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ENTRE O PRAZER E O SOFRIMENTO LABORAL: OS SENTIDOS DO TRABALHO A PARTIR DA NARRATIVA DOS POLICIAIS MILITARES
BETWEEN THE PLEASURE AND THE LABOUR SUFFERING: THE WORK DIRECTIONS FROM THE MILITARY POLICE NARRATIVE
Jeferson de Souza Sá¹ Daniele Almeida Duarte²Jorge Manoel M. Cardoso³
Resumo: O campo de estudo e intervenção em saúde do trabalhador centra-se na compreensão da intrincada relação do processo saúde-doença-trabalho, podendo o trabalho ser fonte de saúde e adoecimento aos trabalhadores. Diante disso, este estudo debruçou-se sobre a categoria profissional da Polícia Militar, uma instituição que visa à segurança pública do país, regida pelo militarismo que delineia a organização e suas relações no trabalho. Mediante uma pesquisa qualitativa e exploratória tivemos como objetivo compreender, por meio da Psicodinâmica do Trabalho, os sentidos do trabalho assumidos para o policial militar mediante uma metodologia da entrevista-narrativa. Este estudo foi realizado com 2 (dois) policiais militares de um município do Paraná. Nesse delineamento, ao entrarmos em contato com a sua atuação profissional, concluímos que este trabalho é gerador de prazer e sofrimento aos policiais e que essas questões advêm da organização do trabalho e das consequências das condições laborais marcadas pelo processo de precarização e pela incessante busca de ressignificação da sua atividade profissional.Palavras-chave: Policial Militar; Saúde do Trabalhador; Psicodinâmica do Trabalho; Prazer e Sofrimento.
Abstrat: The field of study and intervention in worker's health focuses on understanding the relationship of the health-disease-work process where the work may be a source of health and illness for workers. Therefore, this study examined the professional category of the Military Police, an institution that aims the public security of the country, ruled by the militarism which outlines the organization and their work relationships. For a qualitative and exploratory study our objective was to understand, through the Work Psychodynamics, the meanings of work undertaken for the military police through an interview-narrative methodology. This study was conducted with two (2) police officers in a city of Paraná State. In this way, to get in touch with their professional work, we conclude that this work is a pleasure generator and a suffering generator to the policemen, and these issues come from the work organization and the consequences of working conditions marked by precariousness process and the incessant pursuit of reinterpretation of their work.Keywords: Military Police; Worker's health; Psychodynamics of Work; Pleasure and Suffering.
¹Pós graduando em Gestão de Pessoas e Psicologia Organizacional, FCV, [email protected];²Professora e orientadora da pesquisa, UEM, [email protected];³Professor e Coorientador da pesquisa, FCV,[email protected];
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INTRODUÇÃO
Este estudo buscou compreender o trabalho de policiais militares (PM), identificando
questões que podem ser geradoras de prazer e sofrimento ao sujeito que o realiza. Conhecer o
trabalho dos mesmos possibilita entrar em contato com as facetas que norteiam o exercício
profissional da Polícia Militar, tanto na dimensão do trabalho prescrito quanto a do real.
Segundo Dejours (2008), o trabalho prescrito consiste nas funções a serem exercidas,
as tarefas para as quais o trabalhador foi contratado. Por sua vez, o trabalho real constitui a
atividade, a maneira singular e criativa que cada um executa e transforma as tarefas que lhe
foram solicitadas para que a produção seja garantida. A defasagem entre o trabalho prescrito
e o real possibilita ao sujeito desenvolver uma inteligência astuciosa, ou seja, reinventar o
trabalho a partir das condições advindas da organização e condição do trabalho que demanda
criação, inventividade e ação cognitiva. Nestes termos, o trabalho real constitui uma face
oculta do labor que está para ser desvendada, pois se refere ao saber-fazer prático, aos
conhecimentos informais, à experiência vivenciada em cada exercício profissional.
Conforme Dejours (1994), a organização do trabalho consiste na divisão das tarefas e
dos homens. Nessa esfera constituem-se os sentidos e significados do trabalho, onde estão
delineados os processos que atingem diretamente a saúde mental. Encontramos na
organização do trabalho os elementos prescritos que expressam as representações sobre a
divisão do trabalho, a divisão hierárquica, comando, os fluxos de comunicação e relação, as
normas, o tempo e o controle exigido para o desempenho da tarefa, prescrição que nem
sempre corresponde ao labor real dos trabalhadores.
A fim de adentrar neste universo socioprofissional, este estudo apresentará um
resgate teórico e uma pesquisa exploratória sobre o que é ser policial militar, por meio da
metodologia de entrevistas-narrativas. A coleta de dados foi realizada com 2 (dois) policiais
voluntários. Houve mais sujeitos interessados em colaborar com a pesquisa, porém alguns
atravessamentos impediram a participação dos demais, haja vista que a Universidade
Estadual de Maringá (UEM) passou por um período de greve e havia policiais de férias da
corporação, o que dificultou conciliar horários disponíveis entre policial e pesquisador. Era
necessário que os policiais estivessem em pleno exercício de suas atividades para participar
da pesquisa.
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Apesar destas dificuldades, foi possível viabilizar a pesquisa com os dois policiais
militares, visto que o método permitiu levantar informações de cunho qualitativo suficientes
para ponderar sobre essa realidade, atingindo os objetivos do estudo.
REVISÃO DE LITERATURA
O QUE É SER POLICIAL MILITAR
Segundo Minayo, Souza e Constantino (2008), no século XVII a instituição da Polícia
Militar surgiu inspirada na organização das corporações europeias ocidentais. O conceito
principal estabelecido por essas corporações foi a ideia de “Segurança Pública” como um dos
principais serviços prestados pelo Estado, com a finalidade de vigiar e proteger os
patrimônios públicos e os interesses do Estado. O Brasil começou a ter um modelo de Polícia
em 1808 no município de Rio de Janeiro – RJ, cuja instituição deveria seguir atribuições
como vigilância e repressão a crimes, proteção de obras públicas, segurança pessoal e
coletiva, investigação e punição dos criminosos.
Para cumprir com a missão de segurança pública, foi criada a Divisão Militar da
Guarda Real da Polícia em 1809. Abstraída do modelo do exército, a corporação passou a ser
uniformizada em formato militar, presente até hoje no Brasil.
A Polícia durante a história recebeu 12 denominações diferentes, mas apenas em
1920 passou a ser designada como Polícia Militar.
Em 1890, o Corpo Militar da Polícia passou a se chamar Brigada de Polícia da Capital Federal e, em 1891, Força Policial do Distrito Federal. Em 1920, assumiu a denominação Policial Militar. Neste mesmo Ano, foi criada a Escola Profissional para Formação de Oficiais. A Constituição Federal de 1934, em seu artigo 167, definiu a Polícia Militar como força reserva do Exército, e a lei n. 192, de 1936, determinou que ela se estruturasse da mesma forma que as unidades de infantaria e cavalaria do Exercito Regular. Foi na Década de 1930 que, na corporação, se formalizou a simbiose entre segurança pública, segurança interna e subordinação às Forças Armadas. (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO, 2008, p. 52).
Segundo Mathias (2010), a Polícia Militar começa a ser estruturada no Brasil no
período do regime militar (1964-1985). Nesta época as atividades policiais voltavam-se aos
sujeitos que se opunham à ordem estabelecida. Com o processo de redemocratização interna
do país, em 1988, criou-se com a nova Constituição da República Federativa do Brasil o que
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seria denominado “Segurança Pública”, cuja atenção convergia para o combate do crime e
violência no âmbito interno do país. Sendo assim, a atuação da Polícia Militar deixa de
priorizar os interesses nacionais e passa também a atuar diante das ameaças à integridade dos
cidadãos e do patrimônio público.
Minayo, Souza e Constantino (2008) afirmam que em 1992 foi criada a Secretaria de
Estado de Segurança Pública, visando coordenar os vários serviços, ações e propostas na área
de segurança pública, passando a se estruturar em superintendências de Administração e
Serviços, Polícia Judiciária e a Executiva.
Conforme o Código de Conduta Ética Profissional para o Policial Militar (1997), a
Polícia Militar é um órgão estadual que tem como dever fundamental atuar de forma fraterna,
com zelo, honestidade e respeito aos direitos humanos. Aos cidadãos deve promover
segurança, proteger a comunidade contra injustiça, lutar contra intimidações e violências,
bem como combater a desordem.
No referido Código de Conduta é afirmado ser dever do policial o desempenho das
funções com presteza, desprendidas de juízos de valor, animosidade ou amizades que possam
influenciar suas decisões. Perseguir incansavelmente os delinquentes que estiverem
infringindo a lei, sem utilizar da força ou violência desnecessária, e não aceitar gratificações
ou suborno. Deve dedicar-se exclusivamente ao serviço Policial Militar, mesmo com o
sacrifício da própria vida. É vedado ao policial militar solicitar ou receber qualquer
bonificação, título ou vantagens, em serviço ou fora deste, em razão da ação prestada em seu
fazer profissional ou de suas condições de policial militar. Difamar a instituição corporativa
com ações, gestos e verbalizações contrárias às normas estabelecidas da Polícia Militar
também é vedado. Não ter nome ou gerência ligado a atividades ilícitas, comércios e bens é
uma exigência indispensável.
O Código ainda expõe que o policial militar deve ter em relação aos companheiros de
trabalho consideração, respeito e solidariedade, não importando o nível hierárquico dentro da
corporação. Devem ser evitadas desavenças e injustiças com os companheiros, promovendo
a camaradagem e o espírito de cooperação.
Em relação aos aspectos do exercício da autoridade, o policial militar como defensor
da lei, deve conhecer o que a profissão determina, estando ciente de suas limitações e
proibições regidas por leis e regulamentos. Sendo defensor primordial da Segurança Pública
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do país não pode cometer abusos de autoridade. (CÓDIGO DE CONDUTA ÉTICA
PROFISSIONAL PARA O POLICIAL MILITAR, 1997).
Entendendo estes elementos que regem a conduta dos policiais militares, prescritos
em tarefas que delineiam regras e valores éticos e morais – aspectos constituintes dos
processos de subjetivação desse profissional – tencionamos compreender como esta
dimensão se relaciona com a vivência do prazer e do sofrimento que pode ser gerada no
trabalho dessa categoria profissional. Para tanto, importa-nos desvendar quem é o policial
militar, aportando na dimensão do trabalho real, onde residem não apenas as contradições e
ambiguidades, mas também a dimensão criativa capaz de ascender os paradoxos existentes
no labor.
QUEM É O POLICIAL MILITAR
O tópico anterior expôs um horizonte histórico da Polícia Militar e também
apresentou conceitos, valores, deveres e funções estabelecidas para o PM. Situado isto,
podemos entender melhor os aspectos que caracterizam esta instituição e delimitam o campo
socioprofissional. Com estes elementos podemos avançar em busca da compreensão dos
feixes constituidores dos processos de subjetivação destes trabalhadores.
As relações de poder possuem uma hierarquia verticalizada e nitidamente demarcada.
Sendo assim, a Estrutura de Segurança Pública está subdividida em níveis hierárquicos que
devem ter respeitados os comandos de cada nível de poder.
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Figura 1: Círculo de poder hierárquico da Polícia Militar (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO, 2008, p. 90).
Segundo Silva e Vieira (2008) a Polícia Militar é rigidamente composta por dois
pilares: a disciplina e a hierarquia – fundamentos que apresentam resistência à mudança
organizacional. Em uma atividade-fim, os PMs poderão estar expostos a ocorrências que
demandam rapidez na resolução, as quais não podem simplesmente ser abordadas por meio
de técnicas tradicionais de adestramento militar. Sendo assim, é possível e necessário
compreender como a atuação de policiais militares, suas relações e experiências vividas
podem refletir e ressignificar o trabalho. Por meio do relato de um dos policias apresentado
por Silva e Vieira (2008, p.165), dizendo que “Por trás desta farda existe um ser humano”,
serve para mostrar uma das facetas da dinâmica subjetiva do profissional de segurança
pública.
A hierarquia é a base principal da divisão do trabalho da Polícia Militar,
decompondo-se em tarefas, papéis e status que determinam condutas e estruturam as relações
de comando dentro desta instituição. A hierarquia pode ser organizada em círculos de poder XI Ciclo de Estudos da Faculdade Cidade Verde
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como círculo dos oficiais, das praças especiais e das praças propriamente ditas. Esses
círculos constituem subsistemas que representam a reprodução da corporação e a mobilidade
profissional, atuando como ideal de acesso para os que iniciam e buscam o desenvolvimento
de sua carreira, como apresentado na Figura 1. (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO,
2008).
A disciplina é outro fator estruturante da organização da Polícia Militar, sendo ela um
método de controle dos sujeitos, pautada em uma correlação de poderes e interesses
circunscritos. A disciplina insere o sujeito em um lugar delimitado a partir de seu
fardamento, os colocando em fila, classificando e individualizando em suas redes de relações
que também os aliena. A mesma também molda, demarca e institucionaliza o sujeito
conforme a instituição preconiza objetivos e deveres, como afirma Foucault (1996, p. 117)
“O Soldado tornou-se algo que se fabrica: de uma massa informe, de um corpo inepto fez-se
uma máquina de que se precisa”.
Com a existência da disciplina, a corporação também dispõe da punição com o
objetivo de reduzir os desvios e reafirmar a lei e condutas prescritas. Desta maneira, os
códigos disciplinares, missão, valores e deveres tornam evidente o que é positivo e o que é
negativo para a ação de cada policial.
O Processo de Recrutamento dos PMs ocorre por concurso público, divulgado por
meio de editais oficiais, exigindo que o recruta tenha o seguinte perfil, conforme Minayo,
Souza e Constantino (2008, p. 99):
O concurso para soldado exige que o candidato: seja Brasileiro; com idade entre 18 a 30 anos; não tenha sido licenciado da Polícia Militar de nenhuma unidade da federação por motivos disciplinares; apresente altura mínima de 1,68 (homens) e 1,60 (mulheres) e peso proporcional à altura; tenha robustez física e aptidão psicológica, sanidade física e mental compatíveis com a função; possua grau de escolaridade de Ensino Médio; Não apresente punição por indisciplina nas forças Armadas; e seja aprovado em todos os exames do processo seletivo. Tais Exames são eliminatórios e analisam aptidões intelectuais, antropométricas, psicológicas, físicas, de saúde, sociais e documentais.
A organização do trabalho dos policiais se inicia a partir da leitura da ordem do dia,
rito matinal realizado no interior das unidades. Silenciosos e em forma, esses profissionais
ouvem a divulgação de suas escalas de serviço e advertências. Recebem orientação para a
ação específica e são lembrados do modo como devem atender aos cidadãos, às vítimas de
acidentes, aos transgressores e a outros que necessitem de seus serviços. Após seguir este
ritual, os policias se encaminham para suas devidas atividades, de acordo com um
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cronograma de trabalho com horários e escalas estabelecidos, dentro da especificidade das
atividades previstas. (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO, 2008).
As condições laborais dos policiais têm sido alvo de discussão acerca do processo de
adoecimento relacionado ao trabalho, como a organização burocrática da polícia que atua com
níveis hierárquicos rigidamente delimitados, corroborando a separação entre quem pensa e
quem executa o trabalho. Outro fator é a precarização do trabalho, como osequipamentos e
instrumentos inadequados, a restrição de recursos orçamentários para a manutenção desses
equipamentos, os salários desproporcionais e a falta de capacitação profissional. Esses fatores
configuram um quadro desfavorável tanto para a eficiência do trabalho policial, quanto para a
própria saúde dos PMs. (SILVA, VIEIRA, 2008).
Em uma pesquisa sobre as relações entre a organização do trabalho da Polícia Militar e
a saúde mental de seus profissionais, realizada com PMs de João Pessoa - PB, Silva e Vieira
(2008) afirmam que o sentimento de insatisfação no trabalho e as implicações na saúde dos
policiais podem ser expressos, como nos depoimentos a seguir: “faz três anos que as nossas
fardas não são trocadas[...]. Nossas viaturas são e estão em péssimas condições[...] nossas
armas estão bem mais atrasadas que as dos bandidos que vêm de fora[...]”. A partir desta fala
podemos verificar o quanto a precarização do trabalho colabora para dificultar ou até mesmo
colocar em risco o trabalho e os próprios policias militares. Esses fatores externos aumentam
os constrangimentos na tarefa o que, por sua vez, exige do PM um esforço maior para realizá-
la, imerso na incerteza e insegurança a serem confrontadas no dia a dia deste profissional.
Outro fator importante que gera insatisfação no trabalho, citado pelos mesmos autores,
é o trabalho do PM ser caracterizado por atividades repetitivas e incertas no cotidiano do
policiamento ostensivo. Repetitivas por seguir uma rotina intensa de horas exigidas, na
maioria das vezes em pé, no mesmo lugar, tendo que estar sempre atento para executar uma
tarefa, consistindo num compromisso diário e ininterrupto conforme a natureza da ocorrência.
O trabalho do PM exige dedicação exclusiva, não possuindo horários pré-determinados,
principalmente no término de uma ocorrência policial, em que muitas vezes o PM tem que
transformar a sua folga em trabalho. Segundo o Artigo 31 do Estatuto dos Servidores
Militares (1997), que abrange todos os níveis hierárquicos, os Policiais Militares devem estar
a disposição do Estado e principalmente da segurança da sociedade, durante as 24 horas do
dia.
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Nesse contexto, Minayo, Souza e Constantino (2008, p. 128) apresentam um gráfico
que demonstra notas médias relacionadas ao grau de satisfação no trabalho, conforme segue:
Figura 2: Notas médias dadas por policiais militares para o grau de satisfação com aspectos do trabalho (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO, 2008, p. 90).
O gráfico acima apresenta índices significativos de insatisfação dos policias militares
perante aspectos relacionados ao seu trabalho. Um dos aspectos que atribuiu menor nota foi
em relação ao salário. O mesmo, além de se vincular aos demais aspectos geradores de
insatisfação no trabalho, remete ao baixo desempenho de sua atividade.
O trabalho mal remunerado, sem reconhecimento e sem perspectivas de crescimento profissional leva ao baixo desempenho no cumprimento das tarefas, o que se reflete na insatisfação da população. Esse subconjunto de temas aferidos negativamente e referidos nos últimos parágrafos traz como consequência um sentimento de frustração muito forte, que tem impacto sobre a saúde física e emocional dos policiais. (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO, 2008, p. 129).
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Por sua vez, o gráfico abaixo apresenta as notas médias dadas pelos policiais
relacionadas à qualidade dos equipamentos usados no trabalho:
Figura 3: Notas médias dadas pelos policiais militares dos setores administrativos e operacional para equipamentos usados no trabalho (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO, 2008, p. 90).
Este gráfico explicita o alto índice de insatisfação referente aos equipamentos de
trabalho dos policiais militares. Um dos mais relevantes é sobre a qualidade do armamento,
cujos depoimentos dos policiais que participaram desta coleta de dados, afirmam que as
armas e munições usadas por eles são ultrapassadas e velhas, sendo a arma o equipamento
mais valorizado na corporação. Outros depoimentos são referentes à baixa qualidade dos
uniformes, coletes a prova de bala fora do prazo de validade e a falta de manutenção das
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viaturas, fazendo com que PMs e suas tropas fiquem mais expostos aos riscos e agravos
decorrentes de seu exercício profissional.
Outra questão importante são as pressões da organização do trabalho e da sociedade
aflita, fatores estes que podem influenciar o aumento da fadiga e stress, também
denominados como crises mentais. Segundo pesquisa realizada, Silva e Vieira (2008)
demonstram um expressivo percentual de aposentadorias por invalidez devido a transtornos
psiquiátricos. Considerando o nível hierárquico da PM, verifica-se que 73,2% dos mais
afetados são soldados e cabos, já que eles apresentam maiores chances de envolvimento com
operações de risco, em função das demandas da sociedade, cada vez mais cadenciada pela
violência.
Segundo Minayo, Souza e Constantino (2008) a sobrecarga de trabalho na Polícia
Militar faz com que essa categoria profissional receba considerável atenção de pesquisadores,
reconhecendo este estressor a partir do número excessivo de tarefas do policial militar e as
dificuldades no exercício do trabalho.
Conforme as supracitadas autoras, pode-se compreender que o estresse do policial tem
relação, sobretudo, com a organização hierárquica que impossibilita aos subordinados a
capacidade de criar e decidir sobre seu trabalho – implicando acentuada redução de
autonomia. Mas tem relação também com condições objetivas e subjetivas insatisfatórias de
realização do trabalho, como sentimentos de falta de reconhecimento social e a personalidade
de cada policial que elabora de maneira singular as experiências de prazer e de ansiedade.
A pressão interna e externa que os policiais dos batalhões geralmente sofrem também
pode ser considerada como fator que afeta sua saúde tanto física quanto mental, segundo
afirma Minayo, Souza e Constantino (2008, p. 222):
Um gestor operacional correlaciona o estresse vivido pelos batalhões à “paranoia”. Segundo esse chefe, trata-se de um sentimento que vai sendo construído ao longo do contato direto do policial com os delinquentes em áreas de risco: “Na boa gíria, é aquela paranoia de quem tem sempre alguém querendo atingi-lo, sempre tem alguém o perseguindo, e ele [policial] tem de estar sempre muito atento. O policial não consegue se desligar, tem de redobrar a atenção”.
Acredita-se que o estresse resultante em problemas físico-emocionais é também uma
fonte de excitação para a realização do trabalho, ocorrendo principalmente com policiais
jovens com menos tempo na corporação. Eles podem sentir-se estimulados para enfrentar o
risco, e por isso ter visão distinta sobre estresse ocupacional. Podemos identificar isso por
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meio do relato de um dos policias entrevistados em uma pesquisa realizada com policiais
militares do Rio de Janeiro: “Nós precisamos estar preparados para reagir, e só reage quem
estiver estressado”. Ele se refere a prontidão, à tensão e ao sentimento de alerta que o policial
experimenta quando está em missões operacionais. (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO,
2008, p. 226).
Entende-se que o sofrimento físico e o mental não se apresentam de forma separada.
Em um estudo de demanda realizado no Hospital Central da Polícia Militar, citado por
Minayo, Souza e Constantino (2008, p. 224), mostra que:
23% das queixas que levam os profissionais a buscarem ajuda são cefaléia e mal-estar geral, o que provavelmente tem forte associação com a somatização de problemas vivenciados no cotidiano: 10,2% são as cefaléias relacionadas à hipertensão; 15% problemas dematológicos; 24% problemas ortopédicos; 11%, doença gastrintestinais; e 10,2%, dor precordial, ansiedade, tensão e nervosismo. Fora as lesões e os traumas ortopédicos que estão diretamente ligados à atividade laboral (uso de botas e equipamentos pesados, posições cansativas por longas horas), como entorses, fraturas e lombalgias, os outros tipos de sintomas se associam ao mal-estar provocado pela tensão, à quebra de resistência do sistema imunológico e à sensação permanente de cansaço.
Podem-se identificar como mediadores do sofrimento mental: as condições e a
organização ocupacionais, entre elas a falta de treinamento e planejamento das atividades; a
jornada excessiva de trabalho; o reduzido tempo para o desenvolvimento das atividades.
Minayo, Souza e Constantino (2008) defendem que a disciplina e a hierarquia são fontes
também de estresse, pois aos praças devem ser cumpridas as ordens de seus superiores,
mesmo quando estão envolvidas em atividades de alto risco. Por sua vez, os oficiais têm de
determinar ordens que seriam melhor administradas se pudessem ser discutidas por quem está
realizando as ações. As teorias de organização laboral mais modernas ressaltam isso: “O trabalho do policial militar configura, sem dúvida, um espaço de dominação e submissão do trabalhador, mediante a hierarquia militar, embora o conflito e as brechas de resistência e de expressão de subjetividade continuem sempre existindo.” (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO, 2008, p. 239).
Um fator indispensável para que o sofrimento no trabalho ganhe sentido e se
transforme em prazer é o reconhecimento. Minayo, Souza e Constantino (2008) afirmam que
o reconhecimento é um processo de significação subjetiva da inteligência e da personalidade
gerado pelo trabalho. Em uma instituição, quando são obstaculizadas a experiência e a
autonomia do trabalhador, ou quando não há reconhecimento, podem ser geradas matrizes de
sofrimento.
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O CAMPO DA SAÚDE (MENTAL) DO TRABALHADOR
POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DO TRABALHADOR
Segundo Gomez e Costa (1997) a saúde no contexto de trabalho, ao longo da história,
possuiu diferentes compromissos e atuações, o que gerou distintos modelos explicativos e
interventivos do processo saúde-doença-trabalho.
No Brasil, o setor de saúde do Estado ainda está inserindo sua atuação e intervenção
no espaço de trabalho. Esta integração da saúde ao local de trabalho está prevista desde a
Reforma Carlos Chagas em 1920, mas a partir da década de 30 surge o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio colocando em prática a preocupação da saúde do trabalhador.
Em 1978 foram implantados os Serviços Especializados em Segurança e Medicina do
Trabalho – SESMT, mas no referido momento ainda não se cumpria o dever de reconhecer,
avaliar e controlar as causas de doenças ocasionadas no trabalho. Esta integração foi
reforçada a partir da Carta Constitucional de 1988, regulamentada pela lei 8080/90.
Chiavegatto e Algranti (2013) situam a criação da Rede Nacional de Atenção Integral
à Saúde do Trabalhador (Renast) como apoio à rede de saúde, especialmente pelos
dispositivos dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest). Com a
promulgação da Política Nacional de Saúde dos Trabalhadores e Trabalhadoras (PNSTT) em
2012, busca-se fortalecer a responsabilização do Estado por meio de ações intersetoriais e
interprofissionais para se referenciar e executar ações mais efetivas nesse campo. Nesses
termos, na Política de Saúde do Trabalhador são contemplados três níveis norteadores de
atenção:
a) a vigilância, aqui incluídas as ações destinadas à definição dos perigos e dos riscos inerentes a um processo de trabalho e à consequente promoção de medidas que visam ao adequado controle dos perigos e riscos e de controle médico, assim como um programa que permita a coleta e a análise dos dados gerados; b) a assistência à saúde, incluindo serviços de acolhimento, atenção, condutas clínicas e ocupacionais e um sistema de benefícios justo; e c) a abordagem e a conduta apropriadas aos determinantes sociais, individuais ou de grupos, que impactam negativamente na saúde da maioria dos trabalhadores. (CHIAVEGATTO, ALGRANTI, 2013, p. 25).
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As Políticas Públicas em Saúde do Trabalhador adotam modelos capazes de
identificar e intervir na saúde do trabalhador em sua dimensão concreta, complexa e social,
diferenciando-se dos modelos da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional.
De acordo com Gomez e Costa (1997) a Medicina do Trabalho iniciou-se na
industrialização do país, onde o médico começou a exercer o seu trabalho em fábricas e
empresas. Nestas, havia a necessidade do médico detectar os possíveis processos danosos à
saúde para que a mão de obra dos trabalhadores pudesse ser recuperada. De forma
tradicional, o modelo médico no trabalho se manteve com uma visão biologicista e
individualizada, em um espaço reservado na empresa em busca de doenças e acidentes.
A Medicina do Trabalho, centrada na figura do médico, orienta-se pela teoria da causalidade, ou seja, para cada doença, um agente etiológico. Transplantada para o âmbito do trabalho, vai refletir-se na propensão a isolar riscos específicos e, dessa forma, atuar sobre suas conseqüências, medicalizando em função de sintomas e sinais ou, quando muito, associando-os a uma doença legalmente reconhecida. (GOMEZ, COSTA, 1997, p. 23).
Conforme Gomez e Costa (1997) a Saúde Ocupacional baseia-se a partir da Higiene
Industrial, referendando-se em um método que relaciona o ambiente de trabalho com o corpo
do trabalhador. Centrado na teoria da multicausalidade, pauta-se em um conjunto de fatores
que podem possibilitar o surgimento da doença, cuja qual pode ser causada por questões
biológicas, físicas e ambientais.
Os referidos autores apresentam a Saúde do Trabalhador como um terceiro modelo
que tem referendado as Políticas Públicas brasileiras. Estas têm o compromisso com a
mudança do quadro de saúde dos trabalhadores, intervindo através dos meios político, jurídico
e técnico. Tem a preocupação voltada para visão do trabalhador, um sujeito de saberes
indispensáveis para compor não só a compreensão do processo saúde-doença-trabalho, mas
principalmente suas transformações no âmbito social e singular.
PSICODINÂMICA DO TRABALHO: A RELAÇÃO DE PRAZER E SOFRIMENTO
LABORAL
Segundo Mendes (2007), a Psicodinâmica do Trabalho é uma abordagem criada na
década de 1990 na França por Christophe Dejours, partindo de aspectos psicopatológicos
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relacionados ao trabalho. A Psicodinâmica busca entender a inter-relação entre trabalho e
saúde a partir da dinâmica de contextos visíveis e invisíveis, objetivos e subjetivos, psíquicos,
sociais, culturais, políticos e econômicos constituintes do processo de saúde e adoecimento.
Para Dejours (1992) a relação homem e trabalho norteia-se a partir da organização do
trabalho (trabalho prescrito versus trabalho real), podendo gerar tanto prazer quanto
sofrimento ao trabalhador.
A Psicodinâmica do Trabalho tem como finalidade o estudo dos processos de
subjetivação em relação às dinâmicas vivenciadas na organização do trabalho, evidenciando
experiências de prazer e sofrimento. Partindo desta concepção, o objeto de estudo da
Psicodinâmica está associado à demanda, à mobilização e ao engajamento que a organização
e suas relações exigem do sujeito trabalhador. (MENDES, 2007).
Assim sendo, o sofrimento não somente expressa o conteúdo do sofrer como também
promove o ato laborativo: “O trabalho não causa o sofrimento, é o próprio sofrimento que
produz o trabalho” (DEJOURS, 1992, p. 103).
Para conseguirmos obter acesso a complexidade e singularidade do trabalho, partiu-se
da análise da fala e da escuta do sofrimento dos trabalhadores. Este espaço de escuta
é a possibilidade de reconstrução dos processos de subjetivação e do coletivo, uma vez que falar do sofrimento leva o trabalhador a se mobilizar, pensar, agir e criar estratégias para transformar a organização do trabalho. (MENDES, 2007, p. 31).
Analisar o sofrimento pela fala permite o sujeito resgatar o pensar e o sentir acerca do
trabalho, orientando e dando a conhecer ao próprio trabalhador os aspectos geradores de
prazer e sofrimento. Essas são vias indispensáveis para que haja reapropriação e dominação
do trabalho pelo sujeito que o realiza. Este percurso propicia construção de um coletivo capaz
de analisar e perceber sua realidade laboral com base na cooperação e nas mudanças da
organização do trabalho, como aponta Mendes (2007, p. 36):
[...] para psicodinâmica, o sofrimento no trabalho surge quando a relação do trabalhador com a organização do trabalho é bloqueada em virtude das dificuldades de negociação das diferentes forças que envolvem o desejo da produção e o desejo do trabalhador. Neste sentido, ao reconhecer o trabalho, ora como meio para se construir a identidade, ora como fonte de alienação, a psicodinâmica direciona o estudo do sofrimento para inter-relação dos trabalhadores com a organização do trabalho e para as estratégias defensivas que utilizam para lidar com o trabalho.
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Mendes (2007) apresenta a partir de pesquisas em clínica do trabalho a importância
que a Psicodinâmica confere à fala do trabalhador, apontando a escuta como um instrumento
básico para a análise (seja para o pesquisador quanto para o próprio trabalhador).
Nesses termos, a linguagem do trabalhador é indispensável para revelar o real do
trabalho e a relação de prazer e sofrimento. O uso da entrevista, nesse campo teórico é
indispensável, pois oportuna compreender detalhadamente os sentimentos, crenças, atitudes,
valores e motivações em relação aos comportamentos do indivíduo no contexto laboral. Para
termos uma análise mais consistente sobre o (des)encontro da organização do trabalho com o
indivíduo, a Psicodinâmica do Trabalho fornece elementos investigativos para que distintas
dimensões do real possam ser evidenciadas. Segundo Mendes (2007, p. 69) isto pode ser dito
do seguinte modo:
compreender o objeto de pesquisa sob a perspectiva dos entrevistados e entender como e porque eles têm essa perspectiva particular; investigar o significado e/ou processo de uma unidade social e/ou dos fenômenos para o grupo pesquisado; investigar a história individual; realizar estudos descritivos e /ou exploratórios; validar, clarear e ilustrar dados quantitativos para melhorar a qualidade da interpretação.
Dejours (1992) assinala que a organização do trabalho é fonte promovedora de
sofrimento no trabalhado. Distingue o sofrimento no trabalho em sofrimento criativo e
sofrimento patogênico. O primeiro é quando o sujeito produz soluções favoráveis para sua
vida, especialmente, para sua saúde, por meio da criação de estratégias de defesa. O segundo
é quando são produzidas soluções desfavoráveis para sua vida, não havendo um canal de
negociação entre o indivíduo e a organização do trabalho, afetando seu estado de saúde com
doenças somáticas e psicossomáticas.
Sendo assim, a Psicodinâmica do Trabalho juntamente com o processo de entrevista
possibilita ao trabalhador a ressignificação do olhar de como seu trabalho vem sendo
proposto e realizado por meio de questões que envolvem prazer e sofrimento. Nesses termos,
a presente pesquisa explora esse campo discursivo por meio de narrativas, permitindo
conhecer os sentidos laborais assumidos pelo sujeito que trabalha. Por meio da expressão de
sua fala, é possível elucidar a complexa realidade laboral e subjetiva.
MATERIAL E MÉTODO
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Esta pesquisa fundamentou-se em uma investigação qualitativa e um estudo de
campo exploratório. Para coleta do material foi utilizada como técnica de pesquisa a
entrevista-narrativa. Por sua vez, a modalidade de análise foi a análise de conteúdo temática,
conforme Bardin (1977). O processo interpretativo-compreensivo referenciou-se nos
conceitos da Psicodinâmica do Trabalho mediante a construção de categorias a priori e a
posteriori do material coletado.
A pesquisa qualitativa corresponde a questões voltadas aos meios sociais e suas
particularidades, sendo uma pesquisa que se preocupa em revelar os diversos significados,
valores, ações, crenças e relações humanas. Tem como foco analisar as singularidades e as
questões subjetivas do sujeito. (MINAYO, 2001).
Segundo Minayo (2001) e Cruz Neto (2001) o trabalho de campo exploratório
consiste na possibilidade de alcançar maior aproximação com o que se deseja conhecer, mas
também tem a possibilidade de criar um novo conhecimento, a partir da realidade vivenciada
no campo.
Por sua vez, a entrevista-narrativa baseia-se em um processo de associação livre,
possibilitando ao entrevistado entrar em contato com suas próprias questões, conteúdos e
singularidade. A narrativa remete à história de vida do sujeito e seu contexto social, podendo
conter elementos desde o seu nascimento até a sua história vivida na atualidade. Para cada
período de vida, o sujeito pode elaborar uma narrativa não somente sobre sua vida interior ou
de suas ações, mas também sobre os atravessamentos interpessoais e sociais que o sujeito
experimentou ou vivencia em sua história. Pode-se considerar uma narrativa de vida a partir
do momento em que o sujeito entrevistado conta a outra pessoa um episódio qualquer de sua
experiência vivida. (BERTAUX, 2010). O autor expôs a definição do que é narrativa de vida,
mas seu estudo é caracterizado pelo recurso metodológico da entrevista-narrativa
desenvolvido por ele, ou seja, o processo investigativo de escuta e compreensão de uma
narrativa de vida.
PARTICIPANTES DO ESTUDO
Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, foram realizadas 2 (duas) entrevistas-
narrativas com 2 (dois) policiais militares voluntários do gênero masculino, de um município
do estado do Paraná, podendo ser de qualquer patente. Deste modo, realizou-se com cada um
deles, de modo individualizado, uma entrevista-narrativa acerca de seu trabalho.
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PROCEDIMENTOS
Na entrevista-narrativa, o participante narrou o que é ser policial militar, a partir de
uma pergunta disparadora feita pelo pesquisador. Cabe esclarecer que esta pesquisa contou
com a aprovação do Comitê Permanente de Ética .... apresente aqui o número do protocolo e
informações afins.As entrevistas foram gravadas e transcritas para análise dos resultados.
Encerrada a pesquisa, propõe-se uma devolutiva para a instituição e, posteriormente, um
artigo final acerca do estudo realizado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da coleta de dados foi organizada uma análise qualitativa das informações
obtidas, cujas quais foram subdivididas em categorias (Organização do trabalho, Condições
de trabalho e Sofrimento no trabalho), buscando identificar e compreender questões
geradoras de prazer e sofrimento no trabalho do policial militar.
A pesquisa foi realizada com dois policiais militares voluntários, nomeados no
decorrer do texto como PM1 e PM2, em respeito ao sigilo dos participantes da pesquisa. O
PM1 é um soldado que atua há quase dois anos na companhia, atualmente trabalha no setor
de patrulhamento da ROCAM – Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas. O PM2 é um
soldado que atua na corporação há cinco anos, passando por diversos setores, atualmente
trabalha no setor administrativo.
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Segundo Dejours (1994) a organização do trabalho pode ser vista como a divisão do
trabalho e a divisão do homem na instituição em que o sujeito atua. O primeiro se distingue
na divisão de tarefas entre os colaboradores, repartição, cadência, e o modelo operário
prescrito. Já o segundo se refere à repartição das responsabilidades, hierarquia, comando,
controle entre outros.
a organização do trabalho atua a nível do funcionamento psíquico. A divisão de tarefas e o modo operatório incitam o sentido e o interesse do trabalho para o sujeito, enquanto a divisão de homens solicita sobre tudo as relações entre pessoas e mobiliza os investimentos afetivos, o amor e o ódio, a amizade, a solidariedade, a confiança etc. (DEJOURS, 1994, p.123).
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A Polícia Militar é uma organização regida por dois eixos principais, a Hierarquia e a
Disciplina, tendo como objetivo treinar sua corporação por meio da divisão do trabalho
(papéis, tarefas e status) que podem determinar condutas e a estruturação das relações da
instituição de comando-subordinação. (MINAYO, SOUZA, CONSTANTINO, 2008).
Segundo as narrativas dos PMs, as relações de poder e comando hierárquico dentro
da instituição são rigorosas e disciplinadas, mas os PMs se adaptaram a esta estrutura militar.
Afirmam que as relações e as decisões a serem tomadas devem ser estritamente respeitadas,
em termos de hierarquia.
Eu não posso chamar um Cabo de você, tem que chamar de Senhor. Os policiais mais antigos têm que chamar de Senhor. (PM2).
é meio complicado porque tem coisas que você pensa de um jeito, a pessoa pensa de outro. Você tem que fazer do jeito que a outra pessoa pensa, por causa do militarismo. (PM1).
Por mais que seja uma instituição regida hierarquicamente, os PMs afirmam ter um
bom relacionamento com os seus colegas de trabalho, independentemente de sua
classificação profissional: “nossa companhia está muito estável, temos respaldo para
trabalhar do comando, nossos pares, soldados, cabos, sargentos. Nos entendemos bem,
estamos todos juntos para fazer segurança pública.” (PM2).
Ainda assim, um dos PMs aponta que no momento de tomada de decisões, em
alguma ocasião ou ocorrência, o diálogo apenas se limita a colegas do mesmo nível
hierárquico, mas ainda tendo que se subordinar a ordem do comando maior.
alguns casos são mais tranquilos porque geralmente trabalha soldado com soldado e acaba decidindo as coisas meio juntas, ainda mais a gente da ROCAM, onde a gente trabalha em equipe. As decisões são tomadas em equipe e é tudo discutido. Por mais que tenha o comandante que manda e desmanda, algumas coisas a gente decide, mas por mais que as decisões sejam em equipe, sempre tem a pessoa que ele fala e o peso é um pouco. (PM1).
Minayo, Souza e Constantino (2008) apontam que a Hierarquia é também a base
sobre a qual se reatualizam, cotidianamente, sinais de respeito, honras, cerimoniais e rituais
de ordem e de disciplina.
O PM2 relatou a primeira atividade do dia do policial militar que atua nesta
organização. Firma o seu trabalho seguindo a ordem e o ideal militarista, mediante o
juramento à bandeira.
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Todo dia, às 8 (oito) horas da manhã a gente tem que apresentar as armas. É uma forma de reverência à bandeira. Todo militar faz isso. Todo mundo sabe que o militar tem um carinho especial pelos símbolos de civismo da pátria. E todos os dias as 8 (oito) horas da manhã a gente tem que entrar em forma, apresentar a arma para a bandeira. Simboliza o militarismo, disciplina, ordem. (PM2)
O PM2 afirma estar satisfeito com a organização de seu trabalho seguindo o
militarismo. Relata que após o juramento à bandeira é destinado um momento, antes de
iniciar o expediente, para discutir, definir e dividir as tarefas a serem realizadas durante a
jornada de trabalho, reforçando as relações no ambiente em que atua: “Eu acho isso uma das
partes boas da polícia. É também uma forma de unir. A gente se reúne todos os dias de
manhã para tomar um café, conversar, trocar uma ideia, passar todas as informações que
aconteceu durante a noite.” (PM2)
A jornada de trabalho dos PMs se inicia com a leitura da ordem do dia, rito matinal
realizado no interior das corporações, como afirma Minayo, Souza e Constantino (2008,
p.117), que visa fortalecer a ideologia militar e seus princípios. Tal rito se constitui da
organização do trabalho e da reiteração do discurso e disciplina que devem reger suas
condutas, corpos e subjetividade:
Silenciosos e em forma, esses profissionais ouvem a divulgação de suas escalas de serviço e advertências. Recebem orientação para a ação específica e são lembrados do modo como devem atender aos cidadãos, às vítimas de acidentes, aos transgressores e a outros que necessitem de seus serviços.
Os PMs afirmam que têm uma extensa jornada de trabalho, principalmente o PM1
que atua com o patrulhamento. Menciona que geralmente trabalha em uma jornada de 12
horas e folga 24 horas, porém relata que muitas vezes acaba trabalhando mais do que sua
jornada de trabalho estabelecida. Este regime de trabalho não afeta apenas seu exercício
profissional na corporação, mas suas relações afetivas e familiares.
Na Polícia não tem hora extra. Tem semana que você trabalha normal, tem semana que tem acionamento, você trabalha mais [...]. Tem horas que você está de folga só que tem acionamento… Você está em casa. Você está de folga aí o pessoal manda um acionamento para todo mundo estar no quartel. Às vezes você tinha programado algo com a sua família, você tem que ir correndo fardar e ir para o quartel sem nem saber o que é o que vai acontecer e você acaba trabalhando mais que o normal, faz algumas horas extras e sem ter um benefício depois. (PM1).
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O reconhecimento profissional é considerado um dos grandes fatores que possibilita
um maior nível de satisfação no trabalho. Os PMs relatam que o comando geral da instituição
reconhece o trabalho de sua tropa, reconhecendo ainda todo o trajeto histórico da instituição,
dispensando maior atenção à organização e às condições de trabalho para estes profissionais.
Eles ainda afirmam que devido a atual crise econômica do país não tem ocorrido a abertura
de novos concursos para promoção e admissão de novos policiais, impedindo que os policiais
atuais possam se desenvolver em seu plano de carreira.
A remuneração é também uma forma de reconhecimento do trabalho realizado. Em
meio a isto, os PMs relatam que estão parcialmente satisfeitos com a sua remuneração,
porém expressam a necessidade de reconhecer e recompensar as horas extras de trabalho.
“Não é um valor muito baixo, não dá para reclamar, porém certas coisas poderiam ser
recompensadas, por exemplo, as horas extras” (PM1). Segundo Minayo, Souza e Constantino
(2008, p.129) “O trabalho mal remunerado, sem reconhecimento e sem perspectivas de
crescimento profissional leva ao baixo desempenho no cumprimento das tarefas.” Desta,
maneira é possível compreender algumas questões originadas pela organização do trabalho
como fontes de sofrimento no trabalho, gerando insatisfação, insegurança e
descontentamento.
CONDIÇÕES DE TRABALHO
Para Dejours (1994) as condições de trabalho devem ser compreendidas a partir das
pressões físicas, mecânicas, químicas e biológicas do local de trabalho. Essas pressões
ligadas ao contexto de trabalho têm como foco o corpo dos trabalhadores, onde são gerados
desgaste, envelhecimento e doenças somáticas aos mesmos.
Minayo, Souza e Constantino (2008) afirmam que as condições materiais, técnicas e
ambientais de um trabalhador é fundamental para o bom desenvolvimento de sua atividade.
Os PMs revelam estar insatisfeitos com alguns fatos que simbolizam a precarização do
trabalho.
Os PMs narram que a crise econômica atual do país, federal e estadual, diminuiu o
investimento na segurança pública, refletindo na corporação, na qual eles atuam. Um dos
policiais assinala que a falta de verba tem dificultado a alimentação e a manutenção das
viaturas, gerando obstáculos à execução de suas atividades. Muitas vezes o investimento para
garantir uma melhor condição de trabalho acaba saindo do próprio bolso do trabalhador.
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A manutenção da viatura é mais complicada. É muita gente que usa, fica trocando de mão e mão. É mais complicado de você mesmo pagar e nos últimos meses o governo parou de pagar a manutenção de todas as viaturas. [...]. Você vai trabalhar sabendo que às vezes tem que pagar para trabalhar. Para ter uma condição de trabalhar, não precisa ser nem uma condição boa de trabalho, mas para você conseguir você tem que pagar e isso desanima bastante. (PM1).
Minayo, Souza e Constantino (2008, p.133) demarcam que o peso dos equipamentos
do policial militar pode ser bastante estressor em seu cotidiano, o que oportuniza gerar
adoecimento no sujeito como dores musculares, desconforto entre outros.
O policial tem um equipamento pesado: o colete, o fuzil, a munição, o rádio. Se você pesar este equipamento, o policial está carregando ali uma quantidade de peso que se torna desfavorável para o terreno em que está operando. Não são aparelhos modernos que facilitariam. Eles se tornam desfavoráveis.
Em relação aos armamentos, os PMs assinalam que a arma oficial do policial é a
pistola, mas afirmam não estar satisfeitos com este armamento, pois muitas destas armas vêm
danificadas de fábrica ou são antigas, desatualizadas. Eles afirmam que as armas que
geralmente vêm danificadas são armas fabricadas no Brasil, advindas de um acordo realizado
com a segurança pública do país, definindo que as armas dos policiais devem apenas ser
compradas do fabricante da marca Taurus. “a Taurus aqui no Brasil a gente considera de má
qualidade, dá muito problema, muito incidente de tiro” (PM1).
Ainda sobre a qualidade e a falta de armamento adequado para a execução da
atividade profissional, o policial afirma que a maioria das armas é antiga, principalmente o
armamento longo, sendo muitas vezes impedido de usar devido às avarias.
tem uma carabina muito antiga só que não pode ser usada porque está em um inquérito policial. [...] Está enferrujando, muito velha. A carabina é uma arma que foi criada antes da guerra mundial, você só usa porque não tem outra, já era usada na polícia há um tempo atrás, aí depois parou de usar, parou de comprar, só que por falta de armamento até hoje tem que usar. (PM1).
Como asseveram Minayo, Souza e Constantino (2008), a arma pode significar o
equipamento de trabalho mais valorizado pelo policial militar por ser o instrumento de
trabalho que, simbólica e concretamente, lhes confere poder para agir como policiais e se
defender dos ataques dos criminosos.
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Desta maneira, pode-se ver através do militarismo o quanto a organização do trabalho
e suas relações hierárquicas têm dificultado a existência de um espaço de negociação e
discordância, não permitindo uma abertura para a expressão do sofrimento criativo. Visto
que, neste cenário, não pesa apenas no corpo o equipamento utilizado para o desempenho do
trabalho, mas também na vida subjetiva desses policiais militares.
SOFRIMENTO NO TRABALHO
Para Dejours (1992) a noção de sofrimento é central e implica um estado de luta do
sujeito contra as forças que estão o empurrando em direção à doença mental. Por outro lado,
o autor afirma que é na organização do trabalho que se deve procurar essas forças. Ao
instalar-se o conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico dos
homens, quando estão bloqueadas todas as possibilidades de adaptação entre a organização
do trabalho e desejo dos sujeitos, emerge o sofrimento patogênico.
Segundo Minayo, Souza e Contantino (2008) o estresse ocupacional é constituído por
um processo em que o sujeito reconhece suas demandas de trabalho como estressores, as
quais, ao exercer sua habilidade de enfrentamento, resultam em reações negativas, podendo
causar o adoecimento físico ou mental no sujeito.
Em seus diversos setores administrativos e operacionais da Polícia Militar, os PMs
sinalizam que um dos setores em que mais causa estresse é o COPOM – Centro de
Operações do Policial Militar. Afirmam que o atendimento ao público são as mais
estressantes, pois o público acaba não compreendendo o trabalho do policial. “é estressante
você ter que ficar ouvindo o problema dos outros e o povo não entende... por telefone eles
não estão vendo o policial, aí xinga, não entende o procedimento de atendimento da polícia”.
(PM2).
A exaustão de um trabalho repetitivo pode gerar várias reações negativas e somáticas
no trabalhador. Alguns sintomas são efeito do estresse, resultado do trabalho de um dos
policiais.
No COPOM foi que eu tive meus maiores problemas, porque um certo dia eu estava lá fazendo os meus relatórios, atendendo o telefone, aí eu percebi que eu estava tendo tiques, como se tivesse tendo um ataque epilético… O dia inteiro, você na sua folga, você chega em casa parece que ficava com o telefone tocando, qual telefone? Não tinha telefone, então era muito estressante. (PM2).
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Frente a todas essas reações o PM relatou ter sofrido várias convulsões devido ao
exercício de seu trabalho. Por meio de vários exames o mesmo foi diagnosticado com
conversão1, devido ao alto nível de estresse e insatisfação profissional que esteve submetido
em sua organização do trabalho.
Dejours (1992) afirma que o trabalhador inserido numa determinada organização de
trabalho desenvolve uma carga psíquica resultante das excitações exógenas e endógenas
pelas quais é submetido constantemente. Estas são acumuladas, retidas, culminando na
chamada tensão psíquica. Toda energia pulsional acumulada necessita de uma via de
descarga, isto é, precisa ser canalizada de maneira apropriada. Nesta via de descarga o
trabalhador deveria encontrar na própria organização do seu trabalho meios de assegurar um
equilíbrio, rebaixando a tensão e consequentemente diminuindo a carga psíquica. Mas, o que
se nota na organização do trabalho relatada acima, é exatamente o oposto, tornando o
trabalho fatigante por não oferecer a via de descarga necessária. A energia é acumulada e
ocorre conflito entre o desejo do trabalhador e a real organização do trabalho.
Quando a organização é muito rígida, o trabalhador não pode adaptar o trabalho a sua
personalidade, às suas competências, pois a tarefa não é compatível com seu nível de
qualificação e singularidades. Assim, surge a frustração, a insatisfação e o sofrimento do
trabalhador, sofrimento este que pode ser manifestado ou não, uma vez que é controlado por
um sistema de defesas. O trabalhador se sente impotente quando, ao usar seus mecanismos
de defesa, constata que é incapaz de mudar a tarefa ou de encontrar uma significação ao
realizá-la. Neste contexto, os mecanismos de defesa ou as estratégias defensivas têm como
principal objetivo camuflar o sofrimento existente, o que explica o fato de trabalhadores
apresentarem características de normalidade aparente mesmo estando em processo de
sofrimento psíquico. (DEJOURS, 1992).
Utilizam estratégias coletivas de defesa para não desistirem do trabalho e nem
adoecerem física e psicologicamente. São estratégias que, ao serem elaboradas
coletivamente, situam o trabalhador como sujeito do processo de trabalho. Assim, a despeito
das pressões da organização do trabalho, o grupo recorre ao saber prático, utilizando-se da
margem de liberdade entre o trabalho prescrito e o real, para intervir no contexto laboral de
modo a torná-lo congruente com os seus desejos e necessidades – o que garante, inclusive, a
produção e a prestação de serviços.
1 Histeria de Conversão: evidência de sofrimento psicológico na forma de clara associação no tempo a acontecimentos e problemas estressantes ou relacionamentos perturbados (F44, CID 10).
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Segundo o relato dos policias, diversas estratégias coletivas de defesa são utilizadas
para facilitar e minimizar os danos recorrentes as organização e condições do trabalho desta
instituição. São mencionadas as buscas por alternativas para o conserto de viaturas (como
pedir patrocínios ou pagar do próprio bolso); conversas informais entre os colegas de atuação
(forma de disponibilizar um momento de escuta, minimizando e elaborando o sofrimento
criativo) oriundo da carga horária extensa de trabalho, entre outras situações.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o trabalho do policial militar, como qualquer outro trabalho, pode ser
gerador de prazer e sofrimento aos sujeitos que o realiza. Contudo, é importante decifrar a
singularidade do sofrimento vivenciado pelos trabalhadores e os agravos que uma categoria
profissional está exposta em determinada instituição, aspectos estes que a Psicodinâmica do
Trabalho e o recurso metodológico das narrativas permitem explicitar.
Nesses termos, o sofrimento no trabalho é gerado a partir da organização laboral e
das consequências advindas das condições de trabalho destes profissionais. As principais
fontes geradoras do sofrimento puderam ser identificadas e analisadas a partir das categorias
temáticas localizadas no material narrativo: Organização do trabalho, Condições de trabalho
e Sofrimento no trabalho. Embora elencadas de modo separado, estas categorias devem ser
consideradas como interdependentes, haja vista que as mesmas foram analisadas em conjunto
para melhor compreensão da complexidade do trabalho dos policiais militares.
A entrevista-narrativa foi o método que permitiu aproximar o pesquisador da
realidade do trabalho dos policiais militares. Além disso, propiciou ao próprio trabalhador,
ao recordar e relatar a realidade do trabalho real, por meio do discurso, reencontrar seu
histórico profissional e psicossocial. Um processo de ressignificação do seu labor,
identificando expressões de prazer e sofrimento, cujos principais marcos são as contradições
e os manejos para dar conta de uma realidade desafiadora.
Por intermédio dos resultados obtidos com a pesquisa, pudemos formalizar a
importância dos estudos em Saúde do Trabalhador, desvelando que todo trabalho é gerador
de sofrimento aos sujeitos que o realiza, o que demanda compreender quais são os destinos
do mesmo e seus efeitos sobre o processo de saúde-doença-trabalho a fim de identificar os
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feixes que compõem essa intricada relação, oportunizando meios para reconstruir uma
realidade de trabalho mais saudável.
Os objetivos desta pesquisa foram alcançados por meio da metodologia utilizada,
instrumentalizados à luz da Psicodinâmica do Trabalho desenvolvida por Dejours. O
resultado deste estudo tornou-se um excelente analisador e revelador da organização real do
trabalho com a participação dos próprios sujeitos participantes da pesquisa. Sendo o trabalho
um espaço de construção de sentidos, de conquista da identidade, da continuidade e
historicização dos sujeitos, pautada na apreensão da dinâmica da relação sujeito-organização
do trabalho, é possível reinventar o trabalho como um mecanismo de construção do homem.
Por fim, este estudo propôs uma reflexão a partir das possibilidades e dificuldades
relatadas pelos policiais militares, promovendo tanto o sofrimento e o adoecimento desses
trabalhadores quanto saídas para transformá-los. Pode-se ressaltar a importância da
continuidade de pesquisas deste teor, visto que há uma carência bibliográfica nos estudos de
segurança pública que tange o sofrimento e a saúde do trabalhador neste contexto
profissional.
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