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Harold Bloom
fl Angústia da Influêncii
Uma Teoria da PoestSegunda Edlçâo
H aro ld Bloom
A ANGUSTIA DA INFLUENCIA
UMA T E O R I A DA P O E S I A
SEGUNDA EDIÇÃO
Tradução de Marcos Santarrita
2896909
IMAGO
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Titu lo Original:The Anxiety o f Influence — A Theory of Poetry — Second Edition
Copyright © 1973, 1997 by Oxford University Press, Inc. New York, N.Y. U.S.A.
Capa:Bárbara Szaniecki
This translation of The Anxiety o f Influence, Second Edition, originally published in English in 1997, is published by arrangement with Oxford University Press, Inc.
Esta tradução de A Angústia da Influência, Segunda Edição, originalm ente publicada em Inglês em 1997, foi publicada com a permissão da Oxford University Press, Inc.
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
B616a Bloom, Harold 1930-2. ed. A angústia da influência: uma teoria da poesia / Harold Bloom;
tradução de Marcos Santarrita, — 2. ed. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2002.
208 pp.
Tradução de: The anxiety o f influence; a theory of poetry Second Edition
ISBN 85-312-0801-7
1. Poesia. I. Titulo. II. Título.
02-0167. CDD — 809.1 CDU — 82-1 (091)
Reservados todos os direitos. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida por fotocópia, microfilme, processo fotomecánico ou eletrônico sem permissão expressa da Editora.
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2002
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Impresso no Brasil Printed in Brazil
< >s versos do poema “The City Limits” foram extraídos do volume Briefings: Poems Small and Easy, de A. R. Ammons, Copyright © 1971 de A. R. Ammons, publicado porW W Norton & Co., Inc., Nova York, 1971.
( )s versos do poema “Le livre est sur la table” foram extraídos do volume Some Trees, de John Ashbery, Copyright © 1956 da Yale University Press, e publicado pela Yale University Press, New Haven, 1956.
< )s versos do poema “Fragment” foram extraídos do volume Fragment: /'oem , de John Ashbeiy, Copyright © 1966 de John Ashbery, e publicado por Black Sparrow Press, Los Angeles, 1969-
( )s versos do poema “Soonest Mended”, de John Ashbery, foram extraídos do volume The Double Dream o f Spring, Copyright © 1970 de John Ashbery, e publicado por E. P Dutton & Co., Inc., Nova York, 1970.
( ) trecho do ensaio “Freud e o Futuro” foi extraído do volume Essays o f Three Decades, de Thomas Mann, traduzido para o inglês por H. T. I.owe-Porter, Copyright © 1947 de Alfred A. Knopf, Inc., e publicado por Allred A. Knopf, Inc., Nova York, 1968.
< )s versos da poesia de Wallace Stevens foram extraídos do volume The I’alm and the End o f the Mind, editado por Holly Stevens, Copyright ©1971 de Holly Stevens, e publicado por Alfred A. Knopf, Inc., Nova York, 1971.
< )s trechos das cartas de Wallace Stevens foram extraídos do volume I.etters o f Wallace Stevens, editado por Holly Stevens, Copyright © 1966 de Holly Stevens, e publicado por Alfred A. Knopf, Inc., Nova York, 1966.
< )s versos da poesia de Theodore Roethke foram extraídos do volume The Collected Poems o f Theodore Roethke, Copyright © 1966 de Beatrice Roethke, e publicado por Doubleday and Company, Inc., Garden City, NX 1966.
Paru William K. Wimsatt
S U M Á R I O
prefá c to A Angústia da Contam inação 11
p r ó l o g o Era um Grande Espantoque Estivessem no Pai sem Conhecê-Lo 5 3
in t r o d u ç ã o Meditação sobre uma Prioridade,e uma Sinopse 55
1 Clinamen ou Apropriação Poética 69
2 Tessera ou C om pletudee Antítese 97
3 Kenosis ou Repetição e D escontinuidade 125
in t e r c a p ít u l o Manifesto pela Crítica Antitética 141
4 D aem onização ou o Contra-Sublime 147
5 Askesis ou Purgação e Solipsism o 163
6 Apophrades ou o Retorno dos Mortos 189
e p íl o g o Reflexões sobre a Via 207
P R E F Á C I O
A Angústia da Contaminação *
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A maior parte do prim eiro rascunho do que veio a ser A ansiedade da influência foi escrita no verão de 1967. Revisado nos cinco anos seguintes, o livrinho saiu publicado em janeiro de 1973. Durante mais de vinte anos, eu tenho me divertido com a sua recepção, que continua ambivalente. Em vez de tentar uma explicação, este novo prefácio proc-ura esclarecer e ampliar m inha visão do processo de influência, ainda um terreno obscuro na maioria das áreas, seja nas grandes artes, nas disciplinas intelectuais ou na esfera pública. Heidegger, a quem dedico cordial antipatia, estabeleceu-m e apesar disso um exem plo quando disse que é necessário pensar uma idéia, e apenas uma, e pensá-la até o fim. Não há fim para a “influência”, palavra que Shakespeare usou em dois sentidos diferentes mas relacionados. Pouco antes da segunda entrada do Espectro, na
* Neste novo prefácio, Harold Bloom usa a palavra anguish , ao contrário do que faz em todo o livro, a partir do título, onde usa anxiety. — N. T.
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prim eira cena de H am let , o erudito Horatio evoca o m undo de Jú lio César de Shakespeare, onde:
Pouco antes de tombar o poderosíssimo Júlio,As tumbas estavam desabitadas e os cadáveres amortalhados Guinchavam e balbuciavam nas ruas de Roma.Como estrelas com caudas de fogo, e orvalhos de sangue, Desastres no sol; e a úmida estrela Na qual está a influência do império de Netuno Sofria cie eclipse até quase o Juízo Final. *
Shakespeare pode estar-se lem brando de dois anos antes, de 1598, quando trabalhava na última batalha de Falstaff em H en riq u e IV, Parte D ois , num a Inglaterra m uito perturbada pela m elancolia de um eclipse solar e dois lunares, levando a prognósticos de Juízo Final em 1600. Hamlet, e não o Juízo Final, marcou aquele ano para ele, mas Horatio, mais rom ano antigo que dinamarquês, ainda medita sobre os “desastres no so l”, lem brando-nos a teoria estelar da influência sobre os nascidos sob uma má estrela, e o influxo da lua (a úmida estrela) sobre as ondas. O fluxo dos astros sobre nossos destinos e personalidades é o sentido prim eiro de “influência”, um sentido que se torna pessoal entre as personagens shakes- peareianas. Shakespeare tam bém usa a palavra “influência” com o “inspiração”, nos sonetos e nas peças. O soneto que me influenciou em A a n sied a d e d a in flu ên cia e sua seqüência, A M ap o f M isreading [Mapa da má leitura], eu deliberadam ente deixei de citar nos dois livros:
Adeus, és preciosa demais para minha posse,E muito provavelmente sabes o que vales;
A little ere the mightiestJulius fell, / The graves stood tenantless a n d the sheeted d e a d /D id squeak a n d gibber in the Roman streets. /As stars with trains o f
fire , a n d dews o f blood, /Disasters in the sun; a n d the moist star /U pon whose influence N eptune’s em pire stands / Was sick almost to doom sday with eclipse.
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A carta de tua superioridade dá-te liberdade;Meus direitos em ti estão todos determinados.Pois como te tenho senão por tua concessão,E por tais riquezas onde está meu mérito?Falta-me a causa dessa bela dádiva,E por isso meu direito mais uma vez para trás se desvia.Tu mesma te deste, teu próprio valor então ignorando,Ou a mim, a quem o deste, ou por engano,Assim tua grande dádiva, com a apropriação aumentando, Torna a voltar-te, por melhor julgamento.
Assim eu te tive como um sonho nos lisonjeia:No sono um rei, mas ao despertar nada disso.*
“Se desvia” e “apropriação” dependem do “por engano” com o uma irônica superestim a e superestim ação, neste Soneto 87. Se Shakespeare lam enta pesaroso, com certa reserva polida, a perda do Conde de Southam pton com o amante, ou patrono, ou amigo, não é (felizm ente) uma questão sobre a qual se possa ter certeza. Palpável e profundam ente um poem a erótico, o Soneto 87 (não intencionalm ente) tam bém pode ser lido com o uma alegoria da relação de qualquer escritor (ou pessoa) com a tradição, sobretudo a encarnada num a figura tom ada com o nosso próprio precursor. O orador do Soneto 87 sabe que lhe fizeram uma oferta que não pode recusar, o que é uma som bria intuição da natureza da autêntica tradição. “Apropriação” [misprision , apropriação indébita], para Shakespeare,
* Farewell, thou a rt too d e a rfo r my possessing, /A n d like enough thou know'st thy estimate; / The charter o f thy worth gives thee releasing; /M y bonds in thee a re all determ inate. /F o r how do I hold thee but by thy granting, /A n d fo r that riches w here is my deserving? / The cause o f this fa i r gift in m e is wanting, / A nd so my patent back again is swerving. / Thyself thou g a v ’st, thy own worth then not knowing, / Or me, to whom thou g a v ’st it, else mistaking, / So thy great gift, upon misprision growing, / Comes hom e again, on better judgm ent making. / Thus have I h a d thee as a dream does flatter: / In sleep a king, but w aking no such matter.
Em inglês, o(a) destinatário(a) desses versos não tem gênero, mas como um leitor anglófono comum, sem a informação ou especulação que vem a seguir, suporia tratar-se de uma mulher, o tradutor optou pelo feminino. — N. T.
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em oposição a “por engano”, sugeria não apenas um equívoco ou má leitura, mas tendia tam bém a ser um jo g o de palavras sugerindo prisão injusta. Talvez “apropriação”, em Shakespeare, tam bém signifique uma desdenhosa subestim ação: num sentido ou noutro, ele tom ou o term o legal e deu-lhe uma aura de deliberada ou voluntária má interpretação. “Se desvia”, no Soneto 87, só secundariam ente é um retorno; prim ariam ente, indica uma infeliz liberdade.
Excluí Shakespeare de A ansiedade da influência e sua seqüência imediata porque não estava preparado para m editar sobre Shakespeare e originalidade. Não se pode resolver a questão da influência sem levar em conta o mais influente de todos os autores nos últimos quatro séculos. As vezes desconfio de que na verdade não nos ouvimos uns aos outros porque os amigos e amantes de Shakespeare jam ais ouvem o que os outros estão dizendo, o que faz parte da irônica verdade de que Shakespeare em grande parte nos inventou. A invenção do hum ano, com o o conhecem os, é um m odo de influência que ultrapassa de longe qualquer coisa literária. Não posso m elhorar a versão que Em erson deu a esse influxo. “Shakespeare; Or, the Poet”, em Representative Men [“Shakespeare; Ou o Poeta”, em H om ens representativos] (1850), continua sendo único em sua exata avaliação da centralidade do poeta, então e agora:
Shakespeare está tão fora da categoria de autores eminentes quanto da multidão. É inconcebivelmente sábio: os outros, con- cebivelmente. O bom leitor pode, por assim dizer, aninhar-se no cérebro de Platão, e dali pensar; mas não no de Shakespeare. Ainda estamos ao relento. No dom da execução, na criação, Shakespeare é único. Ninguém pode imaginá-la melhor. Ele foi o que mais longe foi na sutileza compatível com um eu individual — o mais sutil dos autores, e quase além da possibilidade de autoria. Com essa sabedoria de vida, está o igual dom de força imaginativa e lírica. Ele revestiu as criaturas de sua lenda com forma e sentimentos, como se fossem pessoas que houvessem vivido debaixo de seu teto; e poucos homens reais deixaram per
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sonagens tão distintas quanto essas ficções. E falavam numa linguagem tão gostosa quanto apropriada. Contudo, seus talentos jamais o seduziram à ostentação, nem bordejou ele numa corda só. Uma onipresente humanidade coordena todos os seus talentos. Dêem a um homem de talento uma história para contar, que sua parcialidade acabará por aparecer. Ele possui certas observações, opiniões, tópicos, que têm algum destaque acidental, e que ele expõe todos à exibição. Empanturra um papel teatral, e deixa outro à míngua, consultando não a adequação da coisa, mas sua própria adequação e força. Shakespeare, porém, não tem parcialidade, nem tópico importuno; tudo é devidamente distribuído; não há tendências, curiosidades: não há pintor de vacas, amante de pássaros, nem é ele maneirista: não tem egoísmo que se possa descobrir: os grandes, conta-os com grandeza; os pequenos, com submissão. É sábio sem ênfase nem asserção; é forte, como o é a natureza, que eleva sem esforço a terra em encostas de montanhas, segundo a mesma regra com que faz flutuar uma bolha no ar, e gosta tanto de fazer uma coisa quanto outra. Isso faz aquela igualdade de força na farsa, tragédia, narrativa e nos cantos de amor; um mérito tão incessante que cada leitor fica incrédulo sobre a percepção de outros leitores.
‘Ainda estam os ao relen to” é a frase crucial aqui, quando Em erson astutam ente nos lem bra da etim ologia da palavra “estrangeiro”, que em Shakespeare significa alguém que “não pertence à nossa família”, daí ao relento. Não consigo pensar, neste mau instante, num a m elhor m aneira de ver Shakespeare, uma vez que toda a corrente de nossa atual Escola do Ressentim ento visa a erradicar a unicidade dele. Neomarxistas, neofe- ministas, neo-historicistas, teóricos influenciados pelos franceses, todos dem onstram seu m aterialismo cultural dando-nos um Shakespeare m enor, puro produto das “energias sociais” do Renascim ento inglês. Minha piada favorita a esse respeito é acrescentar a Lacan, o “Freud francês”, e Derrida, o “Joyce francês”, o triunfo últim o da chamada “teoria”: Foucault, o “Shakespeare francês”. Os franceses jamais valorizaram a originalidade, e até a chegada de um tardio rom antism o à França,
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jamais gostaram m uito das peças de Shakespeare. Ainda o apreciam um tanto m enos que os indonésios, os japoneses ou os am ericanos. Os verdadeiros multiculturalistas, em todo o globo, aceitam -no com o um autor indispensável, diferente de todos os outros em grau, e por uma tão larga margem que chega a ser de uma espécie diferente. Shakespeare, com o afirmei à exaustão em outra parte, muito sim plesm ente não é apenas o cânone ocidental; é tam bém o cânone mundial. O fato de seu apelo ser igual para as platéias de todos os continentes, raças e línguas (sem pre excluindo os franceses), parece-m e uma absoluta refutação de nossas atuais opiniões da moda, predom inantes sobretudo na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, que insistem num Shakespeare culturalm ente preso peLa história e a sociedade. Com o concluiu corretam ente Em erson, nenhum contexto, nem m esm o o teatral, o limita:
Alguns críticos capazes e que sabem avaliar julgam que não tem valor qualquer crítica a Shakespeare que não repouse puramente no mérito dramático: que ele é falsamente julgado como poeta e filósofo. Eu faço um conceito tão alto quanto o desses críticos desse mérito dramático, mas ainda o julgo secundário. Shakespeare foi um homem total, que gostava de falar; um cérebro a exalar idéias e imagens, que, em busca de vazão, a primeira coisa que encontrou foi o drama. Se houvesse sido menos, teríamos de considerar como preencheu bem seu lugar, com o foi um bom dramaturgo — e é o melhor do mundo. Mas acontece que o que tem a dizer tem aquele peso que retira certa atenção do veículo; e ele é como um santo cuja história tem de ser contada em todas as línguas, em verso e prosa, músicas e quadros, e recortada em provérbios; de modo que a ocasião que deu ao significado do santo a forma de uma conversa, de uma prece ou de um código de leis não tem importância, comparada com a universalidade de sua aplicação. O mesmo acontece com Shakespeare e seu livro da vida. Ele escreveu as árias para toda a nossa música moderna; escreveu o texto da vida moderna; o texto das maneiras; desenhou o homem da Inglaterra e da Europa; o pai do homem nos Estados Unidos: desenhou o homem, e descreveu o dia, e o que
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nele se faz: leu o coração dos homens e mulheres, sua probidade, e suas segundas intenções, e artimanhas; as artimanhas da inocência, e as transições pelas quais as virtudes e vícios resvalam para seus contrários; podia dividir a parte do pai da parte da mãe no rosto do filho, ou traçar as sutis demarcações da liberdade e do destino: conhecia as leis da repressão que fazem a polícia da natureza: e tinha na mente todas as doçuras e terrores do fado humano, tão verdadeira mas tão suavemente quanto a paisagem no olho. E a importância dessa sabedoria de vida afunda a forma, como do Drama ou Épico, fazendo-a desaparecer. É como criar um caso sobre o papel em que está escrita uma mensagem do rei.
“Ele escreveu o texto da vida m oderna” é o coração desta matéria: Shakespeare nos inventou, e continua a conter-nos em si. Estamos hoje num a era da chamada “crítica cultural”, que desvaloriza toda literatura de imaginação, e que degrada e rebaixa particularm ente Shakespeare. A politização do estudo literário destruiu o estudo literário, e ainda pode destruir a própria cultura erudita. Shakespeare influenciou o mundo muito mais do que o m undo inicialm ente o influenciou. As crenças com uns de todos os ressentidos é de que o poder do Estado é tudo e a subjetividade individual nada, m esm o que essa subjetividade pertença a William Shakespeare. Assustados por sua ordem social irracional, os dramaturgos renascentistas ingleses, nessa versão, ou se tornaram burocratas ou subversivos, ou uma mistura das duas coisas, colhidos na ironia de que m esm o suas subversões textuais ajudaram a promover o poder do Estado, um poder um tanto surpreendentem ente tido com o dependente da teatralidade. Retorno a Em erson em busca de um antídoto para todo esse tráfico de poder. Quem escreveu o texto da vida m oderna, Shakespeare ou o establishm ent elisabetano-jacobeu? Quem inventou o hum ano, com o o conhecem os, Shakespeare ou a corte e seus ministros? Q uem influenciou mais o texto real de Shakespeare, William Cecil, Lorde Burghley, Prim eiro-Secretário de Sua Majestade, ou Christopher Marlowe? O que antes chamávamos de “lite-
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ratura de im aginação” é indistinguível de influência literária, e só tem com o poder do Estado uma relação não essencial. Se querem os que quaisquer padrões de julgam ento sobrevivam ao nosso atual reducionism o cultural, precisam os reafirmar que a grande literatura é exatam ente isso, uma realização estética, e não propaganda do Estado, m esm o que a literatura possa ser usada, e certam ente vá ser usada, para servir ao interesse de um Estado, de uma classe social, de um a religião, de hom ens contra m ulheres, brancos contra pretos, ocidentais contra orientais. Eu não conheço com édia contem porânea mais melancólica, na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos, que as pretensões revolucionárias de nossos acadêmicos, que se convencem de que falam pelos insultados e m achucados do mundo negando a primazia estética de Shakespeare, ou insistindo em que qualquer tipo de em inência estética é m eram ente uma mistificação capitalista. Nossos Trinculos e Stephanos vieram, dizem, para libertar Calibã da servidão de Próspero. Também aqui Shakespeare os antecipou, e nos ensina que o fato que causa ressentim ento aos ressentidos não é o pod er do Estado, mas o poder de Shakespeare, o poder da invenção. Incapazes de serem Nietzsche, que fez deles todos retardatários, nossos ressentidos não desejam sim plesm ente reproclam ar a Morte de Deus, e portanto se voltam, em vez disso, para proclam ar o que só se pode cham ar de a M orte de Shakespeare.
Coleridge falou dos homens e mulheres eternos, os escritores canônicos, uma maneira arcaicíssima de falar nesta era atual, quando se ensina aos alunos a desprezar os Homens Brancos Europeus, ou mais uma vez, muito simplesmente, William Shakespeare. A verdade maior da influência literária é que é uma ansiedade irresistível: Shakespeare não nos deixará enterrá-lo, nem escapar dele, nem substituí-lo. Quase todos nós internalizamos com pletam ente a força de suas peças, muitas vezes sem as termos visto ou lido. Quando o poeta alemão Stephan Georg chamou A d ivina comédia de “Livro e Escola das
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liras”, falava apenas da educação de grandes poetas. Todos nós aprendemos inevitavelmente que as peças de Shakespeare é que constituem o Livro e Escola das Eras. Não falo com o humanista essencialista, o que não pretendo ser, nem com o teórico crítico, que também não é meu papel. Como teórico da influência poética, sou um ansioso partilhador de Shakespeare, inevitável papel de todos nós, que tardiamente seguimos a criação, por ele, de nossas mentes e espíritos. Não se pode pensar na literatura, quer dizer Shakespeare, em termos apenas de conhecim ento, com o se todas as suas metáforas só se referissem ao saber. Seus difundidos termos são metáforas do querer, e assim entram no domínio da mentira. A maioria de nossas com preensões da vontade é dele, por assim dizer, porque Shakespeare inventou o domínio das metáforas do querer que Freud chamou de impulsos de Amor e Morte.
Nossa verdadeira relação com Shakespeare é que é vão teorizá-lo ou politizá-lo, porque som os m onum entalm ente superinfluenciados por ele. Nenhum escritor forte desde Shakespeare pode evitar sua influência, mais uma vez excluindo os recalcitrantes franceses, que na certa não aceitarão sequer o dramaturgo encolhido ou pigmeu que eu cham ei de “Shakespeare francês”. Frank Kerm ode fala da “fantástica gama de possibilidades” exploradas pelas tragédias de Shakespeare, e isso me parece exatam ente correto . Quem pode se defender, se seu eu tem quaisquer possibilidades literárias que sejam , do que é de fato uma fantástica gama de possibilidades, m aior do que qualquer um de nós individualm ente pode esperar apreender. Os ressentidos da literatura canônica são nada mais nada m enos que negadores de Shakespeare. Não são re volucionários sociais e nem m esm o rebeldes culturais. São sofredores das angústias da influência de Shakespeare.
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Oscar Wilde observou, de maneira sublime, que “toda má poesia é sincera”. Sem dúvida seria errado dizer que toda grande poesia é insincera, mas claro que toda ela necessariam ente conta m entiras, ficções essenciais à arte literária. A literatura autêntica, grande, depende do tropo, um desvio não só do literal, mas de tropos anteriores. Com o a crítica, que ou faz parte da literatura ou não é absolutam ente nada, o grande texto está sem pre em ação, com toda força (ou fraqueza), lendo errado textos anteriores. Q ualquer posição que alguém assuma em relação a uma obra m etafórica será, ela própria, metafórica. Minha proveitosa (para mim) briga de décadas com Paul de Man, um a inteligência radiosa, acabou centrando-se apenas na afirmação feita na frase anterior. Ele insistia em que uma posição epistem ológica em relação a uma obra literária era a única saída do labirinto tropológico, enquanto eu respondia que uma tal posição não era mais nem m enos um tropo que qualquer outro. A ironia, em seu sentido principal de alegoria, dizendo uma coisa mas sugerindo outra, é o tropo dos tropos epistem ológico, e para de Man constituía a própria condição da linguagem literária, produzindo aquela “perm anente para- base de significado” estudada pelos desconstrucionistas.
Quando é Shakespeare sincero? Essa pergunta absurda nos devolve à curiosa ficção de que Shakespeare e a natureza são em toda parte a m esm a coisa. Eu próprio fui vítima dessa ficção quando neguei, neste livro, que Shakespeare tenha sofrido algum dia qualquer angústia de influência em relação ao seu principal precursor rival ovidiano, Christopher Marlowe, apenas uns dois meses mais jovem que ele, mas o dramaturgo predom inante de Londres de 1587 até sua m orte violenta em 1593, aos vinte e nove anos. Em 1587, Shakespeare viajou de Stratford para Londres, e talvez tenha com eçado com o aprendiz de tipógrafo. Isso pode ter-lhe causado uma aversão à leitura de provas tipográficas (com o fiz esse trabalho na juven-
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lude, tenho sido, em conseqüência, um pavoroso leitor de minhas próprias provas). Certam ente ele parece jamais haver lido provas m esm o de quartos “autorizados”, a não ser Vénus e Adônis e O rapto d e Lucrecia, as duas dedicadas ao seu patrono (alguns acham que também amante), o Conde de Southam pton. Após ser aprendiz de tipógrafo, talvez tenha com eçado no teatro com o auxiliar de ponto, e prosseguiu tornando-se ator, antes de escrever para o palco. Marlowe, em bora com o Shakespeare filho de um artesão, teve educação universitária, e sem dúvida desprezava a carreira de ator, profissão socialm ente ambígua naquela época.
Ben Jon so n , o outro grande dramaturgo da era de Marlowe e Shakespeare, abandonou a atuação depois de estabelecido, mas Shakespeare certam ente não, em bora tenham os apenas informação limitada sobre sua carreira de ator. Nem palhaço, nem herói, nem vilão em suas peças, parece ter sido respeitado com o o que hoje, um tanto curiosam ente, cham amos de “ator característico”. Sabemos que fez o Espectro em Ham let, um duplo natural. Talvez tenha deixado de atuar quando com pletou quarenta anos, mais ou m enos na época em que escreveu Uma m ed id a p o r outra e Otelo. O admirável Shakespeare the Actor a n d the Purpose o f Playing [Shakespeare ator e o sentido da atuação] (1993), de Meredith Anne Skura, centra-se na consciência que têm as peças do orgulho e degradação de ser ator, uma franca e narcisística ambivalência que talvez não fosse inteiram ente do próprio Shakespeare, mas que parece crucial para a sua arte. Christopher Marlowe foi sem dúvida crucial para a arte de Shakespeare, desde a tetralo- gia inicial das três partes de H enrique VI e Ricardo III (1589-93) a Titus A ndronicus (1594), até ele superar o E duardo II de Marlowe em Ricardo II (1595), dois anos depois de este ser assassinado num a briga de taverna, provavelmente por ordens do governo, ao qual servira com o o que hoje chamamos de agente de inteligência.
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Dificilm ente é possível que os dois não se conhecessem em pessoa, pois partilharam quatro anos de rivalidade escrevendo para o palco londrino. Shakespeare, m uito mais im pressionante nas primeiras com édias que nas primeiras histórias ou na prim eira tragédia, emergiu num reino estético sublim em ente além do de Marlowe quando com eçou a m odelar os grandes papéis que nada devem às soberbas caricaturas de Marlowe, com o Tamburlaine, e Barabas, herói-vilão de O ju d eu de M alta. Ricardo II e o M ouro Aarão, em Titus Andronicus , são com pletam ente marlowianos. Ricardo III fica em algum ponto entre o Eduardo II de Marlowe e Hamlet; mas Ju lieta e Mercutio, Bottom e Puck, Shylock e Falstaff com eçaram a fazer Marlowe parecer rudimentar. Comparado com o Shakespeare maduro, Marlowe ainda é um poeta extraordinário, mas absolutam ente não um dramaturgo. Dizer porém , com o eu disse neste livro, que Shakespeare engoliu Marlowe com o uma baleia engole um peixinho, foi ignorar o extraordinário caso de indigestão que Marlowe causou na Moby-Dick de todos os dramaturgos. Marlowe jamais se desenvolveu, e jamais se teria desenvolvido, mesmo que houvesse chegado aos trinta. Shakespeare era um desenvolvedor extravagante, fazendo experiências até o fim. A Bíblia e Chaucer ensinaram-lhe alguns de seus segredos na representação de seres hum anos, enquanto Marlowe tinha pouco interesse pelo que o dr. Jo h n so n ia chamar de “apenas representações de natureza geral”. E no entanto Marlowe obcecava Shakespeare, que parodiava defensivam ente seu precursor, decidindo ao mesmo tem po que o autor de O ju d e u de M alta ia se tornar para ele, basicam ente, o cam inho a não seguir, na vida ou na arte. Deve ter sabido, porém , que Marlowe em ancipara o teatro das morais e m oralizações escancaradas, e abrira o cam inho para agradar enorm es platéias, que não buscavam tornar-se m elhores ou mais sábias assistindo a um a peça. Russell Fraser, em seu Young Shakespeare [O jovem Shakespeare] (1988), diz corretam ente que, com Marlowe, “com eça a história de Shakespeare”, e acrescenta
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que Rei João , de Shakespeare, é demasiado ferido por Marlowe para ser um sucesso, o que pode ser verdade. Titus An- dronicus, eu só consigo 1er com o uma deliberada paródia do amigo de Marlowe, Thom as Kyd, e do próprio Marlowe, mas a maioria dos estudiosos de Shakespeare pensa diferente. Contudo, que é o M ouro Aarão senão uma m onstruosa ampliação do Barabas de Marlowe? Mesmo Shylock, apesar do equívoco anti-semitismo de Shakespeare, é uma forma de reação ao caricato judeu de Malta de Marlowe, que dificilmente podia dizer: “Se nos furarés, não sangramos nós?”, da mesma form a com o Shylock não gritaria “Às vezes eu saio por aí envenenando poços”.
Eu jamais quis dizer, com “a angústia da influência”, uma freudiana rivalidade edipiana, apesar de um ou dois floreios retóricos neste livro. Uma leitura shakespeariana de Freud, que eu prefiro a uma leitura freudiana de Shakespeare ou qualquer outro, revela que Freud sofria de com plexo de Hamlet (verdadeiro nom e do Com plexo de Edipo), ou angústia de influência em relação a Shakespeare. Como afirmei isso um tanto extensam ente num livro recente (O cânone ocidental), pouco preciso falar a respeito aqui, a não ser para voltar a murmurar com o A angústia da influência foi e continua sendo mal interpretado, de uma m aneira m edíocre. Qualquer leitor capaz deste livro, o que significa qualquer um com alguma sensibilidade literária e que não seja com issário nem ideólogo, de esquerda ou direita, verá que influência-angústia não se refere tanto aos precursores quanto é uma angústia realizada no e pelo conto, rom ance, peça, poem a ou ensaio. A angústia pode ou não ser internalizada pelo escritor que vem depois, dependendo de tem peram ento e circunstâncias, mas isso dificilm ente importa: o poem a forte é a angústia realizada. “Influência” é uma metáfora, que implica uma matriz de relacionam entos — imagísticos, temporais, espirituais, psicológicos — todos em última análise de natureza defensiva. O que mais importa (e é a questão central deste livro) é que a angústia da influência
resulta de um com plexo ato de forte má leitura, uma interpretação criativa que eu cham o de “apropriação poética”. O que os escritores podem sentir com o angustia, e o que suas obras são obrigadas a manifestar, são as conseqüências da apropriação poética, mais que a sua causa. A forte má leitura vem prim eiro; tem de haver um profundo ato de leitura que é uma espécie de paixão por uma obra literária. É provável que essa leitura seja idiossincrática, e quase certo cjue seja ambivalente, em bora a ambivalência possa estar velada. Sem a leitura de Shakespeare, Milton e Wordsworth por Keats, não poderíam os ter as odes, sonetos e os dois Hyperions de Keats. Sem a leitura de Keats por Tennyson, quase não teríam os Tennyson. Wallace Stevens, hostil a todas as sugestões de que devia alguma coisa às suas leituras de poetas precursores, não nos teria deixado nada de valor não fosse por Walt Whitman, a quem ele às vezes m enosprezava, quase nunca imitou abertam ente, mas m isteriosam ente ressuscitou:
Suspira por mim, vento da noite, nas ruidosas folhas do carvalho.Estou cansado. Dorme por mim, céu sobre a colina.Grita por mim, cada vez mais alto, alegre sol, quando te
levantares.*
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III
De formas que não precisam ser doutrinárias, os poem as fortes são sem pre presságios de ressurreição. O m orto pode ou não retornar, mas sua voz ganha vida, paradoxalm ente nunca pela mera imitação, e sim na agónica apropriação com etida contra poderosos precursores apenas pelos seus sucessores mais talentosos. Ibsen detestava, mais talvez que qualquer outro, a
* Sigh fo r me, night-wind, in the noisy leaves o f the oak. / / am tired. Sleep fo r me, heaven over the hill. / Shout f o r me, loudly a n d loudly, joyfu l sun, when y ou rise.
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influência, sobretudo porque seu autêntico precursor foi Shakespeare, muito mais que Goethe. Esse horror à contam inação por Shakespeare felizmente encontrou sua m elhor expressão ibseniana nas múltiplas formas que o dramaturgo norueguês descobriu para fugir de Shakespeare. A sra. Alving, em Espectros, parece a princípio nada ter de shakespeariano, mas sua extraordinária capacidade de transformar-se por vontade própria não é nada senão shakespeariana, pois depende de um m odo shakespeariano e m uito sutil de passar ao prim eiro plano. Hedda Gabler, tanto quanto Svidrigailov e Stavrogin, de Dostoiévski, encontra seus ancestrais nos niilistas pioneiros lago e Edmundo, este de Rei Lear. Ainda embriagado pelos poetas do alto rom antism o quando escrevi A angústia d a influ ên cia , tentei restringir o fenôm eno da apropriação criativa aos escritores pós-iluministas, uma falsa ênfase que corrigi em A Map o f M isreading e livros posteriores. A ironia de uma época não pode ser a de outra, mas as influências-angústias estão embutidas na base agonística de toda literatura de criação. O agon, ou luta pela suprem acia estética, era bastante franco na literatura grega antiga, mas tem sido mais uma diferença de grau que de espécie entre diferentes culturas. A luta de Platão com H om ero é o agon central da literatura ocidental, mas há muitas lutas rivais, chegando até aos m atches paródicos entre Hemingway e seus precursores, e dos seguidores de Hemingway com o mestre.
Chegar atrasado, em term os culturais, jamais é aceitável para um grande escritor, em bora Borges fizesse carreira explorando sua secundaridade. O atraso não me parece de modo algum uma condição histórica, mas uma condição que pertence à situação cultural com o tal. Historicistas ressentidos de vários credos — derivando de Marx, Foucault e do feminismo político — hoje estudam a literatura essencialm ente com o história social periférica. O que se jogou fora foi a solidão do leitor, uma subjetividade rejeitada porque, supõe-se, não possui “existência social”. Tony Kushner, dramaturgo de Angels in
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Am erica [Anjos no América], atribui generosam ente sua autoria a muitos outros, uma curiosa iiteralização da postura pla- giária de Brecht. Por mais peculiar que isso seja, é a própria clareza em com paração com o “Shakespeare francês” que hoje dom ina os arruinados estilhaços do m undo acadêm ico americano. Desapareceu a solidão de Shakespeare, substituída por um dramaturgo cuja obra, supõe-se, derrubou os sistemas de poder do m undo renascentista, baseado em classe ou gênero sexual. Essa visão pecu liar e um tanto d esesperada de Shakespeare pretende ser revolucionária, mas pragmáticamente equivale a substituir o texto real dele por contextos altam ente seletivos. Nada sabem os de auténtico sobre as opiniões políticas de Shakespeare, ou de sua religião e perspectiva social, mas o am ontoam ento de contextos estranhos serviu sobretudo para aum entar os ressentim entos dos já ressentidos. Nosso atraso evidentem ente excede o de Shakespeare em mais que os fardos de nossos quatro séculos de história a mais.
A consciência da angústia da influência — nossa, em relação a Shakespeare — pode em parte purificar-nos dos ressentim entos do atraso erudito. A historicização, politização e até a fem inilização de Shakespeare — são, todas, operações redundantes: ele sem pre esteve lá à nossa frente. Não em ancipou ninguém (que saibamos) das estruturas de poder de sua ép oca, e não pode libertar-nos de quaisquer currais da sociedade em nossa miséria atual. Se se garimpa Shakespeare em busca de coisas últimas, sai-se sem nada, e corre-se o perigo de igua- lá-lo a seus soberbos niilistas. Quais são suas energias? Fazia sua relação com Marlowe, além da rivalidade estética, de algum m odo parte das energias sociais da era que partilharam? Eu aventuraria que, m uito mais que qualquer outro escritor desde os sábios pré-socráticos, as energias de Shakespeare de tal m odo fundem retórica, psicologia e cosm ología que não podem os distingui-las umas das outras em suas m aiores peças. São uma só entidade para ele, com o foram para Em pédocles e os sofistas que o seguiram. A crítica puram ente retórica, a redu
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ção psicológica, a perspectiva cosm ológica — nenhum a dessas sozinha pode esperar abranger Shakespeare, ou qualquer outro escritor que com ece a aproximar-se de sua eminência. Mais que qualquer outro autor puramente secular, Shakespeare faz muito mais história do que a história faz Shakespeare. Devolvê-lo à história é uma em presa desanimadora, e em considerável medida uma aventura aistórica. Que é história literária, ou história social, aliás? O perspectivismo, com todas as suas armadilhas, dom ina a “história”, com o indicou com eloqüência Nietzsche em seu ensaio sobre o uso e abuso da história com o vida, um de meus pontos de partida para o que se tornou A angústia da influência.
Em erson, que escolheu seu ensaio “H istória” para abrir Essays: First Series [Ensaios: Prim eira Série], aconselhou- nos, m em oravelm ente, que a biografia é sem pre o m odo prioritário:
Estamos sempre descobrindo os fatos enfáticos da história em nossa experiência privada, e conferindo-os nela. Toda história se torna subjetiva; em outras palavras, não há propriamente história; só biografia. Cada mente deve saber toda a lição por si mesma — deve repassar tudo. O que não vê, o que não vive, não saberá. O que a era anterior epitomizou numa fórmula ou regra, por conveniência manipuladora, ela perderá toda a vantagem de verificar por si mesma, por causa da barreira dessa regra. Em algum lugar, em algum tempo, exigirá e obterá compensação por essa perda fazendo ela própria o trabalho.
A crítica biográfica, há muito fora de moda, dificilmente funciona para Shakespeare, sobre quem conhecem os apenas fatos externos, a não ser pelos Sonetos, onde jamais podem os saber o que é formal e o que não é. Mas uma boa biografia dele, com o a de Russell Fraser, é preferível a qualquer historicismo, porque ao m enos estam os sozinhos com Shakespeare e Fraser, em vez de ouvirmos propaganda de uma seita ou conventilho acadêmico. M elhor ainda é o único bom rom ance escrito sobre
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Shakespeare, o joyciano Nothing Like the Sun [Nada parecido com o so l], de Anthony Burgess, onde som os devolvidos à cena da biblioteca em Ulysses, com suas fecundas especulações sobre a relação de Shakespeare com Hamlet. Joyce, Burgess e Fraser, em suas maneiras diferentes, admitem a contingência que Shakespeare nos im põe, que é que som os tão influenciados p or ele que não podem os sair dele. A crítica necessariam ente fracassa quando se ilude na presunção de não ver que continuam os enceri'ados por Shakespeare. Os únicos instrum entos com os quais podem os examiná-lo foram inventados ou aperfeiçoados por ele próprio. W ittgenstein, que detestava Shakespeare, tentou defender a filosofia da m elhor m ente que podem os conhecer insistindo em que ele foi um “criador de linguagem ”. Estaria mais perto da verdade dizer que Falstaff, H am let e lago são criadores de linguagem , enquanto Shakespeare, por meio deles, nos criou a nós. A linguagem, apesar de Heidegger e seu rebanho francês, não pensa por Shakespeare, que mais que qualquer outro escritor, ou qualquer outra pessoa que conheçam os, pensou com pletam ente tudo de novo por si mesmo. Shakespeare não pensou uma idéia e só uma; um tanto escandalosam ente, pensou todas as idéias, por todos nós. Não se trata de uma nova bardolatria, nem se pode fazer hipérbole quando buscamos avaliar a influência de Shakespeare nos quatro séculos desde a sua morte. Sem dúvida ele, no fundo sem pre ator, concebeu cada parte que um dia escreveu com o um papel para um ator específico, mas é um a fuga enca- rá-los hoje com o apenas papéis, uma vez que se tornaram papéis para nós , sejam os atores ou não. Q uando nascem os, choram os por termos chegado a este grande palco de bobos. Lear ecoa a Sabedoria de Salomão, mas a bíblica autoridade do pronunciam ento é de Shakespeare, não da Bíblia. Som os bobos do tem po a cam inho do território não descoberto, mais que filhos de Deus retornando ao paraíso. A questão não é crença, mas nossa natureza hum ana, tão in tensificada p or Shakespeare que se torna invenção dele. Como podem os historiei-
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zar Shakespeare se som os filhos dele, que m apeou nossas origens e horizontes em sua dicção, em seu espantoso vocabulário de cerca de 22 mil palavras distintas?
IV
Dizer que Shakespeare e influência poética são quase a mesma coisa não é muito diferente de observar que Shakespeare é o cânone literário ocidental. Alguns diriam que “valor estético” é uma invenção de Kant, mas pragm áticam ente é a suprem acia estética de Shakespeare que superdeterm ina nosso julgam ento de valor literário. No soberbo ensaio “Da poesia em geral”, de Hazlitt, há cerca de vinte citações de Shakespeare, mas m esm o Hazlitt talvez não tenha tido consciência de com o sua cognição se tornara shakespeariana:
Vemos a coisa nós mesmos, e mostramo-la a outros como a sentimos existir, e como, apesar de nós mesmos, somos obrigados a pensar nela. A imaginação, corporificando-os e transform ando-os desse modo em formas, dá um óbvio alívio aos indistintos e importunos anseios da vontade. — Não desejamos que a coisa seja assim; mas que apareça como é. Pois conhecimento é poder consciente; e a mente não mais é, neste caso, boba, embora possa ser vítima de vício ou loucura.
“Da poesia em geral” traz duas citações de M acbeth , mas essa peça em particular não é, certam ente, tem a do ensaio de Hazlitt. Ainda assim, o trecho acima se refere não à imaginação em geral, mas à imaginação perigosam ente proléptica de Macbeth, que é alucinatória e domina a consciência dele. Hazlitt pur- ga-se da vontade de Macbeth, através da arte de Shakespeare, que ao m esm o tem po o contam ina e cura. Depois do dr. Jo h n son, não há crítico mais sutil da linguagem que Hazlitt, que no entanto se rende à in fluência de Shakespeare sem saber que o fez.
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O julgamento, e mesmo o gosto, das platéias contemporâneas de Shakespeare dificilmente diferem dos nossos. Hamlet e Falstaff foram seus maiores sucessos então, com o são hoje. Ben Jonson e quase todos os outros dramaturgos do período de 1590 até 1630 queixaram-se amargamente de suas platéias, mas não temos queixas de Shakespeare sobre a recepção que lhe davam, ao contrário do que faz com a maneira com o seus atores o interpretavam. Todos os nossos indícios sugerem que a influência de Shakespeare com eçou quase imediatamente, e prevaleceu todos estes quatro séculos desde que ele morreu. Se algum dia houve uma arte literária universal, é a de Shakespeare, uma arte que para nós se tornou natureza. Se há algum mistério em Shakespeare, está na grande ocupação, por ele, da “natureza” e de toda a arte literária anterior que lhe pareceu útil para seus propósitos. Ovidio, Chaucer e Marlowe fundiram-se no com pósito precursor de Shakespeare, com o entenderam, evidentemente, seus contemporâneos. Também parecem haver entendido que Shakespeare estabeleceu uma nova norma de representação. A palavra “distinto”, com o substantivo referente a uma pessoa ou coisa separada, é muito rara, e pode ter sido inventada por Shakespeare para sua elegia ‘A Fênix e a Tartaruga”.
Assim amaram como o amor em dobro Tinha essência apenas em um,Dois distintos, divisão nenhuma:O número ali no amor foi assassinado.*
Dryden, no prefácio à sua versão “corrigida” de Troilus e Cressida (1679), disse que se deve admitir que Shakespeare “fez suas personagens distintas”, um reconhecim ento exato adotado pelo dr. Jo h n so n no Prefácio à sua ed ição de Shakespeare (1765). Joh n son m elhora Dryden: “Personagens tão
* So they loved as love in twain / H a d the essence but in one, / Two distincts, division none: / N um ber there in love was slain.
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amplas e gerais não eram facilm ente discriminadas e preservadas, mas talvez nenhum poeta tenha mantido suas personagens mais distintas umas das outras”. “D istinto”, aqui, é o cen tro do louvor, e assinala o interminável poder de Shakespeare de influenciar toda representação desde então. Ninguém antes ou depois teve um ouvido, interno e externo, tão apurado, ou variou tanto as vozes de suas personagens, tornando-as tão consistentem ente distintas. Mais uma vez, estam os diante da força das usurpações de Shakespeare, da natureza e da arte. A angústia da influência, com o idéia crítica, não pode enfrentar teste mais severo que a total liberdade de representação de Shakespeare, uma vez que ele refez o herói-vilão de Marlowe num a coisa anos-luz além dos interesses e aspirações de Marlowe. Retorno ao agon de Shakespeare com Marlowe para ver que ilum inação o triunfo do últim o pode trazer a nossa com preensão de sua caracterização “distinta” e do próprio p rocesso de influência poética.
Marlowe está tão longe de representar o caráter ou a personalidade humana que se torna grotesco quando lido em com paração com o Shakespeare maduro. Como o Edmundo de Rei Lear, a quem eu tom o com o o Julgam ento Final de Shakespeare sobre Marlowe, nem este nem seus protagonistas manifestam qualquer coisa que possamos reconhecer com o afeto humano. Com o poeta, Marlowe está mais próxim o de Rimbaud e Hart Crane que de Shakespeare. A retórica ou consciência da palavra substitui a consciência própria, e o m odo norm al torna-se invocação ou fórmula encantatória. A verdadeira surpresa da influência de Marlowe sobre Shakespeare é que tenha durado tanto; ainda está lá em i& iJoão (1594, o mais tardar), mas desaparece quando o Bastardo Faulconbridge conclui seu lam ento por João , e passamos ao m undo de Ricardo II (1595). Durante cerca de seis anos, depois de com por a Primeira Parte de Henrique VI, Shakespeare ficou criativamente obcecado com Marlowe, e essa me parece a mais improvável realidade que encontramos nele. Que era que o fascinava, em seu relacionam ento
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com o mais improvável precursor pelo qual poderia ser en con trado, e que apropriação de Marlowe poderia tê-lo m antido vivo em Shakespeare por tanto tempo? A esmagadora im portância de Marlowe com o o grande inovador formal do teatro elisabetano não está em questão. Seu “poderoso verso”, as “bravas coisas sublunares” de sua exaltada retórica, e a em ancipação, p or ele, do teatro de sua herança teológica e moral, tudo isso tinha de influenciar Shakespeare, com o influenciou até m esm o Ben Jonson. Mas Jon so n não ficou obcecado com Marlowe; Shakespeare ficou, por pelo m enos seis anos, e d epois prestou-lhe um tributo final em Como queiras (1599), a m enos marlowiana ele todas as peças possíveis, com posta seis anos depois do assassinato de Marlowe. Já sugeri que em Rei Lear (1605) Shakespeare lança um sonso e final olhar a Marlowe em Edmundo, o mais sofisticado e frio de todos os seus vilões. Muito depois de exorcizado Marlowe, Shakespeare manteve o recurso básico do herói-vilão, que fora cruam ente m arlowiano em Ricardo IIL, mas é totalm ente não-marlowiano em M acbeth. Sem dúvida a Bíblia, Ovidio e Chaucer foram influências mais profundas e fecundas sobre Shakespeare, o m estre da caracterização, mas só Marlowe lhe inspirou ambivalência e angústia. E impossível que os dois não se hajam conhecido pessoalm ente, sobretudo de 1590 a m aio de 1593 (quando Marlowe foi m orto), anos em que Tam burlaine, O ju d e u d e Malta e Eduardo //e ram encenados em Londres, concorrendo com H enrique VI, Titus A ndronicus e Ricardo III, todas elas obras marlowianas. Não tem os historinhas que liguem os dois, por isso se presum e que não tenham sido amigos íntim os, com o eram Shakespeare e Jonson, ou m esm o bons conhecidos, com o provavelmente foram Shakespeare e George Chapman. Mas o círculo literário de Marlowe — Chapman, Kyd, Nashe — era todo conhecido de Shakespeare; não mais de duas dúzias de dramaturgos abasteciam as com panhias de atores no início da década de 1590. Anthony Burgess, em seu livro póstum o A D ead M an in D eptford [Um m orto em Deptford],
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tentativa de fazer por Marlowe o que fizera por Shakespeare em Nothing Like the S u n , infelizmente cria apenas uma conversa entre Shakespeare e Marlowe, a respeito do meio improvável trabalho conjunto dos dois em H enrique V f Parte Um. Fazer acréscim os a essa criação está fora do meu alcance, mas quero usar nossa evidência intertextual para chegar tão perto da versão poética dessa conversa quanto possível. Marlowe é um dramaturgo agressivo, mas não sutil. Seu “ateísmo” ou “epi- curism o”, segundo a definição dos contem porâneos, é expresso por Tamburlaine e Barabas, de maneiras que achamos equívocas, com o fé ou descrença. Mas o simples ím peto de Marlowe é inequívoco; a primeira parte de Tam burlaine e O ju d eu d e Malta avançam com uma energia implacável, muito difícil de uma platéia (ou um aspirante a dramaturgo) resistir. Shakespeare com o tem po aprendeu a form ar uma peça com um ím peto ainda mais feroz; mais que D outor I'austo, M acbeth é um econôm ico tiro disparado do inferno. Não associamos Shakespeare a qualquer tropo retórico, ao contrário de Marlowe, que é sinônim o de hipérbole. Ele ironiza e restringe seus exageros, enquanto seu m isterioso dom ínio da linguagem, sua extraordinária facilidade de com posição marlowiana, tornam improvável que ficasse encantado apenas com a linguagem de Marlowe. Há sinais de aguda ambivalência mesmo no mais antigo marlowismo de Shakespeare, mas alguma coisa em Marlowe não o soltou antes de 1593, no mínimo.
As falas dos protagonistas de Marlowe são ditas com tal rapidez que sentim os que eles (e Marlowe) têm grande pressa, não necessariam ente de chegar a algum lugar, mas de dom inar-nos com o poder de sua retórica. E o que o poeta A. D. Hope cham ou, seguindo Tamburlaine, de “argum ento das armas”, que diz que a luta pelo poder suprem o é fundamental à poesia e à guerra. As hipérboles de Marlowe fundem a pena e a espada, numa união m enos fálíca do que, em nossa era, tem os probabilidade de supor. As fantasmagorías de poder, o feijão-com-arroz de Marlowe, têm muito pouco a ver com a
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posse sexual, mas catalogam em vez disso o infinito inventário de uma vontade interminável, uma vontade mais que imperial. Esse inventário am ontoa todo tipo de prazeres, num m odo de excitação imitado por Volpone e Sir Epicure Mammon, de Jo n son, mas todos os produtos assim am ontoados juntos, incluindo as m ulheres, são com o troféus de dom inação. O ím peto retórico, em Marlowe, é idêntico à agressividade da guerra, mas isso parece dizer pouco em relação ao mais hiperbólico dos poetas dramaturgos. Mais uma vez, torna-o um inimigo-irmão, um Edmundo para o Edgar de Shakespeare. Se querem os uma explicação para o fato de Marlowe haver perm anecido tanto tem po na obra de Shakespeare, só a podem os encontrar no reino do antitético.
Marlowe era a estrela dos “Cabeças da Universidade” (Lily, Peele, Greene, Lodge, Nashe), socialm ente superiores aos atores-dramaturgos Shakespeare e Jonson. Se acrescentarm os a isso a prioridade de Marlowe sobre Shakespeare em todos os gêneros, com exceção da com édia, Marlowe m uito provavelm ente teria sido um fardo estim ulante para o aprendiz Shakespeare. E apesar de uma tendência peculiar de estudiosos m odernos a cristianizar as peças de Marlowe, Shakespeare deve ter ouvido nelas sua curiosa “religião natural” (para chamá-la assim), que não se reconcilia facilm ente com o cristianism o protestante. Tamburlaine, o flagelo de Deus, cum pre seu ofício em nom e de um semi-Moloch que parece gostar de vastas oferendas de cidades inteiras queimadas com suas p o pulações. Seria absurdo, com base nas trinta e oito peças de Shakespeare, anunciar a postura religiosa do autor, se ja ela pia, cética ou niilista. Mas Shakespeare parece ter um a nítida idéia da religião de Marlowe quando o retrato que dele traçou, o Edm undo de Rei Lear, invoca a Natureza com o sua deusa, e exorta os deuses a apresentar-se com o bastardos. O poder de Edm undo sobre seus joguetes — Edgar e G loucester num m odo, Regan e Goneril no outro — é uma lem brança do extraordinário poder de “patética persuasão” de Tamburlaine,
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não apenas sobre seus seguidores e inimigos, e seu amado Zenocrate, mas sobre as grandes e encantadas platéias de Marlowe. Shakespeare sem dúvida vira Marlowe interpretado, e se admirara com o fenôm eno inteiram ente novo de dois mil ou três mil espectadores em ocionalm ente presos pela bom bástica declam ação das hipérboles de Marlowe pelo ator Alleyn. Uma coisa inesperada entrara na história do palco inglês, e Shakespeare deve ter entendido que as caricaturas falantes de Marlow e e Kyd eram prim eiros passos para um tipo diferente de atuação. As origens são de singular im portância para os escritores fortes. Nenhum grande poeta jamais viajou para tão longe de suas origens quanto Shakespeai'e, e não há mais olhares retrospectivos para Marlowe depois que Edgar mata Edmundo (devemos ver isso com o a ironia de Shakespeare finalm ente liquidando Marlowe?), e passam os para as tragédias e histórias de am or finais.
Marlowe, para Shakespeare, foi basicam ente um a imagem pessoal do poder do dram aturgo sobre a platéia, um p oder apenas incom odam ente aliado à m oral tradicional, aos freios sociais ou às religiões ortodoxas. A liberdade, a liberdade poética do p oeta dram aturgo do que para Marlowe eram expectativas irrelevantes, foi o m aior legado do precursor a Shakespeare. A liberdade de Marlowe era expressa talvez tanto por sua personalidade quanto pela linguagem de suas peças, com conseqüências catastróficas. Shakespeare, na superfície uma das personalidades m enos pitorescas, transm itia sua liberdade de m aneira m uito mais sutil, não apenas na linguagem das peças, mas no pensam ento delas, e nas idéias e em oções das personagens. Perm anece o obstinado problem a de até onde Shakespeare tinha controle de suas lem branças da linguagem de Marlowe. D epois de H enrique VI, uma inflexão irônica quase invariavelm ente condiciona as lem branças marlowianas, e no entanto muitas dessas são m enos alusivas que outra coisa, rep etições talvez, em geral num tom mais sutil. O fascínio por Marlowe perm aneceu; quase se pode cha-
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mar de* sedução por Marlowe. A liberdade de Shakespeare m anifestou-se de m aneira m ultivalente, produzindo os triunfos profundam ente com plexos de Falstaff, Hamlet e lago, cada um deles um cosm o denunciando Tam burlaine, Fausto e Barabas com o caricaturas. Mas que m aior provocação teve Shakespeare para inventar o humano que o poder em ocional de Marlowe com o m ero caricaturista? Talbot, em H en riqu e VI, é apenas urna caricatura, com o o são o Mouro Aarão e Ricardo !lf, mas com o caricaturas tiveram o tipo de sucesso de Marlowe. Monstros e títeres, ganhando linguagem grandiloqüente, previsível, bastaram para em ocionar as platéias tanto quanto as em ocionara Marlowe. Shakespeare desejava não apenas em ocioná-las mais, mas levá-las consigo para dentro. O crescente eu interior, nossa incessante provação, é uma invenção mais shakespeariana que luterana ou calvinista. M ontaigne divide com Shakespeare o prestígio do explorador neste caso, e talvez haja contribuído para o eu de Hamlet, através do m anuscrito de Jo h n Fio rio de sua tradução em andam ento. Retorno à paciência de Shakespeare, com sua platéia, em contraste com a im paciência com os atores. A platéia de Shakespeare fora prim eiro de Marlowe e, em m enor medida, de Kyd. Eles o instigaram, e, com o Shakespeare parece haver entendido, prepararam sua audiência para ele. A liberdade do poeta dramaturgo, em certo grau, tinha de ser concedida por sua platéia.
Sir Francis Bacon, considerando “a ação do teatro”, diz-nos de form a brilhante: “O certo, em bora sendo um grande segredo da natureza, é que as m entes dos hom ens em grupo estão mais abertas a influências e im pressões do que quando sós.” Shakespeare explora essa com preensão em toda a sua obra, e sem dúvida refletiu sobre com o uma platéia, uma con gregação, um exército ou uma multidão que ouve um político são diferentes e sem elhantes. A escola onde quase certam ente com eçou essa reflexão, com o eu já disse, foi uma platéia de Marlowe, e assim a prim eira lição haveria enfatizado o poder da audição. Sonho de um a noite d e verão, com seu nada mar-
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lowiano Bottom , tem pouco cie Marlowe, a não ser o extraordinário domínio de Shakespeare em fazer a dimensão auditiva dominar a visual, no que, tanto quanto A tem pestade, é uma peça visionária. Mas A tem pestade, com o Conto d e inverno , joga tanto com o que a platéia vê ou não vê bem quanto com o que ela ouve. Estamos tão distantes de Marlowe no Shakespeare final cjue podem os ser tentados a esquecer a lição do mestre, de que a liberdade do poeta depende do envolvimento auditivo dos espectadores. Shakespeare não esquece, e, a não ser por alguns m om entos m isteriosos, sua internalização da música marlowiana é incessante. Estamos outra vez de volta à origem, com as platéias que Tamburlaine seduzia, enquanto Shakespeare ouvia e via, e analisava os elem entos da sedução, que atuavam tanto sobre letrados quanto iletrados. Aí, suponho, está outra pista para o motivo cie Marlowe ter sido tão difícil de exorcizar por Shakespeare. Os trechos de valentia, bravata, tendiam a soar marlowianos, m esm o quando não eram nada parecidos a Marlowe, em estilo, ritmo ou textura. A poesia, ou o poético, discursando sobre si mesma no palco, fora usurpada por Marlowe, e essa era uma usurpação bastante formidável para ser derrubada. Shakespeare ainda não o conseguira alcançar, mesmo com Jú lio César ou com Ricardo II. Quando Hotspur declama em H en riqu e IV, Parte Um, Shakespeare cuida para que observem os o mudo fantasma cle Marlowe, um fantasma expulso nos agonísticos diálogos de Hai e Falstaff, aluno ingrato e professor m ordido pelo amor. Quando Hamlet com eça a falar, Marlowe não é sequer uma sombra, e já deixou de perturbar o herdeiro que o transcendeu. Mas foi sem dúvida uma longa agonia, e a coda do Edmundo marlowiano testem unha a dem ora de Marlowe no crepúsculo shakespeariano.
Talvez Shakespeare haja apreciado a ironia de que Marlowe o alertara para a psicologia de dom inação da platéia por m eio de caricaturas eloqüentes que eram, elas mesmas, psicologicam ente vazias. A m aior ironia é que o cam inho cle Shakespeare para longe de Marlowe foi de progressiva internaliza-
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ção, culm inando na imaginação alucinatória de Macbeth. Essa internalização se inicia de m odo bastante inepto em R icardo III, onde Shakespeare prejudica seu drama tentando sentim entalm ente dar algum pathos ao tirano na véspera de sua morte. Mas só vou exam inar esse soliloquio absorvente, ruim e revelador de Ricardo III após dar uma olhada nas primeiras peças de Shakespeare.
H en riq u e VI, em todas as três partes, tem pou cos adm iradores, e h o je dificilm ente parece Shakespeare. Só a rebelião de Ja ck Cade, na Segunda Parte, tem um toque de vida, um oásis no m eio de um deserto de retórica subm arlowiana. É esse o ponto de partida de Shakespeare, e ele parece ter no ouvido Tam burlaine e O ju d e u d e Malta, a não ser quando escapa para o que já é sua própria prosa: “A prim eira coisa que fazem os: vamos m atar todos os advogados.” Mas a peça se saiu m uito bem , um enigm a para nós ho je, basicam ente porque quase todas as personagens falam com a voz de Marlowe. Quando o futuro Ricardo III aparece em todo o seu h orror no fim da Terceira Parte, ainda mal conseguim os distinguir o seu tom , ao contrário dos sentim entos, de qualquer outro.
Ricardo III, com o as peças de Tamburlaine, perdeu muito de sua popularidade, em parte porque é demasiado formal e estilizada, de impacto marlowiano um tanto rígido. Shakespeare tenta inutilm ente fugir dessa rigidez, quando Ricardo desperta de um pesadelo, pouco antes de partir para sua derrota e m orte em Bosworth Field. Sem aviso, som os m ergulhados no abism o da precária internalização de Ricardo, quando Shake- spere tenta alterar o tirano, de uma caricatura marlowiana para um retrato psicológico:
As luzes ardem azuis. Já é meia-noite em ponto.Frias gotas de medo cobrem minha carne trêmula.Que temo eu? Eu mesmo? Não há ninguém mais por perto.Ricardo ama Ricardo, quer dizer, eu [sou] eu.
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Há um assassino aqui? Não. Sim, eu.Então foge. Como, de mim mesmo? Grande motivo para isso — Para que não me vingue. Como, eu em mim mesmo?Ai de mim, eu me amo. Por quê? Por algum bem Que eu mesmo fiz a mim mesmo?Oh, não! Ai, eu antes me odeioPor atos odiosos cometidos por mim mesmo.Eu sou um vilão; mas minto, não sou.Tolo, de ti mesmo fala bem; tolo, não lisonjeies.Minha consciência tem mil línguas diferentes,E cada língua introduz uma história diferente,E cada história me condena por minha vilania.Perjúrio, perjúrio no mais alto grau;Assassinato, brutal assassinato, no mais direto grau;Todos pecados diferentes, todos empregados em cada grau; Amontoam-se no cancelo, gritando todos: “Culpado! Culpado!” Eu me desesperarei; nenhuma criatura me ama,E se eu morrer, alma nenhuma de mim terá pena.E por que deveriam ter, uma vez que eu mesmo Não encontro em mim pena de mim mesmo?Pareceu-me que as almas de todos que assassinei Vieram à minha tenda, e todas ameaçaram Vingança amanhã sobre a cabeça de Ricardo.*
* The lights burn blue. It is now d ea d midnight. / Cold fea rfu l drops stand on my trem bling flesh. / What do I fea r? M yselß There ’s none else by. / Richard loves Richard, that is, 1 [a m ] I. ! Is there a m urd erer here? No. Yes, la m . /T hen fly. What, fro m m y self Great reason why — / Lest I revenge. What, m yself upon myself? / Alack, I love myself. W herefore? For any go o d / That I m yself have done unto myself? / O no! Alas, I rather hate m yself / For hateful deeds com m itted by myself. l a m a villain; yet I lie, I am not. /Fool, o f thyself speak well; fool, do not flatter: /M y conscience hath a thousand several tongues, / A nd every tongue brings in a several tale, /A n d every tale condem ns m e f o r a villain. / Perjury, perjury, in the highest degree; / Murther, stern murlher, in the direst degree; /A ll several sins, a ll us ’d in each degree, / Throng to the bar, crying all, “Guilty! guilty!” / 1 shall despair; there is no creature loves me, / A nd i f I d ie no soul will pity me. / A nd wherefore should they, since that I m yself / F ind in m yself no pity to myself? / Methought the souls o f all that I had m urther’d / Come to my tent, a n d every one d id threat / Tomorrow 's vengeance on the life o f Richard.
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É não apenas um dos textos mais m edíocres na peça, mas talvez o mais fraco em todo Shakespeare. Não podem os aceitá-lo, uma vez que não houve o m enor sinal de um eu interior de Ricardo antes desse desconjuntado soliloquio. Havendo quase concluído mais um drama marlowiano, para com plem entar as peças de H enrique VI, Shakespeare rebelou-se, mas fracassou. Ainda não tinha um processo seguro para invocar a interioridade, e sua apropriação de Marlowe aqui parece confundir a personagem caricatural com a platéia psicologicam ente reativa, com o se quisesse em ular o precursor mas depois ir além dele arrastando a platéia para o palco. Esse agon com Marlowe é muito mais bem -sucedido no M ouro Aarão que em Ricardo III, mas também Aarão é o único ornam ento clé Titus A ndronicus.
Essa p eça bárbara, talvez refeita por Shakespeare de um a versão an terior de G eorge Peele, é uma m istura indigesta de autêntica tragédia sangrenta com o que deve ser um a esp écie de paródia, um bu rlesco paródico de M arlow e e Kyd, ten do o M ouro Aarão com o uma i'esposta d em oníaca a Barabas, judeu de Malta. Aludindo deliberadam ente à m ais revoltante fala de Barabas, Shakespeare tenta ser mais M arlowe que M arlowe:
b a r a b a s : Quanto a mim, ando por aí às noites,E mato pessoas doentes que gemem aos pés dos muros.Às vezes saio por aí envenenando poços;E de vez em quando, para fazer um carinho a ladrões cristãos, Fico satisfeito por perder algumas das minhas coroas,Para poder, andando em minha galeria,Vê-los passar amarrados por minha porta.Na juventude, estudei física, e comecei A praticar primeiro com os italianos;Ali enriqueci os padres com enterros,E mantive sempre em uso os braços dos coveiros
Prefácio
Com a abertura de covas e os dobres de finados.E, depois disso, fui engenheiro,E nas guerras entre a França e a Alemanha,A pretexto de ajudar Carlos Quinto,Chacinei amigos e inimigos com meus estratagemas: Depois disso fui usurario,E com extorsão, fraude e confisco,E truques do ramo da corretagem,Enchi os cárceres de falidos em um ano,E com jovens órfãos plantei asilos;E a cada lua deixei um ou outro louco,E de vez em quando um se enforcava com o sofrimento, Pregando no peito um longo e grande aviso De como eu com juros o atormentei.Mas vê como fui abençoado por persegui-los:Tenho tanto dinheiro que dá para comprar a cidade.Mas diz-me agora: como passaste tu o teu tempo?
AARÃO: Ai, não haver feito eu mil vezes mais.Mesmo hoje maldigo o dia — e no entanto creio Que poucos dias entram no âmbito de minha praga — Em que não fiz algum mal notório:Como matar um homem, ou planejar sua morte, Estuprar uma donzela, ou tramar a maneira de fazê-lo, Acusar um inocente, e dar falso testemunho,Criar mortal inimizade entre dois amigos,Fazer o gado dos pobres quebrar o pescoço,Atear fogo a celeiros e montes de feno à noite,E mandar os donos apagá-los com suas lágrimas.Muitas vezes desenterrei mortos de suas covas,E os pus de pé nas portas de seus amigos,Mesmo quando a dor já quase fora esquecida,E na pele deles, como em troncos .de árvores,Com minha faca gravei em alfabeto romano:“Que não morra a tua dor, embora morto esteja eu .” Mas eu fiz mil coisas pavorosas
De tão bom grado quanto se mata uma mosca,E nada me causa mais sincera tristeza, de fato,Do que não poder fazer dez mil vezes mais.*
Com o se pode superar o m orto com o aviso pregado no peito? Só gravando na pele de m ortos nosso alegre cum prim ento à porta de seus amigos. Mas a briga ainda é de Marlow e, em bora o m onstro sorridente de Shakespeare ganhe p or pontos, p or assim dizer. O agon se renova no Rei João de Shakespeare, onde o dram aturgo trai cada angústia p or não se sentir à vontade com o m odo herdado p o r sua peça. Com uma exceção, todas as personagens nos conduzem a um frenesi de tédio com suas declam ações e lam entações marlowia-
* BARABAS: As f o r m yself I walk a broad a-nights, /And kill sick people groaning u n d er walls. / Sometimes Ig o about a n d poison wells; /A n d now a n d then, to cherish Christian thieves, / 1 am content to lose som e o f my crowns, / That I may, walking in my gallery, / See 'em go p in io n 'd along by my door. /B e in g young, I studied physic, a n d began / To practise first upon the Italian; / There I en rich ’d the priests with burials, /A n d always kept the sexton ’s arm s in use / With digging graves a n d ringing d ea d m en ’s knells. /And, after that, was I an engineer, / A nd in the wars 'twit France a n d Germany, / U nder the p reten ce o f helping Charles the Fifth, /S lew friend a n d enem y with, my stratagems: / Then after that was / an usurer, / A nd with extorting, / cozening, forfeiting, / A nd tricks belonging unto brokery, / 1 f i l l ’d the gaols with bankrupts in a year, / A nd with y oung orphans planted hospitals; / A nd every m oon m ade som e or other mad, /A n d now an d then one hang him self f o r grief, / P inning upon his breast a long great scroll / How I with interest torm ented him. / But m ark howI am blest f o r p laguing them: / 1 have as m uch coin as will buy the town. /B u t tell m e now, how hast thou spent thy time?
AARON: Ay, that I h a d not done a thousand more. / Even now I curse the day — a n d yet I think / Few com e within the compass o f the curse / Wherein I d id not som e notorious ill: /A s kill a man, o r else devise his death, /Ravish a m aid, or plot the way to do it, /A ccuse some innocent, a n d forsw ear myself, / Set deadly enmity between two friends, /M ake p o o r m e n ’s cattle break their necks, / Set fire on barns a n d haystalks in the night, / A nd bid the owners quench them with their tears. / Oft have I d igg’d up d ea d m en fro m their graves, /A n d set them upright at their clear frien d s ’ door, /E v en w hen their sorrows alm ost wasforgot, /A n d on their skins, as on the bark o f trees, /H a v e with my knife carved in Roman letters, / “Let not y o u r sorrow die, though I am dead. ” / But I have done a thousand dreadful things, /As willingly as one would kill a fly, /A n d nothing grieves m e heartily indeed, /B u t that I cannot do ten thousand more.
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nas. A ré em particular é a pavorosa Constance, fam osa por invocar:
Morte, morte. O simpática e bela morte?Odorífero mau cheiro! sadia podridão!1'
O prim eiro verso hoje soa com o uma proléptica paródia de Walt Whitman. O segundo, com o uma paródia de Shakespeare por Max Beerbohm . Da horrível retórica dessa peça, Shakespeare incrível mas maravilhosamente colhe o prim eiro de seus soberbos originais, o Bastardo Faulconbridge, uma poderosa e sério-côm ica má leitura do Macjuiavel marlowiano, e um passo gigantesco a cam inho de Falstaff. A dem oníaca linguagem de Shakespeare pulsa por entre as belas e engraçadas falas do Bastardo, cjue substitui p or “m ercadoria” a “diplom acia” de Marlowe. A m udança de direção em relação a Marlowe introduz feroz com édia na história, e transforma a retórica do exagero num a magnífica gozação. Lewis, o Delfim francês, ao ser noivado com Blanche de Espanha, olha a dama com narcisística satisfação:
Eu protesto que jamais ameiAté agora que, firmado, me vejoArrastado à lisonjeira mesa dos olhos dela.**
Lançado esse naco, o Bastardo dispara com ele:
Arrastado à lisonjeira mesa dos olhos dela!Enforcado na ruga franzida de sua testa!E esquartejado em seu coração! ele se enxerga
* Death, death, O am iable death! / Thou odoriferous stench! sound rottenness.* * I do protest I never lov’d m yself / Till now infixed I beheld m yself ! D raw n in
the flattering table o f h er eye.
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Traidor do amor. Ora, é uma pena,Que enforcado, arrastado e esquartejado hajaEm tal amor um tão vil palerma quanto ele.*
Shakespeare superou Rei João em Ricardo II, escrita dois anos após a m orte de Marlowe, e enfrentando diretam ente Eduardo II, deste. As duas peças têm um protagonista real, e nenhum herói, mas o Ricardo de Shakespeare, em bora nos aflija com ambivalência, é um soberbo poeta lírico, enquanto o Eduardo de Marlowe é, antes, chato. Como um Hamlet menor, Ricardo II não tem fé nem na linguagem nem em si mesmo, nem em mais ninguém. Ao contrário de Hamlet, esse m onarca narcisista é tudo, m enos carismático, e dom inado por um con siderável sadomasoquism o. Mas em bora deva algumas cores superficiais ao Eduardo II de Marlowe, é um labirinto psicológico, um rei com a alma de um poeta, ao passo que Eduardo, com o observou Harry Levin, “é um rei com a alma de um ator”. Shakespeare, que trabalhou duro para tornar-se um cavalheiro plebeu, era poeta e ator, e divide um tanto severam ente os dois fazendo Bolingbroke, o futuro Henrique IX assumir a capacidade de rápida transform ação do ator. A teatralidade de Eduardo II é bem vistosa, mas sua retórica é a mais vazia de qualquer personagem principal de Marlowe. É difícil fugir ã impressão de que Marlowe é sádico com seu Eduardo, não apenas no seu horrível assassinato pelo fantasma Lightborne, mas em toda a peça. O Ricardo II de Shakespeare, segundo Levin, desem penha a cena de sua deposição ainda mais com o um ator do que Eduardo II o faz algum dia, mas isso é subvalorizar a poesia m etafísica de Ricardo, que provoca e apressa o seu desespero, saltando à frente do mais circunspecto desem penho de B olingbroke. Com o devemos interpretar a audaciosa alusão de
* D raw n in the flattering table o f h er eye! I H a n g’d in the frow ning wrinkle o f h er brow! / A nd q u a rter’d in h er heart! he doth espy / ITimself love’s traitor. This is pity now, / That hang'd a n d draw n a n d q u a rter’d there should be /In such a love so vile a lout as he.
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Shakespeare à Helena de Fausto, quando Ricardo exam ina seu reflexo no espelho que então despedaça?
Era esse Rosto o Rosto,Que todo dia, sob o Teto desta Casa,Mantinha dez mil homens?*
Lançar mil navios e incendiar as torres decapitadas de Ilio dificilmente poderia estar mais distante do transe de Ricardo, ou ser mais irrelevante para a sua pergunta retórica. A citação batida de Marlowe é gratuita, e com o quer que pensem os que Ricardo a pretende, Shakespeare a exibe com o um em blem a de sua nova liberdade em relação a Marlowe. Eduardo II é um esteta, mas não um criador; Ricardo II é mais convincente em sua tragédia porque as divisões no eu o destruíram. Eduardo II ama o prazer e Gaveston, mas fora isso não tem personalidade. Ricardo II, ávido, em sua destrutividade, por condenação, é petulante e não mais admirável que Eduarclo II, mas ao contrário deste tem um eu interior, e sabe muitíssimo bem com o expressá-lo.
O grande sinal da em ancipação de Shakespeare da imagem de Marlowe é a diferença entre os dois judeus, Barabas e Shylock. A virada de Shakespeare em relação a suas origens marlo- wianas dá a ele, e a nós, o equívoco triunfo de transformar os Maquiavéis de Marlowe em heróis côm icos, com o o Bastardo Faulconbridge, ou vilões côm icos, com o Shylock. Sei que não interpretam os Shylock desse jeito , mas, ai, devíamos. René Girard, em Um teatro d a inveja , estabelece uma distinção m eio curiosa entre Barabas, com o um reflexo do anti-semitismo do Renascim ento inglês, e Shylock, com o uma suposta contestação a esse mito anti-semita. Isso inverte a situação: Barabas é no m ínimo um exagerador muitíssimo divertido,
* Was this Face the Face, / That every day, u n d er his House-bold Roofe, / Did keep ten thousand m en?
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sem elhante ao próprio Marlowe, enquanto todos os cristãos e m uçulm anos da peça são igualm ente maus, mas não tão espertos nem vitais. Quando Barabas grita: “As vezes eu saio por aí envenenando poços”, dificilm ente se espera que acreditem os n o m ito anti-sem ita. Barabas não é ju d eu , mas marlowiano, e Marlowe é mais anticristão que antijudeu. Mas Shakespeare com a máxima certeza escreveu uma obra-prima anti-semita, em que a conversão forçada de Shylock, por insistência de Antônio, é inteiram ente invenção sua, seu próprio acréscim o chocante à história da libra de carne humana. Na verdade, receio que o visionário triunfo de Shakespeare sobre Marlowe é nos dar um dem ônio judeu psicologicam ente convincente, em vez da caricatura Barabas. “Vou lhe m ostrar um ju d eu!” sugere triunfante Shakespeare, criando uma personagem m uito m ais assustadora que o dem ônio de p apelão de M arlowe. A inveja criativa que Shakespeare sentia de Marlowe, por tanto tem po sua força propulsora, desapareceu em O m ercador de Veneza. Barabas é Marlowe, mas Shylock é o judeu por quatro séculos já, e ainda tem grande poder de faaer mal.
A coda para o exorcism o de Marlowe por Shakespeare não é nem Hotspur, ainda assim uma gloriosa sátira à postura m arlowiana, nem as disparatadas paródias de Tamburlaine pelo Velho Pistol. Com soberba ironia, Shakespeare entope Como queiras , a m enos marlowiana das peças, de alusões a Marlowe, todas elas decididamente fora de contexto. Na superfície, as alusões são à lírica de Marlowe, a “O pastor apaixonado a seu am or”, ou ao inacabado Hero a n d Leander, um epílio ovidiano. Mas pragmáticam ente referem-se à m orte de Marlowe, e centram-se na maravilhosa frase do nojento palhaço Touchstone:
Quando os versos de um homem não podem ser com preendidos, nem o seu juízo secundado pela filha atrevida, a compreensão, isso mata mais que um grande acerto de contas numa sala pequena.
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A platéia ouvia nisso o “Infinitas riquezas numa sala pequena” de Barabas, e também uma referência ao assassinato de Marlowe numa taverna de Deptford, supostam ente em conseqüência de uma briga sobre o pagam ento de uma conta, “um grande acerto de contas”, mas evidentem ente por ordem do Serviço Secreto real, com o Shakespeare bem pode ter sabido. Charles Nicholl, em seu The Reckoning: lh e M urder o f Christopher M arlow e [O acerto de contas: o assassinato de Christopher Marlowe], sugere que Shakespeare
... está dizendo que quando a reputação de um poeta morto é maltratada e sua obra mal entendida, como acontece hoje com a de Marlowe, isso é como uma espécie de segunda morte para ele.
Parece-me correto. Shakespeare, resolvida sua luta com a influência poética, defende sutilm ente o difamado Marlowe, e num certo sentido até lhe faz elegia. Contudo, após a coda, a ironia do epílogo: Edmundo em Rei Lear. David Riggs, em Ben
Jon so n : A Life [Ben Jon so n : uma vida], confirma a intuição de Jo h n Hollander de que Malvolio, em Noite d e Reis, é em certa m edida um a sátira a Jo n so n , a “purga” a ele m inistrada por Shakespeare de que se fala em The R eturn fro m Parnassus, PartLL [O retorno do Parnaso, Parte I I] . Edmundo é muito mais que urna sátira a alguém; é um sutil aperfeiçoam ento de lago, e talvez m aior vilão, com uma inteligência ainda mais aguda e um mais gélido desprezo por todas as suas vítimas. Mas seu nii- lismo, seu encanto, seu gênio, seu “ateísm o”, sua assustadora liberdade de toda contenção, seus poderes retóricos de persuasão, sua recusa a ser hipócrita, ao contrário de suas amantes, G oneril e Regan, sugerem Marlowe. Em alguns aspectos, o Bastardo Edmundo é uma versão mais sombria do Bastardo Faul- conbridge, mas com a lealdade familiar e o patriotism o invertidos para seus opostos traiçoeiros. Ao contrário de Jon so n com o Maivolio, Marlowe com o Edm yndo não se sustenta com provas externas, pelo m enos no atual estado de nosso conheci-
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m entó. Contudo, com o “má leitura” ou má com preensão criativa da verdadeira personalidade e caráter de Marlowe, o Edm undo d e. Rei Lear é o tributo final e equívoco ao Maquiavel de seu precursor.
Não dispomos de um cam inho direto para o que é fundam ental em Shakespeare, porque ele é uma form a maior de pensam ento, linguagem e sentim ento que qualquer outro que podem os vir a conhecer. Não é que as suas maiores peças sejam peças; não somos impedidos de supor o que pode ser fundam ental em Marlowe ou em Jonson. Com todas as suas dificuldades, Dante, Milton e Wordsworth parecem entregarnos m uitos de seus segredos, se os lermos incessantem ente e com todo o nosso ardor. Mas Shakespeare, em bora nos entre- tenclo em todos os níveis possíveis, jamais nos perm ite viajar ao não descoberto país do seu eu. Borges achava que Shakespeare não tinha eu, e por isso era o hom em com um . O que insistimos em chamar de “teoria” dogmatiza que ninguém jamais teve ou terá um eu próprio. Isso me parece uma ficção antipática. E apenas uma borgesiana ou simpática ficção dizer que Shakespeare é ao mesmo tem po todo mundo e ninguém? Shakespeare fazia conceito suficiente de seu amigo B en Jon so n para satirizá-lo com o Malvolio, e era suficientem ente obcecado com seu conhecido Christopher Marlowe para retratá-lo, com maravilhosa ambivalência, com o Edmundo. Não sentiu preocupação suficiente, interesse e estima suficientes, por si m esmo, para pôr esse eu no palco? Ele interpretou velhos, ou reis, ou fantasmas. O Rei-Ator em H am let fala por Shakespeare ou por Hamlet? E o sobrevivente Edgar em algum sentido uma representação cio sobrevivente Shakespeare? Oscar Wilde p odia interessar-se p or questões com o essas; nenhum estudioso- crítico de Shakespeare as admitiria. Jam es Joyce, com o alguns outros antes e depois, identificaram Hamlet com Hamnet Shakespeare, único filho do dramaturgo, m orto aos onze anos. Mais que qualquer outra peça de Shakespeare (ou de qualquer o u tro ), H am let é uma interminável provocação ao m un
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do, porque o m undo encontrou nela um m istério não resolvido. Escritor ilimitado para nossa m editação, Shakespeare ainda assim parece não haver ligado para dirigir essa m editação. Eu só conheço uma pista forte para a ausência de pegadas de Shakespeare: sua longa retenção da imagem de Marlowe. Ovidio e Chaucer achavam-se seguram ente distantes no tem po; o precursor Marlowe nasceu apenas dois meses antes de Shakespeare, que lhe sobreviveu vinte e três anos.
Se Marlowe, para Shakespeare, foi basicam ente uma imagem da perigosa liberdade do poeta e do perigoso poder do dramaturgo sobre a platéia, a imagem haveria bastado, e Shakespeare poderia ter-se contentado em repetir-se, uma vez que se em ancipara com Falstaff, Hamlet e Rosalinda. Alguns estudiosos afirmam que ele passou da tragédia para o cjue chamamos de “história de am or” por pressão com ercial de dramaturgos rivais. Ele pegava o que precisava de qualquer um e de qualquer lugar, com as duas mãos, mas era impelido por seu daem on ou gênio, depois de triunfar sobre Marlowe. A transformação, única lei observada por seus protagonistas, era também a lei de sua interioridacle. Pondo de lado todas as ficções, não vejo ninguém representando um eu interior em infinito crescim ento, sem o conhecer em todo imediatismo. Há pouca transform ação em Marlowe: todos os seus fanfarrões são um só fanfarrão, suas vítimas uma só vítima, seus Maquiavéis um só Capeta. Tamburlaine, Barabas, Guise, e até Fausto partilham a mesma retórica, e estão tontos com os mesmos desejos. Shakespeare, desviando-se de Marlowe, criou distintos. A influência poética não tem m aior triunfo.
A Angústia da Influência
P R Ó L O G O
Era um Grande Espanto que Estivessem no Pai sem Conhecê-Lo
Depois que soube que caíra da Plenitude, para fora e para baixo, ele tentou lem brar o que fora a Plenitude.
Lembrou, mas descobriu que estava mudo, e não pôde contar aos outros.
Queria contar-lhes que ela saltara mais à frente e caíra num a paixão além do seu abraço.
Ela estava em grande agonia, e teria sido tragada pela doçura, se não houvesse chegado a um limite, e parado.
Mas a paixão prosseguira sem ela, e transpusera o limite.Às vezes ele pensava que ia falar, mas a mudez continuava.Queria dizer: “fruto im potente e fêm ea”.
Um mestre
Mais severo, mais em penhado, improvisaria Prova mais sutil, mais urgente de que a teoria Da poesia é a teoria da vida.
Na verdade, nas intricadas fugas de c o m o ...*
STEVENS, A n O rd ina ry N ight in N ew H aven [Uma noite com u m em New Haven]
...A m ore severe, / M ore harassing m aster would extem porize / Subtler, m ore urgent p ro o f that the theory /Ofpoetry is the theory o f life. /As it is, in the intricate evasion o f a s ...
I N T R O D U Ç Ã O
Meditação sobre um a Prioridade, e um a Sinopse
Este pequeno livro oferece uma teoria da poesia por m eio de uma descrição da influência poética, ou a história das relações intrapoéticas. Um dos objetivos dessa teoria é corretiva: desi- dealizar nossas explicações aceitas de com o um poeta ajuda a formar outro. Outro objetivo, tam bém corretivo, é tentar oferecer uma poética que promova uma crítica prática mais adequada.
Na argum entação deste livro, tem-se a história poética com o indistinguível da influência poética, uma vez que os p oetas fortes fazem essa história distorcendo a leitura uns dos outros, a fim de abrir para si m esm os um espaço imaginativo.
Meu interesse é apenas por poetas fortes, grandes figuras com a persistência de lutar com seus precursores, m esm o até a morte. Os talentos mais fracos idealizam; as figuras de imaginação capaz apropriam-se. Mas nada se obtém a troco de nada, e a apropriação envolve as imensas angústias do endividamento, pois qual criador forte deseja com preender que não conseguiu criar-se a si mesmo? Oscar Wilde, que sabia que fracassara com o poeta porque lhe faltava a força para superar sua angús-
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tia da influência, sabia tam bém das verdades mais sombrias sobre a influência. The B allad o f R eading G aol [A balada do cárcere de Reading] torna-se uma leitura vexam inosa assim que se reconhece em cada brilho que exibe um reflexo de The Rim e o f the A ncient M ariner [A rima do velho m arinheiro]; e a lírica de Wilde antologiza todo o alto rom antism o inglês. Sabendo disso, e armado com sua costum eira inteligência, Wilde observa amargurado em The Portrait o f Mr. W.H. [O retrato de Mr. W .H.j: “A influência é sim plesm ente uma transferência de personalidade, um m odo de abrirm os mão do que é mais precioso para nosso eu, e seu exercício produz uma sensação e, talvez, uma realidade de perda. Todo discípulo tom a alguma coisa de seu m estre.” Esta é a angústia do influenciar, mas nenhum a inversão nessa área é uma verdadeira inversão. Dois anos depois, Wilde depurou seu amargor num a das elegantes observações de Lorde Henry W otton em The Portrait o f D orian Gray [O retrato de Dorian Gray], onde ele diz a Dorian que toda influência é imoral:
Porque influenciar alguém é dar-lhe nossa própria alma. Ele não pensa seus pensamentos naturais, nem arde com suas paixões naturais. Suas virtudes não são reais para ele. Seus pecados, se é que existem pecados, são emprestados. Ele se torna um eco da música de outro, ator de um papel que não foi escrito para ele.
Para aplicar a intuição de Lorde Henry a Wilde, precisam os apenas 1er a resenha deste ao Appreciations [Avaliações], de Pater, com a observação de encerram ento esplendidam ente equivocada de que o autor “escapou de discípulos”. Toda grande consciência estética parece ter, singularmente, mais talento para negar obrigações à m edida que gerações famintas vão se atropelando umas às outras. Stevens, um herdeiro mais forte de Pater do que algum dia o foi mesmo Wilde, é de um a veem ência reveladora em suas cartas:
Introdução 57
Embora, claro, eu descenda do passado, o passado não é meu nem uma coisa marcada Coleridge, Wordsworth etc. Não sei de ninguém que tenha sido particularmente importante para mim. Meu complexo realidade-imaginação é inteiramente meu, embora eu o veja em outros.
Poderia ter dito: “particularm ente porque eu o vejo em outros”, mas a influência poética dificilmente era tem a em que poderiam centrar-se as intuições poéticas de Stevens. Lá pelo fim, suas negações tornaram-se um tanto violentas, e de um estranho bom humor. Escrevendo ao poeta Richard Eberhart, ele oferece uma simpatia tanto mais forte por ser auto-sim- patia.
Eu simpatizo com sua negação de qualquer influência minha. Esse tipo de coisa sempre me irrita, porque, no meu próprio caso, não tenho consciência de haver sido influenciado por ninguém, e evitei de propósito a leitura de gente altamente manei- rista como Eliot e Pound para não absorver nada, nem mesmo de forma inconsciente. Mas um certo tipo de crítico gasta seu tempo dissecando o que lê em busca de ecos, imitações, influências, como se ninguém jamais fosse ele mesmo, mas sempre um composto de muitas outras pessoas. Quanto a W Blake, acho que quer dizer Wilhelm Blake.
Essa opinião, de que dificilmente existe influência poética, a não ser em pedantes furiosamente ativos, constitui em si uma ilustração de uma das formas com o a influência poética é uma variedade de m elancolia ou princípio de angústia. Stevens foi, com o insistia, um poeta muitíssimo individual, tão original americano quanto Walt Whitman ou Emily Dickinson, ou seus próprios contem porâneos: Ezra Pound, William Carlos Williams, Marianne Moore. Mas a influência poética não precisa tornar os poetas m enos originais; com a mesma freqüência os torna mais originais, em bora não por isso necessariamente melhores. Não se pode reduzir as profundezas da influência
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poética a um estudo de fonte, à história das idéias, ao modela- m ento de imagens. A influência poética, ou com o com mais freqüência a chamo, a apropriação poética, é necessariam ente o estudo do ciclo vital do poeta com o poeta. Quando esse estudo leva em conta o contexto em que se dá esse ciclo vital, é obrigado a exam inar ao m esm o tempo as relações entre poetas com o casos sem elhantes ao que Freud chamou de rom ance familiar, e com o capítulos na história do m oderno revisionismo, “m oderno” aqui se referindo a pós-Iluminismo. O poeta m oderno, com o m ostra W. J . Bate em The Burden o f the Past a n d the English Poet [O fardo do passado e o p oeta inglês], é h erdeiro de uma m elancolia engendrada na m ente do Iluminismo pelo ceticism o em relação à sua dupla herança de riqueza imaginativa, dos m estres antigos e do Renascim ento. Neste livro, eu ignoro em grande parte a área que Bate exam inou com grande habilidade, para centrar-m e nas relações intrapoéticas com o paralelos do rom ance familiar. Em bora em pregue esses paralelos, faço-o com o deliberado revisionista de algumas das ênfases freudianas.
Nietzsche e Freud são, até onde me é dado ver, as influências básicas na teoria da influência apresentada neste livro. Nietzsche é o profeta do antitético, e sua Genealogia da m oral é o mais profundo estudo de que disponho das tensões revisio- nárias e ascéticas no tem peram ento estético. As investigações por Freud dos mecanismos de defesa e seu ambivalente funcionam ento oferecem os análogos mais claros que encontrei para as proporções revisionárias que governam as relações intrapoéticas. Contudo, a teoria da influência aqui explicada não é nietzschiana em seu deliberado literalismo, e na insistência de Vico em que a prioridade na intuição é crucial para todo poeta forte, para que não se reduza simplesmente a um retardatário. Minha teoria também rejeita o limitado otimismo freudiano, de que é possível uma feliz substituição, que uma segunda oportunidade pode nos salvar da busca repetitiva de nossas primeiras ligações. Os poetas com o poetas não podem aceitar
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substituições, e lutam até o fim para ter apenas a oportunidade inicial. Nietzsche e Freud subestimaram os poetas e a poesia, deram mais poder à fantasmagoría do que ela de fato possui. E também, apesar de seu realismo moral, idealizaram demais a imaginação. O discípulo de Nietzsche, Yeats, e o de Freud, Otto Rank, mostram uma maior consciência da luta do artista contra a arte, e da relação dessa luta com a antitética batalha do artista contra a natureza.
Freud reconheceu a sublimação com o a mais alta realização humana, um reconhecim ento que o alia a Platão e a todas as tradições morais do judaísmo e do cristianismo. A sublimação freudiana implica abrir mão de m odos de prazer mais primordiais por modos mais refinados, o que significa exaltar a segunda oportunidade acima da primeira. O poem a de Freud, na visão deste livro, não é suficientem ente severo, ao contrário dos severos poemas escritos pelas vidas criativas dos poetas fortes. Equiparar maturação em ocional com a descoberta de substitutos aceitáveis pode ser sabedoria pragmática, sobretudo no reino de Eros, mas não é essa a sabedoria dos poetas fortes. O sonho de que se abre mão não é apenas uma fantasmagoría de interminável satisfação, mas a maior de todas as ilusões humanas, a visão da imortalidade. Se a Ode: Intim ations o f Immortality
fro m Recollections o f Early Childhood [Ode: sinais de imortalidade que vêm de lembranças da primeira infância], de Wordsworth, tivesse apenas a sabedoria também encontrada em Freud, poderíamos deixar de chamá-la de “a Grande Ode”. Também Wordsworth via a repetição ou segunda oportunidade como essencial para o desenvolvimento, e sua ode admite que podemos reorientar nossas necessidades com substituição ou sublimação. Mas a ode também desperta, plangentemente, para o fracasso, e para o protesto da m ente criativa contra a tirania do tempo. Um crítico wordsworthiano, mesmo um tão leal com o Geoffrey Hartman, pode insistir em distinguir claramente entre prioridad e, com o um conceito vindo da ordem natural, e autoridade, da ordem espiritual, mas a ode de Wordsworth recusa
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fazer essa distinção. “Procurando superar a prioridade”, diz sabiamente Hartman, “a arte com bate a natureza no terreno da própria natureza, e tem de perder.” A tese deste livro é que os poetas fortes estão condenados exatamente a essa falta de sabedoria: a Grande Ode de Wordsworth com bate a natureza no terreno dela, e sofre uma grande derrota, em bora retenha seu sonho maior. Esse sonho, na ode de Wordsworth, é sombreado pela angústia da influência, devido à grandeza do poema-pre- cursor, o Lyciclas de Milton, onde a recusa humana a sublimar inteiramente é ainda mais áspera, apesar da ostensiva rendição às doutrinas cristãs de sublimação.
Pois todo poeta com eça (por mais “inconscientem ente” cjue seja) p or rebelar-se com mais força que os outros hom ens e m ulheres contra a consciência da necessidade da m orte. O jovem cidadão da poesia, ou efebo, com o o cham aria Atenas, já é o hom em antinatural e antitético, e desde seu com eço com o poeta busca um objetivo impossível, com o fez antes seu precursor. O fato de que sua busca abrange necessariam ente a dim inuição da poesia parece-m e uma com preensão inevitável, que a história literária exata tem de suportar. Os grandes p oetas do Renascim ento inglês não são igualados por seus descendentes do Iluminismo, e toda a tradição do pós-Ilum inism o, que é o romantismo, mostra um declínio maior em seus herdeiros m odernistas e pós-modernistas. A m orte da poesia não será apressada pelas rum inações de nenhum leitor, mas parece justo supor que a poesia em nossa tradição, quando morrer, será auto-assassinada, pela sua própria força passada. Uma angústia implícita em todo este livro é de que o rom antism o, apesar de todas as suas glórias, pode ter sido uma tragédia visionária, um em preendim ento confuso não de Prom eteu, mas do Edipo cego, que não sabia que a Esfinge era sua Musa.
Édipo, cego, encaminhava-se para a divindade oracular, e os poetas fortes o seguiram, transformando sua cegueira em relação aos precursores nas intuições revisionárias de sua própria obra. Os seis movimentos revisionários que identificarei
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no ciclo vital dos poetas fortes bem podiam ser mais, e tom ar nom es bastante diferentes daqueles que empreguei. Mantive-os reduzidos a seis, porque me parecem mínimos e essenciais para m inha com preensão de com o um poeta se desvia de outro. Os nom es, em bora arbitrários, continuam várias tradições que foram fundamentais na vida imaginativa ocidental, e espero que possam ser úteis.
O maior poeta de nossa língua está excluído da argumentação deste livro por vários motivos. Um deles é necessariamente histórico: Shakespeare pertence à era gigantesca de antes do dilúvio, antes que a angústia da influência se tornasse fundamental para a consciência poética. Outro motivo tem a ver com o contraste entre forma dramática e lírica. A medida que a poesia se tornava mais subjetiva, a sombra lançada pelos precursores foi-se tornando mais dominante. O motivo principal, porém, é que o precursor básico de Shakespeare foi Marlowe, um poeta muito m enor que seu herdeiro. Milton, com toda a sua força, ainda assim teve de lutar, sutil e crucialmente, com um grande precursor em Spenser, e essa luta o formou e deformou. Coleridge, efebo de Milton e depois de Wordsworth, ficaria feliz em encontrar seu Marlowe em Cowper (ou no muito mais fraco Bowles), mas a influência não depende da vontade. Shakespeare é o maior exem plo na língua de um fenôm eno que fica fora do interesse deste livro: a absoluta absorção do precursor. A batalha entre iguais fortes, pais e filhos com o poderosos opostos, Laio e Édipo na encruzilhada; só isso é meu tema aqui, embora alguns dos pais, com o se verá, sejam figuras compostas. O fato de até os poetas mais fortes estarem sujeitos a influências não poéticas é óbvio mesmo para mim, mas, de novo, meu interesse é apenas pelo poeta no p o e ta , ou o eu poético aborígene.
Uma m udança com o a que proponho nas idéias de influência deve ajudar-nos a 1er com mais exatidão qualquer grupo de poetas passados contem porâneos uns dos outros. Para dar um exemplo: com o intérpretes equivocados de Keats, em seus p o emas, os discípulos vitorianos dele incluem Tennyson, Arnold,
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Hopkins e Rossetti. Que Tennyson haja triunfado na longa e oculta disputa com Keats, não se pode afirmar definitivamente, mas a visível superioridade dele em relação a Arnold, Hopkins e Rossetti se deve à sua vitória relativa, ou pelo m enos a não haver cedido, em contraste com a parcial derrota dos outros. A poesia elegíaca de Arnold mistura nervosam ente estilo keat- siano com sentim entos anti-rom ânticos, enquanto as tensas intensidades e circunvoluções da dicção de Hopkins e a arte intensam ente ornada de Rossetti também estão em desacordo com o fardo que eles buscam aliviar em seus eus poéticos. Do m esm o m odo, em nossa época, precisam os rever a interm inável briga de Pound com Browning, assim com o a longa e em grande parte oculta guerra civil dos grandes poetas do rom antismo inglês e am ericano — Wordsworth, Keats, Shelley, Em erson e Whitman. Com o acontece com os keatsianos vitorianos, esses são exem plos entre m uitos, se se quer contar um a versão mais exata da história poética.
O principal objetivo deste livro é, necessariam ente, apresentar a visão crítica de um leitor, tanto no contexto da crítica e da poesia de sua geração, onde as atuais crises delas mais o tocam, quanto no contexto de suas próprias angústias de influência. Nos poemas contem porâneos que mais me comovem, com o Corsons Inlet e S a lie n c e s [Saliências], de A. R. Ammons, e Fragm ent [ Fragmento] e Soonest M en d ed [Quanto mais cedo consertado], de Jo h n Ashbery, eu reconheço uma força que com bate a m orte da poesia, mas tam bém as exaustões do retardatário. Do m esm o m odo, na crítica contem porânea que esclarece para mim o que me escapa, em livros com o Allegory [Alegoria], de Angus Fletcher, B eyond Formalism, (Além do form alism o), de Geoffrey Hartman, e Blindness a n d Insight [Cegueira e intuição], de Paul de Man, tom o consciência do esforço m ental para superar o impasse da crítica formalista, a estéril m oralização que veio a ser a crítica arquetípica, e a pura e simples m onotonia de todos aqueles acontecim entos na crítica européia que ainda não demonstraram que podem ajudar
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na leitura de qualquer poem a de qualquer poeta. Meu Interca- pítulo, propondo uma crítica prática mais antitética que qualquer uma que tem os hoje, é m inha resposta nessa área do con tem porâneo.
Uma teoria de poesia que se apresenta com o um severo poema, baseado em aforismo, apotegm a e um padrão mítico bastante pessoal (em bora inteiram ente tradicional), ainda assim pode ser julgada, e pedir para ser julgada, com o tese. Tudo que com põe este livro — parábolas, definições, o exame das proporções revisionárias com o m ecanism os de defesa — pretende ser parte de um a meditação unificada sobre a m elancolia da desesperada insistência da m ente criativa sobre a prioridade. Vico, que leu toda criação com o um severo poem a, com preendeu que prioridade na ordem natural e autoridade na ordem espiritual haviam sido uma coisa só e tinham de continuar sendo uma coisa s o, para os poetas, porque só essa severidade constitui o Saber Poético. Vico reduziu a prioridade natural e a autoridade espiritual a propriedade, uma redução herm enêutica que eu reconheço com o a Ananke, a horrenda necessidade que ainda governa a imaginação ocidental.
Valentino, especulador gnóstico do século II, foi a Alexandria ensinar o Pleroma, a Plenitude dos trinta Éons, partes da Divindade-. “Era um grande espanto que estivessem no Pai sem conhecê-Lo.” A busca do lugar onde já se está é a mais estúpida das buscas, e a mais condenada. A Musa de todo poeta forte, sua Sofia, salta tanto para fora e para baixo quanto possível, numa paixão solipsista de busca. Valentino impôs um Limite, no qual finda a busca, mas nenhum a busca finda, se seu contexto é a Mente Incondicionada, o cosm o dos maiores poetas pós-m iltônicos. A Sofia de Valentino recuperou-se, fundiu-se de novo no Pleroma, e só sua Paixão ou Intenção Som bria foi separada para o nosso mundo, além do Limite. Nessa Paixão, a Sombria Intenção que Valentino chamou de “fruto im potente e fêm ea”, deve cair o efebo. Se sair dela, por mais estropiado e cego que seja, estará entre os poetas fortes.
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S i n o p s e : Se is P r o p o r ç õ e s R ev isio n á ria s
1. Clinamen, leitura distorcida ou apropriação m esm o; tom o a palavra de Lucrécio, onde ela significa um “desvio” dos átom os para possibilitar a m udança no universo. O poeta desvia-se de seu precursor, lendo o poem a dele de m odo a executar o clinam en em relação a ele. Isso aparece com o um movim ento corretivo em seu próprio poem a, que sugere cjue o poema do precursor seguiu certo até um determ inado ponto, mas depois deve ter-se desviado, precisam ente na direção em que segue o novo poema.
2. Tessera, com pletude e antítese; tom o a palavra não da fabricação de mosaicos, onde ainda é usada, mas dos cultos de m istério antigos, onde queria dizer um sinal de reconhecim ento, o fragmento, digamos, de uma pequena jarra, que com os outros fragm entos reconstituiria o vaso. O poeta “com pleta” antitéticam ente seu precursor, lendo o poem a-pai de m odo a reter seus term os, mas usando-os em outro sentido, com o se o precursor não houvesse ido longe o bastante.
3. Kenosis, dispositivo de decom posição sem elhante aos m ecanism os de defesa que nossa m ente em prega contra as com pulsões de repetição; é portanto um m ovim ento de des- continuidade em relação ao precursor. Tomo a palavra de São Paulo, onde quer dizer a submissão ou esvaziamento de Jesus p or si m esm o, quando aceita a redução de status, de divino para hum ano. O poeta que vem depois, aparentem ente esvaziando-se de seu próprio estro, sua divindade imaginativa, parece subm eter-se, com o se estivesse deixando de ser poeta, mas esse refluxo é realizado em relação ao poem a de refluxo do precursor de um m odo que também se esvazia o precursor, e assim o poem a de esvaziamento posterior não é tão absoluto quanto parece.
In trodução ó ' i
4. D aem onização, m ovimento para um Contra-Sublime personalizado, cm relação ao Sublime do precursor; tom o o term o do uso neoplatônico generalizado, onde um ser inter mediário, nem divino nem humano, entra no adepto para a ju dá-lo. O poeta que vem depois abre-se para o que acredita ser um poder no poema-pai que não pertence ao pai mesmo, mas a uma gama de ser logo além desse precursor. Ele faz isso, em seu poem a, colocando a relação da obra com o poema-pai de m odo a desfazer pela generalização a unicidade da obra anterior.
5. Askesis, movimento de autopurgação, que se destina a atingir um estado de solidão; tom o o term o, por mais geral que seja, sobretudo da prática de xamãs pré-socráticos com o Em- pédocles. O poeta que vem depois não passa, com o na kenosis, por um movimento revisionário de esvaziamento, mas de redução; abre mão de parte de seu dom hum ano e imaginativo para separar-se de outros, incluindo o precursor, e faz isso em seu poem a colocando-o em relação ao poema-pai de m odo a fazer com que esse poem a também passe por uma askesis ; o talento do precursor é igualm ente truncado.
6. Apophrades, ou retorno dos mortos; tom o a palavra dos tristes e infelizes tempos atenienses em que os mortos voltavam a habitar as casas onde haviam morado. O poeta que vem depois, em sua própria fase final, já assoberbado por uma solidão imaginativa que é quase um solipsismo, mantém seu poem a de novo tão aberto à obra do precursor que a princípio podemos acreditar que a roda com pletou um círculo com pleto, e que estamos de volta ao inundado aprendizado do poeta posterior, antes que sua força com eçasse a afirmar-se nas proporções revi- sionárias. Mas o poem a é agora m antido aberto ao precursor, quando antes estava aberto, e o efeito fantástico é que a realização do novo poem a o faz parecer a nós não com o se fosse o precursor a estar escrevendo-o, mas com o se o próprio poeta posterior houvesse escrito a obra característica do precursor.
Um
... quando se pensa na radiação, que sondará os mais culpados desvios do coração tecelão e pesará sobre eles, sem esquivar-se em disfarce ou e scu re c im e n to ...1
A. R. AMMONS
...w hen y o u consider I the radiance, that it will look into the guiltiest / swer- vings o f the weaving heart an bear itself upon them, / not flin ch in g into disguise o r darkening...
Clinamen
ou APROPRIAÇÃO POÉTICA
Shelley especulava que os poetas de todas as eras contribuíam para o Grande Poema em perpétuo andamento. Borges observa que os poetas criam seus precursores. Se os poetas m ortos, com o insistia Eliot, constituíam o avanço em conhecim ento de seus sucessores, esse conhecim ento ainda é criação de seus sucessores, feita pelos vivos para as necessidades dos vivos.
Mas os poetas, ou pelo m enos os mais fortes, não lêem necessariam ente com o lê m esm o o crítico mais forte. Os p o etas não são leitores ideais nem com uns, nem arnoldianos nem johnsonianos. Não tendem a pensar, quando lêem : “Isto está m orto, isto está vivo, na poesia de X .” Os poetas, quando já se tornaram fortes, não lêem a poesia de X, pois os realm ente fortes só podem 1er a si mesmos. Para eles, ser judicioso é ser fraco, e comparar-se, com exatidão e justeza, é serum não eleito. O Satanás de Milton, arquétipo do poeta m oderno em sua expressão mais forte, torna-se fraco quando raciocina e com para no Monte Nifatos, e assim com eça aquele processo de declínio que culm ina em Paradise Regained [Paraíso recon-
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quistado], term inando com o arquétipo do m oderno crítico em sua expressão mais fraca.
'lentem os a experiencia (aparentem ente frívola) de 1er Paradise Lost [Paraíso perdido] com o uma alegoria do dilema do poeta m oderno, em sua expressão mais forte. Satanás é esse poeta m oderno, enquanto Deus é seu ancestral m orto mas ainda em haraçosam ente potente e presente, ou melhor, poeta ancestral. Adão é o poeta m oderno potencialm ente forte, mas em seu m om ento mais fraco, quando ainda não encontrou sua própria voz. Deus não tem Musa, e não precisa de nenhum a, uma vez que está m orto, sua criatividade manifestada apenas no pretérito do poema. Dos poetas vivos no poem a, Satanás tem o Pecado, Adão tem Eva e Milton apenas sua Amante Interior, uma Emanação bem lá no fundo que chora sem cessar pelo pecado dele, e que é m agníficamente invocada quatro vezes no poem a. Milton não lhe dá nom e, em bora a invoque sob vários; mas, com o ele diz, “o significado, não o Nome eu invoco”. Satanás, um poeta mais forte do que m esm o Milton, já avançou além de invocar sua Musa.
Por que chamar Satanás de poeta m oderno? Porque ele lança, com o uma sombra gigantesca, um problem a no âmago de Milton e Pope, uma dor que purifica pelo isolam ento em Collins e Gray, em Smart e Cowper, em ergindo plenam ente pa ra m ostrai-se visível em Wordsworth, que é o Poeta M oderno exemplar, o Poeta mesmo. A encarnação do Caráter Poético em Satanás com eça quando com eça de fato a história contada por Milton, com a Encarnação do Filho de Deus e a rejeição dessa encarnação por Satanás: “Não sabem os de tem po algum em que não fom os com o agora”, e “Ser fraco é ser infeliz, fazendo ou sofrendo”.
Adotemos a seqüência do próprio Milton no poem a. A p oesia com eça com a nossa consciência não da Queda, mas de que estam os caindo. O poeta é o nosso hom em escolhido, e sua consciência de escolha lhe vem com o uma m aldição; mais uma vez, não “Eu sou um hom em caído”, mas “Eu sou Hom em , e
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estou caindo” — ou m elhor: “Eu era Deus, eu era Homem (pois para um poeta eram a mesma coisa), e estou caindo, de mim m esm o.” Quando essa consciência do eu é elevada a um pico absoluto, então o poeta bate no chão do Inferno, ou m elhor, chega ao fundo de um abismo, e com seu impacto ali cria o Inferno. Ele diz: “Parece que parei de cair; agora estou caído, conseqüentem ente jazo aqui no Inferno.”
Ali e então, nesse mal, ele descobre seu bem ; escolhe o heróico, conhecer a danação e explorar os limites do possível dentro dela. A alternativa é arrepender-se, aceitar um Deus inteiram ente diferente do eu, inteiram ente externo ao possível. Esse Deus é a história cultural, os poetas m ortos, os constrangim entos de uma tradição que se tornou demasiado rica para precisar de mais alguma coisa. Mas nós, para entendermos o poeta forte, devemos ir ainda mais à frente do cjue ele pode, de volta ao equilíbrio antes da chegada da consciência da queda.
Quando Satanás ou o poeta olha em volta o chão de fogo que seu eu em queda ateou, vê prim eiro um rosto que mal reconhece, seu m elhor amigo, Belzebu, o talentoso poeta que jamais teve sucesso de fato, e agora jamais terá. E, com o o verdadeiro poeta forte que é, Satanás só se interessa pelo rosto de seu m elhor amigo na medida em que lhe revela a condição de seu próprio rosto. Esse interesse limitado não zom ba nem dos poetas que conhecem os, nem do verdadeiram ente heróico Satanás. Se Belzebu está tão ferido, se parece tão diferente da verdadeira form a que deixou atrás nos felizes campos de luz, então o próprio Satanás está hediondam ente privado de beleza, condenado, com o Walter Pater, a ser um Calibã das letras, acuado em essencial pobreza, em penúria imaginativa, quando antes era quase o mais rico, e ftão precisava de quase nada. Mas Satanás, na amaldiçoada força do poeta, recusa-se a meditar sobre isso, e volta-se ao contrário para sua tarefa, que é reunir tudo que resta.
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Essa tarefa, abrangente e profundam ente imaginativa, inclui o que podem os qualificar com o motivação para a escrita de qualquer poesia de fins não estritam ente religiosos. Pois por que os hom ens escrevem poemas? Para reunir tudo que resta, e não para santificar nem propor. O heroísm o da persistência — do Adão pós-queda de Milton, e do Filho em Paradise Lost — é um tema para a poesia cristã, mas apenas mal e mal um heroísm o para poetas. Ouvimos Milton de novo, festejando a virtude natural do poeta forte, quando Sansão provoca Harapha: “Traz tua vanguarda, /Tenho os calcanhares agrilhoa- dos, mas o punho solto.” O heroísm o final do poeta, em Milton, é um espasm o de autodestruição, glorioso porque faz desm oronar o tem plo de seus inimigos. Satanás, organizando seu caos, im pondo sua disciplina apesar da visível escuridão, con clam ando os asseclas a em ular sua recusa a lamentar-se, tor- na-se o herói com o poeta, descobrindo o que deve bastar, em bora sabenclo que nada pode bastar.
Trata-se de um heroísm o que fica exatam ente na fronteira do solipsism o, nem dentro nem além dele. O declínio posterior de Satanás no poem a, arrumado pelo Perguntador Idiota em Milton, é que o herói se retira dessa fronteira para o solipsismo, e assim é degradado; deixa, durante seu soliloquio no Monte Nifates, de ser um poeta e, entoando a fórm ula “Mal, sé meu bem ”, torna-se um m ero rebelde, um inversor infantil de categorias morais, outro chato ancestral dos estudantes não estudantes, a perpétua Nova Esquerda. Pois o poeta m oderno, na alegria de sua força sofredora, está sempre na outra margem do solipsism o, havendo acabado de em ergir dele. Seu difícil equilíbrio, de Wordsworth a Stevens, é m anter uma posição bem ali, onde com sua própria presença diz: “O que eu vejo e ouço vem apenas de mim m esm o”, e no entanto tam bém : “Nada tenho além do eu sou, e com o eu sou, eu sou .” O prim eiro, por si m esm o, é talvez o fino desafio de um escancarado solipsismo, que rem onta a um equivalente de “Não sei de tem po algum em que eu não fosse com o agora.” Mas o se
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gundo é a m odificação que produz a poesia, em vez da idiotice. “Não há objetos fora de mim porque eu vejo dentro da vida deles, que é a m esm a que a minha, e assim ‘eu sou o que sou’, o que significa: ‘Eu também estarei presente onde quer e sempre que prefira estar p resente.’ Não estou tanto em processo que todo movimento possível seja de fato possível, e se no presente exploro apenas meus próprios antros, pelo m enos exploro.” Ou, com o poderia ter dito Satanás: “Fazendo e sofrendo, eu serei feliz, pois m esm o no sofrim ento serei forte.”
É triste observar a maioria dos críticos m odernos observando Satanás, porque jamais o observam. O catálogo de não visão dificilmente pode ser mais distinto, desde Eliot, que fala do “herói byrônico, de cabelos cacheados, de M ilton” (tem-se vontade de perguntar, olhando em volta: “Quem?”), à espantosa resvalada para trás de Northrop Frye, que invoca, em p olido ridículo, um contexto wagneriano (tem-se vontade de lamentar: “Um verdadeiro crítico, e do partido de Deus sem o saber”). Felizmente tivemos Empson, com seu oportuno grito de convocação: “Voltemos a Shelley!”, que é para onde eu vou.
Contem plando a maldade de Milton com Satanás, com seu rival poeta e irmão negro, Shelley falou do “pernicioso casuísm o” m ontado na m ente do leitor de Milton, que seria tentado a pesar os erros de Satanás contra a malícia de Deus com ele, e desculpar Satanás porque Deus foi malicioso além de toda conta. O que Shelley queria dizer foi distorcido pela escola C .S. Lewis ou Angélica de Crítica Miltônica, que pesou os erros de Satanás e as injustiças de Deus e constatou que Satanás perdia na balança. Esse pernicioso casuísmo, Shelley haveria concordado, não seria m enos pernicioso se constatássemos (com o eu faço) que o Deus de Milton é quem perde. Continuaria sendo casuísmo, e com o discurso sobre poesia continuaria sendo moralizador, o que significa: pernicioso.
Mesmo os poetas mais fortes foram a princípio fracos, pois começaram com o Adãos em perspectiva, não com o Satanases em perspectiva. Blake dá a um estado de ser o nom e de Adão, e
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chama-o de Limite de Contração, e a outro estado o de Satanás, e chama-o de Limite de Opacidade. Adão é o hom em existente ou natural, além do qual nossas imaginações não se contrairão. Satanás é o desejo contido ou frustrado do hom em natural, ou m elhor, a sombra ou Espectro desse desejo. Além dessa condição espectral, não nos endurecerem os contra a visão, mas o Espectro se entoca em nossa repressão, e estamos endurecidos o bastante, uma vez que estamos contraídos o bastante. O bastante, lamenta nosso espírito, para não vivermos nossas vidas, o bastante para deixarmos, assustados pelo Querubim Cobridor, em blem a de Blake (que vem de Milton, e de Ezequiel, e do Gênese), nosso potencial criativo por aquela porção de criatividade em nós que foi para a constrição e dureza. Blake nom eou com precisão essa parte renegada do Homem. Antes da Queda (que para Blake significa antes da Criação, sendo os dois acontecimentos um só para ele), o Querubim Cobridor era o gênio pastoral Tharmas, um processo unificador que produzia consciência indivisa; a inocência, pré-refletiva, de um estado sem sujeitos e objetos, mas em nenhum risco de solipsismo, pois lhe faltava também uma consciência do eu. Tharmas é o poder de realização do poeta (ou de qualquer um), com o o Querubim Cobridor é o poder que bloqueia a realização.
Nenhum poeta, nem m esm o um tão obstinado com o Milton ou Wordsworth, é um Tharmas, neste avançado da história, nem o Anjo Cobridor, em bora Coleridge e Hopkins se deixassem, afinal, dom inar por ele, com o talvez tam bém Eliot. Os poetas neste avançado da tradição são ao m esm o tem po Adão e Satanás. Com eçam com o hom ens naturais, afirmando que não se contrairão mais, e terminam com o desejos frustrados, frustrados apenas por não poderem se endurecer apocalípticam ente. Mas, entre os dois extrem os, os m aiores deles são muito fortes, e avançam num a intensificação natural que caracteriza Adão em seu breve auge e numa heróica auto-realização que caracteriza Satanás e sua breve e mais que natural glória. A intensificação e a auto-realização, igualmente, só se concreti
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zam pela linguagem, e nenhum poeta desde Adão e Satanás fala uma linguagem livre da lavrada por seus precursores. Chomsky observa que, quando se fala uma língua, sabe-se muita coisa que jamais se aprendeu. O esforço da crítica é para ensinar uma linguagem, pois o que jamais se aprendeu, mas vem com o dom de uma língua, é uma poesia já escrita — uma intuição que derivo da observação de Shelley de cjue toda língua é a relíquia de um abandonado poem a cíclico. Q uero dizer que a crítica ensina não uma linguagem de crítica (uma visão formalista ainda mantida em com um por arquetipistas, estru- turalistas e fenom enologistas), mas uma linguagem em que a poesia já está escrita, a linguagem da influência, da dialética que governa as relações entre poetas como poetas. O poeta em cada leitor não sente a mesma disjunção do que lê que o crítico em cada leitor necessariam ente sente. O que dá prazer ao crítico no leitor pode causar angústia ao poeta nele, uma angústia que aprendem os, com o leitores, a ignorar, para nosso prejuízo e risco. Essa angústia, esse m odo de melancolia, é a angústia da influência, o terreno sombrio e daem ônico no qual entram os agora.
Como os hom ens se tornam poetas, ou adotam um fraseado antigo, com o se encarna o caráter poético? Quando um poeta em potencial descobre (ou é descoberto por) a dialética da influência, descobre a poesia com o sendo ao m esm o tempo interna e externa a si m esm o, inicia um processo que só acabará quando não mais tiver poesia dentro de si, muito depois de ter o poder (ou desejo) de redescobri-la fora de si. Embora toda essa descoberta seja um auto-reconhecim ento, na verdade um Segundo Nascimento, e deva, no puro bem da teoria, se realizar em perfeito solipsismo, é um ato jamais com pleto em si. Influência poética no sentido — espantoso, agónico, prazeroso — de outros poetas, sentida nas profundezas do quase perfeito solipsista, o poeta potencialm ente forte. Pois o poeta está condenado a aprender seus mais profundos anseios através da consciência de outros eus. O poem a está dentro
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dele, mas ele sente a vergonha e o esplendor de ser descoberto p o r poem as — grandes poem as — fo ra dele. Perder a liberdade nesse centro é jamais perdoar, e aprender para sem pre o pavor da autonom ia ameaçada.
“O coração de todo rapaz”, diz Malraux, “é um cem itério no qual estão inscritos os nom es de mil artistas mortos, mas cujos únicos cidadãos de lato são alguns fantasmas poderosos, muitas vezes antagônicos.” “O poeta”, acrescenta, “é acossado por uma voz com a qual as palavras se devem harmonizar.” Como seus principais interesses são visuais e narrativos, Malraux chega à fórmula: “De pastiche a estilo”, cjue não é adequada à influência poética, onde o movimento para a auto-realização está mais próxim o do mais drástico espírito da máxima de Kierkegaard: ‘Aquele que se dispõe a trabalhar dá à luz seu próprio pai.” Lembramos com o durante tantos séculos, dos filhos de H om ero aos filhos de B en Jonson, a influência poética foi descrita com o uma relação filial, e depois passamos a ver que a influência poética, mais que a filia çã o , é um produto do Ilumínismo, mais um aspecto do dualismo cartesiano.
A palavra “influência” recebeu o sentido de “ter poder sobre ou tro” já no latim escolástico de Tomás de Aquino, mas durante séculos não iria perder o sentido do radical “influxo”, nem o sentido básico de em anação ou força vinda das estrelas sobre a humanidade. Como usada pela primeira vez, ser influenciado significava receber um fluido etéreo que descia das estrelas sobre nós, um fluido que afetava nosso caráter e destino, e que alterava todas as coisas sublunares. Um p o d er— divino e m oral — depois sim plesm ente um poder secreto — exercia-se, em desafio a tudo que parecia voluntário em nós. Em nosso sentido — de influência poética — a palavra é m uito tardia. Em inglês, não é um dos term os críticos de Dryden, e jamais é usada em nosso sentido por Pope. Johnson , em 1755, define a influência com o sendo astral ou moral, e diz sobre a últim a que é “Poder ascendente; poder de orientar ou m odificar”; mas os exem plos que cita são religiosos ou pessoais, não literários.
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Para Coleridge, duas gerações depois, a palavra tem substancialm ente o nosso sentido no contexto da literatura.
Mas a angústia precedera de muito o uso. Entre Ben Jo n son e Samuel Johnson , a lealdade filial entre poetas dera lugar aos labirínticos afetos do que o hum or de Freud chamou de “rom ance familiar”, e o poder moral se tornara um legado de melancolia. Ben Jon so n ainda vê influência com o saúde. Com im itação, diz que quer dizer: “Poder converter a substância ou riqueza de outro poeta para nosso próprio uso. Escolher um hom em excelente acima do resto, e assim segui-lo até tornar- mo-nos ele m esm o, ou tão sem elhante a ele quanto uma cópia pode ser tomada pelo original.” Portanto, Ben Jon so n não tinha angústia quanto à imitação, pois para ele (inovadoram ente) a arte é trabalho pesado. Mas a som bra caiu, e com a paixão pós-Iluminista pelo Gênio e o Sublime, veio tam bém a angústia, pois a arte transcendia o trabalho pesado. Edward Young, com sua estima longiniana pelo Gênio, rumina sobre as mefíticas virtudes dos pais poéticos e antecipa o Keats das cartas e o Em erson de Self-Reliance [Autodependênciaj quando lamenta, sobre os grandes precursores: “Eles absorvem a nossa atenção, e com isso im pedem uma devida inspeção de nós mesmos;preconceituam nosso julgamento em favor de seus talentos, e com isso afrouxam o senso dos nossos; e nos intim id a m com esse esplendor de sua fama.” E o Dr. Samuel Jo h n son, hom em mais robusto e com lealdades mais clássicas, ainda assim criou uma matriz crítica com plexa em que as noções de indolência, solidão, originalidade, imitação e invenção se misturam de m odo ainda mais estranho. Joh n son protestava: “O caso de Tántalo, na região do castigo poético, era para causar certa pena, porque os frutos que pendiam à sua volta recuavam de sua mão; mas que ternura pode ser reivindicada por aqueles que, em bora talvez sofram as dores de Tántalo, jamais erguerão a mão para seu próprio alívio?” Nós estrem ecem os com o protesto de Johnson , e mais ainda porque sabem os que ele se refere a si próprio, pois com o poeta era outro Tántalo,
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outra vítima do Querubim Cobridor. Nesse aspecto, só Shakespeare e Milton escaparam ao seu açoite; até Virgílio foi condenado com o demasiado simples imitador de Hom ero. Pois, com Johnson , o m aior crítico da língua, tem os tam bém o prim eiro grande diagnosticador da doença da influência poética. C ontudo, o diagnóstico pertence à sua época. Hume, que admirava Waller, achava que este só se salvou porque H orácio estava muito distante. Nós estam os mais à frente, e vem os que Horácio não estava distante o suficiente. Waller m orreu. Horácio está vivo. “O fardo do governo”, meditava Joh n son , “é acrescido para os príncipes pelas virtudes de seus antecessores im ediatos”, e acrescentava: “Aquele que sucede um escritor fam oso tem de enfrentar as m esmas dificuldades”. Nós conhecem os muito bem o hum or rançoso disso tudo, e qualquer leitor de Advertisem ents for M yself ¡Anúncios de mim m esm o] pode apreciar a frenética dança de Norman Mailer lutando para escapar de sua angústia, que é, afinal, Hemingway do princípio ao fim. Ou, m enos prazerosos, podem os 1er The Far Field [O cam po distante], de Roethke, ou His Toy, Flis Dream, H is Rest [Seu brinquedo, seu sonho, seu repouso], de Berrym an, e descobrir que o cam po, ai, está demasiado próxim o dos de W hitman, Eliot, Stevens, Yeats, e o brinquedo, sonho e verdadeiro repouso são também os confortos dos m esm os poetas. Influência, para nós, é a angústia que era para Joh n son e Hume, mas o clrama se amplia e a dignidade diminui nessa história.
A Influência Poética, em baçada pelo tem po, faz parte do fenôm eno m aior do revisionismo intelectual. E o revisionismo, seja em teoria política, psicologia, direito, poética, mudou de natureza em nosso tem po. A ancestral do revisionism o é a heresia, mas esta tendia a m udar a doutrina herdada mais por um a alteração de equilibrios que pelo que se poderia chamar de coerção criativa, característica mais particular do m oderno revisionismo. A heresia resultava, em geral, de um a mudança de ênfase, enquanto o revisionism o segue a doutrina herdada até um certo ponto, e depois se desvia, insistindo em que se
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tom ou uma direção errada naquele exato ponto, e não em outro. Freud, vendo seus revisionistas, m urmurou: “Basta apenas pensar nos lbrtes fatores em ocionais que tornam difícil para muita gente enquadrar-se com os outros ou subordinar-se”, mas tinha demasiado tato para examinar esses “fatores em ocionais”. Blake, afortunadam ente livre desse tato, contínua sendo o mais profundo e original teórico do revisionismo a surgir desde o Iluminismo, e um inevitável auxílio no desenvolvimento de uma nova teoria da Influência Poética. Ser escravizado pelo sistema de qualquer precursor, diz, é ter a criatividade inibida por um raciocínio e com paração obsessivos, supõe-se que das próprias obras com as do precursor. A Influência Poética é pois uma doença da autoconsciência; mas Blake não se liberou de seu quinhão de angústia. O que o perseguia, uma litania de males, vinha-lhe com mais força em sua visão do m aior de seus precursores:
... As Fêmeas-Machos, as Formas de Dragão,Religião oculta na guerra, um Dragão rubro & Prostituta oculta.
Todos esses se vêem na Sombra de Milton, que é o Querubim C obridor... *
Nós sabem os, com o sabia Blake, que Influência Poética é ganho e perda, inseparavelm ente entrelaçados no labirinto da história. Qual é a natureza do ganho? Blake estabelecia distinção entre Estados e Indivíduos. Os Indivíduos passavam por Estados de Ser, e perm aneciam Indivíduos, mas os Estados estavam sem pre em processo, sem pre mudando. E só os Estados eram culpados, os Indivíduos jamais. A Influência Poética é a passagem de Indivíduos, ou Particulares, por Estados. Como todo revisionismo, a Influência Poética é um dom do espírito
... the Male-Females, the Dragon Forms, / Religiorrhid in War, a D ragon red & hidden Harlot. / All these are seen in Milton ’s Shadow, who is the Covering C herub...
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que só nos vem através do que se poderia chamar, desapasionadam ente, de perversidade do espírito, ou o que Blake com mais exatidão julgava ser a perversidade dos Estados.
Acontece que um poeta influencia outro, ou mais precisam ente, que os poemas de um poeta influenciam os de outro, por uma generosidade do espirito, até m esm o um a generosidade partilhada. Mas nosso idealismo fácil fica deslocado aqui. No cjue se refere à generosidade, os poetas influenciados são m enores, ou mais fracos; quanto mais generosidade, e quanto mais mútua ela é, mais m edíocres os poetas envolvidos. E, também neste caso, o influenciam ento se faz por apropriação, em bora isso tenda a ser não deliberado e quase inconsciente. Chego ao princípio central de m inha tese, que não é mais verdadeira p or seu extrem ism o, mas apenas suficientem ente verdadeira:
A influência poética — quando envolve dois poetas flirtes, autênticos — sem pre se d á p o r um a leitura distorcida do po eta anterior, um ato d e correção criativa q u e é na verdade e necessariam ente um a interpretação distorcida. A história d a influência poética frutífera , o q u e significa a p rin cip a l tradição da poesia ocidental desde o Renascimento, é um a história de angústia e caricatura auto-salvadora, de distorção, ou perverso e deliberado revisionismo, sem o q u a l a poesia m od ern a com o tal não p o d eria existir.
Meu Interrogador Idiota, feliz da vida enroscado no labirinto de meu ser, protesta: “Para que serve um tal princípio, seja o argum ento que informa verdadeiro ou não?” E de algum proveito serm os informados de que os poetas não são leitores com uns, e sobretudo não são críticos, no sentido verdadeiro de críticos, leitores com uns elevados ao mais alto poder? E que é m esm o Influência Poética? Pode o seu estudo ser de fato algum a coisa mais que a cansativa indústria da busca de fon tes, da contagem de alusões, uma indústria que, de qualquer m odo, em breve tocará o apocalipse, quando passar dos inte-
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lectuais para os computadores? Não há o lugar-comum que nos foi legado p o r Eliot, de que o bom p oeta rouba, en qu an to o m edíocre trai uma influência, tom a uma voz emprestada? E não há todos os grandes idealistas da crítica literária, os nega- dores da influência poética, que vão de Em erson com suas máximas: “Insiste em ti m esm o: jamais im ites”, e “Não é possível que a alma se digne repetir-se”, até a recente transform ação de Northrop Erye no Arnold de nosso tem po, com sua insistência em que o Mito da Preocupação impede os poetas de sentir as angústias da obrigação?
Contra um tal idealismo, citam os com prazer a grande observação de Lichtenberg: “Sim, eu também gosto de admirar grandes hom ens, mas só aqueles cujas obras não enten d o.” Ou, novamente de Lichtenberg, que é um dos sábios da Influência Poética: “Fazer exatam ente o oposto é uma form a de imitação, e a definição de imitação deve por direito incluir as duas coisas.” O que ele quer dizer é que a Influência Poética é em si mesma um oxím oro, e tem razão. Mas também, igualm ente o é o Amor Rom ântico, o análogo mais próxim o da Influência Poética, mais uma esplêndida perversidade do espírito, em bora siga na exata direção oposta. O poeta que enfrenta o seu Grande Original deve encontrar o defeito que lá não está, e no coração m esm o de quase toda virtude imaginativa. O amante é atraído para o coração da perda, mas é en con trado, com o encontra, dentro da ilusão mútua, o poem a que lá não está. “Quando duas pessoas se apaixonam ”, diz Kierkegaard, “e com eçam a sentir que foram feitas uma para a outra, é hora de separarem-se, pois indo em frente têm tudo a perder e nada a ganhar.” Q uando o efebo, ou a figura do jovem com o poeta viril, é encontrado p or seu Grande Original, está na hora de ir em frente, pois tem tudo a ganhar, e seu precursor nada a perder; se os poetas plenam ente esc-i tos estão de fato além da perda.
Mas há o estado cham ado Satanás, e nessa opressão os poetas devem apropriar-se para si mesmos. Pois Satanás é uma
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pura ou absoluta consciência cio eu levado a admitir sua íntima aliança com a opacidade. O estado de Satanás é pois uma consciência constante de dualismo, de estar preso no finito, não apenas no espaço (no co rp o ), mas tam bém no tem po cron ológico. Ser puro espírito, mas conhecer em si m esm o o lim ite da opacidade; afirmar que rem onta a antes da Criação-Queda, mas ser obrigado a ceder ao número, peso e medida; esta é a situação do poeta forte, da imaginação capaz, quando enfrenta o universo da poesia, as palavras que foram e serão, o terrível esplendor da herança cultural. Em nosso tem po, a situação se torna ainda mais desesperada cjue no século XVIII, impregnado p or Milton, ou no século XIX, im pregnado por W ordsworth, e nossos poetas atuais e futuros só têm o consolo de saber que não surgiu uma figura titánica desde Milton e W ordsworth, nem m esm o Yeats e Stevens.
Se se exam ina mais ou m enos uma dezena de grandes influências poéticas antes deste século, descobre-se logo que entre eles figura o Grande Inibidor, a Esfinge que estrangula no berço até m esm o imaginações foi'tes: Milton. O lem a da poesia inglesa desde Milton foi declarado por Keats: ‘A Vida para ele seria a Morte para m im .” Essa mortal vitalidade de Milton é o estado de Satanás nele, e nos é mostrada não tanto pela personagem de Satanás em Paradise Lost quanto pela relação editorializante de Milfon com seu próprio Satanás, e pela sua relação com todos os poetas foites do século XVIII e com a maioria dos do século XIX.
Milton é o problem a central em qualquer teoria e história da influência poética em inglês; talvez mais ainda que Wordsworth, que está mais próxim o de nós do que de Keats, e que nos põe frente a frente com tudo que há de mais problem ático na poesia m oderna, o que significa em nós m esm os. O que une essa linhagem ruminativa — da qual Milton é o ancestral; Wordsworth o grande revisionista; Keats e Wallace Stevens, entre outros, os herdeiros dependentes — é a honesta aceitação de um dualismo real, em oposição ao feroz desejo de supe-
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rar todos dualismos, um desejo que dom ina a linhagem visionária e profética desde a relativa mansidão do tem peram ento de Spenser até as variadas ferocidades de Blake, Shelley, Browning, Whitman e Yeats.
Eis a voz autêntica da linhagem ruminativa, a poesia da perda, e também a voz do poeta forte aceitando sua tarefa, reunindo o que resta:
Adeus, campos felizes Onde a alegria para sempre habita: Salve, horrores, salve, Mundo infernal, e tu, mais profundo Inferno Recebe teu novo Possuidor; Alguém que traz Uma mente que não será mudada por Lugar ou Tempo,A mente é seu próprio lugar, e em si mesmaPode fazer de um Inferno um Céu, de um Céu um Inferno,Que importa onde, se ainda serei o m esm o...?*
Estes versos, para a escola C. S. Lewis ou Angélica, representam idiotice moral, e devem ser recebidos com gargalhadas, se nos lem bram os de iniciar o dia com o Ódio a Satanás de nosso Bom-Dia. Se, no entanto, não som os tão m oralm ente sofisticados, é provável que nos comovam muito. Não que Satanás não esteja enganado; claro que está. Há um terrível drama em seu “ainda serei o m esm o”, uma vez que ele não é o m esm o, e jamais voltará a ser. Está adotando um dualismo heróico, nesse adeus consciente à Alegria, um dualismo sobre o qual se funda quase toda a influência poética pós-m iltônica na linguagem.
Para Milton, toda experiência de queda tem sua inevitável fundação na perda, e o paraíso só poderia ser reconquistado por um Homem Superior, e não por qualquer poeta. Contudo, o Grande Original do próprio Milton, com o eíe confessou a
* Farewell bappy fields / Where joy fo r ever dwells: ¡H ail horrors, hail / Infernal world, a n d thou profoundest H ell f Receive thy new Possessor: One who brings/A m in d not to be chang'd by Place or Time, j The m ind is its own place, a n d in it self ! Can m ake a H eav’n o f Hell, a Hell o f H eav’n, / What m atter where, i f I be still the same...
84 .4 Angústia da influência
Diytlcn, foi Spenser, que perm ite a seu Colin vim Paraíso de Poeta, no Livro VÏ de The Faerie Queene [A rainha fada]. Milton— com o enfatizam Joh n son e Hazlitt — foi incapaz de suportar a angústia da influência, ao contrário de todos os seus descendentes. Jo h n so n insistia em que, de todos os que tomaram em préstim o a Hom ero, Milton foi o m enos endividado, acrescentando: “Hle era naturalm ente um pensador por si mesmo, confiante em suas próprias capacidades, e desdenhoso de ajuda ou estorvo: não recusava admissão ao pensam ento ou imagens de seus antecessores, mas não os buscava.” Hazlitt, num a aula a que Keats assistiu — uma influência em sua noção posterior de Capacidade Negativa — observou, sobre a capacidade positiva de Milton de devorar seus precursores: “Lendo suas obras, sentim o-nos sob a influência de um poderoso intelecto, que quanto mais perto chega dos outros, mais distinto se torna deles.” O quê, então, somos obrigados a perguntar, queria dizer Milton ao citar Spenser com o seu Grande Original? Pelo m enos isto: que em seu Segundo Nascimento, renasceu no m undo rom anesco de Spenser, e tam bém que, quando substituiu o que veio a encarar com o ilusão unitária do rom ance de Spenser pela aceitação de um dualismo real com o a dor de existir, manteve seu senso de Spenser com o senso do Outro, o sonho de Alteridade que todos os poetas devem sonhar. Pode dizer-se que ao se separar da aspiração unitária de sua juventude, Milton gerou a poesia que chamamos pós-ilum inista ou rom ântica, a poesia que tom a com o seu tem a obsessivo o poder da m ente sobre o universo da m orte, ou, com o colocou Wordsworth, em que m edida a m ente é senhor e amo, os sentidos externos servos de sua vontade.
Nenhum poeta m oderno é unitário, quaisquer que sejam as crenças que declare. Os poetas m odernos são necessariam ente infelizes dualistas, porque essa infelicidade, essa p obreza, é o ponto de partida de sua arte — Stevens fala, apropriadam ente, da “profunda poesia cios pobres e dos m ortos”. A p oesia pode ou não produzir sua própria salvação num hom em ,
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mas só vem àqueles em desesperada necessidade dei;?, ■ y.-. possa vir-lhes com o terror. E essa necessidade c primeiro pela maneira com o o jovem poeui ou eíebo 11 :.■■ ■: •. r . ■ sia de outro poeta, do Outro cuja maléfica grandeza c realçada pelo fato de o efebo o ver com o uma ardente luminosidade contra um a moldura de trevas, mais ou m enos corno o Hardo da Experiência de Blake vê oTygre, o u jó o Leviatã e Beem oíe, Ahab a Baleia Branca, Ezequiel o Querubim Cobridor, pois todas essas são visões da Criação tornada malévola ou acua dora, de um esplendor que ameaça o Buscador Prometéico que todo efebo está para se tornar.
Para Collins, para Cowper, para m uitos Bardos da Sensibilidade, Milton era o lÿgre, o Querubim Cobridor a impedir que uma nova voz entrasse no Paraíso do Poeta. O sím bolo desta discussão é o Querubim Cobridor. No Gênese, ele é o Anjo de Deus; em Ezequiel, o príncipe de Tiro; em Blake, o caído Tharmas e o Espectro de Milton; em Yeats, o Espectro de Blake. Nesta discussão, é o pobre dem ônio de muitos nom es (tantos nom es quantos poetas fortes existam), uma vez que os hom ens ainda não imaginaram um nom e final para a angústia que bloqueia sua criatividade. É aquela alguma coisa que faz dos hom ens vítimas e não poetas, um dem ônio de discursividade e umbrosas continuidades, um pseudo-exegeta que transforma textos em Escrituras. Não pode estrangular a imaginação, pois nada pode fazer isso, e seja com o for é demasiado fraco para estrangular qualquer coisa. O Querubim Cobridor pode clisfar- çar-se com o a Esfinge (com o fez o Espectro de Milton, nos pesadelos da Sensibilidade), mas a Esfinge (cujas obras são poderosas) tem de ser fêm ea (ou pelo m enos um m acho fêmea). O Querubim é m acho (ou pelo m enos uma fêmea macho). A Esfinge faz enigmas, estrangula e acaba autodespedaçada, mas o Querubim só cobre, só parece bloquear o cam inho, não pode fazer mais que ocultar. A Esfinge, porém , está no cam inho, e tem de ser desalojada. O decifrador de enigmas está em todo poeta quando parte em sua busca. Constitui a grande ironia da
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vocação poética o fato de que os poetas fortes podem realizar a tarefa maior, mas fracassar na menor. Eles afastam a Esfinge (senão não podem ser poetas, pelo m enos por mais de um volum e), mas não podem descobrir o Querubim . Os hom ens mais com uns (e às vezes poetas m enores) podem descobrir o suficiente do Querubim para viver (em bora não para escolher a Perfeição da Vida), mas só se aproximam da Esfinge com risco de m orte por estrangulam ento.
Pois a Esfinge é natural, mas o Querubim está mais p róxim o do hum ano. A Esfinge é angústia sexual, mas o Querubim é angústia criativa. A Esfinge encontra-se no cam inho de volta às origens, mas o Querubim está no que leva à possibilidade, senão à realização. Os bons poetas são cam inhantes poderosos na estrada de volta — daí sua profunda alegria com o degistas— mas só uns poucos se abriram à visão. D escobrir o Q uerubim não exige tanto poder quanto persistência, ausência de rem orso, vigília constante; pois o agente bloqueador que obstrui a criatividade não cai num “sono de pedra” tão prontam ente quanto a Esfinge. Em erson achava que o poeta decifrava a Esfinge percebendo uma identidade na natureza, ou então cedia à Esfinge, se era sim plesm ente bom bardeado por diversos detalhes que jamais poderia esperar absorver. A Esfinge, na visão de Em erson, é a natureza e o enigm a de nosso surgim ento da natureza, o que significa que é o que os psicanalistas chamaram de Cena Primal. Mas que é a Cena Primal, para o poeta como poetei? É o coito de seu Pai Poético com a Musa. Foi ele ali concebido? Não — ali não conseguiram concebê-lo. Ele deve ser autoconcebido, deve gerar-se na Musa sua mãe. Mas a Musa é tão perniciosa quanto a Esfinge ou o Q uerubim Cobridor, e pode identificar-se com qualquer dos dois, em bora de m aneira mais geral com a Esfinge. O poeta forte não consegue conceber-se — tem de esperar pelo Filho, que o definirá no m om ento m esm o em que definiu seu Pai Poético. C onceber aqui significa usurpar, e é o labor dialético do Querubim . En-
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trando aqui no centro de nossa aflição, devemos vê-lo claramente.
Que cobre o Querubim , no G ênese, em Ezequiel, em Blake? G ênese 3 :24 — “E havendo lançado fora o hom em , pôs querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o cam inho da árvore da vida.” Os rabinos entenderam o querubim aqui com o simbolizando o terror da presença de Deus; para Rashi, eram “anjos de destruição”. Ezequiel, 28 :16 , nos dá um texto ainda mais íeroz:
Tu eras o querubim, ungido para cobrir [mimschacb, “chegar longe” segundo Rashi], e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti. Na multiplicação do teu comércio encheram o teu interior de violência, e pecaste; por isso te lancei, profanado, do monte de Deus, e te fiz perecer, ó querubim cobri- dor, do meio das pedras afogueadas.*
Aqui Deus denuncia o Príncipe de Tiro, que é um querubim porque o querubim no tabernáculo e no Templo de Salomão abria as asas sobre a arca, e assim a protegia, com o o Príncipe de Tiro outrora protegia o Éden, o jardim de Deus. Blake é um profeta ainda mais feroz contra o Querubim Cobridor. Para ele, Voltaire e Rousseau eram o Querubim Cobridor de Vala, sendo Vala a beleza ilusória do mundo natural, e os profetas do Ilumi- nism o naturalista seus servidores. No “breve ép ico” de Blake, chamado M ilton, o Querubim Cobridor fica entre o Homem realizado, que é ao m esm o tem po Milton, Blake e Los, e a em anação ou amada. EmJerusalém , de Blake, o Querubim aparece com o o agente bloqueador entre Blake-Los e Jesus. A resposta ao que o Querubim cobre é portanto: em Blake, tudo que a
* Esta e todas as outras citações bíblicas daqui por diante são extraídas da tradução revisada do Padre João Ferreira d’Almeida, Online Bible. — N.T.
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própria natureza cobre; em Ezequiel, a riqueza da terra; mas pelo paradoxo blakiano de a parenta r ser essas riquezas ; no G ênese, o Portão do O riente, o Caminho para a Árvore da Vida.
O Querubim Cobridor separa, então? Não — não tem p oder para tanto. A Influência Poética não é uma separação, mas uma vitimização — uma destruição do desejo. O sím bolo da Influência Poética é o Q uerubim Cobridor, porque o Q uerubim sim boliza o que veio a ser a categoria cartesiana da extensão-, daí ser descrito com o m im shach — “chegar longe”. Não por acaso Descartes e seus colegas e discípulos são os inimigos últimos da visão poética na tradição romântica, pois a extensão cartesiana é a categoria raiz do dualismo m oderno (em oposição ao paulino), do assom broso abismo entre nós e o objeto. Descartes via ob jetos com o espaço localizado; a ironia da visão rom ântica é que se rebelou contra Descartes, mas, a não ser em Blake, não foi suficientem ente longe — Wordsworth e Freud, do m esm o m odo, continuam sendo dualistas cartesianos, para os quais o presente é um passado precipitado, e a natureza um contínuo de espaços localizados. Essas reduções cartesianas de tem po e espaço trouxeram sobre nós a praga extra do aspecto negativo da influência poética, ou influenza [gripe], no reino da literatura, com o o influxo de uma epidem ia de angústia. Em vez da radiação de um fluido etéreo, recebem os o fluir poético de um poder oculto exercido mais por seres hum anos que pelas estrelas sobre os seres hum anos; “ocu lto” porque invisível e insensível. Isola a mente, com o intensivi- d a d e , do m undo externo com o extensividade , e a m ente aprende — com o jamais antes — sua própria solidão. O pensador solitário nega sua filiação e irmandade, assim com o o Uri- zen de Blake, uma sátira ao Gênio cartesiano, é um arquétipo do poeta forte afligido pela angústia da influência. Se há dois m undos, disjuntivos — um, uma imensa m áquina m atem ática estendida no espaço, e o outro com posto de espíritos pensantes não estendidos — com eçam os a localizar nossas angústias ao longo desse contínuo estendido para trás no espaço, e
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nossa visão do Outro se amplia quando o Outro é colocado no passado.
O Querubim Cobridor é pois um dem ônio de continuidade-, seu m aléfico encanto aprisiona o presente no passado, e reduz um m undo de diferenças a um cinza de uniform idade. A identidade de passado e presente é a mesma coisa que a identidade essencial de todos os objetos. É o “universo da m orte” de Milton, e com ele a poesia não pode conviver, pois deve saltar, localizar-se num universo descontínuo, e fazer esse universo (com o fez Blake) se não encontrar um. Descontinuidade é liberdade. Profetas e analistas avançados igualmente proclamam a descontinuidade; neste ponto, Shelley e os fenom eno- logistas concordam : “Prever, realm ente predizer, ainda é um dom daqueles que possuem o futuro no pleno e irrestrito sentido da palavra, o sentido do que nos virá, e não do que resulta do passado.” Isto é J . H. Van den Berg, em seu Metable- tica. Ein A Defence o f Poetry [Defesa da poesia], de Shelley, que Yeats considerava corretam ente o mais profundo discurso sobre poesia no idiom a, a voz profética trom beteia a mesma liberdade: “Os poetas são hierofantas de uma inspiração não apreendida; espelhos das gigantescas sombras que a futuri- dade lança sobre o p resente.”
“Ele prova Deus por exaustão” é o toque de Samuel Beckett em “Portanto eu não sou meu filho”, no poem a Whoroscope [Q uem róscopo], um m onólogo dramático dito por Descartes. O triunfo de Descartes veio num a visão literal, não necessariam ente amistosa a outra im aginação que não a sua própria. Os protestos contra o reducionism o cartesiano não param, em constante e involuntário tributo a ele. O ótim o punhado de poem as de Beckett em inglês é dem asiado sutil para protestar abertam ente, mas com posto de fortes preces pela descontinuidade.
Contudo, não há nenhum preconceito cartesiano aberto contra os poetas, não há análogos da polêm ica platônica contra a autoridade deles. Descartes, em seus Pensamentos ínti-
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mos, pôde até escrever: “Pode parecer estranho que se en con trem mais opiniões de peso nas obras de poetas que de filósofos. O motivo é que os poetas escreveram por entusiasm o e imaginação; há em nós sem entes de conhecim ento, com o de logo numa pedra de isqueiro; os filósofos as extraem p or m eio da razão, mas os poetas as encontram por imaginação, e aí elas brilham m ais.” O mito ou abismo cartesiano da consciência ainda assim pegou fogo da pedra, e acuou os poetas no que Blake cham ou cruelm ente de “ficção fendida”, com as alternativas, ambas antipoéticas, de idealismo e materialismo. A filosofia, ao limpar-se, lavou esse grande dualismo, mas toda a gigantesca linhagem (¡Lie vem de Milton a Yeats e Stevens teve apenas sua própria tradição, a Influência Poética, para dizer- lhes que “idealismo e materialismo são respostas a uma pergunta im própria”. Yeats e Stevens, tanto quanto Descartes (ou W ordsw orth), m ourejaram para ver com a m ente e não apenas com o olho físico; Blake, o único verdadeiro anticartesiano, achou também esse labor uma ficção fendida, e satirizou a Dióptica cartesiana opondo seu Vórtice ao do M ecânico. Que o m ecanicism o teve sua desesperada nobreza, admitimos hoje; Descartes desejou salvar os fenôm enos com seu m ito da extensão. Um corpo tomava form a definitiva, movia-se dentro de uma área fixa e dividia-se dentro dessa área; e assim m antinha a integridade em seu estritam ente limitado vir-a-ser. Isso estabelecia o m undo ou m ultiplicidade de sensação dado aos poetas, e dele podia com eçar a visão wordsworthiana, brotando de seu confinam ento para o êxtase im posto da redução extra que W ordsworth preferiu cham ar de Imaginação. A m ultiplicidade de sensação em Tintem Abbey [Abadia de Tintern] inicialm ente é mais isolada ainda, e depois dissolvida num fluido contínuo, com as bordas das coisas, as fixidezas e definitos esm aecendo-se numa apreensão “superior”. O protesto de Blake contra o wordsworthismo, mais efetivo pelo louvor à poesia de Wordsworth, baseia-se em seu horror a essa ilusão imposta, esse êxtase que é uma redução. Na teoria cartesiana
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dos vórtices, todo m ovim ento tinha de ser circular (não havendo vácuo para a m atéria atravessar), e toda matéria tinha de ser capaz de mais redução (não havia, pois, á tom os). Isso, para Blake, eram as voltas dos Moinhos de Satanás, m oendo sempre inutilm ente em sua impossível tarefa de reduzir os Minúsculos Particulares, os Átomos de Visões que não se dividem mais. Na teoria blakiana dos vórtices, o m ovimento circular é uma auto- contradição; cjuando o poeta está no ápice de seu Vórtice, os círculos cartesiano-new tonianos reduzem-se ao plano unidim ensional da Visão, e os Particulares se apresentam cada um com o ele m esm o, e não com o outra coisa. Pois Blake não deseja salvar os fenôm enos, com o não se junta ao longo programa daqueles que buscam “salvar as aparências”, no sentido que Owen Barfield (tom ando a expressão de Milton) identificou. Blake é o teórico do aspecto salvador ou revisionário da Influência Poética, do impulso que tenta lançar o Querubim Cobridor no m eio das pedras de fogo.
Visionários franceses, por estarem tão próxim os do fascínio de Descartes, da Sereia cartesiana, trabalharam num espírito diferente, no alto e sério humor, na ironia apocalíptica, que culminam na obra de Jarry e seus discípulos. O estudo da Influência Poética é necessariam ente um ramo da ’patafísica, e confessa de bom grado sua dívida a “ a Ciência, de Soluções Imaginárias”. Quando o Los de Blake, sob a influência de Uri- zen, o m estre cartesiano, desaba em nossa Criação-Queda, desv ia se , e essa paródia do clinam en lucreciano, essa mudança de destino para leve capricho, é, com sua ironia final, toda a individualidade da criação urizênica, da visão cartesiana com o tal. O clinam en, ou desvio, que é o equivalente urizênico dos infelizes erros de recriação com etidos pelo dem iurgo platônico, é necessariam ente o conceito de trabalho central da teoria da Influência Poética, pois o que divide cada poeta de seu Pai Poético (e assim salva, por divisão) é um caso de revisionismo criativo. Devemos entender que o clinam en deriva sem pre de um sentido ’patafísico do arbitrário. O poeta de tal
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m odo coloca o scu precursor, ele tal m odo desvia o seu co n texto, que os objetos visionarios, com sua superior intensidade, esm aecem -se no continuo. O poeta tem, em relação ao heterocosm o do precursor, um arrepiante senso do arbitrário— da igualdade, ou igual casualidade, de todos os objetos. Esse não é redutivo, pois é o continuo, o contexto que coloca, que é revisto, e moldado no visionário; é levado à intensidade dos ob jetos cruciais, que então se fundem nele, de uma form a o p o sta ao w ordsw orthiano “funde-se na luz do dia com u m ”. A ’patafísica revela-se verdadeiram ente exata; no m undo dos poetas, todas as regularidades são de fato “exceçõ es regulares”; a recorrência da visão é ela própria uma lei que governa as exceções. Se todo ato de visão determ ina uma lei particular, a base do paradoxo, esplendidam ente horrível, da Influência Poética está seguram ente fundada; o novo poeta determ ina ele p róprio a lei p a rticu la r do precursor. Se uma interpretação criativa é, pois, necessariam ente uma interpretação distorcida, devemos aceitar esse aparente absurdo. É o mais alto m odo de absurdo, o apocalíptico absurdo de Jarry, ou de todo o em preendim ento de Blake.
Dem os então o salto dialético: em sua maioria, as cham adas interpretações “exatas” da poesia são piores que erros; talvez haja apenas leituras distorcidas mais ou m enos criativas ou interessantes, pois não é toda leitura, necessariam ente, um clinam en? Não devemos nós assim, neste espírito, tentar renovar o estudo da poesia, voltando mais uma vez ao básico? Nenhum poem a tem fontes, e nenhum sim plesm ente alude a outro. Os poem as são escritos por hom ens; quanto m aiores seus ressen tíniem os, mais im pudente o seu clinam en. Mas a que preço, com o leitores, vamos nós expiar nosso c lin a m en ?
Eu proponho não mais uma poética, mas uma crítica prática inteiram ente diferente. Desistamos da fracassada em presa de buscar “com preender” qualquer poem a individual com o uma entidade em si. Busquem os em vez disso aprender a 1er qualquer poem a com o uma interpretação deliberadam ente dis-
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torcida por seu poeta, como poeta, de um poem a ou da poesia em geral de um precursor. Conheçam cada poem a por seu clinamen, e “conhecerão” esse poem a de uma forma em que tal conhecim ento não custe a perda da força do poema. Digo isso no espírito da rejeição por Pater da famosa analogia orgânica de Coleridge. Pater achava que Coleridge (por mais involuntariam ente que fosse) ofendera a dor e o sofrim ento do poeta ao realizar seu poema, aflições pelo m enos era parte dependentes da angústia da influência, e não separadas do sentido do poema.
Borges, com entando o senso sublim e e aterrorizante que tinha Pascal de sua Terrível Esfera, com para-o com Bruno, que em 1584 ainda reagia com entusiasm o à Revolução de Co- pérnico. Em setenta anos, instala-se a sen escen cia— D onne, M ilton, Glanvill vêem decom posição onde Bruno via apenas prazer no avanço do pensam ento. Com o resum e Borges: “Naquele século triste, o espaço absoluto que inspirara os hexám etros de Lucrécio, o espaço absoluto que significara liberação para Bruno, tornou-se um labirinto e um abism o para Pascal.” Borges não lam enta a m udança, pois tam bém Pascal atinge o Sublim e. Mas os poetas fortes, ao contrário de Pascal, não existem para aceitar dores; não podem descansar com a com pra do Sublim e por um tão alto p r e ç o . Com o o próprio Lucrécio, optam pelo c linam en com o liberdade. Eis Lucrécio:
Q uando os átomos cruzam retos, por seu próprio peso, o espaço vazio abaixo, desviam-se um mínimo, em tempos e lugares inteiramente indeterminados, de-seu curso, apenas o bastante para que se possa chamar de mudança de direção. Não fosse por esse desvio, tudo cairia para baixo como gotas de chuva pelo abismo do espaço. Não ocorreria nenhuma colisão nem se criaria nenhum impacto de átomo em átomo. Assim, a natureza jamais haveria criado coisa alguma...
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Mas o fato de a mente não ter necessidade interna de determinar seu próprio ato, e obrigá-lo a sofrer em impotente passividade — isso se deve ao leve desvio do átomo em tempo e espaço não determinados.
Contem plando o clinam en de Lucrécio, vem os a ironia final da Influência Poética, e fechamos o círculo term inando onde com eçam os. Esse clinam en entre o poeta forte e o Pai Poético é feito por todo o ser do poeta posterior, e a verdadeira história da poesia m oderna seria o registro exato desses desvios revisionários. Para o ’patafísico puro, o desvio é maravilhosam ente gratuito; Jarry, afinal, foi capaz de considerar a Paixão com o uma corrida de bicicleta morro acima. O estudioso da Influência Poética é obrigado a ser um ’patafísico impuro; tem de entender que o clinam en sempre deve ser considerado com o se fosse sim ultaneam ente intencional e involuntário, a Forma Espiritual de cacla poeta e o gesto gratuito que cada poeta faz quando seu corpo em queda bate no chão do abismo. A Influência Poética é a passagem de Indivíduos por Estados, na linguagem de Blake, mas a passagem se faz mal quando não é um desvio. O poeta forte na verdade diz: “Parece que parei de cair; agora estou caído, conseqüentem ente jazo aqui no Inferno”, mas pensa, enquanto diz isso: “Quando caí, eu m e desviei, conseqüentem ente jazo aqui num Inferno m elhorado por m inha própria criação.”
Dois
Em toda o bra de gênio recon h ecem os nossos próprios pensam entos rejeitados — eles nos retornam com um a certa m ajestade alienada.
EMERSON
Tesseraou COMPLETUDE E ANTÍTESE
Li pela primeira vez o ensaio Da vantagem e desvantagem da história para a vida, de Nietzsche, em outubro de 1951, quando era universitário em Yale. Foi um castigo então, e dói mais quando o leio agora:
Pode-se criar as obras mais espantosas; o enxame de neutros históricos estará sempre a postos, prontos para considerar o autor através de seus longos telescópios. Ouve-se logo o eco, mas sempre em forma de “crítica”, embora o crítico jamais haja sonhado com a possibilidade da obra um momento antes. Ela jamais vem a ter uma influência, mas apenas uma crítica; e a própria crítica não tem influência, mas apenas gera outras críticas, como um sinal de fracasso. Na verdade, tudo continua na antiga condição, mesmo em presença dessa “influência”: os homens falam por algum tempo de uma coisa nova, e depois de outra coisa nova, e nesse interregno fazem o que sempre fizeram. A formação histórica de nossos críticos os impede de ter influência no verdadeiro sentido — influência sohre a vida e a ação.
Não é preciso um Nietzsche para fazer pouco da crítica, e o desdém neste trecho não me perturbou quando o li pela pri-
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rncira vez, nem o faz agora. Mas sua implícita definição de “influencia” crítica será sempre um ônus para os críticos. Nietzsche, com o Em erson, é um dos grandes negadores da angustia com o influencia, assim com o Joh n son e Coleridge estão entre seus grandes afirmadores, e com o W. J . Bate (sé- guindo Joh n son e Coleridge) é seu mais considerável sábio recente. Mas sinto que m inha com preensão da angústia da influência deve mais a Nietzsche e Em erson, que apax-ente- m ente não a sentiam, do que a jo h n so n , Coleridge e seu admirável estudioso, Bate. Nietzsche, com o ele sem pre insistiu, foi o herdeiro de Goethe em sua recusa estranham ente otimista a encarar o passado poético com o em princípio um obstáculo à nova criação. Goethe, com o Milton, absorvia precui'sores com um prazer que evidentem ente excluía a angústia. Nietzsche devia tanto a Goethe e a Schopenhauer quanto Em erson a W ordsworth e Coleridge, mas, com o Em erson, não sentia o calafrio do tem or de ser obscurecido pela som bra de um precursor. “Influência”, para Nietzsche, significava vitalização. Mas a influência, e mais precisam ente a influência poética, tem sido mais uma praga que uma bênção, do Ilum inism o até este m om ento. Onde vitalizou, atuou com o apropriação, com o perverso e mesmo deliberado revisionismo.
Nietzsche, em Crepúsculo dos ídolos, estabelece seu con ceito de gênio:
Os grandes homens, como as grandes épocas, são explosivos por armazenarem uma tremenda força; sua condição inicial é sempre, histórica e fisiológicamente, que durante longo tempo muito se reuniu, armazenou, economizou e conservou para eles— que não houve explosão por muito tempo. Uma vez que a tensão na massa se tornou demasiado grande, basta o mais acidental estímulo para convocar ao mundo o “gênio”, o “íeito”, o grande destino. Que importam então o ambiente, a época, o “espírito da época” ou a “opinião pública”?
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O gênio é forte , sua época c fraca. E a força dele exaure não a ele mesmo, mas aos que vêm em sua esteira, lile os inunda, e em troca, insiste Nietzsche, eles entendem mal seu benfeitor (em bora, pela descrição de Nietzsche, eu seja tentado a dizer: não seu benfeitor, mas sua calamidade).
Goethe, que pode ser qualificado como o avô de Nietzsche, com o Schopenhauer foi seu pai, observa em Teoria da cor que “m esm o modelos perfeitos têm um efeito perturbador, por nos levarem a saltar etapas necessárias em nosso Bildung, como resultado, na maioria das vezes, de sermos levados para muito longe do alvo, em erro ilimitado”. Mas em outra parte Goethe afirma a convicção de que os modelos só são, de qualquer modo, espelhos para o eu: “Sermos amados pelo que somos é a m aior exceção. A grande maioria ama em outro apenas o que lhe em presta, seus próprios eus, sua versão dele.” Precisamos lem brar que Goethe acreditava no que chamava, com encantadora ironia, de puberdade recorrente, ou, como dizia afavelmente: “O indivíduo tem de ser arruinado de novo.” Quantas vezes?, querem os de vez em quando perguntar, também perturbados pela insistência goethiana em ser influenciado por todo possível envolvimento: “Tudo que é grande nos m odela a partir do m om ento em que tem os consciência dele.” Esta fórmula é terrível em suas conseqüências para a maioria dos poetas (e a maioria dos hom ens). Mas Goethe, em sua autobiografia, foi capaz de um trecho com o o seguinte, que só Milton entre os ingleses pós-Iluminismo, e só Em erson entre os americanos, poderiam ser tentados a endossar. Só um poeta que se julgasse literalm ente incapaz de angústia criativa poderia dizer isto:
Claro, é uma coisa tediosa e às vezes melancólica, esse excesso de concentração em nós mesmos e no que nos prejudica e ajuda. Mas em vista da sinistra idiossincrasia da natureza humana, de um lado, e da infinita diversidade dos modos de vida e desfrutes, de outro, é puro milagre o fato de a raça humana não
h r há s h ¡ i ; í í : '.empo pf:>vocaíio sua própria aesm ïiçâo. Deve ser porqae a nuíurcza humana c dolada de urna tenacidade singular t ví TSiitiS, (¡uc ¡he possibilita superar rudo corn que entraem con- s;üs) ou abst>rve ern si, ou, se a coisa desafia assimilação, pelo m e n o s íorna-ia inocua.
1 si< ) se aplica mais à natureza goethiana que à humana. “'Iodo tálenlo tem cie se desenvolver na luta”, observa Nietzsche, e assim sua visão de G oethe é de um lutador pela Totalidade, consra até m esm o as form ulações de Kant. Para Nietzsche, porém , G oethe acaba por ser uma superação do meram ente hum ano: “lile se disciplinou até a integridade, ele se criou." Que devemos entender de tal asserção? Primeiro, que se baseia firm emente na assustadora autoconfiança do próprio Goethe. Não se registrou que ele disse: “Iodas as realizações dos antecessores e con tem poráneos de um poeta não pertencem por direito a ele? Por que deveria ele esquivar-se de colher ñores onde as encontra? Só tornando nossas as riquezas dos outros damos existência a alguma coisa grantle.” Ou, de maneira ainda mais vigorosa, disse a Hckermann: “Há toda essa discussão sobre originalidade, mas ao que equivale? Assim que nascemos, o m undo com eça a influenciar-nos, e isso prossegue até m orrerm os. ÏÏ de qualquer tnodo, que podem os de fato chamai' tie nosso a não ser n energia, a força, a vontade!” A não ser, não m enos, tudo para urn poeta, sovi obrigado a murmurar quando leio isto, pois ao que se refere a angústia da influência senão à energia, à força, a vontade? São nossas, ou em anações de outro, do precursor? Thom as Mann, um grande sofredor da angústia da influência, e um dos grandes teóricos dessa ansiedade, sofria mais agudamente por G oethe não haver sofrido nada, corno com preendeu. Buscando algum sinal de tal angústia en» Goethe, apresentou no Westöstlicher Diwan um a única pergunta: “Vive um hom em quando outros tam bém vivem?” A pergunta perturbou muito mais Mann que G oethe. O prom otor musical falastrão em Dr. Fausto, Herr Saul Fitelberg, ex-
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pressa uma obsessão central do rom ance quando ob.setva a Leverkühn: “Você insiste na. incomparabilidade cío caso pessoal. Rende hom enagem a urna arrogante unicidade pessoal — talvez tenha de fazer isso. ‘Vive um homem quando outros vivem?’” Em seu livro sobre a gênese de Dr. Fausto, Mann admite a angústia que sentiu ao receber o (Hasperlenspiel tie Hesse quando trabalhava na com posição de sua pretendida obra-prima final. Em seu diário, escreveu: “Sei' lem brado de que não se está sozinho 110 mundo — sempre desagradável”, < depois acrescentou: “E outra versão da pergunta de Goethe: ‘Vivemos nós se outros vivem'!'”’ O leitor pode sorrir da vaidade da grandeza e talvez murmurar: “Nós, pessoas cativantes, não amamos uns aos outros”, mas a questão é, infelizmente, profunda, com o bem sabia Mann. Em seu poderoso ensaio sobre Freud e o futuro, Mann chega muito perto cio som brio ensaio tie Nietzsche sobre o uso corrcto da história (que releu para usar em Fausto). “O ego da antigüidade e sua consciência de si”, diz, “eram diferentes dos nossos, m enos exclusivos, menos nitidamente definidos.” A vida podia ser “imitação”, no sentido de identificação mítica, e encontrar “consciência de si mesma, sanção, consagração”, ern tal renovação de uma identidade anterior. Seguindo (com o acreditava) Freud, e invocando ao mesmo tem po a vida exem plar de Goethe, e sugerindo seu próprio padrão da imitatio Goethe, Mann nos dá uma versão século XX da angústia da influência. Cito todo este trecho de seu ensaio, pois me parece único nas atitudes de nosso século em relação aos sofrim entos da influência:
Infantilismo — em outras palavras, regressão à infância — que papel esse elemento genuinamente psicanalítico desempenha em todas as nossas vidas! Que grande parte tem na molda- gem da vida de um ser humano, atuando, de fato, exatamente da maneira que descrevi: como identificação mítica, sobrevivência, como um pisar em pegadas já feitas! A ligação com o pai, a imitação do pai, o jogo de ser o pai, c a transferência para imagens dc uma espécie de p;:i subs' ruto superior e mais desenvolvido —
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como esses traços infantis atuam sobre a vida do indivíduo, mar- cando-a e moldando-a! Uso a palavra “moldar”, pois para mim, com toda a seriedade, o mais feliz, mais agradável elemento do que chamamos educação (Bildung), a molclagem do ser humano, é simplesmente essa poderosa influência de admiração e amor, essa identificação infantil com uma imagem de pai escolhida por profunda afinidade. O artista em particular, um ser particularmente infantil e possuído pelo jogo, pode falar-nos do efeito misterioso mas afinal demasiado óbvio dessa imitação infantil em sua vida, sua condução positiva de uma carreira que afinal muitas vezes nada mais é que uma reanimação do herói em condições temporais e pessoais muito diferentes, e com meios muito diferentes, podemos dizer, infantis. A iftiilatio Goethe, com suas fases Werther e Wilhelm Meister, seu período de velhice, de Fausto e D iw an, ainda (iode moldar e artisticamente modelar a vida de um artista — surgindo de seu inconsciente, mas reence- nando-a — como faz o artista — numa consciência sorridente, infantil e profunda.
'I udo que importa da relação entre efebo e precursor está neste trecho, com exceção cio que mais im porta — a inevitável melancolia, a angústia que torna inevitável a apropriação. O desvio de Mann em relação a Goethe é a negação profundam ente irônica de que seja necessário algum desvio. Sua interpretação distorcida de G oethe está em 1er no precursor precisam ente seu próprio gênio paródico, seu próprio tipo de ironia am orosa. No grande esforço que fez para retratar o Bildung, a Saga cie Jo sé , ele nos dá a memorável figura de lám ar, que ama Judá por uma idéia, e assassina os filhos dele com seus lom bos, na busca dessa idéia. “Era”, escreve Mann, “um a nova base para o amor, que surgia pela primeira vez: am or que vem não da carne, mas da idéia, de m odo que bem se poderia chamá-lo de dem oníaco.” Tamar entra tarde na história, mas tem muita certeza do lugar central na trama que obrigará a história a criar para ela. Representa, com o Mann talvez só em parte com preendeu (apesar de ser um grande irônico), ele própiio, e qualquer artista que sente fortem ente a injustiça da época, por
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ver-lhe negada toda prioridade. A Tamar de Mann sabe instintivamente que o significado de urna cópula c outra cópula, co mo o autor sabe que não se pode escrever um rom ance sem lem brar outro rom ance. “O esquecim ento”, insistia Nietzsche, “é uma propriedade de toda ação”, c seguia citando a frase de Goethe segundo a qual o homem de ação não tem consciência. Portanto, podia acrescentar, o homem de ação, o verdadeiro poeta, “tam pouco tem conhecim ento: esquece a maioria das coisas para fazer uma, é injusto com o que ficou para trás e reconhece apenas uma lei — a lei do que deve ser”. Nada — tenho de insistir — pode ser mais nobre e auto-enganosa- m ente falso que a insistência de Nietzsche, a insistência de um poeta com um m edo desesperado da ironia. A ironia surge num trecho pungente e terrível no ensaio sobre história, onde Nietzsche faz um poderoso protesto contra a filosofia hegelia- na de sua história:
A crença em que se é um retardatário no mundo é, de qualquer modo, nociva e degradante; mas deve parecer assustadora e devastadora quando eleva nosso retardatário à divindade, por uma simples volta da roda, como verdadeiro sentido e objeto de toda criação passada, e sua consciente miséria é estabelecida como a perfeição da história do mundo.
Esqueçam que essa ironia se dirige contra Hegel; o verdadeiro ob jeto é a angústia da influência dentro do próprio Nietzsche. “Estou convencido”, diz-nos sabiamente Lichtenberg, “de que uma pessoa não apenas ama a si m esm a em outras, também odeia a si mesma em outras.” Os grandes nega- dores da influência — Goethe, Nietzsche, Mann, na Alemanha; Em erson e Thoreau, nos Estados Unidos; Blake e Lawrence, na Inglaterra; Pascal, Rousseau e Hugo, na França — esses hom ens centrais são enorm es campos de angústia da influência, tanto quanto seus grandes afirmadores, de Samuel Joh n son a Cole-
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ridge c Ruskin, na Inglaterra, e os poetas fortes das últimas gerações ein tocios os quatro países.
M ontaigne pede-nos que procurem os dentro de nós mes- ríos, para ali ficar sabendo “que nossos desejos privados, em :;ua ruaior parte, nascem e se alimentam à custa de outros”. Ele, mais ainda que Johnson , é o grande realista da angústia da influência, pelo m enos até Freud. Montaigne diz-nos (seguindo Aristóteles) que 1 Tornero foi o primeiro e último dos poetas. As vezes, lentlo Pascal, sente-se que ele temia fosse Montaigne o primeiro e último dos moralistas. Pascal agastava-se: “Não é em M ontaigne, mas em mim mesmo, que eu descubro tudo isso que vejo nele”, uma afirmação que se torna engraçada quando consultam os uma boa edição de Pascal e exam inam os as imensas listas de “trechos paralelos” que dem onstram uma dívida tão generalizada que chega a ser um escândalo. Pascal tentando refutar Montaigne e usando ao mesmo tem po o casaco do precursor é mais ou m enos com o Matthew Arnold escarnecendo de Keats e escrevendo ao m esm o tem po The Scholar Gipsy [O sábio ci gano] e Thyrsis numa dicção, tom e ritmos sensuais inteiram ente (e inconscientem ente) roubados das Grandes Odes.
Kierkegaard, em M edo e tremor, anuncia, com um a co n fiança magnífica mas absurdam ente apocalíptica, que “quem está disposto a trabalhar dá à luz seu próprio pai”. Eu julgo mais fiel à simples verdade a admissão aforística de Nietzsche: “Quando não se teve um bom pai, é necessário inventar um .” Receio que a angústia da influência, da qual sofrem os todos, sejam os poetas ou não, prim eiro tem de ser localizada em suas origens, no fatídico m om ento do que Freud, com grandioso hum or desesperado, chamou de “rom ance familiar”. Mas, antes de entrar nesse terreno m aléficam ente encantado, paro na própria “angústia”, para alguns reconhecim entos necessários.
Freud, ao definir angústia, fala de “angst vor etwas". Angústia anterior a alguma coisa é visivelmente um m odo de
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expectativa, com o o desejo. Podemos dizer que angustia e desejo são as antinomias do efebo ou poeta iniciante. A angústia da influência é uma angústia em expectativa de ser inun dado. I.acan insiste em que o desejo é apenas uma metonimia, e pode ser que o contrário de desejo, a angústia da expectativa, também seja apenas uma metonimia. O efebo que receia seus precursores com o deve recear uma inundação tom a uma parte vital por um todo, sendo o todo tudo que constitui sua angústia criativa, o espectral agente bíoqueador em qualquer poeta. Mas dificilmente se deve evitar essa metonimia: todo bom leitor deseja afogar-se com o se deve, mas se o poeta se afoga, torna-se apenas um leitor.
Vivemos cada vez mais num tempo em que descrições tolas de angústia são vendáveis e de bom grado consumidas. Só uma análise da angústia neste século acrescenta alguma coisa de valor, em minha opinião, ao legado dos moralistas clássicos e especuladores rom ânticos, e necessariam ente essa contribuição é a de Freud. Primeiro, ele nos lembra, a angústia é uma coisa sentida, mas é um estado de desprazer diferente do sofrim ento, dor e mera tensão mental. A angústia, ele diz, é desprazer acom panhado por fenôm enos eferentes ou de descarga entre trilhas diferentes. Fsses fenôm enos de descarga aliviam o “aum ento de excitação” que está por baixo da angústia. O principal aumento de excitação pode ser o trauma do nascimento, ele próprio uma resposta a nossa prim eira situação de perigo. O uso de “perigo” por Freud lembra-nos nosso m edo universal da dom inação, de estarm os presos pela natureza em nosso corpo com o numa masmorra, em certas situações de tensão. Em bora Freud rejeitasse a explicação do trauma do nascim ento de Rank com o biologicam ente infundada, continuou perturbado pelo que chamou de “uma certa predisposição à angústia da parte do bebê”. A separação da mãe, análoga à posterior angústia da castração, traz “um aum ento de tensão que surge da não satisfação de necessidades”, sendo as necessidades aqui vitais para a econom ia da autopreservação. A angústia
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da separação é, pois, uma angústia de exclusão, e junta-se rapidam ente à angústia da m orte, ou o medo que o ego sente do supei'ego. Isso leva Freud à fronteira de sua definição das neuroses de com pulsão, que se devem ao m edo do superego, e nos encoraja a examinar a analogia compulsiva da m elancolia dos poetas, ou a angústia da influência.
Q uando um poeta sente a encarnação como p o e ta , sente necessariam ente angústia em relação a qualquer perigo que possa acabar com ele com o poeta. A angústia da influência é tão terrível porque é ao m esm o tem po uma espécie de angústia de separação e o início de uma neurose de com pulsão, ou m edo de uma m orte que é um superego personificado. Os poem as, podem os especular analógicam ente, podem ser encarados (hum oristicam ente) com o descargas de m otores em resposta ao aum ento de excitação da angústia da influência. Os poem as, com o a crítica sempre nos assegurou, devem proporcionar prazer. Mas — apesar da insistência de tradições inteiras de poesia, e do rom antism o em particular — não são criados p o r prazer, e sim pelo desprazer de uma situação perigosa, a situação de angústia da qual a dor da influência faz tão grande parte.
O que justifica essa radical analogia entre nascim ento hum ano e poético, entre angústia biológica e criativa? Para ju stificar, precisam os trilhar terreno sombrio e daem ônico, no sofrim ento das origens, onde a arte surge do êxtase xam anístico e da esqualidez de nosso m edo atemporal da mortalidade. Como meus interesses são os do crítico prático, em busca de uma form a nova e mais bruta de 1er poemas, acho inevitável, em bora desagradável, esse retom o às origens. O que ao m esmo tem po une e mantém separados os poem as é um a relação antitética que surge, em prim eiro lugar, do elem ento prim ordial na poesia; e esse elem ento, lam entavelm ente, é a adivinhação, ou desespero de buscar prever perigos para o eu, venham eles da natureza, dos deuses, de outros, ou na verdade do pró
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prio eu . E — devo acrescentar — para o poeta no poe ta — esses perigos vêm também cie outros poemas.
Existem muitas teorias de origens poéticas. Destas, eu me sinto mais convencido, mas também mais repelido, pela de Vico, em bora a repulsa se deva ao meu vício de humanismo rom ântico e profético, e portanto devo pô-la de lado. Mas Emerson, o grande manancial am ericano do humanismo rom ântico, profético, é curiosam ente também viquiano em suas teorizações sobre origens poéticas, o que aceito com o um encorajam ento. Para Vico, com o observou Auerbach, não há conhecim ento sem criação. Os hom ens primitivos de Vico são descritos por Auerbach, de uma forma magnífica, com o “nômades originalm ente solitários, vivendo em desordenada promiscuidade com o caos de uma natureza misteriosa e por esse m esm o motivo horrível. Não tinham faculdades de raciocínio; tinham apenas sensações muito fortes e uma força de imaginação tal que os hom ens civilizados dificilmente podem entend er”. Para governar sua vida, os primitivos de Vico criaram um sistema de magia cerimonial que era o que ele próprio chamou de “severo poem a”. Esses primitivos — gigantes da imaginação— eram poetas, e sua sabedoria cerim onial consistia no que ainda buscamos com o “sabedoria poética”. Mas -— em bora isso não preocupasse Vico — essa sabedoria, esse formalismo mágico, eram cruéis e egoístas, necessariam ente. As formas gigantes que inventaram a poesia são os equivalentes antropológicos dos magos, curandeiros, xamãs, cuja vocação é sobreviver e ensinar outros a sobreviver. A sabedoria poética — para Vico — baseia-se na adivinhação, e cantar é — simples e até m esm o etim ológicam ente — prever. O pensam ento poético é proléptico, e implora-se à Musa invocada sob o nom e de Memória que ajude o poeta a lem brar o futuro. Os xamãs retornam ao caos primordial, em suas terríveis e totais iniciações, para tornar possível uma nova criação; mas em sociedades não mais primitivas, tais retornos são raros. Os poetas, dos órficos gregos aos nossos contem porâneos, vivem numa cultura de
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culpa, onde o formalismo mágico da sabedoria poética viquia- na é necessariam ente inaceitável. Hmpéclocles pode ser, em term os cronológicos, o últim o poeta que pretendeu literal a sua adivinhação. Quer dizer, acreditava que se fizera um deus por ser um praticante brilhantem ente bem -sucedido do augú- rio. fim com paração com essa ousadia, poetas fortes com o Dante, Milton e G oethe parecem consum idos pela angústia da influência, por mais milagrosamente livres dela que pareçam quando os com param os com os grandes Românticos e Modernos.
Curtius, em sua famosa história das Musas, as vê com o um problem a de desvalorização ou substituição histórica, assim com o de continuidade, e acha que o significado delas, mesmo para os gregos, era “vago”. Mas Vico é bastante preciso quanto ao significado das Musas para seu conceito do Caráter Poético:
Os poetas eram adequadamente chamados de divinos, no sentido de adivinhadores, de divinari, adivinhar ou prever. Sua ciência chamava-se Musa, definida por Homero como o conhecimento do bem e do mal, isto é, adivinhação... A Musa deve, pois, 1er sido propriamente, a princípio, a ciência de adivinhar por meio de auspícios... Urânia, cujo nome vem de ouranos, céu, significa “aquela que contempla os céus” para de lá extrair auspícios... Ela e as outras Musas eram tidas como filhas de Júpiter (pois a religião deu origem a todas as artes da humanidade, das quais Apoio, tido como sendo basicamente o deus da adivinhação, é a divindade governante), e “cantam” no sentido em que os verbos latinos cerniere e cantare significam “prever”.
Eu admito que essas frases (juntei-as de vários trechos de Vico) têm sombrias im plicações para qualquer estudo de p o etas e poesia. A angústia poética implora ajuda à Musa na adivinhação, que significa prever e adiar o máximo possível a m orte do próprio poeta, com o poeta e (talvez secundariam ente) com o hom em . O poeta de qualquer cultura de culpa não pode iniciar-se entrando num novo caos; é obrigado a aceitar a falta
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de prioridade na criação, o que significa que tem de aceitar tam bcm um fracasso na adivinhação, com o a primeira de m uitas pequenas m ortes que profetizam uma final e totaí extinção. Sua palavra não é sua apenas, e sua Musa já se prostituiu com muitos antes dele. Eie chegou tarde na história, mas ela sem pre foi fundamental na história, e o poeta corretam ente teme que sua im inente catástrofe seja apenas mais uma na litania de aflições dela. Que significa, para ela, a sinceridade dele? Quanto mais ele ficar com ela, m enor se tornará, como sc provasse ser hom em apenas por exaustão. C) poeta pensa que ama a Musa devido ao seu anseio por adivinhação, que lhe assegurará tem po suficiente para a realização, mas seu próprio anseio é uma saudade de casa, de uma casa tão grande quanto o seu espírito, e assim absolutam ente não ama a Musa. T/jc Mental Traveller [O viajante m entalj, de Blake, mostra-nos o que é de fato o mútuo am or de poeta e Musa. Contudo, que tem em si de válido a saudade de casa do poeta? Ele erra ao buscar imagens — a Musa jamais íbi sua mãe, nem o precursor seu pai. Sua mãe foi o espírito ou idéia de sua própria sublimidade que eie imaginou, e seu pai não nascerá enquanto ele não encontrar seu próprio efebo central, que retrospectivam ente o gerará na Musa, que por fim e só então se tornará sua mãe. Ilusão sobre ilusão, uma vez que a terra, com o assegura a Keats sua Musa Moneta, se justifica sem todo esse sofrim ento, esse infli- gimen to do rom ance familiar às tradições da poesia. Mas o fardo continua lá. Nietzsche, o profeta do vitalismo, que com eçou denegrindo o abuso da história, clama: “Mas mando-te eu ser ou planta ou fantasma?”, e todo poeta forte responde: “Mas eu tenho de ser as duas coisas.”
Talvez então possam os fazer uma redução dizendo que o jovem poeta ama a si m esm o na Musa, e tem e que ela se odeie nele. O efebo não pode saber que é um inválido' da extensivi- dade cartesiana, um jovem no horror da descoberta de seu incurável caso de continuidade. Quando já se tornou um poeta forte, e portanto soube desse dilema, busca exorcizar a neces-
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sária culpa de sua ingratidão transformando o precursor numa versão conspurcada de si. Mas também isso é enganar-se, e uma banalidade, pois o que o poeta forte assim faz é transformar-se numa versão conspurcada de si, e depois confundir a conseqüência com a figura do precursor.
Freud distingue duas fases do rom ance familiar, uma em que a criança se julga um filho trocado e uma em que julga que a mãe teve muitos amantes no lugar do pai. O movimento entre fantasias é sugestivamente redutivo, à medida que a idéia de origem superior e destino frustrado dá lugar a imagens de degradação erótica. Blake, insistindo em que a Tirzah, ou Necessidade, foi mãe apenas de sua parte mortal, descobriu (como quase sem pre) uma dialética de distinções que o liberou das preocupações do rom ance familiar. Mas a m aioria dos p oetas — com o a maioria dos hom ens — sofre alguma versão do rom ance familiar quando luta para definir sua relação mais vantajosa com o precursor e a Musa. O poeta forte — com o o grande hom em hegeliano — é ao mesmo tem po herói e vítima da história poética. Essa vítimízação aumentou à medida que a história avançava, porque a angústia da influência é mais forte onde a poesia é mais lírica, mais subjetiva e deriva diretam ente da personalidade. Na visão hegeliana, um poem a é apenas um prelúdio a uma percepção religiosa, e num poem a lírico superior o espírito está tão separado do sensual que a arte se vê a ponto de dissolver-se em religião. Mas nenhum poeta forte, no auge de sua busca, pode (com o poeta) aceitar essa visão hegeliana. E a história não lhe serve, logo a ele, de consolo para sua vitimização.
Se não quer ser ele próprio vitimizado, o poeta forte tem de “resgatar” a amada Musa de seus precursores. Claro, “superestim a” a Musa, vendo-a com o única e insubstituível, pois de que outro m odo pode estar certo de que ele é único e insubstituível? Freud observa secam ente que “o prem ente desejo no inconsciente de uma coisa insubstituível muitas vezes se re-
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duz, na verdade, a uma série interminável”, um padrão particularm ente predom inante na vida am orosa da maioria dos p oetas, ou talvez de qualquer hom em e m ulher pós-rom ânticos amaldiçoados com uma forte imaginação. “Uma coisa”, acrescenta Freud, “que na consciência aparece com o dois contrários é muitas vezes no inconsciente um todo unido”, observação a que precisarem os retornar quando nos aventurarmos no abism o clos significados antitéticos. No todo da imaginação do poeta, a Musa é ao m esm o tem po mãe e prostituta, pois a maior fantasmagoría que a maioria de nós tece a partir de nossos interesses necessariam ente egoístas é o rom ance familiar, que se poderia chamar de único poem a, cjue m esm o a não p oética natureza continua a com por. Mas para com preender que a difícil relação do poeta com precursor e Musa é uma versão mais extrem a desse mal comum, precisam os lem brar Freud em sua m aior engenhosidade. Temos de citar um trecho um tanto longo de sua mais sombria sabedoria:
Quando a criança fica sabendo que deve a vida aos pais, que sua mãe lhe deu vida, os sentimentos de ternura nela se misturam com o desejo de ser ela própria grande e independente, para formar o desejo de pagar aos pais por esse dom e saldá-lo com um de valor idêntico. É como se o menino dissesse, em seu desafio: “Não quero nada de meu pai; vou pagar-lhe tudo que lhe custei.” Tece então uma fantasia de salvar a vida do pai numa situação perigosa, com o que ficará quite com ele, e essa fantasia é muito comumente deslocada para o Imperador, o Rei ou qualquer outro grande homem, após o que pode entrar na consciência e até ser usada pelos poetas. Até onde se aplica ao pai, a atitude de desafio na fantasia de “salvar” tem de longe mais peso que os sentimentos ternos, sendo estes últimos dirigidos para a mãe. A mãe deu ao filho a vida dele, e não é fácil substituir esse dom único por qualquer coisa de igual valor. Por uma ligeira mudança de significado, facilmente efetuada no inconsciente — comparável à maneira como nuanças de significado se fundem umas nas outras nos conceitos conscientes — resgatar a mãe adquire o significado de dar-lhe um filho ou fazer um para ela — um igual a ele
mesmo, claro... todos os instintos, o amoroso, o de gratidão, osensual, o desafiador, o auto-afirmativo e independente — sãosatisfeitos no desejo de ser o pai de si mesmo.
Se isto deve servir de m odelo para o rom ance familiar entre poetas, precisa ser transformado, para pôr a ênfase m enos na paternidade fálica e mais na prioridade, pois o bem com que os poetas lidam, sua autoridade, sua propriedade, gira em torno da prioridade. Eles possuem , eles são, aquilo que foram os prim eiros a dar nome. Na verdade, todos seguem a intuição de Valéry, quando insistiu em que o hom em fabrica por abstração, uma retirada que toma a coisa feita do cosm o e do tem po, para que possam os chamá-la nossa, um lugar onde não se permite nenhum a invasão. Todos os rom ances-busca do pós-Uuminismo, o que significa todos os rom antismos, são buscas para re-gerar a si mesmo, tornar-se seu Grande Original. Viajamos para abstrair-nos por fabricação. Mas onde o fabrico já foi tecido, viajamos para destecer. Infelizm ente — na arte — a busca é ainda mais ilusória que na vida. A identidade recua de nós em nossas vidas quanto mais a buscam os, mas estam os certos em não nos deixar convencer de que seja inatingível. Geoffrey Hartman observa que num poem a a busca de identidade é sempre uma coisa assim com o uma tapeação, porque a busca sempre funciona com o um artifício formal. Isso faz parte da agonia do criador, parte do motivo de a influência ser uma angústia tão profunda para o poeta forte, e obrigá-lo a uma tendência ou prevenção de outro m odo desnecessária em sua obra. Ninguém suporta ver sua própria luta interior com o m ero artifício, mas o poeta, ao escrever seu poem a, é obrigado a ver a asserção contra a influência com o uma busca ritualizada de identidade. Pode o sedutor dizer à sua Musa: “Senhora, m inha tapeação me é imposta pelas exigências formais de minha arte”?
Nossas aflições com o leitores não podem ser idênticas aos em baraços dos poetas, e nenhum crítico faz jamais uma justa e
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séria asserção de prioridade. Ao exortar a crítica a ser m enos “antitética”, só a exorto mais a seguir uma estrada já tomada. Em relação aos poetas, não somos efebos em luta com os m ortos, porém mais próxim os de necrom antes, esforçando-nos por ouvir os m ortos cantarem. Esses m ortos poderosos são nossas Sereias, mas não cantam para castrar-nos. Quando ouvimos, precisam os lem brar as aflições das próprias Sereias, as angústias, nelas, que criam angústias para outros, em bora não para nós mesmos.
Uso o term o “antitético” em seu sentido teórico: a justaposição de idéias contrastantes em estruturas, frases, palavras equilibradas ou paralelas. Yeats, seguindo Nietzsche, usava o term o para descrever um tipo de hom em , um buscador que busca seu oposto. Freud usava-o para representar os sentidos opostos de palavras primais:
... a estranha tendência do mecanismo do sonho a ignorar a negação e expressar contrários por meios idênticos de representação.. . esse hábito do mecanismo do sonho... corresponde exatamente a uma peculiaridade nas mais antigas línguas que conhecem os... Nessas palavras compostas combinam-se inten* cionalmente conceitos contrários, não para expressar, com a combinação das duas, o significado de um de seus membros contraditórios, que sozinho haveria significado a mesma coisa... No acordo entre essa peculiaridade do mecanismo do sonho... e isso... vemos uma confirmação de nossa suposição sobre o caráter regressivo, arcaico, da expressão de pensamento nos sonhos...
Não podem os supor que a poesia é uma neurose de com pulsão. Mas a relação, de toda uma vida, do efebo com o precursor pode ser. Um intenso grau de ambivalência caracteriza a neurose de com pulsão, e dessa ambivalência surge um padrão de expiação salvadora que, no processo de apropriação p oética, se torna um quase ritual que determ ina a sucessão de fases no ciclo vital poético dos criadores fortes. O dem ônico alego-
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rista Angus Fletcher observa, de forma esplêndida, que a linguagem do tabu para os poetas é o vocabulário das “palavras primais antitéticas” de Freud. Em seu estudo de Spenser, caracteriza o buscador rom ântico com o exigindo “um espaço mental, um vácuo referencial, para encher com suas próprias visões”. C) buscador, que encontra todo espaço preenchido com as visões de seu precursor, recorre à linguagem do tabu, a fim de abrir para si um espaço mental. E essa linguagem de tabus, esse uso antitético das palavras primais do precursor, que tem de servir com o base para uma crítica antitética.
Com o estudiosos em busca da Influência Poética, passamos agora para a tessera ou ligação, um tipo diferente e mais sutil de proporção revisionária. Na tessera, o p oeta que vem depois proporciona o que sua im aginação lhe diz que com pletaria os de outro m odo “truncados” poem a e poeta precursores, um a “com pletude” que é tanto apropriação quanto o é um desvio revisionário. Tomo o term o tessera do psicanalista Jacq u es Lacan, cuja própria relação revisionária com Freud pode ser dada com o um exem plo de tessera. Em Discours de Rome (1 9 5 3 ), ele cita uma observação de Mallarmé, que “com para o uso com um da Língua à troca de uma m oeda cu jo verso e reverso trazem apenas efígies gastas, e que as pessoas passam de mão em m ão ‘em silêncio ’”. Aplicando isso ao discurso, por mais reduzido que seja, do tem a analítico, diz Lacan: “Essa m etáfora basta para lem brar-nos que a Palavra, m esm o quando quase com pletam ente gasta, retém seu valor com o tessera .” Seu tradutor, Anthony W ilden, com enta que “essa alusão é à função da tessera com o sinal de recon h ecim ento, ou ‘senha’. A tessera foi em pregada nas prim eiras religiões de m istério onde se usava a junção de duas m etades de um peça de cerâm ica quebrada com o m eio de reco n h ecim ento pelos iniciados”. Nesse sentido de ligação que com pleta, a tessera representa a tentativa de qualquer poeta que vem depois de convencer-se (e a nós) de que a Palavra do pre
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cursor estaria gasta se não redim ida com o uma Palavra re- cém -enchida e am pliada do efebo.
Stevens abunda em tesserae, pois autêntica com pletude é sua relação central com seus precursores rom ânticos am ericanos. No encerram ento de The Sleepers [Os que dorm em ], na versão final, Whitman identifica a noite com a mãe:
Também eu passo da noite,Fico algum tempo distante, ó noite, mas de novo a ti retorno
e a ti amo,
Por que a ti iria eu temer e confiar?Não temo, por ti fui bem orientado,Amo o esplêndido dia corrente, mas não deserto aquela em quem
por tanto tempo repouso,Não sei como de ti vim nem aonde vou
contigo, mas sei que bem vim e bem irei.Quedar-me-ei apenas um pouco com a noite, e cedo me levantarei, Passarei como devo o dia, ó minha mãe, e como devo a ti retornarei.*
Stevens com pleta antitéticam ente com The Owl in the Sarcophagus [A coru ja no sarcófago], sua elegia para o amigo Henry Church, que é mais bem lida com o uma grande tessera em relação a The Sleepers. Onde Walt Whitman identifica a noite e a mãe com uma boa m orte, Stevens estabelece uma identidade entre a boa m orte e uma visão m aterna maior, oposta à noite porque contém todo o memorável sinal de mudança, do que vimos em nosso longo dia, em bora ela tenha transformado o visto em conhecim ento:
* / too pass fro m the night, / / stay a while away. / O night, but I return to you again an d love you. / Why should I be afraid to trust m yself to you? ! I am not afraid, I have been well brought forw ard by you, / H ove the rich running day, but I do not desert her in whom I lay so long, / 1 know not how I cam e o f you a n d I know not where I go with you, but I know 1 cam e well a n d shall go well. / I will stop only a time with the night, a n d rise betimes, { I will duly pass the day O my mother, a n d duly return to you.
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Ria mantinha os homens próximos com a descoberta
Quase como a velocidade descobre, assim como A invisível mudança descobre o que foi mudado,Assim como o que foi deixou de ser o que é.
Não era o olhar dela, mas um conhecimento que tinha.Era um eu cjue conhecia, uma coisa interior,Mais sutil que a declamação do olhar, embora andasse
Com um triste esplendor, além do artifício,Com a paixão pelo conhecimento que tinha,Ali nas bordas do esquecimento.
O emanação, ó arremesso sem mangaE projeção, ruborizada e resolvidaDa visão, no silêncio que segue sua última palavra..
Parece vcrdacle que os poetas britânicos se desviam de seus precursores, enquanto os americanos trabalham mais para “com pletar” seus pais. Os britânicos são mais genuinam ente revisionistas uns dos outros, mas nós, am ericanos (ou pelo m enos a maioria dos poetas pós-em ersonianos), tendem os a ver nossos pais com o não havendo ousado o bastante. Mas todos os m odos revisionários reduzem em relação aos precursores. li é esse reducionism o que julgo que nos oferece nossas m aiores indicações para a crítica prática, para a interminável busca de “com o 1er”.
Com “reducionism o”, refiro-me a um tipo de apropriação que é uma interpretação distorcida radical, em que se encara o precursor com o um idealizador excessivo, e cujos m aiores
* She held m en closely with discovery, / Almost as speed discovers, in the way / Invisible change discovers what is changed, /In the way what was has ceased to be what is. /I t was not h er look but a knowledge that she had. / She was a self that knew, an inner thing, /Subtler than look’s declaim ing, although she m oved / With a sad splendor, beyond artifice, / Im passioned by the knowledge that she had, /T here on the edges ofoblivion. / O exhalation, O fling without a sleeve / A nd motion outward, redd en ed a n d resolved /F ro m sight, in the silence that follows her last word.
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exem plos incluiriam os textos de Yeats sobre Blake e Shelley, de Stevens sobre todos os rom ânticos, de Coleridge a Whitman, e de Lawrence sobre Hardy e Whitman para citar apenas os mais fortes poetas m odernos em inglês. Mas espanta-me observar esse padrão de reducionism o sempre que efebos com entam precursores, do alto rom antism o até agora, e não apenas nas fases invernosas de Stevens e outros m odernos. Shelley era um cético, e uma espécie de materialista visionário; Browning, seu efebo, era um crente e um feroz idealista em metafísica, mas sobre Shelley é um reclucionista, que insiste em “corrigir” o excessivo idealismo metafísico de seu pai poético. Quando se desviam pelas épocas abaixo, os poetas se enganam acreditando que têm o espírito mais duro que seus precursores. É igual àquele absurdo crítico que saúda cada nova geração de bardos com o estando de algum m odo mais próxim os que a últim a da linguagem com um do homem comum. O estudo da influência poética com o angústia e salvadora apropriação deve ajudar a livrar-nos desses mitos mais absurdos (ou fofoca envelhecida) da história pseudoliterária.
Eu proponho, porém , um em prego mais positivo para o estudo da apropriação, uma crítica prática antitética em exposição a todas as críticas primárias h o je em voga. Rousseau observa que ninguém pode desfrutar plenam ente de seu próprio eu sem a ajuda de outros, e uma crítica antitética deve descobrir-se nessa com preensão com o sendo a maior motivação para m etáfora de cada poeta forte. “Toda invenção”, diz Malraux, “é uma resposta”, o que eu interpreto com o querendo dizer uma tentativa de chegar à esmagadora confiança de um Leonardo, que era capaz de afirmar: “E um pobre discípulo aquele que não supera o seu mestre. ” Mas o tem po obscureceu essa confiança, e precisam os recom eçar com preendendo por quanto tempo e com que profundidade a arte vem sendo ameaçada pela arte maior, e com o nossos próprios poetas chegaram tarde na história.
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Todas as críticas chamadas básicas oscilam entre tautología— cm que o poema é e significa ele próprio — e redução — em que o poem a significa alguma coisa que não é em si um poema. A crítica antitética eleve com eçar por negar a tautología e a redução, uma negativa mais bem expressa pela afirmação de que o significado de um poem a pode ser apenas um poem a, mas ou tro poem a — um poem a não ele próprio. E não um poem a escolhido com total arbitrariedade, mas qualquer p o ema central de um precursor indubitável, m esm o que o efebo
jam ais lenha, lido esse poem a. O estudo de fontes é inteiram ente irrelevante neste caso; estamos lidando com palavras primais, mas significados antitéticos, e as m elhores interpretações distorcidas de um efebo bem podem ser de um poem a que ele nunca leu.
“Seja eu mas não eu ” é o paradoxo da acusação implícita do precursor ao efebo. Menos intensam ente, seu poem a diz ao poem a descendente: “Seja igual a mim mas diferente de m im .” Se não houvesse m eios de subverter esse duplo dilema, todo efebo se tornaria uma versão poética de um esquizofrênico. Com o dizem os pragmatistas da com unicação, seguindo Gregory Bateson, o duplo dilema “deve ser desobedecido para ser obedecido; se é uma definição do eu ou do outro, a pessoa assim definida só é esse tipo de pessoa se não for, e não é se for”. O indivíduo na situação do duplo dilema é punido por percepções corretas. “O paradoxal p receito ... leva à falência apropria opção, nada é possível, e põe-se em m ovim ento uma série oscilante que se perpetua” (ver Pragmatics o f Hum an Communication — Pragmática da com unicação humana, de Watzlawick, Beavin e Jackson).
Agora, deve ficar claro que apenas invoco uma analogia, mas o que cham ei de perversidade do efebo, seus m ovim entos revisionários de clinamen e tessera, é exatam ente o que mantém essa situação de duplo dilem a com o analogia, e não com o identidade. Se o efebo quer evitar o excesso de determ inação, precisa renunciar à percepção correta do poem a que mais
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valoriza. Como a poesía (igual à m ecânica do sonho) é regressiva e arcaica mesmo, e com o o precursor jamais é absorvido com o parte do superego (o Outro que nos com anda), mas parte do id, é “natural” que o efebo interprete de form a distorcida. Mesmo a m ecânica do sonho é uma mensagem ou tradução, e portanto uma espécie de com unicação, mas o poem a é com unicação deliberadam ente entortada, revirada, li uma m á tradução de seus precursores. Apesar de todos os seus esforços, será sempre uma díade e não uma mónada, mas uma díade em rebelião contra a com unicação em sentido único, quer dizer, do duplo dilema da fantasia de lutar com os m ortos poderosos. Mas os poetas mais fortes m erecem um moderado panegírico nesse ponto da Queda da Influência Poética para baixo e para fora.
Com “Influência Poética”, não me refiro à transm issão de idéias e imagens de poetas anteriores a posteriores. Isso na verdade é apenas “um a coisa que acon tece”, e se essa transmissão causa angústia nos poetas que vêm depois, é apenas um a questão de tem peram ento e circunstâncias. E belo m aterial para caçadores cie fontes e biógrafos, e pouco tem a ver com meu interesse. As idéias e im agens pertencem à discursi- vidade e à história, e dificilm ente são exclusivas da poesia. Mas a posição do poeta, sua Palavra, sua identidade imaginativa, todo o seu ser, têm de ser únicos dele, e perm anecer únicos, ou ele perecerá, com o poeta, se algum dia conseguiu seu renascim ento em encarnação poética. Mas essa posição fundam ental é tam bém , tanto de seu precursor, quanto a natureza fundam ental de alguém tam bém o é de seu pai, p or mais transform ada que seja, p or mais virada ao contrário. Tem peram ento e circunstância, p or afortunados que sejam , não adiantam aqui, num a consciência e universo pós-cartesianos, onde não há estágios im ediatos entre a m ente e a natureza externa. O enigm a da Esfinge, para os poetas, não é apenas o enigm a da Cena Primai e o m istério das origens hum anas, mas o enigm a mais som brio da prioridade imaginativa. Não basta
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ao p oeta respond er ao enigm a; tem de convencer-se (e a seu le itor idealizado) de que o enigm a não poderia haver sido form ulado sem ele.
Contudo, eu aceito finalm ente (porque tenho de aceitar) a enorm e exceção dos poetas pós-Iluministas m ais fortes, pois esses poucos (Milton, Goethe, Hugo) foram os mais triunfantes dos lutadores m odernos com os mortos. Mas talvez seja assim que possam os definir os maiores, por mais fracos que pareçam ao lado de H om ero, Isaías, Lucrécio, D ante, Shakespeare, que vieram antes do envolvimento cartesiano, a inundação de um m odo maior de consciência. O ônus para o crítico da apropriação poética é afirmado com mais vigor p or Kierkegaard, em seu Panegírico sobre Abraão:
lodos serão lembrados, mas cada um se torna grande segundo sua expectativa. Um se tornou grande esperando o possível; outro esperando o eterno, mas aquele que esperava o impossível se tornou maior que todos. Todos serão lembrados, mas todos foram grandes na proporção da grandeza daquilo com que lutaram.
Kierkegaard poderia ter a última palavra aqui, para punir o crítico sem fé, mas quantos poetas ainda por ser podem m erecer essa grande imposição? Quem pode suportar esse pesado esplendor, e com o o conhecerem os quando chegar? Mas ouçam Kierkegaard:
Aquele que não quer trabalhar não ganha o pão, mas continua iludido, como os deuses iludiram Orfeu com uma figura de ar em lugar da amada, iludiram-no porque era efeminado, não tinha coragem, porque era um tocador de citara, não um homem. Aqui não adianta ter Abraão como nosso pai, nem ter dezessete ancestrais — aquele que não quer trabalhar deve anotar o que está escrito sobre as donzelas de Israel, pois dá à luz vento, mas o que se dispõe a trabalhar dá à luz seu próprio pai.
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Contudo, o pai de Kierkegaard aqui é Isaías, poeta sobrenaturalmente forte, e o texto citado despedaça, onde Kierkegaard busca confortai'. Talvez a última palavra esteja com a angústia da influência afinal, e com a profecia de Isaías do retorno dos precursores. O que se segue não deixou Kierkegaard ansioso, mas é a consternação dos poetas:
Como a mulher gi'ávida, quando está próxima a sua hora, tem dores de parto, e dá gritos nas suas dores, assim fomos nós diante de ti, ó Senhor!
Bem concebemos nós e tivemos dores de parto, porém demos à luz o vento; livramento não trouxemos à terra; nem caíram os moradores do mundo.
Os teus mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão. Despertai e exultai, vós que habitais no pó, porque o vosso orvalho será como o orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos.
t r t ^Tres
sidoSe o rapaz houvesse acreditado na repetição, do que não poderia haver caPaz? Que interioridade poderia haver alcançado!
KIERKEGAARD
Kenosis
ou REPETIÇÃO E DESCONTINUIDADE
Percebe-se o unheim lich, ou “não de casa”, com o “estranho”, sempre que somos lembrados de nossa tendência interior a ceder a padrões obsessivos de ação. Passando por cim a do princípio do prazer, o daem ônico em nós cede a uma “com pulsão de repetição”. Um hom em e uma m ulher se encontram , mal se falam, entram num acordo de entregas mútuas; tom am a ensaiar o que acham que conheceram juntos antes, e no entanto não houve antes. Freud, unheim lich aqui em sua intuição, afirma que “todo afeto em ocional, qualquer que seja a sua qualidade, é transform ado pela repressão em m órbida angústia”. Entre os casos de angústia, encontra a classe do estranho, “em que se pode m ostrar que a angústia vem de alguma coisa reprimida que recorre”. Mas tam bém se pode chamar esse “não de casa” de “de casa”, observa, “pois esse estranho não é na verdade nada novo ou estrangeiro, mas uma coisa conhecida e há muito estabelecida na m ente, que só foi alienada pelo processo de repressão”.
Apresento o caso especial da angústia da influência com o uma variedade do estranho. O m edo de castração inconsciente
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de um hom em manifesta-se com o uma perturbação aparentem ente física nos olhos; o m edo do poeta de deixar de ser poeta muitas vezes se manifesta também com o uma perturbação da visão. Ou vê claro demais, com a tirania de um a aguda fixação, com o se seus olhos se afirmassem tanto contra o resto dele quanto contra o mundo, ou sua visão se torna velada, e ele vê tudo através de uma estranha névoa. Uma visão rom pe e deform a o que é visto; a outra, no máximo, contem pla uma nuvem luminosa.
Os críticos, no fundo de seus corações, amam as continuidades, mas aquele que vive só com a continuidade não pode ser poeta. O Deus dos poetas não é Apolo, que vive no ritm o da recorrência, mas o duende calvo Erro, que vive no fundo de uma gruta; e só sai, de má vontade, a intervalos irregulares, para banquetear-se nos m ortos poderosos, na ausência da lua. Os prim inhos do Erro, Desvio e Com pletude, jamais entram em sua gruta, mas guardam turvas lembranças de que nasceram ali, e vivem na meia apreensão de que repousarão por fim retornando à gruta para morrer. Enquanto isso, tam bém eles amam a continuidade, pois só ali têm seu escopo. A não ser pelos poetas desesperados, só o leitor Ideal ou Verdadeiram ente Com um ama a descontinuidade, e ainda está por nascer um tal leitor.
A apropriação poética, historicamente saudável, individualm ente é um pecado contra a continuidade, contra a única autoridade que conta, a propriedade ou prioridade de haver sido o prim eiro a dar nom e a uma coisa. Poesia é propriedade, com o a política. Hermes envelhece e torna-se um duende calvo, cha- ma-se Erro, e funda o comércio. As relações intrapoéticas não são com ércio nem roubo, a m enos que se possa con ceber um rom ance familiar com o uma política de com ércio, ou que, com o a dialética do roubo, se transforme em The M ental Traveller, de Blake. Mas a triste sabedoria do rom ance familiar não tem tem po para entidades m enores que podem entreter os econom istas do espírito. Essas seriam erros generosos, peque
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nos, e não o próprio Erro. O Erro m aior que podem os esperar encontrar e com eter é a fantasía de todo efebo: busque antitéticam ente o suficiente, e viva para gerar-se a si mesmo.
A noite traz a cada pensador solitário a aparente recom pensa de um pano de fundo adequado, assim com o a Morte, que eles de maneira tão errônea tem em , faz amizade, corretam ente, com todos os poetas fortes. As folhas tornam-se gritos mudos, e não se ouvem os gritos de fato. As continuidades com eçam com o amanhecer, e nenhum poeta qua poeta pode dar-se o luxo de escutar o grande preceito de Nietzsche: “Tente viver com o se fosse m anhã.” Com o poeta, o efebo tem de tentar viver com o se fosse m eia-noite, uma m eia-noite suspensa. Pois a primeira sensação do efebo, com o recém -encarnado poeta, é a de ter sido lançado, para fora e para baixo, pela mesma glória cuja apreensão o encontrou, e fez dele um poeta. O prim eiro reino do p oeta é o ocean o, ou à beira do oceano, e ele sabe que chegou ao elem en to da água p or um a queda. O instintivo nele o m anteria ali, mas o impulso antitético o traz para fora e o manda para o interior, em busca do fogo de sua posição.
A m aior parte do que chamamos poesia — pelo m enos desde o Iluminismo — é essa busca do fogo, quer dizer, da descontinuidade. A repetição pertence à beira d’água, e o Erro só vem àqueles que vão além da descontinuidade, na aérea viagem para a assustadora ausência de peso. O prom eteísm o, ou busca d e força poética, vai além das antinomias de ser lançado (que é repetição) e extravagância (a Verstiegenheit binswange- riana, ou loucura poética, ou autêntico Erro). E apenas busca cíclica, e sua única m eta e glória — necessariam ente — é o fracasso. O punhado — desde os antigos, e grandes — que rom pe esse ciclo e vive, entra num contra-sublime, uma poesia da terra, mas esse punhado (Milton, Goethe, Hugo) é de subdeu- ses. Os poetas fortes de nossa época, em inglês, que entram com grandeza no contexto da luta com os m ortos jamais chegam longe a ponto de entrar nesse quarto estágio de poesia da
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terra. Efebos abundam, um duplo punhado consegue a busca prometéica, e três ou quatro atingem a poesia da descontinuidade (Hardy, Yeats, Stevens), em que se realiza um poem a do ar.
Onde está ele, o p oem a do precursor, que esteja o m eu p o e m a ; esta é a fórmula racional de todo jovem poeta, pois o pai poético foi absorvido no id, e não no superego. O poeta capaz está para seu precursor mais ou m enos com o Eckhart (ou Em erson) estava para Deus; não com o parte da Criação, mas com o a m elhor parte, a substancia não criada, da Alma. Conceitualm ente, o problem a central para o retardatário é por força a repetição, pois a repetição dialeticam ente elevada a re-criação é a rota de excesso do efebo, que leva para longe do horror de descobrir-se apenas uma cópia ou réplica.
A repetição com o recorrência de imagens de nosso passado, imagens obsessivas contra as quais nossas afeições atuais lutam inutilmente, foi um dos primeiros antagonistas que os psicanalistas, com coragem, enfrentaram. A repetição, para Freud, era basicam ente um m odo de compulsão, e reduzida ao instinto de m orte pela inércia, regressão, entropia. Fenichel, feroz enciclopedista da psicodinâm ica freudiana, segue o Fundador perm itindo uma repetição “ativa”, a fim de obter domínio, mas tam bém enfatizando a repetição do “desfazer”, o trauma neurótico tão mais vivido para a imaginação de Freud. Fenichel distingue, o m elhor que pode, o “desfazer” de outros m ecanismos de defesa:
Na formação da reação, toma-se uma atitude que contradiz a original; no desfazer, dá-se mais um passo. Faz-se uma coisa positiva que, real ou magicamente, é o oposto de uma coisa que, de novo real ou magicamente, foi feita antes... A própria idéia de expiação nada mais é que uma expressão de crença na possibilidade de um mágico desfazer.
A com pulsão aqui continua sendo a da repetição, mas com uma inversão de significado consciente. No isolam ento de uma
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idéia do seu investimento em ocional original, a repetição também continua sendo dom inante. “Além do princípio do prazer”, na famosa expressão de Freud, há uma área escura em qualquer contexto psíquico, mas singularmente escura nos domínios da poesia, que deve dar prazer. O herói de Além do princípio do prazer , um m enino de oito meses fazendo seu jogo deD á-dá!, dom ina os desaparecim entos da mãe dramatizando o ciclo de sua perda e retorno. Fazer do im pulso do jogo mais um exem plo de repetição compulsiva foi outra audácia de Freud, mas não tão audaciosa quanto o grande salto de atribuir todo impulso de repetição a um instinto regressivo cujo o b jetivo pragmático era m orrer.
Lacan, ele próprio um saltador prodigioso, nos diz que “da m esm a forma que a com pulsão de rep etir... tem em vista nada m enos que a tem poralidade historicizante da experiência de transferência, também o instinto da m orte expressa essencialm ente o limite da função histórica do su jeito”. Portanto Lacan vê os Dá-dá! com o os atos humanizantes da imaginação verbal da criança, em que a subjetividade com bina sua própria abdicação e o nascim ento do sím bolo, “os atos de ocultação que Freud, num lam pejo de gênio, nos revelou para que possamos reconhecer neles que o m om ento em que o desejo se torna hum ano é também aquele em que a criança nasce na Linguagem ”.
O senso de “esse lim ite” de Lacan, nossa m orte, representa-o com o “o passado que se revela invertido na repetição”. Invadindo essa curiosa mistura de Freud e Heidegger está a grande sombra da repetição de Kierkegaard, “a exaustão de ser que se consom e”, com o diz Lacan. A repetição freudiana só é interpretável dualisticamente, com o todas as noções psicanalí- ticas, pois Freud espera que sempre separem os conteúdo m anifesto de conteúdo latente. Kierkegaard, demasiado dialético para tal ironia m eram ente romântica, form ulou um a “repetição” mais próxim a das ironias da apropriação poética que
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poderiam perm itir os m ecanism os freudianos de “desfazer” ou de “isolam ento”.
A repetição kierkegaardiana jamais acontece, mas irrompe ou apresenta-se, uma vez que “é lembrada para a frente”, com o a Criação por Deus do universo.
Se o próprio Deus não houvesse querido a repetição, o mundo jamais teria vindo a existir. Ele ou haveria seguido os leves planos cia esperança, ou o teria lembrado todo e mantido na lembrança. Não fez isso, portanto o mundo permanece, e permanece pelo fato de ser uma repetição.
A vida que foi agora se torna. Kierkegaard diz que a dialética cia repetição é “fácil”, mas esta é uma de suas brincadeiras geniais. Sua m elhor brincadeira sobre a repetição é também sua primeira, e me parece uma grandiosa introdução à dialética da apropriação:
Repetição e lembrança são o mesmo movimento, só que em direções opostas; pois o que é lembrado foi, repete-se para trás, enquanto a repetição assim propriamente chamada é lembrada para a frente. Portanto a repetição, se é possível, faz o homem feliz, enquanto a lembrança o faz infeliz — desde que se dê tempo para viver e não tente logo, no momento mesmo do nascimento, encontrar um pretexto para esgueirar-se da vida, alegando, por exemplo, que esqueceu alguma coisa.
Brincando à custa de Platão, o teórico da repetição propõe um am or possível mas não perfeito, quer dizer, o único am or que não nos fará infelizes, o am or da repetição. Amor perfeito é amar m esm o quando nos fizeram infelizes, mas a repetição pertence ao im perfeito que é o nosso paraíso. O poeta forte sobrevive porque vive a descontinuidade de um “desfazer” e uma repetição “isolante”, mas deixaria de ser poeta se não seguisse vivendo a continuidade do “lem brar para a frente”, do
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irrom per numa renovação que no entanto repete os feitos de seus precursores.
Apropriação, podem os em endar agora, é de fato um fazer errado (e com preender errado) o que os precursores fizeram, mas o próprio “errado” tem aqui um sentido dialético. O que os precursores fizeram lançou o efebo no m ovim ento de repetição para fora e para baixo, uma repetição que ele logo com preende deve ser desfeita e dialeticam ente afirmada, ao m esmo tem po. Encontra-se fácil o m ecanism o do desfazer, com o acontece com todas as defesas psíquicas, mas não se aprende facilm ente o processo de repetir lem brando para a frente. Quando o efebo clama à Musa para ajudá-lo a lem brar o futuro, está lhe pedindo ajuda na repetição, mas dificilm ente no sentido em que uma criança pede a um contador de histórias que conte sempre a m esm a história. A criança que aprende uma história, com o sugere Schachtel em sua M etam orfose , busca contar com essa história, mais ou m enos com o contam os com que um poem a favorito m antenha as mesmas palavras na próxim a vez em que abrirmos aquele determ inado livro. A constância do objeto torna possível a exploração por atos de atenção focal, e Schachtel conta com essa dependência quando contesta otim isticam ente a insistência de Freud no predom ínio da com pulsão da repetição no jogo das crianças. No âmago do argumento de Schachtel está um profundo desacordo com a teoria profundam ente redutiva de Freud sobre as origens do pensam ento. O precursor do pensam ento, para Freucl, é sem pre e apenas uma alucinatória satisfação de necessidade, uma fantasmagoría em que se desloca a realização do desejo e o ego busca mais autonom ia em relação ao id do que é capaz de conseguir.
Pois o ego sente “ter sido lançado” em relação ao id, e não ao censorio superego. Os psicólogos do ego talvez estivessem corretos em sua revisão de Freud, mas não do ponto de vista do crítico de literatura, que deve atribuir, corretam ente, as energias da criatividade a uma área (com o quer que a cham em os)
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que expulsou o ego ao encontro de todo o mundo do Não-Eu, ou talvez m elhor, a pascaliana “infinita im ensidão de espaços que eu ignoro, e que não me conhecem ”. Expulso para as externas magnitudes da m atéria cartesiana, o ego fica sabendo de sua própria solidão, e busca com o com pensação uma autonom ia ilusória, aquilo que o enganará levando-o a acreditar num senso de ser libertado:
() que nos liberta é o conhecimento de quem fomos, do que nos tornamos; de onde estivemos, aonde fomos lançados; para onde corremos, do que somos redimidos; o que é nascimento e o que é renascimento.
Essa fórm ula valentiniana, observa Hans Jon as, “não prevê um presente em cu jo conteúdo pode habitar o conhecim ento e, no contem plar, deter o impulso para a frente”. Ele com para o gnóstico “aonde fomos lançados” ao Geivorfenheit heidegge- riano e ao “expulso” pascaliano. Uma outra com paração é sugerida pela situação de todo efebo pós-cartesiano, que freqüentem ente é um gnóstico apesar dele m esm o. Talvez, afinal, a pavorosa grandeza de Yeats derive de seu voluntário gnosticism o e sua profunda com preensão de com o precisava desesperadam ente desse gnosticism o com o poeta.
Quando deixamos de esperar, podem os ser recom pensados. Keats é tão com ovente porque é tão desligado do que se exige dele com o poeta, e no entanto tão fiel no cum prim ento das exigências. Mas qualquer poem a — m esm o um perfeito, com o To A u tum n (Ao outono), de Keats — é um am ontoado de coisas deslocadas. Keats, até Keats, tem de ser um profeta da descontinuidade, para quem a experiência no fim é só mais uma form a de paralisia. Entre o poeta e sua visão do verdadeiro e desconhecido deus (ou ele próprio curado, tornado original e puro), intervém os precursores com o outros tantos arcon- tes gnósticos. Nossos jovens, algum tem po atrás, eram pseu- do-G nósticos, acreditando num a pureza essencial que consti
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tuía seus verdadeiros eus, e que não podia ser afetada pela simples experiência natural. Os poetas fortes têm de acreditar numa coisa assim, e ser sempre condenados pela moral hum anista, pois os poetas fortes são necessariam ente perversos, “necessariam ente” aqui significando com o que obcecado, com o m anifestando uma com pulsão de repetição. “Perverso” significa literalm ente “voltado para o lado errado”; mas voltado para (5 lado certo em relação ao precursor significa não desviar-se de m odo algum, de form a que toda tendência ou inclinação tem por força de ser perversa em relação ao precursor, a não ser que o próprio contexto (com o nossa ortodoxia literária am biente) nos perm ita ser um avatar do perverso, com o a linhagem francesa Baudelaire-Mallarmé-Valéry o foi de Poe, ou Frost de Emerson. Desviar-se [to swerve em inglês] (o sweor-
fa n anglo-saxão) tem um significado radical de “varrer, limar ou polir”, e no uso corrente, “evitar, deixar a linha reta, virar para o lado (da lei, do dever, dos costum es)”.
Contudo, a imaginação do poeta forte não pode ver-se como perversa ; sua tendência tem de ser saudável, a verdadeira prioridade. Daí o clinamen, cu ja suposição fundamental é que o precursor errou por não se desviar, exatam ente numa tal inclinação, exatam ente ali e então, num ângulo de visão, agudo ou obtuso. Mas isso é angustiante, e não apenas para nossa boa índole. Se o dom da imaginação vem necessariam ente da perversidade do espírito, o labirinto vivo da literatura se constrói sobre a ruína de cada impulso mais generoso em nós. Assim aparentem ente é e tem de ser — estam os errados por havermos fundado um humanismo diretam ente em cima da própria literatura, e a expressão “letras hum anistas” é um oxím oro. Ainda se pode fundar um humanismo em cima de um estudo da literatura mais com pleto que o que já conseguimos, mas nunca sobre a própria literatura, ou qualquer reflexo idealizado de suas categorias implícitas. A imaginação forte chega ao seu doloroso nascim ento por selvajaria e representação distorcida. A única virtude humana que podem os
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esperar ensinar com um estudo mais avançado da literatura do que tem os agora é a virtude social do desligam ento de nossa própria imaginação, reconhecendo sem pre que esse desligam ento tornado absoluto destrói qualquer im aginação individual.
Onde há desligam ento no confronto com nossa própria imaginação, é impossível a descontinuidade. Onde term ina o desejo, segue pulsando a repetição, seja ou não reimaginada. Não há nom es, disse Valéry, para aquelas coisas no m eio das quais o hom em está mais verdadeiram ente só; e Stevens exorta seu efebo a jogar fora as luzes, as definições, para encontrar identificações substituindo os nom es enraizados que não oferecem um contexto de solidão. Essa escuridão é uma descontinuidade, na qual o efebo pode ver de novo e conhecer a ilusão de uma nova prioridade.
A prim eira analogia passional para essa descontinuidade não é o prim eiro amor, mas o prim eiro ciúme, “prim eiro” querendo dizer o prim eiro consciente. Ciúme, Camus faz Caligula provocar um marido traído, é uma doença com posta de vaidade e imaginação. O ciúm e, diria qualquer poeta forte a Calí- gula, se baseia em nosso m edo de que não haja tem po suficiente, na verdade de que haja mais am or do que se pode pôr no tem po. A descontinuidade, para os poetas, se baseia não tanto em pontos de tem po quanto em m om entos no espaço, onde a repetição se esvazia, com o se a econom ia do prazer não tivesse relação com a liberação de tensão, mas apenas com nossa desorientação mental.
Voltemos ao ainda surpreendente m anifesto tardio de Freud, de 1922, Além do princípio do prazer , que relaciona os preâmbulos eróticos com neuroses recorrentes, e ambos com o jogo de abandono m aterno do pequeno Ernst Freud, o famoso Dá-dá! tão caro às reimaginações de Lacan. Todos são “com pulsões de repetição”, e na visão final freudiana, todos daemôni- cos, autodestrutivos e parte do culto do deus Tânatos:
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'lalvez tenhamos adotado a crença [o instinto da morte] porque haja nela algum conforto. Se nós mesmos vamos morrer, e antes perder na morte aqueles que nos são caros, é mais fácil submeter-nos a uma implacável lei da natureza, à sublime necessidade, do que a um risco tio qual talvez se pudesse escapar.
Isso é Freud tardio, mas podia ser o Emerson tardio de The Conduct o f Life [A condução da vicia), com seu feroz culto da Bela Necessidade. Freud e Em erson associam essa sublime necessidade com agressão, e a ela opõem Eros, em bora o Eros de Freud seja uma visão ampliada da libido, e o de Em erson uma versão posterior, indefinida, da Superalma. Nenhum deles, no fim, deixou de ser ambivalente em relação aos m ecanismos de defesa do ego contra as repetições que nos impelem para Tânatos. Mas, nas explicações freudianas desses m ecanismos, e sobretudo no que já citei de Fenichel, oferece-se uma base teórica para a crítica descrever a defesa do poeta forte contra a repetição, sua salvadora (mas também condenadora) aventura na descontinuidade.
Ao estudo das proporções revisionárias que caracterizam as relações intrapoéticas, acrescento agora uma terceira: a kenosis, ou “esvaziamento”, ao m esm o tem po um movimento de “anulação” e “isolam ento” da imaginação. Tomo a kenosis da história contada por Paulo, da “hum ildade” de Jesus, baixando de deus a homem. Nos poetas fortes, a kenosis é um ato revisionário em que ocorreu um “esvaziamento” ou “refluxo” em. relação ao precursor. Esse “esvaziamento” é uma descontinuidade libertadora, e torna possível uma espécie de poem a que uma simples repetição do estro ou divindade do precursor não pode permitir. A “anulação” da força do precursor em nós mesmos também serve para “isolar” o eu da posição do precursor, e salva o poeta retardatário de tornar-se tabu em e para si. Freud enfatiza a relação dos m ecanism os de defesa com toda a área de tabu, e observamos a relevância, para a kenosis, do con texto de tabus de contato e purificação.
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Por que é a influência, que poderia ser saudável, em geral mais uma angústia no que se refere aos poetas fortes? Perdem ou ganham mais os poetas fortes, como poetas, na luta com seus pais fantasmas? Clinamen, tessera e kenosis, e todas as outras proporções revisionárias que distorcem ou metamorfo- seiam precursores, ajudam os poetas a individualizar-se, ser realm ente eles m esm os, ou distorcem tanto os filhos poéticos quanto os pais? Eu prego que essas proporções revisionárias têm a m esm a função nas relações intrapoéticas que os m ecanism os de defesa em nossa vida psíquica. Não nos prejudicarão esses m ecanism os de defesa, em nossa vida diária, mais que as com pulsões de repetição das quais buscam nos defender?
Freud, altam ente dialético aqui, é mais claro, eu acho, no poderoso ensaio tardio ‘Análise terminável e interm inável” (1937). Se, em lugar de seu “ego”, pusermos o efebo, e do “id” o precursor, ele nos dá uma fórmula para o dilem a do efebo:
Por muito tempo, a luga e o evitar uma situação perigosa servem como expedientes frente ao perigo externo, até o indivíduo tornar-se por fim forte o suficiente para afastar a ameaça modificando ativamente a realidade. Mas não podemos fugir de nós mesmos, e nenhuma fuga adianta diante do perigo que vem de dentro; daí os mecanismos de defesa do ego estarem condenados a falsificar a percepção interior,para que nos transm ita apenas um quadro im perfeito e travestido de nosso id. Em sua relação com o id, o ego é para lisado p o r suas restrições ou cegado p o r seus erros, e pode-se comparar o resultado na esfera dos acontecimentos físicos à marcha de um pobre caminhante numa região que não conhece.
O objetivo dos mecanismos de defesa é evitar perigos. Não se pode contestar que têm êxito; é duvidoso se o ego pode também passar sem eles durante seu desenvolvimento, mas é igualmente certo que eles próprios podem tornar-se perigosos. Com não pouca freqüência, revela-se que o ego pagou um preço demasiado alto pelos serviços que esses mecanismos prestam. [Itálico meu, não de Freud.]
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Essa visão m elancólica acaba com o ego adulto, no auge da força, defendendo-se de perigos que já desapareceram , e até buscando substitutos para os originais desaparecidos. No agon do poeta forte, os substitutos conseguidos tendem a ser primeiras versões do próprio efebo, que num certo sentido lam enta uma glória que jamais teve. Sem abandonar ainda o m odelo freudiano, exam inem os mais de perto os cruciais m ecanismos de “anulação” e “isolam ento”, antes de voltarmos à escuridão que cham ei de kenosis, ou “esvaziamento”.
Fenichel relaciona “anulação” com expiação, uma lavagem que ainda obedece ao tabu de purificação, e que portanto pretende fazer o oposto do ato compulsivo, mas efetua, paradoxalm ente, o m esm o ato com um significado inconsciente oposto. A sublimação artística, nessa visão, relaciona-se com atitudes que pretendem uma anulação das destruições imaginativas. O “isolam ento” m antém separado o que deve ficar junto, preservando traumas mas abandonando seus significados em ocionais, e obedecendo ao m esm o tem po ao tabu con tra o contato.
A kenosis é um movimento mais ambivalente que o clinam en ou a tessera, e leva necessariam ente mais fundo os poemas nos dom ínios dos significados antitéticos. Pois, na kenosis, a batalha do artista contra a arte já foi perdida, e o poeta cai ou reflui num espaço e tem po que o confinam , m esm o quando desfaz o padrão do precursor pela perda deliberada, voluntária, de continuidade. Sua posição parece ser a do precursor (com o a posição de Keats parece ser a de Milton no prim eiro Hyperion), mas o significado da posição se desfaz; a posição é esvaziada de sua prioridade, que é uma espécie de divindade, e o poeta que a m antém se torna mais isolado, não apenas de seus colegas, mas da com unidade de seu próprio eu.
Que adianta essa idéia de kenosis poética, para o leitor que tenta descrever qualquer poem a que se sinta obrigado a descrever? As proporções clinam en e tessera podem ser úteis para alinhar (e desalinhar) elem entos em poem as díspares, mas
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essa terceira relação parece mais aplicável aos poetas do que aos poem as. Uma vez que, com o leitores, precisam os distinguir o dançarino da dança, o cantor da canção, com o somos ajudados em nosso difícil em preendim ento por essa idéia de auto-esvaziam en to que busca defender-se contra o pai, mas anula radicalm ente o filho? É a. k e n o s is de Shelley em sua O de to th e W est W in d [Ode ao vento oeste j uma anulação, um isolam ento de Wordsworth ou de Shelley? Quem é mais tem erosam ente esvaziado c m A s I E b b 'd w ith the O cean o f L ife [Quando eu refluía com o oceano da vida], lïm erson ou Whitman? Quando Stevens enfrenta as terríveis auroras, é o seu outono ou o de Keats que é esvaziado de seu consolo humanizante? Ammons, andando pelas dunas de Corsons Inlet, esvazia-se de um Total, já reconhecido com o além dele, mas não faz o significado do poem a girar em torno de sua convicção de que o Total de Em erson estava além m esm o daquele sábio? A palinodia parece inevitável nas últimas fases da m archa de qualquer poeta rom ântico, mas é seu próprio canto que ele deve cantar de novo ao contrário? Dante, Chaucer, m esm o Spenser podem fazer sua retratação na poesia, mas Milton, Goethe, Hugo retratam mais os erros de seus precursores que os deles próprios. Com os mais ambivalentes poetas m odernos, m esm o poetas fortes com o Blake, Wordsworth, Baudelaire, Rilke, Yeats, Stevens, toda k e n o s is esvazia os poderes de um precursor, com o uma mágica anulação-isolam ento que se busca para salvar o Sublim e Egoísta à custa de um pai. A k e n o s is , nesse sentido poético e revisionário, parece um ato de auto-abnegação, mas te n d e a fa zer o s pais pagarem pelos seus próprios pecados, e talvez pelos dos filhos também.
Chego assim à fórmula pragmática: “Onde estava o precursor, lá estará o efebo, mas pelo m odo descontínuo de esvaziar o precursor da divindade d e le , parecendo ao m esm o tem po esvaziar-se da sua.” Por mais plangente ou m esm o desesperado que seja o poem a da k e n o s is , o efebo cuida de ter uma queda suave, enquanto o precursor sofre um a queda violenta.
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Precisamos parar de pensar em qualquer poeta com o um ego autônom o, por mais solipsistas que sejam os poetas mais fortes. Todo poeta é um ser colhido numa relação dialética (transferência, repetição, erro, com unicação) com outro poeta ou poetas. Na kenosis arquetípica, São Paulo encontrou um padrão que nenhum poeta suportaria emular, com o poeta:
Nada façais por contenda ou por vangloria, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo.
Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros.
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus,
Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus,
Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens;
E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte...
A essa kenosis, podem os opor uma paródia daem ônica típica do que é a kenosis poética propriam ente dita, não tanto uma humilhação do eu quanto de todos os precursores, e necessariam ente um desafio à morte. Blake brada para Tirzah:
Tudo que nasce de Parto Mortal Tem de ser consumido com a 1’erra Para ressuscitar sem Geração;Assim, que tenho eu a ver contigo?*
* What e ’er is Born o f M ortal Birth, / Must be consum ed with the Earth / To rise fro m Generation free ; / Then what have I to do with thee?
I N T E R C A P Í T U L O
Manifesto pela Crítica Antitética
Se imaginar é interpretar de forma distorcida, o que torna todos os poem as antitéticos em relação a seus precursores, imaginar segundo um poeta é aprender suas metáforas para seus atos de leitura. A crítica torna-se então também, necessariam ente, antitética, uma série de desvios após atos únicos de m al-entendido criativo.
O prim eiro desvio é aprender a 1er um grande poeta precursor com o seus grandes descendentes se obrigaram a lê-lo.
O segundo é 1er os descendentes com o se fôssem os seus discípulos, e assim obrigarmo-nos a aprender onde tem os de revisá-los se querem os ser encontrados por nossa própria obra, e resgatados pelos vivos de nossas vidas.
Nenhuma dessas buscas é ainda Crítica Antitética.
Esta com eça quando m edim os o prim eiro clinam en contra o segundo. D escobrindo exatam ente qual é o tom do desvio, passamos a aplicá-lo com o corretivo à leitura do primeiro mas não do segundo poeta ou grupo de poetas. Praticar Crítica Antitética com o mais recente poeta, ou os mais recentes, só se
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torna possível quando eles encontraram discípulos que não nós mesmos. Mas esses podem ser críticos, e não poetas.
Pode-se protestar contra essa teoria que jamais lem os um poeta com o poeta, mas apenas lemos um poeta em outro poeta, ou m esm o levando a outro poeta. Nossa resposta é m últipla: negamos que haja, tenha havido ou possa haver algum d ia um poeta com o poeta — para um leitor. Assim com o jamais podem os abraçar (sexualm ente ou de outro m odo) uma pessoa individual, mas sim todo o rom ance familiar dela ou de sua família, também jamais podem os 1er um poeta sem 1er todo o seu rom ance familiar com o poeta. A questão é redução e com o evitá-la. As críticas retórica, aristotélica, fenom enológica e es- truturalista, todas fazem reduções, seja a imagens, idéias, co isas determ inadas ou fonem as. As críticas m oral e outras flagrantem ente filosóficas ou psicológicas, todas reduzem a con- ceitualizações rivais. Nós reduzimos — se chegam os a fazê-lo— a outro poema. O significado de um poem a só pode ser outro poem a. Não se trata de tautología, uma vez que os dois poem as não são mais o m esm o do que podem duas vidas serem a mesma. A questão é de verdadeira história, ou melhor, mais do verdadeiro uso dela que do abuso dela, am bos no sentido de Nietzsche. A verdadeira história poética é a de com o poetas suportaram outros poetas, assim com o qualquer verdadeira biografia é a história de com o qualquer um suportou sua família — ou seu próprio deslocam ento da família para amantes e amigos.
Resumo — Todo poem a é uma interpretação distorcida de um poem a pai. Um poem a não é uma superação de angústia, mas é essa angústia. As interpretações distorcidas ou poem as dos poetas são mais drásticos que as interpretações distorcidas ou críticas dos críticos, mas trata-se apenas de uma diferença de grau, e de m odo algum de espécie. Não há interpretações, mas apenas interpretações distorcidas, e portanto toda crítica é poesia em prosa.
Intercapítulo: Manifesto 143
Uns críticos são mais ou m enos valiosos que outros apenas (exatam ente) com o uns poetas são mais ou m enos valiosos que outros. Pois assim com o um poeta eleve ser encontrado por uma abertura num poeta precursor, também o deve o crítico. A diferença é que o crítico tem mais pais. Seus precursores são poetas e críticos. Mas — na verdade — também o são os precursores do poeta, com freqüência cada vez maior, à medida que se encom prida a história.
Poesia é angústia de influência, é apropriação, é uma disciplinada perversidade. Poesia é com preensão distorcida, interpretação distorcida, aliança distorcida.
Poesia (Romance) é Romance Familiar. Poesia é o encantam ento do incesto, disciplinado pela resistência a esse encantam ento.
Influência é In fluenza — doença astral.Se influência fosse saúde, quem poderia escrever um
poema? Saúde é stasis.Esquizofrenia é má poesia, pois o esquizofrênico perdeu a
força do perverso, do intencional, da apropriação.A poesia é, pois, contração e expansão; pois todas as rela
ções de revisão são movimentos de contração, mas a criação é de expansão. A boa poesia é uma dialética de m ovim ento revi- sionário (contração) e renovadora abertura para fora.
Os m elhores críticos de nosso tem po continuam sendo Em erson e Wilson Knight, pois eles distorcem mais antitéticam ente que os outros.
Quando dizemos que o significado de um poem a só pode ser outro poema, talvez queiramos dizer uma gama de poemas:
O poem a ou poem as precursores.O poem a que escrevem os com o nossa leitura.Um poem a rival, filho ou neto do mesmo precursor.Um poem a que j amais chegou a ser escrito — quer dizer -—o poem a que devia ter sido escrito pelo poeta em questão.
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Um poem a com pósito, com posto de alguma com binação desses.
O poem a é a m elancolia do poeta por sua falta de prioridade. O não nos term os gerado não é a causa do poem a, pois os poem as surgem da ilusão de liberdade, de que é possível um senso de prioridade. Mas o poem a — ao contrário da m ente na criação — é uma coisa feita, e com o tal, angustia realizada.
C om o entend em os um a angustia? Sendo angustiados nós mesmos. Todo leitor profundo é um Perguntador Idiota. Pergunta: “Quem escreveu meu poema?” Daí a insistência de Em erson: “Em tocia obra de gênio reconhecem os nossos próprios pensam entos rejeitados — voltam-nos com uma certa m ajestade alienada.”
A crítica é o discurso da profunda tautología — do solip- sista que sabe que o que quer dizer está certo, e no entanto o que diz é errado. A crítica é a arte de conhecer os cam inhos ocultos que vão de um poem a a outro.
Quatro
E agora, finalmente, a mais alta verdade sobre este tem a aiilda não foi dita; provavelm ente não pode ser dita; pois tudo que dizem os é a lem brança longínqua da intuição. Esse pensam ento, com o que eu posso agora chegar mais perto de dizer, é o seguinte. Q uando o bem está perto de ti, quando tens vida em ti, não é por nenhum cam inho conhecido ou costum eiro ; não discernirás as pegadas de qualquer outro ; não verás a face do hom em ; não ouvirás n om e algum; — o cam inho, o pensam ento, o bem serão inteiram ente estranhos e novos. Excluirão exem plo e experiência. Tomas o cam inho do hom em , não para o hom em . Todas as pessoas que já existiram são seus ministros esquecidos. Medo e esperança estão igualmente abaixo dele. Há algum a coisa de inferior m esm o na esperança. Na hora da visão não há nada que se possa cham ar de gratidão, nem propriam ente alegria. A alma elevada acim a da paix ão contem pla a identidade e a eterna causação, percebe a auto-existêncía da Verdade e do C erto, e acalma-se com o conhecim ento de que tudo vai bem. Vastos espaços da natureza, o O ceano Atlântico, o Mar do Sul; longos intervalos de tem po, anos, séculos, de nada contam . Isto que eu penso e sinto esteve p o r baixo d e todo estado anterior de vida e circunstâncias, com o está p or baixo de m eu presente, e do que se cham a vida e do que se cham a m orte.
EMERSON, Self-Reliance
¥
Daemonização
ou O CONTRA-SUBLIME
O novo poeta forte tem de reconciliar em si duas verdades: “Ethos é o daim on" e “tudo foi feito por meio dele, e sem ele não se fez nada que foi feito”. A poesia, apesar de seus publicistas, não é uma luta contra a repressão, mas é ela própria uma espécie de repressão. Os poemas surgem não tanto em resposta a um tempo presente, como mesmo Rilke pensava, mas em resposta a outros poemas. “Os tempos são resistência”, disse Rilke, à visão de novos mundos e tempos do poeta; mas poderia ter mais bem dito: “Os poemas precursores são resistência”, pois os Befreiungen ou novos poemas surgem de uma tensão mais central do que ele reconheceu. A história, para Rilke, era o índice alfabético de homens nascidos cedo demais, mas com o poeta forte ele não se permitiu saber que a arte é o índice alfabético de homens nascidos tarde demais. Não é a dialética entre arte e sociedade, mas a dialética entre arte e arte, ou o que Rilke ia chamar de luta do artista contra a arte; essa dialética ia governar até mesmo a ele, que sobreviveu à maioria dos seus agentes bloqueadores, pois nele a proporção revisionária de daemonização era mais forte que em qualquer outro poeta de nosso século.
A Angústia da Influência
“Os Daemons escondem -se e são m udos”, refletia Em erson, e escondem -se em toda parte nele, bastante audíveis. Quando os antigos falavam de daemons, queriam dizer também (com o disse Drayton) “aqueles que, pela grandeza m ental, se aproximam de Deuses. Pois nascer de um Íncubo celeste nada mais é do que ter um grande e poderoso espírito, m uito acima da terrena fraqueza dos hom ens”. O poder que faz de um hom em um poeta é daem ônico, porque é o poder que distribui e divide (significado radical de daeom ai). Distribui nossos destinos, e divide nossos dons, com pensando sem pre que nos tira. Essa divisão traz ordem, confere conhecim ento, desordena onde sabe, abençoa com ignorância para criar outra ordem. Os daemons criam quebrando (“Os m árm ores da pista de dança / Quebram iradas e com plexas fúrias”), mas têm apenas suas vozes, que é só o que têm os poetas.
Os daemons de Ficino existiam a fim de baixar vozes dos planetas para hom ens favorecidos. Esses daemons eram influência, que passava de Saturno para gênios em baixo, transmitindo as mais generosas Melancolías. Mas, na verdade, o poeta forte jamais é “possuído” por um daemon. Quando se torna forte, torna-se, e é, um daemon, a não ser e até que volte a enfraquecer. ‘As possessões levam a uma total identificação”, observa Angus Wilson. Voltando-se contra o Sublime do precursor, o poeta de força recente passa por uma daem onização, um Con- tra-Sublime cuja função sugere a relativa fraqueza do precursor. Quando o efebo é daemonizado, seu precursor necessariam ente se humaniza, e um novo Atlântico jorra do transformado ser do novo poeta.
Pois o Sublime do poeta forte não pode ser o Sublime do leitor, a m enos que a vida de cada leitor seja tam bém , na verdade, uma Alegoria Sublime. O Contra-Sublime não se apresenta com o limitação à imaginação provando sua capacidade. Nesse transporte, o único ob jeto visível eclipsado ou dissolvido é a imensa imagem do precursor, e a m ente fica inteiramente feliz p o r ser lançada de volta a si mesma. O de Burke é o Sublime
Daem onização ou O Contra-Sublime 149
do leitor: um agradável Terror, com o que Martín Price qualifica de “contratensão da autopreservação”. O leitor de Burke cede à simpatia o que recusa à descrição: só precisa ver os mais indefinidos contornos. Na daemonização, a aumentada consciência poética vê um contorno claro, e entrega de volta à descrição o que havia cedido em excesso à simpatia. Mas essa “descrição” é uma relação revisionária, uma visão daem ônica em que o Grande Original permanece grande mas perde sua originalidade, cedenclo-a ao mundo do numinoso, a esfera de ação daemônica a que se reduz agora o seu esplendor. A daem onização ou Contra-Sublime é uma guerra entre Orgulho e Orgulho, e m om entaneam ente vence o poder da novidade.
Como teórico da apropriação, eu pararia aqui, se pudesse, para desenvolver o Contra-Sublime como um estado em si, sern recorrer a uma teologia negativa. Mas não há daemonização sem intrusão do numinoso, e nenhuma explicação dessa relação revisionária pode excluir a idéia do Sagrado. Todo poeta forte pode querer dizer, com Blake e Whitman, que tudo que vive é sagrado, mas Blake e Whitman eram tão completamente daemonizados que não são representativos. Na maioria dos poetas, há um contexto contra o qual brilha o numinoso. Esse contexto é um vácuo, esvaziado ou alienado pelos próprios poetas, enquanto o brilho nos devolve a todas as aflições da adivinhação.
O efebo aprende a adivinhação quando apreende a apavorante energia de seu próprio precursor com o sendo Inteiram ente Outro, mas também uma força possessiva. Essa apreensão, que em seus prim eiros estágios parece mais dom de conjetura que de adivinhação, independe da vontade, mas é com pletam ente consciente. Adivinhar a glória que já somos torna-se uma bênção discutível quando há uma profunda angústia sobre se nos tornamos realm ente nós mesmos. Mas esse senso de glória, mesmo que se revele um erro sobre a vida, é necessário para o poeta com o poeta, que deve atingir a imaginação aqui negando a plena humanidade da imaginação. O poderoso humor de Nietzsche é apropriado:
150 A Angústia da Influência
Se, em tudo que faz, ele considera a falta de propósito final do lioraem, sua atividade assume a seus olhos o caráter de desperdício. Mas sentir o nosso eu exatamente tão desperdiçado como humanidade (e não apenas como indivíduo) quanto vemos desperdiçada a flor única da natureza é um sentimento acima de todos os outros. Mas quem é capaz disso? Certamente só um poeta, e os poetas sempre sabem consolar-se.
Negar o precursor não é jamais possível, uma vez que nenhum efebo pode dar-se o luxo de ceder, m esm o m om entaneam ente, ao instinto da m orte. Pois a adivinhação poética pretende a imortalidade literal, e pode-se definir qualquer poem a com o um desvio de uma possível m orte. O cam inho do hom em que o leva a passar pela negação da m orte é um ato primai, o ato de repressão, em que ele continua a desejar, continua decidido, mas em sua m ente nega ao desejo ou propósito qualquer satisfação. ‘>\ negação apenas ajuda na anulação de um a das conseqüências da repressão — o fato de que o tem a da imagem em questão é incapaz de entrar na consciência. O resultado é uma espécie de aceitação intelectual do que é reprimido, em bora em todos os pontos essenciais persista a repressão .” Esta form ulação freudiana é o inverso exato da daem onização, e assinala outro lim ite que nenhum poeta forte pode permitir-se aceitar.
Qual é, exatamente, o “daem ônico” que faz do efebo um poeta forte? Qualquer consciência que não negue não pode viver com o princípio da realidade. Mas a necessidade de m orrer não deixará que se escape a ela para sempre, e os hom ens não perm anecem hom ens sem repressão, por mais fortem ente que volte o reprimido. A lei da Compensação, o “nada se obtém a troco de nada” de Emerson, é sentida mesmo pelos poetas, apesar de seus breves instantes únicos em que são realm ente deuses libertadores. Seja o Espírito o que for, não pode haver qualquer perversidade polimorfa do Espírito, e uma repressão a que se escapou só dá lugar a outra. Não se pode distinguir “o daemô-
Daem onização ou O Contra-Sublirne 151
nico”, nos poetas, da angustia da influência, e esta é, infelizmente, uma verdadeira identidade, e não semelhança. O terror do leitor do e no Sublime é igualado pela angústia de todo poeta forte pós-Iluminismo do e no Contra-Sublime.
Em erson, o insuperável profeta do Sublime americano (que é sempre um Contra-Sublim e), protestaria da maneira mais bela contra nosso triste m urmúrio de que afinal ainda há o universo da m orte, nosso mundo: “... Tudo que chamas de mundo é a sombra daquela substância que és tu, a perpétua criação dos poderes do pensam ento, daqueles que dependem e daqueles que não dependem de tua vontade. ... Julgas-me um filho de m inha circunstância: eu faço minha circunstância.” Com am oroso respeito, o filho da apropriação tem de murmurar em resposta: “Fazes, fazes, mas se essa circunstância é a posição do poeta, cercada pela circunferência viva dos precursores, a som bra de tua substância se encontra e se funde com uma Som bra m aior.” Shelley, com seu típico equilíbrio inglês, pode ser citado contra Em erson aqui:
... um grande poeta é uma obra-prima da natureza que outro não apenas deve estudar, mas tem de estudar. Excluir, este outro, de sua contemplação da beleza que existe nos textos de um grande contemporâneo seria tão sensato e fácil quanto decidir que sua mente não mais deve ser espelho de tudo que há de belo no universo visível. A ambição de fazer isso seria uma presunção em qualquer um, com exceção do maior; mesmo nele, o efeito seria tenso, artificial e ineficaz. Um poeta é o produto combinado de forças internas que modificam a natureza de outros; e de influências externas que excitam e mantêm essas forças; ele não é umas ou outras, mas ambas. A mente de todo homem é, neste aspecto, modificada por todos os objetos da natureza e da arte; por toda palavra e sugestão que algum dia ele admitiu atuar sobre sua consciência; é o espelho em que se refletem todas as formas, e no qual elas compõem uma forma. Os poetas, não diversamente dos filósofos, pintores, escultores e músicos, são, em um sentido, os criadores, e, em outro, as criações de sua época. Dessa sujeição não escapam nem os mais grandiosos.
152 A Angustia da Influencia
A sujeição de Shelley, com o ele sabia, era ao precursor que criara (na m edida em que alguém o fizera, m esm o Rousseau) o Espírito da Era. Contra Wordsworth, ele se tornou um poeta forte, de Alaslor em diante, por um novo tipo de vôo de busca, um m ovim ento ascendente em que no entanto o Espírito era lançado para fora e para baixo. A daem onização de Shelley foi essa queda para cima, e mais que qualquer poeta (m esm o Rillce), ele nos obriga a vê-lo na com panhia dos anjos, parceiros daem ônicos de sua busca da totalidade.
Paul de Man, explicando Binswanger, fala da “possibilidade imaginativa do que se pode chamar de queda para cim a”, e a posterior descida, “a possibilidade de queda e desânim o que se segue a tais m om entos de vôo”, do que eu cham ei em term os gerais de kenosis. Man fala da Verstiegenheit binswan- geriana (ou “Extravagância”, com o a traduz com hum or Jacob Neeclleman) com o um perigo imaginativo visível; mas pod em os distinguir a queda para cima com o o processo, e a Extravagância com o o estado que se segue. Lançado pela glória embriagante de participar da força do precursor, o efebo parece (para si m esm o) levitar, uma experiência de inspiração divina que o abandona nas alturas, elevado a uma Extravagância que é um “fracasso da relação entre altura e largura no sentido antropológico”. É a existência hum ana levada longe demais, a m elancolia particular do poeta, representada para Binswanger, de form a curiosa, pelo Solness de Ibsen, que dificilm ente parece adequado a uma idéia tão grande de desproporção. O resum o de Binsw anger é útil se o lerm os de diante para trás; ele diz que o resgate da Extravagância só é possível com “ajuda externa”, com o acontece com o m ontanhista demasiado avançado no precipício para poder retornar. Concordem os que um poeta, com o poeta, por definição está além de “ajuda externa”, e puram ente com o poeta seria destruído por ela. O que Binsw anger vê com o patologia é apenas a saúde perversa ou a atingida sublimidade do poeta realizado.
Daem onização ou O Contra-Sublime 153
Van Den Berg, num surpreendente ensaio sobre o significado do movimento hum ano, identifica três dom ínios que fornecem esse significado: a paisagem , o eu interior e o olhar do outro. Se buscamos o significado do m ovimento poético, no sentido do porte e gestos de um poem a, com o falamos dos de um ser hum ano, isso se traduz em: alienação, solipsismo e o olhar im aginado do precursor. Para apropriar-se da paisagem do precursor, o efebo tem de aliená-la mais de si. Para alcançar um eu ainda mais interno que o do precursor, o efebo torna-se necessariam ente mais solipsista. Para fugir ao imaginado olhar do precursor, o efebo busca limitar o seu escopo, que perversam ente amplia o olhar, de m odo que raram ente se pode fugir a ele. Como as crianças pequenas acreditam que os pais podem vê-las depois da esquina, tam bém o efebo sente um olhar mágico a acom panhar cada movimento seu. O olhar desejado é amistoso ou am oroso, mas o olhar tem ido desaprova, ou torna o efebo indigno do am or elevado, aliena-o dos dom ínios da poesia. Andando por paisagens mudas, ou de coisas que lhe falam com m enos freqüência ou urgência do que o faziam com o precursor, o efebo sabe tam bém o custo de uma crescente interioridade, uma m aior separação de tudo que é extensivo. A perda é de reciprocidade com o m undo, em com paração com o senso do precursor de ser um hom em a quem tudo fala.
O impulso da daem onização é para um Contra-Sublime, ou o que vitalistas pós-freudianos com o Marcuse e Brown evidentemente esperam dizer quando falam do que Freud chamou de retorno do que foi reprimido. Shelley, com o todos os poetas fortes, aprendeu mais (com o poeta, talvez não com o hom em ), e m elhor que qualquer poeta nos m ostra que o reprimido não pode retornar, pelo m enos em poemas. Pois cada Contra-Sublime é pago com uma nova e maior x'epressào que o Sublime do precursor. A daem onização tenta expandir o poder do precursor num princípio m aior que o dele, mas pragmáticamente torna o filho mais daemon e o precursor mais homem. A mais triste verdade da história poética pós-Iluminismo é quase azeda
154 A Angústia da Influência
demais para nosso gosto hum ano, e nem toda a exuberância dialética de Nietzsche conseguiu obscurecer uma verdade a que fugimos para o bem social das academias. O daem on em cada um de nós é o Retardatário; o Edipo cego é o hum ano, a total coerência que sabe que não se pode justificar a vicia com o um fenôm eno estético, m esm o quando essa vida é inteiram ente sacrificada ao dom ínio estético. Schopenhauer, e não Nietzsche, leva aqui os louros de haver enfrentado a verdade, com o devia saber Nietzsche, mesmo em O nascim ento da tragédia, onde ele tenta superar seu precursor mais triste com uma refutação direta. Quem pode deixar de perceber na descrição da poesia lírica por Schopenhauer, diz Nietzsche, que é apresentada com o uma arte jamais com pletam ente realizada? O canto autêntico — para Schopenhauer — mostra um estado mental misturado e dividido entre o m ero querer e a pura contem plação. Com o filho claemônico, Nietzsche protesta com eloqüência que o indivíduo esforçado que busca seus fins egoístas é apenas um inimigo da arte, e não sua fonte. Para Nietzsche, um hom em só é artista na medida em que não tem vontade individual “e se tornou um veículo pelo qual o Verdadeiro Sujeito celebra a ilusória redenção do Verdadeiro Sujeito”. Freud, em sua bela humanidade, seguiu o Nietzsche inicial nesse idealism o m uitíssimo limitado, mas o tem po mostrou a m aior sabedoria de Schopenhauer. Pois que é o Verdadeiro Su jeito senão repressão? O ego não é inimigo da arte, mas antes o irm ão triste da arte. O Verdadeiro Sujeito da arte é o grande antagonista da arte, o terrível Querubim escondido no id, pois o id é a imensa ilusão que não se pode redimir. O pecado original da arte, com o tão maravilhosamente exemplifica Nietzsche, é que uma Falsa Língua vegeta por baixo da natureza, ou, para usar um a linguagem blakiana, que nenhum artista pode perdoar suas origens como artista.
A visão da repressão de Freud enfatiza que esqu ecer é tudo, m enos um p rocesso de liberação. Todo precu rsor esquecido torna-se um gigante da im aginação. Total repressão
Daem onização ou O Contra-Sublime 155
pode ser saúde, mas só um deus é capaz dela. Todo poeta deseja ser o deus liberador de Em erson, e cada vez mais todos fracassam. Na visão cristã, nossa culpa se origina da repressão de nossa natureza superior ou herança moral. Na visão freudiana, nossa culpa deriva da repressão dos instintos, a recusa de nossa natureza inferior. Na visão poética, a culpa vem da repressão de nossa natureza média, o terreno onde a m oral e os instintos têm de encontrar-se e subordinar-se uns aos outros. A daem onização, que com eça com o uma relação revisionária de desindividu alização do precursor, term ina com o dúbio triunfo de ceder a ele todo o terreno m édio, ou hum anidade com um , do efebo. Em relação ao precursor, o poeta retardatário obriga-se a um a nova repressão ao m esm o tem po m oral e instintual. Um dos lunáticos paradoxos da poesia pós-m ilto- niana em inglês é que M ilton parece (e talvez fosse) mais livre de culpa, m oral e instintual, quando com parado com G oethe, W ordsworth, Shelley ou m esm o Keats entre seus m aiores descendentes.
Quando Shelley reescreveu a ode “Intim ations” com o seu H ym n to Intellectual Beauty [Hino à beleza intelectual], passou por uma daem onização que o sobrecarregou, em term os morais e instintuais, com um programa demasiado intenso m esm o para seu espírito curiosam ente duro e rápido levar até o fim. Os poemas fortes que reescrevem de m aneira dem asiado explícita poem as precursores tendem a tornar-se poem as de conversão , e conversão não é um fenôm eno estético, m esm o quando o convertido passa de Apoio a Dioniso, ou o contrário. Aqui, é útil lem brar uma das notáveis destruições, por Nietzsche, de suas próprias intuições centrais:
Enquanto dura, o transporte do estado dionisíaco, com sua suspensão de todas as barreiras comuns da existência, carrega consigo um elemento leteu em que se afoga tudo que foi experimentado pelo indivíduo. Esse abismo de esquecimento separa a realidade quotidiana do dionisíaco. Mas assim que a realidade
156 A Angústia da Influência
quotidiana entra mais uma vez na consciência, é encarada com antipatia, sendo em conseqüência um estado mental ascético, abúlico.
Nessa visão, todo influxo é perda, e o preço do transporte, uma repulsa que o dom ínio estético não pode conter. De dar nom e a um deus, Whitman passa a uma repugnância que impede qualquer nom eação:
O perplexo, rejeitado, curvado até o chão,Oprimido comigo mesmo por haver ousado abrir a boca,Sabendo agora que em meio a todo esse falatório cujos ecos retroce
dem sobre mim, nem uma vez tive a menor idéia de quem ou o quê eu sou.
Mas de que perante todos os meus arrogantes poemas o verdadeiro Eu ainda permanece intocado, silenciado, completamente ina- tingido...*
Se retom am os a idéia freudiana de que a tradição é “equivalente ao material reprim ido na vida m ental do indivíduo”, a função da daem onização é justam ente aum entar a repressão, absorvendo de maneira mais com pleta o precursor na tradição do cjue sua própria e corajosa individualização lhe permite. Nietzsche celebra Édipo com o mais um exem plo de sabedoria dionisíaca porque ele quebra o “sortilégio de presente e futuro, a rígida lei da individualização”, mas aqui a ironia nietzschia- na é, supõe-se, a mais dialética possível. O efebo que luta com o passado, e o daem oniza , não é o Édipo adivinho, que p o d ia ver, mas o Édipo cegado, entrevado pela revelação. A daem onização, com o toda a mitificação dos pais, é um m ovim ento de individualização que se paga com a retirada do eu, ao alto
* O baffled, balk'd, bent to the very earth, / Oppress’d with m yself that I have d a red to open my mouth, / Aware now that a m id all that blab whose echoes recoil upon m e I have not once h a d the least idea who o r what I am. ! But that before all my arrogant poem s the real Me stands yet untouch'd, untold, altogether u n rea ch 'd ...
Daem onização ou O Contra-Sublime 157
preço da desumanízação. Que pode o Sublim e com pensar pela violência contra o eu?
O Édipo cegó é equivalente ao deus ferreiro aleijado, Vul- cano, ou Thor, ou Urthona, pois cegar ou aleijar são igualmente movimentos castradores que não chegam ao estropiam ento total do dom da imaginação. A daem onização, com o relação revisionária, é um ato de autocerceam ento, destinado a com prar conhecim ento jogando com a perda de poder, mas com mais freqüência resultando numa verdadeira perda dos poderes de criação. É um falso gesto dionisíaco, que reduz a glória humana do precursor, entregando de volta todas as suas vitórias duram ente conquistadas ao m undo daem ônico. Assim nos disse Nietzsche, em seu olhar crítico retroativo a O nascim ento da tragédia, quando rejeitou sua visão juvenil de um mundo “feito para parecer, a todo instante, uma bem -sucedida solução das tensões do próprio Deus, com o uma visão sempre nova projetada por esse grande sofredor, para o qual a ilusão é o único m odo possível de redenção.”
Freud via hum anam ente o com plexo de Édipo com o apenas uma fase no desenvolvim ento do caráter, a ser superada pelo überich (superego) com o um falso censor racional. Mas nenhum p oeta com o p oeta com pleta esse desenvolvim ento e continua sendo poeta. Na im aginação, a fase edipiana se desenvolve p a ra trás, enriquecendo e tornando ainda mais incom pleto o id. A fórm ula da daem onização é: “Onde estava o eu poético de m eu pai poético, lá ele [o id] estará”, ou m elhor ainda, “lá está o meu eu, mais estreitam ente misturado com ele.” É rom antism o com o estudo de nostalgias, o sonho prim itivizante de tantas sensibilidades gloriosam ente alienadas. D aem onizar é alcançar aquele estágio antecedente de organização psíquica onde tudo que é passional é am bivalente, mas alcançá-lo com a diferença que torna possível um poem a, a pretendida perversidade de uma dupla con sciência inteiram ente centrada no valor de sobrevivência p o ética em deform ar tudo que é passado.
158 A Angústia da Influência
Nada poderia estar mais longe da agressão espontânea que o que eu cham o de daem onização, e no entanto as duas têm um a suspeita semelhança. Tantos cantos de triunfo, lidos p róxim os, com eçam a parecer rituais de separação, que um leitor atento talvez se pergunte se o verdadeiro poeta forte algum dia teve antagonista além do eu e do seu pi'ecursor mais forte. Eis Collins, invocando o Medo, mas o que tem ele a temer, senão a si próprio e a Joh n Milton?
Tu, a quem o desconhecido mundo,Com todas as suas vagas formas, é mostrado;Que vês, espavorido, a irreal cena,
Enquanto a fantasia ergue o véu no meio:Ah, medo! ah, frenético medo!Eu vejo, eu te vejo próximo.
Envolta em teu nublado véu, a incestuosa rainhaSuspirou o triste apelo que seu filho e marido ouviram,
Quando sozinho quebrou a silenciosa cena,E ele, o desgraçado de Tebas, não mais apareceu.
Negro poder, de pensamento submisso, trêmulo, manso,A mim vem para que eu leia as antigas visões Que teus bardos contaram ao despertar:E, para não encontrares minha visão despedaçada,Mantém religiosamente autêntica cada estranha história...*
* Thou, to whom the world unknow n, / With all its shadowy shapes, is shown; / Who seest, appalled, the unreal scene, / While fan cy lifts the veil between: / Ah
fea r! a h fra n ticfear! / I see, I see thee near. / Wrapt in thy cloudy veil, theinces- tuous queen / Sighed the sad call h er son a n d husband heard, / When once a lo n e it broke the silent scene, ! A n d he, the wretch o f Thebes, no m ore a p p ea red . /D arkpow er, with shuddering/ m eek subm itted thought, /B e m ine to rea d the visions old / Which thy aw akening bards have told: /A nd, lest thou m eet m y blasted view, /H o ld each strange tale devoutly true...
Daem onização ou O Contra-Sublime 159
Aqui, o Medo é o daem on do próprio Collins (com o observa F letcher), a mais que poética loucura que o convida à queda para cima da Extravagância. Frente ao daem ónico, Collins oscila entre o Édipo visionário e o Édipo cegó, usando a linguagem e os ritmos do Penseroso de Milton para daem oni- za r o precursor, pôr a perniciosa beleza de Milton onde ele , o id, pode habitar. Mas que alto preço paga Collins por esse indefinido êxtase, esse nublado Sublime! Pois esse poem a é o m esmo que sua mais profunda repressão de sua humanidade, e profetiza com exatidão o terrível drama de seu destino, para fazer-nos lembrá-lo sem pre, com todos os seus talentos, com o o “Pobre Collins” do Dr. Johnson.
A maior parte do que chamamos de loucura ou “perigoso equilíbrio” dos Bardos da Sensibilidade foi sim plesm ente o exercício, por eles, dessa perigosa defesa, a proporção revisionária de daem onização. A história natural da Sensibilidade reduz à apropriação deliberada de uma poesia pós-m iltônica demasiado consciente. Parte tão grande do Sublime de m eados do século XVIII é abrangida por essa angústia da influência que devemos nos perguntar se o Sublime revivido foi algum dia mais que um com posto de repressão e perversa celebração da perda, com o se m enos pudesse tornar-se mais, por m eio de uma continuidade de regressão e ilusão. Contudo, nossa crescente consciência põe mais coisas em perigo que o Sublime êxtase de Thom son, Collins e Cowper. Que dizer do Contra-Sublime de Blake, e de Wordsworth? Será todo o ekstasis, o passo adiante final, da visão rom ântica apenas uma repressão de intensidade antes inigualada na história da imaginação? Será o rom antism o, afinal, apenas o fenecer do Iluminismo, e sua profética poesia apenas uma terapia ilusória, não tanto uma ficção salvadora quanto uma m entira inconsciente contra o difícil esforço hum ano de m anter o terreno m édio entre a existência instintual e toda moral?
Se há respostas para estas perguntas, não serão m enos dialéticas que as próprias perguntas, ou que o Perguntador Idiota
160 A Angústia da Influência
dentro de nós, que silenciosam ente trama todas estas perguntas com pragmática maldade. Melhor lem brar a visão de nosso pai Abraão, quando “grande espanto e grande escuridão caíram sobre e le”, e o que o mais pungente dos poetas da Sensibilidade foi obrigado a entender dela. “E sucedeu que, posto o sol, houve escuridão, e eis um forno de fumaça, e uma tocha de fogo, que passou por aquelas m etades.” Christopher Smart, em sua escuridão, foi o primeiro a clamar: “Pois o próprio forno surgirá no fim, segundo a visão de Abraão”, e depois acrescentou, ferroado pela repressão do Querubim Cobridor, uma profecia mais suplicante: “Pois SOMBRA é um a bela Palavra que vem de Deus, e não retornável enquanto o forno não surgir.”
Cinco
O Céu dá luz e influência a este m undo inferior, que reflete os raios benditos, em bora não possa recom pensá-los. Assim pod e o hom em fazer um retorn o a Deus, mas não uma retribuição.
COLERIDGE
'S
Askesis
ou PURGAÇÃO E SOLIPSISMO
O Prometeu em todo poeta forte incorre na culpa de haver devorado exatamente aquela parte do bebê Dioniso contida no poeta precursor. O orfismo, para os retardatários, leva a uma variedade de sublimação, a defesa mais autêntica contra a angústia da influência, e a mais prejudicial para o eu poético. Daí Nietzsche, am orosam ente reconhecendo em Sócrates o primeiro mestre da Sublimação, encontrar também nele o destruidor da tragédia. Se houvesse vivido para 1er Freud, Nietzsche tai- vez visse nele, com admiração, um novo Sócrates, vindo para reviver a visão primária de um substituto racional para as satisfações inatingíveis, antitéticas, tanto da vida quanto da arte.
Se a sublimação dos instintos sexuais desem penha um papel central na gênese da poesia, é uma questão que dificilm ente im porta para o leitor de poesia, e não faz parte da dialética da apropriação. Mas a sublimação de instintos agressivos é fundam ental para a escrita e leitura da poesia, e isso é quase idêntico ao processo total de apropriação poética. A sublimação poética é uma askesis , uma m aneira de purgação que aspira a um estado de solidão com o próxim a meta. Embria-
164 A Angústia da. Influência
gado pela nova força repressiva de um Contra-Sublim e personalizado, o poeta forte, em sua elevação daem ônica, adquire poder para voltar sua energia contra si m esm o, e consegue, a um custo terrível, sua mais nítida vitória na luta com os m ortos poderosos.
Fenichel, fiel ao espírito do Fundador, quase canta um hino aos esplendores da sublimação. Pois, na visão de Freud, só a sublim ação pode dar-nos uma espécie de pensam ento liberado de seu passado sexual, e mais uma vez só a sublimação pode modificar um impulso instintivo sem destruí-lo. Poetas em particular, com o poderia ter observado Nietzsche, são aqueles incapazes de existir com uma prolongada frustração ou uma renúncia estoica. Com o podem proporcionar prazer, se de m odo nenhum o obtiveram? Mas com o podem obter o mais profundo prazer, o êxtase da prioridade, da autogeração, de garantida autonomia, se seu cam inho para o Verdadeiro Su jeito e seus Verdadeiros Eus passa pelo su jeito do precursor e o eu dele?
Kierkegaard, ao com parar de maneira tão desfavorável Orfeu com Abraão, seguiu o Sym posium de Platão, onde o poeta dos poetas é condenado por sua branclura, que parece significar incapacidade de sublimação. E realm ente pareceria estranho citar Orfeu com o um exem plo do espírito ascético. Mas o orfism o, religião natural de todos os poetas com o p o etas, oferecia-se com o uma askesis. Os órficos, que cultuavam o Tempo com o a origem de tudo, apesar disso reservavam sua verdadeira devoção para Dioniso, devorado pelos Titãs mas renascido de Sêm ele. A aflição desse m ito é que o hom em , erguendo-se das cinzas dos pecam inosos Titãs, tem em si o mau prom eteísm o e o bom elem ento dionisíaco. Todo êxtase poético, todo senso de que o poeta passa de hom em a deus, acaba nesse rançoso mito, com o o faz todo ascetism o poético, que com eça com o a som bria doutrina da m etem psicose e os tem ores que a acompanham, de devorar uma versão anterior do eu.
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O efebo, transformando-se pela purgação de sua postura revisionária, é o descendente direto de todo adepto órfico que rolou na lama e na farinha grossa para poder erguer-se da fúria e do lodaçal de ser apenas humano. A condenação, para o órfico, era tornar-se vítima da compulsão de repetição, e assim carregar água numa peneira para o Hades. 'Ioda exclusividade odiosa já sentida por um poeta ocidental tem em última análise origem órfica, mas o mesmo se dá com todo Sublime poético, cie Pín- daro até o presente. A náusea do sofredor poético, para ele, c indistinguível de sua sublimidade, mas poucos leitores são tão antitéticos quanto seus poetas, esses deuses libertadores cuja nostalgia é mais pungente que sua divindade. Nietzsche foi um mestre psicólogo ao ver que os poetas são muito mais intensos em sua ilusão dionisíaca que em seu quinhão de nossa culpa prometéica comum.
Uma filosofia da com p osição (não da psicogên ese) é n ecessariam ente um a genealogia da im aginação, um estudo da única culpa que con ta para um poeta, a culpa do endividam ento. N ietzsche é o verdadeiro psicólogo dessa culpa, que pode estar no cen tro de sua p reocup ação com a vontade — não tanto a vontade de pod er quanto um a contravontade que surge nele , buscando não força, mas o d esin teresse que buscava seu m estre Schopenhauer. N ietzsche, em bora h ou vesse transvalorizado o in teresse, continuou obcecad o por ele.
“Não há talvez nada mais terrível na história inicial do hom em que sua m nem otécnica”, observou Nietzsche, pois sua intuição associava toda criação de m em ória com uma dor horrenda. Todo costum e (induindo, podem os supor, a tradição poética) “é uma seqüência d e ... processos de apropriação, incluindo as resistências usadas em cada caso, as transformações tentadas para fins de defesa ou reação, assim com o os resultados de contra-ataques bem -sucedidos.” Em A genealog ia d a m oral, a doença da má consciência é diagnosticada com o necessária, e afinal com o uma fase na criação hum ana de
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deuses. O “poem a severo” de nossas origens imaginativas, de Vico, é delicado quando com parado com a terrível visão de Nietzsche da “relação entre hom ens vivos e seus antepassados”. Os sacrifícios e feitos dos ancestrais são a única garantia para a sobrevivência de sociedades anteriores, que precisam pagar aos mortos:
... o medo do ancestral e seu poder, e a consciência da dívida, aumentam na proporção direta que aumenta o poder da tribo, ao tornar-se mais bem-sucedida... chegamos a uma situação em que os ancestrais das tribos mais poderosas já se tornaram tão temíveis para a imaginação que recuaram finalmente para uma sombra numinosa: o ancestral torna-se um deus.
Parte do pagamento à sombra numinosa, insistia Nietzsche, era o ideal ascético, o que nos artistas significava “nada ou muitas coisas”. Ao ideal ascético, Nietzsche contrapunha o “ideal antitético”, e perguntava desesperado: “Onde encontram os uma vontade antitética im pondo um ideal antitético?” Parte da resposta, Yeats buscou incorporar, a partir de Per Arnica Silentia Lunae, na obra de sua vida, e talvez tenha dado uma resposta mais com pleta (apesar de toda incompletude) que qualquer outro artista nietzschiano, até que afinal uma visão curiosam ente invertida do ideal ascético veio com prom eter seu Last Poems a n d Plays [Ultimos poemas e peças].
Não é particu larm ente agradável en carar a poesia, em sua exp ressão mais forte, com o a bem -sucedida sublim ação de nossa agressividade in telectu al, mais ou m enos com o se um a od e pindárica fosse da m esm a fam ília que os cantos de triunfo dos gansos descritos p or Lorenz. Mas o que os poetas cham am de seu Purgatório é em grande parte o que os p latô n icos, cristãos, n ietzschianos ou freudianos concordariam em cham ar de um a esp écie de sublim ação, ou defesas do ego que funcionam . Com o a explicação freudiana da sublim ação é a m ais am istosam ente redutiva, talvez se ja proveitoso
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segui-la aqui. São variados os m ecanism os de defesa na sublim ação: m udanças de passividade para atividade, co n fronto direto com as forças ou im pulsos perigosos, conversão de forças no seu op o sto . Para citar Fen ichel: “Na sublim ação, o im pulso original desaparece porque sua energia é retirada em favor da cathexis de seu su bstitu to .” A libido segue fluindo, im perturbada, mas é dessexualizada, c as ten dências destrutivas são drenadas do influxo agressivo de nossas energias e d ese jos.
Freud, em O ego e o id, especulou que sublimação se relacionava estreitam ente com identificação, uma identificação dependente ela própria da distorção do objetivo ou objeto, que pode chegar à transform ação no oposto. Se convertem os essa transform ação no contexto de nossa tipologia de fugas, a sublimação se torna uma forma de askesis, um autocercea- m ento que busca a transform ação à custa do estreitam ento cia circunferência criativa tanto do precursor quanto do efebo. O produto final do processo de askesis poética é a form ação de um equivalente imaginativo do superego, uma vontade poética plenam ente desenvolvida, mais severa que a consciência, e portanto o Urizen em cada poeta, sua agressividade maduram ente internalizada.
Lou Andreas-Salomé, que lem bram os com o a amada de Nietzsche e Rilke, e tam bém com o discípula de Freud, seguiu outro de seus fam osos amantes, o m elancólico Tausk, quando observou que a sublim ação era na verdade nossa própria auto-realização, e poderia ser mais bem chamada de “elaboração”. Eíaborando-nos nós m esm os, tornam o-nos ao mesmo tem po Prometeu e Narciso; ou melhor, só o poeta realm ente forte pode seguir sendo os dois, fazendo sua cultura e extaticam ente contem plando seu lugar central nela. Mas para essa contem plação, tem de fazer um sacrifício, uma vez que toda criação por fuga, toda criação de retardatário, depende de sacrifício. Cornford, em Principium. Sapientiae, observa a curiosidade de “que em Hesíodo a humanidade aparece primeiro
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em conexão com o sacrifício, quando Prom eteu roubou de Zeus a m elhor parte, com o se o sacrifício aos deuses fosse, com o na doutrina babilónica, a função primária do homem. Tam bém no Gênese, o prim eiro pecado com etido após a expulsão de nossos prim eiros pais do Éden foi ocasionado pelos sacrifícios oferecidos por Abel e Caim”. Cornford conclui que todo sacrifício é feito para renovar a vitalidade humana. No processo de apropriação poética, o sacrifício reduz a vitalidade humana, pois aqui m enos é mais. Em bora tenham os idealizado a poesia ocidental quase desde suas origens (seguindo os próprios poetas, que não acreditavam nisso), a escrita (e le itura) de poem as é um processo sacrificial, um a purgação que tira mais do que põe. Cada poem a é uma fuga não apenas de outro poem a, mas tam bém de si m esm o, o que quer dizer que todo poem a é uma interpretação distorcida do que poderia ter sido.
Não se pode subornar os deuses, disse Platão, e assim o sacrifício não pode oferecer gratidão em troca de supostos p resentes futuros. O Fedo p rop õe uma catarse mais autêntica para a alm a filosófica: “A p u rificação ... consiste em separar a alma tanto quanto possível do co rp o ... e fazê-la concentrar-se por si m esm a.” Esse dualism o radical não pode ser a askesis da alma poética, onde a separação tem de oco rrer dentro da própria alma. A form a de separação do p oeta é a intem aliza- ção. A alienação da alm a de si não é pretendida, e resulta da tentativa de alienar não só os precursores, mas seus m undos, o que significa alienar a própria poesia. O erro sobre a vida é necessário para a vida, e o erro sobre a poesia é necessário para a poesia.
A askesis poética com eça nos píncaros do Contra-Sublim e, e com pensa o involuntário choque do poeta com sua própria expansividade daem ônica. Sem askesis, o p oeta forte, com o Stevens, está condenado a tornar-se a lebre com o rei dos fantasmas:
Askesis ou Purgação e Solipsismo 169
O mato está repleto
E repleto de ti mesma. As árvores em volta sao para ti,Toda a amplidão da noite é para ti,Um eu que toca todas as bordas,
Tornas-te um eu que enche os quatro cantos da n o ite .1'
Excitado, deprimido, o poeta se tornará uma escultura no espaço se não puder curvar-se sem esvaziar-se m ais de sua inspiração. Não pode dar-se o luxo de outra kenosis. A proveitosa rendição, para ele, é agora um cerceam ento, um sacrifício de uma parte de si cuja ausência vai individualizá-lo mais, com o poeta. A askesis, com o uma defesa bem-sucedida contra a angústia da influência, coloca um novo tipo de redução no eu poético, expresso de maneira mais geral com o um cegam ento, ou pelo m enos velam ento, purgatorial. Reduzem-se igualm ente as realidades de outros eus e de tudo que é externo, até que surge um novo estilo de severidade, cuja ênfase retórica se p ode interpretar com o um ou outro grau de solipsismo.
O que o poeta forte, com o o solipsista, quer d izer é certo, pois seu egocentrism o é em si um grande treinam ento da imaginação. O Purgatório, para os poetas fortes pós-Iluminismo, é sem pre oxim órico, e jamais apenas doloroso, porque todo estreitam ento de circunferência é com pensado pela ilusão poética (ilusão, mas poem a fo rte), para que o centro daí em diante se m antenha melhor. O que Coleridge (com o filósofo, não com o poeta) chamava de “exterioridade”, o sancionam ento teo- cêntrico de coisas externas e de outros, não interessa ao poeta forte com o poeta. Estou fazendo a sugestão (da qual eu próprio não gosto) de que em sua askesis purgatorial o poeta forte só conhece a si m esm o e ao Outro que tem de finalm ente destruir, seu precursor, que bem pode (a essa altura) ser uma
* The grass is fu ll /A n d fu ll o f yourself. The trees a ro u n d a re fo r you, / The whole o f the wideness o f night is f o r you, /A self that touches all edges, / You becom e a self that fills the fo u r corners o f the night.
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figura imaginária ou com posta, mas que perm anece, formada por poem as reais que não se deixarão esquecer. Pois o clinam en e a tessera lutam para corrigir ou com pletar os m ortos, e a kenosis e a daem onização atuam para reprim ir a lem brança dos m ortos, mas a askesis é a própria luta, o desforço até a m orte com os mortos.
Contudo, se historiei/amos alguma explicação que teorizava a sublimação, que mais podemos esperar descobrir, além de uma luta com todos os nossos ancestrais? Se todo autodesen- volvimento é uma sublimação, e portanto apenas uma elaboração, até onde podemos desejar que a elaboração prossiga inter- minavelmente, quanto de elaboração podem os suportar? Pragmáticamente, querem os aquele tanto que não perturbe as idéias de ordem que nos mantenham em andamento, mas nós, afinal (eu e aqueles para os quais escrevo), não somos poetas, e sim leitores. Pode o poeta realmente forte suportar ser apenas uma elaboração do poeta que mantém eterna prioridade sobre ele?
Mas houve uma grande era, antes do Dilúvio, em que a influência era generosa (ou os poetas em sua natureza mais íntim a assim julgavam ), uma era que vai de H om ero a Shakespeare. No âmago dessa matriz de generosa influência está Dante e sua relação com o precursor Virgílio, que levou seu efebo apenas ao am or e à em ulação, não à angústia. Sim, mas em bora não caia nenhum a Som bra entre Virgílio e Dante, outra coisa tom a o seu lugar. Jo h n Freccero ilumina magnifica- m ente essa grande sublimação, ancestral de toda askesis posterior sofrida pelo poeta forte:
No Purgatório, XXVII, o peregrino & Stazio & Virgílio atravessam a muralha de fogo, são recebidos pelo anjo, e lá estão todos os acessórios tradicionais, incluindo muita conversa de pai & filho. Muros, barreiras, ecos de todos os temas antigos e medievais que se possa imaginar. Este é também o ponto onde Virgílio desaparece do poema, substituído por Beatriz. O que não se reconhece em geral, porém, é que é também o ponto em que aparecem os grandes ecos virgilianos, incluindo a única citação direta de Virgí
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lio no poema (em latim), todos eles deliberadamente distorcidos: Primeiro, as palavras de Dido, quando ela vê Enéias e lembra a antiga paixão que a unia ao seu marido, e assim prevê sua própria morte na pira: “agnosco veterisflam m ae vestigia”. No Purgatório, Dante usa o verso para lembrar sua primeira paixão por Beatriz, quando ela retorna: “conosco i signi de ll’a n tica fia m m a ”. Segundo, os anjos cantam, para saudar Beatriz: “M anibus o date lilia p le n is ...” É o verso usado por Anquises para indicar a sombra do filho prematuramente morto de Augusto no trecho “Tu Marcellus eris”, que assinala o último échec, apesar da eternidade de Roma. Estudiosos dizem que a referência é aos lírios roxos do luto. A sugestão no Purgatório é obviamente dos lírios brancos da Ressurreição. O Peregrino volta-se para Virgílio em busca de ajuda, diante do momentoso retorno, e descobre que o do lcepadre se foi: “Virgílio, Virgílio, Virgílio”, ecoando a confissão de impotência poética do próprio Virgílio na história de Orfeu, na IV Geórgica: “Eurídice, Eurídice, Eurídice.’’ Assim, o sombrio eros de Dido é transformado pela redenção retrospectiva da volta de Beatriz, a eternidade na ordem política é finalmente igualada pela imortalidade pessoal, a poesia torna-se mais forte que a Morte, e pela primeira vez no poema, nomeia-se o Peregrino como Beatriz o chama: “D ante!"
— de uma carta ao autor
Essa nom eação após a purgação é, porém , o últim o elem ento aqui que continua sendo ancestral, pois todo m estre pós-Iluminismo avança não para um partilhar com outros, com o faz Dante após esse grande m om ento, mas para um estar consigo. A askesis em Wordsworth, Keats, Browning, Whitman, Yeats e Stevens, para exam inar meia dúzia de figuras modernas representativas, é necessariamente uma relação revisionária que se concluí à beira do solipsismo. Vou tom ar esses exem plos aos pares — Wordsworth e Keats, Browning e Yeats, W hitman e Stevens, pois em cada caso a figura anterior é ao m esm o tempo um precursor e partilhador de um precursor comum: respectivamente Milton, Shelley, Emerson.
Eis Wordsworth, no grandioso fragm ento H om e a t Grasmere [Casa em Grasm ere]:
172 AAngiístíaclalnfluência
Quando ainda inocente pequenino, com um coração Ao qual sem dúvida não faltavam estados de ternura,Eu respirava (pois isso é o que mais lembro)Entre desvairados apetites e cegos desejos,Gestos de selvagem instinto meu prazer E exaltação. Nada naquele tempo eraTão bem-vindo, nenhuma tentação nem de perto tão cara Quanto a que me exortava a um ousado feito,Poços fundos, árvores altas, abismo negro e penhascos
estonteantes E torres oscilantes: eu adorava parar e 1er Suas aparências proibitivas, 1er e desobedecer,As vezes em atos e cada vez mais em pensamento.Com impulsos cjue dificilmente eram por esses Superados em força, falavam-me de perigo enfrentado Ou procurado com bravura; empresa desesperada Para alguém, único guardião de seu intento,Ou para uns poucos, decididos, que pela Glória enfrentavam multidões em armas.É, até este momento não posso 1er uma História De dois bravos navios empenhados em mortal combate,E combatendo até a morte, que não me agrade Mais do que deveria a um homem sensato; desejo, Inquieto-me, ardo e luto, e em espírito lá estou.Mas a mim domou a Natureza, e mandou-me procurar Outras agitações, ou ficar calmo;De mim tratou como de um rio turbulento,Um riachinho das montanhas que ela conduz Por tranqüilos prados, depois que ele ficou sabendo De sua força, e teve seu triunfo e prazer,Seu desesperado curso de tumulto e farra.Isso que na surdina a Natureza efetuou,A Razão sancionou; sua Voz decidida Disse: sê manso, e dirige-te a coisas delicadas,Tua glória e tua felicidade lá estão.Não temas, embora confies em mim, a ausência De aspirações que se foram — de inimigos A combater, e vitória a consumar,Barreiras a transpor, treva a ser explorada;Tudo que inflamou teu coração de criança, o amor,O anseio, o desprezo, a indómita busca,Tudo sobreviverá, embora em outro ofício, tudo
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Viverá, não está em seu poder morrer,Logo, adeus aos Planos de Guerreiro, adeus Ao ímpeto da alma que assim busca Um menor incitamento que a Causa Da Liberdade em perigo, e adeus Aquela outra esperança, há muito minha, a esperança
de encherO heróico clarim com o sopro da Musa!*
Essa askesis produz um Wordsworth que poderia ter sido um poeta m aior que aquele que veio a ser, um criador mais externalizado que teria sido um sujeito além daquele da sua subjetividade. Um enorm e cerceam ento fez de Wordsworth o inventor da poesia m oderna, que finalm ente podem os reconhecer com o a coisa diminuída que é, ou mais claram ente: a
While yet an innocent little one, with a heart / That doubtless w anted not its tender moods, / / breathed (for this I better recollect) I Am ong wild appetites a n d blind desires, / Motions o f savage instinct my delight / A nd exaltation. Nothing at that time / So welcome, no temptation h a lf so d ea r/A s that which urged m e to a daring feat, / Deep pools, tall trees, black chasm, a n d dizzy crags, /A n d tottering towers: I loved to stand a n d read / Their looks forb id ding, read a n d disobey, / Sometimes in act a n d everm ore in thought. / With impulses, that scarcely w ere by these / Surpassed in strength, I heard o f d a n g er m et /O r sought with courage; enterprise forlorn / By one, sole keeper o f his own intent, / Or by a resolute few, who f o r the sake / O f glory fro n ted m ultitudes in arms. / Yea, to this hour I cannot read a Tale / Of two brave vessels m atched in deadly fight, / A nd fighting to the death, but I am p leased / More than a wise m an ought to be; I wish, /Fret, burn, a n d struggle, a n d in soul am there. /B u t m e hath N ature tamed, a n d bade to seek /F o r other agitations, or be calm; / Hath dealt with m e as with a turbulent stream, / Some nursling o f the m ountains which she leads / Through quiet meadows, after he has learnt / His strength, a n d h a d his triumph a n d his joy, / His desperate course o f tumult a n d o f glee. / That which in stealth by Nature was p erfo rm ed / Hath Reason sanctioned: h er deliberate Voice /H a th said; be mild, a n d cleave to gentle things, / Thy glory a n d thy happiness be there. / Nor fear, though thou confide in me, a w ant / O f aspirations that have been — o f fo es / To wrestle with, a n d victory to complete, /B ounds to be leapt, darkness to be explored; / All that inflam ed thy infant heart, the love, / The longing, the contempt, the undaunted quest, / All shall survive, though changed their office, all /Shall live, it is not in their p ow er to die. / Then farew ell to the W arrior’s Schemes, farew ell / The forw ardness o f soul which looks that way /Upon a less incitem ent than the Cause / O f Liberty endangered\ a ndfarew ell / That other hope, long mine, the hope to fill / The heroic trumpet with the M use’s breath!
174 A Angústia da Influência
poesia m oderna (rom antism o) resulta de uma sublim ação da imaginação mais prodigiosa do que aquela pela qual teve de passar a poesia ocidental, de H om ero a Milton. W ordsworth está na infeliz posição de celebrar não uma m era dessexualiza- ção, mas uma verdadeira perda de “Tudo que inflamava teu coração de criança, o am or / O anseio, o desprezo, a indómita busca”. Confia em que tudo isso “sobreviverá, em bora em ou tro ofício, tudo / Viverá”, mas muito breve sua poesia não manterá essa fé.
Em H om e a t Grasmere, a esperada recom pensa por essa sublim ação é im ediatamente tentada, no trecho seguinte e que conclui o fragmento que se tornou o famoso “Prospectus” em The Excursion [A excursão]. Aqui, a askesis revela-se em sua circunferência com pleta, tanto uma redução de Milton quanto de Wordsworth. E aqui, também, se revela a mais profunda obsessão de Wordsworth com o poeta m onstruosam ente forte:
... Que meu Canto Com virtude estelar em seu lugar brilhe,Lançando benigna influência, e proteja-se De todo efeito malévoloDaquelas mutações que estendem seu domínio Por toda a esfera inferior!*
Num soneto escrito dois anos depois, dirigido a Milton, o precursor é descrito com o Wordsworth vê a si m esm o aqui:
Tua alma era como uma Estrela, e habítavas à parte;Tinhas uma voz cujo som parecia o mar;Pura como os despidos céus, majestosa, livre...**
* ... that my Song/W ith star-like virtue in its p lace m ay shine, /Shedding benignant influence, a n d secure / Itself fro m all m alevolent effect /O f those m utations that extend their sway / Throughout the nether sphere!
** Thy soul was like a Star, a n d dwelt apart: / Thou hadst a voice whose sound was like the sea; / Pure as the naked heavens, majestic, f r e e . ..
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Aprece, portanto, é para ser uma influência, não influenciada, e o precursor é louvado por haver sido o que nos tornam os. Nosso puro isolam ento é agora tam bém o de Milton, e havendo superado Milton, afirmamos que nos superam os a nós mesmos. Wordsworth, cuja arte depende de convencer o leitor de que ainda é possível a relação com eus e paisagens externos, é um imenso m estre em alienar outros eus e toda paisagem de si mesmo. Esse curandeiro cura apenas os ferim entos que ele próprio inflige.
Keats, m enos de vinte anos depois, luta com um fardo purgatorial de notável sem elhança, a necessidade de sublimar pela internalização “a indóm ita busca” que ainda permitia a Milton uma visão de Guerra no Céu. Mas a askesis keatsiana é mais drástica, pois seu Querubim Cobridor é uma forma dupla, Milton e Wordsworth. Em Keats, a purgação se torna in teiram ente explícita, e é o núcleo de The Fall o f H yperion [A queda de Hyperion], onde sua Musa Moneta enfrenta o poeta.
Esses degraus, morre nesse mármore onde estás,Tua carne, prima próxima do pó comum,Crestará por falta de alimento, — teus ossos Se decomporão em poucos anos, e desaparecerão de tal modo Que nem o mais apurado olho encontraria um grão Do que agora és nesse frio pavimento.As areias de tua curta vida esgotam-se nesta hora,E mão nenhuma no universo pode virarTua ampulheta, se se consumirem essas resinosas folhasAntes que possas subir esses degraus imortais.”Eu ouvi, eu olhei: dois sentidos ao mesmo tempo,Tão finos, tão sutis, sentiram a tirania Daquela feroz ameaça e da árdua tarefa proposta.Prodigiosa pareceu a labuta; as folhas ainda Ardiam, — quando de repente um entorpecicfo frio Subiu do nível do pavimento por minhas pernas E ascendeu rápido, levando a fria garra Aos rios que pulsam ao lado da garganta!
... “Se não podes ascender
176 A Angústia da Influência
Gritei, e a aguda angustia do meu gritoFerroou meus próprios ouvidos — lutei muito para escapar Da dormência, lutei para ganhar o degrau mais baixo.Lento, pesado, mortal era meu passo: o frio Tornou-se abafante, sufocante, no coração;E quando trancei as mãos, não as senti.Um minuto antes da morte, meu gelado pé tocou O mais baixo degrau; e, ao tocá-lo, a vida pareceu Entrar jorrando pelos dedos... *
O que se sublima aqui é o mais integral exem plo de imaginação sensual desde a de Shakespeare. E o que term ina aqui é a poesia de Keats, em bora o poeta seguisse vivendo por um ano e vários m eses após produzir esse grande fragm ento. Sem dúvida sua doença m ortal é a base da qual surge essa visão, mas precisam os perguntar: poeticam ente, qual é a dorm ência que quase destrói Keats aqui? A askesis , aqui, não é dos sentidos, mas da f é que Keats tinha neles , uma fé tão sublim e que chega a ser inigualável na poesia humanista. E no entanto essa fé, em bora enraizada no tem peram ento dele, vinha-lhe do jovem Milton, com seu sonho unitário das possibilidades humanas, uma última sublimidade do Renascimento, e do jovem Wordsworth, visionário da Revolução. Se Keats a purga de si, purga-a tam
* “I f thou canst not ascend / These steps, d ie on that m arble where thou art. / Thyflesh, n ea r cousin to the com m on dust, / Will p a rch f o r lack o f nutriment,— thy bones / Will wither in few years, a n d vanish so / That not the quickest eye could f in d a grain / O f what thou now art on that pavem ent cold. / The sands o f thy short life a re spent this hour, / A nd no h a n d in the universe can turn / Thy hourglass, if these gu m m ed leaves be burnt / Ere thou canst m ount up these im m ortal steps. ’’ j I heard, I look'd: two senses both at once, ! So fine, so subtle, felt the tyranny / Of that fierce threat a n d the h a rd task proposed. / Prodigious seem ’d the toil; the leaves were yet j Burning, — when suddenly a palsied chill / Struck fro m the p a v ed level up my limbs, / A nd was ascending quick to p u t cold grasp / Upon those streams that pulse beside the throat! / 1 shriek'd, a n d the sharp anguish o f my shriek / Stung my own ears — I strove h a rd to escape / The numbness, strove to gain the lowest step. / Slow, heavy, deadly was my pace: the cold ] Grew stifling, suffocating, at the heart; /A n d w hen I clasp'd m y hands I fe lt them not. / One m inute before death, my iced foo t touch’d / The lowest stair; and, as it touch ’d, life seem ’d /T o p o u r in at the toes...
Askesis ou Purgação e Solipsismo 177
bém dos primeiros esplendores dos Grandes Originais. Como hom ens maduros (ou arruinados), eles passaram por suas próprias purgações, mas deixaram vivas suas visões anteriores. Keats faz por eles o que eles não suportaram fazer por si m esmos: questiona as ilusões mais profundas e mais com ovedoram ente naturalistas que o espírito já gerou. E depois de questio- ná-las, e com elas o seu m elhor eu, é-lhe concedida uma última visão de si mesmo, mas no esplendor de um isolam ento último:
Sem amparo ou escora,Além de minha própria mortalidade, suportei A carga desta eterna quietude.
O estilo duro, a inevitabilidade do fraseado de The Fall o f Hyperion, derivam da versão keatsiana da askesis, um a huma- nização que quase redim e essa amarga relação de revisão. Com poetas m enos equilibrados, não há redenção. Browning e Yeats, ambos herdeiros dependentes de Shelley (sendo Brow ning tam bém , por confissão de Yeats, uma “perigosa influência” sobre ele), efetuam um enorm e autocerceam ento em sua plena m aturidade com o poetas. A sublim ação de Brow ning deu-lhe essa espécie de m onólogo dram ático, inigualado em inglês:
XXV
Vinha então um trecho de chão de tocos, outrora um bosque, Junto a um pântano, parecia, e depois simples terra Desesperada e liquidada; (assim um tolo se diverte,
Faz uma coisa e depois a estraga, até que Muda de humor e lá se vai!) num raio de alguns metros —
Lama, barro e lixo, areia e crua fome negra.
* Without stay or prop, j But m y own weak mortality, I bore /T h e load o f this eternal qu ietu d e...
178 A Angústia d a Influência
XXVI
Ora manchas inflamadas, de cor alegre e cruel,Ora trechos onde a magreza do soloIrrompia em musgo ou substâncias que pareciam pústulas;
Depois vinha um carvalho aleijado, com uma fenda Semelhante a uma boca distorcida que racha a própria borda
Boquiaberta diante da morte, e morre ao recuar.
XXVII
E ainda tão longe como sempre do fim!Nada à distância além do anoitecer, nada!Para onde dirigir meu passo mais adiante! A essa idéia,
Um grande pássaro preto, amigo do peito de Apollyon,Passou voando, sem bater a larga asa com penas de dragão,
Que roçou meu chapéu — talvez o guia que eu buscava.
XXVIII
Pois, erguendo o olhar, tomei de algum modo consciência, Apesar do lusco-fusco, de que a planície dera lugar A montanhas em toda volta — com esse nome a embelezar
Meras colinas e montes, feios, que agora se esgueiravam na visão. Como assim me haviam surpreendido, — resolve-o, tu!
Como sair deles, não me estava mais claro.
XXIX
Contudo, meio me parecia reconhecer algum truqueOu travessura que me haviam feito, sabe Deus quando — Num pesa cielo talvez. Ali acabava, pois,
A marcha naquela direção. Foi quando, já a ponto De desistir, mais uma vez, ouvi um estalido
Como ao fechar-se uma armadilha — estás no antro!
Askesis ou Purgação e Solipsismo 179
XXX
Queimando, tudo me veio de vez,O lugar era aquele! Aquelas duas colinas à direita, Agachadas como dois touros de chifres travados em combate;
Enquanto à esquerda, uma alta montanha escalpelada... Estúpido, Caduco, cochilando bem na hora,
Após passar uma vida me preparando para a visão!
XXXI
Que havia no meio senão a própria Torre!A torrinha redonda e retaca, cega como o coração de um tolo, Feita de pedra parda, sem correspondente
Em todo o mundo. O zombeteiro duende da tempestade Assim aponta ao marinheiro o baixio invisível
Em que ele bate, apenas quando o madeirame estrem ece/1'
* XXV— Then carne a bit o f stubbed ground, once a wood, / Next a marsh, it would seem, a n d now m ere earth / Desperate a n d done with; (so a fo o l fin d s mirth, / Makes a thing a n d then mars it, till his m ood / Changes a n d o ff he goes!) within a rood /Bog, clay a n d rubble, sand a n d stark black dearth. — XXVI — Now blotches rankling, coloured gay a n d grim, / Now patches where some leanness o f the soil’s / Broke into moss or substances like boils; / Then cam e some palsied oak, a cleft in him ¡Like a distorted mouth that splits its rim / Gaping at death, a n d dies while it recoils. — XXVII— A ndjust as f a r as ever fro m the end! /N ought in the distance but the evening, nought / To point my footstep further! At the thought, /A great black bird, Apollyon ’s bosom-friend, / Sailed past, nor beat his wide wing dragon-penned / That brushed my cap — perchance the guide I sought. — XXVIII — For, looking up, aware I somehow grew / 'Spite o f the dusk, the plain had given p la ce/A ll round to mountains — with such nam e to grace / Mere ugly heights a n d heaps now stolen in view. / How thus they had surprised me, — solve it, y o u !/ How to get fro m them was no clearer case. — XXIX — Yet h a lf I seem ed to recognize some trick / O f m ischief happened to me, God knows when fin a ba d dream perhaps. H ere ended, then, /Progress this way. When, in the very nick / Of giving up, one time more, cam e a click/A s when a trap shuts — y o u ’re inside the den! — XXX— Burningly it cam e on me all at once, / This was the place! those two hills on the right, / Crouched like two bulls locked horn in horn in fight; / While to the left, a tall scalped m ountain ... Dunce, /D otard, a-dozing at the very nonce, /A fter a life spent training fo r the sight! — XXXI — What in the midst lay but the Tower itselfi / The round squat turret, blind as the fo o l ’s heart, / Built o f brown stone, without a counterpart / In the whole world. The tempest’s mocking elf / Points to the shipman thus the unseen shelf / H e strikes on, only when the timbers start.
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Por que chamar isso de conseqüência de uma askesis? Ou descobrir a mesma causa para o Cuchulain Comforted [Cuchu- lain confortado], de Yeats, onde o herói aceita a comunidade de covardes como seu lugar de direito na outra vida? “Poeta e não homem honesto” é todo um aforismo de Pascal. Revisar o precursor é mentir, não contra o ser, mas contra o tempo, e a askesis é sobretudo uma mentira contra a verdade do tempo, o tempo em que o efebo esperava atingir urna autonomía ja comprometida pelo tempo, devastada pela alteridade.
Shelley converteu inicialm ente Brow ning e Yeats à poesia dando-lhes um exem plo de autonom ia autoconsum idora, da única busca que poderia trazer-lhes a esperança de regerar-se. Os dois iriam ser perseguidos pela profecia m oral de Defence [Defesa], onde Shelley diz dos poetas que, por mais que errem com o hom ens, “foram lavados no sangue do m ediador e redentor, o Tem po”. Isso é fé órfica, e em sua pureza nem Brow ning nem Yeats foram fortes o suficiente para viver e m orrer. O Orfeu de Shelley é o Poeta de Alastor, que contem pla a partida da Visão e do Amor, e grita bem alto: “O sono e a m orte / Não nos separarão por m uito tem po!” Da implacabilidade dessa busca destroçada, Brow ning e Yeats tiveram de salvar-se, com o filhos de um pai poético cuja pureza imaginativa nenhum descendente era capaz de manter.
Quando Childe Roland só reconhece a Torre Negra ao já estar ela quase em cim a dele, apesar de toda uma vida de p reparação, ou quando Cuchulain se contenta em costurar um sudárío, e depois em cantar coros com seus opostos, covardes e traidores condenados todos (com o os com panheiros de Roland na busca), são-nos dados sím bolos radicais de askesis, e de seu terrível custo para os filhos de um herói imaginativo demasiado incorruptível. O que é mais aterrorizante em Shelley é sua integridade órfica, a rapidez de um espírito demasiado im paciente para as concessões sem as quais sim plesm ente não são possíveis a existência social e m esm o a vida natural. A im ersão de Brow ning no grotesco e o vício de Yeats em bruta
Askesis ou Purgação e Solipsismo 181
lidade são sublim ações do quase divino heroísm o do precursor deles, sua espantosa aberração com o Absoluto. Mas nessas lim itações, em oposição às sublim ações de figuras maiores com o Wordsworth e Keats, tem os mais dificuldade para ver que houve uma perda quase tão grande quanto o tão mais pala- tável ganho.
A idéia de sublim ação de Freud é quantitativa, e sugere sem pre um limite superior além do qual se rebelam os impulsos instintuais. A askesis poética, com o relação revisionária, tam bém é quantitativa, pois o Purgatório dos poetas raram ente é um lugar muito povoado. O poeta e sua Musa já são habitantes suficientes, e muitas vezes a Musa se ausenta. Childe Roland e Cuchulain, buscadores heróicos que só podem conhecer derrota em antinom ias, estão sozinhos, a não ser por seus pequenos bandos de fracassados, traidores e covardes, cuja presença atesta tudo que há de mais equívoco na temível força dos próprios heróis. Mas a diferença entre Childe Roland e seus precursores, entre Cuchulain e seus confortadores, é que só a purgação do herói é uma askesis , uma estrada para uma liberdade que é um ato significativo.
O m onólogo de Browning, com o a lírica visionária de Yeats, é uma fuga, e portanto uma limitação da poesia órfica, a trom beta shelleyana de uma profecia. A askesis em poetas am ericanos fortes enfatiza mais a m eta do processo, a solidão auto-sustentável, que o próprio processo. Milton e Wordsworth, cuja influência mútua criou o etos da poesia inglesa pós-Iluminismo, adaptaram sua temível força às necessidades de sublimação, mas o grande Original de uma poesia genuinam ente am ericana não faria isso. Em Em erson, o poder da m ente e o poder do olho lutam para tornar-se um só, o que im possibilita a askesis-.
Como, ao sol, os objetos pintam sua imagem na retina doolho, também, partilhando a aspiração de todo o universo, tendem a pintar uma cópia muito mais delicada de sua essência na
182 A Angústia da Influência
mente. Como a metamorfose de coisas em formas orgânicas superiores é sua transformação em melodias. Acima de tudo está seu daemon ou alma, e, como a forma da coisa se reflete no olho, também a alma da coisa é refletida por uma melodia. O mar, as montanhas, o Niágara e todo canteiro de flores preexistem, ou superexistem, num pré-cantar, navegando como odores pelo ar, e quando alguém passa com o ouvido suficientemente apurado, escuta-os e tenta escrever as notas sem diluí-las ou depravá-las... Essa intuição, que se expressa pelo que se chama Imaginação, é um tipo muito elevado de visão, que não nos vem pelo estudo, mas de estar o intelecto onde e no que vê; de partilhar o caminho ou circuito de coisas em meio às formas, com isso tornando-as translúcidas para outros
Eis o Sublime Americano, cjue não cede o princípio do prazer ao princípio da realidade, mesmo na esperança de que o adiam ento da realização proteja o princípio do prazer. O olho, o mais tirano dos sentidos corporais, do qual a natureza libertou Milton, e do qual Wordsworth libertou a natureza, é na poesia americana uma paixão e um programa. Onde ele domina, sem limitação, a askesis tende a centrar-se na consciência de outros eus pelo eu. O solipsismo de nossos maiores poetas — Emerson, Whitman, Emily Dickinson, Frost, Stevens, Crane — aumenta porque o olho se recusa a ser purgado. A realidade reduz o Eu e o Não-Eu (meu corpo e a natureza) em ersonianos e exclui todos os demais, a não ser na medida em que os precursores se tornaram com ponentes inevitáveis do Eu.
Whitman, em Crossing Brooklyn Ferry [Travessia na balsa de Brooklyn], vê “o pôr-do-sol, o avanço da enchente, o recuo na volta ao mar da vazante”, e se conforta com a idéia de que outros depois dele verão com o e o que ele vê. Mas esse m ajestoso poem a, com todas as suas obras inteiram ente realizadas, centra-se apenas em seu eu isolado, e no ver em ersoniano, que não está longe da prática xamanística, e pouco tem a ver com a observação de aspectos externos. Em Whitman, aprofúnda-se o isolam ento em ersoniano, o olho torna-se ainda mais tirâ
Askesis on Purgação e Solipsismo 183
nico, e à medida que o poder do olho se identifica com o sol, realiza-se uma im ensa askesis :
Deslumbrante e tremendo, como rápido me mataria O nascer do sol
Se eu não pudesse agorae sempre emitir de mim um nascer do sol.
Também nós ascendemos deslumbrantes e tremendos como o sol,Fundamo-nos O minh’alma na calma e frieza
Do amanhecer.
Minha voz vai atrás do que meus olhos não alcançam,Com o voltear da língua abranjo mundos e
Muito mais mundos.*
Por que chamar de askesis essa ilimitada expansividade? Nessa enorm e elaboração de Em erson, que é que se oferece para sublimação? Que limitação faz de Whitman essa voz que vê o que nem sua visão alcança. Se não se obtém nada a troco de nada, com o insistia a Com pensação em ersoniana, de qual perda é o bardo em ersoniano com pensado nesse solipsístico nascer do sol? A perda é o que Em erson chamou de “grande D errota” (da qual Cristo era um exem plo), e acrescentou: “Exigimos vitória.” Cristo “fez b em ... Mas aquele que virá fará melhor. A m ente exige uma m uito mais alta dem onstração de caráter, que faça tão bem aos sentidos quanto à alma; um sucesso tanto para os sentidos quanto para a alma”. A encarnação de Whitman com o o sol é uma grande Derrota em ersoniana, um influxo que contém um refluxo, uma askesis da profecia em ersoniana do Bardo Central que virá:
No extrem o Sul o sol de outono passaCom o Walt Whitman andando por uma rosada praia.
* Dazzling a n d trem endous how quick the sun-rise would kill m e / I fI could not now a n d always send sun-rise out o f me. / We also ascend dazzling an d trem endous as the sun, / We fo u n d our own O my soul in the calm a n d cool o f the daybreak. /M y voice goes after what m y eyes cannot reach, / With the twirl o f my tongue I encompass worlds a n d volumes o f worlds.
184 A Angústia da Influência
Ele canta e entoa as coisas que dele são parte,Os m undos que foram e serão, m orte e dia.Nada é final, entoa. Ninguém verá o fim.Sua barba é de fogo e o cajado uma chama que salta.*
Uma discussão sobre askesis poética deve chegar por fim a Stevens, cu ja obra é dom inada por aquela relação revisionária. Stevens, que tinha “paixão pelo sim ”, resistiu às suas rigorosas sublim ações. Lamenta não ser “um Mestre mais severo / Mais devastador”, mas foi tudo, m enos um asceta do espírito, e não ficaria satisfeito em fazer poem as ainda mais parecidos a abacaxis. A paixão prim ária nele é a aspiração órfica de Em erson e W hitm an, a busca do Sublim e A m ericano, mas a angústia da influência deform ou sua paixão, e conseqüentem ente ele criou uma tendência a falar de maneira mais redutiva do que suportava aceitar. Em sua m elhor forma, Stevens esforçou-se para “tornar o visível um pouco difícil / De ver”, em desafio à sua própria tradição, mas em toda a^ua poesia a purgação pela solidão busca uma amplitude desconhecida m esm o em Em erson, W hitman e Emily. “O olho de Freud”, escreveu, “era o m icroscópio da potência”, e, mais que qualquer outro poeta m oderno, com punha naturalmente a partir da condição de Homem Psicológico. A Sublimação em Stevens é um cerceam ento da sensibilidade keatsiana, de uma m ente que obed eceu ao preceito de Moneta, de “pensar na terra”, apenas para descobrir que tal pensam ento não basta:
Nada poderia ser mais calado que a maneiraComo a lua avança para a noite.Mas o que foi sua mãe retorna e chora em seu peito.
* In the f a r South the sun o f autum n is passing / Like Walt Whitman walking along a ruddy shore. H H e is singing a n d chanting the things that a re p a rt o f ’ him, / The worlds that were a n d will be, death a n d day. II Nothing is final, he chants. No m an shall see the end. /H is beard is o f fir e a n d his staff is a leaping
flam e.
Askesis ou Purgação e Solipsismo 185
A rubra madureza das redondas folhas ressuma Com as fragrancias do rubro verão,Mas aquela a quem ele amou gela ao seu leve toque.
Que adianta que a terra se justifique,Que seja completa, que seja um fim,Que em si se baste?*
Em Stevens, o leitor vê-se diante de uma askesis de toda a tradição romântica, tanto de Wordsworth com o de Keats, de Em erson com o de Whitman. Nenhum poeta m oderno com metade da força de Stevens escolheu um tão grande autocercea- mento, sacrificou tanto impulso instintual, por ser retardatário. Freud, revisando-se, acabou por concluir que era a angústia que produzia repressão, e não a repressão que produzia a angústia, um a conclusão em toda parte exemplificada pela poesia de Stevens. Imaginativamente, Stevens sabia que ego e id são sistemas organizados, e até m esm o organizados um contra o outro, mas talvez estivesse m elhor não sabendo que as angústias de seu ego em relação a prioridade e originalidade eram perpetuam ente provocadas pela absorção por seu id dos precursores, que por conseguinte atuavam nele não com o poderes censorios, mas quase com o variedades da vida instintual. Humanista rom ântico assim por tem peram ento, mas iro- nista reclutivo em suas angústias, Stevens tornou-se uma surpreendente mistura de veios poéticos, estrangeiros e nativos. Dem onstra que a mais forte poesia m oderna é criada por askes is , mas deixa-nos aflitos pelo cerceam ento do que poderia ter feito, se liberto das terríveis necessidades de apropriação, com o aqui, de Emerson-.
* Nothing could be m ore hushed than the way / The m oon moves tow ard the night. / But what his m other was returns a n d cries on his breast. // The red ripeness o f round leaves is thick / With the spices o f red summer, /B u t she that he loved turns cold at his light touch. // What go o d is it that the earth is justified , / That it is complete, that it is an end, / That in itself it is enough?
186 A Angústia da Influência
A tarde é visivelmente uma fonteAmpla demais, irisada demais, para ser mais que calma,
Parecida demais com o pensar para ser menos que pensamento,
O mais obscuro pai, o mais obscuro patriarca,Uma majestade diária de meditação,
Que vem e vai em silêncios próprios,Pensamos, então, como o sol brilha ou não.Pensamos como roça o vento um poço no campo
Ou cobrimos com mantos nossas palavras porque O mesmo vento, crescendo sempre, causa um som Semelhante ao último emudecer do inverno quando
acaba.
Um novo estudioso que substitui um velho reflete Um momento sobre essa fantasia.Busca um ser humano que se possa explicar.*
A busca de um ser hum ano que se possa explicar, uma busca que é uma redução do sonho m aior em ersoniano, ameaça tam bém ser não o que Em erson chamava de grande Derrota, mas aquela derrota adequada ao espírito ascético, ou uma derrota da própria poesia.
* The afternoon is visibly a source, / Too wide, too irised, to be m ore than calm ,!/ Too m uch like thinking to be less than thought, / Obscurest parent, obscurest patriarch, /A daily majesty o f meditation, // ‘I'hat com es a n d goes in silences o f its own, / We think, then, as the sun shines or does not./ We think as w ind skitters on a p o n d in a f ie ld // Or we p u t m antles on o u r words because / The sam e wind, rising a n d rising, m akes a sound / Like the last m uting o f w inter as it ends. //A new scholar replacing an older one reflects/A m om ent on this fantasia. /H e seeks f o r a hum an that can be accounted for.
Seis
Não há ancoradouro.Não há sono, não há m orte;Q uem parece m orrer, vive.3'
EMERSON
* No anchorage is. / Sleep is not, death is not; / Who seem to d ie live.
Apophradesou O RETORNO DOS MORTOS
Em pédocles dizia que nossa psique, na m orte, voltava ao fogo de onde viera. Mas nosso daem on, ao m esm o tem po nossa culpa e nossa sempre potencial divindade, nos vinha não do fogo, mas de precursores. O elem ento roubado tinha de ser devolvido; o daem on jamais era roubado, mas herdado, e na m orte passava para o efebo, o retardatário que podia aceitar ao m esm o tem po o crim e e a divindade.
A genealogia da imaginação estabelece a descendência do daem on, e jamais da psique, mas abundam as analogias entre essas descendências:
Talvez uma vida seja um castigoPor outra, como a vida do filho pela do pai.*
Talvez a obra de um poeta forte expie a obra de um precursor. Parece mais provável que visões posteriores se purifiquem à custa de outras anteriores. Mas os m ortos fortes retornam ,
* I m ay be that one life is a punishm ent / For another, as the son ’s life f o r the fa-
190 A Angústia da Influência
tanto em poem as quanto em nossas vidas, e não o fazem sem obscurecer os vivos. O poeta forte plenam ente maduro é em especial vulnerável a essa última fase de sua relação revisionária com os mortos. Essa vulnerabilidade é mais evidente nos poem as que buscam uma clareza term inante, que busca afirm ações definitivas, atestados do que é unicam ente dom do poeta forte (ou do que ele deseja que lem brem os com o seu talento único) :
Levantei-me e por algum tempo A paisagem de bosques e águas pareceu guardar,
Embora fosse já dia feito, um delicado vestígio De luz mais divina que o sol comum Despeja na terra comum, e o lugar todo
Enchia-se de sons mágicos entretecidos numa Esquecida melodia, confundindo os sentidos...*
Aqui, neste final, Shelley expõe-se de novo ao terror da ode “Intim ations” de Wordsworth, e cede à “luz do dia com um ” do precursor:
— Eu no meio da multidão Fui varrido — eu, que as mais perfumadas flores não
retinham muito;Eu, não a sombra nem a solidão,
Eu, não o canto leteu do regato que caía;Eu, não o fantasma daquela Forma anteriorQue se movia sobre seu movimento — mas no meio
* I arose, a n d fo r a space / The scene o f woods a n d waters seem ed to keep, // Though it was now broad day, a gentle trace / O f light diviner than the com m on sun / Sheds on the com m on earth, a n d all the p la ce // Was fille d with m agic sounds woven into one / Oblivious melody, confusing sense-
Apophrades ou O Retorno dos Mortos 191
Das mais densas vagas daquela tempestade viva Mergulhei, e desnudei meu peito ao clima Daquela fria luz cujos ares muito breve deformam.*
Em 1822, quando Shelley teve esta última visão, o poeta Wordsworth há m uito estava m orto (em bora o hom em Wordsworth sobrevivesse vinte e oito anos a Shelley, até 1850). Mas os poetas fortes continuam retornando dos m ortos, e só pela quase voluntária m ediunidade de outros poetas fortes. Como retornam , é a questão decisiva, pois se retornam intatos, a volta em pobrece os poetas posteriores, condenando-os a ser lem brados — se o são — com o havendo term inado na pobreza, numa necessidade imaginativa que eles próprios não puderam satisfazer.
A apophrades, os dias tristes ou desafortunados nos quais os m ortos voltam a habitar suas antigas casas, ocorre aos poetas mais fortes, mas com os muito mais fortes dá-se um grande e final movimento revisionário, que purifica até m esm o esse último influxo. Yeats e Stevens, os mais fortes poetas de nosso século, e Brow ning e Emily D ickinson, os mais fortes de fins do século XIX, podem dar-nos nítidos exem plos dessa que é a mais astuciosa relação revisionária. Pois todos eles conseguem um estilo que capta e curiosam ente retém prioridade sobre seus precursores, de m odo que se subverte a tirania do tem po, e pode-se acreditar, p or m om entos de pasmo, que estão sendo im itados p o r seus ancestrais.
Nesta observação, quero distinguir esse fenôm eno da espirituosa intuição de Borges, de que os artistas criam seus precursores, com o por exem plo o Kafka de Borges cria o Browning de Borges. Refiro-me a uma coisa mais drástica e (presu-
— / am ong the m ultitude / Was swept — me, sweetest flow ers-delayed not long; / Me, not the shadow n o r the solitude, // Me, not that fa llin g stream ’s Lethean song; I Me, not the phantom o fthat early Form / Which m oved upon its motion — but am ong // The thickest billows ofthat living storm ! I plunged, a n d bared my bosom to the clim e I O f that cold light, whose airs too soon deform.
192 A Angústia da Influência
me-se) absurda, que é o triunfo de havermos colocado de tal m odo o precursor, em nossa própria obra, que determ inados trechos da obra dele parecem ser não presságios de nosso advento, mas antes devedores de nossa realização, e até m esmo (necessariam ente) diminuídos por nosso m aior esplendor. Os m ortos poderosos retornam , mas retornam com nossas cores, e falando com nossas vozes, pelo m enos em parte, pelo m enos por m om entos, m om entos que atestam nossa persistência, e não a deles. Se retornam inteiram ente com sua própria força, o triunfo é deles :
As bordas do cume ainda amedrontamQuando meditamos sobre os mortos ou os amados;Tampouco pode a imaginação fazer tudo Neste último lugar de luz; ousa viver Aquele que deixa de ser pássaro, mas bate as asas Contra o imenso e imensurável vazio de tudo.*
Roethke tinha esperança de que fosse Roethke tardio, mas in felizm en te é o Yeats de The Tower a n d the W inding S ta ir [A torre e a escada em espiral]. Roethke tinha esperança de que isso fosse Roethke tardio, mas infelizmente é o Eliot dos Q uartets [Quartetos]:
Todas as jornadas, acho, são a mesma:O movimento é em frente, após algumas hesitações,E por um instante estamos todos sós,Ocupados, óbvios conosco mesmos...**
* The edges o f the sum m it still appal / When we brood on the d ea d o r the beloved; / Nor can im agination do it a ll/In this last p lace o f light; he dares to live / Who stops being a bird, yet beats his wings / Against the im m ense im m easurable emptiness o f things.
** All journeys, I think, are the sam e: / 'The movem ent is forw ard, after a few wavers, / A nd f o r a while we a re all alone, / Busy, obvious with ourselves...
Apophrades ou O Retorno dos Mortos 193
Há Roethke tardio que é o Stevens de Transport to Sum m er [Transporte para o verão], e Roethke tardio que é o Whitman de Lilacs [Lilases], pois em Roethke a apophrades ocorreu com o devastação, e tirou sua força, que ainda assim se realizara, se tornara uma coisa dele. De apophrades em seu sentido positivo, revisionário, ele não nos dá exem plo algum; não há trechos em Yeats ou Eliot, Stevens ou Whitman, que nos pareçam haver sido escritos por Roethke. Na bela esqualidez de The Holy Graal [O Santo Graal] de Tennyson, quando Percival cavalga em sua ruinosa busca, sentim os a alucinação de acreditar que o Laureado é abertam ente influenciado por The Waste Land [A terra agreste], pois também Eliot se tornou um mestre na inversão da apophrades. Ou, em nosso m om ento atual, o grande feito de Jo h n Ashbery, em seu poderoso poem a Fragm ent [Fragm ento] (no volum e The D ouble D ream o f Spring [O duplo sonho da primavera]), é devolver-nos a Stevens, para descobrirm os um tanto nervosos que em determ inados m om entos Stevens parece um tanto demasiadamente com Ashbery, um feito que eu talvez não julgasse possível.
A estranheza acrescentada à beleza pela apophrades positiva é daquele tipo cu jo m elhor expositor foi Pater. Talvez todo o estilo rom ântico, em seus píncaros, dependa de uma bem- sucedida m anifestação dos m ortos nos trajes dos vivos, com o se se desse aos poetas m ortos uma liberdade mais flexível do que eles encontraram p or si mesmos. Comparem o Stevens de Le Monocle de M on Oncle com o Fragment de Jo h n Ashbery, o mais legítimo dos filhos de Stevens:
Como um obtuso estudioso, eu contemplo, apaixonado,Um antigo aspecto sobre uma nova mente.Ela vem, desabrocha, dá seus frutos e morre.Esse tropo trivial revela uma forma de verdade.Foi-se o nosso desabrochar. Somos o fruto dele.Duas douradas cabaças infladas em nossas vinhas,No clima de outono, salpicadas de geada,Distorcidas por saudável gordura, tomadas grotescas.
194 A Angustia da Influência
Pendemos como rugosas abóboras, listradas e raiadas,O céu escarninho nos verá aos dois,Reduzidos a cascas pelas chuvas de inverno que fazem
apodrecer. *
— Le M onocle , VIII
to m o laranja sangüínea temos apenas um Vocabulário que é só coração e pele e vemos Através da poeira das incisões o perímetro central Que nossa imaginação orbita. Outras palawas,Velhos costumes são apenas os jaezes e acessórios Destinados a instalar a mudança à nossa volta como uma gruta. Nada há de risível Nisso. Isolar o núcleo deNosso desequilíbrio e ao mesmo tempo manter inteiro Com cuidado seu botão de tulipa, um bem imaginado.**
— Fragment, XIII
Uma visão mais antiga da influência observaria que a segunda dessas estrofes “deriva” da primeira, mas a consciência da relação revisionária de apophrades revela o relativo triunfo de Ashbery em sua involuntária luta com os mortos. Essa tensão em particular, em bora conte, não é fundamental para Stevens, mas constitui a grandeza de Ashbery sempre que, com terrível dificuldade, ele consegue chegar à frente. Quando leio hoje Le
* Like a dull scholar, 1 behold, in love, / An ancient aspect touching a new m ind.I It comes, it blooms, it bears its fru it a n d dies. / This trivial trope reveals a way o f truth. / Our bloom is gone. We are thefruit thereof. / Two golden gourds distended on o u r vines, / Into the autum n weather, splashed with frost, / Distorted by halefatness, turned grotesque. /We hang like warty squashes, streaked a n d rayed, / The laughing sky will see the two o f us, / Washed into rinds by rotting w inter rains.
* * Like the blood orange we have a single / Vocabulary all heart a n d all skin a n dcan see / Through the dust o f incisions the central perim eter / Our imaginations orbit. Other words, / Old ways are but the trappings a n d appurtenances / M eant to install change a ro u n d us like a grotto. / There is nothing laughable / In this. To isolate the kernel o f/ Our im balance a n d at the sam e time back up carefully / Its tulip head whole, an im agined good.
Apophrades ou O Retorno dos Mortos 195
Monocle de Mon Oncle, sou obrigado a ouvir a voz de Ashbery, pois esse modo foi tomado por ele, inevitavelmente e talvez para sempre. No Ashbery inicial, entre a promessa e os esplendores de seu primeiro volume, Some Trees [Umas árvores], a enorm e predominância de Stevens não podia ser evitada, em bora já se evidenciasse um clinamen de distância do mestre.
O rapaz põe uma casa dc pássaros Contra o mar azul. Afasta-se E lá ela fica. Então
Outros homens aparecem, mas vivem em caixas.O céu os protege como uma muralha.Os deuses cultuam o desenho a traço
De uma mulher, à sombra do mar Que segue escrevendo. Haverá Colisões, comunicações na praia
Ou todos os segredos desaparecem depoisQue a mulher se foi? E o pássaro mencionadoNas minutas das ondas, ou foi a terra que avançou?*
Le Livre est sur la Table, II
Eis o m odo de The M en w ith the Blue Guitar [O hom em do violão azul], que tenta com urgência desviar-se de uma visão cuja severidade não suporta:
Devagar a hera nas pedrasTorna-se as pedras. As mulheres tornam-se
As cidades, as crianças tornam-se os campos E os homens em ondas tornam-se o mar.
* The y oung m an places a bird-house / Against the blue sea. H e walks away / A nd it remains. Now other // Men appear, but they live in boxes. / The sea p ro tects them like a wall. / The gods worship a line-draw ing/ / O f a woman, in the shadow o f the sea / Which goes on writing. Are there / Collisions, com m unications on the shore H Or d id all secrets vanish when / The woman left? Is the bird m entioned /I n the w aves’ minutes, o r d id the lan d advance?
196 A Angústia da Influência
É o acorde que falsifica.O mar retorna sobre os homens,
Os campos acuam as crianças, o tijoloE uní mato e todas as moscas são apanhadas,
Sem asas e murchas, mas vivendo vivas.A discordia apenas se amplia.
Mais fundo na escuridão do ventre,Do tempo, o tempo brota sobre a rocha.*
— The M an With the Blue Guitar, XI
O poem a dos primordios de Ashbery sugere que há “colisões, com unicações” entre nós, mesmo diante do mar, um universo de sentidos que afirma seu poder sobre nossas mentes. Mas o poem a pai, em bora se resolva num quase conforto sem elhante, atormenta o poeta e seus leitores com a com preensão mais intensa de que “a discórdia apenas se amplia” quando nossas “colisões, com unicações” ressoam contra os ritmos maiores do mar. Onde o Ashbery inicial tentou inutilmente suavizar seu pai poético, o Ashbery maduro de Fragment subverte e até captura o precursor mesmo quando parece aceitá-lo mais com pletamente. Ainda não se pode m encionar o efebo nas minutas do pai, mas sua visão avançou. Stevens hesitou quase sempre até sua última fase, incapaz de aderir ou rejeitar com firmeza a insistência do alto romantismo em que o poder da m ente do poeta pode triunfar sobre o universo da morte, ou do alienado m undo-objeto. Não é todo dia, ele diz em Adagia, que o mundo se organiza num poema. Ashbery, seu nobrem ente desesperado
* Slowly the ivy on the stones / Becom es the stones. Women becom e // The cities, children becom e the field s /A nd m en in waves becom e the sea. Hit is the chord thatfalsifies, j The sea returns upon the men, // The field s entrap the children, brick ! Is a w eed a n d all the flies are caught, / / Wingless a n d withered, but living alive. / The discord m erely magnifies. // D eeper within the belly's dark, / O f time, time grows upon the rock.
Apophrades ou O Retorno dos Mortos 197
discípulo, desafiou a dialética da apropriação para implorar ao mundo todo dia que se organizasse num poema:
Mas que podía eu entender daquilo? O brilhoDe muitas exclusões idênticas arrancadas daMão operadora, como um julgamento mas aindaA atmosfera da visão? O fato de duas pessoasColidirem neste lusco-fusco significa que o tempo deSaquear de modo informe se desfez: o espaço eraMagnífico e seco. Nas noites lhanasDos meses à frente, ela lembraria que aquelaAnomalia lhe falara, palavras iguais a desconjuntadas praiasPardas sob os sinais do ar que avançavam.*
Esta, a última estrofe de Fragment, devolve Ashbery, fechando o círculo, a seu inicial Le Livre est sur la Table. Há “colisões, comunicações na praia”, mas “colidem neste lusco-fusco”. O “a terra avançou?” do primeiro poema é respondido em parte na negativa, pelas praias pardas, desconjuntadas, mas em parte também pelos “sinais do ar que avançam”. Em outra parte de Fragment, escreve Ashbery: ‘Assim raciocinava o ancestral, e tudo / Aconteceu como ele previu, mas de uma maneira esquisita.” A forma da apophrades positiva dá a esse buscador a dura sabedoria do proverbial poema que ele acertadamente chama de Soonest M ended [Quanto mais cedo consertado], que termina com.-
... aprendendo a aceitar A caridade dos momentos difíceis quando os distribuem,Pois isso é ação, esse não ter certeza, esse descuidado Preparar, semear as sementes deformadas no sulco,
* But what could I m ake o f this? Glaze / Of m any identical foreclosures wrested fro m / The operative hand, like a jud gm en t but still / The atm osphere o f seeing? That two people could / Collide in this dusk m eans that the time of/Shapelessly fora gin g h a d com e undone: the space was /M agnificent a n d dry. On
f la t evenings/In the m onths ahead, she w ould rem em ber that that / Anomaly h a d spoken to her, words like disjointed beaches / Brown u n d er the advancing signs o f the air.
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Aprontar-se para esquecer, e voltar sempre Ao ancoradouro do partir* naquele dia tanto tempo atrás.*
Aqui Ashbery conseguiu um dos m istérios do estilo poético, mas apenas por meio da individualização da apropriação.
() m istério do estilo poético, a exuberância que é beleza em todo poeta forte, assemelha-se ao prazer do ego maduro com sua individualização, que rebaixa ao m istério do narcisismo. lisse narcisismo é o que Freud qualifica de primário e normal, “o com plem ento libidinal do egoísm o do instinto de autopreservação”. O am or do poeta forte p or sua poesia, como ela m esm a , tem de excluir a realidade de toda outra poesia, a não ser o que não se pode excluir, a identificação inicial com a poesia do precursor. Qualquer afastamento do narcisismo inicial, segundo Freud, leva ao desenvolvimento do ego, ou, em nossos term os, todo exercício de relação revisionária, afastando-se da identificação, é o processo geralm ente chamado de desenvolvim ento poético. Se todo objeto-libido tem origem no ego-libido, podem os também supor que toda experiência inicial do efebo de ser encontrado por um precursor só se torna possível por um excesso de auto-amor. A apophrades, quando controlada pela imaginação capaz, pelo poeta forte que persistiu em sua força, torna-se não tanto um retorno dos m ortos quanto uma celebração da volta da auto-exaltação inicial que tornou possível a poesia pela primeira vez.
O poeta forte olha no espelho de seu caído precursor e não vê nem o precursor nem a si mesmo, mas um duplo gnóstico, a escura alteridade ou antítese que ele e o precursor ansiavam ser, mas temiam tornar-se. Dessa profundíssima íúga, constitui-se a com plexa impostura da apophrades positiva, tornando possível as últimas fases de Browning, Yeats, Stevens — todos os quais
... learning to accept / The charity o f the har'd m om ents as they a re doled out, / For this is action, this not being sure, this careless / Preparing, sowing the seeds crooked in the furrow , I Making ready to forget, a n d always com ing back / To the m ooring o f starting out, that day so long ago.
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triunfaram contra a velhice. Asolando, Last Poems an d Plays, e a parte de “The Rock” [A rocha] de Collected Poems [Poemas reunidos], de Stevens, são todos surpreendentes manifestações de apophrades, cuja intenção e efeito, em parte, é fazer-nos 1er de forma diferente — quer dizer, 1er Wordsworth, Shelley, Blake, Keats, Em erson e Whitman de forma diferente. É com o se a fase final dos grandes poetas modernos não existisse nem para últimas afirmações das crenças de toda uma vida nem com o palinodias, mas antes com o a última colocação e redução de ancestrais. Mas isso nos leva ao problem a central da apophrades: ainda existe uma angústia de estilo, distinta da angústia da influência, ou são agora uma só as duas angústias? Se a tese deste livro está correta, o tema oculto da maior parte da poesia nos últimos três séculos foi a angústia da influência, o medo de cada poeta de que não reste uma obra propriamente dita para ele realizar. Existe, claramente, uma angústia de estilo desde que existem padrões literários. Mas vimos o conceito de influência (e a moral acompanhante do poeta) alterar-se com o dualismo pós-Iluminismo. Mudou também a angústia de estilo quando com eçou a angústia da influência? Era o fardo da individualização de um estilo, hoje intolerável para todos os novos poetas, tão enorm e antes de surgir a angústia da influência? Quando abrimos um primeiro volume de poesia hoje, esperamos ouvir uma voz característica, se podemos, e se a voz já não se diferencia de algum modo de seus precursores e colegas, tendemos a parar de escutar, independentem ente do que a voz tenta dizer. O Dr. Samuel Johnson tinha uma aguda apreensão da angústia da influência, mas ainda lia qualquer novo poeta com o teste de perguntar se revelava algum novo assunto. Detestando Gray, Johnson apesar disso foi obrigado a fazer-lhe os mais altos louvores ao encontrar idéias que lhe pareciam originais:
O Church-yard [Cemitério] abunda em imagens que encontram reflexo em toda mente, e em sentimentos aos quais todo imo
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devolve um eco. As quatro estrofes que começam com Yet even these bones [mas para mesmo esses ossos] são para mim originais: jamais vi as idéias em qualquer outro lugar; mas aquele que as lê aqui se convence de que sempre as sentiu. Houvesse Gray escrito mais vezes assim, teria sido vão censurá-lo e inútil louvá-lo.
Idéias originais que todo leitor já sen tiu , ou se convence de que sentiu; isso é mais difícil do que a fama do trecho de Joh n son nos perm ite ver. Foi ele preciso ao achar originais estas estrofes?
Mas para mesmo esses ossos de insulto proteger Algum frágil monumento ainda de pé próximo,Com insólitas rimas e informe escultura enfeitado,Implora o passageiro tributo de um suspiro.
Seus nomes, suas datas, soletrados pela iletrada musa,O lugar de fama e elegia proporcionam:E muitos textos sagrados em volta ela espalha Que ensinam ao rústico moralista morrer.
Pois quem do mudo Esquecimento presa,Esse simpático ser ansioso, sempre resignado,Deixou os cálidos recintos do alegre dia,Ou lançou um anelante e demorado olhar para trás?
Com algum peito amigo a alma que parte conta,Algumas pias lágrimas o olho que se fecha exige;Mesmo da tumba a voz da natureza grita,Mesmo em nossas cinzas vivem seus fogos de sem pre.*
Yet even these hones fro m insult to protect ! Some fra il m em orial still erected nigh, / With uncouth rhymes a n d shapeless sculpture decked, / Im plores the passing tribute o f a sigh. I I Their name, their years, spelt by the unlettered muse, / The p la ce o f fa m e a n d elegy supply: / And m any a holy text a ro u n d she strews, / That teach the rustic m oralist to die. H For who to dum b Forgetfulness a prey, / This pleasing anxious being, e ’e r resigned, ILeft the warm p re cincts o f the cheerful day, / Nor cast one longing lingering look behind? // On som e fo n d breast the parting soul relies. / Some pious drops the closing eye requires; I Bv’n fro m the tomb the voice o f nature cries, /E v ’n in ou r ashes live their w onted fires.
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Swift, a Odisséia de Pope, o Belial de Milton, Lucrécio, Ovidio e Petrarca estão entre os precursores de Gray aqui, pois com o um poeta im ensam ente culto, era raro ele escrever sem deliberadam ente relacionar-se com quase todo ancestral literário possível. Joh n son era um crítico im ensamente culto ; por que louvou essas estrofes por uma originalidade que não têm? Uma possível resposta é que se expressam abertam ente nesse trecho as mais profundas angústias de Johnson , e encontrarmos um contem porâneo dizendo o que sentimos de forma ainda mais profunda é convencer-nos de m aior originalidade que a existente. As estrofes de Gray gritam apenas por aquela mínima e figurativa imortalidade que a angústia da influência nos nega. Sem pre que a áspera sensibilidade johnsoniana encontra novo assunto na literatura, é seguro supor que também se envolve nessa descoberta a repressão johnsoniana. Mas, com o Joh n son é um leitor tão universal, ilustra uma tendência de muitos outros leitores, que é serm os encontrados da form a mais decisiva pelas idéias a que fugimos em nossa mente. Johnson , que detestava o estilo de Gray, com preendeu que na poesia deste a angústia do estilo e a angústia da influência se haviam tornado indistinguíveis, mas perdoou-o pelo único trecho onde ele universalizou a angústia da autopreser- vação num drama mais geral. Escrevendo sobre seu pobre amigo, Collins, Joh n son pensa em Gray quando observa: “Ele amaneirava o obsoleto quando não era digno de ressurreição; e põe suas palavras fora da ordem normal, parecendo pensar, com alguns candidatos posteriores à fama, que não escrever prosa é certam ente escrever poesia.” Joh n son parece haver com plicado de tal form a o fardo da originalidade e o problem a do estilo que podia denunciar o estilo que julgava perverso e querer dizer com a denúncia que não se oferecia assunto novo. Assim, apesar de parecer nosso oposto, quando esquecem os o conteúdo e buscam os um tom individual num novo poeta, Joh n son é muitíssimo nosso ancestral. Na década de 1740, o mais tardar, a angústia do estilo e a relativamente recente an-
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gústia da influência já haviam iniciado um processo de fusão que parece haver culm inado durante nossas últimas décadas.
Vemos a mesma fusão manifestar-se aos poucos na elegia pastoral e seus descendentes, pois no lam ento de um poeta por seu precursor, ou com mais freqüência por outro poeta de sua geração, tendem a revelar-se as mais profundas angústias do próprio poeta. Moschus, lam entando Bion, com eça por declarar que a poesia está morta, porque “ele está m orto, o belo cantor”:
Vós, rouxinóis que lamentais entre as densas folhas das árvores, dai às águas sicilianas de Are tusa a notícia de que o timoneiro Bion está morto, e que com Bion morreu também o canto, e perecido está
o menestrelismo dório.Começai, vós M usas sicilianas, começai o canto fúnebre.
Muito antes de acabar o Lam ento p o r Bion, M oschus já fez a descoberta necessariam ente feliz de que nem todo canto m orreu com Bion:
... mas entôo a ti o canto fúnebre de uma dor ausônia, eu que não sou estranho ao canto pastoral, mas herdeiro da Musa dória que ensinaste a teus pupilos. Este foi teu presente para mim; a outros deixaste a tua riqueza,
a mim o menestrelismo.Começai, vós Musas sicilianas, começai o canto fú n e b re .
As grandes elegias pastorais, na verdade todas as grandes elegías para os poetas, não expressam dor, mas centram -se nas angústias criativas dos que as compõem. Oferecem, pois, com o consolação suas próprias am bições (Lycidas, Thyrsis), ou, se transcenderam a ambição (Adonais , o Lilacs de Whitman, Ave Atque Vale de Sw inburne), esquecim ento. Pois a m aior ironia da relação revisionária de apophrades é que os poetas que vêm depois, diante da im inência da m orte, trabalham para inverter
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a imortalidade de seus precursores, com o se a pós-vida de qualquer poeta pudesse ser m etaforicam ente prolongada à custa da de outro. Mesmo Shelley, no sublim em ente suicida Acionais, um poem a que transcende de m odo assustador o simples desinteresse, despoja Keats, com toda sutileza, do naturalismo heróico que é seu dom único. Adonais torna-se parte de um Poder que atua transformando uma natureza considerada “aborrecida” e “densa” pelo órfico Shelley. O prazer de Keats com as Inteligências naturais que são Átomos de Percepção, que sabem e vêem e por conseguinte são Deus, torna-se em vez disso im paciência com a involuntária escória que impediria o vôo do Espírito. Shelley, em sua atitude com os precursores e contem porâneos, foi de longe o poeta forte mais generoso do pós-Iluminismo, mas m esm o nele a fase final da dialética da apropriação teve de resolver-se.
A poesia britânica e americana, pelo m enos desde Milton, tem sido um protestantism o severamente deslocado, e a poesia francam ente religiosa dos últimos trezentos anos foi portanto, em sua m aior parte, um fracasso. O Deus protestante, na medida em que foi uma Pessoa, cedeu Seu papel paterno para os poetas à figura bloqueadora do Precursor. Deus Pai, para Collins, é Jo h n Milton, e a rebelião inicial de Blake contra o Pai- ninguém se com pleta com o ataque satírico ao Paradise Lost, que está no centro de The Book ofU rizen [O livro de Urizen] e paira, muito mais nervosam ente, sobre toda a cosm ología de The Four Zoas [As quatro Z oas]. A poesia cujo tem a oculto é a angústia da influência é naturalmente de tem peram ento protestante, pois o Deus protestante sempre parece isolar Seus filhos no terrível duplo dilema de dois grandes m andamentos: “Sê igual a Mim” e “Não tenhas a presunção de ser igual a Mim”.
O tem or da divindade é pragmáticamente um tem or da força poética, pois o efebo, quando inicia seu ciclo vital com o poeta, entra num processo de divinização em todos os sentidos. O jovem poeta, observou Stevens, é um deus, mas acrescentou que o velho poeta é um vagabundo. Se a divindade con-
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sistisse apenas em saber com exatidão o que vai acontecer a seguir, todo Sludge contem porâneo seria poeta. Mas o que o poeta forte realm ente sabe é apenas que ele vai acontecer a seguir, que vai escrever um poem a em que será manifesta a sua radiação. Quando um poeta pensa em seu fim, precisa de alguma prova mais concreta de que não é em seus poem as passados que os esqueletos pensam , e busca provas de eleição que cum pram as profecias de seus precursores, recriando fundam entalm ente essas profecias em seu próprio e inequívoco idioma. Essa é a curiosa magia da apophrades positiva.
Yeats, cujas espectrais intensidades na fase final se m isturam com um desinteressado entusiasm o pela violência, violência em grande parte por si mesma, conseguiu de form a brilhante fazer os m ortos retornarem em seu idioma:
Embaixo, tendo as vagas inutilmente lutado Indignadas e impetuosas, rugiam ao sentir O rápido e firme movimento da quilha.
Mas o navio, nas calmas profundezas, seu caminho podia seguir,
Onde em iluminados caramanchões formas imortais habitam Abaixo das cristas da inquieta onda.
E desfiou a tecida imagísticaDas fraldas da segunda infância, e tirou
O caixão, seu último berço, do nicho,E jogou-o com desprezo numa vala.*
Beneath, the billows having vainly striven / Indignant a n d impetuous, roared to f e e l / The swift a n d steady m otion o f the keel. H But she in the calm depths h er way could take, / Where in bright bowers imm ortal fo rm s abide / Beneath the weltering o f the restless tide. H A nd she unw ound the woven imagery / O f second childhood’s sw addling bands, a n d took / The coffin, its last cradle,
fro m its niche; / A nd threw it with contempt into a ditch.
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Sentimos, ao 1er The Witch o f Atlas, que Shelley leu Yeats em grande profundidade, e está condenado a jamais tirar da m ente as com plexidades tonais dos poem as de Bizáncio. Encontram os o m esm o fenôm eno aqui:
Amante inseto do sol,Alegría de teu dominio!Marinheiro da atmosfera;Nadador entre as ondas do ar;Viajante da luz e do meio-dia;Epícuro de junho;Espera, imploro-te, que eu chegue Ao alcance de teu zumbido, —Tudo aqui fora é martírio.*
Tudo aqui fo ra é m artírio — certam ente isso devia ser Emily Dickinson, mas é The Humble-bee [A m am angaba], de Emerson (poema pelo qual Emily admitia um certo carinho). Os exem plos abundam; o im ensam ente idiossincrático Milton mostra a influência, em algumas partes, de Wordsworth; Wordsworth e Keats têm os dois um laivo de Stevens; o Shelley de The Cenci [Os Cenci] deriva de Browning; Whitman parece às vezes extasiado demais com Hart Crane. Im porta apenas que aprendamos a distinguir esse fenôm eno de seu oposto estético, o vexame, digamos, de 1er The Scholar-Gipsy [O sábio cigano] e Thir- sis, e encontrar as odes de Keats atropelando o pobre Arnold. Keats pode parecer um pouco afetado demais por Tennyson e os pré-rafaelitas, e m esm o p or Pater, mas jamais parece herdeiro de Matthew Arnold.
“Que os poetas m ortos abram espaço para outros. Então poderíam os até ver que é nossa veneração pelo que já foi cria
* Insect lover o f the sun, joy o f thy dom inion!/ Sailor o f the atmosphere; / Swimm er through the waves o f air; / Voyager o f light a n d noon; Epicurean o ff une; Wait, I prithee, till I com e / Within earshot o f thy hum, / All without is martyrdom.
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d o ... que nos p etrifica ...” O louco Artaud levou a angústia da influência para uma região onde não se pode distinguir a in fluência e seu contram ovim ento, a apropriação. Se os poetas retardatários querem evitar segui-lo até lá, precisam saber que os poetas m ortos não consentem em abrir espaço para outros. Mas é mais im portante que os novos poetas tenham um conhecim ento mais rico. Os precursores nos inundam, e nossas imaginações podem m orrer por afogamento neles, mas nenhum a vida imaginativa é possível se essa inundação for inteiram ente evitada. No sonho do árabe de Wordsworth, a visão de um m undo a afogar-se não causa terror no início, mas uma visão de seca anterior causa im ediatamente. Ferenczi, em seu apocalipse, Thalassa: A Theory o f Geniality [Thalassa: uma teoria da genialidade], explica todos os mitos de dilúvio com o uma inversão:
O primeiro e principal perigo enfrentado por organismos que originalmente habitavam na água não era o do dilúvio, mas da seca. A elevação do Monte Ararat das águas do dilúvio seria assim não só uma salvação, como se conta na Bíblia, mas ao mesmo tempo a catástrofe original que talvez só depois tenha sido refundida do ponto de vísta dos que habitavam em terra.
Artaud, buscando desesperadam ente elevar seu Ararat, é pelo m enos uma figura pungente; o tumulto de seus discípulos nos lem bra apenas que só vivemos, com o disse Yeats, onde o m osaico está gasto. Nossos poetas ainda capazes de desdo- brar-se em sua força vivem onde durante três séculos, já, viveram seus precursores, à som bra do Querubim Cobridor.
E P Í L O G O
Reflexões sobre a Via
Cavalgando três dias e três noites ele chegou ao lugar, mas decidiu que ao lugar não se podia chegar.
Parou, pois, para pensar.Este deve ser o lugar. Se cheguei a ele, então não tenho
importância.Ou pode não ser este o lugar. Não há, pois, importância,
mas eu próprio não sou diminuído.Ou pode ser este o lugar. Mas talvez eu não tenha chegado
a ele. Posso ter estado sem pre aqui.Ou ninguém está aqui, e eu sim plesm ente sou do lugar e
nele estou. E ninguém pode chegar a ele.Talvez este não seja o lugar. Eu tenho, pois, um propósito,
sou im portante, mas não cheguei a ele.Mas este deve ser o lugar. E com o não posso chegar a ele,
eu não sou, não estou aqui, aqui não é aqui.Após cavalgar três dias e três noites ele não chegou ao
lugar, e tornou a afastar-se cavalgando.Dar-se-ia que o lugar não o conhecesse, ou não o en con
trasse? Não era ele capaz?Na história só se diz que se deve chegar ao lugar.Cavalgando três dias e três noites ele chegou ao lugar, mas
decidiu que ao lugar não se podia chegar.