Turner e Strauss
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Antropologia do Simbólico 2013/2014
Joana Santos nº 34752
2. “Postulo que o organismo humano e as suas experiências cruciais são o fons e origo de
todas as classificações”. (Turner)
Turner define a teoria das 3 cores como o “apex do sistema simbólico dos Ndembu”.
Apresente as hipóteses teóricas e os conceitos fundamentais da teoria do simbolismo em
Turner, confrontando-a com as contribuições teóricas de Lévi-Strauss.
Turner pertence à dimensão teórica dos anos 60. É apoiado numa etnografia cisma numa sociedade
africana. Para ele, o símbolo é a unidade mínima dos processos rituais, é o seu átomo. Constrói uma
teoria do simbolismo e centra-se no sujeito. O sujeito para Turner, não é o mesmo sujeito de Evans-
Pritchard porque não parte da construção cultural de pessoa1. Neste caso é um sujeito ontogenético,
tem uma memória que se construiu ao longo da vida. Este sujeito é a força motriz de todas as
simbolizações, tem a ver com determinadas experiências estruturais, psico-bio-relacionais triádicas
ou binárias.
Contextualizando os símbolos, Turner defende que eles não existem “só porque existem”; estão
inseridos na acção humana dentro dos processos rituais e são entidades dinâmicas: são um factor de
acção social, uma espécie de poder. São uma força activa que move para a acção e que permite
transformação. Por outro lado, uma definição muito diferente dos símbolos tratados pela
antropologia francesa e mesmo o próprio estruturalismo de Lévi-Strauss defende que os símbolos
são uma forma de comunicar e exprimir uma classificação do mundo, são, por assim dizer, o
sistema de classificação do mundo. Têm uma função cognitiva e de ordenação do mundo.
Inicialmente há uma oposição entre os dois autores segundo aquilo que são as condições da eficácia,
porque, para Turner os símbolos não têm apenas essa função, antes de tudo são entidades dinâmicas
de transformação a nível social e pessoal que trabalham como catalisadores dos processos socio-
rituais. E antes de tudo, Turner não confunde símbolos com signo.
Para estudar estes conceitos, fez trabalho de campo entre os Ndembu e daí resultou a obra “The
Forest of Symbols” de 1967. Os Ndembu da Zâmbia são um povo estudado, por Turner, nos anos
50, com cerca de 20 mil pessoas que vivem em várias aldeias nas florestas do Congo, ao longo do
rio Lunga. As árvores e os rios são alguns dos grandes símbolos para este povo. A forma externa
1 Pritchard dá atenção às construções culturais das pessoas e baseia-se em processos simbólicos. Para ele, apesar de social, a religião
têm uma dimensão interpessoal e uma função pessoal e fala dela através da relação que os Nuer têm com o seu deus, termo nativo knot, uma relação altamente individualizada, que se exprime através da dádiva, é um símbolo do self que se oferece a knot. Nuer Religion.
dos símbolos têm a ver com o contexto deles2, é o material a partir do qual “eu construo” símbolos.
Turner vai completar uma lista de funções dos símbolos. Os Ndembu são de filiação matrilinear e
como vivem na selva são essencialmente caçadores3
Na introdução do livro, diz que os rituais são a chave para se entender o que é essencial nas
sociedades. “These “crisis'' ceremonies not only concern the individuals on whom they are centered,
but also mark changes-in the relationships of all the people connected with them by ties of blood,
marriage, cash, political control, and in many other ways. (…) Whatever society we live in we are
all related to one another; our own 1”big moments" are "big moments" for others as well.” (Turner,
1967: 7). Isto porque o símbolo não remete só para valores, mas para um conjunto de outras coisas.
Os símbolos, por um lado representam valores, crenças, visões do mundo, por outro remetem para
emoções, experiências e sentimentos e mais ainda para certos tipos de exposições psicológicos e
certos tipos dramas psico-relacionais, elaborados e transformados nos processos rituais.
Turner faz uma análise semântica da palavra:
Marcação territorial, que são as marcas territoriais que fazem nas árvores ou ramos partidos
quando vão para a floresta para serem capazes de encontrar o caminho de volta para a aldeia
Árvore que tem a função de tornar visível a caça, como se a sua presença dissesse: “naquele
sítio há caça”.
As cores, para Turner, podem ser utilizadas como símbolos: “At the apex of the total symbolic
system of the Nedembu is the color triad, white-red-black.” (Turner, 1967: 57). Estuda-as como
símbolos dominantes e a partir daí vai produzir uma teoria em que aquilo que chama de Simbolismo
das Cores está associado a rios: o rio branco, o rio vermelho e o rio negro.
São as cores que imprimem e transformam as coisas em símbolos, símbolos que representam
alguma coisa. Tudo isto funciona, para os Ndembo, por enigmas; são colocadas “adivinhas” aos
neófitos e ao longo do ritual vão-lhes dando a resposta, que implica a revelação de determinado
segredo. “O que corre no rio branco?” É-lhes dito o que é que o rio simboliza a vários níveis: tem-se
que o rio branco é o principal, por ser o mais velho e simboliza o cordão umbilical, a vida do bebé,
sémen, leite materno, é como que o rio de deus.
A partir do momento em que o termo simbolismo das cores foi cunhado, relativamente à teoria,
estipula três pressupostos para fundamentar e analisar a fundo a questão.
O primeiro pressuposto teórico diz-nos que as cores são símbolos bastante arcaicos, particularmente
esta tríade (branco-vermelho-preto), que representam produtos e emissões corporais, associados a
2 As florestas do Congo, são florestas tropicais cruzadas por uma série de rios que desaguam no rio Zambezi3 a caça é importantíssima no vocabulário ritual dos Ndembu
determinadas experiências corporais que se ligam e produzem emoções fortes. Temos assim que o
branco representa principalmente o sémen e leite materno; o vermelho é o sangue “múltiplo” (o acto
de derramar o sangue, sangue menstrual, do parto, da caça – matar um animal, da morte); e o negro:
fezes, cadáver mas simboliza mais ainda a escuridão representada no desmaio, sono e morte.
No segundo postulado essas cores são símbolos que representam relações sociais. Estas
experiências corporais envolvem relações interpessoais, elas não são apenas uma resposta
psicológica, são experiências sociais que exigem a relação com o outro. Exige-se o mínimo de
reciprocidade. Daí advém que o branco é um pólo positivo que expressa a relação mãe-filho,
homem-mulher, valor matrilinear, relação com antepassados. O vermelho é uma cor mais
ambivalente que remete para relações mãe-filho (sangue do parto), relações inter-geracionais
(parentesco, consanguinidade), fenómenos de controlo e excesso, continuidade e descontinuidade e
para a dimensão violenta e agressiva, como é a personagem do caçador. O preto simboliza as
maledicências femininas e conflitos, guerras, ressentimentos, invejas e ódios e o caçador é o que
mais despoleta tudo isso. A partir deste exemplo etnográficos4 as cores são símbolos que não
resultam do exterior, resultam de experiências corporais relacionadas com relações.
O último postulado diz que os processos simbólicos e religiosos derivam de experiências
psicobiológicas eminentemente relacionais (binárias ou trinárias) aquilo a que podemos chamar
experiências psico-bio-relacionais. As relações sociais associadas a certas emoções são os
simbolizados mais estruturais que estão por detrás de todos os sistemas de classificação, de todas as
linguagens.
Os símbolos representam valores, corpo e emoções. Estes produtos, as relações corporais e as
emoções ligam-se por relações diádicas e triádicas e temos necessidades estruturais, orgânicas,
psciologicas, como a fome, a dependência, emoções associadas à nutrição e outras ligadas a
experiências sexuais, agressividade, líbido, etc
Posteriormente, outros investigadores aproveitaram estes postulados, noutros contextos, em que as
cores são mencionadas como fome e dependência associados ao branco, a agressividade e
sexualidade ao vermelho e o mais comum, a morte à cor preta. Também aqui a tríade e polaridade
entre branco e vermelho são muito importantes.
Os sistemas linguísticos estão assentes nestas experiências corporais. Se pensarmos, as
representações simbólicas estão ligadas com a identidade nacional e regional.5
4 A maior parte deste simbolismo das cores está presente no ritual Nkula, é um sistema de significados profundos onde se apresentam, por exemplo, significados para a árvore mukula que representa o sangue do nascimento.
5 A partir de amostras representativas que tipo de representações os portugueses se identificam? Lisboetas, algarvios, alentejanos, etc.
No livro “A Floresta dos Símbolos” trabalha uma série de processos e mecanismos simbólicos e é
orientada pela economia expressiva e podemos identificar as suas “condições de necessidade” pelas
quatro premissas aqui subjacentes: Condensação, unificação da polissemia do símbolo, polarização
do sentido, transferência de emoções. Mais tarde elabora uma teoria de communitas e estrutura que
tenta exportar.
Lévi Strauss cria propostas estruturalistas sobre o simbolismo. Na teoria do mito existem como que
dois lados de Lévi-Strauss. O primeiro para o qual existe um sujeito produtor e utilizador do
simbolismo, um sujeito contextualizado que produz actividade simbólica porque é dotado de uma
função simbólica, como uma competência. É uma função inconsciente (é um organizador, formata
uma serie de memórias e representações que vêm de fora) mas formal. Para ele os mitos são
produzidos por sujeitos dotados de uma função simbólica, servem para exprimir contradições
irresolúveis entre a ordem do social e do desejo, não teria nada a ver com a realidade. Os mitos
teriam um trabalho de elaboração que era compensatório, de o tornar visível. função simbólica por
ele definida serve para constituir o real externo e social.
A segunda dimensão a que o teórico opera apresenta como principal interesse as inversões e as
equivalências entre vários tipos de oposições que podem acontecer. Segundo o antropólogo, é esta a
lei estrutural comum das mithologique6 e antes de mais ele assenta a sua teoria não num mito mas
num ciclo de mitos e a sua preocupação central são as transformações lógico-formais dentro de um
ciclo de mitos, as estruturas formais dos mitos. O significado dos mitos são estas operações formais
porque são possibilitadas pelo funcionamento do espírito humano e mais tarde diz que essas
operações formais são realizadas por um funcionamento cerebral que é permitido pelo código
genético de cada um e estão relacionados com funcionamentos cognitivos. Para ele o ritual e a
religião não pertencem à função simbólica, para ela são só estas operações e este consciente que
opera criando diferenças e descontinuidades.
Nesta “faceta” levi-straussiana, a afectividade não é trabalhada, não há afectos nem emoções e estas
operações cognitivas não são interpretadas por ele, as relações de dependência e de ligação não lhe
interessam. Acha que o cognitivo é completamente separado do afectivo, isto porque na visão dele
não existem sujeitos, há personagens, não existem esses homens que reproduzem e contam os
mitos. Há um cérebro e há os mitos. Este é um dos pontos fulcrais que o separam de Turner: para
Turner, as narrativas simbólicas e a mobilização dos símbolos evocam e despertam emoções muito
fortes porque evolvem experiências muito poderosas e há uma oposição clara entre o que é a
6 Um exemplo deste processo é a lei estrutural do mito em que a planta se opõe ao animal (corvo): O branco, representado pela seiva
da planta opõe-se ao negro, a cor do corvo; o mundo inferior (terra) ao superior (ar); a planta associada à renovação e o corvo à
destruição; reprodução assexuada que se opõe à reprodução sexuada do corvo. A mediação aqui seria o hibridismo no sentido que
um, é dois. Dissolve um conjunto de oposições da narrativa mítica que envolveram todos estes códigos para exprimir um desfecho.
operacionalização metodológica do estruturalismo de Lévi-Strauss e a abordagem turniana do
símbolo.
O ”Lévi-Strauss das motivações humanas” está muito próximo de Turner. Turner trabalha, como já
vimos, processos simbólicos rituais que exprimem dramas psico-bio-relacionais e que têm como
função modificar e elaborar, de transformação desses dramas, à sua maneira, Lévi-Strauss também
defendia que os rituais têm uma função de modificar magicamente a realidade. Para além disso, os
homens precisam de construir cultura e de compensar uma outra função já que as mulheres têm uma
função gestante. As mulheres têm tanto valor psíquico, os homens nascem das mulheres. Este
conceito de valor psíquico não é muito diferente do de Turner.
A unificação é um mecanismo pelo qual um símbolo pode ter significados que me remetem para um
espectro muito amplo. Existem em vários planos/níveis de significado diferentes, e daí advém o
termo multivocalidade7.
Ao contrário da ideia de Lévi-Strauss que os símbolos organizam e hierarquizam o mundo, Turner
defende que eles são dominantes, que vão do corpo ao cosmos, têm e permitem uma continuidade.
São estes símbolos a que Turner vai chamar a multivocalidade do símbolo; eles evocam
significados e têm impacto nos vários níveis do social. Tornam-se modelares e a chave essencial
para trabalharmos as sociedades.
Referências Bibliográficas:
Lévi-Strauss, C. (1958) Anthropologie structurale, Paris: Plon. (230-265)
Turner, V. (1970) [1967], The Forest of Symbols. Aspects of Ndembu Ritual, Ithaca and London:
Cornell University Press. (1-57; 93-111)
7 A árvore do leite pode ser, no plano corporal o leite materno, no social pode simbolizar a inocência de uma pessoa quanto à
feitiçaria e num plano mais horizontal representa uma boa comunicação com os antepassados, por exemplo.