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    A N O I - N U M E R O 9 5 0 0 R S . J A N E I R O - 1 9 2 9Revista de AntropofagiaDireco de ANTNIO DE ALCNTARA MACHADO Gerncia etc. de RAUL BOPPEl fcrtw : 13, RIU IHMW I CMSHIT - V Piv, Sill I - MIM rOSTIl I . ' 1.289 - S O P A U L O

    C H A C OO conflito entre a Bolvia e o Paraguaia propsito do Chaco teve at agora pelo menos u ma vanta gem : m ostrar a inutil idadeabsoluta da Sociedade das Naes.Quando a macrbia Europa soube quedois meninos sul-americanos estavam se preparando para um surur de verdade pensoumu ito convencida: Eu arranjo a cousa emdois tem pos. Brian d, o cabeludo (como dizDaudet) se incumbiu de redigir e assinar otelegrama pacif icador. O telegrama partiu.Briand deu entrevistas em que declaravaterminado o incidente. Quem tem prestgio assim. Acabem com essa briga, seus borri-nhas . Os borrinhas com medo do chineloabraam-se cordealmente.Mas a Bolvia e o Paraguai receberamo despacho, leram e continuaram a trocarbeslices: Nem ligaram. Briand encabulo.A Sociedade das Naes encabulo. A Europa (que soube do negcio) encabulo.S depois que o pessoal da Amrica sedecidiu a intervir que as cousas tomarammelhor rumo. A' voz da casa os briguentoscruzaram os braos. E tudo parece acabarem santa paz.Assim est certo. Com a intromisso daEurop a estava errado . Era qusi prefervelfazer a guerra. S de pique.

    ANTNIO DE ALCNTARA MACHADO

    C O R O D O S S A T I S F E I T O SA C O M P A N H A D O P E L O Z P E R E I R A D O B O M S U C C E S S O

    (dos Poemas de Bilu')

    Confraria somos nsda Beata Satisfao.Viva ns e fora vs !Tudo mesmo muito bo.Pois quem foram que disseramque esta vida coisa feia ?Quem falaram no souberamcomo firme a pana cheiaFora vs e viva ns !Tudo bo tudo bo !Tudo mesmo muito bo,muito bo bo bo !

    (Porto Alegre)AUGUSTO MEYER

    "Ya s Pindorama Kot , i tamarnapo anhant in , yararama ae rec f(gri lo de guerra dos tupis para a conquista do Brasi l )

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    R e v i s t a d e A n t r o p o f a g i a

    P R E F E R E N C E S

    Moise tu as fait couler les flots de ta barbe.Je n'aime pas les troupeaux de brbis quidplacent les hanches du paysage.Car j ' a i v u Goya peindre Ia maja 1'egal des juifs qui auraient lapide1'adultre.Tu aimes comme moi, aime! Ia nacelledes avionsqui ont apport d'un seul couple chou, Ia brebis, le lion?(Rio de Janeiro)

    CHARLES LUCIFER

    E D U C A O S E N T I M E N T A L

    Mariquita fechou o Escriche teve vontade dum hespanholcom seu punhalpara matal-a.(Minas)

    PEDRO NAVA

    A Festa do guarda-chuvaQuando S. M. Mau Gosto ni

    co vol ta de uma das v ic tor io-sas campanhas em que se l anapelo espi r i to humano afora ,t raz um bando immenso de t ro-phe us e p r i s i one i r o s pa r a m os t rar gente c da c idade . Aqui ,j un t o da G ua na ba r a , onde e l l ecol locou a capi ta l , sempre quese ce lebra m esses t r ium pho sMau Gosto sente cheio de prazer, o vigor, a seiva com quelhe cresce o impr io: No fa l t am nunca as p la tas . S . M. queno mais , es t c laro , aquel lere i semi-n u ' cober to de ouros . ea r m a s , ve m de f r a que e c ha p ude palha. 0 sol , electr icista emchefe , der rama todo o ca lorodas apoteoses de rua . Desf i l amos t rophus . So as coi sas prec iosas que el le abiscoitou na conquis ta . E nem fa l t am os melhores poetas e jornal i s tas que vmpa r a j u l ga r e a pp l a ud i r .N o u l t i m o t r i um pho de Ma uGosto , houve mais ca lor e maisbr i lho que nos out ros todos .N e m i m a g i na m que t r oph us

    de p l um a e p r a i a de s pe nc a r a mpelas ruas , santo Deus!Pr imei ro t eve uma vaia . Masvaia no Tempo, que es tava pas-sando*, pra l, pra c. S depoisdel le comeava o desfi le. Dent ro duma bandeja a l t a of fere-.ceram os t aes poetas melhores ejorna l i s tas des ta p iqui r i . S . M.Mau Gosto nico, .es tava em todo logar , espiava tudo, f i sca l i -sava todos , parec ia o dr . Washington Luiz! Af ina l comeou ap a r a d a .Xi ! Que coi sas t o boas queel le t rouxe , meu Deus! "Aqui l lo tudo pr ge ntepr no pescoo?"A gente es tava se enthus ias -m a n do . Tr ouxe pa v o da a ngola , t rouxe tapete da prs ia , t rouxe negr o escravo pi tan do noseden ho. E out ras coi s inha s ama-re l l as , vermelhas , azues , contas ,l a c i nhos .Ca n i ba l ve l ho a ga c ha do po rde ba i xo da s pe r na s , e h ! Ca n i ba lsabido! , es tava sa l t a no sa l t aem c ima daqui l lo . ndio toda vi

    da gos ta de cont inha . S depoisde a l m i r a n t e que n o gos t am a i s .H u m ! . . . A q u e ll as m o a s . . .e um a i a que ne m v r j a r d i msuspenso, ou viuva f i e l em diade F i na dos . A n t r opopha g i a e s t a va accesa , i sca sa l t ando na f rent e que pa r e c i a m a n j uba na r i a .O s poe t a s m e l ho r e s e o s j o r na l i s t a s da t e r r a , m a r c a va m op i n i e s c om um la p i s i nho . U m am a n t a ve r m e l ha de pe l os g r a n des . . Canibal no poude. "Dl i c e n a ! " Fu r ou o povo , s a l t oude um pulo no meio da ca lada ,agachado, com gei to feroz . Mui t a m o a c o r r e u . Ca n i ba l a va n ou p r a um a , de u um a de n t a dagos toza no cotovelo . "A i !" Pn i c o . Tum ul t o . Ca l a da f i cou va z i a . E Ca n i ba l r i ndo , da ns ou :C l a d i nha m i nha , c a l a d i -n h a m i n h a ,No dos out ros .(Rio)

    F. de San Tiago Dantas

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    R e v i s t a d e A n t r o p o f a g i a

    L A R B R A S I L E I R OR U B E N S D E M O R A E S

    Meu "pr imo Jo o foi Eu rop ae s t ud a r . V o l t ou f a l i a ndo f r a n -cez . S.Foi essa a pr imei ra epocha davida de l le .Depois ve io a epocha do dedoe s pe t a do . A p r ops i t o de t udo ,do m e nor c a s o , o p r i m o J o oespetav a o dedo e exc lama va :" E m P a r i s . . . n a O r p a . . . " D e pois e l l e canou e socegou. Quando assus tou es tava casado coma pr ima Yaya. Foi essa a u l t imae poc ha da v i da do m e u p r i m o .E ' i r r e m e d i ve l . N o ha ve r ou t ra . A vida de l le acabou ahi .Hoje , e l l e no conta mais casos de bigode e chapu coco, pass a dos e m Pa r i s . Q ua ndo s e c o menta o Bras i l , e l l e no espetao dedo e conta cousas da Europa . N o c om pa r a m a i s a Eu r opae o Bras i l . Meu pr imo Joo engo r dou , m i nha p r i m a Y a ya e s t u fou. Ha mais um casa l fe l i z nesta t e r ra essencia lmente agr cola .D e ve z e m qua ndo um a m i goa s s om br a do s a c ode a c a be a :" 0 ' r a ve j a , o J o o , he i n? Q ue mdi r ia que e l l e havia de dar t ob o m m a r i d o ? U m h o m e m q u ep i n t ou o c a ne c o e m Pa r i s , quega s t ou um a f o r t una e m p nde g a s . . . r a , s i m , s i m s e n h o r . . . "En t o o a m i go ph i l o s opho , -ohom e m de g r a nde e xpe r i nc i a ,sol ta o aphor i smo def in i t ivo: " O s m e l ho r e s m a r i dos s oa que l l e s que f o r a m m a i s p nde gos em sol te i ro" .E o a m i go que c onc o r da s e m p r e e nc e r r a o a s s um pt o c om um : "E' i sso mesmo. . . "Talvez o phi losopho tenha raz o . Mas no s por canaoque o meu pr imo Joo socegoue engordou."Todos ns t emos nav i da a e poc ha da m u l he r go r da .Mui tos passam, vo para d iante

    ficou na epocha terceira e ul t i ma da vida de l le : a mulher gor da .

    Ella gorda, el le gordo, el lesso gord ame nte fe l izes . El la fel iz porq ue el le fel iz. Masel le , o famoso pr imo Joo, o hom e m da s a ve n t u r a s m e m or ve i s ,o e legant i ss imo pr imo Joo quees teve na Europa , porque e l l eto fel iz?E* porq ue e l la sabe que , par ao Joo, sahi r sem sobre tudo nasnoi tes de nebl ina no tem impor t nc i a , m a s s a l t a r da c a m asem chinelos um espi r rar quono acaba mais . E ' porque e l l as a be que um qua d r o na pa r e deum mi l l imet ro enviezado mui to mais grave que de ixar es f r i a ra gua do banho. Minha pr imaYaya depois de longos e pac ientes es tudos compreendeu que asguer ras napoleonicas e o Bras i lHolla nde z do co llegio de Sionno fazem a fe l i c idade no la r .Mi nha p r i m a Y a ya c om pr e e nde uque toda a fel icidade est emmudar e l l a mesma os botes dacamisa do ma r ido antes de l losahi r do banh o. El la sabe que ,mui to mais que os dez mandamentos da lei de Deus, vale esteque e l la a p r e nde u du r a m e n t e :"No t i ra r as cousas do lugar" .El la d iz cousas ass im : "Nosente ahi que Vce. f ica com ascostas no vento". Ella sabe atque ponto prec izo cont radizero Joo, e, com um inst incto infa l ve l , e l l a concorda no momento exacto em que el le ia zangar.Ella sabe de que pratos el le gosta e como el le gosta. Quando el levae se servindo de um pas te lpanudo, e l l a in tervm: "No t i re esse, tm azei tona , Vce . noou vol tam , out ros f i cam. Jo o

    (do l ivro de contos Essencialmente agrcola.)

    gos ta" . E com uma seguran a ,v den t ro do pas te l e espetacom um olhar penet rante , e l l aaquel le que no tm azei tona . Eel le pensa : "Aquel le pas te l tos -tadinho es tava bem mais apet i -toso, apczar da azei tona.. . Azeitona?.. . Ser que eu no gosto?.. .E ' . i sso mesmo, eu no gosto..." e mas t iga com convico.Ella sabe que el le no gostaque lhe passem a mo nos ca-bel los . El la no se zanga quandoel la vm toda car inhosa e e l l ediz : "No amol le . . . " El la bordac a m i s a s de do r m i r m a i s c u r t a sna f rente , com uma fenda decada lado para e l l e poder cocara pe r na d i s t r a h i do , pe ns a ndo e mnegcios emquanto e l l e contacousas da casa .Ella sabe que tera-feira diade pocker em casa do Maneco.El la se l embra de todos os anni -versar ios e avi sa o mar ido logode manh cedo para e l l e no seesquecer de dar parabns .Depois do jantar quando e l l e ,sentado na cadei ra de ba lano,depois de l e r os jornaes da t a r de , comea a assoviar ba ixintue desaf inado, e l l a d iz : "Faz hoje dez annos que Nh-nh morreu. . . Se e l l e a inda vi vesse es tar ia com c incoenta annos.. ." .S i l e n c i o . . .

    "Do que foi mesmo que el lem or r e u? . . . " "Os mdicos d i sseram que foipedra nos r ins , mas para mim,no foi . Foi de typho que el leapanhou numa viagem que feza So Paulo para buscar as meninas no col legio" . " A h n n n . . . "S i l e n c i o . . .Minha pr ima Yaya entendep r o f unda m e n t e de pa r e n t e s c os .

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    R e v i s t a de A n t r o p o f a g i aCANO DO RETIRANTE

    ENTROU JANEIRO 0 VERO DANOSOSEMPRE AFITIVO PELO SERTO. . .CACIMBAS SECAS NEM MEREJAVAM.. .0 MOO TRISTE DISPERANADOFEZ UMA TROUXA DES E U S T E R E N S . . .DE MADRUGADA SEM DESPED IDA FO I PRA SO PAULO PRAS BANDAS DO SU LA MOA TRISTE SE AMURRINHOUFICOU BIQUEIRAVIROU ISPETO ELA QU E ERA UM MULHERAO INTE' QUE UM DIA JA' DERRUBADADE MADRUGADAF O I P R A S O P A U L O . . .PRA UM SO PAULO QUE NINGUM SABE NAO.

    (Natal)J O R G E F E R N A N D E S

    A S S U M P T O R E S O L V I D O F O R M A ONo comprehendo porque que muita gente tem amania de esconder que aantropofagia uma instituio tradicional entre os ndios americanos.E' uma cousa tola e que recommenda mal osque vi-vem gritando que o indio brasileiro no comia gente. Comia e muito bem comido.No bastassem os depoimentos de Hans Staden e Jeande Lry e teramos ainda mais rail,e um indcios seguros.Outro dia euconv ersando c om ' o dr. Juan FranciscoRecalde, que na minha opinio um dos mais entendidosindianistas modernos, ouvi delle esta monstruosidade: "queno territrio actualmente oecupado pelo Brasil, Paraguaye Uruguay, nunca houve ndios antropfagos".Agora um senhor Luis Bueno Horta Barbosa que

    escreve ao"Dirio daNoite" para rebater a affirmaode que existam selvicolas brasileiros antopofagos.E que existam... Que tem isso 1Acaso a antropofagia no uma instituio elevada epraticada em quasi todas as religies ?Muito bem andou Osw ald de Andrade quando disse quea antropofagia no catholicismo estava acovardada no poe no vinho representantes da carne e do sangue Est provado e geralmente acceita aantropofagia como sendo a communho da carne valorosa.Os ndios no comem acarne de seus inimigos ou chefes com inteno gastronmica.Comem porque pensam mastigar tambm o valor docomido comidos voluntrios, quasi todos Por isso o sr. Horta Barbosa deixe dequerer roubardo pobre e j to expoliado indio o seu maior e melhorpatrimnio:0 bom gosto de comer carne humana carne valorosa.

    O h o m e n a g e a d o t i n h a i n t e l l i g e n c i a e u m a v a s t a c u l t u r a , t a n t o q u e s u a m u l h e r de h u m i l d a d em e d r o s a dea d m i r a o a l m dam u d e z d a v a - l h ef i l h o s .T a m b m s lia e a h i h a v i a e n g a n o c o ma r e c o m m e n d a o de c a p r i c h o :Liste de bons livres lireE n o d i s c u t i a p a r a n o o f f e n d e r s u s c e p t i b i -l i d a d e s .M as nom o m e n t o p r e c i s o s a b i a f u l m i n a r c o mm o n o s s y l a b o s e de s tr uir pr az e r e s .M a i s t a r d e p a r a c o n q u i s t a r n o v a s a m i s a d e s f e z -s e p e n s a d o r e s v e z e s , ded , i l l u s t r a v a o p r x i m o c o m c i t a e s f a l l e c i d a s e m l a b o r a t r i o s s c i e n -t i f i c os .A ' s v e z e s t a m b m e r a n a c i o n a l i s t a d o m a i s p u ro e d i z i a p h r a s e s .E t i n h a c o n v i c e s i n d g e n a s : S o u b r a v o , s o u f o r t e !O o u t r o q u e n o e r a t r o u x a g a r a n t i a - s e . A H N !( S . P a u l o ) .

    CHINA A. deAlmeida Camargo

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    6 R e v i s t a d e A n t r o p o f a g i aO B J E C T I V O

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    Capitulo 2.

    R e v i s t a d e A n t r o p o f a g i a

    (ROMANCE)A PONTE DOS AMORES

    l iYAN DE ALMEIDA PRADO

    Ali estavam todas as raas que tinham vindo para a te rra da promis-so. Cada homem que entrava na tasca augmentava o contraste existenteentre os que ainda representam os primeiros povoadores do paiz. Mais tarde,no espao de algumas geraes, ha desurgir um tipo mais uniforme, amoldado pelas mesmas necessidades devida que todos partilham e que trazaos poucos um ar de parentesco aosnativos de uma regio qualquer. Nesta, onde afluiram correntes imigratrias de toda a parte, por fora dascousas, o caldamento ser mais extraordinr io do que em outros pa izesdo mundo. A mistura foi mais intensa,quando no o amlgama mais fcil,e, antes que a influncia do clima,costumes, vcios ou virtudes venhauniformisar o produto humano do futuro, teremos quantidade de pequenosncleos espalhados pelos bairros queso podero ser de pronto distingui-dos pela gente mesmo do lugar. Ser como o sotaque da sua linguagem.Formaro a inda um paradigma misterioso (quasi oculto de to imperceptvel) e que no entanto sentiremoscomo si fosse concretamente delineado . Bastar um certo modo de falar,ou conjunto de traos no fsico, ouem ultimo caso mandira de vestir,para adivinharmos a origem deles.Em certas regies do paiz ficaraminsuladas aglomeraes hum anas. 0t ipo que produziram, quando chegaa S. Paulo, apresenta-se to inteiriono seu aspto como o estrangeiropertencente a uma raa de ha muitoformada.Tal o cearense para os primeiros, tal o alemo para os segundos. Ao desembarcar vo se locali-sando ao acaso, os nacionaes por toda a parte, os estrangeiros de preferncia onde encontram patrcios. Daisurgem bairros de Ietes no Oratrio,de austracos e alemes no Mandaqu,de ngaros no Buraco Quente dosCampos Escolstica, portuguezes _ eespanhoes no Arincanduva e Califrnia. Mas as necessi dades da vida eos ditames do sexualismo iro aospoucos aproximal-os. No comeo, ocontato entre eles era feito somentefora de casa, no trabalho e nos divertimento s. Era eterno. Mais tarde,realisou-se mais intimo para os filhosna escola, no servio militar e nolar. Logo que desembarca, o imigrante junta-se aos que partindo da mesma prov enincia, chegaram antesdele. Passam a morar em cas inhas ,misturados adultos e crianas de qualquer sexo, em nmero de seis, oito,dez no mesmo quarto, destinado a umcasal s. Nas festas bebem no bar doconterrneo e danam na sociedaderecreativa da colnia situada no bairro . Aos sbados ou dias de pagamento , durante a noi te inte ira , quem passa na rua ouve o baque dos paresque danam e que a espaos, caden-ciadamente, pulam e batem com estrondo os sapatos grossos sobre o

    soalho. Nos intervalos das msicascantam em coro melopeas speras emontonas, entremeiadas de surtosde bebedeira em que disparam os revlveres para o ar. O rumor da festaatrae outros estrangeiros inimigosque se mostram tanto mais rivaesquanto mais se parecem com os concorren tes. Todos louros, grandes,abrutalhados. Porm uns so ungare-zes (como so conhecidos do povo) eoutros estonianos, no menos turbulentos, que moram nas redondezas eodeiam aos vizinhos. Comeou a rus-ga por uma insignificncia, namorosque foram degenerando em provocaes, para terminar em pancadaria.De desavena a desavena vo setornando mais inimigos. A' briga isolada sucede outra briga, em que tomam parte dois ou trs, e as desordens que comearam a murros, acabam a cacete ou faca. Ha encontrosde grupos seguidos de encontros debandos. No raro, na estrada doOratrio, enfrentarem-se depois dumasrie de conflitos duas joldas compostas de quarenta ou sessenta homensarmados. Enquanto tarda a cavalaria,os adversrios disparam as armasque ainda conservam da grande guerra, pistolas automticas, revlveresde grande calibre c at mosquetesdos antigos regimentos de drages,lanceiros ou ussares da ustria, Rssia ou Alemanha. So o pesadelo dapolicia.

    O nacional vindo de fora, de muitolonge s vezes, no sente necessidade se ajuntar em chusmas: no estpreso pelo idioma, no est isolado.Foge do conterrneo recm-chegado(que logo o chama de primo) paraevitar as "mordidas". Aflue para asbandas da Luz. Alguns que desgarraram da leva, que veio do Norte oudo Sul, voltam das fazendas do Interior e procuram ingresso na ForaPblica do Estado. L no ha estrangeiros, os filhos de imig rantes sorelativamente escassos, o que mais sev so caboclos, negros ou mestios,ainda novos e solteiros, em que predominam os que vieram de outrosEstados. Nestes, por sua vez, sobre-saem, pela quantidade, mineiros enortistas. A origem como o ndicedo adeantamento ou atrazo da zonaque deixaram. Quanto mais numerosos so de um lugar, mais este infeliz e pobre.Antigamente, quando passava atra-vez da rua do TRINGULO a guarda do palcio (ha dez ou doze anosairaz), os homens mais encorpadosdo piquete eram os pretos. O' resto,composto de caboclada mais clara,era o rebutalho da escria humanaque vae ter s cidades. Perto delesos negres faziam vista. Hoje vemoscom espanto, num lapso de tempocurtssimo, degenerarem com incrvelrapidez. D-se agora o contrrio: osmelhores da tropa so os branco s.A causa desta fulminante degenere-cncia est na condio de extrema

    inferioridade da raa preta nas cidades. Apezar de ser minoria nas aglomeraes urbanas paulistas, 80 \ dopessoal dos prostbulos operrioscoinpem-se de pretas e mulatas. Essas mulheres caram na VIDA porque quasi no casam, no constituemunies regularcs, servem para as necessidades de todo homem que aspersegue. Recebem do traunseu nteou do negro companheiro a sifilis.Junta-se lues o tilcolismo, e ambasas cousas predispem aqueles organismos, que vivem muitas vezes apenas alimentados, tuberculose, de-generesencia, loucura. O antigoatleta africano, que, trabalhav a nocito das fazendas, no deixou descendncia. No podemos considerar como sendo seu neto o aborto desden-tado, corrodo de mil mazelas, depeito fundo e pernas bambas, que searrasta pelas ruas a procura de emprego leve que lhe permita satisfazeras suas nicas ambies: a dana, apreta e a bebida.No botequim apareciam amostrasda transformao das raas espalhadas pelo paiz. Algum, com prticado recrutamento da Fora, podia prrtulo, indicando a origem, em cadamiliciano que entrava na tasca. A'excepo dos pretos, era fcil reconhecer, por exemplo, o mineiro donortista. Um tem traos grandes, fisionomia calma, quasi impassvel, atitude retrada. O outro, traos pequenos, o nariz, a testa, a cabea, o corpo , tudo arredondado. E' mais tron-cudo, traz no fsico a mestiagem dobranco com o indio, que ainda maisacusada nos pometos e nos olhos, negros e brilhantes como jabuticabasde Sabar, tal a vivacidade ladina,curiosa ou perserutadora que demonstram. No tem como o mineiro, dono das jaboticabas, a velhacaria oculta sob aspto inofensivo. O nimobulhento do nortista torna-o, alter-nadamente, atraente ou indesejvelcomo si fosse uma criana.O carioca, tambm numerosssimona Fora, anuncia-se pela fala. Noproletrio do Rio ha um sotaque elinguagem inconfundveis, to carate-rsticas quanto a do paulista do Be-lemzinho ou Bom Retiro, porm infinitamente mais agradvel e interessante. E' ameno c cantante, doce eamvel como a populao infantil edesocupada, que se espreguia lazza-ronicamente pelos morros c praias damais linda baia. E' um prazer ouvil-os dizer ". . .cherguei o Otvio ldo f im da avenida Po l is ta . . . " .Muitos que tm esse sotaque na Fora Pblica fizeram apenas um estgio no Rio. So rapazes de Estadosdiversos, que usaram a farda do exrcito, da armada ou da brigada militar, antes de virem para os batalhesou regimentos da Fora.

    (Continua)

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    8 R e v i s t a d e A n t r o p o f a g i a

    BRASILIANAIX

    B R A S I L I D A D EDe uma noticia sobre o Convnio da Imprensa NortePaulista, realizado em novembro ultimo na cidade de Tau-bat, publicada pelo "Correio Popular" de Guaratinguet,n. de 25-11-928:|'A's 12 horas, no Hotel Lino, foi servido um almooregional aos jornalistas, offerecido pelos exmos. srs. Deputado Euchario Rebouas de Carvalho e lvaro Marcondesde Mattos, Vice-Prefeito da cidade.Em brilhante discurso, cheio de profundas consideraes e perfeitamente burilado, proferido com calma porquem mestre na oratria, o Deputado Euchario Rebouas offereceu o banquete.Agradecendo usou da palavra o jovem jornal ista, mastalentoso, sr. Luis Sampaio Penna.Durante o agape tocou a renomada orchesjra do professor Fego Camargo.So dignos de menso dois factos que muito nos agradaram e avivaram o nosso amor terra em que nascemos,fazendo-nos lembrar d'"0 Brasil e a Raa" de BaptistaPereira. Os srs. deputado Euchario Rebouas e Jos deMoura Rezende em testemunho de seu espirito de brasi-lidade timbraram em offerecer-nos banquetes brasileirano permittindo ir mesa uma s iguaria de nome estrangeiro. L tivemos o nosso tutu com torresmo, o arroz, ofrango assado e outros pratos genuinamente nacionaes.Ainda mais, as musicas eram todas brasileiras. E pudemosapreciar "O Guarany" e "Salvador Rosa", de Carlos Gomes, alm das muitas outras cuidadosamente escolhidaspelo maestro Fego Camargo. No precisamos ir buscarinspiraes na velha Grcia ou na antiga Roma: temosaqui o nosso Parahiba do Sul, as serras do Mar e da Mantiqueira, as nossas mattas, e as nossas campinas e a nossaigara. Bastam!"M E S T R E N A O R A T R I ADe um discurso- proferido pel o deputado Euchario Re

    bouas de Carvalho num banquete offerecido ao senadorDino Bueno em Taubat e publicado pelo "Jornal do Com-mercio" de S. Paulo, n. de 14-7-926:Senhor senador Dino Bueno, eu me sinto bem ondeestou, porque ainda tenho bem dentro de mim o reboarlongnquo da voz de meu pae, Jos Rebouas de Carvalho, do meu av Baro do Jambeiro, que propugnaramnesta tenda de trabalho e foram vossos amigos. Eu aindatenho ntidas e rutilantes as imagens da minha infnciaaqui vivida c por isso mesmo sou capaz de auscultar emalto diapaso e transmittir o sentir quente e robusto dagratido deste povo, que o meu povo e do qual eu souuma legitima molcula.Que esta festa, entre os embates de vossa v ida, sejaum murmuroso osis bemfazejo, a reflorir nos applausosde vossos concidados, consagrando o acerto da vossa di-rectriz poltica; que ella seja a nota incentivadora dasvossas energias polticas, assignalando para ns outros arota luminosa a palmilhar.Exmo. senador Dino Bueno, se soerguerdes um pouco ovosso busto por sobre o oceano agora calmo, e antes en-capellado, do povo taubateano e procurardes divisar oporque da calmaria, encontral-o-eis em alto relevo navossa attitude para com elle, na vossa solicitude, nos vossos conselhos, no vosso concurso para o triumpho decisivoe consolidao da actual poltica progressista de Taubat.Pois bem, essa mesma attitue, a lembrana dessesassignalados servios que heis prestado, que de novo ofazem se encapellar em irreprimv eis ondas gigantescas,que, para vos saudar, vm quebrar-se bem junto de vs,nas brancas espumas de sua gratido."B O A S F E S T A SCarto distribudo em dezembro de 1928 no TheatroSanfAnna de S . Paulo:"Os" indicadores dos camarotesCRISTOBAL e Dna. NICOLINADesejam aos seus distinetos espectadoresBoas Festas e fe liz Anno Novo."

    B A L C OLI V RO S PRO CU RA D O SPor Y A N D E A LMEI D A PRA D O ( a ve n i da b r i

    ga de i r o Lu i s A n t n i o , 188 S . P a u l o ) :"Poesias" of e r e c i da s s s e nhor a s b r a s i l e i ras por um baiano (1830) 2 vs . Jos da Si lva Lisboa "Historia dos prin-cipaes suecessos" 2 vs. 1826-1830." Se r m e s " de A n t n i o de S . Manoel Calado "Valeroso Lucideno". D ua r t e de A l buque r que Coe l ho "Mem

    rias Dirias". A l va r e nga Pe i xo t o Obras em 1." ed.Compra l ivros raros em gera l sobre o Bras i l .Po r MA N U EL BA N D EI RA ( r ua do Cur ve ll o ,

    51 _ Sa n t a Te r e s a Ri o de J a n e i r o ) :Mac-Car thy "Viagem na China".

    L I V R O S V E N D A :N a L I V R A R I A G A S E A U ( p r a a d a S n . 4 0

    S . P a u l o ) : 'Archivo Pittoresco" 1 1 v i s . e n e . "Panorama" 1 7 v i s . e n e . V ie ir a "Sermes" 1 6 v i s . e n e , s e n d o

    a l g u n s e m 1 . * e d . I n n o c e n c i o F . d a S i l v a "Diccionario Bi-

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