Voltaire - A Princesa de Babilonia

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    A PRINCESA DE BABIL NIA

    Voltaire

    DICE

    RESENTAO

    OGRAFIA DO AUTOR

    PTULO I

    PTULO II

    PTULO III

    PTULO IV

    PTULO V

    PTULO VI

    PTULO VII

    PTULO VIII

    PTULO IX

    PTULO X

    PTULO XI

    TAS

    A princesa de Babilnia

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    PRESENTA O

    "A princesa de Babilnia" uma novela de leitura agradvel, alm de extremamente instrutiva.Voltaire apresenta, concomitantemente: amor ingnuo e puro, amor carnal, fidelidade e traio,

    mizade, dio, vingana, inveja, prazer e dor, guerras, mortes, ressurreio, afeio e respeito pelosimais.O jovem heri Amazam se apaixona por Formosante, a princesa da Babilnia. Julgando-se tradosolve correr o mundo e Formosante sai em busca dele para desfazer o equvoco e comprovar sua

    delidade. o recurso que Voltaire emprega para descrever os costumes e instituies de inmerases e culturas da antigidade e, como sempre, critic-las com ironia e acidez.O autor, nesta obra, um pouco parcimonioso em suas irreverncias, mas no deixa de ser custic

    gumas vezes.

    Sobre as batalhas, to freqentes na antigidade como hoje, Voltaire incisivo:

    Os homens que comem carne e tomam beberagens fortes tm todos um sangue azedo eadusto, que os torna loucos de mil maneiras diferentes. Sua principal demncia se manifesta

    na fria de derramar o sangue de seus irmos e devastar terras frteis, para reinarem sobrecemitrios.

    A respeito da ressurreio, tema que Voltaire tratava com desdm, aqui fala com uma profundidadrcucincia dignas de meditao:

    - A ressurreio, Alteza - disse-lhe a fnix, - a coisa mais simples deste mundo. No mais surpreendente nascer duas vezes do que uma. Tudo ressurreio no mundo; aslagartas ressuscitam em borboletas, uma semente ressuscita em rvore; todos os animais,

    sepultados na terra, ressuscitam em ervas, em plantas, e alimentam outros animais, de quevo constituir em breve uma parte da substncia: todas as partculas que compunham oscorpos so transformadas em diferentes seres. verdade que sou o nico a quem o

    poderoso Orosmade concedeu a graa de ressuscitar na sua prpria natureza.

    A mesma fnix demonstra quo ridcula a pretenso humana de dominar o conhecimento sobre aigem dos homens e, enfim, de todas as coisas:

    - E tu - perguntou o rei da Btica fnix, - que pensas a respeito?

    - Sire - respondeu a fnix, - sou ainda muito jovem para estar informada da antigidade.No vivi mais que uns vinte e sete mil anos; mas meu pai, que viveu cinco vezes essa idade,me dizia haver sabido, por meu av, que as regies do Oriente sempre foram mais povoadase mais ricas que as outras. Sabia, por seus antepassados, que as geraes de todos osanimais tinham comeado s margens do Ganges. Quanto a mim, no tenho a vaidade deser dessa opinio. No posso acreditar que as raposas de Albion, as marmotas dos Alpes eos lobos das Glias venham do meu pas; da mesma forma, no creio que os pinheiros e oscarvalhos das vossas regies descendam das palmeiras e dos coqueiros da ndia.- Mas de onde vimos ento? - indagou o rei.

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    - Nada sei - respondeu a fnix. - Desejaria apenas saber para onde podero ir a belaprincesa da Babilnia e o meu querido amigo Amazan.

    Insistindo sobre a fragilidade do conhecimento humano, Voltaire, pelas palavras de milordeWhat-then" (milorde Que Importa), habitante de Albion (Inglaterra), afirma:

    Com o mesmo esprito que nos fez conhecer e sustentar os direitos da natureza humana,

    elevamos as cincias ao mais alto ponto a que possam chegar entre os homens. Os vossosegpcios, que passam por to grandes mecnicos; os vossos hindus, a quem julgam tograndes filsofos; os vossos babilnios, que se vangloriam de haver observado os astrosdurante quatrocentos e trinta mil anos; os gregos, que escreveram tantas frases e to

    poucas coisas, no sabem precisamente nada em comparao com os nossos menorescolegiais, que estudaram as descobertas de nossos grandes mestres. Arrancamos maissegredos natureza no espao de cem anos do que os descobriu o gnero humano namultido dos sculos.

    Voltaire, finalmente, destila todo o amargor que sentia pelos ataques e perseguies que sofreu,dindo a proteo das Musas:

    Nem por isso, Musas, me havereis de proteger menos. Impedi que os continuadorestemerrios estraguem com as suas fbulas as verdades que ensinei aos mortais nesta fielnarrativa, assim como ousaram falsificar Cndido, o Ingnuo, e as castas aventuras dacasta Joana que um ex-capuchinho desfigurou em versos dignos dos capuchinhos, emedies batavas........ Musas, imponde silncio ao detestvel Coger, professor de parolagem no colgio

    Mazarino, que no ficou contente com os discursos morais de Belisrio e do imperadorJustiniano e escreveu infames libelos difamatrios contra esses dois grandes homens........Musas, filhas do cu, vosso inimigo Larcher ainda faz mais: estende-se em elogios

    pederastia; ousa dizer que todos os bambinos do meu pas so sujeitos a essa infmia.Pensa salvar-se aumentando o nmero dos culpados.Nobres e castas Musas, que detestais igualmente o pedantismo e a pederastia,

    protegei-me contra mestre Larcher!

    mais um trabalho extraordinrio de um dos maiores pensadores que a Histria j registrou.OGRAFIA DO AUTOR

    FRANOIS-MARIE AROUET, filho de um notrio do Chtelet, nasceu em Paris, em 21 deovembro de 1694. Depois de um curso brilhante num colgio de jesutas, pretendendo dedicar-se agistratura, ps-se ao servio de um procurador. Mais tarde, patrocinado pela sociedade do Templo

    m particular por Chaulieu e pelo marqus de la Fare, publicou seus primeiros versos. Em 1717, acusser o autor de um panfleto poltico, foi preso e encarcerado na Bastilha, de onde saiu seis mesespois, com a Henriade quase terminada e com o esboo do OEdipe. Foi por essa ocasio que ele

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    solveu adotar o nome de Voltaire. Sua tragdia OEdipe foi representada em 1719 com grande xitoos anos seguintes, vieram: Artemise (1720), Marianne (1725) e o Indiscret (1725).

    Em 1726, em conseqncia de um incidente com o cavaleiro de Rohan, foi novamente recolhido astilha, de onde s pode sair sob a condio de deixar a Frana. Foi ento para a Inglaterra e a sedicou ao estudo da lngua e da literatura inglesas. Trs anos mais tarde, regressou e publicou Brutu730), Eriphyle (1732), Zare (1732), La Mort de Csar (1733) e Adlade Duguesclin (1734). Datamesma poca suas Lettres Philosophiques ou Lettres Anglaises, que provocaram grande escndalo e

    brigaram a refugiar-se em Lorena, no castelo de Madame du Chtelet, em cuja companhia viveu at49. A se entregou ao estudo das cincias e escreveu os Elments de le Philosophie de Newton (17

    m de Alzire, L'Enfant Prodigue, Mahomet, Mrope, Discours sur l'Homme, etc.

    Em 1749, aps a morte de Madame du Chtelet, voltou a Paris, j ento cheio de glria e conhecidm toda a Europa, e foi para Berlim, onde j estivera alguns anos antes como diplomata. Frederico II

    nferiu-lhe honras excepcionais e deu-lhe uma penso de 20.000 francos, acrescendo-lhe assim artuna j considervel. Essa amizade, porm, no durou muito: as intrigas e os cimes em torno doscritos de Voltaire obrigaram-no a deixar Berlim em 1753.

    Sem poder fixar-se em parte alguma, esteve sucessivamente em Estrasburgo, Colmar, Lyon, Geneantua; em 1758, adquiriu o domnio de Ferney, na provncia de Gex e a passou, ento, a residir emmpanhia de sua sobrinha Madame Denis. Foi durante os vinte anos que assim viveu, cheio de glriamigos, que redigiu Candide, Histoire de la Russie sous Pierre le Grand, Histoire du Parlement de

    aris, etc., sem contar numerosas peas teatrais.

    Em 1778, em sua viagem a Paris, foi entusiasticamente recebido. Morreu no dia 30 de maro dessesmo ano, aos 84 anos de idade.

    APTULO I

    O velho Belus, rei de Babilnia, julgava-se o primeiro homem do mundo, pois todos os seus corteo diziam e os seus historigrafos lhe provavam. O que poderia desculpar-lhe esse ridculo era que, eito, seus predecessores haviam construdo Babilnia mais de trinta mil anos antes, mas ele a havia

    mbelezado. Sabe-se que o seu palcio e o seu parque, situados a algumas parasangas de Babilnia, stendiam entre o Eufrates e o Tigre, que banhavam aquelas ribas encantadas. Sua vasta residncia, ds mil passos de fachada, elevava-se at as nuvens. A plataforma era cercada de uma balaustrada dermore branco de cinqenta ps de altura que sustentava as esttuas colossais de todos os reis e dedos os grandes homens do Imprio. Essa plataforma, composta de duas ordena de tijolos cobertos dnsa camada de chumbo, continha terra numa espessura de doze ps; e sobre essa terra havia erguid

    orestas de oliveiras, laranjeiras, limoeiros, palmeiras, cravos e caneleiras, que formavam alamedasmpenetrveis aos raios do sol.

    As guas do Eufrates, elevadas por bombas em cem colunas ocas, vinham at esses jardins encherstos tanques de mrmore e, retombando por outros canais, iam formar no parque cascatas de seis ms e cem mil repuxos cuja altura mal se podia perceber: voltavam em seguida para o Eufrates, de on

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    ovinham. Os jardins de Semramis, que espantaram a sia vrios sculos depois, no passavam deaca imitao dessas antigas maravilhas; pois, no tempo de Semramis, tudo comeava a degenerar ehomens e as mulheres.

    as o que havia de mais admirvel em Babilnia, o que eclipsava tudo o mais, era a filha nica do reamada Formosante. Foi segundo os seus retratos e esttuas que, sculos aps, Praxteles esculpiu afrodite e aquela a que chamaram a Vnus das belas ndegas. Que diferena, cus, do original parapias! De modo que Belus era mais orgulhoso da sua filha que do seu reino. Tinha esta dezoito anos

    eciso um esposo digno dela; mas onde encontr-lo? Ordenara um antigo Orculo que Formosante soderia pertencer quele que retesasse o arco de Nemrod. Esse Nemrod, o grande caador perante Deixara um arco de sete ps babilnicos de altura, de um bano mais duro que o ferro do monte Cuc

    ue se trabalha nas forjas de Derbente; e nenhum mortal depois de Nemrod pudera distender esse arcaravilhoso.

    Fora ainda dito que o brao que distendesse esse arco mataria o leo mais terrvel e perigoso que frgado no circo de Babilnia. No era tudo: o lanador do arco, o vencedor do leo, devia abater a toseus rivais; mas devia principalmente ter muita inteligncia, ser o mais magnfico dos homens, o m

    rtuoso, e possuir a coisa mais rara que existisse no universo inteiro.Apresentaram-se trs reis que se atreveram a disputar Formosante: o fara do Egito, o x das ndi

    grande c dos citas. Belus marcou o dia e o local do combate, que era no extremo de seu parque, nosto espao limitado pelas guas do Eufrates e do Tigre reunidos. Ergueram em redor da lia umfiteatro de mrmore que podia conter quinhentos mil espectadores. Defronte ao anfiteatro, ficava o

    ono do rei que devia comparecer com Formosante, acompanhada de toda a Corte; e direita e querda, entre o trono e o anfiteatro, estavam outros tronos e outros assentos para os trs reis e parados os outros soberanos que tivessem a curiosidade de vir assistir quela augusta cerimnia.

    Em primeiro lugar, chegou o rei do Egito, montando o boi Apis e segurando o sistro de Isis. Vinhguido de dois mil sacerdotes vestidos de tnicas de linho mais brancas que a neve, de dois mil eunudois mil mgicos e de dois mil guerreiros.

    Depois chegou o rei das ndias, num carro tirado por doze elefantes. Tinha um squito ainda maisumeroso e mais brilhante que o do fara do Egito.

    O ltimo que apareceu foi o rei dos citas. No tinha junto de si seno guerreiros escolhidos, armadarcos e de flechas. Sua montaria era um tigre soberbo que ele domara e que era to alto quanto os

    los cavalos da Prsia. O porte desse monarca, imponente e majestoso, apagava o de seus rivais; seuaos nus, to musculosos quanto brancos, pareciam j retesar o arco de Nemrod.

    Os trs prncipes se prosternaram primeiro diante de Belus e de Formosante.

    O rei do Egito ofereceu princesa os dois mais belos crocodilos do Nilo, dois hipoptamos, duasbras, dois ratos do Egito e duas mmias, com os livros do grande Hermes, que ele julgava o que hamais raro sobre a face da terra.

    O rei das ndias ofereceu-lhe cem elefantes, que carregavam cada um uma torre de madeira doura

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    ps a seus ps o Veidam, escrito pela mo do prprio Xaca.

    O rei dos citas, que no sabia ler nem escrever, apresentou cem cavalos de batalha, cobertos de xapeles de raposas negras.

    A princesa baixou os olhos diante de seus pretendentes e inclinou-se com uma graa to modestauanto nobre.

    Belus mandou conduzir os trs monarcas aos tronos que lhes estavam reservados.

    - Quem me dera ter trs filhas - disse-lhes, - e eu faria hoje seis pessoas felizes.

    Em seguida mandou tirar a sorte, para ver quem primeiro experimentaria o arco de Nemrod. Puseum capacete de ouro os nomes dos trs pretendentes. O do rei do Egito saiu em primeiro lugar; emguida, o do rei das ndias. O rei cita, olhando o arco e os seus rivais, no se queixou de ser o terceir

    Enquanto se preparavam essas brilhantes provas, vinte mil pajens e vinte mil raparigas distribuam

    m toda a ordem refrescos aos espectadores. Todos confessavam que os deuses s haviam institudois para que dessem festas todos os dias, contanto que fossem variadas; que a vida demasiado curtra que a empreguemos de outra forma; que os processos, as intrigas, a guerra, as disputas doscerdotes, que consomem a vida humana, so coisas absurdas e horrveis; que o homem nasceu paraegria; que no amaria apaixonada e continuamente os prazeres se no fora formado para eles; quesncia da natureza humana deleitar-se, e todo o resto loucura. Essa excelente moral nunca foismentida seno pelos fatos.

    Quando iam comear as justas que deviam decidir do destino de Formosante, apresentou-se um josconhecido montado num unicrnio, acompanhado de seu escudeiro em igual montaria, e trazendo

    unho um grande pssaro. Os guardas ficaram surpresos ao ver em tal equipagem um vulto que tinhade divindade. Era, como depois se disse, o rosto de Adonis sobre o corpo de Hrcules; era a majes

    nida graa. Suas sobrancelhas negras e seus longos cabelos loiros, combinao de belezasconhecida em Babilnia, encantaram a assemblia; todo o anfiteatro ergueu-se para melhor ontemplar; todas as mulheres da Corte fixaram nele olhares atnitos. A prpria Formosante, que semixava os olhos, ergueu-os e enrubesceu; os trs reis empalideceram; todos os espectadores,mparando Formosante com o desconhecido, exclamavam: "No h no mundo seno esse jovem quja to belo como a princesa".

    Os porteiros, espantados, perguntaram-lhe se ele era rei. O estrangeiro respondeu que no tinha esonra, mas que viera de muito longe, por curiosidade, para ver se havia reis que fossem dignos deormosante. Levaram-no para a primeira fila do anfiteatro, a ele, ao seu valete, aos seus dois unicrn

    seu pssaro. O jovem fez uma profunda saudao a Belus, . sua filha, aos trs reis e a toda asemblia. Depois acomodou-se, corando. Seus dois unicrnios deitaram-se a seus ps, o seu pssar

    ousou-lhe no ombro, e seu valete, que carregava um pequeno saco, postou-se a seu lado.

    Comearam as provas. Retiraram de seu estojo de ouro o arco de Nemrod. O mestre de cerimniaguido de cinqenta pajens e precedido de vinte trombetas, o apresentou ao rei do Egito, que o feznzer por seus sacerdotes; e, tendo-o colocado sobre a cabea do boi Apis, no mais duvidou de

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    canar essa primeira vitria. Desce arena, experimenta o arco, esgota as suas foras, faz contorue provocam o riso do anfiteatro e at fazem Formosante sorrir.

    Aproxima-se dele o seu grande esmoler, e lhe diz:

    - Que Vossa Majestade renuncie a essas honras vs, que no so mais que as dos msculos e nervunfareis no resto. Vencereis o leo, pois tendes o sabre de Osiris. A princesa de Babilnia devertencer ao prncipe que tenha mais inteligncia, e j tendes decifrado enigmas, Deve ela desposar o

    ais virtuoso, e vs o sois, pois fostes educado pelos sacerdotes do Egito. O mais generoso deve venvs lhe presenteastes os dois mais belos crocodilos e os dois mais belos ratos que havia no Delta.ossua o boi Apis e os livros de Hermes, que so a coisa mais rara do universo. Ningum vos podesputar Formosante.

    - Tens razo - disse o rei do Egito, e voltou para o trono.

    Puseram o arco entre as mos do rei das ndias, o qual ficou com empolas por quinze dias, ensolou-se pensando que o rei dos citas no seria mais feliz do que ele.

    O cita manejou o arco por sua vez. Juntava a habilidade fora: o arco pareceu adquirir algumaasticidade em suas mos; f-lo ceder um pouco, mas no conseguiu distend-lo. O anfiteatro, a queom aspecto desse prncipe inspirava favorveis inclinaes, lamentou seu pouco sucesso e julgou qula princesa jamais se casaria.

    Ento o jovem desconhecido desceu de um salto arena e, dirigindo-se ao rei dos citas:

    - No se espante Vossa Majestade - disse-lhe ele - de no haver obtido inteiro sucesso. Esses arcoano so fabricados na minha terra: h determinado modo de os manejar. Tendes muito mais mrito

    v-lo feito ceder do que eu possa ter em retes-lo. Em seguida tomou uma flecha, ajustou-a na cordtesou o arco de Nemrod e fez voar a flecha muito alm das barreiras. Um milho de mos aplaudiuodgio. Babilnia reboou de aclamaes, e todas as mulheres diziam: - Que felicidade que to belopaz tenha tanta fora!

    Tirou em seguida do bolso uma lmina de marfim, escreveu nela com um estilete de ouro, prendeapa de marfim ao arco, e apresentou tudo . princesa com uma graa que encantava a todos ossistentes. Depois foi modestamente para o seu lugar, entre o seu criado e o seu valete. Babilnia intava no auge da surpresa, os trs reis desconcertados, e o desconhecido no parecia aperceber-se de

    da disso.Formosante ainda ficou mais espantada quando leu, na chapa de marfim presa ao arco, estes verso

    m bela linguagem caldaica:

    O arco de Nemrod o arco da guerra.Mas o arco do Amor o da felicidade:Contigo o tens, Princesa. E, na verdade,E por isso que o Amor domina toda a terra.

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    De trs gloriosos reis, cada qual se presumeSer afinal teu nico e ditoso rei.A quem escolhers, Princesa? Apenas seiQue o universo inteiro h de sentir-lhe cime.

    Esse pequeno madrigal no incomodou a princesa. Foi criticado por alguns senhores da antiga Coue disseram que outrora, nos bons tempos, teriam comparado Belus ao sol e Formosante lua, seuscoo a uma torre e seu colo, a um alqueire de trigo. Disseram que o estrangeiro no tinha imagina

    que se afastava das regras da verdadeira poesia; mas todas as damas acharam os versos mui galantearavilhavam-se de que um homem que to bem manejava o arco tivesse tanto talento. A dama de hprincesa disse-lhe:

    - Quantas qualidades em pura perda! De que servir a esse jovem o seu esprito e o arco de Belus?

    - Servir para que o admirem - retrucou a princesa.

    - Ah! - disse a dama de honor entre dentes, - mais um madrigal, e ele ser ento amado.

    Belus, no entanto, depois de consultar a seus magos, declarou que, visto que nenhum dos trs reisudera manejar o arco de Nemrod, nem por isso. sua filha deveria deixar de casar-se e que pertenceriuele que conseguisse abater o grande leo a que vinham tratando expressamente para isso. O rei do

    gito, que fora educado com toda a sabedoria do seu pas, achou que era muito ridculo expor um reiras para o casar. Confessava que a posse de Formosante era um grande prmio; mas considerava quo leo o estraalhasse, jamais poderia ele desposar essa bela babilnia. O rei das ndias foi do mesrecer que o egpcio; concluram que o rei de Babilnia estava fazendo pouco de ambos; que era preandar vir exrcitos para o punirem; que tinham bastante sditos que se considerariam muito honradmorrer a servio de seus senhores, sem que isso custasse um fio de cabelo s suas sagradas cabea

    ue facilmente destronariam o rei da Babilnia e em seguida tirariam sorte a bela Formosante.

    Feito esse acordo, os dois reis despacharam, cada um para o seu pas, uma ordem expressa de reunm exrcito de trezentos mil homens, a fim de raptar Formosante.

    No entretanto, o rei dos citas desceu sozinho arena, de cimitarra em punho. No estavardidamente arrebatado pelos encantos de Formosante; at ento fora a glria a sua nica paixo; elnduzira at Babilnia. Queria mostrar que, se os reis da ndia e do Egito eram bastante prudentes p

    ue se comprometessem com feras, era ele bastante corajoso para no desdenhar esse combate, e que

    pararia a honra do diadema. Sua rara coragem no lhe permitiu ao menos que se servisse do seu tigvana sozinho, levemente armado, com um capacete de ao guarnecido de ouro, ornado de trs caucavalo brancas como a neve.

    Largam contra ele o maior leo que jamais se criou nas montanhas do Anti-Lbano. Suas terrveisrras pareciam capazes de estraalhar os trs reis ao mesmo tempo, e sua vasta goela de os devorar.

    eus horrendos rugidos faziam reboar o anfiteatro. Os dois feros campees precipitam-se um contra utro a passo rpido. O corajoso cita mergulha a espada na boca do leo; mas a lmina, encontrando sses espessos dentes que nada pode atravessar, quebra-se em estilhaos, e o monstro das florestas,

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    rioso com o seu ferimento, j imprimia as unhas sangrentas nos flancos do monarca.

    O jovem desconhecido, penalizado com o perigo de to bravo prncipe, lana-se na arena mais rpue um relmpago; corta a cabea do leo com a mesma destreza com que, em nossos carrossis, juvvaleiros arrebatam cabeas de mouros ou anis.

    Depois, tirando uma pequena caixa, apresenta-a ao rei cita, dizendo-lhe:

    - Vossa Majestade encontrar nesta caixinha o verdadeiro ditamno, que' cresce na minha terra. Vooriosos ferimentos ficaro curados num instante. S o acaso vos impediu de triunfar do leo; nem pso menos admirvel a vossa coragem.

    O rei cita, mais sensvel ao reconhecimento que ao cime, agradeceu a seu salvador e, depois de traado efusivamente, recolheu-se para aplicar o ditamno nos ferimentos.

    O desconhecido entregou a cabea do leo a seu valete; este, depois de a lavar na grande fonte abao anfiteatro e de lhe escorrer todo o sangue, tirou um ferro de seu pequeno saco, arrancou os quaren

    ntes do leo, e ps em seu lugar quarenta diamantes de igual tamanho.Seu senhor, com a costumeira modstia, voltou para o seu lugar; e entregou a cabea do leo aossaro.

    - Belo pssaro - disse ele, - vai depor aos ps de Formosante esta singela homenagem.

    O pssaro voa, carregando numa das garras o terrvel trofu; apresenta-o princesa, baixandoumildemente o pescoo e prosternando-se ante ela. Os quarenta brilhantes deslumbraram todos oshos. Ainda no se conhecia tal magnificncia na soberba Babilnia: a esmeralda, o topzio, a safira

    ropo ainda eram considerados como os mais preciosos ornamentos. Belus e toda a Corte estavameios de admirao. Mais ainda os surpreendeu o pssaro que oferecia aquele presente. Era do talhe

    ma guia, mas os seus olhos eram to suaves e ternos quanto os da guia so altivos e ameaadoresco era cor-de-rosa e parecia ter algo da linda boca de Formosante. Seu pescoo reunia todas as coreco-ris, porm mais vivas e brilhantes. Em nuanas infinitas, brilhava-lhe o ouro na plumagem. Seus pareciam uma mescla de prata e prpura; e a cauda dos belos pssaros que atrelaram depois ao caJuno no tinham comparao com a sua. A ateno, a curiosidade, o espanto, o xtase de toda a C

    vidiam-se entre os quarenta diamantes e o pssaro. Pousara este na balaustrada, entre Belus e a suaha Formosante; ela falava-lhe, acariciava-o, beijava-o. Ele parecia receber suas carcias com um pr

    esclado de respeito. Quando a princesa lhe dava beijos, o pssaro lhos devolvia e olhava-a em segurnamente. Recebia dela biscoitos e pistaches, que apanhava com a sua pata purprea e argentada evava ao bico com inexprimvel graa.

    Belus, que considerava atentamente os diamantes, achava que toda uma das suas provncias mal dra pagar to rico presente. Mandou que preparassem para o desconhecido oferendas ainda maisagnficas do que as que estavam destinadas aos trs monarcas. "Esse jovem dizia ele consigo - deveho do rei da China, ou dessa parte do mundo que chamam Europa, de que ouvi falar, ou da frica qdizem, vizinha do reino do Egito".

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    Mandou imediatamente o escudeiro-mor cumprimentar o desconhecido e perguntar-lhe se era eleberano de algum daqueles imprios e por que, possuindo to espantosos tesouros, viera apenas comlete e com um pequeno saco.

    Enquanto o escudeiro-mor avanava pelo anfiteatro para desincumbir-se da sua misso, chegou oulete montado num unicrnio, e que assim se dirigiu ao jovem:

    - Ormar, vosso pai est para morrer, e eu vim avisar-vos.

    O desconhecido ergueu os olhos ao cu, derramou algumas lgrimas e s pronunciou esta palavra

    - Partamos.

    escudeiro-mor, depois de haver apresentado os cumprimentos de Belus ao vencedor do leo, ao doos quarenta diamantes, ao dono do belo pssaro, perguntou ao valete de que reino era soberano o paquele jovem heri.

    O valete respondeu:- Seu pai um velho pastor que muito estimado no canto.

    Durante esse curto dilogo, o desconhecido j montara no seu unicrnio. Disse ao escudeiro-mor:

    - Senhor, dignai-vos pr-me aos ps de Belus e de sua filha. Ouso suplicar princesa que tenha oaior cuidado com o pssaro que eu lhe deixo; ele nico como ela.

    Dizendo tais palavras, partiu como um relmpago; os dois valetes o seguiram; e perderam-nos de

    sta.

    Formosante no pde deixar de soltar um grande grito. O pssaro, voltando-se para o anfiteatro ontivera sentado o seu dono, pareceu muito aflito de no mais o ver. Depois, fitando fixamente a prinesfregando suavemente o bico na sua linda mo, pareceu significar-lhe que se votava a seu servio.

    Belus, mais espantado do que nunca, ao saber que aquele jovem to extraordinrio era filho de umstor, no pde acredit-lo. Mandou que os seguissem; mas logo lhe vieram dizer que os unicrnios

    uais corriam aqueles trs homens no podiam ser alcanados e que, pelo galope em que iam, deviam

    zer cem lguas por dia.

    APTULO II

    Todos, discutiam aquele estranho caso e perdiam-se em vis conjeturas. Como que o filho de umstor pode presentear quarenta enormes diamantes? Por que anda montado num unicrnio? Ninguminava com coisa alguma, e Formosante, acariciando o seu pssaro, achava-se mergulhada em profusma.

    A princesa de Babilnia

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    A princesa Aldia, sua prima em segundo grau, que era muito bem feita e quase to bela quantoormosante, lhe disse:

    - No sei, minha prima, se esse jovem semideus filho de um pastor; mas parece-me que preenchdas as condies para o casamento. Manobrou o arco de Nemrod, venceu o leo, tem bastante talen

    ois te comps um lindo improviso. Depois dos quarenta enormes diamantes que te deu, no podes nue seja o mais generoso dos homens. Possua, com o seu pssaro, o que h de mais raro na face da t

    ua virtude no tem igual, pois, podendo permanecer perto de ti, partiu sem hesitao logo que soubepai estava doente. O orculo est. cumprido em todos os pontos, exceto no que exige que vena a svais; mas ele fez mais, salvou a vida do nico concorrente a quem podia temer; e, quando se tratar dter os dois outros, creio que no duvidars que o consiga facilmente.

    - Tudo o que dizes verdade - respondeu Formosante. - Mas ser possvel que o maior dos homenlvez o mais amvel, seja filho de um pastor?

    A dama de honor, metendo-se na conversa, disse que muitas vezes essa palavra pastor era aplicad

    s reis; que os chamavam de pastores, porque eles tosquiam seu rebanho; que fora certamente umuvidoso gracejo do seu valete; que aquele jovem heri viera to mal acompanhado apenas para mosquanto o seu mrito estava acima do fausto dos reis, e para no dever Formosante seno a si mesmoincesa s respondeu dando mil carinhosos beijos no seu pssaro.

    Entrementes, preparava-se um grande festim para os trs reis e para todos os prncipes que tinhammparecido festa. A filha e a sobrinha do rei deviam fazer-lhes as honras. Traziam para os reisesentes dignos da magnificncia de Babilnia. Belus, enquanto no serviam, reuniu o conselho, paratar do casamento da bela Formosante, e assim falou como grande poltico:

    - Estou velho, no sei mais que fazer, nem a quem dar minha filha. Aquele que a merecia no pasm vil pastor. O rei das ndias e o do Egito so uns poltres; o rei dos citas me conviria bastante, matisfez nenhuma das condies impostas. Enquanto isto, deliberai, e ns concluiremos de acordo com

    ue disser o orculo; pois um rei no se deve conduzir seno por ordem expressa dos deuses imortais

    Dirige-se ento sua capela; o orculo responde-lhe em poucas palavras, segundo o seu costume:ha s se casar depois que houver sado a correr mundo. Belus, atnito, volta ao conselho e comunl resposta.

    Todos os ministros votavam profundo respeito aos orculos; todos convinham, ou fingiam convir,ue os orculos eram o fundamento da religio; que a razo deve calar-se diante deles; que por elesreis governam os povos, e os magos os reis; que, sem os orculos, no haveria nem virtude nemscanso na terra. Enfim, aps haver testemunhado a mais profunda venerao pelos orculos, quasedos concluram que aquele era impertinente e no se lhe devia obedecer; que nada era mais indecenra uma moa, e sobretudo para a filha do grande rei de Babilnia, sair a vaguear sem saber por ond

    ue esse era o verdadeiro meio de no casar, ou de fazer um casamento clandestino, vergonhoso edculo; que, numa palavra, esse orculo no tinha senso comum.

    O mais jovem dos ministros, chamado Onadase, que tinha mais esprito do que eles, disse que o

    A princesa de Babilnia

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    culo queria significar, sem dvida, alguma peregrinao religiosa, e que ele se oferecia para ser ondutor da princesa. O conselho concordou, mas cada qual queria servir de escudeiro. O rei decidiu

    princesa poderia ir a trezentas parasangas, no Caminho da Arbia, a um templo cujo padroeiro tinhputao de conseguir bons casamentos para as moas, e que seria o deo do conselho quem aompanharia. Depois dessa deciso, foram todos cear.

    APTULO III

    Em meio dos jardins, entre duas cascatas, elevava-se um salo oval de trezentos ps de dimetro, bada de lpislazli, semeada de estrelas de ouro, representava todas as constelaes com os planeda qual no seu verdadeiro lugar, e essa abbada girava como o cu, por meio de mquinas tovisveis como aquelas que dirigem os movimentos celestes. Cem mil archotes, encerrados em cilindcristal de rocha, alumiavam o exterior e o interior da sala de jantar. Um aparador em degraus

    stentava vinte mil vasos ou pratos de ouro; e defronte ao aparador havia outros degraus repletos desicos. Dois outros anfiteatros se achavam carregados, um com os frutos de todas as estaes, o ounforas de cristal onde brilhavam todos os vinhos da terra.

    Os convivas acomodaram-se em torno mesa, cujos assentos eram separados por grinaldas de pedeciosas, que figuravam flores e frutos. A bela Formosante foi colocada entre o rei das ndias e o dogito, a bela Aldia perto do rei dos citas. Havia cerca de trinta prncipes e cada um deles se achava ado de uma das mais belas damas do palcio. O rei de Babilnia, ao centro, defronte filha, pareciavidido entre o pesar de no a ter casado e o prazer de ainda a conservar consigo. Formosante pediucena para ficar com o pssaro a seu lado, na mesa, o que o rei achou muito bem.

    A msica, que comeou a tocar, deu a cada prncipe inteira liberdade para entreter a sua vizinha. O

    stim pareceu to agradvel quo magnfico. Tinham posto diante de Formosante um petisco que o ru pai muito apreciava. A princesa disse que o deviam levar a Sua Majestade. E imediatamente ossaro se apodera do prato, com maravilhosa destreza, e vai apresent-lo ao rei. Nunca se espantaranto numa ceia. Belus fez-lhe tantas carcias quanto a filha. O pssaro retomou em seguida o vo, a voltar para junto desta. Desenrolava, assim, to linda cauda, suas asas distendidas ostentavam to

    ilhantes cores, tamanho fulgor lanava o ouro da sua plumagem, que todos os olhos s se fixavam odos os msicos cessaram de tocar e permaneceram imveis. Ningum comia, ningum falava, s suvia um murmrio de admirao. A princesa de Babilnia beijou-o durante toda a ceia, sem ao mennsar que havia reis neste mundo. O das ndias e do Egito sentiram redobrar seu despeito e indigna

    cada qual prometeu a si mesmo apressar a marcha de seus trezentos mil homens, para uma boangana.

    Quanto ao rei dos citas, estava ocupado em conversar com a bela Aldia: seu corao altivo,sprezando sem despeito as desatenes de Formosante, concebera por ela mais indiferena que cl

    - Ela bonita, confesso-o dizia ele. - Mas me parece dessas mulheres que s se ocupam com a sualeza, e que pensam que o gnero humano lhes deve ficar muito agradecido quando se dignam deixar em pblico. No se adoram dolos no meu pas. Eu preferia uma feiosa amvel e prestativa, a essla esttua. Quanto senhora, tem tantos encantos como Formosante, e ao menos se digna conversa

    A princesa de Babilnia

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    m os estrangeiros. Confesso-lhe, com a franqueza de um cita, que prefiro a senhora sua prima.

    Enganava-se, contudo, a respeito do carter de Formosante: ela no era to desdenhosa como pareas o cumprimento do rei foi muito bem recebido pela princesa Aldia. A conversa de ambos tornouuito interessante: estavam muito satisfeitos e j seguros um do outro quando se levantaram da mesa

    Aps a ceia, foram passear pelos bosques. O rei dos citas e Aldia no deixaram de procurar umcanto solitrio. Aldia, que era a franqueza em pessoa, assim falou quele prncipe:

    - No odeio a minha prima, embora seja mais bonita do que eu e esteja destinada ao trono deabilnia: a honra de vos agradar me serve de atrativos. Prefiro a Ctia convosco coroa de Babilnim vs; mas essa coroa me pertence de direito, se h direitos no mundo: pois sou do ramo mais antiNemrod, e Formosante do mais novo. Seu av destronou o meu e fe-lo morrer.

    - Tal ento a fora do sangue na casa de Babilnia! - disse o cita. - Como se chamava o vosso av

    - Chamava-se Aldia como eu. Meu pai tinha o mesmo nome; foi relegado para os confins do imp

    m a minha me; e Belus, aps a morte deles, nada temendo de mim, resolveu educar-me junto coma filha. Mas decidiu que eu jamais me casasse.

    - Quero vingar vosso pai, e vosso av, e a vs - disse o rei dos Citas. - Garanto-vos que casareis; vptar-vos depois de amanh, pela madrugada, pois amanh devo jantar com o rei de Babilnia, e volra sustentar vossos direitos com um exrcito de trezentos mil homens.

    - Muito o desejo - disse a bela Aldia. E, aps haverem trocado sua palavra, separaram-se.

    Fazia muito que a incomparvel Formosante fora deitar-se. Mandara colocar junto ao leito uma

    quena laranjeira num vaso de prata, para que o seu pssaro ali repousasse. Os cortinados estavamchados, mas a princesa no tinha nenhuma vontade de dormir. Seu corao e sua imaginao sehavam demasiado alerta para isso, O encantador desconhecido estava diante de seus olhos; via-osparar uma flecha com o arco de Nemrod; via-o cortar a cabea do leo; ela recitava o seu madrigaa-o enfim escapar-se da multido, montado no seu unicrnio; ento rebentava em soluos e exclamtre lgrimas:

    - Nunca mais o verei. Ele no voltar.

    - Voltar, senhora - respondeu-lhe o pssaro, do alto da sua laranjeira. - Pode-se acaso t-la visto srnar a v-la?

    - O cus! eternas potncias! o meu pssaro fala puro caldaico!

    Dizendo tais palavras, ela abre os cortinados, estende-lhe os braos, pe-se de joelhos no leito:

    - Sers um deus descido terra? Sers o grande Orosmade oculto sob essa bela plumagem? Se s us, restitui-me aquele lindo jovem.

    A princesa de Babilnia

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    - Eu no sou mais que um voltil - replicou o outro. - Mas nasci no tempo em que todos os animainda falavam e em que os pssaros, as serpentes, as mulas, os cavalos e os grifos conversavammiliarmente com os homens. No quis falar diante das outras pessoas, de medo que as suas damas

    onor me tomassem por um feiticeiro: s quero entender-me com Vossa Alteza.

    Formosante, interdita, aturdida, bria de tantas maravilhas, agitada da impacincia de fazer milrguntas ao mesmo tempo, indagou primeiro que idade tinha ele.

    - Vinte e sete mil e novecentos anos e seis meses, Alteza. Sou do tempo da pequena revoluo celue os vossos magos chamam a precesso dos equincios e que se cumpre em cerca de vinte e oito m

    vossos anos. H revolues infinitamente mais longas, de modo que temos criaturas muito maislhas do que eu. Faz vinte e dois mil anos que aprendi caldaico em uma de minhas viagens. Semprenservei muito gosto pela lngua caldaica, mas os outros animais meus confrades desistiram de falarvossos climas.

    - E por que isso, meu divino pssaro?

    - Ai! porque os homens adquiriram por fim o hbito de nos comerem, em vez de conversar estruir-se conosco. Brbaros! No deviam estar convencidos de que, tendo os mesmos rgos que elmesmos sentimentos, as mesmas necessidades, os mesmos desejos, tnhamos o que se chama uma

    ma, exatamente como eles, e que s deviam cozinhar e comer aos maus? E tanto somos vossos irmue o grande Ser, o Ser eterno e criador, quando fez um pacto com os homens (1), nos incluiupressamente no tratado. Ele proibiu que vos alimentsseis de nosso sangue, e a ns que sugssemo

    osso.

    As fbulas de vosso antigo Locman, traduzidas em tantas lnguas, sero um testemunho eternamelido das felizes relaes que outrora mantivestes conosco. Todas comeam por estas palavras: No

    mpo em que os animais falavam... verdade que h entre vs muitas mulheres que continuam falanseus ces; mas estes resolveram no responder, desde que os foraram, a rlho, a ir caa ser cmpo morticnio de nossos velhos amigos comuns, os cervos, os gamos, as lebres e as perdizes.

    Tendes ainda antigos poemas nos quais os cavalos falam. E todos os dias os vossos cocheiros lhesrigem a palavra, mas fazem-no com tamanha grosseria e pronunciando palavras to infames, que ovalos, que tanto vos amavam outrora, hoje vos detestam.

    O pas onde mora o seu encantador desconhecido, o mais perfeito dos homens, o nico em que a

    pcie ainda sabe amar a nossa e falar-lhe; e a nica regio da terra onde os homens so justos.- E onde esse pas de meu caro desconhecido? Qual o nome desse heri? Como se chama o seu

    mprio? Pois j no creio agora que ele seja um pastor como no creio que sejas um morcego.

    - O seu pas, Alteza, o dos gangridas, povo virtuoso e invencvel que habita a margem esquerdaanges. O nome de meu amigo Amazan. No rei, e mesmo no sei se ele se baixaria a s-lo; amauito a seus compatriotas: pastor como eles. Mas no v imaginar que esses pastores se assemelhas vossos, que, mal cobertos de trapos rotos, guardam ovelhas infinitamente mais bem vestidas do q

    A princesa de Babilnia

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    es; que gemem sob o fardo da pobreza; e pagam a um exator metade do pfio salrio que recebem dmos. Os pastores gangridas nascidos todos iguais, so donos de inumerveis rebanhos que cobrem us prados eternamente em flor. No os carneiam nunca; constitui ali um crime horrvel matar e comu semelhante. Sua l, mais fina e brilhante que a mais bela seda, o maior comrcio do Oriente. Alterra dos gangridas produz tudo o que pode contentar os desejos dos homens. Esses grandes diamaue Amazan teve a honra de lhe oferecer so de uma mina da sua propriedade, O unicrnio que Vosslteza o viu cavalgar a montaria comum dos gangridas. o mais belo, o mais altivo, o mais terrvmais dcil animal que orna a terra. Bastaria cem gangridas e cem unicrnios para debandar exrci

    umerveis. H cerca de dois sculos, um rei das ndias foi bastante louco para querer conquistar aqo: apresentou-se seguido de dez mil elefantes e de um milho de guerreiros. Os unicrniosravessaram os elefantes tal como vi, na sua mesa, cotovias enfiadas em espetos de ouro. Os guerreimbavam debaixo do sabre dos gangridas, como as searas de arroz ceifadas pelos orientais. O rei foito prisioneiro, com mais de seiscentos mil homens. Banharam-no nas guas salutares do Ganges;bmeteram-no ao regime do pas, que consiste em comer apenas os vegetais prodigalizados pelatureza para alimentar a tudo o que respira. Os homens que comem carne e tomam beberagens fortem todos um sangue azedo e adusto, que os torna loucos de mil maneiras diferentes. Sua principalmncia se manifesta na fria de derramar o sangue de seus irmos e devastar terras frteis, para

    inarem sobre cemitrios. Levaram seis meses inteiros para curar da sua enfermidade ao rei das ndiuando julgaram os mdicos que ele tinha o pulso mais tranqilo e o esprito mais assentado,resentaram o competente certificado ao conselho dos gangridas. Esse conselho, depois de ouvir a

    pinio dos unicrnios, mandou humanamente de volta ao seu pas o rei das ndias, e mais a sua tolaorte e os seus imbecis guerreiros. Tal lio os tornou sensatos e, desde essa poca, os indianos tmspeitado os gangridas, como os ignorantes que desejam instruir-se respeitam, entre vs, os filsofoldeus, a que no podem igualar-se.

    - A propsito, meu querido pssaro - Indagou a princesa, - h uma religio entre os gangridas?

    - Se h uma religio? Todos os dias de lua cheia, ns nos reunimos para dar graas a Deus, os homum grande templo de cedro, as mulheres em outro, para evitar distraes, bem como todos os pssarum bosque, e os quadrpedes num belo prado. Agradecemos a Deus todos os bens que nosoporcionou. Temos principalmente papagaios, que pregam s mil maravilhas.

    Tal a, ptria do meu caro Amazan, l que eu resido; tanta amizade dedico a Amazan quanto ame inspirou a Vossa Alteza. Por vontade minha, partiramos juntos agora, e a princesa lhe pagaria asita.

    - Bela ocupao a tua, meu querido pssaro - respondeu, sorrindo, a princesa, que ardia de desejoszer a viagem, e no ousava confess-lo.

    - Eu sirvo a meu amigo - disse o pssaro - e, depois da felicidade de vos amar, a maior a de servossos amores.

    Formosante no sabia mais onde se achava; julgava-se transportada alm da terra. Tudo o que tinhsto naquele dia, tudo o que via, tudo o que ouvia, e principalmente o que sentia no corao,ergulhava-a numa embriaguez que ultrapassava de muito ao que sentem hoje os felizes muulmano

    uando, desenvencilhados de seus bens terrenos, se vem no nono cu entre os braos das suas huris

    A princesa de Babilnia

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    rcados e penetrados da glria e da felicidade celestiais.

    APTULO IV

    Passou a noite inteira a falar de Amazan. No o chamava seno de seu pastor; desde esse temponomes de pastor e enamorado so sempre empregados um pelo outro em algumas naes. Ora

    rguntava ao pssaro se Amazan tivera outras amadas. Este respondia que no, e ela sentia-se no aualegria. Ora queria saber como passava ele a vida, e ouvia, transportada, que a empregava a fazer m, a cultivar as artes, a penetrar os segredos da natureza, e a aperfeioar o esprito. Ora queria sabe

    alma de seu pssaro era da mesma natureza que a de seu amado; por que vivera o primeiro cerca dente e oito mil anos, ao passo que o ltimo no tinha mais que dezoito ou dezenove. Fazia mil pergumelhantes, s quais o pssaro respondia com uma discrio que lhe espicaava a curiosidade. Afinano lhes fechou os olhos e entregou Formosante doce iluso dos sonhos enviados pelos deuses, qutrapassam s vezes a prpria realidade, e que toda a filosofia dos caldeus tem tanto trabalho emterpretar.

    Formosante acordou-se muito tarde. Para ela ainda era cedo, quando o pai entrou no seu quarto. Ossaro recebeu Sua Majestade com respeitosa polidez, foi ao seu encontro, ruflou as asas, alongou oscoo, e voltou para a sua laranjeira. O rei sentou-se no leito da filha, a quem os sonhos haviamrnado ainda mais bela. Sua grande barba branca aproximou-se daquele lindo rosto e, depois de lhe

    ois beijos, ele lhe falou nos seguintes termos:

    - Ontem, minha filha, no pudeste achar um marido como eu desejava; no entanto, precisas de umsim o exige o futuro do Imprio. Consultei o orculo, que, como bem sabes, no mente nunca e dirdos os meus atos. Ele me ordenou que te fizesse correr mundo. preciso que viajes.

    - Ah! At aos gangridas, com certeza! - exclamou Formosante, que, enquanto deixava escapar talavras, compreendeu a sua tolice. O rei, que nada sabia de geografia, perguntou o que entendia ela ngridas. Ela logo achou uma sada. O rei comunicou-lhe que era preciso fazer uma peregrinao; nomeara, para a sua comitiva, o decano dos conselheiros de Estado, o esmoler-mor, uma dama de

    onor, um mdico, um boticrio, e o seu pssaro, com toda a criadagem necessria. Formosante, quemais sara do palcio do rei seu pai, e que, at a chegada dos trs reis e de Amazan, levara uma viduito inspida na etiqueta do fausto e na aparncia dos prazeres, ficou encantada com a peregrinaosta. "Quem sabe - dizia ela baixinho ao seu corao - se os deuses no inspiraro ao meu queridongrida o mesmo desejo de ir mesma capela, e se no terei a felicidade de rever o peregrino?"gradeceu carinhosamente ao pai, dizendo que sempre tivera secreta devoo pelo santo ao qual aviavam.

    Belus ofereceu um excelente almoo a seus hspedes; s compareceram homens. Era tudo gente qo combinava: reis, prncipes, ministros, pontfices, todos ciumentos uns dos outros, todos a pesaremas palavras, todos embaraados com os vizinhos e consigo mesmos. A refeio foi triste, emborabessem muito. As princesas ficaram nos seus aposentos, ocupadas com a partida. Comeram a ss.

    ormosante foi em seguida passear pelos jardins com o seu querido pssaro que, para a distrair, voavvore em rvore, ostentando a sua soberba cauda e a sua divina plumagem.

    A princesa de Babilnia

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    O rei do Egito, que estava bastante animado pelo vinho, para no dizer bbedo, pediu um arco eechas a um dos pajens. Esse prncipe era na verdade o mais desajeitado arqueiro do seu reino. Quanirava ao alvo, o lugar onde se estava mais seguro era o ponto que ele visava. Mas o belo pssaro,oando to rpido como a flecha, apresentou-se por si mesmo ao tiro, e tombou ensangentado entreaos de Formosante. O egpcio retirou-se, a rir tolamente. A princesa feria o cu com os gritos,orava, lanhava as faces e o peito. O pssaro moribundo disse-lhe baixinho: "Queima-me, e no deilevar minhas cinzas para a Arbia Feliz, a leste da antiga cidade de Aden ou den, e exp-las ao s

    bre uma pequena fogueira de cravo e canela". Dito isto, expirou. Formosante permaneceu por muitmpo sem sentidos, e s voltou a si para romper em soluos. O pai, partilhando da sua dor, e soltand

    mprecaes contra o rei do Egito, no teve dvida em que aquele caso anunciava um sinistro futuro.go consultar o orculo da sua capela. O orculo respondeu:

    Mistura de tudo; morto vivo, infidelidade e constncia, perda e ganho, calamidade e ventura. Nemi nem seu conselho nada puderam entender daquilo; mas ele afinal estava satisfeito de haver cumprm os seus deveres religiosos.

    Enquanto o rei consultava o orculo, a princesa, desolada, mandou prestar ao pssaro as honrasnebres que ele ditara, e resolveu lev-lo para a Arbia, com perigo da prpria vida. O pssaro foiueimado em linho incombustvel, juntamente com a laranjeira em que pousara. Formosante recolhe

    cinzas em um pequeno vaso de ouro todo cravejado de carbnculos e brilhantes retirados da boca o. Pudesse ela, em vez de cumprir esse fnebre dever, queimar vivo o detestvel rei do Egito! essedo o seu desejo. No seu despeito, mandou matar os seus dois crocodilos, os seus dois hipoptamosas duas zebras, os seus dois ratos, e mandou lanar as suas duas mmias no Eufrates; se tivesse mboi Apis, no o teria poupado.

    O rei do Egito, furioso com tal afronta, partiu imediatamente para movimentar seus trezentos mil

    omens. O rei das ndias, vendo partir o seu aliado, regressou no mesmo dia, no firme propsito de juus trezentos mil indianos ao exrcito egpcio. O rei da Ctia fugiu de noite com a princesa Aldia,memente resolvido a combater por ela frente de trezentos mil citas, e restituir-lhe a herana de

    abilnia, que lhe era devida, por descender do ramo mais antigo.

    Por seu lado, a bela Formosante ps-se a caminho s trs horas da madrugada, com a sua caravanaregrinos, esperando poder ir Arbia executar os ltimos desejos de seu pssaro, e que a justia douses imortais lhe devolvesse o seu querido Amazan, sem o qual ela j no podia viver.

    Assim, ao despertar, o rei da Babilnia no encontrou mais ningum. "Como terminam as grandesstas! - dizia ele consigo. - E que espantoso vcuo nos deixam na alma, depois de passada a suaimao!" Mas foi acometido de uma clera verdadeiramente real quando soube que haviam raptadincesa Aldia. Deu ordem para que despertassem a todos os seus ministros e se reunisse o conselhonquanto os esperava, no deixou de ir consultar o seu orculo, mas s lhe pde arrancar estas palavo famosas depois, no universo inteiro: Quando no casam as moas, elas mesmas se casam.

    Logo foi expedida ordem de marcharem trezentos mil homens contra o rei dos citas. Eis, pois,flagrada de todos os lados a mais terrvel das guerras e que foi ocasionada pela mais bela festa quedeu no mundo. A sia ia ser assolada por quatro exrcitos de trezentos mil combatentes cada um.

    A princesa de Babilnia

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    v que a guerra de Tria, que estarreceu o mundo alguns sculos depois, no passava, em comparaum brinquedo de criana; mas deve-se considerar que, na disputa dos troianos, apenas se tratava d

    ma mulher j velha e muito libertina que se fizera raptar duas vezes, ao passo que ora se tratava de doas e um pssaro.

    O rei das ndias ia esperar seu exrcito na grande e magnfica estrada que se dirigia, numa reta, deabilnia a Caxemira. O rei dos citas corria com Aldia pela bela estrada que levava ao monte Imasodos esses caminhos desapareceram depois, devido m administrao. O rei do Egito marchara pa

    idente, e costeava o pequeno mar Mediterrneo, que os ignorantes hebreus chamaram depois o graar.

    Quanto bela Formosante, seguia a estrada de Baor, bordada de altas palmeiras que forneciam mbra eterna e frutas em todas as estaes. O templo aonde ia em peregrinao situava-se na prpriaor. O santo a quem fora dedicado o templo era mais ou menos moda, daquele que adoraram dem Lmpsaco. No s conseguia marido para as moas, mas muitas vezes fazia papel de marido. Eranto mais festejado de toda a sia.

    Formosante no se preocupava absolutamente com o santo de Baor; s invocava o seu caro pastngrida, o seu belo Amazan. Contava embarcar em Baor para a Arbia, a fim de fazer o que ossaro lhe ordenara.

    Na terceira pousada, mal entrara numa hospedaria onde os seus furriis lhe haviam preparado tudoube que o rei do Egito ali tambm chegava. Informado, por seus espies, da marcha da princesa,udara imediatamente de caminho, seguido de numerosa escolta. Chega; manda colocar sentinelas edas as portas; entra no quarto da bela Formosante e diz-lhe:

    - Jovem, era a ti mesma que eu buscava; fizeste pouco de mim quando eu estava em Babilnia; j

    unir as desdenhosas e as caprichosas: vais ter a amabilidade de cear comigo esta noite; no ters outito seno o meu, e eu me conduzirei contigo como bem me aprouver. Formosante compreendeu quo era a mais forte; sabia que o bom senso consiste em conformar-se com a situao; tomou o partid

    vrar-se do rei do Egito por meio de uma inocente esperteza; olhou-o com o rabo do olho, o que vriculos depois se chamou namorar; e eis como lhe falou, com uma modstia, uma graa, uma doura

    mbarao e uma multido de encantos que teriam enlouquecido o mais sbio dos homens e cegado oais clarividente:

    - Confesso, senhor, que sempre baixei os olhos perante vs quando destes ao rei meu pai a honra d

    seu palcio. Temia o meu corao, temia a minha ingnua simplicidade: temia que meu pai e vossovais se apercebessem da preferncia que eu vos concedia e tanto mereceis. Posso agora entregar-meus sentimentos. Juro pelo boi Apis, que , depois de vs, o que mais respeito no mundo, que as voopostas me encantaram. J ceei convosco no palcio de meu pai; e de novo o farei, sem a sua preseo que peo que o vosso esmoler-mor beba conosco; pareceu-me em Babilnia um esplndidonviva; tenho excelente vinho de Chiraz, quero que ambos o experimentem. Quanto vossa segundoposta, muito tentadora, mas no convm, a uma moa bem nascida, falar em tais coisas; baste-vber que eu vos considero como o maior dos reis e o mais amvel dos homens. Essa fala virou a cab

    o rei do Egito; concordou em que o esmoler-mor fosse o terceiro mesa.

    A princesa de Babilnia

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    - Desejo ainda outro favor - disse-lhe a princesa. - uma permisso vossa para que o meu boticrnha falar-me; as moas sempre tm certos pequenos incmodos, que demandam certos cuidados, cnturas, palpitaes, clicas, faltas de ar, em que preciso pr certa ordem em certas circunstncias

    uma palavra, tenho urgente necessidade de meu boticrio, e espero que no me recusareis essa pequmonstrao de amor.

    - Senhorita - respondeu-lhe o rei do Egito, - embora um boticrio tenha idias exatamente opostasinhas, e o objeto de sua arte seja o contrrio do de minha arte, sou bastante complacente para no

    cusar to justo pedido. Vou ordenar que ele venha falar-te enquanto se prepara a ceia. Compreendovas estar um pouco fatigada da viagem; deves tambm ter necessidade de uma criada de quarto; poandar chamar a que melhor te agrade; aguardarei em seguida as tuas ordens.

    Ele retirou-se; chegaram o boticrio e a criada de quarto, chamada Irla, na qual a princesa depositteira confiana. Ordenou-lhe que mandasse trazer seis garrafas de vinho de Chiraz para a ceia ervisse outras tantas s sentinelas que vigiavam a seus oficiais. Recomendou ao boticrio que metes

    m todas as garrafas certas drogas da sua farmcia, que faziam dormir vinte e quatro horas, e de que tava sempre munido. Foi estritamente obedecida. Ao cabo de meia hora, voltou o rei com o

    moler-mor: a ceia foi muito alegre; o rei e o sacerdote esvaziaram as seis garrafas e confessaram quo havia um vinho igual no Egito; a camareira teve o cuidado de dar de beber aos criados que haviarvido. Quanto princesa, absteve-se de beber, dizendo que o seu mdico a pusera em regime. Emeve estavam todos adormecidos.

    O esmoler do rei do Egito tinha a mais bela barba que pudesse carregar um homem da sua condiormosante cortou-a habilmente; depois, mandando-a coser a uma fita, amarrou-a ao prprio queixo,vergou a tnica do sacerdote, sem esquecer as insgnias da sua dignidade, e vestiu a camareira decrist da deusa Isis. Tomando, enfim, a urna e as pedras preciosas, saiu da hospedaria por entre os

    uardas, que dormiam, como o seu senhor. A camareira tivera o cuidado de deixar dois cavalos selad

    orta. No podia a princesa levar consigo nenhum dos oficiais da sua comitiva: pois teriam sido presla guarda.

    Formosante e Irla passaram por entre as fileiras dos soldados que, tomando a princesa peloo-Sacerdote, a chamavam de Meu Reverendssimo Pai em Deus e lhe pediam a bno. As duasgitivas chegam em vinte e quatro horas a Baor, antes que o rei houvesse despertado. Deixaram edisfarces, que poderiam despertar suspeitas. Fretaram imediatamente um navio que as levou, pelo

    treito de Ormuz, s belas ribas do den, na Arbia Feliz. Desse den, cujos jardins eram to famosi que se fez depois a morada dos justos: foram o modelo dos Campos Elsios, dos jardins das

    esprides e dos das Ilhas Afortunadas; pois, naqueles climas quentes, no imaginam os homens maatitude que as sombras e o murmrio das guas. Viver eternamente com o Ser Supremo, ou ir passlo jardim no paraso, dava no mesmo para os homens, que falam sempre sem entender-se e ainda n

    uderam ter idias ntidas nem expresses justas.

    Logo que ali se encontrou, o primeiro cuidado da princesa foi prestar ao seu querido pssaro as honebres que este lhe exigira. Suas belas mos ergueram uma pira de cravo e canela. Qual no foi a srpresa quando, depois de espalhar sobre essa lenha as cinzas do pssaro, a viu acender-se por siesma! Tudo se consumiu num instante. S ficou, no lugar das cinzas, um grande ovo, de que viu sau belo pssaro, mais esplndido do que nunca. Foi o mais belo instante que a princesa experimento

    A princesa de Babilnia

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    m toda a vida; no havia seno outro que lhe pudesse ser mais caro: ela o desejava, mas no o esper

    - Bem vejo - disse ela ao pssaro - que s a fnix de que tanto me haviam falado. Estou prestes aorrer de espanto e de alegria. No acreditava na ressurreio; mas a minha ventura convenceu-me.

    - A ressurreio, Alteza - disse-lhe a fnix, - a coisa mais simples deste mundo. No maisrpreendente nascer duas vezes do que uma. Tudo ressurreio no mundo; as lagartas ressuscitam

    orboletas, uma semente ressuscita em rvore; todos os animais, sepultados na terra, ressuscitam em

    vas, em plantas, e alimentam outros animais, de que vo constituir em breve uma parte da substncdas as partculas que compunham os corpos so transformadas em diferentes seres. verdade que nico a quem o poderoso Orosmade concedeu a graa de ressuscitar na sua prpria natureza.

    Formosante, que, desde o dia em que vira Amazan e a fnix pela primeira vez, passara as horas apantar-se, disse-lhe:

    - Compreendo muito bem que o Ser Supremo tenha podido formar das tuas cinzas uma fnix maisenos semelhante a ti; mas, que sejas precisamente o mesmo ser, que tenhas a mesma alma, coisa q

    no compreendo claramente. Que era feito de tua alma, enquanto eu, te carregava no bolso, aps aorte?

    - O meu Deus, Alteza! Pois no to fcil, para o grande Orosmade, continuar a sua ao sobre uquena fagulha de mim mesma, como principiar essa ao? Ele me concedera, antes, o sentimento, emria e o pensamento: ainda mos concede agora; que haja arrancado esse favor a um tomo de foementar oculto em mim, ou ao conjunto de meus rgos, isso no fundo nada quer dizer: as fnix e oomens sempre ignoraro como se passa a coisa; mas a maior graa que me concedeu o Ser Supremode fazer-me renascer para a Princesa.

    - Minha fnix - tornou a princesa, - considera que as primeiras palavras que me disseste em Babilque eu jamais esquecerei, me encheram da esperana de tornar a ver aquele pastor a quem idolatro;eciso absolutamente partirmos para a terra dos gangridas, para que eu o traga de volta a Babilnia

    - tambm o meu desejo - disse a fnix. - No h um momento a perder. preciso ir buscar Amalo caminho mais curto, isto pelos ares. H na Arbia Feliz dois grifos, meus amigos ntimos, queenas moram a cinqenta lguas daqui: vou escrever-lhes pelos pombos-correios; eles chegaro ant

    o anoitecer. Teremos tempo suficiente para mandar fazer um pequeno canap cmodo, com gavetasnde colocar as provises de boca. A princesa estar perfeitamente vontade nessa viatura, com a su

    mareira. Os dois grifos so os mais vigorosos da sua espcie; cada um segurar um dos braos donap entre as garras. Mas ainda uma vez: o tempo urge.

    Foi imediatamente, com Formosante, encomendar o canap a um marceneiro seu conhecido. Ficoonto em quatro horas. Puseram nas gavetas pezinhos da rainha, biscoitos melhores que os deabilnia, cidras, ananases, cocos, pistaches e vinho do den, que est para o de Chiraz como o dehiraz est acima do de Suresnes.

    O canap era to leve quanto cmodo e slido. Os dois grifos chegaram ao den na hora justa.ormosante e Irla acomodaram-se na viatura. Os dois grifos ergueram-na como uma pluma. A fnix

    A princesa de Babilnia

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    oava frente, ora se empoleirava no espaldar. Os dois grifos rumaram para o Ganges com a rapidezma flecha que fende os ares. Os viajantes s repousavam alguns momentos noite, para comer, e par um trago aos dois carregadores.

    Chegaram enfim terra dos gangridas. O corao da princesa palpitava de esperana, de amor e egria. A fnix faz parar a viatura defronte casa de Amazan; pede para lhe falar; mas fazia trs horue ele partira, sem que ningum soubesse aonde teria ido.

    No h, nem na prpria lngua dos gangridas, uma palavra que possa exprimir o desespero deormosante.

    - Ai! Eis o que eu temia - disse a fnix. - As trs horas que a princesa passou na hospedaria a camBacor, com esse desgraado rei do Egito, arrebataram talvez para sempre a felicidade de sua vida

    nho muito medo de havermos perdido Amazan irremediavelmente.

    Perguntou ento aos criados se se podia cumprimentar a senhora me de Amazan. Responderam qvendo morrido o seu esposo na ante-vspera, no recebia ela ningum. A fnix, que era muito

    nsiderada na casa, no deixou de fazer entrar a princesa de Babilnia em um salo cujas paredes ervestidas de pau de laranjeira com filetes de marfim; os subpastores e subpastoras, em longas tnicaancas com cintos cor de aurora, serviram-lhe, em cem travessas de simples porcelana, cem iguariasliciosas, entre as quais no se via nenhum cadver disfarado: era arroz, sagu, smola, aletria,acarro, omeletes, ovos com molho branco, queijos, massas de toda espcie, legumes, frutas de umrfume e de um sabor de que no se tem idia em outros climas; e havia uma profuso de licoresfrigerantes, superiores aos melhores vinhos.

    Enquanto a princesa comia, estendida num leito de rosas, quatro paves, felizmente mudos, aanavam com suas brilhantes asas; duzentos pssaros, cem pastores e cem pastoras lhe deram um

    ncerto de dois coros; os rouxinis, os canrios, as toutinegras, os tentilhes faziam soprano com asstoras; os pastores faziam o contralto e o baixo: era em tudo a bela e simples natureza. A princesanfessou que, se havia mais magnificncia em Babilnia, a natureza era mil vezes mais agradvel engangridas; mas, enquanto lhe ofereciam aquela msica to consoladora e voluptuosa, derramava

    grimas e dizia sua jovem companheira Irla:

    - Esses pastores e pastoras, esses rouxinis e canrios, esto todos amando, enquanto me sinto prio heri gangrida, digno objeto dos meus mais ternos e impacientes desejos.

    Enquanto assim fazia a sua refeio, e admirava, e chorava, dizia a fnix , me de Amazan:- Senhora, no podeis deixar de ver a princesa de Babilnia; bem sabeis que...

    - Sei tudo - disse ela, - at a sua aventura na hospedaria da estrada de Baor; um melro me contodo esta manh; e esse melro cruel foi o causante de que meu filho, desesperado, ficasse como loucoandonasse a casa paterna.

    - No sabeis ento - tornou a fnix - que a princesa me ressuscitou?

    A princesa de Babilnia

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    - No,, meu filho; pelo melro, sabia eu que estavas morto, o que me deixava inconsolvel. Estava lita com essa perda, com a morte de meu marido e a sbita partida de meu filho, que proibira toda e

    ualquer visita. Mas, j que a princesa de Babilnia me d a honra de vir visitar-me, faze-a logo entranho coisas da mxima importncia para lhe dizer, e quero que estejas presente.

    Dirigiu-se em seguida a um outro salo, onde deveria encontrar-se com a princesa. No andava cocilidade: era uma dama de cerca de trezentos anos; mas tinha ainda vestgios de beleza e bem se via

    ue, entre os duzentos e trinta e os duzentos e quarenta anos, fora mesmo encantadora. Recebeu

    ormosante com uma nobreza respeitosa, a que se mesclava um ar de interesse e de dor, e que causouincesa uma viva impresso.

    Formosante lhe apresentou primeiro as condolncias pela morte do marido.

    - Ah! - exclamou a viva. - Deveis interessar-vos pela sua perda mais do que pensais.

    - Sem dvida que me sinto abalada - disse Formosante. - Ele era pai de...

    A estas palavras, ela ps-se a chorar:- Eu no tinha vindo seno por causa dele, e atravs de muitos perigos. Deixei, por ele, a meu pai ais brilhante Corte do universo; fui raptada por um rei do Egito a quem detesto. Escapando a este,ravessei os ares para ver aquele a quem amo; chego, e ele me foge!

    As lgrimas e os soluos impediram-na de continuar.

    - Alteza - disse-lhe ento a me, enquanto orei do Egito vos seqestrava, enquanto ceavam ambosuma hospedaria da estrada de Baor, quando as vossas belas mos lhe serviam vinho de Chiraz, n

    os lembrais de ter visto um melro que revoava pela sala?

    - verdade, vs me reavivais a memria; eu no tinha prestado ateno; mas, concentrando-me, be lembro que, no momento em que o rei do Egito se erguia da mesa para me dar um beijo, o melro

    oou pela janela lanando um grito, e no mais reapareceu.

    - Ai, Alteza! - suspirou a me de Amazan - Eis exatamente a causa das nossas desgraas. O meu fandara esse melro informar-se do vosso estado de sade e de tudo o que se passava em Babilnia;perava regressar em breve para lanar-se a vossos ps e consagrar-vos a vida. Nem sabeis a que po

    e vos adora. Todos os gangridas so amorosos e fiis; mas o meu filho o mais apaixonado e o mnstante de todas. O melro vos encontrou numa estalagem, a beber alegremente com o rei do Egito aldito sacerdote; ele vos viu enfim dar um terno beijo quele monarca que matara a fnix e ao qual ho tem invencvel horror. A vista disso, o melro foi tomado de justa indignao; voou amaldioand

    ossos funestos amores. Regressou hoje e contou tudo. Mas em que momento, meu Deus! No momem que meu filho chorava comigo a morte de seu pai e a da fnix, no momento em que ele sabia, porim, que vosso primo!

    - O cus! Meu primo! Ser possvel, senhora? E por que aventura? Como? Ento sou eu feliz a talonto?! E seria to desgraada ao mesmo tempo, por hav-lo ofendido?!

    A princesa de Babilnia

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    - Meu filho vosso primo - tornou a me, - e j vos dou a prova; mas, tornando-vos parente minhs me arrancais o filho; ele no poder sobreviver dor que lhe causou vosso beijo ao rei do Egito.

    - Ah! minha tia - exclamou a bela Formosante, - juro por ele e pelo poderoso Orosmade que aquelijo funesto, longe de ser criminoso, era a mais forte prova de amor que eu poderia dar a vosso filho

    or causa de Amazan, eu desobedecia a meu pai. Ia, por causa dele, do Eufrates ao Ganges. Cada naos do indigno fara do Egito, no podia escapar-lhe seno enganando-o. Atestam-no as cinzas e a

    ma da fnix, que estavam ento comigo; ela pode fazer-me justia. Mas como que vosso filho,scido s margens do Ganges, pode ser meu primo, quando minha famlia reina h tantos sculos naargens do Eufrates?

    - No sabeis - tornou a venervel gangrida - que o vosso tio-av Aldia era rei de Babilnia e qustronado pelo pai de Belus?

    - Sim, Senhora.

    - Sabeis que seu filho Aldia tivera de seu casamento a princesa Aldia, criada e educada na vossaorte. Pois foi esse prncipe que, perseguido por vosso pai, veio refugiar-se em nossa terra, sob um nposto; foi ele quem me desposou; e dele tive o prncipe Aldia-Amazan, o mais belo, o mais forte, ais corajoso, o mais virtuoso dos mortais, e hoje o mais louco. Foi s festas de Babilnia levado po

    ossa reputao de beleza: desde esse tempo ele vos idolatra, e eu talvez nunca mais torne a ver o meuerido filho.

    Fez ento mostrar princesa todos os ttulos da casa dos Aldias; Formosante mal se dignou olh

    - Ah! senhora! - exclamou. - Acaso a gente examina o que deseja? Meu corao o cr de sobra. M

    nde est Aldia-Amazan? Onde est o meu parente, o meu amado, o meu rei? Onde est a minha vidue caminho tomou? Iria procur-lo em todos os globos que o Eterno formou e de que ele o mais bnamento. Iria estria Canope, a Sheat, a Aldebar; iria convenc-lo do meu amor e da minhaocncia.

    A fnix absolveu a princesa do crime que lhe imputara o melro, de haver dado um beijo de amor ai do Egito; mas era preciso desenganar Amazan e traz-lo de volta. Envia pssaros a todas as estrad

    e em campo os unicrnios: vem dizer-lhe afinal que Amazan tomara o caminho da China.

    - Pois bem, vamos China! - exclamou a princesa. - A viagem no longa; espero trazer vosso fivolta, dentro em quinze dias, o mais tardar.

    A estas palavras, quantas lgrimas de ternura no lanaram a me gangrida e a princesa deabilnia! Quantos abraos! Quantas efuses!

    A fnix encomendou imediatamente uma carruagem de cem unicrnios. A me forneceu duzentosvalheiros e deu de presente princesa, sua sobrinha, alguns milhares dos mais belos diamantes do fnix, aflita com o mal que havia causado a indiscrio do melro, ordenou a expulso de todos oselros. desde essa poca que no mais se encontram melros margem do Ganges.

    A princesa de Babilnia

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    APTULO V

    Em menos de oito dias, os unicrnios conduziram Formosante, Irla e a fnix a Cambalu, capital dhina. Era uma cidade maior que Babilnia, e de uma espcie de magnificncia completamente divequeles novos objetos, aqueles costumes novos, teriam distrado Formosante, se ela se pudesse ocup

    outra coisa que no fosse Amazan.

    Logo que o imperador da China soube que a princesa da Babilnia se achava numa das portas dadade, enviou a seu encontro quatro mil mandarins em trajes de cerimnia; todos se prosternaram dila e cada um lhe apresentou uma saudao escrita em caracteres de ouro sobre seda purprea.

    ormosante lhes disse que, se tivesse quatro mil lnguas, no deixaria de responder imediatamente a m deles; mas, no possuindo mais que uma, pedia-lhes para servir-se da mesma a fim de fazer umradecimento geral. Os mandarins conduziram-na respeitosamente presena do Imperador.

    Era este o mais justo, mais polido e mais sbio monarca do mundo. Foi ele quem, em primeiro lugvrou um pequeno campo com as suas mos imperiais, para tornar a agricultura respeitvel, ao povouem primeiro instituiu prmios para a virtude. As leis, por toda parte alis, se restringiamrgonhosamente a punir os crimes. Esse imperador acabava de expulsar de seus Estados um bando d

    onzos estrangeiros que tinham vindo dos confins do Ocidente, na insana esperana de forar toda ahina a pensar como eles, e que, sob o pretexto de anunciar verdades, j tinham adquirido riquezas eonrarias. Dissera-lhes, ao expuls-los, estas palavras textuais, registradas nos anais do imprio:

    Podereis fazer aqui tanto mal quanto fizestes alhures: viestes pregar dogmas de intolerncia na naais tolerante da terra. Mando-vos de volta para nunca me ver forado a punir-vos. Sereis honrosam

    conduzidos at as minhas fronteiras; ser-vos- fornecido o necessrio para voltardes aos limites domisfrio de onde partistes. Ide em paz, se puderdes ir em paz, e nunca mais volteis.

    Foi com alegria que a princesa de Babilnia soube desse julgamento e dessas palavras; tanto maisrteza tinha de ser recebida na Corte, pois estava muito longe de professar dogmas intolerantes. O

    mperador da China, jantando a ss com ela, teve a gentileza de banir o embarao de qualquer etiquenstrangedora. Ela apresentou-lhe a fnix, que foi muito acariciada pelo imperador e se empoleirou a cadeira. Formosante, no fim da refeio, confiou-lhe ingenuamente o motivo de sua viagem, ediu-lhe que mandasse procurar em Cambalu o belo Amazan, cuja aventura lhe contou, sem nada lhultar da fatal paixo de que se inflamara por aquele jovem heri.

    - A quem vindes falar! - exclamou o imperador da China. - Ele deu-me o prazer de vir Corte.ncantou-me, esse amvel Amazan; verdade que est profundamente aflito; mas isso torna as suasaas ainda mais tocantes. Nenhum de meus favoritos tem mais esprito do que ele; nenhum mandargado tem mais vastos conhecimentos; nenhum mandarim de espada tem o ar mais herico e marciaa extrema juventude d novo preo a todos os seus talentos: se eu fosse to desgraado, tosamparado do Tien e do Changti para abalanar-me a fazer conquistas, pediria a Amazan que se

    usesse frente de meus exrcitos, e estaria certo de triunfar do universo inteiro. pena que o seu pevezes lhe perturbe o esprito.

    A princesa de Babilnia

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    - Ah! Senhor - disse-lhe Formosante com ar arrebatado e um tom de dor, de abalo e de censura, - pue no me fizestes cear com ele? Vs me matais; mandai-o convidar agora mesmo.

    - Ele partiu esta manh, senhora, e no disse para que regio se dirigiam seus passos.

    Formosante voltou-se para a fnix:

    - J. viste, minha fnix - disse ela, - uma moa mais desgraada do que eu? Mas, Senhor - continua, - como, e por que pde ele deixar to repentinamente uma Corte assim refinada como a vossa e nual me parece que se desejaria passar a vida?

    - Eis, Senhora, o que aconteceu. Uma princesa de sangue real, das mais amveis, apaixonou-se poe, e marcou-lhe um encontro ao meio-dia; ele partiu ao amanhecer, deixando este bilhete, que muitgrimas custou minha parente:

    Bela princesa do sangue da China, mereceu um corao que nunca tenha sido seno vosso; jurei a

    uses imortais s amar a Formosante, princesa de Babilnia, e ensinar-lhe como podemos dominar sejos, em viagem; teve ela a desgraa de sucumbir com um indigno rei do Egito: sou o mais infelizomens; perdi meu pai e a fnix, e a esperana de ser amado por Formosante; deixei minha me aflitinha ptria, sem poder mais viver um s momento no lugar onde soube que Formosante amava a ou

    ue no eu; jurei percorrer o mundo e ser fiel. Vs me desprezareis, e os deuses me puniriam, se euolasse meu juramento; tomai um noivo, Senhora, e que possais ter uma fidelidade igual minha.

    - Ah! deixai comigo essa admirvel carta - disse a bela Formosante, - ela ser o meu consolo;nto-me feliz no meu infortnio. Amazan me ama; Amazan renuncia, por mim, posse das princesahina; s ele, no mundo, capaz de tal vitria; d-me um grande exemplo; mas bem sabe a fnix que

    o precisava disso; muito cruel ver-se a gente privada de quem ama s por causa do mais inocenteijos dado por pura fidelidade. Mas afinal, aonde foi ele? Que caminho tomou? Dignai-vos dizer-mparto.

    O Imperador da China respondeu que, pelos relatos que lhe haviam trazido, seguira Amazan umatrada que levava para a Ctia. Em seguida foram atrelados os unicrnios, e a princesa, depois dos m

    mveis cumprimentos, despediu-se do imperador, com a fnix, a camareira Irla, e toda a comitiva.

    Logo ao chegar Ctia, viu, mais do que nunca, como os homens e os governos diferem, e diferir

    mpre, at que um dia um povo mais esclarecido que os outros comunique a luz, de vizinho parazinho, aps mil sculos de trevas, e quando se encontrem, em climas brbaros, almas hericas quenham a fora e perseverana de transformar os brutos em homens.

    Nenhuma cidade havia na Ctia e, por conseguinte, nada de artes agradveis. No se viam senostas plancies, e povos inteiros debaixo de tendas ou em cima de carros. Tal aspecto causava terror

    ormosante Indagou em que tenda ou em que carreta se alojava o rei. Disseram-lhe que, oito dias antpusera em marcha frente de trezentos mil cavaleiros, para ir ao encontro do rei de Babilnia, a quvia raptado a sobrinha, a bela princesa Aldia.

    A princesa de Babilnia

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    - Raptou minha prima?! - exclamou Formosante. - Por essa nova aventura eu no esperava. Comoinha prima, que se dava por muito feliz em me fazer a corte, se tornou rainha, e eu ainda no me ca

    Fez-se conduzir imediatamente s tendas da rainha.

    Seu inesperado encontro naqueles remotos climas, as coisas singulares que tinham mutuamente antar-se, deram sua entrevista um encanto que as fez esquecer que jamais se haviam estimado;viram-se com transporte; uma suave iluso tomou o lugar da verdadeira ternura; beijaram-se chora

    at cordialidade e franqueza houve entre ambas, uma vez que a entrevista no se realizava num pal

    Aldia reconheceu a fnix e a confidente Irla; presenteou peles de zibelina prima, que, por sua vesenteou com diamantes. Falaram da guerra que os dois reis empreendiam; deploraram a condio

    omens, que os monarcas, por fantasia, mandam entredegolar-se, devido a diferenas que dois homennsatos poderiam solucionar numa hora; mas falaram principalmente do belo estrangeiro vencedor des, doador dos maiores diamantes do universo, autor dos madrigais, possuidor da fnix, e tornado,usa de um melro, o mais infeliz dos homens.

    - o meu querido irmo - dizia Aldia.- o meu amado! - exclamava Formosante. Sem dvida o viste, talvez ainda esteja aqui, pois sabe

    ue teu irmo e no haveria de deixar-te bruscamente, como deixou ao rei da China.

    - Se. eu o vi, meu Deus! - tornou Aldia. - Passou quatro dias inteiros comigo. Ah! minha prima,mo o meu irmo digno de lstima! Uma falsa histria o tornou inteiramente louco; corre o mundom saber aonde vai. Imagina tu que levou a loucura a ponto de recusar os favores da mais bela cita dda a Ctia! Partiu ontem, depois de lhe haver escrito uma carta que a deixou desesperada. Ele foi

    os cimrios.

    - Louvado seja Deus! - exclamou Formosante. - Mais outra recusa em meu favor! Minha felicidadtrapassou minha esperana, como minha desgraa ultrapassou a todos os meus temores. Manda-metregar essa encantadora carta. Que eu parta, e o siga, com as mos cheias de seus sacrifcios. Adeuinha prima: Amazan est entre os cimrios, vou voando para l.

    Aldia achou que a princesa sua prima estava ainda mais louca que o seu irmo Amazan. Mas comnhecia por experincia prpria os ataques dessa epidemia, como deixara as delicias e magnificnciBabilnia pelo rei dos citas, como as mulheres sempre se interessam pelas loucuras de que o amor

    usa, enterneceu-se verdadeiramente com o caso de Formosante, desejou-lhe feliz viagem, e prometrvir a sua paixo, se ela tivesse a felicidade de tornar a ver Amazan.

    APTULO VI

    Em breve a princesa de Babilnia e a fnix chegaram ao imprio dos cimrios, na verdade muitoenos povoado que a China, mas duas vezes mais extenso, outrora semelhante Ctia e agora, desdeguns tempos, to florescente como os reinos que. se vangloriavam de instruir os outros Estados.

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    Aps alguns dias de marcha, entraram numa grande cidade que a imperatriz reinante mandavambelezar. Mas esta ali no se achava; viajava ento, das fronteiras da Europa s da sia, para. conhus Estados pelos seus prprios olhos, para julgar dos males e lhes aplicar os remdios, para aumentvantagens j conseguidas, para semear a instruo.

    Um dos primeiros oficiais dessa antiga capital, informado da chegada, da babilnia e da fnix,ressou-se em ir apresentar suas homenagens princesa e fazer-lhe as honras do pas, certo de que a

    berana, que era a mais polida e magnifica das rainhas, lhe ficaria grata por haver recebido to altama com as mesmas atenes que ela prpria lhe prodigalizaria.

    Alojaram Formosante no palcio, de que afastaram uma importuna multido; ofereceram-lhe festagenhosas. O senhor cimrio, que era um grande naturalista, conversou muito com o pssaro enquanincesa se achava retirada a seus aposentos. A fnix confessou-lhe que outrora viajara muito entre omrios, mas que hoje no mais conhecia o pas.

    - Como que to prodigiosas mudanas - dizia - puderam operar-se em to curto prazo? No faz

    ezentos anos que vi aqui a natureza selvagem em todo o seu horror; e hoje encontro aqui as artes, oplendor, a glria e a polidez.

    - Um nico homem comeou essa grande obra - respondeu o cimrio, - uma mulher a aperfeioouma mulher foi melhor legisladora que a Isis dos egpcios e a Ceres dos gregos. A maioria dosgisladores tiveram um gnio estreito e desptico, que confinou sua viso aos pases que governaramda qual considerou seu povo como o nico sobre a face da terra, ou como destinado a ser inimigo dsto da terra. Formaram instituies para esse nico povo, introduziram usos para ele s, estabelecer

    ma religio s para ele. assim que os egpcios, to famosos por montes de pedras, se embrutecersonraram com as suas supersties brbaras. Julgam profanas as outras naes, no se comunicam

    as, e, com exceo da Corte, que s vezes se eleva acima dos preconceitos vulgares, no h um egpue queira comer num prato de que j se haja servido um estrangeiro. Seus sacerdotes so cruis esurdos. Melhor seria no ter leis e s escutar a natureza, que gravou nos nossos coraes os caracte

    o justo e do injusto, do que submeter a sociedade a leis to insociveis.

    A nossa imperatriz alimenta projetos inteiramente opostos; considera o seu vasto Estado, sobre o dos os meridianos vm juntar-se, como correspondente a todos os povos que habitam sob essesversos meridianos. A primeira de suas leis foi a tolerncia de todas as religies e a compaixo pordos os erros. Seu poderoso gnio reconheceu que, se os ,cultos so diferentes, a moral por toda pa

    mesma; por esse princpio, ligou sua nao a todas as naes do mundo, e os cimrios olham ocandinavo e o chins como seus irmos. Fez mais: quis que essa preciosa tolerncia, o primeiro eloomens, se estabelecesse entre os Estados vizinhos; assim mereceu o ttulo de me da ptria, e ter onfeitora do gnero humano, se perseverar.

    Antes dela, homens infelizmente poderosos mandavam tropas de assassinos devastarem populasconhecidas, que assim regavam com o seu prprio sangue a herana que haviam recebido dos paiamavam a esses bandidos de heris; a sua atrocidade chamava-se glria. Outra glria tem a nossaberana: fez marchar exrcitos para disseminar a paz, para impedir que os homens se prejudicassemra os forar a suportarem-se uns aos outros; e seus estandartes foram os da concrdia pblica.

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    A fnix, encantada do que ouvia, disse ao seu interlocutor:

    - Senhor, faz vinte e sete mil novecentos anos e sete meses que estou neste mundo; e ainda nada vue se compare ao que acaba de dizer-me.

    Pediu-lhe novas de seu amigo Amazan; o cimrio contou-lhe as coisas que haviam dito princesatre os chineses e os citas. Amazan fugia de todas as Cortes que visitava logo que alguma dama lhe

    arcava um encontro a que temia sucumbir. A fnix logo informou a princesa dessa nova prova dedelidade que lhe dava Amazan, fidelidade tanto mais espantosa quanto no podia ele suspeitar que incesa viesse um dia a sab-lo.

    Partira para a Escandinvia. Foi nesses climas que novos espetculos o impressionaram. Aqui aaleza e a liberdade subsistiam juntas, por um acordo que pareceria impossvel em outros Estados: oricultores tinham parte na legislao, bem como os grandes do reino; e um jovem prncipe dava asaiores esperanas de ser digno de governar uma nao livre. E nisso havia algo de mais estranho: o

    nico rei que tinha direito desptico sobre a sua terra, por um contrato formal com o seu povo era ao

    esmo tempo o mais jovem e o mais justo dos reis.Entre os smatras, Amazan viu um filsofo no trono; podia ser chamado o rei da anarquia, pois erefe de cem. mil pequenos reis, um s dos quais podia, com uma palavra, anular as resolues de tooutros. olo no tinha mais dificuldade em contar todos os ventos que se combatem incessanteme

    o que aquele monarca em conciliar os espritos; era um piloto cercado de eterna tempestade, e notanto o barco no se quebrava: pois o prncipe era um excelente piloto.

    Percorrendo todos esses pases to diferentes da sua ptria, Amazan evitava constantemente todasenturas galantes que se lhe apresentavam, sempre desesperado com o beijo de Formosante ao rei d

    gito, sempre firme na sua inconcebvel resoluo de dar a Formosante o exemplo de uma fidelidadenica e inabalvel.

    A princesa de Babilnia, com a sua fnix, sempre lhe seguia o rastro, nunca desencontrando-se demazan, a no ser por um dia ou dois, sem que este jamais se cansasse de correr, nem ela de o seguir

    Atravessaram assim toda a Germnia; admiraram os progressos que faziam no Norte a razo e aosofia; todos os prncipes eram ali instrudos, todos autorizavam a liberdade de pensamento suaucao no fora confiada a homens que tivessem interesse em engan-los ou que estivessem eles

    prios enganados; tinham-nos educado no conhecimento da moral universal e no desprezo daspersties; haviam banido de todos aqueles Estados um insensato costume que enervava e despovoversos pases meridionais: o de enterrar vivos, em vastos calabouos, um nmero infinito de pessoa

    os dois sexos, eternamente separados um dos outros, e de os fazer jurar que nunca teriam relaes. Emulo da demncia, respeitado durante tantos sculos, tinha devastado o mundo da mesma forma qu

    uerras mais cruis.

    Os prncipes do Norte haviam compreendido que, para ter haras, no se deviam separar das guasais fortes cavalos. Tinham tambm destrudo erros no menos bizarros nem menos perniciosos. Afihomens se atreviam a ser razoveis naquelas vastas regies, enquanto que alhures ainda se acredit

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    ue s podem ser governados na medida da sua imbecilidade.

    APTULO VII

    Amazan chegou terra dos batavos; em meio do seu pesar, suave alegria lhe penetrou o corao acontrar ali como que uma plida imagem do pas gangrida: a liberdade, a igualdade, a limpeza, a

    undncia, a tolerncia; mas as damas do pas eram to frias que nenhuma lhe fez propostas, comoontecera em toda part