Teoria do Cinema Feminista | Parte II | revista USINA

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    CINEMA/INVERSO/TRADUO

    Teoria do Cinema Feminista | Parte II

    Feminist Film Theory um artigo escrito pela professora doutora holandesa, Anneke Smelik.

    Atualmente ela leciona Cultura Visual na Universidade Radboud de Nijmegen, na Holanda. Oartigo foi publicado no livro da British Film Institute, The Cinema Book, em 2007, dentro da revisoda terceira edio.

    O artigo foi traduzido e dividido em trs partes para a publicao na revista USINA. Sendo a ParteI (/2015/03/15/teoria-do-cinema-feminista-parte-i/) (A Narrativa Clssica e o Contra-cinemaFeminista): Introduo, Narrativa clssica, O contra-cinema feminista. Parte II (Os Pontos de VistaFemininos): A espectadora mulher, O disfarce feminino, O olhar feminino, A subjetividade feminina, Odesejo feminino. Parte III (/2015/05/15/teoria-do-cinema-feminista-parte-iii/): (Teorias das

    Minorias): A diferena sexual e suas insatisfaes, Crtica gay e lsbica, Teoria feminista e raa, Sobremasculinidade, Teoria Queer, Concluso.

    Parte II: Os Pontos de Vista Femininos

    A espectadora mulher

    A explicao do olhar masculino como uma lgica estruturante na cultura visual ocidental setornou controversa no incio dos anos oitenta; ele no dava espao tanto para a espectadoramulher quanto para o olhar feminino. Mesmo assim, mulheres faziam e assistiam cinema. Mulvey

    foimuito criticada por omitir a questo da espectadora mulher. Em um ensaio mais tardio, elamenciona as vicissitudes da espectadora em sua anlise do filme de faroeste Duel in the Sun[1]. Elasugere que a espectadora no s no se identifica com aexagerada passividade feminina que lhefoiprogramada, mas tambm propensa a gostar de adotar o ponto de vista masculino. Mulveyaperfeioa a noo de identificao transexual colocando em evidncia a fantasia pr-edipiana eflica de onipotncia que ativa tanto para garotas quanto para para garotos e, consequentemente,de uma perspectiva freudiana, essencialmente masculina. A fim de conquistar uma feminilidadeadequada, as mulheres tero que mudar/perder aquele aspecto ativo de sua sexualidadeprematura. Mulvey especula que as espectadoras mulheres podero negociar a masculinizao da

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    posio de espectador no cinema hollywoodiano, porque isso significa para elas uma redescobertade um aspecto perdido de sua identidade sexual. Ainda assim, a espectadora continua inquietaem suas roupas travestidas [2].

    Foi s no final dos anos oitenta que a questo da espectadora mulher foi teorizada fora dascategorias dicotmicas da psicanlise. Uma descrio desse tema em todos seus contextos culturais

    e mltiplas diferenas foi, ento, registrada numa matria especial da Cmera Obscura, intituladoThe Spectatrix [3] . As editoras Janet Bergstrom e Mary Ann Doane decidiram fazer umapesquisa, assim como teorias, abrangentes em nvel internacional, sobre a espectadora mulher nocinema e na televiso.

    O disfarce feminino

    Se tornou um pressuposto generalizado no campo da teoria feminista de cinema que asespectadoras mulheres so mais fluidas em sua capacidade de se identificar com o outro gnero.Por exemplo, em seu estudo sobre a questo do fanatismo, Miriam Hansen [4] usou a ideia deflexibilidade do espectador para explicar por que mulheres nos anos vinte foram delineadas para o

    posicionamento feminino de Rudolph Valentino.

    Esse travestismo espectatorial da mulher que assiste a um filme aponta para o disfarce feminino. Oconceito de disfarce foi introduzido pela primeira vez na teoria feminista de cinema por Johnston[5]. A ideia de disfarce foi inspirada pelo papel da personagem feminina que se fantasia de pirata.Para Johnston, o disfarce feminino no s significa a prpria ocultao, mas tambm umdesmascaramento no senso desconstrucionista de exposio e crtica.

    Mary Ann Doane [6] explorou mais a fundo o conceito de disfarce para entender a relao damulher com a imagem na tela. Idealizando sobre o trabalho de psicanlise de Joan Rivire, Doaneinterpreta o disfarce no como travestimento, mas, pelo contrrio, como uma mscara defeminilidade. Rivire havia constatado em suas observaes clnicas que mulheres que seencontram em posies de poder masculinas colocam uma mscara de feminilidade que funcionacomo compensador de sua posio masculina.

    Como esse conceito do disfarce se relaciona com as questes de identificao e de espectador?Como vimos antes, o olhar masculino envolve voyeurismo. Voyeurismo pressupe distncia.Doane argumenta que o espectadora mulher carece dessa distncia necessria porque ela aimagem. A feminilidade construda como aproximao, como uma impressionante

    autopresena do corpo feminino [7]. A espectadora pode adotar o masoquismo dasuperidentificao ou o narcisismo acarretado em se tornar o prprio objeto de desejo [8].Doane argumenta que a espectadora mulher consumida pela imagem ao invs de consumi-la.Essa posio pode ser evitada no s atravs de uma identificao transexual, mas tambm atravsdo disfarce. O disfarce efetivo em produzir uma distncia da imagem. Ao usar a feminilidadecomo uma mscara, a espectadora pode criar a diferena necessria entre ela mesma e o femininorepresentado na tela.

    Em uma pesquisa sobre o cinema feminino da dcada de quarenta, Doane [9], retorna s formasastante negativas com que Hollywood constri a identificao e a subjetividade femininas. Para

    Doane, a espectadora destes melodramas envolvida em processos emocionais comomasoquismo, parania, narcisismo e histeria. O cinema feminino, apesar de focar em uma

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    personagem mulher, perpetua esse processo e assim confirma esteretipos sobre a psiquefeminina. Os investimentos emocionais da pessoa que assiste leva superidentificao, destruindoa distncia ao objeto de desejo e transformando o desejo ativo de ambas personagens eespectadoras mulheres em desejo passivo para ser o objeto desejado. Mero desejo por desejoparece ser, ento, a nica opo para as mulheres.

    O olhar femininoEnto essas demasiadas tristes interpretaes sobre a espectadora mulher implicam que o olharfeminino impossvel, que ele necessariamente masculino? No incio dos anos oitenta, issoparecia ser verdade segundo as teorias feministas. Em suas anlises sobre o cinema femininohollywoodiano dos anos setenta e oitenta, Ann Kaplan [10] argumenta que as personagensfemininas podem possuir o olhar e ainda fazer o personagem masculino como seu objeto visual,mas, sendo mulher, seu desejo no tem nenhum poder. Os filmes neo-femininistas de Hollywoodtrazem consigo uma mera inverso de papis nas quais as estruturas subjacentes de dominao esubmisso ainda esto intactas. O olhar no essencialmente masculino, mas, para possuir eativar o olhar, dada a nossa linguagem e a estrutura do inconsciente, estar na posiomasculina [11].

    (https://revistausinadotcom.files.wordpress.com/2015/04/duel-in-the-sun.jpg)Quem domina o olhar? Gregory Peck e Jennifer Jones em Duel in the Sun, 1946

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    As dificuldades de teorizar sobre a espectadora fizeram Jackie Stacey [12] dizer que os crticos docinema feminista desenharam o pior cenrio possvel para o olhar feminino, este sendo masculino,masoquista ou marginal. Houve diferentes vozes sobre essa questo, no entanto. Gertrud Koch[13] uma das poucas feministas que desde cedo reconheceu que mulheres tambm poderiamdesfrutar da imagem da beleza feminina no cinema. Em particular, a vamp*, uma imagemexportada da Europa e integrada no cinema de Hollywood, proporciona espectadora uma

    imagem positiva da feminilidade autnoma. Koch argumenta que a imagem da vamprevive, paraa espectadora mulher, a experincia prazerosa da me como um objeto de amor quando se criana. Alm disso, a ambivalncia sexual da vamp Greta Garbo e Marlene Dietrich por exemplo possibilita um prazer homoertico que no exclusivamente restrito aos olhos do homem. Noponto de vista de Koch, avamp mais uma mulher flica do que uma mulher fetichisada, como elaoferece imagens contraditrias da feminilidade que vo alm do olhar objetificado. A ambigidadedavamppode ser uma fonte de prazer visual para a espectadora mulher. O desaparecimento davampno cinema, ento, significa uma grande perda de possveis identificaes e prazer visual paraa platia feminina.

    Um foco similar na fase pr-edipiana e na me como objeto amoroso e fonte potencial de prazervisual foi desenvolvido por Gaylyn Studlar [14], embora sob uma perspectiva muito diferente.Analisando filmes feitos por Josef von Sternberg estrelando Marlene Dietrich, ela investiga a nooDeleuziana de masoquismo. Deleuze enxerga masoquismo como o desejo do homem de fundir-secom a me e subverter a lei flica do pai. Sua violncia contratual e consensual, de uma maneiraque o sadismo no . O sadismo anula a diferena da me e exulta-se no poder do pai. Studlarargumenta que o prazer visual no cinema se assemelha mais aos processos psquicos domasoquismo do que do sadismo. O cinema evoca o desejo do espectador de retornar fase pr-edipiana de unidade com a me e de bissexualidade. A espectadora pode, portanto, identificar-se

    com e extrair prazer da poderosa femme fataleno cinema. Isso um tipo de restabelecimento dasimbiose atravs da qual a espectadora ou o espectador deseja se submeter poderosa imagemmaterna. A condio para este desejo masoquista ativo que ele seja suspendido, o que acontecepor meios do desempenho e do disfarce por parte da personagem mulher. Essas ritualizaes defantasia mantm o desejo sob controle. Para Studlar, o disfarce serve como estratgia de defesapara as mulheres, atravs do qual elas desviam e confundem o olhar masculino. Ela, portanto, criaum espao para o prazer e o desejo da espectadora-sujeito, ainda que seja a prazerosa dor dodesejo.

    A identificao bissexual tambm surgiu em estudos de diferentes gneros de filmes. Em suaanlise sobre o filme de terror moderno, Carol Clover [15] argumenta que tanto o espectadorhomem quanto a espectadora mulher identificam bissexualidade. Ela concentra seu estudo nospapis narrativos da Final Girl: a nica garota no filme que luta, resiste e sobrevive o monstro-assassino. A final-girl adquire o olhar e domina a ao sendo, consequentemente, masculinizada.Filmes combativos, como Halloween (1978), Friday, the 13th (1980) e A Nightmare on Elm Street(1984), brincam abertamente com a diferena entre aparncia (sexo) e comportamento (gnero).Clover argumenta que isso a teatralizao do gnero, que feminiliza o pblico. Enquanto noterror clssico (como Hitchcock e Brian de Palma), a feminilizao do pblico intermitente etermina quando a final girl se transforma na vtima do momento (como em Psycho), no filme deterror moderno, a final girl se transforma na sua prpria salvadora. Seu prprio salvamento atransforma na herona, e nesse momento que o espectador masculino desiste da pretensa

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    (https://revistausinadotcom.files.wordpress.com/2015/04/a-nightmare-on-elm-street-1984-poster-02.png)

    Cartaz do filme Nightmare on Elm Street, 1984

    tentativa de se identificar. Para Clover, a vontade do espectador masculino de entregar seuemocional para uma mulher, enquanto sente medo e dor, aponta para o masoquismo. EmboraClover esteja ciente a respeito da misoginia no gnero dos filmes combativos, ela argumenta queuma borda subversiva nele ajusta as representaes de gnero e identificaes.

    A subjetividade feminina

    A questo da espectadora do gnero feminino e do olhar feminino circula ao redor daproblemtica da subjetividade. A subjetividade feminina foi explorada no apenas em relao

    espectadora, mas tambm no que diz respeito estrutura narrativa dos filmes. Uma daspersonalidades principais nesse campo Teresa de Lauretis, que examinou a representaoestrutural de mulher no cinema [16].

    De Lauretis [17] enfatiza que a subjetividade no uma entidade fixa, mas um processo constantede autoproduo. A narrativa uma das formas de reproduzir subjetividade; a estrutura de cadaestria derivada do desejo do sujeito e de sua inscrio dentro dos cdigos sociais e culturais.Estruturas narrativas so definidas pelo desejo edipiano, que deveria ser entendido tanto comouma economia scio-politica dominada pelo controle dos homens sobre as mulheres, quanto como

    uma maneira de enfatizar a origem sexual da subjetividade. O desejo sexual vinculado ao desejopor conhecimento, isto , a busca da verdade. A vontade de resolver enigmas um desejo

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    masculino por excelncia, por que o mistrio do sujeito feminino ele mesmo. Mulher aquesto e pode consequentemente no fazer a pergunta nem fazer o desejo dela inteligvel. EmVertigo (1958), de Hitchcock, por exemplo, o desejo de Scottie pela enigmtica Judy/Madeleineestrutura a narrativa do filme.

    A narrativa no edipiana em contedo mas em estrutura, distribuindo assim funes e

    diferenas, e portanto poder e posies. Uma das funes da narrativa, segundo de Lauretis, deseduzir as mulheres feminilidade, com ou sem seu consentimento. O sujeito feminino feitopara desejar feminilidade. Essa uma forma cruel e muitas vezes coerciva de seduo. Nestemomento, de Lauretis inverte a famosa fase de Mulvey: no apenas a estria exige o sadismo; osadismo exige a estria. Ela se refere aos meios com os quais as personagens mulheres em Vertigo,mas tambm em um filme de mulher, tal como Rebecca (Hitchcock, 1940), so feitas para seconformarem imagem ideal que o homem tem delas. A funo dos retratos das ancestraismulheres em ambos os filmes altamente significante no que diz respeito a isso: elas representama me falecida, o ideal que o heri deseja ter e fora sobre a herona. Para de Lauretis, o desejo dapersonagem mulher impossvel e a tenso narrativa resolvida pela destruio (Judy/Madeleineem Vertigo) ou territorializao das mulheres (a nova Mrs de Winter em Rebecca). O desejo nanarrativa intimamente ligado violncia contra as mulheres e as tcnicas de narrao cinemticaambas refletem e sustentam formas sociais de opresso s mulheres.

    De Lauretis dificilmente mais otimista do que Mulvey no que diz respeito espectadora mulher.No que ela assuma a identificao como singular ou simples; feminilidade e masculinidade soidentificaes qual o sujeito se submete numa relao transformadora para o desejo. De Lauretisdiferencia dois processos diferentes de identificao no cinema. O primeiro uma oscilao e/ouidentificao. Em Vertigo, isso consiste em uma identificao masculina e ativa com o olhar

    (Scottie), e uma identificao feminina e passiva com a imagem (Judy/Madeleine). O segundo simultaneamente ambas identificaes. Isso consiste na dupla identificao com a figura domovimento narrativo (o protagonista, a nova Senhora White, em Rebecca). Esse processo deidentificaes com figuras permite espectadora mulher assumir tanto a figura passiva quanto aativa como posies de desejo: O desejo pelo outro, e o desejo de ser desejado pelo outro [18].Essa identificao dupla pode produzir um prazer excessivo, mas tambm a mesma operaocuja narrativa solicita o consentimento do espectador e seduz mulheres feminilidade.

    A noo do sujeito mulher, ento, parece ser contraditrio nos termos, tanto que de Lauretis svezes se refere ao sujeito feminino como um no-sujeito [19]. A mulher fundamentalmenteno representativa como sujeito de desejo; ela s pode ser representada como representao [20]. Ateoria feminista construda no mesmo paradoxo da irrepresentabilidade da mulher como sujeitode desejo, e mulheres na histria que se reconhecem como sujeitos. Para de Lauretis, a experinciada auto-conscincia de ser tanto mulher e mulheres a contradio produtiva do feminismo.Filmes de mulheres tais comoLes Rendez-vouz dAnna(1978),Jeanne Dielman**, Thrillerou SigmundFreuds Dora so seus exemplos privilegiados de filmes que exploram e explodem essa mesmacontradio.

    O desejo feminino

    Uma crtica feminista que tambm se aproximou da questo do desejo feminino atravs dodiscurso psicanaltico foi Kaja Silverman [21]. Utilizando a psicanlise lacaniana, Silverman

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    argumenta que cada sujeito estruturado pela ausncia ou castrao simblica. Na culturaocidental , no entanto, o sujeito feminino que tem que carregar o fardo dessa ausncia no intuitode prover ao sujeito masculino a iluso de integridade e unidade. Silverman sugere que, nocinema, esse deslocamento representado no apenas atravs do olhar e da imagem, mas tambmatravs do registro do pblico. Contrria mais frequente desencarnao da voz masculina nocinema, a voz feminina restrita ao campo do corpo. Isso contribui para mant-la longe do

    dilogo. A voz da mulher raramente alcana uma posio relevante em linguagem, significado oupoder e consequentemente reduzida a gritos, murmrios ou silncio no cinema dominante.

    (https://revistausinadotcom.files.wordpress.com/2015/04/kaja-silverman-1998-california.jpg)Kaja Silverman, 1998, California

    Silverman discute a fantasia cultural da voz maternal que envolve a criana como um cobertoracstico. Fantasiar sobre a proteo maternal significa de forma negativa o medo de ser engolidopela me, enquanto que significa positivamente uma regresso ao estado de harmonia quando acriana e a me ainda esto unidas. Silverman argumenta que ambas fantasias igualam a vozmaternal ao som puro, e negam me qualquer papel cultural como um agente discursivo. Na suareleitura da psicanlise, Silverman tenta fazer espao para a me e para o desejo feminino dentrodo discurso e da ordem simblica.

    Reinterpretando os relatos de Freud do desenvolvimento psicolgico da menina, Silvermanenfatiza o papel significante da me durante a primeira infncia. O ingresso na linguagem tambmsignifica o trmino da unidade entre me e filha, assim como um acesso no mediado realidade.

    A perda e a separao acarretadas pela aquisio da linguagem fazem a criana desejar a me. Amenina redireciona seu desejo me no que chamado de complexo de dipo negativo. Isso s

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    pode ocorrer aps o estgio pr-edipiano, porque a distncia da me necessria para ela serconstruda como um objeto ertico aos olhos da filha. Silverman, desta maneira, recupera o desejofeminino pela me como um total edipiano, isto , dentro da ordem simblica, dento da linguageme significao.

    aps o evento da crise da castrao, o incio dramtico da diferena sexual, que a menina deixa

    de lado o complexo de dipo negativo e entra na fase edipiana positiva, aprendendo aredirecionar seu desejo para a figura paterna. Os dois desejos so os locais para uma contradioconstitutiva e so consequentemente irreconciliveis. Para Silverman, o ertico investimento dafilha pela me pode ser uma fora subersiva para polticas libidinais, porque uma forma dedesejo que colocada em oposio ao desejo normativo figura paterna. Silverman enfatiza anegatividade do complexo de dipo negativo feminino como uma potencial poltica. Elaargumenta que primordial para o feminismo elaborar sobre os recursos libidinais dafantasmtica homossexual-maternal [22].

    Silverman tambm revisa a tradicional viso da divergncia de identificao e desejo. Em seu

    ponto de vista, esses dois paradigmas pscticos no so sempre exclusivos mutualmente, e podem,na verdade, se unir. No complexo de dipo negativo, a menina se identifica com a me tantoquanto a deseja, enquanto a figura paterna no sofre nem identificao nem desejo: para a garotaele meramente um rival incmodo [23]. Nesse estgio de desenvolvimento, a garota forma suaidentidade atravs da incorporao da imagem da me; ela tanto deseja possuir a me, quanto s-la. Existe, ento, um conjunto de identificao e erotismo que Silverman acredita ter uma relaovital com o narcisismo feminino. Para ela, o libidinismo feminino luta contra as mentiras do falona interseo do desejo da e identificao com a me.

    Nas leituras de Silverman, uma fantasia da proteo da me o princpio ordenador de Riddles othe Sphinx. Neste filme experimental, a figura da Esfinge ocupa a posio do narradorimaginrio, uma distintiva voice-overfictcia. Essa voz desencarnada faz uma grande variedade dediscursos sobre a maternidade, da psicanlise poltica, logo estabelecendo firmemente a vozmaternal sobre a ordem simblica. O filme centrado no desejo feminino de recuperar a meedipiana ou simblica, representada pela Esfinge. O filme nasce da relao me-filha, de Louise ede sua filha Anna. A fantasia maternal pode ser encontrada no s na dada pr-edipiana, mastambm na homossexual-maternal mnage troisda me, av e filha. O filme abre essa proteomaternal para uma comunidade feminista de mulheres, incluindo a amiga de Louise, Maxine, epara a voz e trabalho da artista Mary Kelly. Essa coletividade feminina, como a subjetividadefeminina, baseado no desejo passional pela me.

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    (https://revistausinadotcom.files.wordpress.com/2015/04/jlc.jpg)Halloween, 1978

    Notas:

    [N.T] *Vamp em ingls. Termo usado para designar uma mulher autnoma, que nonecessariamente bonita, mas que tem um apelo sexual muito forte. Uma mulher que usa de seucharme para seduzir e se aproveitar de homens.

    [N.T] **Os filmes citados que no possuem data, j foram citados na primeira parte da traduodo artigo, aqui.

    [1].King Vidor, 1946 | [2].Mulvey, 1989, p.37 | [3].1989 | [4].1991 | [5].1975 | [6].1991 | [7].Doane, 1991, p. 22 | [8].Doane, 1991, p.31-32 | [9].1987 | [10].1983 | [11].Kaplan, 1983, p.30 |[12].1987 | [13]. 1980 | [14].1988 | [15].1992 | [16]. 1984;1987 | [17].1984 | [18]. de Lauretis,1984, p.143 | [19]. de Lauretis, 1987, p.36 | [20]. de Lauretis, 1987, p.20 | [21]. 1988 | [22].Silverman, 1988, p.125 | [23]. citao de Freud na obra de Silverman, 1988, p.153

    Traduo de Thomas Ilg e agradecimentos muitssimo especiais a Sofia Osthoff Bediaga, abril 2015

    Confira tambm:

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    Teoria do Cinema Feminista | Parte I (/2015/03/15/teoria-do-cinema-feminista-parte-i/)Pequenas Margaridas (/2014/08/16/pequenas-margaridas/)Encontro com Helena Ignez (/2014/11/15/encontro-com-helena-ignez/)

    Blog no WordPress.com. | O tema Sight.

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