Os braços do Jari: Entre a terra, o latifúndio e os grandes projetos

download Os braços do Jari: Entre a terra, o latifúndio e os grandes projetos

of 16

description

Artigo de Ricardo Folhes e Maria Luiza Camargo. RESUMO: Este artigo trata de conflitos entre moradores do vale do rio Jari no município de Almeirim-PA e o Grupo Orsa, um conglomerado paulista do setor de papel e celulose conhecido como exemplo pioneiro de “empresa verde” e premiado por sua responsabilidade social e ambiental. Na Amazônia, porém, o Grupo Orsa opera num dos maiores latifúndios do mundo em meio a conflitos com posseiros e envolto em processos judiciais que apuram a grilagem das áreas que ocupa e as irregularidades do plano de manejo florestal em atividade. Pretende-se, aqui, um breve resgate da história da ocupação do vale do Jari e do latifúndio atualmente controlado pelo Grupo Orsa, e, junto a dados de campo recentes, descreverparte dos conflitos territoriais existentes. REFERÊNCIA: Simpósio Internacional de Geografia Agrária (5:2011: Belém) Anais/ V Simpósio Internacional e VI Simpósio Nacional de Geografia Agrária, 7 a 11 de novembro de 2011; João Nahum (Org.) – 1ª ed. – Belém: Editora Açaí, 2011

Transcript of Os braços do Jari: Entre a terra, o latifúndio e os grandes projetos

OS BRAOS DO JARI: ENTRE A TERRA, O LATIFNDIO E OS GRANDES PROJETOS THE PEASANTS OF JARI: THE RIGHT TO LAND AND THE AGRIBUSINESS

Ricardo Folhes [email protected] Maria Luiza Camargo [email protected]

RESUMO: Este artigo trata de conflitos entre moradores do vale do rio Jari no municpio de Almeirim-PAe o Grupo Orsa, um conglomerado paulista do setor de papel e celulose conhecido como exemplo pioneiro de empresa verde e premiado por sua responsabilidade social e ambiental. Na Amaznia, porm, o Grupo Orsa opera num dos maiores latifndios do mundo em meio a conflitos com posseiros e envolto em processos judiciais que apuram a grilagem das reas que ocupa e as irregularidades do plano de manejo florestal em atividade. Pretende-se, aqui, um breve resgate da histria da ocupao do vale do Jari e do latifndio atualmente controlado pelo Grupo Orsa, e, junto a dados de campo recentes, descreverparte dos conflitos territoriais existentes. Palavras-chave: Projeto Jari; Amaznia; conflito territorial, Grupo Orsa.

ABSTRACT: This article discusses the conflict between inhabitants of the JariRiver valley, Almeirim-PA, and the Orsa Group, a conglomerate in the pulp and paper sector known as the pioneering example of "green company" and recognized for its social and environmental responsibility. In the Amazon, however, the Orsa Group operates one of the largest landed estates of the world into conflict with peasants and wrapped in legal proceedings which investigate the illegal occupation and the irregularities of the forest management plan in operation. We intend to make a brief history of the occupation of the Jari valley and the plantation now controlled by the Orsa Group, as well as to describe some of the current territorial conflicts. Key-words: Jari Project; Amazon; territorial conflict, Orsa Group.

1

INTRODUO Durante as dcadas de 1970 e 1980, muitos olhos se voltaram para o vale do rio Jari, um afluente da margem esquerda do baixo Amazonas, marco natural da divisa dos Estados do Par e Amap. A ateno recebida tanto da academia como da imprensa foi motivada pelo empreendimento que ficou conhecido como Projeto Jari, idealizado pelo bilionrio norteamericano Daniel K. Ludwig. Aps receber centenas de milhes em incentivos na onda dos grandes projetos do governo militar para a Amaznia, e acumular escndalos e prejuzos, em 1982, o Projeto assumido por um grupo de empresas nacionais e, em 2000, passa para o comando do Grupo Orsa, um conglomerado paulista do setor de papel e celulose. O Grupo Orsa conhecido hoje como exemplo pioneiro de empresa verde e so muitos os prmios recebidos como reconhecimento de sua responsabilidade social e ambiental embora, na Amaznia, ele opere num dos maiores latifndios do mundo em meio a conflitos com posseiros e envolto em processos judiciais que apuram grilagem de terras e irregularidades do plano de manejo florestal em atividade. O presente trabalho pretende retratar parte da histria das pessoas que ali nasceram ou para l foram em diferentes pocas e situaes com o objetivo de tratar dos conflitos fundirios atualmente existentes. ORIGENS DO LATIFNDIO E O CORONEL JOS JULIO Os registros mais antigos da regio do rio Jari datam de meados do sculo 18 e tratam da formao da cidade de Almeirim, que fica s margens do Amazonas e tem sua origem na Aldeia Paru fundada por frades capuchos de Santo Antonio e ndios descidos do centro. Apenas em 1890, aps a Proclamao da Repblica e j no auge da explorao gomfera na Amaznia, Almeirim se torna municpio. No primeiro Conselho Municipal, eleito em 1891, toma posse como vogal Jos Julio de Andrade, figura emblemtica da regio e responsvel pela formao, ainda no sculo 19, do latifndio onde, anos mais tarde, teria lugar o Projeto Jari. Jos Julio de Andrade, cearense de Sobral, chegou regio do rio Jari por volta de 1882, perodo em que se intensificou a migrao de nordestinos devido grande seca ocorridanesta regio no final da dcada de1870.Em pouco mais de dez anos, se tornou um dos homens mais influentes do Vale graas ao poder obtido com a explorao de castanha, seringa e

2

3

balata, chegando, inclusive, a senador da Repblica. Acumulou, tambm, uma enorme extenso de terras que, de acordo com a diviso poltica atual, se estende por Par e Amap, nas duas margens do rio Jari. As circunstncias nas quais obteve essas reas so rodeadas de relatos de fraudes eleitorais e nos cartrios da regio1, dando incio a uma complicada situao fundiria at hoje sem soluo.O ttulo de posse de apenas uma de suas glebas, a Fazenda Saracura, por exemplo, remetia a uma rea de 2,6 milhes de hectares que, se cartografada conforme as descries contidas na escritura, iriaat o mar do Caribe. Na poca de Jos Julio,castanhais e seringais eram explorados pelo sistema de aviamento que, por meio da explorao de seringueiros e castanheiros, ergueu imensas fortunas ainda que efmeras por toda a Amaznia. Aviar, na Amaznia, significa fornecer mercadorias a crdito (SANTOS, 1980, p. 159). Crdito, porm, praticamente sem dinheiro, baseado no escambo, a melhor modalidade de disfarar a usura e outros meios de explorao (SANTOS, 1980, p. 156). O aviamento era um sistema organizado em cadeia bastante concentrador de renda: na base, o coletor, extorquido at o ponto da intolerncia fisiolgica (SANTOS, 1980, p. 162), e, no cume, as empresas exportadoras sediadas em Belm e Manaus, as principais beneficirias do sistema, relacionando-se diretamente com o mercado internacional. Entre esses dois extremos, um ou mais aviadores eram responsveis pelo fluxo de mercadorias at os extratores e da borracha at as casas aviadoras, de onde era exportada.Para SANTOS (1980, p. 163),nesse sistema, a menor parcela de excedente vinha da diferena entre os preos pelos quais o aviador comprava e vendia a borracha, sua principal fonte eram, na verdade, os lucros e juros gerados pela venda de bens de consumo ao extrator.Entretanto, para outros estudiosos como WEINSTEIN (1993) , os preos extorsivos cobrados pelo aviador pretendiam, muito mais do que a aferio de lucro, um controle da mo-de-obra por meio do endividamento. Eram muitosos mecanismos mobilizados para se obter esse controle. Na maioria das vezes, o coletor chegava ao seringal j endividado: eram-lhe cobrados os custos da viagem e as ferramentas necessrias para o trabalho. Alm disso, devido ao isolamento e/ou coero, os vnculos eram exclusivos com um aviador, que estabelecia tanto o preo pago pela produo, como o das mercadorias vendidas, restando ao seringueiro e ao castanheiro sujeitarse.Estabeleceu-se, tambm, todo um sistema de punio e condenao, amparado pela polcia, para se evitar desvios e fuga dos envidados.

1Levava

de Belm atas de eleies e as preenchia em Aramanduba [localidade que abrigava um dos maiores barraces de aviamento controlado por Z Jlio], em nome de todos os eleitores, em favor do candidato poltico que apoiava. Em troca, os polticos lhe concediam ttulos de posse e protegiam manobras de cartrio para a incorporao de terras alheias.(PINTO, 1986,p. 16.)

4

Diante desse quadro, no difcil imaginar a insatisfao dos extrativistas com as condies de vida e de trabalho. Um dos indcios dessa insatisfao o episdio ocorrido em 1928, do qual existem poucos registros, conhecido como Revolta do Cesrio.Um grupo de trabalhadores tomou um barco e foi at Belm para denunciar os abusos cometidos no Jari. Foi o episdio mais marcante, mas no o nico de insurreio popular contra Jos Julio. A partir da dcada de 1930, uma srie de acontecimentos foi enfraquecendo politicamenteo CoronelJos Julio de Andrade. O movimento tenentista estabeleceu-se em Belm, abalando o poder dos velhos polticos. Magalhes Barata, governador do Par nos perodosde 1930-35 e 1943-45,ops-se a Jos Julio, ameaando prend-lo. O coronel, ento, refugia-seno Rio de Janeiro e, em 1948, acaba por vender suas terras no Jari para um grupo de empresrios, a maioria portugueses. Notempo dos portugueses como o perodo ficou conhecido o perodo ps1948 , cresceu a criao de gado, porm o extrativismo continuoucomo a atividade mais importante da regio, inclusive o madeireiro, nas vrzeas 2, juntamente com o transporte da produo extrativista.Perduram o sistema de aviamento, as condies de trabalho e as comunidades formadas por agroextrativistas, pescadores e pequenos criadores que, por meio do aviamento, participavam da estratgia do latifndio. PROJETO JARI: UM MODELO DE AGROINDSTRIA PARA A AMAZNIA Em 1967,Daniel Keith Ludwig, um bilionrio norte-americano,compra a rea e as trs empresas pelas quais os portugueses atuavam na regio. O projeto de Ludwig, logo conhecido como Projeto Jari, visava implantao de um complexo agroindustrial, que tinha como carro chefe a produo de celulose em larga escala, principalmente para exportao. Tambm faziam parte do projeto plantao de arroz, criao de gado e minerao de caulim e bauxita. Com Ludwig, ocorre uma substancial transformao no Vale: introduz-se, ali, um novo modo de explorao dos recursos que no mais depende do sistema de aviamento e, portanto, vai estabelecer outro tipode relao com a mo-de-obra e com a populao local, conforme trataremos adiante. A inteno de Ludwig era fundar um projeto pioneiro, moderno e que serviria de modelo para o aproveitamento econmico da Amaznia, o que o fez cair nas graas do governo militar.

2A

atividade madeireira ganhou expresso em todo Baixo Amazonas a partir da segunda metade do sculo 20, quando grandes serrarias se instalaram na regio e passaram a explorar as florestas de vrzea (BARROS; UHL, 1997).

5

H vasta bibliografia a respeito dos projetos do governo militar para a Amaznia que apenas muito brevemente cabe ser retomada aqui3. Na viso dos militares, a Amaznia era um vazio improdutivo a ser conquistado. Seu desenvolvimento viria com a instalao de grandes empresas, que foram atradas com uma poltica de massivos incentivos fiscais. Nesse perodo, muitas das grandes firmas existentes no Brasil compraram enormes extenses de terra na Amaznia: indstrias, bancos, empreiteiras, empresas de telecomunicao etc. O Projeto Jari era a realizao de um desses programase,durante muito tempo,contou com amploapoio do alto escalo do governo militar. Como aponta GREISSING (2010, p. 49), com a chegada de Ludwig,houve, no Jari, uma desorganizao das redes de comercializao dos produtos extrativistas. Em maio de 1975, a Jari desiste do arrendamento das filiais de castanha e outros extrativismos, e vai fechando todas as filiais (PINTO, 1986, p. 26).Pela primeira vez, o grande projetoinstalado no Valedeixa de se ocupar do extrativismo, atividade exercida por aquela populao deste, pelo menos, o sculo 18, de quando datam os primeiros registros. GREISSING menciona algumas das consequncias das transformaes trazidas por Ludwig: uma de suas primeiras aes foi a substituio de uma grande rea de mata nativa por uma monocultura que pudesse abastecer a fbrica de celulose quando esta comeasse a funcionar.Somente entre 1972 e 1979, 70 mil hectares de floresta foram derrubados com esse fim. A populaoocupante dessas reas teve que se deslocar, mudando-se para onde houvesse floresta, paraa rea urbana de Almeirim, para o Beirado que se formava na margem esquerda do Rio Jari (de que trataremos adiante), ou, ainda, para regies mais distantes (PINTO, 1986). Poucos eram incorporados como mo-de-obra nas atividades da empresa. Muitos permaneceram longe das suas reas de origem at o final dos anos 1980, quando comearam a retornar, ocupando (e sendo expulsos) sistematicamente terras controladas pela empresa, mas no utilizadas por ela. Outras restries foram, ainda, implantadas para que no fossem levantadas dvidas sobre a propriedade das terras que a empresa de Ludwig dizia ser dona: castanheiros foram proibidos de entrar em reas por eles manejadas h dcadas e, ainda em 1969, a Jari criou um setor destinado a impedir o ingresso de estranhos que funcionava como uma autntica milcia privada (PINTO, 1986, p. 92ss.). Mesmo assim, isso no impediu que regates continuassem a comprar castanha e madeira extradas por moradores das comunidades tradicionais e nem mesmo que posseiros, atrados regio pela possibilidade de trabalho na

3Entre

esses estudos, tratam do Projeto Jari: OLIVEIRA, 1995; PINTO, 1986; SAUTCHUK, 1980; GARRIDO FILHA, 1980.

6

empresa, tirassem4 terras em meio as reas de floresta nativa (PINTO, 1986).Assim, as comunidades que no foram diretamente expulsas continuaram existindo, at hoje, adaptando-se s mudanas. Em funo das novas estratgias econmicas a orientarem a explorao do latifndio e com a priorizao de atividades agropecurias e industriais que demandavam mo-deobra, tornou-se necessria a contratao de milhares de trabalhadores para a derrubada da mata nativa e o plantio de florestas homogneas na regio de Monte Dourado, bem como para a implantao do projeto de arroz e gado, na regio do rio Arroyolos. A Jari instaurou, ento, um novo modo de recrutar mo-de-obra: estabeleceu uma rede de empreiteiras em estados do Nordeste e no sul/sudeste do Par para aliciar trabalhadores dando incio a um dos mais intensos processos de migrao induzida por uma empresa em toda histria da Amaznia. A regio,que sempre recebera migrantes, passa,a partir do incio dos anos 1970, por uma profunda transformao ao ser o destino de milhares de maranhenses, cearenses, piauienses e migrantes de outros estados, a grande maioria homens entre 20 e 30 anos. Em 1974, para racionalizar a contratao de mo-de-obra e diminuir os problemas com a previdncia social e com a crescente cobertura feita pela mdia nacional e internacional acerca dos problemas trabalhistas no latifndio da Jari, foi criadaa SASI (Servios Agrrios e Silvioculturais Ltda.), empresa que ficou responsvel por conduzir o processo de contratao de mo-de-obra e distanciar a Jari dos escndalos. Como havia grande sazonalidade na demanda de mo-de-obra, a maioria dos contratos trabalhistas eram temporrios. Com exceo parcial aos garimpos existentes no alto curso do rio Jari, no havia alternativas de trabalho na regio que pudessem manter ocupados essa imensa leva de trabalhadores quando os contratos terminavam e que, na maioria dos casos, no dispunha de recursos financeiros para retornar s suas regies de origem. Alm disso, toda a estratgia de criao de silvivilas 5 adotada pela Jari para abrigar a mo-de-obra volante no foi bem sucedida, ou seja, mesmo os trabalhadores empregados, contratados formalmente ou no, no dispunham de infraestrutura de habitao adequada que os pudesse receber.

4Tirar

terra, ou amansar terra designa o ato de derrubar a mata, abrir um roado, limpar o terreno e cultiva-lo. Quem tira ou amansa uma terra, possui, nessas comunidades, uma espcie de direito de procedncia sobre a terra, que no deve se confundir com o direito de propriedade. Sua ocupao por outra pessoa est condicionada a licena de quem a tirou ou amansou (MARTINS, 1998). 5As Silvivilas eram pequenas localidades que disporiam de toda infraestrutura necessria (escola, supermercado, posto mdico etc.) e abrigariam engenheiros, administradores, assistentes sociais, mdicos, enfermeiros, capatazes, motoristas, operadores de mquinas e trabalhadores com suas famlias. Foram planejadas dez silvivilasno Par e trs no Amap, porm, at 1982, havia apenas trs: Planalto (1713 pessoas), So Miguel (1124) e Bananal, que acabara de ser construda (LINS, 1991, p. 157). Alm disso, as casa destinadas aos trabalhadores braais no dispunham, por exemplo, de fossa e gua encanada (PINTO, 1986, p. 106). A maioria dos trabalhadores, principalmente os braais, permanecia em acampamentos provisrios e em pssimas condies.

7

Essas pessoas foram, ento, se acumulando na margem esquerda do Rio Jari, no municpio de Mazago-AP, em precrias condies, formando, desordenadamente sobre palafitas, o Beirado e o Beiradinho. claro que todo esforo de induzir fluxos migratrios gerou, paralelamente, fluxos espontneos. Mais do que a possibilidade de conseguir trabalho imediato na Jari, havia para boa parte dos migrantes nordestinos o sonho de obter acesso terra no Norte brasileiro, sonho alimentado pela propaganda oficial do governo militar. Mesmo entre muitos daqueles que chegavam regio com a garantia do emprego no Projeto Jari, o trabalho assalariado funcionava como uma estratgia de acumulao financeira para a compra da terra. A partir da segunda metade dos anos 1970, medida que cresciam o Beirado e o Beiradinho, aumentoutambm o nmero de posseiros ocupando terras em vrias regies do latifndio, processo que fugia ao controle da empresa, por maior que fossem os mecanismos de opresso por ela utilizados. Genericamente, a posse poderia ser tirada em rea de mata virgem ou comprada de algum que a tivesse estabelecido anteriormente.Multiplicavam-se, assim,stios com roados de mandioca e culturas anuais, alm de outras benfeitorias. Parte dessas posses, quando descobertas pela empresa mesmo depois de vrios anos, era violentamente destruda com a utilizao do seu aparato de segurana privado. Depois de certo perodo, parte desses posseiros voltava a ocupar novas reas, sujeitando-se a ser novamente expulsos pela empresa. Contraditoriamente, quanto mais aumentava o uso da violncia contra posseiros, menos a empresa parecia ter condies de comprovar a propriedade da terra frente aos questionamentos que surgiam, conforme mostram os relatrios publicados pelo Iterpaa partir de 1978, discutidos mais adiante. A NACIONALIZAO DO PROJETO E A FORMAO DE UMA ELITE LOCAL Em 1982, aps desembolsar 1,3 bilhes de dlares, acumular prejuzos e ver aumentar a presso para que o Projeto fosse nacionalizado, Ludwig vendeu o Jari por 80 milhes de dlares para um consrcio de empresas brasileiras liderado pelo Grupo Caemi. A transio foi organizada pelo governo e dependeu do apoio massivo do Banco do Brasil e BNDES6.Durante asdcadas de 1980 e 1990, apenas em 1994 a Jari Celulose teve lucro (CAVALCANTI, 1999) e viu sua dvida chegar a 415 milhes de dlares (ROSENBURG, 2007).

Juntos, o BB e o BNDES colocaram mais de 200 milhes de dlares para cobrir dvidas deixadas por Ludwig. Alm disso, o BB entrou sozinho com mais 180 milhes de dlares em aes preferenciais, sem direito a voto. Foi uma montanha de dinheiro pblico torrada na selva. (CAVALCANTI, 1999).6

8

De outro lado, as mudanas desencadeadas com a implantao do Projeto continuaram a todo vapor. Para se ter uma ideia da velocidade das transformaes no vale do Jari, no intervalo de seis anos entre 1977 e 1983, a populao de Monte Dourado passou de 2.096 para 8.500 habitantes. No Beirado, nesse mesmo perodo, as estimativas so de um salto de 5 mil para 12 mil habitantes, e, no Beiradinho, de 884 para 4 mil (PINTO, 1986, p. 92). Com o aumento da aglomerao nessas reas, o Estado do Amap cria, em 1987, o municpio de Laranjal do Jari, englobando oBeirado e, em 1994, o municpio de Vitria do Jari, incorporando oBeiradinho.A maior contribuio para a composio da populao desses dois municpios adveio dos fluxos migratrios de nordestinos relacionados implantao e explorao, nos anos 70 e 80, do complexo agroindustrial da Jari. Como j dito, parte desses migrantes manteve vnculos trabalhistas, temporrios ou no, com a Jariou suas empreiteiras,outros, jamais chegaram a trabalhar na empresa. OBeirado, em Laranjal do Jari, constituiu-se, assim, como alternativa de sobrevivncia para um grande nmero de migrantes e posseiros expropriados que l se empregavam nos comrcios ou trabalhavam de pedreiros, carpinteiros, funileiros etc. Foi tambm no Beirado que pequenos comerciantes comearam a se destacar e se tornaram mdios e grandes empresrios de Laranjal do Jari. Uma parcela deles chegou ali levada pela prpria empresa: alguns trabalharam por longos perodos na Jari, passaram a prestar servios a ela e, anos mais tarde, compuseram suas empresas; outros poucos nunca trabalharam para a Jari, tendo acumulado capital em servios prestados no Beirado, muitas vezes nos garimpos, enquanto tentavam manter suas posses nas reas rurais. Alguns desses grandes e mdios comerciantes, junto a alguns funcionrios pblicos graduados, so hoje os maiores posseiros na regio da Estrada Nova, contribuindo com a pecuarizao por que passa essa regio nos ltimos 15 anos. Eles possuem de 200 a mais de 1000 hectares de terras7. A Estrada Nova,no entanto, , hoje, uma das regies em que a Jari mais incentiva o fomento florestal do eucalipto. Pecuaristas e a Jari vm, grosso modo, conduzindo um tcito7A

partir dos anos 1990, com o acirramento da legislao ambiental, em vrios momentos as posses passaram a ser incentivadas pela empresa, a partir da criao de projetos de colonizao privada em reas cuja titularidade desconhecida. O objetivo por trs da colonizao era o acesso madeira para utiliz-la como fonte de energia na caldeira da fbrica de celulose. Nesse sentindo, em 1994,foram criadas, com a ajuda da empresa, a COMPEJ (Cooperativa Mista dos Produtores e Extrativistas do Jari) e a ACOPREN (Associao Comunitria dos Produtores Rurais da Estrada Nova), para fins de facilitao de retirada de madeira das posses dos agricultores. A COMPEJ assentava as famlias e a empresa pagava ao escritrio do IBAMA, criado em Monte Dourado em 1992, a autorizao para fazer a derruba. O acordo previa que a Jarificaria com a madeira e os agricultores indicados por ela com a terra, ficando sob responsabilidade da empresa a abertura e manuteno dos ramais. O acordo foi rompido em 1997, diante da negativa da empresa em fazer a manuteno dos ramais no momento em que a madeira em toda essa regio j havia acabado. Como nunca houve repasse de documentao aos colonos, anos depois aJari tentou persuadi-los a sarem dessas reas, e hoje, tenta faz-los aderir ao fomento florestal.

9

acordo: aqueles destinam parte de suas terras ao plantio do eucalipto e esta no move aes de reintegrao na posse contra eles. Recentemente, algumas dessas aes movidas contra pecuaristas que gozam de certa popularidade com os pequenos posseiros levaram a mobilizao destes, que, com apoio dos pecuaristas, divulgaram em cadeia nacional, numa entrevista Rdio Amaznia, os problemas fundirios do Vale do Jari. No difcil perceber entre grandes e pequenos posseiros na Estrada Nova relaes de compadrio e clientelismo que vm reeditando vnculos de dependncia social, favorecendo a concentrao fundiria em nome dos grandes e a migrao dos pequenos para novas frentes de ocupao no interior do latifndio ou o assalariamento como pees nas fazendas de gado. GRUPO ORSA E O VALE DO JARI A partir de 2000, o Grupo Orsa, umas das principais organizaes brasileiras do setor de madeira, papel e embalagens, assumiu a rea e a dvida acumulada pelo Projeto Jari. O Grupo composto pelas empresas Jari Celulose, Orsa Florestal, Ouro Verde e a Fundao Orsa. A diviso de celulose, instalada na Vila Munguba, em Almeirim, a nica fbrica do setor no mundo com certificao 100% FSC (Forest StewardshipCouncil), rgo reconhecido internacionalmente como o principal certificador de boas prticas florestais. A Orsa Florestal responsvel por explorar o plano de manejo florestal que, certificado desde 2004 pelo FSC, o maior projeto privado de floresta nativa tropical certificado no planeta, com aproximadamente 545.000 hectares. Recentemente, o Grupo Orsa adquiriu o controle acionrio da Ouro Verde, uma das empresas lderes do mercado de produtos florestais no-madeireiros que, na regio, procura regular o mercado de castanha. As espcies oleaginosas e o cacau nativo esto entre seus projetos de prospeco (IFT & IMAFLORA, 2010). A Fundao Orsa a empresa social do grupo e trabalha no desenvolvimento de programas e projetos sociais, inicialmente relacionados aos temas infncia e adolescncia. H cerca de cinco anos,comeou a atuar na rea agrcola e florestal (ver: IFT & IMAFLORA, 2010), notadamente, onde h possibilidade de produo de eucalipto e extrativismo de produtos nomadeireiros. Segundo o prprio Grupo Orsa, suas empresas atuam de forma integrada, incorporando modelos de ao economicamente viveis, socialmente justos e ambientalmente corretos, numa viso ampliada de sustentabilidade que iria alm do comprometimento com os 10

negcios e com as comunidades onde eles esto inseridos, tudo com respeito legislao nacional8. Porm as vrias disputas judiciais e os inmeros conflitos existentes com as comunidades do Vale do Jari parecem contar outra histria. O LATIFNDIO E O GRUPO ORSA O histrico de formao do latifndio no Vale do Jari pode ser observado sob vrios aspectos. Do ponto de vista socioeconmico houve a transio do foco nas atividades extrativistas de produtos no-madeireiros para a extrao madeireira e para o complexo agroindustrial orientado produo de celulose. Se, no seu incio, eram as condies de dependncia criadas entorno do aviamento que regulavam as relaes entre o patro, Z Jlio de Andrade, e camponeses, o latifndio, durante o governo militar, experimentou uma fase de relacionamento contratual formal e informal entre grandes levas de trabalhadores e o novo patro, Ludwig, que j no era aviador, mas um dos grandes representantes do moderno capitalismo mundial. Depois de um perodo de intensa crise econmica nos anos 80 e 90, o latifndio do Jarientra numa nova fase: as duas estratgias anteriores so retomadas e modernizadas em nome de certo capitalismo supostamente dotado de responsabilidade socioambiental. De um lado, so mantidas e ampliadas as relaes contratuais entre as empresas componentes do Grupo Orsa e suas empreiteiras com os milhares de empregados que garantem a produo das florestas homogneas, o fabrico da celulose e a criao bovina. De outro lado, as atividades de explorao de diversos produtos da floresta nativa, embora tambm mantidas a partir de relaes contratuais com os operadores de moto-serra, funcionrios da serraria e tcnicos florestais, acontecem mediante o discurso de incluso social das comunidades inseridas na rea de explorao 9.Talvez se possa supor que, aqui, as relaes de dependncia e clientelismo, tpicas do aviamento, no acontecem mais pelo endividamento no barraco, mas pela participao das comunidades em programas e projetos desenvolvidos pela empresa social do Grupo, a Fundao Orsa.As famlias beneficiam-se dos projetos e, pela permissividade da empresa em aceit-los na terra, enquanto garantem o marketing social to bem explorado pelo grupo. A imensa maioria das ocupaes no interior do latifndio so posses 10, pouqussimos possuem ttulo definitivo de propriedade da terra. H, no entanto, algumas

8Ver:

. Acesso em: 03 fev. 2011. trabalhos que tratam do municpio de Almeirim ou especificamente da atuao do Grupo Orsa, se referem s comunidades existentes no interior do latifndio e, muitas vezes, no interior do plano de manejo florestal como comunidades do entorno ou, genericamente, como comunidades na rea de influncia do Grupo Orsa. 10A utilizao da nomeao posseiro possui significados distintos. Na leitura sociolgica, em alguns contextos ela entendida como um segmento de campesinato que pode regionalmente ganhar outras nomeaes, tais como: roceiro,9Alguns

11

excees: cerca de 120 ttulos distribudos nos anos 1990em um trecho da Estrada Nova, e um ou outro caso isolado, como algumas permutas concedidas pelo Iterpa e algumas fazendas de gado nas vrzeas. Um dos fatores que desestimularam Ludwig a continuar o Projeto Jari, foi a impossibilidade de regularizar as terras, mesmo com o apoio do Governo Militar. Em 26 de novembro de 1976, a Jari Florestal e Agropecuria Ltda., hoje Jari Celulose S/A, requereu ao Iterpa, por meio do processo n 05562/76, a legitimao de 33 posses, que juntas somavam 2.786.237 hectares. A empresa conseguiu comprovar a cadeia sucessria de 19 dessas posses, enquanto outras 14, inclusive a Fazenda Saracura com seus 2.600.000 hectares, no foram regularizadas por no cumprirem especificaes elementares. Aps consolidar a compra da Jari Celulose, o Grupo Orsa, inseriu a explorao dos produtos florestais madeireiros em sua estratgia econmica. Diante desse novo cenrio, em 2001, aJari Celulose empreendeu a unificao de todos os ttulos inerentes a formao do latifndio, reunindo ttulos de propriedade, de posse e de aforamento em uma mesma matrcula no Cartrio Imveis do municpio de Monte Alegre, transformando-os em uma nica propriedade com cerca de 911 mil hectares. Aps a unificao dos ttulos, a Jari Celulose elaborou e apresentou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama) um Plano de Manejo Florestal Sustentvel a ser desenvolvido em 545 mil hectares pertencentes ao que seria a Reserva Legal do latifndio, e que posteriormente passou a ser gerido pela Orsa Florestal, com base num contrato de comodato assinado entre as duas empresas. A Promotoria Pblica da Comarca do municpio de Almeirim, porm, instalou a Ao Civil Pblica 02/2001 com o objetivo de investigar indcios de fraude no processo de unificao das terras que compem o latifndio da Jari Celulose no municpio. Em 2004, aCorregedoria das Comarcas do Interior decidiu pelo cancelamento da matrcula imobiliria unificada em Monte Alegre, puniu a tabeli, irm de um dos diretores da empresa, e reconheceu o direito da empresa s benfeitorias, mas no propriedade das terras. Tal deciso deu incio a uma intensa batalha judicial entre a empresa e o Governo do Estado do Par, que desde em 1978 reconhecia como pblicas, boa parte dessas terras. Em 2004, com a restrio do Ibama em aprovarplanos de manejo florestal apenas em reas com situao fundiria regularizada, o Grupo Orsa entrou com ao demarcatria no Frum da Comarca de Almeirim, e a requisio foi considerada ilegtima.sitiante, caipira, seringueiro etc. J no entendimento jurdico, posseiro o ocupante de terra sem o consentimento de terceiro, seja em reas pblicas ou privadas, consequentemente, no possuindo ttulo legal que lhe garanta o domnio da rea que ocupa (BENATTI, 2003, p. 192).

12

Em 13 de junho de 2005, o desembargador Enivaldo da Gama Ferreira deu, em 2 estncia, provimento para anular a sentena e todos os atos praticados a partir dela, a fim de que prosseguisse a ao demarcatria e, aps, fosse proferida nova sentena, baseando-se no art. 44 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias da Constituio do Estado do Par. Tal deciso motivou, em 2005, que a Procuradoria Geral do Estado do Par entrasse no TJE com uma Ao Declaratria de inexistncia de domnio contra a Jari e encaminhasse ao STF uma Ao de Inconstitucionalidade para 2 artigos da constituio do Estado que serviam de base legal para a Jari tentar regularizar suas reas de pretenso.Ainda em 2005, o STF julgou procedente a Ao Direta de Inconstitucionalidade, derrubando toda a argumentao jurdica do Grupo Orsa. Mesmo assim, em 21 de dezembro de 2006, as empresas Jari Celulose S/A, Orsa Florestal S/A e o Governo do Estado do Par, firmam um termo de compromisso, visando uma soluo amigvel para o problema possessrio existente na faixa de abrangncia do Projeto Jari, em Almeirim. Em tal documento, ficou consignado que deveriam ser respeitadas e excludas da regularizao fundiria as reas ocupadas pelas comunidades tradicionais, tendo a Jarise comprometido a colaborar com a titulao das posses dessas comunidades.Assim, em 23 de julho de 2007,foi assinado um termo de compromisso entre o Iterpa, a Orsa Florestal e a JariCelulose visando garantir a regularizao fundiria das comunidades inseridas na faixa de abrangncia do Projeto Jari no municpio de Almeirim e possibilitar a continuidade da execuo do Plano de Manejo Florestal Sustentvel. O Plano de Manejo seguiu em atividade, mas nada foi feito pela regularizao das reas das comunidades. As fraudes que cercam do plano de manejo florestal foram apuradas pela polcia federal a partir do processo aberto pela Promotoria de Almeirim em 2001. Chegou-se a concluso, em 2009, que o Grupo Orsa no era proprietrio da maior parte das terras abrangidas pelo Plano de Manejo e que ocorria grilagem de terras pblicas. Em maio de 2011, o Ministrio Pblico Federal de Santarm-PA encaminhou a Justia Federal queixa por crime de estelionato cometido por um dos diretores da empresa. Mesmo em meio a todas as contestaes de seu direto quelas reas, em 2010, a empresa inaugura uma nova fase de violentas aes de reintegrao de posse em vrias comunidades do Vale do Jari, levando ao cho benfeitorias e cultivos de dezenas de famlias de pequenos agricultores e alguns pecuaristas.E mais: oplano de manejo florestal, realizado em reas irregularmente apropriadas, continua em operao at hoje, ainda certificado pelo FSC. O Termo de Compromisso assinado entre a Jari Celulose, a Orsa Florestal e o governo do Estado do Par, vem sendo renovado anualmente, sem que nenhuma comunidade tenha sido regularizada. 13

tambm interessante notar outra forma de legitimao do latifndio do Jari: a produo cartogrfica que o retrata, principalmente aquela produzida pela prpria empresa, mas tambm por organizaes no-governamentais (ONGs) envolvidas com o Projeto Almeirim Sustentvel (IFT & IMAFLORA, 2010). Em ambas, o produto cartogrfico d visibilidade dimenso territorial do latifndio e distribuio espacial das atividades produtivas e de preservao ambiental (principalmente quando retratadas pela empresa), e s potencialidades para o desenvolvimento de cadeias produtivas alternativas, vinculadas territorialmente a algumas comunidades inseridas no latifndio, quando retratados, mais recentemente, pelas ONGs. Tal cartografia impressiona mais pelo que omite do que pelo que representa. Mapas podem ser entendidos enquanto um tipo especfico de linguagem de poder e de discurso sobre o controle do territrio (ACSELRAD, 2008). Nesse sentido, a omisso, proposital ou no, do grande nmero de comunidades existentes no latifndio, bem comodas atividades produtivas de comunidades no parceiras da empresa que o controla, confere invisibilidade maior contradio do latifndio e, logo, ao maior conflito existente no seu interior: a presena histrica de milhares de pessoas que lutam por assegurar um pedao de terra que torne minimamente vivel sua sobrevivncia. E, do ponto de vista da sobrevivncia das comunidades ali existentes, essa cartografia torna-se, inevitavelmente, uma anttese do caminho de um desenvolvimento sustentvel que supostamente se preocupa em representar. CONSIDERAES FINAIS O Vale do Jari vem acumulando h mais de um sculo uma populao que, quando no inserida nos grandes empreendimentos que ocuparam a regio, vive de atividades marginais a estes ou nas reas por eles deixadas de lado, de onde so expulsas quando a expanso da grande empresa exige terreno. Essa situao se perpetua e, ainda hoje, no latifndio criado por Jos Jlio de Andrade, agora gerido pelo moderno Grupo Orsa, acontecem conflitos fundirios e direitos elementares, como o acesso a sade e a educao, so negados. S em Almeirim, o latifndio abrange cerca de 60% do territrio municipal no afetado por unidades de conservao e terras indgenas. A partir disso, no difcil supor a influncia da empresa sobre todas as esferas do poder pblico local, incluindo o judicirio, e o poder de polcia com que agem seus seguranas armados no interior da rea que reivindica como sua.

14

Os vrios prmios de sustentabilidade ambiental e responsabilidade social conferidos a empresa11 e a certificao concedida pelo FSC ao Plano de Manejo Florestal acabam, na prtica, por legitimar o latifndio.Neles,as inmeras irregularidades fundirias e os conflitos socioambientais so omitidos, permitindo ao Grupo Orsa sustentar a alcunha de empresa verde e socialmente responsvel. Alis, os procedimentos de certificao de produo florestal adotados pelo FSC vm recebendo crticas em diversos pases, inclusive por ignorar conflitos fundirios e apropriao indevida de terras (ver, por exemplo, BROERS, 2010). Torna-se urgente que o problema fundirio, do qual decorrem outros conflitos, seja resolvido no Vale do Jari, onde, h mais de 100 anos, trocam-se os donos, gestores de modernos grupos empresariais assumem o lugar antes ocupado pelos tradicionais aviadores, mas perduramas amarras do imenso latifndio. O maior plano de manejo florestal madeireiro certificado do mundo est em operao no Vale do Jari, sendo constantemente divulgado como exemplo de boas prticas socioambientais, apesar dos vrios conflitos e das disputas judiciais. O latifndio, revisado na agenda socioambientalista como meio de possibilitar o uso econmico responsvel da floresta, perpetua-se na estrutura agrria da Amaznia, mantendo na pobreza milhares de pequenos agricultores. E ainda premiado por isso.

11Ver,

por exemplo: Grupo Orsa recebe Prmio Brasil de meio ambiente. Disponvel em: . Acesso em: 17 set. 2011; e Sergio Amoroso, presidente do Grupo Orsa, recebe Prmio Faz Diferena. Disponvel em: . Acesso em: 17 set. 2011.

15

BIBLIOGRAFIA CITADA ACSELRAD, Henri (org.). (2008). Cartografias sociais e territrio. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. 168 p. (Coleo Territrio, ambiente e conflitos sociais; n. 1). ARAJO, R., LENA, P. (org.).(2011). Desenvolvimento sustentvel e sociedades na Amaznia.. Belm: MPEG. 510 p. : il. (Coleo Eduardo Galvo). BARROS A.C.; UHL, C. (1997).Padres, problemas e potencial da extrao madeireira ao longo do rio Amazonas e do seu esturio. Vol. 4, Srie Amaznia, n. 4. Belm: IMAZOM. 42 p. BENATTI, J. H. (2003).Posse agroecolgica e manejo florestal. Curitiba: Juru. BROERS, Leo. (2010). Sustainable on paper: the eucalyptus plantations of Bahia, Brazil. Disponvel em: . Acesso em: 16 set. 2011. CAVALCANTI, K.; FERRAZ, S. (1999). Vende-se por 1 dlar. Veja, Ed. Abril, 07 jul. 1999. Disponvel em: . Acesso em: 29 set. 2011. GARRIDO FILHA, I.B.M. (1980). O Projeto Jari e os capitais estrangeiros na Amaznia.Petrpolis: Vozes. GREISSING, Anna. (2010). Revista Universidade, Sorocaba, v. 36, n. 3, p. 43-75, dez. IFT, IMAFLORA. (2010). Diagnstico Econmico Ecolgico de Almeirim.Belm: IFT; Imaflora. LINS, C. (1991). Jari: 70 anos de histria. Almeirim: Dataforma; Prefeitura Municipal de Almeirim. MARTINS, Jos S. (1998).O cativeiro da terra. So Paulo: Hucitec. OLIVEIRA, A.U. (1995).Amaznia: monoplio, expropriao e conflitos. 5. ed.; Campinas: Papirus. PINTO, Lcio F. (1986).Jari: toda a verdade sobre o projeto de Ludwig. So Paulo: Marco Zero. ROSENBURG, Cynthia. (2007). O desafio de salvar o Jari. poca Negcios, Ed. Globo, edio 4, 26 jul. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 29 set. 2011. SANTOS, Roberto. (1980). Histria econmica da Amaznia. So Paulo: TAQ. SAUTCHUK, J.; CARVALHO, H.M.; GUSMO, S.B. (1980). Projeto Jari: a invaso americana.So Paulo: Brasil Debates. WEINSTEIN, Barbara. (1993). A borracha na Amaznia: expanso e decadncia 1850-1920. So Paulo: Hucitec; Edusp, 1993.

16