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OSVALDO RODRIGUES JÚNIOR REPRESENTAÇÕES DO ANARQUISMO NA HISTORIOGRAFIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO CURITIBA 2007

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OSVALDO RODRIGUES JÚNIOR

REPRESENTAÇÕES DO ANARQUISMO NA HISTORIOGRAFIA DO

MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO

CURITIBA 2007

OSVALDO RODRIGUES JÚNIOR

REPRESENTAÇÕES DO ANARQUISMO NA HISTORIOGRAFIA DO

MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Departamento de História, do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para obtenção grau de Bacharel em História. Orientador: Profº. Dr. Renato Lopes Leite.

CURITIBA

2007

Dedico esta monografia ao meu pai, Osvaldo Rodrigues e a minha mãe Denise Das Neves Rodrigues, pois foram eles que em todos os momentos estiveram ao

meu lado nesta caminhada.

AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pelas condições físicas e sociais de vida.

Agradeço aos meus pais, Osvaldo Rodrigues e Denise das Neves Rodrigues, pela confiança e por todas as oportunidades que ambos me proporcionaram. Aos meus

irmãos, Luiz Felipe Rodrigues, Letícia Marcela Rodrigues e Luana Maria Rodrigues, por todos os momentos de companheirismo e compreensão. A minha

namorada, Nathalia Ferreira Martins, pela tranqüilidade passada nos momentos de dificuldade. Aos amigos de longa data, Diego Rodrigues Gondim, Leandro

Henrique Raimundo e Thiago Joly Carneiro pelas histórias e pela fundamental amizade. A todos os amigos do curso de História da Universidade Federal do Paraná, em especial á Sandra Mara Pinheiro Maciel e Luciano Prado Corrêa,

sempre solícitos e dispostos a ajudar em todos os momentos. Por fim, agradeço ao meu orientador Dr. Renato Lopes Leite, por acreditar no meu trabalho e principalmente pelo apoio intelectual, fundamental para a conclusão desta

monografia.

RESUMO

JUNIOR, O.R. REPRESENTAÇÕES DO ANARQUISMO NA HISTORIOGRAFIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO. A presente monografia tem como objeto de estudo as representações historiográficas do anarquismo no movimento operário brasileiro, a partir de três obras fundamentais, Socialismo e Sindicalismo no Brasil (1675-1913), produzida em 1969 pelo militante anarquista português Edgar Rodrigues. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro (1890-1920), obra produzida em 1979 por Sheldon Leslie Maram, um dos diversos autores brasilianistas que pensaram o tema anarquismo. E, por fim, Nem pátria, nem patrão, produzido em 1983 por Francisco Foot Hardman, que propõe uma nova interpretação para o tema anarquismo. Partindo dessas três obras especificas, o objetivo é pensar as três vertentes que produziram a respeito do movimento operário brasileiro, os militantes, os brasilianistas e a produção acadêmica como define Cláudio Batalha em Historiografia da classe operário no Brasil: Trajetória e tendências. Edgar Rodrigues, na obra Socialismo e sindicalismo no Brasil (1675-1913) representa o anarquismo na visão apaixonada de um militante de forma metodologicamente pouco sistemática. Entre as características da obra estão: a hagiografia, a função legitimadora dos escritos, a cronologia particular e a teleologia. Produzindo em um contexto de ditadura militar, Edgar Rodrigues apesar das limitações “científicas” da sua pesquisa, é fundamental para a constituição de uma historiografia do movimento operário brasileiro. Pois, os militantes pioneiros nas pesquisas com relação ao tema movimento operário brasileiro, cobrem uma lacuna quando apenas a história da camada dominante merecia atenção da historiografia-acadêmica. Sheldon Leslie Maram com Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro (1890-1920), representa o anarquismo como o grande problema para o movimento operário da primeira república, para ele um movimento que nem chega a existir. Muito influenciado pelas idéias introduzidas pelos sociólogos a respeito do movimento operário brasileiro, o autor produz em um momento de maior abertura do regime militar que vem de encontro à institucionalização do tema movimento operário. A criação de pós-graduações específicas relacionadas ao tema, e também a criação do arquivo Edgar Leuenroth na Unicamp (Universidade de Campinas), do Instituto Internacional de História Social em Amsterdã, na Holanda, e do Archivio Storico Del Movimento Operaio Brasiliano em Milão, na Itália, abrem novas possibilidades com a divulgação de novas fontes. Em um contexto de abertura político-social e de novas influências no campo intelectual historiográfico brasileiro, a década de 1980, mas especificamente em 1983, Francisco Foot Hardman, publica Nem pátria, nem patrão. Muito influenciado pela nova-esquerda inglesa representa o anarquismo como corrente combativa, tanto na prática de luta social como nas práticas culturais do operariado, foco principal da obra do autor. Concluindo, os militantes mesmo que de forma não acadêmica introduzem o tema movimento operário brasileiro como objeto de pesquisa. Enquanto isso, brasilianistas e a produção acadêmica de 1980, constroem a historiografia do movimento operário brasileiro, representando de maneiras distintas o tema anarquismo. PALAVRAS-CHAVE: Historiografia, Representação, Anarquismo.

7

ÍNDICE AGRADECIMENTOS

RESUMO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................8

1. PRODUÇÃO MILITANTE: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA OS ESTUDOS

HISTÓRICOS DO MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO ...........................12

2. HISTORIOGRAFIA BRASILIANISTA: O MOVIMENTO OPERÁRIO

BRASILEIRO NAS PESQUISAS ACADÊMICAS. ............................................23

3. HISTORIOGRAFIA CULTURAL: UM NOVO OLHAR SOBRE O

MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO.........................................................33

CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................50

8

INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objetivo investigar as representações

historiográficas do anarquismo no movimento operário brasileiro, a partir de três

obras fundamentais: Socialismo e Sindicalismo no Brasil (1675-1913), produzida

em 1969 pelo militante português Edgar Rodrigues. Anarquistas, imigrantes e o

movimento operário brasileiro (1890-1920), obra produzida em 1979 por Sheldon

Leslie Maram, um dos diversos autores brasilianistas que pensaram o tema

anarquismo. E, por fim, Nem pátria, nem patrão, obra produzida em 1983 por

Francisco Foot Hardman, que propõe uma nova interpretação do tema

anarquismo.

O tema Representações do anarquismo na historiografia do movimento

operário brasileiro, foi motivado pelo trabalho de pesquisa intitulado Movimento

Operário: Historiografia e Cultura, vinculado ao Licenciar e apresentando no ano

de 2006 no 5º Fórum de Atividades Formativas (FAFGRAD), na Universidade

Federal do Litoral localizada na cidade de Matinhos no estado do Paraná. No

citado projeto, a vertente privilegiada foi à historiografia cultural, localizada

principalmente na década de 1980 até porque esta década representa o clímax da

produção a respeito do movimento operário brasileiro. Portanto, o trabalho de

pesquisa motivou, vários questionamentos e idéias, principalmente o por que?...

de o anarquismo ser representando de maneiras tão distintas em autores que

trabalham o mesmo tema, muitas vezes com as mesmas fontes. A partir desse

questionamento inicial e da leitura de um artigo intitulado A historiografia da classe

operária no Brasil: Trajetória e tendências, produzido pelo professor da Unicamp

(Universidade de Campinas) Cláudio Batalha, surgiram novos desdobramentos.

O citado artigo identifica três categorias historiográficas principais que

produziram a respeito do movimento operário brasileiro. Em primeiro lugar a

produção militante, principalmente, dos intelectuais comunistas e anarquistas. Em

segundo lugar a produção brasilianista, composta por autores norte-americanos

que produziram a respeito do tema movimento operário brasileiro. Por fim, Batalha

identifica a produção acadêmica que caracteriza a produção da década de 1980. A

9

partir dessas três categorias optei por utilizar uma abordagem, que vise através de

três autores específicos, demonstrar as características afirmadas por Batalha para

cada uma das citadas vertentes, até porque, à abordagem dada pelo professor da

Unicamp, serve mais como uma retrospectiva superficial dos momentos da

produção a respeito do movimento operário. Portanto, é necessário que seja feito

um estudo, que vá as obras importantes e demonstre as especificidades de cada

produção.

Como hipóteses acredito que, as diferentes tradições intelectuais de cada

período de produção acabam por gerar as diferentes ou, muitas vezes,

semelhantes representações do anarquismo. Além disso, o contexto sóciopolítico

de cada período, influi de maneira preponderante na produção das representações

de mundo de cada autor. Uma abordagem historiográfica que análise as obras e

as suas especificidades, além de ser um estudo pioneiro, tem como principal

função contribuir para o estudo da própria história da historiografia, campo ainda

pouco debatido no universo acadêmico brasileiro.

O objetivo deste trabalho será: não se deixar levar pelas representações

que as lideranças construíram sobre a classe que pretenderam dirigir1. Para

compreender as diversas representações, o arcabouço teórico será retirado do

texto O mundo como representação, de Roger Chartier e a intenção, portanto,

será trabalhar a historiografia como representação, considerando não haver

prática ou estrutura que não seja produzida pelas representações, contraditórias e

em confronto, pelas quais os indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é

deles2. E, por fim, compreender como afirma Roger Chartier, que toda produção

intelectual é feita mediante as condições do meio em que vive o autor dos

trabalhos. Portanto, não trabalhar as representações como desencarnadas ao seu

contexto.

No primeiro capitulo, o objetivo é analisar a produção militante, primeira

produção sistemática a respeito do movimento operário brasileiro. Neste capítulo,

serve de fonte a obra Socialismo e sindicalismo no Brasil (1675-1913), publicada

em 1969 pelo pensador anarquista português Edgar Rodrigues. A partir desta 1HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria nem patrão. Brasiliense: São Paulo, 1983. p. 14. 2CHARTIER, Roger. O mundo como representação. São Paulo, 1991. p. 177.

10

obra, pretendo discutir a importância desta produção para a constituição de uma

historiografia do movimento operário brasileiro, utilizando para isso, outra obra

importante da vertente militante Anarquismo – Roteiro de libertação social de

Edgar Leuenroth, sem esquecer é claro, o contexto em que a fonte é produzida.

Contexto este, de crescente repressão do regime militar para com as produções

intelectuais, principalmente, relacionadas a temas políticos. O governo de Costa e

Silva, que se inicia em 1967, começaria a dar forma de ditadura propriamente dita,

ao regime militar iniciado em 1964, como observa o professor Adriano Codato em

O golpe de 1964 e o regime de 1968: Aspectos conjunturais e variáveis históricas.,

afirmando, que entre 1969 e 1973 ocorrem os enfrentamentos com a luta armada

e a constituição de um aparelho repressivo-militar3.

No segundo capítulo, o objetivo é investigar a historiografia brasilianista,

vertente que traz o tema movimento operário brasileiro, para o espaço da

academia. Antes de analisar a historiografia brasilianista, é necessário fazer uma

breve descrição dos trabalhos sociológicos a respeito do tema movimento operário

brasileiro. A importância destes trabalhos sociológicos, além do ineditismo

acadêmico, esta na inserção de idéias importantes a respeito do movimento

operário brasileiro, posteriormente utilizadas, principalmente, pela historiografia

brasilianista. No fim da década de 1970, o regime militar brasileiro mostra-se em

decadência, como afirma Adriano Codato é o momento em que o foco é a

repressão aos movimentos sociais de trabalhadores rurais e urbanos,

principalmente o novo movimento sindical4. O que é sabido porém, é que a

repressão tornara-se mais branda a partir do governo de Figueiredo, que vai de

1979 á 1985. Serve de fonte para este capítulo, a obra Anarquistas, imigrantes e o

movimento operário brasileiro 1890-1920, publicada justamente neste período de

maior abertura do regime militar, mais especificamente em 1979, pelo historiador

norte-americano Sheldon Leslie Maram.

No terceiro e último capítulo, pretendo analisar a historiografia cultural,

vertente que analisa o movimento operário brasileiro, sobre novos olhares e novas

3 CODATO, Adriano Nervo. O golpe de 1964 e o regime de 1968: Aspectos conjunturais e variáveis históricas.

História: Questões e debates nº 40. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 14. 4 CODATO, Adriano Nervo, p. 17.

11

influências historiográficas. Serve de fonte para este capítulo, a obra de Francisco

Foot Hardman Nem pátria, nem patrão, publicada em 1983, em meio ao contexto

de redemocratização em processo, iniciado em 1979 com o governo Figueiredo.

Esta obra além de fonte de pesquisa a respeito da vertente historiográfica cultural,

carrega consigo, o peso de ter iniciado o fascínio do autor deste trabalho, pelo

tema anarquismo, além de representar, o boom historiográfico dos estudos sobre

o anarquismo na década de 1980.

12

1. PRODUÇÃO MILITANTE: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA OS ESTUDOS HISTÓRICOS DO MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO

Em 1905, Evaristo de Moraes publica, Apontamentos de direito operário,

considerada, a primeira obra a conter elementos de uma história do operariado

brasileiro. Esta coleção de artigos, trata das condições de existência e trabalho do

operariado, artigos estes, publicados primeiramente no jornal Correio da manhã.

Esse é apenas um, dos vários exemplos de tentativas de se investigar o

operariado brasileiro, desde o começo do século XX, na maioria dos casos, em

artigos publicados na imprensa operária, em folhetos distribuídos nos locais de

concentração trabalhadora e em publicações oficiais ou semi-oficiais.

No entanto, essas diversas tentativas, não comportam uma preocupação

historiográfica central, somente presente de forma mais sistemática em obras já

dos anos 1950 e 19605. Edgar Rodrigues, na introdução da obra Socialismo e

sindicalismo no Brasil, indica que a falta de preocupação historiográfica da

produção anterior à década de 1960, pode ser explicada, pela falta de

documentos, muitas vezes, em estado de arquivo particular, e a falta de arquivos

específicos, restando assim, a imprensa operária como única fonte de pesquisa,

como afirma:

Buscando publicações e procurando alguns dos sobreviventes dessa grande jornada,

deparamos com os mais diversos tropeços: uns não tinham documentos e publicações da

época “heróica” das lutas sociais, porque segundo eles – foram-lhes destruídas pela polícia

em suas buscas, outros porque não tiveram tempo para guardar e arquivar, tal eram as

suas andanças e peregrinações que tiveram que empreender pelos Estados; outros, que

ao morrer, não tiveram o cuidado de doar aos mais jovens, ou mesmo para as bibliotecas

estaduais os seus livros, jornais e revistas, e tudo se perdeu devorado pelo fogo ou no

papel velho; e um e outro que – possui como relíquias – publicações, mas não as cediam

apesar dos mais justos e bem intencionados propósitos do pesquisador6 .

5 BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes. Historiografia da classe operária no Brasil: Trajetória e tendências.

Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2001, p. 147. 6 RODRIGUES, Edgar. Socialismo e sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969, p. 9.

13

Um fator de fundamental importância, para pensarmos o período anterior a

1970, é a tradição intelectual historiográfica vigente no início do século XX. O

IHGB (Instituto Histórico Geográfico Brasileiro), criado em 1838, e órgão existente

até os dias atuais, marca a institucionalização assim como o delineamento de um

projeto para a história no Brasil, constituir um perfil da nação brasileira. Esse perfil

teria, portanto, que desvendar todo o processo de gênese da nação, sendo o

objetivo último do IHGB, criar a tão desejada identidade nacional, como afirma

Manoel Luis José Salgado em Nação e civilização nos trópicos: O instituto

histórico e geográfico brasileiro e o projeto de uma História Nacional. O IHGB,

manteve-se como órgão responsável pelo pensamento historiográfico-científico

brasileiro, até meados da década de 1970. Influenciado pelas diversas

manifestações cívicas dos anos, o IHGB, mantinha a história da pátria como a

principal linha de pesquisa. A proposta, era expandir e externar o ideário do

Estado nacional, através da historiografia, de maneira a servir a história como, um

saber sobre o Brasil capaz de viabilizar uma determinada ordem7.

Um evento importante do período, é o primeiro congresso histórico nacional

em 1914. Neste congresso, organizado pelo IHGB, a temática principal foi à pátria

e as questões relativas a ela. O recorte cronológico das pesquisas, ia de 1550 até

1871. Isso porquê, o IHGB, era adepto do distanciamento entre historiador e fato,

traços de uma história positivista, que acreditava ser possível a neutralidade do

sujeito produtor do conhecimento. Tanto a explicação de Edgar Rodrigues, quanto

o domínio do IHGB sobre o pensamento historiográfico anterior a criação das

universidades, são fatores preponderantes para caracterizar a tradição intelectual

historiográfica da primeira metade do século XX.

Em 1934, com a criação da USP (Universidade de São Paulo), os cientistas

sociais acreditavam na possibilidade de avanços e modernizações com a criação

de um novo lócus de pesquisa e divulgação, a universidade. Mas na verdade, o

que ocorre entre 1934 e 1964, é um atrelamento entre estado e ciência, através

dos financiamentos governamentais para os projetos de pesquisa. Como o próprio

Edgar Rodrigues afirma ainda no prefácio de Socialismo e sindicalismo no Brasil, 7 GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. O instituto histórico geográfico brasileiro e o projeto de uma história

nacional Estudos históricos Vol.1. Rio de Janeiro, 1988. p. 24.

14

as obras historiográficas mantêm-se atreladas a concepções nacionalistas e

trabalhistas, ligadas ao contexto de governo de Getulio Vargas:

Tudo isso de um lado, e pelo outro, a pregação de um “sindicalismo” rançoso, carregado e

distribuído pelo “Estado Novo”, a partir de 1930, uma miscelânea do corporativismo

fascista italiano, com enxertos do sindicalismo de Roger Bonard e outros, acrescido e

ajustado aos entendimentos dos trabalhistas de Vargas8.

Portanto, a tradição intelectual do período anterior à década de 1970,

demonstra um alinhamento entre ciência e Estado, importante para pensarmos a

produção de conhecimento histórico no período. Como conceitua Roger Chartier

em O mundo como representação, o texto como representação tem a intenção de

através do seu discurso, direcionar ao público o que é de interesse do autor. Neste

caso, uma das relações de poder preponderantes, é a relação entre autor e leitor.

Mas, mais importante ainda, é que a tradição intelectual é constituída por relações

de poder, entre o pesquisador e o contexto. Neste ponto o Estado tem um papel

fundamental, pois a relação de poder entre pesquisador e órgão centralizador

estatal, no caso o IHGB, tem importância fundamental para o contexto intelectual

do período.

Para além dos escritos superficiais sobre o operariado brasileiro, a

produção militante surge como: os primeiros estudos sobre o movimento operário

brasileiro de forma mais sistemática e “historiográfica”. Composta por sindicalistas:

ativistas políticos da esquerda, jornalistas, e advogados vinculados aos

movimentos sociais, essa produção militante pode ser dividida em duas principais

vertentes. A primeira tinha nos grandes feitos, nas greves, organizações e

congressos, o seu foco fundamental de análise. E a segunda vertente acreditava

em uma história inconsciente anterior a fundação do PCB (Partido Comunista

Brasileiro) em 1922, e uma história verdadeiramente operária a partir da criação

do partido como afirma Cláudio Batalha em Historiografia da classe operária:

Trajetórias e tendências.

8 RODRIGUES, Edgar, p. 9.

15

Na primeira vertente, pode ser inserida a obra Anarquismo – Roteiro de

libertação social, de Edgar Leuenroth, publicada no ano de 1963. Edgar

Leuenroth, organiza e também escreve artigos desta coletânea, que tem como

foco a doutrina anarquista e os congressos e conferências realizados pelo

operariado brasileiro. Ao descrever os congressos, Edgar Leuenroth denuncia a

violência do governo republicano contra os anarquistas, e as lutas diárias de

grandes militantes como Neno Vasco e José Oiticica:

Verificaram-se violências de toda ordem contra os militantes libertários, as suas iniciativas,

a sua imprensa, as suas organizações, moveram-se contra eles campanhas de injurias e

calunias; foram vitimas de perseguições, maus tratos, espancamentos em presídios e

solitárias; sofreram assaltos em seus domicílios, com apreensão de bibliotecas, coleções

de revistas e jornais, além das violências contra suas famílias deportações para ilhas e

regiões insalubres, expulsões para o estrangeiro e também assassínios9.

Edgar Leuenroth produz, no momento em que o populismo toma forma

ameaçadora à ordem. A criação da CGTs (Comando Geral dos Trabalhadores) e a

CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) aos moldes

da revolução cubana, aterrorizavam a burguesia, e serviam de alento para a

esquerda brasileira, que acreditava em uma revolução cada vez mais aparente. A

mídia fazia o papel de difundir as idéias dominantes, de que Jango estaria levando

o Brasil para uma república sindicalista, e para um processo de comunização.

Unidos a isso, os comícios das reformas de base, caíram como uma bomba no

cenário político brasileiro. A direita logo reagiu com a Marcha da família com Deus

pela liberdade como afirma Daniel Aarão Reis Filho em O colapso do colapso do

populismo ou a propósito de uma herança maldita.

Com apoio da burguesia e da classe média, os militares tomam o poder no

dia primeiro de abril de 1964. Como primeiro ato deste regime, eliminam a

resistência, e nessa resistência encontram-se as ciências sociais e mais

especificamente a História. Até 1968, o Brasil vive um estado de incertezas:

políticas, sociais, econômicas e culturais, deixando clara a falta de um projeto de 9 LEUENROTH, Edgar. Anarquismo – Roteiro de Libertação Social. Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1963. p.

134.

16

governo por parte dos militares, como o próprio Geisel confirma: não havia nada

previsto nem quanto à ocupação dos cargos. Não tínhamos uma proposta de

governo. Achávamos que esse problema iria ser resolvido depois. Em primeiro

lugar tínhamos que derrubar o Jango10.

A ocupação da UNB em agosto de 1968, a invasão da faculdade de filosofia

de São Paulo em outubro do mesmo ano pelo grupo proto-fascista CCC

(Comando de Caça aos Comunistas) e a prisão de 739 estudantes no 30°

congresso da UNE em Ibiúna, davam o tom de qual seria o tratamento dos

militares, para com os estudantes e os produtores de conhecimento de forma

ampla. Em 13 de dezembro, o AI-5 (Ato Institucional número 5), só vem confirmar

as primeiras previsões da falta de um projeto de governo dos militares. Esse ato,

retira todos os direitos políticos dos cidadãos brasileiros, e fecha o Congresso

Nacional, dando plenos poderes ao regime e ao então presidente Costa e Silva.

No mesmo ano, cerca de cem mil pessoas invadiram as ruas do Rio de

Janeiro realizando o maior protesto contra a ditadura desde o inicio do regime em

1964. O protesto que começou com um ato político em frente a Cinelândia, tinha

como principal objetivo externar os problemas estudantis. Além dos estudantes,

participaram do protesto, padres, intelectuais, artistas e mães. Para os estudantes

o grande problema era a política educacional do governo militar, principalmente

pela reforma do ensino desenvolvida pelos agentes da USAID (United States

Agency for International Development) em conjunto com o MEC (Ministério da

Educação e Cultura), junção que desagradava os alunos e que, segundo eles,

simbolizava a política de privatização da educação colocada em prática pelo

regime militar.

Apesar de todas as dificuldades e violências impostas à intelectualidade

brasileira, pelos aparelhos de repressão do governo militar, os militantes

mantiveram as produções de obras de cunho político, até porquê a historiografia

militante era publicada por editoras, na maioria das vezes, de pequena circulação.

No caso da Laemmert, editora responsável pela publicação de Socialismo e

sindicalismo no Brasil, obra de 1969, escrita pelo pensador anarquista Edgar

10 CODATO, Adriano Nervo, p. 11.

17

Rodrigues, a editora tem uma história bem particular. Em 1838, os irmãos Eduard

e Heinrich Laemmert inauguraram a Tipografia Universal, que tinha como principal

obra o Almanaque Laemmert. Além do almanaque, os irmãos Laemmert

publicavam ainda, livros traduzidos do francês, mas seu forte foram os originais

alemães. A livraria universal fechou as portas em 1909 após um incêndio nas suas

dependências, sendo que em 1910 os direitos de publicação dos livros, foram

adquiridos por Francisco Alves. Posteriormente os livros publicados não saiam

mais sobre o selo da Livraria Universal, mas sim da editora Laemmert, como é o

caso da obra de Edgar Rodrigues. Porém, que fique claro a menor expressividade

da editora no decorrer do século XX, pois a mesma, apenas herdara o nome dos

influentes editores franceses, os irmãos Laemmert.

Ainda no prefácio de sua obra, Edgar Rodrigues afirma que o interesse em

produzir a obra, surgiu de uma análise de obras anteriores que tinham o

sindicalismo como objeto de análise, e com a não satisfação por parte do autor

com estas obras, especialmente pela falta de livros que historiassem honesta e

lealmente o fabuloso movimento operário e as correntes do socialismo que dele

participaram, em grande parte conduzido por modestos e anônimos

trabalhadores11. Socialismo e sindicalismo no Brasil, nascera como um interesse

do autor, em verificar a presença do movimento operário brasileiro em outras

obras, para depois se tornar uma idéia que pretendia científica. Interesse do autor

que surge de uma auto-reflexão cotidiana da necessidade de dar vida aos sujeitos

modestos e anônimos, de fundamental importância para compreendermos o

processo de construção do pensamento histórico de Edgar Rodrigues. Como

afirma Rüsen: a auto-reflexão é, com efeito, um elemento vital no dia-a-dia da

ciência12.

A partir desta carência observada, Edgar Rodrigues tem como perspectiva

orientadora, produzir uma história das lutas sociais no Brasil, tendo como foco, os

trabalhadores anônimos, para ele, fundamentais aos processos de luta dos

trabalhadores brasileiros. Iniciando nos quilombos até chegar aos congressos e

11 RODRIGUES, Edgar, p. 9. 12 RÜSEN, Jörn. Razão histórica. Brasília: Editora da UNB, 2001, p. 25.

18

greves dos trabalhadores no século XX, o autor, trata de um trabalhador heróico

no sentido de um homem idealizado, que no dia-a-dia lutava pela revolução.

Sem uma grande preocupação historiográfica, Edgar Rodrigues cria uma

cronologia sem linearidade, e descreve uma imensidão de informações, de

maneira confusa e muitas vezes problemática para a compreensão do leitor.

Como afirma Francisco Foot Hardman, Edgar Rodrigues publicou trabalhos não-

acadêmicos em que a apresentação de temas e materiais revela-se bastante

confusa e arbitrária13. Apesar disso, a importância dos trabalhos de Edgar

Rodrigues, esta essencialmente no caráter de coletâneas de documentos

inacessíveis à maioria dos pesquisadores, como afirma Francisco Foot Hardman

em História do trabalho e cultura operária no Brasil pré-1930: um campo de

estudos em construção.

Quanto à riqueza dos documentos, afirmada por Francisco Foot Hardman,

esta característica pode ser confirmada na obra de Edgar Rodrigues, que nas

quase trezentas e cinqüenta páginas, traz uma quantidade enorme de documentos

que até o momento haviam sido pouco explorados, ou até mesmo, permaneciam

desconhecidos. Desde os jornais da imprensa operária, principal fonte de onde

retira discursos de grandes figuras do movimento anarquista, além de informações

das mais diversas, até dados relativos aos principais congressos operários

brasileiros. A obra Socialismo e sindicalismo no Brasil, é um trabalho de

recuperação das experiências de luta dos operários brasileiros, principalmente,

anarquistas.

Além da riqueza documental e da falta de organização historiográfica a

obra, Socialismo e sindicalismo no Brasil, traz mais um dos principais elementos

da produção militante: a defesa dos ideais e a crítica as concepções políticas

contrárias. Logo no prefácio da obra, Edgar Rodrigues crítica a produção de

Astrogildo Pereira, antigo anarquista e fundador do PCB, afirmando que as obras

de Astrogildo Pereira, ao tentarem denegrir a imagem dos anarquistas, que

outrora Astrogildo Pereira fora, acabam por empobrecer as teses do mesmo em:

Formação do P.C.B de 1962 e Crítica impura de 1963. 13 HARDMAN, Francisco Foot. História do trabalho e cultura operária no Brasil pré-1930: um campo de

estudos em construção. Nem pátria, nem patrão! São Paulo: Unesp, 2002, p. 235.

19

Também na obra de Edgar Leuenroth, Anarquismo – Roteiro de libertação

social, é perceptível a crítica ao comunismo no prefácio da obra, Leuenroth crítica

as obras comunistas, segundo ele: publicações de um socialismo estrangulado

pelas peias do nacionalismo desvirtualizado presentemente em voga14. Em outras

passagens de ambas as obras, tanto de Edgar Leuenroth, quanto de Edgar

Rodrigues, são vários os exemplos desses ataques ao comunismo. Portanto, é

clara a característica doutrinária de embate ideológico nas obras analisadas, como

uma das principais características da produção militante.

Outro exemplo, desta característica de embates ideológicos é o próprio

Astrogildo Pereira. Apenas um artigo de Astrogildo será utilizado na presente

pesquisa pois, este pensador político brasileiro, não tinha como temática principal

o anarquismo, mas sim o proletariado comunista. A inserção de ao menos uma

passagem do autor, serve para ilustrar de maneira mais concreta os calorosos

debates intelectuais entre anarquistas e comunistas.

Cláudio Batalha em seu artigo Historiografia da classe operária brasileira:

Trajetórias e tendências, localiza a produção militante cronologicamente em um

momento posterior as sínteses sociológicas e a inserção da temática nos

meandros da academia brasileira, ou seja, principalmente na década de 1960.

Independentemente disso, ele afirma que a produção militante não está reduzida a

este período, podendo ser encontrada em diversos momentos da historiografia do

movimento operário brasileiro. Neste sentido, está inserido este artigo de

Astrogildo Pereira, publicado em 1980. O artigo intitulado Senilidades do

anarquismo Fabiano é parte da obra Construindo o PCB (1922-1924). O citado

artigo, tem como principal objetivo responder as críticas dos anarquistas e de um

anarquista especificamente, Fábio Luz, que crítica as atitudes do antigo anarquista

Astrogildo Pereira.

Fabio Luz, jurista e um dos maiores intelectuais do anarquismo brasileiro,

afirma que os comunistas teriam se aliado com os burgueses em momentos

políticos oportunos, e que os “antigos” anarquistas, como o próprio Astrogildo,

nunca o foram no sentido primo da palavra anarquista. Defendendo-se e

14

LEUENROTH, Edgar, p. 4.

20

defendendo as suas próprias convicções, Astrogildo Pereira utiliza este artigo

como forma de resposta às citadas criticas, afirmando que o anarquismo brasileiro

não passou de um reformismo travestido em idéias libertárias.

Portanto, tanto anarquistas, como comunistas, produziram suas

representações do mundo social no qual viviam, portados de convicções e

objetivos. No caso da produção militante, esta claro que o discurso tem como

objetivo a doutrinação política dos leitores. Porém, ir a fundo nas análises das

obras de um período ou corrente intelectual específica, no caso os intelectuais

militantes, pode ser considerada uma tentativa de decifrar de outro modo às

sociedades, penetrando nas meadas das relações e das tensões que as

constitutem a partir de um ponto de entrada particular (um acontecimento,

importante ou obscuro, um relato de vida, uma rede de práticas especificas)15,

tendo em vista desta maneira que, os embates ideológicos presente nas obras

militantes, são uma forma de representação dos conflitos políticos existentes na

sociedade brasileira.

Ponto fundamental quando tratamos da produção militante no Brasil, é o

debate do caráter historiográfico destas produções. Francisco Foot Hardman em

História do trabalho e cultura operária, é categórico ao analisar como não-

acadêmicos os trabalhos dos militantes anarquistas e comunistas brasileiros, e

isso, não deixa de ser uma verdade. Por sua vez, Cláudio Batalha em A

historiografia da classe operária brasileira: Trajetórias e tendências, afirma que: a

produção militante foi a primeira a caracterizar uma preocupação historiográfica

central nos seus escritos. Isso se deu, na forma de histórias corte ou histórias

inaugurais16. A produção militante dos historiadores “amadores”, segundo Claudio

Batalha, tem como características ainda: o estilo hagiográfico; a já mencionada

função legitimadora do papel e das políticas das organizações ou dos indivíduos

de que trata; a criação de uma cronologia própria; e a concepção teleológica da

história17.

15 CHARTIER, Roger, p. 177. 16 BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes, p. 147. 17 BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes, p. 147.

21

Edgar Rodrigues em Socialismo e sindicalismo no Brasil, serve de exemplo

para ilustrar o caráter hagiográfico das obras militantes, ao afirmar que Lima

Barreto, um dos grandes literatos anarquistas foi, um intransigente defensor dos

oprimidos, do proletariado18, destacando assim, o caráter mítico dos grandes

pensadores anarquistas brasileiros, característica presente também em vários

outros momentos da obra.

A função legitimadora é outra característica marcante na obra de Edgar

Rodrigues, servindo como exemplo o capítulo intitulado Os germens da violência

geram violência, utilizado pelo autor para legitimar as ações violentas dos

militantes anarquistas em todo o mundo, como uma forma de reação à violência

do Estado contra os anarquistas. Desta maneira, legitimando a violência como

resposta a violência, utilizando-se das experiências de luta dos militantes

anarquistas em várias partes do mundo, além do Brasil, principalmente na

Espanha.

A cronologia de Edgar Rodrigues, é um exemplo das cronologias próprias

dos militantes, cronologias como afirma Cláudio Batalha em Historiografia da

classe operaria: Trajetórias e tendências, que não possuem vínculo algum com os

grandes acontecimentos históricos que ocasionaram algum tipo de ruptura

histórica. Como exemplo disso, Edgar Rodrigues faz uma história das lutas sociais

no Brasil, e para isso, utiliza as próprias lutas como marcos históricos, deixando

de lado acontecimentos sóciopolíticos externos as lutas sociais.

A teleologia mais uma das características apontadas por Cláudio Batalha

em Historiografia da classe operaria: Trajetórias e tendências, esta presente de

forma bem clara como fio condutor na obra de Edgar Rodrigues, que inicia seu

trabalho com os escravos negros de Palmares até chegar às greves operárias do

inicio do século XX. Todo este processo de lutas sociais é abordado pelo autor

com uma mesma causa: lutar contra o Estado e o patronato, e também com um

fim intrínseco as lutas, a revolução operária que a cada dia aparentava maior

amadurecimento segundo Edgar Rodrigues.

18 RODRIGUES, Edgar, p. 184.

22

Edgar Rodrigues, portanto, ao constatar uma carência da historiografia,

formulou a idéia de produzir uma obra, que descrevesse a história das lutas

sociais no Brasil, privilegiando os anônimos trabalhadores tão importantes às lutas

operárias. A partir daí, metodologicamente optou por uma vasta quantidade de

documentos e por discursos doutrinários de grandes expoentes do anarquismo,

tudo com um propósito racional presente em qualquer produção militante, a

doutrinação. Quanto à forma de apresentação, mesmo que de forma confusa, o

autor se serve de uma grande variedade de experiências para produzir seu texto,

tendo como objetivo, a orientação existencial do trabalhador brasileiro no processo

de formação histórica do Brasil.

Concluindo, como afirma Batalha, apesar das limitações “científicas” das

pesquisas militantes, o pioneirismo e ineditismo desta produção são fundamentais

para pensarmos a constituição de uma historiografia do movimento operário no

Brasil. Mesmo que idealizada e hagiográfica, da classe operária em uma época na

qual só havia espaço para estudos das classes dominantes19.

19 BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes, p. 148.

23

2. HISTORIOGRAFIA BRASILIANISTA: O MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO NAS PESQUISAS ACADÊMICAS.

Ao longo da década de 1960, surgem os primeiros estudos acadêmicos

relacionados ao tema movimento operário brasileiro. Estes estudos, produzidos

por sociólogos tinham como objetivo, elaborar grandes sínteses, que estabeleciam

teorias explicativas do movimento operário e de suas opções ideológicas20. Por

isso, Cláudio Batalha em Historiografia da classe operária: Trajetórias e

tendências, intitula esses estudos como: “as sínteses sociológicas”.

A importância das ciências sociais para as pesquisas histórico-acadêmicas,

diz respeito tanto ao ineditismo acadêmico das pesquisas sobre o movimento

operário brasileiro, quanto às noções a respeito do movimento operário brasileiro,

introduzidas por essas pesquisas. Três são essas noções posteriormente

presentes em vários momentos da historiografia brasileira; a primeira diz respeito

à origem estrangeira do operariado; a segunda ao vínculo entre o estrangeirismo e

o anarquismo e a terceira, a hegemonia do anarquismo no movimento operário da

primeira republica.

Juarez Brandão Lopes em Os ajustamentos do trabalhador a industria:

mobilidade social e motivação, de 1961 e Relações industriais em duas

comunidades brasileiras, do mesmo autor, lançado em 1964, é apontado como

autor pioneiro dos estudos sociológicos a respeito do movimento operário

brasileiro por Cláudio Batalha em Historiografia da classe operária: Trajetórias e

tendências. Os dois textos partem de uma situação específica, as fábricas, para

descrever caracteristicamente o movimento operário do pós-1930.

Outro autor importante ligado as “sínteses sociológicas” como descreve

Cláudio Batalha, é, José Albertino Rodrigues que em Sindicato e Desenvolvimento

no Brasil, propõem uma divisão cronológica da história do movimento operário

brasileiro. Esta divisão se daria em cinco períodos: 1º - período mutualista (antes

de 1888); 2º - período de resistência (1888-1919); 3º período de ajustamento

20 BATALHA. Cláudio Henrique de Moraes, p. 148.

24

(1919-1934); 4º - período de controle (1934-1945); 5º - período competitivo (1945-

1964).

Os brasilianistas, historiadores norte-americanos especializados no Brasil,

que pesquisaram e produziram sobre temas brasileiros, introduzem o tema

movimento operário brasileiro ao método da história no Brasil. Francisco Foot

Hardman em História do trabalho e cultura operária no Brasil pré-1930: um campo

de estudos em construção, confirma que a década de 1970, assiste as primeiras

pesquisas acadêmicas no campo da historiografia, tendo como tema o movimento

operário brasileiro.

Duas são as explicações de Francisco Foot Hardman para a entrada do

tema movimento operário brasileiro nas academias brasileiras. A primeira

justificativa é social, ou seja, os períodos de repressão fizeram com que os

estudiosos da oposição, acabassem por se interessar por esse campo de estudo,

tão pertinente ao momento histórico vivido pelo Brasil. Mas, não apenas fazer

oposição ao regime era o interesse dos pesquisadores da história do trabalho,

mas sim, acabar com certos preconceitos como o de caracterizar o movimento

operário como mero ornamento social.

A segunda explicação, está na própria institucionalização do tema, ou seja,

a criação de arquivos específicos impulsionou a pesquisa acadêmica da história

do trabalho e do movimento operário brasileiro. Em 1974, a fundação do Arquivo

Edgar Leuenroth na Unicamp (Universidade de Campinas), proporcionou aos

historiadores, uma nova gama de documentos e, portanto de possibilidades. Além

deste, o Instituto Internacional de História Social em Amsterdã, na Holanda, e o

Archivio Storico Del Movimento Operaio Brasiliano em Milão, na Itália, acabaram

por internacionalizar as fontes e o tema movimento operário brasileiro. Não

somente os arquivos, mas também, a expansão do sistema nacional de pós-

graduação, com conseqüência da criação de mestrados específicos na área da

história do trabalho, impulsionou e enriqueceu a gama de pesquisas relativas ao

tema como afirma Francisco Foot Hardman em História do trabalho e cultura

operária no Brasil pré-1930: um campo de estudos em construção.

25

A institucionalização do tema vem de encontro com o momento em que, a

própria institucionalização da história como disciplina acadêmica segue em curso

no Brasil. José Roberto Amaral da Lapa em História e Historiografia: Brasil pós-64,

afirma que os anos 60 do século XX, se tornam um marco fundamental, pois a

partir da fundação da Revista de História o isolamento dos pesquisadores e de

seus produtos, as pesquisas, deixa de existir no campo historiográfico brasileiro.

Ainda posteriormente a década de 1970, exatamente em 1959 no governo

Jânio Quadros, é ampliado o antes exclusivo curso de História da USP

(Universidade de São Paulo) para a cidade de Marília onde se criava então a

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Este primeiro passo da ampliação e

interação historiográfica brasileira, incidiria também na convocação do primeiro

simpósio de professores de História do ensino superior, e a criação da Associação

dos Professores Universitários de História a (APUH) em 1961.

Todo esse processo em curso no fim da década de 1950 e que, perpassou

a década de 1960, incidiria de forma preponderante na década de 1970, onde os

órgãos responsáveis, vão assinalar como em nenhum outro momento de nossa

história, um esforço sistemático e centralizado de envergadura, na produção e

reprodução do conhecimento histórico, o que, aliás, acompanhou o sucedido em

outras áreas científicas21. Como explicar então o autoritarismo e repressão do

regime e a ampliação e interação da produção histórica no Brasil? Apesar da

ideologia autoritária do regime, a sociedade brasileira necessitava da formação de

quadros dentro da racionalidade capitalista, segundo José Roberto Amaral da

Lapa.

José Roberto Amaral da Lapa, a partir dos dados do Arquivo Nacional do

Rio de Janeiro, investiga as temáticas da história mais pesquisadas no Brasil entre

o período 1970-79. Dentro do próprio conhecimento histórico, criaram-se então

diversas áreas de estudo, sendo que, algumas chegam a ponto de aspirarem à

especificidade científica. O autro afirma ainda que, em 1970 a História Política, a

História Social e a História Econômica, são as principais "ciências históricas" que

aparecem na maioria das pesquisas. A explicação para o maior interesse pela 21 LAPA, José Roberto Amaral da. História e historiografia: Brasil pós-64. Rio de Janeiro : Paz e terra,

1985, p. 37.

26

política, estaria localizada na reabertura gradual da sociedade brasileira e, com

isso, em um maior interesse do mercado editorial nos temas políticos, assim como

no interesse dos leitores pela política. Apesar disso não se pode partir do

pressuposto de que esse mercado possa ser modelado exclusivamente pela

preferência dos leitores, nem tampouco que são os cientistas sociais que têm

sobre ele força decisiva22.

Roger Chartier em: O mundo como representação, afirma que, os textos

apesar de representarem o mundo onde são produzidos, também criam nas suas

estruturas um discurso direcionado ao público, ao qual, ele pensa em alcançar

sendo portanto, condicionado pela visão que o autor tem do processo de

apropriação do leitor. Com isso, o interesse do leitor nos temas políticos,

conseqüência do período de maior abertura do regime militar, incide de maneira

preponderante no processo de produção e publicação das obras. O poder e suas

formas de expressão, são fundamentais para concebermos a produção das obras

em seu contexto, como afirma Roger Chartier em: O mundo como representação.

Portanto, as relações de poder entre o leitor e a editora, no sentido de o que o

leitor quer ler, e a relação entre a editora e o produtor do conhecimento, tem papel

fundamental para compreendermos o momento intelectual brasileiro no decorrer

da década de 1970.

Segundo José Roberto Amaral da Lapa, apesar dos estudos brasileiros

apontarem uma preferência eminente pela História Política, os dados do II

Encontro dos historiadores latino-americanos realizado em Caracas, na

Venezuela, em 1977 apontam que, a História econômica tem a preferência nas

comunicações apresentadas neste encontro. Portanto, a tríade: política, economia

e sociedade demonstra também a grande influência do arsenal marxista nos

meandros intelectuais e principalmente historiográficos brasileiros. Mas, o autor

deixa claro que essa influência merece um estudo específico que possa balizar

esta afirmação.

Entretanto, a década de 1970 é de mudanças institucionais preponderantes

para a história, como disciplina acadêmica e conseqüentemente para a

22 LAPA, José Roberto Amaral da, p.63.

27

historiografia. Essas mudanças institucionais, ocasionam na vinda de historiadores

estrangeiros, no caso dos brasilianistas, norte-americanos vindos ao Brasil para

especializarem-se e pesquisarem sobre temas brasileiros. Para o professor da

Unicamp (Universidade de Campinas), Cláudio Batalha, os brasilianistas menos

preocupados com grandes explicações teóricas do que uma parte significativa da

produção brasileira de até então, introduziram um uso mais vasto e rigoroso das

fontes, particularmente da imprensa operária23.

É neste contexto de institucionalização da história como disciplina em curso

no Brasil, que John W.F. Dulles em 1977 publica Anarquistas e comunistas no

Brasil (1900-1935). Na introdução da obra, o autor afirma que: o interesse do

presente trabalho, é o de investigar a vasta imprensa operária brasileira tendo

como objetivo, a importância da fundação do PCB (Partido Comunista Brasileiro)

em 1922 para o movimento operário brasileiro.

O capítulo Resumo histórico (1900-1917), aparece como único extrato da

obra onde o anarquismo é citado. No citado capítulo, o autor descreve em onze

subcapitulos, o processo de chegada dos imigrantes estrangeiros, e com eles, da

inserção do anarquismo como ideal de transformação social no Brasil.

Caracterizando as duas décadas, recorte temporal do capítulo, em períodos de

maior agitação e de menor agitação trabalhadora. Entre 1901 e 1908, ocorrem

segundo ele, diversas greves, comandadas principalmente pelos anarquistas que

no congresso operário de 1906 “vencem” e frustram o sonho de quem pensava em

lutas operárias organizadas em torno de um único órgão proletário.

O autor afirma ainda que, a Lei Adolfo Gordo aprovada em 1907 que

regularizou a expulsão dos estrangeiros envolvidos em greves, acaba por

abrandar os conflitos entre operários e patrões. Portanto, entre 1909 e 1912,

houve recesso nas lutas sociais do operariado. Em 1913, um novo congresso

anarquista viria a modificar o momento de recesso das lutas sociais e inaugurar

um novo processo de turbulência, que duraria até a grande greve de 1917. Este

capítulo, Resumo histórico (1900-1917), esclarece alguns pontos relacionados à

imigração e demonstra forte influência das “sínteses sociológicas”, ao observar o

23 BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes, p.150.

28

anarquismo como uma doutrina transposta de fora para dentro pelos imigrantes,

principalmente, os italianos. Além disso, o capítulo mostra pouca análise própria

do autor, característica também percebida pelo professor Cláudio Batalha, que ao

descrever a obra de John Dulles afirma: um grande volume de informação e pouca

análise própria marcam esse autor24.

Outra obra marcante produzida pela corrente brasilianista é Anarquistas,

imigrantes e o movimento operário brasileiro (1890-1920), de Sheldon Leslie

Maram. Na introdução desta obra, o autor afirma que o anarcossindicalismo, foi à

doutrina política dominante no movimento operário brasileiro da primeira república.

Além disso, afirma que partindo de um recorte temporal específico, de 1890 até

1920, e de três espaços físicos, Santos, Rio de Janeiro e São Paulo, a intenção é

encontrar o por que os trabalhadores brasileiros tiveram participação tão pequena

no movimento operário? Seria simplista e insatisfatório apontar como causas a

sua origem agrária, o seu fatalismo e sua falta de consciência de classe25. O autor

ao mesmo tempo em que define a sua problemática, descarta três fatores para o

possível fracasso apontado. Quanto ao espaço físico Santos, Rio de Janeiro e São

Paulo são, segundo o autor, os locais fundamentais para a pesquisa, pois

representam os três maiores pólos industriais brasileiros.

No primeiro capítulo intitulado Imigrantes: Operários e Organizadores,

Sheldon Leslie Maram trata de solidificar a noção introduzida pelos sociólogos

com relação ao estrangeirismo do operariado brasileiro. Para isso, utiliza dados

para afirmar que, espanhóis, portugueses e italianos são as etnias mais presentes

na imigração européia para o Brasil. Além disso, afirma que os europeus

pensados como mais “evoluídos” pelas elites brasileiras, acabam tomando frente

nas lutas sociais do operariado, o autor utiliza como exemplo a grande greve de

1917 que teve entre os seis lideres do comitê de defesa proletária, quatro

imigrantes, sendo eles: Francisco Cianci, Gigi Damiani e Teodoro Monicelli

(italianos), Antonio Candeias Duarte (português) além de Edgar Leuenroth filho de

imigrante alemão, porém brasileiro de nascença. 24 BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes, p. 150. 25 MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro (1980 – 1920). Rio

de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p. 29.

29

O segundo capítulo intitulado Conflitos étnicos, atitude dos imigrantes e

repressão, é o primeiro passo do autor para responder a pergunta dos porquês do

fracasso do movimento operário brasileiro, no período da primeira republica. Neste

capítulo, o autor afirma que, com a imigração das variadas etnias criaram-se

diferenças, políticas, culturais, sociais, religiosas e morais entre os operários

brasileiros. Com isso, relações de poder entre nativos e estrangeiros e até mesmo

entre estrangeiros e estrangeiros, acabaram por complicar a homogeneidade das

lutas, utilizando como exemplo, a Sociedade de Resistência dos Trabalhadores

em Trapiche e Café, onde em 1908, ocorreu uma batalha sangrenta, que

ocasionou a morte de um participante do sindicato e ferimentos a outros quatro,

tudo porque o poder era disputado entre imigrantes e nativos.

No terceiro capítulo intitulado A sindicalização irregular e a conspiração

estrangeira, o autor volta a apontar motivos para o “fracasso” do movimento

operário da primeira república, afirmado por ele na introdução da obra. Em

primeiro lugar, afirma que a sindicalização irregular, impossibilitou a organização

das lutas, ou seja, a concepção anarquista de autonomia do indivíduo nas lutas

sociais, contrária à organização hierárquica dos sindicatos, não possibilitou a

organização dos operários brasileiros. Além disso, a burguesia se utilizava das

greves como forma de apontar o perigo de uma conspiração estrangeira, que

aterrorizava não somente a classe dominante, mas também as camadas médias

da sociedade brasileira.

No quarto capítulo intitulado Anarquismo: Teoria e prática, o autor afirma

que o anarquismo transposto da Europa para o Brasil, trouxe com ele problemas

de adaptação à realidade brasileira. O anarquismo enquanto pregava a

individualidade do ator social nas lutas contra os patrões, tinha no

anarcossindicalismo um viés que via as lutas como impossíveis sem uma

organização sindical capaz de homogeneizar os operários em torno de um mesmo

ideal. E conclui, afirmando que: o anarcossindicalismo foi uma tentativa de

adaptação do anarquismo às realidades da civilização moderna26.

26MARAM, Sheldon Leslie, p. 78.

30

No quinto e último capítulo intitulado, Partidos operários, partidos

socialistas, partidos sindicalistas, o autor investiga os conflitos entre as três

correntes doutrinárias existentes até então, o anarquismo, o anarcossindicalismo e

o reformismo. No Rio de Janeiro, afirmando que, as forças reformistas possuíam

maior importância até por esta ser uma cidade povoada pelos nativos e também

por portugueses, uma cidade onde a crença na greve geral revolucionária dos

anarquistas praticamente não existia. Enquanto isso, em São Paulo os

anarcossindicalistas apoiados em um sindicalismo bem mais organizado que o

observado no Rio de Janeiro, davam mostras de um movimento operário muito

mais engajado como afirma o autor:

Em termos gerais, pode-se atribuir a superioridade relativa do movimento operário em São

Paulo sobre o do Rio de Janeiro também ao fato de os italianos constituírem o maior grupo

estrangeiro da força de trabalho paulistana, enquanto brasileiros e portugueses mais

passivos constituíam o grosso da força de trabalho somente na capital federal27.

Apesar disso a greve de 1917 acaba por ser um exemplo de que o reformismo

também vingou em São Paulo, greve que acabou após parte das quinze

reivindicações serem aceitas.

Sheldon Leslie Maram parte, portanto de um interesse visível também nos

inscritos de John Dulles de investigar a imprensa operária, mas além disso, de

utilizar dados relativos a documentos oficiais, para a partir das fontes formular a

idéia central da obra, o porque do fracasso do movimento operário brasileiro na

primeira república. Chegando a conclusão a que chega são duas as principais

causas do “fracasso” do movimento operário brasileiro. Em primeiro lugar, a

repressão é apontada como um fator crucial para a desestabilização do

movimento operário brasileiro. Essa repressão era efetuada de várias formas

como, repressão psicológica (ameaças de perda de emprego e deportação) e,

principalmente, a repressão física praticada pela polícia como ferramenta

importante do Estado no processo de intimidação dos trabalhadores. Com relação

às deportações, aproximando-se da historiografia oficial afirma que:

27MARAM, Sheldon Leslie, p.32.

31

Pode-se argumentar que as centenas de estrangeiros expulsos eram uma ínfima maioria

em comparação com os incontáveis milhares que em diversas ocasiões envolveram-se nas

greves e nos sindicatos. Mas o trabalhador imigrante não lê estatística é mais provável que

leia ou ouça falar somente dos que foram expulsos e do tratamento que receberam ao

retornar a seus paises28.

Além disso, o autor afirma ainda que, a falta de organização é outro fator

fundamental para o fracasso. A falta de organização deriva e muito dos conflitos

étnicos nos meandros do movimento, conflitos estes, conseqüentes em grande

parte de uma forte propaganda nacionalista governamental, que tinha como

objetivo criar a idéia do estrangeiro como ameaça para o nativo. Além das

diferenças étnicas, a organização em grande parte, não ocorreu pelas

contradições políticas entre, libertários, socialistas e reformistas. Para o autor

ocorre na verdade, a inexistência do movimento operário no período da primeira

república como afirma no trecho a seguir:

De certo modo, o antigo movimento operário nunca chegou a ser construído. Para

substituí-lo, Getulio Vargas criou uma estrutura sindical depois de 1930, que recebia os

benefícios das leis trabalhistas apenas onde e quando o governo desejasse, com uma

burocracia sindical impar e rigidamente controlada pelo Estado. Desde então o trabalho

organizado permaneceu uma ferramenta do governo e dos políticos29.

Com relação ao contexto social, tanto John Dulles como Sheldon Leslie

Maram, produzem em um período de maior abertura política, mesmo assim tratar

de temas considerados mais sensíveis pelas autoridades podia significar para

muitos assumir riscos exagerados30, fazendo assim, com que os autores se

autopoliciassem como afirma Cláudio Batalha em Historiografia da classe

operária: Trajetórias e tendências. Portanto, com os brasilianistas a década de

1970 assistira a inserção do tema movimento operário brasileiro nas academias

brasileiras. Este tema, era analisado na grande maioria das vezes pelo prisma do

28 MARAM, Sheldon Leslie, p. 44. 29 MARAM, Sheldon Leslie, p. 149. 30 BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes, p. 152.

32

trabalhismo intercedente e redentor da classe operária. Objetivo este, claro de

mitificar o estado getulista e a política sindicalista nacional do pós-30. Enquanto

isso, outra vertente destacava a existência pré-política, anarquista e anterior a

1930 e a consciência de classe finalmente surgida com o nascimento do PCB

(Partido Comunista Brasileiro) em 1922 como afirma Francisco Foot Hardman em

História do trabalho e cultura operária no Brasil pré-1930: um campo de estudos

em construção .

John W. F Dulles com Anarquistas e comunistas no Brasil (1900-1935),

enquadra-se na segunda linha interpretativa, pois ao mesmo tempo em que afirma

a fragilidade do movimento operário brasileiro na primeira república e questiona os

métodos de luta empregados pelos anarquistas, demonstra a importância da

fundação do PCB (Partido Comunista Brasileiro) em 1922, como um momento de

nascimento da consciência operária. Enquanto isso, Sheldon Leslie Maram

enquadra-se na mesma linha interpretativa, porém apenas pela conclusão da

existência pré-política do movimento operário na primeira república.

Portanto, carente de maiores interpretações e teorizações, a historiografia

brasilianista, é uma das principais correntes historiográficas do movimento

operário brasileiro, pois como afirma Francisco Foot Hardman:

É sobretudo nos anos 70 que desponta um interesse mais nítido de algumas áreas do

saber acadêmico pelo mundo do trabalho fabril – em particular no campo da história social, ciência

política e sociologia urbana -, ancorando a análise do momento presente do movimento em uma

perspectiva histórica mais ampla31.

Apesar disso, Francisco Foot Hardman no mesmo artigo afirma que apesar

de iniciada na década de 1970, a historiografia do movimento operário brasileiro,

esta historiografia brasilianista, é limitada e frágil. Mesmo as relações com a

ciência política, a antropologia e a literatura, não conseguem aproximar o

movimento operário da história econômica e política de forma considerável.

31 HARDMAN, Francisco Foot. História do trabalho e cultura operária no Brasil pré-1930: um campo de

estudos em construção. Nem pátria, nem patrão! São Paulo: Unesp, 2002, p. 233.

33

3. HISTORIOGRAFIA CULTURAL: UM NOVO OLHAR SOBRE O MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO

Ao final da década de 1970, mais especificamente no ano de 1978, a greve

dos metalúrgicos do ABC paulista traz a cena política brasileira, o retorno do

movimento operário. Mesmo ano em que no dia 7 de outubro, a Emenda

Constitucional nº 11 revogou o AI 5. A queda do AI-5, é o maior exemplo da

política de distensão adotada pelo presidente Ernesto Geisel, a partir do momento

em que assumiu o poder em 1974. Adriano Codato em O golpe de 1964 e o

regime de 1968: Aspectos conjunturais e variáveis históricas, afirma que, entre

1979 e 1984 ocorre a continuidade da “política de distensão” na “política de

abertura” do governo Figueiredo32. Essa greve, portanto, é apenas um dos

exemplos do momento de maior abertura política pelo qual passava o Brasil.

Reflexo desse momento de abertura, é o aumento das pós-graduações que abrem

espaço para o estudo da história operária, com isso ocorre um aumento

considerável de teses dentro da temática operariado brasileiro, como afirma

Cláudio Batalha em Historiografia da classe operária: Trajetórias e tendências.

Além das condições sociais pertinentes para o crescimento do numero de

pesquisas ligadas ao tema movimento operário brasileiro, a influência da vertente

historiográfica conhecida como nova-esquerda inglesa, tem papel fundamental na

ampliação temática descrita por Cláudio Batalha. Esta historiografia marxista

inglesa, chegou às universidades brasileiras, principalmente, por intermédio de

dois autores: Eric Hobsbawn com Trabalhadores e mundos do trabalho, e Edward

Thompson com A formação da classe operária inglesa. O efeito principal desta

influência, é a mudança e ampliação do enfoque, assim, sindicatos, partidos,

correntes ideológicas deixaram de ocupar o primeiro plano dando lugar para a

classe. Momentos de luta excepcionais cederam espaço para as condições de

existência diária, o cotidiano operário33, como afirma Cláudio Batalha utilizando

como referência Sidney Chalhoub em Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos

trabalhadores no Rio de Janeiro na Belle Epoque.

32 CODATO, Adriano Nervo, p.14 . 33 BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes, p.153.

34

Francisco Foot Hardman em História do trabalho e cultura operária no Brasil

pré-1930: um campo de estudos em construção, afirma que Richard Hoggart e

Raymond Williams também são fundamentais para pensarmos a influência da

historiografia inglesa no Brasil. Para Francisco Foot Hardman, a cultura operária

como tema fundamental, surge a partir da tradução e leitura dos historiadores

sociais ingleses para o português. O primeiro trabalho a dedicar capítulos ao tema

cultura operária, é a obra de Eric Gordon Anarchism in Brazil: theory and practices

(1890-1920), de 1978. Este e os demais trabalhos ligados ao tema cultura

operária, buscaram não partir de uma cultura isolada das demais, mas sim de

culturas em simbiose. Richard Hoggart e Eric Hobsbawn, atentavam para a

penetração da cultura dominante na cultura operária e Raymond Williams atentava

para o inverso, a influência da cultura operária nas práticas culturais burguesas.

Essas culturas de maneira alguma podem ser pensadas como separadas, assim

como a idéia de uma cultura operária homogênea parece absurda ao sabermos

das diversas diferenças entre os operários, sejam elas: étnicas, religiosas,

políticas, técnicas etc.

Neste contexto de abertura político-social e de novas influências no campo

intelectual historiográfico brasileiro, Silvia Lang Magnani publica em 1982 O

movimento anarquista em São Paulo (1906-1917). Obra importante por ser a

primeira a buscar o questionamento de certos dogmas creditados ao operariado

brasileiro, pelas sínteses sociológicas e perpetuados pela historiografia

brasilianista. No primeiro capítulo, a autora descreve as principais vertentes

historiográficas relacionadas ao tema movimento operário brasileiro. Além de

descrever os militantes identifica a “historiografia oficial” como os brasilianistas.

Esta “historiografia oficial”, segundo Silvia Lang Magnani, elaborou a teoria da

“planta exótica”, ou seja, a teoria de que o anarquismo era um fenômeno

estrangeiro e não condizente as condições sociais brasileiras, aonde inexistiam os

conflitos de classe. Além da “planta exótica”, a historiografia oficial tendeu a

analisar o operariado como um processo evolutivo que, finalmente conquistou

seus direitos e o apoio estatal no período pós-1930.

35

Silvia Lang Magnani, parte da carência de discussão a respeito da

transposição do anarquismo como modelo pronto, ou seja, questiona a idéia da

planta exótica. Além disso, questiona também o atrelamento do anarquismo a

imigração, idéia dominante na historiografia brasilianista. A partir da carência

desses questionamentos e da idéia de questionar a validade desses “dogmas”

elaborados pelas “sínteses sociológicas” e perpetuados pela historiografia

brasilianista, a autora, utiliza os jornais operários para defender a sua tese de que

é preciso relativizar o vínculo anarquismo/imigração. Além disso, é necessário

compreender que os libertários a partir do momento em que, por vezes

contradiziam a teoria, deixavam explicitas as particularidades do anarquismo

brasileiro. Deixando claro, que o movimento anarquista não foi um modelo

transposto para o Brasil, mas sim uma conseqüência da realidade social e política

brasileira, Silvia Lang Magnani afirma que o governo brasileiro:

ao impedir a participação política dos setores não oligárquicos (e não elaborar canais

institucionais capazes de absorver as demandas da classe trabalhadora) contribuiu

decisivamente para o desenvolvimento do anarquismo no interior do nascente movimento

operário34.

Em 1983, mais especificamente no dia 31 de março do mesmo ano, ocorre

o lançamento de um movimento que transformaria o contexto sóciopolítico no

Brasil: a campanha pelas eleições diretas, intitulada Diretas já. No mesmo ano,

além do emancipado município de Abreu e Lima na região metropolitana da

cidade de Pernambuco onde ocorreu à primeira manifestação, São Paulo e

Goiânia são as outras duas cidades a receberem as três manifestações populares

do movimento pelas eleições diretas. Apesar de todas as manifestações, a

emenda constitucional Dante de Oliveira foi rejeitada no dia 25 de abril de 1984,

sendo assim, a eleição para a presidência da república em 1985 seria indireta.

Francisco Foot Hardman, em meio a todo o contexto das Diretas já e da

eminente abertura política do regime militar em curso, publica em 1983 Nem

34 MAGNANI, Silvia Lang. O movimento anarquista em São Paulo (1906-1917). São Paulo: Brasiliense,

1982. p. 50.

36

pátria, nem patrão, obra de fundamental importância para o presente projeto. A

problemática da sua obra é analisar o processo histórico de popularização do

proletariado tendo como foco principalmente a cultura operária, mais

especificamente a cultura anarquista. Para isso, assim como: Edward Thompson,

Eric Hobsbawm e Michelle Perrot entre outros pretende não se deixar levar pelas

representações que as lideranças construíram sobre a classe que pretenderam

dirigir35. Portanto, já na introdução Francisco Foot Hardman confirma os

diagnósticos tanto de Cláudio Batalha em Historiografia da classe operária:

Trajetórias e tendências, como o seu próprio em História do trabalho e cultura

operária no Brasil pré-1930: um campo de estudos em construção, ao afirmar a

influência da historiografia marxista inglesa ou “nova-esquerda”.

Como maneira de introduzir o problema, Francisco Foot Hardman utiliza um

cartaz de uma festa-comício do PT (Partido dos Trabalhadores) de 9 de março de

1980. Neste cartaz, estão descritas as atividades a serem realizadas como circo:

shows, brincadeiras infantis e baile-forró. Além disso, estão também no cartaz

confirmadas as presenças de personalidades da televisão brasileira como: Regina

Duarte, Eva Vilma, Bruna Lombardi entre outros. Partindo deste cartaz, o autor

inicia o contraponto entre as práticas do movimento operário brasileiro da

republica velha e o movimento operário pós-1930 afirmando que:

De qualquer modo, os anarquistas não trocariam seus próprios autores amadores,

membros de grupos de “teatro-social”, operários-atores das próprias associações sindicais,

pelos astros profissionais “televisados”: eles prefeririam, certamente, os produtos de suas

próprias agências culturais. Felizmente para os anarquistas, em seu tempo não havia a

concorrência desigual da televisão36.

A partir daí, o autor afirma que para a classe dominante os proletários não

passavam de bárbaros e que esses bárbaros só passariam a ser cidadãos através

da religião e do trabalho. Sendo que, além do catolicismo a rede ideológica

burguesa era formada desta maneira: fábrica – Igreja – família - escola todas as

35 HARDMAN, F, F. Nem pátria nem patrão. Brasiliense: São Paulo, 1983. p. 14. 36 HARDMAN. F, F. Nem pátria nem patrão. Brasiliense: São Paulo, 1983. p. 13.

37

instituições monoliticamente fixadas sobre a batuta do capital37. Como formas de

resistência a essa rede ideológica, os operários criaram as escolas libertárias

entre 1909 a 1913, fechadas em 1919, pois não atendiam as legislações do ensino

segundo o governo, mais ainda, porque estas representavam um perigo eminente

para a camada dominante. Além da tentativa de criação das escolas libertárias, os

novos festivais eram uma forma de tentativa de educação do operariado, pois o

novo formato dos festivais tinha como objetivo integrar a doutrina ao lazer, mas

muitas vezes, o caráter lúdico dos novos festivais não era bem aceito pelos

anarquistas. O teatro foi uma das formas encontradas pelo operariado para a

doutrinação política dos trabalhadores nos festivais. Formados por grupos

amadores voluntários, este teatro operário tinha como objetivo a crítica ao

romantismo que, não conseguia na concepção dos artistas libertários, fazer a

ponte entre a forma e o ideal. Além da crítica ao romantismo, o teatro seria uma

forma de emancipar os operários, pois como afirma Francisco Foot Hardman: a

série de conferências entremeadas por um teatro militante está mais conforme

com a concepção da liderança anarquista, onde a cultura era pensada

fundamentalmente como meio de emancipação38.

O objetivo, portanto é o de observar a questão da cultura operária e as

relações de conflito e simbiose desta cultura com a cultura dominante, sendo a

literatura fundamental como mecanismo cultural. O pré-modernismo, segundo

Francisco Foot Hardman, é a principal vertente literária brasileira da republica

velha, mesmo que esta influência seja vaga. Este pré-modernismo sofreu grande

influência do movimento operário em ascensão, já que o posterior modernismo

viria a contradizer as idéias conservadoras e oligárquicas das elites brasileiras.

Essa influência pode ser observada não apenas na imprensa operária, mas

também no discurso anárquico contido em diversos escritos dos intelectuais

pequeno-burgueses. A partir de 1902, os romances de cunho social vinham

afirmar essa influência do proletariado sobre a literatura burguesa, sendo que uma

das grandes influências desses escritores burgueses fora o clássico anarquista A

conquista do Pão de Pyotr Kropotkin. A maioria destes escritores romântico- 37 HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria nem patrão. Brasiliense: São Paulo, 1983, p. 63. 38 HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria nem patrão. Brasiliense: São Paulo, 1983, p. 43.

38

sociais, situava-se na classe média, sendo assim, a influência do movimento

operário não só é uma possibilidade, mas sim uma realidade.

No apêndice O impasse da celebração, Francisco Foot Hardman utiliza o

poema 1° de maio, de Mario de Andrade, como exemplo para confirmar a sua tese

da forte influência operária na cultura burguesa, influência presente principalmente

na literatura. Dentre os vários aspectos identificados no poema de Mario de

Andrade, destaca–se o nome do personagem do poema, chamado de trinta e

cinco como forma de demonstrar o processo de transformação dos homens em

mero número ou sigla, dentro de um exército de mão-de-obra a serviço do capital,

... o 35 sabia, mais da leitura dos jornais que de experiência, que o proletariado

era uma classe oprimida39. Além disso, destaca a presença da miséria no conto de

Mario de Andrade, na passagem em que o mesmo descreve a vida cotidiana do

trinta e cinco, personagem do conto, estava tão desagradável, estava quase

infeliz... Mas como perceber tudo isso se ele precisava não perceber!... O 35

percebeu que era fome40. Para finalizar, Francisco Foot Hardman identifica a

greve como forma de expressão autônoma que une a política à cultura, e é essa

autonomia que faz da classe operária não uma aparição pré-histórica, nem como

vestígio cultural pitoresco ou ídolo erigido à imagem e semelhança de seus

pretensos guias e profetas, mas simplesmente, como o ser político atual da práxis

histórica41.

A obra de Francisco Foot Hardman Nem pátria, nem patrão, parte de uma

carência historiográfica do período. Uma carência em muito ligada às influências

da nova-esquerda inglesa, ou seja, a carência de se analisar as questões culturais

e o cotidiano do trabalhador operário. A partir desta carência, o autor formula a

sua tese de que as culturas tanto operária, quanto dominante sofrem um processo

de simbiose no período da primeira república. Para isso, opta pela literatura e pelo

lazer operário para investigar esse movimento de simbiose. A função é a de

orientar os operários de que existe sim uma influência predominante da cultura

39 HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria nem patrão. Brasiliense: São Paulo, 1983, p. 158. 40 HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria nem patrão. Brasiliense: São Paulo, 1983, p. 159. 41 HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria nem patrão. Brasiliense: São Paulo, 1983, p. 178.

39

operária nas práticas culturais burguesas. Não como a historiografia anterior

pensava, a cultura dominante sobrepondo-se a cultura operária.

Ao citar Edward Thompson e Eric Hobsbawn, Francisco Foot Hardman

deixa claro que há influencia da nova-esquerda inglesa. Um problema que fica no

ar ao analisarmos a influência historiográfica inglesa, é a tradução tardia para o

português dos dois citados historiadores ingleses. A obra de Francisco Foot

Hardman publicada em 1983, é anterior a primeira tradução da principal obra de

Edward Thompson A formação da classe operária inglesa, somente traduzida em

1987. Mas, apesar da tradução tardia da principal obra de Edward Thompson, a

obra Miséria da teoria, que possui grande parte das principais idéias teóricas do

autor, foi traduzida em 1981 para o português, tradução péssima por sinal42 como

afirma a professora da Unicamp, Silvia Hunold Lara em A herança dos Annales: o

principio e seus discípulos.

No ano de 1985, Tancredo Neves é eleito presidente do Brasil pelo

Congresso Nacional em eleição indireta, cargo que Tancredo nunca viria a

assumir, pois faleceu no dia 21 de abril de 1985. Com isso, o vice-eleito da chapa

de Tancredo Neves, José Sarney assumiria a presidência. O governo de Sarney

se caracteriza pelos diversos planos econômicos, o plano cruzado de 1986, o

plano cruzado II, o plano Bresser e o plano verão. Momento de crise econômica e

de hiperinflação que culminaria com o decreto da moratória no dia 20 de janeiro de

1987.

No mesmo ano das eleições indiretas que empossaram Sarney como

presidente da republica do Brasil, 1985, Margareth Rago publica Do cabaré ao lar,

obra fundamental para a constituição de uma historiografia cultural do movimento

operário brasileiro. O problema central da obra, é o processo de disciplinarização

do operariado brasileiro como força de trabalho, visando dar ênfase às questões

culturais inerentes a esta camada da sociedade. Assim como Francisco Foot

Hardman, Margareth Rago se serve fundamentalmente da nova-esquerda inglesa,

além de Michel Foucault, mas precisamente de Edward Thompson como fica claro

nesta passagem da obra Do cabaré ao lar: 42 LARA, Silvia Hunold. A herança dos Annales: o principio e seus discípulos. Questões de teoria e

metodologia da História. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. p. 243.

40

Assim entendo, recorrendo aos ensinamentos do historiador inglês E. P. Thompson a

atuação da classe operária no seu processo de constituição enquanto classe, seja lutando

contra as imposições autoritárias dos dominantes, seja propondo suas formas de vida,

definindo seu modo cultural e construindo suas entidades de resistência política43

Esse processo de disciplinarização do operário, se dá em vários níveis

segundo Margareth Rago. O primeiro a ser tratado por ela, é a transformação da

fábrica em um local tranqüilo, agradável, limpo e atraente para o trabalhador44,

como forma de atrair o trabalhador a se familiarizar com o seu local de trabalho.

Além do local de trabalho, o processo tinha como objetivo transformar a família

operária em família no sentido da família burguesa. Para isso, o papel da mulher

como mais uma fonte de renda, teria que ser alterado para o papel da mãe no

sentido sagrado da maternidade. Essa tentativa de mudança, foi muito combatida

pelos anarquistas, pois além de afirmar ser a mulher impossibilitada para o

trabalho, combatia também a idéia de a mulher melhor se instruir, prendendo

desta forma a mulher ao lar e as responsabilidades da maternidade. Além da mãe,

o papel da criança era de fundamental importância para o processo de

disciplinarização do operariado, até porque a criança do período era vista como o

operário do amanhã. Para isso, a medicina desempenhou papel de saber principal

na conversão das práticas do operário brasileiro como afirma Margareth Rago:

Constituindo a infância em objeto privilegiado da convergência de suas práticas, o poder

médico procurou legitimar-se como tal, demonstrando para toda a sociedade a

necessidade insubstituível de sua intervenção como orientadores das famílias e como

conselheiros da ação governamental45.

Além do espaço de trabalho e das próprias concepções, os operários

tiveram também modificadas as suas moradias. Com o fim dos cortiços, medida

tomada nas principais cidades do Brasil no fim do século XIX, os trabalhadores

passaram a morar nas vilas operárias. Além da proximidade do espaço de 43 RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 13. 44 RAGO, Margareth, p. 37. 45 RAGO, Margareth, p. 118.

41

trabalho, com a criação das vilas o patrão mantinha o operário atrelado a ele

economicamente por meio das mercearias, único lugar de comercialização de

alimentos. Assim como, ocorria à vigia permanente da vida do operário, com as

visitas sendo regulamentadas pelo patrão.

Por fim, a autora conclui que através das esferas da fábrica e da habitação,

toda uma gama de elementos, hábitos e costumes burgueses foi introjetada aos

operários. A forma com que isso ocorreu, se deu através da moralização da figura

da mulher e conseqüentemente da criança, criando assim a ideal família operária

seguindo o modelo da família burguesa. Os anarquistas foram ferrenhos

opositores desse regime de disciplinarização e docilização do operariado,

demonstrando seja em ações práticas ou discursivas, a sua luta pela construção

de uma nova sociedade, pois como afirma Margareth Rago eram eles:

Portadores de um projeto de transformação radical da sociedade, os libertários aparecem

como depositários das esperanças de realização dos anseios de indivíduos negados e

oprimidos em todos os momentos de sua vida cotidiana e que se unem numa solidariedade

de classe, a partir da experiência comum46.

Margareth Rago em Do cabaré ao lar, parte de uma carência, ou seja, o

estudo historiográfico do cotidiano do operariado brasileiro. A partir daí, formula a

sua principal idéia, investigar o processo de disciplinarização do trabalhador

operário. A metodologia proposta pela autora, é a de analisar nos diversos

espaços da vivência operária como se deu este processo de disciplinarização do

operariado.

Francisco Foot Hardman discute em História do trabalho e cultura operária

no Brasil pré-1930: um campo de estudos em construção, a inserção do cotidiano

como metodologia da historiografia do movimento operário brasileiro, cotidiano

presente de maneira preponderante na obra de Margareth Rago. Francisco Foot

Hardman afirma que, na década de 1980, a ênfase no cotidiano proletário, se, por

um lado, possui o mérito de resgatar uma dimensão até então recusada pela

historiografia tradicional, por outro, carrega consigo o equivoco latente de se

46 RAGO, Margareth, p. 13.

42

idealizar uma, “história operária” acima e fora dos conflitos de classes e, no limite,

apartada do processo histórico47.

Ainda no ano de 1985, Francisco Foot Hardman em parceria com Antônio

Arnoni Prado organiza e publica Contos anarquistas (1901-1935), obra que tem

como tema os contos libertários publicados nos diversos órgãos da imprensa

operária brasileira. Com isso, a intenção é trazer a tona os textos literários menos

conhecidos que os romances sociais citados pelo próprio Francisco Foot Hardman

em Nem pátria, nem patrão. No caso especifico desta obra, os contos libertários

entre eles, crônicas, depoimentos, fábulas e diálogos dramatizados. Francisco

Foot Hardman e Antônio Arnoni Prado, afirmam ser os contos anarquistas

contrários a estética parnasiana e afirmam que:

No plano geral da fabulação, esta presente o procedimento enfático que procura dar

dignidade ao discurso dos deserdados, querendo fazer notar que eles também sabem

dispor com habilidade da linguagem literária, buscando convertê-la em instrumento da

própria emancipação48.

Os organizadores, dividem o trabalho em contos relacionados a cinco

temas presentes na vida do operário brasileiro, cada um dos temas

desempenhando o papel de um capítulo. Do primeiro capítulo intitulado Projeções

da utopia libertária, fazem parte, quatro contos, destacando-se o conto intitulado

Os parasitas de Neno Vasco, conto este que descreve um futuro de liberdade com

a revolução libertária, e assim, quando tiverdes a força e as capacidades

necessárias, com a ajuda indispensável dos vossos irmãos das cidades, passarei

a viver sem amos nem mandriões, e a arranjar tudo por vossas mãos e vossa

conta49.

O segundo capítulo, intitulado A negação do Estado e da ordem burguesa,

tem seis contos, destaque para o conto de outro notável intelectual anarquista,

José Oiticica, intitulado Impossível. Além dele, pertence a este mesmo capítulo o

47 HARDMAN, Francisco Foot. História do trabalho e cultura operária no Brasil pré-1930: um campo de

estudos em construção. Nem pátria, nem patrão! São Paulo: Unesp, 2002. p. 237. 48 HARDMAN, Francisco Foot; PRADO. Antônio Arnoni. Contos anarquistas (1901-1935). São Paulo:

Brasiliense, 1985. p. 24. 49 HARDMAN, Francisco Foot; PRADO. Antônio Arnoni, p. 43.

43

conto de Astrogildo Pereira, um dos fundadores do PCB (Partido Comunista

Brasileiro) em 1922, conto intitulado O desertor, onde o autor escreve contra o

militarismo, o desertor é um homem infinitamente mais heróico que o soldado, ex-

homem fardado, que a máquina de guerra transforma, aniquila, absorve50.

No terceiro capítulo, intitulado Moral anarquista, os organizadores, elencam

sete contos, entre eles destacam-se: A esmola, de Fabio Luz, um dos grandes

intelectuais anarquistas brasileiros e o de Gigi Damiani, italiano e importante

militante anarquista do movimento operário brasileiro, intitulado Conto

extraordinário. Neste conto o autor, versa sobre o antagonismo entre o operário e

o patrão, através de uma conversa fictícia entre os dois personagens, tão

distantes sócio-economicamente, e sobre o poder do dinheiro na sociedade

capitalista:

- Pois é, do trabalho... quem é pobre trabalha, mas, quem tem desse, não trabalha mais...

faz os outros trabalharem... Quem tem desse e bastante, como eu, não tem necessidade

de nada... é o patrão... são os outros que necessitam dele: os pobres! Quem tem desse,

repito, tem tudo, também o impossível51.

O quarto capítulo, intitulado Miséria urbana, contêm quatro contos.

Destaque para o conto de Mota Assunção, outro notável intelectual anarquista

brasileiro. O conto intitulado Na morgue, tem como idéia central à visão da

burguesia com relação à miséria urbana que assola as cidades brasileiras:

E, subitamente, afigurou-se-me ver passar na minha frente ranchos enormes de crianças

dos Asilos, dos Hospitais, das prisões, de abandonados pelas ruas – pedintes,

degenerados, pustulentos e aleijões – envergonhando o Sol e pejando a atmosfera com as

suas figuras horripilantes e seus gemidos dolorosos!... Olhai, contemplai! – bradei de novo

como que para fugir àquele quadro nauseante e assustador -, pais e mães imprevidentes,

insensatos, o resultado de vossa obra!...52 .

50 HARDMAN, Francisco Foot; PRADO. Antônio Arnoni, p. 57. 51 HARDMAN, Francisco Foot; PRADO. Antônio, Arnoni, p. 72. 52 HARDMAN, Francisco Foot; PRADO. Antônio Arnoni, p. 96.

44

No último capítulo, intitulado Cotidiano operário, estão contidos cinco

contos, destacando-se o conto intitulado Um sonho, assinado pelo Chapeleiro

anônimo. Neste conto, o autor anônimo descreve um sonho em que a união

imperava entre os trabalhadores, fato que nos seus escritos parece distante à

realidade brasileira, pois na verdade vos digo que se a um companheiro mau

numa fabrica não se lhe ensine a ser homem, que dirá meia dúzia. Aqui é que eu

queria ver o tal bicho que não conheço e é chamado união53.

Por fim, Francisco Foot Hardman e Arnoni Prado, fazem pequenas

biografias dos autores presentes na obra, como também fazem um quadro

cronológico do contexto intelectual anarquista no Brasil. Neste quadro, descrevem

desde traduções de anarquistas famosos para o português como Elisée Reclus,

passando por publicações dos diversos intelectuais anarquistas, até a criação dos

diversos órgãos da imprensa operária brasileira, fazendo desta forma um grande

sobrevôo sobre as datas importantes para a vida intelectual anarquista no Brasil e

no mundo.

Francisco Foot Hardman e Antônio Arnoni Prado, partem de uma carência

historiográfica de estudo da literatura libertária para a partir daí formularem a idéia

central da obra de estudar os contos anarquistas não apenas como forma de

doutrinação, mas também como relatos da experiência dos operários.

Metodologicamente, a obra é divida em capítulos temáticos que contêm de quatro

a sete contos, e por fim os autores fazem um contexto cultural cronológico do

anarquismo brasileiro. Tudo isso, com o objetivo claro de orientar os trabalhadores

para a importância dos escritos libertários como representação de um mundo de

injustiças e lutas entre operários e patrões.

Concluindo com um balanço da produção historiográfica a respeito da

cultura operária na década de 1980 no Brasil, Francisco Foot Hardman em

História do trabalho e cultura operária no Brasil pré-1930: um campo de estudos

em construção, afirma que os caminhos tomados pelas pesquisas relacionadas à

cultura operária no Brasil levam a três vertentes fundamentais: a primeira ligada

ao trabalhador em instâncias, técnicas produtivas, sindicais e ideológicas,

53 HARDMAN, Francisco Foot; PRADO. Antônio Arnoni, p. 110.

45

trabalhando com memórias; a segunda ligada à biografia de grandes figuras do

movimento; e a terceira ligada às indústrias, especificamente como espaço de

trabalho e relações de poder.

Silvia Lang Magnani autora de O movimento anarquista em São Paulo

(1906-1917), esta inserida na segunda vertente da historiografia cultural do

movimento operário brasileiro. Assim como, o próprio Francisco Foot Hardman

autor de Nem pátria, nem patrão, e Contos anarquistas, o último em parceria com

Antônio Arnoni Prado, esta inserido na segunda vertente ligada ao trabalhador nas

suas instâncias produtivas, sindicais e ideológicas. Por sua vez, Margareth Rago

autora de Do cabaré ao lar, esta inserida na terceira vertente ligada ao espaço de

trabalho e as relações de poder.

Cláudio Batalha em Historiografia da classe operária: Trajetórias e

tendências, afirma que a ampliação dos enfoques e a maior pluralidade temática,

acabou por criar uma situação de fragmentação do campo de estudo, movimento

operário brasileiro. Com isso segundo ele um campo de estudos relativamente

bem definido passa a fundir-se (e confundir-se) com outros campos (estudos

urbanos, cidadania e política) e chega ao final dos anos 80 em crise54.

54 BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes, p. 154.

46

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em meados da década de 1960, a produção militante dá inicio as

pesquisas, publicações e debates de um tema fundamental para a historiografia

brasileira, o movimento operário brasileiro. Esta produção militante formada por

intelectuais anarquistas e comunistas, e carregada por radicalismos próprios dos

militantes políticos, simboliza o primeiro passo para a posterior inserção do

movimento operário como temática histórico-acadêmica.

Além de simbolizar as primeiras tentativas de pesquisa mais sistemáticas a

respeito do movimento operário brasileiro, os escritos militantes servem-se da

vasta imprensa operária como fonte de pesquisa histórica, onde estão contidas

tanto as idéias ideológicas, quanto às experiências operárias. Metodologia, muito

utilizada posteriormente pelas duas vertentes historiográficas que sucedem a

produção militante.

As obras militantes, têm intrínsecas aos seus escritos um objetivo claro,

doutrinar os leitores para uma devida orientação, seja ela anarquista ou

comunista. Desta maneira, a representação do anarquismo na obra de Edgar

Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil, é perfeitamente definida pela

historiadora Silvia Lang Magnani em O movimento anarquista em São Paulo

(1906-1917). A autora afirma, que a partir do início da década de 1960, lideres

operários como, Edgar Leuenroth e Edgar Rodrigues, através de suas pesquisas

buscaram analisar o anarquismo como: “a única ideologia verdadeiramente

operária, já que traduziria fielmente os reais anseios de todos os oprimidos”55.

Já na década de 1970, os brasilianistas, muito influenciados pelas idéias

dos sociólogos com relação ao movimento operário brasileiro, viriam a introduzir o

tema movimento operário brasileiro as perspectivas histórico-acadêmicas de

pesquisa. Segundo, Silvia Lang Magnani em: O movimento anarquista em São

Paulo (1906-1917), dentre os historiadores brasilianistas, John F. Dulles era o

mais conservador, adepto da historiografia oficial, acreditava na imparcialidade e

na idéia de que os dados falavam por si próprios. Caracterização também

55 MAGNANI, Silvia Lang, p. 21.

47

presente no artigo de Cláudio Batalha, Historiografia da classe operária:

Trajetórias e tendências.

Enquanto isso, segundo Silvia Lang Magnani, Sheldon Leslie Maram tinha

na interpretação dos fatos o diferencial quanto à obra de John F. Dulles. Sendo

este diferencial, imperceptível na obra de Sheldon Leslie Maram, que peca e muito

pela superficialidade em diversos momentos. No entanto, segundo Silvia Lang

Magnani, os brasilianistas tiveram como idéia central, demonstrar a debilidade do

movimento operário da primeira república, tendo como foco o estrangeiro como

agente principal do movimento operário brasileiro.

Confirmando a caracterização de Silvia Lang Magnani, Sheldon Leslie

Maram não só aponta a debilidade do movimento operário na primeira republica,

como a sua inexistência. Entre as causas para a inexistência afirmada por

Sheldon Leslie Maram, identificadas pela autora e discutidas no segundo capítulo

desta monografia, aparece o anarquismo como ideologia que não adaptável à

realidade brasileira, dominou a política do movimento operário na primeira

república. Com isso, dificultou a organização dos trabalhadores como classe.

Portanto, a representação do anarquismo observada na obra de Sheldon Leslie

Maram, é de uma ideologia que fora da sua realidade nata, a Europa, acabou por

minar as chances de criação de um movimento operário forte e engajado no Brasil

da primeira república.

Com relação à produção historiográfica da década de 1980, Cláudio

Batalha em Historiografia da classe operária: Trajetórias e tendências, define esta

produção como acadêmica. Mas, utilizando Francisco Foot Hardman em História

do trabalho e cultura operária no Brasil pré-1930: um campo de estudos em

construção, defino esta produção como cultural, pois foi esta produção a inserir a

cultura operária nas pesquisas relacionadas ao tema movimento operário

brasileiro.

Como afirma Francisco Foot Hardman: em História do trabalho e cultura

operária no Brasil pré-1930: um campo de estudos em construção, a década de

1980 pode ser definida como, o momento de maior importância para a

historiografia do movimento operário brasileiro, pois se as:

48

sínteses abrangentes, que acabam no mais das vezes revelando-se superficiais, quando

não redundam num inventario de séries nacionais justapostas. Se no passado, algumas

tentativas foram feitas nessa direção, o avanço no levantamento de fontes primárias

inéditas e o refinamento dos instrumentos teóricos estão a reclamar, agora, maior

aprofundamento empírico e interpretativo56.

Neste trecho Francisco Foot Hardman afirma a necessidade de novas

interpretações, com o advento das novas influências teórico-historiográficas,

principalmente da nova-esquerda inglesa. Influência, muito presente na obra do

próprio, Nem pátria, nem patrão. Obra esta que, ao dar vida à cultura operária traz

a tona todo o valor das concepções anarquistas de mundo, presentes na vida de

homens e mulheres que construíram o movimento operário brasileiro da primeira

república. Representando o anarquismo como ideologia engajada que buscava a

cada dia, através dos seus militantes, lutar pela melhoria de condições de vida dos

operários brasileiros. Francisco Foot Hardman, introduz a cultura como tema

historiográfico das pesquisas sobre o movimento operário brasileiro.

Ao fazermos as leituras das obras, tanto de Edgar Rodrigues Socialismo e

sindicalismo no Brasil, quanto de Francisco Foot Hardman Nem pátria, nem

patrão, fica impossível não contestar as obras brasilianistas, principalmente, a

obra tratada como fonte nesta monografia, Anarquistas, imigrantes e o movimento

operário brasileiro (1890-1920) de Sheldon Leslie Maram.

Edgar Rodrigues, de maneira mais apaixonada que sistemática, representa

um anarquismo presente nas lutas sociais do operariado brasileiro. Enquanto que,

Francisco Foot Hardman utiliza-se de diversas fontes para expressar a

representatividade do anarquismo, como ideologia contestadora de uma realidade

social, principalmente, nas práticas culturais operárias.

Já Sheldon Leslie Maram, muito influenciado pelas “sínteses sociológicas”

produz uma obra pouco crítica, e mais com a função de legitimar os principais

estereótipos dados pelos sociólogos ao movimento operário brasileiro da primeira

56 HARDMAN, Francisco Foot. História do trabalho e cultura operária no Brasil pré-1930: um campo de

estudos em construção. Nem pátria, nem patrão! São Paulo: Unesp, 2002. p. 245.

49

república, indo além ao concluir de maneira polêmica, a inexistência do movimento

operário brasileiro na primeira república.

Cronologicamente portanto, concluo que a produção militante inseriu, tanto

o movimento operário brasileiro, quanto o anarquismo como temas a serem

pesquisados. Mesmo que de forma, ufanista e metodologicamente pouco

sistemática. Em tempos de ditadura, os militantes resistiram à repressão e

continuaram a produzir obras de alto caráter ideológico e de contestação política.

Enquanto isso, os brasilianistas tentaram em seus escritos, retirar a

importância dos operários do processo de formação da sociedade brasileira. Muito

influenciados pelas idéias introduzidas pelos sociólogos. Produzindo em uma

época de maior abertura, parecem muito mais ligados à ideologia oficial de

desqualificar as temáticas marginais.

Já na década de 1980, os historiadores brasileiros finalmente por meio das

novas perspectivas historiográficas, principalmente a influência da história social

inglesa ou nova-esquerda, inseriram novamente a temática, movimento operário

brasileiro e, principalmente o anarquismo como temas históricos fundamentais.

Em tempos de efervescência política com o movimento pelas eleições diretas, a

riqueza cultural do operariado, impulsionada principalmente pelas práticas

anarquistas, fora à temática fundamental da produção historiográfica cultural.

Constituindo desta maneira, a década de 1980 como a década de maior

importância para as produções historiográficas a respeito do tema movimento

operário brasileiro.

.

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