RECURSO DE HABEAS CORPUS N.O 805 - RS. · êstes autos de Recurso de Habeas Corpus n.o 805, do...

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- 64- Conservo, pois, o mesmo crité- rio da sentença para a fixação das penas. Aplico-as no mínimo, sem au- mento, porque a agravante e a atenuante se compensam - mas cumulativamente, nos têrmos do artigo 51 do C.P .. Delas, aliás, de- corre, necessàriamente, a perda da função pública e a interdição de direito para exercê-la (C.P. arti- gos 67, I, 68, I e 69, I, a). Conheço, pois, do recurso e lhe dou provimento em parte, para elevar a pena do réu a 4 anos de reclusão e multa de NCr$ 6,00, condenando-o ainda à pena aces- sória de perda da função pública e interdição para seu exercício pelo prazo de 5 anos. Decisão Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade, deu-se provimento para elevar a pena de reclusão para 4 anos. Os Srs. Mins. Esdras Gueiros, Henoch Reis e Cunha Mello votaram com o Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello. RECURSO DE HABEAS CORPUS N.O 805 - RS. Relator - O Ex. mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Recorrentes - Juízo da Comarca de Pôrto Alegre e Justiça Pública Paciente - Alejandro Elian Nemes Recorrido - O mesmo Acórdão Configurando-se, ainda que em tese, o crime de descaminho, não é requisito essencial para legiti- mar a prisão em flagrante que o agente seja detido dentro da zona fiscal. Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Recurso de Habeas Corpus n. o 805, do Estado do Rio Grande do Sul, em que são partes as acima indicadas: Acorda o Tribunal Federal de Recursos, em Sessão Plena, por voto de desempate, em dar provi- mento ao recurso, tudo conforme consta das notas taquigráficas pre- cedentes, que ficam fazendo parte integrante do presente. Custas de lei. Brasília, 5 de março de 1963.- Sampaio Costa, Presidente; Hen- rique d' Avi/a, Relator designado p/o Acórdão. Relatório O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: - Trata-se de ordem de habeas

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Conservo, pois, o mesmo crité­rio da sentença para a fixação das penas.

Aplico-as no mínimo, sem au­mento, porque a agravante e a atenuante se compensam - mas cumulativamente, nos têrmos do artigo 51 do C.P .. Delas, aliás, de­corre, necessàriamente, a perda da função pública e a interdição de direito para exercê-la (C.P. arti­gos 67, I, 68, I e 69, I, a).

Conheço, pois, do recurso e lhe dou provimento em parte, para elevar a pena do réu a 4 anos de reclusão e multa de NCr$ 6,00,

condenando-o ainda à pena aces­sória de perda da função pública e interdição para seu exercício pelo prazo de 5 anos.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade, deu-se provimento para elevar a pena de reclusão para 4 anos. Os Srs. Mins. Esdras Gueiros, Henoch Reis e Cunha Mello votaram com o Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello.

RECURSO DE HABEAS CORPUS N.O 805 - RS.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Recorrentes - Juízo da Comarca de Pôrto Alegre e Justiça

Pública Paciente - Alejandro Elian Nemes Recorrido - O mesmo

Acórdão

Configurando-se, ainda que em tese, o crime de descaminho, não é requisito essencial para legiti­mar a prisão em flagrante que o agente seja detido dentro da zona fiscal.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Recurso de Habeas Corpus n.o 805, do Estado do Rio Grande do Sul, em que são partes as acima indicadas:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, em Sessão Plena, por voto de desempate, em dar provi­mento ao recurso, tudo conforme consta das notas taquigráficas pre-

cedentes, que ficam fazendo parte integrante do presente. Custas de lei.

Brasília, 5 de março de 1963.­Sampaio Costa, Presidente; Hen­rique d' Avi/a, Relator designado p/o Acórdão.

Relatório O Sr. Min. Cunha Vasconcellos:

- Trata-se de ordem de habeas

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corpus impetrado perante o Juí­zo de Direito da 6.a Vara Criminal de Pôrto Alegre em favor de Ale­jandro Elian Nemes, prêso na Pe­nitenciária à disposição do Dele­gado da Divisão de Ordem Políti­ca e Social como incurso no crime do art. 334 do Código Penal (con­trabando).

O Juiz concedeu a ordem e re­correu de ofício.

O Tribunal Federal de Recur­sos, em Sessão Plena, por acórdão unânime, não conheceu do recurso.

Da decisão, a União manifestou o Recurso Extraordinário de fls. 139 e seguintes,. e o Colendo Su­premo Tribunal Federal, por maio­ria de votos, deu provimento ao recurso, na conformidade das notas taquigráficas de fls. 152 a 167 -para que êste Tribunal julgue o re­curso de ofício como entender de direito.

É o relatório.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Cunha Vasconcel­los: - Sr. Presidente, a sentença concessiva do habeas corpus é do seguinte teor: "impetram os Drs. Jaime Neumann e Jaques Nocchi ordem de habeas corpus em favor de Alejandro Elian Nemes, rome­no, comerciante desta praça e aqui residente, devido estar, ao que ale­gam, prêso sem justa causa, à disposição da Delegacia de Ordem Política e Social, a pretexto de incurso no crime do art. 334 do Código Penal. E dizem que isso se verificou, depois de, com aparato e belicosidade, se ter vasculhado o estabelecimento do paciente, sito na Avenida Protásio Alves núme­ro 2.512, e de, abusivamente, apreendido tôda a mercadoria ali

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encontrada, a título de contraban­do. Afirmam, também, e provam ser o mesmo negociante registra­do na Junta Comercial, com co­mércio "por grosso e a varejo de confecções, artigos para senhoras e mais o que vier a convir, corre­lato ao seu ramo de negócio".

Invocam, mais, o disposto na Lei n.O 2.145, de 29-12-53, cujo art. 6.°, § 3.°, não considera crime de contrabando, a mercadoria su­jeita à licença de importação, che­gada ao País sem observância da­quele requisito, acrescentando só se concretizar o delito, no ato do trânsito, dentro da zona fiscal (N ova Consolidação das Leis Al­fandegárias, art. 632) com burla do fisco, de artigos vindos do ex­terior ou a êle endereçados.

Aduzem, ainda, incompetir à autoridade policial a interferência na matéria, máxime desacompa­nhada de fiscal ou agente adua­neiro e já se achando a mercado­ria dentro da casa do comercian­te. Não pode, assim, prevalecer o flagrante, eis que o indiciado não foi encontrado em nenhuma das situações previstas no art. 302 do C.P.P .. Foi o auto lavrado fora de oportunidade, tratando-se, conse­qüentemente, de medida arbitrá­ria, sujeitando-se o paciente a constrangimento ilegal, que se de­ve cessar.

Instrui a inicial o comprovante do registro feito na Junta Comer­cial, retro citado. Admite, a se­guir, o depósito das chaves do es­tabelecimento comercial do supli­cado.

Prestou, tempestivamente, in­formações a autoridade dita coato­ra, enviando ofício explicativo em tôrno à providência malsinada, e remetendo, junto, cópias do auto

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do flagrante e do têrmo de apreen­.são. Verifica-se, do primeiro, ha­ver o comissário Ari Prates da Rocha, "de ordem superior", pro­cedido a sindicâncias no local de comércio do paciente, devido a "sérias suspeitas" ligadas à sua ati­vidade, de que possuiria material contrabandeado naquele recinto. Após longas buscas, que deman­daram horas, localizou-se uma pa­rede falsa, no porão, espécie de porta secreta, e, aberta a mesma, depararam os agentes e testemu­nhas presentes com farta cópia de mercadorias de procedência es­trangeira, como rádios portáteis, relógios, bôlsas, malas e roupas em confecção. Segundo o condutor, es­taria, dêsse modo, caracterizado "o típico delito de contrabando" já porque o conduzido, "desde o co­mêço da visita, usara de manhas para obstaculizar os trabalhos visados, desejando apenas apre­sentar superficialmente sua casa comercial, ocultando aquêle escon­derijo e mantendo os agentes em engano, figura esta que, por sua natureza, indica a existência de fraude". Tais fatos estão rebora­dos pelo testemunho colhido no auto de flagrante, achando-se o produto da apreensão relacionado no auto que se segue.

Tudo bem examinado. No concernente à pre1iminar,

tenho que não só à autoridade aduaneira incumbe prevenir e coatar a ação dos contrabandistas, eis que se trata de ato lesivo à Ad­ministração e prejudicial ao País. De conseguinte, prescinde a inves­tigação da responsabilidade do au­tor de contrabando ou de desca­minho, de processo administrativo, desde que os elementos apurados, inclusive pela polícia, possibilitem

aquela verificação, em processo contraditório judicial.

Irrelevante se apresenta, por ou­tro lado, o apêlo in casu, ao dis­posto no art. 6.°, § 3.°, da Lei 2.145, aludida, dado que se repor­ta ela, evidentemente, à mercado­ria surpreendida ainda na zona portuária.

Data venia da orientação juris­prudencial de não constituir, nem ao menos em tese, crime de con­trabando ou de descaminho, quan­do feita a apreensão fora da zona fiscal, entendo poder, também, o delito se verificar, se efetuada a diligência fora das barreiras alfan­degárias.

Neste caso, porém, parEI que possa ter lugar o flagrante, será mister a inequivocidade do ato incriminado, não bastando a mera suspeita do exator ou da polícia, ou simples indícios da autoria. Sem a fundada certeza da infra­ção, caberá, apenas, a abertura de inquérito, mesmo pela polícia com a assistência da autoridade fiscal, ou aduaneira

A hipótese figurada retrata um possível crime de descaminho. Os elementos em que se esteiou a polícia, para flagrar o paciente, não são, contudo, de molde a au­torizar a sentença da prisão, pôsto se basearam exclusivamente em presunções. Certo que o prêso deu margem a suspeitas, pelo modo com que se houve e pela dubie­dade de suas respostas (disse até que "achava" que as mercadorias tinham origem legal), mas, daí, a considerá-lo como contrabandista, para justificar sua detenção, é lançar longe demais a barra. Em tais têrmos, considerando estar êle sofrendo, de fato, constrangimen­to ilegal, de vez que não há justa

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causa para a sua prisão, concedo a ordem impetrada, com assento nos arts. 647 e 648, l, do C.P.C., de­terminando a imediata soltura de Alejandro Elian Nemes, o qual responderá em liberdade o proces­so que o M.P. lhe irá instaurar. Junte-se cópia desta ao inquérito já recebido. Expeça-se o compe­tente mandado de excarceramento.

Na conformidade do art. 574, do C.P.C., recorro de ofício da pre­sente para o Egrégio Tribunal Federal de Recursos."

O caso, como se vê, é idên­tico a um outro que foi decidido neste Tribunal e com grande re­percussão nesta cidade, o do ge­rente do Hotel Brasília, em cujo estabelecimento foram encontra­das várias garrafas de uísque sem a devida nota de procedência.

A simples posse de objeto vin­do de fora sem comprovação da entrada legal não constitui, nem autoriza, a presunção de crime de contrabando por quem o possui. O que se pune é o descaminho, mas para isso é preciso que seja apurada a responsabilidade indi­vidual, é preciso que se prove quem fêz passar a coisa pelas bar­reiras alfandegárias enganando o fisco. E como nada disso foi apu­rado acho que o Dl'. Juiz conce­deu muito bem a ordem e confir­mo a sua sentença.

Voto

o Sr. Min. Henrique d'Avila: - Data venia, dou provimento ao recurso para cassar a ordem.

Para mim ficou perfeitamente caracterizado em tese o delito de descaminho. A mercadoria de pro­cedência estrangeira foi encontra­da e apreendida em poder de um

comerciante, sem a documentação comprobatória de sua entradare­guIar no País. Havia, portanto, justa causa para o procedimento criminal.

Voto

o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - Também dou provi­mento. A apreensão de mercado­ria estrangeira revestiu-se de lega­lidade. Sua quantidade indicava destinação comercial e o suposto importador, ou adquirente, não lhe soube explicar e documentar a entrada regular no País.

O Sr. M in. Cunha Vasconcellos: - Prova para se fixar a hipótese como contrabando fiscal e não o penal.

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - Meu voto é dando pro­vimento, data venia.

Voto

O Sr. Min. Godoy Ilha: -Também, data venia do Relator, acompanho o voto do Min. Djal­ma da Cunha Mello. Além dos argumentos já acentuados, S1'. Pre­sidente, há a circunstância de que essa mercadoria se encontrava na posse do paciente, o que induz a convicção de que êle próprio não ignorava a procedência ilegítima da mesma. Assim, dou provimen­to para cassar a ordem.

Voto

O Sr. Min. Oscar Saraiva: -Acompanho o voto do Min. Hen­rique d'Ávila. O paciente afirma não haver justa causa para a pri-

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são e estar-se-ia assim prejulgando o próprio procedimento criminal.

Voto

o Sr. Min. Amarílio Benjamin: - Data venia, dou provimento para ~a~sar o habeas corpus. Te­nho justificaçã..l conhecida no sen­tido de que a prisão em flagrante pode se dar em caso de contraban­do, haja vista no caso a que se referiu o Min. Relator, do gerente do Brasília Palace, no qual fiquei vencido.

Voto (Vencido)

o Sr. Min Aguiar Dias: - Sr. Presidente, o impetrante pede o habeas corpus com fundamento em falta de justa causa, e os fatos se terão passado da seguinte ma­neira: houve uma apreensão de mercadoria estrangeira em seu es­tabelecimento comercial, sem que o paciente pudesse apresentar os comprovantes da entrada do pro­duto no país. Não dou o habeas corpus com fundamento em ausên­cia de justa causa, porque a causa invocada para sua prisão é legíti­ma - seria a infração de disposi­tivo que define como descaminho a entrada no País de mercadoria sem o pagamento dos respectivos direitos - mas, dou por outro fundamento. É que, sem me si­tuar, quer no extremo do Relator, quer no extremo dos demais vo­tos, entendo que é perfeitamente possível enquadrar no crime de descaminho ou de contrabando quem tenha mercadoria estrangei­ra em seu poder sem os devidos comprovantes. Todavia, êste não é caso de flagrante e aí é que está

a diferença; êle foi prêso como se fôsse em flagrante, se êle fôsse sur­preendido no ato de transpor a linha aduaneira sem o pagamento do impôsto, aí sim, é que haveria o flagrante do descaminho. Éle poderia ser surpreendido depois, com a mercadoria resultante do descaminho, mas isso deve ser ob­jeto de inquérito e não de prisão em flagrante. De modo que, no caso, sua prisão não reveste as for­malidades legais; faltam ao fla­grante os requisitos que compõem uma prisão em flagrante, isto é, a prisão no trânsito pela Alfândega sem o pagamento dos direitos. É possível que êle venha a ser con­denado por contrabando, admito, mas em inquérito regular.

Concedo o habeas corpus, res­salvada a instalação de inquérito para apuração do crime de contra­bando.

Voto (Vencido-reconsideração)

o Sr. Min. Oscar Saraiva: -Desejo reconsiderar-me, Sr. Pre­sidente. Posta a questão nos têr­mos em que o fêz o Sr. Min. Aguiar Dias, também como Sua Excelência assim entendo. Aliás, teria êsse sido o meu entendimen­to anterior se me fôsse dado ouvir a opinião tão bem exposta pelo Min. Aguiar Dias. ..f\.companho S. Ex.a porque, na realidade, en­tendo que não se poderia conceder habeas corpus pela razão invoca­da da justa causa. Haveria uma justa causa para o processo, mas as circunstâncias não justificam o flagrante. Éste se materializa com o fato de ser colhido o acusado no ato do transporte, da introdução da mercadoria, e não apenas pelo fato de sua posse.

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Voto (Desempate)

o Sr. M in. Sampaio Costa (Presidente): - Há empate na votação e passo a dar o meu voto de desempate. Tenho para mim que deve ser dado provimento ao recurso. Duas correntes se forma­ram no sentido oposto: uma, que concede o habeas corpus, sob o fundamento do flagrante não estar caracterizado e outra, pelo funda­mento de estar caracterizado o crime. Mas, os que negam a ca­racterização perfeita do flagrante reconhecem a possibilidade e a existência do descaminho.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por voto de desem­pate deram provimento ao recur­so os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello, Godoy Ilha, Amarílio Ben­jamin e Presidente, desempatan­do, votaram com o Sr. Min. Hen­rique d'Ãvila; e os Srs. Mins. Cândido Lôbo, Oscar Saraiva, de­pois de haver reconsiderado seu voto, e Aguiar Dias acompanha­ram o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Sampaio Costa.

HABEAS CORPUS N,O 1.357 - DF.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Hugo Auler (Henrique d'Ãvila) Paciente - Aristides Bertuol Impetrantes - João Pedro da Conceição e outros

Acórdão

Processo de falsificação ou alteração de do­cumento. Não prescinde da apresentação, da exibi­ção, do documento inidôneo, de perícia no atinente.

Vistos, relatados e discuti.dos êstes autos de Habeas Corpus, n.O 1.357, do Distrito Federal, em que são partes as acima indicadas:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, em Sessão Plena, por maioria de votos, em conceder a ordem, na forma do relatório e notas taquigráficas de fls. retro, que ficam fazendo parte integran­te do presente julgado. Custas de lei.

Brasília, 2 de agôsto de 1965. - Godoy Ilha, Presidente; Djal­ma da Cunha Mello, Relator de­signado.

Relatório

o Sr. Min. Hugo Auler: - Sr. Presidente. Trata-se na espécie, de uma ordem de habeas corpus impetrada contra o ato do Meri­tíssimo Doutor Juiz de Direito da

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Comarca de Bento Gonçalves, no Estado do Rio Grande do Sul, através do qual a citada autorida­de judiciária houve por bem re­ceber a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra Aristi­des Bertuol, que teria incorrido na prática do crime previsto no arti­go 301 do Código Penal. Confor­me se infere da leitura da petição inicial e das peças que a instruí­ram liminarmente, o paciente, quando no exercício do cargo de Prefeito da Cidade de Bento Gon­çalves, naquele Estado, teria for­necido um atestado de que a "So­ciedade Beneficente Maria Tere­za Goulart" era mantenedora do "Hospital-Maternidade Professôra Vânia Medeiros Mincarone", com sede à rua dos Andradas, n.O 1.727, em Pôr to Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, e de que as obras do referido nosocômio se en­contravam em plena execução. Todavia, segundo ficou averigua­do em inquérito polícial-militar, a "Sociedade Beneficente Maria Te­reza Goulart" não era, nem nunca fôra mantenedora do "Hospital­-Maternidade Professôra Vânia Medeiros Mincarone", cujas obras não foram iniciadas até a presen­te data, mesmo porque nem se­quer ainda havia sido adquirido o terreno para a respectiva cons­trução. Todavia, em sua petição inicial, o paciente alega que jamais fornecera atestado para aquêle fim, procurando provar a sua ale­gação com uma certidão negativa extraída do Arquivo dos Atestados e Certidões da Prefeitura de Ben­to Gonçalves, no período compre­endido entre 1.0 de janeiro de 1960 e 31 de dezembro de 1963; e porque também não consta dos autos do inquérito policial-militar

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o malsinado documento ideolàgi­camente falso, o que constituiria o corpo de delito de que trata o art. 158 de Código de Processo Penal, não haveria justa causa para que fôsse denunciado como incurso no art. 301 do Código Penal.

Prestando informações, o Mere­tíssimo Doutor Juiz de Direito da Comarca de Bento Gonçalves afir­mou que, em verdade, o paciente havia sido pelo órgão do Ministé­rio Público denunciado como in­curso no art. 301 do Código Penal em face do fato ilícito relatado na petição inicial, tendo o libelo sido recebido a 15 de abril de 1963. E adiantou que, realmente, não cons­tava dos autos o atestado falso, mas que a prova testemunhal afir­mava ter Aristides Bertuol, quan­do Prefeito da Cidade de Bento Gonçalves, fornecido atestado de que existia o referido hospital, em virtude do qual havia o represen­tante dessa inexistente instituição recebido, através do Ministério da Saúde, subvenções no valor de NCr$ 20.000,00 e de ......... . NCr$ 35.000,00, pagos pelo Ban­co do Brasil por ordem daquela Secretaria de Estado.

É o relatório.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Hugo Auler: - Sr. Presidente. O presente writ of ha­beas corpus revela apenas um dos ângulos de uma série de ilícitos penais que deram causa à instau­ração de inquérito policial-militar, no Estado do Rio Grande do Sul, logo após a Revolução de 31 de março de 1964, destinado a apu­rar o desvio irregular de dinheiros

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públicos em benefício de socieda. des que, em verdade, não existiam a não ser, aparentemente, por fôr­ça de documentos, ideologicamen­te falsos, de existência e de fun­cionamento, e que se processava através do sistema de concessão de subvencões do Govêrno Fe­deral. É q'ue, na espécie, apenas um dos denunciados pelo Minis­tério Público, dentre outros mais que também estão respondendo à mesma ação penal, o antigo Pre­feito da Cidade de Bento Gonçal­ves, no Estado do Rio Grande do Sul, denunciado como incurso no art. 302 do Códig Penal, impetrou o presente habeas corpus para que seja excluído da denúncia sob o fundamento de não existir nos au­tos o corpo de delito do crime de fornecimento de atestado ideologi­camente falso, que lhe é impu­tado, como seja êsse documento e com o qual o representante do "Hospital-Maternidade Professôra Vânia Medeiros Mincarone", enti­dade inexistente, teria recebido aquelas subvenções em processos que tramitaram no Ministério da Saúde, alegando que não se há de ter por provado o crime em co­mento se atendida não foi a norma contida no art. 158 do Código de Processo Penal.

Ora, como seja de sabença tri­vial, o art. 301 do Código Penal in­crimina o falso ideológico ou in­telectual que desnatura a substân­cia do ato sem que ocorra qual­quer contrafação ou alteração. Essa espécie de falsum importa na formação de um ato autêntico e, portanto, que não sofreu falsi­ficação material, mas que, substan­cialmente, não representa a verda­de constante de sua apar mte apresentação. Daí a distinção do

crime de que trata o § 1.0 do ar­tigo 301 do Código Penal porque, neste ilícito, há uma contrafaçãq uma alteração da substância do ato, praticado por terceiro em atestado ou certidão que, em sua origem, se revestia de perfeição. Na hipótese do art. 301 do Código Penal, o sujeito ativo do crime é quem fornece o atestado ou a cer­tidão; na hipótese do § 1.0 da mes­ma norma legal, é terceiro que, na posse do atestado ou da certidão, falsifica-os, total ou parcialmente, ou altera o seu teor.

Dessarte, logo se está a ver que na hipótese do § 1.0 do art. 301, do Código Penal, o crime deixa vestígio e porque se trate de fal­sidade documental é indispensá­vel o exame grafotécnico destina­do a apurar a falsificação; já, ao contrário, na hipótese do art. 301 caput da citada legislação, pôsto que o crime também deixa vestí­gio, não se impõe o exame do corpo de delito que poderá ser suprido pela prova testemunhal, a menos que a defesa alegue tratar-se de falsidade documental.

Não resta a menor dúvida que se a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado, segundo o art. 158 do CÓ· digo de Processo Penal. Todavia, o legislador pátrio, prevendo a possibilidade de o crime não dei­xar vestígios, ou do desapareci­mento dêles por não serem perma­nentes ou porque hajam sido ocul­tados os desfeitos, houve por bem suprir a falta do corpo de delito pela prova testemunhal da infra­ção penal, consoante o disposto no art. 167 do citado diploma legal. Como já dizia João Monteiro, no

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antigo direito pátrio, se é certo que se deve envidar todos os esforços para descobrir os vestígios sôbre a pessoa ou coisa em que incidiu a ação criminosa, não se pode admi­tir que a ausência de tais vestígios venha implicar no desconhecimen· to de culpabilidade do agente se se pode demonstrar a prática do crime e quem seja o seu autor através de prova testemunhal.

E foi justamente por essa razão que, ao tratar das nulidades, o le­gislador afirmou que ocorreria nu­lidade à falta do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no art. 167 do Código de Processo Penal, como se verifica do art. 564, In, alínea b, do mesmo diploma legal.

In casu, a denúncia não foi ins­truída com o documento, através do qual o paciente teria atestado falsamente a existência do "Hos. pital-Maternidade Professôra Vâ· nia Medeiros Mincarone", e com o qual esta inexistente instituição logrou obter subvenções do Go­vêrno Federal. Mas a falta de prova material em prática de cri­me previsto no art. 301 do Código Penal, que teria sido praticado pelo Prefeito de Bento Gonçalves, no Estado do Rio Grande do Sul, está suprida pela prova testemu­nhal constante dos autos da com­petente ação penal.

Dir-se-á que a certidão de fls. 4 da Prefeitura Municipal de Ben­to Gonçalves, estaria a provar a inexistência do atestado por isso que não figura o respectivo for­necimento do registro do arquivo de atestado e certidões. Mas não se pode, por outro lado, afirmar que a falta de registro de tal do­cumento ideologicamente falso

possa constituir uma prova de sua inexistência, por isso que poderia ter o paciente fornecido graciosa­mente o atestado sem fazê-lo pas­sar pelo arquivo de atestados e certidões da Prefeitura Municipal daquela Cidade do Estado do Rio Grande do Sul.

Ademais, cabe ponderar que o atestado em comento deverá estar constando dos processos de sub­venção existente no Ministério da Saúde. E nessas condições, para que o paciente pudesse, desde lo­go, ser excluído da denúncia, ne­cessário seria que trouxesse para o ventre dêste writ of habe'as cor­pus uma certidão daquela Secre­taria de Estado, provando que te­ria independido de qualquer ates­tado fornecido pelo paciente a concessão de tais subvenções a uma inexistente instituição hospi­talar. Mas, desgraçadamente, esta prova não foi carreada para os presentes autos, sendo de salien­tar que o ilustre advogado acabou de afirmar da tribuna que lhe foi impossível obter tal prova, tanto no Ministério da Saúde, como na Comissão de Inquérito Policial-Mi­litar.

Não vejo, pois, razão para que se exclua liminarmente o paciente da ação penal, tanto mais quanto a prova material do fornecimento do atestado ideologicamente falso, a corroborar a prova testemunhal, poderá surgir no contraditório ju­dicial que se envolve na própria instrução criminal, e que, por sua natureza, constitui matéria de alta indagação que escapa ao âmbito do habeas corpus.

Por todos êsses fundamentos hei por bem denegar como denego o presente writ of habeas corpus.

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Voto

o Sr. M in. Oscar Saraiva: -Sr. Presidente, como bem salien­tou o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello, fala-se num documento e antes que o mesmo apareça, já se afirma que é falso. Assim, não é possível que a Justiça Pública ve­nha a Juízo sem apresentar tal do­cumento, ou então sem fazer uma prova prévia da sua existência. Fora disso, a peça fundamental do processo criminal, que é o inter­rogatório, estaria frustrada e obs­tada, porque o réu, quando é in­dagado sôbre o crime, não poderá responder porque o fato que cons­tituira o crime não está ao alcance de seu exame. O advogado res­salvou, com tôda cautela, que o habeas corpus é dado nas condi­ções e nos têrmos em que está o processo, sem prejuízo de que o Ministério Público volte com a ne­cessana prova. Aceitar, porém, um processo por falsidade, sem a existência de recibo, dado por fal­so, será abrir precedente tão pe­rigoso quanto atentatório à ordem jurídica, o que importaria em in­verter o princípio constitucional, democrático e universal, de que todo cidadão se presume inocente, até prova de seu crime. Nós in­verteríamos tal presunção e pro­clamaríamos o contrário.

Por tais razões, estou de acôrdo com o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello.

Voto

o Sr. Min. Amarílio Benjamin: - Concedo a ordem. Entendo que no presente caso o atestado argüido de falso deveria ser apre­sentado com a denúncia, salvo se

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o Ministério Público, ao apresen­tar a peça fundamental do pro­cesso, fizesse menção a extravio e protestasse pela aplicação do ar­tigo 168 do Código de Processo, no sentido de assegurar o corpo de delito indireto ou a reconsti­tuição do documento. Ressalvo, igualmente, a instauração da ação penal regular com apresentação do documento, se o mesmo fôr encontrado.

Voto

o Sr. Min. Armando Rollem­berg: - Também concedo a or­dem. Acentuo que o atestado, mes­mo não estando por cópia no ar­quivo da Prefeitura de Bento Gon­çalves, deveria estar, pelo seu ori­ginal, no processo que transitou pelo Ministério da Saúde e assim, teria sido possível obtê-lo para ins­truir a ação.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Antônio Neder: O paciente é acusado de haver co­metido o crime definido no arti­go 301 do C.P., isto é, o crime de atestar ou certificar falsamente, em razão de função pública, fato ou circunstância que habilite al;­guém a obter cargo público, isen­ção de ônus ou de serviço de ca­ráter público, Ou qualquer outra vantagem.

O fato imputado ao paciente na denúncia é êste: "Aristides Ber­tuol, quando no exercício do cargo de Prefeito desta cidade, "atestou" que a Sociedade Beneficente Ma­ria Tereza Goulart era mantene­dora do Hospital-Maternidade Profa Vânia Medeiros Mincarone, com sede em Pôrto Alegre, à rua

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dos Andradas, n.o 1.727, e que as obras do referido hospital encon­travam-se em pleno funcionamen­to. Acontece que a Sociedade Be­neficente Maria Tereza Goulart não é e nem foi mantenedora do Hospital-Maternidade prof.a Vânia Medeiros Mincarone, cujas obras não foram, até esta data, inicia­das, e nem sequer o terreno foi adquirido. O requerimento, os do­cumentos, bem como o "atestado", acima referidos, feitos por solici­tação e orientação de Paulo Min­carone, são todos falsos quanto a seu conteúdo, mas possibilitaram à Sociedade Beneficente Prof.a Vâ­nia Medeiros Mincarone, fundada em 10-12-1963, já em 24 do mes­mo mês e ano, a receber, do Mi­nistério da Saúde, através do Banco do Brasil S. A. um auxílio no valor de NCr$ 20.000,00, e mais tarde, em 4 de fevereiro de 1964, mais NCr$ 35.000,00, do mesmo Ministério, através do Banco do Brasil, Agência de Pôrto Alegre". (sic)

Alega o paciente que não assi­nou o atestado a que se refere a denúncia, e que no processo não se juntou êsse atestado, nem meS­mo por cópia ou certidão, o que prova a sua inexistência.

Alega, outrossim, que, faltando no processo o atestado, falta-lhe o exame de corpo de delito, indis­pensável nas infrações que deixam vestígios, não podendo supri-lo a confissao do acusado, como ex­pressa o art. 158 do C.P.P., donde ser nulo o processo, nos têrmos do art. 564, IH, b, do mesmo Código.

Vê-se do exposto que a contro­vérsia suscitada agora decorre de no processo não se haver feito a juntada do atestado que é tido por ideologicamente falso.

Essa omissão será suficiente­mente idônea para se conceder o habeas corpus?

Entendo que não. Do trecho da denúncia acima

transcrito se vê que o atestado serviu para se obter, no Ministé­rio da Saúde, auxílio em dinheiro, na importância de ........... . NCr$ 50.000,00, para sociedades beneficentes.

É evidente, pois, que êsse ates­tado deve encontrar-se no Minis­tério da Saúde, no processo admi­nistrativo em que se tratou da concessão do auxílio.

Se não se encontra êsse do­cumento no processo criminal a que responde o paciente, é porque as autoridades que o instauraram não foram diligentes no sentido de obtê-lo.

Disso, contudo, não se pode concluir que êle não exista, nem, tampouco, que êle não possa, ama­nhã ou depois, ir para êsse pro­cesso.

Note-se que, aO ensejo da ins­trução criminal, o juiz processante poderá determinar a sua juntada nos autos da ação penal, por cópia ou certidão.

Doutro lado, o crime do art. 301 do C.P. constitui modalidade do da falsidade ideológica, donde a certeza de que, nesse crime, o do­cumento é genuíno ou imaterial­mente verdadeiro, mas o seu conteúdo intelectual é que não ex­prime a verdade, donde a conclu­são de que êsse conteúdo não pode ser objeto de verificação direta ou pericial, senão mediante prova ou elementos de convicção coligíveis "aliunde", como ensina Hungria.

Se no processo da ação penal o juiz encontrar elementos de con­vicção sôbre a falsidade ideológica

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contida no atestado, e, doutro la­do, se êle obtiver cópia ou certi­dão do atestado no Ministério da Saúde, por certo terá êle os ele­mentos estruturais do fato punível, habilitando-se a julgar o caso como lhe parecer justo.

Vê-se que a controvérsia não pode assentar-se na ausência de exame de corpo de delito, como alegou o nobre advogado impe­petrante na petição inicial e repe­tiu na Tribuna.

É que não há como cogitar de exame de corpo de delito na fal­sidade ideológica.

Há que se cogitar, isto sim, do corpo de delito, que no caso, é o atestado expedido pelo paciente, atestado que por certo se encon­tra no Ministério da Saúde.

O conteúdo dêsse documento, se falso se ver as, o juiz poderá veri­ficar por qualquer meio de prova, por quaisquer elementos de con­vicção.

Concluo, pois, que o Tribunal Federal de Recursos, ao aceitar a tese do advogado impetrante, está apreciando, em processo de habeas corpus, matéria de prova ainda não constituída, ainda não p)"o­duzida, ou, mais precisamente, es­tá admitindo que, em processo de habeas corpus, se constitua pro­va para o efeito de julgar do me­recimento da acusação, o que é sabidamente inadmissível.

Nego a ordem, Sr. Presidente.

Voto

O Sr. Min. Márcio Ribeiro: Se fôsse verdadeira a classificação do crime, pretendida pelo Minis­tro Antônio Neder, seria o caso, então, de se anular a denúncia.

O Sr. Min. Antônio Neder: Mas o juiz pode retificá-la.

O Sr. Min. Márcio Ribeiro: Mas se um dos motivos do habeas corpus é a inépcia da denúncia, a necessidade de nova classificação é mais um argumento no sentido da nulidade do processo. Se a de­núncia fôsse retificada, afinal, es­taria prejudicada a defesa do réu.

Meu voto é o seguinte: nós só podemos cogitar do crime real­mente denunciado. Se o crime é o do art. 301, é evidente que não se poderia presumir a certeza do cri­me sem a prova material. Pode-se substituir esta prova por testemu­nhos, nesse sentido o Código de Processo é claro, mas essa prova deveria ter sido completada antes da denúncia, como base para ela, que já pressupõe a existência do crime.

Até agora o descrito na denún­cia não constitui crime.

O Sr. Min. Antônio Neder: -N a verdade o que está na denún­cia não constitui o crime capitu­lado, mas constitui outro crime.

O Sr. Min. Márcio Ribeiro: -Foi o ponto de vista de V. Ex.a

noutro caso relatado hoje. Entre­tanto, como disse, a faculdade dei­xada ao juiz de impor nova clas­sificação jurídica do fato não to­lhe a apreciação da nulidade ar­güida desde logo.

O Sr. M in. Antônio N eder: O juiz, na sentença, não pode des­classificar o crime da denúncia?

O Sr. Min. Márcio Ribeiro: -Pode, no final do processo, res­tituindo o direito de defesa. Mas se a nulidade se constitui num dos fundamentos do habeas corpus, deve, a meu ver, ser apreciada desde logo, pois, do contrário, es­tariam os julgadores consciente­mente sacrificando o direito de de­fesa do réu.

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o Sr. Min. Antônio Neder: -Se o juiz na instrução criminal provasse que o argumento era fal­so, mas desaparecido?

O Sr. Min. Márcio Ribeiro: -Penso que a denúncia no caso, deveria ou ser firmada no próprio documento acoimado de falso ou então em prova pré-constituída de que existiu. Nenhuma prova foi feita. A denúncia portanto não de­veria ter sido recebida.

Concedo a ordem, para anular o processo desde a peça inicial, com relação ao paciente.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por maioria de vo­tos, concedeu-se a ordem, vencidos os Srs. Mins. Relator e Antônio Neder. Os Srs. Mins. Oscar Sarai­va, Amarílio Benjamin, Armando Rollemberg e Márcio Ribeiro vo­taram com o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello. Não compareceu, por se encontrar licenciado, o Sr. Min. Cunha Vasconcellos. Presi­diu o julgamento o Sr. Min. Godoy Ilha.

HABEAS CORPUS N.O 1.369 - PRo

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Oscar Saraiva Paciente - Moussa Nade Impetrantes - Nélson F. Lins d'Albuquerque e Wilson de

França

Acórdão

Habeas corpus que se concede por falta de justa causa para o processo criminal, eis que não configurada a prática de estelionato, pela inocorrên­cia de prejuízo alheio que caracterizaria o ilícito penal.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus nú­mero 1.369, do Estado do Paraná, em que são partes as acima indi­cadas:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, em Sessão Plena, por voto de desempate, em conceder a ordem, na forma das notas ta­quigráficas precedentes, que ficam integrando o presente julgado. Custas de lei.

Brasília, 9 de agôsto de 1965. - Godoy Ilha, Presidente; Oscar Sat"aiva, Relator.

Relatório

O Sr. Min. Oscar Saraiva: O Dr. Promotor Público denun­ciou ao Dr. Juiz da 3.a Vara Cri­minal de Curitiba, Estado do Pa­raná, vários acusados, entre êles o paciente, em favor do qual é impe-

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trada esta ordem de habeas cor­pus, como incurso no art. 171, combinado com o art. 25 do Có­digo Penal, e aplicando-se aos de­nunciados Moussa Nacle (que é o paciente) e Elias Nacle, ora Depu­tado Federal, o disposto no art. 51, § 2.°, do Código referido.

E os fatos delituosos teriam con­sistido na prática de manobras destinadas a proporcionar aos de­nunciados a obtenção de financia­mentos pelo I.A.A., e teriam en­sejado seu locupletamento em prejuízo dessa autarquia federal.

A impetração foi dirigida ao Conselho Superior da Magistratu­ra do Estado do Paraná.

A fls. 20, prestou informações o Dr. Juiz, juntando, a estas, cópia do despacho de recebimento da denúncia, cujo teor consta dos au­tos a fls. 7/9.

Por Acórdão a fls. 29 o Egrégio Conselho a que fôra a ordem di­rigida deu-se por incompetente e declarou a competência originária dêste Tribunal Federal de Re­cursos.

Presentes os autos a êste Tri­bunal, êste é o relatório.

Voto

o Sr. Min. Oscar Saraiva: -O crime de estelionato se acha ca­racterizado no art. 171 do Código Penal. Ora, entre os atos que in­tegram o ilícito penal, está o pre­juízo alheio, e no caso, estaria o prejuízo da autarquia. Não obs­tente, na hipótese êsse prejuízo não ocorreu; os empréstimos que origi­naram a denúncia, e que teriam sido o resultado de manobras frau­dulentas, foram liquidados antes da denúncia, que é datada de 29 de dezembro de 1964. Assim é que

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em relação a Moussa Nacle, o pa­ciente, consta de fls. 10 cópia au­têntica do seguinte ofício do I.A.A.: (lê).

E consta ainda, a fls. 12, o re­cibo, datado de 5 de outubro de 1964, nos têrmos seguintes: (lê).

Face a êsses fatos, anteriores à denúncia, esta já não mais poderia ter sido oferecida, e os atos que originaram os empréstimos liqui­dados sem qualquer p~ejuízo para o I.A.A., poderiam assumir as ca­racterísticas de ilícitos administra­tivos, sujeitando os respectivos au­tores às sanções próprias a essa esfera, mas perderam seu aspecto penal, por dêles não haver resul­tado, para o Instituto, o prejuízo patrimonial que seria exigível para originá-lo.

Pelo exposto, defiro o pedido e concedo a ordem.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Depois dos votos dos Srs. Mins. Relator e Armando Rollemberg, concedendo a ordem, pediu vista o Sr. Min. Antônio Neder, aguardando os Srs. Mins. Márcio Ribeiro, Hugo Auler e Djalma da Cunha Mello. Não compareceram os Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, por achar-se em fé­rias e Amarílio Benjamin, por en­contrar-se licenciado. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Godoy Ilha.

Voto

O Sr. Min. Antônio Neder: -Verifico dêstes autos que o paci­ente de nome Moussa Nade, que é comerciante em Curitiba, e um seu irmão, que é hoje o Deputado Federal Elias Nacle, ter-se-iam

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conluiado com Waldemar Co­lombini, Delegado-Regional do Instituto do Açúcar e do Álcool no Paraná, e Mário Lôbo de Medei­ros, fiscal agroindustrial dessa au­tarquia no mesmo Estado, para que ao primeiro dêles fôsse conce­dido empréstimo de dinheiro pelo mencionado Instituto, representa­do na pessoa do acusado Walde­mar Colombini (seu Delegado-Re­gional), para, dêsse modo, custear os trabalhos rurais da lavoura de cana-de-açúcar da propriedade do paciente, situada no Município de Morretes, daquele Estado. Dêste conluio, qual se informa neste pro­cesso, o paciente, que não é agri­cultor, ou, mais precisamente, que não é plantador de cana, obteve o empréstimo como se tal fôsse, causando, assim, prejuízo à autar­quia, tanto porque esta só faz em­préstimo dessa espécie a quem se­ja plantador de cana, quanto por­que o paciente não cumpriu as obrigações do contrato de abertura do crédito que firmou com o Ins­tituto do Açúcar e do Álcool.

Nos autos se informa, ainda, que o sucesso dêsse negócio te­ria advindo de influência que exercera, sôbre Waldemar Colom­bini e Mário Lôbo de Medeiros, um irmão do paciente, Elias Na­ele (hoje Deputado Federal), que exerceu, de maio de 1956 a dezem­bro de 1958 (o contrato é de maio de 1958) as funções de Delegado do Ministério do Trabalho, Indús­tria e Comércio na Comissão Exe­cutiva do Instituto do Açúcar e do Álcool.

Nas fls. 14 e 15 encontra-se có­pia fotográfica do contrato de abertura de crédito firmado pelo Instituto, na pessoa de Colombi­ni, o paciente Moussa N aele, o re-

presentante da sociedade interve­niente e duas testemunhas.

Nas fls. 16/17 se informa que no Instituto do Açúcar e do Álcool foi instaurado inquérito adminis­trativo no qual o Deputado Elias Nacle figura como indiciado, in­quérito êsse que, a requerimento seu, teria sido arquivado em outu­bro de 1963.

Informa-se, doutro lado, que Waldemar Colombini e Mário Lô­bo de Medeiros, ambos funcioná­rios do já mencionado Instituto, são hoje falecidos, o que justifica a não inclusão de seus nomes na denúncia que instaurou a ação pe­nal que ensejou esta outra de habeas corpus.

Verifica-se dos autos, doutro lado, que o contrato de abertura de crédito firmado pela autarquia e pelo paciente é de 2 de maio de 1958, e, mais, o paciente, que é o creditado, se obrigou a liquidar a dívida exatamente a 30 de abril de 1959, isto é, ao cabo de um ano.

N a fI. 11 se lê uma carta escrita em papel timbrado do Instituto, assinatura ilegível, na qual se dá a notícia de que a obrigação re­sultante do mencionado contrato foi liquidada a 6 de junho de 1963.

Todos êsses informes encon­tram-se nos autos: na petição de habeas corpus, na cópia da denún­cia e em documentos oferecidos pelos Drs. advogados impetrantes.

De tudo que me é dado verifi­car dos parcos elementos que leio neste processo, estou em que o conluio de Moussa Nacle, o pa­ciente, com Waldemar Colombini e Mário Lôbo de Medeiros, fun­cionários do Instituto, e a exe­cução dêsse conluio, por meio da

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qual o paciente se aproveitou de dinheiro público, constitui ou o crime de peculato mediante apro­priação indébita, definido no ar­tigo 312, caput, do c.P., ou o cri­me de peculato-furto, definido no § 1.0, dêsse art. 312 do C.P ..

É difícil precisar o detalhe da classificação, neste ensejo, porque estou formando meu juízo com os poucos elementos que se contêm em processo de habeas corpus. Não tenho o processo da ação pe­nal; e as informações do MM. Dr. Juiz são muito lacônicas, como sempre ocorre.

Como quer que seja, uma leitu­ra, mesmo desprevenida da petição do habeas corpus, da cópia da de­núncia e dos poucos documentos que os impetrantes trouxeram para êstes autos me convencem de que, no caso, o crime praticado pelo paciente e outros não é o de este­lionato, como expressa a denúncia, mas o de peculato, ou na sua for­ma de apropriação indébita (C.P., art. 312, caput), ou na sua forma de furto (C.P., art. 312, § 1.0).

Com efeito, assim é porque, se Waldemar Colombini, funcionário do Instituto, sob influência do Deputado Elias Nacle, aquiesceu em fazer o empréstimo de dinhei­ro, em nome da autarquia, a quem não tinha direito a êsse emprésti­mo, de duas uma: ou Colombini desviou o dinheiro público em pro­veito alheio, como prevê o art. 312 do C.P., ou Co 10mb in i concorreu para a subtração do dinheiro em proveito alheio, valendo-se de fa­cilidade que lhe proporcionava sua qualidade de funcionário, como prevê o § 1.0, do mencionado ar­tigo 312 do C.P ..

Dir-se-á que o paciente Mous­sa N acle não é funcionário públi-

co, e, portanto, não pode ser ha­vido por agente criminoso de pe­culato. A essa objeção é de se re­plicar que, no caso, como ensina a doutrina mais conspícua, a qua­lidade de funcionário, embora de caráter pessoal, é elementar do crime e, portanto, comunicável, o que vale dizer: todos os partíci­pes, ainda mesmo os extranei, res­pondem pelo título de peculato (Hungria), como decorre, aliás, do art. 26 do C.P., que expressa: "Não se comunicam as circunstân­cias de caráter pessoal, salvo quan­do elementares do crime".

Assim sendo, dado que Colom­bini, funcionário da autarquia, conluiou-se com Moussa Nacle para conceder-lhe empréstimo de dinheiro a que não tinha direito, evidente é a conclusão de que a qualidade pessoal do funcionário Colombini comunicou-se a Mous­sa Nacle para o efeito de indicar quais os autores ou co-autores do crime.

Do exposto, concluo que o cri­me praticado pelo paciente é o de peculato, crime de prisão preven­tiva obrigatória, razão pela qual denego a ordem.

Dir-se-á que o paciente, ou al­guém por sua pessoa, pagou a dí­vida, e que isso modifica o aspec­to criminal do fato.

A propósito, eu me permito lembrar à Casa que êste ponto tem pertinência com o momento con­sumativo do crime. Quando se consuma o crime de peculato? É sabido que o momento de consu­mação dêsse crime é o momento em que se verifica a apropriação ou distração da coisa.

No momento em que se verifica o dano patrimonial, no lugar em

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que se verifica êsse dano, aí, nesse momento, se consuma o crime.

É o que ensina a doutrina mais moderna, dominada de espírito científico.

Vejamos, a propósito, o que en­sina o mestre Hungria, sempre fes­tejado (Com., Vol. IX, pág. 345) :

"O peculato não é mais que a apropriação indébita trasladada para o quadro dos crimes contra a administração pública, porque pra­ticado contra o patrimônio desta ou confiado à sua guarda e res­ponsabilidade, e por funcionário seu, com infidelidade ao cargo pú­blico (cujo exato desempenho afe­ta diretamente ao interêsse do Estado e, portanto, da coletivida­de). É êle incriminado separada­mente da apropriação indébita comum, para mais severo trata­mento penal, não somente porque seja uma violação do dever fun­cional, senão também, substancial­mente, porque lesa o interêsse pa­trimonial do Estado. Com a apropriação ou malversação do di­nheiro, valor ou outro bem móvel pertencente ao Estado ou sob a guarda dêste é que se realiza a vio­lação do d~ver funcional. Uma e outra são como corpo e alma, como esmeralda e côr verde, como fel e amargor. Sem êsses dois ele­mentos, que se conjugam incidi­velmente não pode haver o sum­matum opus do peculato. O mo­mento consumativo é, aqui, a efetiva apropriação sine jure do dinheiro, valor ou outra coisa mó­vel, e nesse momento está necessà­riamente inserto o dano patrimo­nial, isto é, o desapossamento ou perda do poder de disponibilidade do Estado (ou outra entidade de direito público) relativamente ao bem de que se trate, servindo-se

dêle o agente como se fôsse o do­no. Ainda no caso de simples des­vio (como, por exemplo, a retirada do dinheiro do Estado, para em­prestar, transitoriamente, a ou­trem), não deixa de haver efetivo e concreto dano patrimonial. Na própria "malversação", em que o dinheiro ou coisa não pertença ao Estado, mas está sob sua guarda e responsabilidade, a obrigação le­gal que decorre para êste, de res­tituir ao proprietário a pecúnia ou o valor da coisa, já é autêntico dano patrimonial. Não tenho dú­vida, portanto, em repetir o que já disse de outra feita: peculato consumado sem dano efetivo é tão absurdo quanto dizer-se que pode haver fumaça sem fogo, ou som­bra sem corpo que a projete, ou telhado sem paredes ou esteios de sustentação".

Por êsses fundamentos, denego a ordem.

Voto (Explicação)

o Sr. Min. Oscar Saraiva: Como o meu voto foi proferido em Sessão anterior, embora já não o tenha mais em mãos, reporto-me à memória, para salientar fatos li­geiros, já agora reafirmada a mi­nha convicção pelo exame detido feito pelo Sr. Min. Neder. Devo dizer que meu entendimento sôbre a matéria é mais simples do que o de S. Ex.a e talvez mais direto. Busquei ver o fato de que se acusava o denunciado. ftste foi de­nunciado pelo crime do art. 171 do Código Penal, por estelionato. De sorte que o que teríamos a considerar, não seria uma revisão in pejus da denúncia por estelio­nato, para transformá-la, por via indireta e através dos falecidos

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funcionários do Instituto do Açú­car e do Álcool, em peculato. Mas deveriam, como o fêz considerar o caso como oferecido e como está sendo processado no Juízo Crimi­nal de Curitiba. O acusado foi processado por estelionato que se caracterizaria pelas fraudes que teria praticado para obter êsse em­préstimo. Em que pese a autori­dade do Sr. Min. Neder, e do nos­so eminente Prof. Min. Nélson Hungria, tenho em que neste caso, por mais esforços mentais que fi­zéssemos, jamais poderíamos clas­sificar como peculato um caso tí­pico de estelionato.

Nélson Hungria se refere ao peculato-furto e peculato-apro­priação indébita. Neste, transfere o delinqüente para si a coisa da propriedade do Estado. No pe­culato-furto há a subtração da coi­sa. Mas nem o furto nem apro­priação indébita houve. O que houve foi um empréstimo, ato de rotineira natureza administrativa. Um empréstimo, é verdade, obti­do por forma tortuosa. Mas a consideração dessas formas tortuo­sas que originariam outros delitos está prejudicada, porque a ação penal se extinguiu com a morte de seus responsáveis. E o que rema­nesce, em relação ao impetrante, é o estelionato que êle teria pra­ticado, quer dizer as manobras fraudulentas. Mas como antes da denúncia o acusado pagou ambos os empréstimos, a meu ver desa­pareceu a figura delituosa, porque o que caracteriza o estelionato é o prejuízo, e êste não ocorreu, res­tando apenas figuras de irregula­ridades administrativas. O acusa­do pagou e não podia, sequer, ser denunciado. Daí, data venia do Min. Neder, mantenho o meu voto.

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o Sr. Min. Antônio Neder: O eminente Min. Oscar Saraiva discordou do meu ponto de vista, alegando que, no caso, se configu­rou efetivamente o estelionato e não o peculato. Data venia, en­tendo que o crime é realmente de peculato. Entretanto, para racio­cinar de acôrdo com a tese de S. Ex.a, declaro que mesmo no caso de ser crime de estelionato êste se consumou. O Min. Oscar Saraiva me perdôe, mas o crime se consu­mou, infração ao art. 171 do Có­digo Penal. O prejuízo alheio, no caso, não ficou desfeito pelo fato de êle haver pago. Desde o mo­mento em que o dinheiro saiu do Tesouro Público para quem não devia, neste momento, consumou­se o delito e verificou-se o prejuí­zo, ainda que o dinheiro, posterior­mente, tivesse voltado ao Tesouro Público. Mas o Tesouro Público não pode ficar desfalcado de um níquel sequer, de maneira indevi­da e contra a lei. Um minuto se­quer que o dinheiro saia dos Co­fres Públicos, de maneira ilegal e ilegítima, e vá às mãos de quem não tem o direito de recebê-lo, está consumado o prejuízo.

O Sr. M in. Oscar Saraiva: -Nestes casos, estou de acôrdo com o Promotor. Ora, V. Ex.a neste habeas corpus, quer fazer o con­trário, quer agravar a posição do impetrante - e a conclusão de v. Ex.a é esta: mandar que o Pro­motor retifique sua denúncia a fim de incriminar o paciente por peculato.

O Sr. Min. Antônio Neder: -Não posso mandar fazer isso. Ape­nas discordo do Promotor quanto à classificação. ~le poderá aceitar ou não. Isto é cousa que o Juiz vai decidir, no mérito. Estou ape-

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.. nas apreciando o habeas corpus e, como entendo que o crime é de peculato e a prisão preventiva é obrigatória, denego a ordem. Mas, para raciocinar, admitamos que seja crime de estelionato. Enten­do que o pagamento feito poste­riormente não desfigura o crime de estelionato. Continua consuma­do e, conseqüentemente, a ação penal subsiste. Por êsses motivos e com essas observações, entendo que o habeas corpus não pode ser concedido.

Voto

o Sr. Min. Hugo Auler: - Sr. Presidente. Trata-se, na espécie, de habeas corpus impetrado com arrimo no art. 548, inciso I, do Código de Processo Penal, visto como o paciente alega nas razões da impetração o fato de não exis­tir justa causa para que seja, como o foi realmente, denunciado como incurso no art. 171 do Código Penal.

Ora, o libelo se arrimou no fa­to ilicitamente penal como seja o de ter o paciente alegado falsa­mente a condição de produtor de cana-de-açúcar e com o que se beneficiou dos favores de que tra­tam os arts. 1.0 e 2.° do Estatuto da Lavoura Cana vieira (Decreto­lei n.O 3.855, de 21 de dezembro de 1941). Para êsse fim, teria ob­tido a participação de Waldemar Colombini, Diretor-Regional do Instituto do Açúcar e do Alcool, em Curitiba, no Estado do Para­ná, e de Mário Lôbo de Medeiros, Fiscal Agroindustrial da mesma autarquia estatal, e com o que con­seguiu desviar, em proveito pró­prio, dinheiros públicos com deter-

minada destinação, como sejam os que se destinam a empréstimos concedidos aos produtores de cana­de-açúcar por fôrça do citado di­ploma legal. Portanto, a rigor, o crime em comento estaria defini­do no art. 312 do Código Penal. Todavia, o Ministério Público, afastando aquela participação, de­nunciou o paciente pela prática do crime de obtenção, para si ou para outrem, de vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou man. tendo alguém em êrro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, previsto no ar­tigo 171 do mesmo diploma legal.

Dir-se-á, todavia, que não hou­ve prejuízo, por isso que, levanta­do o empréstimo, foi êle, poste­riormente, saldado junto ao Insti­tuto do Açúcar e do Alcool. Não é verdade. Em matéria de estelio­nato ou de peculato, o prejuízo alheio se verifica no momento da consumação do ilícito penal; desde que os dinheiros foram desviados ilicitamente da pessoa física ou da pessoa jurídica de direito privado ou de direito público interno, ca­racterizado está qualquer um da­queles delitos pois o que a lei pe­nal incrimina é a fraude através da qual se opera a captação de quaisquer valôres de patrimônio alheio. Dessarte, a liquidação pos­terior do empréstimo não tem ca­pacidade para apagar a infração penal. Em primeiro lugar porque o prejuízo real já se verificara desde o momento em que o levantamen­to do empréstimo foi obtido atra­vés de captação ilicitamente pe­nal; em segundo lugar porque o desvio se operou quando o pacien­te, através de fraude penal, ale­gando falsamente a qualidade de produtor de cana-de-açúcar, obte-

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ve o empréstimo que somente po­deria ser destinado a fins que por êle não poderiam ser atendidos, sim que não tinha a condição pre­vista em lei para a respectiva con­cessão.

Mas a verdade é que, na espé­cie, não se tratou de prejuízo po­tencial mas, em verdade, de um dano real. Com efeito, o contrato foi celebrado pelo paciente com o Instituto do Açúcar e do Álcool, a 2 de maio de 1958, não tendo sido saldado na época devida o mútuo em comento. Posterior­mente, o paciente resolveu trans­ferir tal dívida para a Usina de Morretes que, não obstante haver protestado contra a concessão ile­gal, houve por bem saudá-la no mês de março de 1963. Nestas condições, logo se está a ver que o retardamento no implemento daquela obrigação a importar na desvalorização do poder aquisitivo da moeda naci0nal, veio importar em um prejuízo patrimonial para aquela autarquia federal.

Por tôdas essas razões é que re­conheço a justa causa para a ação penal, tanto mais quanto em Direi­to Penal domina o princípio de que o fato consumado não se apaga nunca mais - faetum infectus fieri.

Todavia, afasto da sedes mate­rae a questão referente à nova de­finição do fato a carrear outra classificação penal. Não é o ha­beas corpus meio idôneo para agravar a situação do paciente que responde por um crime cuja quan­tidade da pena, tomada in abstrae­tu, é menor, não obstante o mesmo grau de gravidade. Tanto somen­te poderá ser objeto no curso da instrução criminal e na oportuni­dade da aplicação da norma con-

sagrada no art. 384 do Código Penal. Se ficar provado que o De­legado-Regional e o Fiscal Agro­industrial do Instituto do Açúcar e do Álcool, ao invés de terem si­do iloqueados em sua boa-fé pela manobra fraudulenta do pacien­te, dela participaram para que fôs­sem desviados dinheiros públicos da citada autarquia estatal, nesta hipótese, o crime deverá ser clas­sificado para o art. 312, ex vi do art. 327 e parágrafo único, do Có­digo Penal.

E pouco importa que já tenham falecido aquêles servidores autár­quicos, equiparados aos funcioná­rios públicos para o efeito de res­ponderem pelos crimes previstos no Capítulo I, do Título XI, do Código Penal. Domina a matéria o princípio da comunicabilidade das condições pessoais, quando elementares do crime, segundo a norma consagrada no art. 26 do citado diploma legal. Na co-auto­ria, a comunicação das condições pessoais se opera no momento da consumação do ilícito penal, não mais se afastando do terceiro que, em virtude de não possuir as con­dições pessoais para cometer deter­minado crime, por elas foi conta­minado em virtude do seu ato de participação na conformidade do art. 25 do Código Penal. O prin­cípio clássico - mors omnia solvit -se restringe aos que tiveram ex­tinta a punibilidade por efeito do inciso I, do art. 108, do Código Penal, não se estendendo aOs par­tícipes que sobreviveram à consu­mação do crime que não mais po­derá ter outra definição por ter ocorrido a morte dos que, tendo dêle participado, por suas condi­ções pessoais, causaram instantâ-

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neamente uma determinada clas­sificação penal.

Por todos êsses fundamentos hei por bem denegar como denego o presente writ oi habeas COI pus.

Voto

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - Também denego.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Prosseguindo-se no julgamento, a decisão foi a seguin­te: Depois dos votos dos Srs. Mins. Antônio Neder, Hugo Auler e Djalma da Cunha Mello denegan­do a ordem, pediu vista o Sr. Min. Márcio Ribeiro. O Sr. Min. Hugo Auler encontra-se em substituição ao Sr. Min. Henrique d'Ávila. Não compareceram os Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, por achar-se em fé­rias e Amarílio Benjamin, por en­contrar-se licenciado. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Godoy Ilha.

Voto O Sr. Min. Márcio Ribeiro:

Mais uma vez concordo com a opinião do eminente Min. Oscar Saraiva.

Em teoria, o pagamento não po­deria suprimir o crime já pratica­do, que é, segundo a denúncia, estelionato.

Acontece, porém, que êsse pa­gamento, o longo período decorri­do desde a época em que se saca­ram os empréstimos (1958) e a própria natureza dêste, são ele­mentos constantes dos autos e que trazem as mais sérias dúvidas não só sôbre a autoria como sobre­tudo sôbre a existência de qual­quer crime.

Pelo menos estelionato verifica­se, à primeira vista, que o'paciente

não cometeu, como ficou demons­trado no brilhante voto do emi­nente Min. Neder.

Não se pode colhêr nas malhas do estelionato a realização de um contrato, celebrado com o I.A.A., em que a vítima seria essa autar­quia que tinha a obrigação e aliás, dispõe de pessoal próprio e de to­dos os demais elementos para ve­rificar, desde logo, as condições necessárias ao empréstimo. Nada, aliás, contém a denúncia para ca­racterização do induzimento em êrro, do artifício idôneo que o pa­ciente teria empregado para en­ganar a vítima.

Pelo Estatuto da Lavoura Ca­navieira qualquer dúvida ou re­clamação derivada do contrato deveria ser previamente submeti­da, na esfera administrativa, à de­cisão das Comissões de Concilia­ção, com recurso para a Comissão Executiva e só depois disto seria lícito que qualquer das partes in­gressasse na justiça ordinária (Lei n.o 3.855, de 1941, art. 109).

Sem aludir de modo algum aos meios pelos quais, a despeito de tôdas essas dificuldades, teria sido possível aos denunciados iludir a Administração do Instituto, o Dl'. Promotor Público realmente não descreveu ou caracterizou o crime do art. 171 do Código Penal.

Também quanto ao crime de peculato a denúncia é totalmente omissa: não descreve nem a atua­ção dos autores principais, ao que parece hoje falecidos, nem sobre­tudo a participação que, em pe­culato alheio, poderia ter tido o paciente.

Ora, como o habeas corpus se baseia não só na ausência de justa causa como na inépcia da denún­cia, a nulidade ex radice do pro-

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cesso judicial não pode deixar de ser imediatamente reconhecida.

A possibilidade de retificação do processo, por aditamento da denúncia - a faculdade conferida ao Juiz pelo art. 384, parágrafo único, do Código de Processo Pe­nal - não tem o condão de fazer desaparecer o vício já existente (art. 564, n.o 111, letra a) e alega­do na via própria do habeas corpus (art. 648, n.o VI).

Demais aguardar a retificação da denúncia, no final do processo, seria, no caso, ofender o art. 141, § 25, da Constituição Federal, pela supressão do direito de defesa do paciente.

Concedo, pois, a ordem.

Voto

o Sr. Min. Godoy Ilha: - Está empatada a votação. O Srs. Mins. Oscar Saraiva, Armando Rollem­berg e Márcio Ribeiro concederam a ordem; negaram-na os Srs. Mins. Antônio Neder, Hugo Auler e Djalma da Cunha Mello.

Peço vista do processo para proferir o voto de desempate.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Prosseguindo-se no julgamento, a decisão foi a seguin­te: Depois do voto do Sr. Min. Márcio Ribeiro concedendo a or­dem, o julgamento ficou empatado, porque os Srs. Mins. Relator, Ar­mando Rollemberg e Márcio Ri­beiro concederam a ordem e os Srs. Mins. Antônio Neder, Hugo Auler e Djalma da Cunha Mello denegaram-na. O Sr. Min. Presi­dente pediu vista dos autos, a fim de proferir o voto de desempate.

O Sr. Min. Hugo Auler encontra­se em substituição ao Sr. Min. Henrique d'Ávila. Não compare­ceu o Sr. Min. Cunha Vasconcel­los, por se encontrar licenciado. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Godoy Ilha.

Voto (Desempate)

O Sr. Min. Godoy Ilha: - In­duvidoso que o crime de estelio­nato imputado ao paciente não re­sume os extremos de figura deli­tuosa prevista no art. 171 do Có­digo Penal, como o capitulou a de­núncia.

Alegou-se, para tal, que o de­nunciado, invocando sua falsa qua­lidade de plantador de cana, obti­vera um empréstimo do Instituto do Açúcar e do Álcool, através da sua Delegacia-Regional de Curiti­ba, com o que causara vultoso pre­juízo àquela autarquia, o que teria ocorrido nos idos de 1957 e 1958.

A tôda a evidência que isso não caracteriza o estelionato que, na definição legal, consiste em obter alguém vantagem ilícita em pre­juízo alheio, mediante emprêgo de artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento, circunstâncias que não foram articuladas na de­núncia.

De resto, como acentuou o voto do Sr. Min. Márcio Ribeiro, tinha a autarquia elementos à sua mão para verificar, desde logo, o im­plemento das condições necessá­rias à realização do empréstimo.

O fato, quando muito, poderia revestir a fraude civil, com o vício do contrato, pois como mostram os mais abalizados penalistas (on­de apareça uma impostura fácil de ser reconhecida, há fraude civil e não criminal), como ensina Im­palomeni.

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No contrato mútuo celebrado com o Instituto, conforme se vê do instrumento de fls. 14, sequer de­clarou o paciente a sua condição de plantador de cana, e pactuado o empréstimo com a interveniên­cia da Usina Malucelli (a que su­cedeu a Usina Morretes), que se obrigou a reter as importâncias correspondentes à entrega de ca­nas para o reembôlso ao Instituto da quantia mutuada, circunstância que esclarece a verdadeira desti­nação do empréstimo e se os mu­tuários não eram antes, plantado­res de cana, adquiriram essa con­dição ao firmarem o contrato, com a obrigação de entregarem o pro­duto à usina, para o efeito da re­tenção do seu respectivo valor.

Por outro lado, a ausência do prejuízo econômico do Instituto, desfiguraria a imputação do este­lionato, como sustentou o voto do eminente Relator. Em verdade, tratando-se de crime contra o pa­trimônio, o dano efetivo é condi­ção inerente à criminalidade do ato.

Ora, verificou-se pelo documen­to de fls. 11, que o empréstimo contraído pelo paciente foi liqui­dado, ainda em data de 6 de junho de 1963, pela Usina Morretes, responsável pela retenção das quantias correspondentes aos for­necimentos, nos têrmos do contra­to, e como arrendatária das terras, e a demora havida na solução do débito não é imputável ao pacien­te, mas à referida Usina Morretes, sendo relevante assinalar que a denúncia só foi oferecida em 29-12-1964.

Os votos divergentes entendem que o crime seria o de peculato, de que seria o paciente co-autor

mas, a tôda a evidência, manifesta a impossibilidade dessa desclassi­ficação, eis que a denúncia ou não atribui êsse delito aos servidores da autarquia, de modo a estabele­cer-se o nexo causal a caracterizar a co-participação do paciente.

Se responsabilidade criminal pudesse ser atribuída aos servido­res do Instituto, o delito jamais seria o de peculato, mas o de pre­varicaçãoprevisto no art. 319 da Lei Penal, o de praticarem ato de ofício contrariando expressa dis­posição de lei, desde que o agente visasse satisfazer interêsse ou sen­timento pessoal, mas êsse delito, punido com a pena de detenção de três meses a um ano, já estaria prescrito.

Tudo indica que o inquérito, já mandado arquivar pelo Instituto, foi reaberto para colhêr em suas malhas, por motivos evidentemen­te políticos, o irmão do paciente, deputado federal pelo Paraná.

Desempato, concedendo a or­dem, por falta de justa causa.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Prosseguindo-se no julgamento, a decisão foi a seguin­te: Por voto de desempate, foi concedida a ordem, vencidos os Srs. Mins. Antônio N eder, Hugo Auler e Djalma da Cunha Mello. Os Srs. Mins. Armando Rollem­berg, Márcio Ribeiro e Godoy Ilha (Presidente), desempatando, votaram com o Sr. Min. Relator. Não compareceram os Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, por encon­trar-se licenciado e Djalma da Cunha Mello por motivo justifica­do. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Godoy Ilha.

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HABEAS CORPUS N.o 1.391 SP.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Antônio Neder Paciente - Fábio Gomide Collet e Silva Impetrantes - Ewaldo Nogueira da Silva e Ângelo Pio Men­

des Corrêa

Acórdão

Habeas corpus. Justa causa para a acusação. Arts. 41 e 43, I, do C.P.P .. Quando a fatispecie con­creta se ajusta à fatispecie abstrata, não há como falar-se em denúncia inepta. Bastante é que, na denúncia, a descrição do fato autorize a suspeita de ser êle criminoso. Pedido negado.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus nú· mero 1.391, do Estado de São Paulo, em que são partes as aci­ma indicadas:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, em Sessão Plena, por unanimidade, em negar a ordem, na forma do relatório e notas ta­quigráficas precedentes, que ficam integrando o presente. Custas de lei.

Brasília, 23 de setembro de 1965. - Oscar Saraiva, Presiden­te; Antônio Neder, Relator.

Relatório

O Sr. Min. Antônio Neder: -Os advogados Ewaldo Nogueira da Silva e Ângelo Pio Mendes Cor· rêa requerem habeas corpus em favor de Fábio Gomide Collet e Silva.

Alegam, na inicial, o seguinte: "Os advogados Ewaldo Noguei­

ra da Silva e Ângelo Pio Mendes Corrêa, brasileiros, casados, inscri­tos na O.A.B., secção de São Pau­lo, sob n.O' 3.027 e 8.404 com es­critório nesta Capital à rua Sena­dor Paulo Egídio, 72, 3.0 and.,

conj. 308 e rua Tabatinguera, 34, 11.0 and., respectivamente, estan· do em pleno uso e gôzo de seus direitos civis e políticos, com fun­damento no art. 141, § 23, da Constituição Federal e arts. 647, 648 e seguintes, do Código de Pro­cesso Penal, vêm respeitosamente à presença de V. Ex.a, a fim de impetrarem uma ordem de habeas corpus preventivo em favor de Fá­bio Gomide Collet e Silva, brasi. leiro, casado, funcionário público federal, residente nesta Capital à rua Haverá, 81, que se encontra na iminência de sofrer constran­gimento ilegal, em virtude de de­núncia oferecida em processo cri· me contra o mesmo instaurado perante o Juízo da 31.a Vara Cri­minal, não fundada em justa cau­sa, eis que está inteiramente di­vorciada dos elementos de con­vicção constantes do inquérito policial-militar, instaurado para determinar a existência de câmbio negro no comércio do trigo em São Paulo, pelos motivos de fato e de direito que passam a expor nas razões que, a seguir apresen­tam: . .. O paciente foi denuncia­do como incurso nas sanções do

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art. 316, combinado com o art. 51, § 2.°, ambos do Código Penal, por haver praticado os fatos que se­guem (doc. n.o 2), "Fábio Gomi­de Collet e Silva, qualificado às fls. 2, que de setembro de 1962 a março de 1964 fôra responsável pelo S.T. (extinto), em datas não devidamente precisadas, porém no referido período, por três vêzes, exigiu do Sr. Antônio Francisco Rocha Ribeiro, para que as guias fôssem autorizadas, a importância de Cr$ 30.000 por guia, recebendo Fábio o total de Cr$ 90.000, sem o que Antônio F. Ribeiro ficaria sem a autorização para o recebi­mento da farinha". Nasceu a acusação de afirmativa feita pelo padeiro Antônio Francisco Rocha Ribeiro ao prestar declarações no referido inquérito policial-militar: "perguntado se no serviço de ex­pansão do trigo foi necessário al­guma vez dar alguma quantia para que as guias de pedidos de farinha de trigo fôssem autorizadas, res­pondeu que por três vêzes o Sr. Fábio Collet lhe exigiu Cr$ 30.000 para que as guias fôssem autoriza­das, encontrando-se essas guias ainda em seu poder; perguntado o total das importâncias entregues ao Sr. Fábio Collet respondeu ser da ordem de Cr$ 90.000". Se ver­dadeira fôsse, a assertiva acima inserida, ao paciente não restaria outra alternativa senão ilidi-la no curso da ação penal. Todavia, a incriminação é produto de deplo­rável equívoco já que se dirigia a outra pessoa que não o paciente, conforme se verifica da acareação procedida entre as partes em tela: "Perguntado ao Sr. Antônio Fran­cisco Rocha Ribeiro se alguma vez para a aquisição de farinha de tri­go tinha fornecido quantia em di-

nheiro ao Sr. Fábio Gomide Collet e Silva, para que lhe fôsse confiado as guias competentes e necessárias ao recebimento dos moinhos de tri­go do produto necessário, respon­deu que procurado em sua Panifi­cadora e Confeitaria Minister Ltda. pelo Sr. Gomes Cardim que lhe propôs o seguinte negócio: fornecer-lhe a quantia de ..... . Cr$ 30.000, para cada cem sacas de farinha de trigo e em troca de­veria o interessado (Antônio Fran­cisco Rocha Ribeiro) dirigir-se aO ex-Set (sito à rua Marconi, 131, 1. ° and.), onde deveria procurar o Sr. Fábio Gomide Collet e Silva para o fornecimento da guia ne­cessária à aquisição da farinha de trigo; afirma a testemunha que: Aquiesceu na negociação fornecen­do ao Sr. Gomes Cardim a quantia de Cr$ 90.000" destinada ao rece­bimento de guias correspondentes a 300 sacas de farinha de trigo. Chegando ao ex-Set procurou a tes­temunha o Sr. Fábio Collet e Silva que identifica como sendo o in­diciado na presente acareação, so­licitando as guias necessárias ao fornecimento das sacas de farinha de trigo estabelecidas no negócio com o Sr. Gomes Cardim. O in­diciado Fábio Gomide C. e Silva lhe forneceu no momento uma guia de 100 sacas a serem recebi­das no Moinho Progresso. Quan­to às demais guias só veio a rece­ber passados alguns dias, sendo as mesmas endereçadas aos Moinhos Selmi-Dei e Anaconda". E mais adiante: "Perguntado à testemu­nha se o Sr. Gomes Cardim quan­do lhe propôs o negócio falou tam­bém que o Sr. Fábio Collet e Sil­va dêle participava, respondeu que o Sr. Gomes Cardim lhe afir-

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mou apenas que conhecia o Sr. Fá­bio Gomide Collet e Silva, do qual obteria as guias necessárias ao fornecimento da farinha". Rea­lizada a acareação entre Oscar Gomes Cardim e Antônio Francis­co Rocha Ribeiro, êste afirmou: "Perguntado à testemunha se re­conhece na pessoa do Sr. Oscar Gomes Cardim (indiciado) a pes­soa que lhe procurou no estabe­lecimento onde trabalha, a fim de propor-lhe um negócio para a aquisição de guias no ex-Set, res­pondeu que efetivamente reconhe­ce no Sr. Oscar Gomes Cardim a pessoa que lhe propôs o pagamen­to de Cr$ 30.000 em troca da ob­tenção no Set de 100 sacas de farinha; peguntando à testemunha se aceitara o negócio, respondeu que tinha aceito na base de sema­nalmente fornecer ao Sr. Oscar Gomes Cardim a quantia de .... Cr$ 30.000 em troca da obtenção 'de guias de farinha de trigo que so­massem o montante de 100 sacas 'cada uma; perguntado à testemu­nha se após o estabelecimento do negócio foi cumprido o preestabe­lecido pelo Sr. Oscar Gomes Car­dim, respondeu que recebeu ape­nas guias correspondentes a 100 sacas relativas aos Cr$ 30.000 for­necidas ao indiciado na primeira transação. Quanto às demais sa­cas, correspondentes a duas guias de 100 sacas cada uma, apesar de ter fornecido o dinheiro em moeda corrente ao Sr. Oscar Gomes Car­dim, não as recebeu, nem tampou­co recebeu de volta, pelo não cum-primento do negócio, os ....... . Cr$ 60.000 entregues ao indiciado". Detidamente analisada a situação criada pela testemunha Antônio Francisco Rocha Ribeiro, é forço­so concluir-se: a) que acusação

inicialmente formulada contra o paciente não passou de lamentável engano, já que o denunciante quis referir-se à pessoa de Oscar Gomes Cardim; b) que a circunstância mencionada no item acima, fi­cou plenamente comprovada nas acariações havidas entre o pacien­te e o acusador e entre êstes e Oscar Gomes Cardim; c) dos au­tos não consta qualquer alusão de­sabonadora à pessoa do paciente. Com a devida vênia, repita-se: dos autos não consta qualquer alu­são desabonadora à conduta do paciente, não só em relação à acusação em foco - produto de um engano, como se demonstrou - como em relação a todos os atos que praticou no exercício de suas funções no extinto Serviço de Expansão do Trigo.

O Direito. - Quando o legisla­dor fêz inserir nos arts. 41 e 43 do Cód. de Processo Penal os re­quisitos de denúncia e causas de rejeição, como é óbvio, pretendeu discipliná-la, a fim de serem coi­bidos os excessos. E ao discipli­ná-la, entre outras exigências, im­pôs que os fatos contidos na peça inaugural fôssem o espelho de tu­do o que se apurou na fase preli­minar. A propósito, não poderia passar despercebida a lição do eminente Frederico Marques: "É preciso que haja o fumus bonni ju­ris para que a ação penal contenha condições de viabilidade. Do con­trário, inepta se apresentará a de­núncia, por faltar legítimo inte­rêsse e, conseqüentemente, justa causa" (Elementos de Direito Pro­cessual Penal - voI. II, pág. 167, ed. "Forense", 1961). E em segui­da: "O processo penal atinge o status dignitatis do acusado. Em vários casos, êsse sacrifício é exi-

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gido (como acontece sempre que o r. é absorvido) no interêsse do bem comum. Todavia, se nem o fumus bennis juris pode desco­brir-se para alicerçar a peça acusatória, seria iníquo que o Juiz permanecesse impassível e, como simples autômato, fôsse recebendo a denúncia ou queixa" (Ob. cit., pág. 167). De outra parte a ju­risprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, no mes­mo diapasão, vem decidindo "Pro­cesso Crime - Denúncia - Inép­cia - Acusado que não participou do crime - Imputação sem base no processo - Habeas Corpus concedido para trancamento dês­te - Inteligência do art. 648, do Código de Processo Penal. - Para o recebimento da denúncia não basta que ela exponha o fato cri­minoso, com tôdas as suas circuns­tâncias e contenha a qualificação do acusado, a classificação do cri­me, e, quando necessário, o rol de testemunhas. É ainda necessário que ela tenha condições de viabi­lidade, isto é, que disponha de al­gum apoio em elementos de con­vicção. Do contrário, se apresenta inepta, por lhe faltar legítimo in­terêsse, e conseqüentemente, justa causa (Rev. Trib. 347/56). Jus­ta causa - Inexistência - Infra­ções articuladas na denúncia sem um mínimo de prova nos elemen" tos do inquérito - Trancamento da ação penal - Concessão de Habeas Corpus - Inteligência do art. 43, I, do Código de Processo Penal. - Não basta a simples des­crição de um crime em tese para o recebimento da denúncia. É sem­pre necessário, para se evitar o perigo das acusações absurdas, in­fundadas, que exista um comêço de prova, um indício razoável, um

mínimo de elementos indispensá­veis, amparando a acusação, ge­rando fundadas suspeitas contra o denunciado" (Rev. Trib. 345/72). Conforme se verifica dos v. ares­tos - prolatados em Sessão das Egrégias Câmaras Conjuntas Cri­minais, por votação unânime -não há como negar a indispensa­bilidade de a denúncia vir acom­panhada de um mínimo de ele­mentos de convicção, para que possa subsistir. Entretanto, no caso dos autos, a denúncia defluiu de um engano devidamente com­provado e ante a total inexistên­cia de elementos de prova, mesmo de natureza circunstancial, é ela, sem dúvida, uma peça inteiramen­te divorciada da realidade, ferindo destarte, além do direito e da ju­risprudência, a dignidade do im­petrante, apontado como autor de grave crime de concussão, e sem justa causa, como exuberantemen­te se demonstrou. Por todo o ex­posto, impõe-se data venia, a con­cessão da presente ordem para o efeito de ser, o paciente Fábio Go­mide Collet e Silva, excluído da denúncia".

O MM. Dr. Juiz de Direito da 21.a Vara Criminal da Justiça de São Paulo (Capital) prestou aS informações seguintes:

"Com relação ao habeas corpus impetrado pelos Bels. Ewaldo N 0-

gueira da Silva e Angelo Pio Men­des Corrêa, que tomou o núme­ro 84.386, tenho a honra de informar que o paciente foi de­nunciado como incurso nas comi­nações do art. 316, c/c o art. 51, § 2.°, do Código Penal, conforme certidão que ora envio em anexo. Pretendem os impetrantes o tran­camento da ação, sob fundamento da falta de justa causa. Para tan-

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to reportam-se à acareação levada a efeito entre um outro acusado, Oscar Gomide Cardim e o padei­ro Antônio Francisco Rocha Ri­beiro, ambos citados na inaugural de fls .. Com isto, entendem os ilus­tres Bels. que seu constituinte acha-se isento de qualquer respon­sabilidade, não tendo pois pratica­do o delito no qual enquadrado (crime de concussão). Antes de mais nada, deve-se salientar que se quer um julgamento de mérito, an­tes mesmo que tenha início o pro­cedimento criminal contra o pa­ciente. Em resumo: pretendem êles um pré-julgamento. Ê bem de ver que o momento é impróprio para uma apreciação de tal ordem, por isso que, em tese, há um fato delituoso, típico, a ser apurado, bastando que se diga que, sem em­bargo da acareação citada, Oscar Gomes Cardim, elemento estranho aos quadros do S.E.T., gozava de enorme prestígio junto ao ora pa­ciente, chefe do serviço citado. Ê mister, s.m.j. que a persecutio cri­minis tenha seguimento para a devida apuração dos delitos men­cionados em o requisitório oficial de fls., que em tese existem".

Os impetrantes dirigiram-se, de início, ao Egrégio Tribunal de Jus­tiça do Estado de São Paulo, que, pelo venerando acórdão da f!. 36, proclamou a competência desta Côrte para julgar o pedido e de­terminou a remessa dos autos para esta Casa.

Ê o relatório.

Voto

O Sr. Min. Antônio Neder: O paciente é acusado de autoria do crime de concussão, definido no art. 316 do C.P. nestes têrmos: "Exigir, para si ou para outrem,

direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assu­mi-la, mas em razão pela, vanta­gem indevida".

Trata-se de crime formal, que se consuma com o simples fato de o funcionário exigir a vantagem indevida.

Diz o M.P., na denúncia, que o paciente dirigiu o Serviço de Ex­pansão do Trigo no período de se­tembro de 1962 a março de 1964, e que, por três vêzes, nesse perío­do, exigiu de Antônio Francisco Rocha Ribeiro a importância de trinta mil cruzeiros para autorizá-10 a receber farinha, e, ainda, que o paciente recebeu a importância de noventa mil cruzeiros.

O documento da f!. 15 dá no­tícia de depoimento de Antônio Francisco Rocha Ribeiro, que con­firmou o fato.

O documento da f!. 17 dá notí­cia de acareação feita entre êsse Antônio Francisco Rocha Ribeiro e o paciente Fábio Gomide Collet e Silva, na qual o primeiro confir­ma o fato, esclarecendo, apenas, que a exigência fôra feita indire­tamente, isto é, por intermédio de Gomes Cardim, também denun­ciado.

O documento da f!. 19 por sua vez, contém a confirmação da mes­ma notícia.

Ê quanto basta à Justiça para concluir que, no caso, o pedido improcede.

A justa causa para a acusação emana configurada dêsses referi­dos documentos.

Os impetrantes pretendem que na instância do habeas corpus se constitua prova.

Ê sabido que isso não é permi­tido em nosso Direito Processual Penal.

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Não obstante, examinados os mencionados depoimentos e aca­reações, dêles se conclui que a fa­tispecie concreta bem se ajusta à fatispecie abstrata.

Para esta, bastante é o seguin­te: a) a exigência; b) para si ou para outrem; c) direta ou indire­tamente; d) ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela; e) de vantagem indevida.

No caso, os autos demonstram que o paciente, funcionário públi­co, fêz a exigência a Antônio Fran­cisco Rocha Ribeiro, e a fêz por intermédio de Gomes Cardim, e êste recebeu o dinheiro, consti­tuindo isso, evidentemente, a in­devida vantagem.

Para a denúncia é o necessário; é o bastante.

Os impetrantes pretendem data venia, confundir justa causa para a acusação e justa causa para a condenação.

Elas são, contudo, diferentes. A primeira tem sua sede jurí­

dica no art. 41 do C.P.P. combi­nado com o art. 43, r, dêsse Có­digo.

A segunda tem sua sede jurídi­ca no art. 387 do C.P.P ..

A primeira assenta-se em um princípio básico: a descrição de um fato que autorize a suspeita de ser criminoso.

A segunda assenta-se em fato apurado e comprovado de manei­ra convincente, isto é, nunca du­vidosa. .

No caso noticiado nestes autos está cabalmente demonstrado que a conduta do paciente é crimino­sa, merece havida por criminosa.

É quanto basta para a acusação. Nego, pois, a ordem.

Voto

o Sr. Min. Márcio Ribeiro: De acôrdo. Basta que se queira trancar a ação penal com base apenas numa acareação para se notar que a pretensão é excessiva, para um pedido de habeas corpus.

Denego a ordem.

Voto

o Sr. Min. Hugo Auler: - Sr. Presidente. Em face do relatório e do voto do Sr. Min. Relator, tive oportunidade de verificar que o fato descrito na denúncia e as provas coligidas no inquérito que serviu de suporte ao libelo, reve­lam si et in quantum haver o pa­ciente praticado o crime previsto no art. 316 do Código Penal.

Dessarte, logo se está a ver que existe justa causa para a denún­cia do paciente pela prática do ilícito penal em comento, visto como se não ignora que a impu­ta tio iuris para efeito do libelo po­de fundar-se em presunções, ao contrário do que ocorre com a imputa tio iuris para efeito da sen­tença de mérito, que depende da produção de provas da existência do crime e de quem seja o seu autor, sem a qual não é possível um decreto judicial de conde~ nação.

Por êsses fundamentos, acompa­nho o Sr. Min. Relator, denegan­do, como denego, o presente writ of habeas corpus.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade, negou-se a ordem. Os Srs. Mins. Márcio Ribeiro, Hugo Auler (Hen-

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rique d'Ávila), Djalma da Cunha Mello e Amarílio Benjamin vota­ram com o Sr. Min. Relator. Não compareceram, por motivo justi­ficado, os Srs. Mins. Presidente

Godoy Ilha e Armando Rollem­berg, e por achar-se licenciado, o Sr. Min. Cunha Vasconcellos. Pre­sidiu o julgamento o Sr. Min. Os­car Saraiva.

HABEAS CORPUS N.O 1.636 - SP.

Relator - O Ex.DlO Sr. Min. Armando Rollemberg Paciente - Domício Coimbra Impetrantes - Noé Azevêdo e outro

Acórdão

Transporte aéreo. Pratica crime quem altera prefixo identificador de avião. Habeas corpus de­negado.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus n.O 1.636, em que são partes as aci­ma indicadas:

Acorda o Tribunal Federal de Recursos, em Sessão Plena, por maioria de votos, em denegar a ordem, na forma do relatório e no­tas taquigráficas precedentes, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Custas de lei.

Brasília, 18 de maio de 1967. - Goday Ilha, Presidente; Ar­mando Rollemberg, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Armando Rollem­berg: - Noé Azevêdo e Henri­que Valner, advogados inscritos na Ordem, Secção de São Paulo, requerem habeas corpus em favor de Domício Coimbra, residente na cidade de Presidente Prudente, que, alegam, está sendo processa­do, sem justa causa, perante o

Juízo da La Vara da referida Co­marca de Presidente Prudente.

Conforme narra a inicial, o pa­ciente foi denunciado como incur­so nas penas do art. 306, parágra­fo único, do Código Penal, por ter trocado, entre si, os prefixos de duas aeronaves que lhe perten­ciam. Tal fato, que é negado pelo paciente, mesmo se verdadeiro, afirmam os requerentes, não cons­tituiria crime e sim simples irre­gularidade que não ultrapassaria o campo administrativo, pois o Código Brasileiro do Ar, no seu art. 164, letra c, a pune com multa de 2 a 5 cruzeiros novos.

Em apoio a tal entendimento, invocam jurisprudência relativa a adulteração da plaqueta de chapa de licenciamento de automóvel e, ainda, a circunstância, comprova­da em documento fornecido pela Diretoria da Aeronáutica Civil, de que a colocação de prefixos nos aviões é feita sob a responsabili­dade do proprietário e sem paga-

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mento de qualquer taxa ou emolu­mento.

Assim, conclui, o fato de que é acusado o paciente, não constitui crime e, portanto, a denúncia de­veria ter sido rejeitada. Recebida como foi, o processo importa em constrangimento ilegal passível de correção por via do habeas corpus.

Solicitadas informações, pres­tou-as a autoridade indicada como coatora nos seguintes têrmos:

"Tenho a honra de dirigir-me à Vossa Excelência, a fim de prestar as informações que me foram so­licitadas e que deverão instruir a ordem de habeas corpus impetra­da a favor de Domício Coimbra.

Efetivamente, o paciente Domí­cio Coimbra responde, perante ês­te Juízo, a um processo criminal, em que se lhe imputa a prática de ato delituoso, que configuraria o crime previsto no art. 306, pará­grafo único, do Cód. Penal.

A denúncia, oferecida em 7-6-966, foi recebida pelo MM. Juiz, na ocasião em exercício nesta Va­ra, por despacho datado de 7-7--966. Certamente, pareceu-lhe que, em tese, descrevia um delito. Posso assegurar a Vossa Excelên­cia, por outro lado, que, a peça ves­tibular aludida, veio devidamente acompanhada de atentado "I.P.M", instaurado pelo Ministério da Ae­ronáutica, do qual constam efe­tivamente elementos indiciários suficientes para alicerçar o recebi­mento daquela. Para melhor veri­ficação da circunstância de descre­ver ou não a pe;:a vestibular, um delito em tese (ainda que não aquêle nela definido), remeto, em anexo, certidão do inteiro teor, da mesma. Acredito que, dessa for­ma, o V. Tribunal Federal de Re­cursos estará melhormente apare-

lhado, para julgar a ordem de habeas corpus impetrada. São es­tas as informações que, mui res­peitosamente, presto a Vossa Ex­celência, esperando haver, destar­te, atendido ao telegrama recebido. Aproveito o ensejo, para apresen­tar a Vossa Excelência protestos de elevada admiração e profundo respeito".

É o relatório.

Voto

O Sr. Min. Armando Rollem­berg: - O Código Brasileiro do Ar, Dec.-Iei 183, de 8 de junho de 1938, no seu título In, que cuida­va de infrações e penalidades, es­tabelecia: "Art. 154 - Será pu­nido com a pena de multa de dois contos de réis (2:000$000) a cin­co contos de réis (5: 000$000), aquêle que: a) impedir ou dificul­tar o pronto reconhecimento de uma aeronave, quer alterando as suas marcas e sinais distintivos, quer prejudicando-lhe a visibili­dade, excetuado o disposto no pa­rágrafo único do art. 23. Art. 158 - As infrações contra a segurança dos meios de transporte, que cons­tituem crimes previstos na legisla­ção penal, serão punidas pelas leis respectivas. Art. 170 - As dis­posições dêste Código não preju­dicarão as penalidades impostas por leis ou regulamentos de cará­ter militar, polícia fiscal, sanitária ou aduaneiro".

O exame de tais dispositivos deixa claro que o legislador consi­derou como crimes ligados à ati­vidade aeronáutica tão-somente aquêles relativos à segurança de vôo e como tal definidos na lei penal.

Mais tarde, porém, o Código Penal, no seu art. 306, dispôs:

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"Falsificar, fabricando-o ou alte­rando-o, marca ou sinal emprega­do pelo poder público no contraste de metal precioso ou na fiscaliza­ção alfandegária, ou usar marca ou sinal dessa natureza, falsificado por outrem: Pena - reclusão de dois a seis anos, e multa de .... Cr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros) a Cr$ 10.000,00 (dez mil cruzei­ros). Parágrafo {mico. Se a mar­ca ou sinal falsif~cado é o que usa a autoridade pública para o fim de fiscalização sanitária, ou para autenticar ou encerrar determina­dos objetos, ou comprovar o cum­primento de formalidade legal. Pena - reclusão ou detenção, de um a três anos, e multa, de .... Cr$ 1.000,00 (mil cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzei­ros)".

Entendem os requerentes que tal disposição não trouxe qualquer modificação ao disposto no Código Brasileiro do Ar então vigente e que, assim, não atingiria a hipó­tese de alteração de prefixo iden­tificador de avião que continuaria a constituir simples falta adminis­trativa.

Não me convenci do acêrto de tal entendimento. De acôrdo com as regras contidas no citado Có­digo, as aeronaves deviam ser obrigatoriamente matriculadas no Registro Aeronáutico Brasileiro, decorrendo de tal ato o reconheci­mento da nacionalidade brasileira e devendo constar do respectivo registro os dados detalhados sôbre o aparelho. Além disso, concedida a matrícula, a aeronave passava a ser identificada por marca, com­posta por letras do alfabeto, for­necida pela Diretoria de Aeronáu­tica Civil e que devia ser aposta no aparelho para efeito de identi-

ficação dêste, isto é, para compro­var que se achava matriculado.

Ora, se o proprietário do avião resolve alterar o sinal distintivo que, de acôrdo com a matrícula, corresponde ao aparelho, está sem dúvida alterando marca usada pela autoridade pública para com­provação do cumprimento de for­malidade legal. Contra tal conclu­são não tem relevância o fato de nada ser pago pela matrícula e nem de a mesma poder ser pinta­da por qualquer pessoa designada pelo proprietário, pois aí se con­sente a êste tão-somente a exe­cução material do ato de registro, mas jamais a alteração dos ele­mentos do próprio registro.

Devo acrescentar que o nôvo Código Brasileiro do Ar, datado de 18 de novembro de 1966 e ins­tituído pelo Decreto-lei n.o 32, res­salvou, de forma expressa no seu art. 154, as penalidades previstas em leis, que tenham atinência com a vida aeronáutica no país, e, portanto, o parágrafo único do art. 306 do Código Penal.

Tenho, assim, que o fato de que é acusado o paciente, se verdadei­ra, constitui crime e, por isso, de­nego a ordem.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Amarílio Benjamin: - Senhores Ministros, é a primei­ra vez que o nosso Tribunal exa­mina a matéria, de modo que, não sendo o Relator do processo, o meu voto será produzido na base do pronunciamento do Sr. Min. Re­lator, como também da oração que proferiu o ilustre advogado impetrante. Devo dizer que, mal ouvia o relatório, em meu juízo foi-se formando idéia favorável à

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impetração. Por isso que, realmen­te, segundo entendi, o art. 306, no seu parágrafo único, de forma al­guma poderia abranger o ato co­metido pelo paciente. Após os esclarecimentos que hauri nos vo­tos e na sustentação do habeas corpus, a convicção se formou na­quele esboçado rumo de conceder o habeas corpus. Estou bem lem­brado de que, de acôrdo com o relatório e o voto do Sr. Min. Re­lator os fatos consistem apenas nos seguintes detalhes: o paciente teria trocado o sinal de uma aero­nave, isto é, usado numa aeronave sinal que pertencia a outra, ambas de sua propriedade.

A meu ver, porém, há que se respigar certa distinção ante a lin­guagem do Código e o que acon­teceu. Pela linguagem do Código, a infração há de consistir numa falsificação. Na hipótese sub judice, falsificação não houve. Os dois sinais são verdadeiros. Admi­tindo-se-os como reais, apenas se trocou o sinal de uma aeronave por outro. Não me parece, por­tanto, que isso -constitua o fato previsto no art. 306 do Código Penal, parágrafo único, assim ex­posto: "Se a marca ou sinal falsi­ficado é o que usa a autoridade pública para o fim de fiscalização sanitária, ou para autenticar ou encerrar determinados objetos, ou comprovar o cumprimento de for­malidade legal".

Faço agora do processo uma primeira apreciação e, por isso mesmo, estou sujeito a correção de meus eminentes Colegas e mi­nha própria, se tiver ainda opor­tunidade de reexaminar a matéria. Independentemente das razões até aqui expendidas, acho dificílimo enquadrar-se o acontecido no pa-

rágrafo umco do art. 306 do Có­digo Penal, citado, sobretudo por­que, em matéria penal, não é pos­sível chegar-se à incriminação de alguém, por interpretação extensi­va ou por analogia.

Ora, o fato, a ocorrência, não cabe aqui dentro. Pesei o caput do artigo e o seu parágrafo único, e não vejo meio da ajustá-los ao caso presente. O-ajustamento po­der-se-ia dar somente estendendo­-se a norma a um fato que não foi previsto. Em matéria penal, entre­tanto, como é reconhecido, tal ex­tensão ou construção é proibida; é contrária às bases fundamentais do direito de punir.

Em face dos argumentos desen­volvidos, de improviso, nesta as­sentada, concedo a ordem, reco­nhecendo que o fato atribuído ao paciente pode importar em infra­ção de caráter administrativo, mas nunca em ilícito penal, por falta absoluta de previsão da lei.

Voto

o Sr. Min. Djalma da Cunha M e110: - Depois de ouvir as con­siderações que o Sr. Min. Amarílio Benjamin acaba de fazer, atentei mais detidamente para certos pon­tos do relatório e me convenci de que a promotoria não podia de­nunciar o paciente, de que a pro­motoria não coligiu requisitos, elementos integrantes do crime previsto no Código Penal. O que irroga ao paciente não constitui crime. Ratifico-me. Também con­cedo o writ.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por maioria de votos, denegou-se a ordem, venci-

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dos os Srs. Mins. Amarílio Benja­min e Cunha Mello. Os Srs. Mins. Antônio N eder, Márcio Ribeiro, J. J. Moreira Rabello, Esdras Guei­ros, Moacir Catunda, Henoch Reis

e Oscar Saraiva votaram com o Sr. Min. Relator. Não compareceu por motivo justificado o Sr. Min. Henrique d' A vila. Presidiu o jul­

. gamento o Sr. Min. Godoy Ilha.

HABEAS CORPUS N.O 1.644 - MG.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Avila Paciente - Manoel Lima de Souza Impetrantes - José Carlos Abud e outro

Acórdão

Delito do art. 334, § 1.0, letras c e d, do Có­digo Penal. Não remanescendo dúvidas fundadas quanto à origem alienígena das mercadorias apre­endidas e improcedendo a argüição de que o delito fôra provocado, bem como os supostos vícios do flagrante e o pertinente à legitimidade da denúncia oferecida, não há porque trancar o procedimento criminal. Habeas corpus. Sua denegação.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus nú­mero 1.644, do Estado de Minas Gerais, em que são partes as aci­ma indicadas:

Acordam os Ministros que com­põem o Tribunal Federal de Re­cursos, em Sessão Plena, por una­nimidade de votos, em denegar a ordem, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o relatório, ficam fazendo parte integrante do presente julgado, apurado nos têrmos de fls. 26/29. Custas de lei.

Brasília, 24 de agôsto de 1967. Oscar Saraiva, Presidente;

Henrique d' Avila, Relator.

Relatório

O Sr. Min. Henrique d'Avila: - José Carlos Abud e Vivaldo

7 - 1281

Resende requerem a presente or­dem de habeas corpus em favor do cidadão Manoel Lima de Souza.

O paciente, a 25 de março do corrente ano, no interior de seu apartamento, sito à Av. Augusto de Lima n.o 1.324, em Belo Hori­zonte, veio a ser prêso e autuado em flagrante pelo crime capitula­do no art. 334, § 1.0, letras c e d, do Código Penal, e art. 5.0, da Lei n.O 4.729 e denunciado pela prá­tica de descaminho consubstancia­do nos dispositivos de lei acima apontados.

Sustentam os impetrantes, em primeiro lugar, que a denúncia não teria sido oferecida pelo Procura­dor Regional da República, dado que criada já se encontrava a Jus­tiça Federal; mas sim pelo Promo­tor Público da Comarca. E, daí sua manifesta ilegitimidade.

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E, a seguir, denunciam vícios do flagrante, como sejam: o testemu­nho de policiais, o prévio preparo e guizamento dos fatos com o objetivo de induzir o paciente à· prática do delito. E, ainda, a im­prestabilidade do exame pericial procedido nas mercadorias para sua caracterização como de proce­dência estrangeira.

1tsses, em apertada síntese, os fundamentos em que se estriba o pedido.

Solicitadas as informações de estilo, essas demoraram a ser mi­nistradas e, afinal, após várias rei­terações, o Dr. Juiz a quo prestou as seguintes: "resposta telegrama vg hoje recebido vg informo Vos­sência vg a fim instruir julgamen­to habeas corpus vg processo cri­me movido contra Manoel Lima de Souza vg redistribuído MM. Dr. Juiz Federal 2.a Vara face impedimento dêste Juízo instruir et julgar o feito pt Informo entre­tanto que processo crime em aprê­ço encontra-se fase cumprimento artigo quinhentos Código Processo Penal pt CDS SDS".

É o relatório.

Voto

o Sr. Min. Henrique d'Avila: - Não procedem as alegações dos impetrantes, a tôda a evidência. Em primeiro lugar, a denúncia só veio a ser oferecida pelo Dr. Pro­motor Público da Comarca, por­que a Justiça Federal, embora criada, não se encontrava ainda em funcionamento. Portanto, aque­la peça inicial do processo não se ressente de qualquer vício de ori­gem.

No que toca ao flagrante, os de­feitos apontados não se revestem

de qualquer relevância. Em pri­meiro lugar, afirma-se que um po­licial teria sido uma de suas duas testemunhas. Não há motivo váli­do para que se anule o flagrante sob tal fundamento.

Por outro lado, a prática da in­fração não foi provocada; basta para chegar a tal conclusão atentar para o fato de que as autoridades policiais agiam por fôrça de de­núncia, segundo a qual era o pa­ciente detentor de grande quanti­dade de mercadorias de procedên­cia estrangeira, que estavam sendo vendidas. Em conseqüência, a Po­lícia compareceu ao apartamento e verificou que, de fato, o mesmo as vendia livremente, chegando a oferecê-las aos policiais, guardada a condição dêstes. Portanto, lícito não é acreditar haja sido o pacien­te induzido à prática do crime.

E no que concerne à caracteri­zação da origem das mercadorias, existe nos autos prova inconcussa de que as mesmas são oriundas do Japão.

O sumário de culpa, conforme ficou acentuado na informação da autoridade coatora, já se encontra encermdo, dado que aos réus foi concedida vista dos autos para oferecerem alegações finais.

Assim sendo, falecem motivos para que se conceda a ordem. E, por isso, eu a denego.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade de votos, denegou-se a ordem. Não tomou parte no julgamento o Sr. Min. Cunha Vasconcellos. Os Srs. Mins. Djalma da Cunha Mello,

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Godoy Ilha, Amarílio Benjamin, Armando Rollemberg, Antônio Ne­der, Márcio Ribeiro, J. J. Moreira Rabello, Esdras Gueiros, Moacir

Catunda e Henoch Reis votaram de acôrdo com o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Oscar Saraiva.

HABEAS CORPUS N.O 1.726 - DF.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Márcio Ribeiro Paciente - Hélio Fernandes Impetrantes - Antônio Evaristo. de Moraes Filho e outros

Acórdão

Preliminar: Somente quando chamado a pro­nunciar-se sôbre a argüição de inconstitucionalidade de um texto legal, tempestivamente argüido, o Presidente do Tribunal emite voto para completar quorum.

Mérito: Não se confunde a vigência de uma lei institucional, com o efeito residual do que nela disposto, no tempo. Pode, assim, o govêrno, fixar aos cassados domicílio determinado.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus n.o 1.726, do Distrito Federal, em que são partes as acima indicadas:

Acordam os Ministros que compõem o Tribunal Pleno do Tribunal Federal de Recursos, por maioria, em denegar a ordem, na forma do relatório e notas ta qui­gráficas de fls. retro, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Custas de lei.

Brasília, 5 de setembro de 1967. Oscar Saraiva, Presidente; J. J. Moreira Rabello, Relator p/acórdão.

Relatório

O Sr. Min. Márcio Ribeiro: Os fatos são conhecidos e os moti­vos da impetração, bem como os

da sentença e do Ministro da Justiça, estão recapitulados em cópias remetidas aos eminentes julgadores.

Limito, pois, o relatório ao se­guinte:

Pela Portaria n.o 197-B, de 20 de julho de 1967, o Ministro de Estado da Justiça, devido à pu­blicação, pelo Jornal "Tribuna da Imprensa", de um artigo em que se injuriava a memória do Mare­chal Humberto de Alencar Castel­lo Branco, artigo, aliás, ratificado em outro posterior, impôs ao seu autor - jornalista Hélio Fernan­des, cujos direitos políticos ha­viam sido, anteriormente, cassa­dos - como domicílio obrigató­rio o Território de Fernando de Noronha, até ulterior deliberação e sob vigilância das autoridades

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federais, que viessem a ser indi­cadas, tudo nos têrmos da alínea c, item IV, do art. 16, do Ato Ins­titucional n.o 2, de 27 de outubro de 1965, combinado com o art. 2.° do Ato Complementar n.o 1, da mesma data.

Submetida a aplicação dessa medida de segurança à apreciação do Juiz Federal competente, êste a manteve, determinando, entre­tanto, ao Ministro que fixasse o prazo de sua d1Jração, nos limites da lei, e promov,}sse a remoção do paciente para localidade conveni­ente, onde possa fixar residência e prover os meios de sua manuten­ção e de sua família, às suas pró­prias custas, sob vigilância da autoridade federal do lugar onde ficar, para que não possa perma­necer, transitar ou voltar a resi­dir na Guanabara, enquanto per­durar a medida.

Em ,conseqüência dessa senten­ça, que o Ministro acatou, uma nova Portaria (239-B) determi­nou a remoção cio jOlnalista do Território Federal de Fernando de Noronha para a cidade de Pi­raçununga, no Estado de São Paulo.

O apelado, a 18 de agôsto úl­timo, por intermédio dos advoga­dos AJItônio Evaristo de Moraes Filho, Mário de Figueiredo e George Tavares, impetrou a êste Tribunal uma ordem de habeas corpus fundada na completa au­sência de base legal da medida restritiva de sua liberdade de loco­moção, por caduciciade dos Atos em que se baseara, evidentemente incompatíveis com a Nova Cons­tituição Federal, sobretudo com os direitos e garantias individuais nela preservados.

As informações do Juiz, de fls. 46 a 49, e as do Ministro na Jus­tiça, de fls. 71 a 121, refutam as teses do pedido de habeas corpus argumentando que, diante do art. 173, n. o lU, da Nova Constituição, os Atos Institucio­nais e Complementares conserva­ram eficácia remanescente que au­torizava a imposição da medida de segurança ao paciente, sujeito, .como cassado, a um estatuto pró­prio. Segundo as informações, não teria havido sobreposição de po­der constituinte aos Atos Institu­cionais, que haviam sido a sua fonte permissiva. A não ser que se fizesse ao legislador a injustiça de ignorar o fato da Revolução Democrática Brasileira de 31 de março de 1964, deve-se admitir: "que um ato fixado pelo Co­mando Supremo da Revolução ou pelo Govêrno Revolucionário, que o sucedeu, há de ser analisado dentro dos quadros jurídicos em que foi gerado, não só em sua ori­gem, como quanto a seus efeitos. N em se alegue que os efeitos re­feridos no art. 16 do Ato Institu­cional n.O 2 não são contempla­dos na atual Constituição e que, conseqüentemente, não podem mais prevalecer. Esta interpreta­ção carece de suporte jurídico, não foi o que desejou o poder revolucionário (Ato Institucional n.o 4, de 7 de dezembro de 1966) e nem o que fêz a Constituição (art. 173).

"Não se há, portanto, de dis­cutir a compatibilidade ou não daqueles com a Constituição, por­que esta os reconheceu e aprovou. As restrições constitucionais são permanentes e contemplam cer­tas situações jurídicas, que ocor-

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rem sob sua vigilância. A dos Atos Institucionais e Complemen­tares tem natureza diversa e só se aplica aos casos por êles re­gulados, aos indivíduos por êles atingidos. Não há, portanto, ne­nhuma incompatibilidade entre elas." 10 . 'Dal interpretação se impõe, não só pelos motivos ex­postos e, mais ainda, porque, con­soante aquêles textos institucio­nais, a suspensão de direitos polí­ticos, particularmente na hipótese -prevista no art. 15 do Ato Ins­titucional n.o 2, decorreu da exi­gência de "preservar e consolidar a Revolução", o que seria falseado se a suspensão não continuasse cercada das providências essen­ciais previstas em seu art. 16. E o processo revolucionário ainda continua, pois os atos do poder revolucionário e suas normas não podem ser ignorados e a Lei Maior os acolheu e aprovou. E acolheu e aprovou para quê? Para nada? Isto seria fazer uma inju­ria ao leg';.slador e desconhecer um fato evidente: A Revolução Democrática Brasileira, de 31 de março de 1964. Aliás, como já sa­lientamos, a nova Constituição teve, também, como objetos, insti­tucionalizar os ideais e princípios da Revolução, assegurando a con­tinuidade da obra revolucionária (consideranda do Ato Institucio­nal n.o 4, de 7 de dezembro de 1966). E foi por isso que ela esta­beleceu as prescrições constantes de seu art. 173. 11. Concluímos, assim, que aquêles que tiveram seus direitos políticos suspensos, .com fundamento no art. 10 e seu parágrafo único, do Ato Institu­cional n.o 1, de 9 de abril de 1964, e art. 15 do Ato Institucional n.o

2, de 27 de outubro de 1965, con­tinuam sujeitos às restrições e medidas previstas no art. 16 dêste último Ato e no quanto se en­contra, ainda, estabelecido nos Atos Complementares n.O 1, de 27 de outubro de 1965, n.o 3, de 3 de novembro de 1965 e n.o 10, de 4 de junho de 1966. São os efeitos transitórios da legislação revolucionária, acolhida pelo art. 173 da Constituição de 1967".

É o relatório.

Voto

o Sr. M in. Márcio Ribeiro: -A tese da caducidade do Ato Ins­titucional, definidor da pena e, conseqüentemente, da ilegalidade da imposição, sobreleva as de­mais questões discutidas no pro­cesso.

A ponderável atenuação, cons­tante da sentença, não retira o caso da área própria do habeas corpus, pois continua evidente a restrição à liberdade de ir e vir do paciente.

Nem a remessa do recurso or­dinário a êste Tribund impede que, preliminar:nente, se tome .{'o­nhecimento do pedido.

Na pendência do recurso ordi­nário ou mesmo após o trânsito em julgado da sentença, o habeas corpus é o meio hábil para evi­tar o constrangimento, quando se verifica não ser crime o fato im­putado ao condenado, ou quando não lhe é aplicável a pena de prisão (Pontes de Miranda, Teo­ria e Prática do Habeas Corpus, 148/149). A finalidade do remé­dio, como ensina Gentil Rangel, é fazer cessar de pronto, imediata-

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mente, todo constrangimento de­corrente do ato ilegal, como pára-raio, broqueI, forma viva e augusta da eqüidade, na distribui­ção da justiça, repressiva (Rev. Eorense, voI. 33, pág. 287). Por­tanto, a pendência do recurso or­dinário não restringe (R.T.J., voI. 36, pág. 663).

A nossa competência recursal, no .caso, não poderia ser posta em dúvida diante dos arts. 117, le­tra c e 151, § 4.°, da Constituição vigente.

Conheço, pois, do pedido. Volto ao mérito: Contrariando a tese da cadu­

cidade, as informações ministe­riais argumentam no sentido de que interromper os efeitos dos Atos Institucionais e Complemen­tares seria frustrar os ideais da Revolução, que determinaram e deram forma à nova Constituição Brasileira.

E, acrescenta o ilustre infor­mante, referindo-se àqueles Atos:

"Hieràrquicamente superiores e fonte geradora do poder constitu­inte, não poderia êste sobrepor-se àqueles. E não só não se sobre­pôs, como acolheu, mediante apro­vação, os atos e normas referidos no art. 173 da Constituição de 24 de janeiro".

Mas, após a decretação e pro­mulgação dessa Constituição que, aliás, representa, por sua vez, a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução - o que se torna preciso examinar é se continuava ainda em vigor qual­quer ato a ela contrário.

A incorporação de leis ao texto constitucional só pode ser admi­tida em virtude de dispositivo ex­presso da própria Constituição.

Por isto mesmo, na espécie, as divergências se sitQam na interpre­tação do art. 173.

A referência a êste artigo acau­tela a pressa de se pretender o re­exame da extensão dos podêres outorgados ao Congresso Nacio­nal como possibilidade de se con­cluir contra o texto da nova Car­ta.

Na verdade, em sã doutrina, ao Judiciário é vedado apreciar os antecedentes e concomitantes de sua promulgação.

Segundo Del Vecchio (Lezione di Filosofia deI Diritto, pág. 246): "O contrôle do Juiz deve, porém, limitar-se às garantias ex­trínsecas, formais. Não seria êle competente, por exemplo, para examinar os procedimentos inter­nos da Câmara ou do Senado, a regularidade das votações, etc. (interna corporis). Contra a irre­gularidade intrínseca de funcio· namento dos órgãos legislativos não existe remédio judicial. É ne­cessário restringir-se à correção dos próprios órgãos, e, como ulti­ma ratio, ao tribunal da história, isto é, a sanção da consciência jurídica popular."

Em seguida, o mesmo autor fixa as circunstâncias em que a revolução, episàdicamente, pode substituir a ordem jurídica; nes­te sentido, pode-se falar ainda de um direito à revolução, como de um meio supremo, para reafirmar a ordem jurídica, quando os órgãos do poder público não são legiti­mamente constituídos ou contra­venham às garantias das quais de­vem ser os guardiães. Tôda vez que os corpos legislativos sigam critérios substancialmente irregu-

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lares e incorretos em seu procedi­mento e as liberdades essenciais dos cidadãos sejam violadas ou postas em perigo, o direito natu­ral pode sublevar-se ,contra o po­sitivo e despedaçar-lhe o invólu­cro, criando, através da legalidade de hoje, a legalidade de amanhã."

Tendo passado por uma dessas transformações violentas que, to­davia, na esfera jurídica, já se completou, não seria lógico ou mesmo desejável inverter os acon­tecimentos históricos, para fazer prevalecerem sôbre o nôvo Esta­tuto Fundamental da Nação as leis institucionais de emergência.

Como observa Pontes de Mi­randa: As revoluções populares e os golpes de Estado podem man­ter ou derrubar a Constituição: os efeit0'1 serão apenas o de se apagar, por um momento, a luz da juridicidade (Constituição de 1946, I, pág. 163).

Sôbre a revogação dos disposi­tivos legais e atos anteriores à Constituição convém transcrever a completa lição dêsse insigne constitucionalista, nos seus Co­mentários à Constituição de 1934 (VoI. 11, pág. 559).

É a seguinte: "1 - À Constituição têm de

amoldar-se as leis, assim as leis a serem feitas, as leis futuras, .como as leis já pl'omulgadas. Mas, a noção de constitucionalidade é juridicamente a partir do mo­mento em que começa a ter vigor a Constituição; todo o material legislativo, que existe, considera­-se revogado no que contraria os preceitos constitucionais. Porque a lei não tem sempre a vida ligada ao momento em que foi feita; a lei incide nos fatos à medida que

êles se dão. O ato administrativo ocorre em determinado instante, de uma vez, e opera os seus efei­tos. A lei, não: a lei (que não se refere a um só caso) enquanto permanece vigente, continua, através dos tempos, a produzir os seus efeitos, que são os de sua in­cidência em cada caso, previsto pelas suas disposições. 2 - Se o ato do Govêrno provisório ope­rou de uma vez por tôdas (v.g. demissão de funcionário) e teve os seus efeitos antes de 16 de ju­lho de 1934, está aprovado. Se o ato do Govêrno provisório consis­te em lei, regulamento, instruções, avisos ou qualquer delibera cão que seja suscetível de seqüência temporal de efeitos, de continuar a incidir sôbre fatos que aconte­ça~, a incidência dêles antes de 16 de julho de 1934, está apro­vada. Depois disso, absolutamen­te não. Depende de valer, confor­me o art. 187. 3 - Para que uma lei (na expressão "leis" do art. 187, compreendem-se quais­quer regras jurídicas, quaisquer fontes de direito) explícita ou im­pllcitamente contrarie disposições da Constituição, basta que não pudesse na vigência da Consti­tuição ser feita. É isto o que sig­nifica ser ao longo do tempo desde o presente, isto é, só a partir de 16 de julho de 1934, a consti­tucionalidade a ser apurada nos atos legislativos. Quer relativa­mente à lei anterior à Constitui­ção, quer relativamente à lei pos­terior a ela, não importa o tempo da feitura. Porque o Poder Le­gislativo pode fazer leis cujo conteúdo se choque com os precei­tos constitucionais, o Presidente da República promulgá-las e, no

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entanto, serem inconstitucionais. O que se conta são os seus efeitos, a sua realizabilidade como norma ou conjunto de normas de direi­to, exatamente o que ocorre quanto às leis anteriores à Consti­tuição. Todo o efeito que passe a linha temporalmente traçada pelo dia 16 de julho de 1934 não pode incidir nos fatos. 4 - As leis que continuam em vigor são tôdas as que existem e não são incompa­tíveis com a Constituição nova. Indusive as regras contidas na constituição anterior, pôsto que como simples leis."

Nos Comentários à Constitui­ção de 1946 (VoI. IV, pág. 479) sintetizou: "Sempre que (a) a lei exauriu, antes de 18 de setembro de 1946, a sua eficácia não" há problema. Se (b) a lei não exau­riu a sua eficácia, quer dizer, se continuou a incidir, o sistema constitucional nôvo, desde a pro­mulgação da Constituição, a faz inconstitucional, por ser lei su­perior, ou a revoga, por ser tam­bém lei posterior. Na classe (b) , há subc1asse, que é a das leis que se referem a atos a "serem prati­cados" pelo "Poder Executivo". ~sses atos, no tempo em que a Constituição tem de incidir, so­mente se são compatíveis com a Constituição nova podem ser pra­ticados. A cada gesto do Poder Executivo tem-se que perguntar: Obedeceu à Constituição de 1946

. o Poder Executivo?". A Constituição vigente - co­

mo a de 1946 - não contém a superfetação de uma regra explí­cita sôbre a revogação dos dispo­sitivos legais anteriores, o que, aliás, como observa João Barba­lho, a propósito do art. 83 da

Constituição de 1891, valeria co­mo simples aviso aos executores da lei fundamental.

Mesmo sem ela - acrescenta - ficaria revogada tôda a legis­lação avêssà aos princípios e pre­ceitos da Constituição que é lei das leis, pelo simples fato da promulgação desta.

E pergunta: Como manter ainda em vigor o que a Consti­tuição tem abolido? Em que re­pousaria a fôrça obrigatória das leis contrárias à lei suprema? Não era assim indispensável o art. 83. É o caso da revogação implícita das leis. Somente subsistem das leis anteriores aquelas disposições que não forem incompatíveis (nisi contrariae sint) com a lei nova.

Alterado o limite de tempo para 24 de janeiro de 1967, estas li­ções são perfeitamente aplicáveis à atual Constituição que, em tese, revogou tôda a legislação anterior constitucional, institucional, com­plementar ou ordinária que seja incompatível com seus dispositi­vos expressos.

Mesmo o art. 173, do Ato das Disposições Transitórias, não es­capa à influência dos mesmos princípios.

Na espécie, o disposto no corpo dêsse artigo não teria, aliás, per­tinência, porque o próprio Ato Complementar n.o 1, no seu art. 2.°, manda submeter a medida à apreciação do Juiz.

A regra do item IH, conside­rada como proposição indepen­dente, está, sem dúvida, sujeita às regras comuns de aferição de incompatibilidade com o permiti­do na Constituição, que lhe é posterior ..

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Ora, esta, quanto aos direitos e garantias individuais dos cida­dãos, é tão liberal quanto as constituições brasileiras preceden­tes e, pelo crivo de seu art. 150 e parágrafos tem que ser anali­sada qualquer exceção aos prin­cípios da liberdade ou assegura­dores ou ga1rantidores da proprie­dade.

Volta-se, em suma, ao mesmo problema já elucidado por Pontes de Miranda e Barbalho, ao comen­tarem as Constituições anteriores e à idêntica conclusão, a saber: 1.°) as disposições legais anterio­res, de quaisquer natureza, são inválidas se contrariam a nova Constituição; 2.°) os efeitos des­sas disposições não incidem sôbre fato posterior a 24 de janeiro de 1967.

Os atos legislativos (por hi­pótese o decreto de suspensão de direitos políticos) expedidos com base nos Atos Institucionais e Complementares não exauriram a sua eficácia, mas não incidem após a Constituição, naquilo que a contrarie.

Na espécie, o fato é a lamentá­vel publicação ocorrida a 19 de julho de 1967 e a penalidade im­posta à medida de segurança do item IV, art. 16 dó Ato Institucio­nal n.O 2, consistente em domicílio determinado.

Não se confunde, essa pena, com o exílio local (Cód. Penal, art. 88, § 2.°, n.o IH) - que consiste no afastamento de certo lugar (o do crime) - quando o que se impôs ao paciente foi a obrigação de morar em determi­nada localidade (Fernando de No­ronha, depois Piraçununga), don­de se vê que a imposição foi e,

ainda, agora, continua sendo mais grave do que aquêle exílio, no qual o condenado conserva o di­reito de ir e vir à sua vontade, in­dependentemente de ordem supe­rior, desde que observe a proibição de não ir ao único local que lhe foi proibido.

N a esteira de Carlos Maximi­liano, em seus Comentários. à Constituição de 1946, pode-se dêsse confinamento dizer que não se confunde com o banimento, ve­tado pelo art .. 151, § 11, da Cons­tituição, que "é o clássico, decre­tado por veredictum 'judicial e consistente em obrigar o conde­nado a sair do país; nem com o destêrro político, admitido em es­tado de sítio ou de guerra, para algum ponto do território nacio­nal". Mas, é (nossa agora a con­clusão) "semelhante à residência obrigatória, tão usada pelos roma­nos antigos e adotada pelo facismo italiano".

E basta que pena tã(o grave tenha sido imposta em conse­qüência de processo sumário, sem plena garantia de defesa, para que se a considere nula, por ma­nifesta incompatibilidade com os parágrafos 15 e 16 do art. 150 da nova Constituição, decretada e promulgada a 24 de janeiro últi­mo, e na atual emergência, ofende, claramente, também ao art. 154, § 2.°, do mesmo diploma, onde a pena ficou dependendo da decla­ração de estado de sítio.

A suspensão dos direitos polí­ticos continua, porque a nova Constituição, art. 151, a permite.

Não assim a pena imposta, que ela manifestamente repele.

Como à nova ordem constitu­cional escapariam apenas "as si-

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tuações jurídicas definitivamente constituídas" seria ilegítimo, em tema de liberdades públicas, que é fundamental, admitir um estatuto para os "cassados" anteriores à Constituição e outro, diferente, para os posteriores.

O elenco dos direitos e garan­tias individuais - na Constitui­ção de 1946, art. 141 e parágra­fos e na Constituição de 1967, art. 150 e parágrafos - é quase o mesmo. E, se esta Constituição procurou garantir melhor a ordem pública em outros dispositivos es­peciais, notadamente os referentes ao estado de sítio, isto representa ,mais um argumento a favor da igualdade de todos os que sofre­ram a amputação de seus direitos políticos.

A atual Constituição, art. 151, §§ 1.0 e 2.°, continua fiel aos dois princípios cardiais das democra­cias: a liberdade e a igualdade.

O princípio do § 2.°, a meu ver, é o prevalente e impede os abusos que se têm cometido, em jurisprudência, na aplicação do outro.

A necessidade de uma norma geral que sobranceira a todos, governantes e governados, norteie as ações humanas, é a única salva­guarda da justiça e da liberdade.

Na espécie, a distinção entre cassados anteriores e posteriores a 24 de janeiro de 1967 ofende­ria, de qualquer modo, aos dois parágrafos ao mesmo tempo.

Assim, por manifesta incompa­tibilidade com vários princípios consignados expressamente na nova Constituição, houve, a meu ver, a aplicação de pena restriti­va da liberdade legalmente ine­xistente, porque o Ato Institucio-

nal e o Complementar, que a fun­damentaram, estavam revogados e, a despeito do decreto de cas­sação, não podiam incidir sôbre fato posterior a 24 de janeiro de 1967.

Chegando a esta conclusão, seria desnecessário examinar os outros fundamentos da impetra­ção ou os argumentos em contrá­rio da ilustre informação minis­terial e do Juiz.

Observo, porém, que mesmo em processo criminal regular, a lei excepcional só se aplica a fato ocorrido durante a sua vigência (Cód. Penal, art. 3.°).

E, ainda, que do crime do art. 33, item In, da Lei de Segurança Nacional (Dec. 314 de 13 de mar­ço de 1967) - incitar publica­mente a animosidade entre as fôrças armadas ou entre estas ou as classes sociais ou as institui­ções civis - não há que cogitar, pois a êle não se referem, esped­ficamente, nem a portaria de im­posição da pena, nem a sentença que a diminuiu. Nem seria pos­sível como tal definir o fato.

Aliás, se julgasse configurado êsse crime, teria proposto ao Tri­bunal a preliminar de sua incom­petência, ex vi do art. 45 da mes­ma lei.

Diante da impossibilidade ju­rídica de aplicação de uma pena restritiva da liberdade, constante apenas de dispositivo legal revo­gado pela Constituicão, não me parece possível atender às razões de Estado veementemente consig­nadas na portaria e, sobretudo, na informação do habeas corpus.

Uma deplorável manifestação de despeito e crua impiedade não conserva, não pode conservar, fôr-

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ça suficiente à subversão da or­dem do País.

Se a segurança nacional esti~

vesse realmente ameaçada, se fa­to tão mesquinho tivesse acarreta­do uma crise de imprevisíveis conseqüências (informações às fls. 90), certamente o Govêrno teria feito uso dos podêres que a nova Constituição largamente lhe ou­torgou, notadamente o do seu Tí­tulo lI, Capítulo V, relativo ao estado de sítio.

O Presidente Castello Branco exerceu a Suprema Magistratura da Nação com dignidade e isen­ção invulgares. Com completa de­sambição pessoal, concorreu, de­cisivamente, para que fôsse trans­posto o período discricionário, que atravessamos, e o País rein­gressasse na ordem jurídica cons­titucional.

Prêso, como Juiz, a êsse regi­IPe:

Concedo a ordem.

Voto

o Sr. Min. ]. ]. Moreira Rabel-10: - É grave equívoco supor que a Constituição atual teve o dom de repor as coisas no estado anterior. Emergindo de uma revo­lução, ela reflete, naturalmente, o espírito inspirador dêsse movi­mento, presente em muitas de suas normas que o Juiz, ao inter­pretá-las, não pode ignorar.

Em primeiro lugar, a Consti­tuição' não revoga lei nenhuma. As leis só são revogadas, umas pelas outras, e quando o caso, desde que fazendo expressa remis-

são à revogação pretendida. O que a Constituição faz, isto sim, no campo dos princípios normati­vos, é ab-rogar tàcitamente as leis, às testilhas com os seus manda­mentos formais.

No caso em tela, há que dis­tinguir, para exame do' problema, os direitos políticos dos direitos individuais de que cuida a Lei Maior.

A cassação implica, evidente­mente, na perda dos primeiros: o cassado não pode votar, ser vo­tado, tomar parte em atividades eleitorais, em suma, praticar qualquer atividade política. Mas pode, em obséquio à franquia constitucional, exercer todos os demais atos contidos na sua ati­vidade individual, salvo aquela que, dizendo, porventura, com os motivos determinantes de sua cassação, mesmo com o advento da Constituição, não se emanci­pou da sanção residual contida no ato .cassa tório, ou seja, o domi­cílio determinado que a autorida­de própria pode estabelecer com a única restrição de submeter o seu ato lastreado em investigação sumária, tal como o fêz, à apre­ciação do Juiz. Retirar ao Exe­cutivo essa prerrogativa que ade­re, ut lepra cuti, ao ato cassató­rio, equivaleria ao esvaziamento dos motivos que inspiraram à Re­volução a medida excepcional, o que o Juiz não pode ignorar. Se­ria mesmo que aceitar a tese ab­surda de que a Revolução, com o advento da Carta Magna, que sa­bemos obra de inspiração sua, estabeleceu um bill de indenidade para todos aquêles que ela, por motivos que não vem a pêlo in­vocar, julgou seus inimigos.

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É preciso não confundir vigên­cia de uma lei institucional, com o efeito residual do que nela dis­posto, no tempo. Isso, hoje, é ma­téria pacífica nos tratadistas es­trangeiros. De resto, não vejo qualquer conflito entre os arts. 152, da atual Constituição e o art. 16, inciso IV, da alínea c, do Ato Institucional - a admitir-se a identidade repressiva - pre­ventiva das duas matérias aí dis­ciplinadas. É que uma, quando cogita da obrigação de residência em localidade determinada, no caso do estado de sítio, é a re­sultante de direito positivo tran­sitório, aplicável a qualquer clas­se de cidadãos, independente de qualquer outra punição que lhes haja sido imposta, enquanto a outra é matéria constitucional permanente, e só aplicável aos cassados.

Ressalte-se que não cabe ao Judiciário, e muito menos pela via heróica do habeas corpus, en­trar no mérito da medida, senão que, apenas, nos pressupostos for­mais do ato, perfeitamente aten­didos, inclusive na parte em que o Juiz deferiu à autoridade admi­nistrativa, a fixação do tempo do domicílio determinado.

Denego, por conseqüência, a ordem, que só conseguiu robuste­cer a convicção que me fiz do acêrto e da altitude moral do des­pacho agredido, máxime depois das explicações prestadas pelo Dr. Juiz ao Ministro de Estado, quanto ao prazo de fixação do do­micílio que sempre entendi, den­tro da lei, matéria ao critério da autoridade e enquanto durarem os motivos determinantes da medi­da.

Voto

o Sr. Min. Esdras Gueiros: -Senhor Presidente: Declaro meu impedimento, pe­

las seguintes razões: se se cogi­tasse, na apreciação do presente habeas corpus, apenas da Porta­ria do Senhor Ministro de Esta­do, não estaria eu impedido. To­davia, a apreciação do habeas corpus envolve o referendum judicial dado pelo Juiz Federal da 1.a Vara da Guanabara de quem sou parente, por cunhadio.

Trata-se, pois, de impedimento legal.

Voto

o Sr. Min, Moacir Catunda: -Senhor Presidente: Tanto a argumentação dos im­

petrantes, co limando a conven­cer da ilegalidade da medida res­tritiva, imposta ao paciente, co­mo a das autoridades coatoras, justificando a prática dos seus atos, gira em tôrno do alcance do comando jurídico do art. 173 da Constituição Federal de 24 de ja­neiro dêste ano, de aprovar os atos que especifica, nos seus di­ferentes itens, cuja leitura me dis­penso de fazer para não cacetear o Egrégio Tribunal com a recita­ção de textos conhecidos de todos.

A aprovação dos atos alinha­dos no preceito constitucional transitório vai dito claramente, e com enumeração exaustiva, o que indica a escolha, pelo Constituin­te de 1967, de orientação diversa da adotada, no pertinente, pelos Constituintes de 1890, 1891 e 1934.

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Com efeito, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, vinda à lume após a queda do Império, via Dec. 510, de 22-6-1890, no seu art. 80, reproduzido pela Constituição Federal de 24 de fe­vereiro de 1891, art. 83 - dis­pôs que continuam em vigor as leis do antigo regime, no que ex­plícita ou implicitamente não fôr contrário ao sistema de Govêrno firmado pela Constituição e aos princípios nela consagrados.

Trata-se de princípio de direito intertemporal encontradiço nos tratadistas, que veio de cristalizar­-se, com modificações, na regra do § 1.0, do art. 2.° da Lei de Introdução ao Código Civil, pela qual a lei posterior revoga a an­terior quando expressamente o declara, quando seja com ela in­compatível ou quando regule in­teiramente a matéria de que tra­tava a lei anterior. Já o Constitu­inte de 1934, certamente adverti­do da inconveniência da adoção de forma genérica, propiciadora de polêmicas, demandas e até perplexidades em matéria do con­teúdo predominantemente políti­co, escolheu uma forma rígida, di­zendo, no art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição de 16 de julho de 1934: "Ficam aprovados os atos do Govêrno Provisório, dos interventores fe­derais nos Estados e mais delega­dos d~ mesmo Govêrno e excluídos de qualquer apreciação os mes­mos atos e seus efeitos".

O Constituinte de 1967, apro­vando, sem nenhuma restrição, os Atos Institucionais e Complemen­tares, assim como os atos de na­tureza legislativa expedidos com base nos mesmos, foi mais explí-

cito e objetivo do que os anterio­res, visto que realizou a conso­lidação da atividade legislativa baixada no interêsse da defesa da nova ordem política, concomitan­temente com a dita, respeitante à consecução dos objetivos prima­ciais da Revolução.

Dentre os atos revolucionários julgados bons pelo constituinte e por êle aprovados, figura o Ato Complementar n.o 1, de 27 de outubro de 1965, que di~ciplina a aplicação das medidas de segu­rança previstas no item IV, do art. 16, do Ato Institucional nú­mero 2.

O legislador revolucionário ins­tituiu ditas medidas de seguran­ça por tê-las julgado imprescindí­veis, necessárias à implantação de ordem política imposta pela Re­volução de 31 de março de 1964.

O ato legislativo disciplinador da aplicação das punições políticas em causa implanta raízes na pró­pria lógica da efetividade delas, as quais, sem a coação prevista no mesmo, resultariam vazias, inó­cuas, ridículas, o que de nenhum modo faz sentido com a lingua­gem do constituinte, de aprovar os atos.

Como admitir incompatibilida­de entre o ato regulamentador da aplicação da medida restritiva do direito civil de escolher o domicí­lio, e preceitos gerais permanen­tes destinados à garantia da ge­neralidade dos cidadãos, quando a Constituição, solenemente, com o pêso de sua autoridade, através preceito transitório, aprova o ato inflitor da punição, e, bem assim, a norma legal que serviu de es­teio a êle?

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Entendo que a norma transitó­ria, no pertinente, convive com os preceitos permanentes; a coe­xistência da norma permanente, com a transitória, se me afigura de solar, translúcida evidência.

Relativamente às pessoas que sofreram punições políticas com base nos Atos Institucionais, de duração autolimitada, tenho para mim que o ato legislativo regula­mentador da sua aplicação conti­nua vigindo, obrigando, incidindo, no interêsse da eficácia da medi­da primitiva, até que esta se te­nha exaurido pelo decurso do tempo de sua duração ou por revolução, ditada pelo poder com­petente.

Denego a ordem, Sr. Presiden­te.

Voto

O Sr. Min. Henoch Reis: -Sr. Presidente, data venia do bri­lhante voto de S. Ex.a o Min. Re­lator, ao qual, nesta oportunida­de, rendo minhas homenagens, pela sua cultura jurídica e pela sua acuidade em deslindar as questões que aqui nos chegam, data venia não lhe endosso o en­tendimento nesse particular e, por isto, adotando por inteiro o voto do eminente Min. J. J. Mo­reira RabeHo, denego a ordem.

Voto

O Sr. Min. Cunha Vasconcel­los: - Senhor Presidente, esta­mos repetindo, neste momento, muito daquilo que nós outros, que envelhecemos nesta Casa, vimos passar, a propósito da Constitui­ção de 1934! Também aquela Constituição gerou muitos deba­tes no atinente.

Valia ou não valia, contra o texto nôvo, a aprovação dos atos praticados pelo Govêrno Provisó­rio, em contrário às disposições dêsse próprio texto?

E o Judiciário não teve dúvi­das em fazer prevalecer a regra e os motivos determinantes que o movimento consolidara, para que êsse movimento não caísse no vá­cuo, não se tornasse inócuo, como seria a conseqüência necessária, data venia do eminente Min. Re­lator, se pudesse ser acolhido nes­te momento, pelo Tribunal, o vo­to de S. Ex.a •

Eu me dispensaria, como me dispensarei, de longas considera­ções.

O Tribunal teve oportunidade (sem que minhas palavras impor­tem em restringir, de forma algu­ma, o brilho, o esfôrço, do voto do eminente Min. Relator) de ouvir, nessa Sessão, um trabalho jurídico dos mais valiosos que aqui têm sido pronunciados a res­peito da tese que é debate neste instante, e que foi motivo provo­cado pelo pedido de habeas corpus.

:ítste trabalho foi o que apre­sentou, nesta Casa, o Dr. Subpro­curador-Geral da República.

Entendo que a argumentação de S. Ex.a foi cerrada, destruido­ra, demolidora e irrespondível!

S. Ex.a não usou palavras vãs nem falou aos ventos!

S. Ex.a falou ao juízo dos ju­ristas! Argumentou cerrada mente e demonstrou a impossibilidade de se chegar a uma conclusão di­ferente daquela que a própria na­tureza dos fatos está a indicar.

Senhores, nós somos Juízes, não somos políticos! Mas nem por isso

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podemos fazer abstração dos mo­tivos políticos determinantes das conseqüências ou, por outra, de­terminantes da orientação jurídica consagradora.

Nós sabemos das razões deter­minantes da Revolução de 64!

Nós, aqui em Brasília, sentía­mos melhor do que em qualquer outra parte do Brasil, talvez mui­to próximo de nossa carne, as ameaças, ou o que de momento poderia surgir. E foi contra isso que se fêz a Revolução! Para evitar o recrudescimento da crise, fêz-se a Revolução.

Os militares fizeram a Revo­lução! Porque, dessa vez, foram os militares que tomaram as medi­das, no sentido que êles enten­deram mais acertado, para evitar que, pelo menos dentro de um fu­turo próximo, tivesse possibilida­de de articulação o tenebroso mo­vimento que se vinha preparando. Julgaram de bom alvitre adotar providências que se .consubstan­ciaram em regras jurídicas.

As revoluções têm os podêres que querem, desde que disponham de fôrça para fazê-los efetivos. É um princípio jurídico úniversal! Os militares brasileiros tiveram fôr­ças e fizeram a nova Constituição! Por que razão não vamos cumprir essa Constituição? Se não a cum­prirmos, tudo que êles fizeram se perderá no vácuo!

Se a tese da sentença do pro­vecto Dl'. Juiz Hamilton Leal pu­desse prevalecer, a revolução te­ria cessado! O cassado estaria sem capacidade política passiva e ati­va, quer dizer, não poderia votar nem ser forçosamente votado, mas poderia exercer amplamente sua

atividade política no País, pode­ria lançar candidaturas, escrever em jornais sôbre política, etc ..

O jurista não pode, absoluta­mente, ignorar a razão de ser da lei, principalmente se ela está tão próxima de nós outros.

Vamos ser verdadeiros! Vamos ser exatos! Os princípios liberais, os princípios de liberdade são de ser acolhidos e defendidos por nós!

Trata-se, no momento, de deci­dir um pedido de habeas corpus em face da lei e da razão que di­tou essa lei. Essa razão foi niti­damente fixada pelo Sr. Min . J. J. Moreira Rabello. E o Sr. Sub­procurador-Geral da República demonstrou que entender de outra maneira seria, data venia, uma incoerência.

Por isso, Sr. Presidente, dis­penso-me de outros comentários e nego o habeas corpus.

Voto (Vencido)

O Sr. Min. Henrique d'Ávila: - S1'. Presidente, o Brasil, duran­te a Era Republicana, teve sua estrutura política e social aba­lada por duas revoluções verda­deiras e significativas: a de outu­bro de 1930 e a de 31 de março de 1964. De permeio, é certo, as­sistimos o deflagrar de alguns mo­tins e pronunciamentos que não deixaram marcas, nem imprimi­ram modificações de relêvo no arcabouço institucional do País. E as duas bastante se assemelharam em seus propósitos e finalidades. A de 1930 trouxe-lhe inovações de alto porte. Criou um ambien­te jurídico favorável às classes desvalidas da fortuna, com o ad­vento da legislação trabalhista,:

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e procurou, dentro das possibili­dades sociais restritas então vigo­rantes, promover o desenvolvi­mento econômico do País, retiran­do-o do marasmo e das influên­cias nefastas do partidarismo estreito e do campanário que o infelicitava.

Elas se aparentam de tal ma­neira que quase se identificam na forma e no seu processo de evo­lução. Modificaram ambas as di­retrizes constitucionais vigentes, para afeiçoá-las, por atos institu­cionais temporários e de exceção, aos princípios ideológicos daque­les movimentos insurrecionais.

O Govêrno Provisório de 1930 criou a sua Lei Orgânica, autoli­mitando os amplos e irrestritos podêres de que passou a gozar. E, o Govêrno Revolucionário de 1964 editou, por sua vez, os Atos Institucionais de n.08 1 e 2, modi­ficativos da Constituição de 1946; mantendo-a, todavia, em tudo o mais em que aquêles não a inovaram. Em ambos os mo­vimentos armados manifestou-se, como era natural, o alevantado propósito de expungir dos quadros políticos e funcionais os corruptos e os recalcitrantes à prática de métodos mais adequados e patri­óticos de melhoria de nível moral e dos costumes políticos então rei­nantes.

Os atos institucionais e as leis de exceção, por sua natureza temporários, do Govêmo Provi­sório de 1930, se exauriram com o advento da Constituição de 1934. Em seu art. 18, das Dispo­sições Transitórias, manteve esta, é certo, os etos do Govêrno Pro­visório e os considerou insusceptí­veis de apreciação judicial. Essa

aprovação, todavia, sempre foi considerada como condizente com aquêles atos de índole executiva que produziram todos seus efei­tos no decurso do interregno re­volucionário de exceção. Os de natureza legislativa, porém, que se não integraram no elenco cons­titucional, .como é óbvio, resta­ram sem atuação e eficácia, quan­do inconjugáveis com os cânones constitucionais. Se o constituinte os considerasse indispensáveis à sobrevivência da ideologia revo­lucionária os teria por certo in­serido no arcabouço da Constitui­ção. E, ainda, cumpre acentuar, ademais, no caso, que o próprio Ato Institucional n.O 2, em seu art. 33, circunscreve sua vigência até 15 de março de 1967.

Mutatis mutandis, o mesmo ocorre com a Carta Magna de 24 de janeiro de 1967. Foram mantidos os atos executivos e po­líticos do Govêrno, praticados em decorrência dos Atos Institucio­nais, e os legislativos atuantes no curso do período revolucionário, mas, quando dêstes atos resulta­rem efeitos e conseqüências futu­ras, inconciliáveis .com o texto permanente da Constituição vi­gente, não devem êles subsistir. Só podem prevalecer os que pro­duziram efeitos imediatos como as suspensões de direitos políticos, tout coud, sujeitas ape­nas às restrições insertas na Cons­tituição, demissões e transferên­cias de funcionários e outros, cujos efeitos se fizeram sentir de pronto. Tudo o que restar da le­gislação revolucionária não incor­porado à Constituição ou com ela incompatível, tornou-se inoperan­te, porque considerado como não

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essencial à consolidação do nôvo regime.

Se assim não fôsse, no caso, en­frentaríamos situação extrema­mente paradoxal: o de cassados sujeitos a disciplina distinta. Os que sofreram dita punição antes do advento da Constituição, fica­riam sob o guante do confinamen­to; e, os atingidos posteriormente, livres dêste castigo. Lícito não é conceber estado de direito, digno dêsse predicamento, em que ao lado e paralelamente aos cânones constitucionais, operem leis ex­travagantes e excepcionais com êles incompatíveis.

Assim sendo, Sr. Presidente, data venia do eminente Sr. Min. J. J. Moreira Rabello e dos pro­vectos Colegas que o acompanha­ram, dou meu apoio por inteiro ao voto do eminente Relator, que, para mim, constitui peça brilhante, inteiriça e irretorquível, como soem ser os pronunciamentos de S. Ex.a. Por isso, Sr. Presidente, não me resta senão conceder, por igual, a ordem.

Voto

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - O Exmo. Sr. Ministro da Justiça mudou domicílio ao jornalista Hélio Fernandes, sub­metendo-o, por sôbre, à vigilância da polícia do Exército.

Fê-lo por meio da Portaria n.O 197-B, de 20 de julho p.p., que

o MM. Juiz da 1.a Vara Federal da Guanabara manteve, vindo daí pedido de habeas corpus.

Precípuo, para decidi-lo, visto­riar o alicerce jurídico do emprê­go de medida e do referenda res­pectivo.

Secretário de Estado e Pretor procederam à base do disposto na

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parte geral e inciso IV do art. 16 do Ato Institucional n.o 2, de 27-10-65, e art. 2.° do Ato Com­plementar n.o 1, da mesma data.

Estando escrito no primeiro, isto é, no principal, art. 33, condicio· nando o segundo ou seja o acessó­rio, que "o presente Ato Institucio­nal vigora desde sua publicação até 15 de março de 1967". Colige­-se, conclui-se, tem-se, inescurecl­velmente, que os atos impugna­dos incorreram em antijuricida­de, pôsto que fincados num ucas­se que se autolimitara no tempo, que estava, em conseqüência, de ciclo percorrido, que meses antes fôra entregue e reentregue ao se­pultureiro.

Inda aceitando, por aprêço a debates, que inexistente, no Ins­titucional n.o 2, o transcrito ar­tigo 33 ou algo parelho, tudo es­taria na mesma temperatura mor­rediça, pois que Lei sobrevinda e de categoria suma, a Carta de 24 de janeiro último, vigente a .con­tar de 15 de março seguinte, teria varrido de curso, maquinalmente, a êsse institucional, por inconju­gável, por incompatível com sua preceituação, que prevê e provê suspensão de direitos políticos sem dano aos direitos individuais de ir e vir, de escolher domicí­lio, de continuar a exercer profis­são lícita, direitos que integram o rol daqueles sem os quais a vida humana não vale ser vivida.

Dir-se-á que o art. 173 da Carta autoriza compreensão con­trária.

Nanja. Também se procurou carregar ao art. 18 da Constitui­ção de 1934, aprovação, indiscri­minada, de atos legislativos do Govêrno Provisório ...

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Francisco Campos, mestre conspícuo de Ciências Políticas, prestam ente positivou que essa "enormidade" não poderia estar no pensamento do Constituinte, que isso importaria na "situação contraditória, absurda, monstruosa, caótica de têrmos em obrigatorie­dade, neste País, a um só tempo, dois Direitos incompatíveis", o da própria Constituição e o de al­guns dos Decretos do Govêrno Provisório, confirmados no seu vi­gor pela mesma, embora coliden­tes com seus princípios e com suas prescrições.

A continuidade do sistema jurí­dico se manteve, cessada tôda fôrça produtiva de efeitos nos atos legislativos não concordes com o nôvo Estatuto Básico.

Houve aprovação irrestrita de atos cujos efeitos já se houvessem produzido, o que só pode refe­rir-se a atos perfeitos no passado, a atos consumados, a atos não destinados a continuar a reger para o futuro." (Francisco Campos, Direito Constitucional, voI. I, págs. 368/210). A exemplo do que fêz o art. 18 da Disposições Tran­sitórias da Constituição de 1934, o art. 173 da Carta de 1967 votou -se aos fatti compiuti, deixando in­tangível o que consumado, feito, praticado, antes, ao tempo de im­pério do Institucional n.o 2 e à sua medida.

Aprovou, excluiu de apreciação judicial, no concreto, a suspensão, decenal, de direitos políticos, com suas implicações, alinhadas nos três primeiros incisos do art. 16 do Institucional n.o 2, não, de ne­nhum modo, para aproveitamento futuro, as sanções do inciso IV dêsse mesmo artigo, inoperantes,

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letra morta, redigo, desde que ter­minado o prazo de vida que o próprio institucional se atribuir a naquele art. 33, imprestáveis, in­concessas, quando isso não fós­se, por in.conciliáveis com a nova Ordem.

A expressão "aprovados" do art. 173 da Carta, torno a sublinhar, reacentuo, fala para faits accom­plis, achevés en tout, como diria mestre Roubier, não engloba o que por fazer, que só se fará nos têrmos do grande comando jurí­dico, indivisível, advindo e de que êsse preceito faz parte.

Nem se pretenda que sem as penalidades do inciso IV aludido ficariam à impunidade transgres­sões tocantes aos outros. " Não: A lei eleitoral impede que brasilei­ro sob suspensão de direitos po­líticos vote ou seja sufragado, in­tegralize quadro de partido po­lítico ou participe de suas ativi­dades, constituindo crime pre­visto na mesma cassado tomar parte em comícios e atos de pro­paganda, mesmo em recintos fe­chados. E restrições idênticas obstam-lhe a presença, ativa, em eleições sindicais.

Os caps. li e IH do Tit. H da Carta ficaram, por fôrça do ante­dito art. 173 da mesma, si et in quantum incondizentes com os brasileiros a que a Revolução de Março de 1964 tirou por um de­cênio direitos políticos. Mas o Ca­pítulo IV não. Seu art. 150, § 23, favoneado auspiciosa mente pelo que escrito no texto seguinte, no 151, franqueou a quem antes exercia o jornalismo político, de crítica dos atos de Govêrno, co­mo profissão, continuar a exercê­-10.

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Possíveis ex.cessos - e isso se ajusta a cassados e não cassados - serão da conta dos aplicadores e executores da Lei de Segurança Nacional, da Lei de Imprensa, da Lei Eleitoral, da Lei Penal, da le­gislação que nos rege a conduta, que êste País não é terra sem lei. Não terão que ver com aquêle institucional, sob o qual o chão já há meses se abriu, escancarou e fechou.

Recordo, de passagem, aos que recomendam exegese e obser­vância da Carta de 1967, sem pre­juízo algum dos intuitos da Re­volução de Março de 1964 e do direito positivo que surgiu no período de Govêrno discricionário que aí principiou e que teve tê r­mo em 15 de março último, que isso depende exclusivamente da própria Carta, do que na mesma se contém.

Os podêres constituintes, ve­nham das cidadanias por intermé­dio de eleições livres, de repre­sentação autêntica, de um rei ou de um ditador de qualquer tipo, são alterosos, anchos, jamais adic­tos, adstritos.

O intérprete, austero, de uma superlei, procura abelhudar-lhe o conteúdo, auscultar-lhe o sentido, adaptá-la às circunstâncias, fazê­-la viver, assistido apenas pela doutrina acreditada e pela tradi­ção, animado de propósito perfec­cionista, atento às aspirações na­cionais inobjetáveis, à perspectiva histórica, o que inclui ideais re­volucionários, não inclui o fadá­rio das revoluções.

As revoluções buscam legitimi­dade, os governos surgidos como corolário se autolimitam, se ins­titucionalizam e tudo acaba numa

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constitucionalização, que arreda, que renega, todo direito positivo que a contrarie, que lhe amarfa­nhe a liderança plenária, de pea­nha, proeminente, da ordem jurí. dica do regime.

Nímio, numa superlei, texto re­vogatório do direito positivo ante­cedente que se lhe opuser.

Seria rareza e redundância, pois que lei dêsse tipo não partilha postulados.

Ao se tornar peremptória, im­põe, soberanamente, seu conteú­do, pondo automàticamente em ignição todo direito positivo pre­existente de sentido antagônico, detentora, que é, da competência primígena, que capitula, circuns­tancia, confere e confina as de· mais competências.

Concedo pelo exposto o writ e para que se restabeleça o statu quo ante do paciente, quanto a domicílio, residência.

Com o Relator. Voto

o Sr. Min. Godoy Ilha: - Sr. Presidente, não desejo alongar êste debate. As teses que se con­trovertem nesta causa são por demais conhecidas. Em que pese o magnífico e brilhantíssimo voto que proferiu o eminente Min. Re­lator, data venia, arrolo-me entre aquêles que denegaram a ordem. Invoco, como valiosos subsídios do meu voto, os jurídicos funda­mentos da magnífica sentença de Primeira Instância do ilustrado titular da P Vara de Justiça Fe­deral do Rio de Janeiro.

Voto

o Sr. Min .. Amarílio Benjamin: - Dada a relevância da matéria,

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achei por bem reduzir a escrito as observações em que estruturei o meu pronunciamento a respei­to da controvérsia. Ê o que vou ler, com a tolerância dos meus eminentes Colegas uma vez que o que vou dizer não constituirá no­vidade, quer de um lado, quer de outro:

Requerem os advogados Antô­nio Evaristo de Moraes Filho, Mário de Figueiredo e George Tavares a presente ordem de habeas corpus em favor do jorna­lista Hélio Fernandes, alegando estar o mesmo sofrendo constran­gimento em sua liberdade de lo­comoção, como conseqüência de domicílio determinado, impôsto pelo Sr. Ministro da Justiça e confirmado pelo Sr. Juiz Federal da 1.a Vara, no Estado da Guana­bara.

Liga-se a matéria à aplicação dos Atos Institucionais do Poder Revolucionário e das normas que os desenvolveram e completaram, em face da Constituição em vigor a partir de 15 de março de 1967.

Os Atos Institucionais n.o 1 (art. 10) e n.o 2 (art. 15), auto­rizaram a suspensão dos direitos políticos por 10 anos. Tal penali­lade foi aplicada ao paciente.

Prescrevia o Ato Institucional n.o 2, no art. 16: "Art. 16 -A suspensão de direitos políticos, com base neste Ato e no art. 10 e seu parágrafo único do Ato Insti­tucional, de 9 de abril de 1964, além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e no art. 6.° da Lei Orgânica dos Partidos Políti. cos, acarreta simultâneamente:

I - a cessação de privilégio de fôro por prerrogativa de fun­ção;

11 - a suspensão do direito de votar e de ser votado nas elei­ções sindicais;

111 - a proibição de atividade ou manifestação sôbre assunto de natureza política;

IV - a aplicação, quando ne­cessária à preservação da ordem política e social, das seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar de­

terminados lugares; c) domicílio determinado." O Ato Complementar n.o 1

disciplinou, assim, a imposlçao das medidas de segurança pre­vistas: "Art. 2.° - As medidas de segurança previstas no item IV do art. 16 do Ato Institucional n.o 2 serão aplicadas pelo Minis­tro da Justiça, após investigação sumária pelo Chefe do Departa­mento Federal de Segurança PÚ­blica, e submetidas, dentro de 48 horas, à apreciação do Juiz Fe­deral competente, observando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal.

Parágrafo único - Da decisão, despacho ou sentença do Juiz sô­bre a aplicação da medida de se­gurança ou sua execução ca­berá recurso em sentido estrito, sem efeito suspensivo, para o Tribunal Federal de Recursos."

Foi baseado nessas disposições que o Sr. Ministro da Justiça as­sentou a deliberação impugnada.

No exame da determinação mi­nisterial, o primeiro confronto há de ser feito com a Carta Consti­tucional vigente. De fato, o Esta­tuto Básico, instituindo o nôvo re­gímen e a normalidade política, prescreveu no art. 173: "Art. 173 - Ficam aprovados e excluídos

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de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supre­mo da Revolução de 31 de março de 1964, assim como:

I - pelo Govêrno Federal, .com base nos Atos Institucionais n.o 1, de 9 de abril de 1964; n.o 2, de 27 de outubro de 1965; n.o 3, de 5 de fevereiro de 1966; e n.o 4, de 6 de dezembro de 1966, e nos Atos Complementares dos mes­mos Atos Institucionais;

lU - os atos de natureza le­gislativa expedidos com base nos Atos Institucionais e Complemen­tares referidos no item 1."

Diante disso, não há dúvida, portanto, que a suspensão dos di­reitos políticos do paciente está de pé com as componentes in te­grativas, constantes dos itens I e UI do art. 16. Trata-se de ato praticado. Perfeito. Concluído. O que, no entanto, vem ao de­bate, em face do pedido, é a me­dida de segurança do domicílio determinado, constante do item IV, letra c, ou, mais precisamen­te, se o Ministro da Tustica. diante da Constituição, podia ainda utili­zá-la.

O Dr. Juiz. homologando o eto ministerial, invocou o princípio da ultra-atividflde da lei. consig­nado no art. 3.0 do Código Penal: "Art. 3.° - A lei e~cencional ou temnorária. embora decorrido o período de sua duração ou cessa­das as circunstâncias que a deter­minaram, aplica-se ao fato prati­cado durante sua vigência".

Dêsse modo. entretanto, o pre­ceito, à vista dos fatos a que se pretende acorrer, não estÁ hem compreendido. A ultra-atividade

prolonga a lei no tempo, mas se dirige a evento verificado em sua vigência. Na hipótese, não só a restrição, como o motivo que a provocou, são fatos novos. Se­gundo o Ato Institucional n.o 2, art. 16, a suspensão dos direitos políticos acarretava simultânea­mente a cessação do privilégio do fôro, a suspensão do direito de voto nas eleições sindicais e a proibição de atividade ou mani­festação sôbre assunto de nature­za política, itens I a lU. As medi­das de segurança, porém, ficaram na dependência da necessidade de preservação da ordem política e social, item IV. As primeiras res­trições compõem a própria sus­pensão; já as segundas ou as medidas de segurança, podiam ser utilizadas ou não. Logo, auanto a estas, a regra da ultra-atividade não as resguarda. Também não lhes serve, pela mesma razão de desmerecimento, o art. 75 do Có­digo Penal, que cuida de provi­dência já imposta, em face de lei nova.

Não obstante, a ocorrência tem que ser examinada também em têrmos pràpriamente constitucio­nais.

A Con"titlJirão é a lei hásica do Estadn. S;rtnifica o in~trllmen­to de eauilíbrio das relações entre governantes e governados. É a lei suprema que a tudo e a todos sub­mete. Fora do seu texto, ou .contra êle, nada pode prevalecer. É abso­lutamente incondicionada, no sen­tido de não depender de nenhuma fôrça estranha. Proclamada uma constituição, a constituição ante­rior e atos equivalentes deixam de existir. Todavia, é comum, nas mudanças de regímen, a ressalva

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de atos praticados sob o sistema anterior, para o efeito de garan­tir-lhes a indiscutibilidade e a exe­cução. Também, para que o Esta­do, sob a forma nova adotada, não fique no vazio e seja obrigado a construir tôda a administração, nos seus variados aspectos, o Di­reito consagrou o princípio da continuidade legislativa, que se traduz na permanência da legisla­ção ordinária anterior, salvo no que contradiga ao nôvo Estatuto Fundamental.

No sistema específico do Bra­sil, com vistas à Revolução de Março, os chefes do movimento levaram a tal ponto a preocupa­ção com o estado de direito e sis­tema legal, que, embora dispondo de ilimitados podêres de fato; não suprimiram a Constituição de 46; aditaram-na e emendaram-na; baixaram atos institucionais, po­rém, limitados no tempo; e, por fim, manifestaram, com o Ato Ins­titucional n.o 4, o intransigente propósito de traduzir o pensa­mento da Revolução, a sua men­sagem definitiva, numa carta constitucional, intento que se cumpriu, graças ao patriotismo e à sinceridadE' do Presidente Cas­tello Branco, na Constituição de Março de 67. A partir daí, os ideais revolucionários não desapa­receram, e é natural que estejam vivos, como sentimento e inspira­ção, mas passaram a ter .como instrumento de ação e de defesa a Carta Magna, que foi votada. As regras institucionais ou cons­titucionais editadas anteriormen­te terminaram o seu ciclo ou fo­ram absorvidas pelo nôvo Estatu­to; e os preceitos que compunham matéria de legislação ordinária

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subsistem, embora na conformi­dade do axioma da continuidade legislativa, isto é, no que se har­monizem com a nova ordem. De fato, a persistência absoluta da­quelas regras e dêsses preceitos, impediriam o pretendido restabe­lecimento pleno da vida democrá­tica e o funcionamento normal dos podêres do Estado, como fo­ram reestruturados. Por isso mes­mo, teve a nova Constituição o cuidado de garantir, por meio de indicação expressa, o que, da si­tuação anterior, foi julgado in­dispensável. Daí provém o art. 173 das Disposições Gerais e Transitórias, que não destoou da orientação seguida em casos se­melhantes, desde que se refere a atos praticados pelas fontes rela­cionadas do Poder Revolucioná­rio. A inclusão no item In dos atos de natureza legislativa não sig­nifica perenidade, nem seria con­cebível tal pensamento. Fôra as­sim, o poder de legislar deixaria de ser livre e a lei não poderia atender à realidade, que é dinâmi­ca, pela própria natureza. A pre­visão do item UI, dada a circuns­tância de o Poder da Revolução haver convivido com o Parlamen­to da Constituição de 46, homolo­ga e reconhece, por .certo, para dissipar quaisquer dúvidas, a competência e autonomia do le­gislador revolucionário.

Como quer que seja, a Consti­tuição de 67 teve a consciência do problema da suspensão dos di­reitos políticos e da limitação dos direitos e garantias individuais, enfrentando o assunto no seu texto permanente.

No art. 151 dispõe: "Art. 151 - Aquêle que abusar dos direitos

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individuais previstos nos parágra­fos 8.°, 23, 27 e 28 do artigo an­terior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem democrá­tica ou praticar a corrupção, in­correrá na suspensão dêstes últi­mos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante re­presentação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, asse­gurada ao paciente a mais ampla defesa."

Vê-se, pelo dispositivo, que o abuso dos direitos individuais de liberdade do pensamento, livre exercício do trabalho, reunião e associação, e dos direitos políticos importa na suspensão dêsses úl­timos. A autoridade competente para estabelecê-la, porém, é o Su­premo Tribunal Federal, sob re­presentação do Procurador-Geral da República. Futuramente, o Pretório Excelso, com a lucidez que distingue os seus ilustres titu­lares, dará o conteúdo perfeito da suspensão dos direitos políticos, que decretar, se a lei não lhe to­mar a dianteira. Mas, já agora, é certo que as medidas de segu­rança, admitidas no Ato Institu­cional n.o 2, art. 16, n.o IV, não foram autorizadas pela Constitui­ção nem estão incluídas por fôrça de compreensão, como es­senciais à efetividade da capitis deminutio.

Ê verdade que há menção a elas, em espécies determinadas, noutro capítulo, ao lado de pro­vidências de caráter diferente. Ê o que se vê no art. 152, auto ri­zativo do estado de sítio, que, entretanto, no momento, não se acha decretado. A qualquer sorte,

todavia, vale destacar os arts. 154 e 155, que demonstram, malgra­do a crise que surja, a submissão das faculdades extraordinárias a requisitos de proteção contra o puro arbítrio. Pelo art. 154, o Congresso, durante a vigência do estado de sítio e mediante lei, po­derá suspender as garantias cons­titucionais, sem prejuízo das san­ções previstas no art. 151. Na conformidade do segundo disposi­tivo (art. 155), findo o estado de sítio, cessarão os seus efeitos. O contrôle jurisdicional, além disso, contra a sua aplicação ir­regular, está assegurado no art. 156.

A ligeira apreciação que se aca­ba de fazer também demonstra que a Constituição não deixa 'inerme o Govêrno em face de guerra ou perturbação da or­dem ou de ameaça de sua irrup­ção. É mais pronta do que a Constituição de 1946. Ao contrá­rio da anterior, concede primazia ao Presidente da República na decretação da situação emergen­cial - art. 152. Seja ,como fôr, o certo é que, independentemente de medida de segurança, quem es­teja com os direitos políticos sus­pensos, continua subordinado à disciplina comum do homem em sociedade. Além das restrições próprias da situação, deve obedi­ência às leis, implicando em pro­cesso a ofensa que cometa contra o seu statu e às disposições pe­nais, ordinárias ou especiais. Pode sofrer prisão ou medidas de segu­rança pelas infrações que cometa, contanto que a disciplina judicial de cada hipótese seja obedecida. A exclusão da medida de segu­rança, por ato administrativo, no

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campo político, é recomendação do sentimento jurídico universal.

O sistema democrático possui também suas contingências. O Es­tado pode proclamar que o poder emana do povo e em seu nome é exercido; que os podêres são di­ferenciados e independentes, em­bora sinérgicos; que a dedaração de direitos e as garantias do ci­dadão constituem as bases primá­rias da sociedade; ou que o bem comum é a meta de tôda ação pú­blica, mas estas diretrizes em têrmos abstratos, nada valem. Faz-se preciso praticá-las a cada minuto ou não existem. A demo­cracia é cheia de sacrifícios, so­bretudo porque o homem, para quem é talhada, é um ser vivo e está longe da bondade inata rous­seauniana. No entanto, como é comprovadamente o melhor estilo de convivência, impõe que ,cada qual, suplantando ou reduzindo os impulsos de egoismo fundamental, cumpra com sinceridade a função que lhe caiba. Qualquer excesso do governante a perturba, do mesmo modo que da parte do cidadão, cujo direito se defronta com outro direito, de igual na­tureza, e circula dentro da lei. Não há democracia sem ânimo forte de realizá-la. A propósito das restrições que o indivíduo po­de sofrer, a teoria francesa da liberdade serve de exemplo até na parte negativa, como demons­tração valiosa do que se deve evitar.

Desde as Declarações de Di­reitos de 89, prepondera a idéia da segurança pessoal (sureté) , um estado subjetivo do gôzo das garantias fundamentais e da cer­teza de seu respeito. Não obstan-

te, do outro lado, se acham as ações judiciais de proteção à se­gurança geral e um conjunto de medidas enfeixadas sob o no­me de poder de polícia, que a ad­ministraç~o emprega Hvremente em defesa de utilidades essenciais a todos.

N o mecanismo do poder de po­lícia, destaca-se, porém, uma téc­nica especial. Certas medidas sà­mente se aplicam administrativa­mente em tempos de crise, e, ain­da assim, por autorização de leis especiais. Por exemplo, a deten­ção, o internamento ou o domi­cílio vigiado. Em tempos normais, essas providências sàmente cabem em relação aos loucos, aos meno­res desajustados e às prostitutas. De mais próximo, tiveram curso durante a 2.a Guerra Mundial, o período de Vichy e a luta da Ar­gélia. Em tese, devem ,cessar com o domínio das perturbações, que lhes deram causa. É o que está explicado em Georges Burdeau -Libertés Publiques - 1961 -hoje tão famoso como Leon Du­guit, a cuja análise os excessos do poder de polícia estiveram pre­sentes, da mesma forma - Droit Constitutionnel- tomo 2.°, 1911. Maurice Duverger, outro grande mestre dos nossos dias, atesta a excepcionalidade das restrições focalizadas, e toma partido contra elas (Droit Public, 1957).

Ora, se alhures é assim, mal­grado as exceções, entre nós não há de ser pior. O Brasil desco­nhece, de modo absoluto, tais po­dêres à Administração Pública, em têrmos ordinários;

Pelo que estudamos e entende­mos, medidas de segurança sà­mente existem no estado de sítio

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e dentro do sistema judicial. Des­sa forma, pela série de razões ex­postas, o ato impugnado não pode prevalecer.

O Sr. Ministro da Justiça, que é jurista esclarecido, mestre pro­vecto e sincero servidor das ins­tituições, há de compreender a divergência em que nos coloca­mos, cumprindo o árduo dever de decidir.

Concedemos, pois, o habeas corpus solicitado, a fim de que cesse imediatamente a determina­ção de domicílio, que foi imposta ao paciente.

Voto

O Sr. Min. Armando Rollem­berg: - 1. O ato contra o qual se requer a ordem de habeas cor­pus, a Portaria do Sr. Ministro da Justiça que impôs domicílio determinado ao paciente, funda­mentou-se na alínea c, do item IV, do art. 16 do Ato Institucional n.O 2, de 27 de outubro de 1965, combinada com o art. 2.° do Ato Complementar n.o 1, de igual data. Ainda com fundamento no art. 2.° do Ato Complementar nú­mero 1, foi a aplicação da medida de segurança submetida à apre­ciação do Juiz Federal da 1.a Va­ra do Estado da Guanabara, que a manteve.

O aspecto primacial a examinar, portanto, é a alegação feita pelos requerentes de que os dois diplomas legais citados já não vi­giam à época em que foram apli­cados, do que decorreria a ilega­lidade quer do ato do Sr. Minis­tro da Justiça, quer da sentença que o aprovou.

2 . É indiscutível que o Ato Institucional n.O 2 já não tinha

eficácia a 20 de julho do .corrente ano, quando foi fixado domicílio determinado para o paciente, por­que:

a) a respectiva vigência, como expresso no seu art. 33, termina­ra a 15 de março;

b) a Constituição de 1967 afastara, ao ser promulgada, tôdas as regras de natureza constitucio­nal anteriores, e, portanto, as con­tidas nos Atos Institucionais, pois regulou por inteiro quer a orga­nização do Estado, quer os direi­tos e garantias individuais;

c) mesmo que se recusasse procedência à assertiva anterior, ainda assim se teria que entender revogado o Ato Institucional n.O 2 na parte em que autorizou a de­terminação de domicílio aos atin­gidos pela suspensão de direitos políticos, pois a Constituição sà­mente previu o uso de tal me­dida durante o estado de sítio (art. 152) e, portanto, é incompa­tível com ela a citada regra legal.

3 . De outro lado, se não es­tava em vigor a 20 de julho dêste ano o Ato Institucional n.o 2, não haveria como aplicar-se o ar­tigo 2.° do Ato Complementar n.o 1, pois ali se contém tão-sà­mente norma regulamentar do item IV do art. 16 do aludido Ato, e, por isso mesmo, regra in­conciliável, também ela, com a Constituição, pelos motivos antes apontados.

Afirmou-se, em contrário a tal conclusão, que o Ato Complemen­tar n.o 1 fôra preservado pelo ar­tigo 173 da Constituição ao de­clarar aprovados e excluídos de apreciação judicial "os atos de natureza legislativa expedidos

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com base nos Atos Institucionais e Complementares" (inciso lII).

Tal afirmação é, com a devida vênia, de todo inaceitável.

A aprovação dada pela Cons­tituição no seu art. 173 aos atos legislativos anteriores, quando êstes contenham normas com ela incompatíves, há de ser interpre­tada como dirigida à validação da aplicação anterior de tais atos e jamais como reconhecimento de que os mesmos continuariam com eficácia, pois isso importaria em admitir-se que ao lado da Cons­tituição vigorariam regras consti­tucionais que lhe são contrárias.

Neste sentido é a lição de dois dos mais eminentes publicistas pá­trios, Francisco Campos e Castro Nunes, ao analisarem o art. 18 do Ato das Disposições Constitu­cionais Transitórias da Constitui­ção de 1934, onde se continha norma semelhante à inserida no art. 173 da atual Constituição.

Escreveu Francisco Campos: "Ora, a aprovação dos atos do Govêrno Provisório foi irrestrita, isto é, aprovados foram todos os seus atos, não somente os atos que poderiam ser considerados em face da nova Constituição como regulares ou perfeitos, como aquêles que não resistiriam a um confronto com as disposições constitucionais.

Não entrou, como se vê, na apreciação daqueles atos, para o efeito da sua aprovação, o crité­rio da sua conformidade .com a nova Carta Constitucional, e não entrou, precisamente, porque se tratava de atos já consumados an­teriormente à vigência da Cons­tituição e, portanto, não podendo, à evidência, ser regulados ou re-

gidos por uma lei ainda inexisten­te. O art. 18 das Disposições Tran­sitórias se refere ao passado, ex­cluindo de qualquer apreciação em face das leis então em vigor ou de outras que viessem a ser promulgadas os atos cujos efeitos já se houvessem produzido, o que só pode referir-se a atos perfeitos no passado, a atos consumados, a atos não destinados a continuar a reger para o futuro, como é o caso dos decretos legislativos. ltstes, ao contrário, não poderiam ser apro­vados irrestritamente, incondicio­nalmente, sem discriminação, cau­telaf- e reservas, porque são atos cuj;a fôrça produtiva de efeitos não se esgotou no passado, conti­nuando a manter a sua pretensão de enquanto não revogados, reger os casos ou as situações que emer­girem para o futuro dentro da es­fera do seu conteúdo material ou da compreensão dos seus precei­tos.

Ora, neste caso, a aprovação in­discriminad8. de todos os atos le­gislativos do Govêrno Provisório envolveria, necessàriamente, não apenas a legislação conforme a nova Carta Constitucional como a que lhe fôsse contrária ou com ela incompatível, e como os de­cretos legislativos se destinam a ser aplicados para o futuro, claro é que os contrários à nova Cons­tituição, vigente esta, continua­riam a ser aplicados, do que resul­taria a contraditória, absurda, monstruosa e caótica situação de, a um só tempo, vigorarem no país dois Direitos incompatíveis, cons­tantes ambos de um mesmo ins­trumento legislativo - a Consti­tuição de 16 de julho e os de­cretos do Govêrno Provisório a

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ela contrários e, entretanto, no seu próprio texto aprovados ou con­firmados no seu vigor. Esta enor­midade não poderia estar, eviden­temente, no pensamento da Cons­tituição Federal. Nem está, como se verá. O que o art. 18 das Dis­posições Transitórias aprovou não foi, com efeito, a legislação do Go­vêrno Provisório, senão os atos dêste Govêrno".

E Castro Nunes: "A Constituin­te aprovou e podia aprovar os atos do Govêrno Provisório, mes­mo os praticados em contrário à preceituação orgânica dos podê­res discricionários, validando os que houvessem sido praticados ultra vires; mas o que não proce­de, é que tenha os mesmos efei­tos a aprovação dos atos contrá­rios à própria Constituição, cujos efeitos sejam com esta manifesta­mente incompatíveis.

Tratando dos atos legislativos, disse o Ministro Costa Manso: "O art. 18 da Constituição só apro­vou os atos administrativos.

As leis figuram no art. 187, que dispõe: "Continuam em vigor, enquanto não revogadas as leis que, explícita ou implicitamente, não contrariem as disposições desta Constituição" (Mandado de Segurança n.o 53).

Do contrário Se teria de en­tender que os decretos do Govêr­no Provisório gozam de maior imu­nidade do que as leis do regime constitucional. Teriam a fôrça de preceituações constitucionais, que o Poder Legislativo não poderia revogar, alterar ou modificar no exercício das suas atribuições normais" - (Arq. lud., voI. 36, pág.85).

4. É, assim, fora de dúvida, que o Ato Institucional n.O 2 e o Ato Complementar n.o 1 já não v1g1am na data em que foi de­cretado o domicílio forçado do paciente.

A tal constatação, aliás, não fo­ge o Ex.mo Sr. Ministro da Jus­tiça, que, entretanto, entende ser a aplicação da medida de segu­rança prevista na alínea c do item IV do art. 16 do Ato Institucio­nal n.O 2 simples efeito da sus­pensão dos direitos políticos im­posta ao paciente, e, como tal, aplicável mesmo após a revogação dos diplomas legislativos que a autorizavam.

Isso o que se depreende do trecho seguinte da fundamenta­ção do ato impugnado: "Impõe­-se assim, esta nítida distinção: - não se pode mais praticar atos com fundamentos nos Atos Ins­titucionais, mas perduram os que foram praticados, na plenitude de seus efeitos, porque assim o quer a Constituição (art. 173), quan­do os aprovou e até os excluiu de apreciação judicial".

Do exame que fiz de tal tese frente ao disposto no art. 173 da Constituição e à regra da alínea c do ítem IV do art. 16 do Ato Institucional n.O 2, ficou-me a con­vicção de sua inteira improcedên­Cia.

Dispunha o art. 16 do Ato Ins­titucional n.O 2: "A suspensão de direitos políticos com base neste Ato e no art. 10 e seu parágrafo único do Ato Institucional de 9 de abril de 1964, além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e no art. 6.° da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, acarreta sim ul­tâneamente:

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IV - a aplicação, quando ne­cessária à preservação da ordem política e social, das seguintes medidas de segurança:

c) domicílio determinado." A regra lida, como se vê, não

teve como efeito a atribuição de domicílio determinado aos que tiveram suspensos os direitos po­líticos, e, sim, tornou-os passíveis da aplicação da citada medida de segurança. Para que tal se desse era necessário, como aliás ocorreu na hipótese que nos ocupa, a prá­tica de ato por autoridade .compe­tente, no caso o Ex.mo Sr. Mi­nistro da Justiça, e se êsse ato não foi levado a efeito na vigên­cia das regras legais que o au­torizavam, não poderia vir a sê­-10 depois. A decretação do domi­cílio determinado do paciente, portanto, não chegou a ser efei­to regular da suspensão dos di­reitos políticos, porque não decre­tada quando o poderia ser. A ar­gumentação da autoridade impe­trada, com a devida vênia, sàmen­te seria procedente se a medida de segurança houvesse sido apli­cada no dia 10 de março, por exemplo. O prazo de 60 dias seria então cumprido porque o domicí­lio determinado era efeito de ato baixado com apoio do Ato Insti­tucional n.o 2, então em vigor. A partir do término da vigência dêste ato, porém, seria impossível aplicá-lo, sob a consideração de que a conseqüência importaria em efeito dêle.

Aceitar-se o contrário seria ad­mitir-se a aplicação de regra re­vogada, porque contrária à Cons­titüição, na vigência desta, o que seria absurdo.

É elucidativo, a propósito, o que escreveu Pontes de Miranda ao comentar o art. 18 do Ato das Disposições Transitórias da Cons­tituição de 1934: "A vedação de exame judicial que o art. 18 das Disposições Transitórias consagra em relação aos atos do Govêrno Provisório, não se estende àqueles atos legislativos que têm de in­cidir após a entrada em vigor da Constituição de 1934. O que fica aprovado é o que se realizou. O ato legislativo, que incidiu, ou o ato administrativo que se con­sumou, fica, em virtude do art. 18, isento de verificação judical, - mas só nas incidências que teve, ou naquilo em que se con­cretizou. Assim, se determinado preceito, constante de decreto do Govêrno Provisório, era inconsti­tucional (dentro do conceito de inconstitucionalidade que se ado­tou durante os quatro anos do Govêrno Provisório), e incidiu em ato anterior a 16 de julho de 1934, já se lhe não pode apurar a inconstitucionalidade, porque o aprovou a Constituição de 1934. Mas, se êsse preceito é inconsti­tucional perante a nova Constitui­ção, não mais incide: a sua per­manência depende da nova ordem jurídica, que o filtra, que exclui tudo aquilo que devendo aplicar­-se ou realizar-se já no ambiente de 16 de julho de 1934, se cho­caria com os princípios constitu­cionais vigentes."

Não é demais relembrar, além disso, lição de Francisco Campos, contida em trecho já .citado antes, onde se lê: "O art. 18 das Dis­posições Transitórias se refere ao passado, excluindo de qualquer

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apreciação em face das leis então em vigor ou de outras que vies­sem a ser promulgadas os atos cujos efeitos já se houvessem produzido, f) que só pode referir­-se a atos perfeitos no passado, a atos consumados, a atos não des­tinados a continuar a reger para o futuro, como é o caso dos de­cretos legislativos".

5. Inaceitável também, com a devida vênia, é a aplicação, à hi­pótese, do art. 75 do Código Pe­nal.

Reza a disposição citada: "As medidas de segurança re­

gem-se pela lei vigente ao tempo da sentença, prevalecendo, entre­tanto, se diversa, a lei vigente ao tempo da execução".

Para que a invocação de tal norma fôsse pertinente seria ne­cessário que a medida de segu­rança houvesse sido aplicada na vigência da lei que a autorizava, o que, já vimos, não ocorreu.

6. Afastados os argumentos propriamente jurídicos, cabe exa­minar a afirmativa de que o re­conhecimento da impossibilidade de aplicação das medidas previs­tas no Ato Institucional n.o 2 im­portaria em frustração dos obje­tivos do Movimento de 31 de março de 1964.

A Constituição foi elaborada por iniciativa do Ex.mo Sr. Pre­sidente da República, no exercí­cio de podêres que lhe haviam sido conferidos pela Revolução, como declarado nos considerandos do Ato Institucional n.o 4, e in­corporou em seu texto todos os dispositiVlos dos Atos Institucio­nais julgad08 úteis. Se não se in­cluiu entre êstes o art. 16 do Ato Institucional n.o 2 foi porque

entendeu-se desnecessárias, já en­tão, as providências aí autoriza­das. E, com o devido respeito às opiniões em contrário, realmente o eram. No período que precedeu à Constituição foi elaborada le­gislação que armou o Govêrno de instrumentos de ação, que lhe per­mitiam prescindir de outras medi­das. De relação ao caso que nos ocupa, por exemplo, quando a imposição de domicílio determi­nado ao paciente, pelo prazo de 60 dias, resultou, como esclarecido pelo Ex.mo Sr. Ministro da Jus­tiça, da publicação de artigo em que injuriara e difamara a me­mória do ex-Presidente da Repú­b1i,ca, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, prevê a Lei de Imprensa penas de 3 a 18 meses e 1 mês a 1 ano de deten­ção (art. 24 combinado com os arts. 21 e 22), portanto punição bem mais rigorosa.

7. Ainda um outro argumen­to há de ser considerado.

A Constituição vigente, no seu art. 151, previu a suspensão dos direitos políticos do cidadão que abusar da liberdade de pensa­mento, do livre exercício da pro­fissão, do direito de reunião ou de liberdade de associação, para atentar contra a ordem democrá­tica ou praticar a corrupção. Não reeditou porém a regra do art. 16, inciso IV, letra c, do Ato Insti­tucional n.o 2, isto é, não autori­zou a apli.cação, ao mesmo, da medida de segurança do domicí­lio determinado, só o admitindo durante o estado de sítio.

Se aceitarmos que os que tive­ram os seus direitos suspensos an­tes da promulgação da Constitui­ção continuam sujeitos às medi-

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das de segurança previstas no Ato Institucional n.o 2, teremos que concluir que a dois cidadãos atin­gidos pela mesma providência em conseqüência da prática de atos semelhantes será dispensado tra­tamento diferente, o que é inacei­tável no Estado de Direito.

8 . As considerações feitas le­varam-me a concluir que embora haja sido profundamente lamen­tável a, atitude do paciente ao re­ferir-se, da forma por que o fêz, à figura do ex-Presidente da Repú­blica, quando êste acabara de ser vítima de terrível desastre, a me­dida aplicada pelo Ex.mo Sr. Mi­nistro da Justiça não estava auto­rizada por lei em vigor, sendo, portanto, ilegal, e, por isso conce­do a ordem nos têrmos do pedido.

Voto

o Sr. Min. Antônio Neder: -A Revolução de 31 de Março de 1964, no exercício do poder cons­tituinte inerente nela, e no qual se investiu, editou vários atos de conteúdo jurídico-constitucional (no sentido material).

Um dêsses atos é o Ato Insti­tucional n.o 2, de 1965.

O seu art. 15 outorgou ao Pre­sidente da República a faculdade de suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo pra­zo de dez anos e de cassar man­datos legislativos federais, esta­duais e municipais.

O seu art. 16 dispôs sôbre a eficácia ipso iure da suspensão dos direitos políticos prevista no art. 15.

E o seu art. 30 autorizou o Presidente da República a edi­tar os necessários atos comple­mentares, donde o Ato Com ple-

mentar n.o 1, de 1965, que dispôs sôbre as conseqüências jurídicas da suspensão dos direitos políticos antes mencionada.

Exercitando a faculdade que lhe foi outorgada no art. 15 do Ato Institucional n.o 2, o Presi­dente da República, por decreto de 10-11-66, suspendeu os direi­tos políticos do paciente, o jorna­lista Hélio Fernandes.

Deu-se, porém, que, a 19-7-67, ao ensejo e por causa da morte do ex-Presidente Castello Branco, o jornalista Hélio Fernandes veio a escrever e publicar impiedoso artigo no jornal "Tribuna da Im­prensa" sôbre a personalidade do referido e ilustre extinto.

Considerando que êsse eSCfl­to, por suas implicações e reper­cussão, perturbou a ordem políti­ca e social, houve por bem o emi­nente Sr. Ministro da Justiça aplicar ao seu autor a medida de segurança definida no art. 16, IV, c, do Ato Institucional n.o 2 (do­micílio determinado), designando a Ilha de Fernando de Noronha para domicílio do paciente.

Ao mesmo tempo, o eminente Sr. Ministro da Justiça, dando execução ao que expressa o ar­tigo 2.° do Ato Complementar n,o 1, submeteu o seu ato ao con­trôle judicial, e o fêz na pessoa do MM. Df. Juiz Federal da 1.a

Vara da Secção da Guanabara, lo­grando sua aprovação em parte, visto que êsse honrado Magistra­do ordenou fôsse fixado o prazo à medida e designado para domicí­lio do paciente uma cidade onde pudesse êle trabalhar para o sus­tento próprio e de sua família.

Acatando e cumprindo a deci­são judi.ciária, o Sr. Ministro da

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Justiça designou a cidade de Pi­raçununga, em São Paulo, para domicílio do paciente, e, a seguir, fixou o prazo de sessenta dias para a duração da medida de segu­rança.

Considerando que a imposição da medida de segurança, no caso, é ilegal e constitui cercea­mento da liberdade de locomoção do paciente, os ilustres advogados Drs. Antônio Evaristo de Moraes Filho, Mário de Figueiredo e George Tavares impetram ao Tri­bunal Federal de Recursos ordem de habeas corpus em favor do re­ferido jornalista.

Apontam como autoridades coatoras o Sr. Ministro da Justi­ça, autor do ato havido por ilegal, e o MM. Dr. Juiz Federal da l,a Vara da Guanabara, que o aprovou.

Afirmam os ilustres Drs. Advo­gados impetrantes que, a 20-7-67, dia em que o eminente Sr. Mi­nistro da Justiça aplicou a medi­da de segurança a que se refere êste processo, já se achava pe­rempto o Ato Institucional n.o 2, porque sua vigência, prefixada no seu texto para o dia 15-3-67, ha­via chegado ao seu fim, e que, perempto o mencionado Ato, não havia como invocar-lhe o art. 16 para suporte legal da aplicação da medida.

Afirmam, ainda, que além da perempção, o Ato Institucional n.o 2, pela natureza constitucional das suas normas, ficou ab-rogado pela Constituição de 1967, como decorre do princípio de que a norma constitucional posterior ab-roga a anterior.

Contestando essas afirmações, alega o eminente Sr. Ministro da

Justiça que a norma do art. 16 do Ato Institucional n.o 2, de 1965, foi revigorada pelo art. 173, IlI, da Constituição de 1967, tan­to do ponto de vista formal quanto do ponto de vista material, e que, pelo revigoramento, ela se incorporou no Ordenamento Jurí­dico, embora de maneira excep­cional e transitória, donde sua vi­gência.

Vê-se, de logo, que duas ques­tões se apresentam à decisão do Tribunal: a da vigência da nor­ma contida no art. 16 do Ato Institucional n.O 2 e das que com­põem o Ato Complementar n.o 1, em face do que expressa o arti­go 173, lIl, da Constituição de 1967; e a da constitucionalidade dessas normas, se admitida a vi­gência temporal delas.

Antes, porém, de enfrentar as questões, vejamos a situação constitucional sob cujo império foram editadas as normas referi­das, pois é sabido que a situação constitucional tem incidência sô­bre o entendimento hermenêutico das normas jurídicas (KarI En­gisch, Introdução ao Pensamen­to Jurídico, pág. 149).

Fixemos nossa atenção no que expressa o art. 29 do Ato Insti­tucional n.o 2, assim redigido: "Incorpora-se definitivamente à Constituição Federal o disposto nos arts. 2.° a 12 do presente Ato".

Pelo que dispõe êste texto, as normas do Ato Institucional nú­mero 2 são de duas espécies: a das que se integraram na Consti­tuição de 1946 e a das que não se integraram nela.

Da primeira espécie são as nor­mas dos arts. 2.° ao 12.

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Da outra são as normas dos artigos 13 ao 33.

As primeiras, porque integran­tes da Constituição de 1946, pas­saram a formar o texto da Emenda Constitucional n.o 16, de 26-11-65, e, como é óbvio, passa­ram a compor, modificando-o, o sistema constitucional então vi­gente.

As demais, porque não inte­grantes da mencionada Constitui­ção, passaram a viger como nor­mas de exceção, embora algumas delas sejam de .conteúdo jurídico­-constitucional material.

Por que a diferença? Porque o legislador revolucio­

nário, exercitando o poder cons­tituinte inerente na Revolução de 31 de Março, cuidou, ao mesmo tempo, de reformar a Constitui­ção de 1946 e de editar normas excepcionais de natureza consti­tucional para, por meio destas, as­segurar a sobrevivência ou conso­lidação das medidas políticas por êle adotadas no trato dos pro­blemas com que se defrontou no Govêrno instituído pela Revolu­ção.

É o que se depreende, sem es­forços maiores, do preâmbulo de cada um dos Atos Institucionais, bem como do texto dêstes Atos e de todos os que os complemen­taram.

Basta relembrar que o art. 10 do Ato Institucional n.o 1, o ar­tigo 19 do Ato Institucional nú­mero 2 e o art. 6.° do Ato Insti­tucional n.o 3 contêm a expressa proibição de o Judiciário apreciar tudo quanto tenha sido praticado com assento nas suas normas, donde o caráter constitucional, ex-

cepcional e político-revolucionário delas.

Fixada, assim, em traços rá­pidos, a situação constitucional sub cujo comando foram edita­das as mencionadas normas, a conclusão que se nos impõe é a de que as normas jurídico-consti­tucionais editadas pelo legislador revolucionário ou foram de direi­to constitucional material e co­mum, integradoras da Constitui­ção então vigente, ou foram po­lítico-decisórias, de significado vo­luntarista e revolucionário, inte­gradoras de um direito de exce­ção destinado a consolidar a or­dem jurídica instaurada pela Re­volução.

As primeiras, porque integrado­ras da Constituição de 1946, fo­ram, como esta, ab-rogadas.

Prevalece, no .caso, o princípio de que a norma constitucional posterior desfaz a anterior.

As demais, porque de natureza político-decisórias ou significado político-revolucionário, segundo os propósitos do legislador da Re­volução, são normas excepcionais e de vigência temporária, edita­das, elas tôdas, sob inspiração de idéias que, por natureza, são in­compatíveis com as da nova Constituição, donde a certeza de que, salvo disposição expressa desta última, ou compatibilidade com o seu sistema, também elas ficaram desfeitas.

Ora, o art. 173 da Constituição vigente, compondo as suas "Dispo­sições Transitórias", expressa a aprovação dos atos de suspen­são dos direitos políticos pratica­dos pelo Govêrno da Revolução e também os de natureza legislativa

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expedidos com base nos Atos Ins­titucionais .

Pergunta-se, então: dado o que expressa esta norma, subsiste a vigência do art. 16 do Ato Ins­titucional n. ° 2 e a das normas do Ato Complementar n.o 1, am­bos de 1965, sob cuja invocação o eminente Sr. Ministro da Jus­tiça aplicou a medida de seguran­ça noticiada neste processo?

A resposta é afirmativa, por­que, pelo que dispõe o referido art. 173 da Constituição, o cons­tituinte revolucionário deixou expressa a sua vontade de manter vigente, como direito excepcional e temporário, aquilo de conteúdo político-revolucionário, e mantê­lo com o mesmo propósito com que editou a norma, isto é, para o fim de consolidar a política re­volucionária, consolidação que, por sua natureza, há-de projetar­se para além do período agudo de implantação dessa política.

Dado que a consolidação da política revolucionária só se efe­tivará no tempo, óbvia é a con­clusão de que as normas que cons­tituem o instrumental dessa con­solidação devem igualmente per­durar, isto pela mesma razão de que, perdurando vigente uma nor­ma principal, deve igualmente viger a norma secundária ou re­gulamentar que lhe regula a eficácia, como é pa.cífico no cam­po do direito temporal.

Com efeito, uma vez que o le­gislador revolucionário editou a norma do art. 10 do Ato Institu­cional n.O 1 e a do art. 15 do Ato Institucional n.o 2, pelas quais se investiu êle no poder de sus­pender direitos políticos pelo pra­zo de dez anos, e dado que prati-

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cou atos de suspensão de direitos políticos por dez anos, evidente se torna que o legislador revolu­cionário prefixou o prazo de dez anos para a consolidação da me­dida político-revolucionária de suspensão dos direitos políticos.

Prefixado, assim, o prazo de consolidação da política revolu­cionária, óbvia é a conclusão de que subsiste a vigência das nor­mas que formam os instrumentos necessários a essa consolidação, ou, em outras palavras, das nor­mas que lhe assegurem a eficácia.

É o que emana da natureza destas últimas normas.

É o que emana da vontade do legislador revolucionário, clara­mente expressada nos textos dos diversos Atos Institucionais que editou.

É o que emana da vontade do legislador constituinte de 1967, expressa no art. 173, 111, da Constituição dêste ano.

Se o legislador constituinte ma­nifestou assim de maneira inequí­voca a sua vontade, a ela deve submeter-se o julgador.

Note-se que o caso não é de direito comum, mas de direito constitucional, excepcional, tran­sitório e revolucionário, expressa­mente aceito, recebido, ratificado . pelo legisl'l.dor constituinte, que escreveu isto no texto da Consti­tuição que editou.

O importante, pois, no caso, é a vontade do constituinte, que há­-de ser vivida objetivamente, e essa vontade foi manifestada on­tem mesmo, e não em tempos idos, e manifestada, a bem dizer, em nossa presença, e de tal modo o fêz, que a conhecemos bem, sendo, portanto, desnecessária

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qualquer interpretação subjetiva da norma.

Note-se que o legislador que revigorou o conteúdo do art. 16 do Ato Institucional n.o 2 é constitu­inte, e sua vontade, no caso, é de­cisiva, como está assentado na doutrina mais abalizada.

Para não alongar-me neste ponto, permito-me relembrar ao Tribunal esta lição do Prof. Nawiasky, especialista suíço na matéria, que, em obra traduzida para o espanhol, em 1962, sob o título Teoria General deI Dere­cho, assim disserta, resumindo o bom e consagrado direito: "Todo un complejo de cuestiones crea el problema de Ia repercursión au­tomática' de Ia derogación de una norma de grado superior sobre Ia vigencia de Ias normas de grado inferior derivadas de el1a. A pri­meira vista, podría parecer lógico que ai fal1ar el fundamento jU1'Ídi­co de una norma ésta se derrumbe. Esto esta1'Ía en paralelo con Ia invalidez de Ia norma superior, que acarrea indubitablemente la invalidez de las normas deriva­das. Pero un estudio deI material que nos proporciona la- experien­cia nos revela la necessidad de hacer Un análisis más profundo. Consideramos ef caso de la abo­lición de una ConstHución. Desa­parece con és ta Ia obligatoriedad de todas Ias leyes dictadas hasta entonces? Generalmente sucede todo 10 contrario; por 10 menos una gran parte de Ias leyes se mantienen en vigor. Si la nueva Constitución dispone esto expres­samente, existe una incuestiona­ble legitimación por dicha nueva Ley Fundamental; se puede ha­blar entonces de una recepción deI

viejo Derecho por la nueva Nor­ma Fundamental."

É a vigência formal do direito velho, aceita, expressamente, pelo nôvo.

Doutro lado, o Prof. Karl Engisch, da Universidade de Mu­nique, em obra editada na Ale­manha em 1964 e traduzida para o português em 1965 pelo Prof. João Batista Machado, da Uni­versidade de Coimbra, ensina o seguinte, que se ajusta, com per­feição, ao caso ora debatido (In­trodução ao Pensamento Jurídico, pág. 149): "Num Estado consti­tucional ou democrático, com di­visão de podêres e pluralidade de partidos, as coisas podem apre­sentar-se sob uma luz diferente. É sem dúvida verdade que "a si­tuação constitucional geral tem incidência sôbre o entendimento hermenêutico da lei". É mesmo possível que, após uma revolu­ção, o método da interpretação seja duplo: um relativamente ao Direito anterior e outro em face do Direito nôvo. O Direito antigo será, por vêzes, adaptado ao nôvo estado de ,coisas criado pela re­volução, através duma metódica objetivista; o Direito nôvo, pelo contrário, será interpretado ponto por ponto segundo a vontade do legislador revolucionário que con­quistou o poder. Mas não pode­mos facilitar demasiado as coisas e afirmar sem mais que, para todo o sistema constitucional par­lamentar e democrático, o méto­do objetivista de interpretação é o único possível. A mim quer-me parecer que se menospreza em demasia o significado voluntarista, político-decisório que a legisla­ção também tem na democracia,

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e que se confere demasiada auto­nomia a outros podêres do Estado que devem em certo sent'ido su­bordinar-se à vontade do legisla­dor e às suas directivas, fontes de coesão do todo estadua1."

O mesmo autor, em nota que escreve na mesma obra (pág. 168), transmite o entendimento de Carl Schmitt sôbre o assun­to, e o faz nestes têrmos: "C . Schmitt ... observa com razão que, sempre que as diretivas do legislador são meios de planea­mento e de orientação, a sua von­tade deve constituir critério de­cisivo".

Do exposto, a conclusão que se impõe ao julgador é a de que o legislador constituinte deixou ex­pressa, no texto do art. 173 da Constituição vigente, a sua von­tade não só de aprovar os atos de suspensão dos direitos políti­cos já praticados na vigência dos Atos Institucionais números 1 e 2, como, também, a executividade e a executoriedade dêsses atos, isto como seqüência lógica e com­plemento necessário da própria imperatividade inerente nesses atos.

Em outras palavras: o consti­tuinte aprovou os atos de suspen­são dos direitos políticos e sua executividade, que, no caso, é acompanhad'ã pela executorieda­de, esta com as suas virtualidades, inclusive a de realização coativa mediante procedimento jurídico­-político de execução (art. 2.°, do Ato Complementar n.o 1, de 1965 ).

Se assim não fôsse, resultaria algo de aberrante: a edição de um ato eficaz por si mesmo, ou

ipso iure, mas frustrado na sua eficácia pela ausência dos instru­mentos legais de sua execução.

Em outras palavras: a Revo­lução teria decretado a suspensão por dez anos dos direitos políti­cos dos seus adversários, venci­dos por ela a 31 de março, quando conquistou o poder; mas, por obra de mágica jurídica ou artifício ce­rebrino no interpretar e aplicar a lei, a suspensão dos direitos po­líticos dos seus adversários seria frustrada, e então êstes últimos apresentar-se-iam como titulares dos mesmos direitos de que fica­ram privados, e a Revolução, de maneira teratológica, seria a anti­-Revolução, ao mesmo passo que esta última passaria a ser a Re­volução.

Dar-se-ia o vazio revolucionário com a Revolução no Govêrno.

Tamanho absurdo não encon­traria apoio nem mesmo do mais apaixonado adversário da Revolu­ção.

Pois é certo que esta não pode ~egar-se a si mesma e esfarinhar­-se com a ab-rogação de tudo aquilo que ela institucionalizou.

Resumindo, podemos afirmar que, no tocante às vigências tem­poral e formal das normas acima referidas, o art. 173, III, da Cons­tituição de 1967, expressamente as declara.

Porque, na verdade, pelo que dispõe esta última norma, o le­gislador constituinte de 1967 ma­nifestou sua vontade de manter a vigência formal e temporal de tôdas as normas editadas pelo le­gislador revolucionário.

Aprovando as normas editadas pelo legislador revolucionário, o legislador constituinte nada mais

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fêz que homologá-las, ratificá-las, sancioná-las, ou, em outras pala­vras, nada mais fêz que aceitá-las como próprias, emprestando-lhes, a elas, as virtualidades da sua pró­pria base ou da sua própria fonte, donde a inequívoca validez ou vlgencia formal dessas normas editadas pela Revolução de 31 de Março ( conf. Luis Recasens Siches, Tratado General de Filo­sofia deI Derecho, 3.a ed., 1965, pág. 298).

Estou em que, no tocante a êste aspecto da controvérsia, esta­mos todos de acôrdo, tanto os ilustres Drs. Advogados impetran­tes, quanto nós outros, os Juízes do Tribunal Federal de Recursos.

Tão certo é isto, que não me detenho a fundamentar mais de­talhadamente êste ponto.

Passemos, então, ao exame da matéria essencial, que é a da vi­gência material, ou constituciona­lidade material, da norma do arti­go 16 do Ato Institucional núme­ro 2 e das normas que compõem o Ato Complementar n.o 1.

Verifiquemos se estas normas têm ou não têm compatibilidade com o sistema constitucional ins­tituído pela Constituição de 1967.

Se uma e outra estiverem em contradição com o sistema cons­titucional vigente desde 15-3-67, a inconstitucionalidade material de­las é de ser proclamada, e, conse­qüentemente, o habeas corpus agora sob nosso julgamento deve ser concedido.

De modo contrário, verificada a compatibilidade ou harmonia des­sas normas com o nôvo sistema jurídico-constitucional, é de se proclamar a constitucionalidade

delas, e, conseqüentemente, o habeas corpus deve ser denegado.

Para esta verificação, cumpre­nos, antes do mais, registrar a di­ferença que existe entre o ato de suspensão dos direito políticos e as conseqüências jurídicas dêsse ato, ou, melhor dizendo, da eficá­cia jurídica dês se ato.

O primeiro, como se sabe, e decorre da sua natureza estrutu­ralou fundamental, só pode ser objeto de regulamentação cons­titucional, embora, neste parti­cular, pelo que expressa a norma do art. 151, combinada com a do art. 55, § único, 11, ambas da atual Constituição, o princípio tenha sido muito atenuado, senão revogado, no nôvo sistema.

Como quer que seja, admita­mos, para argumentar, que, no tocante à matéria, prevaleça ainda o princípio .clássico do nosso Di­reito Constitucional de que o as­sunto de suspensão ou perda dos direitos políticos só pode ser ob­jeto de tratamento constitucional, ou pela constituição, de acôrdo, aliás, com as lições de Barbalho (Comentários à Constituição de 1891, pág. 293), Carlos Maximi­liano (Comentários à Constituição de 1891, pág. 728), Pontes de Miranda (Comentários à Consti­tuição de 1946, 111, 2.a ed., pág. 367) e outros.

No tocante, entretanto, à regu­lamentação das consequencias jurídicas do ato de suspensão dos direitos políticos, ou sua eficácia como ato jurídico, não prevalece o mesmo princípio.

É que esta matéria, por sua natureza, não é fundamental ou estrutural, e pode ser objeto de regulamentação por norma outra

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que não necessàriamente consti­tucional.

Tudo depende da natureza ju­rídica dessas conseqüências.

Com efeito, as conseqüências do ato de suspensão ou perda dos direitos políticos podem ter im­plicações as mais diversas: cons­titucionais, administrativas, elei­torais, penais, civis e outras.

Cada uma delas tem tratamen­to próprio no campo que lhe diz respeito.

As de natureza constitucional são tratadas na Constituição (ar­tigo 37, IV, e art. 144, § 1.0, do texto de 1967).

As de natureza administrativa, nas leis próprias (Lei n.o 1.711, de 28-10-52, art. 22, lU).

As de natureza penal, no Có­digo Penal e noutras leis de tal espécie.

Tanto isto é certo, que a Cons­tituição de 1891 dispunha sôbre a suspensão e perda dos direitos políticos, mas não continha norma regulamentadora das conseqüên­cias da suspensão ou perda dêsses direitos.

A de 1934 (art. 111) expres­sava apenas que a perda dos di­reitos políticos acarretava, simul­tâneamente, a do cargo público, nada regulando a respeito das conseqüências do ato de suspen­são.

A de 1937, como a de 1891, não regulava a matéria.

A de 1946, no art. 136, deter­minava a perda do cargo ou fun­ção pública no caso de perda dos direitos políticos, mas não se re­feria às conseqüências da suspen­são dêsses direitos.

E a atual, no art. 144, § 1.°, dispõe sôbre as conseqüências

constitucionais da perda e sus­pensão dos direitos políticos nos casos ali previstos, isto é, previstos no texto dessa norma, mas é omis­sa no tocante à suspensão prevista no art. 151 (a ser objeto de lei complementar), donde a certeza de que ficou deferida ao legislador comum a regulamentação da ma­téria.

No tocante às conseqüências pertinentes à vida partidária, in­clusive comícios e atos de propa­ganda, regula-as o art. 337 do Có­digo Eleitoral vigente.

Assim, cada uma das partes do ordenamento jurídico cuida do as­sunto segundo suas implicações materiais.

Não se trata, portanto, de ma­téria que deva ser objeto de ne­cessário ou indispensável trata­mento constitucional.

Vale, ao propósito, relembrar a lição de Pontes de Miranda (Tra­tado de Direito Privado, 2.a ed., tomo I, pág. 27): "O mesmo fato ou complexo de fatos pode ser suporte fáctico de mais de uma regra jurídica. Então, as regras ju­rídicas incidem e fazem-no fato jurídico de cada uma delas, com a respectiva irradiação de eficácia."

A conclusão, pois, é a de que, no tocante às conseqüências jurí­dicas do ato de suspensão dos di­reitos políticos, ou sua eficácia, não se aplica a restrição segundo a qual só mediante norma consti­tucional pode ela ser tratada ou regulada.

Porque estas conseqüências são necessàriamente jurídico-civis, ou jurídico-comerciais, ou jurídico­-penais, ou jurídico-eleitorais, e, assim, caem no campo da norma

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do art. 8.°, XVII, b, da Consti­tuição de 1967.

Vale dizer que, a respeito da matéria, o legislador comum pode legislar.

Aliás, êste é o entendimento que decorre também do texto do art. 151 combinado com o do ar­tigo 55, § único, lI, ambos da Constituição de 1967, pelos quais se conclui, sem qualquer dúvida, que a lei ordinária (não a dele­gada) poderá dispôr sôbre as conseqüências jurídicas ou eficá­cia jurídica do ato de suspensão dos direitos políticos.

À luz desta análise, a certeza que se impõe é a de que a norma do art. 16 do Ato Institucional n,o 2 e as do Ato Comolementar n.o 1, regulamentadoras' da eficá­cia jurídica do decreto de suspen­são dos direitos políticos previsto no art. 15 daquele mesmo Ato, podem ser editadas pelo legisla­dor comum, e, assim, do ponto de vista formal e orgânico, são cons­titucionais, pois é certo que elas se harmonizam com o sistema constitucional instituído pela Constituiçã0 de 1967, que, no to­cante à matéria versada nessas normas, deixou o chamado vazio normativo para ser suprido pelo lerrislador comum.

Reafirmemos, então, que, do ponto de vista formal como do ponto de vista orgânico, a norma do art. 16 do Ato Institucional nú­mero 2 e as do Ato Complemen­tar n.o 1, ambos de 1965, são constitucionais, isto porque a Constituição de 1967, no seu ar­tigo 173, 111, as perfilhou, fê-las suas, integrando-as no ordena­mento jurídico com as suas vir­tualidades formais e orgânicas,

donde não nos ser dado opor-lhes ressalvas neste ponto, sob pena de subtrairmos do texto constitucio­nal vigente a norma supra-refe­rida do art. 173, lU.

Vejamos, então, se as normas aqui apreciadas são contrárias ou não são .contrárias aos direitos enumerados no art. 150 da Cons­tituição vigente.

Vejamos os que têm implica­ção com a matéria.

Não ofende o princípio da iso­nomia (art. 150, § 1.°).

Não ofende o da garantia de o indivíduo pleitear o reconheci­mento de direito perante o Ju­diciário (art. 150, § 4.°).

Não ofende o da liberdade de manifestação do pensamento (art. 150, § 8.°), porque êste princí­pio está limitado pelo conteúdo da norma do art. 151, donde a certeza de que não se incompa­tibiliza com êle a proibição de que o que teve suspensos os seus di­reitos políticos manifestar-se sôbre assuntos políticos, senão que até se dá a compatibilidade manifes­ta da proibição legal com o sen­tido e objeto da norma constitu­cional.

Note-se, ao propósito, que, neste ponto, o sistema constitu.cional vi­gente não é igual nem semelhante 80 anterior, pois que é diferente dêle, eis que o anterior não im­punha as restrições que o atual impõe ao mencionado art. 151, restrição esta nem sempre com­preendida pelos amadores do Di­reito Constitucional, que preten­dem quase sempre as soluções de emergência para os seus casos pessoais.

Não ofende o da garantia da qualidade da pena (art. 150, §

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11), porque a medida de segu­rança não é pena, como afirmam todos os doutrina dores, mas u'a medida de natureza administrati­va, que tanto pode ser aplicada ao criminoso, como ao não cri­minoso (como aqui se dá), tudo dependendo da concorrência de certos requisitos legais, como o da periculosidade do agente no caso de crime; ou outros requisitos, como nos casos do Código de Me­nores, etc. ,

Não sendo pena, mas medida de segurança administrativa, ou cautelar, ou política, ou de polí­cia, a medida de segurança pode ser objeto de lei ordinária, como se dá no caso da do art. 16, IV, c, do Ato Institucional n.o 2, e se inclui nas matérias relacionadas no art. 8.°, XVII, b, da Consti­tuição vigente.

Também não ofende o princí­pio da garantia de defesa (arti­go 151, § 15), porque êste prin­cípio a Constituição o outorga aos acusados por crime, e o .caso aqui debatido não é de crime.

Não ofende o princípio da ins­trução criminal contraditória (art. 151, § 16), porque êste prin­cípio é de direito processual cons­titucional e tem por objeto garan­tir ao agente criminoso (o pa­ciente não é criminoso) o direito de contraditar a acusação, dando­-lhe, no processo, a mesma posição do acusador.

Os demais princípios do arti­go 150 não são igualmente ofen­didos.

Dispenso-me de analisar um por um para não alongar-me de­masiadame11te e para não .cansar o Tribunal, que bem conhecp o Direito.

Vejamos, por fim, a compati­bilidade das normas aqui aprecia­das com a do art. 152, § 2.°, a, da Constituição vigente.

Trata-se da residência deter­minada como u'a das medidas au­torizadas no estado de sítio.

De princípio note-se a diferen­ça entre as duas situações.

No estado de sítio, suspendem­-se algumas garantias constitucio­nais, mas não se suspendem di­reitos políticos.

As medidas de exceção que lhe são pertinentes tanto são aplicá­veis aos que têm seus direitos políticos vigentes como aos que os têm suspensos.

Não se trata, pois, no caso, de suspensão de direitos políticos.

Não se deve, então, confundir uma situação e outra.

Como quer que seja, se é .certo que o legislador constitucional ad­mitiu a medida de segurança de domicílio determinado ao ensejo do estado de sítio, que consubstan­cia situação política anormal, não se tem como negar ao legislador comum o direito de prever essa medida para o cidadão que, com os seus direitos políticos suspen­sos, vier a 'conturbar a ordem po­lítica e social.

Se no estado de sítio a medida pode ser aplicada a qualquer in­divíduo, cidadão ou não, quer es­teja o cidadão quer não esteja no gôzo dos seus direitos políticos, por que razão não se pode concebê-la e aplicá-la ao que foi privado dês­ses direitos e tenha perturbado a ordem política e social?

Em havendo a mesma razão deve haver a mesma decisão.

Longe de se chocarem neste ponto, sem dúvida comum às

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duas, a situação do segundo com­põe-se com a do primeiro.

Note-se que a Constituição, no art. 152, § 2.0

, a, prevê o domi­cílio determinado como u'a das medidas, mas não única.

Note-se que não há no texto constitucional vigente uma só nor­ma que proíba o legislador comum de legislar sôbre medidas de se­gurança.

Conseqüentemente, a prevista no art. 16, IV, c, do Ato Institu­cional n.O 2, não tem incompati­bilidade com o texto constitucio­nal, nem com o sistema que êle instituiu.

Logo, a medida é constitucio­nal.

Denego, portanto, o habeas corpus.

Peço desculpas ao Tribunal por haver-me demorado tanto neste meu voto.

É que, apesar de quase sexage­nário, e apesar de haver-me dedi­cado ao ofício de escrever para o Direito desde os meus distantes 25 anos, não aprendi a escrever muito em poucas palavras.

O privilégio de ser .claro, com­pleto, exato e sintético" Deus não deu a todos.

Escolheu poucos para conce­der tamanha graça, como fêz, no Brasil, em nosso tempo, ao emi­nente Senador Milton Campos, que diz tudo certo e em poucas e lúcidas palavras, qual Horácio.

É o meu voto.

Questão de ordem

o Sr. Advogado - (Pela or­dem): - Sr. Presidente, pela ordem.

o Sr. Min,. Oscar Saraiva: Com a palavra o nobre advogado.

O Sr. Advogado: - SI': Presi­dente, a questão de ordem a ser colocada pelo impetrante é a se­guinte: como se verificou, a ma­téria objeto da decisão foi a da constitucionalidade ou inconstitu;., cionalidade do ato do Sr. Minis­tro da Justiça e a da lei em que se baseou êste ato.

Reza o art. 71 do Regimento Interno dêste Tribunal que no Tribunal Pleno os feitos são jul­gados: letra a - pelo Relator e todos os membros, sem excepcio­nal' o Presidente, nos casos de de­claração de inconstitucionalidade de lei ou de ato do Poder Público. Como a matéria da constituciona­lidade ou não do ato do Sr. Mi­nistro da Justiça e da lei em que se baseou S. Ex.a foi o próprio objeto do tema decidido, a defesa levanta esta questão de ordem: se o julgamento não necessita do voto de V. Ex.a, Sr. Presidente, para se considerar completo.

O Sr. Min. Oscar Saraiva: -Submeterei a questão que o Dl'. Advogado suscitou ao pronuncia­mento do Tribunal.

Devo dizer de minha parte que entendo não dever votar, porque ao Tribunal seria necessário, para que declarasse a inconstitucionali­dade da lei ou de ato, que assim se houvesse pronunciado sua maioria absoluta. Não é o caso presente, em que sua maioria, simples embora, já se pronunciou pela constitucionalidade. Todavia, como não devo arvorar-me em árbitro dessa minha possibilidade de votar, irei tomar, como disse, os votos dos Srs. Ministros.

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Questãp de ordem (Vencido)

o Sr. Min. Amarílio Benjamin: - Senhores Ministros, o art. 71, em verdade, é claro no sentido da tomada dos votos nas questões que versarem sôbre inconstitucio­nalidade de lei ou ato.

Tenho para mim que a hipóte­se sub judice materializa a previ­são regimental. Além disso, não posso fixar com precisão, já houve aqui caso mais ou menos recente, em que o Sr. Min. Godoy Ilha, estando na Presidência, reinvindi­cou a possibilidade de votar, sem objeção do Tribunal.

É verdade que, em situações semelhantes, acho que a delibera­ção decisiva deva partir da Pre­sidência.

De minha parte, acolho a ques­tão, para que o Presidente vote.

Questão de ordem

O Sr. Min. Armando Rollem­berg: - Sem embargo do imenso prazer que teria em ouvir S. Ex.a

se manifestar sôbre a matéria, acompanho o Sr. Min. Henrique d'Ávila.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por maioria de

votos, denegou-se a ordem ven­cidos os Srs. Mins. Relator, Henrique d'Ávila, Djalma da Cunha Mello, Amarílio Benjamin e Armando Rollemberg. Impedi­do Sr. Min. Esdras Gueiros. Antes dessa proclamação, o Dr. Advogado impetrante suscitou questão de ordem regimental, sus­tentando dever o Sr. Min. Presi­dente participar da votação, por se tratar de matéria constitucio­nal. Posta"! votos a questão pelo Sr. Min. Presidente, o Tribunal a rejeitou, vencido o Sr. Min. Amarílio Benjamin, que a acolhia. Não participou dessa votação, por se haver antes ausentado, por motivo de fôrça maior, o Sr. Min. Cunha Vasconcellos. Designado Relator para lavrar o acórdão o Sr. Min. Moreira Rabello. Os Srs. Mins. Moacir Catunda, He­noch Reis, Cunha Vasconcellos, Godoy Ilha e Antônio N eder vo­taram de acôrdo com o Sr. Min. J. J. Moreira Rabello. Quanto à questão de ordem levantada pelo Sr. Dr. Advogado, os Srs. Mins. J. J. Moreira Rabello, Moacir Catunda, Henoch Reis, Henrique d'Ávila, Djalma da Cunha Mello, Godoy Ilha, Armando Rollemberg e Antônio N eder votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o jul­gamento o Sr. Min. Oscar Saraiva.

HABEAS CORPUS N.O 1.761 - GB.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Paciente - Habib Hissa Impetrante - Antônio Carlos Amorim

Acórdão

Habeas corpus concedido para liberar o pa­ciente de processo criminal já instaurado, em vir-

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tude de ter ficado positivada a inexistência de justa causa.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus n.O 1.761, do Estado da Guana­bara, em que são partes as acima indicadas:

Acordam os Ministros do Tri­bunal Federal de Recursos, em Sessão Plena, em conceder a or­dem por falta de justa causa, por maioria de votos, na forma do re­latório e notas taquigráficas de fls. 32/41, que ficam fazendo par­te integrante do presente julgado. Custas de lei.

Brasília, 12 de outubro de 1967. Oscar Saraiva, Presidente;

Cunha Vasconcellos, Relator.

Relatório

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: - Sr. Presidente, peço fi benevo­lência dos meus Colegas, porque me seria impossível fazer um re­sumo.

Foi requerido um habeas cor­pus, pelo Dr. Advogado Antônio Carlos Amorim, em favor de Habib Hissa. O fundamento é falta de justa causa. A denúncia, que foi oferecida em relação a êsse paciente, indicou como lei aplicável os arts. 297 e 332, ambos combinados com os arts. 51, §§ 2.0

e 25, do Código Penal. O que se alega é que êsse pa­

ciente, Habib Hissa, teria se pres­tado a aliciar pretendentes a em­préstimos na Caixa Econômica Federal do Estado da Guanabara, a fim de preencher listas, em que pessoas de acesso junto ao Presi­dente da República obtinham au­torização do Chefe do Estado. para receber comissões. Habib

Hissa teria sido chamado a depor inicialmente no Inquérito Policial­-Militar, em razão de oferecimento de denúncia. Em síntese, a acusa­ção é esta: pede-se, entretanto, o habeas corpus alegando que a denúncia caía pela base quanto a Habib Hissa, porque não se indica um momento único, não se aponta um fato sequer que justifique a inclusão dêsse pacien­te entre os denunciados como in­cursos nos dispositivos penais in­dicados. Em síntese é isso. A de­núncia é muito longa; a inicial aponta na denúncia que lerei oportunamente - os três únicos pontos dessa longa denúncia, em que há referência da acão de Ha­bib Hissa, para que,· em razão dela e das palavras com que ela é feita, se possa tirar a conclusão de que não há crime.

Sr. Presidente, pedi informações, como é de praxe, e o Dr. Juiz Federal da 4.a Vara do Rio de Janeiro m'as concedeu.

Ê o relatório.

Voto

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: - Sr. Presidente, a denúncia é um trabalho exaustivo porque, como esclareceu o advogado da tribuna, o Dr. Promotor teria tido cinco dias para formulá-la. Não obstan­te, teve que cogitar da situação de 38 acusados, extraindo de muitos processos elementos para cada um dêles. E, assim, na denúncia faz referência ao procedimento de cada um, define a classificação e menciona o dispositivo legal em que teria incorrido.

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Com relação ao acusado pre­sente, há três passagens na denún­cia que vou ler: (lê).

Estas são as únicas referências que há em tôda a denúncia com relação a êste acusado.

1tste habeas corpus é caso típi­co, que surge, de tempos em tem­pos, na Administração Pública dêste País, nem sempre feliz. Mas é um procedimento que não re­comenda, de forma nenhuma, quem o idealizou e quem o pôs em execução.

Ainda que examinando de boa­-fé o que ocorreu, verifica-se que era simples aliciamento de popu­laridade, de eleitorado, mera ação politiqueira.

O Presidente da República, que nada tem a ver com a Adminis­tração da Caixa Econômica, deu ordem, entretanto, ao Administra­dor da Caixa, que se sujeitara e submetera à condição subalterna de mero preposto, deu ordem para que não concedesse empréstimos, a não ser autorizado por êle, e com essa autorização êle preten­dia, evidentemente, angariar sim­patias, boa vontade, popularidade. Não haveria, a meu ver, fins cri­minosos; haveria êsses objetivos que, de certo modo, ofendiam prin­cípios morais, princípios de decên­cia, princípios. incompatíveis com a atitude que deve guardar o Pre­sidente da República. Foi o que se deu neste caso: pessoas que tivessem maior aproximação com o Presidente da República obti­nham listas em branco, com auto­rização, para depois ir intercalar nomes, já com o deferimento asse­gurado, recebendo por isso uma comissão.

Eu ouso perguntar aos meus doutos Colegas: seria crime isso?

Ou seria, simplesmente, um pro­cedimento censurável por parte de quem se aproveitava desta opor­tunidade?

Vejam-se os dispositivos invo­cados no art. 297.

Havia isto? De forma nenhuma. Não se alteravam listas; o Presi­dente da República assinava listas com claros. Não havia listas com f alsificações ou alterações. Nem uma lista assim, assinada pelo Presidente da República, é um documento público.

A seguir (lê) o art. 332. O que se dava era precisamen­

te o oposto. Ainda que êste ho­mem tivesse feito isto, não estaria influindo no Presidente da Re­pública para obter aquela lista. Estava prevalecendo-se de uma oportunidade que se apresentava para adquirir uma vantagem.

1tsses são os dois dispositivos em que se os dão como incursos.

Ora, além do mais, não está provada, de forma nenhuma, a acusação de agenciamento. O único fato concreto aludido é aquêle do recebimento dos .... NCr$ 60,00, mas sôbre êste assun­to o que se encontra nos autos é palavra contra palavra. Temos a acusação do Ministério Público e as explicações do suplicante, di­zendo que os NCr$ 60,00 haviam sido recebidos em pagamento do seu trabalho na decoração do es­critório.

Para se oferecer uma denúncia é necessário: 1.0 - que haja um fato provado e positivado; 2.° -que os elementos de responsabili­dade pessoal sejam veementes e indiquem, com probabilidades quase de certeza, a responsabili­dade.

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Eu pergunto: haveria isto nos autos? Creio que não. Assim me parece que, efetivamente, em re­lação a êsse paciente não encon­trei elementos para poder concluir que existe a justa causa para a denúncia.

Assim, Sr. Presidente, concedo a ordem por falta de justa causa.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Amarílio Benjamin: - Sem conhecer os autos e lou­vando-me apenas nas informações do Sr. Min. Relator, bem como no seu voto e na oração do advogado do paciente, animo-me, entretanto, a divergir dos eminentes Colegas, que concederam a ordem, para de­negá-la.

É verdade que tenho posição firmada no sentido de sàmente conceder habeas corpus por "justa causa", quando resulte de proces­so, sem necessidade de mais apro­fundado exame, e irresponsa­bilidade do acusado ou a falta de criminalidade dos fatos que cons­tituam o ponto básico da acusa­ção.

Na hipótese, não obstante as observações do Sr. Min. Relator, tenho impressão de que se trata de conduta de alta criminalidade que se desenvolveu junto à Caixa Econômica, com a exploração de prestígio, concussão, corrupção e outras figuras delituosas.

Dir-se-á: A denúncia, em tais condições, pela complexidade, po­de dificultar a defesa? Acredito que não. Porque se faltar à de­núncia a exata classificação do delito, sendo certas as faltas, os

acusados se defenderão, e a sen­tença, afinal, há de dar a devida classificação, para então, absolver ou condenar os acusados.

Com a minha responsabilidade, é que, vendo discutidos tantos fatos, não posso, sem maior exame, repelir a acusação.

Denego a ordem.

Voto

o Sr. Min. ]. ]. Moreira Rabel-10: - Sr. Presidente, entendo que não ficou absolutamente provado coisa alguma.

A denúncia não apontou ne­nhuma falta cometida pelo paci­ente; ao contrário, a denúncia gira derredor no depoimento do pró­prio paciente. Nêle é que ela bus­ca elementos para acusá-lo.

Entretanto, nessa peça, não lo­brigo fato que constitua crime. Ao contrário, o elemento de que se valeu para acusá-lo é o recebi­mento de NCr$ 60,00 que se de­clarou ter sido recebido para obras realizadas no apartamento.

Nessas condições, considero ab­solutamente inepta a denúncia.

Concedo a ordem.

Voto

o Sr. Min. Esdras Gueiros: Sr. Presidente:

Pelo que depreendi não só do Relatório mas do voto do eminen­te Sr. Min. Relator, estamos dian­te de um caso sui generis: um cidadão, que trabalhava na deco­ração de um escritório, foi convo­cado para depor num inquérito, como testemunha de conversas

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que ali teria ouvido, entre os do­nos do escritório e pessoas outras que ali acorriam, relativamente à obtenção de empréstimos na Cai­xa Econômica Federal, por via de certas propinas dadas a alguém influente junto ao Govêrno de então.

Surpreendentemente, depois dos depoimentos prestados, transfor­mou-se aquêle cidadão, de teste­munha que foi no inquérito, em participante direto da corrupção, sem qualquer elemento plausível que o pudesse comprometer no caso. É o que surge de modo claro no presente pedido de ha~ beas corpus.

Quanto à alegação de ter êle recebido a quantia de NCr$ 60,00 no citado es~ritório, ficou demons­trado que tal pagamento fôra fei­to por conta da prestação de ser­viços como decorador. E, só por isso, foi êle transformado de tes­temunha em criminoso.

Acompanho o Sr. Min. Relator, concedendo a ordem.

Voto

o Sr. Min. Henoch Reis: - Sr. Presidente, tenho votado aqui várias vêzes denegando o pedido de habeas corpus com fundamen­to na falta de justa causa. Real­mente já citei um voto do emi­nente Min. Amarílio Benjamin, e que fiquei de pleno acôrdo, quan­do disse S. Ex.a que só há falta de justa causa quando o fato narrado na denúncia não consti­tui ilícito penal, ou, em o consti­tuindo, o acusado, na hipótese do

paciente, estava na impossibilida­de material e física de cometer o delito.

N o caso sub judice o que en­tendo, Sr. Presidente, é que não podemos chegar a êsse rigorismo de que o fato realmente denun­ciado em relação àqueles outros é crime. Não podemos negar. Mas, se nós, então porque há um fato narrado na denúncia e há possi­bilidade da denúncia do dito cri­me, embora nada conste na de­núncia, naquelas três peças que constam dos autos, nem há rela­ção de possibilidade de o paci­ente estar entre aquêles benefi­ciários, nem qualquer citação do órgão do Ministério público, co­mo ser o indigitado acusado de cometer o crime? Assim, não é possível jogar-se um cidadão em tal denúncia.

Nestas condições, concedo a ordem.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por maioria de votos, concedeu-se por falta de justa causa, vencidos os Srs. Mins. Amarílio Benjamin, Armando Rol­lemberg e Moacir Catunda. Não tomou parte no julgamento o Sr. Min. Antônio Neder. Os Srs. Mins. Henrique d'Ávila, Djalma da Cunha Mello, Márcio Ribeiro, J. J. Moreira Rabello, Esdras Guei­ros e Henoch Reis votaram com o Relator. Não compareceu, por motivo justificado, o Sr. Min. Godoy Ilha. Presidiu o julgamen­to o Sr. Min. Oscar Saraiva.

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HABEAS CORPUS N.o 1.776 - PE.

Relator - O Ex:no Sr. Min. Márcio Ribeiro Paciente - Manoel Ferreira da Silva Impetrante - Severino Feitosa das Neves

Acórdão

Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Com­petência. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Fe­deral, a competência para julgar crime de tráfico de entorpecentes somente será dêste Tribunal quan­do se discutir questão internacional conexa.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus n.O 1.776, do Estado de Pernam­buco, em que são partes as acima indicadas:

Acordam os Ministros que compõem o Pleno do Tribunal Federal de Recursos, vencidos os Srs. Mins. Relator e Antônio N e­der, em restituir-se o pedido de habeas corpus ao Egrégio Tribu­nal de Pernambuco, tendo em vis­ta o pronunciamento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, na forma do relatório e notas taqui­gráficas de fls. retro, que ficam fazendo parte integrante do pre­sente julgado. Custas de lei.

Brasília, 5 de outubro de 1967. Oscar Saraiva, Presidente;

Márcio Ribeiro, Relator designado.

Relatório

O Sr. Mino Armando Rollem­berg: - Severino Feitosa das Neves, sentenciado, requereu ao Tribunal de Justiça de Pernam­buco habeas corpus em favor de Manoel Ferreira da Silva, vulgo "Cotó", que se encontra prêso na Casa de Detenção, em Recife, sob

a acusação de comércio clandes­tino de entorpecentes desde 14 de julho de 1966, alegando que até então, 8 de maio do corrente ano, apenas se realizara o interro­gatório do paciente, do que resul­tava estar o mesmo sofrendo coa­ção ilegal, por excesso de prazo na instrução criminal. • Solicitadas informações pelo Relator no Tribunal aludido fo­ram estas prestadas pelo MM. Juiz da La Vara Criminal de Re­cife, esclarecendo que o paciente fôra condenado à pena de um ano de reclusão e multa de dois cru­zeiros novos pela prática do delito previsto no art. 281 do Código Penal combinado com o art. 25 do mesmo Código.

A seguir o Tribunal de Justiça de Pernambuco se afirmou incom~ petente para conhecer do pedido e remeteu os autos a esta Côrte.

É o relatório.

Voto

O Sr. Min. Armando Rollem­berg: - O Egrégio Supremo Tri­bunal Federal já decidiu que a

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competência para o julgamento do crime de tráfico de entorpe­centes somente será dêste Tribu­nal quando se discutir questão internacional conexa, o que não ocorre no caso dos autos. Assim, não conheço do pedido e suscito conflito negativo de jurisdição perante aquela Alta Côrte.

Voto

o Sr. Min. Márcio Ribeiro: -Data venia do Sr. Min. Relator, meu voto é no sentido dE' se res­tituir os autos ao Tribunal de Pernambuco para que êle recon­sidere sua decisão, tendo-se em vista decisão, posterior, do Supre­mo Tribunal Federal, em caso idêntico.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Vencidos os Srs. Mins. Relator e Antônio Neder, restituiu-se o pedido de habeas corpus ao Egrégio Tribunal de Pernambuco, tendo em vista o pronunciamento do Egrégio Su­premo Tribunal Federal. Os Srs. Mins. Moacir Catunda, Esdras Gueiros, Henoch Reis, Djalma da Cunha Mello e Amarílio Benja­min. votaram de acôrdo com o Sr. Min Márcio Ribeiro. Deixaram de comparecer os Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, Henrique d'Ávila, Godoy Ilha e J. J. Mo­reira Rabello, por motivo justifi­cado. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Oscar Saraiva.

HABEAS CORPUS N.O 1.889 - CO.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Antônio Neder Paciente - Sílvio Mundim Pedroza Impetrantes - Joaquim OHnto de Jesus Meirelles e outrc

Acórdão

Ato Complementar n.o 2, de 1965, art. 1.0, § 1.0. Essa norma, de interpretação estrita, con­substancia o princípio da permanência objetiva e subjetiva do juiz estadual nos processos de compe­tência da Justiça Federal, desde que a instrução dêsses processos haja sido iniciada em audiência e nêles incida o princípio da oralidade, como ocorre nos casos do art. 120 do C.P.C. e do art. 538, § 3.°, do C.P.P .. Em não havendo audiência de instrução e julgamento e incidência do princípio da oralidade, a competência é do Juiz Federal, ainda que o pro­cesso tenha sido iniciado por Juiz Estadual.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Habeas Corpus n.o 1.889, do Estado de Goiás, em que são partes as acima indica­das:

Acordam os Ministros que com­põem o plenário do Tribunal Fe­deral de Recursos, por unanimi­dade, em conceder a ordem para anular a sentença e determinar a

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remessa dos autos ao Juiz Fede­ral competente, na forma do rela­tório e notas ta qui gráficas de fls. 57 a 68, que integram êste julga­do. Custas de lei.

Brasília, 18 de março de 1968. - Amarílio Benjamin, Presidente' Antônio Neder, Relator. '

Relatório

o Sr. Min. Antônio Neder: _ Os advogados Joaquim Olinto de Jesus Meirelles e José Francisco Paes Landim impetram habeas corpus em favor de Sílvio Mun­dim Pedroza, e o fazem nestes têrmos: "1. Em meados de 1960 foi o paciente violentamente afas~ tado das funções de Prefeito Mu­nicipal de Ceres, Estado de Goiás por ato da Câmara local que si~

I A ' mu taneamente, com base em relatório de comlssao especial­mente constituída para tal (doc. n.O 1), contra o mesmo promoveu representação judicial para a apu­ração de possíveis irregularidades na aplicação de dinheiro proveni­ente de convênio firmado entre a municipalidade e o extinto Insti­tuto Nacional de Imigração e Co­~onização. Ressalte-se que, àquela epoca, o paciente encontrava-se munido de autorização presiden­cial que fixava o prazo de 12 meses para a devolução da impor­tância retirada do Escritório de Vendas de Terras daquele extinto órgão da administração centraliza­da, importância essa aplicada no atendimento aos flagelados da cheia do Rio das Almas e não de­volvida no devido tempo, pôsto que o paciente encontrava-se já afastado das funções de Prefeito Municipal. Decorridos dois anos,

isto é, em 1962, a Câmara Munici­pal de Ceres, dentro dos estritos li­mites de poder fiscalizador (por ignorância ou grosseiro êrro de técnica legislativa falou-se ém "composição amigável"), aprovou as contas do paciente (aqui en­tendido como representante legal do Poder Executivo de cuja chefia fôra afastado desde 1960), fato que motivou a paralisação da ação penal até meados do ano próximo passado. Com base na ação penal, cuja denúncia é de outubro de 1961, foi impugnada, em 1965, a candidatura do paciente à Prefei­tura Municipal de Ceres, sendo que a Justiça deu pela improce­dência da impugnação, em primei­ra e segunda instâncias, vindo êle novamente a ser eleito Prefeito de Ceres para o período de janeiro de 1966 a janeiro de 1970. Agora, por razões onde o sagrado dever da prestação jurisdicional serviu de anteparo, involuntàriamente, a interêsses escusos, o processado, que se encontrava paralisado des­de 1962, foi concluído a toque de caixa, condenado o paciente à pena de três anos de reclusão, como incurso no art. 1.0, inciso I, do Decreto-lei n.O 201, de 27-2-67, impondo-lhe, ainda de conformi­dade com o disposto no art. 1.0 § 2.°, do mencionado Decreto-lei n.O 201, a perda do cargo de Pre­feito Municipal de Ceres, e a ina­bilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação sem prejuízo de repa­ração civil, como consta da sen­tença (doc. n.O 2).

Havendo o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás de­clarado inconstitucional o men-

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cionado Decreto-lei n.O 201, im­petrou o paciente uma ordem de habeas corpus junto àquele Tri­bunal, alegando, entre outros fa­tos, a inconstitucionalidade da lei na qual se arrimara a sentença do Juiz a quo, tendo o mesmo Tribunal, em decisão de 19-12-67, declinado de sua competência pa­ra a do Tribunal Federal de Re­cursos (doc. n.o 3). Daí a razão do presente pedido, devidamente ins­truído com certidões do Tribunal de Justiça de Goiás e outras, que se espera seja recebido e, no final, concedida a ordem de habeas corpus, pelos seus próprios e jurí­dicos fundamentos. As leis de competência têm aplicação ime­diata, pelo que não há falar em "competência residual" da justiça comum para processar e julgar o presente caso; daí o constrangi­mento que sofre o paciente pela ilegalidade da coação ordenada por quem não tem competência para determiná-la. Diz o art. 2.°, do Código de Processo Penal: "A lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior". Estamos, portanto, diante do texto legal que, de ma­neira insofismável, estabeleceu a imediata aplicação das leis ue processo, e por assim dizer, as de competência, princípio êste fun­damental admitido pela universa­lidade dos autores e pela jurispru­dência antiga e moderna. A ilus­tre autoridade coatora, ao sen­tenciar em primeira instância, o fêz segundo recomendações dêsse Egrégio Tribunal sôbre o proble­ma da competência residual. Tal orientação não há de prevalecer, data venia, eis que ela contrataria

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remota e pacífica orientação de nossa doutrina e jurisprudência, solidificada esta com recentíssi­mas decisões do Supremo Tribu· nal Federal, como do H.C. 44.928, do Estado do Rio, do qual foi Relator o ilustre Min. Evandro Lins.

Ensina-nos Espínola Filho, in Código de Processo Penal Brasi· leiro Anotado, vol. I, s.a edição, pág. 166, que "... firmado o princlplO geral da imediata apli­cação da lei nova, estende-se ela não só a todos os processos que, após a sua entrada em vigor, se iniciaram, para a apuração de cri­mes cometidos antes da sua vi­gência, como até àqueles já come­çados, correndo o seu curso, sem terem sido ainda definitivamente solucionados" .

No mesmo diapasão toca Vi­cente de Azevedo, in Curso de Direito Judiciário Penal, vol. I, pág. 63: "O princípio geral apli­cável às leis de processo propria­mente ditas, assim como às leis relativas à competência, é o da imediata aplicação, do efeito ime­diato da lei nova. É realmente certo que as leis de processo, tal como quaisquer outras, não podem alcançar fatos consumados (facta praeterita) : assim, os atos de processo concluídos não podem ser reexaminados em virtude de lei nova, por exemplo uma apela­ção já julgada, ou prazo inteira­mente esgotado, ou um prazo para interposição de recurso. Mas as leis têm, por certo princípio, efei­to imediato sôbre as situações em curso (facta pedentia), e quando se trata de um processo composto de vários atos praticados sucessi­vamente, e com intervalos se os

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atos precederem à lei nova per­manecem da competência da lei anterior, a lei nova predomina sôbre os atos. futuros".

Em sendo assim, admitido o re­mansoso princípio doutrinário e jurisprudencial da imediata apli­cação das leis de competência, excluído, portanto, o entendimen­to no sentido da existência da "competência residual", só ao ti­tular da Seção Judiciária da Justiça Federal em Goiás compe­tia sentenciar a causa em primei­ra instância, devendo ser decla­rados nulos todos os atos nos quais oficiou a autoridade coato­ra, o Juízo da Comarca de Ceres. que interveio da ultimação do sumário até final sentença (doc. n.O 4). Da ilegalidade do constran­gimento pela nulidade evidente do processo em que, sendo interessada a união, não foi aberta· vista ao procurador da república. No ve­nerável Acórdão de 19 de dezem­bro de 1967, reconhecia o Tribunal de Justiça de Goiás que, desenga­nadamente, a competência para co­nhecer do presente pedido é do Egrégio Tribunal Federal de Re­cursos, tendo em vista tratar-se de crime praticado em detrimento de bens e interêsses da União. Ora, evidenciado à sociedade o interêsse da União no caso em pauta, interêsse dimensionado com meridiana clareza no anexo Acór­dão do Tribunal de Justiça de Goiás, justo é alegar-se que o pa­ciente sofre constrangimento ile­gal pela nulidade do processo em que, sendo interessada a União, não foi aberta vista ao Procurador da República é o que provam os documentos de n.OS 5 e 6. A Pro­curadoria Regional da República

em Goiás jamais foi chamada ao processo. Jamais, em tempo algum, delegou podêres à Justiça Pública de Ceres para o oferecimento de denúncia contra o paciente. Aliás, em 8 de novembro de 1966, no vo­to do Relator, o Ex.mo Sr. Min. Ar­mando Rollemberg, assim se pro­nunciou êsse Egrégio Tribunal: "É nulo o processo em que, sendo interessada autarquia federal, não foi aberta vista ao Procurador da República" (Apelação Cível nú­mero 23.390, do Rio de Janeiro). De notar que o preceito consti­tucional, relativo à competência que se irroga ao Egrégio Tribunal Federal de Recursos, quando se refere a "crime", não delimita res­tritivamente o campo de "interês­se" da União no feito, como o faz ao referir-se às causas cíveis, em que tal interêsse sàmente se legitima quando a União figura, no pleito, como "autora", "ré", "as­sistente" ou "opoente". Tratando­-se de crimes, de ação penal, o âmbito de "interêsse" da União é o mais amplo possível, ilimitado, onímodo, como claramente indi­cam as expressões genéricas usa­das: "bens", "serviços" e "interês­ses".

Na Apelação Cível n.O 20.848, de Minas Gerais, volta êsse Egré­gio Tribunal a reafirmar o enten­dimento da nulidade de processo pelo não chamamento da União em pleito de seu interêsse, desta feita pelo voto do não menos ilustre Relator, o Ex.mo Sr. Min. J. J. Moreira Rabello: "Não con­vocada a União em pleito de seu interêsse, anula-se o processo pa­ra que ela venha a integrá-lo." E para justificar nosso pedido basta que se diga que a simples coação processual importa na

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coação à liberdade de locomo­ção. E mais: se o processo é nulo, de modo evidente deve ser êle desde logo declarado como tal, nos exatos têrmos do art. 648, inciso VII, do Código de Processo Penal Brasileiro, eis que, no mais douto entendimento, o processo criminal pode logo de início dar lugar à anulação pelo habeas cor­pus. E, por isso, face a tudo o que foi dito e exposto, esperam os im­petrantes seja concedida a o .. dem de habeas corpus ora suplicada em favor do paciente Sílvio Mun­dim Pedroza, expedindo-se o com­petente salvo-condu~o, tendo em vista a ilegalidade da coação or­denada por quem não tem com­petência para determiná-la, anu­lando-se o processo a partir do sumário e, se assim não entender êsse Egrégio Tribunal, que seja anulado o processo a partir da citação, dada a sua manifesta nu­lidade, eis que, sendo interessada a União, não foi aberta vista ao Procurador da República nem êste delegou podêres à Justiça Pública de Ceres para oferecer denúncia contra o Paciente. Têrmos em que p. deferimento" (sic).

O MM. Dr. Juiz Federal da Seção de Goiás informa o se­guinte: Sr. Ministro,

Em resposta ao ofício de V. Ex.a, n.O 232, de 19 do-corrente, a fim de instruir o pedido de habeas corpus em favor de Sílvio Mundim Pedroza, presto as se­guintes informações: em 6 de setembro de 1967 êste Juízo, ao receber de Ceres o processo cri­me contra Sílvio Mundim Pedro­za, mandou devolvê-lo entendenio que estava firmada a competên­cia residual do ilustre titular da-

quela comarca. De fato, a Lei 5.010, de 30-5-66, no art. 80 reza: "Enquanto não forem nomeados e empossados os Juízes a que se refere o art. 94, inciso lI, in fine, da Constituição, com a nova re­dação que lhe deu o art. 6.° do Ato Institucional n.O 2, continua­rão a funcionar nos feitos da com­petência da Justiça Federal os Juízes Estaduais aos quaiG a le­gislação anterior atribuía Essa ju­risdição.

§ 1.0 - Essa competência re­sidual temporária não cessará, depois da posse do titular federal, nos processos cuja instrução hou­ver sido iniciada em audiência, quer perante as Varas Especiais dos Feitos da Fazenda Nacional, quer perante as Varas da Justiça comum, em todos os feitos que passaram para a competência da Justiça Federal".

J á foi decidirio: "6) Responder à consulta formulada pelo Juiz Federal da Seção Judiciária do Estado do Maranhão no sentido de ser aplicável, aos processos criminais, a disposição do § 1.0 do art. 80, da Lei 5.010 (Diário da Justiça pág. 1, de 7-7-1967). Ora, no referido processo crime contra Sílvio Mundim Pedroza já havia sido "iniciada a instrução em au­diência", pois foram ouvidas tes­temunhas de acusação no Forum de Ceres, firmando-se, portanto, a competência residual do digno lVlagistrado de Ceres. Devolvidos os autos, o MM. Juiz de Ceres acolheu as considerações e acei­tou a sua competência, conhecen­do e julgando o processo. São estas as informações que submeto à alta apreciação de V. Ex.a. Ao ensejo, renovo a V. Ex.a os pro-

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testos de alto aprêço e distinta consideração" (sic).

O MM. Dr. Juiz de Direito da Comarca de Ceres, do Estado de Goiás, informa, por sua vez, o se­guinte: "Tenho a súbida honra de dirigir-me a V. Ex.a para, em cumprimento aos têrmos do ofício n.O 231, de 19 de fevereiro últi­mo, prestar as informações que me são solicitadas, objetivando instruir o julgamento da ordem de Habeas Corpus n.o 1.889, im­petrada a favor de Sílvio Mundim Pedroza. A 10 de outubro de 1961, o ilustre representante do Ministério Público, com funda­mento em longa representação promovida pela Câmara de Ve­readores de Ceres, denunciou· o paciente Sílvio Mundim Pedroza como incurso nas sanções do art. 312 do Código Penal, por se haver apossado da quantia de ...... . Cr$ 1.987.236 pertencente à Mu­nicipalidade (V. cópia da denún­cia). Recebida a denúncia foi o paciente citado e interrogado. No tríduo legal, seu defensor apresen tou defesa prévia, acompanhada do rol das testemunhas. Ao assumir as funções de Juiz da Comarca, determinei, com fundamento no disposto no art. 119, inciso IV, da Constituição Federal, a remessa dos autos à Justiça Federal (V. cópia do despacho). Por sua vez, recebendo o processo, esclareceu o ilustre Juiz Federal haver deci­dido o Egrégio Tribunal Federal de Recursos ser aplicável, aos pro­cessos criminais, o preceito conti­do no § 1.0 do art. 80 da Lei n.o 5.010, segundo o qual a competên­cia residual temporária não cessará depois da posse do titular federal, nos processos cuja instrução hou-

ver sido iniciada em audiência, em todos os feitos que passaram para a competência da Justiça Federal (V. cópia do despacho). Acolhen­do as doutas considerações do ilus­tre Juiz Federal ordenei o prosse­guimento do feito (V. cópia do despacho). Antes, acastelado em composição amigável feita com o Legislativo Municipal, o paciente requerera ao Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás uma ordem de habeas corpus visando ao tranca­mento do processo. A Co lenda Câ­mara Criminal, conforme Acórdão unânime relatado pelo eminente Des. Romeu Pires de Campos Barros, indeferiu o pedido, deci­dindo que "a composição amigável entre Vereadores e Prefeito, para aprovação das contas dêste, não elide a ação penal por crime de peculato em que é indiciado o Che­fe do Executivo Municipal, nota­damente quando foram êsses mes­mos Vereadores os portadores da "no titia criminis". A 2 de outubro do ano passado, acolhendo o pedi­io do Ministério Público, decretou­-se a prisão preventiva do paciente e o seu afastamento do exercício do cargo de Prefeito Municipal de Ceres. Dessa decisão, no qüin­qüídio legal, o paciente recorreu para instância superior. A 28 de novembro de 1967 foi afinal o paciente condenado à pena de 3 anos de reclusão e lhe imposta a perda do cargo de Prefeito Mu­nicipal de Ceres e a inabilitação, pelo prazo de 5 anos, para o exer­cício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem pre­juízo de reparação civil do dano causado ao patrimônio da Prefei­tura Municipal. Ao contrário do que afirmam os patronos do pa-

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ciente, o Sr. Dr. Procurador da República em Goiás delegou po­dêres ao Dr. Promotor de Justiça de Ceres para funcionar como representante da União, nos casos previstos no art. 15 da Lei 5.010, de 30-5-66, com redação alterada pelo Decreto-lei n.O 30, de 17-11-1966.

Valho-me da oportunidade pa­ra apresentar a V. Ex.a os protes­tos de elevada estima e distinta consideração" (sic ).

É o relatório.

Voto

O Sr. Min. Antônio Neder: -O art. 1.0, do Ato Complementar n.O 2, de 1965, expressa o seguin­te: "Enquanto não forem nomea­dos e empossados os Juízes Fe­derais a que se refere o art. 94, inciso lI, in fine, da Constituição, com a nova redação que lhe deu o art. 6.° do Ato Institucional n.O 2, continuarão a funcionar nos feitos da competência da Justiça Federal os Juízes Estaduais aos quais a legislação anterior atribuía essa jurisdição".

E o § 1.0 dêsse artigo dispõe: "Essa competência residual tem­porária não cessará, depois da posse do titular federal, nos pro­cessos cuja instrução houver sido iniciada em audiência".

É a sede jurídica da contro­vérsia que se contém nesse pro­cesso.

O MM. Dr. Juiz Federal da Seção de Goiás, invocando certa decisão dêste Tribunal, entendeu que, no processo criminal a que respondeu e foi condenado o pa­ciente, ter-se-ia verificado exata­mente o caso previsto no acima transcrito § 1.0, norma que consa­gra o princípio da permanência

subjetiva e objetiva do juiz esta­dual nos processos de competên­cia da Justiça Federal desde que iniciada a instrução dêsses pro­cessos em audiência.

E o MM. Dr. Juiz de Direito da Comarca de Ceres, Goiás, acei­tou, por fôrça da mesma orienta­ção, a competência que lhe foi assim deferida.

Meu entendimento é diferente Estou em que, na verdade, a

norma do § 1.0, do art. 1.0, do Ato Complementar n.o 2, de 1965, consubstancia o princípio da per­manência subjetiva e objetiva do juiz estadual nos processos de competência da Justiça Federal desde que a instrução dêsses pro­cessos haja sido iniciada em au­diência.

Mas entendo que essa norma, por ser imperativa, é de interpre­tação estrita ou taxativa.

Em outras palavras, essa norma só se refere aos processos cuja instrução haja sido iniciada na audiência que, no campo do pro­cesso civil, é prevista no art. 297 do C.P.C. combinado com os arts. 263 e seguintes do mesmo Códi­go; e na audiência que, no campo do processo penal, é prevista no art. 538 do C.P.P. (caso se dê a hipótese do seu § 3.°).

Em resumo, a norma do § 1.0, do art. 1.0, do Ato Complemen­tar n.O 2, de 1965, tem a mesma inspiração das normas do art. 120 do C.P.C.e do § 3.°, do art. 538, do C.P.P.

Trata-se de corolário do prin­cípio da oralidade.

A palavra audiência está escri­ta no texto com o sentido estrito de audiência de instrução e julga­mento, e não no sentido lato de

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"ouvir ou escutar alguém", como ensinam os dicionários.

Necessário é que haja audiên­cia de instrução e julgamento em processo civil ou penal em que se tenha adotado a oralidade para que incida o princípio da perma­nência.

No processo civil prevalece o princípio de que o Juiz tem o dever de investigar a verdade, e isto lhe impõe necessàriamente a permanência no processo que haja instruído em audiência e na qual haja debate oral; e no pro­cesso penal, como se sabe, o prin­cípio consagrado hoje é o de que, ao apreciar a prova, o Juiz forma livremente a sua convicção .... (C.P.P., art. 157), donde a ne­cessidade de sua permanência no processo que haja instruído em audiência e no qual haja debate oral, como no processo sumário (C.P.P., art. 538).

O caso noticiado nestes autos é de processo criminal comum, da competência do JUIZ singular (C.P.P., arts. 498 e seguintes), e não de processo especial sumário, também de competência do juiz singular (C.P.P., arts. 531 e se­guintes).

No primeiro não há oralidade; no segundo, sim.

Por causa da oralidade é que se dá a permanência do juiz da instrução no julgamento.

Se o caso dêstes autos não é de processo sumário, evidente é a con­clusão de que a êle não se aplica a norma do § 1.0, do art. 1.0, do Ato Complementar n.o 2, de 1965.

Desde que essa norma não se aplica, a conclusão que se impõe

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é a de que o MM. Dl'. Juiz de Direito da Comarca de Ceres não tem competência para julgar o caso, visto que o competente é o MM. Dl'. Juiz Federal da Secção de Goiás.

É nula, pois, a sentença do MM. Dr. Juiz Estadual, como ex­pressa o art. 564, I, do C.P.P., devendo o MM. Dr. Juiz Federal de Goiás proferir outra no proces­so, como ordena o art. 567 do mes­mo Código.

Meu voto é no sentido de con­ceder o habeas corpus para anu­lar tão-somente a sentença, de­vendo o MM. Dl'. Juiz de Direito da Comarca de Ceres remeter ime­diatamente o processo pata o MM. Dl'. Juiz Federal da Secção de Goiás para que êste último profira outra sentença, como ll::e parecer juridicamente certo.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade, concedeu-se a ordem para anular a sentença e determinar a remes­sa dos autos ao Juiz Federal competente. Não tomaram parte no julgamento os Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, Armando Rollemberg e Márcio Ribeiro. Os Srs. Mins. J. J. Moreira Rabello, Esdras Gueiros, Moacir Catunda, Henoch Reis, Henrique d' Ávila e Godoy Ilha votaram com o Rela­tor. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Amarílio Benjamin. Não compareceram os Srs. Mins. Djal­ma da Cunha Mello, por motivo justificado, e Oscar Saraiva (Pre­sidente ), por ter entrado em gôzo de férias regulamentares.