SAID, Edward W. Representações do Intelectual
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M f í T t t í
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E D W A R D W . S A I D
Representaçõesdo intelectual A s Conferências Reith de 1993
Tradução
M i lt on H a to u m
Co m p a n h i a Da s L e t r a s
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Copyright © 1994 by Edward W. Said
Título original
Representations o f the intellectual: The 1993 Reith Lectures
Capa
Ettore Bottini
Foto de capa
Layne Kenned y / Co rbis / Stock Photos
Preparação
Cacilda Guerra
Revisão
Olga Cafalcchio
Isabel lorge Cur y
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (c i p)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Said, Edward W., 1935-2003
Representações do intelectual: as Conferências Reith de 1993 / Edward
W. Said ; tradução M ilton H atoum. — São Paulo : Companh ia das Letras,
20 0 5.
Título original: Representations of the in tellect ual: The 1993 Reith Lectures.
Bibliografia.
ISBN 85-359-O6U-6
1 . I n t e l e c t u a i s 2 . I n t e l e c t u a i s n a l i t e r a t u r a ] . T i t u l o . 1 1 . A s C o n f e rê n c ia s
Reith de 1993.
0 5 - 0 5 1 * )- 305 S S ;
índice para catálogo sistemático:
1. Intelectuais : Sociol ogia 305.S52
[2005]
Todos os direitos desta edição reservados à
E D I T O R A S C H W A R C Z L T DA .
Rua Band eira Pa ulista 702 cj. 32
04532-002 — São Paulo — sp
Tele fone (11) 3707-3500
Fax (11) 3707-3501
www.companhiadasletras.com.br
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Para Ben S an nenberg
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Sumário
In trod u çã o .............................................................................................. 9
1. Represen tações do in te le c tu a l ...................................................... 19
2. M an te r n açõ es e trad içõ es à d i s t â n ci a ........................................ 37
3. Exíl iò intelectu al: exp atriad os e marg in ais ............................. 55
4. P ro fis sio n ais e a m a d o r e s ................................................................. 71
5. Fal a r a ve rd ad e ao p o d e r ................................................................. 89
6. D eu se s qu e sem p re f a l h a m .............................................................105
Notas 123
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Introdução
N ão h á equ ivalente às Conferências Reith n os Es tados Un i
d os , apesa r de vá r ios am er ican os — Rober t Op pen he imer , John
Kenn e th G a lbra i th , John Sear le — as te rem profe r ido desde a i -
n au gu ração d a sé r ie de p rogram as rad iofôn icos em 1948, p or Ber- t ran d Russel l. O uvi a lgun s desses p rogramas — lem b ro-m e p ar
t icu larm en te das conferên cias de Toynb ee, em 1950 — e nqu a n to
m e n i n o q u e cr e sci a n o m u n d o á r ab e , o n d e a BBC e ra um a pa r t e
m u ito im p ortan te da n ossa vida . Aind a hoje , f rases com o “Lond res
i n fo rm ou e st a m a n h ã ” s ão u m ref rã o com um no O r ie n t e M é d io , e
sem p re usad as com a sup os ição d e que “Lond res” diz a verdad e.
N ão sei se essa visão é apen as u m vestígio do colonialismo, emb ora tam b ém seja verdad e que n a Ingla terra e no es t rangeiro a BBC o c u
pa u m a p os ição n a v ida pú bl ica qu e não é apreciada n em p or agên
cias governam enta is , com o a Voz d a Am érica , n em p or redes ame
r i ca n a s , i nc lu ind o a CNN. Um a raz ã o é que p rog ra m a s com o a s
Con ferên cias Reith e os m u itos deb ates e d ocum en tár ios são ap re
sen tad os pela BBC n ão tan *o co m o pro gram as sancionad os oficial
m en te , m as com o ocasiões qu e oferecem aos ouvintes e esp ecta
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dores um con ju n to im press ionan te de m ate r ia l sé r io e , com f re
q üê ncia, de excelente qu alidade.
Por i sso, sen t i -m e m ui to h on rado pe la opor tun idad e de p ro
f e r i r as Con ferências Reith d e 1 9 9 3 , a convite d e An n e Wind er, da
lu te Devido a prob lemas de p razos e horár ios , acer tam os u m a data
para f im de jun ho , em vez da d ata hab i tual , em janeiro . Mas quase
a pa r t i r do m om en to em que • confe rênc ias fo ram anun ciadas
pela BBC, no final de 1 9 9 2 , hou v ím coro de crí t icas persistente,
embora re la t ivamente pequeno , em pr imei ro lugar pe lo fa to de
te rem m e convidad o. Fui acusad o d e ser um at ivis ta na lu ta pelos
'd i re i tos pales t inos e , por tanto , desqual i f icado para qualquer t r i
b un a sér ia ou respei tável . Esse foi apen as o p r im eiro d e u m a série
de argum entos to ta lm en te an t i in te lectuais e an t i -rac ion ais , todos
eles, i ronicamen te , apoian d o a tese das m inh as conferências sobre
o pap e l púb l ico do in te lectua l com o um ou ts ide r , u m “am ad or” e
u m p e r t u r b a d o r d o s ta tu s q u o .
Essas crí t icas revelam , de fato, m u ita coisa sobre as at itud es
b r i t ân icas p a ra com o in te lectua l . É cla ro q ue ta i s cr í t icas são
im pu tadas ao púb l ico b r i tânico p or cer tos jornal is tas , mas a fre
q üên cia com que são repet idas d á a essas noções a lgum a credibi l idad e socia l co r ren te . Ao com en ta r os tem as anu nc iados das m i
n h a s co n f e r ê n c i a s — “ R e p r e s e n t a çõ e s d o i n t e l e c tu a l ” — , u m
s im pá t ico jo rna l is ta a f i rm ou qu e e ra o as sun to m enos inglês pa ra
se abord ar . As expressões “ to r re de m ar f im ” e “u m o lha r de sa r
casm o” foram associadas à p alavra “ in te lec tu al”. Esse rac iocín io
d e p l o rá v el fo i su b l in h a d o p e l o f a le ci d o R a y m o n d Wi l li a ms e m
Keyworãsr. “Até a m etade d o sécu lo xx e ram dom inan tes em ing lês
os usos des favoráve i s dos t e rm os int electuais, intelectualism o e
intelligentsia”, d iz ele ,“e é claro q u e tais usos p ersiste m ”.1
Um a das ta re fas do in te lectua l r e side no es forço em der ru bar
os estereót ipos e as categor ias red u toras qu e tan to l im itam o p en -
.s am ento hu m ano e a com u n icação . Antes de com eçar as confe rên
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cias, n ão fazia idéia das l im itações a q ue estava su b m etid o. Foi di to
com freqü ência , p or jornal istas e com en tad ores q u eixosos , qu e eu
era um pa lest ino , o que, com o todos sab iam , e ra s inôn im o de v io
lência, fanatismo, assassinato de judeus. Nada do que escrevi foi ci tado : par t iu -se do pr inc íp io de qu e e ra assun to de con h ec im en to
com u m . Além d isso, fu i d escr ito no tom p om p oso e d ram át ico d o
^ Th e Sun da y Telegraph com o an t iociden ta l , e m eus escr i tos , cen t ra
dos “em cu lpar o O ciden te” p or todos os males do m u n d o, p r in c i
p almen te do Terceiro M un do.
O qu e parece te r pas sado com p le tam en te d esaperceb id o fo i tud o o q ue realm ente escrevi n u m a série de l ivros , en t re e les O rien -
tcilismo e Cult ura e im perialism o. (M e u p e ca d o i m p e r d o á v e l n e st e
úl t imo é o a rgum ento de que M ans f ieldPa rk , de Jane Au s ten — u m
r om an ce que ap r ecio tan to q u an to o r e s to de s ua ob r a — , t i nh a
t a m b é m a lg o q u e v er co m a e s cr a v id ã o e co m as p l a n t a çõ e s d e
can a-d e-açúcar per tencen tes a b r i tân icos em An t ígua , am b os n a t u r a l m e n t e c i t a d o s p o r e l a d e u m a m a n e i r a m u i t o e s p e c í f i c a .
M inha abo rdagem é que, do m es mo m od o com o Jane Aus ten f a l a
de in t r igas na G rã-Bre tanh a e nos d om ínios b r i tân icos do U l t r a
m ar, tam b ém devem fazê-lo seus lei tores do sécu lo xx e os cr í t icos
qu e , du r an t e t em po d emais , cen t r a r am s ua a t enção n a G r ã -B r e
t anh a , exclu indo as possessões u l t r am ar in as .) O qu e m eu s l ivros t en tavam com bater e ra a cons t ru ção d e fi cções com o “O r ien te” e
“Ocid en te”, isso sem falar de essên cias racial is tas , tais co m o raças
subju gadas , or ientais, ar ianos , n egros e ou tros . Lon ge d e en coraja r
u m sen t im ento de inocência or igina l r essen t id a em pa í ses que t i
n h am sofr ido as devas tações d o co lon ia l i sm o, a f i rm ei r ep e t id a
m en te que ta is abs t rações m í ti cas e ram m en t i r as , as sim com o os vár ios discursos re tór icos de cu lpab i l ização a qu e d eram or ige m .
As cu l turas es tão entrelaçadas d em ais , seus con teú d os e h is tór ias
d g m a si ad a m e n t e i n t e rd e p e n d e n t e s e h í b r i d o s p a r a q u e s e f a ça
u
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u m a se p a ra çã o c irú rg i ca e m op os i çõe s va st a s e sob re tud o i de o ló
gi ca s com o O r i e n t e e O ci de n t e .
M e s m o o s cr ít ico s b e m -i n t e n c io n a d o s d a s m i n h a s co n f e rê n
ci as — co m e n t a d o r e s q u e p a r e c i a m t e r u m v e rd a d e i ro co n h e ci m e n t o d o q u e eu d i z ia — p a r t ir a m d o p r i n cí p io d e qu e m i n h a s e xi
gê nci as sob re o pa pe l d o i n t e l e ct ua l na soci e da de c on t inh a m u m a
m e n sa ge m a u t ob i og rá f ica ve l a da . P e rgu n t a r a m -m e a r espe it o da
p o s i çã o d e in t e le ct u a i s d e d i r e it a , c o m o W y n d h a m Lew is o u
Wi l l ia m Buc k l ey , e po r q u e , n a m i n h a op i n i ã o , t od o i n t el ect ua l t em
d e s er u m h o m e m o u u m a m u l h e r d e e sq u e rd a . O q u e n ã o p e r ce
b e ra m fo i o f a t o de qu e Ju l ie n Be n d a , a q u e m (t al ve z p a ra doxa l
m e n t e ) m e r e fi ro c om a l gum a f r e qü ê n ci a , s it ua va-se po l i t ica m e n
te bem à d i rei t a. Com efe ito , m in h a t en ta t iva nessas confe rênc ias
fo i , an tes de m ais nad a , fa la r d e in te lectua i s p reci sam en te com o
a q u e l as f i gu r a s c u j o d e s e m p e n h o p ú b l i co n ã o p o d e s er p re vi sto
n e m f o r ça d o a en q u a d r a r -s e n u m s lo g a n , n u m a lin h a p a rt id á r ia
o r t o d o x a o u n u m d o g m a r íg i d o . O q u e te n t ei su g er ir é q u e os p a
d rõe s de ve rda d e sob re a m i sé r i a hu m a n a e a op re ssão de ve ri am ser
ma nt i dos , a pe sa r da f i l i a ç ã o pa r t i dá r i a do i n t e l e c t ua l e nqua n t o
i n d i v í du o , da s o r i ge ns e de l e a l da d e s a nc e s t r a i s . N a da d i s t o rce
m a i s o de se m p e nh o p ú b l i co d o i n t e le ct ua l do q ue os fl or ei os r e
tór icos, o s i lên cio caute lo so, a jac tân cia p at r ió t ica e a apostasia re
t r o spe c t iva e a u t od ra m á t i ca .
A te n t a ti v a d e a d e r i r a u m p a d r ã o u n i ve rs al e ú n i co c o m o t em a d e s em p e n h a u m p a p e l im p o r ta n t e n a m i n h a ab o rd a ge m d o
in te lectua l . O u , an tes , a in te ra ção en t re a u n ive rsa lidade e o loca l,
o su b je t ivo , o aq u i e ago ra . O in te ressan te liv ro de John Carey The
intellectuals a nd the m asses: p rid e a nd preju di ce am ong the li terary
in tel l igents ia 18 80- 193 91 [O s in te lec tu ais e as m assas: orgu lh o e
pre c onc e i t o e n t r e a i n t e l l i ge n t s i a l i t e r á r i a , 1880-1939] fo i pu
b l i cado n os Estados Un ido s d ep oi s de eu t e r e scr i to m inhas con fe rênc ias . m as descobr i qu e o con ju n to d e suas conc lusões desan i -
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m ad oras com plem entava as m inh as . Segun do Carey , in telectuais
b r i tân icos com o Giss ing , Well s e W yn d h am Lewis execravam o
c r e s c i m e n t o d a s m o d e r n a s s o c i e d a d e s d e m a s s a , d e p l o r a n d o
coisas com o “o hom em com u m ”, os sub ú rbios , o gosto d a classe m éd i a ; ao co n t r á r io , p r o m o v er am u m a a r i s t o cr ac i a n a t u r a l , o s
“b on s” velhos t emp os e a cu l tu ra d a c lasse a lt a . Para m ím , o in -
t e lectual d i r ige-se a u m p úb l ico tão am p lo qu an to p ossível, qu e é
sua p latéia natu ral , em vez de de san cá-lo . O p rob lem a p ara o in
te lectual não é tan to , com o Carey d iscu te , a sociedad e de m assa co
m o u m todo, m as antes os qu e es tão p or d en t ro do s i s tem a, especia
l is tas, grup os de interesses, profissionais q u e, n os m old es d efinidos n o in ício do século XX p e lo e r u d i t o Wal te r Li p p m an n , m o l d am a
o p i n i ão p ú b l ica , t o r n an d o -a co n f o r m i s t a e en co r a j an d o a co n
f iança nu m grup inho sup er io r de hom en s que sabem tud o e es tão
n o p o d e r . Pes so as b em r e laci o n ad as p r o m o v em i n t e r es se s p a r
t icu lares , m as são os in telectuais qu e dever iam q u est ionar o n acio
n a l is mo p a t r i ó ti co , o p en s am en t o co rp o r a t iv o e u m s en t i d o d e
privilégio de classe, raça ou sexo.
A universalidade significa corr er u m risco no sen tido d e ir além das
certezas fáceis que nos são dadas pela nossa formação, l íngua e
nacionalidad e, que tão freqü entem en te nos escu d am d a realidad e
dos outros. Também significa p rocu rar e tentar m an ter u m p adrão
único para o comp or tamen to hu m ano quand o são abordados cer
tos assun tos, com o p olítica extern a e p olítica social. Assim, se con
denamos um a to de agressão in jus t i f icada de um in imigo , de
veríamos tam bém ser capazes de fazer o mesm o q uan do nosso
governo invade u m r ival mais f raco. N ão h á regras por m eio das
quais intelectuais possam saber o qu e dizer ou fazer; n em p ara o ver
dadeiro intelectual secular há deuses a serem venerados e a quem
p e d i r o r i e n t a ç ã o f ir m e .
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Em tais circu n stâncias o terren o social é n ão ap en as diverso,
mas m u ito difíci l de negociar. Assim, Ern est G ellner, n u m ensaio
inti tu lado “La trahison de la trah ison des clercs”, qú e rep rova o p la-
ton ism o acrí t ico de Jul ien Bend a, acaba p or n os d eixar exatam en te
em nen hu m lugar , sendo m enos c la ro do que Bend a , m enos cora joso d o q ue o Sartre q ue ele cri t ica, e inclusive m en os ú ti l d o qu e
a lguns qu e clamavam segui r um d ogm a s im plór io : “O qu e estou
d izend o é que a t a refa de não se co m p r o m e t e r [la trahison des
clercs| é mu ito, m u ito mais difíci l d o qu e aqu ilo em q ue seriam os
levados a crer a par t i r de um m odelo terr ivelmen te s im pl i f icado da
s i tuação de t rabalho d o intelectual”.3A p rud ência vazia de G ellner,
muito parecida com o ataque infame e desesperadamente cínico de Paul Joh n son a tod os os intelectuais (“u m a dú zia de ind ivíduos
apan had os ao acaso na rua o f e recem , no m ín im o , op in iões tão
sensatas sobre assun tos morais e pol í t icos com o u m a am ostra da
intelligentsia”1), nos leva a concluir que não pode haver tal coisa
com o u m a vocação intelectual , u m a ausência a ser com em orad a.
D iscordo , n ão só p orqu e p ode ser fe it a um a d escr ição coe
ren te dessa vocação , mas tam b ém p orqu e o m un do está mais abar
rotad o d o q ue n u n ca de prof issionais , especialis tas , con su l tores ;
n u m a pa l av ra , povoado de intelectuais cujo p apel pr incipal é con
f e r ir a u t o r id a d e co m s eu t ra b a l h o e n q u a n t o r e ce b e m g ra n d e s
lucros . H á u m conju nto de escolhas con cre tas com qu e o in te lec
tual se dep ara, e são essas escolhas qu e caracter izo em m inh as con
ferências. Em p r ime iro lugar , é claro, es tá a noção de q ue tod os os
intelectuais represen tam algum a coisa para seus respect ivos p úb l i
cos e , dessa forma , se auto-represen tam diante d e si próp r ios . Seja
u m a ca d ê m i co , s eja u m e n s a ís ta b o ê m i o o u u m co n s u l t o r d o
D ep artam en to d e Defesa, o intelectual faz o que faz de acordo com
j um a idé i a ou r ep re sen t ação qu e tem de s i m esm o f azend o e ssa
coisa : p en sa em si p róp r io com o forn ecedor de conse lhos “obje
t ivos” em t roca de pagam ento , ou acredi ta qu e o qu e ens ina aos
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a lun os t em u m va lor de ve rdade , ou se vê com o um a pe r sona lidade
ad vogan d o u m a perspec t iva excên t r ica , m as cons istente?
T o d o s n ó s vi ve m o s n u m a s o ci ed a d e e s o m o s m e m b r o s d e 0
u m a n a ci ona l i d a d e com s ua p r óp r i a l íngu a , t r ad i çã o e si tua çã o h istór ica . Até qu e p on to os inte lectuais são servos dessa realidade,
a té qu e p on to são seus in imigos? A m esm a coisa acon tece com a
re lação d os in telectuais com as in st i tuições (academ ia, Igreja, en t i
d ade p rofissiona l ) e com os pod eres de u m m od o gera l, os qu a is ,
na nossa épo ca , coop ta r am a in tel ectua lidade em grau ex tr aord i
n ar iam en te a l to . C om o assina la o poe ta Wil f red O w en, o resul tado
é q u e “os escr ib as im p õem suas vozes ao p ovo/ E apregoam ob e
d iên cia ao Es tad o” Por i sso , a m eu ver, o p r inc ipa l dever do in
te lectual é a bu sca d e u m a rela t iva ind ep en d ên cia em face de tais
p ressões. D aí min h as caracter izações do in telectual com o u m exi-
l ado e m arg in a l , com o am ado r e au to r de um a linguagem qu e ten ta
fa lar a verdad e ao pod er .
Um a das v i r tud es , ass im com o u m a das d i f iculdades , de p ro f e r ir as Co n fe rên cia s Re i th é o f a to d e e s t a rm os l im i tados p e lo
r i go r in f le xí ve l do f o r m a t o de u m p r og r a m a de t r in t a m i nu t o s:
u m a con fe rên cia p or sem ana d u ran te seis seman as . No en tan to , o
con ferenc is ta se d i r ige ao vivo a u m p ú b l ico en orm e, m u i to m aior
d o qu e a qu e le a q u e no r m a l m e n t e i n t e l ect ua i s e a ca d ê m i cos se
di r igem. Pa ra ab ord a r um assun to t ão com p lexo e po ten cia lm ente
i n t e r m i ná ve l c om o o m e u , ess a s i tu a çã o r e p r e s e n t ou p a r a m i m
u m a exigên cia especial no sent ido de ser o m ais preciso, acessível e
econ ôm ico p ossível . Ao prep ará-las para p u b l icação, m an t ive-as
p ra t i cam en te com o foram p rofe ridas , acr e scen tan d o apenas um a
re fe rência ocas ion a l ou um exemp lo, p ara ass im m elho r preservar
t an to o m om en to q u an to a n ecessá ri a con ci são do o rig in a l, s em
d e ixa r no t ex to q ua lqu e r b r ech a pa ra o fusca r ou , de ou t r a man e i ra , di lu i r ou suavizar os temas mais im p or tantes .
Assim , en q u an to t enh o pou co a acr e scen ta r que possa m u d ar
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as idéias exp ostas aq ui , gostar ia qu e es ta in t rod u ção fornecesse u m
p ou co m ai s de con tex to . Ao sub l inh ar o pape l do in te lectua l com o
u m o u t s id e r , t en h o t id o em m en t e q u ão i mp o t en te s n o s sen t imo s
t a n t a s ve ze s d i a n t e d e u m a r e d e e s m a g ad o r a m e n t e p o d e r o s a de au tor idad es sociais — os m eios de comu n icação, os governos , as
corp ora ções etc . — qu e afas tam as poss ib i lidades de real izar qual
q u e r m u d a n ça . N ã o p e r t e n c e r d e l ib e r a d a m e n t e a ess as a u t o r i
dades s ign i f i ca , em mui tos sen t idos , não ser capaz de e fe tuar
m u d an ças d iretas e, infel izm en te, ser às vezes relegado ao p apel de
u m a t e st emu n h a q u e co n f i r m a u m h o r r o r q u e , d e o u t r a man e ir a,
n ão ser ia regis trado. Um relato recente e m u i to com oven te de Peter
Dai ley sobre o t a l en toso ensa í s t a e romanci s t a a f ro -amer icano
Ja m e s Ba ld w i n m o s t r a p a r t i cu l a rm e n t e b e m es sa co n d i çã o d e
“tes t em u n h a” em tod o o seu pá thos e e loqüência am bígu a .5
M as res t am p ou cas dúv idas de que f igu ras com o Baldwin e
M alco lm X def inem o t ipo d e t raba lho qu e mais in f luen ciou m i
n h as r ep r e s en t açõ es d a co n s c i ên c i a d o i n t e l ec t u a l . O q u e me
p r en d e é m a i s u m es p í r it o d e o p o s i ção d o q u e d e aco m o d ação ,
p orq u e o ideal rom ân tico, o interesse e o desafio da vid a intelectual
d e v e m s er e n c o n t r a d o s n a d i ss en s ã o co n t r a o st at u s q u o , n u m
m om en to em que a lu t a em n om e de g rupos desfavorecidos e pou
co rep resen tados parece pen d er tão in jus tamen te p ara o lado con
t rár io a o deles . Meu s anteceden tes na pol í t ica pales t ina in tensi
f i ca r am a i n d a m a is e ss a p o s i ção . Tan t o n o O ci d en t e co m o n o
m u n d o árabe, a lacuna q ue separa os pod erosos dos despossuídos
ap rofu n d a-se a cada d ia; e, en tre os intelectuais que estão n o pod er,
essa lacu n a ressalta um a ind i ferença presu nçosa que é realmen te
as s u s t ad o r a . Po u co s an o s d ep o is d e cau s a r e s t a rd a l h aço , o q u e
p od er i a se r m en os a t r a t ivo e m enos verdad e i ro do q ue a tese de
Fuk u yam a sobre o “f im d a His tór ia” ou o es tud o de Lyotard sobre
o “d esap arecimen to” das “grand es narrat ivas”? O m esm o se pode
d izer dos p ragm át i cos e dos r eal is tas de cabeça du ra que t r am a
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r am f icçõ es ab su rd as co m o a “n o v a o rd em m u n d ia l ” o u “o ch o q u e
d as civilizações”.
N ão qu ero ser mal comp reend ido . Nã o se exige dos in te lec
t u ai s u m a p o s tu ra d e q u e ixo so s m a l -h u m o rad o s . Nad a p o d e r i a se r men os verdad e i ro qu and o se pen sa em d is siden tes famosos e ené r
g ico s co m o N o a m C h o m s k y o u G o r e V i d a l. T e s te m u n h a r u m
estado lamentável de coisas qu an d o n ão se es tá n o p od er n ão é , de
j ei to n e n h u m , u m a a ti vi d ad e m o n ó t o n a e m o n o c r o m á t i ca . E n
volve o qu e Fou caul t cer ta vez ch am ou de “eru d ição im p lacável” ;
r a.s tr ea rj fo n t.e s a l t e rn a t ivas , exu m ar d o cu m en to s en t e r r ad o s ,
reviver h is tór ias esqu ecidas (ou a b an d on ad as) . Envolve tam b ém
u m s en t id o d o d ram á t i co e d o in s u rg en te , ap ro v e i tan d o ao m á
xim o as r a ra s o p o r tu n id ad es q u e s e t em p a ra f al ar , ca t i v an d o a
a t en ção d o p ú b l i co , s a in d o - s e m e lh o r n a t ro ca d e f a rp as , n o
h u m or e no deba te do que os opon en tes . E há a lgo fun dam en ta l
m en te desconcer tan te nos in te lectua i s qu e não têm nem escr i tó
r ios seguros , n em terr i tór io p ara consol id ar e defend er; p or isso , a
au to -i ro n i a é m a i s fr eq ü en te d o q u e a p o m p o s id ad e , a f ro n t a l i
dade melh or do qu e a hes i tação e o gaguejo. M as não h á com o ev i
tar a real idade in escapável de qu e ta is representações p or in telec
tuais não vão t razer-lhes am igos em altos cargos n em lhes conced er
hon ras of iciais. É um a con d ição sol i tár ia , s im, m as é sem p re m e
lhor do que u m a to lerância gregária para com o es tado d as coisas .
Sou m u i to g ra to a An n e Win d e r , d a b b c , e a sua a ss is tente
Sarah Ferguson . Com o p rod u to ra responsável p or essas conferên
cias , Anne Wind er m e o r ien tou com su t il eza e sabed or ia d u ran te
as g ravações. Q u aisqu er fa lhas são , n a tu ra lm en te , da m in h a in
te i ra responsabi l idade. Francês Coad y edi tou o m an u scri to com in
teligência e tato. Sou m u ito gr ato a ela. Em N ova York, Shelley W an - ger, da Pan theon , a jud ou -m e am avelm ente ao longo d o p rocesso
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edi tor ia l . Agrad eço-lhe m u ito . Pelo seu in teresse nessas con ferên
cias e pela gent i leza em p u b l icar a lgun s t rech os , agradeço tam b ém
a o s m e u s q u e r i d o s a m i g o s R i c h a r d P o i r i e r , e d i t o r d a Rar i tan
Review , e Jean Stein, ed itora d a G rand St reet. A sub stância dessas
páginas fo i con s tan tem en te i lu m inad a e rev igorada p e lo exemp lo
de m uitos in te lectuais de valor e grand es am igos ; um a lista de seus
nom e s ne s ta in t rod u ç ã o s e r ia ta lve z e m b a ra ç os a pa ra e le s, p o
den do p arecer desagradável . De tod o m od o, a lguns desses nom es
ap arecem nas con ferências . Saú d o-os e agrad eço-lh es por sua so
l idar iedade e seus en s inam en tos . A dra . Zaineb Is t rabad i a ju d ou -
me em todas as fases da p rep aração d essas con ferên cias : sou-lhe
m u ito grato p ela sua assistên cia eficaz.
E. W. S.
N ova York
l Feverei ro , 1994
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1. Representações do in telectual
Os in telectuai s fo rm am u m grup o de pessoas m u i to grande
ou ex t remam ente p equ eno e a l t am en te selecionad o? Sobre essa
q u estão, duas das m ais fam osas d escr ições de inte lec tu ais d o sé
c u l o x x s ã o f u n d a m e n t a l m e n t e o p o s t a s . A n t o n i o G r a m s c i , o
m arxista, m il itante, jorn alista e b ri lh an te f i lósofo p olí t ico i tal ia
n o, qu e foi preso p or Mu ssolini en tre 1926 e 1937, escreveu n os
seus Cadernos do cárcere que “todos os ho m en s são in te lectua i s ,
em b ora se possa d ize r: mas nem todo s os ho m ens d esemp enh am
na soc iedade a função de in te lec tua i s”.1 A p r ó p r i a ca r r e i r a d e
G ram sci exemp lifica o p apel que ele atr ibu iu ao in telectu al . Fi ló-
l ogo c a pa c i t a do , e l e fo i a o me smo t e mpo um o rga n i z a do r do
m ovim en to da classe operária i tal iana e, em sua at ividad e jorn alís
t ica , u m dos analistas sociais mais conscientem en te p on d erad os,
cujo objet ivo era con st rui r não apen as um m ovim en to socia l , m as
t am b ém toda um a form ação cu l tu ra l a ssociada a esse mov im en to .
G r a m s ci t e n t a m o s t r a r q u e as p e s so a s q u e d e s e m p e n h a m
u m a fun ção in telectua l n a sociedade p od em se r d ivid idas em doi s
t ipos : p r im ei ro , os in te lectua i s t rad icion a i s , com o p rofessores ,
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clér igos e ad m in is t rado res , qu e , geração após geração, cont in u am
a fazer a m esm a coisa ; e , segun d o, os in te lec tu ais orgân icos , qu e
G ram sc i con s ide rava d i re tam en te l igados a clas ses ou emp resas ,
qu e os usavam p ara o rgan iza r in teresses, con q u is ta r m a is pod er , ob ter m ais controle . Ass im, G ram sci d iz o seguinte sobre o in te lec
tu al orgân ico: “o em p resár io capi ta l is ta cr ia ju n to d e s i o técnico
in d u s tr ia l , o especia lis ta em econ om ia p ol í t ica , os organizad ores
d e u m a nova cu l tu ra , de um novo s is tema lega l e tc.”.2N os dias de
h oje , o e specia li sta em p u bl icidad e ou re lações pú bl icas , qu e in
v e n t a t é cn i ca s p a r a o b t e r u m a m a i o r fa ti a d e m e r ca d o p a r a u m
d e t e r g e n t e o u u m a c o m p a n h i a d e a v i a ç ã o , s e r i a c o n s i d e r a d o , segun do G ram sci , um in te lectua l o rgân ico , a lguém que nu m a so
c ied ad e d em ocrát ica tenta ga n h ar a adesão de cl ientes poten cia is,
ob te r aprovação , n or tea r o con su m id or ou o e le i to rado . G ramsci
acredi tava q ue os in te lectuais orgân icos es tão a t ivamen te envolvi
dos na s oci e da de ; i st o é, el es l u t a m con s t a n t e m e n te pa ra m u d a r
m enta l idad es e exp and i r m ercad os ; ao con t rá r io d os p rofessores e
dos cl ér igos, que p a re ce m p e rm a ne c e r m a i s ou m e nos n o m e s m o l uga r , r ea li z and o o m e s m o t i po de t ra ba lh o a n o a pós a no , o s in
t e lectua i s o rgân icos es tão sem pre em m ovim en to , t en tan d o fazer
negóc ios .
N o o u t ro ex t rem o se en con t ra a cé lebre de f in ição de in te lec
t u a i s d e Ju l i en B en d a : u m g r u p o m i n ú s cu l o d e r e is -f il ó so f os
s up e rdo t a dos e com g ra nde s e n t ido m ora l , que c ons t it ue m a con s
c iê n ci a da hu m a n ida d e . Ap e s a r de se r ve rda d e que o t r a t a do de B e n d a La trahison des clercs — a t ra ição dos in te lectua i s — f icou
p a ra a pos t er ida d e m a is com o u m du ro a ta que a os i n t el ectua is que
a b a n d on a m s ua voca çã o e com p rom e te m se us p r incíp io s do que
com o u m a aná l ise si s tem át ica d a v ida in te lectua l , Ben da ci ta , de
fa to , um p equ eno nú m ero de nom es e de ca racte r í st i cas p r inc ipa i s
d os q ue con s ide ra va s e re m ve rd a de i ro s i n t e l e ctua i s . S óc ra t e s e
Jesus são m en cionad os com f reqü ênc ia , a lém de ou t ros exemp los
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m ais r ecen tes , com o Esp inosa , Vo l ta i re e Ern es t Ren an . Os ver
d ad e i ros in t e l ec tu a i s cons t i tu em u m a cl e rez ia , são c r ia tu ras de
f a to m u i to r a ras , u m a vez que defendem pad rões e t ernos de ver
dad e e jus t iça que não são p reci sam ente des te mu n do . Daí o t e rm o r e ligioso qu e Ben d a lhes a t r ibu i — clér igos — , u m a d i s tinção n a
p os ição socia l e n o desem pen ho que e le semp re con t rapõe aos le i
gos , aqu elas pessoas com u n s in teressadas em van tagens m ateria is ,
em p rom oção p essoa l e, se possíve l, n u m a re lação p róxim a com os
p od eres seculares. Os verd ad eiros intelectuais , diz ele, são
e
aqu eles cu ja atividad e não é essen cialmen te a bu sca d e objetivos práticos , ou seja, tod os os que p rocu ram sua satisfação no exercício
de u ma arte ou ciência ou da especulação metafísica, em su ma, na
posse de vantagen s n ão materiais, daí de certo m od o d izerem: ‘Meu
reino n ão é deste mu nd o ’.1
N o en tan to , os exem plos de Bend a deixam m u i to claro que ele
n ão en d o s s a a n o ção d e p en s ad o r es t o ta l men t e d es co m p r o m et id os , a lhe ios a es te m u n d o , f echados n u m a to r re de m ar f im , vo l ta
dos in t ensam ente p ara si p rópr ios e devo tados a t emas ob scuros , e
t a lvez m esm o ocu l t is tas . O s verdadei ros in telectuais nu n ca são tão r
e le s m e s m o s c o m o q u a n d o , m o v id o s p e la p a i xã o m e t af ís ica e
p r incíp ios des in teressados de jus t iça e verdade, de n u n ciam a cor
ru p ção, d efend em os f racos , desaf iam a au tor id ad e imp erfeita ou
op ressora . “É n ecessár io lem b rar”, p ergun ta Bend a,
como Fenelon e Massillon den un ciaram certas gu erras de Luís xiv?
Com o Voltaire cond enou a destru ição do Palatinado? Como Renan
den un ciou as violências de Napoleão, e Buckle, as intolerâncias da
Inglaterra em relação à Revolução Francesa? E, nos nossos temp os,
Nietzsch eem relação às brutalidades da Aleman ha contra a França?’
De acord o com Ben da, o p roblem a dos in telectuais de hoje é
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qu e eles concederam sua autor id ad e m oral àqui lo que, n u m a frase
p rem on itória, ele cha m a “a organ ização de pa ixões colet ivas”, tais
com o o sectar ism o, o sent im en to das massas , o n acional i sm o bel i
gera n te, os interesses de classe. Bend a escreveu isso em 1927, b em
antes da ép oca dos m eios de com u n icação d e massa, m as ele pres
s en t iu q u ão i m p o r t an t e e r a p a r a o s g o v e rn o s t e rem co m o s eu s
serv idores aqu e les in t e lectua i s qu e pod iam ser con vocad os não
p ara d i r ig ir , m as p ara conso l idar a p ol í t ica governam en tal , p ara
expel i r p rop agan d a con t ra in im igos o fi ci a is , eu fem ismos e , em
escala mais am p la, s i stemas in tei ros da N ova Língu a O rwel liana,
capazes de d i s s imu lar a verdad e do q ue es t ava acon tecen d o em
n om e d e “conven iências” ins t i tucionais ou da “ho n ra n acion al”.
A força da lam ú ria de Bend a con tra a t raição d os intelectuais
não se en cont ra n a su ti leza do seu argum en to , nem no seu absolu-
t ismo qu ase impossível no q ue respei ta a sua visão totalm en te des
com p rom et ida d a m issão do in telectual . De acordo com a defin ição
* de Bend a, os verdad eiros intelectuais d evem correr o r isco de ser
qu eim ad os na foguei ra , cru ci f icad os ou con d en ad os ao os t racis
m o. São personagens s imb ól icos , m arcados p or sua d is tância obs
t inad a em relação a problem as p rát icos . Por i sso, n ão p odem ser
n u m erosos , nem desenvo lver-se de m od o ro t ine i ro . Têm de ser
i n d i v í d u o s co mp l e t o s , d o t ad o s d e p e r s o n a l i d ad e p o d e r o s a e ,
s o b r e t u d o , t êm d e e st a r n u m es tad o d e q u ase p e r m an en t e o p o
sição ao status q u o. Po r tod as essas razões, os intelectuais de Bend a
form am inevitavelmente um grup o peq uen o e a l tam ente visível de
h o m en s — ele n u n ca i n c lu i m u l h e r e s — , cu j a s v ozes to n an t e s e i m p r ecaçõ es i n d e l icad as s ão v o ci f er ad as d as a lt u r a s à h u m an i
dade . Bend a nu n ca ass ina la com o esses hom ens conh ecem a ver
dad e , ou se suas lum inosas in tu i ções dos p r incíp ios e te rnos n ão
ser iam , com o as de D om Q uixote , p ou co mais do qu e fantas ias pes
soais.
Mas pe lo men os não rest a dúv ida de que a imagem do verda
dei ro in telectual , conceb ida p or Benda, perm an ece de m od o geral
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atraen te e insin u an te. M uitos dos seus exem p los, posi t ivos e n ega
tivos, são p ersuasivos: um deles é a defesa pú b lica d a família Calas
fe ita p or Vol ta ire ; ou, no ext remo op osto , o nacional ism o rep u g
n an te de escr i tores franceses com o M au rice Barrès , a qu em Bend a
a t ri bu i p e rpe t u a r um “rom a n t ism o de a spe re za e de sp re zo” e m
n o m e d a h o n r a n a ci on a l f ra n c es a .5 Be nda fo i e sp i r i t ua l me n t e
m old ad o pelo caso Dreyfus e pela Pr im eira Gu erra M un dia l , am
b os p rovas r igorosas pa ra os in te lectua i s , que p od iam op ta r p or
l evan ta r a voz cora josam ente con t ra u m a to de in jus t i ça m i l it a r
an t i -sem ita e de fervor nacional is ta, ou i r tim idam en te a t rás do re
b a nh o , r ecu sa n d o-se a de f e nd e r o o f ici al jud e u A l fr ed D re y fus ,
i n j u s t am e n t e co n d e n a d o , e n t o a n d o p a la v ra s d e o rd e m ch a u v i
nis tas p ara a t içar a febre da gu erra con tra tu d o o qu e fosse a lemão.
Depois da Segund a Gu erra Mun dia l, Bend a to rn ou a pu bl ica r seu
l ivro, dessa vez acrescentan d o u m a série de ataques con tra in telec
tua is que colab oraram com os nazis tas , b em com o con tra aqueles
qu e , sem u m a v isão cr í t ica , fo ram en tu s iastas dos com u n is tas . ’
Mas no fund o da re tórica com bat iva da obra bas icamen te con se r vad ora de Bend a en con tra-se essa f igura do inte lectual com o u m
ser colocad o à parte, alguém cap az de falar a verdade ao p od er, u m
ind iv ídu o r í sp ido , e loqü ente , fan tas t icam en te cora joso e revol
t ad o , p a r a q u e m n e n h u m p o d e r d o m u n d o é d e m a si ad o g r an d e e
im p on en te para ser cr i ticad o e qu est ion ado d e forma incis iva .
A aná li se socia l qu e G ram sci faz d o in te lectua l com o u m a
pessoa que preenche um conju n to p a r t icu la r de fun ções na soc ie d a d e e st á m u i to m a i s p r ó x im a d a r e al id a d e d o q u e tu d o o q u e
Bend a escr e veu , sob re t ud o n o f im do sé cu l o xx , q u a nd o t a n t a s
prof issões n ovas— locutores de rád io e apresen tadores de p rogra
m a s de t v , p ro fi ss iona i s a c a dê m i cos , an a l is t as d e i n fo rm á t i ca ,
advogad os das áreas de espor tes e de m eios de com u n icação, con
su ltores de ad m in istração, especial istas em p olí t ica, con selh eiros
d o governo, autores de re la tór ios de m ercado especia lizados e a té
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m e s m o a p r ó p r i a á r ea d o m o d e r n o j o rn a l is m o d e m assa — tê m
sus t en tado a v i são do f il ó so fo i ta l iano .
H oje , t od os os qu e t rab a lh am em qu alqu er á rea r e lacionada
com a p rod u ção ou d ivu lgação de conh ecim en to são in t el ectuai s n o sen t ido g ram scian o . N a m aio r p ar t e das sociedades indu s tr ia
l izad as d o O c id en t e , a r e l ação en t r e as ch am ad as i n d ú s tr ia s d o
conh ec im en to e as que es t ão l i gadas à p rod u ção mecân ica e a rt e -
sana l p rop r i am en te d i t as t em cresc ido ver tig inosam ente a f avor
d as in d ú s t r ia s d o co n h ec i m en t o . O s o ci ó lo g o amer i can o Alv in
G ou ldn er d i sse h á vár ios anos q u e os in t el ectua is e ram u m a nova
classe, e qu e os ad m in i s t r ad ores in t e lectua i s t inh am agora subs t it u ído , em gran d e esca la , as ve lhas c lasses end inh e i radas e ab as
t ad as . En t r e t an t o , G o u l d n e r tam b ém a f ir m o u q u e , em v ir tu d e d e
sua p os ição ascend en te , o s in t e l ectua i s n ão e ram mai s pessoas que
se d i r ig i am a u m p ú b l i co vas to ; em vez d i sso, t inh am se to rnad o
m e m b r o s d o q u e e le ch a m o u u m a cu l t u r a d o d is cu r so cr ít ico .7
Todos os in telectuais , o e d i tor d e u m l ivro e o autor, o es t rategista
m i li ta r e o ad v o g ad o i n t e r n ac io n a l , f al am e li d am co m u m a l in
guagem qu e se to rn ou espec ia l izada e u ti li záve l po r ou t ros m em
b ros da m esm a área: especiali s tas qu e se d i r igem a out ros exper t s
n u m a língu a f r anca em gran d e p ar t e incomp reens íve l po r pessoas
n ão especial izadas .
D e m od o sem elh an te , o f i lósofo f rancês Michel Foucaul t d i s
se que o cha m ad o in telectu al un iversal (é provável que ele t ivesse
Jean -Pau l Sar t r e em m en te) v iu seu lugar tom ad o pe lo in t e lectua l
“específico ”,8a l g u ém q u e d o m i n a u m ass u n t o , mas q u e é cap az d e
u s a r s eu co n h ec i m en t o em q u a l q u e r á r ea . A q u i , Fo u cau l t e st av a
p e n s a n d o c o n c re t a m e n t e n o f ís ico a m e r i ca n o R o b e rt O p p e n -
h eim er , qu e sa iu d e sua á rea espec íf ica qu and o a tuou com o o rga
n i zador d o p ro je to da bo m b a a tôm ica de Los Alamos em 1942-5 e
d epois se tor n ou u m a esp écie de com issár io de assuntos cient í ficos
n o s Es tad o s U n i d o s .
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E a prol i feração d os in te lectuais se es tendeu inclus ive p or u m
grande n ú m ero de áreas em q ue e les — seguin d o ta lvez as suges
tões p ione i ras de G ramsc i nos Cad ernos do cárcere, qu e , p ra t ica
m en te pela pr im eira vez, viu os in telectuais , e não as classes sociais,
com o essenciai s pa ra o fu n cionam ento d a sociedade m od erna —
se torn aram o ob jeto d e estud o. Basta p ôr as p alavras “d e” e “e” ao
lado d a palavra “ intelectuais” p ara q ue, quase d e im ed iato, apareça
d ia n t e de nos sos o lhos u m a b ib l i o t eca i n t e i r a de e s tud os s ob re
e le s, ba s t an t e i n t im id a n te e m s ua a m p l it ud e e m inu cio s a m e n te
focada em seus deta lhes . Além d os m ilhares de diferentes es tud os
h is tór icos e sociológicos de in te lectuais , h á tam b ém intermin áveis
re la tos sobre os in te lectua i s e o n acion a l i smo, e o p od er , e a t ra
d ição , e a revo lução , e p or a í a fora . Cad a reg ião do m u n d o p rod u
z iu seus in te lectuais , e cad a u m a dessas form ações é deb at ida e ar
g u m e n t ad a co m u m a p a i xã o a rd e n t e. N ã o h o u v e n e n h u m a gr an d e *
revolução nah is tó r ia m od ern a sem in te lectua i s; de m od o inverso ,
n ã o h o u v e n e n h u m g r a n d e m o yi m e n t o co n t r a-r ev o lu c io n á r io
sem in te lec tua i s. O s in te lec tu a i s têm s ido os pa i s e as mães d os
m ovim en tos e, é claro, filhos e filhas e até sob rin h os e sobrin h as.
H á o pe r igo de qu e a f igura ou imagem do in te lectua l possa
desaparece r n u m am on toad o d e de talhes, e que e le possa to rna r -se
a pe na s m a is um p ro f is siona l ou u m a fi gu ra nu m a te nd ê nc ia s o
cial . O q ue vou d iscutir nestas con ferên cias tem com o certas essas
rea lidad es do f in al d o século XX , or ig ina r i a m e n te s uge rida s p o r
G ram sci , mas q uero tam b ém ins i s t ir n o fa to de o in te lectua l se r
um ind iv íduo c om u m pa pe l pú b l i co n a soci eda de , qu e nã o pod e
se r redu z ido s imp lesmen te a um prof is siona l s em ros to , u m m em
b ro com peten te de um a classe , q ue só qu er cu id ar de suas coisas e
de seus in teresses . A q ues tão cen tra l pa ra m im , p en so, é o fa to d e o
in te lectua l se r u m ind iv íduo d o tad o de um a vocação p a ra repre
sen ta r, da r corp o e a r t i cu la r um a men sagem, u m p on to d e vi sta, u m a a ti tud e , fi losofia ou op in ião pa ra (e tam b ém p or) u m pú bl ico .
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E esse papel encerra u m a cer ta agud eza, pois n ão p od e ser desem
pen had o sem a con sciência de se ser a lguém cuja fun ção é levantar
p u b l i ca m e n t e q u e s tõ e s e m b a r a ço s a s , c o n f r o n t a r o r to d o x ia s e
dogm as (mai s do qu e p rod u zi -los ); i sto é , a lguém qu e nã o pod e ser
f aci lm en te coop tado p or governos ou co rp orações , e cu ja raison d'êt re é representar todas as pessoas e tod os os prob lem as qu e são
s i st emat i cam ente esquecidos ou var r id os p ara d eba ixo d o t ape te .
Assim , o in telectual age com base em p r incíp ios un iversais: que
t o d o s o s se re s h u m a n o s t ê m d i r e it o d e co n t a r c o m p a d r õ es d e
com p or tam en to decen tes qu an to à li berdade e à ju s t i ça da par t e
dos p oderes ou n ações do m u n d o , e que as vio lações de liberadas
ou inadvert idas desses p adrões t êm de ser co ra josamen te den un
ciadas e com ba tidas.
G ostar ia de exp or i sso em term os p essoais: com o in telectual ,
apresen to minh as p reocu p ações a um pú b l i co ou au d i tó r io , mas o
que es tá em jogo não é apenas o m od o com o eu as a rt icu lo , mas
t amb ém o q u e eu m es mo r ep r e s en t o, co m o a lg u ém q u e e st á t en
tan d o expressar a causa d a l iberd ade e da just iça. Falo ou escrevo
essas coisas porq ue, depois de m u ita ref lexão, acred i to nelas; e ta m
b ém qu ero persuad i r ou t ras pessoas a assimi lar esse p on to de v ista .
Daí o f a to de exi st ir essa m is tu ra m u i to com p l icada en t re os m u n
d o s p r i v ad o e p ú b l i co , mi n h a p r ó p r i a h i s t ó r i a , meu s v a l o r e s ,
escr i tos e pos ições qu e p rovêm , p or u m l ado , de m inh as exper i ên
ci as e , po r ou t ro , a m anei ra com o se inserem no m u n d o social em
q ue as pessoas d ebatem e tom am p osições sobre a guerra , a l iber
dad e e a just iça. N ão existe algo com o o in telectual p rivado, pois, a
p ar t i r do m om en to em qu e as p alavras são escr i tas e pu bl icadas ,
i ng ressam os no m un do pú b l i co . Tam p ou co exi st e somente u m in
t el ect u a l p ú b l i co , a l gu ém q u e a t u a ap en as co m o u m a f i gu r a d e
proa , po r t a -voz ou s ím b olo de u m a causa , m ovim en to ou pos ição .
H á sem pre a inf lexão pessoal e a sensib i l idad e de cad a indiv íduo,
qu e dão sen t ido ao qu e est á send o d i to o u escr i to . O q ue o in t el ec-
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tuaJ m en os deveria fazer é a tuar para qu e seu p ú b l ico se s inta b em :
o imp or tan te é causa r em b araço , ser do con t ra e até m esm o d esa
gradável.
N o f im das contas , o que interessa é o in te lectual en q u an to f i
gu ra re p re sen t a t iva — a lgué m que v i si ve lm e n t e r e p re se n t a u m cer to p on to de vi st a, e alguém que a r t i cu la rep resen tações a u m
pú bl ico , apesa r de todo t ipo de ba r re i ras . M eu a rgu m en to é qu e os
in te lectuais são ind ivídu os com vocação p ara a ar te d e represe n tar ,
seja escrevend o, faland o, ensin and o o u ap arecend o n a te levisão. E
essa vocação é imp or tan te na m edid a em qu e é recon h ecíve l p u
b l i ca m e n t e e e nvol ve , a o me sm o t e m p o , c om p rom i sso e r i s co ,
ousad ia e vulnerabi l idade . Q u an d o le io Jean-Pau l Sar t re ou Ber- t ran d Russell , são suas vozes e presen ças esp ecíficas e in d ividu ais
que me causam um a imp ressão pa ra a lém e ac im a dos seus a rgu
m e n t os , po rqu e eles e xp õe m com cl a re z a sua s c on v i c çõe s . N ã o
p o d e m s e r co n fu n d id o s co m u m f u n ci o n á r io a n ô n i m o o u u m
b u rocrata sol íci to.
N a p r o f u s ã o d e e st u d o s s o b r e i n t e le ct u a i s t e m h a v i d o d e
masiadas def inições do inte lectual , e po u ca a tenção tem -se d ad o à
im agem , às característ icas pessoais, à in terve n ção efet iva e ao d e
se mp e nh o , que , j un t os , cons t i tue m a p róp r i a fo r ç a v it a l de t odo
verdad ei ro inte lectual . Ao escrever sob re os escr i tores ru sso s d o
século xix , Isa iah Ber lin disse qu e , em p ar te sob inf lu ên cia d o R o
m an t ism o a lem ão, suas aud iências “foram levadas a ter con sciên
cia de qu e ele estava n u m palco p ú bl ico, d ep on d o ”.9
Algo desse a t r ib uto a inda se m an tém f ie l ao p apel pú b l ico d o
in te lectual mod erno, com o eu o vejo . É p or i sso que , q u an d o p en
s am o s n u m i n te le ct u a l co m o S a r t r e, n o s le m b r a m o s d o s s e u s
m anei r ismos , do sen t ido de um a im p or tan te ap os ta pessoa l , d o es
forço absoluto, d o risco, do d esejo de dizer coisas sob re o colo n ia
l ismo, ou sobre o com p rom et imen to , ou sobre o conf l i to socia l que
en fu recia seus op ositores e galvanizava seus am igos e, retr os p ecti-
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vãm en te , t alvez causasse em b araço a ele m esm o. Q u an d o lemos
sob re o envolvim en to de Sar tre com Sim one d e Beauvoir, sobre a
dispu ta com Cam u s , sobre sua no táve l a li ança com Jean G enet , nós
o s i tu am os (a palavra é de Sartre) nas suas circun stân cias; nessas
circu n stân cias , e até cer to p on to p or cau sa delas, Sartre foi Sartre,
a m esm a pessoa qu e se opôs à p resença da França n a Argélia e no
Vietnã. Longe d e o in cap acitar ou d esqual i ficar enq u an to in te lec
tua l , es sas com p l icações d ão tex tu ra e t ensão ao q ue e le d is se ,
exp on d o-o como s er hu m ano falível, não com o p r egador m on ó
ton o e m oral is ta .
É n a vi d a p ú b l ica m o d e r n a — v is ta co m o u m r o m a n ce ou
p eça t eat ra l e não com o u m negócio ou m a té r ia -p r im a pa r a uma
m on ograf ia socio lóg ica — que p odem os ver e com p reend er mais
p ron tam en te po r que os in te lectuais são representat ivos não ap e
n a s d e u m m o v i m e n t o s oci al s u b t e rr â n e o o u d e g r a n d e e n v er
gad u ra, m as tam b ém de u m est ilo de vid a bas tante p ecu l iar, a té ir - , r i tan te , e de um d esemp enh o social qu e lhes é ú n ico . E n ão h á lugar
m elhor p ara en con t ra r as p r imei ras descr ições desse pape l d o que
em cer tos roman ces incomu n s do sécu lo x ix e com eço d o sécu lo xx
— Pais e filhos, de Tu rguên iev, A educação sent im ent al, de Flaub er t,
Retrato do art ista qua ndo jovem , de Joyce — , em q ue a represen
tação d a real idad e social é p rofun d am en te inf luen ciada e a té a lte
r ad a , de m an e i r a deci siva , pe lo s u r g im en to s úb i to d e um novo
: p rotagon is ta : o jovem intelectual m od ern o.
O re t ra to q ue Turguên iev faz da Rússia p rov in cian a da dé
cad a de 1860 é id í lico e t ranq ü i lo: m oços com posses herd am dos
pais seus h áb itos de vida, casam e têm f ilhos, e a vida con tin u a mais
ou m enos ass im. Is so se dá a té o m om en to em qu e Bazárov, um a
per s onagem aná r qu i ca mas p r o f un dam en te con cen t r ada , i r r om
pe n as suas vidas . A p r im eira coisa qu e rep aram os n ele é qu e rom
p eu os laços com os p róp r ios pais e p arece m en os u m f ilho d o que
u m a espécie de per sonagem au tocons t ru íd a , desafiand o a ro tina ,
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atacand o a m ed iocr id ad e e os cl ichês , re iv ind ican do n ovos valores
ci e n t íf ico s e n ã o s e n t im e n ta is q u e p a r e c e m s e r r a cio n a i s e p r o
g ress is tas . Tu rguên iev d is se qu e se recusou a m ergu lh á - lo nu m
xarop e; e le fo i concebid o p ara ser “ tosco , sem coração, im p ied osa m en te seco e b ru sco”. Bazárov r id icu la r iza a fam í l ia Ki r sán ov ;
q u a n d o o p a i , h o m e m d e m e ia-id a d e , t o c a S ch u b e r t , Ba z ár o v d á
gargalhadas n a cara dele. Bazárov exp õe as idéias da ciên cia m ate
r ia l is ta a lemã: a na tu reza , p a ra e le , n ão é u m tem plo , e s im u m la
b ora tó r io . Q u and o se apa ixona p or An na Serguê ievna , e s ta é a t ra í
da p or e le , m as tam b ém a te r ro rizada : pa ra e la , a ene rg ia in te lectua l
sem en traves e m u itas vezes an árq u ica de Bazárov sugere o caos .
Estar com ele , d iz An n a a cer ta a l tura , é com o t i tu b ear à beira de u m
^abismo.
A b e l ez a e o p á th o s d o r o m a n ce c o n s i s te m n o f a to d e Tu r
guên iev sugeri r e re t ra ta r a incom pat ib i l idade en t re a Rúss ia go
v e r n a d a p o r f a m í l i a s, a s co n t in u id a d e s d o a m o r e a f eto f i li al , o
m od o an t igo e n a tu ra l de faze r a s co isas e, ao m esm o tem p o , a fo rça
n i i l is t icamen te d es t ru ido ra de u m Bazárov, cu ja h i s tó r ia , ao con
t rá r io das de todas as ou t ras p e rsonagens d o rom an ce , p a rece se r imp ossível de na rrar . Ele aparece , desaf ia e, de m od o igu alm ente
a b r u p t o , m o r r e , i n f e ct a d o p o r u m ca m p o n ê s d o e n t e q u e h a v ia
t r a tado . O q ue lem bram os de Bazárov é a fo rça caba l e incessan te
do séu in te lecto inqu i r ido r e p ro fund am ente con f ron tad or ; e , ape
sa r de te r a f irmad o q ue cons ide rava se r essa a sua pe rson agem mais
com preen siva , o p róp r io Turgu êniev fo i i ludid o e, a té cer to p on to ,
r e f re a d o p e l a i n s e n s a t a f o r ça i n t e l ectu a l d e l a, b e m c o m o p e l a s
reações dos le i tores , b as tante a to rd oan tes e agi tadas . Algun s le i
t o r es p e n s a r am q u e Ba z á r o v e r a u m a t a q u e à j u v e n tu d e ; o u t r o s
l o u v a r a m -n o c o m o u m v e rd a d e i ro h e r ó i ; e o u t r o s , ain d a , co n s i
d e r a r a m -n o p e r ig o so . Q u a l q u e r q u e s ej a n o s s o s e n t i m e n t o e m
rela ção a ele, Pais e filhos n ã o p o d e a m o l d a r Ba z ár o v a u m a p e r
sonagem da narra t iva; en qu anto seus amigos da famíl ia Kirsánov,
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e até os pais velhos e p atét icos, seguem o curs o de sua vida, o m od o
de ser d o in telectual Bazárov, p erem p tório e desafiador, o exclui d a
h is tó ri a , to rn an d o-o incom pa t íve l com e la e, dè ce r t a m an e i ra ,
im p rópr io pa ra se r dom es ti cado .
Um caso a inda m ais expl íci to é o do jovem Steph en D edalus ,
de Joyce, cu jo início de carreira é u m a o scilação en tre os agrados de
inst i tu ições com o a Igreja , a profissão de ensinar, o n acion alism o
i r land ês e o egoísm o te im oso, em lenta ascensão , do in te lectua l
cu jo lema é o non serv iam luciferino. Seamu s D eane faz um a exce
lente observação sobre o Retrato do artista quand o jov em: é , diz ele,
“o p r im eiro rom ance em l íngua inglesa em que a pa ixão d e pensar
é apresentada de forma p lena”.10N em os p ro tagonis tas de Dickens ,
n em os de Thackeray , Austen , H ardy, n em m esm o os de George
Elio t são hom ens e mu lheres jovens cuja preocu p ação pr inc ipa l é
a v id a do in te lecto na sociedade , enq u anto p ara o jovem Dedalus
“pensa r é u m m od o de expe r im en ta r o m un d o”. Deane t em toda a
razão ao d izer qu e, antes de Ded alus, a vo cação intelectual t inh a
apenas “personificações grotescas” na ficção inglesa. No entanto,
em p a r te po rqu e Stephen é um jovem da p rov íncia , p rodu to de um
am b ien te colon ia l , e le tem de desenvo lve r um a consc iênc ia in
te lectual resistente antes de pod er torn ar-se u m art ista .
No f im d o rom ance , e le não é m enos c r í tico n em está menos
afas tado da famíl ia e dos fen ianos do q ue de qu a lqu er esqu em a
ideo lógico cujo e fe ito se ria res t r ing i r sua ind iv id ua l idad e e sua
personalidade, freqüentemente desagradável . Como Turguêniev,
Joyce exp ressa com agud eza a incom p at ib i l id ad e ent re o jovem
in te lectua l e o f luxo con t ínu o da v ida hu m an a . O q ue com eça p or
se r u m a h i s t ó r ia co n v e n ci o n a l d e u m j o v e m q u e c re sce n u m a
família e dep ois freqü enta a escola e a un iversidad e d ecom p õe-se
n u m a série de anotações e l íp t icas do cade rn o de Steph en. O in
t e l e ct u a l n ã o s e a co m o d a r á à v i d a f a m i l i ar n e m à r o t i n a e n f a
d on h a . N a fa la mais fam osa do rom an ce , Steph en expr im e o que é ,
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de fa to , o c red o d e liberd ade d o in te lec tua l , ap esar de o exagero
m elo d ram á t i co d a s u a d ec l aração s e r o m o d o d e Jo yce co r t a r p e la
r a iz a p o m p o s id ad e d o jov em p ro t ag o n i s t a :
Vou lhe dizer o q ue farei e o q ue n ão farei. N ão vou servir àqu ilo em
qu e não acred i to mais , seja m eu lar , m inh a p átr ia ou m inh a religião;
e tentarei expr im ir-m e nu m cer to m od o d e vida ou d e ar te tão livre
e tão p lenam ente qu anto pu der , usan do em m inh a defesa as únicas
arm as q ue m e p erm ito u sar: si lêncio, exílio e sagacidad e. 4
N o e n t a n t o , m e s m o e m Ulisses Step h en n ão é m a i s d o q u e u m j o v em o b s t in ad o e r eb e ld e. O q u e é m a i s p e r tu rb a d o r em s eu c red o
é sua a f i rm ação d a liberdade in te lectua l . Essa é um a qu es tão m u i to
r e l ev an te n o d es em p en h o d o in t e l ectu a l , j á q u e se r g ro s s e ir ão e
d es m an ch a -p raze re s n ão l ev a a l u g a r n en h u m . O o b jet iv o d a a ti v i
d a d e in t e l e ct u a l é p r o m o v e r a l ib e r d a d e h u m a n a e o co n h e c i
m en to . Pen s o q u e i ss o ain d a h o j e é v e rd ad e , ap es a r d a acu s ação
r ep e t id a co m f req ü ên c ia d e q u e “as g ran d es n a r ra ti v as d e em an ci
p ação e e scl a recim en to ” — co m o o f il ós ofo f r an cês co n tem p o râ
neo Lyo tard ch am a ta is amb ições h eró icas associadas à idade “m o
d e r n a ” — j á n ã o t ê m a ce i ta çã o n a e r a d o p ó s - m o d e r n i s m o . D e
acord o com essa v i são , as g rand es n ar ra t ivas fo ram sub s t itu ídas
p or s i tu ações loca i s e jogos da l in gu agem ; agora os in te lec tu a i s
p ó s -m o d ern o s en a l tecem a co m p e tên c i a, e n ão o s v alores u n iv e rsais com o a verd ad e e a l iberdad e. Sem p re achei que Lyotard e seus
s eg u id o res e s t ão ad m i tin d o s u a p ró p r i a i n cap ac id ad e p regu iço s a,
t a lv ez a té i n d i f e ren ça , em v ez d e f azer u m a av a l i ação co r re t a
d aq u i lo q u e co n t in u a a se r, p a ra o i n t e l ectu a l , u m en o rm e l eq u e d e
o p o r tu n id ad es , ap es a r d o p ó s -m o d ern i s m o . Po is , d e f a to , o s g o
v e rn o s co n t in u am a o p r im i r ab e r t am en te as p ess o as , g raves e r ros
j u d i ci á r io s a in d a aco n tecem , a co o p tação e i n c lu s ão d e i n t e l ec
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tua is pelo p oder con t inu am a ca lar sua voz , e o desvio d os in te lec
tuais da sua vocação é a ind a m u itas vezes um a rea l idad e.
Em A educação sent im ent al, Flaub er t, ma is do que n in guém ,
expressa seu d esap on tam en to com os in te lectuais , qu e e le cr i tica
de fo rm a imp iedosa . S i tuad o d u ran te as revo l tas pa r i sienses de
1848 a 1851, p er íod o descr ito pelo fam oso h is tor iad or br i tân ico
Lewis N am ier com o a revolução dos in te lectuais , o rom an ce é u m
p a n o r a m a a b r a n g e n t e d a v id a b o ê m i a e p o l í ti ca n a “ca p i ta l d o
século xi x”. N o cen tro d a n arra t iva es tão d ois jovens p rovin ciano s ,
Fréd éric M oreau e Charles Des laur iers, cujas façan h as q uan do jo
vens boêm ios exp ressam a ra iva de Flau b ert em re lação à incap aci
da de de a m bos de m a n te r um rum o f i rm e e nq ua n to in t e le ctua is .
M ui to d o s eu d e s p re zo p o r e le s p rové m do qu e ta lve z s ej a s ua
expecta t iva exagerada em re lação ao q u e e les d eviam ter s ido. O
resul tado é a mais br i lh ante rep resentação do inte lectual à der iva .
Os d ois rapazes com eçam com o p oten cia is estud iosos de le is , c r í
t icos, h is toriado res, ensaís tas , f i lósofos e sociólogos, ten d o com o
obje tivo o b em -es tar pú b l ico . M oreau acaba ten d o“suas amb ições
intelectuais [ ...] m ing u ad as. Passaram -se os an os e ele su p ortava a
ind olência da m en te e a inérc ia do coração”. D es laur iers torn a-se
“d ire tor d a colon ização n a Argél ia , secre tár io d e u m p axá, gerente
de u m jorn a l e agen te p ub l ici t ár io ; [..,] n o m om en to , em p regou-
se com o so lici tador nu m a emp resa ind us t r ia l .
O s fracassos de 1848 são p ara Flau b ert os fracassos de sua geração . P rofe ticam en te , os des t inos de M oreau e Des laur ie rs s ão
re t ratados com o o resu l tado de sua p róp r ia fal ta de fo rça de von
tade e t amb ém com o o t r ibu to cob rado p e la sociedade m od erna ,
com suas diversões infidáveis , seus tu rb ilhões de p razeres e, sob re
tud o, a emergência do jornal ism o, da p ub l icidad e, da ce lebr idad e
ins tan tânea e de u m a esfera de c i rcu lação con s tante , em qu e todas
as idéias são negociáveis, tod os os valores tran sm u táve is, tod as as
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p rofissões redu zidas à bu sca de d in h eiro fácil e sucesso rápid o. As
cenas m ais re levantes do rom an ce são, p or tan to , o rganizadas s im
b ol icam en te em to rn o d e cor r idas de cava los , d an ças em b ares e
b ord é is , m ot in s , m arch as , des fi le s e m an i fes tações p ú b l icas , em
qu e M oreau ten ta incessan temen te rea lizar -se na v ida am orosa e
in te lectual , m as é sem p re desviado d e ta l p rop ósi to .
Bazárov , Ded a lus e M oreau são sem d úvida casos ext rem os ,
m a s se rve m a o ob je tivo— a lgo qu e só o s r om a nc e s re al is ta s p a n o
r â m icos d o sécu lo x ix pod e m f az er — de n os m os t r a r in t e le ctua is
em ação , envolvidos em n u m erosas d i ficu ldades e ten tações , m an t e n d o o u t r a i n d o s u a v o ca çã o , n ã o c o m o u m a ta r e fa f ixa a s er
a p r e nd ida de um a ve z p o r toda s n u m m a nu a l do t ip o “com o f az er ”,
m a s com o u m a expe r i ê ncia con cr e ta con s ta n te m e n te a m e a ça da
p ela p róp r ia vida m od ern a . As representações d o inte lectual , suas
ar t icu lações p or u m a causa ou idé ia d ian te da sociedade , não têm
c om o in te n çã o bá s i ca f o r ta l e ce r o ego ou e xa l t a r u m a p os iç ã o
socia l. Tam p ou co têm com o p r inc ip a l ob je tivo se rv i r a b u rocra
cias pod erosas e p atrões gen erosos. As rep resen tações intelectuais
são a ativ idade em si, depen den tes de um es tado de consc iênc ia qu e
é cé t ica , com p rom etid a e incansavelmen te devotad a à in vestigação
rac iona l e ao juízo m oral ; e isso exp õe o in divídu o e col oca-o em
r i sco . Saber com o u sa r b em a l íngua e saber qu and o in te rv ir po r
m eio d ela são du as características essenciais d a ação in telectual.M as o qu e represen ta o in te lectua l hoje? Penso q ue u m a das
m elhores e mais hon es tas respos tas a e ssa ques tão foi dad a pe lo
sociólogo am erican o C. Wrigh t Mills, u m inte lectual ferozm en te
i nd e pe n d e n te , com u m a v isã o social a pa ixona d a e um a c a pa c i
d ade n otável de exp ressar suas idé ias nu m a prosa clara e env ol
ven te. Em 1944, ele escreveu qu e os intelectuais in d ep en d en tes se
conf rontavam o u c o m u m a e sp é ci e d e s e n t i m e n t o m elancól ico d e
im p otên cia em face de sua posição à m argem da sociedad e, ou com
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a opção d e se ju n tar às f i le iras de inst i tu ições, corp orações ou go-
v e r n o s , e n q u a n t o m e m b r o s d e u m g r u p o r e la ti va m e n t e p e q u e n o
de ins iders que tom avam deci sões imp or tan te s de fo rm a i so lada e
i rr e sponsável . Tom ar -se o rep re sen tan te “con t ra tad o” de u m a in
dú s t ri a de in fo rm ação t am p ou co é u m a saída, po i s a lcança r um a
relação com a aud iên cia com o fez Tom Paine seria imp ossível. Em
resum o, “a form a de com u n icação e fe tiva”, que é a m oed a corrente
do in te lectua l , e s tá send o en tão exprop r iada , de ixand o o p ensador
i n d e p e n d e n t e c o m u m a ta r e fa d e su m a i m p o r t â n c ia . D e a co r d o
com Mil ls :
O artista e o intelectual ind epen den tes estão entre as pou cas pe r
sonalidades pr eparad as pa ra resistir e lu tar contra os estereótipos e
a conseq üen te m ort e das coisas genu inam ente vivas. Agora, um a
nova p ercep ção envolve a cap acid ad e de desm ascarar con tin u a
m ente e esm agar os estereótipos d e visão e intelecto com os quais as
comu n icações m od ern as [i.e., os mod ernos sistemas de represen
tação] n os assolam. Esses mu ndos de arte e pen samen to massifica- dos estão cada vez mais en gessados pelas exigências da política. Por
isso, é na p olítica qu e a solidaried ade e o esforço intelectuais devem
centrar-se. Se o pen sador n ão se associar ao valor da verdade na luta
p olítica, será incapaz d e en frentar com responsabilidade a totali
dad e da experiên cia viva.'1
Esse trech o, repleto de ind icações e realces im p ortan tes, m erece ser l ido e rel ido. A po lí t ica está em tod a p arte; n ão p od e haver
escape p a ra os re inos da a r t e e d o p ensam en to p u ros n em, nessa
m esm a l inh a , p a ra o re ino d a ob je t iv idade d es in te ressada ou da
teor ia tran scen d en ta l . Os in te lectua is pertencem ao seu temp o. São
arreban h ado s p e las pol í t icas de rep resentações para as sociedad es
m assif icadas , m ater ia l izadas p e la in d ú st r ia de inform ação ou dos
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m eios de com u n icação, e capazes de lhes resis t i r apenas con tes
tan d o as im agens, narrat ivas oficiais, ju st if icações d e p od er q ue os
m eios de com u n icação, cada vez mais p od erosos, fazem ci rcu lar—
e não só os meios de com u n icação , m as t am b ém cor ren tes de p en
sam en t o q u e m an t êm o s ta tu s q u o e tr an sm i tem u m a p e r sp ect iv a
aceitável e autorizada sobre-a atualidad e — , oferecen d o o qu e Mills
ch am a d e d esm asca ramen t o s o u v e r sõ es a l te rn a t i v as, n as q u a i s
tentam dizer a verdade d a m elh or form a possível.
Isso está longe de ser u m a tarefa fáci l : o in telectu al en con tra -
se semp re en t re a so lidão e o a l inh am ento . Du ran te a Gu er ra do
Golfo contra o I raqu e, fo i m u i to d i fíci l m os t rar às pessoas q u e os Estad o s Un i d os n ão e ram u m a p o t ên c i a i n o cen t e o u d es i n t e re s
sada (as invasões do Vie tnã e do Pan am á fo ram conven ien tem ente
esquecidas pelos estra tegistas p ol í t icos) , n em t in h am sido desig
nados p or n inguém, a n ão ser por e les p róp r ios , com o a po l icia do
m un do. Mas, a m eu ver, a tarefa do in telectual naq uele m om en to
era desen terrar o q ue estava esqu ecido, fazer ligações qu e eram n e
gadas, m encionar cam inh os al ternat ivos de ação que p od eriam ter evi tado a guerra e o conseq üen te objet ivo de d est ru ição h u m an a.
A questão pr incipal de C. Wrigh t Mil ls é a op osição en t re o
grand e púb l ico m assi fi cado e o ind iv íduo . Há u m a d i screpân cia
inerente ent re os pod eres de grandes orga n izações (d e governos a
corp orações) e a re la tiva f raqu eza não só de in d iv íd uos , m as d e
s er es h u m a n o s c on s i d e r a d o s s u b a l te r n o s , m i n o r i a s , p e q u e n o s
povos e Es tados , cu l tu ras e e tn ias m en ores o u su b ju gadas . Nã o
t enh o nenh um a dú v ida de que o in te lectua l deve a l in h ar -se aos
f racos e aos que não têm represen tação. Robin H ood , d i rão alguns.
N o en tanto, sua tarefa n ão é nad a sim ples e, p or isso, n ão p od e ser
faci lmen te rejei tada com o se fosse idealism o rom ân tico. N o fun d o, "
o in telectual , no sent ido que d ou à palavra , n ão é ne m u m paci f i
cad o r n em u m cr iad o r d e co n sen so s , m as a lg u ém q u e em p en h a tod o o seu ser no senso crí t ico, na recusa e m aceitar fórm u las fáceis
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ou c li ch ê s p ron t os , ou c on f i rm a çõe s a fá ve is , s em pre tã o c on c i
l i adoras sob re o q u e os p od erosos ou convenciona i s t êm a d ize r e
sob re o q u e f a z e m. N ã o a pe n a s r el u t a ndo de mod o pa ss ivo, ma s
d ese jand o a t ivam en te d ize r is so em p úbl ico .
N em sem p re é u m a q u es tão d e se r cr ít i co d a po l ít ica governa
m en ta l , m as, antes , de pen sar a vocação inte lectual com o a lgo que
m a n t é m u m e s ta d o d e a l e r ta c on s ta n t e , d e d is p o siçã o p e rp é t u a
p a r a n ã o p e r m i t i r q u e m e i as v e rd a d e s o u i d éias p r eco n ce b i d a s
n or te ie m as pessoas . O fa to de t a l p os tura envolver u m rea li smo
f i rm e , u m a en erg ia rac iona l qu ase a t lé ti ca e u m a lu ta com pl icada
p ara eq u i l ib ra r os d i l em as pessoai s, em face dos ape los pa ra pu
b l i ca r e d i scurs a r n a es fe ra p ú b l ica , é o qu e faz de tu d o i sso um
esforço p e rm an en te , inacabad o n a sua essência e necessa riam ente
i m p e r f e i t o . N o e n t a n t o , s eu v i go r e sua com pl e xi da de sã o , a o
i m e n os p a ra m i m , e s ti mu l a n t es , a pe sar de nã o to rna re m o i n t el ec
t ua l e spe c ia l me n t e popu l ar .
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2. Man ter nações e trad ições
à distância
O famoso l iv ro d e Ju l i en Bend a A traição dos intelectuais n os
dá a im pressão de q ue es tes exi s tem n u m a espécie de espaço u n i
versal , sem es t a rem l igados nem a f ron tei ras nac iona i s n em a u m a iden t idade étn ica. Em 1927, p arecia claro a Bend a qu e o interesse
p o r i n t e lect u a i s s ig n i f icav a ap en as u m i n t e re s se p o r eu r o p eu s
(sendo Jesus o ún ico n ão eu ropeu de qu em o au to r fa la de m anei ra
aprovadora) .
Desde en tão , as co i sas m u d aram m ui to . Em pr im ei ro lugar , a
Europa e o O ciden te já nã o são mais pad rões ind iscut íveis p ara o
re sto d o m u n d o i O d es m an t e lam en t o d o s gr an d es i mp éri os co l o n i ai s depo is da Segund a Gu er ra Mun dia l d im inu iu a capac idad e
da Eu ropa de i lum inar in telectual e p ol i t icam en te o qu e se costu
mava den om inar de r eg iões obscuras da Ter ra . Com o adven to da
G u err a Fr i a , a em er g ên c i a d o Te r ce i ro M u n d o e a em an ci p ação
un iver sa l suge r ida , se n ão d ecre tad a , pe l a p rese n ça das N ações
Unidas , as nações e trad ições n ão européias p areciam agora d ignas
de um a aten ção séria.^Em segundo lugar, a incrível aceleração tanto das formas de
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via jar com o d os meios de com u n icação ge rou u m a nova consciên-
- cia do q ue tem sido c h a m a d o d e “ d i f e r e n ç a ” e “alteridad e”. Em ter
m os s im p les , i sso s igni f ica q ue , se com eçarm os a falar sobre in
t e le ct u a i s , n ã o p o d e m o s f a z ê-l o d e m a n e i r a tã o g e n é r i ca co m o
antes; p or exem p lo, os intelectuais franceses são vistos com o ten d o
u m e s ti lo e u m p a s s a d o b e m d i f er en t e s d o s d e s eu s co n g ê n e r e s
ch ineses. Em ou tras p alavras, falar sob re intelectu ais hoje s ignif ica
tam b ém falar espe cif icam en te de varian tes nacionais , rel igiosas e
m esm o con t inen ta is dessa ques tão , e cad a um a delas parece exigir
j :on s id erações separadas . Os in te lectuais af r icanos ou árabes, por
' exem plo, fazem p ar te de- u m con texto his tór ico m u i to p ar t icu lar ,
; com seus p róp r ios p roblem as , desvios, l imi tações , t r iu n fos e pe
c u l i a r i d a d e s .
Até certo p on to, esse estrei tam en to de classif icação e enfoqu e
na m an e i ra de cons ide ra r os in te l ectua i s deve-se t amb ém à f an tás
t ica p roliferação de estud os especial izados qu e, just if icadam en te,
foi d i r ig id a ao pap el crescen te dos in te lectuais na v ida m od ern a .
N as ma is respeitáveis b ibl iotecas un iversitár ias ou de pesqu isa do
O ci d e n t e p o d e m o s e n c o n t r a r m i lh a r e s d e t ít u l o s s ob r e in t e le ctua is em d i feren tes pa íses , e o con h ec im en to p rofun do de cada um
desses gru po s d em an d ar ia mu i tos anos . Ass im, exis tem p or cer to
vár ias língu as d i ferentes pa ra os in te lec tu ais , a lgum as das qu ais,
com o o á rabe e o ch inês , d i t am u m a re lação m u i to especial en t re o
di scur so in te lectua l m od ern o e a s t rad ições an t igas, norm almen te
m u i t o r ica s . N e s se ca s o t a m b é m , u m h i s t o ri a d o r o ci d e n t a l q u e
tentasse ser iam en te com p reen d er os in te lectuais dessas d i ferentes t rad ições d ever ia passar anos ap rend end o as respect ivas l íngu as .
* M esm o assim , apesar de tod a essa diferen ça e al teridad e, apesar da
erosão inevitável d o con ceito un iversal sobre o in telectual , algu
mas n oções gerais sobre e le com o in divíduo — o qu e é aqui m eu
obje tivo — parecem rea lm ente u l tr apassa r um a ap l i cação es t r i ta
m en te loca l .
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A p r imeira noção que qu ero d iscu t i r é a da n aciona l idad e e ,
com ela , o que foi desenvolvido n o seu b ojo: o nacion al ism o. N e
n h u m in telectua l m od ern o — e isso é ve rdade tan to p a ra f iguras
d e p r o a co m o N o a m C h o m s k y e B e r tr a n d R u ss ell co m o p a r a
a queles cu jos nom e s nã o sã o t ã o f a m osos— e scr eve em e spe r a n to ,
q u e r d iz er, n u m a lí n g u a co n ce b i d a p a r a p e r te n ce r a o m u n d o
in te i ro e n ão a d e te rm inad o pa ís ou t r ad ição p a r t icu la r . Cad a in
te lectua l enq uan to ind ivíduo n asce com u m a l íngua e ge ra lm ente
passa o res to da vida com essa l íngu a, qu e é o veícu lo p r incipal de
sua a t ivida de in t e le ctua l . As l íngu a s s ã o , n a tu r a lm e n te , se m p r e
nacionais — o grego, o f ran cês , o árab e , o inglês , o a lem ão e tc. — , em b ora um dos aspectos relevantes qu e pre tend o sa l ien ta r aqui é
que o in te lectua l é ob r igado a u sa r u rna l íng u a n aciona l n ão ap e
nas p or razões óbvias de conven iência e fam i lia ridade , mas ta m
b é m p o r q u e ele e sp e ra im p r im i r -l h e u m s o m p a r ti cu l a r, u m a
en ton ação especia l e , fin a lm en te , u m a persp ect iva qu e é pró p r ia
dele.
O p r o b l e m a p a r t icu l a r d o i n t e l ect u a l , e n t r e t a n t o , é q u e j á
existe um a com un idad e l ingü ís tica em cada sociedade , dom in ad a
por há b i to s de e xp r e s sã o ; e uma da s f unç õe s p r inc ipa i s de s sa
com u n idad e é p reservar o s tatus q uo e ga ran t i r qu e as form as de
expressão evoluam de m an eira suave, sem al terações ou desaf ios .
Georgef Orw ell fala sobre isso de form a m u ito p ersuasiva n o seu
en saio "Pol ítica e a língu a inglesa”. Clich ês, m etáf ora s gastas, textos
p regu içosos, diz Orw ell , são in d ícios d a “d ecad ên cia da lín gu a”. O
r esu l t a do é que a m e n te é a ne s te s ia da e pe r m a n e ce in a t iva , e n
qu a n to a l íngua , que p r odu z um e fe ito de m ú s ica de fu nd o n u m
s u p e r m e r ca d o , fa z s u b m e r g ir a co n s ci ê n c i a , s e d u z i n d o -a p a r a
u m a aceitação p assiva de idéias e sent im en tos inq uest ionáveis .
O tem a desse ensaio de Orw ell , escrito em 1946, é a u su rp ação
pr ogr e s s iva da m e n te ing le sa p o r d e m a gogos p o l í t i cos . “A l in gu agem p olítica”, diz ele, “— e, com var iaçõe s, isso se veri fica em
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tod os os p ar t ido s po l í t icos , d os con servadores aos anarquis tas —
t e m com o ob je ti vo f a z er c om qu e a m e n t i r a p a re ça ve rda de , e o
cr im e , re spe i tável , p a ra as sim im p r im ir u m a ap arênc ia de sol idez
a o ve n to p u ro1”. N o e n t a n to , o p ro b l e m a é m a i s a m p lo e m a i s
com u m d o que pa re ce e p od e s er il u s tr a do po r m e io de u m o lha r
ráp id o pa ra a m an e i ra com o a linguagem, ho je , t end e a ado ta r fo r
m as m ais gerais , m ais cole t ivas e corp ora t ivas . Tom em os o jorn a
l ismo com o exemp lo . N os Estados Un idos , q uan to m aiores fo rem
o camp o d e ação e o p od er de u m jorn a l , m a is au tor izada se rá sua
repercussão e mais es t re i tam en te e le se iden t i f icará com u m sen
t id o d e co m u n i d a d e m a is a m p l o d o q u e u m s im p l es g r u p o d e
escr i to res p rof i s siona is e l e i to res . A d i fe ren ça en t re u m tab ló ide
e o N ew York T im esé q u e o Times asp ira a ser (e é geralm en te con si
d erad o) o jorn al n aciona l de m aio r aceitação, cujos edi tor ia is re
f le te m nã o s ó as op in iõe s de u m pe q ue n o g rupo de hom e ns e m u
lhe res , mas tam b ém , su p os tam en te , a ve rdade pe rceb ida de e pa ra
u m a n a çã o i n t e ir a . E m con t r a pa r t i d a , a funç ã o de u m t ab ló ide é
a t ra i r a a tenção im ed ia ta p or m eio de a r t igos sensaciona l is ta s e
m a nc he t e s cha m a t iva s . Q u a lqu e r ar t igo d o N ew York Tim es traz
cons igo u m a a u to r id a d e s ób r i a , s uge r ind o um a va st a pe squ i s a,
u m a m ed i tação cu id ad osa , u m ju ízo pen sado . É cla ro que o uso
edi tor ia l d o “nós” se refere d i re tam en te aos próp rios di re tores da
r e da çã o , m a s suge re a o m e s m o t e m p o u m a ide n t ida de na ciona l
corp orativ a: “n ós, o p ovo d os Estado s Un id os”. A discu ssão pú blica
sobre a cr ise d u ran te a G u erra d o Golfo , sob re tu d o na televisão,
mas tam b ém na im p rensa escr i ta , assu m iu a exis tência desse “nós”
n acion al , rep et ido p or rep órteres , mil i tares e cidad ãos em geral ,
em f rases com o “Q u an d o nós vam os com eçar a guer ra no solo?” ou
“Será qu e nós sofrem os b aixas?”.
O jorn al ismo apen as aclara e f ixa o qu e es tá norm alm en te im
p l íci to na p róp r ia exi s tênc ia de um a l íngu a naciona l com o a in
g lesa , i sto é , u m a com u n idad e n aciona l , u m a iden t idade ou ind i
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vidu a l idad e nac iona l . Em Culture an d an archy (1869 ) , M a t the w
A m o l d ch e g o u a a f i r m a r q u e o Es ta d o e r a a m e l h o r i n d i vi d u a li
da de de um a na ç ã o , e qu e um a c u l tu ra n a ciona l e r a a e xp re s s ão do qu e de m elho r se hav ia d i to ou p ensad o . Longe d e se rem e v iden tes
p or s i m esm os , e sses melh ores traços de ind iv idu a l idad e com seus
m e lho re s pe n s a m e n tos sã o , s egund o Am old , o q ue se es pe ra que
os “hom en s de cu l tu ra” a r t i cu lem e rep resen tem . Ele pa rec ia re
fe ri r -se ao qu e ven h o cham an d o de in te lectua i s : ind iv íduos cu ja
ca pa cida de de p e n s a m e n to e d i s ce rn im e n to o s to rn a ade q ua d os
p a ra re p r es en t a r o m e lh o r p e n s am e n t o — a p r ó p r i a cu l t u r a — , f a z e nd o -o p re va le ce r. A m old é ba s t an t e e xp l í ci t o a o d i z e r qu e t u
d o isso deve acon tecer em ben efício da sociedad e em geral , e nã o
de cl as se s i nd iv idua i s ou p e qu e nos g ru p os d e pe s s oa s . Aqu i , de
novo , com o n o c a so do j o rna l i s m o m od e rno , o p a pe l dos i n t e le c
t ua is deve s er o de a juda r u m a com u n ida d e na c iona l a s e n t ir um a
i de n tida de com u m , e em g ra u m u i to e le va do .
O q ue sub j az a o a rgu m e n to d e Arn o ld é o r e ce io de q ue , a o t o m a r -s e m a i s d e m o cr á ti ca , co m u m m a i o r n ú m e r o d e p e ss oa s
exigindo o d ire ito d e votar e de fazer o q ue lhes agrad ava, a socie
dad e f icasse mais rebelde e di f íci l de govern ar . D aí a necess id ade
imp l íci ta de os in te lectuais acalm arem as pessoas , de m ostr are m a
e las qu e as m elhores idé ias e os melh ores t rab a lh os de l i t e ra tu ra
cons t it u í a m u m a fo rm a de pe r t e nce r a u m a com u n ida d e na c iona l ,
o qu e, p or su a vez , imp oss ibi l i tava o qu e Arn old cham ava “fazer o qu e se qu er”. Isso foi du ran te a d écada d e 1860.
Para Ben d a, n os an os 1920, os in te lectuais corr ia m o p er igo
de seguir de m u ito p er to as p rescr ições de Arn old . Ao m ostrarem
aos franceses a gran d eza d as ciências e da l i tera tu ra do país , eles
e st a va m t a m b é m e ns ina n do a os cida d ã os qu e o f a to de p e r t e n
ce rem a u m a com u n ida d e na ciona l j á er a um f i m em si m e s m o , especia lm ente se es sa com u n idad e fosse u m a gran d e n ação com o a Fran ça. Em vez disso, Bend a sugeriu q u e os in telectu ais d eixas
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sem de p en sar em term os de p aixões colet ivas e se concentrassem
a n t e s e m v a l o r e s t r anscend en ta i s, ou s e j a , no s valores un iversal
m en te apl icáveis a todos os p ovos e n ações . Com o disse há pou co,
Bend a pa r t ia do p r incípio d e qu e esses valores eram eu ropeu s , e
n ão in d ianos ou ch in eses . E o t ip o d e in te lectua i s que e le ap ro
v av a ta m b é m e r a m e u r o p eu s .
Parece ser im possível escapar às fronteiras e b arreiras con s
t ru ídas à nossa vol ta p or n ações ou ou t ras formas de comu nidad es
(com o a Europ a, a África , o O ciden te ou a Ásia) qu e com p ar t i lham
u m a li n g u a g e m co m u m e t o d o u m co n j u n t o d e ca r act er ís ti ca s
imp l íci tas, p recon cei tos e háb i tos ríg idos d e pensam ento . N ada é
m ais com u m n o d i scur so p úb l ico d o q ue f r ases com o “os ing leses”
ou “os árab es” ou “os am er icano s”ou “os af r icanos”, cada u m a delas
s u g e ri n d o n ã o a p e n a s t o d a u m a cu l t u r a, m a s ta m b é m u m a m e n
tal idad e específ ica.
H oje em dia , é mu i to f reqü ente ou vir in te lectuais acadêm icos
n or te -am er ican os ou b r i tân icos f a la rem sobre o m u n do i sl âmico ;
são abord agens f e it as de fo rm a red u to ra e , a meu ve r , i r r e spon
sável , sob re a lgo d en om ina d o “o i s lã” — cerca d e 1 bi lhão de pes soas , dezenas d e sociedad es d is tin tas , m eia dúzia de línguas pr in
cipais com o o árabe , o tu rco e o i ran ian o, todas e las espalhadas p or
cerca de u m terço d o plan eta . Ao u sarem essa ún ica palavra , p are
c em co n s i d e r á - la u m m e r o o b j e to s o b r e o q u a l se p o d e m f az er
g r a n d e s g e n e r a l i z a ç õ e s q u e a b r a n g e m u m m i l ê n i o e m e i o d a
h i s tó r ia dos m u çu lm an os , e sobre o qu a l an tecipam , d esca rada
m en te , ju lgam entos a respei to da comp at ib i l idade en t re o is lã e a d em ocracia , o i slã e os d i re i tos h u m an os , o is lã e o progresso.2
Se essas d iscussões fossem s imp les repr imen das erud i tas de
alguns acadêm icos , em b usca ( ta l com o o sr. Casaub on d e George
E l i o t ) d e u m a c h a ve p a r a t o d a s a s m i t o lo g i a s, p o d e r í am o s d e s
car tá-las com o d ivagações h erm ét icas . Mas elas se inserem n u m
c o n t e x t o d e p ó s -G u e r r a F ri a , cr i a d o p e l o d o m í n i o d o s Es ta d o s
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Unidos sobre a aliança ocidental, do qual emergiu um consenso
sobre a nova ameaça do islã ressurgente ou fundamentalista que
substituiu o comunismo. Aqui, o pensam ento corporativo não
transformou os intelectuais nas mentes céticas e inquisidoras que
venho descrevendo, indivíduos que representam não o consenso,
mas dúvidas racionais, morais e políticas sobre essa questão, para
não falar em aspectos metodológicos; trata-se antes de um coro
que repete a visão política prevalecente, instigando-a a aderir a um
pensamento mais corporativo e, gradativamente, a um a idéia cada
vez mais irracional de que “nós” estamos sendo ameaçados por
“eles”. O resultado é a intolerância e o medo, em vez da busca doconhecimento e do sentido de comunidade.
Mas infelizmente é fácil demais repetir fórmulas coletivas, já
que o mero fato de usarmos u ma língua nacional (para a qual não
há alternativa) tende a com prom eter-nos com o que está mais à
mão, escondendo-nos em frases feitas e metáforas populares sobre
“nós” e “eles”, que diversos setores, entre eles o jornalismo, os p ro
fissionais acadêmicos e os expedientes da inteligibilidade comum,continuam a usar. Tudo isso faz parte da preservação de um a iden
tidade nacional. Pensar, por exemplo, que os russos estão che
gando, ou que a invasão econôm ica japonesa é iminente, ou que o
islã militante está em marcha, não significa apenas submeter-se a
um alarme coletivo, mas tam bém consolidar “nossa” identidade
como sitiada e em risco. Nos dias atuais, um a questão de grande
importância para o intelectual é saber como lidar com esse pro
blema. Será que a nacionalidade deve comprometê-lo enquanto
indivíduo— que para os meus objetivos é o centro das atenções —
em face do sentimento popular, po r razões de solidariedade, leal
dade primordial ou patriotismo? O u podemos fazer um a melhor
defesa do intelectual como u m dissidente do con junto corporativo?
A resposta imediata é: nunca a solidariedade antes da crítica.O intelectual tem sempre a escolha de situar-sé do lado dos mais
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fracos, dos menos bem representados, dos esquecidos ou ignora
dos, ou então do lado dos mais poderosos. Esta é uma boa ocasião
para relembrar que as línguas nacionais não se encontram pura e
simplesmente à nossa disposição, prontas para serem usadas, masque devem ser apropriadas para o uso. Por exemplo, um colunista
norte-americano, ao escrever durante a Guerra do Vietnã empre
gando as palavras “nós” e “nosso”, apropriou-se desses pronomes e
relacionou-os conscientemente com aquela invasão c r i m i n o sa de
uma distante nação do Sudeste Asiático, ou — um a alternativa
muito mais difícil — com as vozes solitárias da dissidência, para
quem a guerra americana era ao mesmo tempo insensata e injusta.Isso não significa oposição po r oposição. Mas significa colocar
questões, estabelecer distinções, recuperar a m em ória de todas
aquelas coisas que tendem a ser desprezadas ou deixadas no limbo,
na ânsia de um julgamento e uma ação coletivos. Quanto ao con
senso de uma identidade de grupo ou nacional, o dever do intelec-
tual é mostrar que o grupo não é uma entidade natural ou divina,
e sim um objeto construído, fabricado, às vezes até mesmo inven
tado, com uma história de lutas e conquistas em seu passado, e que
algumas vezes é im po rtan te representar. Nos Estados Unidos,
Noam Chomsky e Gore Vidal vêm desem penhando esse papel
sem poupar esforços.
Um dos melhores exemplos do que pretendo dizer encontra-
se também no ensaio de Virginia Woolf Um teto todo seu, um texto
fundamental para a intelectual feminista moderna. Convidada a
dar uma conferência sobre mulheres e ficção, Woolf decide logo de
início que, além de apresentar sua conclusão — uma mulher
necessita de dinheiro e de um quarto só para ela, a fim de escrever
ficção —, tem de fazer da proposta um argumento racional, e este,
por sua vez, induz a um processo que a autora descreve da seguinte
forma: “Pode-se apenas mostrar como se chegou a uma opinião
que de fato se tenha”. Expor seu argumento, escreve Woolf, é uma
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alternativa para dizer a verdade diretamente, já que, quando se fa
la do sexo, é provável que haja mais polêmica do que debate:
“Pode-se apenas dar à platéia a oportunidade de tirar suas própriasconclusões, enquanto observa as limitações, os preconceitos e as
idiossincrasias do orador”. É uma tática que desarma, natural
mente, mas tam bém envolve um risco pessoal. Essa combinação de
vulnerabilidade e argumentação racional dá a Virgina Woolf uma
perfeita abertura para entrar no seu tema, não-eeirf uma voz dog
mática que institui a ipsissima verbcCmas como uma intelectual— — ------------— ---------------------
representando o “sexo fraco” esquecido, num a linguagem perfeitamente ajustada ao trabalho. Assim, o efeito de Um teto todo
seu é o de extrair da língua e do poder — a que Woolf chama de
patriarcado — uma nova sensibilidade em relação à posição da
mulher, ao mesmo tempo subordinada e por vezes esquecida, mas
também escondida. Daí as esplêndidas páginas sobre uma Jane
Austen que escondia seu manuscrito, ou a raiva recôndita que afe
tava Charlotte Brontê ou, mais impressionante ainda, sobre arelação entre o masculino, ou seja, valores dominantes, e o femi
nino, isto é, valores secundários e oclusos.
Quando Woolf descreve como esses valores masculinos já
estão estabelecidos no momento em que uma mulher pega uma
caneta para escrever, ela também está descrevendo a relação que
surge quando um intelectual começa a escrever ou falar. Há sem
pre uma estrutura de poder e influência, uma história acumulada
de idéias e valores já articulados; e há também algo da maior
importância para o intelectual: um alicerce formado de idéias, va
lores e pessoas — como as mulheres escritoras estudadas por
Woolf — , a quem não foi dado um lugar de trabalho, um quarto
que lhes pertença. Para usar as palavras de Walter Benjamin, c
“quem saiu vitorioso participa até hoje da procissão triunfante em
que os governantes atuais passam por cima dos que jazem prostra
dos”. Essa visão muito dramática da História coincide com a de
‘IS
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Gramsci, para quem a própria realidade social está dividida entre
os que governam e os que são por eles governados. Penso que a
escolha mais importante com que se depara o intelectual é aliar-se
à estabilidade dos vencedores e governantes ou — o caminho mais
difícil — considerar essa estabilidade um estado de emergência
que ameaça os menos afortunados com o perigo da extinção com
pleta e levar em conta a experiência da própria subordinação, bem
como a mem ória de vozes e pessoas esquecidas. De acordo com
Benjamin, “articular o passado historicamente não significa reco-
\nhecê-lo ‘tal como era’... Significa apreender uma m em ória (ou
uma presença) quando ela aparece num momento de perigo”.3
Uma das definições canônicas do intelectual moderno é a dosociólogo Edward Shils:
Em todas as sociedades [...] há pessoas dotadas de uma sensibili
dade incomum em relação ao sagrado, pessoas de uma rara capaci
dade de reflexão sobre a natureza do seu universo e sobre as regras
que governam sua sociedade. Há em todas as sociedades uma mino
ria de pessoas que, mais do que a média de seus concidadãos, questiona e deseja manter uma comunhão freqüente com símbolos que
sejam mais abrangentes do que as situações concretas do dia-a-dia
e remotas na sua referência, no tempo e no espaço. Nessa minoria
í há uma necessidade de exteriorizar a busca no discurso oral eI
j escrito, na expressão poética ou plástica, nas reminiscências históri-
í cas ou registros escritos, nos rituais e atos de culto. Essa necessidade
i interior de penetrar além do quadro da experiência concreta e ime-(diata marca a existência dos intelectuais em todas as sociedades.4
S .
Essa é, em parte, uma confirmação de Julien Benda— de que
os intelectuais são um a espécie de minoria eclesiástica — e, em
j parte, um a descrição sociológica geral. Shils acrescenta que os in
telectuais se situam em dois extremos: ou são contra as normas vi
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gentes ou, de um modo basicamente acomodado, existem para
garantir “a ordem e a continuidade na vida pública”. Na minha
opinião, apenas a primeira dessas duas possibilidades descreve, de
fato, o papel do intelectual moderno, ou seja, questionar as nor-
m as vigentes; e isso porque precisamente as norm as dom inantesestão, hoje, de maneira m uito íntima, ligadas à nação, e esta é sem
pre triunfalista, está sempre numa posição de autoridade, sempre
exigindo lealdade e subserviência em vez de investigação e reava
liação intelectuais, como escreveram Virginia Woolf e Walter Ben-
jamin.
Além disso, em muitas culturas, hoje em dia, os intelectuais
questionam sobretudo os símbolos gerais mencionados por Shils,
mais do que se comunicam diretamente com eles. Houve, por
tanto, um desvio do consenso e aquiescência patrióticos p ara o
ceticismo e a contestação. Para um intelectual americano como
Kirkpatrick Sale, toda a narrativa do descobrimento sem falha e
das oportun idades ilimitadas, que legitimaram a excepcionaü-
dade da América no estabelecimento de uma nova república, celebrada em 1992, é absurdamente defeituosa, pois a pilhagem e o
genocídio que destruíram o anterior estado de coisas foram um
preço alto demais a pagar.5Tradições e valores antes considerados
sagrados agora parecem ao mesmo tempo hipócritas e fundados
numa base racial. E em muitas universidades nos Estados Unidos,
o debate sobre o cânone — às vezes de uma estridência idiota ou
presunção ilusória — revela um a atitude intelectual muito maisinstável em relação aos símbolos nacionais, às tradições sagra
das e aidéias nobres e inatacáveis. No que diz respeito a culturas co
mo a islâmica ou a chinesa, com suas continuidades fabulosas e sím
bolos básicos extraordinariam ente seguros, alguns intelectuais,
como Ali Shariati, Adonis, Kamal Abu Deeb e os intelectuais do
Movimento 4 de Maio, perturbam de forma provocativa a enorm e
calma e a inviolável altivez da tradição.6
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Penso que isso também é verdadeiro em páíses como os Esta
dos Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha, onde recentemen
te a próp ria noção de identidade nacional tem sido contestada
abertam ente por suas insuficiências, não apenas por intelectuais,mas tam bém por uma realidade demográfica premente. Para as
atuais comunidades de imigrantes na Europa, provenientes dos
antigos territórios coloniais, os conceitos de “França”, “Grã-Bre
tanha” e “Alemanha”, como foram concebidos no período de 1800
a 1950, simplesmente as excluem. Além disso, os movimentos fe
ministas e de homossexuais, recentemente fortalecidos em todos
esses países, também contestam as norm as patriarcais e fundamentalmente masculinas que têm regulado a sociedade. Nos Es
tados Unidos, um núm ero crescente de imigrantes recém-chega-
dos, bem como uma população de nativos cada vez mais ruidosa e
visível — os índios esquecidos, cujas terras foram expropriadas e
cujo meio ambiente foi completamente destruído ou totalmente
transformado pelo avanço da república —, juntou seu teste
munho ao das mulheres, dos afro-americanos e das minorias discriminadas com base na orientação sexual, num desafio à tradição
que, duran te dois séculos, tem se inspirado nos puritanos da Nova
Inglaterra e nos proprietários de escravos e de plantações do Sul.
Como resposta a tudo isso, houve um ressurgimento de apelos à
tradição, ao patriotismo e aos valores básicos, ou da família (pala
vras usadas pelo vice-presidente Dan Quayle), todos associados a
um passado que já não é mais recuperável a não ser que se negue
ou, de alguma forma, se rebaixe e desqualifique a experiência de
vida dos que “querem um lugar no encontro com a vitória”, de
acordo com a frase famosa de Aimé Césaire.7
Mesmo num grande número de países do Terceiro Mundo,
um antagonismo clamoroso entre os poderes estabelecidos do
Estado nacional e suas populações desfavorecidas, mas sem repre
sentação política ou por ele reprimidas, dá ao intelectual uma
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oportunidade real de resistir ao avanço da m archa dos vitoriosos.
No m undo árabe-islâmico a situação é mais complicada ainda.
Países como o Egito e a Tunísia, que desde sua independência vinham sendo governados por partidos nacionalistas seculares que
agora degeneraram em camarilhas e facções, são de repente ata
cados por grupos islâmicos cuja autoridade, dizem estes com
considerável justiça, lhes é concedida pelos oprimidos, pelas po
pulações pobres das cidades, pelos camponeses sem-terra e por
todos os que alimentam algum tipo de esperança apenas na restau
ração ou reconstrução de um passado islâmico. Muitas pessoas sãopropensas a lutar até a morte por essas idéias.
O islamismo é, afinal de contas, a religião da maioria; mas
dizer simplesmente que “o islã é o caminho”, anulando a dissensão
e a diferença, para não falar das interpretações profundam ente
divergentes sobre o tema, não é, acredito, o papel do intelectual. Afi
nal, trata-se de uma religião e de uma cultura, ambas complexas e
muito longe de serem monolíticas. Mas, na medida em que essareligião exprime a fé e a identidade da vasta maioria das pessoas,
cabe ao intelectual muito mais do que jun tar sua voz ao coro de lou
vores ao islã. Em primeiro lugar, ele deve introduzir nesse clamor
uma interpretação do islã que acentue sua natureza complexa e he
terodoxa — o islã dos governantes, pergunta o poeta e intelectual
sírio Adonis, ou o dos poetas e seitas dissidentes? Em segundo lugar,
questionar as autoridades islâmicas, a fim de que elas encarem osdesafios das minorias não islâmicas, dos direitos da mulher, da
própria modernidade, com atenção humanitária e reapreciações
honestas e não com refrões dogmáticos ou pseudopopulistas. O
ponto principal dessa questão para o intelectual no islã é o renas
cimento do iitihad (a interpretação pessoal), e não a renúncia tola a
ulemás (especialistas da religião) dotados de ambição política ou a
demagogos carismáticos.Entretanto, o intelectual é sempre envolvido e implacavel-
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mente desafiado pela questão da lealdade. Todos nós, sem exceção,
pertencemos a algum tipo de comunidade nacional, religiosa ou
étnica; ninguém, por m aior que seja o volume de protestos, está
acima dos laços orgânicos que vinculam o indivíduo à família, à
comunidade e, naturalmente, à nacionalidade. Para uma comunidade emergente e sitiada, como os bósnios ou os palestinos hoje
em dia, sentir que seu povo está ameaçado de extinção política e, às
vezes, verdadeiramente física, obriga o intelectual a defendê-lo, a
fazer tudo o que for possível para protegê-lo ou lu tar contra os
inimigos da nação. Claro que isso é nacionalismo defensivo. Entre
tanto — como bem assinalou Frantz Fanon sobre a situação no au
ge da guerra de libertação da Argélia contra a França (1954-62) — ,não basta que o intelectual participe do coro de vozes consensuais
do anticolonialismo corporificado no partido e na liderança. Esse
simples alinhamento não é suficiente. Há sempre a questão do
objetivo, que, mesmo no auge da batalha, implica a análise das
'escolhas. Será que lu tamos apenas para nos livrarmos do colonia
lismo (um objetivo necessário), ou estamos pensando no que va
mos fazer quando o últim o policial branco for embora?Segundo Fanon, o objetivo do intelectual de um a nação ou
povo subjugado não pode ser simplesmente substituir o policial
branco pelo seu correspondente nativo, mas, antes, o que ele
denom inou, citando Aimé Césaire, inventar novas almas. Em ou
tras palavras, embora haja valor inestimável no que o intelectual
faz para assegurar a sobrevivência da sua comunidade durante
períodos de ex trema emergência nacional, a lealdade à luta dogrupo pela sobrevivência não pode envolvê-lo a ponto de aneste
siar seu senso crítico ou de reduzir sem imperativos. Tais impera
tivos sempre extrapolam a sobrevivência, para então abordarem
questões sobre a libertação política, a crítica à liderança, apresen
tando alternativas que, m uitas vezes, são marginalizadas ou colo
cadas de lado, consideradas irrelevantes para a batalha principal
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do momento. Mesmo entre os oprimidos há também vencedores
e perdedores, e a lealdade do intelectua l não deve restringir-se
apenas à adesão da marcha coletiva: grandes intelectuais como o
indiano Tagore ou o cubano José Marti foram exemplares nesse
aspecto, pois nunca abrandaram suas críticas por causa donacionalismo, embora eles mesmos continuassem nacionalistas.
Em nenhum país do mundo, exceto no Japão moderno, a
interação entre os imperativos de uma coletividade e o problema
do alinhamento do intelectual foi tão tragicamente problemática
e debatida. À Restauração do Império Meiji de 1868, que trouxe o
imperador de volta, seguiu-se a abolição do feudalismo, dando
início ao percurso deliberado da construção de uma nova ideolo
gia heterogênea. Isso conduziu, de m aneira desastrosa, ao mili
tarismo fascista e à ruína nacional, que culm inou com a derrota do
Japão imperial em 1945. Como argumentou a historiadora Carol
Gluck, a ideologia do imperador ( tennosei ideorogii) foi uma cria
ção de intelectuais durante o período Meiji; embora essa ideolo
gia tivesse sido originalmente alimentada por uma atitude nacional defensiva, e mesmo de inferioridade, em 1915 ela já dera
mostras de um forte nacionalismo, ao mesmo tempo capaz de um
militarismo extremo, veneração ao im perador e um a forma de
nativismo que subordinava o ind ivíduo ao Estado.8Além disso,
também rebaixou outras etnias, a ponto de permitir, por exemplo,
a chacina deliberada de chineses na década de 1930, em nome da
shido minzeku, a idéia de que os japoneses formavam uma raçalíder.
Um dos episódios mais vergonhosos da história moderna dos
intelectuais ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, quando,
segundo a descrição de John Dower, intelectuais americanos e
japoneses participaram da batalha de insultos nacional e racial
numa escala ofensiva e, em última instância, degradante.9Depois
da guerra, como assinalou Masao Miyoshi, muitos intelectuais
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japoneses estavam convencidos de que a essência de sua nova mis
são era não apenas o desmantelamento da ideologia tennosei (ou
corporativa), mas tam bém a construção de uma subjetividade
individualista liberal ( shutaisei), a fim de com petir com o Oci
dente — infelizmente, porém , condenada à “vacuidade do con-sumismo extremo, em que o ato de comprar serve, por si próprio,
à confirmação e à segurança do ser individual”. No entanto, Miyo-
shi nos lembra que a atenção do intelectual do pós-guerra dedi
cada à subjetividade incluía também dar voz às questões de res
ponsabilidade pela guerra, como nas obras do escritor Maruyama
Masao, que falou, de fato, numa “comunidade intelectual de peni
tência”.10
Em tempos difíceis, o intelectual é muitas vezes considerado
pelos membros de sua nacionalidade alguém que representa, fala e
testemunha em nome do sofrimento daquela nacionalidade. Para
usar a descrição que Oscar Wilde faz de si mesmo, os intelectuais
proem inentes m antêm sempre um a relação simbólica com seu
tempo: representam, n a consciência pública, realização profis
sional, fama e reputação, que podem ser mobilizadas em nome de
uma luta em curso ou de unta comunidade em estado de guerra.
Em contrapartida, eles são, com freqüência, obrigados a suportar
o impacto do opróbrio da sua comunidade, seja quando facções
dentro dela associam o intelectual ao lado errado — isso tem sido
muito comum na Irlanda, por exemplo, mas também nos centros
metropolitanos do Ocidente durante a Guerra Fria, quando gru
pos pró e anticom unistas trocavam golpes — , seja quando outros
grupos se mobilizam para um ataque. Por certo o próprio Wilde
sentiu na pele a culpa de todos os pensadores de vanguarda que
tinham ousado desafiar as normas sociais da classe média. No
nosso tempo, um homem como Elie Wiesel veio simbolizar o sofri
mento dos 6 milhões de judeus exterminados no Holocausto
nazista.
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A essa tarefa extremamente importante de representar o so
frimento coletivo do seu próp rio povo, de testemunhar suas lutas,
de reafirmar sua perseverança e de reforçar sua memória, deve-se
acrescentar um a outra coisa, que só um intelectual, a meu ver, tema obrigação de cumprir. Afinal, muitos romancistas, pintores e
poetas, como Manzoni, Picasso ou Neruda, encarnaram a expe
riência histórica do seu povo em obras de arte, que, por sua vez, fo
ram reconhecidas como obras-primas. Nesse sentido, penso que a
tarefa do intelectual é universalizar de form a explícita os conflitos
e as crises, dar m aior alcance hum ano à dor de um determinado
povo ou nação, associar essa experiência ao sofrimento de outros.É inadequado afirmar apenas que um povo foi espoliado,
oprimido ou massacrado, e que lhe foram negados seus direitos e
sua existência política, sem ao mesmo tempo fazer o que Fanon fez
durante a guerra argelina, ou seja, relacionar esses horrores a afli
ções semelhantes de outros povos. Isso não significa de modo
alguma perda de especificidade histórica; trata-se, ao contrário,
de uma prevenção pa ra evitar que uma lição sobre a opressão,aprendida num determinado lugar, seja esquecida ou violada
num a outra época ou lugar. E só porque representamos os sofri
mentos vividos pelo nosso povo — sofrimentos que nós mesmos
poderíamos ter vivido — , não estamos livres do dever de revelar
què nosso próprio povo pode estar agora cometendo crimes seme
lhantes contra suas vítimas.
Por exemplo, os bôeres da África do Sul viram se cies mesmos
vítimas do imperialismo britânico; mas, dep ois dc sobreviverem à
“agressão” britânica durante a Guerra dos Bôeres, enquanto co-
munidade representada por Daniel François Malan, sentiramse
no direito de reivindicar sua experiência h istórica, estabelecendo,
por me io das doutrinas do P artido Nac ional, o que se torn ou o
apartheid.
Muitos intelectuais, levados por um a tentação fácil e de apelo
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popular, sucumbem a uma retórica de justificativas e hipocrisia
que os torna cegos diante de um mal ou barbaridade perpretado
em nome da sua própria com unidade étnica ou nacional. Isso é
particularmente verdadeiro durante períodos de emergência e decrise; a adesão à bandeira de seu respectivo país durante as guer
ras das Malvinas ou do Vietnã, por exemplo, significava que o
debate sobre as causas e o direito de uma guerra fosse interpretado
como o equivalente a uma traição. No entanto, embora nada possa
torná-lo mais impopular, o intelectual tem o dever de manifestar-
se contra essa posição gregária — e que o custo pessoal dessa ati
tude vá para o diabo.
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3. Exílio intelectual: expatriados e marginais
O exílio é um dos destinos mais tristes. Nos tempos pré-m o-
demos, a deportação era um castigo particularmente terrível, uma
vez que significava não apenas anos de vida errante e desnorteada
longe da família e dos lugares conhecidos, como tam bém ser um aespécie de pária permanente, alguém que nunca se sentia em casa,
sempre em conflito com o ambiente que o cercava, inconsolável
em relação ao passado, amargo perante o presente e o futuro.
Sempre houve uma associação entre a idéia do exílio e os ter
rores da lepra: a exclusão moral e social. Ao longo do século xx, o
exílio se transformou de punição requintada e, às vezes, exclusiva
de indivíduos especiais — como o grande poeta latino Ovídio,deportado de Roma para uma cidade remota no m ar Negro —
num castigo cruel de comunidades e povos inteiros, geralm ente
como resultado inadvertido de forças impessoais como a guerra, a
fome e a doença.
Nessa categoria estão os armênios, um povo do tado mas fre
qüentemente deslocado, que vivia em grupos numerosos po r todo
o Mediterrâneo oriental (sobretudo na Anatólia). Mas, depois dos
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ataques genocidas perpretados pelos turcos, os armênios inu n
daram os arredores de Beirute, Alepo, Jerusalém e Cairo, e outra
vez foram dispersados durante os levantes revolucionários do
período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Há m uito tem po me interesso profundamente por essas grandes comunidades
de expatriados ou exilados que povoaram a paisagem da minha
juventude na Palestina e no Egito. Havia natu ralm en te muitos
armênios, mas também judeus, italianos e gregos que, um a vez fixa
dos no Levante, criaram naquela região raízes e laços fortes —
essas comunidades, apesar de tudo , produziram escritores proe
minentes, como Edm ond Jabès, Giuseppe Ungaretti, ConstantinoCavafy — , raízes que acabaram por ser bru talm ente desfeitas
depois da criação do Estado de Israel, em 1948, e após a guerra do
Suez, em 1956. Para os novos governos nacionalistas no Egito, no
Iraque e em outros lugares do mundo árabe, os estrangeiros que
simbolizavam a nova agressão do imperialismo europeu do pós-
guerra foram obrigados a ir embora e, para muitas comunidades
antigas, tal destino foi particularmente nefasto. Algumas dessascomunidades adaptaram-se a novos lugares, onde passaram a mo
rar, mas muitas foram, por assim dizer, re-exiladas.
Há uma idéia bastan te difundida, mas totalmente equivo
cada, de que o exílio significa um corte total, um isolamento, uma
separação desesperada do lugar de origem. Não seria nada mau sé
esse corte fosse feito com precisão cirúrgica, porque então o exi
lado teria ao menos o consolo de saber que tudo o que foi deixadopara trás é, em certo sentido, impensável e completamente irrecu
perável. Para a maioria dos exilados, a dificuldade não consiste só
em ser forçado a viver longe de casa, mas sobretudo, e levando em
conta o mundo de hoje, em ter de conviver o tempo todo com a
lembrança de que ele realmente se encontra no exílio, de que sua
casa não está de fato tão distante assim, e de que a circulação habi
tual do cotidiano da vida contemporânea o mantém n um contato
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permanente, embora torturan te e vazio, com o lugar de origem.
Portanto, o exilado vive num estado intermediário, nem de todoe
integrado ao novo lugar, nem totalmente liberto do antigo, cercado de envolvimentos e distanciamentos pela metade; por um
lado, ele é nostálgico e sentimental, por outro, um imitador com
petente ou um pária clandestino. A habilidade em sobreviver tor-
na-se o principal imperativo, com o perigo de o exilado ficar aco
modado e seguro em emasia, o que constitui uma ameaça contra
a qual deve sempre se prevenir.
Salim, a personagem principal do romance Uma curva no rio,de V. S. Najgatü, é um exemplo comovente do moderno intelectual
no exílio. Muçulmano da África oriental, de origem indiana, Salim
deixa a costa e viaja para o interior do continente africano, onde
sobrevive precariamenete num novo país, cujo modelo c o Zaire de
Mobutu. A extraordinária intuição do romancista permite-lhe
retratar a vida de Salim na “curva do rio” como uma espécie de
terra de ninguém, para onde viajam conselheiros intelectuais europeus (que substituem os missionários idealistas dos tempos
coloniais), bem como mercenários, especuladores e outros de
socupados do Terceiro Mundo. Obrigado a viver nesse ambiente,
Salim pouco a pouco perde sua propriedade e sua integridade na
confusão crescente. Próximo ao fim do romance — e é aí que a
visão ideológica de Naipaul é questionável —, até os nativos se tor
nam exilados no seu próprio país, tão absurdos e extravagantessão os caprichos do governante, o Grande Homem, que na visão de
Naipaul seria o símbolo de todos os regimes pós-coloniais.
Os vastos reordenamentos territoriais no período posterior à *
Segunda Guerra Mundial provocaram movimentos demográficos
de enormes proporções, como, por exemplo, os muçulmanos in
dianos que foram para o Paquistão após a partição de 1947, ou OS
palestinos dispersos em grande escala durante a criação do Estadode Israel para alojar os judeus provenientes da Europa e da Ásia; e
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essas transformações, por sua vez, geraram formas políticas híbri
das. Na vida política de Israel tem havido não apenas uma política
da diáspora judaica como também políticas do povo palestino no
exílio, as quais se entrelaçam e competem entre si. Em países
recém-fundados como o Paquistão e Israel, os novos imigrantes
foram vistos como parte de uma troca de populações; mas, politi
camente, eles eram também considerados minorias oprimidas no
passado, que agora podiam viver nos seus novos Estados como
membros da maioria. No entanto, longe de resolver questões sec
tárias, a partição e a ideologia separatista da nova ordem política
desses dois países acabaram por reacender e, freqüentemente,
inflamar tais questões. Aqui, minha preocupação dirige-se maisaos exilados com enormes dificuldades de integração, como os
palestinos ou os novos imigrantes muçulmanos na Europa conti
nental, ou os indianos ocidentais e os negros africanos na Ingla
terra, cuja presença complica a suposta homogeneidade das novas
sociedades em que vivem. O intelectual que se considera parte
integrante de uma condição mais geral que afeta a comunidade
nacional deslocada é provavelmente uma fonte não de aculturaçãoe adaptação, mas antes de inconstância e instabilidade.
Isso não significa dizer que o exílio seja incapaz de gerar adap
tações surpreendentes. Hoje, os Estados Unidos encontram-se na
posição incomum de ter dois ex-funcionários de extrema im
portância em recentes administrações presidenciais — Henry
Kissinger e Zbigniew Brzezinski —, que foram (ou ainda são,
dependendo da visão do observador) intelectuais exilados: Kissinger, da Alemanha nazista, e Brzezinski, da Polônia comunista.
Além disso, Kissinger é judeu, o que o coloca na situação ex
traordinariamente peculiar de ser também candidato à emigração
para Israel, segundo a Lei do Retorno, em vigor nesse país. Mas,
pelo menos aparentemente, tanto Kissinger como Brzezinski colo
caram todos os seus talentos a serviço do país de adoção, com
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resultados de reconhecimento geral, de recompensas materiais e
de influência nacional, para não dizer mundial; tamanha influên
cia está a anos-luz da obscuridade marginal em que vivem os in
telectuais exilados do Terceiro Mundo na Europa ou nos Estados
Unidos. Depois de terem servido ao governo durante várias décadas, os dois proeminentes intelectuais são agora consultores de
empresas e de outros governos.
Brzezinski e Kissinger talvez não sejam, no plano social, tão
excepcionais como se poderia pensar; basta lembrarmos que o
teatro europeu da Segunda Guerra Mundial era considerado por
outros exilados, como Thomas Mann, um a batalha pelo destino
ocidental, a alma ocidental. Nessa “guerra boa”, os Estados Unidos
desem penharam o papel de salvadores, dando também refugio a
toda uma geração de acadêmicos, artistas e cientistas que fugiram
do fascismo ocidental para a metrópole do novo imperium do
Ocidente. Em áreas acadêmicas como as humanidades e as ciên
cias sociais, um grupo considerável de intelectuais altamente reco
nhecidos foi para os Estados Unidos. Alguns, como os grandesfilólogos das línguas românicas e estudiosos de literatura com
parada Leo Spitzer e Erich Auerbach, enriqueceram as universi
dades americanas com seus talentos e sua experiência no Velho
Continente. Outros, entre os quais cientistas como Edward Teller
e W erner von Braun, entraram na arena da Guerra Fria como
novos americanos determinados a vencer a União Soviética nas
corridas arm amentista e espacial. Depois da guerra, essa preocupação era tão absorvente que, conforme foi revelado recente
mente, intelectuais americanos bem colocados na área de ciências
sociais conseguiram recrutar antigos nazistas conhecidos por suas
credenciais anticom unistas para trabalhar nos Estados Unidos,
como parte da grande cruzada.
Nas duas próximas conferências, vou abordar a técnica usadapo r certos intelectuais no sentido de não tom arem uma posição
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clara, mas, apesar de tudo, sobreviverem de modo confortável,
juntam ente com uma arte de oportunism o político um tanto
quanto obscuro; além disso, pretendo abordar a maneira que en
contram para se acomodarem a um poder dominante novo e emergente. Por enquanto, quero centrar meus argumentos no oposto
do que acabo de mencionar; ou seja, o intelectual que, forçado a vi-
ver no exílio, não consegue se adaptar, ou melhor, teima em não se
adaptar, preferindo colocar-se à margem das correntes dominan
tes, não acomodado, resistente, sem se deixar cooptar; antes, po
rém, preciso esclarecer alguns pontos preliminares.
O primeiro é que o exílio, enquanto condição real, é tambémpara meus objetivos uma condição metafórica. Com isso quero
dizer que meu diagnóstico do intelectual deriva da história social
e política do deslocamento e da migração com a qual comecei esta
conferência, mas não se limita a isso. Mesmo os intelectuais que
são membros vitalícios de uma sociedade podem, por assim dizer,
ser divididos em conformados e inconformados. De um lado, há os
que pertencem plenamente à sociedade tal como ela é, que crescem
nela sem um sentimento esmagador de discordância ou incon
gruência e que podem ser chamados de consonantes: os que sem
pre dizem “sim”; e, de outro, os dissonantes, indivíduos em con
flito com sua sociedade e, em conseqüência, inconformados e
exilados no que se refere aos privilégios, ao poder e às honrarias. O
modelo do percurso do intelectual inconformado é mais bemexemplificado na condição do exilado, no fato de nunca encon-
trar-se plenamente adaptado, sentindo-se sempre fora do mundo
familiar e da ladainha dos nativos, por assim dizer, predisposto a
evitar e até mesmo a ver com maus olhos as armadilhas da aco
modação e do bem-estar nacional. Para o intelectual, o exílio nesse
sentido metafísico é o desassossego, o movimento, a condição de
estar sempre irrequieto e causar inquietação nos outros. Nãopodemos voltar a uma condição anterior, e talvez mais estável, de
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nos sentirmos em casa; e, infelizmente, nunca podemos chegar por
completo à nova casa, nos sentir em harmonia com ela ou com a
nova situação.
Em segundo lugar -— e de certa forma me surpreendo comesta observação, mesm o vinda de mim — , o intelectual na con
dição de exilado tende a sentir-se feliz com a idéia da infelicidade,
a tal ponto que essa insatisfação, um a espécie de amargura ran
zinza que beira a indigestão, pode tornar-se não só um estilo de
pensamento como também uma nova morada, ainda que tem
porária . O intelectual como um Tersites colérico, talvez. Um gran
de protótipo histórico que me vem à mente é uma figura poderosado século xviii, Jonathan Swift, que nunca recuperou o prestígio e
a influência perdidos após os tories saírem do poder em 1714, pas
sando o resto da vida como exilado na Irlanda. Figura quase len
dária de am argura e raiva — “saeve indignatio”, disse elé de si
mesmo no seu próprio epitáfio — , Swift se enfurecera com a I r
landa e, ainda assim, era seu defensor contra a tirania britânica, um
homem cujas grandiosas obras irlandesas Viagens de Gullivere The drapiers letters [As cartas do mercador] mostram um espírito que
floresce, para não dizer que se beneficia, de tamanha angústia pro
dutiva.
No começo de sua carreira, V. S. Naipaul, ensaísta e autor de
livros de viagens, residente tanto na Inglaterra quanto em outros
lugares e sempre se deslocando, revisitando suas raízes caribenhas
e indianas, esquadrinhando os destroços do colonialismo e dopós-colonialismo, julgando sem remorso as ilusões e as crueldades
dos Estados independentes e dos novos crentes, era até certo ponto
uma figura do moderno intelectual exilado.
Mais rigoroso e determinado ainda que Naipaul é o exilado
Theodor Wiesengrund Adorno. Era um homem de temperam en
to áspero mas extremamente fascinante e, a meu ver, a consciência
intelectual dominante dos meados do século xx; ao longo de sua
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carreira, seguiu de perto e combateu os perigos do fascismo, do
comunismo e do consumism o massificado do Ocidente. Ao con
trário de Naipaul, que tem circulado pelos lugares onde já viveu no
Terceiro Mundo, Adorno era com pletamente europeu, um h o
mem formado por inteiro na mais elevada cultura européia, queincluía uma espantosa competência profissional nas áreas de filo
sofia, música (foi aluno e admirador de Berg e Schoenberg), so
ciologia, literatura, história e crítica cultural. Alemão de ascendên
cia parcialmente judaica, deixou seu país em meados da década de
1930, pouco depois da tomada do poder pelos nazistas, e foi
primeiro para Oxford, onde lecionou filosofia e escreveu um livro
extremamente difícil sobre Husserl. Adorno parece ter sido muitoinfeliz no ambiente intelectual de Oxford, rodeado por uma lin
guagem vulgar e po r filósofos positivistas, que contrastavam com
seu pessimismo spengleriano e com a dialética metafísica à melhor
maneira hegeliana. Voltou à Alemanha p or pouco tempo, como
membro do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frank
furt, e, por medida de segurança, viajou, relutante, para os Estados
Unidos, onde viveu num primeiro mom ento em Nova York (1938-41) e depois no sul da Califórnia.
Embora tenha retornado a Frankfurt em 1949 a fim de re
tomar seu antigo cargo de professor, o tempo que viveu na América
marcou-o para sempre com os traços do exílio. Detestava jazz e
tudo relacionado à cultura popular, não tinha nenhum a afeição à
paisagem, parece ter se com portado deliberadamente como um
mandarim no trato com os outros. Por isso, e também por ter sidoformado numa tradição filosófica marxista-hegeliana, tudo o que
fosse relacionado com a influência mundial norte-americana nos
filmes, na indústria, nos hábitos cotidianos, na aprendizagem
baseada em fatos e no pragmatismo deixava-o enfurecido. Natu
ralmente, sentia-se predisposto a tornar-se um exilado metafísico
antes de ir pa ra os Estados Unidos, pois já se revelava extrema
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mente crítico ao que era considerado o gosto burguês na Europa;
por exemplo, seus critérios sobre o que a música deveria ter sido
foram estabelecidos pelas obras extraordinariamente difíceis de
Schoenberg, obras que, Adorno asseverou de forma convicta,
estavam honrosamente destinadas a ser impossíveis de escutar e a
não ser interpretadas. Paradoxal, irônico, crítico impiedoso,
Adorno foi o intelectual por excelência, odiando todos os sistemas,
do nosso lado ou do deles, com igual aversão. Para ele, o que havia
de mais falso na vida era o gregarismo— o todo é sempre o não ver
dadeiro, disse certa vez — e isso, prosseguiu, deu um valor muito
maior à subjetividade, à consciência do indivíduo e ao que nãopodia ser arregimentado numa sociedade totalmente buro-
cratizada.
Foi seu exílio americano que produziu sua grande obra-
prima, M inim a moralia, um conjunto de 153 fragmentos publi
cado em 1953 e cujo subtítulo é Reflexões a pa rtir da v ida dan ifi-
cada. Na forma episódica e mistificadoramente excêntrica desse
livro, que não é nem uma autobiografia linear, nem um devaneiotemático, nem uma exposição sistemática da visão de m undo do
autor, nos vêm à mente mais uma vez as peculiaridades da vida de
Bazárov, representada no romance de Turguêniev Pais e filhos,
sobre a vida na Rússia na década de 1860. Protótipo do intelectual
niilista moderno, Bazárov não faz parte de um contexto narrativo
específico. Ele aparece brevemente, depois desaparece. Nós o
vemos por pouco tempo com seus pais idosos, mas não há dúvida
de que já rompeu deliberadamente com eles. Deduzimos a partir
disso que, em virtude de viver segundo normas diferentes, o inte
lectual não tem uma história, mas apenas uma espécie de efeito
desestabilizador; ele provoca abalos sísmicos, surpreende e choca
as pessoas, mas nunca pode ser explicado pelo seu passado nem
pelos seus amigos.O próprio Turguêniev nada diz a esse respeito: ele deixa tudo
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acontecer diante dos nossos olhos, dando a entender que o intelec-
tual não é apenas um ser afastado dos pais e dos filhos, mas que seu
estilo de vida, seus modos de envolver-se com ela são necessaria
mente alusivos e só podem ser representados de forma realista como
um a série de a tuações descontínuas. A Minima moralia de Adorno
parece seguir a mesm a lógica, ainda que, depois de Auschwitz,
Hiroshima, o advento da Guerra Fria e o triunfo da América, re
presentar o intelectual seja de fato algo muito mais tortuoso do que
fazer o que Turguêniev fez há cem anos por Bazárov.
Na obra de Adorno, a essênciada representação do intelectual
como um exilado permanente, que se desvia tanto do velho como
do novo com a mesma destreza, é um estilo de escrita amaneirado
e trabalhado ao extremo. Antes de mais nada é fragmentário, con
vulsivo, descontínuo; não há enredo ou ordem predeterminada a
seguir. Representa a consciência do intelectual como sendo incapaz
de repousar seja onde for, constantemente em alerta contra as
seduções do sucesso que, para um Adorno de temperamento obs
tinado , significa tentar de forma consciente não ser fácil e ime
diatamente compreendido. Tampouco se pode viver confinado,numa total privacidade: o próprio Adorno, bem mais tarde na sua
c carreira, afirmou que a esperança do intelectual não reside no efeito
; que ele possa ter no mundo, e sim no fato de que um dia, em algum
I lugar, alguém vai ler o que ele escreveu, exatamente como escreveu.
Um fragmento, o de núm ero 18 de M inima m oralia, capta
perfeitamente o significado do exílio. “A rigor, morar é algo que
não é mais possível’, diz Adorno.*&' ■
rAs moradias tradicionais em que crescemos adquiriram algo de
1insuportável: cada traço de comodidade nelas pagou-se com uma
traição ao conhecimento, cada vestígio do sentimento de estar abri
gado, com a deteriorada comunidade de interesses da família.
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O modo de viver das pessoas que cresceram antes do nazismo
também deixou de existir. O socialismo e o consum ismo ameri
cano não são melhores: as pessoas, “quando não moram em slums,
moram em bungalows, que de um dia para outro podem converter-se em cabanas, trailers, automóveis ou camps, abrigos ao ar
livre”. Assim, afirma Adorno, “a casa é coisa do passado”, isto é,
acabou. “A melhor conduta dian te de tudo isso ainda parece ser
uma atitude sem compromisso, como que em suspenso [...] Perj/
tence à moral não se sen tirem casa em sua própria casa.”
Entretanto, ao chegar a uma aparente conclusão, Adorno a
inverte:
Todavia, a tese desse paradoxo conduz à destruição, a um insensível
desrespeito pelas coisas, que se volta necessariamente também con
tra os homens, e a antítese já é, no instante mesmo em que é ex
pressa, uma ideologia para aqueles que, com má consciência, pre
tendem conservar o que é seu. Não há vida correta na falsa.1
Ou seja, não há escape possível, mesmo para o exilado que
tenta perm anecer em suspensão, um a vez que esse estado inter
mediário pode, ele próprio, tornar-se um a posição ideológica rí
gida, um a forma dè m oradia cuja falsidade é encoberta pelo tempo
e à qual se pode acostumar-se com demasiada facilidade. No en
tanto, Adornoinsiste: “Uma insistência desconfiada é sempre salutar”, especialmente quando se refere à escrita do intelectual. “Para
quem não tem mais pátria, é bem possível que o escrever se torneili■ iTt f l il lM M ' ' ----- -I Tiir — n | ~ i .......... | "jp . • ------- -- " : -' - • — — - - —
sua morada”, mas ainda assim — e este é o toque final de Adorno
— não pode haver abrandamento de rigor na auto-análise:
A exigência de ser duro em relação à autocomiseração inclui a
exigência técnica de contrapor uma extrema vigilância ao relaxamento da tensão intelectual e de eliminar tudo o que se sedimenta
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como escória do trabalho [ou a escrita], tudo o que funciona de
maneira improdutiva, tudo o que, numa etapa anterior, enquanto
conversa fiada, talvez tenha provocado uma atmosfera calorosa,
conveniente a seu desenvolvimento, mas que no presente não passa
de um resíduo insípido e com odor de mofo. No fim das contas, nemsequer é permitido ao escritor habitar o ato de escrever.2
Essa passagem é tipicamente melancólica e resoluta. Nela,
Adorno, o intelectual no exílio, carrega de sarcasmo a idéia de que
o trabalho pode dar alguma satisfação, um modo de vida alterna
tivo que pode ser uma breve pausa na angústia e marginalidade da
supressão total de um a “morada”. O que realmente Adorno nãomenciona são os prazeres do exílio, as soluções de vida diferentes e
os ângulos de visão excêntricos que ele pode às vezes permitir ao
intelectual^ estimulando sua vocação, sem talvez aliviar toda e
qualquer angústia ou sentimento de amarga solidão. Por isso, em
bora seja verdade afirmar que o exílio é a condição que caracteriza
o intelectual como um a figura à margem dos confortos do p ri
vilégio, do poder, de estar-em-casa (por assim dizer), é tambémmuito importante insistir no fato de que essa condição traz em seu
bojo certas recompensas e até mesmo privilégios. Assim, embora
você não seja nem um ganhador de prêmios, nem bem-vindo a
todas essas sociedades honorárias autocongratulatórias que
rotineiram ente excluem desordeiros embaraçosos que desobede
cem às regras do sistema ou poder, você está ao mesmo tempo co
lhendo algumas coisas positivas do exílio e da marginalidade.^ Uma delas, naturalmente, é o prazer de ser surpreendido, de
nunca considerar nada garantido, de aprender a fazer o melhor
possível em circunstâncias de instabilidade que poderiam con
fundir ou atemorizar a maior parte das pessoas. Uma vida intelec
tual é fundamentalmente conhecimento e liberdade. No entanto,
estes adquirem significado não como abstrações — como na afir-
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mação um tanto quanto banal “Você deve ter uma boa educação
para ter uma vida boa”—, mas como experiências realmente vivi - -
das. Um intelectual é como um náufrago que, de certo modo,
aprende a viver com a terra, não nela; ou seja, não como Robinson
Crusoé, cujo objetivo é colonizar sua pequena ilha, mas como
Marco Polo, cujo sentido do maravilhoso nunca o abandona e/,
que é um eterno viajante, um hóspede temporário, não um para
sita, conquistador ou invasor.
O exilado vê as coisas tanto em termos do que deixou para
trás como em termos do que de fato acontece aqui e agora; através
dessa dupla perspectiva, ele nunca vê as coisas de maneira separadaou isolada. Cada cena ou situação no novo país aproxima-se neces
sariamente de sua contrapartida no país de origem. Do ponto devista intelectual, isso significa que um a idéia ou experiência é sem
pre contraposta a outra, fazendo com que ambas apareçam sob
uma luz às vezes nova e imprevisível: a partir dessa justaposição
temos uma idéia melhor, e talvez mais universal, sobre como p en
sar, por exemplo, a respeito de uma questão de direitos hum anosnuma situação em comparação com outra. Parece-me que a maio
ria das discussões alarmistas e totalmente distorcidas sobre o fun-
damentalismo islâmico no Ocidente tem sido injuriosa do ponto
de vista intelectual, precisamente porque não foi comparada com
o fundamentalismo judeu ou cristão, ambos igualmente predo
minantes e repreensíveis, segundo minha própria experiência do
Oriente Médio. O que, por um lado, é normalmente consideradouma simples questão de juízo contra um inimigo sancionado, por
outro; na perspectiva dupla ou de exílio, impele um intelectual oci
dental a ver um quadro muito mais amplo, agora com a exigência
de tomar uma posição secularista (ou não) em iodos as tendências
teocráticas e não apenas contra as que foram designadas conven
cionalmente.
Uma segunda vantagem para o que, de fato, é o posto de ob-servação do exilado para o intelectual é que se tende a ver as coisas
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;não apenas como elas são, mas como se tornaram o que são. Isso
i significa observar as situações com o contingentes e não como ine
vitáveis, encará-las enquanto resultado de u m a série de escolhas
históricas feitas po r homens e mulheres, como fatos da sociedade
construída por seres humanos e não como naturais ou ditadas porDeus e, por conseqüência, imutáveis, perm anentes, irreversíveis.
O grande p rotótipo desse tipo de posicionam ento intelectual
foi dado pelo filósofo italiano do século xvm G iambattista Vico, que
há m uito tem po é um dos meus heróis. A solidão desse desco
nhecido professor napolitano que mal conseguia sobreviver e con
frontava a Igreja e suas influências diretas foi, em parte, responsável
pela sua grande descoberta: constatar que o m odo correto de compreender a realidade social é entendê-la como um processo gerado
a partir do seu ponto de origem, o que se pode sempre situar em
circunstâncias extrem amente humildes. Isso, escreveu Vico na sua
grande obra A ciência nova, significava ver as coisas como se elas
tivessem evoluído a partir de origens claras, da mesma maneira que
o ser hum ano adulto deriva da criança que apenas balbucia.
Vico argumenta ser esse o único ponto de vista que se pode ter
sobre o m undo secular, que, insiste ele muitas vezes, é histórico,com suas próprias leis e processos, e não ordenado por um a divin
dade. Isso suscita respeito, mas não reverência, pela sociedade
humana. Olhamos para o mais grandioso dos poderes em termos
das suas origens e para onde ele pode estar dirigido; não nos dei
xamos atemorizar pela personalidade imponente, ou pela insti
tuição magnífica que para um nativo, alguém que sempre viu (e
portanto venerou) a pompa, mas não a necessária e humilde origem
humana da qual ela derivou, compele muitas vezes ao silêncio e àsubserviência chocante. O intelectual no exílio é necessariamente
irônico, cético e até mesm o engraçado, mas não cínico.
Finalmente, tal como qualquer verdade iro exilado pode con
firmar, um a vez que deixamos nossa casa, onde quer que a gente vá
parar, não podem os simplesmente retom ar nossa vida e tornar-
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nos apenas mais um cidadão do novo lugar. Caso optemos por isso,
há um embaraço tão grande envolvido nesse esforço que rara- ^
mente vale a pena. Podemos passar muito tempo lamentando oque perdemos, invejando as pessoas que, ao nosso redor, sempre
estiveram em casa, próximas aos seus entes queridos, vivendo no
lugar onde nasceram e cresceram sem nunca terem passado pela
, experiência não só da perda do que outrora lhes pertenceu, mas
V sobretudo da memória torturante de uma vida à qual não podem
retornar. Por outro lado, como disse Rilke, podemos tornar-nos^
principiantes nas nossas circunstâncias, e isso nos permite umestilo de vida não convencional e, acima de tudo, uma carreira
diferente e, com freqüência, bastante excêntrica.
Para o intelectual, o deslocamento do exílio significa ser li
bertado da carreira habitual, em que “fazer sucesso” e seguir a
trilha das pessoas consagradas pelo tempo são os marcos princi
pais. O exílio significa que vamos estar sempre à margem, e o que
fazemos enquanto intelectuais tem de ser inventado porque nãopodemos seguir um caminho prescrito. Se pudermos tentar esse
destino não como uma privação ou algo a ser lastimado, mas como
uma forma de liberdade, um processo de descoberta no qual faze
mos coisas de acordo com nosso próprio exemplo, à medida que
vários interesses despertarem nossa atenção e segundo o objetivo
particular que nós mesmos ditamos, então ele será um prazerúnico. É o que acontece, por exemplo, na odisséia de C. L. R. James,
ensaísta e historiador de Trinidad e Tobago, que veio para a In
glaterra como jogador de críquete entre as duas guerras mundiaise cuja autobiografia intelectual, Beyond a boundary [Além de uma
fronteira], é um relato de sua vida de jogador e do críquete no colo
nialismo. Outra obra dele, Os jacobinos negros/ é um a história
comovente sobre a rebelião dos escravos negros haitianos no fimdo século x v i i i , liderada por Toussaint L’Ouverture. C. L. R. James
foi também orador e organizador político nos Estados Unidos;
escreveu um estudo sobre Herman Melville, Mariners, renegades,
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and castaways [Marinheiros, renegados e párias], além de vários
trabalhos sobre pan-africanismo e dúzias de ensaios sobre cultura
e literatura popular. Uma trajetória excêntrica e irrequieta, algo
tão diferente do que hoje chamaríamos de sólida carreira profis
sional; no entanto, quanta exuberância e infindável autodesco-berta contém.
A maioria de nós talvez não seja capaz de reproduzir o destino
de exilados como Adorno ou C. L. R. James, mas seu significado
para o intelectual contem porâneo é, ainda assim, muito pe rti
nente. C^exílio é um m odelo para o intelectual que se sente ten-
tado, ou mesmo assediado ou esmagado, pelas recompensas da
acom odação,do conformismo, da adaptação. Mesmo que nãò sej a
realmente um imigran te o u expatriado, ainda assim é possível
pensar como tal, imaginar e pesquisar apesar das barreiras, afas-
tando-se sempre d as autoridades centralizadoras em direção às
r margens, onde se podem ver coisas que normalmente estão perdi-
f das em mentes que nunca viajaram para além do convencional e
i do confortável.
A condição de marginalidade, que pode parecer irrespon
sável e impertinente, nos liberta da obrigação de agir sempre comcautela, com medo de virar tudo de cabeça para baixo, preocupa
dos em não inquietar os colegas, membros da mesma corporação.
Naturalmente, ninguém está livre de ligações e sentimentos. Nemtenho em mente o suposto intelectual sem compromisso com
nada, cuja competência técnica pode sèr emprestada ou posta à
venda a qualquer um. Entretanto, penso que, para ser tão marginal
e indomado como alguém que se encontra de fato no exílio, o in-telectual deve ser receptivo ao viajante e não ao potentado, ao pro
visório e arriscado e não ao habitual, à inovação e à experiência e
não ao status quo autoritariamente estabelecido. O intelectual
que encarna a condição de exilado não responde à lógica do con
vencional, e sim ao risco da ousadia, à representação da mudança,
ao movimento sem interrupção.
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4. Profissionais e amadores
Em 1979, o versátil e engenhoso intelectual francês Régis
Debray publicou um relato penetrante sobre a vida cultural fran
cesa intitulado Professores, escritores, celebridades: os intelectuais da
França moderna.1O próprio Debray, ex-ativista de esquerda seriamente comprometido, tinha ensinado na Universidade de
Havana pouco depois da Revolução Cubana de 1958. Alguns anos
mais tarde, as autoridades bolivianas o condenaram a trin ta anos
de prisão por causa de sua ligação com Che Guevara, mas ele só
cumpriu três. Depois de seu regresso à França, Debray tornou-se
um analista político semi-acadêmico e, mais tarde ainda, um con
selheiro do presidente M itterrand . Estava, assim, num a posição
privilegiada para entender a relação entre os intelectuais e as insti
tuições, que nunca é estática, mas sempre se desdobra e algumas
vezes surpreende na sua complexidade.
A tese de Debray no livro é a de que, entre 1880 e 1930, os inA
telectuais parisienses eram ligados principalm ente à Sorbonne;
refugiados seculares tanto da Igreja como do bonapartism o, aliestavam protegidos trabalhando como professores nos labo-
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ratórios, bibliotecas e salas de aula e podiam fazer avanços impor
tantes no campo do conhecimento. Depois de 1930, a Sorbonne foi
aos poucos perdendo sua autoridade para novas editoras como a
da Nouvelle Revue Française, onde, de acordo com Debray, “a família espiritual” formada pela intelligentsia e seus editores con
seguiu um teto mais hospitaleiro sobre a cabeça. Até aproximada
mente 1960, escritores como Sartre, De Beauvoir, Camus, Mauriac,
Gide e Malraux formavam a intelligentsia que tinha substituído o
professorado, devido ao alcance ilimitado de seu trabalho, sua
crença na liberdade e seu discurso “a meio caminho da solenidade
eclesiástica que o antecedeu e o barulho da propaganda que veio
depois”.1
Por volta de 1968, muitos intelectuais abandonaram a pro
teção dos seus editores; afluíram para os meios de comunicação de
massa, atuando como jornalistas, convidados e apresentadores de
entrevistas n a televisão, consultores, administradores etc. Agora
tinham não apenas uma enorme audiência, como também o tra
balho de toda uma vida como intelectuais dependia de seus espec
tadores, do aplauso ou do esquecimento dados por aqueles “ou
tros”, que haviam se torn ado um a audiência consumidora sem
rosto e em algum lugar lá fora.
Ao ampliarem a área de recepção, os meios de comunicação de
massa reduziram as fontes de legitimidade intelectual, cercando a
intelligentsia profissional, clássica fonte dessa legitimidade, com
círculos concêntricos mais largos, que são menos exigentes e, portanto, mais facilmente conquistados [...] Os meios de comunicação
de massa romperam o lacre da intelectualidade tradicional, junta
mente com suas normas de avaliação e sua escala de valores.3
O que Debray descreve é quase inteiramente uma situação
francesa localizada, o resultado de uma luta entre forças seculares,
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imperiais e eclesiásticas naquela sociedade desde o tempo de Na-
poleão. É, portanto, muito improvável que o quadro que ele retrata
da França seja encontrado em outros países. Na Grã-Bretanha, porexemplos, anteriores à Segunda Guerra Mundial, as grandes un i
versidades dificilmente poderiam ser caracterizadas nos termos de
Debray. Mesmo os professores de Oxford e Cambridge não eram
conhecidos na esfera pública como intelectuais no sentido francês;
e, apesar de as editoras britânicas terem sido poderosas e influen
tes entre as duas grandes guerras, elas e seus autores não cons
tituíam a família espiritual descrita po r D ebray na França. Noentanto, a questão geral é válida; grupos de indivíduos estão ali
nhados com instituições e ganham poder e autoridade a partir des
sas instituições. Se as instituições prosperam ou decaem, assim
também o fazem seus intelectuais orgânicos, para usar uma ex
pressão útil de Antonio Gramsci quando se refere a eles.
E, no entanto, permanece a questão se há ou pode haver algo
como um intelectual independente, atuando de forma autônoma,que não seja devedor e, por conseguinte, não se sinta constrangido
por suas afiliações com universidades que pagam salários, par
tidos que exigem lealdade a uma linha política, think tanks que, ao
mesmo tempo que oferecem liberdade para fazer pesquisa, talvez
comprometam mais sutilmente o discernimento e restrinjam a voz
crítica. Como Debray sugere, quando o círculo de um intelectual se
alarga para além do seu grupo intelectual propriamente d ito— emoutras palavras, quando a preocupação de agradar a uma audiên
cia ou a um empregador substitui a dependência em relação a ou
tros intelectuais para debate e julgamento — , alguma coisa na sua
vocação fica, se não anulada, certamente inibida.
Voltemos um a vez mais para meu tema principal, a represen
tação do intelectual. Quando pensamos num intelectual enquanto
indivíduo — e o indivíduo é minha preocupação aqui — , nósacentuamos a individualidade da pessoa desenhando seu retrato,
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ou antes focamos o grupo ou classe a que esse indivíduo pertence?
A resposta a essa questão obviamente afeta nossas expectativas
quanto ao discurso do intelectual: o que ouvimos ou lemos ex
pressa uma visão independente ou representa um governo, uma
causa política organizada, um grupo de pressão? As representaçõesdo intelectual no século xix tendiam a acentuar a individualidade;
muitas vezes o intelectual é, como o Bazárov de Turguêniev ou o
Stephen Dedalus de Joyce, uma figura solitária, de certo modo
arredia, que não se adapta de jeito nenhum à sociedade e é, por isso,
um rebelde completamente à margem da opinião estabelecida.
Com o crescente número de homens e mulheres do século xx que
pertencem a um grupo geral chamado de intelectuais ou intelectualidade — gestores, professores, jornalistas , especialistas em
computação ou em assuntos de governo, lobistas, eruditos, colu
nistas de agências de notícias, consultores pagos para dar suas
j opiniões —, somos levados a nos perguntar se o indivíduo intelec-
1 tual, com um a voz independente, pode realmente existir.
Essa é uma questão tremendam ente im portan te e deve ser
vista com uma combinação de realismo e idealismo, certamentenão com cinismoyÓm cínico, diz Oscar Wilde, é alguém que sabe
o preço de tudo, mas não conhece o valor de nada. Acusar todos
os intelectuais de vendidos só porque ganham a vida trabalhando
num a universidade ou num jornal é uma acusação grosseira e, afi
nal, sem sentido. Seria indiscriminadamente cínico afirmar que o
mundo é tão corrupto que, em última análise, todos sucumbem ao
dinheiro. Por outro lado, não é muito menos sério considerar a, pessoa do intelectual um modelo perfeito, um a espécie de ca
vale iro reluzente tão puro e tão nobre a ponto de desviar qualquer
^su sp ei ta de interesse material./jinguém consegue passar em tal
j teste, nem mesmo Stephen Dedalus, que é tão pu ro e tão im pe
tuosamente ideal que acaba incapacitado e, pior ainda, silencioso.
O fato é que o intelectual não deve ser um a figura tão incon-
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troversa e cautelosa como seria um técnico amigável, nem tentar
ser um a Cassandra em tempo integral, que não só era desagra
dável, com toda a razão, como também não era ouvida. Todo ser
hum ano é limitado por uma sociedade, não importa quão livre e
aberta ela seja, quão boêmio o indivíduo seja. De qualquer modo,
espera-se que o intelectual seja ouvido e que, na prática, deva sus
citar debate e, se possível, controvérsia. As alternativas, porém, não
são aquiescência total ou rebeldia total.
Durante os últimos dias da administração Reagan, um in
telectual americano e ex-militante de esquerda chamado Russell
Jacoby pub licou um livro que gerou grande discussão, a ma iorparte dela de aprovação. Intitulava-se Os últimos intelectuais e de
fendia a tese incontestável de que nos Estados Unidos “o intelectual
não acadêmico” tinha desaparecido completamente, não de i
xando ninguém no seu lugar, exceto um punhado de professores
universitários tímidos, dominados por um jargão peculiar, nos
quais ninguém na sociedade prestava muita atenção.4O modelo de
Jacoby para o intelectual de antigamente abrangia alguns nomesque viveram principalmente em Greenwich Village (local equiva
lente ao Quartier Latin) no começo do século xx e eram conheci
dos de um modo geral como os intelectuais de Nova York. A maioria
deles eram judeus, de esquerda (mas grande parte anticomunista) e
conseguiam viver de seus escritos. Figuras da primeira geração
incluíam homens e mulheres como Edmund Wilson, Jane Jacobs,
Lewis Mumford, Dwight McDonald; seus seguidores um poucomais tarde foram Philip Rahv, Alfred Kazin, Irving Howe, Susan
Sontag, Daniel Bell, William Barrett, Lionel Trilling. De acordo
com Jacoby, pessoas como essas perderam importância por causa
de várias forças políticas e sociais do pós-guerra: a fuga para os su
búrbios (para Jacoby o intelectual é uma criatura urbana), as irres-
ponsabilidades da geração beat, pioneira da idéia de romper com
tudo e fugir de um a posição estabelecida na vida, a expansão da
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universidade e a ida para o campus da primeira esquerda indepen
dente americana.
i O resultado é que o intelectual hoje é muito provavelmente
í um professor de literatura confinado, com uma renda segura, sem. nenhum interesse em lidar com o mundo fora da sala de aula. Tais
indivíduos, Jacoby alega, escrevem uma prosa esotérica e bizarra,
dirigida principalmente para a promoção acadêmica e não para a
mudança social. Enquanto isso, a predominância do que foi cha
mado movimento neoconservador — intelectuais que tinham se
tornado proem inentes durante o período Reagan, mas que eram
em muitos casos ex-esquerdistas, intelectuais independentes como o com entarista social Irving Kristol e o filósofo Sidney Hook
— trouxe consigo grande número de novos periódicos expres
sando um a agenda social abertamente reacionária ou pelo menos
conservadora (Jacoby menciona em particular o periódico tri
mestral de extrema direita The N ew Criterion). Essas forças, diz
Jacoby, foram e ainda são muito mais insistentes no sentido de
cortejar jovens escritores, potenciais líderes intelectuais quepodem suceder os mais velhos. Enquanto a N ew York Review o f
Books, a mais prestigiosa revista liberal da América, tinha sido ou-
tro ra pioneira em apresentar idéias audaciosas expressas por
escritores novos e radicais, agora adquirira um “passado deplo
rável”, parecendo, na sua envelhecida anglofilia, “mais com os chás
de Oxford do que com as delis de Nova York”. Jacoby conclui que a
New York Review “nun ca estimulou ou prestou atenção nos inte
lectuais americanos mais jovens. Por um quarto de século usou o
banco cultural sem fazer nenhum investimento. Hoje a transação
tem de contar com capital intelectual importado, principalmente
da Inglaterra”. Tudo isso se deve, em parte, “não a uma greve, mas
a um fechamento dos antigos centros urbanos e culturais”.5
Jacoby retoma sua idéia de um intelectual, que ele descreve
como “um a alma incorrigivelmente independente que não res
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ponde a ninguém”. Tudo o que nós temos agora, diz ele, é uma ge
ração desaparecida, que foi substituída portécnicos de sala de aula,;
altaneiros e impossíveis de compreender, contratados por comissões, ansiosos para agradar a vários patrocinadores e agências,
eriçados com credenciais acadêmicas e com uma autoridade social
que não promove debate, mas estabelece reputações e intimida os
não-especialistas. Trata-se de um quadro m uito sombrio, mas será
que é acurado? O que Jacoby diz sobre a razão do desaparecimento
dos intelectuais é verdade ou podemos oferecer de fato um diag
nóstico mais preciso?Em primeiro lugar, acho errado ser injusto em relação à un i
versidade ou mesmo aos Estados Unidos. Houve um breve período
na França, logo após a Segunda Guerra Mundial, em que um pu
nhado de proeminentes intelectuais independentes como Sartre,
Camus, Aron, De Beauvoir, pareciam representar a idéia clássica
— não necessariamente a realidade — de intelectuais descen
dentes de seus grandes (mas, infelizmente, muitas vezes míticos)protótipos do século xrx, como Ernest Renan e Wilhelm von Hum-
boldt. Mas o que Jacoby não diz é que o trabalho intelectual no
século xx se envolveu muito não só com o debate público e com a
gran,de polêmica do tipo defendido por Julien Benda e talvez
exemplificado por Bertrand Russell e alguns intelectuais boêmios
de Nova York, mas tam bém com a crítica e o desencanto, com a
denúncia de falsos profetas e a descrença de antigas tradições e no mes consagrados.
Além disso, ser um intelectual não é de jeito nenhum incom
patível com o trabalho acadêmico ou mesmo com a profissão de
pianista. O brilhante pianista canadense Glenn Gould (1932-82)
foi um artista dedicado à gravação, tendo assinado contratos com
grandes gravadoras du rante toda a sua vida profissional; isso não
o impediu de ser um reintérp rete iconoclasta e um comentadorde música clássica com trem enda influência no modo como a exe-
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cução é realizada e julgada. Intelectuais acadêmicos — historia
dores, po r exemplo — remodelaram totalmente o pensamento
quanto à escrita da História, à estabilidade de tradições, ao papel da
linguagem na sociedade. Podemos pensar em Eric Hobsbawm e E.
P. Thom pson na Inglaterra, ou Hayden White nos Estados Unidos.O trabalho deles teve grande difusão para além da academia, ape
sar de ter nascido e se alimentado dentro dela na sua maioria.
Quanto aos Estados Unidos serem especialmente culpados
po r descaracterizar a vida intelectual, poder-se-ia argumentar
que, aonde quer que se olhe hoje em dia, mesmo na França, o in
telectual não é mais um boêmio ou um filósofo de mesa de bar, mas
se tom ou uma figura bem diferente, representando muitos tiposdiferentes de preocupações, fazendo suas representações de um
modo muito diferente, dramaticamente alterado. Como venho
sugerindo nestas conferências, o intelectual não representa um
ícone do tipo estátua, mas uma vocação individual, uma energia,
uma força obstinada, abordando com uma voz empenhada e
reconhecível na linguagem e na sociedade uma porção de ques
tões, todas elas relacionadas, no fim das contas, com uma combinação de esclarecimento e emancipação ou liberdade. A ameaça-- ...------------- ----- ---------- —
específica ao intelectual hoje, seja no Ocidente, seja no mundo não
ocidental, não é a academia, nem os subúrbios, nem o comercia
lismo estarrecedor do jornalismo e das editoras, mas antes uma
atitude que vou chamar de profissionalismo. Por profissionalismo
eu entendo pensar no trabalho do intelectual como alguma coisa
que você faz para ganhar a vida, entre nove da manhã, e cinco datarde, com um olho no relógio e outro no que é considerado um
comportamento apropriado, profissional— não entornar o caldo,
não sair dos paradigmas ou limites aceitos, tornando-se, assim,
comercializável e, acima de tudo, apresentável e, portanto, não
controverso, apolítico e “objetivo”.
Vamos voltar a Sartre. No preciso momento em que ele parece
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estar advogando a idéia de que o homem (nenhuma menção à
mulher) é livre para escolher seu próprio destino, ele também diz
que a situação— uma das suas palavras favoritas — pode impedir
o pleno exercício de tal liberdade. E, no entanto, Sartre acrescenta,é errado dizer que o meio e a situação determinam, de modo uni
lateral, o escritor ou o intelectual; o que existe é, sobretudo, um mo
vimento constante para a frente e para trás entre eles. No seu credo
como intelectual, publicado em 1947, Q ueéa literatura?, Sartre usa
a palavra escritor, mas é claro que ele está falando sobre o papel do
intelectual na sociedade, como na seguinte passagem;
Sou um autor, em primeiro lugar, por minha livre intenção de escre
ver. Mas imediatamente segue-se que eu me tomo um homem que
outros homens consideram um escritor, isto é, que tem de respon
der a uma certa demanda e que foi investido de uma certa função
social. Seja qual for o jogo que ele queira jogar, deve jogá-lo com
base na representação que outros fazem dele. Pode querer modificar
o caráter que se atribui ao homem de letras [ou intelectual] numa
dada sociedade; mas para mudá-lo tem antes de introduzir-se nela.
Depois, o público intervém, com seus costumes, sua visão de
mundo e sua concepção da sociedade e da literatura no interior
dessa sociedade. O público cerca o escritor, encurrala-o, e suas exi
gências imperiosas ou dissimuladas, suas recusas e suas fugas são os
fatos concretos em cuja base uma obra pode ser construída.6
Sartre não está dizendo que o intelectual seja um a espécie de
rei-filósofo isolado, que devemos idealizar e venerar como tal. Ao
contrário -— e isto é algo que as pessoas que, hoje em dia, lamen
tam o desaparecimento dos intelectuais tendem a não perceber — ,
ele está constantem ente sujeito não apenas às exigências da sua
sociedade, mas também a muitas modificações substanciais nacondição social dos intelectuais como membros de um grupo dis
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tinto. Supondo que ele deva ter soberania, ou um tipo de autori
dade irrestrita sobre a vida m oral e mental num a sociedade, os
críticos da cena contemporânea simplesmente se recusam a ver
quanta energia tem sido gasta ultimam ente para resistir e até mesmo atacar a autoridade, com mudanças radicais na auto-represen-
tação do intelectual.
A sociedade atual ainda enclausura e cerca o escritor, às vezes
com prêmios e recompensas, muitas vezes rebaixando ou ridicu
larizando totalmente o trab alho intelectual e, ainda com maior
freqüência, dizendo que o verdadeiro intelectual, hom em ou m u
lher, deveria ser apenas um profiss ional experimentado eift seucampo. Não me lembro de Sartre ter dito a lguma vez que o inte
lectual devia permanecer necessariamente fora da universidade: o
que ele realmente disse foi que o intelectual nunca é de todo um in
telectual como quando é rodeado, induzido com agrados, encur
ralado, tiranizado pela sociedade para ser uma coisa ou outra,
porque só nesse mom ento e nessa base se pode construir o tra
balho J.ntekctua l. Quando recusou o Prêmio Nobel em 1964,Sartre estava agindo precisamente de acordo com seus princípios.
O que são essas pressões hoje em dia? E como elas se encaixam
no que eu cham o de profissionalismo? O que quero discutir são
quatro pressões que, a meu ver, desafiam a engenhosidade e a força
de vontade do intelectual. Nenhum a delas é única para uma deter
minada sociedade. Apesar da sua difusão, cada um a dessas pres
sões pode ser contestada pelo que chamo de am adorismo, o desejode ser movido não por lucros ou recompensas, mas j)o r amor e
pelo interesse irreprimível p or horizontes mais amplos, pela bus
ca de relações para além de linhas e barreiras, pela recusa em estar
preso a uma especialidade, pela preocupação com idéias e valores
apesar das restrições de um a profissão.
A especialização é a prim eira dessas pressões. Hoje, quanto
mais elevado se estiver no sistema educacional, mais se é limitado
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a uma área de conhecimento relativamente restrita. Por certo,
ninguém pode ter nada contra a competência enquanto tal, mas
quando isso envolve perder de vista qualquer coisa fora do seucampo imediato — digamos, a poesia amorosa no começo da era
vitoriana — e sacrificar a cultura geral em prol de um elenco de
autoridades e idéias canônicas, então esse tipo de competência não
vale o preço pago por ela.
No estudo de literatura, por exemplo, que é de meu interesse
partlcuTar.Têspeciaíização significou um crescente formalismo
técnico e, cada vez menos, um a compreensão histórica das verdadeiras experiências que realmente se concretizaram n a com
posição de uma obra literária. A especialização significa perder de
vista o trabalho árduo de construir arte ou conhecimento; como
resultado, não se consegue ver o conhecimento e a arte como esco
lhas e decisões, compromissos e alinhamentos, mas somente em
termos de teorias ou metodologias impessoais. Ser um especialista
em literatura significa, com demasiada freqüência, excluir a História, ou a música, ou a política. No final, como um intelectual to
talmente especializado em literatura, vòcê fica domesticado e
aceita qualquer coisa que os chamados grandes especialistas nesse
campo pontificam. A especialização também mata os prazeres do
arrebatamento e da descoberta, ambos irredutivelmente presentes
na índole do intelectual. Em última análise, ceder à especialização
é, sempre achei, preguiça, e assim você acaba fazendo o que os outros lhe dizem, porque essa é, afinal de contas, sua especialidade.
Se a especialização é um tipo de pressão geral e instrumental
presente em todos os sistemas educacionais do mundo, a expertise
e o culto do técnico ou perito credenciado são pressões mais pró
prias no mundo do pós-guerra. Para ser um especialista, você tem
de ser credenciado pelas autoridades competentes; elas ensinam a
falar a linguagem correta, a citar as autoridades certas, a sujeitar-seao território correto. Isso é verdadeiro sobretudo quando áreas do
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conhecimento sensíveis e/ou lucrativas estão em questão. Recen
temente, tem havido muita discussão sobre uma coisa chamada
“politicamente correto”, uma expressão insidiosa aplicada a
humanistas acadêmicos que, diz-se com freqüência, não pensam
de forma independente, e sim de acordo com normas estabeleci
das por uma cabala de esquerdistas; essas normas são consideradas
demasiadamente sensíveis ao racismo, sexismo e outros “ismos”,
em vez de permitirem que as pessoas debatam de um a maneira
considerada “aberta”.
A verdade é que a campanha contra o politicamente correto
tem sido conduzida principalmente po r conservadores de várias
tendências e outros paladinos dos valores da família. Embora algu
mas coisas que eles dizem tenham um certo mérito — sobretudo
quando ressaltam a total inconsistência do jargão bobo e insen
sato —, sua campanha fecha os olhos ao incrível conformismo e às
críticas politicamente corretas no que diz respeito, por exemplo, às
políticas militar, de segurança nacional, externa e econômica.
Duran te os anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra,
por exemplo, exigia-se em relação à União Soviética a aceitaçãosem questionamento das premissas da Guerra Fria, da maldade
total da União Soviética, e assim por diante.
Por um período ainda maior, mais ou m enos de meados da
década de 1940 até meados da década de 1970, a posição oficial
americana sustentava que a liberdade no Terceiro Mundo signifi
cava simplesmente liberdade em relação ao comunismo. Essa idéia
reinava praticamente sem contestação, e a ela se ligava a noção,constantemente elaborada por legiões de sociólogos, antropólo
gos, cientistas políticos e economistas, de que o “desenvolvimento”
era um fenômeno não ideológico, derivado do Ocidente, e en
volvia salto econômico, modernização, anticomunismo e uma de
voção, entre alguns líderes políticos, às alianças formais com os
Estados Unidos.
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Para os Estados Unidos e alguns de seus aliados, como a Grã-
Bretanha e a França, essas visões sobre defesa e segurança impli
cavam, com freqüência, a continuação de políticas imperalistas,
em que intervenções militares contra insurreições e um a oposiçãoimplacável ao nacionalismo nativo (sempre visto como simpati
zante do comunismo e da União Soviética) provocaram imensos
desastres na forma de guerras e invasões custosas (como a do
Vietnã), apoio indireto a invasões e massacres (como os cometidos
pelos aliados do Ocidente, entre eles a Indonésia, El Salvador e
Israel) e regimes clientelistas com economias grotescamente dis
torcidas. Discordar disso tudo significava, com efeito, interferirnum mercado controlado por especialistas, talhados para patroci
nar o esforço nacional. Se, por exemplo, você não fosse um cien
tista político formado pelo sistema universitário americano, com
um considerável respeito pela teoria do desenvolvimento e pela
segurança nacional, você não era ouvido, em alguns casos nem lhe
permitiam falar, mas era desafiado com base na falta de uma espe
cialização.No fim das contas, expertise tem muito pouco a ver, rigorosa
mente falando, com conhecimento. Parte do material sobre a
Guerra do Vietnã usado por Noam Chomsky é muito maior em
alcance e precisão do que estudos similares escritos por peritos cre
denciados. Mas, enquanto Chomsky foi além das rituais noções
patrióticas — que incluíam a idéia de que “nós” estávamos indo
ajudar nossos aliados, ou de que “nós” estávamos defendendo aliberdade contra uma tomada de poder inspirada por Moscou ou
Pequim — e mostrou os verdadeiros motivos que governavam o
comportamento dos Estados Unidos, os peritos credenciados, que
queriam ser chamados de volta para dar consultoria ou palestras
no Departamento de Estado ou trabalhar para a Rand Corpora
tion, jamais se aventuraram por esses territórios. Chomsky conta '
que, como lingüista, tem sido convidado por matemáticos a falar
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sobre suas teorias, sendo geralmente ouvido com interesse res
peitoso, apesar de seu relativo desconhecimento do jargão ma
temático. No entanto, quando tenta apresentar a política externa
dos Estados Unidos sob um ponto de vista crítico, os reconhecidos
especialistas em política externa ten tam impedi-lo de falar, com
base na sua falta de credenciais como expert em política externa.
Há pouca refutação aos seus argumentos; apenas a afirmação de
que ele se situa fora de qualquer debate ou consenso aceitáveis.
A terceira pressão do profissionalismo é a tendência ine
vitável para o poder e a autoridade entre seus adeptos, para as exi-
. gências e prerrogativas do poder e para se tornar diretamente empregado por ele. Nos Estados Unidos, é de fato espantoso verificar até
que pon to a agenda da segurança nacional determinava as pr io
ridades e a mentalidade da pesquisa acadêmica durante o período
em que os Estados Unidos estavam disputando com a União
Soviética a hegemonia m undial. Uma situação semelhante ocor
ria na União Soviética, mas n o Ocidente ninguém tinha ilusões
quanto à informação livre lá. Só agora estamos começando a perceber o significado disso — que os departamentos de Estado e de
Defesa americanos forneciam mais dinheiro do que qualquer doa
dor ou mecenas para pesquisa universitária nas áreas de ciência e
tecnologia; isso foi especialmente verdadeiro em relação ao m it (Ins
tituto de Tecnologia de Massachusetts) e à Universidade de Stan-
ford, que, juntos, receberam os maiores valores durante décadas.
Mas é também verdade que, no mesmo período, departamentos universitários de ciências sociais e até da área de hum a
nidades foram financiados pelo governo, tendo como objetivo a
mesma agenda geral. Coisas assim ocorrem, é claro, em todas as
sociedades, mas nos Estados Unidos isso foi digno de nota porque
os resultados de algumas pesquisas antiguerrilha desenvolvidas
para apoiar a política no Terceiro Mundo — no Sudeste Asiático,
na América Latina e sobretudo no Oriente Médio — foram apli-
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cados diretamente em atividades secretas, sabotagem e mesmo na
guerra aberta. Questões de m oralidade e justiça foram adiadas
para que alguns contratos pudessem ser cum pridos. Um desses
contratos era o célebre Projeto Camelot, empreendido por cientis
tas sociais para o Exército no começo de 1964, com o objetivo de
estudar não apenas o colapso de várias sociedades em todo o m un
do, mas também de prevenir a ocorrência desse colapso.
Isso não foi tudo. Poderes centralizadores na sociedade civil
americana, como os partidos Republicano e Democrata; lobbies
industriais ou com interesses específicos, como os criados ou
mantidos pelas grandes empresas de fabricação de armas, grupos
ligados ao petróleo e ao tabaco; grandes fundações, como as esta
belecidas pelos Rockefeller, os Ford e os Mellon — todos em pre
gam especialistas acadêmicos para desenvolver programas de pes
quisa e de estudos que p romovam as agendas tanto comerciais
quanto políticas. Isso, é claro, faz parte do que é considerado o
comportamento norm al num sistema de livre mercado e ocorreem toda a Europa e no Extremo Oriente. Há doações e bolsas de es
tudo a serem recebidas de thinktánks, mais licenças sabáticãs e sub
venções para publicações, como também promoção e reconheci
mento profissionais.
Tudo no sistema é feito sem subterfugios e, como eu disse, é
aceitável de acordo com os padrões de competição e resposta do
mercado que governam o comportamento sob o capitalismo a-vançado numa sociedade liberal e democrática. Mas, ao passarmos
muito tempo preocupados com as restrições impostas à liberdade
intelectual e de pensamento em sistemas de governo totalitários,
não fomos tão exigentes em relação às ameaças, para o intelectual
enquanto indivíduo, de um sistema que recompensa a conform i
dade intelectual, bem como a participação voluntária em objetivos
que foram estabelecidos não pela ciência, mas pelo governo; assim,
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a pesquisa e a credibilid ad e são controlad as com o objetivo de
a l c a n ç a r e m a n t e r u m a f a t i a m a i o r d o m e r c a d o .
Em outras palavras, o espaço individual e subjetivo para a
representação intelectual, pa ra fazer pergun tas, qu estionar e de-
safiar o sentido de um a guerra ou d e um imenso p rogram a social
:que promove contratos e concede prêmios, encolheu drastica-
m ente em relação ao que era há cem an os, quand o Stephen D e-
dalus pod ia dizer que, com o intelectual, seu dever era não servir a
nenhu m tipo de poder ou autoridade. Agora, não quero sugerir,
como alguns fizeram — com sentimentalismo, penso — , que d e-
veríamos recup erar um a época em qu e as universidades não eram
tão grand es e as oportu nidades que elas hoje oferecem não eram
tão abundantes. A m eu ver, a universidad e ocidental, certamen te
nos Estados Unidos, ainda pod e oferecer ao intelectua l um espaço
quase u tóp ico, em qu e a reflexão e a pesquisa pod em continu ar,
em bora sob novos constran gimen tos e pressões.
Portan to, o prob lema p ara o intelectual é tenta r lidar com as
restrições do profissionalismo moderno, como tenho discutido,
sem fing ir que elas não existem ou negando sua in fluência, masrepresentand o u m con junto diferente de valores e prerrogativas.
Chamarei essa atitud e de amadorismo, literalmente u ma atividade
j que é alimen tada pela ded icação e pela afeição, e não p elo lucro e
í por u m a especialização egoísta e estreita.
O intelectual hoje deve ser um amador, alguém que, ao con -
siderarse um m embro p ensante e preocup ado de um a sociedade,
se empenh a em levan tar questões m orais no âmago de qua lqueratividade, por m ais técnica e profissionalizad a que seja. Essa ativi-
dade emp enhad a envolve seu país, o poder e o m od o de interagir
com seus cidadãos, bem como com ou tras sociedad es. Além disso,
o espírito do intelectual com o u ni am ad orp od e transform ar a
rotina m eram ente p rofissional da m aioria das pessoas em algo
m uito mais inten so e rad ical; em vez de se fazer o que su posta-
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m ente tem que ser feito, pod ese se perguntar por que se faz isso,
qu em se ben eficia disso, e com o é possível to rn ar a relacionar essa
atitud e com u m p rojeto pessoal e pensam entos originais.
Cada in telectu al tem um a audiência, u m pú blico. A questão é
se essa aud iência está lá para ser satisfeita, e, conseqüentem ente,
m an terse feliz, ou se ela existe para ser desafiada e, portan to, inst i-
gada a uma op osição d ireta ou mobilizad a para um a m aior par ti-
cip ação d em ocrática na sociedad e. Mas, em qu alquer dos casos,
não há com o se desviar da autoridad e e do poder, nem d a relação
do in telectual com am bos. De que form a ele se dirige à autoridade:
como um baju lado r p rofissional ou com o u ma consciência crí-tica d essa au torida d e, ou seja, ums am ad or que n ão espera r e-
compensas?
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5. Falar a verdade ao p od er
Gostaria de retom ar os tem as da especialização e do p rofis-
sionalism o, e a form a com o o intelectu al enfrenta a questão do
pod er e da au torid ade. Em m eados da década de 1960, pouco antes
de a oposição à Gu erra do Vietnã se torn ar m uito comentada e di-fun d ida, fu i pr ocurad o, na Universid ade de Colúm bia, p or um
estud ante de grad u ação de apa rência mais velha, que m e pediu
que o adm itisse nu m sem inário com vagas limitadas. Parte de seus
argu m entos resid ia no fato de que era um veterano de guerra,
tend o servido na força aérea. Enqu an to conversávamos, tive um
estranho vislumbre acerca da mentalidade do profissional —
nesse caso, um p iloto exper iente — , cujo vocabulário usado emseu trabalh o p od eria ser d escrito como “jargão in tern o”. Nu nca
vou esquecer meu choqu e quan do, ao respond er à minha pergunta
insistente “O que é que você realmente fazia na força aérea?”, ele
disse: “Aquisição do alvo”. Demorei mais alguns minutos para
p erceber qu e ele era u m bom bar d eiro, cujo traba lho, claro, era
bom bard ear. Mas ele revestia isso de uma linguagem p rofissional
que, de certa m an eira, excluía e mistificava as ind agações mais di
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retas de alguém fora d o ram o. Eu o aceitei no sem inár io — talvez
pensand o que pod ia m an têlo sob m eu olhar e, como incentivo
ad icional, persu ad ilo a ab and on ar o espan toso jargão. “Aqu i-
sição do alvo”, tenha dó!
De um m od o m ais consistente e sistemá tico, penso, os in -telectuais qu e estão p róxim os da formu lação de políticas e podem
controlar o p rotecionismo do tipo que dá ou tira empregos, subsí-
dios e prom oções tend em a vigiar os indivíduos que não se sub-
m etem p rofissionalmen te e que, aos olhos de seus sup eriores, dão
m ostras d e controvérsia e nãocooper ação. É comp reensível que,
se você qu iser um traba lho feito — digamos que você e sua equipe
tenham de fornecer ao M inistério d a Defesa ou das Relações Exte-riores um estudo sobre a Bósn ia na semana que vem — , você deve
trabalhar com gente de confiança, que p artilhe os m esm os pressu-
postos e fale a m esm a língu a. Semp re achei que, para um intelec-
tual que representa o tip o d e coisas que venho d iscu tind o nestas
conferências, perten cer a essa posição profissional, em que p rinci-
palmente se serve ao pod er e ganh am se recomp ensas desse poder,
não é de jeito n enh u m ap rop riado ao exercício daqu ele espírito de
aná lise e capacidade de ju lgam ento críticos e relativam ente inde-
pend entes que, do m eu p on to d e vista, deveriam ser a contribuição
do intelectual. Em ou tras palavras, o intelectual prop riamen te dito
(não é u m fun cionário, nem u m empregado inteiram ente comp ro
jm etid o com os objetivos políticos de um governo, de um a grande
(corp oração ou m esm o de u m a associação de profissionais que
■ com p artilh am u m a op inião com u m . Em tais situações, as ten -
tações de bloquear o sentido m oral, de pensar apenas do ponto de
vista da especialização ou de redu zir o ceticismo em prol do con -
form ism o são mu ito gran d es para serem confiáveis. Mu itos in-
telectu ais sucum bem p or comp leto a essas tentações e, até certo
v p on to, tod os nós. N ing u ém é totalm ente au tosu ficiente, nem
"'m esm o o m ais livre dos espíritos.
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Já sugeri que, como form a de m anter um a relativa ind epen-
dência intelectua l, o melhor cam inh o é ter u ma atitud e de amador,
em vez de profissional. Mas deixemme ser p rá tico e pessoal por
um m omen to. Em p rimeiro lugar, o am ad orismo significa um aopção pelos riscos e pelos resultados incertos d a esfera pú blica —
um a conferência, ou um livro, ou um artigo em circulação amp la
e irrestrita — em vez d o espaço para in iciad os, controlado p or
especialistas e profissionais. Várias vezes nos ú ltimos d ois anos fui
convidad o pelos m eios de comu nicação para ser u m consultor
remu nerad o. Recusei, sim plesmente porqu e isso significaria estar
preso a um a estação de televisão ou a u m ún ico jor nal, e preso tam -bém à linguagem p olítica em voga e à estru tu ra conceituai desses
meios. Do m esm o m od o, nu nca tive interesse em consu ltorias
{pagas pelo (ou para) o governo, onde nu nca se sabe com o nossas
idéias vão ser usadas dep ois. Em segun do lugar, em itir conheci'
mento em troca de remu neração é mu ito diferente de receber um
convite de um a universidade para dar u m a conferência pú blica ou
para falar apenas para um a pequena platéia de funcionários. Isso
me parece muito óbvio, tan to é que sem pre aceitei dar palestras
em universidades e sempre recusei as outras o fertas. E, em terceiro
lugar, para ser mais político, todas as vezes em qu e fui solicitad o
para ajud ar um grupo palestino ou convidado p or u m a un iversi-
dad e da África do Sul para falar cont ra o ap arth eid e a favor da li-
berdad e acadêmica, semp re aceitei.
Enfim, sou m ovido p or idéias e causas qu e realmente posso
apoiar por escolha, porqu e são coerentes com os valores e pr incí-
pios em que acredito. Portan to, não m e considero lim itado pelo
meu trabalho profissional em literatura, que me excluiria de
assuntos de política pú blica só porqu e estou au torizado apenas a
ensinar literatura m oderna europ éia e am ericana. Falo e escrevo
sobre assuntos mais amplos porqu e, como am ador, sou instigado
por comp romissos que vão mu ito além da m inha estrita carreira
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profissiona l. É eviden te qu e faço u m esforço consciente para con-
qu istar u m a au d iência nov a e m aior para esses pontos de vista, que
nu nca apresento em sala d e aula.
Mas o que são realm en te essas incursões am adoras na esferapú blica? Será qu e o in telectu al é galvanizado para a ação intelec-
tual p or leald ades p rim ord iais, locais, instintivas — sua própria
etnia, povo ou religião — , ou há u m conju nto de princípios mais
un iversal ou ra ciona l qu e pod e govern ar e talvez até governe o
m od o com o alguém fala ou escreve? Com efeito, estou formuland o
a qu estão básica p ara o intelectu al: como alguém fala a verdade?
Qu e verdade? Para qu em e onde?Infelizmente, d evemos com eçar a respond er dizendo que não
há sistema ou m étod o suficientem ente am plo e seguro que forneça
ao intelectu al respostas d iretas a essas questões. No mun do secular
— no sso m un d o, o m u n d o h istórico e social feito pelo esforço
hu m an o — , ele tem apen as m eios seculares para trabalhar; a reve-
lação e a insp iração d ivinas, em bora p erfeitamen te plausíveis co-
mo modos de compreensão na vida privada, são desastrosas em esmo bizarras qua nd o usad as p or hom ens e mu lheres de espí-
rito especulativo. Na verd ade, eu ir ia m ais longe, a ponto de dizer
que o intelectu al deve se envolver num a dispu ta constante contra
tod os os güard iões de visões ou textos sagrados, cujas depredações
são enormes e cuja mão pesada não tolera o desacordo e, certa-
m ente, nen hu m a d iversidad e. A liberd ad e de opinião e de ex-
p ressão é o p rincip al ba stião d o in telectu al secu lar: abandonarsua d efesa ou tolera r ad u lterações de qu alquer dos seus fun da-
m entos é, com efeito, tra ir a vocação d o intelectual. É por isso que
a defesa do livro Os versos satânicos, de Salman Rushdie, tem sido
u ma qu estão tão central, tan to em si p rópria como n o interesse de
qualquer violação contra o direito de expressão de jornalistas,
romancistas, ensaístas, poetas, historiadores.
E e ss a n ã o é a p e n a s u m a q u e s t ã o p a r a o m u n d o i s l âm i co , m a s
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também para o m un do ju d eu e cristão. N ão se pod e ped ir liber-
dade de expressão de m odo ofensivo em um terr itório e ign orála
em ou tro. Pois, de u m lado, não pod e haver debate com au tor i-dades que clamam o d ireito secular de defend er um d ecreto d i-
vino; de ou tro, a busca do debate árduo é o centro d a atividade, o
verdadeiro palco e contexto on de atu am os intelectuais seculares.
Mas estamos de volta ao ponto de partida: que verdad e e p rin cí-
p ios devem ser defendidos, apoiados, representad os? Essa nã o é
um a questão de Pôncio Pilatos, u m m odo d e lavar as mãos nu m
caso d ifícil, mas o começo necessário de um a visão geral sobre olugar e o pap el do in telectua l de ho je, cercado de cam pos m inad os,
traiçoeiros e desconhecidos.
Consid eremos como p onto de partida a qu estão, extrem a-
mente polêmica hoje em dia, da objetividade, ou da exatidão, ou dos
fatos. Em 1988 o historiador am ericano Peter Novick publicou um
livro volum oso cujo título d ram atiza esse d ilema com eficiência.
Chamase That noble dream [Aquele sonho nobre], com o sub títuloThe “objectivity question” and the American historical profession [A
“questão da objetividade” e o historiad or am ericano]. A part ir de
documentos baseados em u m sécu lo de atividades histor iográ fi
cas nos Estados Unidos, Novick mostrou com o a essência da inves-
tigação histór ica— o ideal de objetividade, por m eio do qual o his-
toriador tem a oportunidade de apresentar os fatos da maneira mais
realista e acurad a possível — aos pou cos evoluiu para u m atoleirode argu mentos e contraargumentos rivais, todos eles reduzindo a
um m ínim o qualquer ilusão (ou nem isso) de concordância por
parte dos historiadores sobre o que era a objetividade.
Em tempo de guerra, a objetividad e teve que p restar serviço
com o sendo “nossa” verdade, isto é, a verdade am ericana o p o s t a à
verdade fascista alemã; em tem po de paz, na forma da verdade
objetiva de cada grupo rival— mulheres, a f r o - a m e r i c a n o s , a s i á t i c o - a m e r i c a n o s , h o m o s s e x u a i s , b r a n c o s et c. — e d e ca d a e s co l a ( m a r -
O l
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xista, do establishment, desconstrucionista, cultural). Depois de
t a n t a c o n v e r s a o c io s a s o b r e s i s t e m a s d e c o n h e c i m e n t o , N o v i c k
pergunta se é possível haver algum a convergência sobre a questão,
conclu indo, em tom sombrio, que
a disciplina de história, enquanto uma extensa comunidade de dis-
curso, uma comunidade de eruditos, unidos por finalidades
comuns, padrões comuns e propósitos comuns, deixou de existir
[...] O professor [de história] passou a ser descrito tal como no
último verSo do Livro dos Juizes: ‘Naquele tempo não havia rei em
Israel; cada qual fazia o que parecesse justo a seus olhos’
Com o m encionei na minh a últim a conferência, um a das
p rincipais atividad es do intelectual do sécu lo XX tem sido qu es-
tionar, para n ão d izer subverter, o p od er da au torid ad e. Assim,
contribu ind o com os achad os de Novick, deveríam os dizer que
não som ente desapareceu um consenso sobre o que constitu ía a
realidade objetiva, como também muitas autoridades tradi-
cionais, incluind o Deus, foram em grand e parte varridas d o ca-
m inh o. Houv e até um a influen te escola de filósofos, em q u e se
destaca Michel Foucault, que d izem qu e falar d e um au tor qu al-
qu er (p or exemp lo, “o au tor dos p oem as de Milton’) é um a afir-
m ação tend enciosa, para não dizer ideológica.
Diante dessa investida formidável, retroced er a u m a atitude
de imp otência, de mãos amar radas, ou à reafirmação imp erativade valores trad icionais, tal como faz o m ovim ento global neocon
servador, não vai adiantar. Penso que se pode afirm ar que a crítica
da objetividad e e da autoridad e pr estou realmente u m serviço
positivo ao sublinhar como, no m und o secular, os seres hum anos
constroem suas verdades e que, p or exemp lo, a pretensa verdade
objetiva da superioridad e do hom em bran co, constru íd a e m an -
tida pelos clássicos impérios colon iais da Europ a, tam bém se es
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corou na su jeição violenta dos povos africanos e asiáticos, que, sem
dú vida, luta ram contra essa “verdade” específica a eles imposta , a
fim de instituírem sua próp ria ordem ind epend ente. E, p or isso,
todos agora se apresentam com novas visões do m u nd o e, m u itas
vezes, violentam ente opostas: ou vem se d iscussões in find áveis
sobre os valores jud aicocristáos, os valores p róp rios da África, as
verdades mu çulmanas, as verdades orientais, as verdades ocid en -
tais, cada u ma dessas visões apresentando u m p rogra m a com pleto
para excluir todas as outras. Por toda pa rte, a intolerância e o dog
m atism o estridente são hoje de tal ordem que nenh u m sistema é
capaz de lidar com eles.O resultado é um a ausência quase com pleta de valores u n i-
versais, ainda que muitas vezes a retórica sugira, p or exemplo, que
“nossos” valores (qu aisquer que sejam ) são, de fato, un iversais.
Um a das mais vergonhosas man obras in telectuais consiste em
pontificar sobre os abusos na cultura d o ou tro e desculpar exata-
m ente as mesm as p ráticas na sua próp ria. Para m im , o exemplo
clássico dessa atitude é fornecido pelo br ilhan te intelectu al francêsdo século xix Alexis de Tocqueville, que para m u itos de nós, ed u -
cados para acred itar nos valores liberais clássicos e d em ocrá ticos
do Ocid ente, ilustrou esses valores quase ao p é d a letra. Após escre-
ver seu estud o sobre a d em ocracia nos Estad os Un idos, e tend o
criticado os maustra tos infligidos a índ ios e escravos negros p elos
am ericanos, Tocqueville teve de lidar mais tarde com as políticas
coloniais francesas na Argélia no final d a década de 1830 e na d é-
cada de 1840, quand o, sob o coman d o d o m arechal Bu geaud , o
Exército francês de ocupação prom oveu uma guerra selvagem de
pacificação contr a os m uçulm anos argelinos. De repen te, à m e .,
dida que se lê o que Tocqueville fala sobre a Argélia, as m esm as n or i •
mas com as quais ele tinha contestado com tan to h u m an ism o o
crime am ericano são silenciadas para as ações francesas. N ão que
ele não enu mere razões: ele o faz, mas são ju stificativas p ou co con
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vincentes, cuja finalidad e é autorizar o colon ialismo francês em
nom e d o que ele cham a de orgulho nacional. Os massacres não o
comovem; m u çulm an os, diz ele, pertencem a u m a religião inferior
e devem ser d isciplinad os. Em resum o, o ap arente universalismo
de sua lingu agem em relação à Am érica é deliberadam ente negadoqu ando ap licado ao seu p róp rio país, mesmo quando esse país, a
França, realiza políticas igualmente d esumanas.2
Entre tan to, devese acrescentar qu e Tocqueville (e Joh n Stu
art Mill, cujas idéias notáveis sobre as liberdad es dem ocráticas na
Inglaterr a, dizia ele, não se ap licavam à índ ia) viveu nu m a época
em qu e as idéias de um a n orm a universal de cond uta internacional
significavam , na realidade, o d ireito do pod er europeu e das repre-sentações européias de influ enciar e de d ominar ou tros povos, tão
insignificantes e secund ários pareciam os povos não bran cos do
mund o. Além d isso, de acordo com os pensadores ocidentais do
sécu lo xix, não havia povos independ entes africanos ou asiáticos
su ficientem ente im p ortan tes para desafiar a brutalidad e dra co-
nian a das leis ap licadas u nilatera lmen te pelos exércitos coloniais
às raças negra ou mestiça. Seu destino era serem governados.Fran tz Fan on , Aimé Césaire e C. L. R. Jam es— para m encionar três
grand es in telectuais negros an tiimperialistas — só viveram e es-
creveram no século XX; assim, o que eles e os movimen tos de liber -
tação de que p articiparam conseguiram cultural e politicam ente,
estabelecendo o direito dos povos colonizad os a igual tratam ento,
não era acessível a Tocqueville ou Mill. Mas essas mudanças de
perspectiva estão disponíveis aos intelectuais contemporâneos,que, com pouca freqüência, chegam à conclusão inevitável: se
qu iserm os d efender os p rincíp ios básicos da justiça hum ana, de-
vemos fazêlo para tod os, não ap enas seletivam ente para nosso
povo, nossa cultu ra e n ossa nação.
Assim, ojproblema fundamental é como reconciliar nossa
próp ria iden tid ade e as realidades da nossa própria cultura, socie
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dade e história com outras identidades, culturas e povos. Isso
nu nca pode ser feito a firman d ose sim p lesmen te a p referência
pelo qu e já é nosso: discursos ufanistas sobre as glórias da “nossa”
cultura ou os triu nfos d a “nossa” histór ia não são d ignos da ener-gia do intelectual, especialmente nos dias de hoje, qu ando tan tas
sociedad es são com postas d e d iferentes raças e histór ias, de m od o
a resistirem a qu alquer fórm u la red u cionista. Com o ten tei m os-
trar aqu i, a esfera pú blica na qu al os intelectuais fazem suas rep re-
sentações é extrema m ente com p lexa e encerra asp ectos pou co
confortáveis, mas o significado de u m a intervenção efetiva nesse
d om ínio deve resid ir na convicção inabalável do intelectual nu m
conceito de ju stiça e no respeito à igualdad e de d ireitos que adm i-
tam as diferenças entre nações e indivíduos, sem, ao mesmo
tempo, atribu irlhes hiera rqu ias, p referências e avaliações d issi-
mu ladas. Todo m un d o h oje p rofessa u m a lingu agem liberal de
igualdade e harm onia para todos. O p roblem a para o intelectua l é
fazer com que essas noções se relacionem com situações concretas,
em qu e existe um a enorm e distância entre o d iscurso d e igualdade
e justiça e a realidad e bem m enos edificante.Isso é dem onstrad o facilmen te nas r elações in ternacion ais,
daí o motivo de têlas enfatizad o tanto nestas conferências. Dois
exemplos recentes ilustram o q u e ténh o em m ente. Logo depois da
invasão ilegal do Kuwait pelo Iraqu e, a d iscussão pú blica no O ci-
dente enfocou, com toda a razão, essa agressão inaceitável que,
com extrema bru talidade, tentou elim inar a existência d o Kuwait.
E ao ficar claro qu e a in tenção am ericana era , de fato, usar a forçamilitar contra o Iraqu e, a retórica pú blica encora jou processos na
ONU q u e assegurassem a aprovação de resoluções, baseadas na
Carta d as N ações Unidas, exigind o san ções e o possível uso d e
força contra o Iraqu e. Dos p ou cos intelectuais que se opu seram
tan to à invasão p o r p a r t e do I ra q u e co m o a o p o s t e r io r u s o da força,
sobretudo americana, na Op eração Tempestade n o Deserto, n e-
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nhum, pelo que sei, citou qualquer evidência ou tez realmente
qualquer tentativa de desculpar o Iraqu e pela sua invasão.
Mas o que se observou corretam ente na época foi com o o caso
am ericano contra o Iraque se tom ou consid eravelm ente enfra-
quecido quando a administração Bush, com seu enorme poder,pressionou a o n u para a guerra, ignorand o as numerosas p ossibi-
lidades de negociar uma inversão da ocupação antes de 15 de
janeiro, quando começou a contr aofensiva, e se recusou a discu-
tir outras resoluções da o n u sobre outras ocupacões ilegais e
invasões de terr itório que tinham envolvido os próp rios Estados
Unidos ou alguns d os seus aliados próximos. É claro que a ver-
dadeira questão no Golfo, no que diz respeito aos Estados Unidos
era o petróleo e o p oder estratégico, não os princíp ios declarados
pela administração Bush; mas o qu e com pr om eteu a discussão in-
telectual pelo país afora, nas suas reiterações sobre a inadm issibi-
lidad e de ocup ar un ilateralmen te um terr itório p ela força, foi a
ausência da ap licação universal da idéia. O qu e nunca p areceu re-
levante para muitos intelectuais americanos que apoiaram a
guerra foi que os próprios Estados Un idos tinham m uito r ecente-
m ente invadido e p or um certo temp o ocup ado o soberano Estado
do Panam á. Quer d izer, se alguém criticasse o Iraqu e, não seria
ju sto que os Estamos Unidos m erecessem a m esm a crítica? Mas
!não: os “nossos” motivos eram sup eriores, Saddam era u m Hitler.
enqu anto “nós” éramos m ovidos p or m otivos altamente altruístas
e desinteressados, e por isso essa era u m a gu erra justa.
Ou considerese a invasão do Afeganistão pela União So-
viética, igualmente errad a e igualm ente condenável. Mas aliado;
dos Estados Unidos, como Israel e Turqu ia, tinham ocup ado ter-
ritórios ilegalmente antes de os ru ssos entra rem n o Afeganistão.
De m od o similar, ou tro aliado dos Estados Unidos, a Ind onésia,
massacrou literalmente centenas de milhares de timorenses num a
invasão ilegal em meados da d écada de 1970; há evidências de que
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os Estados Unidos sabiam e ap oiaram os horrores da guerra no
Tim or Leste, mas pou cos intelectuais nos Estados Un idos, ocupa-
dos, com o sempre, com os crimes da União Soviética, se m an ifes-
taram sobre isso .3E, assomando no passado, nos vem à m ente a
grande invasão americana da Indochina, resultando em total
d estru ição, in fligid a de m od o avassalador em p equ enas socie-
dades, p rincipalm ente camp onesas. O p rincíp io aqui parece ter
sido qu e experts da política exter ior e m ilitar d eviam focar sua
atenção em ganhar um a guerra contra a ou tra sup erpotência e seus
representan tes no Vietnã ou Afeganistão, e nossos p róp rios crimes
que se danem. Práticas como essas são os resultados da realpolitik.Certam ente são, mas m inha qu estão é se, para o intelectual
contem porâneo, vivendo num a época já confusa pelo desapareci-
m ento do que parecem ter sido norm as morais objetivas e autori-
dade sensível, é aceitável ap oiar simp lesm ente, ou m esmo cega-
m ente, o com portam ento de seu p róp rio país e fechar os olhos aos
seus crimes, ou dizer com bastante negligência: “Penso que todos
fazem isso, e é assim que o m undo funciona ”. Ao con trár io, o quedevemos ser capazes de dizer é que os intelectuais não são profis-
sionais desnaturad os pela subserviência a um p od er cheio de fa-
lhas, mas — repetind o — são intelectuais com um a posição alter-
nativa e m ais íntegra, que lhes perm ite, de fato, falar a verdade ao
poder.
Com isso, não p retend o fazer sermões trovejantes ao estilo doAntigo Testamento, declarand o que todos são pecadores e basica-
m ente maus. O que quero dizer é algo mu ito m ais mod esto e muito
m ais efica£ Falar de consistência na d efesa de pad rões de conduta
intern acional e no apoio aos direitos hu m anos não significa pr o-
curar interiorm ente u m a luz orientad ora fornecid a p ela insp i-
ração ou in tu ição p rofética. A m aioria d os países, se nã o tod os, no
m und o são signatários da Declaração Universal dos Direitos H u -m anos, ad otada e p roclam ada em 1948, reafirmad a por cada novo
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Estadomem bro da o n u .Há igualmente convenções solenes sobre
no rm as d e guerra, tratamento de prisioneiros, direitos dos traba -
lhadores, mulheres, crianças, imigrantes e refugiados. Nenhum
desses d ocum entos diz alguma coisa sobre raças ou povos desqua-
lificados ou menos iguais. Todos têm direito às mesmas liber-
dades.4É claro que esses direitos são violados d iariamente, com o o
recente genocíd io na Bósnia o testemunhou . Para um fun cionário
do governo americano, ou egípcio, ou chinês, esses direitos são vis-
tos, no m áximo, “de um a forma prática”. Mas essas são as norm as
do pod er, que, precisamente, não são as do inte lectu al, cujo papel
consiste em, pelo menos, aplicar os mesmos padrões e norm as decond u ta, agora já aceitos coletivam ente no p apel por tod a a co-
mun id ade internacional.
É claro que cada pessoa lida com questões de patriotismo e
lealdade em relação ao seu próp rio povo. E é claro que o intelectual
não é um mero au tômato, professando com veemência para todo
mundo leis e regras matematicamente maquinadas. E é claro que
o medo e as limitações normais de temp o, atenção e capacidade dequem é apenas uma voz individual operam com eficiência assom -
brosa. Mas, embora estejamos certos em lamentar o desapa reci-
m ento de u m consenso sobre o que constitui a objetividad e, não
estamos completamente ao sabor de uma subjetividade auto
ind u lgente. Refugiarmonos num a profissão ou n acionalidad e,
com o eu disse antes, é apenas isso: um escape; não é u m a resposta
aos agu ilhões que todos nós recebemos ao ler os jorn ais de manhã.Ninguém pode falar abertamente e o tempo todo sobre todas
as questões. Penso, no entanto, que um dever especial do inte lec-
tual é criticar os poderes constituídos e au torizados da nossa socie-
dade, que são responsáveis pelos seus cidadãos, particularmente
qu and o esses poderes são exercidos nu ma guerra m anifestamente
desprop orcional e imoral, ou então em p rogramas deliberados de
discriminação, repressão e crueldade coletiva. Como assinalei na
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m inh a segund a conferência, todos nós vivemos dentro de fron -
teiras nacionais, falam os língu as nacionais, usamos línguas n acio-
nais, d irigimonos (na m aior parte do temp o) a comunidades na
cion ais. Para u m intelectual que vive na América., há u ma realidad equ e deve ser encarada: nosso país é, antes de tud o, uma sociedad e
de im igran tes extrem am ente d iversificada, com recursos e realiza
ções fantásticos, m as en cerra também um conju n to terrível de
iniqü idad es internas e intervenções externas que não pod em ser
ignorad as. Apesar d e eu n ão pod er falar pelos intelectuais de ou -
tros lugares, certam ente a qu estão básica perm anece pertinente,
com a diferença de qu e em outros países o Estado não é um pod erglobal com o é nos Estados Unidos.
Em todas essas instâncias, o significado intelectual de uma
situação é alcançado quando se comparam os fatos conhecidos e
dispon íveis com uma norm a, tam bém conhecida e acessível. Não
é um a tarefa fácil, pois é preciso ter acesso a um conjunto de d o-
cumentação, pesquisas e investigações com o objetivo de ir além
do m od o u sualm ente gradativo, fragmen tário e necessariamentefalho com o a inform ação é apresentada. Mas, na m aioria dos casos,
é possível, acredito, avaliar se de fato um massacre foi cometido , ou
se um a m an ipu lação ou um disfarce oficial foi realizado. O p ri-
meiro imperativo é descobrir o que ocorreu e depois por que, não
com o eventos isolad os, mas como par te de um a história a ser des-
vendada, cujos contornos vastos incluem a própria nação como
p ar ticipa n te. A in coerên cia d o m odelo de análise das políticasexternas realizado por apologistas, estrategistas e planejadores está
no fato de se concentr ar n os outros como objetos de uma situa -
ção, raram ente no “nosso” envolvimento e no que ele forjou. Ain-
da mais raram ente esse pad rão de análise é comp arado a uma n or -
ma m oral.
O objetivo de falar a verdade, sobretud o nu m a sociedad e
massificad a e tão burocratizad a como a nossa, é fazer uma análise
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mais pr ofund a do estado de coisas, relacionand oa com m ais rigor
a uni con ju n to d e princíp ios m orais — paz, reconciliação, d imi-
nuição do sofrimento — e aplicada aos fatos conhecidos. Isso foi
chamad o de abdução pelo filósofo pragmatista americano C. S.
Peirce e tem sido usado efetivamente pelo celebrado intelectualcontemp orâneo Noam Chomsky.5 Sem d úvida, qu and o escreve-
mos e falamos, o objetivo n ão é m ostra r a todo mun do que esta
!m os certos, mas antes tentar induzir um a m udança no clima m o
■ ral, em qu e a agressão seja vista com o tal, a pu n ição inju sta de
povos ou indivídu os seja preven ida ou evitada, o reconhecim ento
de liberdades e direitos democráticos seja estabelecido como
nor m a p ara todos e não inju stamente, para um pu nhad o de elei-
tos. Entr etan to, é p reciso ad m itir qu e esses objetivos são idealistas
e freqü entem ente irrealizáveis; e, num certo sentido, são menos r e-
levantes pa ra m eu tem a aqu i do qu e a atuação de cada intelectual,
com o venho d izendo, cuja tend ência, na m aior parte das vezes, é
retrairse ou sim p lesmen te conform arse.
Na m inh a visão, nad a é mais repreensível do que certos há-
bitos de pen sam ento do intelectu al que ind uzem à abstenção,
àqu ele d esvio tão característico de um a posição d ifícil e embasada
em p rincípios, que se sabe ser a correta m as que se decide não to -
m ar. Você nã o q u er p arecer m u ito p olít ico; você tem m edo de
pa recer controverso; você precisa d a aprovação d e um chefe ou de
u m a figu ra de autoridad e; você quer m anter u m a reputação de
pessoa equ ilibrada, objetiva, mod erada; sua esperança é torn ar aser convidado, consu ltad o, ser m em bro de u m conselho, comissão
ou com itê d e pr estígio, e assim continu ar vinculad o à esfera do
mainstream; algu m d ia você espera conseguir um grau h onor ífico,
um grand e prêm io, talvez até u m a embaixad a.
Para um intelectual esses háb itos de pensam ento são corru p -
tores par excellertce. Se algum a coisa pod e d esfigurar, neutralizar e,
finalm ente, m atar u m a vida intelectua l apaixonad a é a interio
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rização de tais hábitos. Pessoalmente, eu me deparei com eles em
um a das mais difíceis qu estões contem porânea s, a da Palestina,
onde o medo de falar abertamente sobre uma das maiores
injustiças da história moderna amarrou, cegou e amordaçou
muitos que conhecem a verdade e estão em posição de defendêla.
Isso porque, apesar das ameaças e da difamação que qualquer
d efensor sincero d os direitos e da au tod eterm inação p alestin os
traz para si, a verdade merece ser d ita e representada por um in te-
lectual sem medo e compassivo. Isso se tornou ainda mais ver-
dad eiro à luz do resultado d a Declaração de Pr incípios de Oslo,
assinada em I3d e setembro de 1993, entre a OLPe Israel. A gran de
euforia gerada por esse avanço extrem am ente limitad o ob scure
ceu o fato de que, longe de gar antir os d ireitos palestinos, o d ocu -
mento, com efeito, garantia o prolongam ento do contro le israe-
lense sobre os terr itórios ocupados. Criticar tal fato significava, na
verdade, tom ar u m a posição con tra a “esperan ça” e a “paz”.6
E, para finalizar, u m a palavra sobre o m od o de interven ção
intelectual. O intelectual não sobe nu ma monta nh a ou nu m p ú l-
pito e declama das alturas. É óbvio que qu erem os ap resentar n osso
trabalho onde ele possa ser mais bem ouvido; e tam bém qu eremos
vêlo representado de man eira a influenciar um p rocesso con tínu o
e real, p or exemplo, a causa da paz e da ju stiça. Sim , a voz d o in -
telectual é solitária, mas tem ressonância só p orqu e ela se associa
livremente à realid ad e de u m m ovim en to, às asp irações de um
povo, à busca com um de um ideal partilhad o. O op ortu nism o
imp õe que, no Ocidente, mu ito receptivo a críticas em larga escala,
por exemplo, ao terror ou à im od eração palestinos, você os d enu n -
cie vigorosamente e d epois continu e a elogiar a d em ocracia israe-
lense. Nesse m om ento você tem de d izer algo bom sobre a paz. É
claro que a responsabilidade intelectual manda que sejam ditas
todas essas coisas aos pa lestinos, mas tam bém que a declaração de
seu posicionam ento sobre essa qu estão se ja feita em Nova York,
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Paris ou Lond res, lugares on d e ela pod e sur tir mais efeito, p rom o-
vendo a idéia d a liberd ad e palestina e a libertação do terror e do ex-
trem ismo d e todos os envolvidos no conflito, não ap enas da parte
mais fraca e mais facilmen te intim id ad a.
Falar a verdade ao p od er não é idealism o panglossiano: é pe
i sar cu idad osam ente as alternativas, escolher a certa e então repre
sentála d e m an eira inteligente, ond e possa fazer o m aior bem e
causar a m ud ança correta.
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6 . Deuses que sem pre falham
Ele era um in telectual iran iano no tavelmen te eloqü ente e
carismático a quem fui apresentad o no Ocid ente em 1978. Escritor
e professor talentoso e culto, teve um papel significativo na d ivul-
gação do que era o sistema impopu lar do xá e, mais tarde, naquele
ano, das novas figuras que logo tom ariam o pod er em Teerã. Na-
quela época, ele se referia com respeito ao imã Khom ei n i e cm p ou -
co temp o se tornaria associado aos hom ens relativamente jovens
do círculo de pod er do aiatolá, hom ens com o Abolhassan Ban i
Sadr e Sadek Ghotbzadeh, que, obviamente, eram muçulmanos,
mas não islâmicos militantes.Algumas semanas após a revolução islâmica do Irã ter con -
solidado o pod er dentro d o país, m eu conh ecido (qu e tinha vol-
tado ao Irã para a instalação do novo governo) regressou ao Oci-
dente como embaixad or nu m centro m etropolitano im p ortante.
Lem brome de ter assistido e participad o com ele de debates sobre
o Oriente Médio depois da queda d o xá. Eu o vi du rante a época da
longa crise dos reféns, com o foi cham ad a na Am érica, e ele ha-bitualmente expressava angú stia e até raiva em relação aos d elin-
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qüentes que tinham p lanejad o a invasão da embaixada am ericana
e a conseqüente d etenção de cinqü en ta ou mais civis como reféns.
A impressão inequívoca que tive dele foi a de um hom em decente
que se com prometera com a nova ordem , a pon to de d efendêla e
mesmo servila como leal emissário no exterior. Eu o conheciacom o um m uçulman o praticante, mas de mod o algum um fa-
nático. Era habilidoso em rechaçar o ceticism o e os ataqu es ao go-
verno de seu país; agia, assim, com convicção e discernimento
aprop riados, pensei, mas sem d eixar dú vidas a ninguém — não a
mim certam ente — de que, em bora discordasse de alguns de seus
colegas no governo iraniano e visse as coisas naquele nível como
um fluxo contínu o, o imã Khom eini era e devia ser a autoridad e noIrã. Era tão leal que, certa vez em Beiru te, dissem e que tinh a se
recusado a apertar a mão de um líder palestino (isso ocorrera
quando a OLP e a revolução islâmica eram aliadas) porq ue esse diri-
gente “tinha criticad o o im ã”.
Penso qu e foi alguns meses an tes d a libertação dos reféns, no
começo de 1981, que ele renunciou ao cargo de embaixador e
voltou ao Irã, dessa vez com o conselheiro especial do presidenteBan iSad r. Entretan to, as linh as an tagônicas entre o p residente e o
im ã já estavam bem delineadas e, claro, o p residente perdeu . Logo
após ter sido despedido ou d eposto p or Khom eini, Ban iSad r foi
par a o exílio, e meu amigo fez o m esm o, apesar de ter enfrentad o
grandes d ificuldades pa ra sair d o Irã. Mais ou m enos u m ano
depois, ele havia se tornad o u m crítico feroz do Irã d e Khomeini,
atacand o o governo e o hom em que ele havia servido, critican d o
os pu blicamen te nas mesmas tribu na s em Nova York e Londres,
ond e antes os tinha d efendido. No entan to, ele não perdera o senso
crítico quan to ao papel desempenha do p elo governo americano e
falava de m odo consistente sobre o imp erialismo dos Estados
Unidos: suas lembran ças mais antigas do regim e do xá e do apoio
am ericano tinham deixado m arcas profund as em sua mem ória.
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Por isso, senti uma tristeza ainda m aior qu and o, alguns m eses
após a Guerra d o Golfo, em 1991, eu o ouvi falar sobre o assun to,
dessa vez como defensor da guerra am ericana cont ra o Iraqu e. À
semelhança de certos intelectu ais europeus de esquerd a, declarou
que, nu m conflito entre im perialismo e fascismo, deviase sempre
optar pelo imp erialismo. Fiqu ei su rpreso ao constatar qu e n e-
nhu m dos form uladores desse, a meu ver, desnecessário e redu tor
par de escolhas entend era qu e teria sido bastante possível e m esm o
desejável, por razões in telectu ais e políticas, rejeitar tan to o fas-
cismo qu anto o imperialismo.
De qualquer m odo, essa pequ ena h istória contém u m dosdilemas enfrentados pelo intelectual contemporâneo, cujo inte-
resse no que tenh o cha m ad o de esfera pú blica não seja m er a-
mente teórico ou acadêm ico, mas que envolva tam bém u m a p ar-
ticipação d ireta. Até ond e o intelectua l deve se envolver? Deveria
filiarse a um p artido, servir a uma idéia concretizad a em p roces-
sos políticos reais, per sonalidad es e em p regos, tor n an d ose assim
um verdadeiro crente? Ou, p or ou tro lado, há algum m od o m aisd iscreto — mas não m enos sério e envolvido — de abr açar u m a
causa sem sofrer a do r de u m a po sterior tr aição e d esilusão? Até
que pon to a lealdad e a um a causa leva algu ém a ser consisten te
m ente fiel a ela? É possível defend er idéias d e m an eira in d ep en -
dente e, ao mesm o tempo, não enfrentar a agonia da retrata ção e
da confissão públicas?
Não é totalmen te coincidência qu e a história d a p eregrinação
do meu amigo iran iano para dentro e depois para fora da teocra -
cia islâm ica seja a histór ia de um a conversão quase religiosa, se-
guida do que parece ser um a reversão m uito d ram ática na cren ça
e uma contraconversão. Pois, quer o tenh a visto com o u m ad vo-
gado da revolução islâm ica e p osteriorm ente com o u m sold ad o
intelectual em suas fileiras, qu er como u m crítico d eclarad o, queaband onara as idéias dessa revolução com u m a rejeição qu ase r e-
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pu gn ante, eu nu nca du videi da sincerid ad e do m eu amigo. Ele
era tão convincente no pr im eiro quanto n o segundo p ap el— apai-
xonad o, fluente, notavelmente eficaz com o d ebatedor.
N ão vou fingir que fui um observador imp arcial ou d istan-
ciado d a provação do m eu amigo. Com o d efensores do naciona-
lismo palestino du rante os anos 70, apoiamos u m a causa comu m
contr a a grave interferência d os Estados Unid os, qu e, segund o
nosso m od o de pensar, sustentou o xá e aplacou e apoiou Israel in -
justa e anacron icam ente. Nós dois vimos nossos povos como víti-
mas de políticas cru elmen te insensíveis: repressão, exprop riação e
em p obrecimento . Estávamos ambos no exílio, em bora deva con-
fessar que àquela época eu tinha m e resignad o a ser um exilado
para o resto da vida. Quand o o grupo do meu am igo ganhou , por
assim dizer, fiquei rad iante e não apenas porqu e ele poderia final-
mente voltar para casa. Desde a derrota árabe de 1967, o sucesso da
revolução iran iana — que, feita por u m a imp rovável aliança do
clero com o povo, confun d iu p or comp leto até os mais sofisticados
especialistas marxistas do Oriente Méd io— foi o prim eiro grande
golpe na hegem onia ocidental na região. Nós d ois vim os isso com o
um a vitória.
Ainda assim , talvez por eu ser um intelectua l secu lar estu -
pid amente teim oso, nu nca me deixei levar pela figura d e Khom ei-
ni, mesmo antes de ter revelado sua personalidade tenebrosa-
m ente tirânica e intran sigente como governan te suprem o. Não
sendo por natureza um membro de grupos ou de um partido,nu nca m e filiei formalmen te p ara servir a algum deles. Por certo já
tinh a me acostum ad o a ser periférico, a estar fora do círcu lo do
pod er e, talvez por não ter talento para obter u m a p osição dentro
desse círculo encantado, racionalizei as virtudes de agir como
alguém que está de fora, um outsider. Nunca consegui acreditar
inteiram ente nos homens e mulheres — pois é isso que são afinal,
apenas hom ens e mulheres — que coman davam forças, dirigiam
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partidos e países e exerciam u m a au toridade po r p rincíp io incon -
testável. A veneração a heróis e até a p róp ria noção d e hero ísmo,
quan do aplicada à m aioria dos líderes políticos, semp re m e d ei-
xaram ind iferente. Enqu anto observava meu amigo ju n tar se a um
dos lados, em seguida aband on álo, e dep ois realinh ar se, geral-
m ente com grand es cerimô nias de adesão e rejeição (tal com o
desistir do seu passaporte ociden tal e depois recu p erá lo), fiqu ei
estranh am ente satisfeito p or ser um palestino com cid ad ania
am ericana, provavelmente o único destino para o resto da minh a
vida, sem alternativas mais atraentes de acom od ação.
Por catorze anos fui m em bro independ ente do Parlam ento
palestino no exílio, o Conselho Nacional Palestino, cujo número
total de encontros, se é que p articipei de todos, som ou m ais ou
menos uma semana. Permanecer no conselho foi um ato dc soli-
dariedad e e tam bém de desafio, porqu e percebi que no O cid ente
era sim bolicamente imp ortante u m a pessoa exporse como um
palestino, alguém que se associava publicam ente à luta para resis-
tir às políticas israelenses e para consegu ir a au tod eterm inação daPalestina. Recusei todas as ofertas qu e me fizeram p ara ocup ar p o-
sições oficiais; nu nca m e ju n tei a nen hu m p artid o ou facção.
Quando, du rante o terceiro an o da intifad a, fiquei tran stornad o
com as políticas oficiais palestinas n os Estados Unidos, divulguei
amp lamente minhas opiniões nos fóru ns árabes. N unca aban d o-
nei a luta nem obviamente me liguei ao lado israelense ou am eri-
cano, recusan d om e a colabora r com os pod eres que ainda vejocomo os principais responsáveis pelo sofrimento do nosso povo.
Igu almen te, nu nca end ossei as p olíticas d e países árab es, tam -
pou co aceitei seus convites oficiais.
Sintome totalm ente preparad o para adm itir qu e essas p o-
sições, talvez contestatárias d emais, são extensões da cond ição, im -
possível na essência e geralmente desfavorável, de ser palestino:
não temos soberania territorial, temos apenas dim inutas vitórias e
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um lugar m uito restrito p ara celebrálas. Talvez essa seja tam bém
a razão da minha falta de vontad e de ir tão longe qu anto foram
mu itos outros ao se comprometerem p or inteiro com um a causa
ou p artido, indo até o fim em termos de convicção e engajamento.
; Simp lesmen te não tenh o sido capaz de fazêlo, preferindo a dup laau tonomia do ou tsider e do cético à qualidad e vagamente religiosa
revelada pelo entusiasmo dos convertidos ou dos verdadeiros
crentes. Descobri que esse sentido de distanciam ento crítico me foi
útil (ainda não sei o quanto) depois que o acordo entre Israel e a
oi.p foi anunciado, em agosto de 1993. Pareceume que a euforia
induzida pelos meios de comunicação, sem falar das declarações
oficiais de felicidade e satisfação, mascarou uma dura realidad e: ade que a lideran ça da o l p tinha simp lesmente se rendido a Israel.
Dizer tais coisas na época significava agruparse numa pequena
minoria, mas eu senti que, por razões intelectuais e morais, isso
tinha de ser feito. No entanto, as experiências iranianas a que me
referi se prestam a um a comp aração d ireta com outros episódios
de conversão e retratação públicas que marcam a experiência in -
telectual no século xx; e são esses episódios, tanto no Ocidentequan to no Oriente Médio, mund os que conheço m elhor, que eu
gostaria de considerar aqui.
De início, não quero cometer equívocos ou me permitir de-
masiada ambigüidade: sou contra a conversão e a crença em qu al-
quer tipo de deu sp olítico. Considero esses dois comp ortam entos
imp róp rios para o intelectual. Isso não significa qu e o intelectual
deva perm anecer à beira d ’água, m olhan d o ocasionalm ente os
pés, afastado na m aior p arte do tem po. Tudo o que escrevi nes
j tas conferências salienta a importância, para o intelectual, do em
’penh o fervoroso, do risco, da exposição, de um comprom isso com
; p rincípios, da vu lnerabilidad e no d ebate e no envolvimento em
causas mu nd iais. Por exemplo, a diferença que delineei entre o in te-
lectual profissional e o am ad or reside precisamente no fato de que
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o p rimeiro alega d istanciam ento com base na profissão e aparenta
ser objetivo, enquanto o segund o não é m on d o n em p or recom-
pensas nem pela realização de um plano de carreira imediato, mas
p or u m comprom isso empenhad o com idéias e valores na esferapública. Com o tempo, o intelectual n atu ralmente se volta para o
m und o político, em parte porqu e, ao contr ário da academia ou do
laboratór io, esse m un do é animado por considerações de poder e
interesse que conduzem toda uma sociedade ou nação; como
Marx disse de modo tão decisivo, tais considerações levam o in-
telectu al de questões de interp retação relativam ente discretas a
ou tras m uito, mais sign ificativas de m u d ança e transform açãosociais.
Todo intelectual cu jo ofício seja art icu lar e rep resentar visões,
idéias e ideologias específicas logicamente aspira fazer com que
elas fu ncionem nu ma sociedad e. Não se pode e não se deve acredi-
tar n o in telectual que afirm a escrever apenas para si mesmo ou em
ben efício do pu ro aprend izado ou da ciência abstrata. Com o disse
certa vez Jean Genet, um dos grandes escritores do século xx: no
m om en to em que algu ém pu blica ensaios nu m a sociedade, sig-
n ifica qu e ingressou n a vida política; p orta n to, quem não quiser
ser político não deve escrever ensaios nem falar pu blicamen te.
A questão central no fenôm eno da conversão reside na adesão
não ap enas no que diz respeito ao alinh am ento, mas tam bém à
form a do trabalho e da colaboração, em bora se possa detestar estaú ltim a palavra. Poucos fora m os exemplos desse tipo, no Ocid ente
em geral e nos Estados Unidos em par ticu lar, que consegu iram ser
mais desacreditados e desagradáveis do que o ocorr ido na Gu erra
Fria, quand o legiões de intelectu ais se ju n tar am ao que foi consi-
d erado a batalha p elos corações e m entes das pessoas em tod o o^
m un do. Um livro m u ito famoso pu blicado por Rich ard Crossman
em 1949, qu e sintetiza o aspecto estranh am ente m aniqu eísta da Gu erra Fria intelectu al, intitu lase Thegod thatfatled [O deus que
m
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falhou ]; a frase e seu cun ho explicitam ente religioso sobreviveram
para muito além de qualquer m emória do conteúd o d o livro, mas
este merece aqui um breve resum o.
Concebid o como um testem u nh o da credu lidade de p roe-minentes intelectuais ocidentais — Ignazio Silone, André Gide,
Arthu r Koestler e Stephen Spender, entre ou tros — , o livro deu voz
a cada u m deles para conta r suas experiências de u m a viagem a
Moscou, o inevitável desencanto que se seguiu e o posterior reen -
contro d e um a fé não comu nista. Crossman conclui sua in tro -
dução ao volum e dizendo em term os en faticamente teológicos: “O
Diabo uma vez viveu n o Céu, e aqueles que n ão o en contra ramprovavelmente não reconh ecerão um an jo quan do virem u m ”.1
Isso, é claro, não é apenas política, mas uma peça moral tam bém.
A batalha pelo intelecto foi tran sform ad a nu m a batalha pela alma,
com implicações que têm sido m uito nocivas para a vida intelec-
tual. Isso aconteceu certamente na Un ião Soviética e seus satélites,
onde os julgamentos simulados, os expurgos em massa e um
gigantesco sistema penitenciário exemp lificaram os horr ores dasprovações no outro lado da Cort ina de Ferro.
No Ocid ente, m u itos dos antigos cam arad as foram várias
vezes obrigados a fazer uma pen itência pú blica, o que era bastante
inconveniente quando envolvia celebridades como as reun idas em
The god thatfailed.e bem pior quando, particu larmente n o caso
clam oroso dos Estados Unidos, induzia à h isteria coletiva; e, para
alguém como eu, que ainda menino veio d o Orien te Méd io para osEstados Unidos nos anos 1950, quando o m acarthism o estava no
auge, isso moldou uma intelectua lidad e cabeçadu ra, mistificad o
ram ente ensimesmad a, até ho je obcecad a p or um a am eaça in -
terna e externa alu cinad am ente exagerada. Delineou se, então,
uma crise autoinduzida e desalentad ora, que significou o triun fo
do m aniqueísm o imp ensado sobre a análise raciona l e a au to-
crítica.
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Carreiras inteiras foram constru ídas, não p or conta d o talen-
to intelectual, e sim baseadas em provas dos males do com unismo,
ou no arrep end imen to, ou na denú ncia de amigos ou colegas, ou
na colaboração, um a vez mais, com os in imigos de antigos amigos.Sistemas inteiros de discurso originaramse do anticomunismo,
desde o sup osto pragm atism o d os adeptos da escola do fim da
ideologia até sua herd eira de vida breve, surgida nos últimos anos:
a escola do fim da H istória. Longe de ser u ma defesa passiva da
liberdad e, o an ticom u nism o organizado n os Estados Unidos le-
vou , de mod o agressivo, ao apoio dissimulado por parte da c i a a
gru p os que, sob certos aspectos, nad a tin ha m de excepcionais,como o Congresso de Liberdade Cu ltural — que estava envolvido
não apenas na d istribuição m un dial do livro The god thatfailed,
mas tam bém no su bsíd io a revistas como Encountcr — c ainda na
infiltração em sind icatos de trabalhadores, organizações estud an-
tis, igrejas e universidades.
É óbvio que mu itas das coisas bemsucedid as, feitas em n om e
do an ticom u nism o, têm sido relatadas por seus defensores com o
um m ovimen to. No entan to, há outros aspectos menos ad m i-
ráveis. Primeiro, a deterioração do debate intelectual aberto e da
discussão cu ltura l vigorosa por m eio de um sistema de pregação
evangélico e, no fim das contas, irracional, do tipo “faça desse jeito
e não daquele”— o p rogenitor do “politicamente correto” de hoje
— e, em segundo lugar, certas formas de autom utilação em pú -blico que con tinu am até nossos dias. Esses dois p rocedim entos
têm and ado lado a lado com o hábito desprezível, adotado por cer-
tos ind ivíduos, de obter recomp ensas e privilégios de um grup o,
apenas para d epois m ud ar de lado e ganhar recomp ensas de um
novo p atrocinador.
Por enq u an to, gostaria de sublinh ar a estética p articu lar-
m ente desagradável da conversão po líticoideológica e da retrata -ção. O m od o com o, para o indivídu o envolvido, a manifestação
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pú blica de anu ência e a subseqü ente apostasia produ zem um a
espécie de narcisismo e de exibicionismo no intelectual que per-
deu o con tato com as pessoas e com os processos que, sup osta-
mente, apóia. Já afirmei várias vezes nestas conferências que,
idealmente, o intelectual representa a emancipação e o esclare
cim ento . mas nu nca com o abstrações ou com o deuses insensíveis
e distantes a serem servidos. As representações do in telectual — o
que ele representa e com o essas idéias são apresentadas para um a
au d iência — estão semp re enlaçadas e devem perm anecer como
parte orgân ica de u m a experiência contínu a da sociedad e: a dos
pobres, dos desfavorecidos, dos semvoz, dos não representados,
dos sem pod er. Estes são igualmen te concretos e perm anen tes;
não podem sobreviver se forem transfigurados e depois congela-
dos em credos, declarações religiosas ou métodos p rofissionais.
Tais tran sfigu rações rom p em a relação viva entre o intelec-
tual e o m ovim ento ou processo do qual ele, hom em ou m ulher, é
um a parte. Além disso, há o perigo terrível de o intelectual pensar
apenas em si m esmo, nos seus pontos de vista, na sua retidão e nas
suas posições como sendo imperativos. Ler o testemunho inteiro
de Thegod thatfailed é pa ra m im u ma coisa deprimente. Convém
fazer a segu inte pergu nta : p or qu e, afinal de contas, um intelectual,
sendo o qu e é, acred itou n u m deus? E, além d isso, quem d eu a ele
o d ireito de pensar qu e sua crença inicial e seu desencanto p oste-
rior er am tão imp ortan tes? A crença religiosa, em si mesma, é para
m im tão comp reensível com o profund am ente pessoal. Quando
um sistema de todo dog m ático, em que u m lado é inocentemen tebom e o ou tro irred u tivelm ente mau , é substituído pelo processo,
pelo d inam ismo d o intercâm bio vital, o intelectu al secular sente a
indesejável e inap rop riada invasão de um dom ínio sobre outro. A
política tom ase u m entusiasmo religioso — como aconteceu re-
centem ente n a an tiga Iugoslávia — , resultando em limp eza étnica,
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massacres em massa e conflitos intermináveis, horríveis de con-
templar.
A ironia é qu e, com m uita freqü ência, os exconvertidos e os
novos crentes são igualm ente intoleran tes, igualmente d ogm áti-
cos e violentos. Nos últimos anos, infelizmente, a guinada daextrema esquerda para a extrema d ireita resultou numa indústria
tediosa que aparen ta ind epend ência e esclarecimento; mas, sobr e-
tud o nos Estados Un idos, só espelhou a ascensão do reaganismo e
do thatcherismo. O ram o am erican o d essa marca especial de au to-
p romoção deu a si mesmo o n om e de Second Thou ghts, dand o a
entend er que os primeiros p ensamentos d u rante a agitada década
de 1960 eram tão radicais quanto errados. Numa questão démeses, d u ran te o final dos anos 1980, o Second Thou gh ts p re -
tendeu tornarse um movimento, finan ciado por rios de dinheiro
doad os pelo m ecenato d e direita, com o as fund ações Brad ley e
Olin. Os emp resários em q uestão eram David Horow itz e Peter
Collier, de cujas canetas fluiu uma torren te de livros, m uito p are-
cidos uns com os outros, na sua m aioria revelações de antigos ra -
dicais que tinham visto a luz de u m novo saber e se tornaram, nas
palavras de um deles, vigorosamente p róam ericanos e ant icom u -
nistas.2
Se os radicais da década de 1960, com suas polêmicas anti
Vietn ãe“antiamerikana” (americano era sempre escrito com “k”),
eram assertivos e dram áticos nas suas crenças, os adeptos do Se-
cond Thou ghts eram igu alm ente ru id osos e assertivos. O ú nicoproblema é que agora não havia, é claro, um mund o comu nista,
nenhu m imp ério do mal, embora p arecesse não haver limites para
o autoexpurgo e para a recitação devota de fórmulas penitentes
sobre o passado. No entan to, no fun do, foi a passagem d e um deus
para um n ovo deus que estava sendo realmente celebrada. O que
outrora tinha sido um m ovimento baseado, em parte, nu m id ea-
lismo entusiasmado e numa insatisfação com o status quo foi
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sim p lificado e rem od elad o retrospectivamente pelos adeptos do
Second Tho u gh ts, torn an d ose algo mais do que aquilo que eles
cham aram d e d esonra d iante dos inimigos dos Estados Unidos e
u m a cegueira criminosa em face da brutalidad e com unista.3
No m u n d o árabe, o corajoso nacionalismo pan arabista do
p eríod o de Nasser, em bo ra às vezes idealista e destrutivo, declinou
nos an os 1970 e foi su bstitu ído p or um conjun to de crenças locais
e regionais, na sua maioria administradas rispidamente por
regim es m ino ritár ios im p op u lares e p ou co insp irados. Eles são
agora am eaçados p or tod a u m a série de m ovimen tos islâmicos. No
enta n to, con tinu a a existir em cada país árabe um a oposição cul-tu ral secular; os mais talentosos escritores, artistas, com entadores
p olíticos e in telectuais em geral fazem parte dessa oposição, em-
bo ra constitu am u m a m inoria; m uitos têm sido acossados e sub-
m etidos ao silêncio ou ao exílio.
Um fenôm en o m ais nefasto é o pod er e a riqueza dos países
ricos em p etróleo. Mu ito d a a tenção sensacionalista dos meios de
com u n icação ocid enta is d ad a ao partido Baath d a Síria e do Iraque
tend eu a fecha r os olhos à pressão silenciosa e insid iosa para o con-
formismo, exercida por governos que têm muito dinheiro para
gastar com pród igos patr ocínios oferecid os a acadêmicos, escrito-
res e artistas. Essa pressão ficou particularm ente em evidência du -
ran te a crise e a Gu erra do Golfo. Antes da crise, o arabismo tinha
sido sustentad o e d efend id o de form a acrítica por intelectuais p ro-gressistas qu e acred itavam estar prom ovend o a causa do nas
serism o, o im p u lso an tiim p erialista e ind epend entista da Confe-
rên cia de Ban d u ng e o m ovimen to d os países não alinhados. Logo
após a ocu p ação d o Kuwait pelo Iraque, houve um realinhamento
dramático de intelectuais. Departamentos inteiros da indústria
ed itorial egíp cia, ju n to com m u itos jornalistas, deram m eiavolta,
volver. An tigos n acionalistas árabes começaram de repente a cani
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tar loas à Arábia Saudita e ao Kuwait, inimigos od iados n o passado,
agora novos amigos e protetores.
Provavelmente foram oferecidas recompensas lucrativas a fim
de que a reviravolta acontecesse, mas os adeptos árabes do Second
Thou ghts também descobriram de repente seus sentimentos apai-
xonados pelo islã, além das virtud es singulares de uma ou ou tra d i-
nastia reinante no Golfo. Apenas um ou dois anos antes, muitas
delas, incluind o os regim es do Golfo que subsidiaram Sadd am
Hussein, patrocinaram peãs e festivais de louvação ao Iraque
quand o este lutava cont ra o an tigo inimigo do arabismo, “os per-
sas”. A linguagem daqueles dias era acrítica, bom bástica, emotiva eexalava veneração de heróis e efusões quase religiosas. Quando a
Arábia Saud ita convidou George Bush e seu Exército a en trar no
país, essas vozes se converteram . Dessa vez, incorp oraram um a
rejeição formal e m u ito reiterada do nacionalismo árabe (que trans-
formaram nu m verdad eiro p astiche), alim entada p or u m apoio
nad a crítico aos governan tes de então.
Para os intelectuais árabes, os problemas ficaram ainda m aiscomplicados com a nova proeminência dos Estados Unidos, a
maior potência estrangeira hoje no Or iente Médio. O que antes
tinh a sido um antiam erican ism o au tomát ico e impensado — d og-
mático, cheio de clichês, ridiculam ente simplista — transform ou
se nu m próam erican ismo por d ecreto. Em m uitos jorn ais e revis-
tas do mund o árabe, mas especialmente os notór ios por receberem
subsídios do Golfo, a crítica aos Estados Unidos d iminu iu de for-m a drástica e, às vezes, foi até eliminad a; isso foi acom panhado
pelas proibições habituais de críticas a um ou ou tro regime p rati-
camente endeusado.
Uns poucos intelectuais árabes descobriram de repente u m
novo papel para si mesmos n a Europa e nos Estados Unidos. Ti-
nham sido m ilitantes m arxistas, freqü entem ente trotskistas e
defensores do m ovim ento palestino. Depois da revolução iran ia-
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na, alguns se tornar am islâmicos. Qu and o os deuses fugiram ou
foram afastados, esses intelectua is se calaram , apesar de algumas
sondagens calculadas, aqui e ali, em busca dè novos deuses a
quem servir. Um deles, em p articu lar, hom em que tinh a sido u m
trotskista fiel, mais tarde ab an d on ou a esquerd a e se m ud ou ,como muitos outros, para o Golfo, onde passou a levar um a vida
abastada t rabalhand o no ram o da constru ção civil. Ele se reapre
sentou u m pou co antes da crise do Golfo e se torn ou um crítico fer-
voroso de um certo governo árabe. N un ca pu blicou nada usando
seu p róp rio nom e, e sim u ma série de pseu d ônimos que protegiam
sua identidade (e seus interesses); escarneceu de forma indiscri-
minad a e histérica a cultura árabe com o u m tod o, com o objetivode atra ir a atenção dos leitores ociden tais.
Todo m un do sabe que é extrem am ente d ifícil tentar fazer
alguma crítica à política dos Estados Unidos ou de Israel nos
grandes meios de comunicação ocidentais; inversamente, dizer
coisas hostis aos árabes como povo e com o cultura, ou ao islã com o
religião, é risivelmente fácil. De fato, há u ma guerra cultu ral entre
os portavozes do Ocidente e os do m und o árabe e muçulman o.Numa :situação tão inflam ad a, a coisa m ais d ifícil de se fazer
enqu an to intelectual é ser crítico, recusar se a ad otar um estilo
retór ico qu e seja o equivalente verbal dos bombardeios intensivos
e, em vez disso, concentra rse em questões com o o apoio dos Esta-
dos Unidos a regimesclientes impopulares, questões que, para
alguém que escreve nos Estados Unid os, vão ser provalvelmente
mais afetadas pela discussão crítica.Por ou tro lado, é evidente que há u ma qu asecerteza de con-
qu istar u ma audiência se, como in telectual árabe, você apoiar com
entu siasm o e mesmo com su bserv iência a po lítica dos Estados
Unidos, atacand o seus críticos e, caso estes sejam árabes, inven -
tand o evidências para m ostrar sua vilania; se forem críticos am eri-
canos, fabricam se histórias e situações que provem sua m áfé;
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desfiamse histórias sobre árabes e muçulmanos cujo efeito é di-
famar sua trad ição, deformar sua história, acentu and o suas fra -
quezas, que são mu itas, claro. Acim a de tu d o, atacam se os in i-
migos oficialmente aprovados— Sadd am Hu ssein, o baath ismo, o
nacionalismo árabe, o movimento p alestino, as visões críticas dos
árabes sobre Israel. E, claro, isso traz as recompensas esperadas:
você é considerado corajoso, sincero, entu siasta, e assim p or d ian -
te. O novo deus é, evidentemente, o Ocidente. Para esse tipo de
intectual, os árabes deveriam tentar assemelharse mais com o
Ocidente, deveriam considerálo um a fonte e um p on to de refe-
rência. A história do que o Ociden te rea lmen te fez ficou para trás,esquecida. E esquecidos estão os resultados d estru tivos da Guerra
do Golfo. Nós, os árabes e muçulmanos, som os os pertu rbad os, os
problemas são nossos, totalmente au toinfligidos .4
Várias coisas sobressaem nesse tip o d e rep resen tação. Em
primeiro lugar, aqui não há nenhum un iversalismo. Porqu e, qu an
_d.o.se_serve a um deus sem qualquer visão crít ica, tod os os d em ô-
nios vão estar sempre do outro lado: isso era verdade qu and o se era
trotskista como tam bém é agora, quand o se é u m extrotskista que
se retratou. O problema é não p ensar a política em term os de in ter
relações ou de histórias com uns com o, por exemp lo, a lon ga e
comp lexa dinâm ica que ligou os árabes e mu çulm an os ao O ci-
dente, e viceversa. A análise verdadeiramente in telectu al p roíbe
cham ar um dos lados de inocente, e o ou tro, de perverso. De fato,quando se trata de culturas, a noção de um dos lados é altam ente
problemática, pois a maioria das culturas não se constitu i de pe-
quenos pacotes impermeáveis, todos homogêneos, e todos ou
bons ou maus. Mas, se nossos olhos estão fixad os nos nossos p ro -
tetores, não pod emos pensar como intelectuais, mas apenas com o
discípulos ou acólitos. No fund o do nosso inconscien te há o p en -
samen to de que se deve agradar, e não desagradar.Em segundo lugar, o histórico da p róp ria form ação d o in -
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telectual, relacionad o aos mestres do passado, é por certo m enos-
prezado ou dem onizado, mas não nos provoca nenh u m tipo de
au toqu estionam ento, não estimu la nenhu m desejo de qu estionar
a prem issa de servir com fervor a um deus, para d epois dar uma
guinad a imp ulsiva e fazer a mesma coisa para u m novo deus. Lon-
ge d isso: com o fazíamos n o passado, osciland o de u m deus para
ou tro, continu am os a fazer o mesmo no presente, com um pou co
mais de cinismo, é verdade, mas no fim com o m esmo efeito.
O verd adeiro intelectual é, por contraste, um ser secular. Ape-
sar de muitos intelectuais desejarem que suas representações
expressem coisas superiores ou valores absolu tos, a cond uta éticae os princíp ios morais com eçam com sua atividad e no nosso mu n-
do secu lar— ond e tais p rincíp ios e cond uta se realizam, a quais in-
teresses servem, como se harmonizam com u ma ética consistente
e universal, como operam a d iscriminação entre p od er e ju stiça, o
que revelam das escolhas e prioridad es de cada u m. Aqueles deuses
que semp re falham acabam exigindo do in telectual um a espécie de
certeza absoluta e uma visão total e sem costu ra d a realidade, visãoe certeza que reconh ecem apenas d iscípu los ou inim igos.
O qu e me chama a atenção, como algo m u ito m ais interes-
sante, é como manter na m ente um espaço aberto p ara a dú vida e
para um a iron ia cética e alerta (e, de preferência, para a au toiro
nia tam bém ). Sim, temos convicções e emitim os ju ízos de valor,
mas estes são alcançados pelo trabalho e por um senso de asso-
ciação com ou tros: ou tros intelectua is, um m ovim ento de base,um processo h istórico contínu o, um conju n to de vidas vividas.
Quanto a abstrações ou ortodoxias, o problema é que elas são
patrocinad oras ou p rotetoras que precisam ser apaziguadas e afa-
gadas o temp o todo. Os princíp ios e a envergadu ra mor al de um
intelectual não deveriam constitu ir uma espécie de caixa de câm-
bio lacrad a, que imp ele o pensam ento e a ação nu m a d ireção e é
m ovida por uma máqu ina com apenas uma fonte de combustível.
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O intelectua l tem d e circular, tem d e encontr ar espaço para e n -
frentar e retrucar a autoridad e e o poder, pois a subserviência in -
questionável à autorid ad e no m und o de hoje é uma das maiores
ameaças a um a vida intelectu al ativa, baseada em p rincíp ios de
ju stiça e eqüidade.
É difícil par a um intelectual enfrentar essa am eaça sozinho e
por conta própria, e mais difícil aind a en contra r u m m od o consis-
tente, coerente com suas crenças, e ao mesmo tempo p erm anecer
livre o bastan te para evoluir, abraçar novas idéias, m ud ar a cabeça,
descobrir coisas novas ou red escobrir o que foi posto d e lado no
passado. O aspecto m ais com plicad o d e ser um intelectu al é re-
pr esentar o que se professa p or m eio do traba lho e de in tervenções,
sem se enr ijecer nu m a institu ição ou torn arse um a espécie de
autôm ato agindo a man d o de um sistema ou m étodo. Qualqu er
um que tenh a sentido a satisfação de ser bem sucedido n isso e ao
m esmo tempo consegu ir m anterse alerta e firm e pod erá avaliar
como essa convergência é rara. Mas a ú nica form a d e alcançar essa
convergência é lembrarse constan temen te de que, enq u an to in te-lectual, você tem escolha: representar a verdade de form a ativa e da /
m elhor m aneira possível, ou então se permitir, passivam ente, ser
dirigido p or um a autorid ad e ou u m poder. Para o intelectu al secu-
lar, essesdeuses semp re falham .
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Notas
I N T R O D U Ç Ã O [ P P . 9 - 18 ]
1. Raym on d William s, Keyw ords: a vocabulary ofcul t ure and society , 1976,
reim p. Nova York: Oxford University Press, 1985, p. 170.
2. John Carey, Th e intellectuals an dt he m asses:pride andprejudi ce amo ng the
iit erary intelligentsia 1880-1939, Nova York, St M ar tin s Press, 1993.
3. Ernest Gellner, “La trahison de la trahison des deres”, in The political
responsability o f intellectuals, org. Ian Maclean, Alan Montefiore e Peter VVinch,
Cam b rid ge, Cam br id ge Un iversity Press, 1990, p. 27.
4. Paul John son, Intellectuals, Londr es, Weidenfeld and N icholso n , 1988, p.
342.
5. Peter Dailey, “Jim m y ”, Th e A m erican scholar, invern o 1994, pp. 102-10.
1. REPRESENT AÇÕES DO INT EL ECT UAL [PP. 19 -36 ]
1. Anton io Gram sci, Theprison notebooks: selections, trad. Qu intin Hoare e
Geoffrey Now ell-Smith, Nova York, Inter na tion al Pub lishers, 1971, p. 9. Edição
brasileira: Cadernos do cárcere, vol. 2, Os in telectuais. O pr in cípio ed u cativo. Jor
na lism o, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.2. Idem, p. 4.
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3. Julíen Benda, The treason of the intellectuals, trad. Rjchard Aldington,
1928; reimpr. Nova York , N or ton , 1969, p. 43.
4. Id em .p. 52.
5. Em 1762, um com ercian te p rotestant e, Jean Calas de Toulouse, foi jul
gado e depois executad o p elo sup osto assassinato d e seu filho, prestes a se con
verter ao catolicismo. A prova era in consisten te; no en tan to, o q ue gerou o ráp ido
veredicto foi a cren ça generalizada de que os protestan tes eram fanáticos que sim
plesmente eliminavam qu alquer ou tro p rotestante q ue quisesse se converter.
Voltaire conduziu com sucesso uma campanha pública para reabili tar a re
pu tação da fam ília Calas (em b ora hoje se saiba q ue ele tam bém fabricou sua
pró pr ia prova). M aurice Barrès era u m ad versário proem inen te de Alfred Drey-
fus. Romancista francês protofascista e antiintelectual do fim do século xix e
começo do xx, defendeu a no ção de inconsciente político, em qu e todas as raças e
n ações carregam coletivamen te idcias e tend ências.6. La trahison des deres foi repu blicado p or Bem ard Grasset em 1946.
7. AJvin W. Gou ldner , The fu t ure o f intellectuals a nd the rise of the new class,
Nova York, Seabu ry Press, 1979,pp . 28-43.
8. Michel Foucaul t, Pow er/knowledge: selected interviews an d ot her writings
1972- 1977 , New York, Pan th eon , 1980, pp. 127-8.
9. Isaiah Berlm , Russian thínkers,ed. Hen ry H ard yeAileen Kelly, No va York:
Viking Press, 1978, p. 129.
10. Seamus Deane, Celt ic revivais: essays in m odem Irish lit erature 1880-
1980, Lond res, Fab er & Faber, 1985, pp. 75-6.
11. C. Wright Mills, Power, polit ies, an d peopl e: Th e collected essays o f C.
W right Mills, ed. Irvin g Louis Hor owitz, Nova York, Ballantin e, 1963, p. 299.
2 . M A N T E R N A Ç Õ E S E T R A D I Ç Õ E S À D I S T Â N C I A [ P P . 3 7 - 5 4 ]
1. George O rw ell, A collection o f essays. Nova York, D oub leday An chor,
1954, p. 177.2. Discuti essa qu estão nos livros Orientalismo (Londres, Penguin, 1991;
São Paulo, Com p anh ia das Letras, 1990) e Cov ering Islam (Nova York, Panth eon,
1981) e, mais recentem ente, no artigo “The ph on ey Islam ic th reat” (N ew York
Times Sunday M agazin e,21/11/1993).
3. Walter Benjam in, Illuminations, org. Hann ah Arendt, trad. H arry Zohn ,
Nova York, Schocken Book s, 1969,p p . 256-5.
'4. Edward Shils, “The in tellectuals and the pow ers: som e persp ectives for
comp arative analysis” Comparativ esludies in society andhistory , vol. 1 (1958-59),
pp. 5-22.
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5. Essa qu estão é abord ada de form a persuasiva em Kirkpatrick Sale, The
conquest ofparadise: Christopher Colum busa nd the Columbi an legacy, Nova York,
Knopf, 1992.
6 .0 movim en to estudan til de 4 de maio de 1919 foi um a resposta imediata
à Confe rên cia de Paz de Paris (que deu origem ao Tratado d e Versailles, do mesm o an o), que sancionou a presença japon esa em Shantung. Esse prim eiro protesto
estudantil n a China, no qual 3 mil estudan tes se con centraram na p raça de Tiana-
m en , marcou o início de outros movim entos similares, organizados nacional
men te no século XX. A d etenção de 32 estudantes cond uziu a u m a nova mobiliza
ção, exigindo n ão só sua libertação como tam bé m u m a ação firme d o governo em
to m o d a questão de Shantung. A tentativa do governo de reprimir o movim ento
fracassou, ao mesm o tem po q ue este conq uistava o apoio d a emergente classe
emp resarial chinesa, ameaçada pela con corrên cia j aponesa. Ver John Israel, Student
naúonalism in China, 1927-1937, Stanford , Stanford University Press, 1966.
7. Aim é Césaire, The collected poet ry , trad . Clayton Eshelman e Annette
Sm ith , Berkeley, University o f Califórnia Press, 1983, p. 72.
8. Ver Carol G luck, Japarís modern my ths: ideology in t he late Meiji period ,
Prin ceton , Princeton University Press, 1985.
9. John Dewer, War w ithout mercy: race and pow er in the Pacific War, Nova
York, Pan theon , 1986.
10. M asao M iyoshi, O ff center: pow er and cultu re rélations betw een Japan
an d t he Unit ed States,Cambr idge , Mass., Harvard University Press, 1991, pp . 125, 108. Maruyam a Masao é um escritor japonês do pós-guerra e u m dos principais
críticos da h istória imperial japonesa e do sistema do imp erador; Miyoshi o con
sidera receptivo demais em relação à pred omin ân cia estética e intelectual do O ci
dente.
3. e x í l i o i n t e l e c t u a l : e x p a t r i a d o s e m a r g i n a i s [ p p . 5 5 - 7 0 ]
' l .Th eod or Adorno, Min im a moralia: reflectionsfrom dam aged life, trad . E.
F. N. Jep hcott, Londres, New Left Books, 1951, pp . 38-9. Ed ição brasileira: Mini
ma m ora lia - Reflexões a part ir da vida danificada, São Paulo, Ática, 1993.
2. Idem, p. 87.
3. C. L. R. James, Osjacobinos negros- Toussaint UO uv ert ureea revolução de
São Domingos, São Paulo, Boitempo Editorial, 2000.
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4. P R O F I SS I O N A I S E A M A D O R E S [ P P. 71-87]
1. Régis Debray, Teachers, w riters, celebrit ies: the int ellect uah o f m od em
France, trad . David M acey, Lond res, New Left Books, 1981.
2.Idem,p.71.
3.1bid em , p. 81.
4 . Russell Jacoby, Th e last intellectuah: A m erican culture in t he age ofa ca-
deme, Nova York , Basic Book s, 1987.
5. Id em ,pp .219-20.
6. Jean-Paul Sartre, W hat is literature? an d o ther essays, Cam br idg e, Mass.,
H arv ard University Press, 1988, pp . 77-8.
5 . FA LA R A VER DA DE A O P O DER [P P . 8 9 -IO 4 ]
1. Peter No vick, That noble dream : the “objectiv ity question” and the A m eri
can his toricalprofession, Cam b rid ge, Cam b rid ge University Press, 1988, p. 628.
2. Discuti detalh adam ente o contexto imp erial desse tem a n o livro Culture
and imp eria/wm, Nov a York , Alfred A. Knopf , 1993, pp . 169-90. Edição b rasileira:
Cultura e imperialismo, São Paulo, Com p an h ia das Letras, 1995.
3. Sobre essa atua ção dú bia do in telectual, ver N oam Chomsky, Necessary
illusions: t hought cont rol in democrat icsocieties, Boston , Sou th En d Press, 1989.4. Uma versão mais comp leta desse argum ento pode ser en contrada n o
meu. ensaio “Nation alism, hu m an rights, and in terpretation ”, in Freedom and
int erpret at ion: th e O xford amnesty lectures, 1992, org. Barb ara John son , Nova
York , Basic Book s, 1993, pp. 175-205.
5 . Noam Chomsky, Language and mind , Nova York, Harcourt Brace
Jovanovich, 1972, pp. 90-9.
6. Ver meu artigo “The morn ing after”, London Review o f Books, 21/10/1993,
volu me 15, n“ 20 ,3-5 .
6 . DEU SES Q U E SEM P R E FA LHA M [P P . IO 5 -21]
1. Rich ard Crossm an (org .), The god t hat failed,Wash ington , D. C., Regnery
Gateway , 1987, p. vii.
2. Há um texto in teligente e envolvente de um a con ferên cia sobre o Second
Th ou gh ts p roferida por C hristop her Hitchens: “ For the sake of argumen ts: essays
and m inority rep orts”, Londres, Verso, 1993, pp. 111-4.
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3. Sobre as diferentes forma s d e au to-rejeição, u m texto valioso é “Disen -
chan tm en t or apostasy? A lay serm on ”, in Pow er and consciouness,de E. P. Th om p
son, organizado p or C on or Cruise 0 ’Brien, N ova York, New York University
Press, 1969,pp. 149-82.
4. Uma obra que caracteriza algumas dessas posições é a de Daryush
Shayegan, Culturalschizophrenia: Islamicsociet ies confront ing t he West, trad . John Howe, Lond res, Saqi Books, 1992.
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E S T A O B R A F O I C O M P O S T A E M M I N I O N P E L A S P R E S S E I M P R E S S A
P E L A P R O L E D I T O R A G R Á F I C A E M O F S E T E S O B R E P A P E L P Ó L E N B O L D D A
S U Z A N O B A H I A S U L P A R A A E D J T O R A S C H W A R C Z E M F E V E R E I R O D E 2 0 0 5
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