas aumentam. A presso arterial, duranteum pesadelo, pode ultrapassar 200 mmHg e acaba por despertar a pessoa.

    DIAPOSITIVOS

    ORGANIZAO FUNCIONAL DO SISTEMA NERVOSO

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    Esta aula dever ser ministrada no incio do ano a todos os alunos de ps-

    graduao e de iniciao cientfica que freqentem o Laboratrio de Neurocincia.

    Alm disso, sugiro que eles leiam nosso livro, principalmente o captulo de

    COMPORTAMENTOS.

    OFSN.1 (organizao funcional do sistema nervoso)- Reinos biolgicos.

    A classificao dos seres vivos foi entrevista por Aristteles h 2.400 anos porm, a

    despeito de ter iniciado o estudo sistemtico dos animais e vegetais, ele ainda no dispunha demeios para avanar. Apesar disso, ele sabia distinguir moluscos de crustceos, mamferos de aves(que ele chamava de animais sangneos, talvez por serem homeotermos), peixes de rpteis evrias classes de vegetais.

    A primeira classificao dos seres vivos foi proposta pelo naturalista sueco Linnaeus, queos dividiu emanimais e vegetais . Linnaeus inventou a nomenclatura binria para denominar osseres vivos, que utilizamos at hoje, a qual adota o gnero seguido da espcie (exemplos:

    Escherichia coli , Coffea arabica , Homo sapiens ). interessante lembrar que Lavoisier, mais oumenos mesma poca, criou a nomenclatura binria para denominar os compostos qumicos, aqual tambm utilizada atualmente (exemplos: cloreto de sdio, trifosfato de adenosina, o ATP,que no adenosina trifosfato, denominao errada).

    Em fins do sculo 19 o embriologista Ernst Haeckel criou outra classificao, j maisrefinada: os procariotas ( seres unicelulares sem ncleo, bactrias por exemplo) e oseucariotas

    (seres uni ou pluricelulares com ncleo, amebas, algas, rvores, mamferos, por exemplo).Em 1959, Whitaker props uma classificao mais analtica, com 5 reinos:- Moneras (equivalente aos procariotas de Haeckel, isto , vrus e bactrias; atualmente

    poderamos incluir aqui os prons)- Protistas (unicelulares eucariotas, como amebas, giardias, algumas bactrias)- Fungos (os cogumelos)- Plantas (os vegetais)- Animais

    Em 1994 Embley, Hirt e Williams propuseram uma classificao muito diferente,acrescentando aos reinos 3 domnios:

    Domnios Reinos - Bacteria Vrias bactrias

    - Archea Vrias bactrias primitivas, incluindo as que vivem beira de vulces submarinos- Eucariotas Plantas, fungos e animais (invertebrados e vertebrados)A maioria dos seres vivos est includa nos dois primeiros domnios. Os animais

    constituem pequena frao dos seres vivos que existem por enquanto. Pode-se imaginar quedentro de 100 ou 200 milhes de anos possam aparecer na Terra novos reinos e at mesmodomnios mas impossvel imaginar como sero.

    OFSN.2

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    Atualmente o estudo da Biologia muito fragmentado em numerosssimas disciplinas, s vezesabsurdas, o que lhes tira a preciso que tudo deve ter em cincia.

    inegvel que tudo o que existe no Universo Fsica e deve ser encarado como tal, inclusive osseres vivos, opinio essa j esposada por Leonardo da Vinci h 500 anos. A Qumica pode ser definidacomo a Fsica da ltima rbita de elctrons, j que os tomos se ligam para formar molculas precisamente por intermdio da interao dos elctrons dessa rbita.

    Muitos compostos qumicos apresentam-se como matria organizada. As nuvens no so matriaorganizada mas os cristais sim. Sem dvida, a matria de organizao mais complexa que conhecemos naTerra so os seres vivos, cujo estudo constitui a Biologia e esta compreende apenas duas grandesdisciplinas: aMorfologia , que estuda a estrutura, e aFisiologia , que estuda o funcionamento dessaestrutura. Numerosssimas divises artificiais adotadas atualmente mascaram completamente essasimplicidade.

    Este diapositivo classifica claramente todas as divises da Biologia. V-se que essa classificaolgica inclui aPatologia e, portanto, aMedicina .

    OFSN.4O sistema nervoso, a despeito de ser a mais complexa estrutura que conhecemos, produz apenas

    duas classes de funes:- Homeostase- Comportamentos

    fcil definirhomeostase, que consiste na manuteno da estabilidade intrnseca do organismodentro de faixas regulares. Por exemplo, o pH e a presso osmtica do meio interno, a presso arterial, a pO2, a pCO2, a glicemia, concentrao plasmtica de estrgeno, testosterona, hormnio de crescimentoetc.etc. tm de ser mantidos dentro de uma faixa relativamente estreita, a qual regulada continuamente pelo sistema nervoso. Para isso existem mirades de fenmenos que so mobilizados incessantemente.Esses fenmenos so (felizmente) inconscientes, por isso que no sabemos qual nossa presso arterial, o pH do sangue, a glicemia, a pO2, a pCO2 etc.

    Definir comportamentos , entretanto, muito difcil porque h comportamentos bem simples(piscar quando entra um cisco num olho, por exemplo) e outros sumamente complexos (falar, correr, leretc.). O psiclogo americano Skinner, na dcada de 1940, atormentado com esse problema, aventou que:Comportamento tudo o que eu vejo que algum est fazendo. Se vejo algum caminhando porqueesse algum est emitindo o comportamento de caminhar; se o vejo coar a cabea porque est emitindoo comportamento de coar a cabea, se est vomitando porque est emitindo o comportamento devomitar; etc.

    Entretanto, h excees; se no houvesse, a afirmao de Skinner seria uma definio ou uma lei.Por conseguinte, ela umaregra . Vejamos alguns exemplos. Quando ministramos uma aula nem sempreos alunos que esto com os olhos bem abertos e com a cabea imvel, olhando-nos, esto alertas; eles podem estar distrados. Uma pessoa deitada em uma cama e com os olhos fechados parece-nos dormir(segundo a regra de Skinner) porm ela pode estar assim imaginando uma sinfonia ou tentando provar umteorema matemtico. Como distinguir uma situao da outra? Basta registrar a freqncia cardaca parasaber; em quem est alerta a freqncia cardaca elevada; em quem est distrado a freqncia cardaca mais baixa. Na verdade, a presso arterial tambm est elevada durante o alerta, assim como a ventilao, odimetro pupilar e a sudorese palmar e plantar. Por conseguinte, um comportamento se caracteriza no s

    pelos componentes motores mas tambm pelos vegetativos. Esse conceito altera radicalmente o conceitode comportamento, em relao ao que se considera atualmente .

    OFSN.5, OFSN.6 e OFSN.7A Fisiologia do sistema nervoso deve ser sempreestudada tratando-o como um sistema, no como

    um mosaico de funes separadas, seno desconexas . comum considerar comportamentos reflexos comosimples reflexos de controle, o que grave erro. Piscar quando entra um cisco num olho um

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    comportamento, no um simples reflexo, similar ao reflexo patelar. Retrair um membro em resposta a umestmulo doloroso igualmente tratado como um simples reflexo (reflexo de flexo) mas trata-se,evidentemente, de um comportamento defensivo. Por outro, lado, a reduco do dimetro pupilar quandoaumenta a luminosidade ambiente (reflexo pupilar ) de fato um reflexo (homeosttico), assim como oreflexo patelar um reflexo (motor).

    - Neurofisiologia geral: estudo dos fenmenos comuns a todas (ou quase todas) as funes dosneurnios: potencial de membrana, potencial de ao, transmisso sinptica (eltrica equmica), metabolismo dos neurnios, fatores indutores, constituio dos micro emacrocircuitos, cdigos de informao, plasticidade neurnica etc.

    - Sistemas sensoriais: estudo de todos os tipos de sensibilidade (e no somente os clssicoscinco sentidos), inclusive a sensibilidade da musculatura lisa, dos baroceptores, dosquimioceptores sensveis a O2, CO2 e hormnios, sensibilidade da uretra e dos ureteres,sensibilidade magntica e vestibular etc.

    - Sistemas motores: estudo da fisiologia muscular e da ativao dos motoneurnios pelosvrios sistemas programadores de comportamentos. Costuma-se confundir esse estudo com odos comportamentos, o que incorreto, pois induz a erros graves de interpretao funcional.Um erro comum desse tipo estudar locomoo em sistemas motores e no emcomportamentos.

    - Sistemas vegetativos: costuma-se estudar aqui apenas o simptico e o parassimptico e aindacom o nome incorreto de sistema nervoso autnomo . Devem-se expor neste captulo os vriossistemas que geram as funes vegetativas. Algumas dessas funes so o que podemosconsiderar primrias porque implicam mecanismos prprios: o simptico, o parassimptico, orespiratrio, o neuroendcrino (e possivelmente o neuroimunolgico); outros implicammobilizao primria do simptico, do parassimptico e do neuroendcrino, como os sistemasque geram e regulam a presso arterial, o sistema digestivo, o sistema renal e o sistema termo-regulador.

    - Comportamentos: os comportamentos constituem a maior parte do que o sistema nervoso produz. So numerosssimas as modalidades comportamentais. Esta figura lista algumas.

    OFSN.8Esta figura representa o fluxograma de informao no sistema nervoso; trata-se de uma

    representao claramente simplificada e esquemtica. Cada uma das etapas nela representada implica,evidentemente, milhes ou mesmo bilhes de microetapas geradas por microcircuitos (que parecemimplicar mais de 80% de todos os neurnios). Alm disso, h muitos microcircuitos que conectam essasetapas nos dois sentidos, realizando retroaferentao ( feedback ) e anteroaferentao ( feedforward ).

    O esquema contm 4 origens: SS , sistemas sensoriais;A, sistemas de gnese automtica;V ,sistemas de origem voluntria;M , sistemas de origem mnemnica.

    Uma vez geradas informaes nesses canais de influxo, elas devem ser analisadas (An ), visto que preciso descodificar os impulsos nelas originados. A freqncia mdia dos impulsos e a freqnciainstantnea entre cada dois pulsos que contm as informaes que exprimem o que vai gerar um ajustehomeosttico ou um comportamento. A partir da descodificao das informaes originadas nos quatrocanais de influxo, elas devem ser sintetizadas em umaconfigurao neural (Synth ), que exprimeintegralmente a informao original. Quando se trata de um ajuste homeosttico provavelmente isso suficiente para identificar (I ) essa informao. Quando se trata de uma informao que deve originar umcomportamento certamente a configurao neural deve ser comparada com informaes similares oucorrelatas, armazenadas na memria, para que o comportamento final seja compatvel com a experincia pregressa, o que necessrio para que o padro comportamental seja coerente com os padres aprendidos.

    Uma vez identificada a informao inicial, geradora do comportamento, preciso tomar umadeciso (D ). A comparao dos padres iniciais com os memorizados fundamental para essa etapa: emsituao anloga qual foi a melhor soluo?. isso que preside a programao de um comportamento em

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    funo do aprendizado. Tomada a deciso, o sistema nervoso pode programar o comportamento (P ) egerar os componentes motores (que em geral o definem) e os vegetativos (E).

    Imaginemos como um ajuste homeosttico e um comportamento se incluem no fluxograma. Aosmolaridade plasmtica mantida dentro de limites muito estreitos (cerca de 300 mOsm) por ummecanismo homeosttico bem eficiente: qualquer elevao ou reduo da osmolaridade detectada porosmoceptores situados no hipotlamo, na rea preptica, em vasos intestinais, no bulbo olfativo e talvez emoutros territrios do organismo (SS no fluxograma). Os impulsos assim gerados so analisados,configurados e ento podem ser identificados (I) por um processo no consciente, o que significa que nosabemos conscientemente que a presso osmtica se alterou. Esse mecanismo atua continuamente.Digamos, entretanto, que tenhamos ingerido um alimento muito salgado; a elevao da presso osmtica detectada e identificada e o sistema nervoso decide, programa e efetua vrios ajustes homostticos quetendem a trazer a osmolaridade aos valores normais: sobretudo aumenta a eliminao de sdio e aumenta asecreo de hormnio antidiurtico, a fim de reduzir a reabsoro tubular de gua nos rins (e, portanto,menor eliminao de urina). Com isso a presso osmtica plasmtica tende a voltar ao normal, o que detectado pelos osmoceptores e disso resulta a conseqente reduo desses ajustes. Esses mecanismos soajustes homeostticos inconscientes . Imaginemos, porm, que o alimento ingerido era muito salgado. Essesajustes sero insuficientes para que a osmolaridade retorne ao normal. Por isso, a intensa ativao dososmoceptores causa aumento da reabsoro de gua pelos rins mas tambm pelo intestino, associada aforte reduo da salivao. Esses fenmenos so detectados por receptores especficos e criam uma

    situao bem definida, a qual identificada pelo sistema nervoso pelo processo consciente (I) como sede.Esta provoca a seguir a emisso de comportamentos destinados a buscar gua e a ingeri-la, com todos osoutros comportamentos destinados a, por exemplo, procurar um copo, procurar gua etc.Comparar oresultado da identificao consciente com padres memorizados essencial para a programao doscomportamentos adequados . Se sentimos sede e estamos em casa a memria nos dir qual a melhorsoluo nessa situao: buscar um copo, ir geladeira, procurar o vaso com gua, despejar no copo e beber. Se, porm estivermos na rua, nossa memria nos dir que em situaes similares anteriores buscamos um bar para ingerir gua ou um refrigerante. Por conseguinte, o ajuste homeosttico insuficienteacabou por gerar um comportamento bem definido para resolver o problema da hiperosmolaridade.

    Um comportamento pode ser desencadeado automaticamente (A), como o caso do sono: maisou menos mesma hora sentimos sono e mais ou menos mesma hora despertamos. bvio que podemosaprender a adormecer e a despertar em horas distintas, condicionadas pelo trabalho, pela escola etc.Respirar, que uma funo vegetativa mas pode ser um comportamento (fazer hiperpnia ou apniavoluntrias, por exemplo) , como funo vegetativa, desencadeada automaticamente.

    Os comportamentos podem iniciar-se em informaes memorizadas (Mn); talvez, mesmo, amaioria dos comportamentos tenha origem mnemnica, tal o peso do que aprendemos desde quenascemos em pautar nossos comportamentos.

    Por fim, muitos comportamentos so gerados voluntariamente (V) mas, sem dvida, muitocomportamento do que se costuma considerar voluntrio gerado por informaes sensoriais (SS) oumnemnicas (Mn).

    OFSN8AEste diapositivo mostra, esquerda, o mesmo mdulo da figura 8, e direita a representao das

    funes homeostticas. Nesse esquema representamos apenas os sistemas vegetativos com mecanismosfundamentais prprios. preciso, entretanto, acrescentar aqui aos sistemas vegetativos mediados sobretudo pelo simptico, pelo parassimptico e pelo sistema neuroendcrino tambm os sistemas que regulam a presso arterial, as funes renais, o sistema digestivo e o sistema termo-regulador.

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    OFSN.9

    Esta figura mostra esquerda o fluxograma fundamental do sistema nervoso e direita o efluxoimplicado nos comportamentos: como j destacamos, todo comportamento se exprime comocomponentesmotores e comocomponentes vegetativos .

    OFSN.14Alguns comportamentos caracterizam-se por um componente emocional. Por exemplo, o medo, o

    amor, a saudade,o dio, a alegria, a tristeza, os quais, todos, dirigem os comportamentos. Imaginemos queestamos em uma sala de aulas e de repente abre-se a porta e um indivduo mascarado e com umametralhadora na mo nos ameaa. Ns identificamos tudo visualmente mas alm disso identificamos umasituao que, graas ao cinema e televiso, sabemos ser perigosa. Alm de identificarmos visualmentetoda a cena, sentimosmedo . A memria contribui para a identificao da cena pelo que conhecemos docinema e da televiso e isso gera a emoomedo . Digamos que ento o bandido nos diga que no setrata de um assalto mas de uma cena que est sendo filmada para um anncio na televiso.Continuamos aver toda a cena e a identific-la como antes porm agora sem medo . A situao radicalmente diferente: a primeira causou medo, a segunda no. Como resultado, nosso comportamento ser bem diferente no primeiro e no segundo caso. No primeiro, provavelmente ficaramos imveis, com medo de que o bandidonos matasse. No segundo ou riremos ou ofenderemos o assaltante pelo susto que nos deu.

    Imaginemos outra situao. Duas pessoas se amam muito e quando se encontram se identificamvia informaes visuais mas alm disso sentem algo muito especfico: amor, carinho. Por isso se abraam ese beijam. Se dois anos mais tarde o romance houver terminado, quando eles se encontram identificam-sevisualmente, como antes, porm agora sem a emoo anterior. Por conseguinte,uma emoo uma formade identificao (pelo processo consciente) de uma situao bem especfica . E como tal gera umcomportamento tambm especfico. possvel, portanto, interpretar uma emoo como um fenmenofisiolgico inteiramente singular, que sempre causa um comportamento, tambm singular.

    OFSN.29Todos os comportamentos se exprimem como componentes motores e componentes vegetativos.

    J mencionamos que os ajustes homeostticos mantm o meio interno intrinsecamente estvel graas amecanismos reflexos muito eficientes. A presso arterial basicamente estvel sobretudo por causa dosreflexos dos baroceptores, gerados pelos sensores que medem a presso (baroceptores carotdeos, articos eesplncnicos) a cada instante. Quando a presso tende a baixar, os baroceptores o acusam e enviam asinformaes a centros especficos (situados em vrios locais do rombencefalo, principalmente sob asuperfcie ventral da medula oblonga, isto , nos ncleos reticulares lateral e ventral, mecanismo essedescoberto pelo fisiologista brasileiro Pedro G. Guertzenstein), e promovem aumento da freqnciacardaca e da fora de contrao do corao, alm de vasoconstrio em algumas regies do organismo(por exemplo, a pele). Se a presso se eleva ocorre o contrrio, o que, em conjunto, mantm a pressoestvel.

    Entretanto, como tambm j mencionamos, em todos os comportamentos a presso eleva-se, a fimde possibilitar aumento do fluxo sangneo no sistema nervoso. H forte vasodilatao nas regiesnervosas implicadas na gnese e na programao do comportamento e no resto do organismo envolvida nasua expresso motora e vegetativa. Se a presso no subisse o aumento da rea com vasodilatao provocaria baixa da resistncia perifrica, tornando impossvel manter o alto fluxo. Se pensamos ou prestamos ateno a algo, a presso sobe em pelo menos 20 mmHg. Se o comportamento muito intenso(correr, levantar peso, prestar muita ateno, copular, vomitar ou ter um pesadelo), a presso eleva-semuito mais. Como possvel que isso ocorra, a despeito da pronta ao dos reflexos dos baroceptores? Aexplicao que o sistema que programa um comportamento inibe, paralelamente, os ajusteshomeostticos e por isso a presso pode elevar-se. A ventilao tambm aumenta muito e a glicemia e afreqncia cardaca se elevam em qualquer comportamento pela mesma razo. Do mesmo modo, odimetro pupilar aumenta (a fim de permitir a viso distante), ainda que haja muita luz no ambiente.

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    Esta figura nos mostra um interessante ajuste puramente homeosttico. O traado superiorcorresponde presso arterial (medida em mmHg) e o de baixo respirao de um gato no qual injetamosendovenosamente 20 g de adrenalina, a qual provoca vasoconstrio e hipertenso. Note-se o forteaumento da presso arerial, como seria de esperar. Entretanto, a respirao se reduziu sensivelmente. Oaumento da presso provocou aumento da quantidade de sangue que transitava pela aorta e pelas cartidase, ento, os quimioceptores dos glomos carotdeos e articos (que medem a pO2) informam o sistemanervoso que aumentou a quantidade de oxignio em circulao. Essa informao (incorreta) causareflexamente inibio do centro inspiratrio e, por conseguinte, a ventilao diminui. Trata-se, portanto, deumajuste puramente homeosttico .

    OFSN.30 Nesta figura v-se que, quando se aplica um estmulo doloroso pele de um dos espaos

    interdigitais da pata de um gato (entre as setas inferiores), tambm ocorre aumento da presso arterial porm com aumento da ventilao, no reduo. Note-se aumento tambm da freqncia cardaca (HR, em batimentos por minuto). O ltimo trao inferior representa a presso arterial mdia, ao passo que o de cimamostra a presso pulstil.

    O aumento da presso arterial, da freqncia cardaca e da ventilao nesse experimento faz partedo comportamento de alerta (provocado pela estimulao dolorosa) e do comportamento defensivo deretrao do membro, que sempre ocorre nessa situao.

    OFSN.31Como j dissemos, a presso arterial s pode subir durante os comportamentos porque h

    inibio dos reflexos dos baroceptores. Neste diapositivo mostramos um experimento que demonstraclaramente esse fato. Nesse experimento estiramos em cerca de 0,5 mm a regio do seio carotdeo em quese situam os baroceptores, o que realizamos por intermdio de duas micropinas e um micromanipulador, oque permite estiramentos de frao de milmetro. No grfico, a ltima linha mostra, entre as setas brancas,o perodo de estiramento do seio carotdeo (e, por conseguinte, ativao dos baroceptores). Na linha acimaaparece a presso arterial mdia, a qual se reduz durante o estiramento. A linha seguinte, acima,corresponde presso pulstil e a ltima mostra (acima) s variaes da freqncia cardaca. As pulsaesregulares, nessa linha, so devidas s variaes da freqncia cardaca em funo da respirao. Na ltimalinha vem-se duas setas negras no meio, que mostram o perodo em que foi aplicado um estmulo dolorosoem um espao interdigital de um dos membros posteriores. Note-se que a presso e a freqncia cardacaescapam inibio pelos baroceptores e aumentam, o que significa que houve bloqueio do reflexo dos baroceptores durante o alerta e a retrao do membro causados pelo estmulo doloroso, permitindo que a presso e a freqncia cardaca aumentassem.

    OFSN.32Esta figura mostra a inibio do reflexo de Hering-Breuer (que normalmente limita a inspirao e

    desencadeia a expirao) durante alerta provocado por estimulao dolorosa de um espao interdigital deuma pata (gato).A: experimentamente pode-se desencade-lo inflando os pulmes com ar externo (volumeem ml), o que provoca imediato reflexo de Hering-Breuer, cessando a respirao. Na segunda linha v-seo traado da respirao (inspirao para cima, expirao para baixo), a qual cessa durante a inflao pulmonar, devido a esse reflexo. Na terceira linha (D) vem-se potenciais do msculo diafragma, quecessam durante a inflao dos pulmes (por isso a respirao interrompida).B : experimento similar masentre as setas negras foi aplicado estmulo doloroso em um espao interdigital de uma pata. Note-se queesse estmulo inibe o reflexo de Heing-Breuer e a respirao retorna bem elevada. O traado inferiormostra alteraes da presso arterial, que no so relevantes para o que queremos demonstrar com esteexperimento.

    Para que haja aumento da glicemia necessrio tambm inibir a liberao de insulina, o que defato ocorre, sem o que a glicemia no poderia elevar-se.

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    Durante os comportamentos h dois tipos de ajustes vegetativos: os desuporte , que ocorrem emtodos os comportamentos, e osespecficos , que ocorrem em apenas alguns. Neste diapositivo vem-se osajustes vegetativos de suporte. Os hemodinmicos so:aumento de presso , de freqncia cardaca e decontratilidade cardaca . Os ventilatrios so oaumento da freqncia e do ar corrente (cujo produtorepresenta a ventilao, em litros/minuto). Os metablicos soaumento da liberao glicose e de cidos

    graxos

    OFSN.41. Este diapositivo ilustra alguns ajustes vegetativos especficos do comportamento alimentar.

    OFSN.42Aqui vemos os principais ajustes vegetativos do comportamento sexual. Tais ajustes desse

    comportamento so os mais numerosos dentre todos os comportamentos, como se v. Os ajustes de suporte(elevao da presso arterial, da freqncia cardaca e da ventilao) tambm so muito intensos nessecomportamento.

    OFSN.43Este diapositivo ilustra algunsajustes vegetativos especficos que ocorrem nos comportamentos

    de falar e de urinar. Interessante que urinar considerado um reflexo parassimptico em todos os livrosmas esse um erro grosseiro, visto que se trata de um comportamento bem caracterstico, que pode ser atvoluntrio e ser inibido. Nem toda vez que sentimos premncia de urinar ns urinamos, pois aguardamoscondies mais adequadas; ningum urina na sala de aula, no escritrio ou no restaurante... Alm disso, para urinar preciso assumir uma postura especfica, que diferente no homem e na mulher, devido aodiferente comprimento da uretra.

    OFSN.48bTrataremos a seguir de dois dos temas mais complexos, misteriosos, discutidos e alvos de

    explicaes fantasiosas:comportamentos voluntrios e conscincia. Antes disso vamos rever brevemente ofluxograma de informao no sistema nervoso.

    OFSN.48aEste diapositivo trata doscomportamentos voluntrios . Todas as doutrinas filosficas e teolgicas

    consideram a vontade o prprio livre arbtrio e que a conscincia que dita um comportamento voluntrio.Ao que parece, no assim. O diapositivo mostra, de acordo com nosso fluxograma, que algum sistema(que nos inteiramente desconhecido por ora) gera impulsos que vo originar um comportamentovoluntrio. Entretanto, de acordo com o fluxograma esses impulsos tm que ser analisados, depoissintetizados em uma configurao que representa o que foi voluntariamente iniciado e s ento, na fase deidentificao consciente, que sabemos o que queremos fazer. A conscincia no vem antes mas depois dese iniciar o programa. E s aps a identificao consciente que sabemos o que queremos fazer e ento seinicia o processo de gerao do comportamento.

    OFSN.47O tema conscincia muito antigo, ocupando grande parte da filosofia chinesa, hindu, grega e

    moderna, assim como das doutrinas religiosas. Entretanto, essas abordagens so todas muito falhas, porqueconfundem conscincia com o conceito de alma. Quem acredita na existncia da alma no tem dificuldadeem entender conscincia com muita convico. A realidade, porm, muito distinta do que esse conceitoimplica.

    Para comear, adefinio da conscincia praticamente impossvel, porque sempre tautolgica,isto , o termo definido est includo na definio. Tentem defini-la e vero que impossvel evitar atautologia. possvel, entretanto, estud-la e deduzir muitas de suas caractersticas. Esse problema afligetambm todos quantos pretendem estudar e entender otempo. Santo Agostinho, o primeiro filsofo do

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    cristianismo, diz em seu livroConfessioni : Eu sei muito bem o que o tempo mas quando algum me pergunta o que no sei responder e vejo que no sei.

    Em geral se confunde o processo consciente comtica , grave erro, pois tica uma convenocriada e aprendida e que vale aqui e agora; ao longo do tempo, em funo de religies e de costumes primitivos, a tica tem variado muito. Apesar de seus defeitos talvez a tica nunca tenha sido to bemcaracterizada como em nossos tempos, a despeito das mtiplas transgresses de ordem poltica, religiosa,doutrinria.

    A conscincia geralmente confundida com a deciso de fazer algo. Quanto a isso, atente-se parao que foi dito com relao figura anterior, quando discutimos brevemente os comportamentosvoluntrios.

    Um tabu grave o que afirma que os outros animais no tm conscincia. Esse erro primrioorigina-se, tambm, na crena de que a conscincia se relaciona com a alma ou a prpria alma. Existemmuitas demonstraes de que outros animais so capazes de identificar informaes pelo processoconsciente. Acreditamos que a conscincia, como os fenmenos biolgicos em geral, ocorram em algumadimenso da Fsica diversa de x, y, z e tempo (lembremos que os fsicos admitem a existncia de 10 ou 11dimenses mas alguns acreditam que impossvel descrever completamente o Universo com menos de 32dimenses).

    Quase todos quantos se dedicam a estudar a conscincia pretendem solucionar dois problemas queso por enquanto insolveis: sua essncia e como ele gerado . Essa tendncia tem prejudicadonotavelmente o estudo e a compreenso da conscincia porque se tornaram objetivo principal dos queestudam esse assunto. claro que temos que continuar investigando esses temas porm temos que nosconcentrar na nica caracterstica da conscincia que pode ser deduzida com segurana: sua funo.

    Como j expusemos reiteradamente ao tratar de esquemas anteriores, a funo do processoconsciente (como dos no conscientes com a mesma funo) identificar certas informaes e com isso possibilitar que o sistema nervoso emita comportamentos adequados a informaes geradoras decomportamentos das 4 formas que aparecem no nosso fluxograma: sensorial, automtica, mnemnica evoluntria.

    importantssimo reiterar aqui que a maioria das informaes neurais identificada por processos no conscientes, apenas pequena frao identificada pelo processo consciente.

    OFSN.48Das vrias modalidades de infomaes identificadas pelo processo consciente h que destacar as

    seguintes:

    1. as proprioceptivas (vestibulares, musculares, articulares, visuais) que nos permitemsaber conscientemente em que posies esto em cada instante todas as partes denosso corpo (a cabea, os braos, as pernas, os dedos etc.)

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    2. as que nos revelam que h necessidade de eliminar dejectos corporais, como fezes(premncia de defecar), urina (premncia de urinar), matria indigesta no estmago(vmito) etc.

    3. premncia de comermos (fome)4. premncia de bebermos gua (sede)5. premencia de copular (libido)6. adjetivao de certas sensaes para caracteriz-las (adjetiv-las) de forma mais

    completa (as emoes)7. prospectiva (imaginar o futuro)8. retrospectiva (imaginar o passado)9. identificar o pensamento, o raciocnio, as intenes10. alucinaes normais (sonhar desperto com situaes agradveis ou no, sonhar

    dormindo etc.)11. integrar o eu (autoconscincia)

    OFSN.49Esta figura reveste-se de relevncia extraordinria para tratarmos da consicncia e

    comportamentos voluntrios, alm do que se encaixa perfeitamente no fluxograma de informao dosistema nervoso aqui adotado. Em 1965 dois fisiologistas alemes demonstraram um fato at entoinsuspeitado. Eles registravam continuamente o eletrencefalograma de voluntrios, os quais eram instrudosa apertarem um boto apenas se tivessem de vontade de o fazer, no sendo obrigados a faz-lo. Oeletrencefalograma era promediado eletronicamente para que os potenciais de fundo fossem de bem baixavoltagem e potenciais regulares, de baixssima voltagem, aparecessem no registro.

    O momento em que os indivduos apertavam o boto aparece no grfico como instante 0 (zero). Note-se que precedendo o momento de apertar o boto em quase 1 segundo ocorre um potencial em reas parietais. Imediatamente aps apertar-se o boto ocorre um pequeno potencial que a informao sensorialda periferia, a qual acusa a estimulao de receptores cutneos. O potencial que precede o ato de apertar o boto os autores do experimento chamaram de potencial de prontido .

    Na dcada de 1980 o fisiologista americano Libet replicou esses experimentos e introduziu umaalterao, que consistia em colocar diante dos indivduos uma tela de radar, na qual a varredura circular.Ele graduou a borda da tela, de modo que as pessoas pudessem detectar o instante exato em que sentiamvontade de apertar o boto. bvio que poucas pessoas so capazes de realizar esses experimentos deforma vlida. Feitos os experimentos, Libet verificou que os indivduos identificavam a vontade de apertar boto cerca de 500 milissegundos antes do momento zero (em que o apertavam). Com isso ainda restavaum potencial durante 350 milissegundos antes da conscincia. Isso significa que ocorre muito processamento neural antes de se ter conscincia do que se quer fazer.Analisando-se o fluxograma deinformao no sistema nervoso verifica-se que esse tempo provavelmente despendido para que asinformaes sejam geradas na origem voluntria (V), analisadas (anlise), configuradas (sntese),comparadas com os arquivos de memria e s ento identificadas, originando a conscincia do que sequer fazer.

    OFSN.49bUm sonho, uma alucinao patolgica ou mesmo um devaneio originam-se na memria e so

    identificados pelo processo consciente. Todos sempre originam comportamentos. Quando sonhamosexecutamos movimentos imperfeitos (em relao ao contedo) mas estreitamente correlacionados com ascenas sonhadas. As alucinaes patolgicas (em esquizofrnicos, alcolatras, pessoas muito idosas)tambm originam comportamentos correlatos.

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    OFSN.50aDe toda a atividade neural s nos so diretamente acessveis a entrada de sinais sensoriais e a

    sada homeosttica e comportamental. Todas as etapas intermedirias, certamente as mais complexas, sode quase impossvel (por enquanto) acesso direto mas dispomos de muitos mtodos que nos possibilitamabord-las indiretamente. Por exemplo, quando algum nos conta preocupaes podemos acessar pelocomportamento de falar algumas caractersticas do processamento intermedirio de informaes; essa uma das principais tcnicas utilizadas pelos psiquiatras e psiclogos para acessar problemas de programao ou de processamento de algumas etapas intermedirias.

    Uma tcnica sumamente poderosa e importante que utilizamos para acessar etapas intermediriasdo processamento de informaes o registro de oscilaes de potenciais eltricos do sistema nervoso,denominadoseletroscilogramas , dentre os quais o mais conhecido utilizado oeletrencefalograma (potenciais corticais captados por eltrodos situados no couro cabeludo)..

    Esta figura nos mostra, emA, o registro de potenciais corticais humanos enquanto o indivduo seencontrava desperto porm relaxado, com os olhos fechados. Pf1-F3 corresponde a potenciais entre reascorticais frontais do lado esquerdo (prefrontal-frontal), F3-C3 (frontal-precentral),C3-P3 , entre precentrale parietal anterior do esquerdo. P3-O1 , entre parietal anterior e occipital. Os potenciais so caractersticosdesse estado mental e constituem oritmo alfa , cuja freqncia de oscilaoes de 8 a 12 Hz, com voltagemde cerca de 50 V. Quando o indivduo abre os olhos estes produzem um potencial eltrico (primeira linha)e o ritmo substitudo por potenciais de alta freqncia (20 e 30 Hz) e baixa voltagem. Esse padrodenomina-sedessincronizao e nos revela ealerta atento , j que nesse experimento ao abrir os olhos a pessoa presta ateno ao que est vendo. AO: abertura dos olhos. FC : fechamento dos olhos.

    Em B vem-se os eletroscilogramas de uma rea frontal esquerda (FE), outra simtrica direita(FD), giro suprassilviano esquerdo (SSE) e giro suprassilviano direito (SD) de um gato sonolento. Quandose provoca um estmulo auditivo (a e b) o eletroscilograma torna-se dessinronizado e os olhos se abrem.Trata-se, portanto, de dois episdios de alerta intenso. Notem-se os movimentos dos olhos quando o animalfoi despertado pelos sons.

    Em C: dessincronizao frontal do eletroscilograma de um gato durante um estmulo auditivo. Noncleo amigdalide o alerta manifesta-se como ondas teta.

    OFSN.51Duas primeiras linhas: dessincronizao de alerta e movimento de abertura ( EO ) e fechamento

    ( EC ) dos olhos de uma pessoa quando se lhe pediu que abrisse e depois fechasse os olhos. Nas quatro ltimas linhas v-se a dessincronizao de alerta de um indivduo enquanto executava

    uma multiplicao. Note-se que quando terminou o clculo o ritmo alfa retornou.

    OFSN.52Breve dessincronizao de alerta provocada por um lampejo luminoso muito breve

    (1 milissegundo). Os potenciais superiores so provocados em reas no visuais, o segundo no crtexvisual. O que importa, nesta figura a breve dessincronizao cortical de alerta, a qual se iniciou aps pouco mais de 150 milissegundos depois do estmulo luminoso e durou cerca de apenas 600 milissegundos.A latncia corresponde ao processamento das informaes visuais at sua identificao consciente, a qual provocou o alerta (veja fluxograma de informao).

    OFSN.53As informaes sensoriais que entram no sistema nervoso produzem vrios efeitos (homeostticos

    ou comportamentais ) mas existem vrios mecanismos que controlam o influxo, em parte comocomponentes dos mecanismos de ateno. bem conhecido hoje o fato de que a retina recebe impulsosoriundos de vrias regies do sistema nervoso central, os quais so fundamentais para a ateno.

    bem conhecido o fato de que quando sentimos prurido em uma rea da pele o que fazemosimediatamente coar nessa mesma regio. Coar significa aplicar rea com prurido estmulos muito

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    intensos. Outro fato bem conhecido que quando uma parte do corpo di localmente uma forma deminorar a dor apertar a regio dolorida. A mesma manobra muito utilizada durante uma clica.

    Esta figura nos mostra um esquema funcional (comporta espinal ) proposto pelos ingleses Patrick eWall para explicar esses fenmenos.A: conexes semiesquemticas.B: representao inteiramenteesquemtica. Uma fibra fina ( F ) leva para a medula espinal impulsos que resultam em sensao dolorosa;de fato, as fibras que levam impulsos de dor e temperatura para o sistema nervoso central so do tipo A-delta (mielnicas) e do tipo C (amielnicas). Os impulsos na fibra fina tendem a inibir os intereurnios(clulasSG) da substncia gelatinosa, que inibe a fibra grossa e a fibra fina. Quando, em uma fibra grossa(A-beta) ocorrem impulsos (esfregar a pele para inibir o prurido ou apert-la para diminuir a dor) de altafreqncia que a ativam a clula da substncia gelatinosa, esta inibe os impulsos na fibra fina. Essemecanismo de comporta explica a inibio do prurido e da dor por estimulao cutnea intensa.

    J se detectou no tlamo uma comporta como essa para regular informaes dolorosas e visuais.

    OFSN.54O alerta pode ser quantificado de diversas maneiras. Eletrofisiologicamente quantifica-se sua

    intensidade medindo-se a freqncia dos potenciais, sua voltagem ou ambas. Esta figura nos mostra quequando um estmulo sensorial mais complexo do que outro ocorre alerta mais intenso. Olhando-se asduas aves da extrema esquerda o alerta imediatamente intenso, como est representado com o histogramade baixo. Quando, porm, as aves so estranhas, direita, o alerta muitssimo mais poderoso, pois asfiguras so estranhas e requerem muita ateno para saber do que se trata. Todas as outras figurassubseqentes mostram a mesma coisa: as mais simples provocam alerta menos intenso do que as maiscomplexas.

    OFSN.64Esta figura ilustra um tipo de aprendizado muito interessante e importantssimo: a habituao, que

    a reduo de uma informao sensorial quando o estmulo se repete monotonamente, devido a um tipo bem elementar de aprendizado, que se demonstra at em animais inferiores da escala filogentica. Aquivemos um potencial (magntico) que ocorre em uma rea relacionada com a audio quando se aplica umestmulo auditivo. Aps repetio do som, sempre igual, por vrias vezes o potencial se reduz (em azul)devido monotonia (habituao) mas alterando-se o tipo (freqncia) do sinal auditivo o potencial volta aser elevado (vermelho) porque mudou a informao e esta, novidade, tem que ser bem analisada.

    OFSN.65Esta figura tambm mostra um fenmeno sumamente interessante e relevante. Aplicando-se um

    breve estmulo visual (ou auditivo ou de outra modalidade) registra-se um potencial evocado de alto potencial no crtex visual mas ocorre tambm outro, de muito baixa voltagem (apenas alguns microvolts)em regies do crtex cerebral fora da rea visual (frontal, parietal), como aparece na figura de baixo. Seentretanto, se avisar o indivduo que aps o lampejo luminoso ele ouvir um estalido sonoro (linha decima), verifica-se que entre os dois potenciais evocados ocorre um potencial (negativo) muito evidente, oqual se denomina potencial de expectativa (ou variao contingente negativa), o qual de fato exprime aexpectativa do segundo estmulo.

    OFSN.66 Nesta figura vemos potenciais de expectativa de trs pacientes com intensa ansiedade. V-se que

    depois do primeiro estmulo sensorial ocorre alto e duradouro potencial de expectativa, o qual exprime bemo fato de que o ansioso uma pessoa que est sempre esperando... Esta figura bem uma amostra de que aeletrofisiologia nos permite, ainda que indiretamente, acessar e estudar passos intermedirios dofluxograma de informao no sistema nervoso.

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    Aqui vemos outro exemplo de como o sistema nervoso central atua sobre informaes sensoriais. Na figura superior v-se um gato, sonolento, esquerda, e direita os potenciais provocados por umestmulo eltrico aplicado ao antebrao ipsolateral nas fibras ascendentes que nascem nos neurnios docorno posterior, primeira estao sinptica nas vias somestsicas espinais. Na figura do meio v-se que ogato est atento a um camundongo colocado em um frasco sua frente. Ao mesmo tempo, h inibio totaldos potenciais aferentes. Na terceira figura, inferior, v-se o retorno dos potenciais quando se retirou ocamundongo da frente do gato. Esse experimento ilustra o fato de que se prestamos ateno com um canalsensorial, neste acaso o visual e o olfativo, os outros podem ser fortemente inibidos, para que se possa prestar ateno bem restrita ao novo estmulo. De fato, se estamos fazendo algo com muita ateno visualnem prestamos ateno a algum ferimento que o que estamos fazendo possa ter provocado.

    OFSN.69Esta figura nos mostra outro fenmeno importantssimo. Algumas pessoas queixam-se de

    anestesia de regies amplas, frequentemente de um brao, sem relao com distribuio de nervos ouraizes. relativamente comum cegueira histrica devido a alguma emoo muito intensa. Os exames pertinentes mostram que no h nenhuma leso ocular mas o estudo eletrofisiolgico pode mostarinterrupo do fluxo de informao entre os olhos e o crtex visual. Nesses casos impe-se tratamento psiquitrico.

    Nesta figura mostramos, esquerda, o eletroscilograma da regio cortical de um lado do crebro,da regio do crtex somestsico. Abaixo, verifica-se que a aplicao um estmulo ao antebraocontralateral provoca um potencial evocado cortical. Na segunda coluna de figuras v-se, em cima, oeletroscilograma normal, de repouso, do outro lado do crtex. Em baixo, ausncia de potencial evocadoquando se aplicou um estmulo eltrico ao antebrao histericamente anestesiado. claro que asinformaes da pele no esto chegando ao crtex somestsico contralateral. direita v-se que o potencial evocado aparece quando se injeta o anestsico Kemital no paciente. Isso ocorre porque oanestsica bloqueou o processo anmalo que estava impedindo que os impulsos somestsicos chegassemao crtex.

    OFSN.70Outra maneira de liberar o fluxo de informaes de impulsos no paciente com anestesia histrica

    aplicar na pele uma substncia muito dolorosa, como histamina ou lcool. Isso confirma o diagnsticocorreto da anestesia histrica.

    OFSN.76Esta figura extraordinariamente importante. Em 1972 Bertrand e colaboradores mostraram que a

    estimulao eltrica de pontos do estrato cinzento periaquedutal, no mesencfalo, e de outras regies maiscaudais relacionadas hodologicamente com essa parte do mesencfalo, produzia bloqueio da retrao deum membro submetido a estimulao dolorosa. Os pontos cuja ativao provoca esse