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ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW ARTICLE / DISCUSIÓN CRÍTICA

64 O MUNDO DA SAÚDE São Paulo: 2008: jan/mar 32(1):64-69

Estimulação Multissensorial em Pacientes Comatosos:

uma revisão da literaturaMultisensorial Stimulation in Comatose Patients: a literature survey

Estímulo Multi-sensorial en Pacientes Comatosos: encuesta sobre la literatura

  Fernanda Alves Cabral* Sandra Maria Alvarenga Anti Pompeu***   Adílson Apolinário** José Eduardo Pompeu**** 

RESUMO: O estado de coma é uma situação que se caracteriza pelo extremo rebaixamento do nível de consciência, em que o indivíduo permanece com os olhosfechados, sem percepção alguma do meio externo, incapaz de se comunicar, responder a comandos e emitir comportamentos elaborados. O nível de consciência,ou seja, o estado de alerta comportamental que nos mantém despertos, depende do Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA), que é localizado na regiãopontomesencefálica do tronco encefálico. O coma pode ser gerado por diversas etiologias, causando prejuízos na ação de ativação cortical desempenhada peloSistema Ativador Reticular Ascendente. Com intuito de facilitar a recuperação do estado de coma, foram criados programas de estimulação multissensorial, visando

a estimular o Sistema Ativador Reticular Ascendente e, assim, auxiliar na recuperação do nível de consciência de pacientes comatosos. Desta forma, o objetivo destetrabalho foi analisar o que a literatura mostra sobre a influência da estimulação multissensorial sobre o nível de consciência de pacientes em estado de coma. Foirealizada uma revisão de literatura nas bases de dados eletrônicos Medline, Cochrane, Scielo e Lilacs, nos sites de pesquisas Pubmed e Highwire. Foram selecionadosartigos científicos de 1983 a 2007. Os descritores utilizados foram: coma, estimulação sensorial, percepção e reabilitação. Foram incluídos ensaios clínicos enfocandoa estimulação multissensorial em pacientes comatosos, e foram excluídos artigos que estudaram outras formas de tratamento realizadas em pacientes em comaque não objetivaram o aumento do nível de consciência. Foram analisados vinte artigos científicos que apresentaram resultados controversos em relação ao tipo deestimulação, tempo de duração da terapia e resultados alcançados após a aplicação do programa de estimulação multissensorial em comatosos. Apesar de indíciosclínicos apontarem melhora no nível de consciência com a utilização da estimulação multissensorial, não há comprovação científica de sua eficácia. Conclui-se quenão foi localizado nenhum ensaio clínico randomizado que comprovasse de maneira efetiva a melhora do nível de consciência em pacientes comatosos submetidosa um programa de estimulação multissensorial, fazendo-se necessário a realização de estudos com maior rigor metodológico, assim como o acompanhamento deum número maior de pacientes.

PALAVRAS-CHAVE: Coma-reabilitação. Coma-terapia. Transtornos da consciência-reabilitação.

ABSTRACT: A coma is a situation of extreme degradation of the level of consciousness where the individual remains with closed eyes, with no perception of theexternal world, incapable of communicating, answering to commands and having elaborated behaviors. The level of consciousness, that is, the alert state that keepsus awaken, depends on Ascendant Reticular Activating System, which is located at the core of the brainstem between the myelencephalon and the mesencephalon.Coma may be generated by several etiologies, causing damages in ARAS’s cortical activation. With the intention of facilitating the recovery from coma, programsof multisensorial stimulation (MS) were created aiming to stimulate ARAS and thus to assist in the recovery of the level of conscience of comatose patients. In viewof this, the objective of this work was to analyze what the literature shows about the influence of multisensorial stimulation on the level of consciousness of comapatients. We did a literature survey in the electronic databases Medline, Cochrane, Scielo and Lilacs and in Pubmed and Highwire search sites. Articles selected coverthe period 1983- 2007. Keywords used were: coma, sensorial stimulation, perception and rehabilitation. We included clinical assays focusing in MS for comatosepatients, and excluded articles that had studied other forms of treatment in comatose patients that did not aimed at increasing the level of consciousness. Twentyscientific articles were analyzed that presented controversial results regarding the type of stimulation, time of duration of the therapy and results reached after theapplication of the multisensorial stimulation program in comatose patients. Although clinical indications pointed to improvements in the level of consciousnesswith the use of multisensorial stimulation, there is no scientific evidence of its effectiveness. No randomized clinical assay was located that really established theimprovement of the level of consciousness in comatose patients submitted to a multisensorial stimulation program. It is thus necessary to design studies with abetter methodological adequacy, as well as the follow-up of a broader number of patients.

KEYWORDS: Coma-rehabilitation. Coma-therapy. Disturbances of consciousness-rehabilitation.

RESUMEN: El coma es una situación de la degradación extrema del nivel de conciencia (NC) donde el individuo permanece con los ojos cerrados, sin ninguna per-cepción del mundo externo, incapaz de comunicarse, contestar a los comandos ni de tener comportamientos elaborados. El nivel de conciencia, es decir, el estadode alerta que nos mantiene despiertos, depende del Sistema Activador Reticular Ascendente (SARA), que está situado en la base del tronco cerebral entre la partetrasera del cerebro y el mesencéfalo. El coma se puede generar por varias etiologías, causando daños en la activación cortical de ARAS. Con la intención de facilitar larecuperación del coma, se crearan programas de estímulo multi-sensorial (EM) para estimular el Sistema Activador Reticular Ascendente y asistir así a la recuperacióndel nivel de conciencia de pacientes comatosos. En vista de esto, el objetivo de este trabajo fue analizar qué la literatura muestra acerca de la influencia del EM enel nivel de conciencia de pacientes comatosos. Hicimos una encuesta sobre la literatura en las bases de datos electrónicas Medline, Cochrane, Scielo y Lilacs y en lossitios de búsqueda de Pubmed y de Highwire. Los artículos seleccionados cubren el período 1983- 2007. Las palabras claves usadas fueran: coma, estímulo sensorio,

percepción y rehabilitación. Incluimos los análisis clínicos que se enfocaban en el estímulo multi-sensorial para pacientes comatosos, y excluimos los artículos queestudiaran otras formas de tratamiento en los pacientes comatosos que no tienen como objetivo aumentar el nivel de conciencia. Veinte artículos científicos fuerananalizados porque presentaron resultados polémicos respecto al tipo de estímulo, la época de duración de la terapia y los resultados alcanzados después del uso delprograma del estímulo multi-sensorial en pacientes comatosos. Aunque las indicaciones clínicas señalaron mejoras en el nivel de conciencia con el uso del estímulomulti-sensorial, no hay evidencia científica de su eficacia. No se localizaran ningún análisis clínico aleatorio que realmente estableciera mejora del nivel de concienciaen los pacientes comatosos sometidos a un programa de estímulo multi-sensorial. Es así necesaria la realización de estudios con un mejor diseño metodológico, asícomo la consideración de un número más amplio de pacientes.

PALABRAS LLAVE: Coma-rehabilitación. Coma-terapia. Disturbios de la conciencia-rehabilitación.

* Fisioterapeuta graduada pelo Centro Universitário São Camilo.** Fisioterapeuta especialista em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).Coordenador adjunto, Professor e Supervisor de Estágio do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário São Camilo.

*** Fisioterapeuta especialista em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Professora e Supervisora de Estágio do Curso deFisioterapia do Centro Universitário São Camilo e Universidade Paulista (UNIP). E-mail: [email protected]

**** Fisioterapeuta mestre em Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Curso de Fisioterapia do Centro UniversitárioSão Camilo e Universidade Paulista.

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ESTIMULAÇÃO MULTISSENSORIAL EM PACIENTES COMATOSOS: UMA REVISÃO DA LITERATURA

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Introdução

O coma é definido como um es-tado de inconsciência profunda, em

que o indivíduo permanece com osolhos fechados, é incapaz de se co-municar verbalmente, respondera comandos externos ou realizarmovimentos intencionados. Nãointerage com o ambiente externo,e apresenta importantes alteraçõescognitivas e no ciclo vigília/sono. Oestado de coma ocorre geralmenteapós uma lesão encefálica traumá-tica, mas também pode decorrerde disfunções metabólicas ou le-

sões estruturas encefálicas (Gerber,2005).Segundo a definição da enti-

dade internacional Coma Recovery

 Association, o coma é um estado denão responsividade do qual o in-divíduo ainda não foi despertado;durante este período se perdem ati-vidades cerebrais superiores, con-servando-se o controle do sistemacárdio-respiratório. Esta definiçãomostra a perspectiva de que o in-divíduo pode despertar, portanto,

podem ser feitos esforços para estafinalidade (Pereira, 2000).

O estado de coma nos remetediretamente ao conceito do que éconsciência. Existem várias defini-ções, porém, em um sentido maisamplo, a consciência poderia serdescrita como a situação em queo indivíduo tem total consciênciade si próprio e do meio externo, éconhecedor das relações de tempo,espaço, fatos e pessoas ao seu redor

(Iankova, 2006).Existem dois componentes da

consciência distintos em relaçãoàs áreas de localização e comple-xidade funcional: o nível de cons-ciência é definido como o estado dealerta comportamental, condiçãoem que o indivíduo está desperto eem contato com o ambiente exter-no (Stavale, 1996). O conteúdo deconsciência envolve a cognição, oacesso que temos aos dados arma-

zenados em nosso córtex que nostorna capaz de compreender fatose responder de forma condizente àsdiversas situações (Edwards, 2001).

O nível de conscência depende daintegridade do Sistema AtivadorReticular Ascendente (SARA), lo-calizado na região pontomesence-fálica do tronco encefálico. Nestacondição, o conteúdo de consciên-cia relaciona-se com o córtex cere-

 bral intacto, capaz de interpretarentrada de informações sensoriaise gerar respostas apropriadas (Dou-gherty, 2000).

Desta forma, o conteúdo de

consciência é dependente da fun-ção cortical e lesões no córtex quelevam a distúrbios, como afasias,apraxias, agnosias, ou seja, funçõessuperiores que dependem de pro-cessamento cortical. Já lesões doSARA causam alterações no nívelde consciência e, em casos extre-mos, ao coma (Nitrini, 2005).

O SARA possui conexões am-plas e variadas, de modo que osneurônios desta região recebemconexões colaterais tanto de viasascendentes como descendentes,integrando, assim, uma grandequantidade de informações neu-rais (Stavale, 1996). As conexõesdo SARA com o córtex são exten-sas, sendo fornecidas tanto porvia talâmica como extra-talâmica,formando um extenso sistema defibras ascendentes corticais comimportante ação ativadora (Ma-chado, 2002).

Vários estímulos sensoriais que

chegam ao sistema nervoso passampela formação reticular e daí vão emdireção ao SARA. O fluxo de infor-mações sensoriais percorre princi-palmente as vias espino-reticulares,que ascendem e ganham todo ocórtex. Portanto, a partir do SARA,os impulsos aferentes perdem es-pecificidade e se tornam apenas ati-vadores corticais (Machado, 2002).Podemos utilizar a analogia em queconsidera-se o SARA como inter-

ruptor e o córtex como a lâmpada.Desta forma, uma lesão no troncoencefálico ou disfunção extensa docórtex conduzem a quadros de re-

 baixamento do nível de consciência(NC).

O coma pode ser avaliado pordiversas formas e escalas, mas aferramenta mais utilizada mun-dialmente é a Escala de Coma deGlasgow (ECG), que caracteriza-sepor ser um método de avaliaçãodo nível de consciência utilizandocomo parâmetro as respostas moto-ras, verbais e oculares. Com a esca-la, pode-se identificar prontamente

se as condições neurológicas do pa-ciente estão piorando, melhorandoou estão sendo mantidas (Edwards,2001; Iankova, 2006). Na escala deGlasgow, a pontuação pode variarde no mínimo 3 a no máximo 15pontos; pontuação entre 3-7 sig-nifica um coma grave, 8-12, comamoderado e 13-15, um estado deconsciência normal (Bushnik et al,2003).

É importante ressaltar que seum indivíduo em coma sobreviveaos primeiros dez dias após o danoencefálico, sua sobrevivência é es-perada, porém a qualidade de suasobrevivência é bastante questio-nada (Le Winn, Dimancescu apudHaase et al, 1999). Muitos pacien-tes que sobrevivem ao coma têmseu prognóstico funcional reserva-do por redução no nível de estimu-lação no período de hospitalização,imobilização e restrição ao contatosocial, levando à diminuição na

percepção e conseqüente prejuízomotor (Oh et al, 2003).

Com intuito de facilitar a recu-peração e evitar a privação sensorialà que os indivíduos comatosos sãosubmetidos, foram criados progra-mas de estimulação multissensorial(EM) como recurso terapêutico,em que por meio de estímulos ol-fatórios, auditivos, visuais, táteis,gustatórios e vestibulares, tenta-se aumentar a capacidade do pa-

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ciente captar estímulos sensoriaise aumentar o nível de consciência(Haase et al, 1999; Oh et al, 2003).

A EM em pacientes comatosos

envolve toda a equipe multipro-fissional, além da participação dafamília que é fundamental, comintuito de orientar os profissionaissobre as características pessoais dopaciente pré-lesão e atuando na te-rapia como fonte de estímulo (Sos-nowski et al, 1994).

Segundo Davis et al (1995),Helwick (1994) e Sosnowski et al(1999), o tratamento com EM podeser iniciado após 72 horas a uma

semana pós-lesão. No entanto, al-guns critérios de inclusão devemser considerados como: pontuaçãona ECG menor que 10, pressão in-tracraniana menor que 15 mmHgpor 24 horas, estabilidade hemo-dinâmica. Pacientes submetidos àventilação mecânica podem par-ticipar sem restrições. Qualquermudança nos parâmetros citadosé indício que o programa deve serinterrompido.

A EM é implementada paraaumentar o nível de consciênciapor meio da estimulação do SA-RA. Quando o SARA encontra-selesado, a estimulação sensorial érealizada com intuito de que estasinformações trafeguem por canaise/ou vias alternativas, aumen-tando, assim, a atividade cortical.Como o SARA é responsável peloestado de alerta cortical, concentra-ção, percepção e regulação da in-

formação sensorial, a estimulaçãorealizada de forma controlada po-de facilitar a função dos neurôniosreticulares lesados (Gerber, 2005).Sosnowski et al (1994) propõemque a estimulação sensorial na si-tuação de coma pode promover arecuperação “acordando” o SARA,isto é, neurônios do tronco encefá-lico não lesados podem apresentar

 brotamento colateral, assistindo areorganização cerebral.

Davis, White (1995) utilizarama nomenclatura “estimulação nocoma”, definido como a aplicaçãoda estimulação multissensorial em

que a freqüência e intensidade dotratamento são baseadas no limiarindividual de cada paciente, comobjetivos de aumentar o estadode despertar e de consciência, eli-ciando respostas comportamentaisapropriadas.

O objetivo deste trabalho foianalisar o que a literatura apresen-ta sobre a influência da EM sobreo NC de pacientes em estado decoma.

Método

O presente estudo trata-se deuma revisão da literatura, reali-zada nas bases de dados eletrônicasMedline, Cochrane, Scielo e Lilacse os sites de pesquisas Pubmed eHighwire. Foram selecionados ar-tigos científicos do ano de 1983 a2007. Os descritores utilizados fo-ram: coma, estimulação sensorial,

percepção e reabilitação.

Resultados e Discussão

Pela gravidade do impacto fun-cional na vida dos pacientes e deseus familiares, é de extrema im-portância o conhecimento de es-tratégias de atendimento inicial,visando a promover recuperaçãodo coma. Na área da saúde, muitosprofissionais não acreditam que ha-

 ja formas de auxiliar no “despertar”de um comatoso, porém estudostêm demonstrado efeitos benéficosda EM nestes pacientes (Franckevi-ciute, e Krisciunas, 2005).

Em 1950, a EM foi inicialmen-te descrita, quando pesquisadorespropuseram a idéia que a EM comfreqüência, intensidade e duraçãosuperiores às existentes no am-

 biente hospitalar habitual poderiammelhorar o grau e a velocidade de

recuperação do nível de consciên-cia. Estes pesquisadores relataramque em pacientes comatosos, tendoem vista que o problema é princi-

palmente encefálico, há uma con-dição de privação de contato com omeio ambiente, que pode conduzira uma maior deterioração dos pro-cessos intelectuais e de percepção,acompanhados por diminuição daatividade elétrica (Lombardi et al,2003).

Para analisar o tempo, veloci-dade e grau de recuperação, alémde avaliar a eficácia de estratégiasde tratamento, pode-se observar al-

guns sinais clínicos como reativida-de pupilar, reflexos que envolvema integridade do tronco encefálico,além de movimentos oculares re-flexos e espontâneos, sem esque-cer-se dos dados dos exames deimagem (Umphred, 2004).

Estudos foram realizados paradeterminar a efetividade das dife-rentes formas de estimulação donível de consciência e suas açõesno paciente neurológico, contudo,

o tempo e a forma da interven-ção, tempo de lesão dos pacientes,etiologia das lesões que levaramao coma e parâmetros de melhorasão controversos (Lombardi et al,2003). Estes fatores colocam emquestionamento a conclusão dostrabalhos de muitos autores.

Nithianantharajah e Hannan(2006) realizaram uma revisão so-

 bre a ação do enriquecimento am- biental em ratos adultos normais e

com doenças neurológicas, tentan-do identificar e desenvolver novasestratégias terapêuticas. O enri-quecimento ambiental refere-seàs condições que promovam umamaior possibilidade de exploraçãodo meio via estratégias que forne-çam estímulos somatossensoriais evisuais, situações que envolvam aresolução de problemas e motrici-dade, visando a melhora da sensibi-lidade, cognição e movimentação.

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Ratos com lesões traumáticasque permaneceram em ambientesenriquecidos obtiveram melhorasna funcionalidade e atenuação

dos déficits motores e cognitivos.Quando esta estratégia de trata-mento foi associada à EM, houvereversão total do déficit motor.Estes efeitos benéficos foram rela-cionados à diminuição do tamanhoda lesão, brotamento dendrítico eaumento da expressão de molé-culas envolvidas na sinalizaçãoneuronal. Estes achados apontamum maior embasamento científicoe novas aplicações terapêuticas da

estimulação sensorial.Oh e Seo (2003) examinarampossíveis alterações no NC emcomatosos submetidos à EM, ob-servando, também, se os efeitosalcançados foram temporários oupermanentes. O estudo foi divididoem três fases: período 1 - um mêsde EM duas vezes ao dia; período2 - um mês de recesso, apenas otratamento médico e cuidados daenfermagem foram mantidos; pe-ríodo 3 - novamente um mês deintervenção. Os resultados mostra-ram significantes alterações do NCno período 1, porém estes efeitosforam temporários, decrescendosignificativamente no período 2,de recesso. O maior efeito foi veri-ficado no período 3, com aumentoe manutenção do NC observadosmesmo após o término do trata-mento. Estes autores sugerem quea EM deve ser realizada por umtempo superior a dois meses, sendo

que são necessárias duas semanaspara que os efeitos benéficos co-mecem a ser observados. Este foi oúnico trabalho que discutiu os efei-tos da EM ao longo do tempo, po-rém o número de pacientes é baixo(n=5), dificultando a generalizaçãodos resultados obtidos.

O tempo de aplicação da técnicaé controverso. Haase et al (1999)apontam para sessões de 10 a 15minutos, enquanto Wood (1991),

Sosnowski et al (1994), Toller et al(2003) e Gerber (2005) acreditamque o tempo de duração de 45 mi-nutos é o ideal, pois terapias com

menos tempo podem causar efeitosdesfavoráveis, como instabilidadede sinais vitais e aumento da irri-tabilidade.

Outro parâmetro que deve seranalisado é a forma de apresenta-ção dos diversos estímulos: de for-ma uni ou multimodal. Wilson etal (1996) discutiram que a formade estimulação unimodal não pro-duziu efeitos significativos no NC,porém a segurança do paciente em

coma deve ser levada em conside-ração, pois uma estimulação inten-sa poderia desorganizar as respostase o estado geral. A estimulação uni-modal pode ser utilizada até que opaciente fique estável e depois po-de-se optar pela multimodal.

Um ponto de extrema impor-tância na prática da EM é que anomenclatura “estimulação mul-tissensorial” pode causar umafalsa impressão de que todas asmodalidades sensitivas devem serrealizadas ao mesmo tempo, “bom-

 bardeando” o paciente de informa-ções desorganizadas. Wood (1991)e Gerber (2005) introduziram otermo “regulação multissensorial”,pois os procedimentos aplicados nocoma devem apresentar um con-trole sobre a intensidade, freqü-ência e forma de apresentação dosestímulos, facilitando o processa-mento e controle do SARA.

Não há uma ordem correta de

apresentação dos estímulos, no en-tanto todos devem ser realizados demaneira organizada, lenta, conce-dendo o tempo necessário para opaciente emitir respostas adequa-das (Davis, 1995).

A atenção é um mecanismocognitivo que possibilita o processa-mento de informações, pensamen-tos ou ações relevantes enquantoignora outros estímulos potencial-mente distratores ou irrelevantes.

A atenção reflexa ou exógena refe-re-se ao fenômeno sensorial ondeum estímulo externo capta a nossaatenção automaticamente, sem um

controle voluntário. Uma caracte-rística desta forma de orientaçãoé que facilmente pode ser inibida,isto é, as respostas ficam deprimi-das num processo denominado dehabituação (Gazzaniga et al, 2002).A disfunção cerebral pode causaruma dificuldade do cérebro decidira qual estímulo responder ou qualinibir dentre várias possibilidadesde resposta.

A habituação é um efeito in-desejado durante o processo deestimulação; há a diminuição naemissão de uma resposta frente aestímulos externos após a apre-sentação repetida deste estímulo.A habituação pode interferir, inclu-sive inibindo o “despertar” cortical.Wood (1991) preconizou que osprocedimentos fossem realizadosem um meio silencioso para facili-tar a captação dos estímulos exter-nos. Já Oh e Seo (2003) relataramque um meio pobre em estímulos

pode causar uma maior depressãosensorial. Estes dados apontaramque o ideal seria uma situação deequilíbrio, com uma quantidade deestimulação moderada.

A estimulação auditiva pode sera inicial, pois é uma forma de orien-tar o paciente sobre os procedimen-tos que vêm a seguir. Avaliando osefeitos da estimulação auditiva napressão intracraniana (PIC) e pres-são de perfusão cerebral em indiví-duos com lesões traumáticas e não

traumáticas, Schinner et al (1995)não obtiveram diferenças estatísti-cas na monitoração da PIC, porémo período de avaliação foi muitocurto (15 minutos), além de que asedação pode ter influenciado noquadro interferindo na percepçãosensorial. Há a hipótese que a di-minuição de sons do meio externopoderia acarretar na diminuiçãodo fluxo cerebral regional e, con-seqüentemente, a PIC.

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Segundo Müller et al (2002),a estimulação proprioceptiva faci-lita o processamento cognitivo deinformações que encontra-se pre-

 judicadas em pacientes comatosos,pois manuseios, como a vibraçãomuscular e co-contração articularseriam fortes estímulos que pode-riam até mesmo superar a inibiçãotalâmica, ativando, assim, a viatálamo-cortical o que causa bene-fícios na percepção cinética, alémde induzir a plasticidade cortical.

A estimulação vestibular é rea-lizada por movimentos oscilatórios,lineares e rotacionais lentos envol-

vendo movimentos da cabeça emrelação ao corpo e vice-versa. Devi-do às conexões difusas com muitasestruturas do sistema nervoso cen-tral, incluindo formação reticular, osistema vestibular pode influenciarfunções disseminadas. Quando osestímulos são feitos de forma lenta erepetitiva, há um efeito calmante einibição generalizada do tônus pos-tural por meio da interação com aformação reticular e sistema nervo-so autonômico (Sullivan, 2003).

Franckeviciute et al (2005) dis-cutiram que a verticalização é umaforma de treinamento importanteem comatosos, já que com a utili-zação da prancha ortostática seriamestimuladas várias modalidadessensoriais como a propriocepção,pressão, tato, aferências vestibula-

res, além de propiciar o início dosajustes e reações posturais. Os au-tores citaram ainda que muitos pa-cientes abriram seus olhos durante

este tipo de terapia.Chen (1998) relatou que dife-

rentes odores poderiam induzir oresgate de recordações da memó-ria, percepção de outras pessoas,melhora no comportamento coma utilização de odores sintéticos eirritantes. Os odores são proces-sados por diferentes circuitos, ummais discriminativo e dependenteda consciência, e outra forma queé mais “intuitiva”, não relacionada

diretamente ao odor, mas sim à ex-periência sensorial.Seria interessante a estimulação

da visão nos estágios iniciais, veri-ficando se as pupilas são fotorrea-gentes e com isso poder-se avaliar areatividade de respostas integradasdo tronco encefálico. Lehmkuhl eKrawczk (1993) relataram que, sea estimulação for feita em supinoocorreria uma desorientação, oca-sionando um rebaixamento do NC.Para promover a orientação visualnormal, seria interessante a rea-lização da técnica em sedestação,utilizando estímulos familiares aopaciente.

Os trabalhos encontrados eanalisados foram unânimes emdescrever que o tempo de duraçãodo coma nos pacientes que parti-

ciparam de algum programa deEM foi menor quando compara-dos com grupos controle. Apesardestes resultados, Lombardi et al

(2003), em sua revisão sistemática,observou que dos 25 estudos en-contrados sobre a EM, apenas trêsapresentavam metodologia consis-tente, questionando a existência deevidências científicas tanto para arealização como para a exclusãodeste tipo de procedimento.

Conclusões

A EM tem sido proposta comouma maneira de favorecer o pro-cessamento da informação senso-rial através do SARA, que funcionacomo o “despertador biológico” docórtex cerebral.

Apesar dos indícios provenien-tes da observação clínica que apon-tam para os efeitos benéficos da EM,até hoje não foi localizado nenhumensaio clínico randomizado quecomprovasse de maneira efetiva sea EM pode influenciar a melhora do

NC em pacientes comatosos.Vários trabalhos discutiram a

metodologia da aplicação da EM,no entanto fazem-se necessárias in-vestigações e publicações científicasmais específicas com um maior nú-mero de pacientes e maior controlemetodológico.

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 Recebido em 12 de setembro de 2007

Versão atualizada em 17 de outubro de 2007 

 Aprovado em 10 de novembro de 2007

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