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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO E DOUTORADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS LINGUÍSTICOS VIRGINIA MARIA NUSS As relações retóricas e o campo da causalidade das orações hipotáticas adverbiais na construção da argumentatividade e da coerência textual MARINGÁ - PR 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS – MESTRADO E DOUTORADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS LINGUÍSTICOS

VIRGINIA MARIA NUSS

As relações retóricas e o campo da causalidade das orações hipotáticas adverbiais

na construção da argumentatividade e da coerência textual

MARINGÁ - PR

2017

iii

VIRGINIA MARIA NUSS

As relações retóricas e o campo da causalidade das orações hipotáticas adverbiais

na construção da argumentatividade e da coerência textual

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Letras – Mestrado e Doutorado, da Universidade Estadual de Maringá - PR, como requisito para obtenção do título de Mestre.

Área de concentração:

Estudos Linguísticos

Orientador: Prof. Dr.

Juliano Desiderato Antonio

MARINGÁ - PR

2017

iv

Nome: NUSS, Virgínia Maria.

Título: “As relações retóricas e o campo da causalidade das orações hipotáticas

adverbiais na construção da argumentatividade e da coerência textual”.

Dissertação apresentada ao departamento de

pós-graduação em Letras da Universidade

Estadual de Maringá (UEM - PLE) – Centro de

Ciências Humanas, Letras e Artes – do Estado

do Paraná para obtenção do título de Mestre

em Linguística.

Aprovado em ___/___/___.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Juliano Desiderato Antonio . Instituição: UEM .

Julgamento:___________________________. Assinatura:____________________.

Profa. Dra. Jacqueline Ortelan Maia Botassini. Instituição: UEM .

Julgamento:________________________ . Assinatura:_____ _____ ________.

Prof. Dr. Marcelo Módolo .Instituição: USP .

Julgamento:________________________ _. Assinatura:_____________________.

v

Dedico este trabalho, com amor e

admiração, ao meu esposo Eliseu, com

carinho, aos meus filhos, Ana e Lucas, e,

com muito respeito, aos meus pais, Ivo (in

memoriam) e Lindramil, pelo apoio e

compreensão nos momentos de ausência,

de dificuldades, de lutas e vitórias que

passamos juntos.

vi

Agradecimentos:

Ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Juliano Desiderato Antonio, pela qualidade da

orientação, pela confiança depositada e pelo constante apoio. Obrigada por me

mostrar o vasto campo dos estudos linguísticos em todos os anos de orientação,

não apenas no processo de mestrado, mas também nas orientações dos projetos de

pesquisas (2012-2014), seus ensinamentos no decorrer desses cinco anos fizeram

toda a diferença em minha formação acadêmica e pessoal.

Ao meu querido e amado esposo, Eliseu Alves Fortes, por toda a compreensão e

apoio contínuos no decorrer desse árduo processo. Obrigada por estar sempre ao

meu lado.

Aos professores da banca de qualificação e da banca examinadora, Profa. Dra.

Jacqueline Ortelan Maia Botassini e Prof. Dr. Marcelo Módolo, pelas valiosas

sugestões, correções, observações e apontamentos.

Aos meus familiares que, independentemente de estarem perto ou longe, sempre

acreditaram em mim.

Aos informantes do corpus que tão prontamente aceitaram colaborar com a

formação do material para análise.

A CAPES, pelo auxílio financeiro.

E, finalmente, a todos os professores e amigos que, no decorrer da minha vida

acadêmica, imprimiram em mim um pouco de suas crenças, convicções,

conhecimentos e expectativas.

Obrigada por fazerem parte da minha história.

vii

“A busca pelo conhecimento é algo

constante. Buscamos conhecer àqueles que

nos rodeiam, buscamos um saber que nos

possibilite fazer felizes a quem amamos,

buscamos aprender quem somos.

Mas não é só isso que buscamos.

Buscamos, sim, o conhecimento da vida, do

amor, mas buscamos também o

conhecimento acerca do mundo que nos

rodeia.

Ah! Esse conhecimento... Buscamo-lo desde

que nascemos, pois precisamos aprender a

nos expressar e a viver! E é incrível como a

linguagem faz parte de tudo isso, faz parte

nós! - das mais diferentes formas, e desde

que chegamos ao mundo! A linguagem

humana é fascinante! A linguagem humana

é esplêndida!

A busca pelo conhecimento das formas,

processos e funcionamento da linguagem

humana é, para mim, algo sublime”.

(Virgínia Maria Nuss)

“Tenho a impressão de ter sido uma criança

brincando à beira-mar, divertindo-me em

descobrir uma pedrinha mais lisa ou uma

concha mais bonita que as outras, enquanto

o imenso oceano da verdade continua

misterioso diante de meus olhos”.

(Isaac Newton)

viii

RESUMO

NUSS, Virgínia Maria. As relações retóricas e o campo de causalidades das

orações hipotáticas adverbiais na construção da argumentatividade e da

coerência textual. 2017. 246 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de

Maringá, Maringá, Paraná, 2017.

O objetivo deste trabalho é investigar o funcionamento das orações hipotáticas

adverbiais causais, condicionais e concessivas da língua portuguesa falada no que

tange a suas estruturas subjacentes e a forma como atuam na organização textual,

favorecendo e corroborando a coerência e a argumentação linguístico-textual. A

abordagem teórica utilizada é de cunho funcionalista e consiste nos conceitos da

Gramática Funcional de Dik e da Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday,

valendo-se também dos pressupostos teóricos da Linguística Textual e da Rhetorical

Structure Theory (RST). Acerca do procedimento metodológico realizado, criou-se

um corpus composto por doze entrevistas orais com líderes e representantes de

diferentes instituições e crenças religiosas, com a aprovação do Comitê Permanente

de Ética Em Pesquisa Com Seres Humanos - COPEP. Todos os informantes são da

região noroeste do Paraná, possuem formação acadêmica superior e são adeptos

de suas crenças há, no mínimo, cinco anos. A transcrição foi efetuada sem recursos

tecnológicos, observando as normas do projeto da Norma Urbana Oral Culta

(NURC) de São Paulo, e a tabulação dos dados foi realizada com o auxílio de

softwares específicos. As análises demonstraram que as orações adverbiais de

causa, condição e concessão apresentam um funcionamento textual-discursivo que

auxilia não apenas na elaboração textual, mas também na estrutura, coerência,

argumentação e argumentatividade do texto. A forma como as orações são

organizadas resulta em funções variadas que envolvem desde a estruturação tópica,

progressão textual, relações de coerência, argumentatividade, até o argumento em

si. Todo esse funcionamento se ancora na base causal que tais orações

apresentam. Conclui-se, portanto, que as orações adverbiais de causa, condição e

concessão atuam na construção textual conforme sua organização sintático-

semântica, pragmática e discursiva, possuindo um funcionamento que se destaca

desde o nível da expressão linguística até o nível textual-discursivo. Tal

funcionamento faz dessas orações recursos significativos para uma elaboração

ix

textual que se faça mais argumentativo e eficaz, conforme as intenções

comunicativas do falante.

Palavras-chave: orações hipotáticas adverbiais, nexos de causalidade, linguística

funcional, articulação de orações, argumentação.

x

ABSTRACT

NUSS, Virginia Maria. The rhetorical relations and the causality zone of the

hypotactic adverbial sentences in the construction of argumentation in the

textual coherence. 2017. 246 f. Dissertação de mestrado – Universidade Estadual

de Maringá, Maringá, Paraná, 2017.

The objective of this study is to investigate the functioning of adverbials hypotactics

sentences causal, conditional and concessive in the portuguese language spoken in

relation to their underlying structures and how they act in the textual organization,

promoting and supporting the coherence and the linguistic argumentation in the text.

The theoretical approach is functionalist nature and consists, above all, the concepts

of Dik and your Functional Grammar and the Systemic Functional Grammar of

Halliday, making use also of the theoretical principles of Linguistics Textual and

Rhetorical Structure Theory (RST). About methodological procedure, it was created a

corpus composed of twelve oral interviews with leaders and representatives of

different institutions and religious faiths and was accomplished with the approval of

the Standing Committee of Ethics in Research with Human Beings (Comitê

Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos - COPEP). All informants

are the northwest of Paraná, have higher academic and profess their belief for at

least five years. The transcript was made without technological resources and in

compliance with the rules of the standards of the Standard Urban Oral Cultured

project (Norma Urbana Oral Culta - NURC) of São Paulo, and the tabulation of the

data was performed with the help of specific software. The analyzes showed that the

adverb clauses of cause, condition and concession have a textual-discursive

operation that assists not only in textual construction, but also in the structure,

coherence, argumentation and argumentativity text. The way sentences are

organized, results in varied functions that involve topic structure, textual progression

of coherence relations, argumentativity until the argument itself. This whole operation

is anchored in the causal basis that such clauses have. Concludes, therefore, that

the adverbials clauses of cause, condition and concession they are organized in

order to strengthen the information content at the time of preparation of linguistic

constructions. These sentences works in textual syntactic construction according

your semantics organization, pragmatics and discoursive, having a function that

xi

stands out from in the level of linguistic expression to the text and discourse level.

This action makes these significant resources sentences for a textual elaboration that

is made more argumentative and efficacious, according to the speaker's

communicative intents.

KEYWORDS: hypotactic adverbial sentences, causal connections, functional

linguistics, complex clauses, argumentation.

xii

SUMÁRIO

LISTA DE QUADROS .............................................................................................. XV

LISTA DE TABELAS ............................................................................................. XVII

LISTA DE FIGURAS ............................................................................................. XVIII

LISTA DE ESQUEMAS .......................................................................................... XIX

LISTA DE DIAGRAMAS .......................................................................................... XX

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ................................................................ XXII

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 23

CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................ 28

1.1. Origens do Funcionalismo .............................................................................. 28

1.2. Linguística Funcional: alguns princípios e pressupostos ........................... 32

1.3. A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday...............................................35

1.4. A Gramática Funcional de Dik ......................................................................... 41

1.5. A Rethorical Structure Theory e as relações de coerência .......................... 51

1.6. A Linguística Textual ....................................................................................... 55

1.6.1. A LÍNGUA FALADA ......................................................................................... 57

1.6.2. OS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO TEXTUAL .......................................... 60

1.7. A Perspectiva Textual Interativa ..................................................................... 65

CAPÍTULO 2 – A COMBINAÇÃO DAS ORAÇÕES ................................................. 69

2.1. A hipotaxe e a parataxe: uma perspectiva funcionalista .............................. 69

CAPÍTULO 3 - CAUSA: DOMÍNIOS SEMÂNTICOS E CONSTRUÇÕES ................ 78

3.1. Conceitos de causa .......................................................................................... 78

3.2. O campo semântico da causalidade................................................................86

3.3. A coerência e os vínculos causais ............................................................... 100

CAPÍTULO 4 - A ARGUMENTAÇÃO COMO FATO DE LÍNGUA E DE DISCURSO ..

.............................................................................................................................104

4.1. A argumentação na linguística: planeamentos ........................................... 104

xiii

4.1.1. A ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA ................................................................ 108

4.1.2. A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO .......................................................... 112

4.1.3. A ARGUMENTAÇÃO NA INTERAÇÃO ......................................................... 119

CAPÍTULO 5 - METODOLOGIA ............................................................................. 122

5.1. Objetivo Geral ................................................................................................. 122

5.1.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ......................................................................... 122

5.2. Constituição do corpus ................................................................................. 122

5.2.1. DELINEAMENTO DO CORPUS ................................................................... 124

5.2.2. CARACTERÍTICAS DAS DIFERENTES RELIGIÕES REPRESENTADAS NO

CORPUS......................................................................................................... 124

5.3. Ferramentas e métodos de análise ............................................................... 125

5.3.1. NORMAS DE TRANSCRIÇÃO DO PROJETO DE NORMAS URBANAS

CULTAS (NURC).............................................................................................125

5.3.2. SYSTEMIC CODER ...................................................................................... 126

5.3.3. RSTTOOL ..................................................................................................... 127

5.3.4 RECORTE METODOLÓGICO DE ANÁLISE DAS ORAÇÕES HIPOTÁTICAS

ADVERBIAIS 128

5.4. Aspectos éticos .............................................................................................. 132

CAPÍTULO 6 - ANÁLISES DOS DADOS ............................................................... 132

6.1. Orações adverbiais causais .......................................................................... 132

6.1.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS ................................... 132

6.1.2. TEMPO VERBAL .......................................................................................... 133

6.1.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA E CONECTIVOS ................. 143

6.1.4. TOPICALIDADE, INFORMATIVIDADE E POSICIONAMENTO DAS

ORAÇÕES.......................................................................................................152

6.1.5. AS RELAÇÕES RETÓRICAS ....................................................................... 162

6.2. Orações adverbiais condicionais ................................................................. 173

6.2.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS ................................... 174

xiv

6.2.2. TEMPO VERBAL, FACTUALIDADE, POTENCIALIDADE E

CONTRAFACTUALIDADE ............................................................................. 175

6.2.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA, SUBTIPOS DAS ORAÇÕES E

CONECTIVOS ................................ ............................................................. 186

6.2.4. TOPICALIDADE, INFORMATIVIDADE E POSICIONAMENTO DAS

ORAÇÕES... ................................................................................................... 199

6.2.5. AS RELAÇÕES RETÓRICAS ....................................................................... 204

6.3. Orações adverbiais concessivas .................................................................. 211

6.3.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS ................................... 211

6.3.2. TEMPO VERBAL, FACTUALIDADE, POTENCIALIDADE E

CONTRAFACTUALIDADE ............................................................................. 212

6.3.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA, SUBTIPOS DAS ORAÇÕES,

CONECTIVOS, POSICIONAMENTO DAS ORAÇÕES, INFOMATIVIDADE E

TOPICALIDADE............. ................................................................................. 213

6.3.4. AS RELAÇÕES RETÓRICAS ....................................................................... 218

6.4. O funcionamento argumentativo .................................................................. 221

6.4.1. A ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA ................................................................ 221

6.4.2. A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO .......................................................... 226

6.4.3. A ARGUMENTAÇÃO NA INTERAÇÃO ......................................................... 231

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 238

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 241

xv

LISTA DE QUADROS

Quadro 01- Resumo dos subsistemas de organização do texto 40

Quadro 02- Os níveis estruturais das unidades linguísticas conforme modelo

de Dik (1989) 50

Quadro 03- A divisão das relações 53

Quadro 04- Os níveis estruturais das unidades linguísticas conforme modelo

de Dik (1989) 81

Quadro 05- Quadro comparativo das terminações utilizadas por Dik (1989) e

por Sweetser (1990).....................................................................81

Quadro 06- Correlação entre as metafunções de Halliday, teoria dos níveis de

Sweetser (1990) e a teoria das camadas de Dik (1989)..............82

Quadro 07- Formas de apresentação da causa 89

Quadro 08- Núcleo de valores adverbiais no cruzamento das relações táticas

com relações lógico-semânticas e pragmáticas (NEVES, 2012, p.

162)...............................................................................................98

Quadro 09- Formas de apresentação da causa (2).........................................99

Quadro 10- Segmentos normativos e transgressivos – adaptado de Cabral

(2011, p. 118).............................................................................109

Quadro 11- Síntese dos tipos de argumentos de Perelman & Olbrechts-Tyteca

e suas características [MEANEY (2009) apud LIBERALLI, 2013,

p.71)]...........................................................................................116

Quadro 12- Normas de transcrição da Língua Falada (Castilho, 2002)..........126

Quadro 13- Definição das relações retóricas do diagrama 01.......................163

Quadro 14- Definição das relações retóricas do diagrama 02.......................164

Quadro 15- Definição das relações retóricas do diagrama 03.......................165

xvi

Quadro 16- Definição das relações retóricas do diagrama 04.....................166

Quadro 17- Definição das relações retóricas do diagrama 05.....................167

Quadro 18- Definição das relações de causa, resultado, razão, explicação e

justificativa.................................................................................167

Quadro 19- Definição das relações retóricas do diagrama 06......................169

Quadro 20- Definição das relações retóricas do diagrama 07......................171

Quadro 21- Definição das relações retóricas do diagrama 08......................172

Quadro 22- Definição das relações retóricas dos diagramas 09 e 10...........205

Quadro 23- Definição das relações retóricas do diagrama 11.......................206

Quadro 24- Definição das relações retóricas do diagrama 12.......................207

Quadro 25- Definição das relações retóricas do diagrama 13.......................208

Quadro 26- Definição das relações retóricas do diagrama 14.......................219

Quadro 27- Definição das relações retóricas do diagrama 15.......................220

xvii

LISTA DE TABELAS

Tabela 01- As combinações verbais das orações causais no corpus - por

número de ocorrências (as três maiores) 135

Tabela 02- Síntese das conjunções e do posicionamento das orações

adverbiais causais 143

Tabela 03- Posicionamento das orações adverbiais causais...................145

Tabela 04- Funcionamento das orações causais conjuncionais no domínio

dos atos de fala......................................................................154

Tabela 05- As relações retóricas estabelecidas pelas orações adverbiais

causais...................................................................................168

Tabela 06- As combinações verbais das orações condicionais no corpus -

por número de ocorrências (as quatro maiores)....................175

Tabela 07- A correlação tempo-modo e os subtipos de

condicionais...........................................................................181

Tabela 08- Ocorrências das orações adverbiais condicionais de acordo

com seus subtipos e domínio semântico...............................186

Tabela 09- Síntese das conjunções e da posição das orações..............196

Tabela 10- Os tipos de condicionais, as relações retóricas e as formas de

explicitação do nexo causal...................................................210

Tabela 11- Ocorrência das orações adverbiais concessivas conforme

subtipo e domínio semântico..................................................213

Tabela 12- Síntese das conjunções e da posição das orações adverbiais

concessivas 215

Tabela 13- Informatividade da posição das orações adverbiais concessivas

................................................................................................217

xviii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Relação núcleo-satélite. ............................................................................. 52

Figura 2. Relação multinuclear .................................................................................. 52

Figura 3. Aplicação dos recursos de análise em uma porção de texto do corpus 127

xix

LISTA DE ESQUEMAS

Esquema 01- Modelo de interação de Dik (1997, p. 40) 45

Esquema 02- O sistema de cláusula complexa – adaptado de Halliday (2004, p. 373)

72

Esquema 03 - Esquema dos recursos argumentativos em Perelman & Olbrechts-Tyteca (1975) apud Grácio (2016, p.88) 118

Esquema 04 - Esquematização dos fenômenos que envolvem os estudos

argumentativos - Grácio (2016, p.88) 120

Esquema 05 - Dimensões do sistema temporal na situação comunicativa......141

xx

LISTA DE DIAGRAMAS

Diagrama 01- Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de

justificativa 163

Diagrama 02 - Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de

explicação 164

Diagrama 03- Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de

razão 165

Diagrama 04 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de

causa 166

Diagrama 05 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de

justificativa 166

Diagrama 06 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de

resultado 169

Diagrama 07 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de

justificativa 170

Diagrama 08 – Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de

justificativa 172

Diagrama 09 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de

resultado 205

Diagrama 10 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de

razão 205

Diagrama 11 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de

condição 206

Diagrama 12 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de

condição 207

xxi

Diagrama 13 – Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de

condição 208

Diagrama 14 – Análise retórica das orações adverbiais concessivas – relação de

concessão 219

Diagrama 15 – Análise retórica das orações adverbiais concessivas – relação de

concessão 220

xxii

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

COPEP Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos

EsCo Estado de Coisas

Et al Et ali / et aliae [e outros, e outras (pessoas)]

Etc Et cetera (e outras coisas)

LF Língua falada

LT Linguística Textual

LS Linguística Sistêmica

GF Gramática Funcional

GSF Gramática Sistêmico-Funcional

ME Momento de Referência

MF Momento da Fala

MR Momento do Evento

NURC Norma Urbana Culta

O-1 Primeira oração

O-2 Segunda oração

PTI Perspectiva Textual Interativa

RST Rethorical Structure Theory (Teoria da Estrutura Retórica do Texto)

ULN Usuário da Língua Natural

23

INTRODUÇÃO

As orações hipotáticas adverbiais são um rico material de análise no

funcionamento linguístico devido à amplitude de relações possíveis entre os

segmentos que as compõem (adverbial e nuclear) e também pelas relações que

estabelecem com porções maiores do texto.

Neves (2012) argumenta a favor da existência de uma diluição lógico-

semântica que ocorre entre as orações adverbiais de causa, condição e concessão,

incorrendo no que ela denomina zona da causalidade, sendo essas construções as

que interessam a esta pesquisa. A zona da causalidade diz respeito às orações

adverbiais que, de acordo com a relação lógico-semântica que se estabelece por

meio da conjunção, possibilitam outra leitura que não apenas aquela que denote

condição ou concessão, por exemplo. Para a autora, as orações adverbiais de

causa, condição e concessão mantêm sempre uma relação causal – seja uma causa

afirmada (adverbial causal), seja uma causa negada (adverbial concessiva) ou uma

causa hipotetizada (adverbial condicional). Em outros termos, uma oração adverbial

condicional pode se relacionar com a oração nuclear de forma mais sólida como em

“...se eu não fosse pastor...eu poderia trabalhar como professor...até do ensino

médio”1 ou apresentar uma relação mais diluída, como em “...e se ele nos fez...ele

nos fez para ele...”2. Em ambos os casos, há uma causalidade interna em relação às

condições entre os eventos, a qual que se vincula ao preenchimento que a oração

nuclear realiza acerca da condição existente na adverbial. Dessa forma, essa

diluição se mostra no vínculo causal que permeia essas orações.

Nesse sentido, as orações adverbiais, inclusive, mesclam-se com

construções e aspectos semânticos característicos de outras adverbiais, como em

“não sei se é porque eu participei de muitas eu acabei não acreditando em

nenhuma...”, nas quais causa e condição se imbricam no aspecto lógico-semântico e

também na própria estrutura sintática.

Averiguando o modo como essas construções podem ser realizadas pelo

falante, a fim de exercer seus objetivos comunicativos com sucesso, acredita-se que

1 Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – Informante da igreja Adventista.

2 Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – Informante da igreja Presbiteriana

Renovada.

24

essas relações são assim construídas por ele tendo em vista tais objetivos. Há de se

considerar, ainda, variados fatores de ordem subjetiva e interacional do falante e do

ouvinte que podem influenciar as construções linguísticas realizadas pelo usuário da

língua, o qual articula diferentes conhecimentos linguísticos e enciclopédicos em sua

fala. Ao realizar essa articulação, consequentemente, um usuário de uma língua

natural coloca em funcionamento uma série de capacidades linguísticas, cognitivas e

sociais que lhe são próprias, de modo a construir um texto coerente e capaz de

exercer a função comunicativa proposta para determinado momento.

Dessa forma, compreende-se que todo texto possui uma função interacional

e exerce algum efeito sobre o ouvinte. Ressalta-se, então, que os textos possuem

uma argumentação intrínseca que pode se mostrar de diferentes maneiras, tantas

quantas podem ser diferentes as possibilidades de construções linguísticas para que

um falante possa se expressar. Com isso, a compreensão de um texto como sendo

argumentativo não se limita a questões de tipologia ou gênero textual. Têm-se como

argumentativas todas as produções textuais, uma vez que toda produção linguística

realizada por um falante tem como objetivo atuar de alguma maneira em relação a

seu ouvinte. Essa atuação, por mais sutil que seja, sempre possui um aspecto

argumentativo (ABREU, 2009; FIORIN, 2015).

Nos estudos funcionalistas da linguagem (HALLIDAY, 1999, 2004, 2014; DIK

1989; CASTILHO 2010; NEVES 1999, 2000 et al.), estudos nos quais se sustém o

presente trabalho, é possível constatar que as orações adverbiais, enquanto recurso

linguístico à disposição do falante, parecem apresentar um aspecto argumentativo

que se diferencia dos demais tipos de construções oracionais, realçando

informações pragmáticas e fortalecendo a argumentação textual por meio das

relações lógico-semânticas que elas estabelecem. Mais especificamente, no caso da

argumentação, a suposição que se tem é que as orações adverbiais de causa,

condição e concessão demonstram possuir função de argumento ou de respaldo em

relação à argumentação, uma vez que apresentam uma causa para os eventos

relacionados pelo falante. A partir desse funcionamento das orações adverbiais, é

possível justificar pragmaticamente construções como a seguinte.

25

1) ...eu acho que uma pessoa que não acredita em nenhum Deus... ...ela tem/tem muito mais responsabilidade em...em/no nosso conví:vio...né? ...e se você cometer um erro não tem problema...é só você:...pedir perdão e...que você vai pro céu... ...se você acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa... ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum...você tem que ser o responsável...pelo que você faz...

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

Esse texto foi produzido por um informante que falava sobre seu

posicionamento acerca da religião. Note que, a fim de sustentar sua posição, o

falante inicia colocando em evidência a questão da responsabilidade social de uma

pessoa, e, por meio das orações adverbiais condicionais, passa a apresentar os

motivos pelos quais “crer em Deus” podem interferir nessa responsabilidade, fato

que atrapalharia o convívio social. O falante sustenta sua decisão de não crer em

Deus por meio das construções condicionais que veiculam causalidade, valendo-se

de informações cognitivas, culturais e sociais que lhe são subjetivas, e ordenando

essas informações por intermédio de segmentos que se inter-relacionam

condicionalmente e causalmente.

O foco da análise que se propõe não está na argumentação propriamente

dita, mas em como as orações adverbiais da zona da causalidade funcionam dentro

da argumentação. Em outras palavras, acredita-se que as orações adverbiais (nesse

caso, as condicionais, as causais e concessivas), além de estabelecerem relações

sintáticas, lógico-semânticas e pragmáticas, também estabelecem relações de

argumentação.

Em vista disso, entende-se que as diferentes relações lógico-semânticas das

orações adverbiais citadas, e as diferentes formas possíveis de construções

sintáticas, influenciam não só o aspecto informacional e pragmático do texto, mas

também a argumentação.

Nesse sentido, a hipótese da qual se parte é a de que a noção de

causalidade expressa pelas orações adverbiais causais, condicionais e concessivas

seria capaz de estabelecer uma relação que fortalece o conteúdo informacional no

momento da elaboração das construções linguísticas. Com isso, a argumentação

realizada pelo falante tenderia a ser mais eficaz quando utilizadas as construções

adverbiais, ao invés de orações simples, por exemplo. Isso porque o falante obteria

26

respaldo não apenas no recurso da argumentação propriamente, mas também nas

possíveis relações subjetivas que o nexo causal é capaz de proporcionar na

elaboração textual da língua falada, apontando para possíveis resultados

interacionais e pragmáticos decorrentes do uso linguístico.

Para tanto, constituiu-se um corpus de análise composto por doze (12)

entrevistas orais com líderes religiosos e representantes de diferentes perspectivas

religiosas, residentes no norte do Paraná. Todos os entrevistados estão envolvidos

com a liderança da igreja ou com a representação de sua crença há mais de cinco

anos e possuem formação escolar em nível superior. Para análise, as entrevistas

foram transcritas conforme os critérios de transcrição do projeto da Norma Urbana

Oral Culta (NURC) de São Paulo, tabuladas em sistemas de softwares específicos e

investigadas de acordo com os preceitos teóricos apresentados ao longo do

trabalho. A escolha de um corpus com produções discursivas religiosas se deve ao

fato de sua apresentação mostrar-se aparentemente simples e ao mesmo tempo

bastante argumentativa, o que possibilita a verificação da argumentação em uma

produção linguística diferenciada, se comparada com discursos políticos ou

jurídicos, por exemplo, em termos de planejamento e elaboração.

Essa investigação se torna relevante e se justifica por investigar como as

estruturas textuais podem ser mais bem trabalhadas por meio de determinados tipos

de construções adverbiais, produzindo o efeito pretendido em relação ao ouvinte e

resultando em textos coerentes e argumentativos.

Análises pragmáticas, argumentativas, cognitivas, semânticas e

morfossintáticas permeiam este trabalho, o qual coloca em análise não só questões

de língua falada, mas também os aspectos gramaticais da língua, em contraste com

os seus aspectos funcionais. Ressalta-se, ainda, o fato de que, no uso linguístico,

todos esses conteúdos se entrecruzam e são postos em funcionamento com uma

finalidade. Dessa forma, intenta-se uma análise que permita vislumbrar segmentos

que compõem as orações adverbiais causais, condicionais e concessivas para que

seja possível identificá-los no uso e verificar a argumentação que produzem no texto

de diferentes falantes.

27

Este trabalho se divide em seis capítulos, afora a introdução e a conclusão,

os quais se distribuem da seguinte forma: apresentação da fundamentação teórica

utilizada (cap. 01), da articulação das orações adverbiais (cap. 02), dos conceitos

sobre causalidade e domínios semânticos (cap. 03) e das teorias sobre

argumentação (cap. 04). Na sequência, são apresentadas as questões

metodológicas utilizadas (cap. 05), as análises e os resultados das orações em

questão neste trabalho, bem como algumas discussões sobre eles, que são

apresentadas de acordo com subseções divididas por tipo de oração adverbial –

causal, condicional e concessiva, respectivamente – considerando para este

ordenamento as orações que apresentaram mais frequência de ocorrências até a

que apresentou menos (cap. 06). Finaliza-se com a conclusão, seção destinada a

uma síntese dos resultados obtidos, seguida das referências bibliográficas e

bibliografia sugerida.

28

CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este capítulo apresenta uma síntese das teorias utilizadas neste trabalho,

restringindo-se aos aspectos teóricos pertinentes a esta pesquisa. Após breve

explanação acerca da origem do funcionalismo, apresentam-se os pressupostos

básicos das seguintes perspectivas teóricas: a Gramática Sistêmico-Funcional

[Halliday (1994)], a Gramática Funcional [Dik (1989)], a Rethorical Structure Theory

[Mann, Thompson e Matthiessen (1988,1989)], a Linguística Textual [Koch (2003,

2010); Marcuschi (2008)], a Perspectiva Textual Interativa [Jubran (2006); Koch

(2013)] e a Abordagem Multissistêmica de Castilho (2010; 2014).

A utilização da Gramática Sistêmico-Funcional permite investigar as orações

adverbiais em termos de suas funções e organização. A Gramática Funcional e a

Gramática Sistêmica, quando associadas, possibilitam uma investigação mais

ampla, uma vez que viabilizam uma análise da estrutura linguística em diferentes

níveis lógicos semânticos. Os conceitos teóricos da Linguística Textual e da

Perspectiva Textual Interativa tornam possível uma melhor descrição e análise dos

processos de construção, progressão e organização textual da língua falada. Já a

Rethorical Structure Theory permite a análise das relações de sentido que estão

presentes nos textos, por meio da observação dos tipos de relações estabelecidas

entre as porções textuais, assim como permite sistematizar o conteúdo informacional

do texto.

1.1. Origens do Funcionalismo

Após a Linguística se estabelecer como ciência autônoma no início do

século XX, observou-se o surgimento de diversas correntes nos estudos linguísticos

(MARCUSCHI, 2008). Para Van Valin Jr. (2007), a Linguística enquanto ciência

deve-se, sobretudo, aos estudos de Franz Boas nos Estados Unidos e de Saussure

na Europa. Salienta-se que Edward Sapir e Leonard Bloomfield foram os dois

linguistas americanos de maior influência após Franz Boas. Bloomfield foi quem

ficou conhecido como o precursor da fase posterior do estruturalismo americano,

atribuindo à Linguística norte-americana certa independência em relação aos

estudos europeus de Saussure, sendo Bloomfield uma das principais referências do

estruturalismo norte-americano até os dias atuais. Assim, Bloomfield se destacou

29

não apenas pelos estudos que desenvolveu, mas por atribuir aos estudos

linguísticos norte-americanos um “desenvolvimento próprio”3, deixando clara esta

“independência” teórica com a publicação de sua obra “Language” (1933), na qual

não incluiu a famosa obra “Cours de Linguistique Générale”, de Saussure – obra

bastante divulgada e consultada na época.

Por meio, portanto, dos estudos de Ferdinand Saussure com suas

dicotomias e seu sistema de signos, e dos estudos estruturalistas da América do

norte, a Linguística se tornou reconhecidamente um campo de estudos científicos,

com um objeto de análise esquematizado e definido. Assim, no decorrer do século

XX, percebem-se, diacrônica e sincronicamente, alguns momentos singulares

acerca dos estudos realizados na Linguística.

Em um primeiro momento, a Linguística era predominantemente formalista,

até que diferentes movimentos teóricos que ocorreram de forma bastante intensa na

Europa, o que resultou, no campo da Linguística, no que ficou conhecido como

“Virada Linguística” – iniciando-se, então, um segundo momento nos estudos sobre

a linguagem. Acerca da “Virada Linguística”, cabe destacar que ela ocorreu em um

período histórico e cultural em que diferentes áreas do conhecimento (Psicologia,

Sociologia, Filosofia, entre outros) se voltavam para os estudos sobre a linguagem.

Após a “Virada Linguística”, a compreensão platônica e aristotélica da linguagem

muda e deixa de ser vista apenas como um objeto do mundo e/ou uma forma de

representação, e começa a ser vista como parte do mundo. A linguagem passa a ser

constitutiva do mundo e do sujeito, não sendo vista mais apenas como subjetiva.

Com a “Virada Linguística” os estudos semânticos ganham espaço, fortalecendo os

estudos linguísticos que não se detinham apenas à estrutura da língua (ARAÚJO,

2004).

Após a “Virada Linguística”, houve também a “Virada Pragmática”. Em suma,

pode-se dizer que a “Virada Linguística” marcou a ruptura com os estudos lógicos

clássicos, em que há uma separação entre realidade e sua representação pela

língua, ou ainda, uma extensão ou representação do pensamento, e a “Virada

Pragmática” marca a inclusão e o reconhecimento que a interação e o dialogismo

possuem nos estudos sobre a linguagem. A “Virada Pragmática” fez com que

3 Isaac Nicolau Salum, no Prefácio à edição brasileira do Curso de Linguística Geral (2006).

30

algumas correntes teóricas da Linguística minimizassem suas preocupações com a

estrutura abstrata da língua e se dedicassem mais enfaticamente aos fenômenos

ligados ao uso que os falantes fazem da língua. Assim, resumidamente, tem-se que,

após a “Virada Linguística” e a “Virada Pragmática”, criaram-se os conceitos de que

a linguagem não é um objeto no mundo, mas parte dele. Pela linguagem é possível

expressar os pensamentos, relacionar-se entre os membros de uma comunidade, e,

ainda, agir sobre o outro, alterando e produzindo conhecimentos a partir da

comunicação e da interação (ARAÚJO, 2004a, 2004b; AROUX, 2009).

Salienta-se que, antes da “Virada Linguística”, já havia estudos

funcionalistas, todavia, somente após esse movimento, tais estudos se tornaram

mais amplos e intensivos. A partir daí, a Linguística realiza um salto quantitativo no

qual transpõe os estudos formalistas que se situavam no nível da frase para estudos

que passam a abranger porções maiores de texto, assim como o texto em sua

completude - os estudos transfásticos e textuais. Os estudos tranfásticos ainda não

consistiam em estudos do texto como “um todo”, mas também não se resumiam a

análises frasais. Nesse segundo momento, os estudos linguísticos iniciaram uma

observação mais aprofundada das questões relativas à contextualização da

produção textual, o uso e o funcionamento linguístico etc. Com esses estudos, os

níveis de estruturação linguística (quais sejam: os níveis fonológico, morfológico e

sintático) incorporam um nível a mais, que é o textual (MARCUSCHI, 2008; KOCH,

2015).

Assim, enquanto os estudos linguísticos formalistas defendiam a autonomia

da estrutura linguística, cada um à sua maneira, os estudos funcionalistas defendiam

a não-autonomia da língua e o foco de análise no uso linguístico, entendendo que a

língua não possuía um sistema totalmente autônomo e arbitrário, dando primazia

para a função do uso linguístico sobre a forma linguística. Os funcionalistas

reconheciam que a linguagem era um sistema parcialmente autônomo, pois possuía

certa maleabilidade estrutural ocasionada pela pressão que a força do uso

linguístico e o contexto comunicacional exerciam sobre a linguagem (ILARI, 2011;

PEZATTI, 2011; MARCUSCHI, 2008; VAN VALIN JR., 2007). Assim,

diacronicamente, observa-se o surgimento da linguística formal e da linguística

funcional no início do século XX, respectivamente (VAN VALIN JR., 2007).

31

Marcuschi (2008) realiza um escólio acerca dos estudos linguísticos no

século XX, explanando que, a partir da metade desse século (1950-1960,

aproximadamente), surgiram várias tendências teóricas de caráter eminentemente

interdisciplinar, como a Linguística Textual, a Análise do Discurso, Análise da

Conversação, Sociolinguística, Psicolinguística, Etnometodologia, Etnografia da

Comunicação, entre outras. Acrescendo que o final desse século “observou uma

série de novas orientações e perspectivas ligadas aos avanços tecnológicos” e que

“deve-se admitir que a linguística do século XX foi multifacetada e plural. Teve uma

grande quantidade de desdobramentos” (MARCUSCHI, 2008, p. 38). O autor

acrescenta ainda o fato de que várias questões levantadas nesse período merecem

aprofundamento.

A partir dessas observações, percebe-se uma ramificação de diferentes

linhas teóricas, das quais se destaca, neste trabalho, a Linguística Funcional -

perspectiva teórica da qual advêm os estudos funcionalistas. O objeto de análise da

linguística funcional em suas diferentes correntes é o texto, partindo das articulações

entre as orações (TRASK, 2011). Os estudos funcionalistas intentam explicar o que

constrói as regularidades internas ao sistema linguístico, demonstrando porque

determinadas formas de uso são como são. Tais estudos partem do conceito de que

a estrutura da língua é como é porque reflete restrições que o próprio sistema

linguístico impõe por meio dos usos e funções da linguagem - uma vez que a

linguagem não é autônoma, mas regida por fatores internos e externos ao sujeito e

não constitui em um fim em si mesmo, mas um meio de expressão (TRASK, 2011;

NEVES, 2012).

Os estudos funcionalistas surgiram por meio dos estudos da Escola

Linguística de Praga – com Nikolai Trubetzkoy (1890-1938), Roman Jakobson

(1896-1982), dos estudos da Escola Copenhague e também com os estudos da

Escola de Londres, com John Firth (1890-1965). A esta última se deve a noção de

contexto da situação criada por Malinowski (MARCUSCHI, 2008). Esses estudos se

ampliaram e foram capazes, conforme Nichols (1984), de criar um campo de estudos

e de análises bastante amplos e que abordassem a língua, a linguagem, o sistema

linguístico e a contextualização do ato comunicativo de forma eficaz. Para tanto, ao

longo de anos de estudos, foram desenvolvidos alguns pressupostos teóricos e

32

alguns princípios linguísticos que regulam de uma ou de outra forma, os estudos e

as pesquisas de cunho funcionalista.

1.2. Linguística Funcional: alguns princípios e pressupostos

As teorias funcionalistas, embora bastante diversas, apresentam alguns

conceitos em comum, sendo o principal deles o de que a língua é um instrumento de

comunicação entre os indivíduos (NICHOLS, 1984; VAN VALIN JR., 2002, 2007;

BUTLER, 2003; CUNHA, COSTA & CEZARIO, 2015 et al.) Essa concepção se

difere, por exemplo, da visão de língua como apenas expressão do pensamento,

como algo contemplativo. Portanto, as análises funcionalistas primam pelo fato de

que a língua deve ser explicada a partir da comunicação efetiva, ou seja, da língua

em uso, considerando as funções informativas, intencionais, pragmáticas, sociais e

contextuais.

Desse modo, os estudos funcionalistas da linguagem percebem a língua

como suscetível às interferências realizadas em sua forma estrutural pelo usuário da

língua, não podendo a língua, portanto, ser totalmente autônoma (MARTELOTTA &

KENEDY, 2015). Reforça-se, então, que a linguagem não é autônoma, mas recebe

influências externas (os usos linguísticos dos sujeitos em diferentes contextos) no

sistema interno da língua (a gramática da língua). Essas influências podem ser

consideradas recíprocas, surgindo a partir da força que uma exerce sobre a outra, e

observam os diferentes usos linguísticos (BUTLER, 2003).

Os estudos de Dik (1986) e Butler (2003) expõem fatores essenciais

externos a língua e que exercem pressões sobre a estrutura de uma língua natural:

(i) a interação linguística motivada por necessidades geradas a partir da finalidade e

do objetivo do usuário da língua; (ii) o meio (fisiológico) pelo qual a linguagem é

transmitida; (iii) o contexto sociocultural; (iv) a soma dos fatores anteriores ao longo

do tempo. Esse último diz respeito ao processo diacrônico no qual as diferentes

utilizações linguísticas exercem motivações sobre os critérios de forma e função

(sintática e lexical), incorrendo na gramaticalização. Gramaticalização entendida

como “o processo pelo qual alguns itens lexicais originalmente perdem seu status

33

lexical ao longo do tempo e se tornam marcadores gramaticais, sob a pressão das

restrições funcionais” (BUTLER, 2003, p.14 – tradução nossa4).

Grande parte dos estudos funcionalistas recentes possui em comum

também a consideração da predominância dos aspectos pragmáticos exercidos

sobre os aspectos semânticos e sintáticos5. Ou ainda, conforme Dik (1997), a

pragmática possui prioridade sobre a semântica, que, por sua vez, possui prioridade

sobre a sintaxe. Essa concepção faz com que a descrição sintática das estruturas

linguísticas não seja um fim em si mesmo. Ela deve servir para poder explicitar como

o objetivo e a finalidade do usuário da língua influenciam essas estruturas de acordo

com seus diferentes contextos (CUNHA, COSTA & CEZARIO, 2015).

Segundo a hipótese funcionalista, a estrutura gramatical depende do uso que se faz da língua, ou seja, a estrutura é motivada pela situação comunicativa. Nesse sentido, a estrutura é uma variável dependente, pois os usos da língua, ao longo do tempo, é que dão forma ao sistema (CUNHA, COSTA & CEZARIO, 2015, p. 21).

Butler (2003) e Cunha, Costa & Cezario (2015) expõem ainda que, para os

estudos funcionalistas, há alguns princípios que favorecem o processamento

linguístico pelos usuários da língua. Butler (2003) explicita que o princípio da não-

arbitrariedade, comum a estes estudos, se distingue do princípio de padronização. A

padronização, por sua vez, pode ser de dois tipos: arbitrária ou icônica. A

padronização arbitrária diz respeito aos elementos sintáticos ou a regras que não

podem ser derivadas de propriedades semânticas e/ou discursivas, pressupondo um

uso sintático adequado à língua natural do falante (desse modo, embora ela seja em

parte arbitrária, está sujeita às pressões exercidas pelo uso linguístico) (BUTLER,

2003). Já a padronização icônica se refere ao grau de semelhança que se pode

encontrar entre a forma e o conteúdo de alguns termos ou expressões linguísticas (o

“pé da mesa”, o “braço da cadeira” etc.) (BUTLER, 2003). Ainda, a iconicidade pode

ser definida como “a correlação natural entre forma e função, entre o código

linguístico (expressão) e seu designatum (conteúdo)” (CUNHA, COSTA & CEZARIO,

4 “the process whereby some originally lexical items lose their lexical status over time, and become

grammatical markers, under the pressure of functional constraints” (BUTLER, p. 14, 2015). 5 Essa observação não engloba a abordagem multissistêmica de Castilho (2010; 2014), uma vez que, nessa

abordagem, a pragmática, a semântica, o léxico e sintaxe são vistos como sistemas nos quais não há a predominância hierárquica de um sistema sobre outro.

34

2015, p. 29,30). Esses princípios estão intimamente relacionados com as alterações

entre forma e função de elementos linguísticos.

Os funcionalistas, a partir da hipótese de que a língua expressa

propriedades conceituais contidas na mente humana acerca do mundo, acreditam

que, de certa forma, a estrutura da experiência do homem se reflete por meio da

estrutura linguística. Desse modo, a iconicidade perpassa as discussões acerca da

motivação existente entre as questões de expressão e conteúdo (CUNHA, COSTA &

CEZARIO, 2015).

Outro princípio funcionalista a ser destacado é o de marcação, o qual

estabelece critérios para distinguir as categorias marcadas (estrutura negativa, por

exemplo) das não marcadas (estruturas afirmativas). Essa distinção é possível por

meio da observação da complexidade estrutural, da distribuição da frequência e da

complexidade cognitiva. Faz-se necessário observar, portanto, que as categorias

marcadas apresentam maior complexidade estrutural e cognitiva e são menos

frequentes que a estrutura não marcada, a qual é menos complexa estrutural e

cognitivamente e mais frequente que a categoria marcada (CUNHA, COSTA &

CEZARIO, 2015).

A informatividade também faz parte dos pressupostos funcionalistas dos

estudos atuais, conforme apontamentos de CUNHA, Costa & Cezario (2015). A

informatividade diz respeito ao conteúdo compartilhado durante a interação e pode

ser evidenciada por meio dos conceitos de tema e rema. A informatividade atribuída

pelo falante ao seu texto se apresenta, sob um ponto de vista cognitivo, como sendo

um recurso comunicativo com a finalidade de informar o ouvinte sobre algo (do

mundo ou do interior do próprio falante) ou para exercer algum tipo de manipulação

no ouvinte.

Cabe, ainda, apresentar os pressupostos da gramaticalização e da

discursivização, sendo este último entendido como relacionado às estratégias

discursivas que o falante realiza para organizar seu texto de acordo com seu ouvinte

e com a situação comunicativa. Já a gramaticalização pode ser entendida em stricto

senso (quando analisa a mudança que atinge as formas lexicais que passam a fazer

35

parte da gramática) e também em lato senso (quando busca explicar as mudanças

que ocorrem internamente à gramática) (CUNHA, COSTA & CEZARIO, 2015).

Esses conceitos, princípios e pressupostos funcionalistas são convergentes

em todas as teorias funcionalistas da atualidade (CUNHA, COSTA & CEZARIO,

2015; BUTLER, 2003). No entanto, a forma como cada perspectiva teórica do

funcionalismo se apropria desses conhecimentos, os utiliza e também acrescem

novos conceitos que lhes são próprios, pode variar. Ainda, nos estudos

funcionalistas, as perspectivas teóricas podem ser classificadas em diferentes

funcionalismos – umas mais revolucionárias (no sentido da renovação e criação de

padrões), algumas mais reacionárias (do ponto de vista de uma perspectiva que se

mantém ainda bastante próxima dos estudos linguísticos formalistas tradicionais) e

outras que se situam entre esses dois extremos (BUTLER, 2003). Isso posto,

destaca-se que o conceito funcionalista adotado neste trabalho consiste nos

modelos moderados.

Este trabalho se filia a algumas linhas funcionalistas de modo a investigar a

forma como a estrutura gramatical pode ser motivada por critérios semânticos (e vice

e versa) e pragmáticos, e analisar a relação entre estrutura, forma e função na

linguagem.

Essas linhas teóricas serão apresentadas sucintamente. Tratam-se da

Gramática Sistêmico-Funcional de Michael A. K. Halliday, da Gramática Funcional

de Simon C. Dik, e da Rethorical Structure Theory do grupo norte-americano, com

grande representação nos estudos de Bill Mann, Sandra Thompson e Christian

Matthiessen.

1.3. A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday

Neves (2004) explica que o funcionalismo proposto por Halliday é baseado

na teoria de John Firth (da escola de Londres), tendo como base o contextualismo

desenvolvido por Malinowski. Para além dessa orientação, a autora destaca que

Halliday também se filia ao funcionalismo da Escola de Praga.

36

Conforme Trask (2011), Halliday foi aluno do linguista britânico John R. Firth

em Londres. Firth iniciou o que seriam as bases de um estudo linguístico que se

dizia social, sendo, portanto, bastante inovadora. Mas foi Michael Halliday quem

desenvolveu de modo amplo os conceitos propostos por Firth, iniciando, na década

de sessenta (1960), uma abordagem teórica intitulada pelo próprio Halliday como

Scale-and-Categories Grammar (Gramática de Escalas e Categorias). A evolução

desses estudos proporcionou ao Halliday a instauração de uma teoria linguística de

base Funcionalista que passou a ser denominada, posteriormente, de Sistemics

Linguists (Linguística Sistêmica – LS) (TRASK, 2011).

[...] a LS procura explicitamente combinar, numa única descrição integrada, as informações mais estritamente estruturais com fatores abertamente sociais. Como outras concepções funcionalistas, a LS se interessa a fundo pelos propósitos do uso linguístico (TRASK, 2011, p. 184 – negrito no original).

Interessante destacar que o pensamento sistêmico foi um método herdado

da área da filosofia, bastante forte nos estudos científicos do século XX

(VASCONCELOS, 2002). Acredita-se que possa vir daí a influência do termo

“sistêmico” nos estudos Linguísticos de Halliday, considerando sua

contemporaneidade ao movimento. Outro fator a se considerar para essa possível

influência terminológica e científica reside na consideração de ser esse pensamento

sistêmico-filosófico uma forma de estudos científicos que integraliza partes do objeto

analisado, contextualizando-os e integrando suas partes de forma a não observar

um elemento de modo isolado, mas em sua interação com os outros elementos que

compõem o objeto de estudo (VASCONCELOS, 2002). Ao analisar a língua de

forma sistêmica, é isso que Halliday faz. Ele observa a estrutura linguística e a

interação que ela realiza com os outros elementos dessa estrutura linguística, assim

como com os elementos contextuais dessa estrutura. Outra fundamentação cabível

para essa consideração acerca do pensamento epistêmico consta em Neves (1997).

Sistema é utilizado no termo firthiano de paradigma funcional, mas é desenvolvido no construto formal de uma rede sistêmica, o que configura uma teoria da língua enquanto escolha. À interpretação funcionalista da linguística se acopla uma descrição sistêmica, na qual a gramática toma a forma de uma série de estruturas sistêmicas, cada estrutura representando as escolhas associadas com um tipo de constituinte (HALLIDAY, 1967 apud NEVES, 1997, p. 59 – grifo nosso).

37

Esses constituintes se distribuem em diferentes processos gramaticais

(transitividade, modo e tema) e em diferentes eixos – sintagmáticos e

paradigmáticos. Em seus estudos sistêmicos, Halliday (2014) explana que a

linguagem é sintagmática em sua estrutura e paradigmática em seu sistema. Ele

afirma que “qualquer conjunto de alternativas, juntamente com a sua condição de

entrada, constitui um sistema no sentido técnico” (HALLIDAY, 2014, p. 22 –

tradução nossa6 - negrito no original). Uma vez que o sistema da linguagem atua no

eixo paradigmático, ou seja, no eixo da escolha, de forma a se mostrar no eixo

sintagmático que constitui a estrutura da língua, observa-se que a estrutura

linguística reflete o sistema interno da linguagem. O sistema da língua, portanto, é

como se fosse o responsável pelas ocorrências estruturais, de acordo com a

formulação linguística utilizada pelo falante.

Desse modo, ressalta-se que “a consideração do sistêmico implica a

consideração de escolhas entre os termos do paradigma, sob a ideia de que escolha

produz significado” (NEVES, 1997, p. 60). Tal escolha pode ser consciente ou

inconsciente, sendo o sistema da língua o mecanismo que relaciona as seleções

que se realizam nesse eixo. Com isso, a escolha feita pelo falante pode variar “de

uma escolha completamente subconsciente até a plena e explícita escolha

consciente” (NEVES, 1997, p. 60). Essas escolhas vão aparecer estruturalmente

organizadas e unificadas no texto produzido pelo falante.

Halliday (2014) salienta que os elementos linguísticos se relacionam de

modo a constituir uma gramática da língua. Desse modo, quando a linguagem é

colocada em uso por um indivíduo, ela irá apresentar as experiências e os

conhecimentos desse indivíduo por meio das cláusulas (simples ou complexas) que

resultam em textos. Esses elementos, portanto podem ser configurados

linguisticamente por meio de padrões complexos e de sequências que se

relacionarão de diferentes maneiras (tempo, causalidade, possibilidades etc.).

Essa configuração linguística apresenta sempre uma diversidade de

significados que resulta em diferentes funções. Nesse sentido, há também de se

considerar o fato de que “as diferentes redes sistêmicas codificam diferentes

6 Any set of alternatives, together with its condition of entry, constitutes a system in this technical

sense (HALLIDAY, 2014, p. 22).

38

espécies de significado, ligando-se, pois, às diferentes funções da linguagem”

(NEVES, 1997, p. 60).

Tendo em vista, então, os diferentes sistemas gramaticais e as possíveis

funções que podem exercer, Halliday (2014) atribui aos processos linguísticos o que

ele denomina de metafunções. O termo metafunções visa, ao mesmo tempo, propor

uma definição para um termo utilizado em seus estudos e distinguir entre o conceito

comum acerca do termo função (qual seja, significar simplesmente uma finalidade

ou uma forma de usar a língua) e o sentido que o linguista pretende atribuir-lhe.

Destaca-se ainda que o termo “metafunção” foi adotado para sugerir que a função é

um componente integrado dentro da teoria geral (HALLIDAY, 2014).

De acordo com Neves (1997), as metafunções da teoria de Halliday surgem

a partir dos usos funcionais dos sistemas da língua e possibilitam à realização dos

dois principais propósitos do uso da linguagem, quais sejam: (i) entender e

representar o mundo; e (ii) influir sobre os outros usuários da língua. São três

metafunções: a ideacional, a interpessoal e a textual.

A metafunção ideacional se volta para os recursos gramaticais que são

acionados para interpretar nossa experiência acerca do mundo (exterior e interior do

sujeito). A metafunção interpessoal se ocupa da interação entre falante e ouvinte e

em como os recursos gramaticais podem atuar na interação (HALLIDAY, 1997). Já a

metafunção textual, por sua vez, está relacionada com a criação do texto e com a

apresentação dos significados ideacionais e interpessoais. Essa metafunção

possibilita vislumbrar como as informações podem ser compartilhadas entre falante e

ouvinte, de acordo com o contexto (HALLIDAY, 1997).

Dessa forma, os dois objetivos do uso linguístico (entender e representar o

mundo e influir sobre os outros usuários da língua) criam significados por meio da

gramática da língua e se relacionam com as metafunções ideacional e interpessoal,

respectivamente (HALLIDAY, 1997; NEVES, 1997), sendo a metafunção textual que

torna efetiva as duas metafunções anteriores (NEVES, 1997). Em outros termos, é o

texto que viabiliza a interação, a compreensão e a representação das coisas.

39

Ao definir o conceito das metafunções, Halliday (2004, 2014) esclarece que

elas ocorrem em simultaneidade entre si e com os processos gramaticais, efetivando

o sistema e a estrutura da língua.

A gramática é representada sistemicamente, e mostra-se por duas redes distintas de sistemas [...]. Isso significa que: (1) cada mensagem é tanto sobre algo quanto a se dirigir a alguém, e (2) estes dois significados podem ser combinados livremente - de um modo geral, eles não limitam uns aos outros. Mas a gramática também se mostra por um terceiro componente, outro modo de significado que diz respeito à construção de texto. Em certo sentido, isso pode ser considerado como uma função que permite e/ou facilita a ocorrência das outras funções - interpretando experiências e articulando relações interpessoais, as quais dependem do tipo de influência que recebem do contexto, da linguagem e de outros sistemas semióticos para construir sequências de discurso, organizando o fluxo discursivo, criando a coesão e dando continuidade por meio da forma como ele se desenvolve. Isso, também é apresentado como um motivo claramente delineado dentro da gramática. Nós o chamamos de metafunção textual (HALLIDAY, 2014, p. 30-31 - tradução nossa7 - negrito no original).

Relevante ainda ressaltar a importância do texto na teoria Sistêmico-

Funcional de Halliday. Para o linguista, é no texto que se encontra o objeto de

análise da linguagem, pois é ali que a linguagem se mostra.

Quando as pessoas escrevem ou falam, elas estão produzindo textos, e é no texto que falantes e ouvintes se relacionam e se interpretam. O termo "texto" refere-se a qualquer instância da língua, em qualquer meio, que faz sentido para alguém que conhece a língua. Podemos caracterizar o texto como o funcionamento da linguagem em contexto (HALLIDAY, 2017, p. 03 – tradução nossa8).

Nas observações e análises realizadas no próprio texto é que se torna

possível a depreensão dos diferentes processos, sistemas e estruturas da

linguagem (HALLIDAY, 2004, 2014). Neves (1997) destaca dois pontos básicos para

7 the grammar is represented systemically, it shows up as two distinct networks of systems [...]. What

it signifies is that (1) every message is both about something and addressing someone, and (2) these two motifs can be freely combined – by and large, they do not constrain each other. But the gramar also shows up a third component, another mode of meaning that relates to the construction of text. In a sense this can be regarded as an enabling or facilitating function, since both the others – construing experience and enacting interpersonal relations – depend on being able Context, language and other semiotic systems to build up sequences of discourse, organizing the discursive flow, and creating cohesion and continuity as it moves along. This, too, appears as a clearly delineated motif within the grammar. We call it the textual metafunction (HALLIDAY, 2014, p. 30,31 – negrito no original). 8 When people speak or write, they produce text; and text is what listeners and readers engage with

and interpret. The term ‘text’ refers to any instance of language, in any medium, that makes sense to someone who knows the language; we can characterize text as language functioning in contexto (HALLIDAY, 2014, p. 03).

40

uma análise funcionalista que considere cada elemento como funcional em relação

ao todo: (i) a unidade de funcionamento é o texto; (ii) seus elementos são

multifuncionais.

Assim, na perspectiva da Gramática Sistêmico-Funcional é possível a

observação das estruturas menores, como as orações, até uma produção discursiva

maior. Isso de modo a investigar a funcionalidade dos elementos da língua em seu

sistema interno de funcionamento (a própria gramática da língua) e em seu

funcionamento externo (interação verbal). Neves (1997) sintetiza a organização do

texto, de acordo com a teoria sistêmica, da seguinte maneira:

Quadro 01: resumo dos subsistemas de organização do texto.

FUNÇÃO ORGANIZAÇÃO SISTEMA

Ideacional Dos significados Coesão

Interpessoal Da interação Relações humanas

Textual Da informação Estruturação da informação

(dado/novo, foco).

[Fonte: Neves (1997, p. 72)]

Percebe-se que o texto estrutura a informação de acordo com os

significados pretendidos, levando em consideração a interação entre os sujeitos.

Tendo em vista esses conceitos, salienta-se que o contexto se torna essencial para

todo esse processo.

Halliday (2014) diz que “não pudemos explicar por que um texto significa o

que ele significa, mesmo com todas as várias leituras e os valores que podem ser

atribuídos a ele, a não ser relacionando-o ao sistema linguístico como um todo”

(HALLIDAY, 2014, p. 03 – tradução nossa9). É justamente isso que as metafunções

fazem: relacionam o texto e o sistema linguístico. Do mesmo modo, Halliday &

Matthiessen (1999) explicam que a estrutura do texto é projetada em conformidade

com o contexto. Como exemplo, eles citam uma receita – é o contexto que diz

respeito à produção textual de uma receita e que determina como o texto será

estruturado. Seria possível de se pensar, por exemplo, em um contexto que exija o

9 we cannot explain why a text means what it does, with all the various readings and values that may

be given to it, except by relating it to the linguistic system as a whole (HALLIDAY, 2014, p. 03).

41

repasse de uma informação sobre as instruções a serem executadas acerca de algo,

ou se, contextualmente, houvesse a necessidade da narrativa de um acontecimento.

Em suma, o texto será organizado e estruturado consoante seu contexto de

comunicação, tendo em vista os objetivos da comunicação (já citados) quais sejam:

(i) entender e representar o mundo; e (ii) influir sobre os outros usuários da língua

(HALLIDAY, 2014; HALLIDAY & MATHIESSEM, 1999).

Assim, destaca-se, acerca da teoria sistêmica de Halliday, que “verifica-se,

afinal, que Halliday apresenta um modelo altamente elaborado, no qual diversas

noções se sustentam mutuamente” (NEVES, 1997, p. 75). Acrescenta-se ainda a

observação de que não houve a pretensão de exaurir tal teoria, dada sua

complexidade e extensão. Esclarece-se, portanto, que ainda há outros conceitos que

aqui não foram abordados.

1.4. A Gramática Funcional de Dik

Simon C. Dik, linguista holandês, formou-se e desenvolveu seus estudos

linguísticos na Universidade de Amsterdã durante a segunda metade do século XX e

é considerado um dos grandes nomes da Linguística Funcional, ao lado de Michael

Halliday. Seus estudos de base funcionalista surgiram motivados pelos estudos

formalistas. Em 1978, após anos desenvolvendo análises linguísticas, juntamente

com outros estudiosos, no centro de ciências linguísticas de Amsterdã, Dik lançou

sua teoria da Functional Grammar, ou, Gramática Funcional (doravante, GF). Nessa

teoria o linguista apresenta uma combinação dos estudos descritivos formais e

funcionalistas da estrutura da frase, na qual concebe a linguagem como ferramenta

de comunicação (KOIIJ, 2001).

Em meados da década de 1970, Dik e seus seguidores criaram um modelo

de sintaxe funcional que possibilita a análise da oração em três funções distintas:

sintática, semântica e pragmática (CUNHA, 2012). Essas funções, assim

distribuídas, dizem também respeito ao papel semântico dos elementos. Papel

semântico pode ser entendido como a interpretação semântica dada a um

constituinte da oração. Um exemplo bastante útil acerca disso é exposto por Cunha

(2012) por meio da oração “João chegou cedo”.

42

“João” desempenha a função sintática de sujeito, a função semântica de agente e a função pragmática de tema. Primeiro as funções semânticas são associadas com os predicados no léxico (por exemplo, agente + “chegar”), e o núcleo de uma sentença (no nosso exemplo, “João chegou”) pode ser ampliado por satélites (“cedo”, nesse caso). As funções sintáticas estão relacionadas aos seus elementos e, por último, às funções pragmáticas (CUNHA, 2012, p.

162).

Percebe-se que a linguística deve ser capaz de abordar as regras

semânticas e sintáticas de um lado, e as regras pragmáticas de outro. Ainda, para

Dik (1989), a linguagem possui telos10, ou seja, ele concebe a linguagem como

teleológica11, sendo que o telos de uma linguística funcionalista deve residir na

verificação dos processos relacionados ao sucesso comunicativo entre os falantes

(CUNHA, 2012).

Sobre a GF desenvolvida por Dik nas últimas décadas do século XX, pode-

se dizer, de modo amplo, que é uma teoria geral da organização gramatical das

línguas naturais (MACKENZIE, 1993). Nesse sentido, também Neves (1994) declara

que a “Gramática funcional é uma teoria geral da organização gramatical de línguas

naturais que procura integrar-se em uma teoria global de interação social” (NEVES,

1994, p. 112).

A gramática funcional considera, afinal, a competência comunicativa, isto é, a capacidade que os indivíduos têm não apenas de codificar e decodificar expressões, mas também de usar e interpretar essas expressões de uma maneira internacionalmente satisfatória. Como a Escola de Praga, a gramática funcional tem sempre em consideração o uso das expressões linguísticas na interação verbal, o que pressupõe uma certa pragmatização do componente sintático-semântico do modelo linguístico (NEVES, 1994, p. 113).

Para dar conta das análises no âmbito da codificação e da decodificação de

expressões e de aspectos pragmáticos da língua, a GF coloca em análise, além do

sistema linguístico propriamente dito, a competência comunicativa do usuário da

língua natural (MACKENZIE, 1993). A partir das produções linguísticas desse

usuário (que pode levar em consideração percepções do mundo natural no momento

da elaboração da sua fala ou levar em consideração suas crenças e convicções),

surgiu então a possibilidade de verificar essas produções em diferentes camadas.

10

Palavra de origem grega que significa finalidade. 11

Concepção pertencente ao campo teleologia (estudos filosóficos que se pautam nos conceitos de causa e finalidade). Conceber a linguagem como teleológica é concebê-la como tendo uma causa e uma finalidade.

43

Neves (1997) ainda ressalta que “o que se propõe, afinal, é que a teoria da

gramática constitui um subcomponente integrado da teoria do ‘usuário da língua’”

(NEVES, 1997, p. 78).

Assim, presume-se que muito do nosso conhecimento, especificamente a parte que não é perceptual na natureza, é codificado na forma de representações das proposições na GF, ou seja, em três níveis de entidades. Uma vantagem imediata desta concepção, que é reconhecida por ser polêmica, é que as ligações entre expressões linguísticas e as estruturas de conhecimento com o qual eles são correlacionados em seguida podem ser estabelecidas de forma particularmente direta. Da mesma forma, argumenta-se que operações lógicas podem ser facilmente realizadas em representações proposicionais. Isto ofereceria uma conexão imediata entre processos de raciocínio e suas repercussões linguísticas (MACKENZIE, 1993, p. 11 – tradução nossa12).

Um dos aspectos mais relevantes da GF é a teoria dos níveis estruturais das

unidades linguísticas que permite analisar a relação entre as camadas linguísticas e

as estruturas do conhecimento do falante, ou ainda, do usuário da língua natural

(PEZATTI & DALL’AGLIO-HATTNHER et al, 2003).

Acerca da capacidade linguística dos usuários da língua, cabe destacar

algumas competências essenciais que envolvem a comunicação linguística. Vistas

as faculdades do falante que se encontram subjacentes à formulação linguística que

resulta em textos/discursos, Dik (1989) destaca cinco capacidades que o usuário de

uma língua natural utiliza para estabelecer o processo comunicativo. Quais sejam: (i)

a capacidade linguística; (ii) a capacidade epistêmica; (iii) a capacidade lógica; (iv) a

capacidade perceptual; (v) a capacidade social.

A capacidade linguística diz respeito à competência do Usuário da Língua

Natural (doravante ULN) em produzir e interpretar expressões variadas e complexas

em diferentes situações comunicativas. A capacidade epistêmica está relacionada

com o conhecimento partilhado do falante, o qual o habilita a adquirir esse

conhecimento por meio da linguagem, e, do mesmo modo, compartilhá-lo por meio

12

Thus it is assumed that much of our knowledge, specifically that part which is not perceptual in nature, is coded in the form of FG representations of propositions, i.e. level-3 entities. One immediate advantage of this assumption, which is recognized to be controversial, is that the links between linguistic expressions and the knowledge structures with which they are correlated may then be established in a particularly direct fashion. Similarly, it is argued that logical operations can be readily carried out on propositional representations; this would offer an immediate connection between reasoning processes and their linguistic repercussions (MACKENZIE, 1993, p. 11).

44

de novas formulações linguísticas. A capacidade lógica envolve a aptidão que o ULN

possui de atribuir novos esclarecimentos as informações que recebe por meio dos

princípios lógicos – dedutivos ou probabilísticos. A capacidade perceptual

assemelha-se à capacidade lógica, no sentido de o ULN ser capaz de construir

novos conhecimentos a partir dos conhecimentos aos quais têm acesso. Na

capacidade lógica, esse acesso é possibilitado por meio dos construtos linguísticos,

ao passo que na capacidade perceptual, esse acesso é possível por meio dos novos

conceitos obtidos por intermédio não apenas do conteúdo linguístico, mas também

do espaço físico no qual se encontra o falante e o ouvinte. E, por fim, a capacidade

social, que permite ao ULN realizar um uso linguístico adequado ao contexto

comunicativo que o auxilia na obtenção do objetivo que lhe motivou a iniciar a

comunicação.

A capacidade social remonta a um dos princípios básicos da interação

verbal de acordo com a Linguística Funcional, que é, conforme Dik (1989): tornar

possível que o falante altere as informações pragmáticas em seu ouvinte. Desse

modo, ao falar algo, o ULN sempre estará alterando algum tipo de informação em

seu ouvinte, uma vez que as capacidades epistêmica, lógica e perceptual visam

esse tipo de alteração por meio da associação das informações transmitidas pelo

conteúdo verbal pronunciado pelo falante sobre informações compartilhadas entre

falante e ouvinte. Essas capacidades são materializadas nas orações, sendo as

orações, portanto, a unidade básica de análise da GF.

Em Dik, a descrição de uma expressão linguística começa com a construção de uma predicação subjacente, que é, então, projetada na forma de uma expressão por meio de regras que determinam a forma e a ordem em que os constituintes da predicação subjacente são realizados. A predicação subjacente é basicamente formada por meio da inserção de “termos” (isto é, expressões que podem ser usadas para referir-se a unidades em um dado mundo) em “estruturas de predicado” (esquemas que especificam juntamente com um esqueleto das estruturas nas quais ele pode aparecer) (NEVES, 1997, p. 83).

É importante neste momento relembrar o exemplo citado anteriormente de

“João chegou cedo”, no qual o termo “João” exerce as funções sintática, semântica e

pragmática (sujeito, agente e tema, respectivamente). Para além das funções

sintáticas do termo ou da expansão da oração por meio dos satélites (“cedo”) que se

agregam ao núcleo oracional (João chegou), há alguns constituintes subjacentes a

45

essa construção linguística que a projetaram. Ainda, o ULN utiliza informações que

lhe são subjetivas para materializar sua percepção sobre algo do/no mundo,

adequando sua fala tanto pragmática quanto psicologicamente (NEVES, 1997).

Dik (1989, 1997) explica que as questões pragmáticas de análise da língua

devem observar o fato de a língua ser utilizada tanto para propósitos comunicativos

quanto para a interação verbal. As questões psicológicas-cognitivas de análise

linguística de um ULN, mencionadas no final do parágrafo anterior, dizem respeito

aos processos mentais envolvidos na interpretação e na produção de expressões

linguísticas. Dessa forma, no intento de uma análise que objetive descrever e

explicar uma língua natural de forma satisfatória, Dik cria o que denomina de modelo

de interação verbal (DIK, 1997, p. 410). O modelo de interação verbal considera não

apenas o conteúdo linguístico, mas o conhecimento, a intenção e a interpretação

dos fatos da língua que ocorrem no momento da interação (DIK, 1997). Nesse

modelo, a finalidade principal da interação é a alteração do conteúdo pragmático do

ouvinte, quais sejam suas crenças, opiniões etc. (essa finalidade está atrelada à

capacidade social do ULN, como supracitado). O conteúdo pragmático, nesse caso,

refere-se especificamente a três tipos de informações que falante e ouvinte

possuem: a informação geral (diz respeito ao conhecimento do mundo e suas

características naturais e culturais – assim como de mundo possíveis também), a

informação situacional (informações adquiridas por meio da situação experienciada)

e a informação contextual (as informações advindas das expressões linguísticas)

(DIK, 1997).

Esquema 01: Modelo de interação de Dik (1997, p. 410).

46

Tendo em vista a esquematização desse modelo, destaca-se que em um

evento comunicativo, quando o falante inicia uma fala, ele o faz tendo como base

suas informações pragmáticas e suas intenções, de modo a tentar antecipar – com

base no conhecimento pragmático que ele acredita que seu ouvinte já possui – as

prováveis reações e interpretações possíveis de seu ouvinte. Do mesmo modo, o

ouvinte, ao receber a mensagem, a reconstrói de acordo com seu conhecimento

pragmático. Esse processo de antecipação e reconstrução é mediado pelo

conhecimento de ambos os envolvidos na comunicação e verbalizado por intermédio

de expressões linguísticas no momento da interação.

Dik (1997) distingue dois tipos de conhecimento em seu modelo de interação

verbal: (i) o conhecimento que o falante e o ouvinte possuem antes de iniciarem um

evento comunicativo; (ii) o conhecimento que deriva do contexto imediato do evento

comunicativo. O primeiro diz respeito a um conhecimento mais amplo e se diferencia

entre conhecimento linguístico e conhecimento enciclopédico, o segundo trata de um

conhecimento mais restrito que envolve os conhecimentos situacional e textual (DIK,

1997).

Acerca do conhecimento linguístico, o autor esclarece que este se refere aos

conhecimentos que o ULN possui acerca do léxico e do sistema gramatical da

língua, assim como das regras e convenções sociais para uso da língua. Já acerca

do conhecimento enciclopédico, ou “não-linguístico”, Dik (1997) explica que se trata

de conhecimentos referenciais (sobre entidades do mundo real – coisas, pessoas

etc.), episódicos (ações, estados processos etc. que envolvem as entidades) e

gerais (leis e regras acerca de acontecimentos possíveis em um mundo real ou

imaginável, que envolvem os acontecimentos retratados acerca das entidades e dos

episódios).

Sobre o conhecimento situacional, Dik (1997) explana que este é decorrente

do que pode ser percebido e/ou inferido a partir do evento comunicativo, incluindo

questões dêiticas, espaciais etc. O conhecimento textual é aquele que surge do

conteúdo verbal resultante do conhecimento mais amplo do falante (linguístico e não

linguístico) que é trazido para a situação comunicativa. Em outras palavras, seria

possível apreender o conhecimento textual e o conhecimento que a interação pode

47

proporcionar, por meio da interpretação realizada pelos participantes do evento

comunicativo acerca do conteúdo verbalizado.

Pensando, então, nos tipos informações e conhecimentos apresentados,

destaca-se que eles se relacionam de diferentes formas, atribuindo, aos elementos

que compõem as expressões linguísticas e diferentes funções, como visto no caso

de “João chegou cedo”. As funções dos elementos das expressões linguísticas,

portanto, relacionam-se mais intimamente com o conhecimento linguístico do falante

e são apresentadas por Dik (1989) como função semântica (exercida, representada

pelas entidades), função sintática (exercida, representada pelos episódios) e função

pragmática (o conteúdo informacional de um elemento considerado em um contexto

mais amplo que o do evento comunicativo). Isso posto, ressalta-se que “as

expressões linguísticas devem ser pensadas não como objetos isolados, mas como

instrumentos que são utilizados pelo falante para evocar no ouvinte a interpretação

que deseja” (NEVES, 1997, p. 81).

Isso incorre também nas diferentes composições de Estados de Coisas,

(doravante, EsCo). Por exemplo, em “João chegou cedo à escola” há um EsCo de

processo. Caso o evento fosse descrito por uma expressão do tipo “João está

gripado”, seria um EsCo do tipo que representa um estado, entre outras possíveis

composições de EsCo. Acrescenta-se que há também diferentes parâmetros

semânticos que se mostram nos EsCo, como ser mais ou menos dinâmico, mais ou

menos momentâneo etc. (DIK, 1989).

Lyons (1997), com base nos estudos da filosofia analítica e da semântica

formal, apresenta uma proposta de estudo acerca dos tipos de entidades dos EsCo.

Para o autor, os eventos podem ser descritos por proposições ou expressões

linguísticas que contenham predicados. O predicado é composto por entidades

materiais – que são representados pelo léxico de uma língua natural. Assim, para

Lyons (1977), as expressões linguísticas e as proposições, assim como o léxico,

possuem forma e significado que são determinados gramaticalmente. Daí o fato de o

significado de uma proposição ou expressão linguística não ser determinado apenas

pelo significado das palavras que as compõem, mas também por sua estrutura

gramatical. Isso explica, por exemplo, como uma mesma sequência de palavras

pode significar diferente quando ao invés de declarar, faz-se uma pergunta (“João

48

chegou cedo”, “João chegou cedo?”). Com isso, Lyons (1977, 1997) realiza uma

distinção ontológica dos seres e coisas do mundo real e na forma como o sujeito as

percebe e classifica-as em primeira, segunda e terceira ordem. As entidades de

primeira ordem são representadas lexicalmente com correspondência referencial

(pessoas, animais, coisas). Elas não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo

no mundo real e podem ser qualificadas, adjetivadas (é composta por uma

“predicação central” que engloba entidade e predicado). As entidades de segunda

ordem apresentam eventos, processos etc. e podem ocorrer simultaneamente (como

chover e fazer sol ao mesmo tempo) apresentando um fato possível de acontecer

enquanto evento no mundo real (Estado de Coisas), sem passar pelas crenças e

avaliações do falante. Em suma, as entidades de primeira ordem existem, as de

segunda “ocorrem – acontecem” e é possível observá-las em termos de serem, ou

não, reais. Já as entidades de terceira ordem referem-se às proposições (fatos

possíveis). As proposições, no entanto, não são questionadas em termos de sua

realidade, mas em serem verdadeiras ou falsas, possíveis ou não. Elas possuem

razões e não causas físicas - podem ser afirmadas ou negadas e apresentam

atitudes proposicionais do falante, como crenças, expectativas etc.

Mackenzie (1993) destaca a importância que reside no conceito de Estados

de Coisas (EsCo) para a GF. Um EsCo trata-se de “algo que pode ocorrer em algum

mundo (real ou mental)” (NEVES, 1997, p. 84). Assim, na predicação exemplificada,

assume-se a existência de um mundo em que um ser humano chamado “João”

localiza-se em um tempo passado e realiza uma ação nesse mundo (chegou) em um

determinado momento (cedo). É possível, ainda, acrescentar entidades a predicação

“João chegou cedo”, acrescendo ao EsCo anterior uma localização “João chegou

cedo na escola”. Neves (1997) ressalta que uma predicação pode ser uma

especificação de um EsCo anterior, como em “A professora viu que João chegou

cedo na escola” – marcado pelo tempo verbal. Nesse caso, trata-se também de uma

predicação encaixada, ressaltando que a predicação encaixada difere-se de uma

proposição encaixada. Na predicação encaixada o que é dito refere-se a um

acontecimento em um mundo possível (uma ocorrência em um EsCo), já na

proposição encaixada há um estatuto semântico diferenciado em que o que está

sendo dito não apresenta uma ocorrência no mundo, mas uma interpretação do

falante sobre determinada ocorrência. Nesse sentido, uma proposição é uma

49

predicação construída em uma camada superior, a proposição seria construída por

meio de uma predicação que foi apresentada pelo falante como sendo seu conteúdo

verdadeiro ou falso, lembrado, negado, aceito, duvidoso, refletido etc. (NEVES,

1997). Assim, em “João chegou cedo à escola” e em “A professora viu que João

chegou cedo à escola” há uma predicação simples e uma predicação encaixada,

respectivamente. Ao passo que, em “João chegou cedo à escola porque gosta de

chegar primeiro” há uma proposição realizada pelo falante.

Salienta-se, então, o fato de que um EsCo se trata de um evento que ocorre

em um mundo possível, e a proposição é um construto do falante que expressa seu

entendimento subjetivo acerca de algo. Assim, são nas proposições que tendem a

ocorrer as modalizações – como é possível observar, respectivamente, em “Eu acho

que está chovendo” e “Está chovendo”. Neves (1997) apresenta ainda o conceito de

que, quando a proposição é revestida de força ilocucionária, ela constitui-se como

uma cláusula, que corresponde a um ato de fala (declarativo, assertivo, diretivo etc.).

O conceito de força ilocucionária advém da Teoria dos Atos de Fala – teoria

que surgiu nos estudos filosóficos do meio do século XX sobre a linguagem e teve

como precursor o filósofo britânico John L. Austin Foi também desenvolvida pelo

filósofo norte-americano John Searle. De acordo com essa teoria, a ação de dizer

envolve três atos simultâneos: (i) ato locutório (situado no nível fonético, sintático e

de referência – usado para dizer algo); (ii) ato ilocutório (este é o ato central, que

possui a força performativa – corresponde ao modo como se diz algo e como esse

algo dito é recebido pelo outro de acordo com a força que foi proferida); (iii) ato

perlocutório (equivale aos possíveis resultados obtidos sobre o outro por meio da

linguagem, objetivando ações e atitudes em relação ao ouvinte, como influenciar

pessoas, persuadir, constranger etc.). O que diferencia um ato do outro é a força

ilocutória (ou locucional) – é essa força que faz uma ordem ser uma ordem e não um

pedido, por exemplo (WILSON, 2012). No quadro dois (02) é possível ter uma

perspectiva resumida dos níveis apresentados pela GF.

50

Quadro 02: Os níveis estruturais das unidades linguísticas, conforme modelo de Dik (1989) UNIDADE

ESTRUTURAL TIPO DE ENTIDADE ORDEM EXEMPLOS

Cláusula Ato de fala 4 João chega cedo à escola

Ato de fala declarativo

Proposição Fato possível 3 A professora viu que João chegou cedo à escola

Fato possível de se acreditar

Predicação Estado de coisas 2 João chegou cedo à escola

Fato possível de acontecer

Termo Entidade 1 João, cedo, escola.

Predicado Propriedade/relação

Chegar

[Fonte: adaptação do quadro organizado por Neves (2004, p. 88)].

Para a GF, esses níveis subjacentes às expressões linguísticas são

considerados não ordenados. Desse modo, surgem aparentes regras que tornam

possíveis certos ordenamentos sintáticos dos elementos das expressões (entidades

e predicados), constituindo, assim, as expressões linguísticas (PEZATTI &

DALL’AGLIO-HATTNHER et al, 2003). Tais ordenamentos sintáticos possibilitam a

inserção de conteúdos que podem ser tópicos ou focos.

De forma bastante resumida, o tópico, para a GF, diz respeito a uma função

pragmática que especifica o estatuto informacional dos elementos da oração. Assim,

verifica-se nessa teoria o conceito de Tópico e Foco como modos funcionais de

colocar em evidência as “coisas sobre as quais se fala” e o conteúdo que o falante

deseja salientar sobre constituintes que não são tópicos, respectivamente. Todavia,

por serem funções subjacentes e fora da materialidade oracional (antes que a

oração seja materializada), essas funções podem apresentar certa sobreposição,

fazendo com que haja ocorrências em que o Tópico possa ser simultaneamente

Foco. Também, por serem essas funções constituídas por uma estrutura subjacente

que se materializa na linearidade da oração, acrescenta-se a elas uma dimensão

discursiva (NEVES, 1997).

Destaca-se ainda, ponderando que a GF é uma teoria que leva em

consideração a interação verbal, que a distribuição dos constituintes nas frases,

observando suas posições e sua função (Tópico - Foco), possui papel bastante

relevante. Tais critérios visam, de modo geral, o monitoramento da interação, a

possibilidade de se realizar comentários sobre o conteúdo da própria oração e a

organização do conteúdo verbal que o falante pretende expressar dentro de

determinado contexto (NEVES, 1997).

51

Finaliza-se, salientando que a GF é uma teoria que proporciona um modelo

de análise no qual é possível de se reconhecer os usos linguísticos e a atuação do

usuário de uma língua natural nesse processo. Reconhece-se também que a

abordagem em níveis e camadas permite uma verificação mais aprofundada da

organização linguística realizada pelo falante. Tais conceitos, portanto, nas palavras

de Pezatti & Dall’Aglio-Hattnher et al (2003, on line) “estão fortemente

comprometidos com razões de ordem pragmática que respeitam o exercício da

função interpessoal”.

1.5. A Rhetorical Structure Theory e as relações de coerência

A Rhetorical Structure Theory (RST) teve início com um grupo de

investigadores da Universidade da Califórnia, mais precisamente no Instituto de

Ciências da Informação (Information Sciences Institute) dessa universidade. Os

estudos foram iniciados na década de 1980 e investigavam possíveis formas de criar

programas de geração automática de textos. Alguns membros da equipe notaram a

inexistência de uma teoria de base estrutural ou funcional que apresentasse uma

descrição eficaz e suficientemente detalhada capaz de fornecer um respaldo

satisfatório para a realização de programações em softwares de geração automática

de textos (MANN & TABOADA, 2005-2016). Assim, a RST desenvolveu-se a partir

dos estudos realizados em diferentes textos, estudos esses que observavam e

descreviam detalhadamente o modo como os elementos linguísticos se relacionam

no interior do texto, desde porções menores a maiores.

Para a RST, as porções textuais estabelecem entre si relações de sentido,

organizam a coerência do texto e a combinação dos sentidos entre as orações.

Essas relações de sentido surgem a partir do conteúdo explícito nas porções

textuais. A partir das proposições explícitas surgem as chamadas “proposições

relacionais”, as quais emergem das relações de sentido produzidas pelo conteúdo

explícito (MANN & THOMPSON, 1983).

Essas relações perpassam todo o texto, desde porções textuais maiores

como parágrafos, a porções menores como os períodos oracionais ou as orações.

São as relações que se estabelecem entre essas partes do texto que o tornam

52

coerente e permitem que a comunicação se estabeleça e atinja seus propósitos

(MANN & THOMPSON, 1983, 1988, 2005-2016). Salienta-se que essas relações

podem ser descritas com base na intenção comunicativa e na avaliação que o

falante faz do ouvinte, as quais refletem as escolhas do falante para organizar e

apresentar seus conceitos. A identificação dessas relações pelo analista, por sua

vez, baseia-se em julgamentos funcionais e semânticos, que buscam identificar a

função de cada porção de texto e verificar como o texto produz o efeito desejado no

ouvinte (MANN & THOMPSON, 1983, 1988, 2005-2016).

Conforme Mann & Thompson (1988), esses julgamentos são de

plausibilidade, pois o analista tem acesso ao texto, tem conhecimento do contexto

em que o texto foi produzido e das convenções culturais do produtor do texto e de

seus possíveis receptores, mas não tem acesso à verdadeira intenção comunicativa

do falante, de forma que não é possível de se afirmar com certeza que esta ou

aquela análise é a correta, mas pode-se sugerir uma análise aceitável (MANN &

THOMPSON, 1988).

Sobre a RST, é relevante destacar que Mann & Thompson (1988)

apesentam uma lista com mais de vinte relações, a qual não representa uma lista

fechada - considerando o fato de ser essa teoria recentemente nova, admite-se não

terem sido esgotadas todas as relações possíveis - sendo que estas relações podem

ser apresentadas de acordo com sua organização e de acordo com suas funções.

Como exemplo disso tem-se a lista proposta por Carlson & Marcu (2001).

Em termos de organização, Mann & Thompson (1988) destacam que as

relações podem ser assim divididas: a) relações núcleo-satélite, em que a

informação do satélite é ancilar em relação à informação do núcleo; b) relações

multinucleares, em que as informações presentes nos núcleos são do mesmo

estatuto, conforme figuras um e dois.

Figura 01: Relação núcleo-satélite Figura 02: Relação multinuclear

[Figuras 01 e 02 - fonte: inspiradas em Mann & Thompson (1988)].

53

Com isso, pode-se perceber que as relações hipotáticas são núcleo-satélite,

ao passo que as paratáticas são multinucleares. As relações também são divididas

em dois grupos, de acordo com suas funções globais (MANN & THOMPSON, 1988,

MANN & TABOADA, 2005-2016).

a) Funções que dizem respeito ao assunto, que têm como efeito levar o

enunciatário a reconhecer a relação em questão.

b) Funções que dizem respeito à apresentação da relação, que têm como

efeito aumentar a inclinação do enunciatário a agir de acordo com o conteúdo

do núcleo, concordar com o conteúdo do núcleo, acreditar no conteúdo do

núcleo ou aceitar o conteúdo do núcleo.

Para que se compreendam melhor as relações, a partir das informações

apresentadas, é possível a elaboração do seguinte quadro:

Quadro 03: a divisão das relações.

AS RELAÇÕES PODEM SER DIVIDIDAS POR SUA

ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO

Núcleo-satélite a) Que dizem respeito ao assunto.

b) Que dizem respeito à apresentação da

relação.

Multinuclear

(Fonte: autoria própria)

Assim, de acordo com Taboada (1988, 2009), a partir das relações entre

cláusulas ou entre porções de textos emergem as relações de coerência. Taboada

acrescenta ainda que essas relações podem ser denominadas de relações de

discurso, relações conjuntivas ou relações retóricas13 (Taboada, 2006). O fato de

essas relações estarem explícitas por conectivos ou implícitas pelo não-uso de

conectivos, não impede que o ouvinte do discurso as reconheça. Isso porque, uma

vez que os conteúdos pressupostos no texto, associados à capacidade linguística e

cognitiva do ouvinte, assim como o contexto situacional, possibilitam o

estabelecimento dessas relações.

13

Relação retórica compreendida como sinônimo de relações de coerência. Neste trabalho, para evitar ambiguidades teóricas sobre o termo, optou-se por utilizar a terminologia “relações de coerência”.

54

Em seus estudos, Taboada (2009, p. 127) ressalta que uma das questões

fundamentais no estudo das relações de coerência é como reconhecê-las, tanto do

ponto de vista do analista, quanto do ponto de vista do ouvinte ou leitor. Isso porque

tais relações podem estar explícitas - apresentando o que a autora chama de

“pistas” (que seriam as conjunções e conectivos), ou implícitas, as quais não

possuem uma marcação clara. Assim, há diversos mecanismos de sinalização das

relações entre partes do texto e/ou enunciados que não apenas as conjunções e/ou

também marcadores discursivos sequenciais, no caso dos textos orais. Há

marcadores morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos. Esses marcadores

estabelecem relações que se encontram aparentemente implícitas no texto, mas que

possibilitam que os falantes de uma língua natural possam construí-las mentalmente

(TABOADA, 2009).

Com base na explanação de Taboada (2009, p. 127-128) pode-se citar como

exemplo de marcador morfológico da língua portuguesa as desinências de tempo

verbal, que situam o ouvinte temporalmente no discurso, auxiliando a compreensão.

A marcação sintática é realizada por meio do modo da oração (imperativa,

declarativa ou interrogativa), pela ordem da oração (direta ou indireta) ou pela voz

verbal (ativa ou passiva). A marcação semântica pode ocorrer pelo significado do

verbo que pode apontar relações específicas, entre outras formas, como valoração

lexical etc. A marcação pragmática, por sua vez, ocorre quando se tem, por

exemplo, questões que envolvem a Implicatura Conversacional14.

Observando todos esses aspectos apresentados, surge a possibilidade de

se verificar os processos de construção de sentido e manutenção da coerência

textual, constatando qual seria a organização retórica dos textos argumentativos.

Por conseguinte, é possível ainda de se averiguar as relações semânticas acerca

dos excertos que apresentam maior valor argumentativo no texto por meio das

orações adverbiais pertencentes ao “campo das causalidades” apresentado por

Neves (1999, 2012). Assim como o ouvinte pode vir a interagir com o texto e agir ou

não de acordo com a provável intenção do falante. Ao agir de acordo com as

14

Remete-se, aqui, aos conceitos teóricos desenvolvido por Paul Grice (1956 -1975) que apresenta Implicatura Convencional e Implicatura Conversacional, sendo esta última determinada por questões intrínsecas ao ato comunicativo.

55

prováveis intenções do falante, o ouvinte demonstra que as informações veiculadas

pelo falante foram suficientes para convencê-lo e/ou persuadi-lo.

1.6. A Linguística Textual

Sobre a origem dos estudos teóricos da Linguística Textual, salienta-se que,

“na história da constituição do campo da Linguística de texto, [...] não houve um

desenvolvimento homogêneo" (BENTES, 2012, p. 262). A mesma autora afirma,

ainda, com respaldo nos estudos de Marcuschi (1998) que tal surgimento ocorreu,

simultaneamente, de forma independente em diferentes regiões geográficas e com

propostas teóricas diversas.

Enquanto as teorias funcionalistas fornecem subsídios teóricos para as

análises dos usos linguísticos do falante, a Linguística Textual possibilitará recursos

de análises e compreensão acerca do texto e seus processos de construção (texto

entendido, sinteticamente, como o produto verbal resultante da interação do falante

com seu ouvinte). Destaca-se ainda o fato de ser o texto, em seu processo de

formulação e também como produto acabado, o objeto de estudo do funcionalismo.

As teorias funcionais supracitadas e a Linguística Textual, teorias que

subsidiam algumas noções centrais deste trabalho, possuem uma visão similar

acerca do uso linguístico, e, por consequência, pode-se dizer também, da

argumentação, embora possuam origens e abordagens diferenciadas. É importante

ressaltar, então, algumas questões convergentes que incitaram à análise da

argumentação e seus processos por meio dessas teorias de análise linguística

associadas às teorias argumentativas.

A Linguística Textual possui como princípio a análise de textos. Dessa forma,

ela observa os diferentes propósitos existentes em diferentes textos, visando uma

análise linguística transfrástica. A concepção de texto, nesse caso, consiste no

conceito textual-discursivo, o qual observa não apenas questões enunciativas, mas

também questões de organização interna e seu funcionamento textual, com base em

uma perspectiva sócio interativa da linguagem (MARCUSCHI, 2008, KOCH, 2011,

2014). Ou ainda, o texto incide em um “produto físico”, que pode ser resumido como

“aquilo que resulta de um discurso, que é, por sua vez, analisado como um

56

processo, que leva à construção de um texto” (TRASK, 2011, p. 291), sendo

possível a realização desse processamento “texto-discurso” por diferentes vieses.

A concepção de texto adotada neste trabalho engloba as concepções

funcionalistas e da Linguística Textual de que o texto é um construto comunicativo

que possibilita a interação. Logo, o texto não se constitui apenas como uma

sequência de palavras, frases ou períodos, mas se constitui como um todo, podendo

ser considerado como um bloco semântico detentor de sentido(s), em que até uma

frase como “Olhe!”, devidamente contextualizada, caracteriza-se como um texto

(MARCUSCHI, 2008, 2014; KOCH, 2011). Ainda, “o texto é um evento comunicativo

em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas” (MARCUSCHI, 2008, p.

72). O autor destaca que esses três níveis [linguístico (o construto verbal), social

(contexto sócio-histórico-cultural) e cognitivo (o conhecimento do locutor)] são os

níveis de articulação do texto.

Dessa forma, Marcuschi (2008) salienta que, da textualidade (que surge da

interação mediada pelo material linguístico entre falante e ouvinte) se obtém o texto,

o qual se desencadeia como processo e produto. O texto pode ser observado em

dois eixos: a configuração linguística e a situação comunicativa. No primeiro, tem-se

a cotextualidade, que corresponde aos recursos linguísticos que o falante possui, no

segundo, há a contextualidade, que diz respeito ao conhecimento de mundo do

falante. Os critérios da cotextualidade são apresentados como a coesão e a

coerência, ao passo que os critérios da contextualidade envolvem a

informacionalidade, a situacionalidade, a intertextualidade, a aceitabilidade e a

intencionalidade.

Todos esses elementos apresentados, desde o falante e o ouvinte, aos eixos

e seus critérios, funcionam conjuntamente, para que se obtenha o texto, que pode

ser considerado como o material discursivo.

Destarte, a concepção de texto utilizada como uma unidade de sentidos posta

em uso na interação compreende a interação “face a face”, no caso da língua falada,

e a interação com um ouvinte “invisível”, no caso da escrita (CASTILHO, 2002).

Cabe ainda destacar, portanto, que um texto vai para além da organização

textual, ele envolve também uma estrutura retórica, e mais, ele apresenta elementos

57

pressupostos que podem estar no interior do próprio texto (elementos endofóricos)

ou no exterior dele (elementos exofóricos). O conteúdo verbal de um texto em

relação com seu contexto exterior (social, cultural) específico também pode ser

classificado como coerência. Em geral, a coerência textual é construída por meio

dos fatores endofóricos e exofóricos (TABOADA, 2004). Compreende-se, desta

forma, que os critérios de cotextualidade e contextualidade supracitados não devem

ser vistos como estanques, mas indissociáveis.

Isso faz incorrer novamente na influência que os elementos externos e

internos ao próprio falante exercem sobre o texto (como o mundo do qual ele tem

contato e conhecimento) e na influência de seus conhecimentos cognitivos e

linguísticos, sendo a produção de textos uma questão cognitiva que se representa

verbalmente. Salienta-se ainda que texto e discurso são vistos neste trabalho, como

sinônimos.

1.6.1 A LÍNGUA FALADA

Para situar a concepção de língua em conformidade com os propósitos aqui

pretendidos e com os pressupostos teóricos abordados, ressalta-se a teoria

funcional de Halliday, na qual a língua pode ser entendida como (i) texto e sistema;

(ii) como som, como escrita e como redação; (iii) como estrutura - configurações de

elementos linguísticos; (iv) como recurso - escolhas realizadas entre alternativas

(HALLIDAY, 2004). Destaca-se, portanto, como referência para este estudo, as

concepções de língua da Linguística Funcional e da Linguística Textual – que podem

ser aqui entendidas e resumidas como um conjunto de situações comunicativas

realizadas por meio dos diferentes usos da língua que fazem parte do processo

linguístico. Destacam-se também as diferentes formas da concretização da

linguagem por meio da língua.

As linguagens organizam-se em sistemas, aceitos e conhecidos pela comunidade que se utiliza deles. Por sua vez, ao utilizá-los, os sujeitos adaptam-nos a seus interesses e necessidades e acabam por alterá-los, num processo comunicativo dinâmico (AGUIAR, 2004, p. 40).

58

Dentre esses processos, ressalta-se o processo de linguagem oral, uma vez

que neste se centram os fundamentos das análises propostas sobre causalidade e

argumentação.

Por conter um volume considerável de elementos pragmáticos [...] a língua falada foi considerada durante muito tempo, até meados da década de 1960, como o lugar do “caos”. Entretanto, com o surgimento dos estudos do texto, o enfoque vai deixando de fixar-se apenas no produto e se desloca para o processo. A linguagem deixa de ser vista como mera verbalização e passa a ser incorporada, nas análises textuais, a observação das condições de produção de atividade interacional (FÁVERO, ANDRADE & AQUINO, 2012, p. 17).

Koch (2006) ressalta que a língua falada (doravante LF) favorece a questão

da dinâmica proporcionada pela interação face a face. No entanto, o fato mais

saliente ainda recai sobre a espontaneidade (CHAFE, 1985), considerando que a LF

nem sempre pressupõe turnos de conversação.

A LF pode se situar em diversas situações tantas quantas as diferentes

atividades de interação social permitam, podendo ser simétrica ou assimétrica,

constituir um diálogo ou monólogo, possuir um planejamento maior ou menor, e ser

mais ou menos espontânea, sendo definidor dessas situações o contexto da fala. No

entanto, a observação de questões específicas da fala não quer dizer que a fala e a

escrita devam ser vistas como formas dicotômicas de produção linguística (KOCH,

2006). Marcuschi & Dionísio (2007), em seu ensaio sobre fala e escrita, apresenta

algumas questões centrais:

a) As relações entre oralidade e escrita se dão num contínuo ou gradação

perpassada pelos gêneros textuais.

b) As diferenças entre oralidade e escrita podem ser mais bem observadas

nas atividades de formulação textual manifestadas em cada uma das

duas modalidades e não em parâmetros fixados como regras rígidas.

c) As estratégias interativas com todas as atividades de contextualização,

negociação e informatividade não aparecem com as mesmas marcas na

fala e na escrita.

d) É impossível detectar certos fenômenos formais diferenciais entre a

oralidade e a escrita que sejam exclusivos ou da escrita ou da fala,

59

e) Tanto a fala como a escrita variam de maneira relativamente

considerável.

f) As diferenças mais notáveis entre fala e escrita estão no ponto de vista da

formulação textual.

g) A atividade meta enunciativa e os comentários que se referem à situação

de enunciação são mais frequentes na fala que na escrita.

h) Tanto a fala como a escrita seguem o mesmo sistema linguístico.

i) Fala e escrita distinguem-se quanto ao meio utilizado.

j) Fala e escrita fazem um uso diferenciado das condições contextuais na

produção textual.

k) O tempo de produção e recepção, na fala, é concomitante e, na escrita, é

defasado.

É certo que a fala se destaca com algumas características próprias. A fala

espontânea não é planejada com antecedência, pois acontece no momento da

interação, contrariamente ao texto escrito, não é possível a realização de

“rascunhos” durante a fala: “no texto falado, planejamento e verbalização ocorrem

simultaneamente, porque ele emerge no próprio momento da interação: ela é seu

rascunho” (KOCH, 2006, p. 45).

Os estudos científicos da LF apresentam fatores como o contexto da fala, a

situação, o local, entre outros detalhes que são explícitos no momento da fala, ao

passo que na linguagem escrita tais detalhes como tempo e espaço precisam ser

descritos. No momento da elaboração da fala e pelo grau dialógico em ocorrência, é

possível de se observar a incidência gerada entre a organização das ideias e sua

exteriorização pela fala. Durante esse momento de organização e planejamento no

momento da fala, ocorrem pausas e interrupções no fluxo discursivo, para uma

reorganização e reinício do processo de fala. Essas pausas e interrupções abrem

espaço muitas vezes para a introdução, ou não, de novos tópicos, por meio dos

marcadores discursivos, pares adjacentes, entre outros. Entretanto, fica claro que o

processo de construção do texto recebe constantes atualizações no momento da

enunciação. Na LF, coexistem o planejamento e a execução em tempo real,

decorrendo, daí, fatores como correções de tópico, de interação, pausas,

hesitações, entre outros (MARCUSCHI, 2005, 2007).

60

Em se tratando de língua falada, sempre surgem questões sobre os

diferentes tipos de abordagens realizadas sobre suas formas e seus processos de

construção textual (oral ou escrita). Incluindo, reflexões sobre o fato de a oralidade

se constituir por meio de um processo constante, com suas retomadas, manutenção

tópica, coerência, entre outros. Da mesma forma, aspectos gramaticais e funcionais

da língua também fornecem questionamentos a diferentes campos de estudos,

tendo em vista suas formas fixas (gramatical) e suas formas mais livre (o

funcionamento linguístico espontâneo da LF).

Acerca da LF, Jubran (2006) explicita algumas estratégias de construção do

texto (inserção parentética, correção, paráfrase, repetição, tematização, rematização

e referenciação), as quais podem ser observadas tanto na fala quanto na escrita. A

autora também explana acerca da hesitação e da interrupção como estratégias

passíveis de serem observadas apenas na oralidade, uma vez que não são “visíveis”

durante o processo de construção textual e que correspondem mais ao

processamento para emissão do texto do que propriamente uma estratégia de

construção textual. Desse modo, a hesitação e a interrupção são tidas como

aspectos intrínsecos à oralidade, ao passo que a inserção parentética, a correção, a

paráfrase, a repetição, a tematização, a rematização e a referenciação são

processos que podem ser observados em ambas as formas linguagem verbal – fala

e escrita.

Destaca-se ainda que o corpus utilizado neste estudo é considerado um

corpus de língua falada, assimétrico e espontâneo. Embora se trate de entrevistas,

elas foram realizadas em forma de conversação espontânea, sem planejamento

prévio por parte do entrevistado.

1.6.2 PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO TEXTUAL

De acordo com Castilho (2002), a construção textual acontece a partir de

três módulos: discursivo, semântico e gramatical - todos mediados pelo léxico. Para

o autor, o léxico é o ponto fundamental que possibilita a mobilização do conteúdo

semântico, gramatical e discursivo, sendo o léxico compreendido como “um conjunto

de itens dotados de propriedades semânticas e gramaticais” (Castilho, 2002, p. 56).

61

No instante em que ativamos o léxico, são ativados três processos simultâneos de

construção textual-discursiva: a ativação, a desativação e a reativação.

A construção por ativação é considerada o cerne da organização linguística

tanto na fala quanto na escrita. Por meio dela, selecionam-se palavras e com ela se

organiza: (i) o texto e suas unidades; (ii) as orações e suas estruturas sintagmáticas,

semântica e funcional; (iii) dando-lhes uma representação fonológica (CASTILHO,

2002). Essa representação fonológica não engloba apenas aspectos fonéticos, mas

a representação gráfica dos sons, ou seja, a forma escrita. A construção por

reativação funciona como uma forma anafórica, sendo considerada pelo autor como

identificável em dois tipos de manifestações: a paráfrase e a repetição (CASTILHO,

2002). Já a construção por desativação “é um processo de ruptura na elaboração do

texto e da oração, de que resulta o abandono de segmentos textuais” (CASTILHO,

2002, p. 57). Esse processo é perceptível em anacolutos, elipses etc.

Em todos esses processos, há de se reconhecer certa hierarquia vocabular,

a qual Castilho (2002) distingue em palavras principais: a) nome; b) pronome e

verbo; c) palavras acessórias (como o adjetivo e o adverbio); d) palavras gramaticais

(como a preposição e a conjunção), e também distingue-as como categorias maiores

(A e B), intermediárias (C) e menores (D).

Essa explanação de Castilho é bastante corrente nos meios acadêmicos,

mas cabe frisar que o professor Castilho, em continuidade com seus estudos,

reformulou essa proposta, explicitando que a construção textual ocorre por meio de

uma base sociocultural e não mais uma base lexical (CASTILHO, 2010, 2014).15

Desse modo, Castilho (2010, 2014) postula o que ele denomina de

dispositivo sócio cognitivo16 – dispositivo esse que articula os processos e produtos

15

Conforme primeira apresentação de que a construção textual ocorre a partir de três módulos: discursivo, semântico e gramatical – todos mediados pelo léxico. Castilho (2010, 2014) explica, nesse postulado do dispositivo sócio cognitivo, que o léxico também é um módulo de construção textual, e cada um desses módulos é independente. Desse modo, tem-se que a construção textual ocorre a partir de quatro módulos: discursivo, semântico, gramatical e lexical. 16

O ‘dispositivo sócio cognitivo’ integra as pesquisas realizadas por Castilho com a finalidade de

proporcionar a compreensão da língua como um sistema complexo. Tais pesquisas consistem em uma abordagem multissistêmica, de orientação funcionalista-cognitiva, sendo tal abordagem definida por meio da observação de três postulados expostos pelo autor, dos quais um trata-se do dispositivo sócio cognitivo. Em suma, essa explanação de Castilho advém de sua atual proposta teórica da Abordagem Multissistêmica, que vem sendo formulada desde 1998, e objetiva explicar o funcionamento da língua (CASSTILHO, 2014).

62

linguísticos que ocorrem por meio dos sistemas do léxico, do discurso, da semântica

e da gramática, sendo essa articulação explicitada pelos processos de ativação,

desativação e reativação. Ou seja, os processos de ativação, desativação e

reativação não ocorrem no instante em que o sistema léxico é ativado, mas no

instante em que os sistemas do léxico, do discurso, da semântica e da gramática

são ativados. Ainda, os três processos de construção (ativação, desativação e

reativação) são propostos pelo autor como princípios ou dispositivos: o princípio ou

dispositivo da ativação, o princípio ou dispositivo da desativação e o princípio ou

dispositivo da reativação.

Desse modo, Castilho (2010, p. 79-81) propõe que o princípio da ativação

(ou projeção pragmática) se ancora no princípio da projeção conversacional17, o qual

ocorre no momento da interação, e ativa os módulos, ou propriedades, lexicais,

discursivos, semânticos e gramaticais. O princípio da desativação (ou da elipse)

pode ser pragmático, morfossintático, ou ambos. Pragmático quando o falante

transgride o princípio da projeção pragmática, criando um “vazio conversacional”

(são os casos de verbalizações não esperadas, de respostas que não condizem às

perguntas etc.). Morfossintático quando ocorrem morfema zero, elipses de verbo ou

de sujeitos. E ambos quando em um caso de desativação pragmática ocorrer

desativações morfossintáticas. Em suma, acerca desse princípio, o autor explica que

“a desativação é, portanto, o movimento que ocasiona o abandono de propriedades

que estavam sendo ativadas. Gera-se um silêncio no planejamento verbal, a qual se

seguem simultaneamente as ativações e reativações” (CASTILHO, 2010, p. 80). Já

o princípio da reativação (ou da correção) se fundamenta na estratégia da “correção

pragmática” e pode ser auto corretivo (quando o falante corrige sua própria fala) ou

heterocorretiva (quando o falante corrige a fala de outro que não ele mesmo). Dessa

forma, para o autor, o princípio da reativação visa corrigir erros de planejamento que

surgem no momento da produção textual. Esse princípio explica a ocorrência das

repetições e paráfrases na reformulação do quadro tópico, a repetição e a

organização do sintagma, entre outros fenômenos comuns na construção textual.

Castilho (2010) salienta que todos esses princípios operam simultaneamente, e não

17

O princípio da projeção conversacional, ou projeção pragmática, é o princípio pela qual o falante organiza a estrutura argumental das orações simples e complexas e a inserção de tópicos (CASTILHO, 2010, p. 80).

63

sequencialmente. Nessa proposta, também não se consideram mais questões de

hierarquia de sistemas, como esclarece o próprio autor:

A língua, enquanto produto, é um conjunto de categorias agrupadas em quatro sistemas: (1) Léxico, (2) Discurso, (3) Semântica (4) Gramática. Esses sistemas serão considerados autônomos em relação aos outros, ou seja, não se admitirá que um sistema determina/deriva de outro, nem se proporá uma hierarquia entre eles. Com isso, não se postulará a existência de sistemas centrais e de sistemas periféricos. Em consequência dessa premissa, qualquer expressão linguística exibe ao mesmo tempo características lexicais, discursivas, semânticas e gramaticais (CASTILHO, 2014, p. 91).

Além dos princípios que permitem a construção textual, que atuam

conjuntamente, há também os processos que possibilitam a progressão textual e

que apenas por questões explanatórias encontram-se em apresentações distintas

neste trabalho. Koch (2014) aponta três procedimentos diferenciados sobre como a

progressão textual pode ocorrer, os quais seriam: progressão tópica, progressão

referencial e progressão temática.

A progressão tópica pode ocorrer de modo ininterrupto ou interrupto, sendo

que, no primeiro, há uma manutenção tópica, mesmo que o tópico esteja em

mudança. No segundo modo, há uma interrupção e se passa de um tópico a outro,

sem a devida manutenção.

Um texto compõe-se de segmentos tópicos, direta ou indiretamente relacionados ao tema geral [...]. Um segmento tópico, quando introduzido, mantém-se por um determinado tempo, após o qual, com ou sem um intervalo de transição [...] vai ocorrer a introdução de um novo tópico (KOCH, 2014, p. 136).

Nota-se que o tópico, portanto, não é sinônimo de tema, mas é a ele

relacionado. O tópico pode ser definido como uma porção textual que se caracteriza

por centração e organicidade. A centração se relaciona mais estreitamente com

fatores linguísticos, ao passo que a organicidade é tida como uma unidade mais

relacional e abstrata (KOCH, 2014).

A progressão referencial é realizada por intermédio da introdução de novos

referentes no texto e por meio dos elementos do contexto – que envolvem os

elementos de coesão – ou ainda, anáforas e catáforas. A realização da

referenciação utilizando elementos do próprio texto cria cadeias referenciais que

64

uma vez presentes no enunciado “garantem não só a progressão e a continuidade

referencial, como exercem papel de relevância na orientação argumentativa do

texto, e, por decorrência, na construção textual do sentido” (KOCH, 2014, p. 127).

A progressão temática proposta pela autora pode ocorrer de duas formas: (i)

a forma como se dá a distribuição de Temas e Remas na sucessividade enunciativa;

(ii) como avanço do texto “por meio de novas predicações sobre os elementos

temáticos” (KOCH, 2014, p. 130), sendo elas estreitamente inter-relacionadas de

acordo com a autora.

Cabe ressaltar, nesse ínterim, que a estrutura da oração possui um caráter

informacional. Castilho (2002) utiliza a Teoria da Articulação - Tema e Rema – para

explanar melhor sobre o estatuto informacional da oração. Ele afirma que

Toda oração serve para realizar duas ações básicas e irredutíveis, que descrevemos na linguagem de todos os dias os dias mediante os predicados “falar de” e “dizer que”: o primeiro desses predicados capta o papel de tópico (=Tema), e o segundo, o papel de foco (=Rema). Toda sentença envolveria dois “atos de fala”, cada um dos quais obedece a condições específicas (CASTILHO, 2002, p. 58).

Desse modo, em toda produção textual sempre há o “algo” do qual se fala

(Tema) e o que se diz sobre esse “algo” (Rema), ou seja, ao falar, estamos

constantemente dizendo algo sobre alguma coisa. A informação que atribuímos ao

“algo” sobre o que está sendo dito, considera-se o Rema, e o “algo”, o Tema.

Castilho (2002) amplia a concepção de Tema - Rema criada, a princípio,

apenas para o nível da oração, para o nível do texto. Desse modo, em nível de texto,

também há o Tema, que seria o ponto de partida – o qual, no caso da língua escrita,

constitui-se no parágrafo de abertura, e o Rema, que seria “a exploração desse

ponto de partida, por meio de orações “tematicamente centradas”, isto é, que

contribuem para o andamento do assunto” (CASTILHO, 2002, p. 59). Essa noção de

informatividade da oração, observando a questão de tópico e foco, além de ser

passível de aplicação em nível de texto ou de oração, ainda pode ser observada em

parágrafos.

Os conceitos Tema e Rema vêm-se mostrando como forma valiosa de

observar a coerência e a intencionalidade do falante no momento da produção

textual, destacando que, na perspectiva deste trabalho, as construções do falante

65

envolvem de uma ou outra forma, o estabelecimento de nexos causais, seja nas

relações inerentes à língua ou nos acontecimentos possíveis em mundo real, dos

quais o falante tem conhecimento. Ainda, essa causa pode ser interna ou externa ao

falante (ou seja, pode ser apresentada por ele como causalmente relacionada ou ser

causal em sua natureza, independente de o falante atribuir, ou não, causalidade ao

evento). A importância de se discorrer sobre os processos de formulação textual

reside no fato de que a coerência permeia todos eles, do mesmo modo que as

relações causais.

Koch (2011) destaca que a coerência envolve todos os fatores textuais e,

ainda, “a coerência é vista como um princípio de interpretabilidade do texto, num

processo cooperativo entre produtor e receptor” (KOCH, 2011, p. 103). Com isso

retorna-se a questão do falante de uma língua natural realizar mudanças no

conhecimento de seu ouvinte, sendo essa mudança instaurada por meio de um

processo verbal interativo que necessita haver no conteúdo verbal para que ocorra a

constituição da coerência, sendo as relações de causalidade, em sentido amplo,

reconhecidas pelos envolvidos na comunicação e possibilitando a compreensão

mútua. Para Koch (2011) a compreensão depende estritamente da coerência

existente no texto, e, como já observado, essa coerência se encontra no texto de

diferentes maneiras, por meio das relações entre o próprio conteúdo textual e

também com o que está fora do texto, por assim dizer, o conteúdo contextual. Ou

ainda, como já visto, a coerência emerge das relações que se estabelecem entre

frases, enunciados, cláusulas, porções textuais (maiores ou menores), de modo a

perpassar todo o conteúdo verbal do texto produzido.

1.7. A Perspectiva Textual Interativa

A Perspectiva Textual Interativa (PTI) também fornece um panorama de

estudos que complementam este trabalho, como teoria e/ou como método de

análise. Conforme Jubran (2006), a PTI surgiu a partir da junção de alguns conceitos

da Linguística Textual e da Análise da Conversação, com uma proposta de análise

66

para as ocorrências e usos da língua falada (LF) nos estudos realizados acerca da

LF pelo projeto Normas Urbanas Cultas (NURC18).

Essa perspectiva também observa a língua como interativa em sua essência

e prima pelo aspecto pragmático como meio de orientação da comunicação

estabelecida em um evento comunicativo, possibilitando melhor orientação acerca

da descrição dos dados a partir de situações concretas de uso da língua.

Pragmático, nesse contexto teórico, não diz respeito a molduras dentro das quais se

processam a troca linguística e nem a camadas de enunciações que envolvem a

comunicação. Esse termo deve ser compreendido como sendo as “condições

comunicativas que sustentam a ação verbal e inscrevem-se na superfície textual, de

modo que se observam marcas do processamento formulativo-interacional na

materialidade linguística do texto” (JUBRAN, 2006, p. 29).

Alguns dos principais conceitos dessa perspectiva dizem respeito ao tópico

discursivo e a estratégias de construção textual. Sobre o tópico discursivo é

relevante destacar que ele não se confunde com o conceito de tema - rema,

informação nova - dada, embora possam coincidir com algumas construções

(JUBRAN, 2006).

O tópico decorre, portanto, de um processo que envolve colaborativamente os participantes do ato interacional na construção da conversação, assentada em um complexo de fatores contextuais, entre os quais as circunstâncias em que ocorre o intercâmbio verbal, o grau de conhecimento recíproco dos interlocutores, os conhecimentos partilhados entre eles, sua visão de mundo [...]. A noção de tópico define, pois, não só o processo de interação centrada no estabelecimento do intercâmbio verbal, como também o movimento dinâmico da estrutura conversacional. Assim, o tópico discursivo torna-se um elemento decisivo na constituição de um texto falado, e a estruturação tópica serve como um fio condutor da organização textual interativa (JUBRAN, 2006, p. 90).

18

O NURC foi um projeto desenvolvido por um grupo de renomados linguistas brasileiros a partir de década de 1960, em cinco capitais brasileiras (Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) com uma abordagem voltada para a língua falada e que possuía os seguintes objetivos: i) coletar material para análises da língua culta falada (aspectos fonológicos, fonéticos, morfossintáticos, sintáticos, lexicais e estilísticos); ii) averiguar a realidade linguístico-cultural do país, sem a preocupação de apontar de regras para o uso linguístico; iii) superar o empirismo na aprendizagem da língua-padrão apresentando a norma culta “real” (e não a ideal/correta); iv) respaldar o ensino em metodologias e em dados linguísticos bem definidos cientificamente; v) identificar as normas tradicionais que ainda eram utilizadas e quais já estavam em desuso (evitando, assim, a sobrecarga no ensino com fatos linguísticos inoperantes; vi) corrigir distorções do sistema de ensino tradicional enlevado por uma orientação “academicista”. (SILVA, 1996, p. 85-86).

67

Percebe-se que o conceito de tópico não é algo por si mesmo, mas decorre

de processos que ocorrem na formulação textual, no momento da interação, os

quais são identificáveis por meio de alguns critérios, como a centração e a

organicidade. Dessa forma, o tópico discursivo se apresenta como uma categoria

analítica que possui propriedades e processos que lhe são intrínsecos.

A centração abrange os traços de concernência (interdependência

semântica entre os segmentos oracionais), relevância (relevo desses segmentos

dado o foco por meio de sua posição) e pontualização (a apresentação de um ou

mais segmentos como foco em determinados momentos do texto) (JUBRAN, 2006).

Já a organicidade apresenta relações que ocorrem no plano hierárquico e no

plano linear. No plano hierárquico analisa-se a interdependência entre tópicos,

considerando a disposição vertical desses tópicos, qual é o tópico central e qual, ou

quais são os tópicos mais particularizadores. Assim, constrói-se uma ordenação

vertical que venha a conter um supertópico, que, por sua vez, contém subtópicos, os

quais podem conter também outros subtópicos em si. Essa divisão em tópicos não

implica diretamente nos níveis hierárquicos – pode haver tópico e subtópico em um

mesmo nível. A hierarquização dos tópicos depende do nível de consideração e

relevância que essas subdivisões tópicas adquirem no texto. No plano linear são

observados critérios de (i) continuidade (apresentação e encerramento do tópico em

andamento), (ii) descontinuidade (ruptura tópica, cisão tópica, expansão tópica) e (iii)

transição superposição e movimento de tópicos (mudanças graduais de tópicos)

(JUBRAN, 2006).

Outro aspecto da PTI que importa para este trabalho são as estratégias de

construção textual, sobretudo a repetição (produção de segmentos textuais idênticos

ou semelhantes, duas ou mais vezes em um mesmo texto de um evento

comunicativo), o parafraseamento (uma estratégia cognitivo-discursiva do sujeito

que realiza construções sintáticas diferenciadas para uma mesma relação

semântica), e a parentetização (que proporciona a inserção de informações

relevantes que não fazem parte do tópico em andamento e que podem, portanto, ser

mais ou menos desviantes do tópico) (JUBRAN, 2006). De acordo com Jubran

(2006), a repetição constitui-se em um mecanismo de formulação, o

parafraseamento em um mecanismo de reformulação e a parentetização em um

68

mecanismo de inserção de informações. Deve-se também levar em consideração

que essas estratégias podem ocorrer separada ou concomitantemente.

As estratégias de construções textuais são recursos de produção linguística

que possibilitam a progressão textual, a organicidade e a centração tópica etc. Em

alguns sentidos, seria possível ainda, dizer que se mesclam com os processos de

progressão textual da Linguística Textual - a estratégia de repetição se associa com

o processo de progressão por referenciação, por exemplo. Tais estratégias podem

ser vistas como resultantes dos processos de construção textual (ativação,

desativação e reativação) citados no item 1.5.2 deste trabalho.

Não foram apresentadas aqui todas as estratégias de construções textuais,

nem todo o arcabouço teórico da PTI, pois assim como nas demais explanações,

não se pretende exaurir essa teoria, nem mesmo seria possível tal feito em uma

pesquisa desta proporção. O que se pretende é apresentar alguns dos conceitos

utilizados para uma melhor análise do corpus, visando a obtenção das pretensões

dos objetivos desta pesquisa.

69

CAPÍTULO 2 - A COMBINAÇÃO DAS ORAÇÕES

Neste capítulo, apresentam-se questões relativas à combinação das orações

adverbiais, situando-as na perspectiva funcionalista, uma vez que nessa perspectiva

a concepção sobre a combinação oracional difere da proposta da “gramática

tradicional”.

2.1. A hipotaxe e a parataxe – uma perspectiva funcionalista

As orações adverbiais têm sido alvo de diferentes estudiosos, sobretudo os

de filiação funcionalista. De acordo com Neves/Braga/Hattnher (2008), entre outros,

a denominação a elas atribuída pela gramática tradicional não se demonstra eficaz

para classificá-las. Critérios semânticos e sintáticos se confundem com critérios

pragmáticos, e, simplesmente enquadrá-las como orações subordinadas não tem

parecido fato aceitável a muitos linguistas, os quais têm realizado diversos estudos e

pesquisas sobre o assunto. A inquietação dos estudiosos da linguagem em

descrever as relações entre cláusulas, não apenas no nível sentencial, mas também

no discursivo, os tem conduzido a substituir o termo “subordinação” por

nomenclaturas e aplicações de parâmetros que melhor descrevam e expliquem

essas relações (DECAT, 2001). Assim, parece relevante apresentar as combinações

oracionais de acordo com os diferentes critérios (sintáticos, semânticos e

pragmáticos) e conforme sua organização e funcionamento discursivo.

Acerca dos critérios sintáticos, destaca-se a explanação de Castilho (2010)

de que as orações adverbiais são caracterizadas, comumente, como orações

complexas (junto com as subordinadas substantivas e adjetivas). Todavia, as

adverbiais apresentam características distintas das demais. “As adverbiais não ficam

confortáveis ao lado das subordinadas substantivas, por exemplo, pois apresentam

uma ligação mais fraca com a sentença matriz” (CASTILHO, 2010, p. 373). Assim,

conforme Neves (1999) e Castilho (2010), as orações adverbiais possuem

características que as diferenciam em relação às outras subordinadas. Questões

como grau de encaixamento e possibilidade de focalização entre as diferentes

orações subordinadas tradicionais e suas orações nucleares fazem emergir

diferentes classificações entre as orações complexas, inclusive entre as adverbiais.

70

Para Castilho (2010), as orações adverbiais, por se diferenciarem das demais

orações complexas, devem pautar suas classificações não apenas sobre as

relações de sentidos que estabelecem, mas também em suas “características

sintáticas heterogêneas distintas” (CASTILHO, 2010, p. 372). Considerando, ainda,

na classificação das orações adverbiais, fatores como junção, contra junção e

disjunção. Para esse autor, outro fator inerente às adverbiais, e não possível de ser

aplicado às orações subordinadas substantivas e adjetivas restritivas, consiste no

fato de as orações adverbiais e as orações adjetivas explicativas serem capazes de

se combinarem com mais de uma oração, uma vez que essa combinação não se

realiza por meio do encaixamento sintático, como ocorre no caso das orações

subordinadas substantivas. Por encaixamento, entende-se a relação argumental de

dependência sintática entre a oração subordinada e a nuclear. Ou seja, o

encaixamento oracional ocorre quando o verbo da oração nuclear necessita como

complemento (argumento) outra oração que se subordine a ela por meio de uma

conjunção integrante, como em “...mas eu creio que é um chamado natural...”19, que

pode ser parafraseado por “eu creio nisso”, ou “a gente seguiu este caminho do

pastorado.../...achando que seria a melhor maneira de servir...dentro da igreja...”20.

Nas orações em que ocorre esse encaixamento, a anteposição da oração

subordinada não é possível e a relação da subordinada se dá exclusivamente com a

oração nuclear, com a qual se liga por meio do conectivo.

Expandindo as questões referentes ao aspecto sintático das adverbiais, e

agregando à discussão as questões lógico-semânticas e pragmáticas, salienta-se

que Halliday (2004) demonstra que as estruturas oracionais podem ser univariadas

(que apresentam a mesma relação funcional) e multivariadas (relações funcionais

variadas). A partir dessas estruturas, tem-se a expansão da interdependência entre

os elementos, implicando no que Halliday (2004) denomina de relações

interdependentes de parataxe e hipotaxe. O sistema tático, ou a taxe, diz respeito ao

grau de interdependência das cláusulas complexas (hipotaxe ou parataxe). Em uma

construção complexa de cláusulas, elas podem se mostrar relacionadas

estruturalmente com outra cláusula de forma interdependente ou independente

19

Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil. 20

Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil.

71

sobre outra cláusula (HALLIDAY, 2004). Para o linguista, “parataxe e hipotaxe são

relações gerais que são as mesmas em toda a gramática: elas definem complexos

em qualquer formação complexa (cláusula, grupo ou frase complexa)” (HALLIDAY,

2004, p. 384 – tradução nossa21).

Esse sistema de interdependência entre as cláusulas se situa no nível

interpessoal da Gramática Sistêmico-Funcional e considera as relações lógico-

semânticas estabelecidas entre elas. Dessa forma, na parataxe, os elementos de um

complexo de cláusulas podem se relacionar sem que dependam sintaticamente da

outra cláusula ou a modifique semanticamente, como nas cláusulas em destaque.

2) ...no início da juventude com uns quinze...dezesseis anos... ...com dezesseis anos especificamente... ...eu fui pra Curitiba...fui embora pra lá...trabalhar e estudar... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

O que se observa é uma ordenação linear, embora as cláusulas completem

o sentido do texto, a primeira e a segunda oração não exercem nenhum tipo de

relação sintática direta com o conteúdo da última oração “trabalhar e estudar”, trata-

se de uma relação semântica e não sintática. Entre a primeira e a segunda oração

“eu fui para Curitiba”, “fui embora pra lá”, há uma relação criada por meio de

anáfora, mas, mesmo assim, é possível, inclusive, a retirada de qualquer uma das

três cláusulas e mater um texto coerente, embora se altere o sentido do texto.

Já na hipotaxe, um elemento do complexo de cláusulas age sobre o outro,

modificando a cláusula com a qual se relaciona, e, nesse sentido, a cláusula

modificadora se torna dependente da cláusula modificada (HALLIDAY, 2004).

3) ...tem uma cidade chamado ah...eh...chamada São João da Cristina...né? ...uma...uma com/uma comunidade rural...né? ...e lá...quando o evangelho foi proclamado...lá...toda família da comunidade...né? ...eh...eh... se converteu a Cristo...e essa família...é a família da minha avó...não é? ...então...desde então...nós/gerações posteriores eh/eh/eh permaneceram na igreja...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

21

Parataxis and hypotaxis are general relationships that are the same throughout the grammar: they define complexes at any rank (clause complex, group or phrase complex).

72

Para Halliday (2004), a parataxe e a hipotaxe são as duas formas básicas

para a apresentação das relações lógicas em um idioma natural. Essas construções

complexas podem ser entre segmentos paratáticos, hipotáticos, ou mesclar ambos.

Nesse sistema de relações lógico-semânticas, Halliday (2004) explica que as

cláusulas complexas possuem propriedades de expansão e projeção, que envolvem

questões simétricas e de sequência linear (expansão) e questões assimétricas e não

lineares (projeção).

Conforme Halliday (2004), na expansão, a cláusula secundária expande a

primeira por meio da (i) elaboração (apresenta fenômenos da mesma ordem de

experiência); (ii) extensão (apresenta fenômenos de ordem superior de experiência –

coisas que as pessoas pensam ou dizem) e (iii) realce (apresenta qualificações). Na

projeção, a cláusula secundária expande a primeira por meio da locução e do

pensamento – ou seja, a projeção transcende essa sequência de eventos ligados

pela expansão, relacionando os eventos ao conteúdo do pensamento (HALLIDAY,

2004). Para exemplificar o funcionamento da cláusula, Halliday (2004) cria o

seguinte esquema.

Esquema 02: O sistema da cláusula complexa – adaptado de Halliday (2004, p.373).

73

A cláusula complexa se realiza por meio da organização desses sistemas

que envolvem a taxe, as relações lógico-semânticas e a recursividade,

simultaneamente, criando o complexo de cláusulas – ou, as cláusulas complexas.

Ressalta-se que a projeção e a expansão podem ocorrer tanto na parataxe quanto

na hipotaxe (HALLIDAY, 2004). Torna-se necessário, ainda, a compreensão de que,

no caso das relações lógico-semânticas de expansão, forma-se o seguinte esquema

em relação ao teor das informações da primeira oração (O-1 - oração modificada) e

da segunda oração (O-2 - oração modificante) - no caso das orações adverbiais,

esse esquema corresponde à oração nuclear (O-1) e à oração modificante, ou

adverbial (O-2). Essa apresentação de O-1 e O-2 possibilita a seguinte observação

em relação aos processos lógico-semânticos: (i) elaboração: relação de equivalência

(O-1= O-2); (ii) extensão: relação de adição (O-1+ O-2); (iii) realce: (relação de

intensificação/desenvolvimento) O-1 x O-2 (HALLIDAY, 2004). Ainda, as cláusulas

paratáticas com relação lógico-semântica de expansão sempre observarão a ordem

de primeiramente haver a ocorrência de O-1 e depois O-2. Esse fato não é o mesmo

para as relações de expansão na hipotaxe, na qual é possível que as orações

ocorram em posições diferenciadas, e não sequencialmente (O-2, e depois O-1).

Para melhor compreensão de tal esquema e de como os sistemas se

cruzam resultando em um complexo de cláusulas ou em cláusulas complexas,

observe-se, por exemplo, que uma cláusula que se encontra no sistema tático da

parataxe com um sistema lógico-semântico de expansão por elaboração apresenta

as chamadas orações apositivas (04). No caso da parataxe de extensão, têm-se as

chamadas coordenadas (05).

4) ...mas o próprio Deus ele disse:...olha...eu vou enviar um... ...se referindo a Jesus...ao Filho de Deus...uma das pessoas da trindade... ...eu vou enviar um... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

5) ...o que que nós achamos que é pecado? ...eh...matou...roubou...fez algumas coisas que são contra... ...eh...problemas que são socialmente e moralmente errado... ...mas...independente de ter feito essas atrocidades...ou não...todos nós somos pecadores... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

74

6) ...então...daí vem a/veio a Igreja Presbiteriana...que tem o sistema presbiteriano de se governar...de se organizar...né? ...e junto com a doutrina..eh/eh/eh presbiteriana do/do potes/protestantismo..né? ...John Calvino/John Knox..sobre alguns pontos doutrinários..não é? ...em relação à graça..a fé..a salvação..né? ...alguns pontos doutrina:rios... ...daí surgiu a igreja presbiteriana... ...e com todo o movimento...as revoluções...e a/as novas conquistas de terra...um grupo foi para a Inglaterra e Estados Unidos...e lá nos Estados Unidos a Igreja Presbiteriana foi se difundindo...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

Em seis (06), há uma hipotaxe de elaboração que resulta em uma oração

complexa tradicionalmente conhecida como adjetiva explicativa. Além dos casos já

citados de expansão, há a projeção na parataxe, que corresponde às construções

de discurso direto, como em sete (07), e a projeção na hipotaxe, correspondendo ao

discurso indireto, como em oito (08).

7) ...naquele momento...quem intercede por mim...é Cristo Jesus...certo? ...segundo a Timóteo...capítulo 2 versículo 5...né? ...Paulo diz assim: “há um só Deus...um só mediador entre Deus e os homens”...né? ...e o nome dele Jesus Cristo...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

8) ...e aqui ele era cem por cento homem...e cem por cento Deus... ...a bíblia nos diz que ele sempre viveu rodeado por todas as hostes celestiais... ...mas ele...então...recebe uma ordem de seu Pai...e vem aqui na Terra... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

Seguindo por esse mesmo cruzamento de sistemas (tático e lógico-

semântico), constata-se nas orações hipotáticas de expansão por realce, as

cláusulas conhecidas como orações adverbiais.

9) ...santo Agostinho teólogo...ou filósofo Agostinho...ele disse assim... ...para ti tudo fizestes e a nossa alma só terá descanso quando estiver contigo... ...em outras palavras...o homem não é só o corpo...e a alma...ele tem um espírito... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)

10) ...e diria assim...a vida sem Deus...ela é muito insípida...é muito sem sabor... ...é uma vida sem graça... ...porque sem:pre vai existir uma lacuna...um espaço no nosso coração...um vazio...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)

75

Pode-se notar a forma como a hipotaxe de realce atua diretamente sobre o

evento da oração com a qual se relaciona, interferindo diretamente no conteúdo

semântico. Diferente da parataxe de extensão (coordenadas), que acrescentam

eventos, mas não alteram o teor do evento na oração que lhe é subsequente.

Ressalta-se, ainda, que existem orações que funcionam como um mecanismo de

incorporação de constituintes entre as estruturas, não incorrendo, nesse caso, nas

relações de hipotaxe ou parataxe (HALLIDAY, 2004). Essas orações são as

conhecidas como orações subordinadas substantivas, e também a adjetiva restritiva

– como já visto, a adjetiva explicativa se relaciona por meio da hipotaxe,

apresentando uma relação de elaboração em que descreve ou explica um conteúdo

que é equivalente ao conteúdo da oração com a qual se relaciona. As orações

hipotáticas de realce (cláusulas adverbiais) são as orações que estão no foco da

análise do presente trabalho.

Decat (2001) aborda a diferença que existe entre cláusulas que se integram

estruturalmente em outras (subordinadas substantivas e adjetivas restritivas) e as

cláusulas que representam opções organizacionais para o usuário da língua (as

adverbiais, participiais e adjetivas explicativas). Essa diferença se baseia

basicamente em questões de “dependência estrutural” e “não dependência

estrutural”, por assim dizer. Ou seja, no caso das orações substantivas e adjetivas

restritivas, as orações são ligadas não apenas semanticamente, mas

estruturalmente, ao passo que nas orações adjetivas explicativas, participiais e

adverbiais, não se nota uma dependência estrutural do mesmo estatuto das outras

orações supracitadas. O que fica evidente é a “estruturação/informação” semântica,

por assim dizer, que essas orações “sem dependência estrutural” realizam nas

construções linguísticas formuladas por meio da hipotaxe, no caso, como citado

anteriormente, por meio das construções linguísticas formuladas por meio da

hipotaxe de realce.

Por hipotaxe de realce entenda-se o fenômeno de articulação de cláusulas que se combinam para modificar, ou expandir, de alguma forma a informação contida em outra cláusula (ou porção de discurso), o que é manifestado pelas relações circunstanciais. Nesse caso, uma cláusula realça, salienta o significado de outra, qualificando-a com referência a tempo, modo, lugar, causa ou condição. Segunda Halliday, a combinação “realce+hipotaxe” dá origem ao que tradicionalmente se chama de cláusula adverbial e que constitui – nos termos de Thompson e outros autores [...] – uma opção de organização discursiva (DECAT, 2001, p. 111).

76

A autora destaca que, em se tratando de orações adverbiais, a utilização de

nomenclaturas que visam classificar e categorizar essas orações não é capaz de se

sustentar, uma vez que para classificar tais orações é preciso encontrar a função

que elas exercem no contexto do texto que estão presentes. Isso porque, mais do

que se articularem hipotaticamente, as orações adverbiais exercem funções

discursivas que apenas podem ser analisadas contextualmente.

Salienta-se, ainda, que esta pesquisa considera que a cláusula possui

funções discursivas variadas, constituindo-se como satélites nos termos da

perspectiva da Rethorical Structure Theory (RST). Do mesmo modo, a oração que é

modificada pela adverbial, conhecida como matriz ou nuclear, é compreendida como

núcleo. Com isso, esclarece que os termos oração adverbial, cláusulas adverbiais,

hipotáticas de realce e satélites (ou orações satélites) são tratadas como sinônimas,

assim como oração matriz e oração núcleo (ou nuclear) também são consideradas

termos equivalentes neste trabalho.

Decat (2001) chama a atenção para o fato da observância do escopo da

cláusula adverbial. A oração adverbial pode tanto se constituir em uma oração

satélite (adverbial), que possui escopo sobre mais de uma oração núcleo (matriz), ou

mais de uma oração satélite (adverbial), que apresentam escopo sobre uma única

oração núcleo (matriz). Como nos exemplos onze (11) – em que a oração adverbial

de causa apresenta escopo sobre as duas orações anteriores a ela, e em doze (12) -

em que há duas orações adverbiais condicionais modificando uma única oração

nuclear.

11) ...eu achava isso muito difícil de acreditar...nunca...nunca entendi... ...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo... ...porque são várias religiões e vários deuses... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

12) ...eh...na religião católica...se você chegar lá e disser que Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos... ...eh...no::...espiritismo...se você quiser acreditar que Maria é virgem... ...ou se você quiser provar que Maria não é virgem... ...que me parece que é o mais lógico... ...ninguém vai te apedrejar... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

77

Contrariamente ao que se percebe na nomenclatura tradicional, as orações

adverbiais nem sempre estabelecem relações com a oração nuclear que sejam

realmente as relações expressas pelos conectivos. De acordo com Decat (2001, p.

128), “importa o tipo de proposição relacional que emerge da articulação de

cláusulas, e não a marca lexical dessa relação”. Com isso, fica explícita a questão

de que as relações entre as cláusulas podem ocorrer explicitamente (por meio de

conjunções) ou implicitamente (orações justapostas), mas também podem

demonstrar uma relação diferente da que está explícita na conjunção. Como em

treze (13), que apresenta uma relação de condição devido ao conectivo SE, e em

(14), que apresenta mais uma causa/motivo do que uma condição.

13) ...agora...se você me desse oportunidade...eu ia te mostrar...porque eu creio assim...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

14) ...mas esse é um processo que seria plantado através amizade... ...há alguém que nos fez...impossível não acreditar numa divindade... ...e se ele nos fez...ele nos fez para ele... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

Dessa forma, salienta-se que as orações hipotáticas, além de suas

atribuições sintáticas, semânticas e pragmáticas, possuem também uma

representativa atuação na organização discursiva. Ou ainda, de acordo com Decat

(2001), entende-se “a hipotaxe como um tipo de articulação de cláusulas, refletindo

a organização do discurso, e a cláusula hipotática como uma opção organizacional”

(DECAT, 2001, p. 150).

Observada a funcionalidade das orações hipotáticas de realce, seu modo de

funcionamento, as relações que estabelecem e os escopos que exercem, ressalta-

se que essas orações estarão sempre salientando ou realçando uma informação.

Importa investigar como essas informações evidenciadas são capazes de produzir

um ou outro efeito no ouvinte. Importa investigar como a organização dessas

orações pode alterar a informação pragmática do ouvinte.

78

CAPÍTULO 3 - CAUSA: DOMÍNIOS SEMÂNTICOS E CONSTRUÇÕES

Esta seção apresenta o posicionamento teórico adotado e expõe os

conceitos acerca da causalidade, da zona da causalidade e da coerência,

abordando as relações entre esses conceitos.

3.1. Conceitos de causa

O conceito de causa tem sido amplamente estudado em diversas áreas do

conhecimento humano. Na antiguidade clássica - com seus estudos filosóficos, na

Psicologia, na Linguística.

O filósofo grego Aristóteles, em sua obra “Metafísica”22, no capítulo III,

apresenta a teoria que ficou conhecida comumente como “A teoria Aristotélica das

quatro causas”, na qual ele discorre sobre o fato de apenas conhecermos

determinada coisa quando conhecemos sua causa, e indica quatro sentidos que ele

atribui à palavra causa, sendo: (i) causa material; (ii) causa eficiente; (iii) causa

formal; (iv) causa final. O primeiro diz respeito à substância que se constitui como

causa/origem, o segundo refere-se à matéria como causa e o que é ou pode ser

feito com ela, o terceiro aborda o “de onde vem” (em termos de movimento, e não

mais de matéria inerte) e o quarto sentido ao conceito de causa é “o fim para que” –

a finalidade que se origina de determinada causa. Essa sucinta apresentação, além

de evidenciar os estudos do conceito de causa na filosofia, tem a intenção de

apresentar a temporalidade das reflexões acerca das relações de causa, sendo que,

embora esteja fora do âmbito estritamente linguístico, por ele se expresse.

Na Psicologia Social, vale destacar os conceitos de causa presentes na

“Teoria da Atribuição” de Bernard Weiner, na qual ele apresenta o “Lócus de

causalidade” – que seria a localização da causa como sendo interna ou externa ao

indivíduo. Sob esta perspectiva, há também os estudos de Harold Kelley e sua

“Teoria da Covariação”, que observa se a causa é decorrente de um fator interno ou

externo, dividindo a forma como as pessoas atribuem a causa dos acontecimentos

em situacional (externa) – na qual a causa é atribuída a fatores externos e fora do

22

No capítulo III da Metafísica, Aristóteles cita a existência de estudos anteriores aos dele sobre o conceito de causa na filosofia, todavia, foi esse filósofo quem compendiou uma “teoria sobre argumentação” que se difundiu no ocidente.

79

domínio de controle do indivíduo, como por exemplo, um estrago ocasionado pela

chuva, ou disposicional (interna) – em que a causa está atrelada às ações e

decisões do próprio sujeito, sendo ele o responsável por apresentar uma causa para

determinado fato.

Em suma, os estudos filosóficos, linguísticos e psicológicos têm, durante

muito tempo, se mantido paralelos, e em outros casos, até mesmo atrelados. O que

se quer destacar é o fato de que essas áreas do conhecimento, embora de certa

forma distintas, se comunicam, e não apenas essas, mas muitas outras áreas do

saber observam, reconhecem, estudam e analisam questões de causalidade.

A Linguística Cognitiva tem-se ocupado com estudos que avaliam a forma

como as pessoas atribuem a causa ao fato/consequência por meio da linguagem.

Meyer (2000) afirma que toda atividade humana, em seus diferentes níveis (noções

de responsabilidade, transações econômicas etc.) envolve uma causalidade.

A razão pela qual a "lei da causalidade", ou ao menos, a noção de causalidade, ainda continua forte, é independente de seu status na natureza ou ciência. Causalidade é simplesmente um princípio indispensável na organização da vida quotidiana das pessoas, tanto sobre o indivíduo e seu grupo social e, por consequência, também no nível das sociedades, Estados e relações internacionais (MEYER, 2000, p. 10 – tradução nossa23).

Percebe-se que a noção de causalidade transcende o simples vínculo

estabelecido entre orações, seja por relações sintáticas ou por relações semânticas

– mais semânticas do que sintáticas, no caso das adverbiais. A causalidade abrange

diferentes e variadas áreas de atividades humanas, assim como fenômenos físicos,

o que faz desse tipo de relação um instrumento valioso na utilização linguística. Ela

é capaz de construir um texto argumentativo não apenas por meio de construções

sintáticas, mas também por meio de toda relação de causa que transparece nas

relações semânticas e pragmáticas, implícita ou explicitamente, ao conteúdo que é

enunciado. Envolve também fatores extratextuais (conhecimento de mundo),

ocorrência que também colabora para a coerência textual.

23

The reason why the "law of causality", or at least the notion of causality, is still going strong, is independent of its status in nature or science. Causality is simply an indispensable principle in the organisation of people's everyday lives, both on the individual and the micro-group level, and, a fortiori, also on the level of societies, states, and international relations

80

Sob uma perspectiva funcionalista, como exposto no capítulo um, é fato

comum que a linguagem não consiste em um sistema autônomo, uma vez que a

língua é regida por fatores externos. Também a concepção de língua considera a

linguagem como instrumento de comunicação entre os seres humanos, sendo o

principal objetivo da língua, estabelecer a comunicação inter-humana. Atualmente,

diferentes estudos e perspectivas teóricas voltaram-se para diferentes pesquisas e

análises, a fim de evidenciar que as relações causais não se estabelecem

linguisticamente apenas por meio de determinadas conjunções. Acredita-se, neste

trabalho, que a causalidade é algo intrínseca às estruturas subjacentes das

expressões linguísticas.

Conforme Maat & Sanders (2000), diferentes relações causais podem ser

percebidas em diferentes orações e contextos, embora utilizem a mesma conjunção.

Ou seja, uma mesma conjunção pode proporcionar leituras que demonstram

diferentes relações causais, ou conjunções diferentes podem incorrer em uma

compreensão similar da relação que se estabelece entre as orações. Além do

modelo em níveis, de Dik (1989), o modelo em camadas, de Sweetser (1990), tem

sido bastante eficaz para explicar essas ocorrências, devido ao fato de que essas

diferentes leituras ocorrem em níveis diferentes e não se restringem as relações

estabelecidas por conectivos. Tais propostas envolvem o contexto situacional e

também as relações estabelecidas entre as experiências de mundo dos envolvidos

na situação comunicacional. Esses fatores irão influenciar a leitura e a compreensão

das relações que se estabelecem entre as orações, assim como dos nexos causais.

Dessa forma, diferentes conectivos podem expressar diferentes relações e

diferentes níveis de leitura semântica. Ainda, um mesmo conectivo também

possibilita leituras em diferentes níveis, quais sejam: de conteúdo, epistêmico e de

ato de fala. Fato que explicaria essas diferentes leituras (MAAT & SANDERS, 2000).

Ressalta-se que o modelo de Sweetser (1990) pode ser compreendido

dentro do modelo de estudos em camadas ou níveis de expressão linguística de

uma língua, conforme modelo de Dik (1989), Hengeveld (1989) e Hengeveld et al

(1990). No modelo de Dik (1989), o primeiro nível é o do predicado, que, designando

propriedade ou relações, se aplica a certo número de termos, referentes a

entidades, para produzir o segundo nível, mais elevado, a predicação (NEVES,

1999). A predicação designa um Estado de Coisas concebido como algo que pode

81

ocorrer em algum mundo – real ou mental. A predicação pode então ser construída

em um terceiro nível, a proposição. A proposição, por sua vez, designa um conteúdo

proposicional, um fato possível. O ato de fala seria o quarto nível, que corresponde a

uma proposição revestida de força ilocucionária (NEVES, 1999). Lembrando que,

para Dik, a cláusula é construída por meio das estruturas subjacentes, que vão se

“interpondo” até atingir o estatuto de cláusula – frase.

Quadro 04: Os níveis estruturais das unidades linguísticas conforme, modelo de Dik (1989)

UNIDADE ESTRUTURAL

TIPO DE ENTIDADE ORDEM

Cláusula Ato de fala 4 Ato de fala declarativo

Proposição Fato possível 3 Fato possível de se acreditar Predicação Estado de coisas 2 Fato possível de acontecer

Termo Entidade 1

Predicado Propriedade/relação

[Fonte: adaptação do quadro organizado por Neves (2004, p. 88)]

Dessa forma, Neves (1999) esclarece que seria possível estabelecer o

seguinte paralelo em relação aos três diferentes domínios de interpretação

semântica:

Quadro 05: Quadro comparativo das terminações utilizadas por Dik (1989) e por Sweetser (1990)

Modelo de Dik (1989) Domínios de Sweetser (1990)

Predicação (EsCo) Nível do conteúdo

Proposição (fato possível) Nível Epistêmico

Frase (Ato de Fala) Nível conversacional/Ato de fala

[Fonte: inspirado em Neves (1999)]

Neves (1999) propõe ainda acrescentar às relações propostas entre

Sweetser e Dik a discussão das metafunções de Halliday (ideacional, interpessoal e

textual), o que nos proporciona um novo quadro, observando que o nível textual

perpassa todos os níveis.

82

Quadro 06: Correlação entre as metafunções de Halliday, teoria dos níveis de Sweetser (1990) e a teoria das camadas de Dik (1989).

Metafunções de Halliday

Sweetser Dik Exemplo

Ideacional (relações entre eventos) Externo à situação comunicativa

Domínio de conteúdo Predicação A rua está molhada

porque choveu.

Interpessoal (relações entre argumentos) Interno à situação comunicativa

Domínio epistêmico Proposição Ele podia inclusive bater na criança, porque ele estava ali no papel de pai.

Domínio de atos de fala

Frase Nenhuma vez ela mandou sair de perto e ir pro parquinho porque ela tava atendendo alguém.

[Fonte: inspirado em Neves (1999)].

Pensando nas construções causais, chama-se a atenção para a utilização

das conjunções como forma de junção, uma vez que esta pesquisa se refere às

orações conjuncionais. Para Halliday & Hasan (1976) há quatro categorias de

conjunções – aditiva, adversativa, causal e temporal, as quais podem expressar dois

tipos de relações: relações entre eventos e relações entre argumentos. Tal

compreensão apresenta-se de modo a fortalecer a proposta de uma possibilidade de

uma leitura com correspondência lógico-semântica entre orações adverbiais

(hipotaxe) e coordenadas (parataxe), tal como apresenta Neves (2012).

As relações entre eventos apresentam fenômenos externos à situação de

comunicação. Essas relações podem ser chamadas de experienciais ou ideacionais

e são interpretadas como uma relação entre os significados, no sentido de

representações de conteúdo de uma realidade ou experiência externa. Corresponde

ao domínio de conteúdo do Sweetser (1990) ou ao nível da predicação de Dik

(1989).

Já as relações entre argumentos são aquelas que se estabelecem entre

fenômenos internos à situação de comunicação. Aqui, os segmentos são

relacionados com etapas em um argumento24, significando primeiro uma proposição

no jogo do discurso, e depois outra. Pode ainda ser chamada de interpessoal, ocorre

24

Argumento aqui compreendido como cada um dos sintagmas nominais exigidos pelo verbo.

83

no âmbito da construção de significados e da representação das impressões

particulares do falante acerca da situação. Corresponderia aos domínios epistêmicos

e dos atos de fala de Sweetser (1990) e aos níveis da proposição e da frase de Dik

(1989).

A discussão acerca das camadas e níveis de expressão linguística é

relevante sob o escopo de que, a partir das relações estabelecidas entre elas, torna-

se possível observar o conceito de causalidade que permeia os estudos linguísticos

de cunho funcionalista. De modo mais pontual, pode-se dizer que o domínio no qual

se situa a oração incorre diretamente na argumentação enquanto estratégia

discursiva.25

É possível perceber, então, a partir dessas considerações, que o conceito de

causalidade parece possuir um domínio maior que simplesmente o da construção

oracional, e, ainda, que tais construções são criadas e representadas de acordo com

as experiências e os propósitos do falante. Isso, mesmo apesar da noção de causa

ser comumente atribuída a relações estabelecidas entre orações adverbiais causais.

Para Neves (1999), entre as relações estabelecidas no domínio epistêmico e

no domínio dos atos de fala, não há uma legitimidade causal efetiva como “efeito” ou

resultado de outra ação, mas a causalidade é estabelecida porque o falante enuncia

determinados estados de coisas como causalmente relacionados, não importando a

materialidade, a efetividade, a realidade ou não dessa causalidade. Assim, a

estrutura em camadas proporciona a análise de construções linguísticas em uma

espécie de continuum causal, em que há desde uma construção causal definida

sobre base material – causa eficiente (domínio do conteúdo) até a camada mais alta

em que a causa é definida por uma base cognitiva (atos de fala).

Sweetser (2000) aponta que uma interpretação correta das construções

causais não depende da forma, mas de uma escolha pragmaticamente motivada

para a consideração das construções como representações de unidades de

conteúdo, entidades lógicas ou de atos de fala. Daí a atribuição do relevo à intenção

25

A partir dos apontamentos de NEVES (1999, 2000, 2012) é possível vislumbrar a argumentação discursiva como um recurso que se situa em diferentes domínios, de acordo com a argumentação pretendida pelo falante. Poderia se pensar, por exemplo, em argumentos discursivos de causa e efeito que se situam, normalmente, no domínio conteúdo, ou ainda, um argumento de autoridade que pode se situar tanto no domínio epistêmico quanto no de atos de fala, etc.

84

comunicativa do falante. Linguisticamente, o que se compreende como uma relação

de causa poderia ser vista como um construto linguístico que representa fatos e

coisas possíveis em um mundo real ou imaginário, por meio da proposição. Ainda,

nas palavras de Jakobson (2007, p. 44), “Toda experiência cognitiva pode ser

traduzida e classificada em qualquer língua existente”, e, com isso, explicitar de

modo mais ou menos marcado, suas possíveis relações de causa.

Maat & Sanders (2000) frisam que o a teoria dos três domínios de Sweetser

(1990), contudo, deve ser observada como hipótese para pesquisas empíricas da

linguagem em uso, considerando que a alegação de fatores apenas semânticos e/ou

pragmáticos não é específica o bastante para explicar os diferentes significados e

usos destas conjunções.

Da mesma forma, na literatura linguística sobre conectivos e subordinação adverbial, a primeira distinção relevante está entre o domínio de conteúdo e o epistêmico. Parece que vamos ter que permitir a ideia de que, quanto à tipologia de causalidade, uma distinção do tipo [“volitivos”.] pode ser tão fundamental como àquela entre domínios de conteúdo e domínios epistêmicos (MAAT & SANDERS, 2000, p. 63 – tradução nossa26).

Após a realização de testes empíricos utilizando conectivos causais

holandeses, os autores destacam que:

A suposta distinção entre a causalidade no domínio de conteúdo e no domínio epistêmico permanece não marcada no campo dos conectivos holandeses mais comuns, enquanto a distinção entre as relações não-volitivos e volitivos é marcada linguisticamente por conectivos causais comumente usados (MAAT & SANDERS, 2000, p. 63 – tradução nossa27).

Com isso, os linguistas chamam a atenção para a importância de se

considerar a volição ou não volição existentes entre as relações nos diferentes

domínios e acrescentam às relações causais, além da “causalidade epistêmica”, “de

conteúdo” e “de atos de fala”, uma “causalidade volitiva”. Por conseguinte, tanto a

causalidade que se demonstra no nível epistêmico e a volitiva “envolvem um sujeito

26

Similarly, in the linguistic literature on connectives and adverbial subordination, the first relevant distinction is between content and epistemic. It seems we might have to allow for the idea that, as far as the typology of causality is concerned, a distinction of the type ["volitional] may be as fundamental as the one between content and epistemic domains (MAAT & SANDERS, 2000, p. 63. 27

the purported distinction between content and epistemic causality remains unmarked in the field of most common Dutch connectives, while the distinction between volitional and non-volitional relations is marked linguistically by commonly used causal connectives (MAAT & SANDERS, 2000, p. 64).

85

animado, uma pessoa, cuja intencionalidade é conceituada como a fonte última do

evento causal, seja um ato de raciocínio ou atividade algum ‘mundo real’” (MAAT &

SANDERS, 2000, p. 64 – tradução nossa).

Uma vez que a possibilidade de haver diferentes compreensões de relações

causais não ocorre no nível do conteúdo, a problematização passa a ser, em maior

parte, no nível epistêmico e no nível dos atos de fala de Sweetser (1990), surgindo

então a atribuição de Maat & Sanders (2000) à questão da volição.

Parece que, para nós seres humanos, uma distinção fundamental é a distinção entre eventos, finalmente, proveniente de alguma mente, e eventos que se originam de causas não-intencionais, entre as causas que localizam-se fundamentalmente em um assunto de consciência e as que estão localizadas no mundo inanimado. Essa distinção é tão fundamental que aparece de forma semelhante em diferentes níveis linguísticos, e é muitas vezes a única distinção marcada explicitamente por meio de alguma forma linguística (MAAT & SANDERS, 2000, p. 64 – tradução nossa28).

Parece, portanto, que a causalidade pode encontrar diferentes formas de se

manifestar linguisticamente, de acordo com a concepção que o falante tem acerca

da causa que relaciona os eventos por ele apresentados. Também o fato de que, no

mundo (real ou possível) as ocorrências são regidas, de certa forma, por critérios

lógicos que envolvem critérios de causalidades. Com isso, entende-se que os

constituintes das orações não são escolhidos aleatoriamente, mas obedecem a

critérios lógicos para a realização dos eventos. Desse modo, um evento pode ser um

evento-causa, um evento-efeito ou um evento-consequência

(NEVES/BRAGA/HATTNHER, 2008). Para uma ressalva do que seja efeito ou

consequência, destaca-se que “só os fatos ou fenômenos físicos têm causa, os atos

ou atitudes praticados ou assumidos pelo homem têm razões, motivos [...]. Da

mesma forma, os primeiros têm efeitos, e os segundos, consequências” (GARCIA,

1973, p. 221).

Neves (2009) destaca o fato de que, na linguística funcional, observa-se

como os falantes e os ouvintes têm capacidade de transmitir informações por meio

28

it seems that to us humans a very fundamental distinction is the one between events ultimately originating from some mind, and events that originate from non-intentional causes; between causes that are crucially located in a subject of consciousness, and those that are located in the inanimate world. This distinction is so fundamental that it shows up in similar ways at different linguistic levels and is often the only one marked explicitly by means of some linguistic form (MAAT & SANDERS, 2000, p. 64).

86

das expressões linguísticas, considerando para isso as capacidades do usuário da

língua natural29.

Tem-se, dessa forma, que, no modelo funcional, consideram-se fatores

internos e externos não apenas à língua, mas também aos produtores e receptores

do discurso, que precisam se utilizar da linguagem de modo satisfatório, tanto na

produção quanto na recepção do conteúdo linguístico. Para isso, os usuários da

língua se ancoram em situações extralinguísticas e também cognitivas que lhes são

particulares e outras socialmente compartilhadas. Ocorre daí a correlação intrínseca

ao ato comunicativo como produção linguística, vinculada à intenção comunicativa

do falante e seu conhecimento de mundo, assim como o modo pelo qual esse

indivíduo observa a realidade existente, interpretando-a por meio de nexos causais.

Dessa maneira, os domínios causais existentes são variados e complexos e

não podem ser classificados linguisticamente somente por determinados conectivos,

o que seria extremamente limitador para qualquer forma de expressão verbal. Os

domínios causais, ou de relações causais, são passíveis, portanto, de se fazerem

representar, linguisticamente, de diferentes formas, incluídas construções adverbiais

tradicionalmente classificadas com outras denominações que não a causal, como as

consecutivas, concessivas etc.

Nas próximas seções, alguns critérios pertinentes à hipotaxe adverbial e às

construções causais serão ainda detalhados. A pretensão da apresentação dos

níveis e domínios causais é apenas uma forma de demonstrar como se compreende

o conceito da causalidade nos estudos linguísticos funcionalistas, firmando-se, para

isso, em conteúdos pertinentes às relações causais também de outras áreas de

estudos científicos.

3.2 O campo semântico da causalidade

Uma vez observada a abrangência dos domínios causais em relação às

atividades humanas e em suas possibilidades de representação verbal, pretende-se

demonstrar, a partir das possibilidades de construções linguísticas, que as orações

29

Conforme o conceito de Dik (1989), já exposto no capítulo um deste trabalho, subseção 1.4.

87

adverbiais são capazes de expressar diferentes relações causais, embora algumas

sejam classificadas como estabelecedoras de outros tipos de relações. As orações

hipotáticas, apesar de apresentarem conectivos que expressem, tradicionalmente,

relações fixas entre as orações que as compõem, têm apresentado um campo

semântico de causalidade, ou seja, mesmo sendo iniciadas por conjunções que

estabelecem outras relações que não causais apresentam variáveis que

pressupõem uma causa para o conteúdo da oração nuclear, conforme estudos

realizados por Neves (1999, 2000, 2012).

Neves (2012) aponta que há uma correlação semântica entre as orações

subordinadas adverbiais causais, condicionais e concessivas. De acordo com a

autora, há um extremo em que a relação de causa é afirmada (construções causais),

um extremo em que o vínculo causal entre as orações é negado (construções

concessivas), e um espaço intermediário em que a relação de causa entre as

orações é hipotetizada (condicionais).

Comumente se classificam como orações causais aquelas iniciadas pela

conjunção porque e seus equivalentes: como, pois, que, já que, visto como, por

causa que etc., e que apresentam uma relação de causa-consequência ou causa-

efeito entre os eventos (ou, como veicula entre os livros didáticos, entre a oração

nuclear e a “subordinada”) – seria a oração causal em sentido estrito.

Desse modo, a oração causal stricto sensu aborda a relação entre estado de

coisas, indicando apenas “causa real/efetiva/eficiente”, implicando uma

subsequência temporal do efeito em relação à causa. Todavia, existem diferentes

domínios semânticos de causa, e por isso há a necessidade de se pensar as

construções causais para além das relações de causa-efeito e/ou causa-

consequência (NEVES, 2012).

Sob uma perspectiva discursiva, as orações causais são consideradas por

Neves/Braga/Hattnher (2008, p. 946) como construções que apresentam formações

articuladas, por assim dizer, entre fundo (oração causal) e figura (oração nuclear).

88

Por figura, entende-se aquela porção do texto narrativo que apresenta a sequência temporal de eventos concluídos, pontuais, afirmativos, factuais, sob a responsabilidade de um agente, que constitui a comunicação central. Já fundo corresponde à descrição de ações e eventos simultâneos à cadeia da figura, além da descrição de estados, da localização dos participantes da narrativa e dos comentários avaliativos (CUNHA, COSTA E CEZARIO, 2015, p. 31 – grifo no original).

Há casos de orações causais em que a posição de tópico se altera, como

nas orações introduzidas por como. Destaca-se que Neves (1999, 2000) aponta que

as construções encabeçadas com porque se constituem sempre como uma

“resposta”, trazendo não apenas a informação nova, mas também o foco

informacional. De acordo com a autora, esse aspecto dessas orações é o que

favorece a posposição das construções causais com porque/ que.

Nesse momento cabe retornar ao conceito de que “a relação causal, na

verdade, raramente se refere a simples acontecimentos ou situações de um mundo”

(NEVES, 2000, p. 804), ou à subsequência temporal.

Para a autora, as orações causais devem ser explicadas observando três

diferentes domínios de interpretação semântica: (i) O domínio do conteúdo; (ii) o

domínio epistêmico; (iii) o domínio dos atos de fala, conforme modelo de Sweetser

(1990).

O domínio do conteúdo marca a causalidade de um evento no mundo real,

entre EsCos. O domínio epistêmico considera que a causalidade não se dá apenas

entre EsCos, mas entre fatos possíveis, e marca a causa por meio de uma crença

ou conclusão. O domínio dos atos de fala apresenta a relação de causalidade que

reside na expressão de causa que motivou o ato linguístico e indica uma explicação

causal do ato de fala que está sendo desempenhado.

Conforme os conceitos de Sweetser (2000) e Dik (1989) das construções

vistas em diferentes níveis e camadas, destaca-se que as orações que

tradicionalmente são vistas como orações causais, passam a ser denominadas por

Neves (1999) construções causais. Isso porque a causalidade pode ser descrita

verbalmente por meio das construções causais entre proposições ou entre frases,

não apenas na subordinação, mas também na coordenação.

89

Nas construções causais entre proposições é que surge a questão da

verificação da existência da relação causal. Essas construções são encabeçadas

pela conjunção porque e seus equivalentes, incluindo locuções conjuntivas, e

apresentam uma interdependência entre a oração nuclear e a causal.

Acerca das construções causais conjuncionais, a questão não é dois

estados de coisas se relacionarem causalmente, mas é o falante apresentá-los

dessa forma (NEVES, 1999). No nível epistêmico, tem-se uma causalidade

anunciada, e não cientificamente comprovada como ocorre na predicação ou no

domínio do conteúdo. Dizer que se tem uma “causalidade anunciada”, equivale a

dizer que se tem uma causalidade como sendo apresentada pelo falante, passando

por julgamentos de razão, motivo, explicação etc., e não uma causalidade material.

Com isso, pode-se dizer que as relações de causa em diferentes níveis,

assim como a anteposição ou a posposição são diferentes estratégias que regem a

escolha, com diferentes efeitos informativo-pragmáticos. Ainda, as construções

causais podem ser distinguidas como causais de enunciado (tradicionalmente

classificadas como subordinação causal) e causais de enunciação (tradicionalmente

classificadas como coordenação causal). A diferença entre esses tipos de

construção não consiste unicamente no fato que as causais sejam todas inter-

ordenadas ou coordenadas, ou em parte coordenadas e/ou em parte inter-

ordenadas, mas também na forma como as causais de enunciado e enunciação se

relacionam linguisticamente (NEVES, 1999).

Para além das construções causais prototípicas, por assim dizer, existem

outras adverbiais que são capazes de estabelecer relações de causa. Pensando

nessas construções e na zona da causalidade, é possível obter o seguinte quadro:

Quadro 07: Formas de apresentação da causa.

Tipos de oração Como a causa é

apresentada

Ênfase

Causal Causa afirmada Na causa

Concessiva Causa negada Na negação

Condicional Causa hipotetizada Na possibilidade

Temporal

(com valor causal)

Causa hipotetizada Na possibilidade

[Fonte: inspirado em Neves (2012)].

90

À vista disso, assim como as construções causais podem ser inter-ordenadas

ou coordenadas, as concessivas e as condicionais também apresentam uma

construção em camadas. Ainda, refletindo sobre esse campo de causalidade que

envolve critérios semânticos, cognitivos e pragmáticos, cabe reafirmar que tais

construções permitem que a relação de causa seja percebida devido aos seus

diferentes domínios. Para Dancygier & Sweetser (2000), os nexos de causalidade

nas construções oracionais são passíveis de ocorrer de diversas formas e em

diferentes níveis de interpretação. Os aspectos cognitivos e os domínios em que

essas construções são interpretadas podem ser tão importantes quanto às demais

escolhas realizadas pelo falante, para que a causalidade seja interpretada e

reconhecida nessas orações (DANCYGIER & SWEETSER, 2000). Assim, uma

oração hipotática causal que não seja de conteúdo, cognitivamente reflete um

estado de coisas (EsCo) que corresponde diretamente ao mundo real. Em outras

palavras, no caso de uma oração adverbial causal epistêmica, ela é baseada em

uma relação de conteúdo subjacente, em que a causalidade é expressa de forma

derivada, refletindo uma linha de raciocínio que evoca eventos ou situações do

mundo (NOORDMAN & BLIJZER, 2000). O que se pretende demonstrar é que os

domínios de realização dessas construções são, em parte, o que possibilita trazer

para sua superfície linguística essa causalidade que lhe é intrínseca, independente

de suas caracterizações tradicionais, e isso é operacionalizado, por assim dizer,

pelos participantes do discurso.

Quanto aos dos domínios de interpretações semânticas das orações,

considera-se uma oração adverbial causal no nível do conteúdo, “quando a relação

de causalidade fica estabelecida entre estados de coisas, que estão relacionados

por uma causalidade que fica estabelecida em um mundo qualquer” (NEVES &

BRAGA, 2016, p. 133).

15) ...a bíblia diz assim que na viração do dia eles estavam lá...e Deus estava lá para conversar com eles...face a face...né? ...quando o pecado entra... ...daí é Gênesis...capítulo três... ...aí vem a descrição de Moisés dizendo que eles tiveram vergonha de Deus e se esconderam de Deus... ...fizeram roupas de figueira...porque descobriram que estavam nus...né? ...e se esconderam de Deus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

91

16) ...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo... ...porque são várias religiões e vários deuses... ...e aí não...não me conven::ce...nenhum deles... ...e...ainda mais por ser muitos...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

Esses tipos de construções apresentam (EsCo), demonstrando como a

causalidade ocorre no nível do conteúdo [ou da predicação, conforme modelo de Dik

(1985)]. Isso implica dizer que elas retratam a ideia, o conceito de algo no mundo,

não envolvendo prioritariamente conceitos de crenças, motivos, explicações etc.,

mas uma relação entre eventos que implica um nexo causal firmado no resultado de

ações que se realizam no mundo, das quais apresentam a causa na oração

subordinada e a consequência ou efeito, na oração nuclear.

Ainda, conforme Neves (1999), nesse tipo de construção, a causalidade

obtida no enunciado é mais forte, sendo definida de acordo com uma base material.

Neves (1999, 2000), Halliday & Hasan (1976), entre outros, distinguem as

relações expressas entre as orações subordinadas e nucleares a partir das

categorias de conjunção, que resultam em relações entre eventos e relações entre

argumentos. A primeira relação diz respeito à

Relação entre fenômenos externos à situação de comunicação e é, por isso, chamada externa. Tal relação pode ainda ser chamada de referencial (ou ideacional), e é interpretada como uma relação entre os significados no sentido de representações de conteúdos (ou experiências) da realidade externa (NEVES, 2000, p. 473).

Assim, observa-se que as ações responsáveis pelo estabelecimento das

relações são contextualizadas por acontecimentos externos, ou ainda,

acontecimentos no mundo real que são apenas apresentados, constatados pelo

falante, note que o falante não demonstra questões de crenças etc. O pastor

apresenta uma causa real: “estavam nus” (exemplo 15) – um acontecimento que

resultou na confecção de roupas para eles. Tanto o fato de estar nu, quanto o fato

de confeccionarem roupas para si, apresentam realidades externas que

influenciaram diretamente na relação entre os eventos. Do mesmo modo, no

exemplo dezesseis (16), a existência de várias religiões, que é uma causa externa à

situação, resulta no efeito produzido sobre o falante, qual seja, realizar várias

pesquisas.

92

No caso dos níveis epistêmicos e de atos de fala, as relações não se dão

entre eventos, mas entre argumentos. Acerca da relação entre argumentos, Neves &

Braga (2016) ressaltam que:

A relação entre argumentos é aquela que se estabelece entre segmentos do discurso, segmentos que estão relacionados entre si como etapas de uma argumentação, uma relação inerente à situação comunicativa, isto é, de fonte interpessoal. Trata-se, portanto, de uma relação entre significados como representação das interpretações particulares do falante acerca da situação NEVES & BRAGA, 2016, p. 13 – destaque no texto original).

Esse tipo de relação, portanto, pode ser considerada como mais volitiva e/ou

mais intencional em sua elaboração por parte do falante, tendo em vista que ele não

apenas irá falar sobre algo no mundo de modo a relacionar eventos apenas. A

relação entre essas orações visam mais que apresentar fatos do mundo real e suas

consequências/efeitos, visa apresentá-los de forma subjetiva, relacionando-os de

acordo com suas intenções, independentes das “leis de ação-reação”, por assim

dizer. Assim, cada oração relacionada constitui segmentos, partes que compõem

uma argumentação que possui como principal fonte as intenções do falante e/ou

suas crenças, apresentando motivos e razões para determinadas coisas.

As orações conjuntivas causais pertencentes ao domínio epistêmico e dos

atos de fala foram observadas de acordo com a relação entre argumentos, com as

categorias de conjunção, de Halliday & Hasan (1976), e em suas relações lógico-

semânticas e pragmáticas, assim como as causais do domínio de conteúdo.

17) ...quando era pequeno...participava...assim...da igreja católica...evangélica...de várias igrejas assim... ...e:...não sei se é porque eu participei de muitas eu acabei não acreditando em nenhuma... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

Uma oração causal no domínio epistêmico – ao contrário da que se

estabelece no domínio do conteúdo, como já apresentado, relaciona argumentos e

não eventos, e, assim, parece denotar maior argumentatividade do que a de

conteúdo. Embora seja possível pensar que a contestação de ideias entre orações

de conteúdo seja dificultada pelo fato de relacionar eventos de estados de coisas, as

93

do domínio epistêmico parecem orientar semântica e pragmaticamente mais do que

as do domínio de conteúdo.30

Neves (2000) explica que o fato de essas relações ocorrerem entre

proposições – relacionando argumentos e não entre eventos – aponta para o fato de

que a causa material dessas orações não é significativa ao ponto de firmar as

relações semânticas de causalidade em um âmbito não tão subjetivo quanto o de

questões semânticas. O que acontece com as orações epistêmicas é que essa

“materialidade” dos EsCo se torna menos relevante em termos de construção

causal, assim, o que ocorre é que “o falante a enuncia como causalmente

relacionada, não importando a materialidade / a efetividade / a realidade, ou não,

dessa causalidade” (NEVES, 2000, p. 474).

As orações hipotáticas condicionais, por sua vez, apresentam três tipos de

ocorrências semânticas entre as orações, sendo as orações que formam as

construções condicionais denominadas de prótase – a primeira oração,

condicionante da segunda, e apódose – a segunda oração, condicionada pela

primeira. Para fazer referência às orações condicionais, também serão utilizados os

termos oração 1 (para a prótase - a oração condicional) e oração 2 (para a apódose

- a oração nuclear). As ocorrências semânticas entre as orações condicionais podem

ser de três tipos: factual, potencial ou contrafactual (CASTILHO, 2010).

Factual – o enunciado da prótase é tido como real e o enunciado da apódose

é visto como consequência da prótase e igualmente real. Essas construções

apontam para “o mundo do já sabido” e são formadas normalmente por [se +

indicativo/indicativo] (CASTILHO, 2010, p. 375-376). Potencial – o conteúdo da

prótase é um evento possível, mas necessita que a apódose o confirme, ou seja,

essas orações representam o mundo “epistemicamente possível” (CASTILHO, 2010,

p. 376). Contrafactuais – a informação da prótase é contrária à realidade e as

orações apresentam uma construção com se + verbo no subjuntivo na prótase e a

30

Pensando na refutação de argumentos lógicos, as orações causais de conteúdo parecem melhor se adequar a elas, o que aparenta uma dificuldade maior na contestação das ideias. É possível recorrer aqui à frase de domínio comum “contra fatos não há argumentos” a fim de exemplificar o conceito que se pretende aqui transmitir (não adentrando, obviamente, no conceito filosófico do que vem a ser um fato). Já as orações do domínio epistêmico, assim como de atos de fala, parecem se enquadrar melhor nos argumentos retóricos. Essa distinção se baseia apenas nos conceitos dos tipos de raciocínios (lógicos e preferíveis) de Aristóteles – conforme apresentado no capítulo quatro, subseção 4.1.2, deste trabalho.

94

forma em – ria na apódose (CASTILHO, 2010, p. 376). Nas porções textuais

seguintes, é possível observar a ocorrência de condicionais factuais, potenciais e

contrafactuais, respectivamente.

18) ...e nós estamos aí...aptos a prosseguir:...eh...na busca de moradas cada vez melhores... ...de tal forma que nós não precisamos do céu... ...o céu...se você obserVAR... ...todos os religiosos falam do céu...mas ninguém quer ir... ...então...eu te convido a conhecer a doutrina espírita...para saber que há muito mais entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

19) ...o que faz parte da doutrina espirita é o avanço...

...tanto que Allan Kardec diz o seguinte:...se um dia...a ciência comprovar que a doutrina espírita está errada...nós ficaremos com a ciência e deixaremos a doutrina espírita... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

20) ...agora...se você me desse oportunidade...eu ia te mostrar...porque eu creio assim...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

Nos três exemplos, as orações se situam no nível do conteúdo. Uma

condicional no domínio epistêmico, por exemplo, envolveria tanto o critério de o

evento na prótase ser confirmado pela apódose, quanto à questão de crenças do

falante. Como em

21) ...é só você:...pedir perdão e...que você vai pro céu... ...se você acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa... ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum...você tem que ser o responsável...pelo que você faz... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

Ainda, destaca-se que as orações condicionais vão para além dos tipos –

factuais, contrafactuais e potenciais, que parecem se referir basicamente à relação

do valor de verdade estabelecido entre as cláusulas ou da sua atuação em

diferentes níveis. Elas denotam também uma causa hipotetizada entre os eventos

das orações. Neves (2012) demonstra que a condicionalidade pode se tratar da

correspondência de uma alternância entre os eventos das orações, em nível

paratático, ou que apresentam uma condicionalidade explícita em nível hipotático.

Considerando, portanto, esses aspectos, e o fato de poder haver uma diluição na

correspondência condicional, essa diluição possibilita uma nova perspectiva de

95

análise, na qual se nota que há uma relação causal mesmo em orações tipicamente

condicionais ou concessivas. Assim, para Neves (2012, 2016), a relação causal em

uma oração hipotática de causa é de uma causa afirmada, ao passo que na oração

condicional, a causa é hipotetizada. Dessa forma, crê-se que essas construções que

apresentam correspondência básica nas paratáticas alternativas podem funcionar

como argumento, assim como atribuir maior força argumentativa ao texto produzido.

Acerca das orações condicionais, é importante destacar ainda sua função

discursiva de tópico. O conceito de tópico discursivo já foi apresentado no capítulo

um, nas subseções 1.6 e 1.6.2 deste trabalho, por esse motivo, apenas se destaca

que tópico é aqui compreendido como uma manifestação linguística decorrente da

interação pela linguagem oral, e, por conseguinte, espontâneo, o qual se manifesta

“mediante enunciados formulados pelos interlocutores a respeito de um conjunto de

referentes, concernentes entre si e em relevância num determinado ponto da

mensagem” (JUBRAN, 2006, p. 91).

Dizer que a oração hipotática condicional possui – quando anteposta a

oração nuclear – função de tópico discursivo, implica compreender que esse

conteúdo verbal adquire um estatuto de maior relevância para o responsável pela

fala. Ou seja, não se observa apenas os critérios de Haiman31 (1978) sobre

questões morfológicas ou sobre o fato de a informação da condicional e do tópico

ser dada e constituir-se em moldura de referência, mas são consideradas também

questões pragmáticas, observadas pela linguística textual, de que esses conteúdos

são assim apresentados por questões como as supracitadas, e que implicam relevo

e focalização de informação no texto, contribuindo também para a coerência textual.

Desse modo, ao observar a seguinte porção textual, percebe-se como a

oração condicional apresenta, nesse caso, mais do que questões de condição ou de

causa, há relevo informacional. Na última ocorrência, percebe-se, além do destaque

informacional, uma condição, ou seja, a condição expressa pela oração se torna

mais evidente do que nas duas primeiras.

31

Haiman (1978) foi um dos precursores dos estudos linguísticos no que tange sobre as orações condicionais como tópicos, unindo os estudos que havia na época (nas áreas de filosofia e linguística) para fundamentar sua proposta. Embora criticado por alguns linguistas – como Sweetser - seus conceitos de “condicionais-tópico” ainda são amplamente utilizados.

96

22) ...POR exemplo...a questão dogmática da igreja...de quase todas as igrejas...de que::...Deus e Jesus Cristo são uma pessoa só:...isso no espiritismo não tem fundamento algum... ...o próprio Cristo chama Deus de pai...e me parece que o pai e o filho tem uma certa diferença... ...eh...na religião católica...se você chegar lá e disser que Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos... ...eh...no::...espiritismo...se você quiser acreditar que Maria é virgem...ou se você quiser provar que Maria não é virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar... ...então...essas questões dogmáticas não fazem parte da doutrina espírita... ...o que faz parte da doutrina espirita é o avanço... ...tanto que Allan Kardec diz o seguinte...se um dia...a ciência comprovar que a doutrina espírita está errada...nós ficaremos com a ciência e deixaremos a doutrina espírita... ...então...você me perguntou por que estou na doutrina espírita? ...porque me parece que é a mais LÓgica e a mais RAcional... ...a lógica e a razão sempre há de preceder uma discussão espírita... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

Observe que a anteposição propicia ao falante focalizar um tema - o qual

seria a atitude e a crença possível de seu ouvinte em relação a uma questão

dogmática - em detrimento de outro - que seria a atitude daqueles que já tem

definida sua posição em relação à questão dogmática apresentada.

Ressalta-se que tal concepção se estende às construções causais, conforme

denominadas já no início deste trabalho, e a todas as construções que apresentem

relações de causa e efeito, seja por meio de diluições de correspondências

semânticas básicas em diferentes camadas de predicação ou por correspondências

diretas, quer sejam conjuncionais ou não.

Essa correspondência situa-se nos limites das correspondências da

interdependência semântica e pragmática das orações paratáticas e hipotáticas,

limites que geram um “lugar semântico”, o qual Neves (2012) denomina de “zona de

diluição das correspondências básicas”. Assim, nessa “zona de diluição”, as

correspondências básicas de algumas adverbiais (causal, condicional e concessiva)

apresentam uma diluição da correspondência semântica de causa, condição e

concessão.

Acerca da oração concessiva, sob uma perspectiva lógico-semântica e

respaldada por estudos funcionalistas, destaca-se que esse tipo de oração adverbial

deve ser analisada considerando o fato de que ela realiza mais do que uma relação

de expectativa contrária à oração com a qual se relaciona. As orações concessivas

97

apresentam relações de verdade em sua interdependência, nas quais a verdade ou

o fato do conteúdo expresso na oração adverbial concessiva não são suficientes

para negar, impedir ou invalidar a verdade ou o fato expresso na oração nuclear.

Essas orações apresentam uma tênue diferença entre as orações adverbiais

condicionais e as orações coordenadas adversativas, assim como expressam

também nexos de causa (NEVES, 2015).

Os tipos de orações concessivas são subclassificadas, como no caso das

condicionais, em factuais, potenciais e contrafactuais, e também se situam em

diferentes domínios. Outra característica das orações concessivas, conforme

(NEVES, 2015), é o encaminhamento argumentativo dessas orações. No exemplo

vinte e três, há uma oração adverbial concessiva factual no domínio do conteúdo.

23) ...podemos nos equivocar... ...mas ele vai fazer você sentir pa:z...certe:za...confian:ça e desejo de prosseguir... ...mesmo quando você não vê exatamente o fim do túnel... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)

Pensando na proposta de representação dessas orações de Neves (2015),

em que p corresponde à oração concessiva e q corresponde a nuclear, destaca-se o

seguinte:

p r

q= não r

q= argumento mais forte para não r do que p é para r.

Assim, obtém-se a seguinte representação

p mesmo quando você não vê exatamente o fim do túnel

q= ele vai fazer você sentir pa:z...certe:za...confia:nça e desejo de prosseguir

q= argumento da nuclear se torna mais válido/forte do que o argumento da

adverbial.

Dessa forma, essa construção apresenta dois fatos dos quais um será

considerado mais válido que o outro, nesse caso, o conteúdo da nuclear se mostra

sempre mais válido do que o da adverbial. Neves (1999) explica que a anteposição

98

da adverbial concessiva funciona discursivamente como contra-argumento e a

posposição como um adendo.

No exemplo apresentado, a adverbial concessiva possui função de adendo

em relação ao fato expresso na oração nuclear, orientando argumentativamente o

ouvinte. Já no exemplo vinte e quatro, a anteposição funciona como um contra-

argumento – o falante antecipa uma informação na adverbial que não invalida a

informação que ele (falante) apresenta (na oração nuclear).

24) ...apesar de o outro que não/não tem a mesma fé...e pensa que a gente faz proselitismo no sentido de convencer o outro a vir... ...a Bíblia é muito clara que quem convence é o Espírito Santo de Deus...né?

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

Cabe ainda apresentar o exposto em Neves (2012), de que as tradicionais

correspondências causais podem ser representadas não apenas pela hipotaxe

causal, mas também pela parataxe explicativa. O mesmo ocorre com a hipotaxe

condicional, que possui correspondência na parataxe alternativa, e a hipotaxe

concessiva, com correspondência na parataxe adversativa. Sintetizando, recorre-se

ao quadro de Neves (2012, p. 162) que propõe o cruzamento dos núcleos centrais

de valores.

Quadro 08: Núcleo de valores adverbiais no cruzamento das relações táticas32 com relações lógico-semânticas e pragmáticas (NEVES, 2012, p. 162).

PARATAXE HIPOTAXE

CAUSALIDADE CONDICIONALIDADE CONCESSIVIDADE

ADIÇÃO JUNÇÃO

Factualidade Afirmação

ALTERNÂNCIA DISJUNÇÃO Eventualidade

Dúvida

CONTRASTE CONTRA JUNÇÃO Contrafactualidade

Negação

[Fonte: Inspirado em Neves (2012)]

Assim, tem-se a diluição da correspondência básica possibilitando que

algumas orações apresentem uma construção em nível paratático ou hipotático,

explicitando junção, disjunção ou contra junção entre os segmentos oracionais. Esse

32

Denominação de Halliday (1994), termo ligado ao grego táxis, “posição”, “disposição”.

99

fenômeno possibilita que as correspondências semânticas de causa, condição e

concessão (e em alguns casos, as temporais) apresentem diluição em suas

correspondências de causalidade, concessividade e condicionalidade, criando o que

Neves chama de “campo de causalidades”.

Em suma, observando a amplitude de construções que se inter-relacionam de

forma tática, possibilitando leituras de causalidade, percebe-se que as relações de

causa parecem permear mais do que apenas as orações reconhecidas como

adverbiais causais.

Antes de encerrar esta seção, e pensando nesta abrangência semântico

pragmática e cognitiva que envolve as relações de causa presentes nas orações

hipotáticas, é possível ainda pensar nas orações finais como causa “antecipada”, em

que a causa motivadora da realização do evento funciona como um “meio” que

possibilita, viabiliza a finalidade. A oração hipotática final, dessa forma, apresenta a

causa como fonte de possibilidade para executar determinada ação ou fato, sendo

que a relação de causa-consequência ou causa-efeito é mantida, antecipando a

causa, que estaria na oração nuclear e apontando para o efeito, que estaria na

subordinada final, mantendo a ordem temporal de causa-efeito/ consequência e

enfatizando o efeito ou resultado, e não a causa, como se demonstra a seguir:

a) Estudei muito para passar de ano

b) Estudei muito porque queria passar de ano

c) Se estudasse muito, passaria de ano.

d) Embora tenha estudado muito, não passei de ano.

Sob essa possibilidade de perspectiva, considerando o que já foi exposto, e

observando os exemplos, é possível o seguinte quadro.

Quadro 09: Formas de apresentação da causa (2).

Tipo de oração Como a causa é apresentada Ênfase

Causal Causa afirmada Na causa

Concessiva Causa negada Na negação

Condicional Causa hipotetizada Na possibilidade

Temporal

(com valor causal)

Causa hipotetizada Na possibilidade

Final Causa como Meio No efeito/resultado

[Fonte: Inspirado em Neves (2012)]

100

Haja vista, portanto, que as orações finais podem apresentar uma causa

construída pela própria finalidade apresentada, por assim dizer, sendo que a ênfase

comunicacional e o foco de intenção do falante residem na finalidade como resultado

de algum evento-causa que se encontra na oração nuclear. E a causa se apresenta

como o meio que possibilitou atingir determinada finalidade.

Neves (2012) demonstra com bastante clareza a importância do modelo

funcionalista de interação verbal ao assumir o valor do componente cognitivo

perceptual na origem da realização da fala, demonstrado que os enunciados nascem

condicionados por esse componente. Esse componente é responsável também pela

produção de sentidos na interação linguística (NEVES, 2012). A autora cita os

estudos de Garcia (1994) nos quais são verificados como as quatro leis de base

Peirciana (redundância, subtendido, preferência e pressuposição) podem incorrer

em diferentes esquemas perceptivos que influenciam na forma de articulação das

orações – paratáticas ou hipotáticas - criando uma zona de fluidez que acarretaria

nos casos já vistos de conjunções tipicamente concessivas ou causais, que

assumem relações diferentes das tradicionais, por exemplo.

3.3. A coerência e os vínculos causais

A coerência costuma ser vista tradicionalmente como subjacente ao texto,

independentemente, ou não, dos elementos de coesão (uma vez que “pode haver

textos coesos e sem coerência, e textos coerentes sem elementos de coesão”), mas

normalmente a eles associados (CASTILHO, 2008). A coerência abordada neste

trabalho diz respeito não apenas àquela que se estabelece por meio das conjunções

ou dos organizadores textuais, mas sobretudo, a que se constrói entre as porções

textuais. A coerência não diz respeito apenas de um conteúdo subjacente ao texto,

mas deve ser observada como um fator linguístico que sobressai das relações que

são estabelecidas entre as porções dos textos, e por isso é a ele subjacente (MANN

& THOMPSON, 1988; MANN & TABOADA, 2005-2016).

Taboada & Gómez–González (2012) evidenciam que as relações de

coerência podem ser estabelecidas tanto nas cláusulas paratáticas quanto nas

hipotáticas, e emergem do vínculo que se estabelece entre essas orações, sendo

101

que as relações causais também podem ser enquadradas nessa mesma

perspectiva, como apresentado no início deste capítulo, nas subseções anteriores.

Quando se constrói um texto, ou qualquer instância do discurso, assim como na construção de uma oração, o falante escolhe entre um conjunto de alternativas que relaciona duas porções textuais. As duas porções que foram vinculadas, portanto, podem se inserir, como uma unidade, em outra relação com outra porção, criando um processo recursivo em todo o texto. Relações de coerência têm sido propostas como explicação para a construção da coerência no discurso. Não está claro o quanto os falantes e os ouvintes estão cientes de sua presença, mas é incontroverso que ouvintes e leitores processam o texto com desenvolvimento, adicionando novas informações para uma representação do discurso em curso (TABOADA & GÓMEZ–GONZÁLEZ, 2012, p. 19 – tradução nossa33).

Desse modo, a coerência pode ser vista como recorrente em todo o texto, e

para que a completude textual tenha coerência, é necessário que as relações que se

estabelecem entre as porções textuais menores e entre as cláusulas, já tenham se

reefetivado. Com isso, tem-se que a coerência textual é algo que vai “do menor para

o maior”, estabelecendo-se, a priori, entre as cláusulas, entre as porções textuais

menores, as maiores, até perpassar por todo o texto. Ou ainda, conforme Taboada

(2009, p. 126 - tradução nossa34): “desta forma, textos podem ser construídos

recursivamente, com unidades menores, tornando-se parte de unidades maiores”.

Meyer (2000) destaca a causalidade e a relevância como critérios

importantes na organização textual, salientando a importância do primeiro. Quando

os nexos de causalidade são estabelecidos, com eles surgem também relações de

coerência. Meyer (2000) destaca que a própria noção de causalidade no texto se

imbrica com questões de relevância

A causalidade é descrita como um grande dispositivo para criar relevância no discurso. A relevância da causalidade no discurso não pode ser facilmente exagerada. No entanto, a causalidade é apenas

33

When building a text or any instance of discourse, just as when building a sentence, speakers choose among a set of alternatives that relate two portions of the text. The two parts of the text that have been thus linked can then enter, as a unit, into another relation, making the process recursive throughout the text. Coherence relations have been proposed as an explanation for the construction of coherence in discourse. It is not clear how much speakers and hearers are aware of their presence, but it is uncontroversial that hearers and readers process text incrementally, adding new information to a representation of the ongoing discourse (TABOADA & GÓMEZ – GONZÁLEZ, 2012, p. 19). 34

this fashion, texts can be built recursively, with smaller units becoming part of larger units (TABOADA, 2009, p. 126)

102

um entre vários princípios de organização do texto, embora obviamente mais relevante (MEYER, 2000, p. 9 – tradução nossa35).

Desse modo, compreende-se que a causalidade e a coerência podem ser

tidas como fatores essenciais para a construção textual. E, ainda, observando a

amplitude das relações causais, é possível conceber que as relações de coerência

trazem intrínsecas certos aspectos causais, que vinculam os acontecimentos e/ou

fatos expressos verbalmente em uma sucessão lógica, já prevista pelas leis da

física: as leis de causa e consequência.

Ressalta-se ainda que um texto coerente é aquele em que cada parte textual

possui uma função e uma razão plausível para estar ali, e isso é percebido pelos

ouvintes ou leitores. Isso indica que a coerência se constrói por meio das relações

que são identificadas pelo leitor ou ouvinte do texto, com base em seus

conhecimentos de mundo (TABOADA, 2009).

Assim, destaca-se um dos papéis, por assim dizer, que o destinatário do

discurso exerce em relação ao texto que lhe é proferido, qual seja, a compreensão.

Compreensão implica que o leitor não só constrói uma representação coerente, mas também que o leitor, implicitamente, avalia se as informações no discurso correspondem ao mundo, por exemplo, se é verdadeiro ou falso, plausível ou possível. Nesse sentido, as frases causais requerem compreensão, combinando as informações nas cláusulas com uma representação cognitiva do mundo, nesse caso, com uma representação cognitiva da causalidade do mundo (NOORDMAN & BLIJZER, 2000, p. 63 – tradução nossa36).

Daí também a formulação do emissor do discurso englobar nexos causais,

considerando ainda a dialogicidade presente no processo discursivo. Se algum

discurso proferido não observa as leis de causalidades que envolvem os fatos no

mundo, tal discurso pode não ser compreendido pelo recebedor do discurso, ou

pode ser automaticamente transferido pelo falante para o campo da ficção, no qual,

ainda assim, precisará ter uma lógica causal em si mesmo, no interior do discurso.

35

the causality is described as a major device for creating relevance in discourse. The relevance of causality in discourse cannot easily be overstated. Nevertheless, causality is only one among several principles of text organisation, though obviously the most relevant one (MEYER, 2000, p. 9). 36

understanding implies that the reader not only constructs a coherent representation but also that the reader implicitly evaluates whether the information in the discourse corresponds to the world, for example, whether it is true or false, plausible or possible. Accordingly, understanding causal sentences requires matching the information in the clauses with a cognitive representation of the world, in this case with a cognitive representation of the causality in the world (NOORDMAN AND BLIJZER, 2000, p. 63).

103

Considerando o exposto em Neves (1999) de que a relação causal existente em um

conteúdo verbal se encontra explícita, quando o emissor do discurso assim o

pretende anunciar.

Percebe-se que a causalidade ou “nexo de causalidade”, ou ainda, as

relações de causa, operam de forma significativa na manutenção da coerência

textual, uma vez que influencia diretamente a formulação linguística do falante, o

qual recorre ao seu conhecimento de mundo e seu conhecimento linguístico para

formular e produzir seus textos, de modo a se fazer entender pelo seu ouvinte.

Assim, coerência pode ser resumida como algo subjacente a todo o

conteúdo textual, perpassando-o desde as escalas menores (as relações entre as

orações) até as escalas maiores (as relações entre porções de texto), sendo a

causalidade um fenômeno que influencia esse processo, permeando a coerência, e,

por conseguinte, o texto. A coerência se constitui no texto de forma explícita, sendo

percebida, compreendida pelo ouvinte, de modo implícito, necessitando

primeiramente ser inferida pelo ouvinte ou leitor, para depois ser compreendida.

104

CAPÍTULO 4 - A ARGUMENTAÇÃO COMO FATO DE LÍNGUA E DE DISCURSO

Este capítulo contém uma apresentação acerca das perspectivas teóricas da

argumentação, explicando como essas teorias se inter-relacionam de modo a

contribuir para as análises propostas neste trabalho.

4.1. A argumentação na linguística: planeamentos

Nos estudos clássicos que envolvem o ato de argumentar, a argumentação

é atrelada a pensamentos distintos que remetem a diferentes perspectivas no

interior desse conteúdo. A argumentação pode ser lógica, retórica ou dialética. No

primeiro caso, diz respeito à “arte de pensar corretamente”, no segundo, à “arte de

bem falar”, e no terceiro, à “arte de bem dialogar” (PLATIN, 2008). Observando os

elementos “pensamento, fala e diálogo” e expandindo semanticamente o último

termo, tem-se “pensamento, fala e interação”, o que torna possível observar que a

argumentação, mesmo em seu sentido mais clássico, engloba elementos que, como

já visto, incorporam e compõem a linguagem e a interação.

A argumentação possui algumas características singulares e uma

diversidade de abordagens – não apenas da linguística, mas da filosofia, da retórica

e dos estudos lógicos. Todavia, nessas abordagens (com ressalvas sobre a

linguística) “a linguagem é objeto de estudo, em nenhuma delas nota-se a

preocupação de compreender como a linguagem funciona, qual é sua lógica interna,

de que recursos ela dispõe para argumentar” (BARBISAN, 2007, p. 114).

Refletindo sobre os recursos para argumentar, é necessário ter clara a

distinção entre argumentação, argumentos, argumentatividade, força argumentativa,

processos argumentativos e práticas argumentativas.

Argumentos são os recursos, as técnicas e as estratégias presentes na

argumentação que levam em consideração o éthos do orador – a imagem que ele

constrói de si no discurso (o éthos do orador corresponde ao falante), do páthos do

auditório [o páthos corresponde aos conhecimentos e sentimentos partilhados

socialmente (informação pragmática)], do auditório (que corresponde ao ouvinte) e a

construção do discurso (texto) proferido (FIORIN, 2015). Pode-se pensar nos

argumentos como os recursos de origem “mais subjetiva, cognitiva” do falante,

105

considerando ainda que os argumentos os quais o responsável pela argumentação

utilizará, estarão ancorados em seu conhecimento linguístico, enciclopédico e no

reconhecimento que o falante faz da situação comunicativa em que está inserido.

Argumentatividade compreende três aspectos: (i) uma força projetiva

inerente ao uso da língua, a qual observa as relações entre as palavras, seus

sentidos disseminados e os encadeamentos argumentativos por meio dos

conectivos que realizam uma orientação argumentativa; (ii) uma força

configurativa inerente ao discurso que está presente nos argumentos e se baseia

nos conhecimentos compartilhados a fim de facilitar (e ao mesmo tempo influenciar)

a interpretação do ouvinte acerca do que está sendo dito; (iii) uma força conclusiva e

inferencial que correspondem a processos ilativos que são acionados pelo discurso

(GRÁCIO, 2016). Em suma, é possível dizer que a argumentatividade apresenta o

lado “mais pragmático” do processo que compõe a argumentação.

A força argumentativa é inerente à argumentatividade, tanto quanto ambas e

o argumento o são em relação à argumentação. A força argumentativa é resultado

da ação dos conectivos que funcionam como operadores argumentativos,

direcionando os sentidos do que é dito por meio das diferentes “forças” semânticas

que tais operadores atribuem ao enunciado. Poderia ser entendida como o aspecto

“mais linguístico” que compõe a argumentação.

Processos argumentativos, por sua vez, incluem a realização contínua e

organizada dos argumentos, da argumentatividade e da força argumentativa que

compõem a argumentação. Desse modo, os processos argumentativos podem ser

percebidos de duas formas: (i) a elaboração textual com argumentos de raciocínio

lógico ou preferível; (ii) a construção textual por meio dos elementos linguísticos que

estruturam a elaboração textual. Por elaboração, portanto, apresenta-se o conceito

dicionarizado de elaborar, preparar, e, por construção, o conjunto de atividades que

se realizam para a elaboração.

Práticas argumentativas incluem fatores situacionais, relacionais, contextuais

e pessoais que são acionados no momento da interação. Isso incorre na forma de

tratamento com o outro, ou ainda, no como, no quando e no porque da interação

(GRÁCIO, 2016).

106

A argumentação consiste, portanto, no conjunto de todos esses elementos

que atuam simultaneamente estabelecendo o processo argumentativo. Pode ser

compreendida como o próprio ato de argumentar (com a intenção de convencer e/ou

persuadir), e pode envolver, ou não, a realização da troca de turnos entre os

participantes da interação durante a formulação textual para a finalidade pretendida

(ABREU, 2009; FIORIN, 2015). Com isso, destaca-se também o fato de que a

argumentação é intrínseca ao próprio sistema linguístico, o que permite uma análise

semântica e linguística dos textos argumentativos. A argumentação engloba, então,

os argumentos, que, por sua vez, possuem argumentatividade e força

argumentativa, criando um processo argumentativo que se instaura em práticas

argumentativas. Destaca-se, ainda, o fato de que a argumentação possui uma

realização interna (que é intralexical – encadeamentos internos à palavra utilizada) 37

ou externa (inter-oracional – encadeamentos frasais de orientação argumentativa)

(CABRAL, 2011). Isso posto, salienta-se que a argumentação, nessa perspectiva,

não distingue dicotomicamente a argumentação lógica/retórica da argumentação

como fato da língua, mas entende que ambos os processos trabalham

conjuntamente para a constituição da argumentação.

Sob uma perspectiva funcionalista da linguagem, tendo em vista não só a

relação entre linguagem e sociedade, mas também a língua em sua estrutura e

funcionamento, e reconhecendo que os estudos linguísticos extrapolam a estrutura

gramatical, buscando, na situação comunicativa, a motivação para os fatos da língua

(CUNHA, 2012), chama-se a atenção para o fato de que a língua realiza ações

sobre o real.38

Assim, existe ainda a necessidade de se recorrer para além do contexto

linguístico, observando o contexto extralinguístico, no qual se consideram os

elementos circunstanciais (quem, quando, para quem e como se diz) que fazem

parte de todo o contexto em que o enunciado está inscrito e que visam agir sobre o

outro de alguma forma (WILSON, 2012), atribuindo ao discurso um caráter

argumentativo.

37

Tais encadeamentos serão mais aprofundados na seção 4.1.1 – “A argumentação na língua”. 38

Teoria dos Atos de Fala (Austin, 1969; Searle, 1969).

107

Pensando na expressão já bastante disseminada “argumentar é a arte de

convencer e persuadir” (FIORIN, 2015; ABREU, 2009), destaca-se que “todo

discurso tem uma dimensão argumentativa. Alguns se apresentam como

explicitamente argumentativos [...], enquanto outros não se apresentam como tal.”

(FIORIN, 2015, p. 9). Uma vez que “todos os textos são argumentativos: de um lado,

porque o funcionamento real da língua é o dialogismo, de outro, porque sempre o

enunciador pretende que suas posições sejam acolhidas” (FIORIN, 2015; p. 9). E,

ainda, considerando a interação social e as práticas de linguagem, é possível

observar que a comunicação tem sempre uma finalidade e busca sempre agir sobre

o outro, de uma ou de outra forma, em maior ou menor grau (AUSTIN, 1990;

SEARLE, 1995; HALLIDAY, 2004; DIK, 1989; FIORIN, 2011, 2015; BAKHTIN, 2004,

2011 et al.).

Cabe ressaltar que convencer e persuadir são termos distintos “convencer é

construir algo no campo das ideias”, e persuadir “é sensibilizar o outro para agir”

(ABREU, 2009, p. 25). Convencer é levar o ouvinte a acreditar no discurso que lhe é

dirigido, aceitar um ponto de vista. A persuasão, por sua vez, muitas vezes

antecedida do convencimento, faz que o ouvinte, após ter aceitado o ponto de vista

do falante, haja conforme a intenção do falante. Todavia, há discursos que apenas

convencem e outros que persuadem, assim como há também aqueles que

convencem para persuadir, mas, em todos os casos, há argumentação (FIORIN,

2015).

Os estudos argumentativos se constituem em diferentes frentes e

perspectivas. Há, atualmente, ao menos duas grandes correntes, uma ancorada na

orientação argumentativa que provém dos enunciados, grosso modo, e outra

baseada na qualidade dos raciocínios que se exteriorizam discursivamente com o

intuito de convencer e persuadir, por assim dizer. Em suma, é possível dizer que

uma trata da argumentação inscrita na língua e a outra realiza uma abordagem

discursiva acerca da argumentação (FIORIN, 2015). Considerando o conceito de

argumentação já apresentado nesta seção, especifica-se que ambas as

perspectivas são adotadas neste trabalho como complementares uma da outra.

Objetiva-se a abordagem da construção da argumentatividade, e, embora

não seja possível desvinculá-la da argumentação, é necessário que se compreenda

108

que argumentatividade e argumentação são conceitos distintos entre si e entre as

teorias de estudos argumentativos. A compreensão que aqui se tem, no entanto, é

que ambas as formas de argumentação (“da língua” ou “do discurso”) operam

conjuntamente na realização da argumentação no ato interacional.

4.1.1. A ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA

A perspectiva de uma argumentação inscrita na própria língua diz respeito à

teoria argumentativa de Ascombre & Ducrot (1988), na qual argumentar é uma

condição inscrita no próprio enunciado, e “o encadeamento dos enunciados que

conduz a certa conclusão” (FIORIN, 2015, p. 17). Nessa perspectiva, a

argumentação ocorre quando o locutor profere um enunciado com determinado

conceito, mas visa orientar o ouvinte para outra conclusão, a qual pode estar

explicitada na sequência enunciada ou pode ser inferida pelo ouvinte.39 Assim, tem-

se que “o sentido de um enunciado comporta como parte integrante, constitutiva,

essa forma de influência, que é denominada força argumentativa. Significar, para um

enunciado, é orientar” (ASCOMBRE & DUCROT, 1988, p. 5).

É importante destacar que o argumentar, nessa perspectiva, não significa

persuadir ou convencer ninguém, implica sustentar um posicionamento por meio das

construções linguísticas intrínsecas ao enunciado. Nesta perspectiva teórica,

portanto, a argumentação é vista como a sustentação de um posicionamento, e a

argumentatividade consiste no direcionamento para o qual o enunciado aponta, o

lugar para o qual esse posicionamento orienta (GUIMARÃES, 2013).

Ressalta-se também que o processo envolto na argumentação, para

Ascombre & Ducrot (1988), resulta do encadeamento das orientações discursivas

realizadas por meio dos operadores argumentativos – que seriam, em grande parte,

os conectivos e os organizadores textuais apresentados pela Linguística Textual.

39

Como exemplo, quando uma mão diz ao filho que está saindo de casa: “O sol está muito forte”; este enunciado orienta para conclusões como: “não saia agora, vá mais tarde”, “passe um protetor”. Mas não orienta para conclusões como: “Não se proteja do sol”, “O clima está ótimo para andar pelas ruas” (FIORIN, 2015, p. 17). Ou ainda, “esse restaurante é ótimo, mas é muito caro”, em que a orientação que o falante fornece é que o vestido, apesar de lindo, é caro - informação “positiva” versus “negativa”, onde a informação negativa adquire maior relevância.

109

Cabral (2011, p. 117) explana que a argumentação, enquanto fato

linguístico, é “encadeamento de dois segmentos do discurso, eventualmente ligados

por um conector”, podendo ser normativa ou transgressiva, interna ou externa,

estrutural ou contextual. A argumentação normativa e a transgressiva dizem respeito

à interdependência semântica que as orações mantêm entre si por meio do

conectivo logo e no entanto. A autora apresenta dois quadros com exemplos dos

segmentos normativos e dos transgressivos.

Quadro 10: segmentos normativos e transgressivos – (CABRAL, 2011, p. 118).

Segmentos do tipo normativo:

X logo Y João é competente, logo conseguirá o emprego.

X então Y João é competente, então conseguirá o emprego.

X pois Y João conseguirá o emprego, pois é competente.

Segmentos do tipo transgressivo:

X no entanto Y João é competente, no entanto não conseguirá o emprego.

X entretanto Y João é competente, entretanto não conseguirá o emprego.

Embora X, Y Embora João seja competente, não conseguirá o emprego.

Mesmo que X, Y Mesmo que João seja competente, não conseguirá o emprego.

Esses segmentos apontam para orientações semânticas diferenciadas.

Considerando que esses segmentos (normativo e transgressivo) se referem à

interdependência semântica, pode-se associar o segmento normativo “X logo Y”

uma oração conclusiva. Dessa forma, entendendo que a oração conclusiva

estabelece uma relação de junção com a oração anterior, apresentando um ponto de

vista do falante, é possível considerar essa construção como uma conclusão

afirmativa acerca de um fato que é expresso por atos de fala. Cabe destacar ainda

que os segmentos oracionais de todos os exemplos estão no mesmo lugar

semântico, por assim dizer, quais sejam: a competência de João, e João conseguir

um emprego.

Assim, no segmento com “X então Y” existe uma possibilidade quanto a Y

posta como consequência de X, e, em “X pois Y” ocorre uma relação de causa entre

o fato expresso em Y e o conteúdo de X. Pensando nas orações hipotáticas

110

adverbiais e nas relações causais a partir das conjunções, de acordo com a

proposta de Neves (2012), poder-se-ia obter as seguintes construções,

considerando que:

Em “X logo Y” – João é competente, logo conseguirá o emprego – o logo,

apesar de ser comumente utilizado como advérbio, aqui é utilizado em sua função

de conjunção, demonstrando uma causalidade resolvida, afirmada. Para o falante,

são Estados de Coisas tidas como certas, e são apresentados, portanto, de modo

assertivo. No entanto, o falante poderia apresentar o segmento não conjuncional

(João é competente) com uma relação causal hipotetizada, fortalecendo a

interdependência entre as orações e criando uma construção condicional, em que a

oração nuclear apenas ocorrerá se a condição expressa na oração adverbial se

confirmar – “Se João é competente, logo conseguirá o emprego”. Ressalta-se,

todavia, que a utilização de logo nesse caso, pode ser considerada ainda como um

advérbio, consideração que pode ser reforçada pelo próprio verbo no futuro do

presente do indicativo.40

Assim, é possível agregar aos exemplos com os conectivos logo e então a

condicionalidade, como em “(se) X logo Y” e “(se) X então Y”. Todavia, na terceira

construção, a realizada com o conectivo pois, esta possibilidade se torna não

plausível - “(se) X pois Y”, ou: “Se João é competente, pois conseguirá o emprego”.

Essa impossibilidade de uma causa hipotetizada, nesse caso, se deve ao conectivo

pois que é utilizado para apresentar uma causa afirmada e uma condicionalidade já

resolvida pelo falante. Essas possibilidades e impossibilidades podem ser atribuídas

às escolhas lexicais que o falante realiza, a fim de expressar sua impressão sobre

determinados Estados de Coisa como fatos resolvidos que independem de outras

circunstâncias, como em “X pois Y”, ou como fatos resolvidos que podem apresentar

uma causa hipotetizada e uma condicionalidade afirmada, como nos dois primeiros

casos apresentados.

40

Embora este exemplo utilizado por Cabral (2011) possua apenas uma finalidade exemplificativa, seria relevante investigar se a questão da ambiguidade gerada por este tipo de oração coordenada conclusiva pode ser um dos motivos para se observar poucas ocorrências deste tipo na língua falada – considerando que no corpus analisado houve apenas três utilizações do termo logo, sendo duas utilizações como advérbio e uma ocorrência do logo como conectivo, mas o verbo estava no presente do indicativo.

111

Nos segmentos transgressivos, percebe-se o escopo da negação no

segmento oracional conjuncional sobre a causa apresentada no segmento oracional

que o acompanha, equiparando-se às construções concessivas. Neves (1999)

esclarece que “as construções concessivas têm sido enquadradas, juntamente com

adversativas, entre as conexões contrastivas, cujo significado básico é ‘contrário à

expectativa’” (NEVES, 1999, p. 864 – negrito no original). A autora também salienta

que, além da observação da relação entre essas construções, é importante verificar

a relação delas com as causais e as condicionais. Daí a possibilidade de

considerarmos tanto os segmentos normativos e transgressivos [que são

apresentados, por Cabral (2011), como a interdependência semântica que as

orações com os conectivos logo e no entanto - e suas outras possíveis, conforme

quadro dez (10) - estabelecem entre si] como um critério para auxiliar na verificação

da argumentação que pode haver nas construções adverbiais analisadas neste

trabalho. Isso, considerando que as orações adverbiais causais, condicionais e

concessivas partilham de traços lógico-semânticos equipolentes em alguns casos,

criando uma zona da causalidade conforme Neves (1999, 2000, 2012, 2016). Essas

orações, portanto, se inserem também nos estudos argumentativos que observam

como os encadeamentos semânticos se realizam por meio das construções e dos

conectivos utilizados. Dessa forma, esclarece-se que os segmentos normativos

(afirmativos) e transgressivos (negativos) explicitam os encadeamentos semânticos

inter-oracionais que orientam argumentativamente o ouvinte.

Resta ainda a explicitação do conceito da argumentação estrutural e

contextual. Cabral (2011) explica que a argumentação contextual apresenta um

estatuto sociocultural e pragmático, no qual se considera o contexto em questão.

Tendo em vista tais conceitos, recorre-se a Abreu (2007) para corroborar a

ideia de que é possível inserir o conceito de argumentação linguística paralelamente

ao conceito de argumentação discursiva, obtendo respaldo nos estudos de

Perelman & Olbrechts -Tyteca (1970) e Fiorin (2015).

112

A questão da argumentação é objeto de estudo, como todos sabemos, desde a antiguidade grega, sendo tratada pela retórica. A história mais recente da retórica reestabelece a importância da argumentação, resgatando-a da posição de mera taxonomia de figuras de estilo [...]. Neste plano geral, a argumentação é vista como a busca da persuasão de um auditório (alocutário) pelo locutor [...]. É importante ressaltar aqui que, para Perelman, argumentação não é vista como um acessório a serviço da transmissão da verdade. Na perspectiva filosófica de Perelman, a argumentação é constitutiva do conhecimento [...] não se dá em virtude da evidência dos objetos, e a linguagem não é o instrumento de representação (no sentido de ser o quadro) do mundo. Dentro desta perspectiva geral, vamos considerar a argumentação como uma questão linguística. Vai nos interessar a hipótese de que, na linguagem, vista como um modo de ação social [...]. Orientar argumentativamente com um enunciado X é apresentar seu conteúdo A como devendo conduzir o interlocutor a concluir C (ABREU, 2007, p 24-25).

De forma similar, a proposta deste trabalho consiste em observar as

regularidades linguísticas de orientação argumentativa, partindo do nível micro

textual, os quais já apresentam argumentatividade, atingindo o nível macro textual

na análise da argumentação e seus processos constitutivos.

4.1.2. A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO

A Retórica Aristotélica se apresenta de três formas: (i) política – de caráter

deliberativo e com o intuito de exortar, dissuadir, tratar de conveniências e

inconveniências (ancora-se no futuro); (ii) jurídica – de caráter judicial e com o intuito

de acusar ou defender (apoia-se no passado); (iii) Epidíctica – que se constitui uma

oratória mais exibicionista, por assim dizer, que serve como uma forma de ostentar

conceitos e “construir no campo das ideias” (situa-se no presente) (ARISTÓTELES,

2007, p. 8). Assim, o orador utiliza a retórica para organizar seu discurso por meio

dos argumentos, os quais são dispostos e organizados por intermédio de cinco

operações: (i) a inventio (encontrar o que se dirá - os argumentos); (ii) a dispositivo

[dispor o que for encontrado – construção composicional do texto (que resulta no

tipo/gênero)]; (iii) a elocutio (ornar com palavras – utilizar uma linguagem com

“realce”); (iv) a actio (atuar e enunciar – o ato em si de produzir o texto); (v) a

memória (confiar à memória – buscar conceitos que já são comuns ao auditório)

(FIORIN, 2015).

113

Salienta-se que a dispositio é o “lugar de organização” dos argumentos,

sendo esse recurso o ponto de convergência, por assim dizer, das operações que

compõem o texto argumentativo, ou ainda, é na dispositio que a organização do

discurso é perceptível (FIORIN, 2015). Ao dizer que o falante utiliza a oratória,

pretende-se esclarecer que ele se utiliza da capacidade e da técnica de organização

do texto, quais sejam a dispositivo e as demais operações que por ela se organizam

(elocutio, actio etc.).

Desse modo, tem-se que os argumentos são operações que se realizam a

partir do juízo de valor do locutor, a fim de tornar determinado pensamento aceito, e

que são expressos por meio da linguagem, seja verbal ou não (FIORIN, 2015).

Na teoria da nova retórica, instituída a partir do lançamento do Tratado de

Argumentação, na década de 1970, por Perelman & Olbrechts-Tyteca, a

argumentação é uma questão de raciocínio, mais especificamente os raciocínios

preferíveis, conceito herdado da Retórica Clássica (Aristotélica). Aristóteles dividiu

os raciocínios em preferíveis e necessários,41 sendo que no raciocínio lógico não há

uma argumentação efetiva, no sentido de produzir determinado discurso para

comprovar seu ponto de vista, uma vez que a conclusão da premissa já é posta pela

própria verdade (ou valor de verdade) nela inscrita. Assim, a argumentação com o

intuito de persuasão estaria no âmbito dos raciocínios preferíveis, pois a conclusão

da premissa depende da avaliação que o falante realiza acerca dela, podendo haver,

desse modo, mais de uma interpretação possível, o que acarretaria então na

argumentação a favor do ponto de vista defendido – a tese (FIORIN, 2015).

Cabe destacar que tanto as inferências quanto a argumentação baseiam-se

em diferentes tipos de raciocínios. A partir dos raciocínios lógicos e preferíveis,

orienta-se toda a argumentação na forma do que se pode chamar da argumentação

lógica e/ou dialética e a argumentação retórica. Os raciocínios necessários são

formados a partir de silogismos com premissas lógicas, em que a conclusão é obtida

41

Um exemplo de raciocínio necessário seria um silogismo lógico, como em “Todo homem é mortal. João é homem. Logo, João é mortal” – a premissa de que todo homem é mortal é tida como incontestável por possuir um valor de verdade cientificamente inquestionável, por assim dizer, então, se João for homem, não há como negar tal premissa. Já o raciocínio preferível se vale do silogismo retórico, como em “Todo professor é honesto. Maria é professora. Logo, Maria é honesta” – a premissa de que todo professor é honesto não se constitui como verdade universal, e sua aceitação depende dos juízos de valores e crenças do ouvinte (FIORIN, 2015).

114

a partir da possibilidade quanto aos resultados que tais premissas permitem. Já os

preferíveis são criados a partir de silogismos e premissas nas quais a conclusão

depende dos valores e crenças do auditório (FIORIN, 2015, p. 17-18).

Esses raciocínios podem se desenvolver de três diferentes formas: (i)

dedução – em que se vai do geral para o particular; (ii) indução – parte do particular

para o geral; (iii) analogia – apoia-se nos valores de semelhança entre as coisas

(FIORIN, 2015).

Ainda em termos de argumentos que presidem a argumentação, Fiorin

(2015) destaca os argumentos quase lógicos, os fundamentados na estrutura da

realidade, os que fundamentam a estrutura do real, a dissociação de noções, as

técnicas argumentativas e as figuras retóricas, sendo todos esses conceitos

baseados na utilização de recursos retóricos, linguísticos e conceituais, e serão

retomados conforme necessários, em suas subcategorias, no momento da análise,

dada a extensão teórica dos tipos de argumentos.

Portanto, é na subjetividade do falante, e, ao mesmo tempo, naquilo que

possui força social, que se torna possível a construção argumentativa. Do mesmo

modo, esses critérios possibilitam a apresentação de juízos estabelecidos pelo

falante acerca de determinado assunto ou Estados de Coisas. Juízos os quais

resultarão em teses a serem defendidas.

Os elementos mínimos que deve haver para que se possa argumentar sobre

algo são denominados de fatores da argumentação e consistem, entre outros, nos

seguintes: (i) no éthos do enunciador – a imagem que o anunciador constrói de si no

discurso; (ii) o auditório – aquele para quem o orador produz seu discurso de acordo

com o conhecimento e o tipo do auditório; (iii) o discurso argumentativo (FIORIN,

2015). Ao falar sobre argumentação, deve-se ter conhecimento de que esse termo

implica um conjunto de processos que vão desde a observação da construção de

enunciados até o contexto de interação social, visando à aceitação do destinatário

do discurso ao conteúdo exposto por quem enuncia, não se restringido aos tipos de

argumentos e técnicas argumentativas inscritas na materialidade linguística do

enunciado, mas observando os fatores de argumentação e interação envolvidos.

115

Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) apresentam elementos que possibilitam

a argumentação e destacam que, para que haja argumentação, é necessário que o

orador (falante) construa suas proposições (expressões linguísticas que resultam em

textos) visando à adesão do auditório (ouvinte), sejam essas proposições verdades

impessoais ou resultados de experiências etc. A construção das expressões

linguísticas que compõem o texto argumentativo se dá por meio do discurso

proferido (texto produzido) pelo falante. Para explanar acerca da produção do

discurso, destaca-se Bakhtin (2004, 2011), que ressalta o fato de o processo

enunciativo se estabelecer a partir da interação. Bakhtin afirma que o locutor se

projeta em relação ao outro, para então organizar sua enunciação, de acordo com

sua finalidade e o contexto social imediato que os circunda.

Para Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005), na argumentação "[...] os

sentimentos e impressões pessoais são geralmente expressos como juízos de valor

largamente compartilhados” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 203),

sendo que o objetivo maior não seria apenas defender um juízo de valor, mas torná-

lo compartilhado e aceito pelo outro – em termos da Linguística Funcional, significa

alterar a informação pragmática

A argumentação possui uma natureza dialógica, isso porque argumentar

consiste em um processo que envolve elementos linguísticos, sociais e individuais.

Para haver argumentação, é necessário que haja um discurso, e não há discurso

sem a produção de enunciados, os quais se constituem por um processo totalmente

dialógico e axiológico (BAKHTIN, 2004).

Na perspectiva da nova retórica, portanto, a argumentação se constitui por

meio dos processos de construção de argumentos, ou, ainda, técnicas

argumentativas que se concretizam no discurso, o qual se constrói por meio de

enunciados.

Destaca-se que a perspectiva retórica e argumentativa aqui utilizada é

discursiva e não apenas composta por questões de língua. Desse modo, para toda

produção textual argumentativa, faz-se necessário haver o falante, o ouvinte e o

texto, ou discurso, que correspondem respectivamente ao orador, ao auditório e à

argumentação (FIORIN, 2015). A partir desses fatores argumentativos, é possível a

116

realização efetiva da argumentação, apresentando-a como constituída a partir do

processo discursivo – discurso aqui compreendido como o próprio texto.

Fiorin (2015) destaca que o que possibilita a progressão do processo

argumentativo é a inferência, que pode ser lógica (opera com valores de verdades

“incontestáveis”), semântica (opera com o posto e pressuposto do enunciado) ou

pragmática (resulta da linguagem pautada nos princípios conversacionais –

devidamente abordados por Grice em suas máximas conversacionais). Assim,

“Inferência é a operação pela qual se admite como correta uma proposição em

virtude de sua ligação (por implicação, por generalização ou [...] por analogia) com

outras proposições consideradas verdadeiras” (FIORIN, 2015, p. 31). Essas

inferências não necessitam extar explícitas no enunciado, mas podem estar

presumidas. O processo de leitura de um texto ocorre por meio das inferências

(FIORIN, 2015; MENEGASSI, 2010), pois o texto sempre traz em si marcas que

“acionam” o conhecimento de mundo do indivíduo, possibilitando, então, que se

construa um significado a partir do sentido do texto.

Todavia, traz-se à tona, novamente, a ideia de que a argumentação nesse

nível, por assim dizer, surge primeiramente da materialidade e das regularidades

linguísticas. Meaney (2009, apud LIBERALLI, 2013) apresenta um quadro dos tipos

de argumentos propostos por Perelman & Olbrechts-Tyteca (1958-2005).

Quadro 11: síntese dos tipos de argumentos de Perelman & Olbrechts-Tyteca e suas características [MEANEY (2009) apud LIBERALLI, 2013, p. 71)]

Modo Características Exemplos

Compatibilidade Mostra que uma ideia ou argumento é compatível ou não com a tese.

Se a avaliação é processual, não dá pra dar nota só com base na prova.

Quase-matemáticos

Transitividade Se A está para B e B para C, então A está C.

Vamos dar esse jogo. Eles adoram jogos. (Eles vão adorar este jogo).

Divisão

Se uma ideia está presente nas partes do todo, então também está no todo e se está no todo também está nas partes.

Todo mundo tem que entregar as notas até sexta-feira – você também!

Exclusão

Se não é nenhum dos outros termos, deverá ser o que resta.

Se temos que entregar as notas depois do feriado e os alunos sempre faltam no dia anterior a ele, temos que dar a prova na quarta-feira.

117

Dilema Duas alternativas levam à mesma conclusão.

Dando ou não a prova, temos que apesentar alguma atividade avaliativa.

Definição Define-se algo a partir de suas características observáveis

O relatório de um texto que traz observações do professor quanto ao comportamento e à aprendizagem do aluno no trimestre.

Definição expressa

Define-se algo a partir de uma visão subjetiva

O relatório é um jeito bonito de dizer aos pais que precisa melhorar.

Definição normativa Baseada em uma convenção

Aqui na escola, o relatório é um instrumento de comunicação aos pais dos avanços de seu filho num determinado período, assim como os desafios a serem superados a seguir.

Identidade e regra de justiça

Casos ou fatos semelhantes devem ter o mesmo tratamento.

Nós demos um roteiro de estudos antes da prova de math. Agora não vamos fazer um para science?

Pragmático: sucessão temporal

Estabelece relação de causalidade ou finalidade entre duas ideias. Pode justificar um fato por outro anterior ou refutar uma ação em função de uma possível consequência. É possível englobar aqui os argumentos por desperdício, que justificam uma ação em função do muito que foi feito em sua direção.

Os alunos foram mal na prova porque não trabalhamos suficientemente este assunto. Fizemos tantos exercícios de lógica. Não faz sentido não avaliarmos isso agora.

Polifônico / de autoridade: faz

referência

Hierarquia

A voz do outro é colocada como algo a ser seguido, ou não, em função de sua posição hierárquica.

A assessora de área gostou da atividade.

A coordenadora prefere que façamos assim.

Teorias Endossadas pelo grupo, reforçam a tese.

Precisamos lembrar que este texto faz parte de um gênero que tem características distintas. Esses exercícios de “fill in the blanks” são super behavioristas.

Fontes Precisam ser consideradas fidedignas

O texto foi tirado do site da BBC.

Parceiros

A valoração da sua voz depende da aceitação do grupo.

A professora de português disse que os alunos têm condições de fazer esta atividade.

Alunos

Tem importância, ou não, dependendo do contexto.

Os alunos gostam de jogos competitivos.

Exemplos Fato ou caso anterior confirma ou nega a tese.

No ano passado eu fiz assim e deu certo.

Comparações Justifica um termo a partir de outro do mesmo gênero.

É melhor ler o livro do que a cópia. Eu levei o final de semana inteirinho fazendo esta atividade.

118

Analogias Traça relações de semelhança entre termos de gêneros diferentes.

Se um nadador precisa melhorar seu tempo, ele treina mais.

Se o aluno precisa melhorar a leitura, precisa ler mais.

Ilustrações Exemplo fictício. E se o aluno respondesse que os micro-organismos não participam da decomposição.

Observando este quadro, evidencia-se o modo como os argumentos que se

concretizam no nível discursivo (entendido aqui como uso pragmático da língua) vão

se construindo verbalmente por meio das estruturas linguísticas (orações e

períodos). Perelman & Olbrechts-Tyteca (1975) compreendem que há diferentes

formas de obter uma argumentação satisfatória, considerando alguns critérios da

argumentação lógica/retórica, como o éthos do orador, o páthos do auditório e

discurso em si. Grácio (2016) fez uma esquematização desses argumentos,

considerando sua “tipologia” – as bases de funcionamento de cada argumento – e

os diferentes tipos de argumentos em questão, em conformidade com suas bases. É

possível visualizar essa esquematização a seguir.

Esses argumentos ocorrem variadas vezes nos diferentes usos e

manifestações linguísticas e não necessitam propriamente de planejamento prévio.

Muitas vezes, argumentamos com os argumentos que fundamentam a estrutura do

real, por exemplo, cotidianamente, em situações corriqueiras.

Esquema 03: Esquema dos recursos argumentativos em Perelman-Tyteca (apud GRÁCIO, 2016, p.88).

119

Assim, tem-se que tais argumentos “discursivos” se concretizam por meio da

realização de uma argumentação “da língua”. Ainda, ambas as formas de

desenvolver argumentos (linguística ou discursivamente) se imbricam no momento

da produção de textos (orais ou escritos).

4.1.3. A ARGUMENTAÇÃO NA INTERAÇÃO

Até o momento realizaram-se alguns deslocamentos teóricos, com a

intenção de demonstrar que as teorias argumentativas, longe de serem estanques,

podem se completar no nível textual, quando observada a língua em uso e na

interação. Considera-se possível, dessa forma, agregar o conceito de campo de

causalidades como uma forma intralinguística de respaldar a argumentação

(argumentação, aqui, no sentido amplo, como apresentado no início da seção) com

a utilização de nexos causais.

Grácio (2015) explana acerca do conceito de campo argumentativo, o qual

remete para a visão especializada de saberes que se situam entre diferentes teorias

e nas especificidades da linguagem e dos estudos linguísticos, ligando a

argumentação retórica a outras teorias argumentativas e linguísticas.

Assim, a argumentação na oralidade e na interação adquire aspectos um

pouco mais específicos, pensando na argumentação como algo intrínseco ao ato

comunicativo (tal como a força ilocucionária, por exemplo). A espontaneidade da

argumentação que surge em uma situação específica chama a atenção para o fato

de que ela não exige um constante planejamento. Argumentar faz parte do processo

de construção textual tanto quanto a intenção do falante de produzir um efeito em

seu ouvinte o faz.

Ao analisar a argumentação sob um prisma interacional, abordando tanto

estruturas linguísticas inerentes a certos elementos da língua quanto discursivas,

Grácio (2016) trata a argumentação não só como um processo, mas também como

um fenômeno.

120

No esquema seguinte, é possível observar as relações estabelecidas

durante a argumentação, vista enquanto um fenômeno, ou ainda, acrescente-se, um

epifenômeno.

Observar tais perspectivas e apontamentos teóricos dos estudos

argumentativos parece evidenciar que esses estudos são convergentes.

Isoladamente, presume-se que não possuem um tratamento completo ao modo

sobre como os usuários do sistema linguístico organizam suas falas. Uma

verificação que permita vislumbrar, por critérios de plausibilidade, a maneira como o

falante consegue levar seu ouvinte a compreender e aceitar seus posicionamentos,

parece mais precisa ao realizar-se uma associação destas teorias.

Destaca-se que a argumentação, no âmbito da oralidade, apresenta

formulações prévias e também espontâneas, critério que enriquece ainda mais tais

propostas de análise. Ainda, na oralidade, é possível que o locutor altere e

redirecione seu texto e suas estratégias argumentativas de acordo com situações

distintas que vão surgindo no momento da interação verbal. Desse modo, falante e

ouvinte não estão apenas envolvidos em um contexto, mas constroem o contexto

do qual estão participando durante o evento comunicativo (AQUINO, 2000).

Esquema 04: esquematização dos fenômenos que envolvem os estudos argumentativos – Grácio (2016, p. 35).

121

Não se pretende dizer que na escrita haja diferenças que minimizem a

argumentação. O ponto é que, na oralidade, nota-se que a argumentação realizada

pelo falante tende a adquirir um aspecto mais dinâmico e pragmático, adequando-

se ao contexto, levando em consideração seu ouvinte e o conhecimento que o

falante acredita ser compartilhado por ambos. Seria cabível considerar também

que, na língua falada, a argumentação seria mais maleável, por assim dizer,

construindo-se no processo de interação.

Pensando dessa forma, o arcabouço teórico da Linguística Textual se

mostra bastante fértil, uma vez que os recursos de construção textual possibilitam

uma observação da utilização de tópicos, temas e remas, referenciação, e tantos

outros recursos que podem ser observados para verificar como se dá a

argumentação não apenas em textos escritos, mas também em textos orais. Eficaz

também tem sido o respaldo da Linguística Funcional para essas análises, uma vez

que permite associar esses aspectos ao uso da língua, analisando também

questões de gradiência, opacidade, iconicidade, estruturas multivariadas etc., sendo

essas teorias perfeitamente possíveis de serem associadas ainda com a Rhetorical

Structure Theory (RST), no intuito de melhor viabilizar as possibilidades das

análises, ampliando-as e aprofundando-as – haja vista que essas três teorias

citadas tem sido amplamente utilizadas em conjunto para diversas análises. Assim,

acredita-se poder obter uma análise satisfatória das estruturas linguísticas que

resultam na argumentação. Não apenas com foco nos conectivos, mas analisando

tal processo de forma mais abrangente.

122

CAPÍTULO 5 – METODOLOGIA

Este capítulo aborda os procedimentos utilizados para a realização desta

pesquisa, explicitando os objetivos gerais e específicos, os procedimentos para a

constituição do corpus, assim como os recursos e os métodos utilizados para a

análise.

5.1. Objetivo Geral

Investigar as funções das orações do campo da causalidade nos processos

de construção da coerência textual, na estruturação textual e na argumentação.

5.1.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Verificar a força argumentativa que emerge implicitamente das orações

hipotáticas causais, condicionais e concessivas.

Observar como a coerência é construída e mantida (ou não) textualmente

pelo enunciador do discurso.

Reconhecer alguns tipos de argumentos que surgem por meio das

construções causais.

5.2. Constituição do corpus

O corpus deste trabalho é formado a partir de entrevistas com autoridades

religiosas ou pessoas que possuam alguma forma de exercício de autoridade em

relação a outras pessoas por meio da sua crença – pastores, padres, dirigentes de

grupos, doutrinadores, entre outros, por entender que esses sujeitos possuem um

posicionamento bastante definido e delineado de sua crença. O grupo de

informantes reside na cidade de Maringá - PR, possuem faixa etária entre 25 e 40

anos, formação acadêmica em nível superior e são adeptos de suas crenças há

mais de cinco anos. Foi entrevistado um padre da igreja Católica Apostólica

Romana, um pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, um pastor da igreja Luterana,

um pastor da igreja Presbiteriana Renovada, um pastor da igreja Presbiteriana

Independente, um pastor da igreja Assembleia de Deus, um dirigente de grupos da

Associação Espírita de Maringá, um membro da comunidade Ateus de Maringá, um

123

representante da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos dias (Mormons), um

pastor da igreja Batista, um ancião da Congregação Cristã do Brasil e um ministro

da igreja Adventista do Sétimo dia.

As entrevistas foram gravadas e transcritas42, resultando em um total de

cento e setenta minutos e trinta segundos – totalizando aproximadamente duas

horas e cinquenta minutos (02 h 50 min.) de gravação, que correspondem a 135.799

bytes.

As entrevistas foram realizadas em datas diferenciadas e apresentavam os

seguintes questionamentos: (i) há quanto tempo o informante está na denominação

que escolheu; (ii) se o informante exerce algum tipo de liderança nessa

denominação; (iii) se o informante realizou alguma formação específica para exercer

a função em sua denominação; (iv) se o informante tem alguma formação

acadêmica superior não relacionada com religião; (v) o que fez o informante assumir

uma liderança em sua denominação; (vi) o que fez com que o informante, entre

tantas denominações, escolhesse a que ele está; e (vii) foi solicitado que o

informante realizasse uma tentativa de convencer a entrevistadora a partilhar de

suas crenças e frequentar sua denominação.

Os entrevistados responderam oralmente às perguntas, as quais foram

gravadas em áudio. Assim, trata-se de um corpus de Língua Falada, em situação

assimétrica de fala (considerando a situação de conversação), e o contexto

conversacional constitui-se como uma situação formal de fala, ou ainda, com uma

fala “monitorada” pelo falante, pois sabia que estava sendo gravado e o proposito da

gravação (constituir um corpus de pesquisa acadêmica).

Antes de ser iniciada a entrevista, foi desenvolvido um breve diálogo entre o

entrevistador e o entrevistado a fim de diminuir a tensão que a situação de

“entrevistado” pudesse gerar.

42

A transcrição foi realizada de acordo com os parâmetros do projeto NURC, os quais estão descritos na subseção 5.4.1, a seguir.

124

5.2.1. DELINEAMENTO DO CORPUS

A diversidade de crenças na escolha dos informantes visa possibilitar um

material bastante diferenciado em termos de conteúdo e que apresente um texto

coerentemente argumentativo para apresentar e explicar o posicionamento que o

informante assume referente às suas crenças.

As gravações das entrevistas foram transcritas, com adaptações, conforme

as regras de transcrição do projeto NURC (Norma Urbana Culta). As transcrições

não foram retextualizadas a fim de evitar, pelo processo de retextualização, a

desconstrução oral realizada pelo entrevistado. Assim, foi realizada a tabulação dos

dados referente às ocorrências das orações adverbiais. Obtidos os resultados do

levantamento das orações presentes no corpus, realizaram-se as análises e os

apontamentos conforme propostos nos objetivos.

5.2.2. CARACTERÍSTICAS DAS DIFERENTES RELIGIÕES REPRESENTADAS NO

CORPUS

A escolha destas instituições e associações levou em conta a divisão

histórica existente entre oriente e ocidente. Embora o Brasil, atualmente, seja um

país bastante diversificado em seus aspectos religiosos, contemplando religiões e

seitas orientais e ocidentais, o fato é que somos culturalmente formados pelo

ocidente. Conforme Schlesinger (1995) há cinco religiões universais: o Judaísmo, o

Islamismo, o Cristianismo, o Hinduísmo e o Budismo - sendo as três primeiras

Ocidentais, e as duas últimas Orientais, das quais todas as outras religiões são

provenientes, de uma ou de outra forma. Entre as de origem Ocidental, o

Cristianismo é a religião que há mais tempo existe no Brasil, e também a mais

representativa. Dentro das religiões cristãs no Brasil, fez-se a escolha por aquelas

que foram mais representativas historicamente, das quais, posteriormente advieram

outras.

Assim, as três principais igrejas históricas – considerando o contexto da

idade média, da reforma e contrarreforma - seriam a igreja Católica Apostólica

Romana, a Luterana e a Presbiteriana. Paralelamente ao surgimento e

desenvolvimento destas religiões, há a igreja Batista. A igreja Presbiteriana

apresentou diversas divisões e, posteriormente, foram surgindo outras religiões e

125

filosofias doutrinárias com seus alicerces no Cristianismo. Das divisões

apresentadas pela Presbiteriana, escolheram-se as mais representativas das igrejas

presbiterianas tradicionais e das pentecostais – visto a diversidade de religiões, não

contemplando nenhuma denominação neopentecostal. Há também a representação

de uma filosofia não religiosa, o Ateísmo, considerando que sua própria concepção

de não aceitar a existência de Deus denota paradoxalmente que primeiro deve-se

pensar na existência, para depois na não-existência, o que fez com que se

considerasse tal posicionamento religioso nas entrevistas. Entre as igrejas Católicas,

Batista, Presbiterianas e Pentecostais, a principal diferença doutrinária está no modo

como os ritos são celebrados e na crença aos santos e a Virgem Maria, lembrando

ainda alguns dogmas da igreja Católica, que apenas ela observa. No entanto, com

exceção do Ateísmo, todas têm em comum a crença em Jesus Cristo, em Deus, no

Espírito Santo e na eternidade da alma.

Não é intuito deste trabalho explanar detalhadamente as origens das

religiões, nem realizar um percurso histórico. O que se pretende é apenas esclarecer

os critérios de escolha das religiões aqui representadas, o qual não foi aleatório,

mas ancorou-se em aspectos históricos e de representatividade, considerando o

contexto religioso brasileiro.

5.3. Ferramentas e métodos de análise

Nesta subseção, esclarece-se acerca dos recursos e da metodologia utilizada

nesta pesquisa.

5.3.1. NORMAS DE TRANSCRIÇÃO DO PROJETO DE NORMAS URBANAS

CULTAS (NURC)

A transcrição das entrevistas não utiliza o sistema de escrita da ortografia

padrão – salvo algumas exceções em que podem ter sido mantidos aspectos orais

como pra, tava etc. De acordo com as normas de transcrição do NURC –

apresentadas em Castilho (2002, 2010), também não foram utilizados sinais gráficos

como vírgula, exclamação, dois pontos etc. – a transcrição foi feita de modo objetivo,

utilizando apenas o sinal gráfico de interrogação para frases interrogativas e aspas

126

para os casos de discurso direto. Os símbolos utilizados em conjunto com a

ortografia padrão servem para representar algumas ocorrências da fala e de seu

contexto e são assim utilizados:

Quadro 12: Normas de transcrição da língua falada (Castilho, 2002).

Situação Convenção

Qualquer pausa ...

Hipótese do que se ouviu (hipótese)

Incompreensão de palavras ou segmentos

( )

Comentários do transcritor ((ruído))

Truncamento, interrupção discursiva

/ (ex.: a meni/ a menina vai fazer... o menino/ a menina vai fazer...

Alongamento de vogal e consoante (como r, s)

: ou :: (se for muito longo)

Interrogação ?

Entonação enfática Maiúsculas (Ex.: ela quer UMA solução, não qualquer

solução)

Silabação - - (Ex.: Eu estou pro-fun-da-men-te chateada)

Aspas Discurso direto

Superposição, simultaneidade de vozes

[ [

(ligando as linhas) Obs.: Se o primeiro locutor continuar falando sem parar, apesar da superposição de vozes, colocar um sinal de = ao fim da linha e recomeçar, após a fala superposta, com

um sinal de =, para indicar a continuação. Exemplo:

L: eu gosto muito de histórias infantis... [sempre que eu =

D: [sei L: = posso...leio pros meus netos

Ressalva-se ainda que, para manter o anonimato dos participantes, nos

momentos em que ocorreu a pronúncia de nomes dos envolvidos, eles foram

substituídos pelo símbolo #.

5.3.2. SYSTEMIC CODER

Para a tabulação das informações dos dados em relação à quantidade de

ocorrências, conectivos, tempos verbais, posição das adverbiais, níveis semânticos

(conteúdo, epistêmico e atos de fala) e dos subtipos de orações (factual, potencial

ou contrafactual) foi utilizado o software de codificação Systemic Coder.

127

Esse software desenvolvido por Mick O’Donnell está disponível no site

<http://www.wagsoft.com/Coder/section2.html> gratuitamente. Esse sistema permite

ao usuário inserir seus próprios critérios de verificação, criando suas classificações

da forma que melhor lhe parecer. Após inserir no sistema os critérios de análise, o

analista inclui no sistema o corpus a ser analisado e aplica para cada texto os

critérios estabelecidos. Após realizar as análises, o próprio software apresenta os

dados estatisticamente. O analista pode optar por quais critérios informacionais os

dados serão contabilizados pelo sistema – por exemplo, por domínio semântico, por

conectivos etc. Outra vantagem do sistema é a opção de busca por termos e

exemplos no corpus que foi inserido no programa. Salienta-se que o programa

apenas organiza e registra as informações que são inseridas pelo analista. Toda a

análise e a tabulação são inseridas manualmente pelo pesquisador, que tem, nesse

software, uma forma de organizar e registrar seus dados, podendo observá-los de

forma quantitativa ou ainda contrastar as informações que inseriu no sistema.

5.3.3. RSTTOOL

O RSTtool também é um software desenvolvido por Mick O’Donnell e está

disponível em <http://www.wagsoft.com/RSTTool/> gratuitamente. Esse sistema

Figura 03: Aplicação dos recursos de análise em uma porção de texto do corpus.

128

permite ao analista a diagramação da estrutura retórica do texto, ou de segmentos

do texto, em níveis hierárquicos ou sequenciais.

É uma ferramenta bastante útil para a segmentação das porções textuais,

indicando o número de porções analisadas, as relações que se estabelecem entre

elas e o nível hierárquico em que cada segmento se encontra. Mais informações e

detalhes sobre a utilização e funcionamento dessa ferramenta estão disponíveis em

O’Donnell (2000).

Para a classificação das relações entre as porções textuais ou entre as

orações, utilizou-se a lista de relações William C. Mann & Maite Taboada (2005-

2016), disponível em <http://www.sfu.ca/rst/07portuguese/definitions.html>, a lista de

Lynn Carlson & Daniel Marcu (2001), disponível em

<https://www.isi.edu/~marcu/discourse/tagging-ref-manual.pdf>.

5.3.4 RECORTE METODOLÓGICO DE ANÁLISE DAS ORAÇÕES HIPOTÁTICAS

ADVERBIAIS

Tendo em vista a necessidade do estabelecimento de parâmetros de

análise, esta subseção apresenta os casos que foram retirados do escopo de

análise, uma vez que as orações selecionadas para análise são as orações

hipotáticas adverbiais de causa, condição e concessão que apresentam sua forma

prototípica de construção (oração nuclear e adverbial) e apresentam as conjunções

de forma explícita.

Dessa forma, não foram considerados para análise os casos de construções

oracionais causais por sintagmas nem orações adverbiais interrompidas ou

reformuladas. No caso das construções sintagmáticas que foram desconsideradas,

embora se reconheça seu valor argumentativo, essas orações ficaram fora do

escopo de análise, o qual consiste nas orações adverbiais conjuntivas de causa,

condição e concessão. Dessa forma, não foram contabilizadas ocorrências

sintagmáticas que indicam causa, como nos exemplos a seguir.

129

25) ...no sentido físico...no sentido espiritual... ...e nós...eh...por causa da nossa limitação... ...então nós precisamos buscar algo mais...além de nós...algo para dar sentido à nossa vida... ...esse buscar algo além de nós chama-se a fé... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Católica)

26) ...eu ficava muito confuso... e::: não conseguia entender e... ...e/e me incomodava muito isso...essa guerra...essa briga...por causa de deuses... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

Ocorrências não conjuncionais ou que apresentam elipse da conjunção

também não foram consideradas por não estarem no escopo das orações

analisadas neste trabalho, quais sejam, as orações adverbiais conjuncionais. São os

casos de orações adverbiais que não se relacionam explicitamente com outra

oração por meio de um conectivo de causa, como no exemplo a seguir, em que a

conjunção não está explícita.

27) ...mas é uma igreja que sempre privilegia a parte da pregação...da palavra de Deus...a bíblia... ...porquê? ...eh... ø é da bíblia que tiramos todo o nosso ensino...toda a nossa doutrina ...então...o valor que se dá pra essa parte do culto é muito importante... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana

do Brasil) Orações adverbiais que foram interrompidas ou reformuladas por meio de

outras orações que não adverbiais causais também foram descartadas. Essas

orações, embora apresentem uma conjunção causal, foram consideradas como não

relevantes para a análise, considerando que o falante opta por reformular sua fala

por meio de outra expressão que não a causal e sua oração nuclear, e as análises

deste trabalho se restringem a orações hipotáticas adverbiais e suas orações

nucleares.

28) ...ah::...é porque eu nunca acreditei mesmo nessas...eh... ...eu achava isso muito difícil de acreditar...nunca...nunca entendi... ...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

29) ...a gente sente o chamado de Deus e isso é bem claro...eh/a gente tem uma convicção dessa experiência...de sentir o chamado para um ministério específico...né? ...porque eu não/não tinha a intenção de...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

130

Assim, mantiveram-se para análise apenas as orações causais conjuncionais

e que foram realizadas por completo pelo falante, de modo a possibilitar uma

verificação mais objetiva das relações estabelecidas entre a oração adverbial causal,

sua oração nuclear e as porções textuais antecedentes e consequentes.

Nas ocorrências condicionais e concessivas, como nas causais,

consideraram-se apenas orações realizadas de forma completa pelo falante,

descartando-se casos em que a adverbial condicional foi interrompida, não finalizada

ou não apresentava uma relação de interdependência com uma oração nuclear.

Nesses casos, como nas causais supracitadas, o falante reativa e desativa a

elaboração textual, reorganizando sua fala por meio de outras escolhas sintáticas.

30) ...ah...eu tô fazendo isso a toa... ...porque não tem ninguém me ouvindo...e...apesar de ser muito difícil...ateu...né? ...hoje em dia não...mas na época...quando eu tinha dezessete anos...era...meio

complicado você ser ateu...

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

31) ...que você tem...a arquidiocese...depois você tem a paróquia...vamos dizer assim... ...não é assim mais ou menos? ...na arquidiocese se você tem várias paróquias que estão presas a ela... ...a-qui nós temos várias...a gente chama de área ou ramo...que são essas unidades onde tem um prédio... ...você já viu prédio da igreja...né?

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja de

Jesus Cristo dos últimos dias)

32) ...então eu...eu consegui entender que na igreja adventista eu conseguia

ter...eh... autoridade da palavra de Deus como um to::do...né? ...então...se eu professo viver numa igreja que deseja fazer tudo de acordo com a palavra de Deus...né? ...então eu vejo que a adventista...ela me proporcionou isso...

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja

Adventista)

Casos em que a partícula se apresentou funcionamento de conjunção

integrante também não foram considerados. Embora se reconheça que, em alguns

casos, o conectivo se com função de conjunção integrante apresente

condicionalidade, essa condicionalidade é intra-oracional, como é possível observar

no exemplo seguinte, e não se enquadra no escopo de análise deste trabalho.

131

33) ...e...eu acho muito mais responsável você assumir a sua vida...do que você deixar na mão de um...de um...Deus imaginário aí... ...que:...que você não sabe se existe...que não tem comprovação... ...acho que é mais ou menos isso... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

Os casos de condição que apareceram expressos dentro de uma comparação

também não foram considerados, visto que não estabeleceram, no caso dos

exemplos encontrados no corpus, a típica construção condicional “se p, q”. Em

outros termos, a oração adverbial condicional dentro de uma comparação não

apresentou uma oração nuclear que apresentasse uma consequência, um resultado

ou o preenchimento da condição anunciada na oração adverbial por uma nuclear.

34) ...que eu sirvo essa comunidade como se fosse um bispo...né? ...eu sirvo...não sou bispo...eu sirvo a igreja nessa função... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

35) ...então...é esse processo...né?

...que a gente tem...não é?

...eh...e...então ali você está aprovado...né?

...eh/eh/eh pra poder...eh/eh como se fosse quase uma OAB né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

5.5. Aspectos Éticos

Este estudo envolveu diretamente pesquisa com seres humanos, uma vez

que foram utilizados dados coletados por meio de entrevistas com pessoas da

cidade de Maringá. Para tanto, foi instaurado um processo no Comitê Permanente

de Ética em Pesquisa com seres humanos (COPEP) da UEM. O COPEP da

Universidade Estadual de Maringá apresentou parecer favorável à aprovação do

protocolo de pesquisa apresentado. Com isso, esta pesquisa atende às normas da

resolução 466/2012-CNS-MS, sob o parecer nº 1.374.966 do banco de dados da

COPEP - UEM.

132

CAPÍTULO 6 - ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, serão analisadas as orações adverbiais encontradas no

corpus e que pertencem ao campo semântico da causalidade. As análises são

divididas de acordo com o tipo da oração adverbial, na seguinte ordem: orações

adverbiais causais, orações adverbiais condicionais e orações adverbiais

concessivas, dividindo-se em subseções de análise conforme os critérios de análise.

Os critérios de análise foram baseados em aspectos sintáticos, semânticos,

pragmáticos e discursivos, em observância com o aparato teórico deste trabalho.

Após as análises dessas orações, há a demonstração de como elas funcionam na

argumentação.

6.1. Orações adverbiais causais – critérios de análise

Nesta subseção investigaram-se os seguintes fatores acerca das orações

adverbiais causais: a classificação das orações adverbiais nos diferentes níveis de

atuação lógico-semânticas (conteúdo, epistêmico e ato de fala), os tipos de

conjunções, o tempo verbal, a topicalidade, a informatividade, a posição (posposta

ou anteposta43) das orações adverbiais e as relações retóricas.

6.1.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS

As orações analisadas foram tabuladas considerando apenas as adverbiais

causais conjuncionais, que, conforme visto na subseção 3.2, podem se relacionar

biunivocamente – nuclear e adverbial (36), ou possuir uma relação de escopo com

mais de uma oração: mais de uma adverbial para uma nuclear (37), ou ainda, uma

adverbial que se relaciona com mais de uma oração na porção textual (38).

36) ...então...é uma igreja que recebe bem... ...então...as famílias que vieram... ...a maior parte delas voltou...porque foram bem recebidas... ...então esse é o primeiro motivo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)

43

Considera-se os termos posposição e anteposição oracional em relação verbo da oração matriz, não considerando, portanto, a ocorrência de orações intercaladas, conforme estudos de Decat.

*porque foram bem recebidas... ...a maior parte delas voltou...

133

37) ...ela [igreja] tem a bíblia como única fonte de revelação divina... ...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho... ...é por isso que eu...como batista... ...inclusi:ve...desde criança...

...prezo por essa denominação porque ela é his-TÓ-rica... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

38) ...(as) pessoas chegam ao ponto de pensar em aborto...de pensar em suicídio...homicídio... ...porque não entendem que o espírito é imortal... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

6.1.2. TEMPO VERBAL

O verbo é um elemento linguístico fundamental em toda predicação. Acerca

dos verbos, vale ressaltar que uma coisa é seu valor temporal, outra é seu valor

modal, outra é seu valor semântico e outra, ainda, é seu valor ou função discursiva –

lembrando que esses valores e funções não atuam de forma discreta.

Uma característica relevante do verbo é sua capacidade conceitual de

representação do tempo, compreendendo “tempo” não estritamente como tempo

*porque não entendem que o espírito é imortal

1- as pessoas chegam ao

ponto de pensar em

aborto...

2- [chegam ao ponto] de

pensar em suicídio...

3-[ chegam ao ponto de

pensar em] homicídio

...ela [igreja] tem a bíblia como única fonte de

revelação divina...

*...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho...

*...é por isso que eu... [...].prezo por essa denominação [...]

134

cronológico no mundo físico, mas como referência temporal dos eventos expressos

linguisticamente.44 Embora o verbo permita certa localização temporal em relação

aos diferentes momentos que há entre o momento da fala e os momentos dos

eventos expressos por meio da linguagem, importa ultrapassar esses critérios de

modo a investigar quais funções o verbo pode apresentar discursivamente. Interessa

observar como os tempos verbais se inserem no uso linguístico discursivo em

situações de fala não planejada. Assim, mais do que observar o quando de um

evento apresentado pelo falante em uma expressão linguística, convém também

observar em quê determinadas utilizações verbais podem resultar e como as

funções sintáticas, semânticas e pragmáticas dos verbos são postas em uso.

Acerca das ocorrências verbais encontradas nas orações adverbiais causais,

destaca-se a mais recorrente, que foi o tempo presente do modo indicativo tanto na

oração nuclear quanto na oração satélite, aparecendo em cinquenta e três (53)

combinações oracionais de um total de noventa e um (91). Há de se considerar

ainda a ocorrência desse tempo verbal combinado com outros tempos verbais,

alternando entre oração nuclear e oração satélite (o presente do indicativo apenas

na oração nuclear ou apenas na oração adverbial), que totaliza mais quinze

ocorrências. A segunda maior utilização verbal foi o pretérito perfeito do modo

indicativo com dez ocorrências em que esse tempo verbal foi utilizado tanto na

oração adverbial quanto na nuclear. Combinado com outros tempos verbais, o

pretérito perfeito ainda aparece mais dezoito vezes. Observa-se que a diferença

entre a utilização das orações adverbiais e das orações nucleares, ambas no tempo

presente, demonstra uma diferença relevante em relação a outras utilizações de

tempos verbais. Destaca-se no quadro a seguir que os tempos verbais de acordo

com a combinação das orações adverbiais com as nucleares, considerando as três

maiores ocorrências, as quais totalizam 80,6% de todas as combinações de orações

adverbiais causais.

44

Para essas observações, utiliza-se o conceito dos “três momentos de Reinchebach” (1997), em que a temporalidade expressa por meio da língua se resume a apresentação de momentos distintos que se apresentam anteriores, posteriores ou simultâneos ao momento da fala.

135

Tabela 01: As combinações verbais das orações adverbiais causais no corpus - por número de ocorrências (as três maiores)

Combinações verbais entre orações nuclear e adverbial

Oração adverbial Oração nuclear

Presente do Indicativo Presente do Indicativo 56 (60,2%)

Pretérito Perfeito do indicativo Pretérito Perfeito do indicativo 10 (10,7%)

Presente do Indicativo Pretérito Perfeito do indicativo 09 (9,6%)

Total 75 (80,6%)

Corôa (2005) apresenta uma síntese de diferentes estudos acerca da do

tempo presente no português. Em suma, autores como Pontes (1975), Admoni

(1966), Prior (1967), Vater (1974), Lyons (1977), entre outros, defendem que o

tempo presente pode ser associado tanto ao futuro quanto ao passado. Também

Camara Jr. (2002) fala do uso metafórico dos tempos verbais, em que o presente

“sem a ‘assinalização’ própria expressa presente, futuro ou um tempo indefinido, ex:

parto agora; ou daqui a três dias, parto sempre de casa às 10 horas [...]” (CAMARA

JR., 2002, p. 100). Com base nisso, acredita-se que a alta recorrência do presente

no corpus das orações adverbiais causais resida nessa característica, que

apresenta, por consequência, o presente como uma forma verbal mais acessível

cognitivamente, tanto para o falante quanto para o ouvinte. O verbo, portanto, não

deve ser visto apenas em valor de representação temporal. Combinado com outros

elementos linguísticos ou, ainda, observando seu próprio valor semântico45, o tempo

“presente” utilizado pelo falante ultrapassa critérios morfológicos, sintáticos e até

mesmo semânticos, inserindo-se nas expressões linguísticas de modo a produzir

diferentes possibilidades de referenciação temporal em relação ao evento

apresentado pelo falante ou até mesmo de suas intenções. A própria gramática

tradicional admite “diferentes presentes”. Percebe-se, então, uma motivação que

pode ser decorrente de questões paradigmáticas motivadas cognitivamente e que

influenciam na utilização do presente na língua falada. Isso no sentido de que, a

preferência pelo presente na formulação linguística, em ocasiões nas quais não há

um planejamento linguístico, como no caso da fala espontânea, pode ser devido a

toda essa amplitude de referenciação temporal que esse tempo apresenta, o que

parece torná-lo mais “versátil” que os demais.

45

Por critérios semânticos considera-se estado, processo [HALLIDAY (2004). Como o verbo “caiu”, por exemplo, que indica um processo interno ao valor semântico do verbo, ou no caso de “sair” e “continuar”, vistos no exemplo acima].

136

Há também de se considerar que o corpus de análise utilizado neste

trabalho é resultado de uma entrevista oral de caráter simétrico. Algumas perguntas

favoreciam respostas situadas no momento do evento comunicativo, como a

solicitação final de convencer o entrevistador a participar da igreja ou da crença do

informante, e outras que favoreciam respostas no passado, como a pergunta acerca

do tempo em que o informante está em determinada igreja. Mas de modo geral, a

maioria das perguntas favorecia uma resposta com o tempo presente. Nesse caso,

várias orações, não apenas as subordinadas adverbiais em análise apresentam o

Momento da Fala (MF) coincidente com algum outro momento [Momento do Evento

(ME) ou o Momento de Referência (MR)] ou com ambos, formando o presente

(ocorrência de maior quantidade encontrada no corpus). Dessa forma, uma análise

satisfatória do uso verbal como dos exemplos acima exige, minimamente, que se

considere a coincidência entre os eventos observando também aspectos

semânticos.

Conforme descrito no capítulo um deste trabalho, uma análise funcionalista

deve permitir uma verificação da oração e seus componentes em três funções

distintas: sintática, semântica e pragmática, tendo a pragmática predominância

sobre as demais funções (Dik, 1989). Dessa forma, as análises visam apontar tais

funções dos verbos das orações adverbiais causais encontradas no corpus, para

viabilizar uma análise do funcionamento discursivo-argumentativo do verbo.

Fiorin (2016) e Corôa (2005) explicam que o presente expresso pelo verbo

pode ser pontual (coincidem com o ME e o MR); durativo (MR e ME são

coincidentes, mas MR apresenta uma duração maior que ME) ou gnômico (MR e ME

são coincidentes, mas o MR é atemporal e inclusive considerando em si o ME). Ou

ainda, MR é o sistema temporal com respeito ao qual se definem simultaneidade e

anterioridade, é a perspectiva de tempo que o falante transmite ao ouvinte para a

contemplação do ME. ME é o instante em que se dá o evento descrito, é o momento

da predicação, e o MF é o tempo da realização da fala (COROA, 2005, P. 11). Esses

momentos são exemplificados a seguir, respectivamente.

39) ...então...por isso que eu digo pra você...eu não prego uma religião...eu

prego a mensagem de Jesus...o evangelho... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

137

40) ...em nenhum momento eu vou lhe convencê-la pra vir pra minha igreja...né? ...porque eu acredito que a minha igreja...ela é só um pontinho nesse processo todo né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

41) ...e nesses vinte e oito anos posso dizer que escolhi o caminho certo...porque me sinto realizado...nesse...nesse...nesse ministério... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Católica)

No entanto, não parece satisfatória uma análise que se limite a apresentar

tais questões apenas. Cabe investigar possíveis motivações sintáticas, semânticas

e/ou pragmáticas que influenciem tais classificações. A classificação do verbo

conforme sua situacionalidade em relação aos MR, ME e MF implica, indiretamente,

em uma observação aspectual – uma vez que, para classificar se o presente é

pontual, durativo ou gnômico é necessário observar a duração do MR – que pode

ser considerado, então, como critério morfossintático e semântico. Os momentos dos

eventos podem ser considerados como função pragmática dos verbos, que visa

orientar o ouvinte em relação aos eventos apresentados pelo falante. Neste trabalho,

portanto, considera-se as questões aspectuais do verbo como funções sintáticas

semânticas, isso por estarem mais voltados para questões de combinação de

elementos com função sintática (como advérbios, numerais etc.), morfológicas

(flexão verbal) e também com questões semânticas. Já as implicações que resultam

da apresentação dos momentos de referência, de fala e do evento são tidas como

funções pragmáticas – uma vez que a marcação dos momentos da fala é pensada

de modo a situar o ouvinte em relação ao “tempo” que o falante deseja marcar

acerca dos eventos presentes nas expressões linguísticas.

Nos exemplos em questão, o ME, o MR e o MF são coincidentes, ou seja, o

tempo da predicação, a fala e o tempo do evento ocorreram simultaneamente.

Todavia, o momento de referência (MR) desses exemplos se diferencia, o que os

distinguem em pontual, durativo ou gnômico, respectivamente. Apenas para

exemplo, destaca-se a construção em quarenta (40) em que o falante diz “em

nenhum momento eu vou...[isso]”. Como definir se se trata de um aspecto perfectivo

e imperfectivo, ou ainda, como definir se se trata de um aspecto inceptivo, cursivo ou

terminativo (da perspectiva aspectual de desenvolvimento do processo), se o falante

marca apenas “em momento nenhum”. Nesse caso, o contexto sintático-semântico

138

em que o verbo está situado, assim como o contexto do evento comunicativo, não

auxiliam de forma significativa na classificação aspectual. Apesar de ser possível a

classificação aspectual desse verbo em pontual (pois não apresenta duração) e

cursivo (o processo está em andamento), tais considerações são realizadas com

base na eliminação de outras hipóteses. Por exemplo, sabe-se que esse verbo

provavelmente não seria durativo ou iterativo, pois não há um respaldo contextual

que permita tal identificação, assim, se não apresenta uma duração e nem uma

repetição, resta apenas a menção a um momento, algo pontual. O mesmo ocorre

acerca do aspecto quanto ao desenvolvimento do processo exposto pelo verbo,

como não há pistas no texto que aponte para o fato de a ação apresentada estar em

seu início (inceptivo), em seu final (terminativo) ou em seu desenvolvimento

(cursivo). Todavia, nesse caso, semanticamente, o verbo permite inferir um processo

que está em desenvolvimento, mesmo que não tão claramente, como em outros

tempos verbais, por exemplo.46 As pistas textuais para tais caracterizações são

frágeis muitas vezes. Há casos em que tal classificação se torna facilitada, como no

exemplo quarenta e um (41) -“...e nesses vinte e oito anos posso dizer que escolhi o

caminho certo...porque me sinto realizado...nesse...nesse...nesse ministério...”47.

Em posso fica evidente o aspecto durativo (de 28 anos), pois há pistas que facilitam

a identificação, o que já não é o caso do segundo segmento no exemplo.

Não se pretende o aprofundamento nem o exaurimento das questões

aspectuais, mas apenas um esclarecimento e uma breve discussão acerca da

hipótese firmada no início dessas análises, qual seja, que o presente possui por

natureza, uma representação mais ampla em relação à referência temporal que

pode ser expressa verbalmente, é um tempo que pode ser visto como mais “versátil”.

Mais relevante, porém, para os estudos argumentativos propostos neste trabalho

46

Sobretudo nos tempos pretéritos, que apresentam, via de regra, uma aspectualidade e uma (im)perfectividade marcada pela própria flexão verbal. A exemplo do verbo em questão, ir, destaca-se eu ia – imperfectivo, cursivo – sob o ponto de vista da conclusão do processo expresso pelo verbo, da duração e do desenvolvimento respectivamente. Ou ainda, eu fui – perfectivo pontual, cessativo – ação já realizada e acabada. Essas observações são possíveis sem outros elementos linguísticos, com o uso de elementos linguísticos determinantes é possível que esses tempos verbais apresentem outras classificações aspectuais. Essa demonstração se deve apenas para apontar que nesses tempos verbais é possível uma classificação mais objetiva mesmo sem outros elementos, o que não é o caso do presente, em que tal classificação realizada sem a observação de outros elementos linguísticos se torna mais difícil. 47

Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Católica.

139

que questões aspectuais são as questões que dizem respeito ao funcionamento do

verbo no nível textual-discursivo.

Discursivamente, todos os tempos verbais podem ser qualificados em dois

grupos distintos, de acordo com os estudos do alemão H. Weinrich (1973)48, os

quais foram desenvolvidos no Brasil, sobretudo por Koch (2011, 2013) – tendo, a

autora, realizado algumas adequações que levassem em conta questões específicas

da língua portuguesa (Koch, 2011). Nesses estudos, os tempos verbais são

diferenciados discursivamente entre mundo narrado e mundo comentado. Sobre o

mundo narrado a autora realiza a seguinte afirmação.

É graças aos tempos verbais que emprega que o falante apresenta o mundo – “mundo” entendido como possível conteúdo de uma comunicação linguística – e o ouvinte o entende, ou como mundo comentado, ou como mundo narrado. Ao mundo narrado pertencem todos os tipos de relato, literários ou não, tratando-se de eventos distantes, que, ao passarem pelo filtro do relato, perdem muito de sua força, permite-se aos interlocutores uma atitude mais ‘relaxada’” (KOCH, 2011, p. 35-36).

As expressões linguísticas que fazem parte do mundo narrado apresentam

verbos nos tempos pretéritos do indicativo (perfeito, imperfeito e futuro do pretérito),

assim como locuções verbais com o verbo auxiliar nesses tempos (KOCH, 2005).

Para melhor observação de um conteúdo discursivo do mundo narrado, são

apresentados dois exemplos, um estritamente com as orações que se relacionam

por meio da conjunção causal, e uma porção maior, que viabiliza uma

contextualização mais ampla e inclui outros tempos verbais desse mundo.

42) ...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo... ...porque são várias religiões e vários deuses... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

43) ...eu tentava omitir no começo...mas é que eu não...não... ...me incomodava muito ter que ir na igreja... ...e ficar ouvindo aquelas coisas e...sabe...aqueles ritos... ...eu achava muito estranho...eh...hóstia...e...aquela coisa toda... ...primeira comunhão...

48

Tais estudos defendem que os tempos verbais no discurso não tem vinculação com o tempo cronológico das ações apenas, e dividem-se em dois grupos, considerando apenas o modo indicativo. Grupo 01: Presente, Pret. Perf. Composto, Fut. do Presente, Fut. Do Presente Composto e locuções verbais formadas pelo Presente e pelo Futuro. Grupo 02: Pret. Perfeito, Pret. Imperfeito, Pret. Mais que Perfeito, Fut. Do Pretérito e locuções verbais formadas por esses tempos. As situações comunicativas se dividem entre esses tempos, sendo denominadas de mundo comentado (verbos do grupo 01) e mundo narrado (verbos do grupo 02). Quanto aos denominados Modos (indicativo e Imperativo) são considerados pelo auto como tempos não-plenos, que se ligam aos “tempos-plenos” (grupos 01 e 02) para exercer suas funções comunicativas.

140

...isso me incomodava muito...

...porque é uma coisa que eu não acredita:va...não fazia sentido na minha vida aquilo... ...então...eu não queria participar daquilo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

O discurso, quando é construído de acordo com o mundo narrado, não exige

do ouvinte, e nem do falante, um posicionamento, uma ação efetiva. O falante

assume uma atitude de interlocução na qual não necessita, efetivamente, se

posicionar em relação ao conteúdo proferido. Argumentativamente, os discursos

nesse mundo se tornam, portanto, mais fracos (KOCH, 2005). Diferentemente,

quando o discurso é construído no mundo comentado, há uma participação mais

efetiva ente ouvinte e falante por meio das expressões linguísticas, considerando

que “comentar é falar criticamente” (KOCH, 2005, p. 36 – grifo nosso).

A assertividade que há no mundo comentado faz que o discurso do falante se

torne mais asseverativo, atribuindo maior engajamento por parte do falante em

relação ao que diz. Koch (2005) destaca que “a forma verbal presente nada tem a

ver com o Tempo: ela constitui, justamente, o tempo principal do mundo comentado,

designando uma atitude comunicativa de engajamento, compromisso” (KOCH, 2005,

p. 37 – negrito no original).

Assim, a predominância do tempo verbal no presente do indicativo se mostra

bastante relevante para as análises propostas neste trabalho, pois confere ao

conteúdo linguístico uma criticidade e uma argumentação intrínsecas às expressões

linguísticas. A manutenção do tempo verbal, nesse sentido, torna-se, por si só, uma

forma de argumentação linguística.

Acerca do discurso narrado, destaca-se que a diferença do discurso acerca

de um mundo narrado e um mundo comentado fica saliente ao se comparar os

exemplos anteriores (do mundo narrado) com porções textuais que se classificam

como do mundo comentado:

44) ...e...a partir daí...se estabelece...um princípio da fé judaico-cristã:... ...sem derramamento de sangue não há remissão de pecados... ...por isso que Jesus de Nazaré...o Filho de Deus...teve uma encarnação...por Maria...uma encarnação do Espírito Santo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

141

45) ...mas...o SALvador nosso é Jesus Cristo... ...e por isso é que nós pregamos que...é em Jesus Cristo que o ser humano pode ter a salvação... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

Percebe-se, nesses exemplos, o comprometimento do falante acerca do que

diz, comprometimento entendido como modalização. Ainda, o sistema temporal do

verbo, de acordo com Koch (2011, 2013) e Weinrich (1973) é composto por três

elementos dos quais o primeiro diz respeito à atitude comunicativa.

A atitude comunicativa é mais engajada, apresentando maior

comprometimento do falante acerca do que ele diz (mundo comentado) ou menos

empenhada, apresentando menos envolvimento do falante em relação ao que diz

(mundo narrado) (KOCH, 2013). Mesmo o uso do verbo modal “pode” não diminui o

grau de envolvimento do falante em relação ao que diz, inclusive porque se refere a

algo que o falante apresenta ao ouvinte como uma possibilidade que dada ao ser

humano por Jesus Cristo, e não de uma possibilidade quanto a relação para com a

ação que é apresentada ao evento do EsCo expressado na oração. Ou seja, o verbo

modal “pode” não se refere à ação realizada pelo falante (a pregação).

Retomando o sistema temporal ligado a situações comunicativas (Koch, 2011,

2013), destacam-se as seguintes dimensões:

Esquema 05: Dimensões do sistema temporal na situação comunicativa

1ª) Atitude Comunicativa

Narrativa Comentadora

2ª) Perspectiva comunicativa

Tempos de grau ø (sem perspectiva)

Tempos com perspectiva - Prospecção - Retrospecção

3ª) Relevo 1º Plano

2º Plano Aparecem apenas em alguns setores do sistema temporal

Os conceitos sobre o relevo e a perspectiva não serão aprofundados, tendo

em vista o objetivo deste trabalho. Apenas a primeira dimensão do sistema temporal

é abordada, uma vez que a perspectiva e o relevo apresentam características mais

142

cronológicas e/ou sequenciais, critérios não menos importantes que a atitude

comunicativa, mas não relevantes para a análise em questão. Posto que já foram

realizadas considerações acerca da atitude comunicativa, salienta-se apenas que a

perspectiva diz respeito ao tempo base, ou, tempo zero dos mundos. No mundo

comentado, o tempo base é presente e no mundo narrado é o pretérito perfeito

simples. Todavia, Koch (2011, 2013) explica que a classificação dos tempos verbais

de Weinrich tomou por base o francês, o que resultou em algumas questões a serem

reformuladas para a língua portuguesa. Destaca-se, nesse sentido, o caso do

pretérito perfeito, que, conforme a autora é extremamente frequente nos textos dos

dois mundos, em se tratando de Língua Portuguesa.

Assim, “é preciso, pois, admitir sua presença nos dois ‘mundos’, embora com

valores diferentes: no mundo narrado, ele é o tempo-zero [...], no mundo comentado,

o tempo-zero é presente, e o pretérito perfeito tem valor retrospectivo” (KOCH, 2011,

p. 56). Daí também a possibilidade quanto ao pretérito perfeito ser a segunda maior

ocorrência de tempo verbal – por combinar-se com o tempo-base do verbo no

mundo comentado, apresentando uma retrospectiva em relação ao evento com a

oração no presente.

46)...e nesses vinte e oito anos posso dizer que escolhi o caminho certo... ...porque me sinto realizado nesse...nesse...nesse ministério... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Católica)

Nesse caso, a oração nuclear apresenta um evento anterior ao evento

descrito na adverbial, mas, discursivamente, essa porção textual mantém-se no

mundo comentado.

Assim, ressalta-se a relevância da predominância do tempo verbal no

“presente”, discursivamente, reforça a argumentação realizada pelo falante. Inclusive

pela modalização que ocorre por meio das expressões linguísticas de polaridade

positiva – as afirmações. Tempo verbal nessa perspectiva discursiva, portanto, é

vista “como comportamento do falante articulado nos dois grupos temporais do

mundo comentado e do mundo narrado” (KOCH, 2011, p. 39).

143

6.1.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA E CONECTIVOS

Ao todo, no corpus, foram encontradas noventa e uma ocorrências de

orações adverbiais com conectivos causais. Desse total, a maior recorrência foi nas

construções no nível dos atos de fala, totalizando quarenta e seis das noventa e

uma ocorrências.

Tabela 02: Síntese das conjunções e do posicionamento das orações adverbiais causais.

Domínio de conteúdo

Domínio Epistêmico

Domínio dos atos de fala

TOTAL

Conectivos

Porque 19 (26,7%) 18 (25,3%) 35 (49,3%) 71 (76,3%)

Por isso que

01 (11,1%) 01(11,1%) 05 (77,7%) 07 (9,7%)

Por isso (é) que

01 (25%) 01 (25%) 02 (50%)

04 (4,3%)

Que 01 (33,3%) - 02 (66,6%) 03 (3,2%)

Como 01(33,3%) 01(33,3%) 0(33,3%) 03 (3,2%)

Por conta de

- - 01(100%) 01 (1,07%)

Por isso - 01(100%) - 01 (1,07%)

Pois 01(100%) - - 01 (1,07%)

TOTAL 23 (24,7%) 22 (23,6%) 46 (51,6%) 91

A predominância das orações no domínio dos atos de fala sugere que no

contexto de produção textual no âmbito religioso, dadas as considerações das

entrevistas realizadas, os falantes optaram mais por explicações e justificativas de

suas crenças e suas escolhas do que por causas efetivas, como nos domínios de

conteúdo, por exemplo. Desse modo, o domínio em que determinada oração

adverbial se encontra, parece ser capaz de influenciar o modo como a

argumentação irá se estabelecer no texto. Como é possível observar em quarenta e

sete (47), quarenta e oito (48) e quarenta e nove (49): domínio dos atos de fala,

domínio epistêmico e domínio de conteúdo, respectivamente.

47) ...a vida com Cristo não é a ausência de problemas... ...é saber encarar problemas com ele...e é ver ele se manifestando... ...porque os problemas é a O-portuniDA-de pra Deus e manifestar...e ele ser glorificado... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

48) ...eu tentava omitir no começo...mas é que eu não...não/me incomodava muito ter que ir na igreja...

...e ficar ouvindo aquelas coisas e...sabe...aqueles ritos...

...eu achava muito estranho...eh...hóstia...e...aquela coisa toda...

...primeira comunhão...

144

...isso me incomodava muito...

...porque é uma coisa que eu não acredita:va...não fazia sentido na minha vida aquilo... ...então...eu não queria participar daquilo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu) 49) ...caso sendo aprovado...aí você vai pra licenciatura...

...é licenciado...trabalha na igreja como pastor...

...fazer tudo que um pastor faz...menos...ah...ministrar o sacramento...que é:...seria o batismo...né? ...eh...porque ainda não é ordenado...não é investido como pastor... ...então...você tá no ano de experiência... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

No caso das orações que se situam no domínio epistêmico (das crenças dos

falantes), como no exemplo quarenta e oito (48), tem-se que a causalidade não se

dá entre Estados de Coisas (EsCo), como em quarenta e nove (49), mas entre

conteúdos proposicionais, sendo a causalidade marcada, nesse domínio, por meio

das crenças ou conclusões do falante. Para as análises pragmáticas e

argumentativas, esses critérios se tornam relevantes, pois conduzem para os

argumentos com base nos raciocínios preferíveis, ou seja, aqueles nos quais se

situa, de forma mais cômoda, a argumentação persuasiva. Considerando ainda a

relação entre eventos e a relação entre argumentos, sendo esta última a que se

estabelece entre fenômenos internos à situação de comunicação, tem-se que os

segmentos são relacionados como etapas em um argumento, significando primeiro

uma proposição no jogo do discurso, e depois outra. Pode ainda ser considerada

uma relação ideacional, conforme conceito de Halliday (2004), a qual ocorre no

âmbito da construção de significados e da representação das impressões

particulares do falante acerca da situação. As orações do domínio de conteúdo, por

sua vez, apresentam uma causa material mais marcada que nos demais níveis. Fato

que, argumentativamente, também se mostra relevante, pois direciona para uma

argumentação com base na causalidade lógica.

Acerca das conjunções utilizadas, do total de noventa e uma (91) orações

analisadas, setenta e uma (71) foram construídas pelos falantes com o conectivo

porque. Esse resultado é compatível com os estudos realizados por Neves (1999,

2000, 2015) e Castilho (2010), entre outros, nos quais essa conjunção representa o

maior número de ocorrências do corpus, ou seja, é a mais prototípica.

145

Tabela 03: posicionamento das orações adverbiais causais.

Posição da oração

adverbial

Adverbial Posposta

Adverbial Anteposta

Total

Conectivos

Porque 66 (92,9%) 05 (5,5%) 71(76,3%)

Que 03 (100%) 00 03 (3,2%)

Por isso que 07 (100%) 00 07 (9,7%)

Por isso (é) que

04 (100%) 00 04 (4,3%)

Como 00 03 (100%) 03 (3,2%)

Por isso 00 01 (100%) 01 (1,07%)

Por conta de 01(100%) 00 01 (1,07%)

Pois 01 (100%) 00 01 (1,07%)

TOTAL 83 (91,4%) 8 (8,6%) 91

Neves (1999, 2015) explica que a escolha do conectivo pelo falante está

correlacionada à distribuição da informação entre as orações e ao relevo

informacional. De acordo com a autora, quando uma informação é tida como

compartilhada pelos participantes do ato comunicativo, ela vem anteposta à oração

nuclear. Quando a oração acrescenta informação tida como não compartilhada, vem

posposta, como nos exemplos a seguir.

50) ...em João capítulo 3...versículo 16...que diz:...“porque Deus amou o mundo de tal maneira...que deu o seu filho unigênito para que...todo aquele que nele crê...não pereça...mas tenha a vida eterna”... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

51) ...então...quando você diz não a essa natureza...isso vai gerar dor em você... ...porque a sua natureza de Adão é egoísta...é arrogante...é incrédula...é possessiva... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

Acredita-se, ainda, que a preferência pelo conectivo porque possa ocorrer

por uma questão de praticidade e economia linguística. Mais do que isso, pode ser

considerada uma construção que está mais gramaticalizada. Considerando,

também, que, além de deixar clara a relação de causalidade para o ouvinte, o

conectivo porque pode vir em qualquer posição sintática (anteposta ou posposta) – o

que pode ser considerado como “facilitador” da elaboração linguística.

52) ...e...assim...como eu/eu...eu...fui/fico assim...buscando respostas... ...e:: como eu não A:cho...eu optei em não acreditar... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

146

53) ... um dia desses...não quero fugir pra política...mas eu tava pensando se eu não podia ter feito algo diferente com a minha vida… ...se eu poderia ter me dedicado à política...que eu vejo tanta coisa que me deixa enraivecido...chateado mesmo… (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da Igreja de Jesus Cristo dos últimos dias)

Os exemplos 52 e 53 apresentam ocorrências de orações causais com outras

conjunções que não o “porque”. Como é possível perceber, a causalidade não é

reconhecida tão facilmente como nos exemplos com as conjunções “porque”, isso

considerando a situação comunicativa e a espontaneidade da língua falada, no

contexto de formação do córpus desta pesquisa.

No tocante ao relevo informacional, crê-se que ele pode ocorrer também por

meio da escolha do conectivo, sem que, necessariamente, incorra na posição da

oração adverbial, embora a posição das orações seja altamente relevante nesse

aspecto. Por meio da utilização do conectivo associado a um elemento focalizador,

como visto na utilização da locução conjuntiva por isso (em 54), é possível focalizar

uma informação mesmo em posição menos evidente, como é o caso da posição não

tópica da oração posposta. Mesmo pospostas, essas construções atribuem relevo

significativo ao conteúdo da oração adverbial, de formas variadas.

54) ...inclusive..a nossa doutrina..ela tem a primeira regra da doutrina... ...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina... ...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)

55) ...mas eu não tenho forças...e não tenho condições para mudar isso... ...por isso que Deus...na sua infinita bondade...GRAça e amor...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

56) ...ela [Maria) foi...canal das bênçãos de Deus para a humanidade... ...mas...o SALvador nosso é Jesus Cristo... ...e por isso é que nós pregamos que...é em Jesus Cristo que o ser humano pode ter a salvação... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

Note que, em cada exemplo de adverbial posposta vai ocorrendo uma

focalização no conteúdo que é inserido pelo falante desde (-focalizado) a

(+focalizado), como se vê, respectivamente, nos exemplos. No primeiro exemplo

com por isso, não há um relevo informacional por meio da focalização como nos

147

outros casos. Nos dois exemplos seguintes, a informação da adverbial introduzida

posposta à oração nuclear é salientada por meio do verbo é, aliada ao conectivo

57) ...inclusive...a nossa doutrina...ela tem a primeira regra da doutrina... ...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina... ...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

O que se nota é que, por meio da locução conjuntiva por isso que, associada

ao verbo “ser” - na terceira pessoa do singular do modo indicativo do tempo

presente: “é” - o falante é capaz de salientar uma informação que está

sintaticamente desfavorecida de relevo informacional por meio da clivagem, que é

um recurso linguístico de focalização. Essa utilização de “por isso que + é” ocorreu

com mais de um dos entrevistados, mais especificamente com os pastores das

igrejas Luterana e Batista, o que demonstra que não se trata de uma questão de

idiossincrasia.

Há de se considerar também, nesses casos, os níveis em que se encontram

tais orações, e o fato de ser a preposição por uma preposição capaz de designar

diferentes relações, conforme o elemento linguístico que acompanha. A preposição

por inserindo um sintagma como um segmento causal foi bastante recorrente no

corpus – apareceram mais sintagmas nominais de causa, como “por uma questão

de lei”, “por causa da nossa limitação”, “por razões pessoais”, “por influência da

família” etc., do que orações concessivas, por exemplo.

58) [Porque a Presbiteriana do Brasil?] ...um pouco por causa do histórico...né? ...o meu avô já era presbiteriano...meus pais presbiterianos... ...então...eu segui por este caminho... ...um pouco...por causa da influência da família...com certeza... ...e também...por uma convicção pessoal...né? ...claro que... envolve a formação da gente...desde criança e adolescente... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)

Embora esses sintagmas não apresentem uma predicação, eles se

relacionam com as porções textuais que os precedem ou sucedem, estabelecendo

relações claramente causais – eles apresentam causas. Assim, embora Neves

(2013) reconheça que há o uso sintagmático na língua portuguesa, ela os

correlaciona a usos canônicos ou literários, afirmando que em contexto de língua

148

falada raramente se observa realizações linguísticas não predicativas. Todavia, no

corpus de análise, a ocorrência de orações sintagmáticas – não apenas causais – foi

bastante recorrente.

Outros casos com a preposição por (agora com segmentos predicativos)

relacionando porções textuais foram encontrados, mas não contabilizados, por não

serem classificados na literatura gramatical da língua portuguesa como conjunções

causais. Todavia, percebe-se que, nem por isso, deixam de estabelecer relações de

causa em predicação e não em sintagma apenas. Foram encontradas quatro

construções nesse sentido, todas compostas pela preposição por + verbo.

59) ...esse despertamento pra realizar alguma coisa em favor da igreja...e...mas eu creio que é um chamado natural...uma vocação que a gente tem... ...assim como outras crianças tem outros desejos... ...mas eu...por ser criado em família evangélica e com um histórico já:...de avô...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)

60) ...então...nós temos um curso básico em teologia...que é aquelas pessoas que

tem um chamado de Deus mas elas...elas não estudam para trabalhar... ...mas elas...por estarem trabalhando...sentindo a necessidade de fundamentar a sua fé...sua (ação) de liderança pastoral...de pregação... ...aí elas vão estudar com base... ...algumas delas...nem todas... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

61) ...vai ter dificuldade de trabalhar...

...vai ter dificuldade em algum momento...de estudar...né?

...por ter aulas aos sábados... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

62) ...você é ensinado a isso...e aí você acaba se envolve:ndo um pouco

mais...também... ...então são essas duas razões que eu vejo... ...a influência da família...por já estar ligado...e a questão da missão...e do advento... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

Destaca-se que todas essas predicações estão no nível de conteúdo e as

relações expressas são de causa/explicação. Causa no sentido tradicional das

adverbiais causais, mas de explicação, se observada a definição de Carlson &

Marcu (2001) em que a relação de explicação ocorre quando a oração dependente

(no caso, as predicações em destaque) explica o conteúdo da nuclear, o qual,

149

normalmente, independe da vontade do agente e envolve explicações para

acontecimentos.

Em suma, acerca dos conectivos causais mais recorrentes no corpus,

observaram-se as seguintes funções discursivas em relação a todas as ocorrências

do corpus:

1. Articulador de estruturação tópica-discursiva.

a) Introdutor de tópicos

[Por que a batista?] ...porque::...é a denominação que mais:: se aproxima...das orientações da bíblia... ...não que as outras não tenham a bíblia como referência máxima...mas é que:... ...inclusive...a nossa doutrina...ela tem a primeira regra da doutrina... ...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

b) Introdutor de subtópicos

...você está fazendo mesTRAdo...e é cientista...

...o espiritismo é o lugar dos cientistas...é o lugar da busca...

...como eu te disse...não é o lugar de quem tem fé...

...porque uns tem fé em uma coisa...outros em outra...

...uns tem fé de mais...outros tem fé de menos...(risos)...

...de tal forma...que...quem tem coRA:gem de bus-car a informação...

...de pesquiSAR...de colocar suas ideias à prova...de aceitar a ideia alhe::ia...

...então...essas são as/as noções que levam as pessoas que gostam da ciência a ingressar no espiritismo... ...porque toda igreja tem um DO:gma...e o espiritismo não tem (um) do-gma... ...nós não gostamos de dogma...

...nós achamos que do:gmas:...são para serem discutidos... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

c) Articulador tópico

...tudo é vibração...tudo depende...do modo como nós encaramos as coisas...do modo como nós encaramos a vida...e a imortalidA-de da alma... ...a imortalidade da alma é um centro...eh/eh...um ponto central da doutrina dos espíritos... ...porque:...na medida que nós entendermos que somos imortais acaba em nós o desespero... ...porque:...o desespero das pessoas...é no sentido de que está terminan:do a vida... ...e elas não conseguiram...ain:da...chegar naquele ponto que elas entendiam como um ponto...a ser buscado durante a existência...

150

...e a doutrina dos espíritos nos en/nos ensina que...o que nós não conseguimos agora...nós conseguiremos na próxima encarnação... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

d) Sequenciador intratópico

...até a gente ouve muita chacota por aí...brincadeiras e tal...

...que o adventista ele é mais folgado...porque chega no sábado ele não trabalha...e tal...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

e) Mudança de orientação tópica

...não é simplesmente muDAR de igreja...ou muDAR de religião...tem a ver com a eternidade...entendeu? ...e essa eternidade ela é garantida na pessoa de Cristo...né? ...então...é/é/é...é nessa...é/é a gente entende isso... ...então...aqui na igreja você vai encontra pessoas...eh/eh/eh...que você vai amar... ...que você vai gostar...que você vai se relacionar... ...como pessoas com problemas... ...eh...eh...você pode amar...você pode encontrar coisas que você pode não gostar...né? ...e...e...quando a gente vem com essa perspectiva...a gente tá num olhar humano...né? ...porque.ah::...ahn...que que adianta eu falar...eu fazer uma excelente propaganda aqui da igreja...não é? ...eu to querendo trazer você pra igreja...isso é proselitismo...né? ...se eu ficar fazendo propaganda da igreja é fazer proselitismo... ...mas o foco não é esse...a questão...é muito mais que isso... ...tem a ver com a pessoa...tem a ver com a vida eterna dela...não é? ...então...se...se quando você tá se importando com a eternidade...com o futuro dela...é muito mais do que proselitismo...não é? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

f) Introdutor de parênteses

...então...EU que:ro fazer um convite pra você...

...pra que você possa...sinceramente...

...porque você tem o desejo de saber se isso é verdade...

...fazer sua própria oração e perguntar a Deus...e prestar atenção no que ele vai dizer no SEU coração...através de um sentimento... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da Igreja de Jesus Cristo dos últimos dias)

151

g) Marcador discursivo sequenciador

...na verdade...o primeiro método que a gente usa é o método da amiza:de...do relacionamento com as pessoas...né? ...por que...né? ...tem uma base teológica pra isso... ...Gênesis...capítulo 3...por exemplo...tem a descrição da entrada do pecado...do primeiro casal...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

h) Marcador discursivo interacional

...mas é uma igreja que sempre privilegia a parte da pregação...da palavra de Deus...a bíblia... ...porquê? ...eh...é da bíblia que tiramos todo o nosso ensino...toda a nossa doutrina... ...então...o valor que se dá pra essa parte do culto é muito importante... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)

2. Outras funções.

i) Estabelecedor de relações hipotáticas de causa

...e eu fiz um mestrado em missão urbana...

...e o mestrado eu fiz porque eu já tinha uma formação secular...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

j) Estabelecedor de relações hipotáticas de causa

...eu achava isso muito difícil de acreditar...nunca...nunca entendi...

...e quanto mais eu pesquisava...mais eu me tornava ateu mesmo...

...porque são várias religiões e vários deuses...

...e aí não...não me conve::nce...nenhum deles...

...e...ainda mais por ser muitos...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

k) Focalizador

...e aí...só tem uma possibilidade de o homem se achegar a Deus de novo...

...é por Jesus Cristo...

...por isso é que nós nos preocupamos em anunciar que Jesus Cristo é o único Senhor...é o único salvador...ele desceu dos céus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

152

As funções discursivas dos conectivos causais porque podem ser variadas,

de modo a favorecer a estruturação da coerência textual, auxiliando na centração

tópica, focalizando elementos por meio da ênfase, repetição, posposição

anteposição etc. Todavia, o que mais se destaca é a função de estruturação tópica

que tais conectivos podem exercer, auxiliando na manutenção da coerência textual e

apresentando ocorrências causalmente relacionadas.

6.1.4. TOPICALIDADE, INFORMATIVIDADE, POSICIONAMENTO DA ORAÇÕES

Destaca-se também que as orações do domínio dos atos de fala incluem as

“construções constituídas por um ato de fala ao qual se associa uma oração que dá

a ‘causa’ daquele ato de fala – e, por isso, traz uma explicação” (NEVES & BRAGA,

2016, p. 133). Dessa forma, observando o exemplo seguinte tem-se uma conjunção

que denota uma causalidade, mas que se refere à ligação entre dois atos de fala

como sendo causais.

63) ...o espiritismo é o lugar dos cientistas...é o lugar da busca... ...como eu te disse...não é o lugar de quem tem fé... ...porque uns tem fé em uma coisa...outros em outra... ...uns tem fé de mais...outros tem fé de menos...(risos) ...de tal forma...que...quem tem coRA:gem de bus-car a informação... ...de pesquiSAR...de colocar suas ideias à prova...de aceitar a ideia alhe::ia... ...então...essas são as/as noções que levam as pessoas que gostam da ciência a ingressar no espiritismo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

Em casos como esse, a conjunção causal porque inicia uma explicação em

relação acerca da porção textual anterior, evidenciando que o falante sente a

necessidade de complementar sua fala por meio de um subtópico (considerando que

o espiritismo seria o tópico desta porção, e a fé, um subtópico). Note-se que, ao

afirmar que o espiritismo é o lugar de “cientistas” e não de pessoas que possuem fé,

o falante acrescenta uma explicação que apresenta como escopo a questão da fé e

não a questão do espiritismo - o tópico “espiritismo” é retomado a partir do marcador

discursivo sequenciador então. O informante explica porque as pessoas que têm fé

não são pessoas que procuram o espiritismo. Não se trata, portanto, apenas de uma

questão de relacionar argumentos atribuindo causalidade, mas de apresentar

também uma justificativa, uma explicação.

153

No exemplo sessenta e quatro (64) ocorre a mesma relação entre as

orações, qual seja uma explicação sobre o conteúdo verbal produzido. O pastor

falava sobre a volta de Jesus e inclui uma construção com valor causal de modo a

justificar sua crença. Se em 63 a relevância da materialidade causal é zero, pois

está ancorada em crenças e não em eventos, em 64 já há uma marca de

materialidade, no entanto, não ao ponto de criar uma relação entre eventos. O

falante utiliza uma causa real – a existência de milhares de versículos bíblicos – para

explicar sua escolha em acreditar que na volta de Jesus.

64) ...então...por exemplo...a volta de Jesus...eh...entra siNAis de que Jesus está voltando... ...porque são mais de três mil e quinhentos versículos da bíblia falando sobre isso...né? ...eh...eu trabalharia com você sobre...eh...a lei de Deus...eh...como que muita gente tem se esquecido...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

Interessante ainda o fato de que, ao inserir essa explicação, o falante

argumenta com o objetivo de reforçar sua escolha, apresentando ao ouvinte um

motivo para que ele também acredite no mesmo que o falante (seria cabível dizer

que se trata de um argumento por estatística, por exemplo).

É possível dizer também, por meio das análises realizadas no corpus, que

nos casos em que as orações causais ocorreram no domínio dos atos de fala, elas

se mostraram recorrentes na inserção de tópicos49, subtópicos e/ou inserções

parentéticas, apresentando ou constituindo algum tipo de argumento discursivo.

Nesse aspecto, essas construções apontam para uma recursividade discursiva que

coopera amplamente para elaboração textual, para a manutenção tópica e também

para a construção da coerência.

Das quarenta e oito (48) orações adverbiais causais no domínio dos Atos de

Fala, quarenta e três (43 – 89,6%) articulam informações tópicas. Apenas cinco

49

Nesse item, considerou-se Tópico o conteúdo verbal que apresentou centração e organicidade em relação à resposta da pergunta na qual o texto em que se encontraram estas ocorrências estavam inseridas, e considerou-se subtópico de forma ampla, englobando não apenas questões linearidade, centração e organicidade, mas também de transição, interpolamento e movimento tópicos. Não se analisou, portanto, se o subtópico constituía-se um novo tópico (sendo um subtópico em relação ao supertópico do texto e constituindo como tópico da formulação procedente dele, ou seja, a hierarquia tópica não foi posta em análise). A teoria de base para estas considerações é a Teoria da Perspectiva Textual conforme estudos de Jubran (2006) já explanados de modo mais detalhado no capítulo um, subseção sete, deste trabalho.

154

ocorrências no domínio dos atos de fala (11%) não apresentaram esse tipo de

funcionamento textual. Das quarenta e três orações com essa funcionalidade, vinte e

oito (28 – 60,5%) foram com o conectivo porque, e 34% com outros conectivos. O

maior índice de ocorrência apresenta os conectivos em início de fluxo de fala,

predominando as orações adverbiais antepostas quando a inserção há uma inserção

de tópico ou subtópico, e posposta quando a oração adverbial funciona como

articulador tópico, auxiliando na transição de um tópico para outro.

Tabela 04: Funcionamento das orações causais conjuncionais no domínio dos atos de fala.

Introduz tópico

Introduz subtópico

Articulador tópico

Introduz parênteses

Total

Porque 06

(21%) 10

(35,7%) 10

(35,7%) 02

(7,1%) 28

(65%)

Pois - 01 (100%) - 01

(2,3%)

Por isso ((é) que)

- 02

(20%) 08

(80%) -

10 (23,5%)

Por conta de 01

(100%) - - -

01 (2,3%)

Como - 01 (100%) - - 01

(2,3%)

Que - 01 (100%) 01 (100%) - 02

(4,6%)

Total de ocorrências 07

(16,2%) 14

(32,5%) 20

(46,5%) 02

(4,6%) 43

(89,6%)

Conj. Porque/Anteposta Em início de fluxo da fala

- 07

(87,5%) - 01 (12,5%)

08 (28,5%)

Conj. Porque/Posposta Em início de fluxo da fala

06 (31,6%)

01 (5,6%)

10 (52,6%) 01

(5,6%) 18

(64,2%)

Conj. Porque /Posposta Em meio de fluxo da fala

- 01(100%) - - 01

(3,5%)

Conj. Porque/ Posposta Em meio de fluxo da fala

- 01 (100%) - - 01

(3,5%)

Total-conj. Porque 06

(21,4%) 10

(35,7%) 10 (35,7%) 02 (7,1%) 28

Conj. Por isso ((é)que)/Anteposta Em início de fluxo da fala

- 01 (100%) - - 01

(6,66%)

Conj. Por isso ((é)que)/Posposta Em início de fluxo da fala

- 01

(11,1%) 08

(88,8%) -

09 (60%)

Conj. Como/Anteposta Em início de fluxo da fala

- 01 (100%) - - 01

(6,66%)

Conj. Pois/Posposta Em meio de fluxo da fala

- - 01 (100%) - 01

(6,66%)

Conj. Que / posposta Em meio de fluxo da fala

- 01

(50%) 01

(50%) -

02 (13,3%)

Conj. Por conta de / Anteposta Em início de fluxo de fala

01 (100%)

- - - 01

(6,66%)

Total 01

(6,66%) 04

(26,6%) 10

(66,6%) 00

15 (34,8%)

155

Essa alternância de tópicos e inserção de conteúdos realizada pelas orações

adverbiais causais apresenta uma função pragmática que visa, entre outras coisas

(como orientar o ouvinte, realizar explicações etc.), apresentar informações que

alterem, de algum modo, a informação pragmática do ouvinte. O falante ordena as

informações da forma como considera mais relevante e vai acrescentando

informações novas, tópicos e subtópicos novos, atribuindo uma informatividade alta

para seu texto. Assim, essa alternância tópica deve ser considerada como a

exteriorização da capacidade do falante em reordenar o conteúdo informacional de

modo a influir no conteúdo pragmático de seu ouvinte, uma vez que o falante possui,

sempre, uma motivação e um objetivo comunicativo. Dessa forma, essa

movimentação de informações ao longo do texto atribui a ele uma alta

informatividade e explicita a capacidade do falante de organizar e reorganizar o

conteúdo informacional de sua fala.

Nos exemplos seguintes, é possível observar melhor como esse

funcionamento da oração adverbial causal ocorre no texto, de modo a inserir maior

conteúdo informacional.

65) ...ele deu várias demonstrações de que ele poderia se sair da cruz...mas ele nun:ca:...se eximiu da sua missão...por que? ...porque QUAN-do Adão e Eva pecaram...Deus disse pra ele: oh...contra o pecado de vocês...que produz a morte... ...então eu preciso de um antídoto...e esse antídoto é a vida... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia)

66) [Por que a batista?] I- ...porque::... é a denominação que mais:: se aproxima...das orientações da bíblia... ...não que as outras não tenham a bíblia como referência máxima... ...mas é que:...inclusive...a nossa doutrina...ela tem a primeira regra da doutrina... ...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina...

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

Neves (2000) exemplifica esse tipo de construção causal discorrendo que

ela apresenta uma relação causal que expressa relações entre um ato de fala e a

expressão da causa que motivou a expressão linguística. Nesses casos, o ato de

fala da oração principal pode ser declarativo, injuntivo ou interrogativo, este último,

como nos casos exemplificados, em que ocorre um ato de fala interrogativo que

funciona como oração principal da subordinada causal, introduzindo um tópico ao

156

texto. Esses tipos de ocorrência são considerados por Neves (2000) “causal de

informação nova” - oração que evidencia a relação entre a posição sintática e a

organização tópica dos segmentos ou das porções textuais. Assim, de acordo com a

extensão da porção textual delimita-se, então, se é tópico ou subtópico. Quando

muito extensa, constitui-se em um subtópico – subtópico dentro do conceito amplo

que se aborda neste trabalho, uma vez que o parêntese, quando muito longo, pode

se tornar um novo tópico no quadro tópico do texto, tendo em seu desenvolvimento

outros subtópicos. Todavia, não é intuito deste trabalho o aprofundamento dessas

questões. Para o que se pretende neste trabalho, é suficiente esclarecer que como

critério, considerou-se também a quantidade de material verbal que não observou a

linearidade temática do texto, assim como sua centracidade e organicidade.

Jubran (2006) elenca algumas distinções sobre a descontinuidade tópica, a

qual pode ocorrer por ruptura tópica, cisão tópica, expansão tópica, transição,

superposição e movimento de tópicos. Como já descrito em capítulo anterior, na

especificação dos subtópicos, para fins deste trabalho optou-se por uma concepção

ampla, o que direciona como sendo um subtópico qualquer descontinuidade tópica,

sem se ater às distinções apresentadas pela autora para a classificação dos

subtópicos. Considerando ainda que a observação reside em porções menores de

textos, os quais não se desenvolvem como tópicos propriamente. Assim, apenas há

de se esclarecer as ocorrências demonstradas, lembrando que, para a composição

do quadro anterior não se considerou estas divisões critérios, mas apenas a não-

linearidade tópica.

No exemplo sessenta e quatro (64) e sessenta e sete (67), o informante

estava em uma explanação que tinha por tópico a questão do reencarnacionismo

(que na verdade também já era um tópico do super tópico desse texto), e, ao

apresentar a explicação da causa pela qual ele crê que o reencarnacionismo é um

ponto muito consolador da doutrina que o falante segue, insere um novo tópico, qual

seja, a “anterioridade da vida”.

67) ...então...(o) reencarnacionismo é...u:ma/é um outro ponto da doutrina espírita...que é muito consolador... ...porque: nós vemos...cria:nças acossadas pelas mais diversas enfermidades...doenças...paralisias...

157

...e...se não for pela ANterioridade da vida...isso não se explica...

...(as) pessoas chegam ao ponto de pensar em aborto...de pensar em suicídio...homicídio... ...porque não entendem que o espírito é imortal... ...e como que se progride? ...Kardec diz que: “a progressão se dá...nascendo...morrendo...renascendo...e progredindo ainda”... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

Assim, a oração causal, posposta à oração principal, inicia um fluxo de fala

que contém uma porção textual que se constitui como uma transição para o

subtópico “anterioridade da vida”. Nesse caso, trata-se de uma transição de tópicos,

uma vez que promove uma transição, uma passagem gradual de um tópico a

outro.50

68) ...a partir do momento que o homem se afasto:u de Deus... ...ele...então...foi condena:do... ...houve uma/um rompimento do ser humano com Deus... ...e a partir dali...então...o homem...ele anda a mercê: da sorte... ...e por isso é que...espiritualmente...a pessoa pode estar bem fisicamente... ...a pessoa pode estar bem emocionalmente... ...a pessoa pode estar bem financeiramente... ...mas se ela ainda não tem a Jesus Cristo como seu senhor... ...se ela não coloca Deus acima de todas as coisas...e como referência a pessoa de Jesus Cristo... ...consequentemente...ela::...não tem a garantia de que vai viver...eternamente nos céus... ...porque...o que infelizmente nós temos visto nos dias de hoje... ...é que...alguns grupos evangélicos...eles tem falado sobre as bênçãos materiais... ...eles só tem falado sobre coisas na terra... ...que vai ser beneficiado...que se contribuir...que se você fizer isso...ou se você fizer aquilo... ...mas nós não alcançamos a salvação em fazendo alguma coisa para alcançá-la... ...Jesus já fez por nós... ...(e aí)...a única forma de nós reconhecer isso...é que somos pecadores e precisamos de Cristo... ...mais nada... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

No exemplo sessenta e oito (68), a descontinuidade tópica ocorre com uma

inserção por cisão tópica. Jubran (2006) denomina cisão tópica quando ocorre o fato

50

Conforme Jubran (2006) a transição de tópicos “é realizada por segmentos de uma conversação cuja função, na progressão tópica, é a de estabelecer uma mediação entre dois tópicos, pelo esvaziamento paulatino do precedente e o surgimento gradativo do subsequente. Por esta particularidade, mas algo que liga um, esse segmento tópico não se integra a nenhum dos circunvizinhos, pois não é mais o anterior nem o seguinte, mas algo que liga um a outro” (JUBRAN, 2006, p. 106).

158

de um tópico ser dividido em segmentos descontínuos. A cisão pode se caracterizar

de duas formas: (i) como uma alternância tópica, em que há a interpolação de

segmentos tópicos sendo que “esse segmento se torna descontínuo na linha do

discurso. Sua particularidade reside no revezamento entre dois tópicos A B A B,

provocando a descontinuidade de ambos” (JUBRAN, 2006, p. 103). Ou (ii) pode se

caracterizar também como uma inserção tópica na qual “o segmento encaixado

adquire estatuto de tópico, porque instaura outra centração dentro de um tópico que

estava em curso, provocando divisão em partes não-contíguas na linearidade

discursiva” (JUBRAN, 2006, p. 101). No caso, o tópico em curso era sobre o

afastamento do homem para com Deus, em que o falante, por meio da conjunção

porque insere outro tópico (a postura dos membros de algumas igrejas) e em

seguida fala da salvação. Também no exemplo sessenta e nove (69), o falante tinha

como tópico o “porquê pessoas vão para espiritismo”, e interrompe esse tópico

inserindo uma porção textual com outra centração tópica, falando sobre “dogmas”.

69) ...então...essas são as/as noções que levam as pessoas que gostam da ciência a ingressar no espiritismo...

...porque toda igreja tem um DO:gma...e o espiritismo não tem (um) do-gma...

...nós não gostamos de dogma... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

As inserções que ocorrem na construção do texto falado podem ser tópicas

ou parentéticas. O critério utilizado para distinguir estas inserções baseou-se na

teoria da perspectiva textual interativa, assim como os conceitos de tópico e

subtópicos até o momento apresentados. Destaca-se, para tanto, que há questões

de estatuto tópico, como aqueles aqui observados, e há questões que não

apresentam esses estatutos, mas inserem conteúdos no texto, os quais podem ser

mais ou menos desviantes do tópico. Dessa forma, a inserção de conteúdo

parentético distingue-se da inserção de tópicos ou subtópicos. Considerando que a

inserção parentética se realiza

por meio de curtos segmentos desviantes do tópico no qual se encaixam, que não preenchem a propriedade de centração, pois não chegam a projetar e desenvolver um tópico dentro de outro. O parêntese promove descontinuidades intratópicas, que não cindem o tópico em curso em porções textuais descontínuas na linearidade do texto (JUBRAN, 2006, p. 101).

Da mesma forma que não foi realizada a categorização dos subtópicos, ou,

ainda, das descontinuidades tópicas, também não serão observadas todas as

159

funções dos parênteses nos casos em que foram inseridos por meio da subordinada

causal conjuncional no domínio dos atos de fala. Exceto os casos que servirão como

amostra das ocorrências, como em setenta (70) e setenta e um (71).

70) ...se você não aguenta mais...ouvir um padre...um pastor...um pregador dizer que Deus vai te dar isso...vai dar aquilo...ou vai dar aquilo outro... ...ou que você vai queimar no inferno...ou que vai pro céu...ou que o diabo é mais forte do que Deus... ...porque...na medida que Deus não consegue converter o diabo... ...Ele está dando uma declaração de que ele não tem condição de enfrentar o diabo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

71) ...então...por exemplo...a volta de Jesus...eh...entra siNAis de que Jesus está

voltando... ...porque são mais de três mil e quinhentos versículos da bíblia falando sobre isso...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

Os exemplos acima se enquadram no que Jubran (2006) classifica como

parênteses com foco na elaboração tópica com função exemplificadora.

Os parênteses exemplificadores introduzem, no texto, dados fatuais comprovadores do que está sendo dito. A função de exemplificação aponta o envolvimento do locutor com o assunto, revelando sua atitude em relação ao conhecimento do que comunica: a de que este se baseia na evidencialidade dos exemplos (JUBRAN, 2006, p. 328).

Exemplos como esses apresentam conteúdos que o falante acredita como

sendo provas de que ele tem conhecimento sobre o que fala, o que facilitaria,

portanto, a adesão do ouvinte à sua declaração. Nesse sentido, estas formulações

se tornam argumentativas, e produzem uma argumentação linguística do falante por

meio destas orações causais no domínio do ato de fala. Interessante ressaltar,

acerca dos argumentos, que no exemplo sessenta e cinco (65) ocorre um argumento

que provém do raciocínio preferível, ao passo que o argumento em sessenta e três

advém de um raciocínio lógico, uma vez que se baseia em informações pontuais do

mundo real. Daí a possibilidade, também, do argumento em sessenta e três não

incorrer tão facilmente em questionamentos por parte do ouvinte como pode ocorrer

em sessenta e um.

Houve casos também em que a inserção parentética ocorreu por meio da

subordinada causal em situação entropica, como na segunda ocorrência do exemplo

setenta e dois (72) e no exemplo setenta e três (73).

160

72) ...então...quando você diz não a essa natureza...isso vai gerar dor em você... ...porque a sua natureza de Adão é egoísta...é arrogante...é incrédula...é possessiva... ...então...toda vez que eu digo NÃO à minha própria arrogância...eu vou sofre:r...porque é muito dolorido... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

73) ...Jesus...em Mateus...Marcos e Lucas...tem um relato...né?

...Jesus foi batizado...não porque ele tivesse pecado...nós temos...né?

...mas para nos dar o exemplo...

...então...o batismo...ele faz parte desse processo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

Outro aspecto interessante a se observar em setenta e três (73) é a

complexidade da formulação causal, considerando que a inserção parentética nesse

trecho consistiria na possibilidade da seguinte frase, retextualizada: “Jesus foi

batizado, não porque ele tivesse pecado (nós temos), mas para nos dar o exemplo”.

Desse modo, temos uma oração causal negada, que, considerando o quadro já

exposto da causa afirmada (hipotática causal), causa hipotetizada (hipotática

condicional) e causa negada (hipotática concessiva) 51, pode-se considerar como

uma construção causal constituída sobre a base da negação, que incorre, portanto,

em uma construção hipotática com valor semântico concessivo, seguida da

correspondente paralática adversativa (atentando, inclusive, para o verbo no modo

subjuntivo, que é característico das concessivas e não das causais tradicionais).

Considerando ainda o seguinte apontamento:

Quanto às construções com oração adverbial concessiva, como já se indicou, o protótipo se marca pela contrafactualidade [...] Nas construções concessivas (em princípio com subjuntivo na oração hipotática), cada um dos elementos postos em relação (cada uma das proposições) abriga um fato que será desconsiderado (no fundo, um não fato), e a construção global também assevera um não-fato (nega um fato) [...]: do ponto de vista semântico, exprime-se a contrariedade de uma expectativa criada, e, do ponto de vista pragmático, exprime-se a desconsideração de uma objeção sugerida (NEVES, 2012, p. 171).

Torna-se viável a compreensão de que uma formulação desse tipo, embora

se realize por meio de uma conjunção de causa e apresente um nexo causal, trata-

se de uma construção concessiva, que pretende negar um fato em prol de

corroborar sua argumentação e tentativa de adesão do ouvinte ao conteúdo

51

Vide quadro sete (07), página noventa (90).

161

proferido. O falante não pretende dizer que a causa de Jesus se batizar é porque ele

não tinha pecado, e sim que a causa do batismo está no exemplo dado por Jesus.

Assim, o falante realiza uma construção conjuncional com porque, a fim de

negar uma causa, e não apresentá-la apenas (característica da concessiva), e por

meio de uma construção paratática adversativa, ou ainda, de uma causa negada em

um domínio diferente de fala, o falante utiliza uma conjunção que também funciona

como marcador discursivo que orienta o falante para a conclusão contida no

segmento posterior ao mas, qual seja, o exemplo de Jesus (o batismo). Com isso, o

responsável pela produção textual é capaz de criar uma ressalva ao fato de que

Jesus não tinha pecado e nem necessidade de se batizar, e destacar que Jesus se

batizou para servir como exemplo aos pecadores, os quais têm a necessidade de se

batizarem. Esse exemplo também serve para demonstrar e corroborar o fato de que

estas orações (causais e concessivas) possuem nexos de causalidade que se

apresentam e se encontram nas zonas de diluição das construções tradicionais e

prototípicas.

Nota-se que a argumentação se constrói, portanto, também pela alternância

tópica, construções causais e operadores argumentativos que se mostram entre e

nas porções textuais por meio de diferentes construções hipotáticas causais, em

seus diferentes níveis de elaboração (ato de fala, deôntico, conteúdo). Com isso, fica

evidente que uma análise linguística satisfatória sobre a linguagem em uso deve

considerar, além do conteúdo semântico e lexical (no caso, as conjunções), o

conteúdo pragmático, conforme os pressupostos funcionalistas já apontam.

Interessante ainda observar que, no domínio dos atos de fala, as causais

que introduzem tópico ou subtópico apresentaram-se com foco na formulação

linguística e com a função de exemplificação e esclarecimento em sua maioria. Isto

reforça a proposta de Neves (1999, 2000, 2016) de que não há diferenças

significativas entre uma causal hipotática (domínio epistêmico ou de conteúdo) e de

uma causal paratática, por assim dizer (no caso, as coordenadas explicativas, que

apresentam a causalidade no domínio dos atos de fala). Lembrando que “‘causa’

abrange, portanto, causa real, razão, motivo, justificação ou explicação, e ‘efeito’

abrange consequência real, resultado, conclusão” (NEVES, 2016, p. 136). Com isso,

tem-se que as construções nos domínios epistêmicos e de atos de fala seriam as

162

que evidenciam mais uma “causa” propriamente dita, ao passo que as construções

no domínio do conteúdo apresentam “efeitos”. Daí também a grande confusão

muitas vezes realizada por alunos e professores em distinguir quando uma oração é

hipotática ou paratática causal – ou adverbial causal e coordenada explicativa,

respectivamente.

No exemplo setenta e quatro (74) há um trecho textual que contém uma

oração no domínio epistêmico e outra no domínio dos atos de fala.

74) ...mas nós não a idolatramos...porque não foi ela que nos salvou... ...ela foi...canal das bênçãos de Deus para a humanidade... ...mas...o SALvador nosso é Jesus Cristo... ...e por isso é que nós pregamos que...é em Jesus Cristo que o ser humano pode ter a salvação... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

Na primeira ocorrência, há uma construção hipotática causal no domínio

epistêmico que ocorre com a nuclear anteposta, já na segunda, há uma inversão, a

causa/explicação vem anteposta. Note ainda como o mas e o é que funcionam como

intensificadores da fala. Considerando a questão de tema - rema (HALLIDAY, 2004)

ou dado - novo (Dik, 1989), percebe-se que a informação que é tida como

compartilhada (protestantes não idolatram Maria e creem em Jesus como salvador)

aparece em posição inicial, e a informação considerada pelo falante como não aceita

ou não compartilhada pelo ouvinte vem posposta (a adoração de Maria e o motivo

pelo qual eles pregam que quem salva é Jesus).

6.1.5. AS RELAÇÕES RETÓRICAS

Considerando o aspecto organizacional entre as relações estabelecidas com

as cláusulas ao se articularem com outras porções textuais ou entre orações apenas

(Decat, 2001), destacam-se as ocorrências de estruturação constatadas no corpus.

Uma oração causal com sua conjunção mais tradicional (porque), analisada

individualmente, apresenta uma causa expressa, um vínculo causal direto com a

oração nuclear. Na organização e no funcionamento discursivo, as relações

estabelecidas podem incorrer em relações que, embora veiculem causa por meio de

sua construção sintático-semântica, não deixem essa causalidade tão evidente

como quando uma adverbial causal vista isoladamente, como em “...fizeram roupas

163

de figueira...porque descobriram que estavam nus...”52. Contextualizada, essa

oração produz a inferência de outra relação – sendo que esta relação inferida não

descarta a causalidade expressa. Situação semelhante ocorre na seguinte oração

causal “...a vida com cristo não é a ausência de problemas... [...] ...porque os

problemas é a O-portuniDA-de para Deus se manifestar...” – a relação estabelecida

entre as porções textuais em que estão a oração nuclear e sua respectiva oração

adverbial causal, é uma relação de justificativa diante de uma situação apresentada.

Como se vê no diagrama 01.

Diagrama 01: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de justificativa.

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 13: Definição das relações retóricas do diagrama 01.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Justificativa

Condições em N+S: A compreensão do conteúdo do satélite pelo Ouvinte aumenta a sua tendência para aceitar que Falante apresente N.

A tendência do Ouvinte para aceitar o direito do Falante a apresentar N aumenta.

Motivação

Condições em N+S: S apresenta informação que faz com que aumente a vontade do ouvinte em realizar, acreditar, aceitar o conteúdo nuclear.

Aumentar a vontade do ouvinte em realizar, acreditar, aceitar o conteúdo de N.

Comentário

Condições N+S: S constitui uma observação subjetiva do Falante em relação ao N.

Apresentar um ponto de vista sobre elementos fora do foco dos elementos do N.

Sequência Condições N+N: Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.

O ouvinte reconhece a sucessão dos fatos entre os núcleos.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]

52

Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista.

..a vida

com Cristo

não é a

ausência

de

problemas..

Motivação

Sequência

..é saber

encarar

problemas

com ele..

Sequência

4-5

Justi?cativa

e ele ser

glori?cado..

.

Comentário

2-3 ..porque os

problemas

é a

O-portuniD

A-de pra

Deus e

manifestar..

e é ver ele

se

manifestan

do..

1-3

1-5

164

Nessa porção textual, é possível observar ainda que a oração causal

apresenta escopo sobre mais de uma oração. A porção textual iniciada pela

conjunção porque ganha realce apenas pela conjunção, caso contrário, poderia ser

interpretada como parte da sequência de ações resultantes da vergonha que Adão e

Eva tiveram de Deus, ações que aparecem como elaboração da porção número um.

Diagrama 02: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de explicação.

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 14: Definição das relações retóricas do diagrama 02.

Relação Definição das relações Intenção do Falante

Avaliação

Condições em N+S: S relaciona N com um grau de atitude que pode se apresentar por meio de uma escala avaliativa (entre muito bom - muito ruim) do falante face ao conteúdo de N.

Falante reconhece que S confirma N e reconhece o valor que lhe foi atribuído.

Contraste

Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.

Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a (s) diferença (s) suscitadas pela comparação realizada.

Explicação Condições em N+S: S fornece uma explicação factual para a situação apresentada no núcleo.

Ouvinte compreende melhor a ocorrência do núcleo.

Sequência Condições N+N: Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.

O ouvinte reconhece a sucessão dos fatos entre os núcleos.

Comentário

Condições N+S: S constitui uma observação subjetiva do Falante em relação ao N.

Apresentar um ponto de vista sobre elementos fora do foco dos elementos do N.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)].

1-4

Contraste

1-3

Contraste

1-3

2-3

Sequência

..e eles

chegam a

um grau de

perfeição...

querendo

ou não..

Comentário

..na

doutrina

espírita nós

temos:: a

convicção

de que

Deus criou

todos os

espíritos

simples e

ignorantes..

.

Sequência

5-7

Avaliação

6-7

Explicação

..e nós

temos a

certeza que

não..

Comentário

..porque

acham que

uma

encarnação

só:...é o

bastante

para o

espírito

chegar à

perfeição..

..o que:..as

religiões

evidenteme

nte..não

aceitam ou

não

concordam

...

...mas...pra

isso...demo

ra algumas

encarnaçõ

es...

1-7

165

No diagrama dois, há uma relação de explicação que emerge

discursivamente por meio da relação estabelecida entre a oração causal e sua

nuclear. Já no diagrama 03, existe o exemplo de uma relação de razão entre as

porções.

Diagrama 03: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de razão.

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 15: Definição das relações retóricas do diagrama 03.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Razão Condições em N+S: Satélite apresenta a razão, motivo para o evento nuclear realizado por um agente animado.

Apresentar uma razão em S para o N.

Conjunção

Os elementos unem-se para formar uma unidade onde cada um dos elementos desempenha um papel semelhante.

Ouvinte reconhece que os elementos inter-relacionados se encontram em conjunto.

Conclusão

Condições em N+S: S apresenta uma declaração final (juízo, inferência, decisão final) do falante em relação ao N.

Ouvinte reconhecer a inferência, decisão, juízo realizado pelo falante sobre o conteúdo de N.

Reformulação

Condições em N+S: S reformula N, onde S e N possuem um peso semelhante. O N é mais central para alcançar os objetivos de Falante do que S.

Ouvinte reconhece S como reformulação do N.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)].

Há também casos em que a relação de causa ocorre entre duas cláusulas

apenas, e não entre porções de textos. Não está se dizendo que, nesse caso, as

1-2

e nem

rejeiÇÃo

por

qualquer

religião...

Conjunção

..mas nós

não

temos..eh...

predileÇÃo.

..

Conjunção

3-5

Razão

4-5

Conclusão

Reformulação

todas elas

tem como

fundamento

..eh..a

moral do

Cristo..

..todas as

religiões

são

necessárias

...

..porque

entendemo

s que todas

as religiões

tem o

público que

merece..

1-5

166

cláusulas não possuam função no restante do texto, mas apenas está sendo

apresentado que é possível identificar, mesmo em meio a um contexto textual maior,

orações adverbiais que não possuam um escopo de incidência direta sobre outras

cláusulas.

Diagrama 04: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de causa.

O quadro a seguir apresenta a definição da relação em questão.

Quadro 16: Definição das relações retóricas do diagrama 04.

Causa

Condições em N+S: a situação apresentada no núcleo é a causa da situação apresentada no satélite. A causa, que é o núcleo, é a parte mais importante. O satélite representa o resultado da ação.

A intenção do Falante é enfatizar a causa expressa no núcleo e o resultado no satélite para o ouvinte.

[Fonte: Carlson & Marcu (2001)]

Nesse exemplo fica bastante evidente a relação de causa pela qual a ação

expressa no satélite (eu acabei não acreditando em nenhuma) representa o

resultado da ação presente no núcleo, sendo o núcleo a informação tida como mais

importante, sem a qual não poderia haver o resultado no satélite. No entanto,

mesmo em casos de escopo relacional da causalidade apenas entre duas orações,

pode haver outra relação que não a de causa necessariamente, como em 05.

Diagrama 05: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de justificativa.

...não sei

se é

porque

participei

de muitas

Causa

eu acabei

não

acreditando

em

nenhuma...

1-2

167

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 17: Definição das relações retóricas do diagrama 05.

Justificativa

Condições em N+S: A compreensão do conteúdo do satélite pelo Ouvinte aumenta a sua tendência para aceitar que Falante apresente N.

A tendência do Ouvinte para aceitar o direito do Falante a apresentar N aumenta.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016)].

Em se tratando das relações retóricas de causa, resultado, razão, e

explicação, Carlson & Marcu (2001) explicam que a diferença está se essas relações

ocorrem do núcleo para o satélite ou vice-versa, se a ação é volitiva ou não, e se a

realização é por seres animados ou inanimados. A relação de causa ocorre quando

esta vem expressa no núcleo, tendo o resultado no satélite. Quando a relação é

inversa – a causa aparece no satélite, constitui-se uma relação de resultado. No

caso da relação de explicação o satélite fornece uma explicação factual (real,,

verdadeira) para a situação apresentada no núcleo que, normalmente, independe da

vontade de um agente. Na relação de razão, por outro lado, o satélite fornece uma

razão para o conteúdo nuclear, o qual apresenta uma ação realizada por um agente

animado – uma vez que somente seres animados podem ter razões para efetuar

ações (CARLSON & MARCU, 2001). Já a justificativa é uma relação proposta por

Mann & Thompson (1983, 2005-2016), na qual o satélite apresenta uma informação

que visa estabelecer a aceitabilidade ou a adequação do conteúdo nuclear,

proporcionando que o ouvinte compreenda e aceite o conteúdo nuclear. A

justificativa estabelece um acordo tácito entre o falante e o ouvinte por meio do

conteúdo expresso no satélite, visando a aceitação do conteúdo da oração nuclear

(MANN & THOMPSON, 1983).

Quadro 18: Definição das relações de causa, resultado, razão, explicação e justificativa.

Causa Causa no núcleo e o resultado no satélite (a causa é mais importante).

Resultado Causa no satélite e o resultado no núcleo (o resultado é mais importante).

Razão O satélite fornece a razão, motivo para núcleo, sendo o fato expresso na oração nuclear realizado por um agente animado (envolve a apresentação de motivos para ações intencionais do agente).

Explicação O satélite explica o conteúdo do núcleo, o qual, normalmente, independe da vontade do agente. (envolve explicações para acontecimentos).

Justificativa O satélite apresenta um “argumento” para que o ouvinte aceite, entenda o conteúdo nuclear (envolve razões plausíveis que fundamentam núcleo).

[Fonte: Mann & Thompson (1983, 2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]

168

As relações encontradas entre as orações adverbiais causais iniciadas por

conectivos causais e as porções textuais são apresentadas na tabela a seguir.

Tabela 05: As relações retóricas estabelecidas pelas orações adverbiais causais.

Relações retóricas

Causa Razão Explicação Justificativa Parentética Resultado

Conteúdo

16 (69,5%)

- - - - 07

(30,4%) 23

(24,7%)

Epistêmica -

19 (82,6%)

04 (17,4%)

- - - 23

(24,7%)

Atos de fala

- 03

(6,4%) 21

(46,8%) 19

(42,55) 02

(4,25%) -

45 (50,6%)

Total

16 (17,2%)

20 (21,5%)

26 (27,9%)

22 (23,6%)

02 (2,15%)

06 (6,45%)

91

As relações predominantes no corpus, conforme consta na tabela cinco,

foram explicação, razão e justificativa, fato que coincide com as maiorias das

ocorrências causais estarem situadas no domínio dos atos de fala, domínio em que

os eventos são, conforme Neves (1999), relacionados como causais por escolha do

falante. Percebe-se a predominância de determinadas relações acerca dos domínios

lógico-semânticos, como o domínio epistêmico, em que predomina a relação de

razão, o domínio dos atos de fala, em que predomina as relações de explicação e

justificativa, e o nível de conteúdo, que se divide entre relações de causa e

resultado. Salienta-se que as orações do nível de conteúdo foram classificadas

observando sua relação com a materialidade mais efetiva que apresentam em

relação ao EsCo que veiculam, assim como as epistêmicas, que apresentam uma

relação com a materialidade que é diminuída, por ser perpassada pela crença do

falante, assim como no domínio dos atos de fala, em que a relação entre base

material para o acontecimento de EsCo é mais fraca do que no domínio do

conteúdo.

Um fato interessante ainda a ser destacado é o da relação de resultado

apresentar a causa no satélite. Podem-se inferir, nesses casos, que o falante

reconhece a causalidade entre os eventos e a apresenta como informação

compartilhada, mas ao mesmo tempo como tópico, colocando a oração adverbial e a

causa do evento em total evidência.

169

Diagrama 06: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de resultado.

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 19: definição das relações retóricas do diagrama 06.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Fundo

Condições em N: Ouvinte não compreende integralmente N antes de ler o texto de S. Condições em S: aumenta a capacidade de o ouvinte compreender um elemento em N.

Aumentar a capacidade do ouvinte para compreender N.

Resultado Condições em N+S: Causa no satélite e o resultado no núcleo (o resultado é mais importante).

Apresentar o núcleo como mais importante que o satélite.

Finalidade Condições em N+S: N apresenta uma ação realizada, a qual justifica a ação em S

Ouvinte reconhecer que N resultou na ação em N.

Elaboração

Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.

A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.

Contraste

Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.

Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a diferença(s) suscitada(s) pela comparação realizada.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]

Resta saber se haveria questões de restrição de uso linguístico que

interferem para esse tipo de construção, considerando a anteposição dessas

ocorrências e a posposição das demais. Haja vista que, nem todos os casos de

..“porque

Deus amou

o mundo

de tal

maneira..

Resultado

..que deu o

seu ?lho

unigênito

Finalidade

para

que..todo

aquele que

nele crê.

5-6

Elaboração

Contraste

.não

pereça..

Contraste

..em João

capítulo

3..versículo

16..que diz:

Fundo

mas tenha

a vida

eterna”..

4-6

3-6

2-6

1-6

170

oração anteposta foram com relação de resultado. Dessa forma, parece ocorrer,

aqui, o mesmo que no caso anterior, uma impossibilidade de correspondência direta

entre relação de coerência e o posicionamento da oração, como regra.

Como já visto, uma análise da estrutura retórica das orações adverbiais não

se resume apenas a questões causais ou não, ou ainda, de informações novas ou

não. Há uma observância acerca das relações que emergem entre as porções

textuais. Assim, no nível sintático-semântico-pragmático, uma oração causal

conjuncional que possui uma interdependência de causalidade com a oração

nuclear, no nível textual, pode apresentar diferentes formas de inserção tópica ou

outras funções textuais-discursivas, como visto na seção anterior. Além disso, a RST

possibilita esquematizar essas ocorrências e observar como os segmentos textuais

se estruturam de forma coerente e produzem relações de sentido que são

consideradas a partir da intenção provável do falante em relação à orientação

pragmática do ouvinte. No âmbito das relações estabelecidas entre as partes do

texto, tendo em conta sua estrutura retórica, obtém-se a seguinte informação em

relação à ação do falante acerca da estruturação textual.

1-9

...ele deu

várias

demonstraç

ões de que

ele poderia

se sair da

cruz.

Contraste

2-9

Contraste

.mas ele

nun:ca:..se

eximiu da

sua

missão..

3-9

Pergunta retórica

por que? 4-9

Justi?cativa

5-9

Sequência

Deus disse

pra ele:

6-9

Elaboração

6-7

oh..contra o

pecado de

vocês..

que produz

a morte..

Comentário

8-9

Avaliação

...então eu

preciso de

um

antídoto..

e esse

antídoto é a

vida..

Solução

..porque

QUAN-do

Adão e Eva

pecaram..

Sequência

1-9

Diagrama 07: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de justificativa.

171

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 20: Definição das relações retóricas do diagrama 07.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Contraste

Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.

Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a (s) diferença (s) suscitadas pela comparação realizada.

Pergunta retórica

Condições N=S: o satélite faz uma pergunta que visa um segmento de texto, em que a resposta é dada pelo próprio falante no segmento posterior.

Geralmente, é não responder, mas sim, para levantar um problema para o leitor a considerar, ou levantar uma questão para a qual a resposta deveria ser óbvia.

Justificativa

Condições em N+S: A compreensão do conteúdo do satélite pelo Ouvinte aumenta a sua tendência para aceitar que Falante apresente N.

A tendência do Ouvinte para aceitar o direito do Falante a apresentar N aumenta.

Sequência Condições N+N: Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.

O ouvinte reconhece a sucessão dos fatos entre os núcleos.

Elaboração

Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.

A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.

Avaliação

Condições em N+S: S apresenta uma declaração final (juízo, inferência, decisão final) do falante em relação ao N.

Ouvinte reconhecer a inferência, decisão, juízo realizado pelo falante sobre o conteúdo de N.

Comentário

Condições N+S: S constitui uma observação subjetiva do Falante em relação ao N,

Apresentar um ponto de vista sobre elementos fora do foco dos elementos do N.

Solução

Condições em S: S apresenta um problema Condições em N: constitui uma solução para o problema apresentado em S.

Ouvinte reconhece N como uma solução para o problema apresentado em S

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)].

Observa-se que a causa não se restringe à interdependência entre uma

oração nuclear e sua adverbial, mas entre duas porções textuais. Analisando a

estrutura textual, percebe-se o quanto a relação entre argumentos auxilia na

elaboração e na construção de significados, apresentando os segmentos textuais de

modo não apenas a expressar as impressões particulares do falante, mas também

de explicitar ao ouvinte alguns motivos plausíveis para que ele venha a aceitar a

proposição do falante. Assim, entre a oração nuclear e a adverbial causal, mais do

172

que uma relação de causa, percebe-se uma elaboração discursiva que se concretiza

por meio de uma interpretação do falante acerca do que está sendo dito. No

exemplo seguinte, a oração causal faz parte de uma elaboração, realizando uma

sequência juntamente com outros segmentos até que se chegue a uma conclusão

seguida de uma solução.

Diagrama 08: Análise retórica das orações adverbiais causais – relação de justificativa.

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 21: Definição das relações retóricas do diagrama 08.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Justificativa

Condições em N+S: A compreensão do conteúdo do satélite pelo Ouvinte aumenta a sua tendência para aceitar que Falante apresente N.

A tendência do Ouvinte para aceitar o direito do Falante a apresentar N aumenta.

Elaboração

Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.

A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.

Contraste

Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas

Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a (s) diferença (s) suscitadas pela comparação

2-6

Justi?cativa

3-6

Elaboração

4-6

Contraste

Retomada

4-5

Retomada

mas é

que:..

..inclusive..

a nossa

doutrina..el

a tem a

primeira

regra da

doutrina..

Parentética

Contraste

...ela tem a

bíblia como

única fonte

de

revelação

divina..

..não que

as outras

não tenham

a bíblia

como

referência

máxima..

I-

..porque::..

é a

denominaç

ão que

mais:: se

aproxima..d

as

orientações

da bíblia..

E-..entre

tantas

denominaç

ões [...] Por

que a

batista?

1-6

173

diferenças. realizada.

Retomada (same-unit)

Condições em N: utilizado como um dispositivo para a ligação de dois fragmentos de texto que são divididos por uma unidade incorporada (apostos, parênteses etc.).

Parentética Condições em N+S: S apresenta informação que complementa o conteúdo do N, mas não pertence ao fluxo principal do texto.

Ouvinte reconhece que S apresenta informação extra ao conteúdo do N.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)].

A observação das estruturas textuais permite vislumbrar a construção textual

sob um viés privilegiado, considerando que as relações retóricas podem ser

classificadas de acordo com seus tipos (núcleo-satélite e multinucleares) ou

conforme sua natureza (de apresentação ou conteúdo). Levando em conta esses

aspectos, destaca-se que as relações de apresentação visam aumentar a posição

tendencial do ouvinte, e as relações de conteúdo objetivam que o ouvinte reconheça

a relação que se estabelece entre as porções textuais (MANN & THOMPSON, 2005-

2016). Desse modo, é possível perceber o conteúdo pragmático que alicerça a

produção textual.

Acerca das orações causais conjuncionais que inserem um subtópico e/ou

um parêntese cabe ressaltar que a diferença entre uma e outra é bastante tênue, e é

possível, inclusive, que uma oração que insere um subtópico se constitua em um

parêntese. Do mesmo modo, as relações de causa, resultado, razão, justificativa e

explicação também são bastante próximas. Daí o critério de plausibilidade, e ainda,

a possibilidade de uma relação ser interpretada de forma diferente quando analisada

por diferentes pesquisadores. Por isso também os casos em que são possíveis mais

de uma leitura.

6.2. Orações adverbiais condicionais

Nesta subseção, são analisadas as orações adverbiais condicionais

conjuncionais encontradas no corpus. Para a análise, observaram-se, além dos

critérios citados no início deste capítulo [classificação das orações adverbiais nos

diferentes níveis de atuação lógico-semântica (conteúdo, epistêmico e ato de fala),

tipos de conjunções, tempo verbal, topicalidade, informatividade, posição das

orações adverbiais (posposta ou anteposta) e relações retóricas], os critérios de

factualidade, contrafactualidade e potencialidade.

174

6.2.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS

Nesta subseção, abordam-se os dados relativos às orações adverbiais

condicionais conjuncionais que se relacionam biunivocamente entre nuclear e

adverbial (75), entre uma nuclear e mais de uma adverbial (76) ou uma adverbial

que se relaciona com mais de uma cláusula (77).

75) ...agora...se você me desse oportunidade...eu ia te mostrar...porquê eu creio assim...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

*eu ia te mostrar porquê eu creio assim se você me desse oportunidade

76) ...amar os pais...o quinto mandamento...né?

...para que te prolongues os dias na terra que o Senhor teu Deus te dá...

...um mandamento desse...se fosse vivido...se fosse praticado...né?

...quantas dificuldades...nós seríamos livrados... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

77) ...que Jesus disse: se alguém quer vir após mim...negue-se a si mesmo...tome a sua cruz e siga-me... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

Ao todo, foram analisadas quarenta e uma ocorrências de orações adverbiais

condicionais conjuncionais presentes no corpus.

*[de] quantas dificuldades nós seríamos livrados

*Se esse mandamento fosse

vivido.

*Se esse mandamento fosse

praticado.

*se alguém quer vir após mim

1-negue-se a si

mesmo

2- tome a sua cruz

[e]

3- siga-me

175

6.2.2. TEMPO VERBAL, FACTUALIDADE, POTENCIALIDADE E

CONTRAFACTUALIDADE

As observações acerca do tempo verbal das orações condicionais,

considerando seus subtipos, foram feitas considerando os subtipos das condicionais,

visto que o tempo e o modo verbal apresentam uma correlação com os subtipos.

A combinação de tempo verbal nas orações adverbiais condicionais

encontradas no corpus com maior recorrência foi o futuro do subjuntivo (na

adverbial) e o presente do indicativo (na nuclear), com onze (11) ocorrências. A

segunda maior frequência de ocorrência foi entre o presente do indicativo (na

adverbial e na nuclear), com dez (10) ocorrências. A terceira maior recorrência foi

com o futuro do modo subjuntivo (na adverbial) e o futuro do presente do indicativo

(na nuclear), com seis (06) ocorrências (esta última quantidade de recorrências

também apareceu para a combinação verbal entre presente do indicativo na oração

adverbial e futuro do pretérito do indicativo na nuclear).

Tabela 06: As combinações verbais das orações condicionais no corpus - por número de ocorrências (as quatro maiores).

Combinações verbais ente nuclear e adverbial

Oração adverbial Oração nuclear

Futuro do Subjuntivo Presente do Indicativo 11 (27,5%)

Presente do Indicativo Presente do Indicativo 10 (25,0%)

Futuro do Subjuntivo Futuro do Presente do indicativo 06 (15%)

Presente do Indicativo Futuro do Pretérito do Indicativo 06 (15%)

Total 33 (82,5%)

Esse resultado é similar com o obtido por Neves (1999) em seus estudos, em

termos de tempo e modo verbal predominante – sendo a combinação futuro do

subjuntivo na oração adverbial e o presente do indicativo na oração nuclear a mais

recorrente, e, posteriormente, o tempo presente do indicativo em ambas as orações.

Ressalta-se ainda que, se observados fora da combinação entre oração nuclear e

adverbial condicional, o tempo presente do indicativo aparece em quarenta (40)

orações de oitenta e duas (82) – o que representa 48,7% do total de orações vistas

fora da combinação entre nuclear e adverbial. O futuro do subjuntivo ocorre em 18

orações (22,5%). Acerca da combinação entre os modos verbais, tem-se que o

modo indicativo representa 67%, o modo subjuntivo 26,25%, a forma nominal do

particípio passado 2,5% e o modo imperativo 1,25% das ocorrências.

176

No caso das adverbias condicionais, diferentemente das causais, não se

acredita que as perguntas realizadas possam ter interferido de alguma forma na

utilização do tempo presente. Isso considerando estudos já apresentados (como no

caso de Neves (1999, 2000, 2016) e Castilho (2010), entre outros, que já

apresentam esse tempo verbal como bastante recorrente. Esses autores acreditam

que o tempo verbal e o subtipo das adverbiais estão diretamente relacionados.

Assim, a utilização de um ou outro tempo parece influir mais na categorização das

condicionais em subtipos do que efetivamente na questão do tempo – nisso, as

adverbiais condicionais se assemelham às causais: o tempo verbal não possui

apenas a função de situar o leitor em relação ao tempo cronológico dos fatos, mas

de criar um extrato linguístico em que o tempo verbal pode apresentar funções

sintático-morfológicas, semânticas e discursivo-pragmáticas. O tempo, nessas

orações, sobretudo nas adverbiais condicionais, parece estar em função de auxiliar

na construção de um “quadro de eventos” a serem expressos linguisticamente, e

não uma função dêitica de situar o ouvinte em relação ao momento do

acontecimento. Obviamente, a cronologia passado, presente, futuro se mostra nos

tempos verbais, mas sua função, no uso, é muito mais ampla que esse tipo de

marcação.

Acerca do modo verbal no qual se encontram as adverbiais condicionais,

Garcia (1973) explica que o uso do tempo verbal presente do indicativo em uma

oração condicional se dá por motivos de ordem enfática. Embora se considere as

orações com verbos no tempo presente e no modo indicativo como mais assertivas

(como visto, inclusive, no caso das causais), essa explicação não parece se

sustentar na maioria dos casos, a menos que seja acompanhada de outros

elementos sintático-semânticos que favoreçam a ênfase – como voz, polaridade, tipo

semântico do verbo, clivagem etc. E, nesse caso, a ênfase não pode ser atribuída

apenas ao tempo verbal.

78) ...se você acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

79) ...e se você cometer um erro não tem problema...é só você:...pedir perdão

e...que você vai pro céu... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

177

Em 78 e 79 há orações condicionais introduzidas pelo conectivo se no

presente do indicativo e no futuro do subjuntivo, respectivamente. Ambos os

exemplos apresentam o pronome “você” entre o verbo e a partícula se, os verbos

estão na voz ativa e possuem sentido pleno, e a polaridade das orações é positiva.

No entanto, a questão enfática não parece estar relacionada diretamente ao tempo

verbal, embora isso contribua. A ênfase em “acreditar nisso” e “cometer um erro” é

favorecida pelo posicionamento anteposto da oração adverbial, incluindo a própria

partícula “se”, o pronome “você” e, inclusive, a polaridade positiva da oração influi na

ênfase obtida.

Os exemplos 80 e 81 se distinguem dos 78 e 79 pela polaridade negativa e

pelos verbos não serem plenos. Mesmo nesses casos, a ênfase não poderia ser

atribuída ao tempo e modo verbal apenas. A ênfase em “não ter responsabilidade” e

na “anterioridade da vida” é possível pelos mesmos motivos dos exemplos 78 e 79:

a voz verbal, a polaridade, a posição da oração, e a partícula se, acrescendo, no

caso do 80, o marcador discursivo sequenciador “aí”, e a entonação alçada em 81.

80) ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum ...você tem que ser o responsável...pelo que você faz... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

81) ...se não for pela ANterioridade da vida...isso não se explica...

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

Em suma, nos exemplos 78, 79, 80 e 81, a ênfase é dada pelo conjunto de

elementos linguísticos que compõem a oração, inclusive o verbo com seu valor

semântico e suas apresentações de modo e tempo. Outro detalhe interessante, em

80, por exemplo, é que o verbo é visto como modal deôntico (eixo da conduta).

Assim, apenas a questão enfática parece não justificar a alta ocorrência do tempo

presente e do modo indicativo nas orações adverbiais condicionais.

Pode-se dizer, de modo geral, que Neves (1999, 2000, 2016) e Castilho

(2010) relacionam as ocorrências verbais com os subtipos, e os subtipos realizados

linguisticamente se adequam ao contexto de uso e prováveis questões cognitivas –

incluindo questões icônicas de uso da linguagem. Fiorin (2016), Corôa (2005), Koch

(2011, 2013) associam os tempos e os modos verbais à forma como o falante realiza

a “construção do mundo” discursivamente por meio da linguagem – mundo narrado

e mundo comentado, e os momentos do evento (MR, MF, ME). Ainda, Neves (1999)

178

e Hattnher (2008) associam questões de modalização que se realizam nas orações

adverbiais condicionais, em parte, pelo tempo verbal. Todos esses critérios puderam

ser verificados nas orações condicionais, considerando desde os aspectos

morfológicos, sintático-semânticos e pragmáticos discursivos dos verbos.

Dessa forma, pensando em fatores que possam ter influenciado nas

ocorrências encontradas no corpus, as quais estão predominantemente no presente

do indicativo e no futuro do subjuntivo, ressalta-se que, tradicionalmente, o modo

subjuntivo é apresentado pela gramática como o Modo da “incerteza”, da “dúvida”,

da “possibilidade”. Bechara (2010), entre outros, já distingue os modos do verbo em

indicativo, subjuntivo (conjuntivo), condicional (futuro do pretérito do indicativo) e

imperativo. Para esse autor, assim como para Câmara Jr. (2002), Corôa (2005),

Castilho (2010) et al., o futuro do pretérito do indicativo apresenta uma forte

característica de condicionalidade. Não se pretende aqui uma discussão da divisão

dos modos verbais, mas apenas ressaltar que o uso metafórico do futuro do pretérito

do indicativo se mostra como uma forma de marcar uma possibilidade remota de

acontecimento.

82) ...então...hoje...se eu não fosse pastor... ...eu poderia trabalhar como professor até do ensino médio...por exemplo...de sociologia...de filosofia... ...então é uma área que abre um leque pra essa direção, né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

Dessa forma, por não ser o modo subjuntivo o único capaz de expressar

condição, possibilidade, uma associação direta entre o modo subjuntivo e as

orações condicionais não se justifica, tanto que o modo indicativo foi o mais

recorrente. Novamente, salienta-se que o tempo verbal presente do modo indicativo

pode resultar em diversas formas de utilização pelo falante, podendo ter sido o mais

recorrente também pelo fato de a possibilidade da marcação da condicionalidade

ocorrer por diferentes elementos linguísticos, que não apenas os tempos verbais do

modo subjuntivo. Assim, a condicionalidade nas orações analisadas neste trabalho

marca-se não apenas pelo tempo verbal, nem apenas pela conjunção subordinativa,

mas por diferentes elementos linguísticos que denotam probabilidade, possibilidade,

condição etc., como advérbios, por exemplo.

179

83) ...então...os pastores da nossa igreja tem que passar pelos nossos seminários...né? ...se porventura ele faz um outro seminário...uma outra confissão... ...ele precisa fazer um/um complemento...né? ...que seria a revalidação que a gente chama... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

84) ...eh...eh...uma coisa importante que a gente...eh...devesse talvez

esclarecer...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

85) ...teria tempo...talvez...pra trabalhar...

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

86) ...há caminhos que para nós...parecem ser retos...

...no final...pode ser caminho de morte... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)

Casos como os apresentados em 84, 85 e 86 não fazem parte do escopo da

análise deste trabalho. Servem apenas para exemplificar outras formas de

construção que apresentam condição, hipótese ou probabilidade sem conjunções

condicionais e até mesmo sem verbos no subjuntivo – como em 85 e 86. Nesses

dois últimos, a possibilidade é totalmente marcada pela predicação e pelo valor

semântico dos verbos.

Chama-se a atenção também para o fato de não haver sido encontrada

nenhuma ocorrência com ambos os verbos no subjuntivo, o que reforça o fato de

haver pouco uso de construções desse tipo na atualidade.53 As orações combinam

ou modo indicativo/indicativo, ou a oração adverbial no subjuntivo e a nuclear no

indicativo. Nesse sentido, tem-se corroborada a crença de que a utilização do modo

e do tempo verbal nas orações condicionais está relacionada com os subtipos

dessas orações, de modo a apresentar a possibilidade factual dos eventos que se

relacionam entre a nuclear a e a adverbial. Ao observar o modo e o tempo verbal

nas orações condicionais dos exemplos 87 (potencial), 88 (factual) e 89

(contrafactual), percebe-se que a combinação realizada entre os modos e os tempos

53

Essa observação refere-se ao fato de que construções como “Se fizesse sol hoje, talvez pudéssemos brincar na rua”; “Se chovesse amanhã, talvez pudéssemos ficar em casa”. Tais expressões, que podem ser vistas como mais formais e complexas, por assim dizer, parecem estar dando lugar a construções menos complexas, formais e “prototípicas”, por assim dizer, como “se fizer sol, podemos brincar”, “se chover, poderemos ficar em casa”.

180

verbais situa os eventos em termos de potencialidade, factualidade e

contrafactualidade. O foco interacional parece residir em apresentar ao ouvinte as

possíveis consequências dos fatos, ou em apresentar os fatos como verdadeiros ou

não dentro de um escopo de condicionalidade, e não situar o ouvinte em termos de

tempo (MF, MR, ME).

87) ...então...se você encontrar um pastor...ou qualquer outra pessoa falando que a igreja dela vai fazer isso...é mentira... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

88) ...se você não aguenta mais...ouvir um padre...um pastor...um pregador dizer

que Deus vai te dar isso...vai dar aquilo...ou vai dar aquilo outro... ...ou que você vai queimar no inferno...ou que vai pro céu... [...] ...então...eu te convido a conhecer a doutrina espírita... ...para saber que há:...muito mais entre o céu e a terra do que imagi:na nossa vã filosofia... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

89) ...ho:mem nenhum pode fazer o convencimento de alguém vir a frequentar uma

comunidade de fé... ...se eu fizesse isso com você...eu estaria fazendo pro-selitismo... ...e eu não fui chamado pra fazer...pro-selitismo... ...o que eu faço é e-vangelização... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja assembleia de Deus)

Em 87, há uma oração condicional potencial, pois o conteúdo da oração

nuclear é algo possível, mas necessita que o evento expresso na oração adverbial

seja confirmado. Em 88, há uma condicional factual porque o conteúdo expresso na

adverbial é tido como verdadeiro pelo falante e a oração nuclear é vista como uma

“consequência” da oração adverbial. Em 89, há uma condicional contrafactual, uma

vez que o conteúdo da adverbial não é tido como real, assim como o conteúdo da

nuclear é uma consequência igualmente não real. A mesma utilização modo-

temporal ocorre em 90 (potencial), 91 (factual) e 92 (contrafactual). Se observado

esse fato, juntamente com o resultado supra apresentado das ocorrências verbais

nota-se certo padrão entre tempo e modo verbal e subtipo de condicional.

90) ...o céu...se você obserVAR... ...todos os religiosos falam do céu...mas ninguém quer ir...

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita) 91) ...mas se ela ainda não tem a Jesus Cristo como seu senhor... [...]

...consequentemente...ela::...não tem a garantia de que vai viver...eternamente nos céus...

181

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

92) ...amar os pais...o quinto mandamento...né? ...para que te prolongues os dias na terra que o Senhor teu Deus te dá... ...um mandamento desse...[...] se fosse praticado...né? ...quantas dificuldades...nós seríamos livrados... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

De modo geral, a correlação modo-tempo nos diferentes tipos de condicionais apresentou o seguinte resultado [sendo N (nuclear) e A (adverbial)].

Tabela 07: correlação modo-tempo e os subtipos de condicionais.

Modo Subjuntivo Modo indicativo

Futuro

Presente

Futuro

do presente

Futuro

do pretérito

Presente

Pretérito Imperfeito

N A N A N A N A N A N A

Factual X X

Potencial X X X

Contrafactual X X X X X

Total

A tabela 07 considera apenas os tempos e os modos verbais mais recorrentes

no corpus. Percebe-se que as condicionais contrafactuais apresentam sua

predicação ancorada na condicionalidade, possibilidade de ambos os eventos – da

nuclear e da adverbial. As orações potenciais, por sua vez, possuem uma

predicação que oscila entre condição e afirmação, ao passo que as factuais

apresentam uma predicação que se situa no campo da afirmação.

Tal resultado confirma o exposto por Neves (1999) e Castilho (2010), de que

as condicionais factuais possuem o enunciado da adverbial como real, e a nuclear

como consequência da adverbial e igualmente real - são construções que apontam

para “o mundo do já sabido”. A adverbial potencial apresenta o conteúdo da

adverbial como um evento possível, mas necessita que a apódose a confirme, ou

seja, essas orações representam o mundo “epistemicamente possível”. As

contrafactuais expressam uma informação contrária à realidade do falante, assim

como a nuclear.

182

93) ...se a gente entende que o pecado é a quebra do relacionamento da pessoa/que o ser humano tem com Deus...né? ...o método pra isso é a amizade... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

94) ...se a minha denominação...que é a Assembleia de Deus...

...a minha liderança nacional...estadual...chegar pra mim e falar pra mim...oh:...a partir de hoje você vai pregar a Assembleia de Deus...religião.. ...eu SAio... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

95) ...então...hoje...se eu não fosse pastor...eu poderia trabalhar como professor

até do ensino médio...por exemplo...de sociologia...de filosofia...então é uma área que abre um leque pra essa direção...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

Essa alternância (ou não alternância) modo-temporal também pode explicar

parcialmente uma das funções discursivas das orações adverbiais condicionais

proposta por Neves (1999), qual seja a orientação discursiva que os subtipos das

condicionais propiciam. A autora explica que o uso das adverbiais potenciais pelo

falante, na construção textual-discursiva, aponta para fatores que podem ser

correlacionados à intenção do falante como uma forma de orientar seu interlocutor

das possíveis consequências dos seus atos, isso, ao deixar uma condição a ser

efetuada para que o conteúdo da prótase seja preenchido. Já a utilização das

factuais parece incorrer na asserção do locutor, que apresenta determinado fato

como uma verdade.

Isso pode conduzir a uma breve reflexão sobre a modalização nas orações

condicionais, reflexão que se torna relevante do ponto de vista do uso

argumentativo. A modalização nas orações adverbiais condicionais se mostra

bastante ampla, podendo ocorrer de forma intra e inter-oracional, ou ainda,

modalizar uma porção textual. Tendo em mente os conceitos e as observações

realizadas na seção anterior sobre o tempo presente, e as associando a questões de

modalização nas adverbiais condicionais é possível a seguinte constatação:

96) ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum... ...você tem que ser o responsável...pelo que você faz... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

183

97) ...se ela...nesse período...ela não conseguir passar pela licenciatura... ...daí ela tem que cursar de novo e...então...não é ordenada pra ser pastor...entendeu? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

No exemplo 96, há uma oração adverbial factual com presente que coincide

com o Momento da Fala (MF), o Momento do Evento (ME) e o Momento de

Referência (MR) – resultando em um presente gnômico54. Ainda, os verbos são

modais em ambas as orações (adverbial e nuclear) dos exemplos.

Já em 97, há uma oração adverbial potencial, a qual apresenta um possível

“resultado” – conforme a realização ou não do conteúdo expresso na adverbial, tem-

se o conteúdo da nuclear como verdadeiro ou falso, ou seja, esse tipo de construção

condicional ”alerta” o ouvinte sobre possíveis consequências de determinadas ações

(se não conseguir passar pela licenciatura, terá que cursar de novo). A asserção em

relação ao que o falante propõe para o ouvinte apresenta uma modalização

epistêmica (pois expressa uma probalidade). Nesse exemplo, pensando em termos

de Momentos, a oração nuclear apresenta um MF e um ME coincidentes, mas com a

duração do MR estendida pelo tempo de duração do curso. Assim, em “ela tem que

cursar de novo”, esse “tem” denota um presente durativo, qual seja, o tempo de

realização do curso. Acerca do tempo verbal do futuro do subjuntivo, salienta-se que

Corôa (2005) explica os dois usos possíveis do futuro: o temporal e o modal. Em 95

e 966, parece ficar claro que se trata de um uso modal, pois tanto o ME quanto o MR

é anterior ao MF, descaracterizando o tempo futuro, que apresenta um evento que

ocorre, via de regra, após o MF. Para Corôa (2005)

ao mesmo tempo em que o futuro parte de um conjunto de probabilidades (futuro modal) em direção a um mundo que é ou será (futuro temporal), o condicional parte de uma base temporal, mais possível de ser, para um mundo altamente hipotético, passando pelo modal (CORÔA, 2005, p. 57).

Com essas observações, pretende-se apenas exemplificar que o futuro (do

indicativo (modal e temporal) ou do Subjuntivo (futuro condicional) propicia uma

modalização inter-oracional por meio do tempo e do modo verbal utilizado, em que,

nessa relação entre as orações, o falante consegue modalizar sua fala e orientar seu

ouvinte. Com isso, destaca-se também que apenas uma observação em relação aos

54

O presente gnômico é quando o MR é ilimitado, englobando o ME (FIORIN, 2016).

184

momentos (MF, MR e ME) não são capazes de explicar as ocorrências de tempo e

modo nas orações adverbiais, pois o tempo e o modo se inter-relacionam com

função de produzir orientações de sentidos específicos, de acordo com a orientação

de sentidos específicos de cada subtipo condicional – independentemente se os

verbos são modais ou não.

Destaca-se, nesse sentido, um fator relevante para a observação do tempo e

do modo nas orações condicionais, que diz respeito às combinações modo-

temporais. Tendo em vista, conforme já exposto, que as orações analisadas - com

exceção das orações factuais - mesclam o modo indicativo com o subjuntivo.

Ressaltando que não há ocorrências no corpus de combinação de cláusulas que

apresentam uma relação entre predicados que estejam apenas com verbo no

subjuntivo, como já citado.

Uma explicação plausível para o fato de não haver combinações apenas entre

modo subjuntivo pode ser encontrada na proposta de Weinrich (1973) sobre o

mundo narrado e o mundo comentado – estudos desenvolvidos no Brasil por Koch

(2011, 2013) e Fiorin (2016). Acerca do tempo presente, sua predominância nas

adverbiais condicionais denota que prevalece uma utilização linguística do mundo

comentado, o que incorre em um comprometimento do falante com àquilo que diz,

assim como uma maior criatividade. Essa utilização, conforme visto na subseção

6.1.2 (nas análises das orações adverbiais causais), apresenta maior engajamento

do ouvinte em relação ao que diz. Todavia, no caso das adverbiais condicionais, a

representação de “mundo” não apresenta, sob uma perspectiva quantitativa de

ocorrências, construções que se refiram ao mundo narrado. Isso considerando que o

tempo presente do indicativo é o tempo base do mundo comentado, e que o tempo

pretérito utilizado nas condicionais possui mais uma função modal do que temporal.

Ocorre ainda que o modo subjuntivo é considerado um semitempo, ou seja, um

tempo que não é específico de nenhum “mundo”.

Os semitempos não oferecem informações completas sobre a pessoa e o tempo, não tendo, portanto, categoria oracional [...]. Ora, os semitempos não se apresentam isolados, mas ligados à formas completas, de modo que continua válida a informação do verbo oracional que as precede, ou, então, é fornecida pela forma verbal oracional seguinte. Portanto, os semitempos acham-se em dependência de outras fontes ligadas ao contexto linguístico para completar sua informação (KOCH, 2011, p. 40-41).

185

Nesse sentido, destaca-se que as orações adverbiais condicionais

apresentam um funcionamento verbal mais complexo que nas orações causais, por

exemplo. Ainda, sendo o subjuntivo um semitempo, isso explica o fato de as

adverbiais condicionais que apresentam esse modo verbal (as potenciais e as

contrafactuais) apresentarem um conteúdo que depende diretamente do conteúdo

da oração nuclear para que a hipótese seja confirmada ou não.

Percebe-se que a correlação modo-temporal das orações adverbiais

condicionais é bastante complexa. Para além da temporalização em relação ao MF,

a correlação entre os modos e os tempos nas orações com subjuntivo, servem como

modalizadores das expressões e apresentam factualidade, potencialidade ou

contrafactualidade. Em relação ao modo subjuntivo no tempo presente ou futuro, por

ser o tempo no subjuntivo um semitempo, o que se marca não é o tempo da ação ou

do acontecimento do evento, mas o grau de possibilidade do evento em relação a

um “vir a ser” é o que fica mais fortemente marcado.

Destaca-se, então, que o modo subjuntivo e seus tempos, além de serem

considerados como semitempos, podem ser vistos com funções modais, assim como

o pretérito imperfeito - quando visto sob uma perspectiva de metáfora temporal

(pretérito imperfeito como modal e/ou apresentando possibilidade) - e não com

funções temporais. Isso porque o subjuntivo se trata de um semitempo e atua

internamente ao uso linguístico no sentido temporal, em outros termos, serve para

comentar hipóteses e condições por meio do uso de expressões temporais. Para

Weinrich (1973) a concepção que aborda os tempos no subjuntivo como um uso

metafórico do tempo verbal pode “não prestar contas de todos os valores do

subjuntivo, mas fornece um quadro para as suas diversas nuances semânticas, que

são tão numerosas quanto o uso de metáforas temporais” (WEINRICH, 1973, p. 250

– tradução nossa55). E, ainda, “o subjuntivo e a metáfora temporal possuem a

mesma função e são intercambiáveis” (WEINRICH, 1973, p. 251 – tradução

nossa56). Dessa forma, como semitempo, o subjuntivo atua em conjunto com um

tempo pleno (o presente e o futuro do indicativo) para uma construção temporal que

55

“ne rend pas comptes de toutes les valeurs du subjonctif, mais elle fournit un cadre à ses diverses nuances sémantiques, qui son aussi nombreuses que pour les métaphores temporelles” (WEINRICH, 1973, p. 250). 56

“Subjonctif et métaphore temporelle ont même fonction et son interchangeables” (WEINRICH, 1973, p. 250).

186

relaciona as orações, e como uso metafórico as formas verbais podem funcionar

como meio de produzir o efeito de condição. Daí a possibilidade de se construir

orações condicionais com tempos do indicativo que podem apresentar usos

metafóricos. Os quais, conforme vimos nas análises das causais, são bastante

realizados com o tempo presente do indicativo, por exemplo.

Acerca do uso do presente do indicativo, salienta-se que a grande quantidade

do tempo presente assevera uma construção de um mundo comentado, em que há

um engajamento maior por parte do falante, ao passo que a utilização do modo

subjuntivo e dos tempos futuros garante a condicionalidade dos eventos, atribuindo

mais ou menos status de condição, de acordo com a combinação modo-temporal

realizada. Entende-se, dessa forma, que pode se considerar a existência de um

continuum de condicionalidade nas adverbiais condicionais, em que a

condicionalidade máxima diz respeito às contrafactuais e a mínima às factuais.

Dessa forma, as potenciais ficam em uma situação intermediária, e os demais

tempos, de acordo com as combinações realizadas, podem se aproximar mais de

um ou outro polo desse continuum.

6.2.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA, SUBTIPOS DAS ORAÇÕES E

CONECTIVOS

No corpus de análise obtido para esta pesquisa foram encontradas quarenta e

uma ocorrências hipotáticas condicionais conjuncionais, assim classificadas de

acordo com domínio semântico e subtipo da condicional.

Tabela 08: ocorrências das orações adverbiais condicionais de acordo com seus subtipos e domínio semântico. Domínio de

conteúdo Domínio Epistêmico

Domínio dos atos de fala

TOTAL

Subtipos

Factual 04 (33,3%) 02(16,6%) 06 (50%) 12 (29,26%)

Potencial 04 (23,5%) 09 (52,9%) 04 (23,5%) 17 (41,4%)

Contrafactual 03 (25%) 03 (25%) 06 (50%) 12 (29,26%)

TOTAL 11 (26,8%) 14 (34,1%) 16 (39%) 41

Analisar os subtipos das orações adverbiais condicionais observando esses

três níveis demonstra que as orações condicionais exprimem relações que são

estabelecidas entre EsCo, mas também relações em níveis superiores de atos de

fala que envolvem a percepção do falante acerca dos EsCos (NEVES, 2016). Nota-

187

se que nas condicionais factuais e contrafactuais a relação entre os eventos se dá

preferencialmente no domínio dos atos de fala, ao passo que as orações potenciais

ocorrem preferencialmente no domínio epistêmico. Ressalta-se, no entanto, que

todos os subtipos apresentam expressões nos três domínios semânticos.

A predominância dos atos de fala indica a preferência do falante em

relacionar EsCo por meio das asserções que realiza e não necessariamente por

implicações de causas efetivas entre os eventos (que ocorrem no nível do

conteúdo). O falante apresenta a condicionalidade por meio de um nível semântico

que a torna mais relevante para a interação e para a transmissão do conteúdo

pragmático, relacionando asserções. Do mesmo modo, no caso do domínio

epistêmico, o falante parece considerar importante condicionar um evento ou EsCo

às crenças do ouvinte, e não a condições físicas estabelecidas.

De acordo com Neves (2016), seria possível pensar no fato de que as

condicionais de conteúdo apresentam uma condição baseada em fatos do mundo

real ou imaginário que independem da vontade ou da ação do falante. As

condicionais epistêmicas, por sua vez, apresentam uma condição ancorada nas

possibilidades que decorrem das crenças do falante e do ouvinte, ao passo que as

condicionais dos atos de fala apresentam os eventos como condicionados por

escolha do falante, devido a motivações interacionais e comunicativas de exercer

algum efeito pragmático em seu ouvinte que se baseie não apenas em fatos

expressos em um EsCo ou nas crenças compartilhadas.

Assim, associando a característica de cada subtipo condicional aos

diferentes níveis semântico de expressões linguísticas, ocorrem variadas formas de

interpretações e expressões formuladas pelo falante.

a) Factuais do nível do conteúdo (98), do nível epistêmico (99) e do nível de

atos de fala (100).

98) ...então...os pastores da nossa igreja tem que passar pelos nossos seminários...né? ...se porventura ele faz um outro seminário...uma outra confissão...ele precisa fazer um/um complemento...né? ...que seria a revalidação que a gente chama... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

188

No exemplo 98, o nível de conteúdo é observável por meio da predicação que

apresenta um EsCo (com entidades de segunda e primeira ordem57) relacionando

eventos, e não argumentos. Lembrando que a relação entre eventos apresenta

fenômenos externos à situação de comunicação e pode ser chamada de

experiencial – ou ideacional, é interpretada como uma relação entre os significados,

com vistas a representações de conteúdo de uma realidade ou experiência externa

ao ato comunicativo. Essa representação é posta pelo falante como uma condição

factual, em que dada a verdade da oração adverbial (fazer um seminário de outra

igreja) segue-se a realização da nuclear (fazer um complemento no seminário da

igreja dele - falante). O falante se refere a eventos externos expressos por EsCo, por

isso nível de conteúdo - e apresenta esses EsCos como condicionados um ao outro

para consequência expressa na oração nuclear. O tempo verbal no presente reforça

a ideia de uma condicional factual, conforme Neves (1999). De acordo com a autora,

esse subtipo de condicional é o que mais expressa uma relação de causalidade

entre os eventos da nuclear e da adverbial. Nesse exemplo em questão, percebe-se

uma relação causal no sentido de que o EsCo da oração adverbial motiva o EsCo da

oração nuclear – o motivo pelo qual é necessário que se realize o complemento é a

verdade do conteúdo da condicional. Poderia ser assim expresso:

*Se porventura fez outro seminário (em outra igreja) [logo, então] ele precisa fazer um complemento (na igreja em questão)

*Ele precisa fazer um complemento Porque [porventura] fez outro seminário.

As condicionais epistêmicas diferenciam-se das de conteúdo porque

envolvem crenças do falante, como em 99. Continua sendo factual, pois apresenta

os dois EsCo como reais.

99) ...tem a ver com a pessoa...tem a ver com a vida eterna dela...não é? ...então...se...se quando você tá se importando com a eternidade...com o futuro dela... ...é muito mais do que proselitismo...não é? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

Nesse exemplo, o falante apresenta a forma como ele acredita que algo não é

proselitismo. As orações do domínio epistêmico costumam receber marcas que

57

Sobre as entidades de primeira, segunda e terceira ordem, ver subseção 2.3 desse trabalho.

189

sinalizam a crença ou a opinião do falante acerca do que ele está dizendo. A pista,

nesse exemplo é o verbo – considerando ainda que ao dizer “você” o falante se

refere também a ele mesmo. Essa oração é do domínio epistêmico, pois expressa

algo que perpassa a crença, a convicção do falante, e essa crença fica explícita na

construção linguística. Tem a ver com a forma como ele acredita que algo não é

proselitismo. Trata-se de uma condicional potencial, pois o conteúdo expresso pela

adverbial apresenta uma eventualidade, não é algo dado como factual, real. A

possibilidade expressa na adverbial depende que o conteúdo que é apresentado

pela nuclear a confirma. Então, quando o falante diz “se quando você está se

importando com a eternidade e o futuro dela”, isso só poderá ser tido como não

eventual se o conteúdo da nuclear o confirmar. Seria possível a seguinte

observação:

*Se quando você tá se importando com a eternidade e com o futuro dela é muito mais do que proselitismo...não é? **É muito mais que proselitismo quando você está se importando com a eternidade e com o futuro dela. ** É muito mais que proselitismo você se importar com a eternidade e com o futuro dela.

Na adverbial condicional factual que se situa no domínio epistêmico, relação

entre os conteúdos oracionais é sobre argumentos e não eventos. Neves (1999)

explica que as relações entre argumentos são aquelas que se estabelecem entre

fenômenos internos à situação de comunicação, por isso não pode ser de conteúdo.

Já em 100 há uma oração condicional do tipo factual no domínio dos atos de

fala. As orações desse nível são revestidas de força ilocucionária, e também

relacionam argumentos, e não eventos.

100) ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum ...você tem que ser o responsável...pelo que você faz... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

As orações do nível dos atos de fala parecem se distinguir dos demais níveis

ao que diz respeito sobre a subjetividade do falante e sua perspectiva acerca do

conhecimento pragmático do ouvinte. No nível do conteúdo o falante relaciona

eventos externos à situação linguística, no nível epistêmico ele relaciona

argumentos (eventos internos à situação linguística) e apresenta sua crença, sua

opinião. Já no nível dos atos de fala parece haver um pragmatismo maior. Isso

190

porque, ao relacionar eventos (nível conteúdo), a escolha em relação à forma como

o falante irá relacionar esses eventos parece ser condicionada às ocorrências de um

mundo material real, possível ou imaginário, uma vez que relaciona EsCo – como

exemplo, percebe-se que as orações condicionais do nível de conteúdo também

apresentam certa causalidade.

Outras orações adverbiais nesse mesmo domínio também apresentam

causalidade, e há orações, inclusive, que não podem ser construídas no nível de

atos de fala, como, por exemplo, as temporais (NEVES, 1999, 200). O fato de as

orações temporais não serem passíveis de serem expressas no nível dos atos de

fala aponta para seu baixo teor pragmático e interpessoal ao mesmo tempo em que

aponta para um valor mais informacional e ideacional. No caso das orações do nível

dos atos de fala, percebe-se a possibilidade de um afastamento e uma liberdade

subjetiva e cognitiva maior por parte do falante em relação à forma como ele vai

expressar linguisticamente os argumentos ao se referir aos acontecimentos que

pretende expressar linguisticamente. Isso no sentido de que o falante possui a

capacidade de relacioná-los como consequência do outro ou não, sem precisar

marcar sua crença ou opinião sobre o assunto, de forma a construir uma expressão

mais ancorada em conceitos, que podem ou não ser compartilhados (entre falante e

ouvinte) de modo a exercer uma influência “moral”, por assim dizer.

Considerando os estudos de Austin (1990) e Searle (1995) sobre os atos de

fala, os quais são revestidos de força ilocucionária destaca-se que todo ato de fala

pode, ou não, exercer uma força perlocutória (diz respeito à ação ou efeito

pretendido pelo falante que o ouvinte realize). No caso do exemplo 100 há uma

expressão com força ilocucionária que possibilita uma argumentação do falante em

relação ao ouvinte sobre a questão da responsabilidade, mas não é perlocutória. No

caso de uma expressão condicional factual no domínio dos atos de fala que

apresente uma expressão linguística perlocutória tem-se o exemplo em:

101) ...o espiritismo é o úl::timo bastião a quem já não suporta mais as religiões tradicionais... ...se você não aguenta mais...ouvir um padre...um pastor...um pregador dizer que Deus vai te dar isso...vai dar aquilo...ou vai dar aquilo outro... [...] ...então...eu te convido a conhecer a doutrina espírita...para saber que há muito mais entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

191

O falante, nesse nível semântico de enunciação nas orações adverbiais

condicionais, pode se dirigir ao ouvinte de modo a solicitar uma (re)ação efetiva

dele, e não apenas a alterar o conhecimento pragmático de seu ouvinte. Nesse

sentido, as orações no domínio dos atos de fala nas orações condicionais também

se distinguem das causais, as quais, em princípio, quando estão nesse domínio

semântico, parecem se relacionar mais com o fato de o falante querer ou não

apresentar um fato como causalmente relacionado. No caso das causais, é

constativo, às vezes performativo, mas não perlocutório explícito. Nesse sentido as

orações condicionais são mais pragmáticas, uma vez que o conteúdo das

expressões linguísticas podem se direcionar ao ouvinte de modo perlocutório.

Assim, observa-se que as orações adverbiais condicionais factuais podem

ser realizadas em diferentes níveis semânticos linguísticos, e em cada nível

apresentar uma peculiaridade inerente ao nível em que se encontra. Todavia, a

relação de factualidade entre a oração subordinada e a oração nuclear não é

alterada, mantendo, em qualquer dos níveis que se apresente, uma relação de

condição preenchida ou a preencher (na adverbial) – e uma consequência,

conclusão (na nuclear) – conforme explicação sobre a instanciação das orações

condicionais fatuais apresentada por Neves (2016). Assim, destaca-se que:

O valor quase documental das orações condicionais factuais explica seu uso em processos argumentativos nos quais seja necessário ou conveniente exprimir um fato como assegurado. Nessas circunstâncias, o que está em jogo não é a oração de condição [...] (NEVES, 2016, p. 145 – itálico no original)

Em outras palavras, a factualidade apresentada pelas orações condicionais

se preocupa em apresentar os eventos ou os argumentos como assertivos – daí

também a alta ocorrência do tempo verbal no presente do indicativo – e não como

uma condição a ser preenchida. Questões desse tipo influem diretamente no valor

argumentativo dessas orações. Tais orações, explica Neves (2016), podem

funcionar como um bloco de sentido, colocando o conteúdo que apresentam como

foco a serviço da argumentação. Pode parecer um tanto quanto obscuro o conceito

de uma factual epistêmica, todavia, crê-se que o fator da assertividade das

expressões seja relevantes para esclarecer tal critério.

192

b) Potenciais do nível do conteúdo (102), do nível epistêmico (103) e do

nível de atos de fala (104).

Ao contrário das orações adverbiais condicionais factuais que apresentam

na adverbial uma condição já preenchida, as orações adverbiais condicionais

potenciais apresentam uma condição a ser preenchida.

102) ...é que...alguns grupos evangélicos...eles tem falado sobre as bênçãos materiais... ...eles só tem falado sobre coisas na terra... ...que vai ser beneficiado...que se contribuir...que se você fizer isso...ou se você fizer aquilo... ...mas nós não alcançamos a salvação em fazendo alguma coisa para alcançá-la... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

Desse modo, observando o exemplo 102, percebe-se que é necessário que

seja preenchida - que se realize - a condição expressa na adverbial para que se

confirme o conteúdo da nuclear. Ou seja, é necessário que “contribua”, que “se faça

isso” e que “se faça aquilo” para “ser beneficiado”. Assim, novamente, as

condicionais de domínio de conteúdo apresentam certa causalidade, mesmo sendo

potenciais. A causalidade reside na relação entre os eventos, em que a contribuição

e outras ações resultarão no benefício de quem as realizou. Essa construção

poderia ser reformulada, sem alterar seu sentido, da seguinte forma:

*Você vai ser beneficiado porque contribuiu [...]

Ou seja, uma vez preenchida a condição da adverbial condicional, obtém-se

uma causa, explicação para o conteúdo nuclear. Destaca-se, mais uma vez, a

importância da correlação modo-temporal dessas orações para que se estabeleça

uma condicionalidade e não uma causalidade.

Essa causalidade das adverbiais potenciais de conteúdo se dilui um pouco

quando comparada com as potenciais epistêmicas.

103) ...e qual é o método de evangelismo? ...se a gente entende que o pecado é a quebra do relacionamento da pessoa/que o ser humano tem com Deus...né? ...o método pra isso é a amizade... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

193

O que predomina em construções como a do exemplo 103 é a compreensão

que o falante tem acerca do conteúdo que ele expressa. Não se trata de uma

relação “causa-consequência”, mas constitui uma crença do falante a respeito do

que diz. O exemplo de número 103 é uma oração adverbial potencial, pois necessita

que o conteúdo da adverbial seja preenchido – todavia, é um conteúdo subjetivo,

que diz respeito à crença do falante. Assim, diferentemente da alteração em 102,

que resulta em uma causalidade efetiva, quando se preenche o conteúdo da

adverbial, em 103, o que se expressa na reformulação é uma explicação.

*O método pra isso é a amizade, porque a gente entende que o pecado é a quebra do relacionamento da pessoa, do ser humano, com Deus.

Esses critérios facilitam estabelecer a diferença entre causa efetiva (nível de

conteúdo) e causa provável (nível epistêmico), de acordo com apontamentos

realizados por Neves (1999, 2000, 2016) em seus estudos sobre as adverbiais

condicionais. Ainda, conforme a autora, os segmentos oracionais são relacionados

como etapas em um argumento, significando primeiro uma proposição no jogo do

discurso, e depois outra. Essa relação que ocorre nas orações do domínio

epistêmico pode ser chamada de ideacional, pois ocorre no âmbito da construção de

significados e da representação das impressões particulares do falante acerca da

situação. No caso das potenciais no domínio dos atos de fala a instanciação entre

condição a ser preenchida também se mostra de forma bastante clara.

104) ...o que eles perguntarem...tudo que eles perguntarem sobre o que você fez...né? ...sendo aprovado ou não...não é? ...caso sendo aprovado...aí você vai pra licenciatura... ...é licenciado...trabalha na igreja como pastor... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

Como é característico de orações de domínio epistêmico e de atos de fala,

em 104, o falante relaciona argumentos. Essa é uma das características que

definem uma oração adverbial potencial entre ser de conteúdo ou de atos de fala,

pois ambas apresentam uma relação de causalidade. No exemplo 104 essa

causalidade já vem expressa na própria oração, devido ao marcador discursivo

sequenciador conclusivo “aí”. Mas mesmo excetuando-se esse elemento, a

causalidade continua expressa em ambos os casos:

194

*Caso sendo aprovado você vai pra licenciatura.

Sendo aprovado você vai para licenciatura. Aprovado, você vai para licenciatura.

**Caso sendo aprovado você vai para licenciatura.

Você vai para licenciatura porque foi aprovado.

Desse modo, as orações adverbiais potenciais do domínio dos atos de fala

também podem expressar uma relação de causa-consequência quando a condição

é preenchida. Assim, entre as potenciais de atos de fala e conteúdo, a diferença

maior que apresentam é entre os níveis semânticos e como esses níveis se efetivam

nas orações – relacionando eventos externos a situação de comunicação ou fatos

internos à situação de comunicação.

Neves (2016) esclarece que, assim como as factuais, as orações condicionais

potenciais também podem ser utilizadas a serviço da argumentação. Funcionando

como blocos informacionais que orientam o ouvinte por meio das condições

prováveis que incorrem em questões de causa, consequência – ou orientando em

termos de explicação, como ocorre nas condicionais potenciais epistêmicas.

c) Contrafactuais do nível do conteúdo (105), do nível epistêmico (106) e do

nível de atos de fala (107).

De acordo com Neves (2016, p. 147) as orações condicionais contrafactuais

“apresentam os estados de coisas por elas denotados como não existentes”, tanto

na adverbial quanto na nuclear. A característica dessas condicionais é seu tempo

verbal sempre no futuro do pretérito na nuclear (Castilho, 2010; Neves, 2016). As

distinções entre os níveis semânticos são os mesmos apresentados nas

condicionais anteriores. Quando é uma oração adverbial contrafactual de conteúdo,

a relação será entre eventos, os quais não aconteceram, mas, caso acontecessem,

resultariam em determinadas consequências.

105) ...e eles sugeriram que...se eles comessem aquele fruto...eles seriam iguais a Deus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

195

Os eventos se relacionam com base nas probabilidades e em hipóteses

possíveis. Em 105, o falante expressa possibilidades de eventos, e não eventos.

Toda a construção ocorre no “futuro”.

* se eles comessem aquele fruto (não comeram)

=> eles seriam iguais a Deus.

Embora contextualmente seja possível depreender o resultado dessa

expressão, linguisticamente o falante está lidando com hipóteses. Diferente da

condicional factual, que tem a condição da oração adverbial preenchida, e da

condicional potencial, que necessita que a condição da oração adverbial seja

preenchida pela nuclear, nas contrafactuais há uma condição na adverbial que,

embora precise ser preenchida, não será, uma vez que é o evento que apresenta

uma condição não ocorreu.

Todavia, assim como nas outras condicionais, as condicionais contrafactuais

também são capazes de expressar relações de causalidade por meio dos

resultados, consequências decorrentes das possibilidades. Por exemplo, o resultado

de comer o fruto é ficar igual a Deus. Em 106, a consequência por não ter entendido

nem vivido o mandamento é estar lá (na prisão).

106) ...hoje nós temos em todos o sistema prisional... ...nós temos uma igreja lá dentro...né? ...que é atendida SE-ma-nalmente... ...e quanta gente não estaria lá? ...se... se entendesse somente esse versículo...esse mandamento...né? ...então vou estudar com você sobre a lei de Deus...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

Em 105 a relação é entre eventos de EsCos, já em 106, a relação é entre

conhecimento e crenças, por isso nível epistêmico. Em 107, a relação é entre

argumentos, ou seja, eventos internos à situação de comunicação.

107) ...amar os pais...o quinto mandamento...né? ...para que te prolongues os dias na terra que o Senhor teu Deus te dá... ...um mandamento desse...se fosse vivido...se fosse praticado...né? ...quantas dificuldades...nós seríamos livrados... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

Neves (1999) expõe a relação entre argumentos, a qual ocorre no âmbito da

construção de significados e da representação das impressões particulares do

196

falante acerca da situação. Assim, embora os exemplos 106 e 107 pareçam

bastante similares, o exemplo 106 expressa questões de crença do falante “se

entendessem”, ao passo que em 107 não há marcas expressas de crenças, opiniões

etc. O falante apresenta como os eventos se relacionam sob a forma como ele

acredita – até porque a subjetividade de um usuário natural da língua se mostra de

diferentes maneiras – mas não atribui a isso questões de crença, entendimento,

como em 106.

De modo geral, tem-se que as contrafactuais em relação a sua construção

em diferentes camadas não se distanciam do já exposto em relação as outras

condicionais (factuais e potenciais). O que caracteriza uma condicional contrafactual

é a sua sinalização pela morfologia verbal (NEVES, 2016).

De modo geral, percebe-se que as condicionais podem ser construídas em

diferentes tipos semânticos, independente do subtipo em que se classificam.

Ressaltando que, conforme Neves (2016), “a realidade é um atributo de

estados de coisas enquanto a factualidade é um atributo de fatos possíveis”

(NEVES, 2016, p. 144 – destaque no original). Assim, as orações que relacionam

eventos (nível de conteúdo) se voltam para questões de realidade do evento

apresentado, e as que relacionam argumentos (epistêmicas e atos de fala)

expressam atributos de fatos possíveis. Sendo, portanto, as condicionais de

conteúdo mais verdadeiras – menos verdadeiras, e as epistêmicas e de atos de fala

mais possíveis – menos possíveis.

Acerca das conjunções, a conjunção se foi a conjunção condicional mais

encontrada, havendo apenas uma ocorrência com o conectivo caso e uma com

quando. Em relação ao posicionamento das orações adverbiais condicionais apenas

seis foram pospostas à oração nuclear.

Tabela 09: Síntese das conjunções e da posição das orações.

Posição da oração

adverbial

Adverbial Anteposta

Adverbial Posposta

Total

Conectivos

Se 34 (87,2%) 05 (12,8%) 39 (95,1%)

Caso 01(100%) - 01 (2,4%)

Quando - 01 (100%) 01 (2,4%)

TOTAL 35 (85,3%) 06 (14,6%) 41

(Fonte: autoria própria)

197

Como pode se observar na tabela nove (09), 95,1% das orações adverbiais

condicionais do corpus foram realizadas com a utilização da conjunção se. Em

relação à posição, 87,2% foram antepostas à oração nuclear. A partícula se, de

modo geral, pode ser apresentar funções sintáticas, semânticas e pragmáticas

diversas – partícula apassivadora, conjunção integrante, parte integrante do verbo,

partícula reflexiva etc., mas no uso das orações condicionais seu funcionamento se

torna mais restrito. Enquanto conjunção subordinativa condicional, a partícula se,

diferentemente do porque (que pode funcionar como marcador discursivo etc.),

apresenta um funcionamento mais limitado quantitativamente, embora

qualitativamente seja mais ampla em termos de funções. Suas funções, nesse

sentido, não se mostraram tão amplas como o conectivo causal porque, mas ainda

assim apresentam algumas características que cabem ser destacadas. Algumas

funções discursivas que podem ser atribuídas à conjunção se – e que, em alguns

momentos, se mescla com a função discursiva da própria oração condicional.

Em síntese, observaram-se as seguintes funções discursivas em relação às

ocorrências adverbiais condicionais do corpus:

1. Funções do conectivo se

a) Estabelecedor de relações hipotáticas factuais

...pra muitos...se você pega lá dicionário do Aurélio...por exemplo...

...a definição é de ser mal...é um discurso muito longo e chato...não é?

...até uma definição que tem é chamado de um ralho né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)

b) Estabelecedor de relações hipotáticas potenciais

.alguns pregam religião...equivocadamente...mas nós pregamos o evangelho...

...então...se você vir aqui...você será bem-vinda...

...aceitando O evan:gelho...aceitando a Jesus Cristo...

...e aceitando a cruz de Cristo... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

c) Estabelecedor de relações hipotáticas contrafactuais

...agora...se você me desse oportunidade...eu ia te mostrar...porque eu creio assim...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

198

d) Introdutor de parênteses

...porque...ah::...ahn...que que adianta eu falar...eu fazer uma excelente propaganda aqui da igreja...não é? ...eu to querendo trazer você pra igreja...isso é proselitismo...né? ...se eu ficar fazendo propaganda da igreja é fazer proselitismo... ...mas o foco não é esse...a questão...é muito mais que isso... ...tem a ver com a pessoa...tem a ver com a vida eterna dela...não é? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

e) Conclusivo

...mas...eh...é uma igreja que vale a pena...pelo menos ser conhecida...

...se não frequentada...pelo menos conhecida...

...fica a sugestão pra você... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)

f) Articulador tópico

...ho:mem nenhum pode fazer o convencimento de alguém vir a frequentar uma comunidade de fé... ...se eu fizesse isso com você...eu estaria fazendo pro-selitismo... ...e eu não fui chamado pra fazer...pro-selitismo... ...o que eu faço é e-vangelização... ...o que é evangelização? ...é falar pra você que Jesus Cristo veio a esse mundo e não estabeleceu uma religião... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

g) Sequenciador intratópico

...nós cremos na verdade do santuário...

...em outras palavras...se a gente fosse resumir...

...o velho testamento inteiro fala sobre o santuário terrestre...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

h) Mudança de orientação tópica

...quando houve a entrada do pecado...houve a quebra da amizade...do relacionamento entre eles e Deus... ...então...faltou um pouco de confiança...né? ...e qual é o método de evangelismo? ...se a gente entende que o pecado é a quebra do relacionamento da pessoa/que o ser humano tem com Deus...né?

199

...o método pra isso é a amizade...

...quer dizer...pra inimizade entre Deus e o ser humano...o pecado...a amizade é essa conexão novamente...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Adventista)

6.2.4. TOPICALIDADE, INFORMATIVIDADE, POSICIONAMENTO DA ORAÇÕES

Além das funções já apresentadas acerca das orações adverbiais

condicionais e da conjunção subordinativa se, as orações condicionais apresentam

ainda funções discursivas de tópico, subtópico e focalização.

Diferentemente da análise de tópicos e subtópicos observadas nas orações

adverbiais causais, a análise do tópico nas condicionais observa mais do que a

introdução temática e informação nova - dada. A análise da topicalidade,

informatividade e posicionamento das orações se constitui um pouco mais ampla

que a análise realizada nas orações adverbiais causais, inclusive pela complexidade

estrutural, semântica e pragmática que envolve as orações condicionais. A análise

que se pretende em relação a esses quesitos volta-se mais para o conceito da

propriedade tópica de centração (JUBRAN, 2006) e inclui questões sobre o relevo

informacional atribuído ao texto por meio da posição dos segmentos textuais, assim

como questões sobre a pontualização e a concernência (associativa, exemplificativa

etc.). Pode-se resumir esclarecendo que a análise tópica realizada na subseção das

análises das causais atentou para questões de organicidade tópica, ao passo que,

nesta seção, a análise de tópico discursivo recai sobre a característica de centração

e relevo informacional. Essa pequena ressalva sobre a questão da análise tópica

entre as adverbiais causais e as condicionais se relaciona com o posicionamento

mais prototípico de cada uma dessas construções. Nas adverbiais causais, como

visto, também podem ocorrer questões tópicas com características de centração e

relevo que se sobrepõem a características de inserir tópicos e articular a estrutura

tópica do texto, mas o que predominou nas análises do corpus foi a função de

inserção tópica como meio de organização estrutural e informacional do texto. Já no

caso das adverbiais condicionais, o que se destaca é o relevo dado à informação por

meio da anteposição das adverbiais, fato que é mais comum nas orações

condicionais do que nas orações adverbiais causais.

200

De um ponto de vista da organização da informação no texto, verifica-se que as orações condicionais antepostas, que são as mais frequentes, constituem, em geral, um ponto de apoio para referência, um tópico discursivo. Sendo assim, as orações condicionais formam uma espécie de moldura de referência em relação à qual a oração principal é factual, ou apropriada. Além disso, frequentemente nessas orações está uma informação que não é dita como nova (NEVES, 1999, p. 833 – grifo no original).

Visto isso, salienta-se que as condicionais antepostas a nuclear, funcionam

como um tópico discursivo que apresenta um determinado conteúdo linguístico em

um ponto específico do texto a respeito de um conjunto de referentes que são

concernentes entre si por meio de diferentes formas de integração e que

apresentam maior relevância para o falante.

108) ...eh...na religião católica... ...se você chegar lá e disser que Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos... ...eh...no::...espiritismo...se você quiser acreditar que Maria é virgem... ...ou se você quiser provar que Maria não é virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar... ...então...essas questões dogmáticas não fazem parte da doutrina espírita... ...o que faz parte da doutrina espirita é o avanço... ...tanto que Allan Kardec diz o seguinte... ...se um dia...a ciência comprovar que a doutrina espírita está errada... ...nós ficaremos com a ciência e deixaremos a doutrina espírita... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

Note que a concernência no seguinte trecho do exemplo 108 resulta em uma

exemplificação, embora não incorra em uma inserção parentética (como em alguns

casos das causais) – “...eh...na religião católica...se você chegar lá e disser que

Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos...”.

Nesse caso, é possível acreditar que nem toda exemplificação resulta em uma

inserção parentética, pois essa oração, embora possa ser considerada uma

explicação, ela está vinculada com o restante da porção textual, o que a

descaracteriza como inserção parentética.

Já no seguinte trecho do mesmo exemplo: “...eh...no::...espiritismo...se você

quiser acreditar que Maria é virgem...ou se você quiser provar que Maria não é

virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar...”, a

concernência da primeira e a segunda ocorrências são associativas entre si e

implicativas com sua relação de interdependência com a nuclear.

201

Em vista disso, observando o exemplo em sua completude, pode-se pensar

ainda que a concernência aqui opera para a centração tópica da “crença na

virgindade de Maria” por meio da estratégia discursiva de paráfrase paralela

(considerando a equivalência sintática e semântica entre o enunciado fonte e as

paráfrases). Fica evidente, nesse caso, como as estratégias de construção textual

cooperam para a elaboração do conteúdo proferido, agindo conjuntamente com

outros recursos linguísticos estruturais, sintáticos, auxiliando na construção da

coerência do texto, assim como auxilia o falante na questão de se fazer entender por

seu ouvinte.

Esse conteúdo tópico, ao ganhar relevo no texto, passa a adquirir a atenção

do ouvinte, o qual pode ou não aceitar o conteúdo apresentado. Observa-se nessa

questão mais um respaldo para a consideração de que a adverbial condicional,

funcionando como tópico discursivo, não se trata apenas de uma questão de tópico -

comentário ou tema - rema, note que a informação nas condicionais apresentam um

conteúdo pragmático semântico (o posicionamento do ouvinte em relação ao dogma

da igreja católica acerca da virgindade de Maria) e um mesmo conteúdo na oração

nuclear (embora um seja afirmado e o outro negado). Em outras palavras, ao falar

do dogma no espiritismo, a informação tanto da adverbial condicional quanto da

nuclear já é dada. Isso aponta para o fato de que a intenção do falante recai mais

sobre a ênfase do tópico do que sobre o acréscimo de informações.

No exemplo seguinte, no trecho sublinhado, a adverbial condicional está

posposta a nuclear. Note que o relevo informacional que o falante pretende se

concentra no conteúdo da apódase.

109) ...mas você reconhece que ele é o CRISto de Deus...segundo a tradição

judaico-cristã...que veio consertar a queda de Adão e Eva no Éden... ...e você entrega a sua vida a esse Jesus...recebe o evangelho de Jesus... ...vai lutar pelos ideais do reino de Deus e SE você quiser (risos) congregar aqui comigo...aqui na nossa comunidade de fé... ...e eu sou responsável por trinta e oito igrejas dentro de Maringá...essa é a central...né? ...então a gente é responsável por trinta e oito igrejas aqui... ...e cento e oito igrejas na região metropolitana de Curitiba... ...que eu sirvo essa comunidade como se fosse um bispo...né? ...eu sirvo...não sou bispo...eu sirvo a igreja nessa função... ...então...se você desejar...vir para nossa comunidade de fé...aí já é um segundo momento...

202

...mas...eu não prego a Assembleia de Deus...nem religião...eu prego Jesus Cristo e o evangelho que liberta... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

O exemplo 109, apesar de longo, é capaz de exemplificar de forma

transparente o relevo informacional e o tópico discursivo que é inserido pela oração

condicional quando esta é anteposta. Observando, as duas ocorrências

condicionais, é possível perceber a relevância, a ênfase, que é dada pelo informante

ao conteúdo da oração adverbial anteposta, a começar pela própria entoação, uma

vez que há um alçamento, uma intensificação sonora no conectivo se. Assim, o

falante insere o conteúdo textual ao qual deseja dar relevância – a possibilidade do

ouvinte congregar em sua comunidade, e, após uma inserção parentética, ele

retoma o tópico sob uma base condicional – ressalva-se que, nesse caso, a oração

condicional funciona também como meio de retomada tópica. A relevância da

prótese para o falante é tal, que é possível observar, por meio do contexto, que ele

fala de um “primeiro momento” em que o ouvinte realizaria algumas ações

(descrevendo-as), insere a hipótese de esse ouvinte ir congregar em sua

comunidade e encerra o tópico apenas apresentando como resultado da

eventualidade da adverbial condicional, o fato de o ouvinte ir para “um segundo

momento”, o qual não é por ele especificado, passando o falante então a retomar o

tópico anterior de seu texto, que era a pregação do evangelho e não de igrejas.

Ainda pensando na questão de tópico discursivo e de centração tópica,

houve uma ocorrência em que a prótase veio posposta e o relevo ocorreu fora da

posição de tópico discursivo, o que viabiliza uma interpretação de que tópico e

relevo informacional nem sempre estão atrelados – conceito apresentado por Neves

(1999, 2000) - e, ainda, as orações condicionais constituem-se um recurso para criar

o relevo informacional.

110) ...é que...alguns grupos evangélicos...eles tem falado sobre as bênçãos materiais... ...eles só tem falado sobre coisas na terra... ...que vai ser beneficiado...que se contribuir...que se você fizer isso...ou se você fizer aquilo... ...mas nós não alcançamos a salvação em fazendo alguma coisa para alcançá-la... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

203

Nesse caso, a construção condicional foi utilizada como uma inserção

parentética com foco no locutor e no interlocutor, considerando ainda o fato de que

“no limite entre essas duas classes, há parênteses que as interseccionam, porque

deixam transparecer simultaneamente a perspectiva do locutor e a que se

pressupõe ser a do interlocutor” (JUBRAN, 2006, p. 351). Assim, o falante

interrompe a continuidade tópica e insere um segmento que apresenta um conceito

que para ele é compartilhado entre os envolvidos no contexto da fala, sobre o que

seria o conteúdo “das coisas da terra” que alguns grupos evangélicos têm falado.

Essas observações realizadas nas hipotáticas condicionais, assim como nas

causais, servem para demonstrar não só o processo utilizado pelo falante, mas

como esse processo, associado ao conhecimento enciclopédico compartilhado entre

falante e ouvinte, auxilia na manutenção da coerência textual.

Assim, percebe-se que a informatividade e a topicalidade se correlacionam

diretamente com o posicionamento da oração condicional, possuindo a oração

condicional, portanto, a função discursiva de tópico – incluindo questões de relevo e

de centração tópica – intervindo na informatividade transmitida. Assim como, em

alguns casos, pode funcionar como meio retomada tópica58. Esse funcionamento

das adverbiais condicionais vai ao encontro de estudos linguísticos diversos, dos

quais se destaca Neves (1999, 2000 e 2016).

Ainda, no caso das orações adverbiais condicionais, a questão da

iconicidade entre os eventos e a posição das orações parece ficar mais marcada do

que no caso das adverbiais causais. Isso tendo em vista que nas orações causais os

eventos parecem ser verbalizados pelo falante com o fim de informar, explicar,

justificar etc. Diferente das condicionais, em que se percebe que existe uma

sequência linear dos acontecimentos e uma inversão da posição das orações

implicaria em uma inversão que passível de prejudicar a compreensão do ouvinte.

Em relação às orações adverbiais condicionais percebe-se uma

característica de apresentar os eventos como acontecimentos mais demonstrativos

que explicativos, por assim dizer, e, por vezes, apresentam questões de

58

Ressalta-se que, nesse contexto de retomada, diferentes formas de construção possuem esse funcionamento, o qual normalmente são iniciados por um marcador discursivo. O que ocorreu nesse caso, foi a retomada direta do conteúdo tópico, por meio da adverbial condicional, sem a utilização de um marcador discursivo.

204

performatividade. Por esse motivo, acredita-se que a iconicidade entre os eventos

das orações condicionais é mais recorrente. Iconicidade no sentido de apresentação

e sequenciação dos eventos, como em “...se você vir aqui...você será bem-vinda...”,

ou “se eles comessem aquele fruto...eles seriam iguais a Deus...”, e tantos outros

exemplos de condicionais que observam a sequência de eventos de modo icônico

em relação aos acontecimentos do mundo real. Isso também poderia ser uma

justificativa plausível sobre o porquê sequências condicionais em relação a uma

nuclear.

6.2.5. AS RELAÇÕES RETÓRICAS

O funcionamento das orações adverbiais condicionais pode ser verificado

por meio das relações que essas orações apresentam não apenas entre adverbial e

nuclear, mas também com as partes do texto com as quais se relacionam

diretamente.

As possibilidades de inferências entre uma condicional adverbial e sua

nuclear são bastante complexas. Considerando os critérios de factualidade,

potencialidade e contrafactualidade, assim como tempo e modo verbal, e os próprios

eventos, nem sempre é possível uma única e asseverativa determinação de uma

relação exclusivamente condicional. Sobretudo nos casos das factuais, que

conforme Neves (1999, 2000 e 2016), apresentam os eventos de forma mais

assertiva como consequências umas das outras. A autora afirma que uma oração

condicional factual “repousa sobre a realidade: o enunciado da prótase é

apresentado como real e, a partir daí, o enunciado da apódose é tido como uma

consequência necessária” (NEVES, 2016, p. 144). Acerca das condicionais

potenciais, tem-se que uma adverbial condicional é classificada como potencial

quando a adverbial “repousa sobre uma eventualidade” e a nuclear é tida como certo

– desde que a condição enunciada na adverbial seja satisfeita (NEVES, 2016, p.

148). Dessa forma, inferir relações acerca das adverbias em situações como as

expressas nos exemplos a seguir, se torna, de certa forma, relevantes e possíveis.

205

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 22: Definição das relações retóricas dos diagramas 09 e 10.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Resultado Em N+S: Causa no satélite e o resultado no núcleo (o resultado é mais importante).

Apresentar o núcleo como mais importante que o satélite.

Razão Em N+S: Satélite apresenta a razão, motivo para o evento nuclear realizado por um agente animado.

Apresentar uma razão em S para o N.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]

No entanto, considerar essas relações faz com que a condicionalidade

expressa pela conjunção subordinativa se – conjunção que expressa condição,

hipótese (BECHARA, 2010) – e a própria condição a ser preenchida no evento seja

desconsiderada. Assim, reconhece-se que as relações propostas em 09 e 10

perpassam pelos segmentos condicionais inseridos no texto. Isso torna a utilização

das construções condicionais ainda mais complexa e eficaz, uma vez que possibilita

ao ouvinte a realização de diferentes associações de relações e não apenas o

reconhecimento da relação de condição que está marcada pelo falante.

No entanto, tendo em vista o aspecto categórico da conjunção condicional

se, que relaciona duas orações de forma interdependentes, uma leitura correta e

mais plausível para essa porção textual seria como no diagrama 11.

Diagrama 09: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de resultado.

Diagrama 10: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de razão.

Razão

...você tem

que ser o

responsáve

l...pelo que

você faz....

...e aí...se

você não

tem

responsabil

idade com

Deus

nenhum

1-2

...e aí...se

você não

tem

responsabil

idade com

Deus

nenhum

Resultado

...você tem

que ser o

responsáve

l...pelo que

você faz....

1-2

206

Diagrama 11: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de condição.

O quadro a seguir apresenta a definição da relação em questão.

Quadro 23: Definição das relações retóricas do diagrama 11.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Condição

Em S: S apresenta uma situação hipotética, futura, ou não realizada. (relativamente ao contexto situacional de S). Em N+S: Realização de N depende da realização de S.

Ouvinte reconhece de que forma a realização de N depende da realização de S.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016)]

As relações entre os segmentos textuais, ou entre as orações, podem ser

observadas, de acordo com a RST, conforme a natureza dessas relações, que

podem ser de apresentação ou de conteúdo. De acordo com Mann & Thompson,

(2005-2006, on line) “as relações de conteúdo apresentam partes do tema do texto,

as relações de apresentação facilitam o processo de apresentação”. Com isso,

observa-se que as relações de apresentação parecem tender a atuar de uma forma

mais macro textual (são as relações de fundo, preparação, resumo, reformulação

etc.) relacionando porções maiores do texto, ao passo que as relações de conteúdo

parecem apontar para um funcionamento mais micro textual relacionando orações

(são as relações de causa, condição, comentário, interpretação etc.). Não se trata de

uma definição fechada, pois uma relação de apresentação como a reformulação, por

exemplo, pode ocorrer por meio de uma única oração, assim como uma relação de

conteúdo, como a avaliação, pode relacionar porções maiores. No caso das orações

condicionais, todas são relações de conteúdo que relacionam orações, assim como

no caso das orações causais, conforme o diagrama 12.

...e aí...se

você não

tem

responsabil

idade com

Deus

nenhum

Condição

...você tem

que ser o

responsáve

l...pelo que

você faz....

1-2

207

Diagrama 12: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de condição.

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 24: Definição das relações retóricas do diagrama 12.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Avaliação

Condições em N+S: S relaciona N com um grau de atitude que pode se apresentar por meio de uma escala avaliativa (entre muito bom - muito ruim) do falante face ao conteúdo de N.

Falante reconhece que S confirma N e reconhece o valor que lhe foi atribuído.

Sequência Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.

Ouvinte reconhece as relações de sucessão entre os núcleos

Condição

Em S: S apresenta uma situação hipotética, futura, ou não realizada. (relativamente ao contexto situacional de S). Em N+S: Realização de N depende da realização de S.

Ouvinte reconhece de que forma a realização de N depende da realização de S.

Elaboração

Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.

A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.

Causa

Condições em N+S: a situação apresentada no núcleo é a causa da situação apresentada no satélite. A causa, que é o núcleo, é a parte mais importante. O satélite representa o resultado da ação.

A intenção do Falante é enfatizar a causa expressa no núcleo e o resultado no satélite para o ouvinte.

Resultado Condições em N+S: Causa no satélite e o resultado no núcleo (o resultado é mais importante).

Apresentar o núcleo como mais importante que o satélite.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]

1-6

Sequência

...e se você

cometer

um erro

não tem

problema

5-6

Condição

Resultado

Sequência

..porque...a

s

vezes...voc

ê acreditar

2-3

Elaboração

que tudo

acontece

porque

Deus quer

que

aconteça

Causa

7-8

Avaliação

...se você

acredita

nisso..

.ah/ah...dá

a

impressão

que a sua

moral ?ca

um pouco

frouxa...

Condição

1-3

.que você

vai pro

céu..

...é só

você:...pedi

r perdão e..

4-6

1-8

208

No diagrama doze (12), entre a porção 2-3, há uma relação de conteúdo que

expressa causa entre núcleo a adverbial (satélite). Na porção de 4 a 6 a uma relação

de condição à qual o falante apresenta um resultado, mas a relação de condição

permanece apenas entre as orações, assim como nas porções 7-8. Assim como as

relações de conteúdo se mostram entre as orações nesse exemplo, há relações de

conteúdo estabelecidas entre as condicionais e nucleares em que o escopo textual é

maior.

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 25: Definição das relações retóricas do diagrama 13.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Contraste

Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.

Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a diferença(s) suscitada(s) pela comparação realizada.

Fundo

Condições em N: Ouvinte não compreende integralmente N antes de ler o texto de S. Condições em S: aumenta a capacidade do ouvinte compreender um elemento em N.

Aumentar a capacidade do ouvinte para compreender N.

Elaboração

Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.

A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.

Condição Em S: S apresenta uma situação hipotética, futura, ou não realizada. (relativamente ao contexto situacional de S).

Ouvinte reconhece de que forma a realização de N depende da realização de S.

1-6

2-6

..eles só

tem falado

sobre

coisas na

terra...

3-6

Elaboração

..que vai

ser

bene?ciad

4-6

Condição

5-6

Sequência

..ou se

você ?zer

aquilo..

Disjunção

..que se

você ?zer

isso

Disjunção

o..que se

contribuir

Sequência

..é

que..alguns

grupos

evangélico

s...eles tem

falado

sobre as

bênçãos

materiais..

Fundo

Contraste

..mas nós

não

alcançamo

s a

salvação

em fazendo

alguma

coisa para

alcançá-la...

Contraste

1-7

Diagrama 13: Análise retórica das orações adverbiais condicionais – relação de condição

209

Em N+S: Realização de N depende da realização de S.

Sequência Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.

Ouvinte reconhece as relações de sucessão entre os núcleos

Disjunção Um dos segmentos apresenta uma alternativa (não necessariamente exclusiva) à(s) outra(s).

Ouvinte reconhece que os elementos inter-relacionados constituem alternativas.

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]

Interessante na relação de condição apresentada no diagrama treze (13) é a

disjunção explícita, sendo a disjunção uma característica que já é interna, implícita à

oração condicional, conforme visto capítulo dois deste trabalho.

Como supracitado, a RST permite analisar a coerência textual por meio da

observação da nuclearidade das porções e das relações (de apresentação e de

conteúdo) entre os segmentos textuais. Dessa forma, é possível vislumbrar

diferentes estruturas textuais possíveis e constatar o papel desempenhado pelas

porções textuais.

Salienta-se ainda o fato de que nem todas as porções condicionais

ocorreram no mesmo nível hierárquico, o que indica para a possibilidade de que o

falante, ao verbalizar seu texto, apresenta algumas porções textuais como uma mais

relevante que a outra. Como na figura 23, em que se tem “você vai ser beneficiado

se contribuir” e o falante acrescenta mais dois segmentos condicionais disjuntos

“você vai ser beneficiado se contribuir – [ou] se fizer isso ou aquilo”. Os dois últimos

segmentos servem para reforçar o primeiro “se contribuir”. Diferente, por exemplo,

do exemplo no diagrama 12 “se você cometer algum erro não tem problema, é só

pedir perdão [...]”.

O funcionamento das orações subordinadas condicionais no corpus

analisado, embora com menos tipos de funções textuais que as causais, apresentou

construções com uma estruturação mais complexa em termos pragmáticos. Ainda

assim, apresentam um padrão que pode ser assim apresentado, em termos de

condicionalidade, relação retórica e causalidade.

210

Tabela 10: Os tipos de condicionais, as relações retóricas e as formas de explicitação do nexo causal.

Subtipos de orações

condicionais Relação retórica Quantidade Nexo causal

Factual Condição 11 O autor escolhe explicitá-lo.

Potencial Condição 14 Inerente ao enunciado.

Contrafactual Hipótese 16

O autor não apresenta interesse em explicitá-lo. O foco está em

salientar uma possibilidade causalmente relacionada.

(Fonte: autoria própria)

A condição apresentada como uma relação de causa entre eventos nas

orações factuais é entendida como opcional pelo falante, uma vez que ele opta por

amenizar a condicionalidade entre os eventos e ressaltar a causalidade que existe

entre eles, salientando, inclusive, as consequências e resultados de um evento. A

relação de condição nas orações condicionais potenciais, por sua vez, apresenta

tanto a condição quanto a causalidade como algo intrínseco ao que é falado, isso

porque os eventos se relacionam causalmente pela própria condição que a adverbial

necessita que a oração nuclear preencha. No caso das contrafactuais, o falante

parece demonstrar maior interesse nas hipóteses estabelecidas e não na

causalidade existente, por isso se situa em um campo mais abstrato em termos de

factualidade do que as condicionais factuais e potenciais.

Esse resultado aponta para o fato de que nas orações condicionais existe

um amplo espaço argumentativo a ser utilizado pelo falante, que pode relacionar a

causalidade dos eventos ou ações que envolvem o ouvinte (ou que ao menos são

comuns ao ouvinte) de diferentes maneiras, criando diferentes formas de orientação

em relação à informação que o falante está apresentando. Em outros termos,

poderia pensar ainda que, por meio das condicionais, o falante se expressa de modo

a orientar seu ouvinte, dando a ele a percepção de que a conclusão, efeito ou

resultado que pode advir de determinado fato, pode ser controlado pelo ouvinte,

dependendo da aceitação que ele realiza em acerca do conteúdo apresentado ao

ouvinte – dá ao ouvinte uma falsa impressão de controle sobre as conclusões

possíveis por meio das relações de condição e seus nexos de causalidade

apresentadas pelo falante, quando, na verdade, são orientações que são inerentes

ao enunciado. Mesmo assim, permite ao ouvinte a sensação de que ele “está no

controle e tem poder de escolher” – todavia, a escolha será feita mediante o

211

conteúdo factual, potencial ou contrafactual exposto pelo falante, que já traz implícita

um desfecho dos eventos em negativo ou positivo para o ouvinte.

Percebe-se ainda que a conjunção se, utilizada para estabelecer uma

hipótese acerca de determinado EsCo, interfere diretamente no que diz respeito à

interdependência semântica, pois essa interdependência é relacionada como uma

condição que se sobressai acerca de outras relações, de modo a assegurar uma

leitura condicional ou hipotética. Ainda, as relações de causa hipotetizada ou

também os nexos causais – que seriam essa relação de causa existente de modo

mais diluído na oração adverbial condicional - são possíveis de serem reconhecidos

ao se observar o contexto e o conhecimento de mundo que envolve os eventos

descritos nas expressões linguísticas e aparecem em todas as orações analisadas.

6.3. Orações adverbiais concessivas

Para análise das orações adverbiais concessivas utilizaram-se os mesmos

critérios das orações adverbiais condicionais: classificação das orações adverbiais

nos diferentes níveis de atuação lógico-semântica (níveis de conteúdo, epistêmico e

ato de fala), tipos de conjunções, tempo verbal, topicalidade, informatividade,

posição das orações adverbiais (posposta ou anteposta), relações retóricas e

subtipos das orações condicionais (factual, contrafactual e potencial).

6.3.1. DELIMITAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS ANALISADAS

O total de ocorrências de orações adverbiais concessivas encontradas no

corpus foram 10 (10).

Das orações analisadas, as relações entre as adverbiais concessivas com a

nuclear foram biunívocas – uma adverbial e uma nuclear.

111) ...eh:...bom só esclarecendo que nós não convencemos ninguém... ...apesar de o outro que não/não tem a mesma fé...e pensa que a gente faz proselitismo no sentido de convencer o outro a vir... ...a Bíblia é muito clara que quem convence é o Espírito Santo de Deus...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

212

*apesar de o outro que não tem a mesma fé e pensa que a gente faz proselitismo

=> nós não convencemos ninguém.

Não houve casos de mais de uma oração adverbial concessiva para uma

oração nuclear embora tenha havido uma ocorrência como em 112, o primeiro

segmento concessivo é sintagmático, e não predicativo.

112) ...as religiões ocidentais...aINda que...de forma muito atávica...ainda que buscando muitas vezes...os bens passage:iros...

...elas tem como fundamento...se/se aproximar da moral cristã... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

*as religiões ocidentais tem como fundamento se aproximar da moral cristã

=>*Ainda que de forma muito atávica... => *Ainda que buscando bens passageiros...

Não houve também casos em que uma oração adverbial se relacionasse com

mais de uma nuclear. Assim, foram analisadas sete (07) orações adverbiais

concessivas com relação biunívoca entre nuclear e adverbial.

6.3.2. TEMPO VERBAL, FACTUALIDADE, POTENCIALIDADE E

CONTRAFACTUALIDADE

Acerca do tempo verbal, quatro (57,1%) das sete orações adverbiais

concessivas apresentaram a combinação temporal entre oração adverbial e oração

nuclear com o presente do indicativo em ambas as orações.

113) ...eh:...bom só esclarecendo que nós não convencemos ninguém... ...apesar de o outro que não/não tem a mesma fé...e pensa que a gente faz proselitismo no sentido de convencer o outro a vir... ...a Bíblia é muito clara que quem convence é o Espírito Santo de Deus...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

114) ...em outras palavras...o homem não é só o corpo...e a alma...ele tem um espírito... ...todo ser deseja uma divindade... ...por mais até que você diga...até... ...eu sou uma ateia...um ateu...eu não creio em Deus... ...na realidade...até o fato de você ser ateu já é um/uma expressão de/já é uma opção religiosa...uma postura na sua vida... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)

213

A predominância do tempo verbal no presente do indicativo remonta aos

conceitos já apresentados sobre a assertividade do conteúdo expresso sob uma

modalização deôntica ou epistêmica (no caso das adverbiais concessivas,

prevaleceu uma modalização deôntica) em que o tempo presente mantém um

aspecto durativo e coincidem com os MR e o ME, mas o MR denota uma duração

maior que o ME. Acerca do funcionamento discursivo, tem-se que o mundo

comentado, o qual apresenta maior engajamento por parte do falante se mantém

sobre o tempo base (o presente). Nesse sentido, o tempo verbal das orações

adverbiais concessivas contribui para a argumentação na linguagem, realizando

uma argumentação intrínseca ao enunciado que se manifesta pelo tempo verbal.

6.3.3. NÍVEIS DE ATUAÇÃO LÓGICO-SEMÂNTICA, SUBTIPOS DAS ORAÇÕES,

CONECTIVOS, POSICIONAMENTO DAS ORAÇÕES, INFORMATIVIDADE E

TOPICALIDADE

Apesar das poucas ocorrências, pôde-se observar que domínio lógico-

semântico de conteúdo foi o mais recorrente, assim como o subtipo factual.

Tabela 11: ocorrência das orações adverbiais concessivas conforme subtipo e domínio semântico.

Domínio de conteúdo

Domínio Epistêmico

Domínio dos atos de fala

TOTAL

Subtipos

Factual 04 (57,1%) 01 (14,3%) 02 (28,6%) 07 (100%)

Potencial - -

Contrafactual - - - -

TOTAL 04 (57,1%) 01 (14,3%) 02 (28,6%) 07

Embora sobre uma quantidade pequena de ocorrências, salienta-se que

esse resultado se assemelha ao obtido por Neves (2016). A alta recorrência do

subtipo factual pode ser associada à predominância do tempo verbal no presente e

ao fato do conteúdo expresso nas orações apresentar uma factualidade, realidade

como asseverada pelo falante. Neves (1999, 2016) relata que há autores que

classificam as orações subordinadas concessivas apenas como factuais, e quando

elas apresentam uma eventualidade (no caso da concessiva potencial) denomina-as

de condicional-concessiva. Neste trabalho, optou-se por manter a distinção dos

subtipos propostos por Neves (1999).

214

Esse resultado aponta para o fato de que, na utilização das orações

concessivas, o que é posto pelo falante é uma afirmação negada acerca do

conteúdo da nuclear, mas que não o invalida – característica, inclusive, típica das

concessivas.

115) ...eh...eh...algumas igrejas são mais fechadas...são mais moralistas...são mais preconceituo:sas...né? ...e nós procura:mos...né? ...embora...assim...exista uma diferença entre o que é uma direção da igreja...da igreja... ...eh...eh...promove e o que os membros da comunidade ainda vivem...né? ...existe uma diferença...né? ...então...ah:...não quer dizer que todos os membros tenha essa abertura... ...mas que nós promove:mos essa abertura... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Luterana do Brasil)

No exemplo 115, o falante está desenvolvendo sua resposta sobre o motivo

que o levou a escolher a denominação na qual congrega como pastor. Assim, ele

relata o fato de que algumas igrejas são mais moralistas e preconceituosas, e por

meio da oração adverbial concessiva ele insere um adendo para esclarecer que há

uma diferença entre o que pensa e faz a liderança da igreja e o que pensa e faz um

membro em relação à abertura de conduta que a igreja proporciona. Essa porção

textual poderia ser assim retextualizada, a fim de melhor compreender seu

conteúdo, uma vez que essa porção é reformulada e interrompida várias vezes:

“algumas igrejas são mais fechadas, mais moralistas [...] e, embora exista uma

diferença entre o que a direção da igreja promove e que os membros da igreja ainda

vivem, nós procuramos promover uma abertura, mas isso não quer dizer que todos

os membros tenham essa abertura”. Note que o uso dessa concessiva apresenta

uma informação que pode ser considerada como uma inserção parentética. Essa

consideração atenua, nesse caso, o que Neves (2016) expõe sobre a

concessividade, em que “o que ocorre mais evidentemente é a negação explícita de

uma relação usualmente reconhecida entre duas orações” (NEVES, 2016, p. 154) e

não uma concessividade do ouvinte em relação ao que é dito pelo falante. Não há

uma negação entre o conteúdo das orações, mas um acréscimo de informação.

Característica normalmente usual nas concessivas pospostas, que funcionam como

adendo – todavia, observando a retextualização realizada, a concessiva poderia ser

apresentada no final sem atrapalhar o sentido global do texto, apenas mudando a

função dessa oração (de parênteses para adendo).

215

Essa negação a qual Neves (2016) se refere pode ser vista em 116.

116) ...mas ele vai fazer você sentir pa:z...certe:za...confia:nça e desejo de prosseguir... ...mesmo quando você não vê exatamente o fim do túnel... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)

Note que, nesse exemplo, é posta uma questão que se relaciona entre as

orações – o fato de sentir certeza, confiança e desejo de prosseguir ao ver a “luz no

fim do túnel”, a solução. Por meio da concessiva e da polaridade oracional, o falante

reforça o conteúdo da nuclear, apresentando a negação de um fato que não irá

invalidar o fato da oração nuclear. A concessiva, aqui, é posposta e funciona como

adendo, inserindo uma informação que apresenta uma ideia que realiza uma quebra

de expectativa em relação ao conteúdo da nuclear, mas que, ao mesmo tempo, não

o invalida.

Acerca do posicionamento e das conjunções encontradas, obteve-se a

seguinte tabela.

Tabela 12: Síntese das conjunções e da posição das orações adverbiais concessivas.

Posição da oração

adverbial

Adverbial Anteposta

Adverbial Posposta

Total

Embora - 01 (100%) 01 (14,3%)

Conectivos

Apesar de - 01 (100%) 01 (14,3%)

Ainda que 01 (100%) - 01 (14,3%)

Por mais que 01 (100%) - 01 (14,3%)

Se bem que 01 (100%) - 01 (14,3%)

Por melhor que

- 01 (100%) 01 (14,3%)

Mesmo quando

- 01 (100%) 01 (14,3%)

TOTAL 04 (57,1%) 03 (42,9%) 07

(Fonte: autoria própria)

O posicionamento das orações adverbiais concessivas se relaciona

diretamente com a função discursiva e também com a argumentação das orações.

Neves (1999, 2000, 2016) salienta que, quando uma oração concessiva vem

posposta a oração nuclear, ela funciona como um adendo e, quando anteposta,

como um contra-argumento. Assim, em uma oração concessiva anteposta, o falante

antecipa um possível argumento contrário ao que está apresentando, mostrando

216

para o ouvinte que tem conhecimento das outras possibilidades, mas ainda assim

optou pelo conteúdo nuclear. Em casos como em 117, o falante acrescenta uma

informação contrastiva de modo a reforçar seu posicionamento por meio de uma

informação nova.

117) ...e ouvi muitos escândalos...e isso me...e isso...assim...me marcou muito...na época...né? ...na minha cidadezinha...lá em Santa Catarina... ...aconteceu de três padres serem enviados lá pra paróquia e ficarem um...dois anos...e terem problema com casos com mulheres casadas...né? ...essas coisas me assustaram muito... ...e...eh...também assim...o fato de/de a mulher não poder exercer ministério... ...ah...ah...houve casais que se separaram e não podiam mais...não eram mais aceitos na eucaristia... ...essas coisas assim...foram me questionando... ...eh...o próprio...o próprio...autoridade...eh...demasiada...assim da...da/de uma pessoa... de/de um líder...né? ... no caso...o Papa...né? ...se bem que esse Papa agora...Francisco...é uma bênção...é muito diferente...né? ...mas...na época...tudo isso foi pesan:do...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Luterana do Brasil)

Em 117, a adverbial concessiva é posposta a sua nuclear, considerando que

a nuclear é a oração em que o falante discorre sobre a autoridade demasiada de um

líder, no caso, o Papa. Por meio da oração concessiva, o falante acrescenta uma

informação, uma ressalva em relação ao atual Papa, que entra em contraste com a

afirmação feita ao Papa anterior. Assim, essa inserção textual acrescenta um

conteúdo que se mostra contrário ao conteúdo da oração nuclear e insere

informações novas. Há casos em que o adendo realizado pela condicional insere

uma informação nova, e, para além de estabelecer certo contraste entre o conteúdo

das orações, a oração concessiva também reitera a oração da nuclear, como no

exemplo seguinte.

118) ...eh:...bom só esclarecendo que nós não convencemos ninguém... ...apesar de o outro que não/não tem a mesma fé...e pensa que a gente faz proselitismo no sentido de convencer o outro a vir... ...a Bíblia é muito clara que quem convence é o Espírito Santo de Deus...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Independente)

Na oração nuclear, o falante começa a desenvolver seu texto e seus

argumentos de forma a atender a solicitação do entrevistador - que ele o convença a

ir para usa igreja. Assim, o falante primeiramente esclarece que não convence

217

ninguém (a ir à igreja) e, por meio da oração concessiva, realiza um adendo que

reitera o que disse. Note que na sequencia textual, o falante reafirma que

convencimento não vem dele, mas para isso realiza uma reformulação,

reestruturação linguística.

Quando anteposta, a oração concessiva funciona como um contra-argumento.

119) ...em outras palavras...o homem não é só o corpo...e a alma...ele tem um espírito... ...todo ser deseja uma divindade... ...por mais até que você diga...até... ...eu sou uma ateia...um ateu...eu não creio em Deus... ...na realidade...até o fato de você ser ateu já é um/uma expressão de/já é uma opção religiosa...uma postura na sua vida... ...você precisa de Deus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)

Assim, anteposta, a oração concessiva demonstra que o falante antecipa uma

possível argumentação ou crença do ouvinte, desconstruindo-a na oração nuclear.

Ressaltando que o conteúdo das duas orações não invalida uma à outra.

Ressalta-se que Garcia & Fante (2016) consideram que as orações adverbiais

concessivas factuais veiculam informações já compartilhadas pelo falante. Nesse

sentido, Neves (1999) explica que essa informação compartilhada é o que permite

que a hipótese de objeção que é expressa na concessiva seja identificada. Dessa

forma, nas orações concessivas, pressupõe-se que a informação seja dada, ou

ainda, que seja nova – as factuais, conforme Garcia & Fante (2016) podem veicular

tanto tema, quanto o rema, ao contrário das contrafactuais (que não apareceram no

corpus) que tendem a veicular apenas informação nova. Observando, então,

questões sobre informação nova e informação dada, nota-se que se relacionam

diretamente com a posição - quando anteposta, veicula informação compartilhada, e,

quando posposta, informação nova. Essas informações se confirmam na análise.

Tabela 13: Informatividade da posição das orações adverbiais concessivas.

Posição da oração

adverbial

Adverbial Anteposta

Adverbial Posposta

Total

Informação nova (tema)

- 03 (100%) 03 (42,9%)

Informatividade Informação dada (rema)

04 (100%) - 04 (57,1%)

TOTAL 04 (57,1%) 03 (42,9%) 07

218

Desse modo, conforme Neves (2016), essas orações são extremamente

argumentativas, isso porque as orações concessivas “juntam eventos que

contrariam a expectativa acerca do funcionamento normal do mundo. Mas não

instauram contrastes entre “mundos”, pois requerem o compartilhamento de

conhecimentos” (NEVES, 2016, p. 155). As orações concessivas se mostram

altamente pragmáticas e argumentativas. De acordo com neves (1999) as orações

concessivas também apresentam a capacidade de focalização, e, apesar de terem

uma capacidade informativa e argumentativa eficaz, não funcionam como tópico

textual. Salienta-se, todavia, que em casos como o 119 e 120, adquirem, juntamente

com o funcionamento discursivo pragmático e argumentativo, uma função de

orientação ou articulador de tópico, facilitando a transição tópica do texto.

6.3.4. AS RELAÇÕES RETÓRICAS

Entre as relações retóricas propostas por Mann & Thompson (2005-2016),

que apresentavam as relações de causa e condição, apresentam também a relação

de concessão. A diferença entre essas relações (de causa e condição) e a de

concessão é que a relação de concessão é uma relação de apresentação e não de

conteúdo. O que ocorre é que as relações de apresentação visam agir sobre o

ouvinte de modo aumentar sua aceitação acerca do conteúdo do núcleo e as

relações de conteúdo visam auxiliar o ouvinte no reconhecimento das relações

existentes. Consequentemente, esse critério, associado a outros, como o papel

estrutural dos elementos nos textos, gera diferentes níveis hierárquicos das porções

textuais.

Todas as relações retóricas encontradas nas orações adverbiais

concessivas foram de concessão. Na sequência, ver-se-á a estruturas dessas

relações.

219

Diagrama 14: Análise retórica das orações adverbiais concessivas – relação de concessão.

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 26: Definição das relações retóricas do diagrama 14.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Fundo

Condições em N: Ouvinte não compreende integralmente N antes de ler o texto de S. Condições em S: aumenta a capacidade de o ouvinte compreender um elemento em N.

Aumentar a capacidade do ouvinte para compreender N.

Contraste

Nunca mais de dois núcleos; as situações nestes dois núcleos são (a) compreendidas como sendo as mesmas em vários aspectos (b) compreendidas como sendo diferentes em alguns aspectos, e (c) comparadas em termos de uma ou mais destas diferenças.

Ouvinte reconhecer a possibilidade de comparação e a (s) diferença (s) suscitadas pela comparação realizada.

Concessão

Condições em N+S: a situação indicada no N é contrária ao esperado, considerando as informações apresentadas no satélite. Uma relação de concessão é sempre caracterizada Pela quebra de uma expectativa (CARLSON & MARCU, 2001). Condições em N+S: o falante reconhece uma potencial ou aparente incompatibilidade entre N e S, reconhecer a compatibilidade entre N e S aumenta a atitude positiva do ouvinte face a N (MANN & THOMPSON, 2005-2016).

A atitude positiva do ouvinte aumenta em relação ao conteúdo nuclear.

Disjunção

Um dos segmentos apresenta uma alternativa (não necessariamente exclusiva) a(s) outra(s).

Ouvinte reconhece que os elementos inter-relacionados constituem alternativas.

Elaboração

Condições em N+S: a compreensão da informação no satélite aumenta a capacidade potencial do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N.

A capacidade do Ouvinte para compreender o fato, a ação em N aumenta.

Sequência Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.

Ouvinte reconhece as relações de sucessão entre os núcleos

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]

2-7

Contraste

5-7

Elaboração

..con?a:nça

Sequência

e desejo de

prosseguir..

SequênciaSequência

..mesmo

quando

você não

exatamente

o ?m do

túnel..

Concessão

2-3

Contraste

..ou sair

gritando

por aí..

Disjunção

..ele não

vai fazer

você fazer

algo

mirabolante

.

Disjunção

..essa é a

maneira

que Deus

tem pra se

comunicar

com a

gente...

Fundo

..certe:za

..mas ele

vai fazer

você sentir

pa:z

4-7

1-7

220

Na porção textual 7 (diagrama 14), o conteúdo da adverbial – “mesmo quando

você não vê a luz no fim do túnel” realiza uma quebra de expectativa em relação ao

conteúdo do núcleo, expresso nas porções de 4 a 6 – “ele vai fazer você sentir paz,

confiança etc”. Essa quebra é no sentido de que, o falante declara que Jesus vai

fazer o ouvinte vivenciar “coisas boas” (situação positiva) mesmo quando ele não vir

a luz no fim do túnel (situação negativa). Todavia, a situação negativa apresentada

pela adverbial concessiva aumenta a atitude positiva do ouvinte em relação ao

conteúdo nuclear, pois mesmo diante de uma situação negativa, a informação em

relevo é a de que a situação positiva, expressa na nuclear, prevalecerá.

O quadro a seguir apresenta a definição das relações em questão.

Quadro 27: Definição das relações retóricas do diagrama 15.

Relação Definição das relações Intenção do falante

Concessão

Condições em N+S: a situação indicada no N é contrária a esperado, considerando as informações apresentadas no satélite. Uma relação de concessão é sempre caracterizada Pela quebra de uma expectativa (CARLSON & MARCU, 2001). Condições em N+S: o falante reconhece uma potencial ou aparente incompatibilidade entre N e S, reconhecer a compatibilidade entre N e S aumenta a atitude positiva do ouvinte face a N (MANN & THOMPSON, 2005-2016).

A atitude positiva do ouvinte aumenta em relação ao conteúdo nuclear.

Conclusão

Condições em N+S: S apresenta uma declaração final (juízo, inferência, decisão final) do falante em relação ao N.

Ouvinte reconhecer a inferência, decisão, juízo realizado pelo falante sobre o conteúdo de N.

Sequência Existe uma relação de sucessão entre as situações apresentadas nos núcleos.

Ouvinte reconhece as relações de sucessão entre os núcleos

[Fonte: Mann & Thompson (2005-2016); Carlson & Marcu (2001)]

..eh:...bom

esclarecen

do que nós

não

convencem

os

ninguém..

2-4

Concessão

2-3

..apesar de

o outro que

não/não

tem a

mesma fé.

Sequência

.e pensa

que a

gente faz

proselitismo

no sentido

de

convencer

o outro a

vir...

Sequência

Conclusão

..a Bíblia é

muito clara

que quem

convence é

o Espírito

Santo de

Deus..né?

1-4

Diagrama 15: Análise retórica das orações adverbiais concessivas – relação de concessão.

221

O contraste entre as ideias da oração nuclear e da adverbial se marca pela

conjunção concessiva e reside nos conceitos: (i) nós (falante) não convencemos

ninguém (a seguir a Cristo) e (ii) eles (outras pessoas) que pensam que ele (falante)

convence pessoas (a irem à igreja). Note que não há uma quebra de expectativa,

mas conceitos contrastantes.

A maioria das relações serem de concessão aponta para o fato de que o

falante, ao argumentar acerca de suas crenças religiosas por meio das orações

concessivas, opta pela quebra de expectativa – critério que, reconhecidamente,

tende a produzir um efeito comunicativo que visa obter maior atenção do ouvinte por

meio das expectativas. Em termos de intenção do falante em relação ao ouvinte,

ambas as relações visam aumentar a atitude positiva do ouvinte em relação ao

conteúdo nuclear, ou seja, visam a aceitação do ouvinte em relação ao conteúdo do

núcleo. Do ponto de visto linguístico-argumentativo, acredita-se que a quebra da

expectativa possibilita o falante a fazer com que o ouvinte reformule a informação,

adequando-a ao conteúdo nuclear, tornando, portanto, o conteúdo do núcleo como

mais expressivo e saliente.

6.4. O funcionamento argumentativo

Até o momento foi demonstrado o funcionamento sintático, lógico-semântico,

pragmático e textual-discursivo das orações adverbiais condicionais, causais e

concessivas, assim como de alguns dos elementos linguístico lexicais que as

compõem (verbo e conjunção). Cabe, no entanto, conforme a proposta inicial deste

trabalho, uma breve consideração sobre como esse funcionamento se relaciona com

a argumentação.

6.4.1. A ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA

Conforme apresentado no capítulo cinco deste trabalho, a argumentação na

língua não consiste na tentativa de convencimento ou persuasão, mas em uma

orientação por meio das construções linguísticas. Essa orientação tem como

finalidade sustentar o posicionamento do falante e orientar o ouvinte a compartilhá-lo

(ASCOMBRE & DUCROT, 1988; GUIMARÃES, 2013). Assim, os diferentes

222

conectivos e construções realizadas pelo falante, nas orações analisadas, cumprem

essa função argumentativa.

Guimarães (2007) explica que, apesar do consenso existente na afirmativa

de que as conjunções servem para ligar orações, essa classe de palavras apresenta

muitas outras funções nas construções em que aparecem, funções essas muito mais

significativas, inclusive, do que a junção oracional. Vogt (2015, p. 44) afirma, por

exemplo, que as conjunções pois e porque “são utilizadas na organização do

raciocínio, na medida em que marcam a existência de um elo necessário entre uma

proposição e outra proposição”, mas que essas conjunções não marcam esses elos

da mesma maneira. Concernentes a essa afirmação são também as análises

realizadas acerca das orações adverbiais causais no capítulo seis deste trabalho.

Para Vogt (2015), “a operação que estas conjunções realizam é uma operação

argumentativa [...], sua função é relacionar dois enunciados de tal forma que,

produzindo um terceiro, jamais se perca a individualidade de cada um” (VOGT,

2015, p. 58). Observe o seguinte exemplo com pois e porque.

120) ...então...o que eu quero dizer pra você... ...o senhor Jesus ele disse através lá do Evangelho de São João:... ...“examinai as escrituras...cuidais ter nelas a vida eterna...pois elas de mim testificam”... ...entã:o...veja você... ...é preciso que a pesso:a venha procurar essa inclinação... ...como profissionalmente...humanamente...cada um procura se inclinar aquilo em que acha interessante... ... ah...vou fazer um curso de medicina...vou fazer um curso...na área da educação... ...vou fazer um/um curso...eh/eh:...eh...de qualquer área...de saúde...de educação...afinal...eh...porque? ...porque se sente atraído por alguma coisa que lhe chama atenção... ...da mesma sorte...a pessoa também deve se sentir na vida espiritual... ...não...eu vou procurar um caminho... ...não posso ficar aqui sem ter aonde eu celebrar a Deus...sem ter... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Congregação Cristã)

Neste exemplo em questão, a primeira ocorrência causal com a conjunção

pois visa uma orientação do ouvinte acerca do conteúdo do enunciado anterior, de

modo que ele conclua que examinar as escrituras é importante. Essa orientação é

realizada pela explicação existente na construção causal que o falante realiza para

explicar o motivo dessa necessidade. Já na segunda ocorrência, que apresenta o

conectivo porque, o falante relaciona as orações como causais, de modo a explicar

223

uma ação realizada – ação que ele considera como senso comum compartilhado

entre falante e o ouvinte. Nesse caso, a oração causal funciona como base para

justificar, explicar tanto a porção anterior quanto a posterior do texto, em que o

falante realiza uma comparação entre duas situações – uma acadêmica e outra

religiosa. Assim, a oração causal serve não apenas para articular tópico ou para

estabelecer causalidade entre eventos, organizar o fluxo informacional etc., a oração

causal possui também a função de sustentar o posicionamento do falante.

Para Vogt (2015), sob essa perspectiva, essas conjunções constituem-se em

operadores argumentativos. Koch (2003, 2013 e 2016), entre outros, aplica esse

conceito de operadores argumentativos a todas as conjunções subordinativas das

orações adverbiais. Destaca-se que há dois tipos de operadores linguísticos: os

argumentativos e os lógicos semânticos. De acordo com Freitas (2006), os

operadores lógico-semânticos relacionam o conteúdo de duas proposições e

estabelecem relações lógicas de conjunção, disjunção etc. Já os operadores

argumentativos, mais do que relacionar o conteúdo de duas proposições, introduzem

comprovações, argumentos, ou ainda “evidenciam as intenções dos enunciados de

convencer e/ou persuadir, estabelecem relações também denominadas pragmáticas,

retóricas ou ideológicas, discursivas ou argumentativas” (FREITAS, 2006, p. 1.501).

Destaca-se, portanto, que as conjunções subordinativas encontradas no

corpus, referentes às orações causais, condicionais e concessivas, recebem ambas

as classificações, pois atuam tanto de maneira lógico-semântica (estabelecendo as

relações de interdependência entre as orações adverbiais de causa, condição e

concessão) quanto argumentativa (estabelecendo relações pragmáticas e textuais-

discursivas) (KOCH, 2003, 2016). Esses critérios também podem ser verificados em

conformidade com as análises já realizadas acerca das orações causais,

condicionais e concessivas.

Pensando, ainda, na argumentação, chama-se a atenção para o exposto no

item 4.1 do presente trabalho, acerca dos segmentos normativos e transgressivos

(CABRAL, 2011). Cabral (2011) afirma, com base em Ducrot (2001), que os

aspectos normativos e transgressivos “constituem as duas formas que podem

assumir a conexão (CON) de dois segmentos num encadeamento argumentativo”

(CABRAL, 2011, p. 120 – grifo no original).

224

Assim, como segmentos normativos encontrados no escopo de análise deste

trabalho têm-se as orações adverbiais causais, e como segmentos transgressivos as

concessivas. Considerando para essa classificação o escopo da negação que existe

no segmento transgressivo e o escopo da asserção que existe no segmento

normativo. Esses segmentos orientam para conclusões diferenciadas. No caso das

adverbiais causais, que se enquadram no segmento normativo, o peso semântico

das orações é equiparável, conduzindo a ouvinte a uma orientação motivada pelo

conteúdo das duas orações.

121) ...acontece que...não há ne-nhum tipo de/de lógica nesse raciocínio... ...porque a comunicação é inerente a todo e qualquer espírito e nós...como eu disse antes...somos espíritos encarnados e comunicamos... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

Já no segmento transgressivo, inverte-se a orientação argumentativa, e a

orientação do ouvinte é realizada por meio da preferência ou até da

desconsideração do conteúdo de uma das orações, no caso, a adverbial concessiva.

122) ...mas ele vai fazer você sentir pa:z...certe:za...confia:nça e desejo de prosseguir... ...mesmo quando você não vê exatamente o fim do túnel... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana Renovada)

123) ...eh...o próprio...o próprio...autoridade...eh...demasiada...assim da...da/de uma pessoa... de/de um líder...né? ... no caso...o Papa...né? ...se bem que esse Papa agora...Francisco...é uma bênção...é muito diferente...né? ...mas...na época...tudo isso foi pesa:ndo...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Luterana do Brasil)

No exemplo 122, o ouvinte é orientado a aceitar o conteúdo da adverbial,

dando-lhe preferência, mas não descartando o conteúdo da nuclear. Já no exemplo

seguinte (123), o ouvinte é orientado a desconsiderar o conteúdo da adverbial e

aceitar o conteúdo da nuclear – ou seja, o falante coloca em foco a negatividade que

ele considera haver no fato da autoridade papal e, em seguida, orienta seu ouvinte

para o fato de que, com o novo Papa, essa questão da autoridade já não o

incomoda tanto, fazendo com que o conteúdo anterior seja – ou possa ser –

desconsiderado pelo ouvinte.

225

As adverbiais condicionais situam-se nos dois segmentos (normativos e

transgressivos), uma vez que a condicionalidade pode ser expressa pelo falante

tanto no segmento normativo – no caso das condicionais factuais, por exemplo,

quanto no segmento transgressivo. Neves (2016), a respeito das orações

condicionais e concessivas, esclarece que

para cada concessiva é possível construir um condicional-concessiva que tenha aproximadamente o mesmo sentido [...]. A relação e a diferença entre as concessivas e as condicionais se evidenciam no fato de que as concessivas – que são constrastivas – expressam um curso inesperado dos eventos, enquanto o curso esperado poderia ser codificado por uma oração condicional com negação na apódose (NEVES, 2016, p. 155).

Sob a perspectiva da orientação argumentativa, portanto, a argumentação

parece ocorrer por meio das conjunções subordinativas - que funcionam como

operadores lógicos semânticos e operadores argumentativos. Do mesmo modo, a

argumentação parece ocorrer também por meio da interdependência normativa ou

transgressiva que essas orações, por meio da relação que os operadores realizam e

também por intermédio do léxico que compõe essas orações.

Em termos da orientação argumentativa realizada pelo encadeamento

linguístico, não parece viável definir numericamente qual “tipo de orientação” mais

ocorreu, ou, ainda, realizar uma análise que englobe outros operadores

argumentativos que não as conjunções das próprias orações em análise, visto que

as análises propostas neste trabalho se restringem às predicações complexas de

causa, condição e concessão. Mas é relevante expor que construções do segmento

normativo prevaleceram na elaboração e encadeamento textual - o que denota

maior convicção do falante devido à assertividade e a conclusão mais asseverativa

presente neste segmento. Também acredita-se que há maior transparência

informativa na orientação do falante, uma vez que as construções causais (e

algumas condicionais classificadas no segmento normativo) apresentam uma

informação mais assertiva, bastando ao ouvinte aceitar ou não. Diferente das

condicionais que se enquadram no segmento transgressivo, em que o ouvinte é

inserido em um universo de possibilidades, e das concessivas, em que os

argumentos são invertidos.

226

Ainda, considerando o fato de o corpus ser composto por textos que se

constituem em um discurso religioso, é possível a consideração do topoi dos

enunciados como um ponto predominante na construção e no encadeamento

textual-discursivo. Essa consideração baseia-se nas informações do corpus e se

apoia na fala de Plantin (2008), qual seja, que os topoi

são sempre caracterizados por sua plausibilidade inerente, que é transmitida aos discursos nos quais eles entram, seja o topos expressamente citado, faça-se apenas uma alusão a ele, ou ainda constitua ele o esquema profundo de conferir coerência ao discurso (PLANTIN, 2008, p. 57).

Assim, o conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte acerca da

religiosidade e do cristianismo ocidental se tornam, de modo amplo, uma forma de

conceituação do topos do corpus. Dessa forma, a verificação da argumentação na

língua em relação às orações propostas para análise neste trabalho se limita a expor

que essas orações possibilitam orientações argumentativas ancoradas em sua

composição linguística, e, do mesmo modo, contribuem para a coerência textual e

argumentação. O funcionamento textual-argumentativo dessas orações ancora-se,

portanto, não apenas na própria expressão linguística e formulação textual, mas

também no conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte e no próprio

contexto interacional do evento comunicativo.

6.4.2. A ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO

Todo o funcionamento do sistema interno da língua se mostra no uso.

Pensando no funcionamento linguístico já descrito, propõe-se uma análise do uso

dos segmentos linguísticos analisados até o momento – as orações adverbiais

causais, as condicionais, as concessivas e as formas de argumentação presentes na

língua por meio das orientações semânticas – atuando conjuntamente no nível

textual-discursivo. Esse funcionamento “conjunto”, por assim dizer, resulta em

argumentos retóricos com base nos raciocínios preferíveis, lógicos ou quase lógicos,

que se realizam por meio dos argumentos que se mostram na elaboração linguística

(ABREU, 2009). Esses argumentos se concretizam por meio de argumentos que se

classificam em quase lógico, baseados na estrutura do real, ou, que fundam a

estrutura do real (GRÁCIO, 2016; PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2005).

227

A argumentação no discurso diferencia-se da argumentação da língua pela

sua intenção de persuasão e convencimento (FIORIN, 2016; ABREU, 2009;

PLANTIN, 2008), não se limitando, portanto, à verificação das orientações

semânticas que os elementos linguísticos realizam. Para melhor demonstração, tem-

se o exemplo 124.

124) ...então...o que eu quero dizer pra você... ...o senhor Jesus ele disse através lá do Evangelho de São João:... ...“examinai as escrituras...cuidais ter nelas a vida eterna...pois elas de mim testificam”... ...entã:o...veja você... ...é preciso que a pesso:a venha procurar essa inclinação... ...como profissionalmente...humanamente...cada um procura se inclinar aquilo em que acha interessante... ... ah...vou fazer um curso de medicina...vou fazer um curso...na área da educação... ...vou fazer um/um curso...eh/eh:...eh...de qualquer área...de saúde...de educação...afinal...eh...por que? ...porque se sente atraído por alguma coisa que lhe chama atenção... ...da mesma sorte...a pessoa também deve se sentir na vida espiritual... ...não...eu vou procurar um caminho... ...não posso ficar aqui sem ter aonde eu celebrar a Deus...sem ter... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Congregação Cristã)

Nesse exemplo em questão, nota-se uma argumentação que visa ao

convencimento do ouvinte em relação à crença do falante. A princípio, o argumento

que fica saliente é o da analogia, argumento apresentado por Perelman & Olbrechts-

Tyteca (2005) como um argumento que fundamenta a estrutura do real. Essa

inferência é possível, sobretudo, pelos elementos em sublinhados. O que interessa

para este trabalho, todavia, é o papel, a função de argumento que as orações

condicionais, causais e concessivas exercem. Assim, embora todo esse trecho

textual possa ser considerado um texto argumentativo que realiza sua argumentação

em relação ao ouvinte por meio de uma analogia, percebe-se, no interior desse

argumento, um funcionamento linguístico que pode ser considerado “intra-

argumento”, realizado pela oração causal (pois se trata de um argumento que se

realiza em uma escala menor dentro de outro argumento).

O segmento causal no interior do argumento por analogia funciona como um

argumento de causalidade e sucessão. O argumento de causalidade e sucessão,

conforme Fiorin (2016) relaciona fatos antecedentes e consequentes, atribuindo a

ambos uma relação causal. Dessa forma, em “...porque se sente atraído por alguma

228

coisa que lhe chama atenção...”, há um segmento que se torna a causa, motivo

tanto para o conteúdo antecedente (o motivo em realizar um curso acadêmico)

quanto para o conteúdo procedente (o motivo para se inclinar às coisas de Deus). O

mesmo trecho, com a porção em que a oração causal e sua nuclear são retirados,

continua constituindo um argumento por analogia.

125) ...então...o que eu quero dizer pra você... ...o senhor Jesus ele disse através lá do Evangelho de São João:... ...“examinai as escrituras...cuidais ter nelas a vida eterna...pois elas de mim testificam”... ...entã:o...veja você... ...é preciso que a pesso:a venha procurar essa inclinação... ...como profissionalmente...humanamente...cada um procura se inclinar aquilo em que acha interessante... ... ah...vou fazer um curso de medicina...vou fazer um curso...na área da educação... ø ...da mesma sorte...a pessoa também deve se sentir na vida espiritual... ...não...eu vou procurar um caminho... ...não posso ficar aqui sem ter aonde eu celebrar a Deus...sem ter... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa e adaptado – informante da igreja Congregação Cristã)

Todavia, se comparado com o trecho em que a porção causal está presente,

percebe-se maior argumentatividade – de acordo com a definição apresentada no

capítulo cinco deste trabalho. Assim, por maior argumentatividade, entende-se que o

argumento com o segmento causal acrescenta, ao argumento de analogia, a força

projetiva, configurativa e inferencial.

126) ...eu acho que uma pessoa que não acredita em nenhum Deus... ...ela tem/tem muito mais responsabilidade em...em/no nosso convívio...né? ...porque...as vezes...você acreditar que tudo acontece porque Deus quer que aconteça...e se você cometer um erro não tem problema...é só você:...pedir perdão e...que você vai pro céu... ...se você acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa... ...e aí...se você não tem responsabilidade com Deus nenhum ...você tem que ser o responsável...pelo que você faz...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

Nessa porção textual, o falante inicia colocando em evidência a questão da

responsabilidade social e, por meio de orações adverbiais condicionais, passa a

apresentar os motivos pelos quais “crer em Deus” pode interferir nessa

responsabilidade, fato que atrapalharia o convívio social. Assim, pensando em

termos de argumentação, o falante constrói uma imagem positiva de si para seu

229

ouvinte (fato que aumenta a probabilidade do ouvinte aceitar sua perspectiva) e em

seguida apresenta três argumentos distintos: (i) ironia; (ii) argumento “ad populum”;

(iii) argumento de causa necessária – cada um desses argumentos construídos por

cada uma das orações condicionais desse texto, respectivamente.

Conforme Fiorin (2015) e Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) a ironia

consiste, basicamente, em desestabilizar um conceito demonstrando sua fragilidade

e incoerência, fazendo com que o ouvinte chegue a uma conclusão contrária à

apresentada pelo falante, conforme “...e se você cometer um erro não tem

problema...é só você:...pedir perdão e...que você vai pro céu...”. Já em “...se você

acredita nisso...ah/ah...dá a impressão que a sua moral fica um pouco frouxa...”, há

um argumento que apela para a crença do ouvinte (neste caso para o preconceito

acerca de “não se ter moral” ou ter uma “moral frouxa”) visando obter sua aceitação

para uma questão que pode já não ser aceita consensualmente pelo próprio ouvinte

(no caso, o fato de não crer em Deus). Esse argumento é conceituado por Fiorin

(2015) e Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) como argumento ad populum. Já o

argumento por causa necessária, de acordo com os mesmos autores, são

argumentos construídos normalmente por orações condicionais com a estrutura “se

p, então/logo q”, e implica uma consequência necessária na oração nuclear que

justifique e reforce a ocorrência na adverbial. Isso de modo a demonstrar que há

uma causa válida e necessária, moralmente falando, para o que foi apresentado

entre os segmentos da oração adverbial. Isso é o que ocorre em “...se você não tem

responsabilidade com Deus nenhum ...você tem que ser o responsável...” – em que

o falante esclarece que, quando você não atribui a responsabilidade de tudo a Deus,

você tem que assumir essa responsabilidade. Note-se que, nesse exemplo, as

orações causais não funcionam propriamente como argumento, mas apenas

relacionam causalmente um conteúdo que será retomado pelo argumento de causa

necessária, que por meio do pronome nisso, retoma então o conteúdo apresentado

pelas causais “...porque...as vezes...você acreditar que tudo acontece porque Deus

quer que aconteça...”. Assim, embora não funcionem como argumento – seja um

“intra-argumento” ou um argumento “independente”, essas construções constituem o

argumento e, por conseguinte a argumentação, dando-lhes uma base de relação

causal.

230

Também não se torna viável ou relevante para os propósitos deste trabalho,

quantificar e classificar os argumentos correlacionando-os diretamente às orações

adverbiais específicas. Todavia, é possível vislumbrar e apresentar que há certa

recorrência no uso de algumas orações no corpus, salientando que o fato de uma

oração ser causal ou condicional não incorre necessariamente sempre no mesmo

argumento.

Assim, destaca-se que todas as classificações de argumentos foram

encontradas (quase lógicos, baseados na estrutura do real e que fundam a estrutura

do real), assim como grande diversidade de seus diferentes subtipos (os tipos de

argumentos). As orações adverbiais condicionais e concessivas tendem a funcionar

como argumento pleno, “independente” e com argumentos quase lógicos e em

argumentos que fundam a estrutura do real. Já as causais apresentam um

funcionamento argumentativo mais complexo, podendo funcionar como argumento

dentro de outro argumento (como no exemplo citado), se inserir na argumentação de

modo a complementá-la atribuindo certa causalidade, consequência na elaboração

textual, ou ainda, funcionar como argumento independente, como no caso das

demais adverbiais da zona da causalidade, como no exemplo a seguir (a recorrência

dessas orações é mais frequente nos argumentos baseados na estrutura do real e

em argumentos que fundam a estrutura do real).

127) ...quando falamos de Jesus Cristo...nós mostramos que nós somos pecadores e precisamos de um salvador... ...e aí a própria bíblia nos afirma isso...em João capítulo 3...versículo 16...que diz:...“porque Deus amou o mundo de tal maneira... ...que deu o seu filho unigênito para que...todo aquele que nele crê...não pereça...mas tenha a vida eterna”... ...então todo ser humano...ele é pecador...eh...logo...você é pecadora...eu sou pecador... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

Nesse exemplo, tem-se um argumento de referência hierárquica (a voz de

alguém é inserida no texto em função da posição hierárquica que ocupa – pertence

aos argumentos baseados na estrutura do real). Em outras palavras, trata-se de um

argumento de autoridade em que o falante utiliza a fala de Jesus para conferir

credibilidade ao que está dizendo.

231

Embora orações adverbiais tenham apresentado essas funções, não foram

todas que se constituíram em argumento propriamente dito, mas as que assim se

apresentaram, colaboraram para o processo de construção da argumentação, e as

demais auxiliaram de uma ou outra forma na argumentatividade do texto.

6.4.3. A ARGUMENTAÇÃO NA INTERAÇÃO

Com o respaldo de Fiorin (2016) e de Grácio (2016), destaca-se que todo o

funcionamento linguístico das orações adverbiais causais, condicionais e

concessivas, que se mostram tanto na argumentação na língua quanto na

argumentação no discurso, culmina na argumentação na interação. Tal constatação

não poderia ser diferente, considerando os subsistemas de organização do texto –

função, organização e sistema e os pressupostos funcionalistas acerca da finalidade

da linguagem e da interação (vide capítulo um).

Grácio (2015) define as diferentes perspectivas de estudos argumentativos

como um “campo argumentativo”, em que essas teorias se completam. Assim, nessa

perspectiva, que se faz interacional e dialógica, a argumentação é um fenômeno que

se realiza desde o material cognitivo do falante até a interação (ver subseção 5.1.3).

As análises realizadas neste trabalho coincidem com tal proposta. Pensando, então,

na interação e na argumentação, de modo geral, a fins de exemplificação, destaca-

se alguns exemplos.

Ao observar a seguinte porção textual, percebe-se como a oração

condicional apresenta, neste caso, mais do que questões de condição e vínculos

causais ou relevo informacional nas três primeiras ocorrências. As orações

adverbiais condicionais, nessa porção textual, se constituem em argumentos

retóricos quase lógicos e também em argumentos baseados na estrutura do real.

128) ...POR exemplo...a questão dogmática da igreja...de quase todas as igrejas...de que::...Deus e Jesus Cristo são uma pessoa só:...isso no espiritismo não tem fundamento algum... ...o próprio Cristo chama Deus de pai...e me parece que o pai e o filho tem uma certa diferença... ...eh...na religião católica...se você chegar lá e disser que Maria não é virgem...você::...educadamente será apedrejada pelos seus irmãos...

232

...eh...no::...espiritismo...se você quiser acreditar que Maria é virgem...ou se você quiser provar que Maria não é virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar... ...então...essas questões dogmáticas não fazem parte da doutrina espírita... ...o que faz parte da doutrina espirita é o avanço... ...tanto que Allan Kardec diz o seguinte...se um dia...a ciência comprovar que a doutrina espírita está errada...nós ficaremos com a ciência e deixaremos a doutrina espírita... ...então...você me perguntou por que estou na doutrina espírita? ...porque me parece que é a mais LÓgica e a mais RAcional... ...a lógica e a razão sempre há de preceder uma discussão espírita... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante espírita)

Observe que a anteposição propicia ao falante focalizar um tema - o qual

seria a atitude e a crença possível de seu ouvinte em relação a uma questão

dogmática em detrimento de outro, que seria a atitude daqueles que já tem definida

sua posição em relação à questão dogmática apresentada. Este trecho também é

muito interessante para demonstrar a argumentação e a argumentatividade

realizadas pelo falante. Considerando que o resultado da prótase que se apresenta

na apódose é visto pelo senso comum como negativo, e as possibilidades quanto

aos eventos expressos na prótase, a princípio não acarretam a ação da prótase no

ouvinte (isso porque, nesse caso, trata-se de uma oração do tipo potencial, ou seja,

necessita que a condição da prótase se confirme para que a apódase se confirme

também), tem-se que o falante opta por apresentar uma única opção de escolha

para ouvinte caso ele decida partilhar de determinada religião, e duas opções, caso

ele decida partilhar da mesma concepção que a do falante – o espiritismo. Tendo em

vista ainda que, conforme Neves (1999) a utilização das condicionais potenciais pelo

falante na construção textual-discursiva aponta para fatores que podem ser

correlacionados à intenção do falante como uma forma de orientar seu interlocutor

das possíveis consequências de seus atos - ao deixar uma condição a ser efetuada

para que o conteúdo da prótase seja preenchido. Assim, o falante orienta seu

ouvinte em relação à sua crença, visando obter o consenso e utilizando ainda uma

linguagem figurada na prótase - “ser apedrejado” - que possui uma carga semântica

negativa como um argumento a seu favor, produzindo a ideia de que ao compartilhar

de sua crença, o ouvinte não será apedrejado, julgado, excluído, enfim, não sofrerá

nenhum apelo moral ou físico por causa de suas crenças, pois ao compartilhar da

mesma doutrina que o falante, o ouvinte será então “livre” para fazer suas escolhas,

as quais serão respeitadas. O falante ainda explicita a sua opinião pessoal, e não

apenas a opinião tida como coletiva pelos espíritas, por meio de uma inserção

233

parentética, conforme trecho em destaque: “ou se você quiser provar que Maria não

é virgem...que me parece que é o mais lógico...ninguém vai te apedrejar...”

Acerca de como as construções condicionais se mostram em relação à

argumentação, construindo nexos de causalidade, destaca-se que:

Com efeito, qualquer bloco hipotético, por exprimir uma relação entre uma condição que se hipotetiza (como possivelmente/realmente, verdadeira/falsa) e um estado de coisas que depende de que a condição seja satisfeita, constitui uma construção que se presta muito eficiente para o apoio de argumentação, não importa qual seja ela, factual, contrafactual ou eventual, essas diferenças, aliás, são postas a serviço do ofício de argumentar (NEVES, 1999, p. 359).

Assim, considerando a argumentação em seu processo, resumindo-a a

utilização da linguagem que se faz revestida de forças ilocucionária e

perlocucionária, propõe-se observar quatro porções textuais com orações

condicionais para que seja possível a exposição do modo de funcionamento destas

construções quando postas “a serviço do ofício de argumentar”.

129) ...eu...quando era pequeno...participava...assim...da igreja católica...evangélica...de várias igrejas assim... ...e:...não sei se é porque eu participei de muitas eu acabei não acreditando em nenhuma... ...mas não tem...nenhuma razão especial assim não... ...eu só não consigo acreditar... ...só não entra na minha cabeça isso...

(Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante ateu)

130) ... eh/eh/eh...temos várias igrejas...várias denominações...né? ...eh...algum/algumas POsições doutrinárias diferentes...mas algo em comum...né? ...é a centralidade da palavra de Deus...e a pessoa de Cristo...tá? ...independentemente se é Batista...seja Assembleia...seja Quadrangular...seja Comunidade... ...a questão é...temos algo em comum... ...a bíblia e a pessoa de Cristo...isso é indiscutível...né? (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

131) ...porque.ah::...ahn...que que adianta eu falar...eu fazer uma excelente propaganda aqui da igreja...não é? ...eu to querendo trazer você pra igreja...isso é proselitismo...né? ...se eu ficar fazendo propaganda da igreja é fazer proselitismo... ...mas o foco não é esse...a questão...é muito mais que isso... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

234

132) ...ho:mem nenhum pode fazer o convencimento de alguém vir a frequentar uma comunidade de fé... ...se eu fizesse isso com você...eu estaria fazendo pro-selitismo... ...e eu não fui chamado pra fazer...pro-selitismo... ...o que eu faço é e-vangelização... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

Logo, observa-se que estas construções podem reforçar a argumentação,

corroborando-a, não apenas pela construção sintática, lógico-semântica ou pelo

caráter pragmático, ou, ainda, pelo argumento que podem vir a constituir, mas pela

própria contextualização do evento comunicativo e da situação de interação. Tais

construções tendem a produzir no ouvinte uma constatação a partir do ponto de

vista do falante. Isso porque, por meio delas, há a possibilidade do produtor do

discurso explicitar não só seus pensamentos, mas justificá-los, explicá-los. Ao

observar as porções textuais (133) e (134) pode-se notar tais características. Essas

porções correspondem à resposta, na íntegra, dos informantes à seguinte questão:

“entre tantas denominações, porque você escolheu a igreja ‘tal’”?

133) ...veja bem... ...os meus pais...no passado...eles...eh...de tradição...pertenciam à igreja tradicional da família... ...e depois...no ano de 1939...o meu pai adquiriu um exemplar... ...GANHOu um exemplar da bíblia sagrada e passou a:...le:r...a:...observar... ...e aí foi se despertando sem que ninguém falasse com ele... ...e aí...ele encontrou...eh...a Congregação... ...e...passou a frequentar a Congregação... ...e viveu dos...dezenove aos oitenta e um anos...na Congregação... ...cinquenta anos no ministério de ancião... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Congregação Cristã)

134) ...um pouco por causa do histórico...né? ...o meu avô já era presbiteriano...meus pais presbiterianos... ...então...eu segui por este caminho... ...um pouco...por causa da influência da família...com certeza... ...e também...por uma convicção pessoal...né? ...claro que... envolve a formação da gente...desde criança e adolescente... ...depois o seminário...eh...hoje eu não me veri:a em outra igreja... ...admiro o trabalho de todas elas...e até cremos que cada uma tem uma contribuição maior a oferecer né?...pra sociedade... ...mas a igreja presbiteriana ela tem:...uma vertente um pouco diferente... ...é considerada uma igreja muito tradicional... sobre alguns aspectos né? ...principalmente sobre os aspectos litúrgicos...mas...ah...é uma igreja que privilegia a formação dos seus pastores... ...tem uma doutrina muito sólida... né? ...fundamentada no calvinismo... ...uma referência histórica muito importante...

235

...então...eh...o presbiterianismo pra mim...hoje...é/é...uma benção... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Presbiteriana do Brasil)

Note que, apesar de a pergunta apresentar o termo “porque”, as respostas

não apresentam esse conectivo nas respostas. Ressalta-se que essas respostas

apresentam uma justificativa (133) e uma causa (134), pragmática e

comunicativamente, as respostas dos informantes cumprem a sua função, mas suas

explanações apresentam relações de causa de maneira diferenciada. Fato que, em

termos de argumentação, torna esses textos bastante distintos.

A explanação em 133, como se pode perceber, se mostra bastante frágil em

termos de argumentação, se comparada com 135. Isso porque, linguisticamente, a

escolha que o falante realizou pela igreja não apresenta uma causa efetiva. Não

parece ter sido uma escolha fundamentada em uma causa, mas um acontecimento

que resultou da escolha dos pais do falante. Já em 134 é possível notar uma relação

de causa melhor estruturada, tornando a resposta mais consistente. O falante

esclarece que realizou uma escolha e que não apenas foi direcionado à determinada

situação ou crença. Essas diferentes produções são capazes de influir diretamente

na compreensão do ouvinte e na imagem que ele faz do falante, e, consequente na

consistência e na clareza das informações veiculadas no texto.

Em 135 é possível observar a preocupação em apresentar uma causa para

sua decisão em 135. O falante constrói seu texto de modo a conduzir o ouvinte a

participar do seu ponto de vista, esclarecendo, por intermédio de relações de causa

em seu texto (seja pelo conectivo causal, por sintagma causal ou ainda pela

utilização do conectivo “porque” mesmo sem finalizar a elaboração da causa), o

motivo pelo qual se optou por determinada coisa. Já em uma construção textual com

a utilização das orações analisadas neste trabalho, fica notória a força

argumentativa e argumentatividade presentes na elaboração textual discursiva.

135) ...porque::... ...primeiro foi a que me alcançou quando eu era um adolescente...né? ...através da igreja...através da evangelização infantil... ...segundo...porque eu me identifiquei bastante com a doutrina pentecostal... ...que é a doutrina carismática...né? ...da...da/do Espírito Santo... ...nós fazemos parte da/do chamado...PEla sociologia...de pentecostalismo clássico...começado no Brasil pela Assembleia de Deus...

236

...então...eu me identifico muito com a doutrina pentecostal da vazão do Espírito Santo... ...falar em línguas é...é...uma fé...assim...bem viva...uma fé bem calorosa...bem quente também... ...um trabalho muito forte com os pobres...com os carentes... ...então eu me identifiquei...tanto ideologicamente como espiritualmente com...com a doutrina da Assembleia de Deus... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Assembleia de Deus)

136) ...porque::... é a denominação que mais:: se aproxima...das orientações da

bíblia... ...não que as outras não tenham a bíblia como referência máxima...mas é que:... ...inclusive...a nossa doutrina...ela tem a primeira regra da doutrina...ela tem a bíblia como única fonte de revelação divina... ...e é por isso que ela é a nossa única fonte de prática do evangelho... ...é por isso que eu...como batista... ...inclusi:ve...desde criança... ...prezo por essa denominação porque ela é his-TÓ-rica... ...é uma denominação que ela tem uma grande responsabilidade de se preocupar realmente com o cidadão... ...não só com o cidadão no sentido espiritual... ...mas também em todas as áreas... a questão do social...a questão moral...questão até...filosófica... ...a gente tem essa preocupação de conseguir fazer com que a sociedade... ela seja mais igualitária... ...nós batistas prezamos por isso... (Exemplo extraído do corpus obtido para esta pesquisa – informante da igreja Batista)

A primeira diferença entre as respostas 135 e 136 e as respostas 133 e 134,

é o fato de começar com a retomada do “porque” presente na pergunta,

estabelecendo já a partir do início um nexo causal entre a escolha da igreja.

Todavia, embora subentendido que a pergunta possa ter motivado a criação do nexo

causal, não é possível afirmar que esse nexo causal tenha sido estabelecido pela

própria pergunta, pois, como visto, houve respostas que não realizaram esse nexo

de causalidade entre a pergunta e a resposta.

Nos exemplos 135 e 136 percebe-se um posicionamento do falante que se

torna respaldado por questões causais. Isso é considerado relevante, sobretudo a

partir do momento em que se considera que a causalidade transcende o vínculo

estabelecido entre as orações e abrange diversas áreas de atividade humana.

Considerando o uso pragmático da língua, a causalidade se estabelece, para além

das relações de causa em uma expressão linguística, nas relações de causa que o

conhecimento enciclopédico compartilhado entre falante – ouvinte permite. Ainda,

237

em termos de coerência, percebe-se que, embora ambos os textos apresentem-na,

nos exemplos em que existe correlações causais tendem a denotar uma coerência

que reefetiva tais relações, mantendo as informações textuais-discursivas. Como

apresentado no capítulo três deste trabalho, destaca-se novamente o fato de que “a

causalidade é descrita para criar relevância no discurso”, e, ainda, com os

estabelecimentos de nexos de causalidade, estabelecem-se também relações de

coerência (MEYER, 2000).

Assim, destaca-se a diferença argumentativa que pode ser percebida entre

as quatro respostas apresentadas na íntegra e que tinham, a princípio, uma mesma

finalidade. Colocando em comparação, especificamente os exemplos 134 e 137, fica

notória a relevância das construções adverbiais como estabelecedoras de nexos

causais e coerência textual, resultando em uma produção textual com maior

argumentação no caso de 137. Desse modo, ressalta-se, novamente, a amplitude de

relações (d)e sentidos que as orações adverbiais postas em análise possuem.

238

CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo investigar as funções das orações do

campo da causalidade nos processos de construção da coerência textual, assim

como na estruturação e na argumentação textual.

A partir das análises dos resultados, verificou-se que as orações adverbiais

de causa, condição e concessão possuem um funcionamento textual-discursivo que

auxilia não apenas na elaboração textual, mas também na estrutura, coerência,

argumentação e argumentatividade do texto.

De acordo com a forma como as orações são organizadas, elas apresentam

funções variadas que podem ser desde estruturação tópica, progressão textual,

relações de coerência, argumentatividade a até mesmo o argumento em si. Todo

esse funcionamento se firma na base causal que tais orações apresentam, seja uma

base de causa material efetiva (nível de conteúdo) ou relacionada como tal (nível

epistêmico e de atos de fala).

Pensando nos aspectos sintáticos, lógico-semânticos e pragmáticos, as

orações causais possuem uma forma mais prototípica de posposição em relação a

nuclear e demonstram um funcionamento mais voltado para o interior do texto – uma

oração causal tende a explicar, justificar conteúdos apresentados. As condicionais,

por sua vez, possuem uma forma mais prototípica de anteposição em relação a

nuclear e funcionam como elementos textuais que estabelecem ligações diretas com

o ouvinte, propondo condições para esse ouvinte em relação aos acontecimentos

apresentados nos EsCos. Já as concessivas apresentam uma organização

linguística que ora se volta para o próprio conteúdo textual, ora para o ouvinte, e não

apresentaram um posicionamento específico – elas se antepõem ou se pospõem à

matriz sem apresentar uma regularidade nesse sentido.

Em suma, as orações causais apresentam os eventos, justificando-os ou

explicando-os, cabendo ao ouvinte aceitar ou não essas justificativas e explicações.

As orações condicionais apresentam os eventos de forma a inserir o ouvinte como

parte das condições existentes, uma vez que são possibilidades expressas, não

cabe ao ouvinte simplesmente aceitar ou não o conteúdo expresso nas orações

adverbiais condicionais – o falante toma ciência, por assim dizer, que sua aceitação

239

ou não aceitação implicará diretamente na efetivação do resultado da condição

apresentada. As orações concessivas diferem-se tanto das causais quanto das

condicionais nesse sentido, pois independem da aceitação ou da participação do

ouvinte em relação ao que é falado, é algo que o falante assevera como verdadeiro

para o ouvinte, demonstrando que, mesmo que o ouvinte possua um conteúdo

informacional não compartilhado ou que esse ouvinte discorde do que é expresso

concessivamente o conteúdo da oração nuclear continuará sendo afirmado pelo

falante.

Em termos de função textual-discursiva, a orações causais apresentam um

funcionamento mais voltado para a organicidade tópica, ao passo que as adverbiais

condicionais e concessivas funcionam mais como segmentos de centração e

concernência. Assim, ao veicular de diferentes maneiras os conteúdos

informacionais novos e compartilhados entre falante e ouvinte, as orações adverbiais

de causa, condição e concessão atribuem ao texto não apenas coerência, mas

possibilitam o relevo informacional e estruturação tópica.

Na argumentação, as orações do campo da causalidade se articulam de

modo a (i) influir na argumentatividade do texto, atribuindo força projetiva (com base

nas relações de causalidade que as orações causais, condicionais e concessivas

veiculam) ao argumento; (ii) funcionar como argumento no interior de outro

argumento, incorrendo novamente em uma maior argumentatividade; e (iii)

constituírem-se em argumentos plenos dentro do texto.

Acerca das regularidades, as orações de causa, condição e concessão

apresentaram relações de coerência padronizadas e prototípicas. As adverbiais

causais apresentaram relações de causa, resultado, razão, explicação e justificativa,

as adverbiais condicionais apresentaram relações de condição, e as adverbiais

concessivas apresentaram relações de concessão. Essas relações são regulares em

termos de tipo de relação entre essas orações e as porções textuais nas quais estão

inseridas e também observando a natureza de cada oração (causal, condicional ou

concessiva). Ainda, percebeu-se certa regularidade, no caso das causais, em termos

de nível de oração [conteúdo (relação de causa e resultado), epistêmico (relação de

razão), atos de fala (relação de justificativa e explicação)]. Ainda, a coerência textual

240

se concretiza no texto não apenas por meio das relações estabelecidas, mas

também pelos nexos de causalidade entre os segmentos oracionais.

Conclui-se, portanto, que a hipótese apresentada no início, de que a noção

de causalidade expressa pelas orações adverbiais de causa, condição e concessão

são capazes de serem organizadas pelo falante de modo a fortalecer o conteúdo

informacional no momento da elaboração das construções linguísticas, se confirma.

Essas orações atuam na construção textual conforme sua organização sintático-

semântica, pragmática e discursiva, possuindo um funcionamento que se destaca

desde o nível da expressão linguística até o nível textual-discursivo. Tal

funcionamento torna essas orações recursos significativos para uma elaboração

textual que se faça mais eficaz, conforme as intenções comunicativas do falante.

241

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