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EducaçãodoCampo,ArteseFormaçãoDocente/RuralEducation,ArtsandTeachertraining

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EDUCAÇÃO DO CAMPO, ARTES E FORMAÇÃO

DOCENTE

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EDUFTCícero da Silva

Cássia Ferreira Miranda Helena Quirino Porto Aires

Ubiratan Francisco de Oliveira(Orgs.)

EDUCAÇÃO DO CAMPO, ARTES E FORMAÇÃO

DOCENTE

Palmas – TO 2016

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Tocantins – SISBIB/UFT

E24 Educação do campo, artes e formação docente / Cícero da Silva, Cássia Ferreira Miranda, Helena Quirino Porto Aires, Ubiratan Francisco de Oliveira (orgs). – Palmas/TO: EDUFT, 2016.244 p.:il.

ISBN: 978-85-60487-12-7

1. Educação do Campo. 2. Formação docente. 3. Artes. 4. Práticas pedagógicas. I. Título.

CDD 370.71

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos

direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

ReitoraIsabel Cristina Auler Pereira

Vice-ReitorLuis Eduardo Bovolato

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação

Raphael Sanzio Pimenta

Diretor de PesquisaGuilherme Nobre L. Nascimento

Conselho EditorialWaldecy Rodrigues (Presidente)

Claudionor Renato da SilvaJorge Luís FerreiraLiliana Pena Naval

Milanez Silva de SouzaRenata Junqueira Pereira

CapaSings sunflower. 2017. Renata Lopes

Cipriano/ Tássia Martins Cipriano/ Clivia Iasmim Lima de Souza/ Leidiane Gomes da Silva Lima/ Andreza Sousa de Castro/

Marilda Pereira da Silva

Projeto Gráfico e DiagramaçãoM&W Comunicação Integrada

Revisão GramaticalCícero da Silva / Neusa Teresinha Bohnen

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

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DEDICAMOS ESTE LIVRO

Aos companheiros Flavio Moreira (in memoriam) e Claudemiro Godoy do Nascimento (in memoriam), pelas lutas empreendidas em prol da educação do campo, especialmente no estado do Tocantins.

A todo(a)s o(a)s camponeses (a)s e professores (a)s das escolas do campo, vinculado(a)s aos cursos de licenciatura em Educação do Campo, que lutam por uma formação de qualidade para o fortaleci-mento do ensino básico no meio rural brasileiro.

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SUMÁRIO

Prefácio ...................................................................................................09

Introdução ..............................................................................................15

Parte I – Educação do campo, alternância e questões agrárias ................23

Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins............................................................ 25Rejane Cleide Medeiros de Almeida

A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento......................................................................................53Helena Quirino Porto Aires

Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo.................87Cássia Ferreira Miranda e Maciel Cover

Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da UFT, Câmpus Tocantinópolis.......................................................................................105Ubiratan Francisco de Oliveira

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção do desenvolvimento territorial: um estudo sobre a região norte do estado do Tocantins.......................................................................................... 123Sidinei Esteves de Oliveira de Jesus e Rosa Ana Gubert

Parte II – Artes e educação do campo...................................................145

Arte/educação no campo: algumas reflexões..........................................147Gustavo Cunha de Araújo

Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais no norte do Tocantins .......................................................169Leon de Paula, Marcus Facchin Bonilla e Cícero da Silva

Música e educação do campo na UFT: reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis .................................195Mara Pereira da Silva e José Jarbas Pinheiro Ruas Junior

Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro..................................................................................................219Anderson Fabrício Andrade Brasil

Informações sobre os organizadores e colaboradores da coletânea.........239

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PREFÁCIO

Com muita honra recebi o convite para prefaciar o livro Educação do campo, artes e formação docente. As lembranças da luta para criar o primeiro curso de Licenciatura em Educação do Campo, na Universidade Federal de Minas Gerais em 2004, e o desafio de registrar essa experiência em uma publicação semelhante em 2010, voltaram à minha mente e passo a descrever algumas.

Em 2016, já foi possível avaliar os resultados pelos editais do Ministério da Educação para a criação de novos cursos e a constatação de que estávamos com cerca de 44 cursos em funcionamento. Desafios, possibilidades, ousadia e ruptura são palavras que marcaram essa caminhada. Em cada universidade houve grupos de professores e estudantes que provocaram as estruturas acadêmicas ao propor a inclusão de um curso de graduação no rol de formações já consolidadas, em termos de conteúdos, na forma de organização dos processos formativos e no perfil dos sujeitos atendidos.

E não foi diferente na Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis, microrregião do Bico do Papagaio, na criação do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, a partir da adesão ao Edital SESU/SETEC/SECADI nº 02/2012. O curso é um ponto de referência que marca a longa caminhada em torno do desenvolvimento de projetos de formação continuada de educadores na perspectiva da educação do campo, no envolvimento, na realização de eventos e no

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Educação do campo, artes e formação docente

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desenvolvimento de pesquisas. Nessa experiência, pode-se ressaltar a parceria da universidade com os movimentos sociais e sindicais.

Ao ler o livro, toma-se conhecimento de que o fator decisivo para a concretização do curso foi a demanda dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, expressa por meio de organizações sociais locais.

O livro também discute a concepção de artes e música entendida como uma forma de linguagem que acessa a sensibilidade, a imaginação, o poético e o estético na luta política, no fortalecimento identitário e na ampliação das possibilidades de compreender o mundo. Como registra Carvalho (2015, p. 47)1: “Uma proposta de arte que se propõe a estimular o debate a respeito de questões políticas e sociais em uma perspectiva de que a obra de arte é também uma ação política do artista.”

Desafio considerável se levarmos em conta que o curso propôs uma temática formativa que provocou pelo menos duas ousadias. A primeira diz respeito ao direito de acesso, por parte da população campesina, aos saberes e práticas de uma área do conhecimento que tem sido historicamente ocupada por um pequeno grupo de pessoas. A segunda coloca a arte para além da distração, do lazer, da fruição ao reafirmar sua dimensão política, sua força como conhecimento criativo e transformador das estruturas instituídas.

1 Em sua dissertação: CARVALHO, C. A. S. Práticas artísticas dos estudantes do curso de licenciatura em educação do campo: um estudo na perspectiva das representações sociais. Mestrado em Educação. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015.

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Prefácio

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Outra lembrança. Certa vez ouvi uma artesã do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, responder a um comentário de uma pessoa que estava interessada em comprar bonecas de barro: “Você deve ser uma pessoa feliz, pois fazer bonecas é como brincar a vida toda”. E a artesã respondeu: “Eu moldo bonecas e neste fazer eu brinco, ganho a vida e digo o que acho que é ser mulher”. Foi com essas palavras que aquela artesã ensinou à outra mulher o sentido da arte como prática concreta, produtora e produto da existência real das pessoas.

Nessa perspectiva, li a descrição do projeto feito com o tema gerador Direito à memória e à verdade, trabalhado no curso como uma forma de lidar com “[...] o silêncio relacionado a esses acontecimentos que imperam na região [...]”, fazendo referência às consequências da Guerrilha do Araguaia ocorrida na região no período da Ditadura Militar.

A perspectiva da arte como prática política se anuncia na estrutura do livro. Na Parte I, são abordados temas como movimentos sociais do campo e práxis política, a pedagogia da alternância, interdisciplinaridade, identidade e reforma agrária, princípios estruturantes da educação do campo. O diálogo com a literatura disponível sobre a formação de educadores do campo e a busca de formatos metodológicos que buscam a participação dos sujeitos e o tensionamento entre teoria e prática (seminários integradores, temas geradores, oficinas pedagógicas) aparecem com centralidade no curso. Por meio desses temas, a articulação entre projeto de escola, de campo e de sociedade assume prioridade na formação dos educadores. A ênfase na articulação entre tempo universidade

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e tempo comunidade sinaliza para uma perspectiva formativa que direciona o compromisso da superação do modelo social de produção e reprodução da realidade que exclui os sujeitos do direito à vida.

Na Parte II, temos as práticas formativas com a produção de vídeos, músicas e reflexões teóricas sobre as artes na formação de educadores. Nelas identifica-se como é possível articular as práticas artísticas com as questões concretas da realidade campesina bem como as relações estabelecidas com outras áreas do conhecimento. Não há como não se envolver na atividade de produção de vídeos ao ver estudantes produzindo audiovisuais e registrando suas experiências no Diário de processo criativo. Os sujeitos de direito são a referência que articula essas práticas, que dá sentido aos diferentes percursos e instrumentos pedagógicos utilizados na formação. Foi possível entender o que significa a arte como práxis, como conhecimento e técnica produtora de indignação e de esperança.

Enfim, é uma produção no e sobre o curso. Queremos ressaltar que o livro deixa ver uma contribuição relevante por parte dos sujeitos que estão construindo o curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da Universidade Federal de Tocantins (UFT). Cada capítulo traz a marca e os sujeitos que estão construindo a experiência.

Um ponto de destaque é a criação do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (Gepec/UFT), em torno do qual se discute, sistematiza, analisa e registra as atividades desenvolvidas. O que se lê são descrições densas, análises consistentes, metodologias adequadas e o compromisso com a produção de conhecimento como parte

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Prefácio

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indissociável da formação. Há uma produção de conceitos, de categorias e de metodologias que pode sinalizar para formas diferenciadas para articular ensino, pesquisa e extensão no âmbito acadêmico.

Fico pensando que a tarefa desenvolvida pelo grupo do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música pode se constituir como uma referência para todos que estão envolvidos na construção das licenciaturas em Educação do Campo em suas instituições. Registrar, sistematizar e analisar as práticas formativas são ações que potencializam e fertilizam nossas lutas!

Esses aspectos sinalizados só assumem amplitude em função de uma característica presente em todos os textos, da apresentação ao currículo dos autores. Os sujeitos e o contexto campesino estão presentes nas práticas cotidianas do curso. As temáticas relacionadas aos desafios para produzir e reproduzir a vida são conteúdos trabalhados com o uso de metodologias comprometidas com um conhecimento capaz de gerar transformações na realidade. Os autores possuem trajetórias de envolvimento com o campo e seus sujeitos. Por isso é que o livro é pleno de vida, com suas contradições, desafios e possibilidades.

Maria Isabel Antunes-RochaProfessora associada da FaE/UFMG. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (Nepcampo/UFMG). Membro da Comissão Nacional do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e da Comissão Estadual de Educação do Campo de Minas Gerais. Desenvolve pesquisas com as seguintes temáticas: formação e prática docente, educação do campo, representações sociais.

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INTRODUÇÃO

A obra Educação do campo, artes e formação docente, gestada de pesquisas e trabalhos desenvolvidos no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da Universidade Federal de Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis, traz reflexões a respeito das experiências na formação inicial de educadores e educadoras do campo na microrregião do Bico do Papagaio, estado do Tocantins. As investigações aqui relatadas reforçam que a reflexão acerca da prática docente pode contribuir significativamente para a implementação de práticas didático-pedagógicas interdisciplinares na educação do campo.

Ao produzir esta obra, os autores assumiram o compromisso de romper barreiras impostas a essa modalidade de educação. Os trabalhos produzidos à luz das concepções teórico-metodológicas da educação do campo, pedagogia da alternância e artes trazem críticas, sugestões e reflexões de fundamental importância para a afirmação de um projeto de educação condizente com a realidade dos camponeses, seja no ensino básico ou superior.

Em sua maioria, as pesquisas que resultaram nos trabalhos que compõem esta obra foram desenvolvidas no âmbito das atividades científicas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo – Gepec (UFT/CNPq). O grupo foi criado em agosto de 2015 e está vinculado ao curso de Licenciatura em Educação do Campo com

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habilitação em Artes e Música da Universidade Federal de Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis. Além de ser um espaço de debate a respeito das tendências teórico-metodológicas que se vinculam, principalmente, à educação do campo, as discussões realizadas no Gepec também permitiram aos professores/pesquisadores refletir acerca da própria prática didático-pedagógica.

Os capítulos do presente livro estão organizados em duas partes, conforme escopo das pesquisas. A Parte I – Educação do campo, alternância e questões agrárias traz cinco capítulos; a Parte II – Artes e educação do campo apresenta quatro trabalhos.

A primeira parte inicia com o capítulo Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins, de Rejane Cleide Medeiros de Almeida. A autora discute a trajetória de luta por uma educação do campo no estado de Tocantins, sobretudo, a participação dos movimentos sociais nessa construção. Explicita a concepção dessa modalidade de educação, de movimentos sociais e suas características enquanto sujeitos do campo. O texto traz também um breve histórico do Programa Projovem Campo – Saberes da Terra, Experiências em Educação do Campo – UFT-TO, bem como a trajetória do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da Universidade Federal de Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis, para a formação de professores.

Em seguida, no capítulo A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento, Helena Quirino Porto Aires focaliza experiências formativas na educação básica em

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Introdução

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uma escola família agrícola (EFA). O texto apresenta uma breve contextualização da educação do campo no Brasil e enfatiza a proposta da pedagogia da alternância como alternativa viável para os povos que vivem no e do campo. Em seguida, são expostos os caminhos percorridos para a realização da pesquisa e elucidados os encaminhamentos metodológicos (escolha dos participantes, instrumentos utilizados na coleta de dados e organização das entrevistas).

Na sequência, apresenta-se um histórico da trajetória da pedagogia da alternância e seus aportes teóricos. Discutem-se também as concepções das propostas de educação por alternância, com destaque à legislação que a respalda. Na análise dos dados, a autora apresenta os registros verbais acerca do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da EFA de Porto Nacional, a caracterização da referida escola, as percepções e os pontos de vistas expressos nos relatos dos entrevistados. Com base em algumas considerações, a autora retoma o tema, discute os resultados obtidos na pesquisa de campo e reforça a necessidade da ampliação e do aprofundamento de estudos que analisem a educação por alternância na perspectiva dos estudantes, pais e comunidade.

No capítulo Interdisciplinaridade e licenciatura em educação do campo, Cássia Ferreira Miranda e Maciel Cover apresentam experiências do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal de Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis. Miranda e Cover mencionam as estratégias utilizadas para efetivar a interdisciplinaridade com base

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na proposta formativa do curso e analisam o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e as experiências com a realização de atividades vinculadas às disciplinas Seminários Integradores I, II, III e IV nos tempos2 universidade e comunidade.

Em Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT – Câmpus Tocantinópolis-TO, Ubiratan Francisco de Oliveira apresenta algumas reflexões sobre a criação e o funcionamento, a partir das experiências metodológicas, do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT, explicitando as características próprias da educação, dos sujeitos e sujeitas do campo. Traz uma experiência de atividade com os alunos do curso sobre a “História de Vida”, desenvolvida no tempo universidade e tempo comunidade.

Para fechar a primeira parte, a obra traz o capítulo A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção do desenvolvimento territorial: um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins, de Sidinei Esteves de Oliveira de Jesus e Rosa Ana Gubert. O trabalho apresenta resultados de um estudo a respeito da importância da reforma agrária e da educação do campo no Brasil,

2 Inspirado na proposta formativa da Pedagogia da Alternância, o curso de licenciatura caracterizado adota dois tempos e dois espaços formativos diferentes: Tempo Universidade (período de aulas na universidade) e Tempo Comunidade (período de permanência no meio socioprofissional ou comunidade, espaço social em que os discentes desenvolvem suas pesquisas, isto é, estabelecem a relação teoria/prática).

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Introdução

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como meios para tentar resolver os confrontos pela posse de terra entre latifundiários e camponeses.

É assumida na pesquisa a abordagem qualitativa, conduzida a partir de levantamentos bibliográficos baseados em autores/pesquisadores que têm se debruçado sobre essa temática nos últimos anos. Fundamentam o trabalho autores como Oliveira (2007), Fernandes (2008), Feliciano (2006), Guanziroli et al. (2001) e outros das ciências sociais que acreditam que a estratégia para solucionar a questão agrária atual seja a realização de uma reforma agrária de forma justa. No contexto da educação do campo, Fernandes e Molina (2004) e Rodo e Enderle (2012) são alguns dos autores utilizados para discutir a importância da educação no campo para os movimentos sociais campesinos.

Iniciando a segunda parte – Artes e educação do campo –, Gustavo Cunha de Araújo, em Arte/educação no campo: algumas reflexões, propõe-se a desenvolver algumas reflexões sobre a importância da arte na educação do campo a partir de uma pesquisa teórica realizada nesses dois campos de conhecimento. De abordagem qualitativa e de caráter descritivo e interpretativo, as reflexões produzidas nessa pesquisa teórica são frutos de leituras realizadas a respeito da história do ensino de arte no Brasil dos últimos trinta anos, a estética sociológica e a educação do campo, sendo esta última área recente de pesquisa.

Araújo defende em sua pesquisa que a arte possibilita ao estudante jovem e adulto do campo desenvolver um olhar crítico a partir do contato com diversas manifestações artísticas, suas matrizes

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Educação do campo, artes e formação docente

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teóricas e seus diferentes procedimentos técnicos. A arte tem papel fundamental na educação do campo ao produzir novas ideias e saberes. Pesquisar a temática arte/educação na educação do campo é uma forma de contribuir para a produção de conhecimento nessa área e para outros grupos de pesquisadores que se interessam por essa temática.

Nesse sentido, o estudo pode contribuir de maneira significativa para a área focalizada, pois há escassez de pesquisas no Brasil sobre arte/educação no campo.

Em seguida, temos o capítulo Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais no norte do Tocantins, elaborado pelos autores Leon de Paula, Marcus Facchin Bonilla e Cícero da Silva, que discute a produção de audiovisual realizada por discentes do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal de Tocantins (UFT), nas disciplinas Seminário Integrador I e Seminário Integrador II. As obras produzidas integraram a I e II Mostras de Vídeos de 1 Minuto do curso de Educação do Campo, cujas temáticas eram A comunidade (semestre 2014-2) e Vida em imagem e som (semestre 2015-2). Além de aspectos estéticos vinculados à música e às artes visuais, os autores analisam a produção escrita do Diário de processo criativo, gênero discursivo utilizado pelos educandos e educandas como registro escrito do desenvolvimento das diferentes etapas ou atividades, e o resultado final de suas obras de arte.

O penúltimo capítulo, Música e educação do campo na UFT: reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e

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Introdução

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Tocantinópolis, por Mara Pereira da Silva e José Jarbas Pinheiro Ruas Junior, analisa as matrizes curriculares que constam no PPC dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal de Tocantins (UFT), Câmpus Tocantinópolis, e Artes Visuais e Música, Câmpus Arraias, dando ênfase às disciplinas da habilitação Música. Para tanto, partiu-se da abordagem qualitativa e quantitativa para analisar o PPC de ambos os cursos, levando-se em consideração posicionamentos de autores da educação musical. Os resultados da pesquisa sinalizam a necessidade de formular um currículo musical que fuja da tendência conservatorial para atender as demandas da educação do campo.

Para fechar a obra, o capítulo Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro, de Anderson Fabrício Andrade Brasil, discute de que forma o ensino de música pode contribuir para a formação de um profissional reflexivo, capaz de dialogar e construir metodologias alicerçadas pela compreensão e aceitação da subjetividade do outro. Por focalizar especificamente fenômenos sociais, o autor enfatiza, desde a primeira seção do capítulo, que a educação musical é tomada no estudo como área autônoma e, por seguinte, as interfaces que ela estabelece com outras ciências para responder a tais fenômenos.

Ainda de acordo com a pesquisa de Brasil, a utilização da educação musical como instrumento de transformação social requer um diálogo estreito com certas áreas do conhecimento para entendê-la enquanto ciência. Nesse arcabouço teórico, precisaremos pensá-la epistemologicamente, compreendendo-a como uma área de

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conhecimento relativamente jovem, mas que apresenta elementos capazes de potencializar a transformação social.

Por fim, esperamos que esta obra ajude a fortalecer as raízes da educação do campo, de modo especial, a formação de educadores e educadoras. A todos e a todas, desejamos boa leitura!

Tocantinópolis-TO, 26 de outubro de 2016.

O(A)s organizadores (a)s.

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Parte IEducação do campo, alternância

e questões agrárias

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Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no

TocantinsRejane Cleide Medeiros de Almeida3

1 Introdução

Os movimentos sociais, tema deste capítulo, são ações coletivas de caráter sociopolítico e cultural com variadas formas de organiza-ção. Elaboram diagnósticos sobre a realidade social e desenvolvem proposições para mudanças. Por isso é que se discute sua importância na trajetória da luta por uma educação do campo. A reflexão sobre educação do campo está na dimensão educativa das práxis política e social, retomando a centralidade do trabalho, da cultura, da luta social, enquanto matrizes educativas da formação do ser humano, e observando a intencionalidade dessas práticas pedagógicas em um projeto educacional que pretende ser emancipatório.

Este texto tem por objetivo refletir sobre a trajetória de luta por uma educação do campo no estado do Tocantins, apresentando des-de a trajetória dessas experiências até a identificação do protagonis-

3 Doutoranda em Sociologia. Professora do curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected].

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mo dos movimentos sociais do campo nessa construção. Discute-se, também, o papel dos movimentos sociais do campo na condução do processo de luta pela educação do campo no estado, por constituir o campo material de resistência às práticas políticas conservadoras que não identificam a realidade social e cultural desse espaço. Como elemento relevante do processo de luta dos movimentos sociais, bus-ca-se refletir sobre o aspecto educativo da luta política por uma edu-cação do campo.

O capítulo é fruto de pesquisa desenvolvida junto ao Programa Projovem Campo – Saberes da Terra, acompanhado pelos movimentos sociais que, no seu primeiro momento (2010-2012), contribuiu para a formação de professores do campo e potencializou o debate para a organização do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da Universidade Federal de Tocantins (UFT), Câmpus Tocantinópolis, configurando-se como materialidade de uma práxis política. A metodologia se embasou na análise de do-cumentos do MEC/Secad, na leitura de autores que oferecem aportes teóricos para as reflexões sobre o tema e no acompanhamento realiza-do junto aos referidos programas e sua elaboração.

O resultado das reflexões apontou para o sentido que os mo-vimentos sociais do campo apresentam na luta por uma educação do campo no Tocantins, e têm na sua trajetória histórica a luta pela terra e pela educação dos trabalhadores que nela vivem e trabalham.

2 Movimentos sociais: conceitos e características

Para Gohn (2011, p. 336), os movimentos sociais

[...] possuem identidade, têm opositor e articulam ou fundamentam-se em um projeto de vida e de socieda-de. Historicamente, observa-se que têm contribuído para organizar e conscientizar a sociedade; apresentam

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conjuntos de demandas via práticas de pressão/mobili-zação; têm certa continuidade e permanência. Não são só reativos, nem são movidos apenas pelas necessidades (fome ou qualquer forma de opressão); podem surgir e desenvolver-se também a partir de uma reflexão sobre sua própria experiência. Na atualidade, apresentam um ideário civilizatório que coloca como horizonte a cons-trução de uma sociedade democrática.

Um aspecto relevante para este estudo é compreender a rela-ção entre movimentos sociais e classes sociais, analisar a composição social deles, a hegemonia no interior da sociedade. Viana lembra que é indispensável o acompanhamento do conceito social, entendendo que movimento social é um movimento de um grupo social. “Consi-deramos mais adequado pensar essa categoria como sendo desloca-mento no tempo e/ou no espaço. O deslocamento espacial significa ir de um lugar para outro e o temporal significa sofrer alterações em sua composição original” (VIANA, 2015, p. 22).

Nesse sentido, um movimento social só existe quando o con-junto de pessoas que o constitui possui algo em comum, que vai desde aspectos biológicos, por exemplo, raça e sexo, até aspectos culturais e ideológicos, que, nesse caso, se constitui em projeto político ( JEN-SEN, 2014).

Jensen (2014) elabora uma reflexão em que destaca que o movi-mento social é importante para o seu grupo social, pois desenvolve um processo de experiência e de consciência nos seus membros, sobretudo, porque adquire unidade e organicidade política, modificando os seus componentes, e, consequentemente, a sociedade, o que implicaria em mudança social.

Partindo da premissa de que todo movimento social é provo-cado pelas determinações das relações de produção, e que, por con-seguinte, são relações de classes sociais, elencam-se alguns elementos fundantes para o entendimento do que são movimentos sociais. O

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primeiro elemento é entender a relação entre movimentos sociais e classes sociais como formas de lutas, de resistências e de consciência. O outro elemento é pensar no movimento do capital e a dinâmica imposta pelo desenvolvimento desse modo de produção. E, sobretu-do, no processo de mercantilização das relações sociais que esse sis-tema promove e que provoca o surgimento dos movimentos sociais.

Sobrepostos a todos esses elementos destacados, têm-se a he-gemonia e a cultura que se delineiam em todos esses processos. Isso quer dizer que os movimentos sociais não podem ser entendidos fora da totalidade, que é a sociedade (VIANA, 2015).

Um movimento social existe quando há um princípio de iden-tidade construído coletivamente ou de identificação em torno de in-teresses e valores comuns no campo da cidadania. Existe também quando há a definição coletiva de um campo de conflitos e de adver-sários centrais nesse campo, bem como a construção de projeto de transformação ou de utopias comuns de mudança social nos campos societário, cultural ou sistêmico.

No Brasil, em que a modernidade emergente trouxe consigo as evidências de um sistema de desigualdades, projetadas por forças de conflitos e lutas sociais no cenário público da sociedade brasileira, a desigualdade social é trazida para o lugar em que a linguagem elabora promessa de futuro. E sua ação se faz visível na sua capacidade de interromper o ciclo da natureza e dar início a um novo começo.

Nessa perspectiva, a expressão movimentos sociais diz respeito aos processos, não só aos institucionalizados e aos grupos que desen-cadeiam as lutas políticas, mas também às organizações e aos discur-sos que fomentam as manifestações e os protestos com a finalidade de mudar, de modo frequentemente radical, a distribuição vigente dos direitos civis, políticos e sociais, as formas de interação entre o individual e os grandes ideais universais. Os movimentos sociais, por-tanto, são parte constitutiva das tramas sociais e políticas modernas.

Os sujeitos que compõem os movimentos sociais desenvolvem

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uma práxis que alimenta as ações políticas para a organização de suas demandas e de seus repertórios políticos. Nesse sentido, faz-se neces-sário conhecer as dimensões da práxis e de seus elementos norteadores.

3 As dimensões da práxis

A palavra práxis é de origem grega e foi empregada na Anti-guidade como ação, atividade humana. Práxis designava uma ação que tem um fim em si mesma e que não cria ou produz um objeto alheio ao agente ou à sua atividade. O termo foi usado por Aristó-teles, que lhe deu um significado de praxeis, no sentido de descrever as atividades vitais dos animais e o movimento das estrelas, mas pro-vocava reflexões a respeito do seu uso em relação aos seres humanos. Aristóteles destacava que a práxis é uma das atividades importantes do homem, seguida por theoria e a poiesis.

A sugestão é feita no contexto de uma divisão das ciências ou do conhecimento, de acordo com o qual há três tipos básicos de co-nhecimento: o teórico, o prático e da poiesis (“o produtivo”), que se distinguem pela finalidade ou objetivo: para o conhecimento teórico, o objetivo é a verdade; para conhecimento da poiesis, a produção de alguma coisa, e, para o conhecimento prático a própria ação (BOT-TOMORE, 2012, p. 431).

A práxis na perspectiva marxista é compreendida como a trans-formação objetiva do processo social, isso quer dizer que é transfor-mação das relações homem-natureza, portanto práxis produtiva, e homem-homem, que significa práxis revolucionária. Nesse aspecto, a práxis significa o elemento norteador do conhecimento, o critério da verdade e a finalidade da teoria. A relação entre teoria e prática é um movimento de unidade dialética, no qual a teoria não se reduz à práti-ca, mas, sim, sua complementariedade e sua efetivação se dão por meio da ação humana (VÁZQUEZ, 2007).

Como essência humana, dá-se socialmente, e a prática é o funda-

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mento que torna possível a atividade humana, uma vez que o homem é, essencialmente, um ser prático, produtor material. Nesse sentido, Váz-quez (2007, p. 407) afirma que

Se o homem só tem essência como ser social, tem-na também como ser que produz; mas, por sua vez, esse processo de transformação da realiadade objetiva ao longo do qual o homem se produz a si mesmo é um processo que se desenvolve no tempo, o que impede de fixar o homem – como ser social e prático – em uma forma social determinada de sua atividade práti-ca. Desse modo, a essência humana radicaria na natu-reza social, prática (produtora) e histórica do homem. O homem é um ser que produz socialmente, e nesse processo se produz a si mesmo.

Ao usar a expressão atividade, explica Vásquez (2007), Marx objetiva afirmar o caráter real e, sobretudo, objetivo da práxis, uma vez que ela transforma o mundo exterior, que é independente da consci-ência e existência humana. Por isso, o objeto da atividade prática são os homens concretos. O fim dessa atividade é a transformação real do mundo social e natural para atender às necessidades humanas. O resultado é uma nova realidade social, que existe independentemente da vontade dos sujeitos que as criaram, mas que só existe pela criação do homem enquanto ser social (VÁZQUEZ, 2007).

Vázquez (2007) chama a atenção para o tipo de homens que serão os mediadores entre a crítica teórica e prática, e assinala a partir do que Marx define como relação entre a teoria e a práxis, destacando que, por si só, a teoria não se realiza, e sua efetivação depende de uma necessidade radical. Esta, por sua vez, se expressa como crítica radi-cal, o que torna possível sua aceitação. Isso significa que a passagem da teoria à prática, ou da crítica radical, é forjada pela história deter-minada. Implica dizer que a passagem da teoria à práxis revolucioná-ria, determinada pela existência de uma classe social, só libertará a si mesma libertando a humanidade.

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[...] o proletariado não pode emancipar-se sem passar da teoria à práxis. Nem a teoria por si mesma pode emancipá-lo, nem sua existência social garante por si só sua libertação. É preciso que o proletariado adquira consciência de sua situação, de suas necessidades ra-dicais e da necessidade e condições de sua libertação. [...] a filosofia – diz Marx – não pode chegar a reali-zar-se sem a abolição do proletariado, e o proletariado não pode chegar a realizar-se sem a abolição da filo-sofia (VÁZQUEZ, 2007, p. 118).

Entre as várias formas de práxis, destaca-se a atividade prática produtiva que o homem estabelece com a natureza, mediada pelo trabalho. É devido ao trabalho que o homem resiste às matérias e forças naturais e cria um mundo de objetos úteis para atender às suas necessidades. Mas isso só ocorre porque, como ser social, realiza as transformações através de um processo determinado por relações de produção. Para Vázquez (2007, p. 227),

No processo de trabalho, o homem, valendo-se dos instrumentos ou meios adequados, transforma um objeto com relação a um fim. Na medida em que ma-terializa certo fim ou projeto, ele se objetiva de certo modo em seu produto. No trabalho – diz Marx – o homem assimila “as matérias da natureza sob uma forma útil para sua própria vida”, mas só pode assi-milá-las objetivando-se nelas, isto é, imprimindo na matéria trabalhada a marca de seus fins. Marx aponta essa adequação a um fim como um dos fatores essen-ciais do processo de trabalho: ‘Os elementos simples do processo de trabalho são a atividade orientada a um fim – ou seja, o próprio trabalho –, seu objeto e seus meios’.

O autor afirma que a caracterização da forma e do conteúdo do processo de trabalho revela as condições subjetivas (que são as ativi-

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dades do trabalhador) e as objetivas (que são as condições materiais do trabalho), representadas pelos instrumentos ou meios que operam as transformações.

A práxis produtiva é, assim, a práxis fundamental por-que nela o homem não só produz um mundo humano ou humanizado, no sentido de um mundo de objetos que satisfazem necessidades humanas e que só podem ser produzidas na medida em que se plasmam neles fins ou projetos humanos, como também no sentido de que na práxis produtiva o homem se produz, forma ou transforma a si mesmo (VÁZQUEZ, 2007, p. 229).

Quanto à práxis política, constitui uma atividade prática que baliza e orienta para transformações na sociedade, que vão desde as relações econômicas, políticas e sociais. A práxis social, por sua vez, consiste em uma atividade de grupos e classes sociais que pode trans-formar a organização, a direção da sociedade ou mesmo provocar mudanças no Estado. Essa forma de práxis é a atividade política. Nesse sentido, a política concebida enquanto atividade prática reali-zada pelos grupos ou classes sociais está ligada à determinada orga-nização de seus membros, como os movimentos sociais, instituições e partidos.

A práxis política, enquanto atividade prática transfor-madora, alcança sua forma mais alta na práxis revolu-cionária como etapa superior da transformação prá-tica da sociedade. Na sociedade dividida em classes antagônicas, a atividade revolucionária permite mudar radicalmente as bases econômicas e sociais em que se assenta o poder material e espiritual da classe domi-nante e instaurar, assim, uma nova sociedade (VÁZ-QUEZ, 2007, p. 232).

Pode-se afirmar que os movimentos sociais são agentes de mu-dança quando sustentados por uma luta consciente, organizada e

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dirigida, com estratégias e objetivos definidos, e, especialmente, por projetos que sejam capazes de transformar a sociedade. Nesse sentido, se o homem existe enquanto ser prático, afirmando-se como prática transformadora, a práxis revolucionária e a práxis produtiva constituem dimensões indispensáveis de seu ser prático (VÁZQUEZ, 2007).

A práxis política dos movimentos sociais gesta um movimento de educação do campo no país, surgindo como crítica à educação mar-cada por exclusão dos camponeses dos processos de escolarização. Um país no qual a maioria da população que vive no campo é considerada como a parte atrasada e fora do lugar no projeto da modernidade no modelo de desenvolvimento. “O Brasil Moderno parece um caleidos-cópio de muitas épocas, formas de vida e trabalho, modos de ser e pensar. Mas é possível perceber as heranças do escravismo predomi-nando sobre todas as heranças” (IANNI, 1996, p. 61). No modelo de desenvolvimento, predominantemente urbano, os camponeses, povos tradicionais, quilombolas, são irrelevantes nesse processo.

Assim, as políticas públicas não eram necessárias, pois não con-sideravam esses sujeitos. Mas, embora essa concepção política fosse dominante, as contradições eram presentes. Sobre isso, Fernandes, Ce-rioli e Caldart (2009) chamam a atenção para o processo migratório campo-cidade em função da crise do emprego e concomitante com as reações à condição de marginalização e exclusão sofridas por esses su-jeitos que viviam no campo (os autores referem-se à década de 1980).

Com isso, esses sujeitos se organizam e buscam alternativas e resistências econômica, política e cultural. Consequentemente, o campo educacional vai ganhando contornos na luta por uma educa-ção que atenda a essas demanadas. Realiza-se em 1998, a primeira Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, fruto das re-sistências de trabalhadores/as da educação, dos movimentos sociais do campo, que tem como principal objetivo “[...] ajudar a recolocar o rural, e a educação que a ela se vincula, na agenda política do país” (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2009, p. 22).

Entre os desafios, busca-se pautar uma educação do campo que

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seja específica e diferenciada, quer dizer, alternativa. Uma educação que possibilite um processo de formação humana, que construa refe-rências culturais e políticas para a intervenção dos sujeitos sociais na realidade. Que, sobretudo, seja pautada a partir de políticas públicas para o campo, compreendendo e defendendo a reforma agrária e uma política agrícola para a agricultura camponesa. Defende-se aqui uma educação voltada aos interesses e ao desenvolvimento sociocultural e econômico dos povos que moram e trabalham no campo, atendendo às suas diferenças históricas e culturais (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2009).

4 Dimensões da educação do campo

A educação do campo está voltada ao conjunto da classe tra-balhadora do campo (camponeses, quilombolas, povos tradicionais, diversos tipos de assalariados), que está vinculada à vida e ao trabalho no meio rural. Para Caldart (2009), a expressão campo e não rural teve como objetivo na Conferência provocar o debate e a reflexão so-bre o sentido do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos e sua diversidade. Nesse sentido, discutir a educação do cam-po é, sobretudo, discutir a educação de trabalhadores/as do campo.

Como conceito em construção, a educação do campo não se descola do movimento específico da realidade que a produz, “[...] já pode configurar-se como uma categoria de análise da situação ou de práticas e políticas de educação dos trabalhadores do campo, mes-mo as que se desenvolvem em outros lugares e com outras denomi-nações” (CALDART, 2012, p. 257). O termo educação do campo busca incluir no seu sentido e significado a valorização da identidade camponesa que possibilite a pluralidade das ideias e das concepções pedagógicas do camponês. A educação do campo representa um pro-jeto de sociedade e de educação contra-hegemônico dos trabalhado-res/as do campo e vinculado às questões sociais e políticas próprias

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do seu contexto. E, enquanto análise, a educação do campo é compreensão

da realidade que ainda está por vir, mesmo que não tenha ocorrido historicamente, porém indicada pelos seus sujeitos ou mesmo pelas possibilidades de transformação em processo, constituída de práticas educativas concretas e políticas públicas de educação (CALDART, 2012). Por isso, “[...] sempre é dificil datar uma experiência datando um conceito, porém, quando aparece uma palavra – seja uma nova ou um novo sentido de uma palavra já existente –, alcança-se uma etapa específica, a mais próxima possível de uma consciência de mudança” (CALDART, 2012, p. 257).

Assim sendo, os movimentos sociais camponeses são os pro-tagonistas da educação do campo e das experiências que ocorrem no percurso de sua trajetória. A educação do campo é resultado do movimento social “Por uma Educação do Campo”, que faz crítica à realidade educacional brasileira, em especial à dos povos que vivem do/no campo.

O surgimento da expressão educação do campo nasce no con-texto preparatório da I Conferência Nacional por uma Educação do Campo, realizada em Luziânia, em julho de 1998, que passa a ser chamada assim a partir do Seminário Nacional, realizado em Bra-sília, em 2002. Depois, confirmada no I Encontro Nacional Edu-cadores da Reforma Agrária (Enera) realizado pelo MST, em 1997, e na II Conferência Nacional, em 2004. Outro desafio surgiu com o Programa de Educação na Reforma Agrária (Pronera), instituído pelo governo federal em 1998, que também recebe a denominação de educação do campo nos documentos produzidos, mesmo com ten-sões e contradições.

O argumento para mudar o termo Educação Básica do Campo para Educação do Campo aparece nos de-bates de 2002, realizados no contexto da aprovação do parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE)

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nº 36/2001, relativo às Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Brasil, 2001) e com a marca de ampliação dos movimentos camponeses e sindicais envolvidos nessa luta (CAL-DART, 2012, p. 258).

O direito à educação só será garantido no espaço público. E os movimentos sociais serão seus protagonistas e guardiões desse direito e o Estado deve cumprir e organizar políticas públicas para o aten-dimento das demandas dos povos do campo. Nessa perspectiva é que nasce o Projovem Campo – Saberes da Terra, programa que atenderá os jovens do campo no seu processo de retomada de escolarização.

5 Projovem Campo - Saberes da Terra - experiências em educação do campo - TO

A construção de uma política educacional que reconheça as ne-cessidades dos sujeitos do campo, atenda a diversidade e a realidade diferenciada, conjugada a uma política pública para a juventude, em que os sujeitos do campo são reconhecidos como sujeitos de direitos, constituíram-se as demandas de pressão dos movimentos sociais do campo ao governo federal.

Por esse motivo, a Secretaria de Educação Continuada, Alfa-betização e Diversidade (Secad) implementou o Programa Saberes da Terra – Programa Nacional de Educação de Jovens e Adultos in-tegrada com a qualificação social e profissional para agricultores/as familiares.

A primeira etapa de execução do Programa ocorreu em dezem-bro de 2005, em 12 estados (BA, PB, PE, MA, PI, RO, TO, PA, MG, MS, PR, SC), junto às secretarias estaduais de educação, representações estaduais da união nacional (Undime), movimentos sociais do campo, integrantes dos comitês e fóruns estaduais de educação do campo.

Entre 2005 e 2006, foi implantado o projeto piloto Saberes da

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Terra nesses estados, que conseguiu: • formar cinco mil educandos, com certificação correspon-

dente ao ensino fundamental e qualificação profissional; • promover a formação continuada de seiscentos profissio-

nais da educação – professores, educadores, instrutores, técnicos e gestores – durante a implementação e execução do programa;

• produzir, em parceria com estados, municípios e movimen-tos sociais, a metodologia, o material didático-pedagógico e os cadernos pedagógicos que contemplavam os eixos te-máticos do Programa;

• realizar os seminários nacionais de formação das equipes pedagógicas estaduais (BRASIL, 2008).

Em 2007, o Ministério da Educação, por meio da Secad, parti-cipou do processo de construção do programa integrado de juventude/presidência da república, no qual foram integrados seis programas:

a) Agente Jovem, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; b) Projovem, da Casa Civil; c) Saberes da Terra, do Ministério da Educação; d) Escola de Fábrica, do Ministério da Educação; e) Consórcio Social da Juventude, do Ministério do Trabalho e Emprego;f ) Juventude Cidadã, do Ministério do Trabalho e Emprego.

Foi instituído pela medida provisória nº 411/07, o Progra-ma Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM – que objeti-va promover a reintegração de jovens ao processo educacional, sua qualificação profissional e seu desenvolvimento humano e cidadão.

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Implementado pelo Ministério da Educação por meio da Secad e Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – Setec (BRA-SIL, 2008).

Em 2009, a Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câm-pus de Tocantinópolis, aprova um projeto de formação de professores do campo, denominado curso de Pós-graduação Lato Sensu – Espe-cialização e aperfeiçoamento em Educação do Campo, Agricultura Familiar e Envolvimento Social no Tocantins, ministrado a educa-dores/as e coordenadores/as pedagógicos/as vinculados ao Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra nos municípios do estado.

O Ministério da Educação (MEC/Secad) e a Secretaria de Educação do Estado do Tocantins (Seduc) foram os parceiros na for-mação de 116 professores que atuaram diretamente com os jovens do campo. O programa foi proposto ao MEC pelos movimentos sociais que estiveram presentes cotidianamente na condução do programa, em que muitas lideranças também eram professores/as. A primeira turma do programa concluiu a formação em dezembro de 2012. Já na segunda turma, a formação contou com cerca de 60 professores. Essas turmas estudaram, entre outras, as seguintes temáticas: a ju-ventude camponesa, o envolvimento social, as políticas públicas, os territórios, a agricultura familiar e cidadania.

Entretanto, a formação de educadores para atuar junto aos jo-vens entre 18 e 24 anos contribuiu timidamente para o avanço da edu-cação do campo no estado, devido às dificuldades encontradas, tanto estruturais como na efetivação da nova metodologia. No processo de formação dos educadores buscou-se um novo percurso formativo com base na metodologia da alternância que traz como diretriz um fazer pedagógico voltado para o exercício da política e um novo olhar sobre o currículo.

E, como elemento articulador dessa formação, têm-se os mo-vimentos sociais que, com sua experiência política contribuíram para novas práticas educativas junto aos educadores/as do campo. A pro-blemática da efetiva atuação docente ocorreu quando os professores

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que receberam a formação para ministrar aulas no programa foram dispensados em sua maioria, uma vez que eram apenas contratados pelo Estado. E, em função da política local, entram e saem profes-sores indicados por políticos, o que, na época, dificultou o avanço da educação do campo no estado.

A metodologia utilizada centrava-se em experiências acumula-das pelos movimentos sociais que tinha como eixo o percurso forma-tivo da alternância – Tempo Escola e Tempo Comunidade, realizado com os jovens em suas comunidades. A cada módulo, formadores da universidade e professores do programa elaboravam instrumentos para a pesquisa que seria desenvolvida com os alunos no Tempo Co-munidade. O resultado – informações sobre a realidade desses jovens – era discutido nos módulos seguintes.

Como práticas de alternância compreendem-se as experiên-cias pedagógicas inovadoras na formação de jovens do campo. Esses jovens são pequenos agricultores, muitas vezes à margem dos bene-fícios sociais, na busca por alternativas educacionais que atendam às suas necessidades e aos desafios colocados pelo momento histórico familiar. A proposição da alternância ocorre no âmbito das relações pedagógicas e visa a desenvolver na formação dos agricultores situa-ções de interação entre o mundo da escola e o mundo da vida, a teoria e a prática, portanto, a práxis.

A alternância coloca em interação diferentes atores com iden-tidades, preocupações e lógicas também diferentes, agrupando de um lado a escola e a relação com os saberes científicos e, de outro, a família e a pequena produção agrícola (MACHADO; CAMPOS; PALUDO, 2008). É com base nessa proposta que se desenvolve a metodologia no curso de especialização do Projovem Campo – Sa-beres da Terra, oferecido pela UFT.

O percurso formativo do curso de especialização e/ou aperfeiço-amento está ancorado na indissociabilidade pesquisa-ensino-extensão--práxis pedagógica, sintonizando-se com o projeto Político Pedagógi-co do Programa Projovem Campo – Saberes da Terra, especialmente

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com a proposta de formação continuada do referido programa. Nesse sentido, os eixos temáticos e círculos epistemológicos foram elabora-dos com base no desenho curricular do programa (UFT, 2010).

Na organização do processo educativo das escolas do campo, há de se buscar princípios e itinerários pedagógicos que orientem o desenvolvimento de processos formativos integrados e que articulem áreas de conhecimento, saberes popular e científico, formação huma-na e profissional, diferentes práticas, tempos e espaços pedagógicos. O objetivo é permitir a superação da fragmentação e descontextu-alização do currículo, além da afirmação de uma formação escolar crítica e criativa.

Por essa perspectiva, é preciso assumir como princípios peda-gógicos da escola do campo os seguintes pontos:

• formação escolar contextualizada, embasada pelo princípio da indissociabilidade teoria-prática, privilegiando o diálo-go entre os saberes científico e popular e a (re)construção contínua do conhecimento;

• estímulo aos educadores/educandos para a realização de ati-vidades pedagógicas voltadas à problematização, pesquisa e estudo interdisciplinar sobre a realidade – local, regional, nacional e mundial –, tendo como elemento principal a pro-dução familiar e comunitária, suas demandas, desafios e pos-sibilidades;

• incorporação da diversidade cultural como elemento educa-tivo e provocação da vivência de novas práticas e valores de solidariedade, cooperação e justiça;

• subsídio à intervenção coletiva e sistemática sobre a realida-de e a construção de propostas de ação técnico-profissional voltadas à transformação social e melhoria das condições de vida dos povos do campo.

Com base no estudo da realidade imediata e cotidiana e no es-

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tabelecimento de relações com elementos não cotidianos que impac-tam a vida dos povos do campo, propõe-se um processo educativo que possibilite o acesso a diversos saberes e à reflexão sobre questões de diversas ordens (políticas, históricas, naturais etc.). Articuladamente, esse acesso contribui para melhorar a compreensão e o aprendizado sobre a cultura e a realidade vivida pelos camponeses no próprio lo-cal, criando reais condições de propor ações técnico-profissionais que ajudem a transformar e melhorar tal realidade (BRASIL, 2009).

Nesse movimento, assumir a pesquisa e o trabalho como prin-cípios educativos significa assumir o compromisso com o desenvol-vimento de um processo de escolarização que seja capaz de estimular atitudes e aprendizagens crítico-reflexivas. O objetivo foi promover entre os indivíduos a construção de saberes escolares por meio da reflexão sobre sua própria existência e sobre o mundo em que vivem, as relações que estabelecem, a cultura em que estão inseridos, o tra-balho que desenvolvem. Além disso, propôs-se a alimentar o pensar criativo na construção, desenvolvimento de projetos e de ações que envolvessem novas práticas sociais, produtivas, culturais. Todas essas ações foram voltadas à reinvenção da existência individual e coletiva, e à formação do hábito da análise crítica, da autoavaliação, da avalia-ção do processo para (re)planejar a ação, continuamente.

6 Práxis política dos movimentos sociais e educação do campo no Tocantins: novos horizontes

Durante os encontros de formação de professores, as discus-sões surgiam em torno dos eixos temáticos e indicaram a necessidade de organização de uma mesa-redonda que posteriormente se reali-zou. A mesa-redonda foi intitulada Políticas e Ações em Educação do Campo e envolveu a participação das organizações sociais, movi-mentos sociais, Seduc e UFT. O debate girou em torno da consta-tação do descaso com a educação dos camponeses como uma nega-

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ção de política social por parte do Estado. Defendeu-se, então, como proposta, a construção de uma educação do campo como política pública de educação.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Alternativas para Pequena Agricultura do Tocantins (APA-TO), Pastoral da Juven-tude Rural (PJR) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) participa-ram dos processos de luta por uma educação de qualidade, voltados para a formação de crianças, jovens e adultos. Por essa razão, eles têm desenvolvido ações para cobrar do Estado oferta e qualidade de educação do campo que tem como princípio norteador a defesa da identidade e da diversidade cultural camponesa. São temas que muitas vezes aparecem como apêndices na própria Seduc, como ficou evidenciado no debate.

No Fórum de Educação do Campo do Estado (FEECT) foi redigida uma carta em que se apresentou a intencionalidade edu-cativa, política e formativa dos movimentos e organizações sociais. O Fórum procurou articular sujeitos coletivos de sua composição, norteado pelo princípio da autonomia em relação ao Estado. O seu objetivo é exercer a análise crítica e a ação política independente, desde a elaboração das políticas públicas de educação do campo até a sua consolidação no Tocantins, em articulação com o movimento nacional pela educação do campo (CARTA FEECT, 2012).

A criação do Fórum fundamentou-se nos seguintes pontos:

• desigualdades sociais e educacionais a que estão submeti-das as populações do campo, o que é perceptível com base nos dados do IDEB e outras pesquisas apresentadas no ce-nário brasileiro;

• negação do direito à educação nas modalidades da educa-ção infantil, fundamental, médio e superior às populações do campo;

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• formato da organização da educação do campo do estado do Tocantins, o mesmo da cidade, desrespeitando a cultura camponesa;

• aprofundamento da pedagogia dos tempos e espaços alter-nados de trabalho com a terra e aprendizagem escolar;

• monitoramento do Decreto 7.352, de 4 de novembro de 2010, como política pública de educação do campo, como contraponto ao rural.

Nesse sentido, as ações políticas conferem a esse Fórum um es-paço potencializador da construção da educação do campo no estado. E os atores sociais no Fórum decidiram organizar a I Conferência Estadual de Educação do Campo no Tocantins, na qual os movi-mentos e organizações sociais do campo (MAB, MST, Fetaet, PJR, CPT), assim como a Seduc, a EFA de Porto Nacional e a Universi-dade Federal do Tocantins - Câmpus de Tocantinópolis, organiza-ram a I Conferência. Militantes dos movimentos sociais do campo e da cidade e demais instituições públicas realizaram 12 conferências regionais e a I Conferência Estadual entre os dias 09 e 10 de julho de 2012, para debater o tema “Por uma política de Educação do Campo no estado do Tocantins”.

As conferências apontaram para uma realidade mar-cada pelo fechamento das escolas e transferências dos alunos para escolas urbanas, condições físicas e pedagógicas de funcionamento das escolas, em todos os níveis de ensino, que não atendem à realidade do campo, currículo inadequado à educação do campo, desconsiderando a cultura, identidade e saberes dos camponeses. (CARTA, 2013).

Afirmou-se nesse encontro uma agenda de luta pela imple-mentação de uma educação do campo que de fato tenha relação com

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a identidade e a cultura camponesas. Um documento foi apresentado ao final da conferência propondo a criação de um grupo de trabalho composto pela UFT, IFTO, Unitins, Movimentos sociais, Seduc e Undime que, partindo das proposições da I Conferência, elaborasse uma proposta de educação do campo para o estado. Aponta-se, tam-bém, a partir desse encontro, para a organização do curso de Licen-ciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal de Tocantins (UFT), em Tocantinópolis.

7 Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes Visuais e Música: trajetória de educação e formação de professores do campo

A partir do histórico de luta por uma educação do campo, o MEC cria o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciaturas em Educação do Campo (Procampo), com o objetivo de apoiar a imple-mentação de cursos regulares nas instituições públicas de ensino supe-rior, especificamente para formação de educadores para a docência em escolas rurais nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio (FREITAS, 2011). Quando pauta seu projeto pela escola e formação de professores, o movimento que luta por uma educação do campo disputa princípios, valores e práticas ao ocupar a esfera pública. Para Molina e Antunes-Rocha (2014, p. 227),

Uma das principais características e diferenças das po-líticas públicas de educação do campo pautadas pelos movimentos sociais e sindicais refere-se à sua parti-cipação e protagonismo, na concepção e elaboração de tais políticas. Durante a primeira década de sua história, dada a correlação de forças à época, o Movi-mento da Educação do Campo foi capaz de garantir este princípio, tendo forte participação na concepção e elaboração do Pronera (MOLINA, 2003), no Resi-

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dência Agrária (MOLINA, 2010), no Saberes da Terra (ANTUNES-ROCHA, 2010), na construção e par-ticipação em instâncias executivas, como a Comissão Pedagógica Nacional do Pronera e consultivas como a Comissão Nacional de Educação do Campo (Conec), vinculada à Secretaria de Educação Continuada, Alfa-betização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Minis-tério da Educação.

Antes de implementar essa política, o MEC, através da Se-cretaria de Educação Superior (SESU) e da Secad em 2006, com a contribuição e o protagonismo dos movimentos sociais, desenvolveu um plano de trabalho com algumas universidades federais (UFMG, UFS, Unb e UFBA), para executar um projeto piloto de implemen-tação dos primeiros cursos de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC). Tal escolha se deu em virtude de essas universidades já apresentarem um percurso de práticas de ensino, pesquisa e extensão em educação do campo (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014).

O MEC consolidou, mesmo com as experiências piloto em curso, outras ações voltadas para a educação do campo. Lançou o edi-tal de Convocação nº 09, de 29 de abril de 2009, convocando outras Instituições de Ensino Superior (IES) a apresentarem projetos de cursos de LEdoC, visando, sobretudo, a

Estabelecer critérios e procedimentos para fomento de cursos regulares de Licenciaturas em Educação, para a formação de professores, para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas localizadas em áreas rurais, mediante assistên-cia financeira às Instituições Públicas de Ensino Su-perior – IES (BRASIL, 2009, p. 1).

A partir dessa concorrência, 32 universidades ofertaram a Li-cenciatura em Educação do Campo. Mas, por se tratar de um edital

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que autorizava apenas o funcionamento de uma turma específica, ge-rou-se o problema da continuidade e da permanência dos cursos nas IES. Portanto, isso gerou conflitos com os movimentos sociais e as IES que ofertavam os cursos.

Com a conquista dos movimentos da assinatura do Decreto n. 7352/2010, que instituiu a Política Na-cional de Educação do Campo, se impôs a exigência da elaboração de um Programa Nacional de Edu-cação do Campo (Pronacampo) para dar materiali-dade às ações nele previstas, e institui-se então, em 2012, um outro grupo de trabalho para dar conta desta tarefa, o qual também contou com a partici-pação de membros dos movimentos sociais e sindi-cais para conceber as ações que integrariam o refe-rido Programa (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014, p. 238).

O MEC lançou o Edital SESU/SETEC/SECADI nº 02/2012, cujo objetivo era ampliar a oferta de vagas dos cursos já existentes e selecionar outras 32 IES para 35 novos cursos, voltados para a formação dos professores do campo. A proposta de matriz curricular foi organizada de forma multidisciplinar com os compo-nentes curriculares a partir de quatro áreas do conhecimento: Artes, Literatura e Linguagens; Ciências Humanas e Sociais; Ciências da Natureza, Matemática; e Ciências Agrárias.

Apesar da forma interdisciplinar, muitas contradições apare-cem no edital de chamada pública para os novos cursos. As áreas de conhecimento apresentam-se separadas, o que dificultou o entendi-mento para elaboração do projeto. A UFT apresentou o projeto na área de Códigos e Linguagens: Artes visuais e Música. Mas, devido aos conflitos internos no câmpus – marcados por disputas em torno da aprovação ou não do curso – dificultou-se a escolha do melhor formato curricular para o curso. Curso aprovado, os movimentos so-ciais comemoraram a ocupação do espaço público.

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O fator relevante que contribuiu para a materialização do cur-so no Câmpus de Tocantinópolis foi a demanda dos trabalhadores e trabalhadoras do campo manifestada pelas organizações sociais localizadas no Bico do Papagaio (que compreende 25 municípios), especialmente os assentamentos da reforma agrária (364 projetos de assentamentos com 24 mil famílias assentadas), com os quais tam-bém há parcerias para a realização de projetos de pesquisa e extensão, além de ter estudantes em cursos de graduação oriundos dessas e de outras comunidades camponesas. E especialmente como síntese da agenda criada a partir da I Conferência Estadual de Educação do Campo em 2013 para construir o curso em Tocantinópolis.

A viabilização de formação superior específica teve como pre-tensão promover a expansão da oferta da educação básica nas co-munidades rurais; o atendimento à demanda apresentada no campo, local em que há carência de professores qualificados para o ensino de diversas áreas, incluindo-se artes visuais e música; auxílio à superação das desvantagens educacionais, observando os princípios de igualda-de e gratuidade quanto às condições de acesso.

O curso tem caráter regular e apoia-se em duas dimensões de alternância formativa integradas: o Tempo Universidade e o Tempo Comunidade. A organização curricular do curso prevê etapas pre-senciais (equivalentes a semestres de cursos regulares) em regime de alternância entre tempo-espaço universidade e tempo-espaço comu-nidade, tendo em vista a articulação intrínseca entre educação e a realidade específica das populações do campo. Outra preocupação é facilitar o acesso e a permanência dos professores em exercício no curso, na intenção de se evitar que o ingresso de jovens e adultos na educação superior reforce a alternativa de que eles deixem de viver no campo.

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8 Considerações finais

Pensar em movimentos sociais é pensar na sua complexidade, pois eles possuem uma dinâmica na qual sua existência imbrica não no antagonismo, mas na oposição. As mazelas criadas pelo modo de produção capitalista só serão resolvidas com a superação desse mo-delo, e isso significa que o proletariado deve protagonizar sua tarefa histórica, qual seja, criar novas relações de produção.

Portanto, os movimentos sociais terão uma tarefa histórica: destruir a velha ordem. Remete-se aqui ao que Marx afirma na déci-ma tese sobre Feuerbach, como síntese das reflexões aqui propostas: “O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade “burguesa”; o ponto de vista do novo é a sociedade humana, ou a humanidade socializada” (MARX, 2009, p. 126). Com isso, defende-se que, para participarem da realização da utopia, ou seja, da superação da velha ordem burguesa, os movimentos sociais sejam capazes de aglutinar forças à luta da classe trabalhadora e superar as contradições do sis-tema capitalista.

Assim sendo, a práxis política desenvolvida pelos movimentos sociais do campo busca, principalmente, a superação das desigualda-des sociais, outro modelo de sociedade. Assim como a educação que emancipe a classe trabalhadora e que possibilite a organização do desenvolvimento humano pautado na práxis emancipadora.

No plano da práxis pedagógica, a educação do campo projeta futuro quando recupera o vín-culo essencial entre formação humana e pro-dução material da existência, quando concebe a intencionalidade educativa na direção de novos padrões de relações sociais, pelos vínculos com novas formas de produção, com o trabalho as-sociado livre, com outros valores e compromis-sos políticos, com lutas sociais que enfrentam as

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contradições envolvidas nesses processos (CAL-DART, 2012, p. 263).

O modo de fazer da educação do campo, os desafios da formação de professores e de ocupar a universidade pública como espaço de lutas de classes e de disputas pela produção da teoria do conhecimento é que se torna um projeto de utopia da classe trabalhadora. E a educação do campo, por meio da práxis política dos movimentos sociais, continua e pode revigorar velhas questões da educação emancipatória, formulan-do novos questionamentos à política educacional e à teoria pedagógica. Para Caldart (2009, p. 43),

Uma retomada que é também a recuperação de uma visão mais alargada de educação, algo que já aparece como tendência de muitas práticas e reflexões neste novo século: não confundir educação com escola nem absolutizar a educação escolar, como fez no discurso a pedagogia moderna liberal, para que o capital pudesse ‘educar’ mais livremente as pessoas em outras esferas (uma armadilha em que muitos pedagogos de esquer-da também caíram). É preciso pensar a escola sim, e com prioridade, mas sempre em perspectiva, para que se possa transformá-la profundamente, na direção de um projeto educativo vinculado a práticas sociais emancipatórias mais radicais.

Ao potencializar a educação do campo, os movimentos sociais reforçam as discussões sobre a dimensão educativa, provocam refle-xões sobre uma pedagogia que afirma a luta social e a organização coletiva como matrizes formadoras. Nesse sentido, o curso de Licen-ciatura em Educação do Campo como matriz formativa e perspecti-va política, nasce na UFT no Câmpus de Tocantinópolis, a partir das lutas pela terra no Bico do Papagaio, pela educação dos sujeitos que vivem no campo e por outra sociedade.

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A proposta da pedagogia da alternância:

uma possibilidade de construção de conhecimento

Helena Quirino Porto Aires4

1 Introdução

Nas últimas décadas, o tema educação do campo vem conquis-tando espaço nas discussões sobre as políticas públicas e suscitando inúmeras pesquisas na tentativa de repensar essa modalidade de ensi-no. No entanto, mesmo com esse crescente interesse na área, ainda há muito a se pesquisar e discutir a respeito da real situação das escolas do campo e do ensino nelas praticado.

Pensar em educação do campo exige a compreensão das carac-terísticas do espaço cultural e as necessidades próprias do estudante que vive no e do campo, sem abrir mão da pluralidade de saberes como fonte de conhecimento prévio para a aprendizagem.

Brasil (2002) compreende que a educação do campo se cons-titui em um espaço de lutas dos movimentos sociais, traduzida como uma concepção político-pedagógica voltada para dinamizar a ligação dos seres humanos com a produção das condições de existência social, na relação com a terra e o meio ambiente, incorporando os espaços

4 Mestra em Educação. Professora do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFT, campus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected]

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da floresta, da pecuária, das minas, da agricultura, dos pesqueiros, dos caiçaras, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos indígenas e extrativistas.

A educação do campo consiste em uma modalidade de Edu-cação Básica do Campo prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), com ca-racterísticas e estrutura singulares para atender as demandas dos po-vos que vivem no e do campo. O artigo 28 da LDB preconiza que, na oferta de educação básica para a população campesina, os sistemas de ensino devem promover as adaptações necessárias às peculiaridades da vida no campo e de cada região, especialmente no que se refere aos conteúdos curriculares, às metodologias apropriadas, à organização escolar própria e à adequação do trabalho no campo à natureza.

É nesse contexto de educação do campo que a pedagogia da al-ternância se caracteriza como um modo de promover a educação com características próprias para o atendimento da população do campo. A proposta educacional da pedagogia da alternância contempla, res-peita e valoriza os saberes em contextos socioculturais, considerando escola-família-comunidade como espaços de produção, organização e articulação de conhecimentos, por meio dos instrumentos pedagó-gicos. Tal proposta tem sido idealizada por estudiosos como Bour-geon (1979), Begnami (2003), Gimonet (2007), Silva (2012), dentre outros, como uma possibilidade de educação que atende as especifi-cidades da educação do campo.

Nesse sentido, a educação por alternância está vinculada à ideia de um movimento pedagógico dinâmico, conforme assevera Gadotti (2003, p. 48), para quem

[a] pedagogia da alternância se apresenta como meio para atingir a finalidade de reflexão e ação no e com o contexto do tempo. É o movimento alternado poten-cializado por uma organização imbricada num con-texto que se propõe a um processo de aprendizagem pautado na relação que diagnostica, problematiza, re-flete. Dialoga, planeja e age através do coletivo.

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Sob o entendimento de que a dimensão da ação e da reflexão acontece por meio do diálogo, em que o processo de ensino e apren-dizagem busca a transformação da realidade (FREIRE, 1987), a al-ternância deve ser pensada para além de uma proposta metodológica de ensino.

Diante da importância dessa proposta, faz-se oportuno realizar estudos sobre como ela se estrutura e se efetiva em diversos ambien-tes educacionais. Nesse intento, o presente texto traz um recorte de uma pesquisa de mestrado em educação e apresenta uma análise das perspectivas de pedagogia da alternância desenvolvida na Escola Fa-mília Agrícola de Porto Nacional, Tocantins (ESCOLA, 2015).

Para a realização desta pesquisa qualitativa, analisamos o Pro-jeto Político Pedagógico (PPP) da instituição, lançamos mão de entrevistas semiestruturadas com questões abertas direcionadas aos profissionais da respectiva instituição (diretor, coordenador pedagó-gico e professor/monitor), buscando caracterizar os fatores relaciona-dos à pedagogia da alternância, tanto no cotidiano escolar como nas comunidades.

No intuito de preservar a identidade dos entrevistados, eles fo-ram indicados por letras maiúsculas de nosso alfabeto, seguidas da função (Diretor - D, monitor - M) e localização da escola. Desse modo, os professores são indicados, respectivamente, por A, B, e C, seguido da função (Professor – P) e indicação do município onde se localiza a escola (Porto Nacional – P); o Coordenador será indicado pela letra C, seguida da letra inicial do município onde se localiza a escola; o Diretor será indicado pela letra D, seguida da letra inicial do município onde se localiza a escola; e, o Professor/Monitor de Disci-plinas que atua na EFA de Porto Nacional será indicado por PMDP. Registra-se que o diretor, coordenador e demais professores também são monitores, por isso não fizemos a indicação dessa função, exceto no caso específico de PMDP.

Assim, busca-se aqui apresentar o contexto da pedagogia da al-

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ternância, fazendo uma análise dessa proposta de educação que é efeti-vada na Escola Família Agrícola de Porto Nacional em seus diferentes contextos/espaços de ensino (tempo-escola e tempo-família/comuni-dade), a partir dos elementos e/ou ideias expressos nas respostas dos entrevistados e documentos analisados.

2 A trajetória da pedagogia da alternância

Na educação por alternância, o processo de ensino e aprendi-zagem acontece em espaços e territórios diferenciados e alternativos. Trata-se de uma possibilidade de valorização dos saberes produzidos pelos povos em um processo de interação entre escola-família-co-munidade.

Etimologicamente, a palavra alternância tem suas origens no vocábulo em latim alternare, proveniente de alter, que significa outro. Nascimento (2007) explica que a terminologia alternância surge pela primeira vez nos Estados Unidos em 1906, com a designação de “rit-mo apropriado” e procura associar a formação geral com a formação profissional. Nesse sentido, a formação geral hoje seria a formação integral do ser humano, estimulando sua capacidade de pensar cri-ticamente, de saber lidar com os desafios e problemas existentes na sociedade da qual ele faz parte.

Diante dos movimentos de articulação, da sensibilização cam-pesina francesa, principiou-se, em 1935, a primeira experiência da pedagogia da alternância, que dois anos depois – em 1937, daria origem à Maison Familiale Rurale (MFR) ou Casa Familiar Rural (CFR) ou Escola da Família Agrícola (EFA), instituições que se con-figuraram como possibilidade de ensino para atender as demandas dos/das filhos/filhas de camponeses franceses e mantê-los no campo, via oferta de uma educação com qualidade (GIMONET, 1999).

A partir de 1945, a proposta de educação por alternância foi difundida em vários países e hoje está, em sua maioria, na América,

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além da França. Em cada localidade para onde a experiência foi le-vada foram feitas adaptações pelas instituições em decorrência das especificidades locais.

A primeira experiência brasileira com a pedagogia da alter-nância ocorreu no final da década de 1960, no Espírito Santo, com a participação de várias forças sociais por meio da atuação do Pa-dre Humberto Pietrogrande5, quando foram instaladas as primeiras escolas famílias com base na experiência italiana (PESSOTI, 1978; QUEIROZ, 1997; 2004).

Embora a pedagogia da alternância tenha surgido há décadas, ela permite a utilização de processos avançados de ensino e aprendi-zagem e possui conceitos que perpassam as atuais propostas educa-cionais, como aponta Azevedo (1998, p. 117).

Por empregar, na execução do processo de ensino--aprendizagem, princípios educativos modernos, tais como o envolvimento e a participação dos pais na educação formal dos filhos e na gestão da escola, em-basamento teórico construtivista e adoção de método dialético de ensino, a Pedagogia da Alternância cons-titui-se numa proposta educacional inovadora.

Nascimento (2007, p. 40) ressalta que as EFAs têm por obje-tivo pedagógico oferecer aos povos do campo “uma possibilidade de educação a partir da sua realidade, de sua vida familiar e comunitária e das suas atividades”, proporcionando um processo de “reflexão e ação que possa transformar essa mesma realidade”. Isso porque, a

5 Fundador do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES), em 1969, mais precisamente na cidade de Anchieta. Trabalhou intensamente na promoção integral do homem do campo, foi o grande incentivador da instalação das primeiras Escolas Famílias Agrícola no Brasil. Exerceu o ministério sacerdotal como cooperador e Pároco de Anchieta e Alfredo Chaves-ES.

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[...] escola-família ajuda o jovem rural na sua formação humana e técnico-profissional de maneira a torná-lo, dentro das possibilidades, um homem preparado, res-ponsável e dinâmico para o desenvolvimento de sua propriedade e da sua família. E, se por qualquer motivo ele não encontrar no seu ambiente a oportunidade de formar a sua família e de se integrar numa atividade econômica, que ele seja um homem apto a tomar de-cisões e escolher sua profissão para o seu bem-estar da sua comunidade a que irá se integrar (MEPES, 1976, p. 90, apud NASCIMENTO, 2007, p. 40).

Nessa perspectiva, a pedagogia da alternância consiste em uma proposta educativa de organização do ensino escolar conjugada em diferentes espaços de aprendizagem, que possibilita a formação inte-gral dos estudantes em seus aspectos sociais, intelectuais e culturais (GIMONET, 1999; NASCIMENTO, 2007).

Configurando como uma possibilidade de valorização dos sa-beres produzidos pelos povos em interação entre escola-família-co-munidade, a pedagogia da alternância é [...] uma outra maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro de um mesmo processo (GIMO-NET, 1999, p. 44). Desse modo, a alternância significa uma ma-neira de aprender pela vida, partindo da própria vida cotidiana, dos momentos de experiências, colocando, assim, a experiência antes do conceito” (GIMONET, 1999, p. 44).

[...] associação e participação das famílias constituem, assim, componentes indissociáveis e fundamentais na expressão das realidades, necessidades e desafios no contexto socioeconômico, cultural e político da escola, e na articulação com as organizações, entidades e mo-vimentos presentes na realidade local, orientados para a construção de projeto não apenas para o futuro dos alu-nos, mas também para a região (SILVA, 2012, p. 182).

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Há a necessidade de uma relação estreita entre família e escola para que a alternância realmente aconteça. É nesse contexto mútuo que se constrói uma formação integral do aluno e, ao mesmo tempo, se atende aos anseios da sociedade. Silva (2012), citando Gimonet (1998), menciona que uma verdadeira alternância não se resume à abertura de uma escola e muito menos a um ensino descontextuali-zado dos sujeitos envolvidos; mas sim na articulação entre escola, fa-mília e comunidade, construindo uma alternância integrativa. É sob esse aspecto que se insere o verdadeiro processo pedagógico para o que se propõe na formação por alternância.

A alternância é uma “compenetração efetiva de meios de vida socioprofissional e escolar em uma unidade de tempos informati-vos” (BOURGEON, 1979, apud QUEIROZ, 2004, p. 204). Nesse sentido, a alternância possibilita aos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem uma interação com o contexto escolar, fa-miliar e comunidade, proporcionando, assim, saberes diversos, que podem contribuir para a formação integral. Assim, a ideia de alter-nância tem um sentido de estratégia de escolarização que, segundo Silva (2012), possibilita aos estudantes conjugar a formação escolar com os afazeres do produtivo familiar, sem perder seu vínculo com sua família e com seu meio, fator importante para esse processo de alternância.

Nessas proposições, Girod de I’Ain (1974, apud SILVA, 2012, p. 24) foi o mentor da classificação da alternância e propôs dois modelos, denominados alternância externa e interna. A externa consiste na rela-ção escola-empresa, que tem como objetivo desenvolver os saberes esco-lares com sujeitos que já tenham experiência com o meio profissional. A alternância interna é articulada no meio da formação com a realização de atividades profissionais no período de estudo e não utiliza o trabalho como fator essencial para a formação.

Malglaive (1979) definiu três tipos de alternâncias que são praticadas: a falsa alternância, que consiste em espaços vazios du-

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rante os períodos de alternância (falta de conexão entre a formação acadêmica e as atividades práticas); a alternância aproximativa, que possui instrumentos pedagógicos que associam os tempos formativos limitados à observação e à análise, sem oferecer meios de atuação na realidade; e a alternância real, que busca a formação teórica e prática global, permitindo ao estudante a construção do seu próprio projeto pedagógico que possibilita a atuação crítica sobre a realidade.

Alguns autores como Gimonet (1983), Bachelard (1994) e Bourgeon (1979) retomam as classificações de alternância propostas por Malglaive (1979) e as readaptam com outras denominações, e que, segundo Silva (2010, p. 185), “propõem, sucessivamente, tipo-logias específicas a partir de diferentes critérios: seja de disjunção e divisão entre os dois períodos da alternância ou, ao contrário, de articulação e unidade da formação entre os dois momentos”. Den-tre eles, destacamos Queiroz (2004), segundo o qual há três tipos de alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs).

Alternância justapositiva, que se caracteriza pela su-cessão dos tempos ou períodos consagrados ao traba-lho e ao estudo, sem que haja uma relação entre eles. Alternância associativa, quando ocorre uma associa-ção entre a formação geral e profissional, verificando--se, portanto, a existência da relação entre a atividade escolar e atividade profissional, mas ainda como uma simples adição. Alternância integrativa real ou co-pulativa, com a compenetração efetiva dos meios de vida socioprofissional e escolar em uma unidade de tempos formativos (QUEIROZ, 2004, apud BRA-SIL, 2012, p. 41-2).

Como enfatizado por Silva (2010), embora cada autor apresen-te categorizações diversas de alternância, as tipologias estabelecidas apresentam semelhanças. Todavia, como bem destacado por Gimo-net (2007), a distância entre a teoria (os nomes e conceitos dados) e

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a prática da alternância (o ensino que realmente acontece) ainda é bastante comum nas escolas. Encontramos pelo país diversas insti-tuições que anunciam em seus documentos a alternância e na prática não a fazem: há apenas uma alternância de tempos e de espaços e não de ações em um processo de construção do conhecimento via ação-reflexão-ação.

Como se pode perceber, a alternância é uma proposta educa-cional que veio como uma possibilidade de resposta à problemática da educação do campo, como bem ressalta Silva (2012), tornando--se, com o passar dos anos, uma alternativa viável e promissora para a educação dos filhos/filhas dos sujeitos que vivem no e do campo por possibilitar aos envolvidos no processo de ensino e aprendiza-gem uma interação com o contexto escolar, familiar e da comunida-de, proporcionando assim a aprendizagem de saberes diversos, que podem contribuir para formação integral desses atores.

3 A pedagogia da alternância na EFA de Porto Nacional

Intentando conhecer como a proposta da pedagogia da alter-nância é efetivada em escolas do campo, no estado de Tocantins, neste trabalho verificou-se como ela é expressa no PPP da Escola Família Agrícola de Porto Nacional e como ela é entendida por profissionais que nela atuam. Iniciamos falando um pouco sobre a EFA.

Em 2015, 389 estudantes frequentavam a instituição, oriundos de 324 famílias residentes em 93 comunidades camponesas distri-buídas em 45 municípios6 tocantinenses. A EFA oferece o ensino

6 Porto Nacional, Brejinho de Nazaré, Nova Fátima, Miracema do Tocantins, Rio Sono, Marianópolis, Caseara, Chapada da Natividade, Palmas, Monte do Carmo, Ponte Alta do Tocantins, Pium, Esperantina, Nova Rosalândia, Oliveira de Fátima, Cristalândia, Silvanópolis, Lizarda, Lagoa do Tocantins, Novo Acordo, Dois Irmãos, Araguatins, São Bento, Cachoeirinha, Ananás, Angico, Darcinópolis, Araguaína, Babaçulândia, Nova Olinda, Juarina, Pequizeiro, Pium, Araguacema,

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fundamental (6º ao 9° ano) e o ensino médio (Cursos Técnico em Agropecuária Integrado, Técnico em Agroecologia e Magistério de Nível Médio), modalidades estruturadas na proposta da pedagogia da alternância (ESCOLA, 2015).

De acordo com o PPP da EFA de Porto Nacional, um im-portante ponto de apoio e desenvolvimento para a instituição são as parcerias por meio de convênios e projetos com instituições públi-cas, privadas, organizações dos movimentos sociais, famílias, jovens, organizações não governamentais nacionais e internacionais. Den-tre essas parcerias, ressalta-se o convênio firmado com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que resultou na criação do curso de Magistério em Nível Médio, cujo objetivo é formar profissionais habilitados para atuar na educação infantil (cre-ches e pré-escolas) e 1º ao 5º ano do ensino fundamental. O curso técnico em Agroecologia Integrado ao Ensino Médio na proposta da pedagogia da alternância é voltado aos agricultores assentados ou reassentados pela reforma agrária e é ministrado nos meses de janei-ro e julho, sendo as despesas com alimentação, transporte, material escolar, pagamento de professores e equipe administrativa custeados pelo Incra e pelo Pronera (ESCOLA, 2015).

A instituição possuía, em 2015, uma equipe de 44 profissionais e, ainda, conta com a parceria dos 389 jovens camponeses, 324 famí-lias de agricultores, a Associação de Apoio à Escola, a Comunidade de Saúde, Desenvolvimento e Educação (Comsaúde) e parceiros da sociedade civil e estatal. A formação inicial e continuada de servi-dores, famílias, lideranças comunitárias, jovens estudantes e ex-es-tudantes é articulada com diversas instituições, entre elas, a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (Unefab), a Asso-ciação Internacional das Maisons Familiales Rurales (AIMFR), a Se-

Tocantínia, Pindorama do Tocantins, Peixe, Figueirópolis, Jaú, São Salvador, Dianópolis, Colinas do Tocantins, Santa Rosa, Ipueiras e Araguacema.

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cretaria de Educação de Estado do Tocantins (Seduc) e o Ministério de Educação (MEC) (ESCOLA, 2015).

A pedagogia da alternância desenvolvida na EFA de Porto Na-cional é voltada para o atendimento da população que vive no e do campo, ofertando um processo formativo que ocorre em diferentes espaços (escola-família-comunidade), tempos e com diversos forma-dores, tendo como foco principal a formação integral dos sujeitos e o desenvolvimento local (ESCOLA, 2015).

Como explicitado no PPP da EFA de Porto Nacional, a pro-posta da alternância acontece em períodos de formação no Ceffa, através do acompanhamento da equipe de monitores, alternados, se-manalmente, com períodos de formação no meio familiar, profissio-nal e comunitário, articulada pelo conjunto de instrumentos pedagó-gicos (ESCOLA, 2015).

Esse formato de alternância em tempo semanal (em diferentes es-paços e estratégias pedagógicas) seguido pela EFA evita o cansaço físico que atrapalha o rendimento escolar. Isso porque as longas rotas diárias de transporte escolar, além de despesas com o próprio transporte e quadro de pessoal, em virtude de a escola atender alunos de vários municípios do estado do Tocantins, torna o ir e vir dos alunos desgastante e one-roso. Além disso, a permanência dos alunos durante a semana na EFA possibilita o desenvolvimento das atividades dessa proposta pedagógica, como também a prática de vivência diária que humaniza e estimula o “aprender a conviver”, pautada essencialmente no diálogo educativo para a formação integral.

Nessa perspectiva, tal proposta se torna uma alternativa viável de educação que, como afirma Gimonet (2007), possibilita um pro-cesso de ensino e aprendizagem dinâmico, que acontece em espaços diferenciados e alternados, valorizando o aprender pelo fazer, por meio de experiências e situações diárias, baseando-se em uma ampla rede de conhecimentos e atitudes que possibilita a interação entre a reflexão e a experiência. Essa questão também é expressa pelo Profes-

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sor APP, quando considera que não existe uma proposta melhor de ensino que esta. Isso porque ela

[...] considera não só esse tempo alternar (tempo--escola e tempo-família/comunidade), mas sim é um conjunto de atividades que incluem a questão ensino e aprendizagem; [...] questão da teoria baseada em Pau-lo Freire que está lá no nosso Projeto Político Pedagó-gico; também a questão da ação-reflexão-ação.

Nessa compreensão, a alternância perpassa a questão de alter-

nar tempo para o aluno, visto que considera aliar a teoria à prática em diferentes espaços de aprendizagem. Essa questão é o que aponta e defende Gimonet (2007), para quem a pedagogia que se baseia na al-ternância de tempo e de local de formação (de períodos em situação socioprofissional e em situação escolar),

[...] significa, sobretudo, uma outra maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro de um mesmo processo. A alternância significa uma maneira de aprender pela vida, partindo da própria vida cotidiana, dos momentos experienciais, colo-cando assim a experiência antes do conceito (GI-MONET, 1999, p. 44).

Silva (2012, p. 25) também ressalta a relação vida-escola ao mencionar que a alternância é vista como um conjunto de “estraté-gias de escolarização que possibilita aos jovens que vivem no campo conjugar a formação escolar com as atividades e tarefas na unidade produtiva familiar, sem desvincular-se da família e da cultura do meio rural”. A conjugação mencionada por Silva (2012) também pode ser observada na fala do Professor CP, a seguir.

A pedagogia da alternância é a espinha dorsal da es-

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cola. Nós temos instrumentos que norteiam tudo que a gente já faz na escola. Ela não se baseia só no meni-no que fica uma semana aqui e outra semana lá; este método de avaliação serve como instrumento para a pedagogia. Nós já temos quatro séries de avaliação, só uma que é em sala; as discussões do nosso projeto e a família que são quatro capacitações anuais, família e encontro. Então, a pedagogia é a alma da escola; é ela que norteia o projeto. Nós temos seis planos de estudos que movimentam as turmas, que chamam as disciplinas para correlacionar o que o professor fez em sala com aquele tempo estudado. Neste tempo, os me-ninos constroem dois textos, elaboram desenhos, rela-tórios de visitas (também ajuda no português) (CP).

Nesse sentido, os instrumentos utilizados para o acompanha-mento e a avaliação dos alunos no contexto da práxis pedagógica mostram que a EFA desenvolve suas atividades na perspectiva da alternância real que, segundo Silva (2012, p. 30),

[...] consiste em uma efetiva implicação, envolvimen-to do alternante em tarefas da atividade produtiva, de maneira a relacionar suas ações com a reflexão sobre o porquê e o como das atividades desenvolvidas [...]. Trata-se, portanto, de uma situação educativa caracte-rizada por forte interação entre os diferentes momen-tos da aprendizagem – quer elas sejam individuais, relacionais, didáticas ou institucionais, com possibili-dades de transformação dos seus campos e dos atores em presença.

É nessa ótica que Gimonet (1983, p. 52) ressalta que essa alter-nância real permite “uma formação teórica e prática global, possibili-tando ao aluno construir seu próprio projeto pedagógico, desenvolvê-lo e realizar um distanciamento reflexivo sobre a atividade desenvolvida”. Essa tipologia é definida por Bourgeon (1979) como alternância co-

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pulativa, que caracteriza a compenetração efetiva dos meios de vida socioprofissional e escolar em uma unidade de tempos formativos.

Gimonet (1983) e Silva (2012) ressaltam que a alternância real proposta por Malglaive (1979) possibilita o intercâmbio de experi-ências e ideias. Todavia, esse discurso de alternância real não pode ser percebido em muitas EFAs, uma vez que a forma de escolarização nem sempre é realizada em conformidade com os princípios pedagó-gicos da alternância.

Dessa forma, a alternância deve ser aquela que possibilite uma articulação de aprendizagem em seus espaços de formação em que considera o diálogo um meio necessário para formação do ser huma-no (SILVA, 2012).

Esse diálogo entre o mundo da escola e o mundo da vida, a teoria e a prática, o universal e o específico, enfim uma escola que, enraizada na cultura do cam-po, contribui para a melhoria nas condições de vida e de trabalho dos agricultores (as), e principalmente numa formação humana e criativa da pessoa (SIL-VA, 2012, p. 58).

Assim, a alternância não se trata apenas de uma sucessão alter-nada em espaços (escola e família/comunidade) organizada por um plano didático. A alternância representa um processo de interação entre dois momentos de aprendizagem que se completam simultane-amente, uma vez que a pedagogia da alternância permite a vivência de um projeto de construção e comprometimento com o saber.

Ao serem questionados sobre a prática da alternância e os ins-trumentos didático-pedagógicos utilizados para acompanhar, avaliar as atividades/ações da pedagogia da alternância, os entrevistados da EFA descreveram como acontece esse processo. De acordo com o relato do Professor APP, no início do ano, após o levantamento de matrículas, a escola organiza os alunos por região e cada servidor fica responsável por acompanhá-los em sua comunidade, por meio dos instrumentos

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pedagógicos próprios para isso.

É desde a semana que eles chegam com motivação, [...] tem o momento de acolhida dos estudantes, de-pois nós temos um momento de professores, moni-tores; a gente senta em grupo para motivá-los e para saber como foi a semana deles em casa; o que a gente chama de acompanhamento personalizado, que para mim é um momento único. Quando a família chega aqui (ela é da comunidade), já sabe como é o acom-panhamento do filho. Outra coisa que eu acho muito bom aqui é o protagonismo; a gente trabalha muito isso com eles; o protagonismo juvenil para eles serem líderes. Nós temos o estudante que é o coordenador da semana; aqui a gente trabalha como instrumento que é [são] os alunos que coordenam o horário de en-trar e sair. Outra coisa: as visitas são importantíssimas [...] (PMDP).

No retorno dos alunos de suas casas, os professores realizam um momento para recebê-los e dar-lhes a oportunidade de socializar como foram os momentos do tempo-família/comunidade e os sabe-res aprendidos. Segundo o Professor BPP, o “[...] foco principal é a convivência. Eles têm que saber conviver no todo, dentro do espaço escolar; [...] eles têm que saber interagir com todos, mesmo com pes-soas que tenham a personalidade muito diferente das outras”.

Cabe salientar que os servidores que trabalham nessa EFA são considerados monitores, uma vez que a proposta da pedagogia da alternância exige a colaboração dos sujeitos no processo de aprender. Isso pode ser observado pelo relato do Professor CPP: “Todos os servidores são monitores! Aqui é difícil falar na palavra “professor”; aquele que só professa na sala de aula não tem aqui, não tem como vir para este modelo de escola dar aula e ir embora”. Analisando essa co-locação do professor entrevistado, é possível perceber o envolvimento que os servidores têm na organização dos afazeres da escola. Sobre

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essa questão, Gimonet (2007) enfatiza que os monitores exercem a função de tutor, orientador, acompanhante, animador da formação.

Para o desenvolvimento das atividades educativas dos estudan-tes, foram pensadas ações a serem realizadas nos espaços de formação escolar e comunitário. Nesse sentido, os instrumentos didático-peda-gógicos foram organizados em quatro grupos de ações: no internato, na comunidade, internato articulado com a comunidade e organi-zacionais do processo de ensino e aprendizagem (ESCOLA, 2015).

No planejamento, acompanhamento e avaliação das ações da EFA são utilizados os instrumentos pedagógicos concebidos como dispositivos de ação que possibilitam a efetivação da pedagogia da alternância, permitindo ao estudante relacionar-se com a família, com os parceiros da formação, com o conhecimento científico e com o meio socioprofissional e cultural de maneira ativa, buscando sua formação integral e sua atuação para o desenvolvimento do meio. Esses instrumentos têm espaços dentro da estrutura escolar e são utilizados de forma transversal nas disciplinas curriculares (ESCO-LA, 2015, p. 17). Para Pereira (1999, apud ESCOLA, 2015, p. 19), os instrumentos pedagógicos são elementos metodológicos específicos que buscam associar os saberes do cotidiano com os conhecimentos científicos, por meio da experiência, observação, comparação, análise e saber empírico.

Assim, os instrumentos pedagógicos auxiliam no processo de interação entre escola, família e comunidade e estão presentes na pers-pectiva da proposta da pedagogia da alternância, uma vez que

[...] são eles que indicam o caminho, dinamizam a atividade ou deixam de fazê-lo, injetam sentido. Seu conhecimento do meio, das práticas profissionais, sua atitude, seu relacionamento com o meio profissional, familiar e social dos alternantes, seu saber-fazer peda-gógico, o lugar e o valor que conferem a esta ativida-de no processo de formação tornam-se fatores de seu êxito (GIMONET, 2007, p. 37).

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É importante destacar que os instrumentos didático-pedagó-gicos são elementos essenciais na dinâmica de construção do conhe-cimento da proposta da pedagogia da alternância para a educação do campo, uma vez que possibilitam fazer essa articulação no ato de planejar, executar e avaliar a aprendizagem dos estudantes em seus vários espaços de aprendizagem, como frisa o Professor APP.

É assim como a gente trabalha com os temas gerado-res, que é um instrumento que chamamos de plano de estudo. O plano de estudo é uma pesquisa que o aluno realiza em casa com temas geradores, sendo que tem um central (coletivo) da escola em cada série. [...] pelo tema gerador eu tento inserir na minha disciplina. Outro instrumento que depende desse que é o cader-no da realidade; eu trabalho com a tipologia textual, o primeiro texto que eles produzem é a dissertação descritiva e construo com eles textos descritivos; no texto dois eles têm que fechar tudo o que falamos e que criar um texto apresentando o que ficou de apren-dizado que seria a dissertação descritiva argumenta-tiva. Eu trabalho também espanhol [...] pego o tema cidadão que foi o tema anterior deles, e trabalho todos os aspectos de um cidadão. Por exemplo, em espanhol como um cidadão trabalha formal e informalmente. Na minha disciplina não é difícil, mas tem professor que pena muito para fazer esta junção.

Desse modo, os instrumentos pedagógicos da pedagogia da al-ternância são utilizados na EFA para articulação das disciplinas a partir dos temas geradores, possibilitando ao estudante um entendi-mento global dos assuntos abordados nos espaços de aprendizagem (escola, família, comunidade), que, para o educador Freire (1996), facilita o processo de ensino e aprendizagem e melhora a compreen-são do conteúdo estudado. Além disso, segundo os entrevistados, no planejamento são levados em conta, ainda, o nível de cada turma, os

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espaços de aprendizagem dos jovens e as condições oferecidas pela escola para realização das atividades.

Para Palitot (2007, p. 17), a utilização de instrumentos peda-gógicos próprios busca um processo de formação docente diferencia-do e visa ao fortalecimento da relação escola/comunidade na gestão, organização e coordenação da proposta educacional. Nas falas dos entrevistados, percebe-se que o Plano de Estudo “é o instrumento mais forte [...] que tem um tema central” (PCP). A partir dele, são trabalhados os temas geradores e são desenvolvidas outras atividades, como intervenção interna e externa (auxílio de pessoas especialistas na área, de dentro ou de fora da instituição), colocação em comum (socialização das ações executadas) e projeto multidisciplinar. O últi-mo propicia apresentação dos conteúdos estudados por meio de “te-atro, dança, música, slide, de cordel” (PCP).

Outros professores também discorreram sobre os instrumentos pedagógicos e como são utilizados na EFA.

[...] a gente tem o plano de estudo [...] é o principal, o mais estudado [...], a espinha dorsal; temos o ca-derno de acompanhamento que é o instrumento que liga a família à gente; temos o acompanhamento per-sonalizado, o PPJ que é o Projeto Pessoal do Jovem, o Projeto de Vida também, o caderno da realidade que está ligado ao plano de estudo e a visita às famílias (PMDP).

Nós temos vários instrumentos que a gente pode uti-lizar; com relação às famílias, especificamente, nós te-mos quatro encontros de famílias por ano [...] chama-mos de formação das famílias; ele acontece em dois dias; um dia só de formação que discutimos os índices bimestrais, como foi o desempenho das turmas, qual é o papel da família nesse processo, o que a gente preci-sa contar com a participação destas famílias e a noite cultural; e outro dia é assembleia de pais [...] Outro instrumento muito usado hoje é o caderno de acom-

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panhamento; [...] tem um registro semanal e o que eu acompanho tem um registro que eu oriento que eu mando recado, que eu posso incentivar o estudante e a família (ela tem um espaço que ela pode ver como está este filho). Este também é um instrumento que a gente utiliza [...] dentro de sala e em todas as disci-plinas da matriz curricular tem uma finalidade, então, por exemplo, tem cinco horas de aula dentro da escola e duas horas dentro da comunidade. E os professores cobram esta atividade, este retorno e isso quando não vem eles passam para a gente da coordenação. [...] E nós da coordenação tentamos fazer esta ponte para que [o elo com] a comunidade seja melhor (CP).

Os instrumentos pedagógicos revelam aspectos importantes na dinâmica do planejamento, acompanhamento e avaliação da educa-ção na pedagogia da alternância, dentre eles, podemos destacar os mais utilizados: Estágio, Estágio na Propriedade, Intervenção Ex-terna, Caderno da Realidade, Plano de estudo, Atividades na área da agricultura, Visitas às famílias, Colocação em Comum e Caderno da Realidade.

Vale destacar, ainda, que os planos de estudos da EFA são ela-borados em sala de aula com a participação dos alunos, por meio de um questionário, a partir da construção de temas geradores para serem desenvolvidos com suas famílias nas suas comunidades. Após a execução dos planos, os alunos socializam as ações/atividades reali-zadas (Colocação em Comum). Diante disso, podemos perceber que esse instrumento (Plano de Estudos) é um dos mais utilizados pelos professores/estudantes da instituição.

Ao analisar as respostas dadas pelos professores da EFA po-demos observar a recorrente referência à avaliação constante das ati-vidades, via instrumentos pedagógicos, bem como o repensar cons-tante do PPP da escola. Nesse sentido, segundo Veiga (2002, p. 32), “acompanhar as atividades e avaliá-las leva-nos à reflexão com base

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em dados concretos sobre como a escola organiza-se para colocar em ação seu projeto político-pedagógico”.

Ainda, sobre esses instrumentos, Palitot (2007, p. 18) mencio-na que

Os instrumentos pedagógicos da alternância possibi-litam às escolas que a utilizam realizar a educação nas três dimensões possíveis, que são: a educação formal (escola), a educação não formal (práticas educativas realizadas na comunidade e na sociedade) e a educa-ção informal (família).

Outra prática desenvolvida pela escola são as visitas aos alunos em suas comunidades (acompanhamento in loco). Em virtude da dis-tância entre a escola e as comunidades de origem de muitos alunos, essa atividade demora até dois dias, o que necessita de uma logística de tempo e de recursos financeiros (nem sempre disponíveis à escola) e, muitas vezes, as visitas não acontecem com a frequência necessária para um bom acompanhamento do trabalho.

Por meio das informações obtidas nas entrevistas, é possível observar que os sujeitos participantes acreditam que os conteúdos e a forma como eles são trabalhados contemplam os objetivos e a pro-posta da pedagogia da alternância. E que a prática pedagógica pro-posta é praticada pela EFA, o que permite ao aluno aprender técnicas que serão úteis para a vida no campo.

De acordo com as falas dos entrevistados, as práticas e projetos desenvolvidos no cotidiano escolar estão em consonância com o que é previsto em seu PPP. Ainda é oportuno destacar as parcerias que contribuem para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos e para o bom funcionamento da escola, como mencionado pelo Pro-fessor APP.

[...] na verdade nós temos projetos que são do pró-prio governo [...] os programas; e temos os projetos

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de disciplinas; temos projetos junto ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) que são os outros cursos de formação [...]; Ensino Médio Normal e Técnico em Agroecologia integrada ao Ensino Médio que é fruto de convênio com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e Institu-to Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); temos um financiado pela Petrobras; [...] tem outros parceiros também e dentro da nossa proposta tem vários outros projetos também na área agrícola [...]. Dentro da estrutura nós temos uma disciplina cha-mada de prática de agricultura e zootecnia; isso tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. E no Pronera, no Agroecologia também eles têm [...] aulas/atividades no campo [...]. O jardim, por exemplo, é resultado dessas aulas práticas [...].

Na área em que se situa a propriedade da EFA, existem várias estruturas simples de Unidades Demonstrativas (UDs) e/ou pedagó-gicas de produção implantadas relacionadas com atividades da agri-cultura familiar, com o objetivo de ser trabalhadas dentro dos princí-pios da sustentabilidade. Nelas, os estudantes desenvolvem atividades voltadas para as disciplinas Práticas em Agricultura e Zootecnia. A presença dessas estruturas, como aponta o Professor APP: “não é para gerar uma renda para vender, mas para o estudante perceber o aspecto [da aprendizagem] porque a gente prepara o aterro, a terra etc”. Sobre essa questão, o professor CPP também descreve algumas dessas atividades desenvolvidas.

[...] prática agrícola: primeiro nós construímos uni-dades demonstrativas de estudos (temos mais de onze unidades na escola). O que é isso? É um estudo de bovinos, de avicultura, de oleicultura etc., no qual a gente desenvolve estudos, pesquisa para a família ver se é viável, [se] vai utilizar lá ou não. A gente trabalha; é um desafio nosso que as disciplinas de base comum

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se apropriem das atividades pedagógicas agrícolas e façam essa ponte com as disciplinas.

As UDs servem como espaços de aprendizagem para realização das aulas práticas do curso Técnico em Agropecuária Integrado ao En-sino Médio e, ainda, como espaços de divulgação de experimentos com vistas a motivar as famílias e comunidades camponesas na luta pela melhoria da qualidade de vida (ESCOLA, 2015).

Segundo o Professor CPP, a EFA entende que as UDs possi-bilitam aos alunos a aprendizagem de técnicas passíveis de aplicação em suas comunidades, contribuindo, assim, com o desenvolvimento daquele local. Por isso, como já mencionado, as UDs não têm a fina-lidade de produzir em grande escala, uma vez que, se isso acontecesse, a EFA se restringiria à parte produtiva, o que não se configura como objetivo da escola que é o de desenvolver um trabalho que promova a formação integral dos sujeitos.

Analisando as considerações feitas pelos entrevistados sobre a prática e os instrumentos pedagógicos utilizados na proposta de alter-nância, percebe-se que, para a efetivação dessa proposta, faz-se neces-sário o enfrentamento de desafios por parte dos servidores na relação entre teoria e prática em função da realidade de cada contexto, e atrela-dos aos fatores sociais, econômicos, culturais e políticas, principalmen-te quando se trata de escolas localizadas no campo.

Assim sendo, os apontamentos sobre as práticas da pedagogia da alternância que vêm sendo trabalhados na EFA correspondem ao defendido por Grabowski e Pacheco (2012), para quem a alternância pressupõe uma formação educativa, integral, humana e técnica, con-textualizada na realidade, em uma perspectiva de desenvolvimento sustentável.

Dias (2006) ressalta que a formação integral pela alternância acontece com o desenvolvimento dos quatro pilares da educação, elu-cidados por Delors (2003): “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver com os outros” e “aprender a ser”. Segundo Delors

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(2003), o ensino deve ser estruturado a fim de que a educação surja como uma experiência global a ser concretizada ao longo de toda a vida, tanto no plano cognitivo quanto no prático.

Uma das dificuldades relatadas pelo Professor APP no tra-balho com tempo-comunidade refere-se ao nível de conhecimento de algumas famílias no que concerne a compreensão da proposta da pedagogia da alternância. Isso dificulta o acompanhamento das ati-vidades dos jovens no processo de ensino e aprendizagem e, princi-palmente, no trato com os instrumentos pedagógicos da alternância, como também nas atividades consideradas por alguns apenas como “dias de folga”.

[...] eles acham que [como se] estudou uma semana, então aquela semana que está em casa é para descan-sar; não é todos [...], porque há alguns trabalhos que a gente tem o retorno maravilhoso; o desenvolvimento deles com a comunidade vai além desse “cumprir ta-refas”; tem os meninos que acham que é uma semana de folga, quando eles estão aqui a rotina é puxada; eles têm aulas de manhã, à tarde e à noite. Até mesmo pelas dificuldades dos pais, porque são semianalfabe-tos; [...] nas atividades, muitas delas da pedagogia da alternância, precisam da participação da família ou comunidade (DP).

De acordo com a fala do Professor DP, a escola procura os meios necessários para facilitar a articulação da alternância entre a es-cola e a comunidade para que de fato aconteça a aprendizagem, e que as atividades no tempo comunidade possibilitem uma ação conjunta e integrada com as famílias. É nessa interação entre escola, famílias e contexto sociopolítico que a construção de uma alternância integra-tiva acontece. Nessa perspectiva, Silva (2012) ressalta que esse tipo de educação deve possuir meios (instrumentos) que complementem essa dinâmica com as famílias, no sentido de elas participarem da aprendizagem, partilhando a responsabilidade de formação integral

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juntamente com a escola. Nesse sentido, Silva (2012) argumenta que, para alcançar os ob-

jetivos da pedagogia da alternância, a escola necessita utilizar os ins-trumentos pedagógicos para que possa fazer o feedback com as famílias, tendo em vista, ainda, a realização de reuniões com temas específicos. Assim, a EFA articula – por meio dos instrumentos pedagógicos – essa participação, criando situações de interação com encontros de forma-ção, realizando palestras e atividades na e fora da escola para os pais e alunos, diretores, monitores, no intuito de sensibilizá-los sobre as responsabilidades mútuas.

Dessa forma, a relação entre família-escola vai se construin-do gradativamente, podendo possibilitar uma visão mais assertiva do trabalho da escola por parte das famílias, sobretudo no acompanha-mento dos seus filhos no contexto escolar, como pontua o professor DP: “[...] nesse processo há uma necessidade muito grande de a fa-mília entender o processo; se ela não entender, não vai dar um apoio necessário [...] que é um desafio imenso”.

A apreensão desses saberes é fundamental para que essas fa-mílias possam lidar com as atividades do cotidiano dos seus filhos, principalmente, em vista de que o trabalho com a alternância não funciona sem a participação dos pais. E esse acompanhamento se dá em diversos momentos e a partir dos instrumentos pedagógicos da alternância.

O caderno de acompanhamento é uma forma de meio de comunicação também entre a família e a escola; a visita [...] nos encontros ao ano, mas há alguns casos que tivemos que usar a suspensão da semana, [...], [se o aluno] descumprir alguma norma mais séria ou vem re-petindo este comportamento a gente convoca a família. Eles comparecem neste compromisso, porque também está no termo de compromisso na matrícula dele; a gente não faz aquela matrícula igual ao do estado, eles se com-prometem a acompanhar os filhos (APP).

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Em relação à participação dos pais e da comunidade na vida dos filhos na EFA, o entrevistado CPP assim se manifestou: “[...] a família se envolve muito aqui na escola, [...] são parceiros muito importantes no nosso processo. Se você tiver um problema e precisar fazer uma reinvenção, eles estão sempre juntos com a gente”.

O plano da família é um dos instrumentos que propiciam a participação dos familiares na tomada das decisões da EFA, isso pode ser evidenciado quando o Professor CPP relata: “nós tivemos na se-mana passada a reconstituição do Regimento Escolar; foi apresenta-da às famílias a proposta [...] para o conselho poder aprovar e entrar em vigor”; algo também elucidado pelo professor DP: “E perceptível que existe aquele percentual que alguns pais percebem muito bem o processo e [por] isso [...], sem dúvida, o filho avança muito”.

Grabowski e Pacheco (2012) ressaltam que a família se consti-tui como parte fundamental do processo educacional, visto que é ela quem oferece o primeiro contato com os espaços sociais e os valo-res humanos. Dessa forma, ela se faz imprescindível na alternância, representando o ponto de apoio e de integração para o processo de aprendizagem. E ainda sobre essa questão, o PPP da EFA pesqui-sada destaca que um dos meios necessários para o desenvolvimento da educação por alternância é o diálogo com a realidade (ESCOLA, 2015). Essa compreensão coaduna com o ponto de vista defendido por Caliari (2012, p. 151), para quem,

[o] diálogo com a realidade campesina permite tecer, como eixos fundamentais, uma educação da opção, no sentido da escolha entre valores humanos ou mer-cantis; de uma prática agrícola agroecológica ou agro-química, que se coloca hoje como elemento decisivo nas opções econômicas, políticas e sociais em relação à sustentabilidade da vida no planeta; uma educação para percepção, no sentido de cada pessoa ou coletivo campesino perceber-se como autores compondo um processo que se enraíza no passado e nos saberes/fa-

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zeres elaborados pelas gerações no espaço familiar e que se projeta no futuro; e, finalmente, uma educação para a autonomia, no sentido de os povos do campo serem motivados a decidir suas representações, suas artes, suas linguagens, suas estratégias e suas místicas.

É importante ressaltar que a EFA pesquisada não atua somente na formação dos alunos, mas também dos familiares, da comunidade, uma vez que eles são parte constitutiva da proposta pedagógica da alternância, como bem frisado por Gimonet (2007), ao definir o tra-balho de uma EFA. Desse modo, é propiciada a todos os envolvidos a possibilidade de (re)criarem valores, aprenderem novos sentidos e significados pela luta e trabalho na terra, novas relações sociais de produção, por meio das discussões e atividades na e fora da escola e nos encontros de formação entre pais e alunos, diretores, monitores e outros dirigentes do movimento das EFAs.

Em relação às contribuições da pedagogia da alternância para a formação dos estudantes, um dos entrevistados assim se manifestou:

[...] pedagogia da alternância é formar o estudante para a vida! As escolas tradicionais formam os estu-dantes para a carreira profissional, mas as EFAs, na dinâmica da pedagogia da alternância, formam es-tudantes para a vida. Para a EFA, hoje, não importa que os estudantes não sejam aprovados no vestibular, mas se eles conseguem viver bem na sociedade, saber o que é direito e o que é dever deles. Se compreendem esta proposta, vão viver muito bem lá fora. Nós temos vários alunos nossos que estão concursados, fazendo mestrados, são secretários e também temos os que es-tão lá na rua. Para mim, a contribuição da pedagogia da alternância é formar cidadão para a vida (CPP).

Sobre essa questão, Dias (2006, p. 124) explica que a pedagogia da alternância proporciona uma formação integral e transformadora dos jovens do campo e por meio do trabalho coletivo (escola e fa-

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mília) possibilita o desenvolvimento de uma formação plena, algo também definido e defendido pelo professor APP: “Ela propõe a for-mação integral, porque não é esta formação só técnica ou científica, ela propõe esta formação integral mesmo; [...] é constante o estudo que você vê principalmente na parte da formação pedagógica”. O entrevistado CP aponta para o caráter emancipatório de sujeitos que a pedagogia da alternância possui.

Tudo nesta pedagogia forma um cidadão; tudo que é proposto não é só formar um profissional, é formar gente, [uma] pessoa capaz de transformar seu meio. Então, o que eu entendo da pedagogia é que ela for-talece o integral, o científico, o humano, o responsável. Aquele que modifica o meio. A pedagogia fortalece mesmo; o estudante pesquisa a comunidade, um pro-blema ou solução; ele discute e volta e faz o retorno para a comunidade. Ele aprende a viver com o dife-rente, porque você imagina, na escola temos cento e poucos jovens; dormem juntos; são responsáveis pela sala, pela escola, organização do dormitório. Então cria responsabilidade, humanidade, [aprendem] a conviver com o diferente, respeitar o outro, e apren-dem o científico; temos parceria de jovens nossos que já foram para fora do Brasil. Nós temos um intercâm-bio entre as EFAs nacionais, então, tem jovens que tiveram a primeira oportunidade de viajar por aqui. Então, esta pedagogia fortalece o todo e não vejo uma melhor! (CP)

Diante dos elementos apontados pelos entrevistados, podemos destacar que a maior contribuição que a pedagogia da alternância dá aos alunos de escolas do campo é no sentido do saber, do fazer e do ser. A concepção da ação educativa pela alternância não se restringe somente ao contexto escolar em sala de aula, mas sim na contextuali-zação do espaço educativo para além do ambiente interno da escola, que permita a interação com pais, profissionais do meio, associações

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de produtores, lideranças de comunidades, que também são referên-cias de saberes e competências.

Nesse sentido, Gimonet (2007) aponta que a eficiência edu-cativa e formativa da alternância está ligada à coerência entre todos os componentes da situação de formação e, notadamente, entre as finalidades, os objetivos e os meios do dispositivo pedagógico. Isso porque, como menciona PMDP, há diferentes mundos e objetivos nesse trabalho.

Tem muito resultado [...], a pedagogia da alternância não se preocupa apenas com a formação do estudante e de conteúdo, [...] a gente tenta mexer com todos os estudantes, o lado pessoal deles, o lado profissional, o caráter; então a gente vê muitas mudanças. Ago-ra mesmo, eu estava conversando com um professor que é novato, ele colocando [...] como é diferente o respeito aqui. Claro que antigamente tinha aqueles que eram do campo, estritamente camponês, nascido e criado lá; hoje o que acontece? Tem pessoas que mo-rava na cidade e estão no campo ou estavam no campo e foram para a cidade; então é um monte de pessoas e um monte de projetos. E aí a gente percebe muitas mudanças! Tem caso de projeto em que o jovem vive do projeto que ele implantou lá na comunidade dele.

Para Vergutz e Cavalcante (2014, p. 385), “a pedagogia da al-ternância assume-se como proposta educativa na perspectiva de uma teoria-prática emancipatória” em que ela se “apresenta em oposição e assim, possibilita vivências de aprender e conhecer, trabalhadas na perspectiva da horizontalidade dos saberes do campo, em outras palavras, articulação dos saberes como alternativa de um processo emancipatório”.

Nos relatos dos professores, observam-se evidências importan-tes da contribuição da pedagogia da alternância para a vida dos estu-dantes na perspectiva da formação integral das famílias e das pessoas

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que estudaram na EFA. Isso mostra que a escola procura desenvolver seus trabalhos para além dos conteúdos de sala de aula.

4 Considerações finais

Em observância aos objetivos da pesquisa, os resultados nos permitem inferir que a EFA estudada apresenta pressupostos da pe-dagogia da alternância, evidenciando perspectivas de formação in-tegral, capazes de interferir na vida dos sujeitos que vivem no e do campo.

Analisando os dados coletados nas entrevistas realizadas com o diretor, o coordenador pedagógico e professores/monitores, é pos-sível perceber que a EFA pratica a pedagogia da alternância consi-derando os contextos socioculturais dos sujeitos que vivem no e do campo, com vistas a realizar o processo de ensino e aprendizagem, na perspectiva da construção de conhecimento para a formação integral. Suas estratégias pedagógicas os ajudam a realizar as atividades em sessão escolar e sessão família-comunidade, no sentido de articular os saberes por meio da reflexão, ação e reflexão.

Na atuação da EFA de Porto Nacional, a alternância pode ser caracterizada como “alternância real”, dada a sua efetiva interação entre os diferentes momentos de aprendizagem – quer eles sejam individuais, relacionais, didáticos ou institucionais – com possibili-dades de transformação dos seus campos e dos atores em presença (GIMONET, 1982, apud SILVA, 2012; BACHELARD, 1994).

A EFA desenvolve suas ações pedagógicas em consonância com os diversos saberes, contribuindo, assim, para o processo de construção da identidade camponesa, na busca do conhecimento para a formação integral e desenvolvimento sustentável dos sujeitos campesinos. Percebe-se, ainda, a repercussão das atividades desen-volvidas nas famílias-comunidades, visto que visa à formação de um cidadão mais politizado, que luta pelos seus direitos.

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Considerando que os registros históricos marcam a negligência das políticas educacionais à população do campo, pudemos observar na EFA pesquisada e sentir nas falas dos entrevistados o valor e a importância da educação em alternância para o desenvolvimento das comunidades onde residem os estudantes. Depreende-se, também, que, no Tocantins, ainda há muito a ser feito para ofertar uma educa-ção do campo, para o campo e no campo. Isso nos permite dizer que é necessário realizar pesquisas que tematizem a educação do campo em todos os níveis de ensino e em suas diferentes perspectivas.

REFERÊNCIAS

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BOURGEON, G. Sócio-pédagogie de l’alternance. Paris: Messonance, Éditions UNMFREO, 1979.

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A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento

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Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do

CampoCássia Ferreira Miranda7

Maciel Cover8

1 Introdução

A educação do campo surge no Brasil como resultado da ação dos movimentos sociais do campo que, a partir do final da década de 1990, articulam esforços para cobrar do Estado políticas voltadas para tal área (CALDART, 2012). O direito universal à educação e o princípio de que os saberes dos povos do campo devem ser respeita-dos e valorizados compõem o quadro das reivindicações pedagógicas da proposta.

Este capítulo apresenta a experiência da Licenciatura em Edu-cação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universida-de Federal de Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis, e anali-sa quais as estratégias utilizadas para efetivar a interdisciplinaridade nesse curso. Trata-se de uma análise da prática educativa com base na

7 Doutoranda em Teatro. Professora do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. Brasil. E-mail: [email protected] Doutor em Ciências Sociais. Professor do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. Brasil. E-mail: [email protected].

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leitura do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e à luz de pesquisas bibliográficas sobre o tema.

O curso analisado tem por objetivo formar educadores e edu-cadoras para trabalhar na docência em artes nas escolas do campo para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio. A ideia teve origem a partir de demandas sociais e se viabilizou atra-vés do Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), edital lançado pelo Ministério da Educação com o objetivo de “apoiar a implementação de cursos regulares de Licenciatura em Educação do Campo nas instituições públicas de ensino superior de todo o país” (BRASIL, 2010).

Conforme destacam Molina e Mourão Sá (2011), a finalidade das Licenciaturas em Educação do Campo é formar profissionais ca-pazes de dirigir e gerir processos educativos escolares e comunitários e atuarem em áreas específicas do conhecimento. Por responderem a essa demanda diferenciada, os cursos desse formato se inspiram em uma perspectiva interdisciplinar de conhecimento e organização curricular.

A pesquisa de Carvalho e Karwoski (2015) aponta que há poucos estudos sobre interdisciplinaridade no Brasil, e que a maioria versa sobre experiências em cursos de bacharelado, o que indica uma lacuna no desenvolvimento de pesquisas sobre interdisciplinaridade nas licenciaturas no Brasil.

Em termos de educação do campo, considerando a jovialidade do tema no meio acadêmico, que passa a emergir no final de década de 1990, Ribeiro e Bueno (2015, p. 9), a partir de um estudo feito no estado do Rio Grande do Sul indicam a necessidade de formação dos educadores para práticas interdisciplinares, uma vez que os mesmos apresentam uma prática disciplinar “presente e consolidada”.

Este capítulo reflete sobre alguns pontos relacionados à abor-dagem interdisciplinar na formação de educadores e educadoras a partir de algumas questões: como construir uma perspectiva inter-

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disciplinar em um ambiente acadêmico historicamente marcado pela fragmentação do conhecimento? Que aspectos podem ser mobili-zados para criar um ambiente escolar e universitário que favoreça a interdisciplinaridade?

2 O processo de constituição do curso de Licenciatura em Educa-ção do Campo com habilitação em Artes e Música

A Universidade Federal do Tocantins (UFT) é constituída por sete câmpus universitários distribuídos em regiões estratégicas. O To-cantins é um estado que se destaca por sua multiculturalidade, sua jo-vialidade – teve sua emancipação do estado de Goiás, pela Constitui-ção de 1988 – e pela diversidade natural da região Amazônica. Nesse contexto, está fortemente marcado pelas disputas territoriais e embates culturais.

O curso de Licenciatura em Educação do Campo com habili-tação em Artes e Música9 tem como missão cumprir objetivamente sua função social e atender parte da demanda educacional dos povos do campo do Tocantins e auxiliar na formação de professores. O cur-so é diferenciado, pois os profissionais formados atuarão nas escolas do campo e com os povos do campo – quilombolas, ribeirinhos, agri-cultores familiares, pescadores artesanais, extrativistas, acampados, assentados e reassentados da reforma agrária, entre outros – e estarão em contato direto com esses conflitos e auxiliando na emancipação social camponesa.

Criado em 2014, o curso conta com quatro turmas em 2016: a primeira teve início em 2014; a segunda, em 2015; e, em 2016, duas

9 Curso oferecido pela UFT, em parceria com as organizações sociais e sindicais do campo – principalmente, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura do Estado do Tocantins (Fetaet).

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novas turmas passaram a fazer parte do curso. A escolha pela área de Códigos e Linguagens vem ao encontro da necessidade de suprir a oferta de curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilita-ção em todas as áreas de conhecimento para que as escolas do campo tenham educadores camponeses habilitados nas diversas áreas.

A matriz curricular do curso está organizada em três núcle-os de conteúdos: Núcleo comum: que aglutina elementos de or-dem geral na formação do educador, como desenvolver habilidades de docência, desenvolvimento de linguagem oral e escrita, pesquisa, compreensão da realidade agrária do Brasil e da região Amazônica; Núcleo específico: que aglutina conhecimentos referentes ao campo das artes visuais e música; e Núcleo de atividades complementares: que contempla atividades de extensão, pesquisa, monitorias, estágios, viagens de campo e participação em eventos.

Ao tratar da área do conhecimento de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Minis-tério da Educação (BRASIL, 2000, p. 5) destacam a importância da linguagem, visto que essa área está relacionada à

[...] capacidade humana de articular significados cole-tivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de re-presentação, que variam de acordo com as necessida-des e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido [...] [que] permeia o conhecimento e as for-mas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar, a comunicação e os modos de comunicar, a ação e os modos de agir. Ele é a roda inventada, que movimenta o homem e é movimentada pelo homem. Produto e produção cultural, nascida por forçadas práticas so-ciais, a linguagem é humana e, tal como o homem, destaca-se pelo seu caráter criativo, contraditório, plu-ridimensional, múltiplo e singular, a um só tempo.

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Quando tratamos da arte, dentro da área de conhecimento Có-digos e Linguagens, estamos abordando diretamente a forma como o pensamento artístico auxilia o ser humano em sua vivência, no exer-cício de experimentar, representar e dar sentido ao mundo que o cer-ca e do qual é parte integrante. A Arte, como manifestação cultural das sociedades e área do conhecimento que aglutina diversas lingua-gens artísticas – entre as quais são trabalhadas, neste momento, a Música e as Artes Visuais – desenvolve e estimula a sensibilidade, a percepção, a imaginação e a reflexão, possibilitando abordar o mundo sob um viés poético e estético.

Na área de conhecimento em questão, em um curso de Li-cenciatura em Educação do Campo, essa abordagem se fortalece e se amplifica com o uso da arte na luta política. Os trabalhadores or-ganizados, desde o final do século XIX, utilizam a arte como forma de militância, congraçamento e manutenção de um sentido de per-tencimento a um determinado coletivo (MIRANDA, 2014). Atra-vés da representação, os grupos legitimam suas ideias e fortalecem seus signos e posturas frente à sociedade, reforçando seu imaginário social. Com relação à importância de trabalhar o imaginário social, Carvalho (1990, p.10) afirma que

É por meio do imaginário que se pode atingir não só a cabeça mas, de modo especial, o coração, isto é, as as-pirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objeti-vos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro. O imaginário social é constituído e se expressa por ideologias e utopias, sem dúvida, mas também – e é aqui que me interessa – por símbolos, alegorias, rituais, mitos.

Pode-se observar a valorização da arte nos movimentos sociais na fala de Bogo (2000, p. 80), quando reafirma o sentido da arte e dos artistas e convoca-os a “líderes políticos”.

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Os artistas e poetas assumem nesta área a condição de líderes políticos, por isso, a estética sendo a arte de desenvolver o belo, está profundamente ligada à ideologia. Não existe obra de arte sem representação, por onde a mensagem passa desenhada, esculpida ou musicada, dizendo algo que toca a profundidade da consciência humana, que sente prazer em poder che-gar cada vez mais próximo da beleza.

Nesse sentido, a arte com seu potencial de produzir represen-tações desperta o imaginário e promove a reflexão e o diálogo de saberes, possibilitando que a interdisciplinaridade seja um elemento--chave na formação dos educadores e educadoras do campo.

A arte em seus vários campos disciplinares – artes cênicas, mú-sica e artes visuais – pode ser trabalhada em atividades interdiscipli-nares, o que possibilita o desenvolvimento de um ambiente favorável a formar um educador do campo que transite com competência em diferentes disciplinas.

3 A pedagogia da alternância e a construção de uma matriz curricular interdisciplinar

Uma das características do curso de Educação do Campo é sua concepção a partir da pedagogia da alternância, que possibilita o seu tempo organizado em: tempo universidade e tempo comunidade. Esse formato é voltado para a realidade dos educandos e educandas do campo, permitindo que eles e elas mantenham suas atividades sem ter que optar entre suas tarefas em família/comunidade e sua formação escolar.

Essa situação já foi constatada como um dos motivos respon-sáveis pela dificuldade de escolarização das populações camponesas (SILVA, 2011), por isso, atualmente, o semestre letivo do curso é composto por três tempos universidade e dois tempos comunida-

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de. No tempo universidade, geralmente com o tempo de duas sema-nas, os educandos e educandas participam das aulas no Câmpus de Tocantinópolis. No tempo comunidade, que abrange cerca de um mês, os educandos e educandas desenvolvem atividades educativas em suas comunidades de origem. Vê-se, como observam Scalabrin e Sousa (2013), que tempo universidade não é apenas o lugar da teoria, como também o tempo comunidade não é apenas o lugar da prática. Teoria e prática são indissociáveis e nos diferentes tempos existem espaços para estudar e aprofundar temas teóricos, como também para analisar práticas que são desenvolvidas pelos educandos.

No currículo da Licenciatura em Educação do Campo, a maior parte das disciplinas tem a carga horária composta por 40 horas no tempo universidade, nas quais são realizadas as aulas, e 20 horas no tempo comunidade, nas quais se desenvolvem atividades educativas, voltadas às demandas disciplinares. Entre essas atividades estão a re-alização de exercícios, as leituras dirigidas e as pesquisas nas comu-nidades, sempre procurando manter o diálogo entre os conteúdos trabalhados em aula e as realidades vivenciadas em comunidade. Esse formato auxilia na construção e no fortalecimento da alternância ao mesmo tempo que fomenta o diálogo entre os dois tempos e a cons-trução coletiva de saberes.

O seminário integrador tem a mesma dinâmica das demais disciplinas e tem carga horária de 30 horas, sendo 15 horas de tempo universidade e 15 horas de tempo comunidade. Durante o tempo universidade são organizados encontros com as turmas para preparar e discutir as pesquisas a serem feitas no tempo comunidade e analisar os dados coletados.

A duração do curso é de oito semestres e, em cada um, há uma disciplina de seminário integrador, que tem os seguintes objetivos: ser o elo de comunicação entre as diferentes disciplinas oferecidas no semestre; aprimorar as habilidades de pesquisa dos discentes; manter o diálogo entre os saberes universitários e os saberes camponeses na construção de novos saberes. Todo esse esforço é para buscar a inter-

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disciplinaridade e evitar, conforme Scalabrin (2011, p. 251),

[...] a fragmentação do conhecimento [que] não se restringe apenas à existência das disciplinas trabalha-das como caixinhas isoladas, mas também na superio-ridade do conhecimento científico e na negação dos conhecimentos tradicionais, populares, empíricos, dos sujeitos.

Ao optar por construir a interdisciplinaridade nessa licencia-tura, o projeto pedagógico do curso se fundamentou nos seguintes princípios: a formação contextualizada; a realidade e as experiências das comunidades do campo como objeto de estudo e fonte de conhe-cimentos; a pesquisa como princípio educativo; a indissociabilidade entre teoria e prática; o planejamento e a ação formativa integrada entre as áreas de conhecimento; os alunos como sujeitos do conhe-cimento; e a produção acadêmica para a transformação da realidade (UFT, 2014, p. 23).

A formulação do curso parte do diagnóstico de que, embora a interdisciplinaridade seja fundamental, o que predomina no meio uni-versitário é um modelo fragmentado, disciplinar. A proposta do curso, então, é apostar na interdisciplinaridade como matriz formativa, como concepção de organização curricular, que busca adequar a prática no decorrer do andamento do processo formativo. Parte-se da análise da prática para poder refletir, aperfeiçoar e aprimorar o fazer educativo. A possibilidade de construir a interdisciplinaridade no decorrer do pro-cesso pedagógico supõe a flexibilidade do planejamento e a adequação de acordo com a avaliação do trabalho em andamento.

Para que o processo pedagógico seja exitoso, necessita-se tam-bém que o trabalho docente seja solidário e coletivo, e que o planeja-mento e a avaliação da prática em grupo aconteçam. Superar a frag-mentação ou a individualização do trabalho do professor é um dos passos desejados para se fazer a interdisciplinaridade. O horizonte é uma proposta de currículo interdisciplinar, no entanto, o fato de o

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curso estar ancorado em práticas institucionais construídas e inseri-das em uma concepção marcadamente disciplinarizante faz com que seja preciso se partir de uma grade curricular. Para se chegar a uma prática pedagógica interdisciplinar, o projeto pedagógico do curso, inspirado em Santomé (1998, apud UFT, 2014, p. 25), sugere os se-guintes passos:

a) integração correlacionando diversas disciplinas; b) integração através de temas, tópicos ou ideias; c) integração em torno de uma questão da vida prática e diária; d) integração a partir de temas e pesquisas decididos pelos estudantes. Além da possibilidade ainda de: 1) integração através de conceitos; 2) inte-gração em torno de períodos históricos e/ou espaços geográficos; 3) integração com base em instituições e grupos humanos; 4) integração em torno de desco-bertas e invenções; 5) integração mediante áreas de conhecimento.

4 O exercício da interdisciplinaridade a partir da disciplina Seminário Integrador

Ao estabelecermos que o horizonte pedagógico está relaciona-do à perspectiva da interdisciplinaridade, é pertinente fazermos a se-guinte pergunta: como chegar até esse horizonte? Que passos devem ser programados para se construir uma matriz curricular que supere a fragmentação do conhecimento?

No caso que se analisa, os Seminários Integradores I a VIII são o espaço central reservado na grade curricular do curso para garan-tir o exercício da interdisciplinaridade e integrar as diferentes áreas de conhecimento trabalhadas nos semestres, em consonância com o saber que os educandos trazem de suas experiências de vida. Como orienta a ementa da disciplina, é o “espaço de diálogo interdiscipli-

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nar para discussão das atividades realizadas no bloco. Assim como preparação do instrumento de pesquisa para o tempo comunidade, envolvendo todos os docentes e discentes do bloco” (UFT, 2014).

No Seminário Integrador, em cada semestre, é escolhido um tema gerador que articule as diferentes disciplinas e se adeque à rea-lidade dos educandos e educandas. Cada docente prepara um roteiro com algumas perguntas, com base na intencionalidade pedagógica de sua disciplina em conexão com o tema gerador. Dessa maneira, cada educando vai para o tempo comunidade com cinco ou seis diferentes roteiros de questões para pesquisar e refletir.

Os dados coletados são registrados em um instrumento cha-mado, por exemplo, no Seminário Integrador I, de “Memorial des-critivo10”. Cada professor coordena e orienta um grupo de discentes, tanto na coleta de dados no tempo comunidade como posteriormen-te na confecção dos memoriais descritivos. Durante o tempo uni-versidade seguinte a essa coleta de dados, os educandos em conjunto com os professores preparam seus relatórios de pesquisa – memoriais descritivos ou outro registro – para, posteriormente, no final do se-mestre, apresentarem os resultados dessas pesquisas para os demais discentes e para a comunidade.

Foi dessa forma que aconteceu com a primeira turma do curso, iniciada em 2014.1. Durante o primeiro semestre, no Seminário Inte-grador I, os educandos realizaram suas pesquisas, refletiram e produzi-ram seu memorial descritivo com o tema gerador escolhido por eles e pelos docentes do curso, no caso, o tema foi Conhecendo a comunidade. A reflexão e a produção de conhecimento frutificaram em uma produ-ção audiovisual que culminou em uma mostra denominada Mostra de vídeos de 1 minuto. Esse trabalho foi desenvolvido ao longo do segundo semestre do curso, 2014.2, entre as disciplinas do período e a disciplina Seminário Integrador II.

10 O memorial descritivo é inspirado na experiência de produção do caderno da realidade, desenvolvido pelas Escolas Famílias Agrícolas (SILVA, 2011).

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5 O desenvolvimento do Seminário Integrador III: turma 2014.1

A turma que em 2015.1 estava no terceiro período do curso in-gressou com 95 alunos e no primeiro semestre de 2016 estava com 62 alunos, dividida em duas turmas de 31 alunos cada uma. Nesse se-mestre foram trabalhadas as disciplinas de Prática Coral I, Teoria e Percepção Musical, Estética e Filosofia da Arte, Filosofia da Educação, Metodologia Científica, Didática Geral e Seminário Integrador III.

Como a turma já havia trabalhado nos semestres anteriores com temas geradores que propunham a reflexão acerca de suas comunida-des, optou-se por experimentar um tema gerador que pudesse traba-lhar alguma temática que necessitasse ser colocada em debate e que pudesse ser comum à realidade dos educandos e das educandas. Além disso, como estava sendo trabalhada a disciplina Didática, pensou-se em utilizar como produto final do Seminário Integrador III a utili-zação das pesquisas e reflexões para elaboração de um instrumento pedagógico que pudesse compor o acervo dos futuros educadores e educadoras. A abordagem escolhida foi a “Oficina pedagógica” por se considerar um importante instrumento de diálogo e construção de saberes entre docentes e discentes (PAVIANI; FONTANA, 2009).

Os temas geradores escolhidos foram Intolerância religiosa e Direito à memória e à verdade. O primeiro por ter sido detectada a necessidade de ser reforçada na região a questão do Estado laico e de uma educação igualmente laica, em que se respeitem e acolham as diferenças. O segundo, pelo curso estar situado na microrregião denominada Bico do Papagaio, na qual, durante a Ditadura Militar brasileira, ocorreu a sangrenta Guerrilha do Araguaia.

Ainda hoje, o silêncio relacionado a esses acontecimentos impera na região e muitas são as famílias que esperam por notícias de seus “de-saparecidos políticos”. A proposta de diálogo com o tempo comunidade foi alterada devido à greve nacional dos servidores e professores federais, que fez com que tivéssemos apenas um tempo comunidade, que serviu

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para observação, coleta e reflexão acerca das problemáticas dos temas geradores nas comunidades dos discentes.

Os encontros que ocorreram durante os dois tempos universi-dade serviram para problematizar os temas geradores e refletir sobre a concepção das oficinas pedagógicas. Os planos de oficinas peda-gógicas pensados pelos educandos e educandas deveriam levar em consideração os conteúdos ministrados nas demais disciplinas, pro-curando trabalhar a interdisciplinaridade sempre que possível. Para tal, também foi incentivado que as ações propostas para as oficinas fossem pensadas para serem aplicadas na área de formação do curso: populações do campo – crianças, jovens e adultos – utilizando as lin-guagens de artes visuais e música.

Os educandos e educandas se organizaram em trios ou quartetos e foram orientados pelos professores e professoras que atuavam no se-mestre. Cada professor ou professora ficou responsável pela orientação direta de cerca de doze alunos. Ao final do semestre, foram entregues os planos de oficinas pedagógicas pensadas em torno dos dois temas geradores: Intolerância religiosa e Direito à memória e à verdade.

6 O desenvolvimento do Seminário Integrador I: turma 2015.1

No semestre 2015.1, iniciado em maio de 2015, ingressaram duas turmas com 50 educandos/educandas em cada uma. As disci-plinas trabalhadas no primeiro semestre foram Língua Portuguesa; Movimentos Sociais; História de Vida; História da Arte; Estado, Sociedade e Questões Agrárias.

O tema gerador escolhido pelos docentes para trabalhar foi Conhecendo a comunidade. Durante o primeiro tempo universidade, a primeira atividade do seminário integrador para os alunos foi a participação na II Jornada Universitária pela Reforma Agrária, even-to que contou com algumas palestras sobre Análise de Conjuntura

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Nacional e sobre o Projeto Regional Matopiba,11 que afeta as comu-nidades rurais, quilombolas e indígenas da região.

A outra parte do tempo da disciplina foi utilizada em um en-contro em que estiveram presentes todos os professores, professoras, educandos e educandas. Houve a apresentação de grupos coordenados pelos docentes que orientam as atividades realizadas a partir de cada disciplina para buscar Conhecer a comunidade.

Cada educador ou educadora acompanhou um grupo com cer-ca de quinze discentes. Em cada disciplina, os educandos e educandas tinham questões relacionadas ao tema gerador. Como, por exemplo:

• História da Arte: entrevistar um artista da comunidade; • Língua Portuguesa: observar e registrar os modos de falar e

de escrever de cada comunidade; • Estado, Sociedade e Questões Agrárias: levantar dados so-

bre a estrutura fundiária do município de cada educando; • Movimentos Sociais: entrevistar um integrante de algum

movimento social da comunidade ou município; • História de Vida: entrevistar três pessoas idosas; • Fundamentos da Notação Musical: mesmo não tendo sido

oferecida, sugerimos aos educandos que elegessem uma mú-sica marcante em suas trajetórias.

Conforme comentado anteriormente, o semestre 2015.1 teve apenas dois tempos universidade e um período de tempo comunida-de. Durante o segundo tempo universidade, os educandos e educan-das se reuniram em grupos com os professores para resolver questões

11 Trata-se de um projeto do governo federal para promover a agricultura empresarial em quatro estados brasileiros: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, por isso do acrônimo Matopiba. A crítica dos movimentos sociais do campo é de que esse projeto prevê investimentos no agronegócio e ameaça os direitos à terra, à água e ao território das comunidades camponesas.

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sobre a confecção do memorial descritivo. A apresentação aconteceu em dois momentos: no primeiro, os educandos e educandas apresen-taram seus trabalhos no grupo junto com o professor coordenador; no primeiro, os discentes apresentaram seus trabalhos junto com seu orientador ou sua orientadora; no segundo, dois educandos e educan-das de cada grupo apresentaram o trabalho para o coletivo.

Em termos gerais, pode-se observar uma participação satisfa-tória dos educandos e educandas que desenvolveram as pesquisas, as entrevistas e os levantamentos de dados. Esse material permitiu mergulhar na vida das comunidades e observar que os temas discuti-dos em sala de aula têm conexão com a realidade vivenciada por eles.

O memorial descritivo, mesmo sendo organizado em uma perspectiva de registro disciplinar – ou seja, separado por temáticas – também permite fazer um balanço ao final da pesquisa e criar co-nexões entre a realidade estudada e as disciplinas. Em muitos casos, esse trabalho possibilitou pontes entre as disciplinas Movimentos Sociais com História de Vida, ou com Estado, Sociedade e Questões Agrárias, e assim por diante. A realização da pesquisa no tempo co-munidade e a composição do memorial descritivo permitiram tam-bém discutir técnicas e estratégias de pesquisa com os educandos e educandas. O exercício de fazer entrevistas e observar os contextos em diferentes temas levou os educandos e educandas a ingressar no mundo da pesquisa já desde o primeiro semestre na universidade.

7 Considerações finais

Em um contexto de ensino superior, em que se postula a ne-cessidade de formar educadores que possam ir além do modelo de ensino que fragmenta o conhecimento, alguns aspectos observados no curso de Licenciatura em Educação do Campo se mostram como alternativas para exercer com mais eficiência a interdisciplinaridade.

A organização do curso a partir da pedagogia da alternância,

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que permite vivenciar um tempo na universidade e um tempo na comunidade, viabiliza o desenvolvimento de atividades que fomen-tem o diálogo entre os conhecimentos apresentados pelos professores em sala de aula e os conhecimentos que os educandos têm em seu mundo social, em sua trajetória de vida e através das pesquisas desen-volvidas no tempo comunidade. Observamos, durante a análise desse curso, que a pedagogia da alternância favorece o desenvolvimento de um ambiente interdisciplinar.

O seminário integrador também possibilita um ambiente inter-disciplinar. O fato de realizar pesquisas que contemplem habilidades das diversas áreas do conhecimento que culminarão em uma produção científica, produto de suas pesquisas e reflexões, faz com que os edu-candos e educandas concretizem uma atuação abrangente e associada. Além disso, o fato de estarem todos os professores e professoras atuan-do juntos possibilita um momento ímpar de avanço coletivo, no qual discentes e docentes refletem problemas das comunidades, debatem conceitos e buscam soluções/alternativas de atuação.

A partir da análise de todo o movimento estimulado pela dis-ciplina de Seminário Integrador, pudemos perceber uma mudança no olhar de alguns educandos e educandas com relação à pesquisa. Antes tida como algo apenas para “alguns”, algo “distante”, “difícil”, ao longo dos semestres houve a construção de uma relação com o ato de pesquisar, a coleta de dados, a construção do diálogo e da reflexão entre os dados e a teoria que foram trabalhados nas disciplinas. Hou-ve um interesse maior pela pesquisa e pela escrita de artigos. Esse fato só vem a contribuir para a formação de nossos futuros professo-res e professoras que, ao refletirem e teorizarem sobre suas práticas, aprimorarão ainda mais seus trabalhos e auxiliarão aqueles que estão dando seus primeiros passos.

Adotar um espaço na grade curricular para exercitar a interdis-ciplinaridade tem se demonstrado um meio pertinente de conectar os diferentes saberes que são discutidos em cada etapa do curso, a partir das distintas disciplinas oferecidas pelos docentes, e os conhe-

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cimentos que os educandos e educandas trazem em sua experiência de vida junto às suas comunidades. O limite para lidar com o tema da interdisciplinaridade na grade curricular pode ser visto na lingua-gem acadêmica que utilizamos, já que temos uma “disciplina” para exercitar a “interdisciplinaridade”. No entanto, tanto no projeto do curso quanto na prática dos docentes, tem-se em mente, em conso-nância com Rodrigues (2011), que a interdisciplinaridade deve ser vista como um processo e não apenas como um conjunto de proce-dimentos.

Ademais, os cursos de Licenciatura em Educação do Campo surgem em um campo de inspiração contra-hegemônica e isso nos indica que exercitar a interdisciplinaridade é um ato positivo no sen-tido de congregar diferentes saberes para universalizar o ensino supe-rior junto às populações do campo, desde que isso não indique uma desvalorização dos saberes que essas populações constroem.

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Percurso metodológico para construções identitárias na

formação de professoras e professores do campo no norte do Tocantins: reflexões a partir

da experiência com o curso de Licenciatura em Educação do

Campo com habilitação em Artes e Música, da UFT – Câmpus

Tocantinópolis Ubiratan Francisco de Oliveira12

As reflexões que aqui serão apresentadas partem das experiên-cias com a criação e implantação do curso de Licenciatura em Edu-cação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universi-dade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis, situado em

12 Doutorando em Geografia pelo IESA/UFG. Professor do curso de Educação do Campo UFT. E-mail: [email protected].

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Tocantinópolis, região do Bico do Papagaio, Tocantins. Em 2012, a Universidade Federal do Tocantins (UFT) aprovou,

via edital do MEC para o Programa Nacional de Formação de Pro-fessores do Campo (Procampo), a criação do curso de Licenciatura em Educação do Campo para os câmpus de Arraias e Tocantinópolis. No segundo semestre de 2013, iniciou-se a implantação do curso. A pri-meira turma de Tocantinópolis no primeiro semestre de 2014 contou com 75 discentes do norte do Tocantins e sudoeste do Maranhão.

O regime de ensino foi estruturado segundo a pedagogia da alternância. As aulas se realizavam entre tempo universidade (40 ho-ras), tempo comunidade (20 horas) e seminários integradores. Cada disciplina exigiu o desenvolvimento de atividades de pesquisa sob a orientação de um eixo temático comum para todas. Em cada semes-tre foram destinadas 30 horas para realização de seminários de so-cialização e orientação dos trabalhos de campo realizados no tempo comunidade.

A diversidade do homem e da mulher do campo foi bem re-presentada na primeira turma de licenciatura, constituída por indí-genas do grupo étnico Apinayé; quilombolas das comunidades de Cocalinho – norte do Tocantins e Mumbuca – Jalapão; assentados e assentadas da reforma agrária; professores e professoras de comu-nidades rurais; jovens vindos de famílias da agricultura familiar, da pesca, quebradeiras de coco babaçu que vivem do extrativismo, das cidades e vilas da região.

Do ponto de vista das classes sociais, são trabalhadores e tra-balhadoras, militantes de movimentos sociais do campo e da cidade, grupos religiosos, comunidades tradicionais que compreendem uma grande camada da população do Bico do Papagaio. Historicamente, são pessoas da localidade a quem foram negados direitos essenciais, como educação de qualidade, saúde, segurança e trabalho digno e que, por meio de políticas de acesso e permanência, compõem hoje o novo cenário social das universidades brasileiras dos últimos anos. São “ou-tros sujeitos” que exigem uma “outra pedagogia” (ARROYO, 2014).

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de

Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da UFT – Câmpus Tocantinópolis

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São eles, os novos/velhos atores sociais em cena. Esta-vam em cena, mas se mostram como atores em públi-co, com maior ou novo destaque. Seu perfil é diverso, trabalhadores, camponeses, mulheres, negros, povos indígenas, jovens, sem teto, sem creche... Sujeitos co-letivos históricos se mexendo, incomodando, resistin-do. Em movimento. Articulados em lutas comuns ou tão próximas por reforma agrária, urbana, educativa. Por trabalho, salários, carreira. Por outro projeto de campo, de sociedade. [...] Às escolas e às universi-dades chegam outros educandos trazendo outras in-dagações para o pensar e o fazer pedagógicos. (AR-ROYO, 2014, p. 26)

Educação do campo que não compreende nem respeita o tem-po/espaço da mulher e do homem do campo tende a ser uma falsa educação. É preciso entender que chegar ao campo para impor con-teúdos e práticas pedagógicas dos centros urbanos não é educação do campo, é colonização, é opressão. Não há nada mais perigoso no pensamento pedagógico do que a ideia de “tirar o outro/outra da ignorância”. Esses sujeitos trazem consigo consciências de luta e re-sistência (ARROYO, 2014). A educação opressora nega a condição de potência dos povos do campo e, muitas vezes, essa condição é estabelecida por educadores e educadoras defensores da educação libertadora, mas com o pensamento de levar a liberdade e não de construí-la com eles, libertando-os e se libertando ao mesmo tempo.

A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, “ação cultural” para a liberdade, por isto mes-mo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opres-sor. Este é que se serve desta dependência para criar mais dependência (FREIRE, 1987, p. 30).

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A educação do campo resulta de anos de luta por acesso, per-manência, resistência e existência dos povos do campo no campo, homens e mulheres de um riquíssimo processo de formação política que se tornaram sujeitos e sujeitas que não se encontram na condição de coisas, mas sim de humanos. A educação que receberam fora da escola lhes deu condições de potentes agentes de transformação e educação que poderão contribuir para construção coletiva de conhe-cimento. Para esses sujeitos e sujeitas,

Não se propõe como educá-los, mas como se edu-cam, nem como ensinar-lhes, mas como aprendem, nem como socializá-los, mas como se socializam, como se afirmam e se formam como sujeitos sociais, culturais, cognitivos, éticos, políticos que são (AR-ROYO, 2014, p. 27).

A educação do campo se torna territorial ao se vincular à luta pela terra, aqui ela ganha uma dimensão espacial e, acima de tudo, ontológica. Podemos dizer a dimensão ontológica do território cam-ponês. Território e identidade se tornam categorias fundamentais para analisar o papel da educação do campo no processo de luta e apropriação da terra pela classe trabalhadora e por comunidades tra-dicionais. A educação do campo tem papel fundamental na constru-ção de identidades que fazem com que homens e mulheres do cam-po se reconheçam como povos do campo – camponeses, indígenas, quilombolas, pescadores, extrativistas ou agricultores – e somente a partir dessa identidade se inicia o processo de luta por seus direitos essenciais para uma vida com qualidade no campo. Ao assumirem suas identidades, saem da condição de “coisas” para condição de ho-mens e mulheres.

É como homens que os oprimidos têm de lutar e não como “coisas”. É precisamente porque reduzidos a quase “coisas”, na relação de opressão em que estão, que se encontram destruídos. Para reconstruir-se é

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importante que ultrapassem o estado de quase “coi-sas”. Não podem comparecer à luta como quase “coi-sas”, para depois ser homens. É radical esta exigência. A ultrapassagem deste estado, em que se destroem, para o de homens, em que se reconstroem, não é “a posteriori”. A luta por esta reconstrução começa no autorreconhecimento de homens destruídos (FREI-RE, 1987, p. 31).

Em uma perspectiva dialógica e dialética, a construção das identidades dos povos do campo na educação do campo não se dá a partir da leitura de mundo do educador sobre esses povos, mas sim a partir do diálogo com esses povos sobre essas identidades que irão se manifestar dialeticamente. Segundo Kosik (1976), “A dialética trata da ‘coisa em si’, mas a ‘coisa em si’ não se manifesta imediatamente ao homem”. Essas identidades não se manifestam à primeira vista aos olhos do educador e dos seus educandos, a não ser como representa-ções rasas sobre as mesmas.

[...] o pensamento dialético distingue entre represen-tação e conceito da coisa, com isso não pretendendo apenas distinguir duas formas e dois graus de conhe-cimento da realidade, mas especialmente e, sobretudo, duas qualidades da práxis humana. A atitude primor-dial e imediata do homem, em face da realidade, não é a de um abstrato sujeito cognoscente, de uma mente pensante que examina a realidade especulativamente, porém, a de um ser que age objetiva e praticamente, de um indivíduo histórico que exerce a sua atividade prática no trato com a natureza e com os outros ho-mens, tendo em vista a sua consecução dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado conjunto de relações sociais (KOSIK, 1976, p. 13).

Aqui as identidades não são o ponto de partida e sim o ponto de chegada do processo de construção coletiva de conhecimento de

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professores e professoras do campo. O que os une ao campo? O que os leva ao campo como futuros educadores? Em qual momento de suas vidas se encontraram com o campo? De alguma forma, no nor-te do Tocantins, como em grande parte do território brasileiro, em pequenas cidades ou em grandes metrópoles, encontramos raízes de uma vida rural presentes na família ou nos hábitos e costumes do dia a dia. Principalmente em um país que passou a maior parte de sua existência sob um sistema econômico agrário.

É fundamental para a educação do campo que seus futuros educadores/educadoras da educação básica sejam sujeitos e sujeitas do campo. Mas o que vem a ser um sujeito e uma sujeita do campo na atualidade? Quais os elementos marcantes de suas culturas que podem identificá-los como pertencentes à população do campo? Para Bourdieu (1999), os lugares, sejam no campo ou nas cidades, são carregados de elementos culturais manifestados na linguagem, nas roupas, nas músicas, no jeito de caminhar e de se comunicar com as mãos, entre outros. Elementos que dirão de onde você ou ele é.

Para proporcionar momentos de reflexão sobre a construção de identidades na educação do campo, foram pensados entre educadores e educandos quatro processos de construção coletiva do conhecimento:

a) da história de vida desses sujeitos e sujeitas; b) sobre o campo enquanto espaço social (político,

cultural, natural) que se reproduz nas relações entre humanos e deles com a natureza;

c) da luta coletiva e dos movimentos sociais do e no campo como forma de resistências e reexistências camponesas;

d) do lugar dos povos do campo no mundo e de suas realidades diante da totalidade que os envolve, ou seja, o lugar no mundo e o mundo no lugar, por meio da construção coletiva de cartografias sociais.

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Em uma proposta dialógica de educação, a história de vida ga-nha dimensão metodológica fundamental, pois além de ser um con-teúdo importante a se tratar, é um instrumento metodológico de um percurso dialógico de construção coletiva do conhecimento. Nessa proposta, são trabalhadas oficinas de relatos de vidas, socializações e sistematizações das oralidades, das linguagens e dos signos que unem o coletivo.

Diante das diversidades socioculturais da sociedade contem-porânea hegemonicamente dominada por uma ideologia capitalista industrial, o campo não poderia deixar de sofrer suas influências: um campo atravessado por ideologias de uma sociedade industrial urba-na e neoliberal que coloca em xeque valores e tradições da cultura de seus povos, e que ele, como espaço social, está suscetível às transfor-mações da modernidade.

Não deixará de ser campo por adquirir formas e conteúdos da sociedade contemporânea. Também não significa que manter tradi-ções seja algo sempre positivo, pensando a partir de uma tradição agrária escravista, coronelista e machista de nossa história, pois “du-rante a maior parte de sua história, a modernidade reconstruiu a tra-dição enquanto a dissolvia” (GIDDENS, 2012, p. 22). Um elemento que contribui fortemente para a desconstrução da identidade dos po-vos do campo é o fato de ele ser considerado o lugar do atrasado, mal educado, ignorante, entre outros adjetivos pejorativos.

O termo modernidade, que possui tantas definições, remete, invariavelmente, ao transcurso do tempo, às transformações sociais por rupturas, à difusão territo-rial seletiva de próteses geotécnicas e a intencionali-dades transfronteiriças realizadas. Apesar de o avesso da ideia de modernidade ser o passado arcaico e re-gular e por trazer assimetrias como as de um antigo e novo, ganhadores e perdedores, vencedores e vencidos, o patrimônio-territorial latino-americano materializa ações e guarda essências de processos cuja longa dura-

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ção promoveu avanços e retrocessos sociais no conti-nente (COSTA, 2016, p. 167).

É preciso considerar nesses tempos de modernidade que o avanço dos sistemas de comunicação, em que as informações circu-lam com tanta facilidade, tem influenciado a linguagem, as roupas e as músicas dos povos do campo. Padronizando costumes e contri-buindo para que jovens saiam do campo em busca de “vida melhor” na cidade. Contudo, é possível que haja elementos resistentes que ainda possam identificar homens e mulheres como povos do campo? Do mesmo modo, qual a modernização que pode, de fato, significar ganhos para a classe trabalhadora? Uma modernização que não seja um apêndice das modernizações burguesas? Independente de ser no campo ou nas cidades, as instituições controlam o sistema produtivo e produzem as tradições que lhes convêm.

A experiência global da modernidade está interligada – e influencia, sendo por ela influenciada à penetração das instituições modernas nos acontecimentos da vida cotidiana. Não apenas a comunidade local, mas as ca-racterísticas íntimas da vida pessoal e do eu tornam-se interligadas a relações de indefinida extensão no tem-po e espaço (GIDDENS, 2012, p; 94).

No contexto apresentado por Giddens, é necessário que as identidades dos sujeitos e sujeitas do campo convirjam para uma identidade comum de classe social, o que contribuirá para o forta-lecimento da luta contra-hegemônica por meio de uma “práxis co-letiva”, como explica Silva (2014, p. 60) “Enfim, uma práxis coletiva de inscrição na história e na construção de quadros compreensivos, como repertórios que evidenciam não só pertencimentos, mas en-frentamentos no mundo social”.

Ao trabalhar a história de vida na educação do campo, busca-

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Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de

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mos extrair elementos “memorialísticos” que podiam mostrar em que momento do espaço e do tempo esses sujeitos e sujeitas se encontra-vam, fossem eles e elas, camponeses, indígenas, quilombolas, pesca-dores, extrativistas ou trabalhadores das cidades do Bico do Papagaio.

No início do curso, logo nos primeiros dias de aula, foi propos-ta a realização da primeira oficina de História de Vida, dividida em cinco grupos coordenados pelos docentes do curso de Educação do Campo. Após as oficinas, dos 75 discentes presentes, 5 se apresenta-ram como assentados da reforma agrária, 3 como pertencentes a mo-vimentos sociais do campo, 3 quilombolas e um indígena Apinayé, 8 professoras e 1 professor do campo. Os demais, como moradores das cidades da região do Bico do Papagaio e sudoeste do Maranhão.

Eles pertenciam a cidades pequenas com características bem rurais, com populações com baixa escolaridade, alto índice de analfa-betismo, um histórico migratório relevante e relações familiares bem próximas ao campo (muitos eram filhos e/ou netos de retirantes do campo, pescadores e extrativistas).

Os educandos e educandas saíram do tempo universidade com a tarefa de pesquisar suas comunidades, suas tradições nas artes e como era a vida social e política. Entre as atividades do tempo comu-nidade, eles foram orientados a desenvolver as seguintes pesquisas: as pessoas mais antigas das comunidades (quem eram e como foram parar lá); as linguagens locais não formais (modo de falar e até escre-ver na comunicação); a existência de movimentos sociais e a estrutura da produção agrária (quais movimentos de luta por terra, tamanho das propriedades e produção desenvolvida no local); e, por fim, as atividades culturais e artísticas (músicos, poetas, artistas plásticos, contadores de causos, entre outros).

Ao retornarem e apresentarem suas pesquisas em seminários integradores, os resultados foram ricos e surpreendentes. Tradições na culinária, na oralidade, na forma de vestir e nos mitos religio-sos convergiam a identidades coletivas que os uniam, existência de

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culturas religiosas que hoje são negadas pela família, levando em consideração as influências da crescente intervenção evangélica nas comunidades rurais nos últimos anos. Muitos declararam que, apesar de viverem desde a infância em suas comunidades, não haviam perce-bido suas características socioculturais ou nunca haviam parado para pesquisar as raízes de suas famílias, de onde vieram, como chegaram e por que vieram para a região.

Um fato importante e relevante a se considerar neste primeiro contato com a turma foi a dificuldade em levantar mais informa-ções sobre os movimentos sociais e as lutas camponesas na região, uma vez que o Bico do Papagaio foi palco da sangrenta Guerrilha do Araguaia e vários outros conflitos por terra na região. Terra de Padre Josimo tem muita influência da Comissão Pastoral da Terra, dos movimentos por reforma agrária desde a década de 1980. Há um relevante silêncio, proporcionado, talvez, pelo medo em decorrência de traumas de um passado de massacres, ou ainda pelo domínio dos coronéis de terras que atuam na região com grande força. Isso merece uma pesquisa mais aprofundada.

Mas tudo isso pôde ser extraído com a realização das oficinas de História de Vida e dos debates realizados nas disciplinas de Movi-mentos Sociais do Campo e Estado, Sociedade e Questões Agrárias, através de diálogos e descobertas de docentes e discentes.

Kosik (1976) nos alerta para a busca de uma práxis revolucio-nária capaz de transformar a realidade, mudar posturas e potenciali-zar a luta contra-hegemônica. Essa práxis revolucionária vai além da humana, pois desvendar a essência da coisa em si, não a transforma como a revolucionária. Para tanto, a luta de classes não pode ser o ponto de partida dessa práxis, mas sim o ponto de chegada, o desven-dar da identidade de classes.

Em uma práxis pedagógica dialética e dialógica, não é papel do docente desvendar para o grupo, mas sim, com o grupo. Na verda-de, desvendar-se com o grupo é entender as identidades de classes à medida que as histórias de vida se revelam. Pelas conversas e desco-

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bertas conjuntas, os participantes puderam conhecer: os movimentos sociais que alimentam a resistência; a importância do coletivo; como é o funcionamento do Estado e suas influências na estrutura fundi-ária e na produção e divisão das riquezas geradas no espaço agrário. Esses debates levantaram muitos elementos teóricos que os ajudaram a compreender suas histórias no contexto de classe social e de estru-tura da sociedade.

As informações trazidas por eles e elas eram riquíssimas e muitas delas não se encontram em livros didáticos e/ou na litera-tura acadêmica, independente da profundidade de seus conteúdos e pesquisas. E, assim, docentes e discentes, juntos, puderam desvendar realidades intrínsecas de suas relações cotidianas sem desconsiderar suas relações com o mundo e suas forças hegemônicas. Aqui está, talvez, uma tarefa importante do docente: contribuir para revelar o lugar do discente no mundo em que vive por meio da bagagem teó-rico-metodológica que a academia lhe proporcionou.

Assim, à pretensão dominante de implantar e esta-bilizar uma memória da ocupação (pelos pioneiros e bandeirantes) levantam-se outras versões, pontos de vistas ligados às trajetórias e ao posicionamento dos atores sociais, e que caracterizam a polêmica e al-teridade intrínseca desses empreendimentos memo-rialísticos. No caso dos camponeses, a luta pela terra constitui o realce de identidade e o objeto princi-pal nos empreendimentos memorialísticos (SILVA, 2014, p. 65).

Geralmente, a luta pela terra, a desterritorialização e o resta-belecimento desse território pelos povos do campo tornaram-se ele-mentos fundamentais de intersecção entre as identidades de cada um e cada uma. Lima (2011, p. 270), após desenvolver um estudo sobre a construção de identidade de educandos de EJA de um acampamento do MST, no Pará, conclui que

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[...] podemos identificar por meio das histórias dos educandos, a função que a linguagem exerce nas suas vidas, nas ações tanto na cidade como no campo. As-sim, pode-se considerar que as histórias de vida dos educandos são permeadas de múltiplos sentidos, e que ao fazerem parte do acampamento Dina Teixeira, os sujeitos educandos foram reformulando sua subjetivi-dade, pois a vivência dentro desse espaço não se resu-me a uma simples conquista de um pedaço de terra, mas são vivências que têm em seu eu um sentimento de luta, de conquista para melhorar de vida, que vão desde a conquista da terra até outras lutas, como a escola dentro do acampamento. A terra, nesse contex-to, tem uma denominação que para Bakhtin (1998) é considerado como “signo ideológico”, pois a terra, nesse processo de conquista, é representada por esse sujeito não como solução dos problemas que eles enfrentaram, o percurso de suas vidas individualmente, mas a terra, símbolo de fartura, lugar de viver, plantar e colher, de germinação de vida, que representa esses sujeitos em uma renovação de perspectiva de vida, pois o signo terá deixado de ser uma mera conquista e passa a evidenciar uma luta de classe mais ampla. A escola, por fazer parte desse espaço, cumpre um papel importante na forma-ção dos sujeitos que se encontram no campo.

Os movimentos sociais do campo possuem uma pedagogia que se faz na luta do dia a dia (CALDART, 2004; ARROYO, 2014): a luta pela terra, pela educação, pela saúde, pelo transporte e pelo financiamento da produção. Para tanto, é necessário que seus sujei-tos e sujeitas estejam preparados para o debate com a sociedade, em especial com os gestores públicos responsáveis pela elaboração e im-plantação de políticas públicas. Nesse contexto, a luta é carregada de elementos formativos que vão além da conquista da terra por ela mesma. Há uma tomada de consciência por meio de uma construção coletiva de conhecimento que os movimentos sociais produzem no seio de seus grupos.

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Os coletivos populares ao se afirmarem sujeitos polí-ticos, sociais, culturais, éticos, de pensamento, saberes, memórias, identidades construídas nesses contextos, padrões de poder, dominação/subalternização explici-tam as concepções/epistemologias não apenas em que foram conformados, subalternizados, mas, sobretudo, explicitam, põem na agenda pedagógica as pedagogias com que se formaram e aprenderam outros sujeitos (ARROYO, 2014, p. 11).

Enquanto território de disputa entre os grandes empreendimen-tos do agronegócio e da indústria contemporânea e os camponeses, quilombolas e indígenas, o campo é um espaço carregado de intencio-nalidades e essencialmente político. As contribuições de Santos (2004) e Lefebvre (2008), na formulação da ideia de espaço como ente social e intrínseco das ações humanas, reforçam o território a uma categoria carregada de sentidos para a compreensão do espaço como produto social. O espaço é o lugar onde se reproduzem as diferenças sociais e a hierarquização sociopolítica no seu processo de apropriação e contro-le. Nas perspectivas desses importantes pensadores contemporâneos, o espaço ganha dimensões humanas, como a psíquica, a emocional, a política, a técnica, a cultural e a sociológica, passando a compor o existir humano em uma espécie de “ontologia espacial” ou “ontologia do espaço”. Esse espaço de dimensão política, por ser um espaço/ação, perpassa todos os momentos da formação do professor e da professora do campo, uma vez que o processo de educação do campo não pode ser desvinculado da luta por reforma agrária.

O professor e a professora do campo, independente da área de conhecimento que irão trabalhar, necessitam conhecer o processo histórico do surgimento da educação do campo e saber que não existe reforma agrária sem educação do campo, como não existe educação do campo sem reforma agrária. Uma se alimenta da outra. A educa-ção do campo existe para contribuir com a construção do campo para o camponês e seus povos tradicionais.

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Não basta somente ter acesso à terra quando não se tem em mente o desejo de viver nela. É preciso ter o conhecimento sobre a terra e a capacidade crítica de perceber os males da concentração fundiária centenária, aliada a anos de segregação social e expulsão do homem e da mulher do campo. É preciso ter a sua própria comunida-de como referência por meio do regime de alternância, o que permite aos discentes confrontar os textos acadêmicos e as informações obti-das na universidade com a realidade na qual vivem cotidianamente. A educação do campo é da classe trabalhadora para a classe trabalha-dora, portanto, tem lado e ideologia.

Desde os primeiros contatos com o curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da UFT, Câmpus Tocantinópolis, os discentes realizaram as oficinas de His-tória de Vida e foram orientados sobre as pesquisas que fariam em suas comunidades sobre a estrutura agrária, acompanhadas de lei-turas sobre o Estado, a sociedade e as questões agrárias. Os debates sobre as informações coletadas e os relatos de vida combinados com os textos acadêmicos foram sistematizados e, a partir deles, revelou--se uma nova compreensão do espaço no qual estavam inseridos, bem como de suas identidades que começaram a se delinear.

A realização da Jornada de Educação do Campo e Questões Agrárias, sempre realizada em parceria com os movimentos sociais, foi afirmando o compromisso político da educação do campo com a luta política por melhores condições de vida dos povos do campo. O processo de compreender o nosso lugar no mundo, no espaço globalizado a partir do nosso lugar, não apenas lugar físico, mas também cultural, político e econômico, também foram temas discutidos ao longo do curso.

A cartografia social permite nos espacializarmos diante dos projetos hegemônicos e a enxergar o quanto as cartografias são car-regadas de intencionalidades e ideologias. Um Estado capitalista a serviço das grandes empresas transnacionais vai produzir cartografias que invisibilizam os povos oprimidos. Nas cartografias oficiais, não

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aparecem os camponeses, os quilombolas, os indígenas e os extrati-vistas. Não se trata apenas da confecção de um mapa, literalmente dizendo, mas de projetos e políticas públicas para o desenvolvimento econômico, cultural e social.

Algumas oficinas foram realizadas com a construção de mapas mentais das comunidades e a análise de mapas de projetos de grandes impactos, como o da hidrovia Tocantins-Araguaia e o MATOPIBA. Durante as oficinas, foram passados vídeos e material impresso dos dois empreendimentos. Depois as questões para análise: alguém con-seguia se ver inserido nos projetos? E, ainda, percebiam em que medida os projetos contemplavam a população pobre e excluída historicamen-te, como os indígenas e quilombolas? Claro que a maioria não se viu e nem viu os demais da classe trabalhadora inseridos nos projetos.

Durante as oficinas, também foi feita a leitura de dois textos sobre a geografia agrária na Amazônia. Um, especificamente, para tratar do conhecimento popular ignorado, por exemplo, a capacidade dos ribeirinhos da Amazônia de guiar as embarcações apenas com as experiências acumuladas ao longo de vários anos de atividades: “A percepção de mundo, de lugar, se dá a partir do que eles experi-mentam. A descrição que eles fazem de seus percursos contém sua própria história” (NOGUEIRA, 2006, p. 97). O outro sobre as ree-xistências dos povos da Amazônia diante das forças hegemônicas que visam a destruí-los.

A partir de então começa a se esboçar uma nova geo-grafia na Amazônia que aponta para um processo de emergência de diversos movimentos sociais que lu-tam pela afirmação das terriorialidades e identidades como elemento de r-existência das populações “tra-dicionais” trata-se de movimentos sociais de r-exis-tência. [...] Assim esses movimentos apontam para o caráter emancipatório das lutas pautadas na politiza-ção da própria cultura e de modos de vida “tradicio-nais”, numa politização dos “costumes em comum”,

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produzindo uma espécie de “consciência costumeira” que vem ressignificando a construção das identidades dessas populações (CRUZ, 2006, p. 65).

Ao final das leituras e das oficinas de cartografia social, foi re-alizado o seminário de avaliação. O interessante é que os discentes não avaliaram apenas a cartografia social, mas sim todo o processo envolvendo a história de vida, questões agrárias e movimentos so-ciais. O número de discentes que se declararam assentados aumentou para 12, dentre os que se afirmaram quanto assentados e que antes não haviam se manifestado, está uma discente que havia deixado o assentamento e retornou para lá, voltando a ajudar a família. De ma-neira geral, a turma passou a se reconhecer como sujeitos e sujeitas do campo, futuros professores e professoras de escolas no campo e do campo.

O curso de Licenciatura em Educação do Campo encontra-se, em 2016, com três turmas. Já se fala em ajustes do currículo do curso e avaliação do processo até aqui realizado. No entanto, ficou evidente que é necessário trabalhar as identidades, a consciência de classe e a capacidade de analisar o espaço agrário brasileiro. O percurso usa-do até aqui com temas como história de vida, sociedade e questões agrárias, movimentos sociais do campo e cartografia social, vem se constituindo instrumento importante para a construção coletiva do conhecimento, formando professores e professoras para a educação básica e superior que compreendem a importância da educação do campo no processo de luta pela terra no país.

REFERÊNCIAS

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NOGUEIRA, A. R. B. A geografia dos comandantes de embarcação no

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Amazônia. Revista Terra Livre. Goiânia, jan-jun 2006.

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para

a promoção do desenvolvimento territorial:

um estudo sobre a região norte do Estado do TocantinsSidinei Esteves de Oliveira de Jesus13

Rosa Ana Gubert14

1 Introdução

As transformações ocorridas no espaço agrário brasileiro se ca-racterizaram por profundas mudanças na estrutura de suas relações agrárias. Nesse panorama, considera-se que as sesmarias, as leis de terra de 1850, a expansão do modo de produção, a apropriação capi-talista e a modernização da agricultura brasileira foram responsáveis pela exclusão de uma parcela significativa da sociedade. Tiraram-lhe

13 Mestre em Geografia. Professor do curso de Educação do Campo da Univer-sidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected] Mestra em Teatro. Professora do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected].

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o direito de ter uma vida digna no campo através do próprio trabalho e da apropriação da terra, transformando, assim, os trabalhadores ru-rais em uma grande massa de despossuídos e excluídos da terra.

Dessa forma, as comunidades tradicionais e os movimentos sociais campesinos, em quase sua totalidade, vivem excluídos das po-líticas públicas que deveriam contemplar as suas necessidades. Com a falta de uma reforma agrária que vise à promoção da justiça social, a expansão do capital produtivo e a modernização dos campos bra-sileiros têm dificultado ainda mais o modo de vida desses segmentos sociais. Assim como em todo o território brasileiro, a ausência da reforma agrária tem causado diversos transtornos às comunidades tradicionais na região norte do Tocantins.

A partir da metade do século XX, foram criados diversos as-sentamentos rurais; várias comunidades tradicionais foram reconhe-cidas e suas terras foram demarcadas na região. Porém, ainda nos dias atuais, a maioria dessas comunidades vive marginalizada em função da ausência de políticas públicas. A falta de infraestrutura básica de saúde, educação e transporte público tem feito com que muitos traba-lhadores rurais deixem suas terras para buscar, em outras localidades, uma forma de vida melhor, principalmente, escolas para seus filhos.

Por outro lado, ao abordar a problemática da questão agrária a partir do processo de formação do território brasileiro, é possível discutir a utilização de diversos meios para que os sujeitos da terra permaneçam nela de forma digna. Essa discussão se estende pelo viés político acerca da concentração fundiária, da ação do agronegó-cio sobre a pequena propriedade e da realização da reforma agrária. Além disso, através da educação no campo, pode-se despertar inte-resses pelos diferentes agentes envolvidos em todo o processo agrário nacional.

Nesses últimos 30 anos, desde o fim da Ditadura Militar ocor-rida no Brasil, a grande concentração de terras tem contribuído para o êxodo rural e, consequentemente, para o aumento significativo de

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um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins

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uma massa camponesa sem terra vivendo precariamente nas cidades, muitas vezes em condições sub-humanas. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, apenas 15% da população vivia no campo. Houve também um êxodo rural de 2 milhões de pessoas no período de 2000 a 2010 e a extinção de 1 milhão de postos de trabalho no campo no período de 2009 a 2011 (IBGE, 2010).

O objetivo deste trabalho foi buscar responder a vários ques-tionamentos relacionados ao contexto agrário nacional, pautado pelas lutas dos movimentos sociais, sobretudo no campo. A presente pes-quisa buscou, ainda, entender, através das bases teóricas, a principal questão: como a educação do campo pode contribuir para equacio-nar os problemas do/no campo? Acredita-se que compreender essa problemática talvez seja a saída para combater a ideologia do grande capital que busca marginalizar a luta social dos movimentos sociais campesinos.

Apesar de haver vários estudos a respeito da questão da terra e da reforma agrária no Brasil, quando se trata dos elementos cruciais geradores do problema agrário nacional, como é o caso do latifúndio e, principalmente, do agronegócio, ainda são necessários estudos mais aprofundados que possam contribuir para – quem sabe – a solução do problema agrário brasileiro. Uma das portas para essa discussão inicia-se pela introdução da educação no campo no seio das comu-nidades tradicionais.

Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho é estudar a im-portância da reforma agrária e da educação no campo no Brasil, para resolver os confrontos pela posse de terra entre o latifundiário e o camponês. Assim, seria possível pensar em modos de barrar o avanço perverso do capital através do agronegócio, principalmente sobre o território do camponês na região norte do Tocantins e, dessa forma, promover a justiça social no campo.

Sob essa perspectiva, é preciso:

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• compreender os processos de luta do camponês e dos mo-vimentos sociais pela posse da terra no Brasil;

• avaliar a importância da educação dos sujeitos do campo para a compreensão da problemática no contexto agrário nacional;

• analisar a importância da realização da reforma agrária para resolver o problema agrário no Brasil.

É o que se pretende discutir a seguir.

2 A contribuição da reforma agrária para o desenvolvimento territorial da região norte do Tocantins

O estado do Tocantins encontra-se localizado na região norte do território brasileiro e sua formação se deu a partir do desmem-bramento de uma fração da região norte do estado de Goiás. A sua constituição ocorreu em 1988, com a nova constituição nacional brasileira. O estado, com todo o seu território localizado no coração do cerrado, faz parte dos nove estados brasileiros que compõem a Amazônia Legal, e sua região norte se caracteriza como transição de cerrado para floresta amazônica.

Vale destacar que, a partir da metade do século XX, essa região já era alvo de conflitos pela posse de terra, principalmente a micror-região conhecida como Bico do Papagaio, que, desde 1960, serviu de porta de entrada para a Amazônia Legal. Por ser uma parcela de terra de boa qualidade, que propicia o desenvolvimento de atividades agropecuárias, há muito tempo a região tem atraído investimentos para a instalação de grandes empreendimentos agrícolas e, dessa for-ma, muitas comunidades tradicionais foram esquecidas e marginali-zadas em função do desenvolvimento da região e de todo o estado.

Para Fernandes e Molina (2004, p. 69),

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Agronegócio é novo nome do modelo de desenvol-vimento econômico da agropecuária capitalista. Esse modelo não é novo, sua origem está no sistema plan-tation, em que grandes propriedades são utilizadas na produção para exportação. Desde os princípios do capitalismo em suas diferentes fases, esse modelo passa por modificações e adaptações, intensificando a exploração da terra e do homem.

Como relata Oliveira (2007, p. 148-149),

O agronegócio nada mais é do que um marco con-ceitual que delimita os sistemas integrados de produ-ção de alimentos, fibras e biomassa, operando desde o melhoramento genético até o produto final, no qual todos os agentes que se propõem a produzir matérias--primas agropecuárias devem fatalmente se inserir, sejam eles pequenos ou grandes produtores, agriculto-res familiares ou patronais, fazendeiros ou assentados.

As transformações ocorridas no espaço agrário brasileiro, so-bretudo a partir dos anos 1930, intensificadas a partir da década de 1970, se caracterizaram por profundas mudanças na terra e na vida social. A modernização do campo, que alterou as bases técnicas da produção sem se fazer acompanhar por avanços sociais, por um lado elevou extraordinariamente a produção e, por outro, aumentou a con-centração fundiária, a superexploração do trabalhador, a migração campo-cidade, os problemas ambientais e os conflitos socioterrito-riais no Brasil.

Além do histórico da expropriação do homem do campo, nas duas últimas décadas do século XX a questão agrária permaneceu aquecida, protagonizando mais contrastes sociais no campo e na ci-dade. Nesse contexto, vale a pena citar alguns fatos de grande rele-vância dos últimos 20 anos do século passado, como por exemplo,

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a entrada do agronegócio no Brasil no início da década de 1980. Em 1985, aconteceu o fim do regime militar, a aprovação do I Plano Nacional de Reforma Agrária (PRNA) e a criação da União De-mocrática Ruralista (UDR) por latifundiários, para lutarem contra a reforma agrária.

Os mecanismos induzidos pelos padrões de produção afetaram os ecossistemas brasileiros, como a devastação do cerrado e a degrada-ção do solo pela prática extensiva da agricultura moderna. Além disso, as cultivares naturais tiveram sua genética empobrecida juntamente com a dos animais. Mediante a potencialidade dos produtos químicos usados na agricultura e nos animais, houve muitos relatos de consu-midores sobre contaminação de alimentos. Para Navarro (2001, p. 91),

[...] esta extrema heterogeneidade das atividades agrí-colas e rurais no Brasil, diferenciação que foi exacerba-da intensamente no período recente, quando diversas regiões (ou atividades intrarregionais) sofreram forte intensificação econômica e dinamismo tecnológico. Em oposição, outras partes do país rural parecem ain-da dormitar em contextos do passado, seja no plano da (falta de) integração econômica, seja no que concerne à natureza das relações sociais e políticas, que perma-necem distantes de padrões de institucionalidade sa-tisfatória [...].

De acordo com Machado (2010), a Revolução Verde, através do seu discurso ideológico de modernização agrícola, favoreceu apenas o interesse do grande produtor agrícola, detentor de capital, em detri-mento do pequeno produtor. Como afirma Mattos Neto (2006, p. 98),

Economicamente, a questão agrária está ligada às transformações nas relações de produção, ou seja, como produzir, de que forma produzir. Tal equação econômica aponta para indicadores como a maneira

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que se organiza o trabalho e a produção, o nível de renda e emprego dos trabalhadores rurais, a produti-vidade das pessoas ocupadas no campo etc.

Nesse sentido, a relação de causa e efeito foi rapidamente aflo-rando no contexto social rural e urbano. Além da preocupação com a degradação ambiental nas décadas de 1960 e 1970, já ocorria à época também uma forte migração do campo para a cidade, ocasionada pela modernização tecnológica da agricultura.

Segundo Miralha (2006), de certa forma, a produção agrícola e pecuária deu uma melhorada devido à transformação da base técnica e à aplicação de insumos modernos, influenciando, dessa forma, um aumento na exportação. Por outro lado, os impactos positivos ficaram voltados apenas para a esfera econômica, enquanto para os contextos socioespacial, cultural e ambiental os resultados foram péssimos. O autor também afirma que a modernização conservadora do campo ampliou a concentração fundiária, ampliou as desigualdades sociais, alargou as diferenças regionais, provocou danos ambientais, acarretou sérios problemas na saúde humana, alterou hábitos alimentares de maior parte da sociedade e promoveu o êxodo rural.

Nesse sentido, diante da relevância da temática, as ciências so-ciais – como é o caso da Geografia, da Sociologia e de outras áre-as contidas na educação no campo – têm direcionado parte de suas atenções para a questão agrária no Brasil, com o intuito de encontrar uma solução para o problema causado pelo crescimento do latifúndio e pelo capital produtivo no espaço agrário nacional. Dessa forma, autores de renome, como Guanziroli et al. (2001), Feliciano (2006), Oliveira (2007), Fernandes (2008), entre outros das ciências sociais, acreditam que a estratégia para solucionar o problema da questão agrária atual seja a realização de uma reforma agrária de forma justa.

Medeiros (2003, p. 94-95) afirma que a reforma agrária, na maioria dos discursos, é mostrada

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[...] em termos que reduzem a sua riqueza de signifi-cados: política compensatória, condições para amplia-ção da agricultura familiar, caminho para o combate contra a pobreza no campo, inserção de pequenos agricultores de forma competitiva no mercado. A re-forma agrária tem um pouco de cada um desses com-ponentes, mas é também um caminho para devolver a dignidade a um contingente dos que querem fazer da terra seu lugar de reprodução. Dessa perspectiva, as demandas que têm se gerado nos assentamentos apontam para refazer a leitura corrente sobre o rural como o espaço de precariedade: escolar, saúde, espaços comunitários, acesso a bens de consumo, lazer; mostra a utopia de recriá-lo como espaço de novas formas de sociabilidade e não só de produção.

Diante de tal situação, a questão agrária e a ausência da refor-ma agrária brasileira remetem a um problema socioespacial, em que a classe campesina deixa suas raízes e começa uma peregrinação em prol da luta pela terra, reivindicando a reforma agrária no país. Já nos artigos da Revista Brasiliense15, publicados entre 1955 e 1964, encon-tram-se vários apontamentos acerca daquilo que a questão agrária viria a ser. Em um deles, Prado Junior (1979, p. 18) a define como sendo “em primeiro e principal lugar, a relação de efeito e causa entre a miséria da população rural brasileira e o tipo de estrutura agrária do país, cujo traço consiste na acentuada concentração fundiária”.

No contexto ampliado da questão agrária a partir do processo de

15 A Revista Brasiliense foi uma revista brasileira, de tendência marxista ortodoxa, fundada por Caio Prado Júnior, em 1955, com o propósito declarado de ser um espaço no qual “se congregassem escritores e estudiosos de assuntos brasileiros interessados em examinar e debater” os problemas econômicos, sociais e políticos do país, como afirmava em seu manifesto de fundação [Revista Brasiliense, nº 1, 1955] (apud HALLEWELL, 2005, p. 486).

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formação do território brasileiro, é possível e necessário discutir a cons-trução de um projeto popular para que os sujeitos do campo permane-çam na terra de forma digna. A priori, essa discussão tem se mostrada eficaz no campo teórico das políticas públicas, no intuito de propor mecanismos capazes de mitigar a concentração fundiária, o êxodo ru-ral e as investidas do agronegócio sobre a pequena propriedade. Para avançar nessa proposta, outros elementos devem compor a pauta do projeto popular de desenvolvimento do campo, principalmente:

A soberania alimentar como princípio organizador de uma nova agricultura, com uma produção voltada para atender as necessidades do povo e com políticas públicas voltadas para esse objetivo; a) a democrati-zação da propriedade e do uso da terra – a reforma agrária integral deve voltar à agenda prioritária do país como forma de reverter o processo de expulsão do campo e disponibilizar a terra para a produção de alimentos; b) uma nova matriz produtiva e tecnoló-gica, que combine produtividade do trabalho com sustentabilidade socioambiental, o que inclui a opção pela agroecologia; c) o princípio da cooperação, em lugar da exploração, para organizar a produção; d) a mudança da matriz energética; e) o avanço na organi-zação política, econômica e comunitária dos campo-neses e pequenos agricultores (SANTOS; PALUDO; OLIVEIRA, 2010, p. 49).

Por outro lado, o caminho propício à resolução da problemáti-ca agrária em todo território nacional é, sem dúvida, a reforma agrá-ria. A luta dos movimentos sociais campesinos se baseia na defesa de um projeto de reforma agrária justo, democrático e que promova a igualdade social. A importância da reforma agrária para a sociedade reside na possibilidade de que, através dela, possa se contrapor o lati-fúndio e o agronegócio, e de que, na sua essência, seja alcançado um projeto de desenvolvimento sustentável que garanta o fortalecimento

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da agricultura familiar e camponesa em harmonia com a natureza, sem degradação ambiental.

Os trabalhadores rurais e demais comunidades tradicionais da região norte do Tocantins têm conseguido se organizar através dos movimentos sociais em prol da luta pela reforma agrária. Porém, há uma necessidade emergente da educação para que atenda as especifi-cidades das comunidades envolvidas no processo de reforma agrária, e são, por sua vez, as autoridades públicas, as principais responsáveis a criarem meios para que se tenham escolas adequadas, que atendam necessidades e realidades desse segmento social.

3 Uma breve análise sobre o descaso das autoridades públicas e da elite brasileira para com os sujeitos e o território da luta pela educação do campo

Para entender a luta pela educação do campo, a partir da ca-tegoria geográfica território, faz-se necessário partir da premissa de seu conceito para que se possa enxergar a trajetória sociopolítica e espacial dos sujeitos dessa batalha. Nesse sentido, Haesbaert (2004, p. 40) entende que o território é um local “[...] delimitado e contro-lado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das vezes – mas não exclusivamente... relacionando ao poder do estado”.

Outros pesquisadores, como Boligian e Almeida (2003, p. 241), que direcionam a discussão da temática para compreender o territó-rio a partir da didática em Geografia, mostram também que

Território é o espaço das experiências vividas, onde as relações entre os atores, e destes com a natureza, são relações permeadas pelos sentimentos e pelos simbo-lismos atribuídos aos lugares. São espaços apropria-dos por meio de práticas que lhes garantem uma certa identidade social/cultural.

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A partir dessas duas formulações que trazem à tona o território como o espaço das lutas e das relações de forças políticas, econômicas e sociais, verifica-se a disputa contínua para a transformação do mes-mo. Nesse campo de disputa, duas forças, a econômica e a política, buscam conduzir a transformação do território a partir também de duas concepções distintas. Uma força pensada para o coletivo e outra focada apenas no particular, no individualismo inescrupuloso.

E nesse palco que entendemos como território estão os sujeitos do campo: posseiros, boias-frias, ribeirinhos, assentados, acampados, sitiantes, pequenos proprietários de terras, quilombolas, indígenas, meeiros, extrativistas, caiçaras, sem-terra, povos da floresta, povos do cerrado, assalariados rurais etc. Do outro lado ficam os “detentores” do capitalismo: latifundiários, empresários, fazendeiros, banqueiros etc., e, ainda, muitas vezes até a “suprema corte” da politica nacional.

Quando passamos a dialogar a respeito dos interesses pela transformação do território a partir da proposta educacional, é aí que esses dois grupos distintos de sujeitos entram em cena. O primeiro vê na educação a possibilidade de libertação e transformação social, o segundo a vê como algo desnecessário, principalmente quando se trata de educação voltada para atender aos menos favorecidos e aos povos do campo.

É a partir daí que se começa a idealizar, no centro dos mo-vimentos sociais, uma união de forças que vai lutar pelo direito à educação de qualidade, sobretudo no campo. E do outro lado a elite passa a marginalizar o interesse coletivo dos movimentos sociais pela educação do campo.

Porém, a luta pela educação do campo começa a se fortalecer quando seus idealizadores articulam a luta política com ações que vão subsidiar a adesão dos sujeitos do campo ao movimento em prol da educação. Mesmo sofrendo várias investidas, como o descaso, o pre-conceito e a repressão, tanto por parte da sociedade elitista quanto do Estado, o movimento resistiu e conquistou a tão sonhada educação

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do campo para os sujeitos do campo.A educação do campo se constitui a partir de um modelo edu-

cacional que valoriza a identidade, a cultura, o conhecimento e as especificidades dos sujeitos do campo. Ao contrário do que prega a educação tradicional e conservadora, a educação do campo vê o sujeito do campo como um ser de grande importância para toda a sociedade.

Como é do conhecimento de poucos, a conquista da educação do campo não foi algo fácil de acontecer, pois não muito diferente dos dias atuais, os sujeitos do campo sempre viveram às margens das políticas públicas e, principalmente, dos segmentos educacionais. A sociedade burguesa se dedicou ao longo dos anos a ver e mostrar o meio rural como um espaço atrasado, sem cultura, distanciado da sociedade, como se os sujeitos que nele vivem fossem apenas respon-sáveis para produzir e suprir com alimentos os centros urbanos.

Ao contrário dessa concepção perversa sobre o campo, Ramos, Moreira e Santos (2004, p. 33) mostram que

O campo é concebido como um espaço rico e diverso, ao mesmo tempo produto e produtor de cultura. É essa capacidade produtora de cultura que o consti-tui em espaço de criação do novo e do criativo e não, quando reduzido meramente ao espaço da produção econômica, como o lugar do atraso, da não cultura. O campo é acima de tudo o espaço da cultura.

O próprio Estado, por muito tempo, desconsiderou as formas de vida e produção social e cultural no campo. Como mostram Arroyo, Caldart e Molina (2004), as escolas rurais do Brasil sobreviveram ao longo dos anos à margem das políticas públicas educacionais, e como consequência os avanços ocorridos na educação nas duas últimas déca-das não foram suficientes para garantir aos povos do campo, ao menos, o direito de serem assistidos por uma educação básica de qualidade.

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O modelo de educação, que até então existia, era concebido como política compensatória, com base curricular alienatória que mascarava a realidade de mundo. Nesse contexto, era privilegiada uma educação burguesa e tendenciosa, e, por meio de tal proposta,

• ensinava-se que o modo de vida na cidade era o ideal;• descaracterizava-se a vida dos sujeitos do/no campo;• incentivava-se o êxodo rural;• fortalecia-se o latifúndio e o grande capital.

A proposta de educação pensada para o campo pela burgue-sia brasileira baseava-se na educação rural que se pautava sobre um projeto externo ao campesinato. Já nas propostas reivindicadas pelos movimentos sociais primava-se por uma educação do campo que ti-nha como referência as experiências camponesas de resistência em seus territórios.

Na verdade, a imagem de toda a proposta de educação voltada para o campo tinha base no interesse do coronelismo e do latifúndio, que buscavam solidificar uma educação organizada e dividida por clas-ses que atendesse aos interesses particulares de toda burguesia rural e que desconsiderava o anseio e as necessidades das demais populações do campo. Nessa projeção, fica evidente que “no modo de produção capitalista a educação não visa atender ao bem-estar coletivo, mas, às necessidades de produção/reprodução ampliada do capital” (CAMA-CHO; ALMEIDA, 2008, p. 49).

A partir dessa concepção histórica do atraso da educação do campo, Leite (1999), mostra que

A educação rural no Brasil, por motivos sociocultu-rais, sempre foi relegada a planos inferiores, e teve por retaguarda ideológica o elitismo acentuado do processo educacional, aqui instalado pelos jesuítas e a interpretação político-ideológica da oligarquia agrária

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conhecida popularmente na expressão: “gente da roça não carece de estudos. Isso é coisa de gente da cidade” (anônimo) (LEITE, 1999, p.14).

Nessa ordem, mesmo as escolas rurais demoraram anos para ser construídas, e pouco, ou quase nada, o Estado contribuiu para a educa-ção dos sujeitos do campo. Como observamos em Brasil (2002), até o ano de 1991, não houve sequer um relato sobre a educação rural. Como mostram Camacho e Almeida (2008, p. 179),

Apesar de todos os direitos educacionais conquista-dos, como “o direito de todo o cidadão, a educação é o dever do estado em ofertá-la”, o campo sempre esteve à margem desses direitos, que ficaram apenas no nível abstrato, não alcançando as especificidades necessá-rias às realidades do campo.

A escola do campo, por exemplo, foi e, embora com menos intensidade, ainda é vista por muitos, até mesmo pelo Estado, como um gasto desnecessário, pois compreendem os camponeses e demais povos do campo como sujeitos atrasados, inertes, improdutivos e em extinção. Nessa perspectiva, muitas escolas rurais foram fechadas, deixando os sujeitos do campo muitas vezes sem sua principal refe-rência cultural.

A educação do campo em todo território nacional nasce com uma proposta comum: de maneira igualitária, visa a reparar os danos causados aos trabalhadores rurais e demais comunidades tradicionais em função do processo desenvolvimentista do mundo rural.

A partir das mudanças ocorridas no espaço agrário nacional, principalmente com a modernização agrícola a partir da década de 1960, quando ocorreu um intenso fluxo migratório de inúmeras fa-mílias de trabalhadores rurais do campo para a cidade, a socieda-de brasileira vivenciou um inchaço dos espaços urbanos, conhecido

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como êxodo rural.Outro fato que tem influenciado e fortalecido o êxodo rural é o

modo de vida precário ao qual têm se submetido as famílias que vivem no campo nas últimas décadas. A falta de políticas públicas para aten-der as infraestruturas básicas de saúde, transporte, logística e educação, aliada à constante ameaça por parte dos latifúndios e do agronegócio são alguns dos principais fatores que têm expulsado milhares de famílias de suas terras todos os anos no Brasil.

Nos últimos anos, uma das propostas voltadas para equacionar a problemática da educação dos sujeitos que vivem no campo é a cria-ção de um modelo de escola do campo com práticas didático-peda-gógicas que atendam às exigências das famílias que moram no meio rural. Porém, as poucas escolas situadas no mundo rural ainda têm sua educação direcionada para atender às exigências de grupos sociais dominantes, que de forma ideológica se fundamentam na exclusão e na expropriação (LOCATELLI; NUNES; PEREIRA, 2013).

4 O papel da educação do campo na região norte do estado do Tocantins

Na região norte do estado do Tocantins, assim como em todo o território nacional, muitas famílias têm deixado suas vidas no campo para levar seus filhos à cidade em busca de estudos. Quando as famílias não saem com seus filhos, veem-nos partir em direção à cidade em busca de educação e garantia de um futuro melhor.

Nessa perspectiva, Nunes (2014) expõe que

O Estado de Tocantins, com tantas disparidades so-cioeconômicas e culturais internas, e até em relação a outras regiões, enfrenta enormes desafios para a educação do campo no estado, tais como: a qualifi-cação docente para trabalhar com alunos e alunas da área rural com níveis diferentes de escolaridade, e de

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aprendizagem; o difícil acesso às escolas ou pelas longas distâncias a percorrer ou pela deficiência do transporte escolar, enfim, o desfecho, o êxodo rural dos alunos do campo para a cidade (NUNES, 2014, p. 11).

Para Rodo e Enderle (2012, p. 2),

A realidade do campo evidencia uma lógica perversa, ou seja, um processo em que a juventude rural, filhos e filhas de agricultores familiares, têm buscado o ca-minho do estudo para sair da roça ou, no processo inverso, sair da roça para poder estudar. Em ambos os casos, o resultado produzido sempre foi o mesmo: a educação do campo não tem privilegiado os seus prin-cipais protagonistas.

É nesse sentido que se emergencia uma educação de qualidade na região norte do Tocantins. Algumas experiências, como as obtidas com a Escola Agrotécnica, que deu lugar ao Instituto Federal (IF), e também as Escolas Famílias Agrícolas (EFA), ambas no Bico do Papagaio, têm garantido a permanência de muitos filhos de assenta-dos nos lotes de assentamentos rurais, trabalhando e desenvolvendo práticas alternativas na agricultura familiar. Essas experiências são mais frequentes nas EFAs, pois, como se sabe, os IFs são dotados de práticas pedagógicas voltadas para atender ao mercado de trabalho – apenas poucos que passam pelos institutos voltam a viver com suas famílias na pequena propriedade.

Por outro lado, mesmo com algumas estruturas de escolas li-gadas à realidade do campo em funcionamento, a situação vivida por milhares de famílias campesinas na peregrinação pela busca da educação no norte do Tocantins é bastante caótica. Todos os anos milhares de famílias amargam essa triste situação – crianças, jovens e adolescentes são obrigados a deixar suas origens, cultura e costumes para irem em busca de estudos nos centros urbanos.

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Para resolver essa problemática, Rodo e Enderle (2012) apro-priaram-se de dados sobre a vida precária na zona rural e a falta de oportunidades de acesso a uma educação que atenda a realidade das famílias que vivem no campo e mostra que essa realidade só muda-rá diante de uma nova proposta curricular. Portanto, apenas quando houver novas práticas pedagógicas direcionadas a atender a realidade do campo e as lacunas deixadas pela falta e/ou a ausência da educação tradicional das escolas públicas do Estado é que teremos dados con-cretos de mudança. Assim, os autores citados entendem que

A adequação curricular à realidade do campo, enten-dida como uma tarefa inadiável e intransferível exigirá dos gestores públicos o cuidado com a metodologia a ser adotada na realização desse propósito. É preciso levar em conta que se trata de alunos e alunas oriun-dos de uma realidade bem específica, sem uma prática cotidiana de acesso à tecnologia, à leitura e à escri-ta, mas, por outro lado, na sua totalidade, portadores de um saber popular que os diferencia. Nesse senti-do, a educação popular deve permear todo o projeto e o respeito ao saber acumulado pelos agricultores e a possibilidade de que os mesmos acessem conheci-mentos e práticas ainda desconhecidas são objetivos indispensáveis no processo de qualificação (RODO; ENDERLE, 2012, p.7).

Entende-se que só mesmo uma mudança no modelo atual da educação no campo – com a inserção de um novo currículo e com no-vas propostas pedagógicas – será capaz de transformar essa realidade e, consequentemente, a vida de milhares de pessoas que dependem dessa educação. A criação de novas instalações de Escolas Famílias Agrícolas (EFA) e Casas Familiares Rurais (CFR), com seus regimes de alternâncias e com uma proposta curricular mais condizente com a realidade rural, pode mudar a forma de vida de milhões de crianças,

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jovens e adultos que moram no campo e precisam de acesso à edu-cação no Brasil.

De outro modo, o trabalho pedagógico desenvolvido junta-mente com novas práticas deve atuar de forma consistente na trans-formação da existência do homem, de forma individual e no grupo social, a fim de que adquiram igualitariamente características subjeti-vas de seres humanos. Nessa proposta, a execução das práticas peda-gógicas deverá dar ao indivíduo a possibilidade de ter uma educação por direito e não por esmola, e que, por sua vez, seja capaz de conce-der aos sujeitos inseridos no processo a capacidade de desmascarar as ideologias e os paradigmas dominantes na sociedade contemporânea.

Assim, não só os sujeitos excluídos que vivem na região norte do Tocantins, mas todos os que sofreram e ainda sofrem em função da perversidade do capital produtivo que cerca as comunidades tra-dicionais em todo território nacional necessitam participar de uma educação de qualidade adequada à sua realidade. Dessa forma, as fa-mílias poderão ter seus filhos crescendo dentro de seus costumes, construindo, assim, a sua identidade social.

5 Considerações finais

As evidências e discussões apresentadas mostram que a refor-ma agrária pode dar respaldos à transformação da vida dos sujeitos do campo e conter as mazelas provocadas pelo capital que se espa-lhou de maneira perversa pelo espaço agrário nacional e modificou a estrutura da terra. Sujeitos estes que com seus saberes inigualáveis produzem o “pão nosso de cada dia” que chega à mesa da maior parte da sociedade.

Sendo assim, a região norte do Tocantins, que possui uma ri-queza cultural imensa, poderia não só ser fruto de apropriação do latifúndio e do agronegócio, mas também garantir a identidade das comunidades tradicionais. Seria possível garantir o direito para que

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esses sujeitos permanecessem e produzissem na terra desde que se ti-vesse o direcionamento de políticas públicas para atender suas neces-sidades específicas, como transporte, saúde e educação de qualidade.

Para tanto, é preciso que haja uma reforma da política educacional, capaz de introduzir novas práticas pedagógicas que absorvam a realida-de vivida pelas comunidades que vivem no campo e promover políticas públicas bem direcionadas para se ter um ambiente em que os sujeitos tenham a liberdade de ir e vir, aprender e ensinar.

Enfim, para pensar o conceito de práticas pedagógicas ineren-tes a essa especificidade, é necessário entender, primeiramente, que o espaço de aprendizagem social se constitui em dois momentos: o es-paço escolar e o não escolar. O primeiro é composto pelas práticas do conhecimento científico e da política transformadora do sujeito e da sociedade, e o último é formado pela participação dos movimentos sociais que se articulam em prol de garantir meios para que parte da sociedade, por exemplo, as comunidades tradicionais, sejam inseridas no processo participativo da própria sociedade e contempladas pelas políticas públicas. Dessa forma, o conceito de práticas pedagógicas parte de uma dimensão da prática social seguida de uma intencio-nalidade acadêmica voltada para a aprendizagem escolar, mas que também é política e social.

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A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção do desenvolvimento territorial:

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Parte IIArtes e Educação do Campo

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Arte/educação no campo: algumas reflexões

Gustavo Cunha de Araújo16

1 Introdução

A partir de experiências realizadas com arte na educação básica e ensino superior nos últimos anos, proponho desenvolver neste ca-pítulo algumas reflexões sobre a importância da arte na educação do campo, a partir de uma pesquisa teórica realizada nesses dois campos de conhecimento. De abordagem qualitativa e de metodologia des-critiva e interpretativa, as reflexões produzidas nesta pesquisa teórica são frutos de leituras realizadas sobre a história do ensino da arte no Brasil a partir da década de 1980, a estética sociológica e a educação do campo, esta última, área recente de pesquisa.

Pesquisar o ensino de arte na educação do campo é uma forma de contribuir significativamente para a produção de conhecimento nessa área e para outros grupos de pesquisadores que se interessam por essa temática, tendo em vista a escassez de pesquisas no Brasil sobre arte/educação no campo.

Na primeira parte do capítulo, apresento um breve histórico da arte/educação na educação brasileira, pontuando alguns aspectos contemporâneos desse ensino dos últimos trinta anos, na intenção de situar sócio e historicamente a pesquisa. Em seguida, discorro sobre arte e sociedade, na intenção de propor discussões que possam am-

16 Doutorando em Educação pela UNESP, Câmpus de Marília/SP. Professor do curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected]

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pliar o debate educacional sobre a arte entendida como fenômeno estético, artístico e expressivo na educação do campo. Por fim, são tecidas algumas considerações sobre as reflexões desenvolvidas sobre o estudo em questão, socializadas ao final deste texto, na intenção de ampliar o debate sobre arte na educação do campo.

2 Breve histórico da arte/educação no Brasil pós década de 1980

A arte está presente na nossa sociedade desde os tempos mais remotos, a partir de desenhos e pinturas rupestres. Representando desde animais caçados a objetos encontrados em sua volta, o homem primitivo se comunicou visualmente com o mundo pela primeira vez.

Ao longo dos anos a arte assumiu diferentes funções e se mani-festou por uma diversidade de linguagens e procedimentos técnicos, devido às transformações sociais, políticas, tecnológicas e culturais que ocorreram na sociedade. Cada vez mais o homem sentiu neces-sidade de dialogar com o mundo à sua volta e de demonstrar seus anseios, ideias, emoções e conhecimento.

A arte pode ser encontrada em diferentes lugares: nas ruas, pra-ças, monumentos públicos, museus, entre tantos outros, manifestada por diferentes meios, como desenho, pintura, fotografia, escultura, música, teatro e uma infinidade de linguagens. Com efeito, não basta apenas ver, é preciso “olhar”, apreciar a arte presente, para que seja possível compreender as intenções do artista e produzir interpreta-ções significativas da obra.

O papel do ensino de arte nos últimos anos, bastante enraizado na teoria da abordagem triangular17, está diretamente relacionado aos aspectos estéticos e artísticos do conhecimento (PILLAR, 2008). O

17 Teoria sistematizada pela pesquisadora Ana Mae Barbosa, ao propor a construção do conhecimento em arte a partir do conhecer, do fazer artístico e da contextualização.

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que leva a entender que a educação por meio da arte não é apenas conhecer a vida, obra e procedimentos técnicos utilizados pelo artis-ta, mas também compreender e construir conhecimento através da contextualização, da leitura e do fazer artístico. Ana Mae Barbosa, referência na arte/educacional nacional e internacional, ressalta que a própria arte/educação é epistemologia, pois trata a produção de conhecimento a partir de qualquer linguagem artística.

Barbosa (1998) esclarece que educar por meio da arte não é ensinar apenas teorias sobre a beleza na arte, mas, principalmente, formar o apreciador de arte por meio da experiência estética18. Se-gundo a arte/educadora, a educação estética aliada à leitura da obra de arte pode auxiliar a clarificar problemas, tomar decisões, emitir juízos de valor e a compreender nossa experiência com o universo da arte. Conclui o raciocínio ao dizer que a experiência estética do professor pode definir a experiência estética do aluno, pois o discente pode achar interessante ou não, significativa ou não a escolha feita pelo professor ao trabalhar com objetos artísticos. Por isso o profes-sor deve conhecer e saber escolher o material pedagógico que será utilizado em suas aulas.

Se pretendermos uma educação não apenas intelectu-al, mas principalmente humanizadora, a necessidade da arte é ainda mais crucial para desenvolver a per-cepção e a imaginação, para captar a realidade circun-dante e desenvolver a capacidade criadora necessária à modificação desta realidade (BARBOSA, 2012, p. 6).

No final dos anos 1980, o ensino da arte no Brasil não era dos melhores. Com a reforma curricular nas escolas de primeiro e segun-

18 Não é a intenção me debruçar sobre o conceito de estética, o que ultrapassaria a extensão desta reflexão. Para melhor compreender esse termo, sugiro a leitura de: PAREYSON, L. Estética: teoria da formatividade. Petrópolis: Vozes, 1993.

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do graus, a disciplina Educação Artística19 passou a ser excluída do currículo da maioria das escolas de primeiro e segundo graus, princi-palmente das particulares, prejudicando a aprendizagem e formação educacional dos alunos. Barbosa (2012, p. 04) defende que

Arte não é apenas básica, mas fundamental na educa-ção de um país que se desenvolve. A arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o ima-ginário, e é conteúdo. Como conteúdo, a arte repre-senta o melhor trabalho do ser humano.

O ensino da arte precisava se reerguer, e foi com o Festival de Campos de Jordão, em 1983, que houve uma importante iniciativa para melhorar a situação desse ensino oferecido nas escolas brasilei-ras e a atuação do professor de arte. Escola e formação de professores ainda se encontravam totalmente precárias (BARBOSA, 1990).

Foi no Festival de Campos de Jordão, em 1983, que, segundo Barbosa, ocorreu pela primeira vez no Brasil a análise da obra de arte aliada à história da arte e ao fazer artístico, com um grupo de professores de artes que passavam por uma formação continuada no Festival de Inverno de Campos de Jordão. Nesse mesmo Festival, concepções de leitura crítica e conscientizadora do mundo, bastante similares à concepção de leitura de Paulo Freire, se destacaram nos processos de leituras das obras de arte, bem como o surgimento, pela primeira vez, da concepção “pós-modernista” ou “contemporânea” de ensino da arte.

Também foi a partir da década de 1980 que surgiu o movi-mento de “arte/educação” no Brasil, no qual se buscavam novas me-todologias de ensino e aprendizagem em arte nas escolas, um ensino

19 Assim denominada de acordo com a Lei n. 5.692/71. Arte, que nessa época era designada como “Educação Artística”, era considerada como atividade e não disciplina.

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que propiciasse ao aluno um verdadeiro saber artístico. Esse saber se fundamentaria, basicamente, na abordagem triangular da pesqui-sadora Ana Mae Barbosa, em evidência no final dessa década, com o objetivo de melhorar efetivamente a qualidade do ensino de artes oferecido nas escolas brasileiras.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96, o ensino de artes torna-se obrigatório na educação básica. Desde então, houve uma renovação teórica e metodológica do ensino com base, principalmente, nas experiências e contribuições da abor-dagem triangular e estudos sobre a cultura visual, consolidando-se como principal tendência pedagógica voltada para o ensino da arte oferecido nas escolas brasileiras nos últimos vinte e cinco anos.

É importante assinalar que a Lei n. 13.278, aprovada em maio de 2016, incorporou obrigatoriamente artes visuais, teatro e dança ao currículo da educação básica brasileira, ao lado da música20, ou seja, essas linguagens agora fazem parte agora do currículo escolar. No entanto, as escolas públicas e privadas terão até cinco anos para se adequar a essa Lei. Resta saber se realmente serão criados novos cursos de graduação nessas áreas e se, na prática, haverá professores habilitados em cada uma dessas áreas atuando nas escolas.

Mais um questionamento paira no ar: será que essas quatro linguagens (artes visuais, teatro, dança e música) serão disciplinas? Ou serão componentes obrigatórios que deverão ser ministrados na disciplina de arte? Parece não ter ficado clara essa questão no texto da lei. Contudo, é importante esclarecer que a melhor opção seria a cria-ção dessas áreas como disciplinas, para que cada professor habilitado na área pudesse desenvolver plenamente seu trabalho, com as especi-ficidades metodológicas que cada área exige, evitando a polivalência em arte nas escolas brasileiras de educação básica.

Em um breve levantamento histórico da arte/educação no Bra-

20 Lei n. 11.769, de 18 de agosto de 2008.

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sil dos últimos trinta anos, observou-se que a área vem passando por transformações em suas metodologias e teorias trabalhadas em sala de aula, que implicam em diferentes práticas docentes desenvolvidas na disciplina de arte na educação básica. No entanto, é importante esclarecer que tais práticas devem evitar conceitos da época da educa-ção artística, quando arte era considerada atividade e não disciplina; com efeito, não era tida como objeto de conhecimento nas escolas.

O professor de artes deve ser o mediador no processo de cons-trução de conhecimento do aluno ao abordar conteúdos que real-mente contribuam para o processo de ensino e aprendizagem. Além das teorias, o professor deve aproveitar práticas artísticas e leituras de diferentes obras de artes, aliando a teoria ao fazer artístico de di-ferentes linguagens. Contextualizar teorias e práticas, por exemplo, promover visitas a museus, possibilitar ao aluno um conhecimento mais amplo, elevado e significativo da arte a partir do contato direto com ela.

A seguir, proponho uma discussão sobre a arte e a sociedade relacionadas à educação do campo. As reflexões aqui produzidas não são definitivas, ao contrário, são pontos iniciais para se ampliar o debate em torno da arte/educação no campo como área recente de pesquisa na educação brasileira.

3 Arte, sociedade e educação do campo

Ao falar sobre arte e sociologia na educação do campo, penso ser importante apresentar um panorama, mesmo que breve, sobre as primeiras relações entre arte e a temática social brasileira, em conso-nância com discussões marxistas sobre os efeitos do capitalismo na arte para situar a discussão que esta pesquisa propõe levantar. Este tópico justifica-se pelo fato de este autor entender que educação do campo tem uma relação pertinente com temas sociais e vê na arte um dos melhores meios de propagação e produção de conhecimento na

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contemporaneidade, a partir do próprio objeto artístico produzido pela população camponesa.

Assim, na década de 1930, ocorre a primeira exposição de arte social no Brasil, que refletiu a cultura e a consciência política que permeavam a sociedade brasileira à época. Nela participaram artistas como Cândido Portinari (1903-1962)21, Di Cavalcanti (1897-1976) e Guignard (1896-1962), entre outros, tendo como principais temas “o caráter de denúncia social, na projeção da miséria, em muitos dos trabalhos expostos como também do lazer das classes operárias, ou a imagem de suas tarefas diárias” (AMARAL, 1987, p. 50).

Consequentemente, passa-se a destacar a relação entre arte e elite. Segundo Amaral (1987), o fato de as artes visuais no Bra-sil passarem por uma crise nos últimos tempos decorre de estarem voltadas a uma minoria privilegiada, se distanciando cada vez mais das classes populares e, consequentemente, da população camponesa. Desse modo, a arte se desvincularia da elite por meio da “socialização da arte”, entendida como “uma possibilidade de estender a muitos a oportunidade de se iniciarem no fazer artístico e, assim, estarem ap-tos a fruir do prazer estético diante da produção de arte” (AMARAL, 1987, p. 25).

Foi com Lívio Abramo (1903-1993), artista brasileiro de des-cendência italiana, que se começou a construir nas obras de arte a preocupação social de uma sociedade como a do Brasil. Foi o pri-meiro artista a tratar do tema da luta de classes em suas criações (PEDROSA, 1995).

As camadas populares nessa época tinham participação restrita na sociedade, pois eram consideradas analfabetas, pensamento que, de certo modo, ainda persiste em alguns povos do campo. Os artistas e intelectuais também sofreram punições coercitivas ao se rebelarem diante das “normas” vigentes da época, como, por exemplo, durante

21 Em algumas de suas pinturas era possível observar diferentes representações de camponeses.

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a censura nos anos da Ditadura Militar. De fato, mesmo que de for-ma assistemática, os artistas e intelectuais não deixavam de produzir artisticamente e intelectualmente, pois “a arte não é apenas um ‘fe-nômeno social’, mas algo que surge instintivamente, independente de uma função social, mas com uma ‘necessidade vital’ de expressão” (AMARAL, 1987, p. 10). Contudo, a produção artística e intelectu-al na sociedade, mesmo restringida nesse período da história, gerou uma nova cultura para legitimar o indivíduo e, por sua vez, levou a uma tentativa de se compreender o mundo vanguardista brasilei-ro, que cada vez mais temia tornar-se “acadêmico” e “burguês” (VE-LHO, 1977).

Destarte, surgiram os primeiros registros oficiais referentes à participação e preocupação do artista com a realidade social de seu tempo, fazendo com que temas como “cultura popular” e “arte popu-lar” passassem a ser bastante discutidos no momento, como consequ-ência de uma urgente reestruturação e renovação política nacional.

A partir da aproximação do coletivo na arte, principalmente por meio do teatro, cinema e música popular, além da influência da arte pop americana, muitos artistas se interessaram em participar de eventos nacionais e internacionais, ao mesmo tempo em que novas técnicas artísticas surgiam no cenário artístico brasileiro. Assim Ama-ral (1987, p. 328) contribui para a compreensão daquele momento:

O que ocorre nas artes plásticas em todo o correr da década de 60 não seria senão um pálido reflexo, por parte de uns poucos, dessas aspirações dos artistas de preocupação social que emergem com força, em parti-cular no teatro, a grande trincheira de nossa vanguar-da artística desse tempo.

É nesse sentido que a autora vai dizer que, para romper com esse distanciamento, o artista criará outras formas de se comunicar com o público, como é o caso do artista contemporâneo Hélio Oiti-

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cica (1937-1980), com seus trabalhos “Capas” e “Parangolés”, causa-dores de forte impacto na arte e na cultura popular brasileiras.

Falar de arte social e não mencionar a estética sociológica seria, no mínimo, um equívoco neste texto. Assim, busco em Karl Marx, ci-tado em Vásquez (2011) pressupostos para tentar compreender como a arte, enquanto objeto de conhecimento e produto humano, se rela-ciona com a sociedade e, consequentemente, com o povo do campo, mesmo que em alguns momentos seja concebida como mercadoria pelo sistema capitalista atual.

Em sua concepção sobre arte, Karl Marx (1818-1883) entende que, quando se considera que toda produção material é submetida à produção capitalista, entende-se a obra de arte como uma atividade produtiva. Ao afirmar que a produção capitalista é contrária, hostil à arte, Marx diz que é preciso considerar o contexto histórico vigente, ou seja, levar em consideração a obra em seu tempo.

A tese de Marx estabelece uma relação negativa entre arte e capitalismo, na qual este último não favorece o desenvolvimento e a produção artística. Contudo, a produção capitalista, mesmo sendo hostil à arte, não evitou que artistas como o francês Paul Cézanne (1839-1906), o espanhol Pablo Picasso (1881-1973), entre outros, se destacassem em suas épocas. Isto é, a arte se desenvolve no capitalis-mo, mas com o total desprazer dele.

Sobre a hostilidade do capitalismo à arte, na tese de Marx é possível perceber certo desenvolvimento de determinados campos das artes durante o capitalismo, como é o caso do cinema, que, para conseguir avançar nos lucros, precisa de capital, ou seja, de inves-timento financeiro. Logo, é possível afirmar que o cinema é a arte mais próxima do capitalismo, é a arte das “massas”.

É importante assinalar que o artista buscará, em um primeiro momento, não depender dos interesses do cliente, passando a pro-duzir segundo seus próprios desejos, isto é, produzirá segundo uma necessidade interna. Só depois oferecerá a sua obra a possíveis com-

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pradores. Dessa forma, ele mantém sua expressão criadora na obra. Vásquez (2011) assim descreve as condições de mercado nas quais o artista está inserido e que me parece ser bastante atual para essa discussão.

Na medida em que a arte é afirmação, expressão e ob-jetivação do homem, entendido este não de um modo abstrato, mas concreto (como ser social, histórico), a arte mergulha suas raízes neste filão autêntico e pro-fundo do humano que é o popular. Por tal conteúdo popular, a arte parte de um agora e de um aqui, mas, longe de sentir-se prisioneira de seu tempo, eleva-se graças a sua substância popular – ao universal humano (VÁSQUEZ, 2011, p. 255).

Conforme mencionado anteriormente, a contradição entre arte e capitalismo se manifesta quando o artista não encontra mais moti-vo artístico na burguesia, negando sua obra à sociedade. Dessa forma, passará a ver essa realidade como hostil à arte, ao percebê-la se tor-nando mercadoria, objeto “coisificado”, “alienado”, caindo nas leis da produção capitalista. Tal contradição surgiu quando a sociedade bur-guesa deixou de representar toda a nação enquanto uma classe social do poder, atendendo apenas seus interesses particulares. Se antes, no início, existia harmonia entre artistas e burgueses, agora nasceria um distanciamento entre ambos. Na medida em que se torna mercadoria, considerada como valor de troca, se submetendo à produção capita-lista, a obra de arte se desumaniza, perde sua qualidade e sua relação com o homem. Isso porque “o valor de troca de uma mercadoria, diferentemente do valor propriamente estético, não leva em conta as propriedades sensíveis, a forma do objeto” (VÁSQUEZ, 2011, p. 183).

Diante dessa reflexão, Vásquez (2011, p. 190) pontua que

O trabalho perde seu caráter artístico, isto é, criador,

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à medida que se separa ou se abstrai dos diferentes ingredientes do próprio processo do trabalho, estabe-lecendo uma relação de exterioridade ou indiferença entre eles. As condições materiais da produção se se-param do produtor e este adota uma atitude formal ou indiferente para com sua própria atividade.

O trabalho vai se afastando aos poucos da arte na medida em que perde o seu lado criativo pelas mãos do homem. Pois arte é fruto de criação e trabalho e não deve ter sua liberdade de criação negada. Daí a importância de jovens e adultos do campo produzir a sua pró-pria arte.

É curioso destacar que essa relação nem sempre “amigável” en-tre arte e sociedade vai encontrar no romantismo sua primeira grande contradição, quando o homem irá se opor à sociedade, pelo fato de ela “aliená-lo”. O romantismo, movimento artístico surgido no século XIX, tinha como característica o nacionalismo, a valorização da ima-ginação e dos sentimentos presentes, a qual expressou o desconten-tamento do artista com a realidade da sociedade burguesa, negando e se rebelando contra ela por meio da livre-expressão, afastando-se aos poucos das normas acadêmicas. Artistas como o espanhol Francisco de Goya (1746-1828) e o francês Eugene Delacroix (1728-1863) fo-ram pioneiros nesse movimento.

Consequentemente, o artista buscou na arte moderna uma tentativa de afirmar a sua liberdade criadora. Nesse sentido, a arte moderna contribuiu para resgatar a “humanização da arte”, tentan-do restabelecer a aproximação entre a arte e o povo. É importante ressaltar que, em uma sociedade em que as mercadorias nada mais são do que o trabalho humano materializado, as obras de arte não escapam de serem consideradas como tal. Sobre esse pensamento, Vásquez (2011) esclarece que a sociedade em que o homem produz para o mercado e não para satisfazer suas necessidades faz com que

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as mercadorias percam suas qualidades concretas22 e, consequente-mente, seus valores de uso, tornando-se, então, objetos de troca. É nesse sentido que a mercadoria adquire valor de troca.

A obra de arte foi entendida, então, como mercadoria passível de troca – valor de troca – na sociedade capitalista, sendo igual a qualquer outra mercadoria. A arte passou a ser monopolizada pelas classes domi-nantes e a maioria da população se ocupava tanto com o trabalho que não tinha tempo para se dedicar às artes e aos outros assuntos comuns da sociedade. Apenas com o advento da indústria, o trabalho foi repartido às demais classes trabalhadoras (MARX; ENGELS, 1974).

Ao considerar a estética marxista como ciência, Vásquez (2011) entende que o objetivo da estética é tratar a arte como fenômeno humano criativo e histórico, buscando descobrir a es-trutura da obra artística, suas categorias, sua relação com o ser hu-mano social e a legalidade da obra, ao contrário da crítica de arte, que trata da valoração de uma obra segundo princípios estéticos. Mesmo entendendo que o tempo de criação varia entre os artistas, a estética marxista se importa com o resultado final do trabalho artístico – produto – e não com o seu processo. O objeto artístico vale por sua utilidade, seu valor de uso relacionado às suas quali-dades estéticas, satisfazendo uma necessidade humana. Por isso, é importante valorizar a estética camponesa, suas especificidades e conhecimento produzido a partir de diferentes objetos artísticos oriundos do campo.

Segundo Bastide (1971), o marxismo trouxe apontamentos que puderam explicar a arte por meio de uma concepção sociológica da estética, ou seja, foi uma corrente que auxiliou a entender a es-tética sociológica, que surgiu no início do século XX. Com efeito, a estética sociológica terá nos juízos coletivos sobre o belo o seu objeto

22 Para Marx, o “trabalho concreto” se refere ao trabalho que cria um valor de uso e, com ele, um objeto concreto que possa satisfazer uma necessidade humana concreta. Nesse sentido, a obra de arte é um trabalho concreto.

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de estudo. Para esse autor, nem toda sociedade aceita facilmente a criação de novos valores estéticos, como é o caso daquelas que são presas a tradições religiosas, por exemplo, o oriente. Por outro lado, há aquelas que possuem uma estética própria e relevante para a arte popular: os povos do campo.

Para Bastide (1971), a arte da elite não demora a se tornar arte do povo, o que explica a sociedade começar a ser mais “flexível” com o novo, com novas criações estéticas. Nesse raciocínio, entende-se que essa aceitação ou recusa de valores estéticos depende do conheci-mento que o indivíduo tem do objeto artístico – a história, o artista e os procedimentos técnicos. Penso que isso se relaciona, também, com a experiência estética que os povos do campo têm com diferentes manifestações artísticas de sua comunidade, relacionadas ao seu con-texto social e cultural. Com efeito, ao criar a obra de arte, o artista se aproxima da realidade modificando-a, porém, sem dissociá-la de seu conteúdo ideológico. É nesse sentido que a arte é tida como forma de conhecimento para os marxistas.

Nessa discussão em que a arte é conhecimento, é dada ênfase à arte realista, aquela que serve à verdade, que representa o real, que é toda arte que, partindo da existência de uma realidade objetiva, constrói com ela uma nova realidade que nos fornece verdades sobre a realidade do homem concreto que vive numa de-terminada sociedade e, em certas relações humanas histórica e socialmente condicionadas (VÁSQUEZ, 2011, p. 32).

Essa representação da realidade, que serve à verdade e reflete a essência dos fenômenos humanos, segundo os marxistas, considera a arte como meio específico de conhecimento. De todo modo, afir-ma-se, então, que a ideologia e o realismo na obra de arte serão os principais temas em que a estética marxista se debruçará. Conse-quentemente, começa a ser discutida a veracidade da obra de arte, ao

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entender que o realismo pode também ser uma cópia ou imitação do real, o que de fato vai delimitar as relações entre arte e realismo no pensamento marxista.

Nesse sentido, ao tentar fazer uma conexão entre arte e educa-ção do campo, Pianowski (2014) ressalta que a arte tem a possibili-dade de reconstruir socialmente a realidade dos jovens e adultos do campo a partir de diferentes objetos artísticos por eles produzidos. Além de possibilitar um entendimento mais crítico da realidade na qual se insere o estudante camponês, a arte possibilita, segundo a au-tora: o fortalecimento da sua autoestima; promoção da socialização e da cultura entre os povos; valorização dos saberes camponeses; im-pulso do conhecimento; acesso ao conhecimento cultural universal; e produção da arte em qualquer espaço social.

No ensino de arte da educação do campo é necessá-rio, portanto, que se busquem essas referências para a prática educativa [...] é fundamental que o espaço de ação do arte/educador esteja contextualizado, levando em consideração as particularidades e necessidades dos educandos do campo [...]. Os arte/educadores do campo também necessitam atuar com a postura dos mediadores culturais (PIANOWSKI, 2014, p. 75).

Santanna e Marques (2015) salientam que os projetos edu-cacionais voltados para a formação docente na educação do campo devem considerar também a participação de todos os sujeitos so-ciais. Logo, é importante evidenciar os saberes camponeses nesse processo de formação docente. Deve-se levar em conta a realida-de do campo, as características e necessidades de aprendizagem do educando que vive nesse contexto, o que fica evidente nas produções artísticas elaboradas por esses povos. É nessa perspectiva que esses teóricos defendem a tese de que a educação não precisa ser restrita apenas à escola, mas que seja disseminada além dos muros acadê-micos, possibilitando ao estudante interagir, conhecer e produzir

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conhecimento significativo e crítico sobre a sociedade em geral.É necessário pontuar que o processo de formação desses “fu-

turos” professores ocorre não apenas em espaços de educação formal, como a universidade e a escola, mas também na comunidade em que eles têm a oportunidade, por meio da observação, análise, interação coletiva e produção de trabalhos acadêmicos, de ampliar o conhe-cimento acerca do mundo atual, seus desafios, conflitos, mazelas e possibilidades de construir uma vida melhor. A respeito disso, Paludo et al. (2006, p. 144) trazem uma importante contribuição.

Esses educadores e educadoras são sujeitos individu-ais e coletivos, que se constituíram historicamente, também a partir das experiências de vida e da dinâmi-ca de luta dos movimentos sociais e pastoral. A partir da condição de exclusão estabelecida pela sociedade, estes sujeitos passam a assumir posturas que visam li-bertá-los e constroem a sua formação dialogando com a prática, diante de uma posição política definida. Ou seja, a maioria deles assume compromisso com a luta dos trabalhadores/as (PALUDO et al., 2006, p. 144).

É estratégia necessária e relevante considerar na formação des-ses sujeitos suas histórias de vida, seus saberes e experiências acumula-dos, para que suas práticas docentes sejam condizentes com a realida-de camponesa, principalmente ao trabalharem em escolas do campo. Além disso, atuar nas escolas é uma forma de ter acesso a uma insti-tuição que, na maioria das vezes, foi negada a eles por diversas circuns-tâncias, entre elas: ter de trabalhar para ajudar no sustento da família; migrar para outras cidades; lutar pelo trabalho e pela terra. Estar na escola como professores (as) ou educadores (as) é dar continuidade aos processos de formação humana e escolarização camponesa.

Por meio do contato e da experiência com as diferentes lingua-gens artísticas encontradas nas artes, os estudantes da educação do campo podem encontrar uma importante motivação para explorar

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e expressar seus conhecimentos de mundo, produzir leituras e inter-pretações significativas da realidade através de diferentes procedi-mentos técnicos e artísticos.

É por intermédio da arte que se pode compreender e co-nhecer a diversidade cultural entre os diferentes povos, como está enfatizada no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) no Brasil, e defendida por Barbosa (1998, p. 16): “não podemos enten-der a cultura de um país sem conhecer sua arte. Sem conhecer as artes de uma sociedade, só podemos ter conhecimento parcial de sua cultura”.

O Brasil é um país que se destaca entre as demais nações por apresentar uma rica diversidade cultural e artística. Por meio da arte, o aluno pode conhecer e compreender a cultura brasileira e de ou-tras nações. No Tocantins, essa diversidade é bastante evidente nas manifestações culturais e artísticas reveladas em pinturas, esculturas, arquiteturas históricas, artesanatos, danças e músicas regionais, entre outras que podem ser encontradas com facilidade em diferentes re-giões do estado, principalmente nos municípios de Santa Terezinha, Esperantina, Araguatins, aldeias indígenas Apinayé, todas localiza-das no Bico do Papagaio, região do extremo norte do Tocantins.

Barbosa (2013) afirma que devido à inter-relação cada vez maior das artes visuais com mídias – televisão, as revistas, a internet etc. – no-vos meios de mediação com as artes conhecidas como tradicionais – desenho, pintura, escultura, gravura e arquitetura – surgiram, amplian-do as teorias sobre o conceito de artes visuais e, consequentemente, da mediação das artes visuais com o público.

A arte possibilita ao estudante jovem e adulto do campo desen-volver um olhar crítico a partir do contato com diferentes manifes-tações artísticas, suas bases teóricas e seus diferentes procedimentos técnicos de produção. Vale destacar que esse conhecimento pode ser ampliado por meio do acesso a museus de arte ou espaços culturais artísticos, pessoalmente ou por mídias, como a internet, o que possi-bilita visitas virtuais a diferentes museus do mundo.

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Os estudantes da educação do campo devem ter acesso e apren-der conteúdos teóricos e práticos, pois a teoria subsidia a prática. Não adianta o professor iniciar uma atividade sobre pintura modernista se o aluno não sabe o que significa “modernismo”, que movimento foi esse na história brasileira etc., se não houver contextualização. Nas aulas práticas em artes visuais é importante o professor ir além de pinturas, desenhos, gravuras e esculturas, mas também apresen-tar outras linguagens contemporâneas como o cinema e o grafite, entre tantas outras, para que o estudante camponês possa ampliar seu conhecimento cultural, podendo, inclusive, fazer uso dele em sua comunidade.

Bastos (2010) pontua que é necessária a valorização da cultura local camponesa e dos recursos disponíveis na comunidade para se produzir arte. Destaca, ainda, que estudar a arte do e no campo pos-sibilita gerar reflexões críticas sobre o contexto social e cultural em que as diferentes comunidades se inserem.

Nesse pensamento, Soucy (2010, p. 48) destaca que o Estado deve promover a cultura popular, incentivando a arte do povo:

Os tipos de arte que o Estado patrocina refletirão a sua posição em questões de gênero, cultura e classe social. De forma semelhante, os tipos de arte que nós, como professores, apoiamos, irão refletir nossas pró-prias posições. Isto porque toda expressão artística tem conteúdo explícito e implícito.

Nesse sentido, a arte é fundamental no currículo dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo por ser um meio viável e eficiente de criar, socializar e produzir conhecimento significativo ao jovem e adulto da educação do campo a partir de uma linguagem ar-tística, e possibilitar a esse estudante um olhar mais crítico a respeito da sociedade da qual faz parte. É necessário trabalhar com atividades que estejam relacionadas às artes, independente de sua especificidade

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– artes visuais, teatro, música ou dança – buscando considerar, tam-bém, a arte produzida pelo camponês, ribeirinho, indígena, quilom-bola, enfim, o povo que vive no e do campo. É a arte do povo, feita pelo povo; portanto, arte popular. Dessa maneira, a arte se mostra importante e fundamental na educação do campo.

É oportuno enfatizar neste texto que o curso de licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da Univer-sidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis, a partir dos Grupos de Pesquisa Estudos e Pesquisas em Educação do Campo - Gepec - e Grupo de Pesquisa em Artes Visuais e Educação - Gpa-ve, composto professores(as) de diferentes áreas do conhecimento do próprio curso, busca produzir e socializar pesquisas23 sobre história da educação do campo; movimentos sociais; políticas públicas; povos indígenas e educação; formação docente; jovens e adultos do campo; didática e práticas pedagógicas em artes e música; arte na educação do campo; interculturalidade na educação do campo; pedagogia da alternância; artes cênicas, questão agrária e campesinato, ampliando o campo da pesquisa sobre educação do campo na região norte do Brasil. Nesse sentido, as linhas de pesquisa em Artes Visuais, Forma-ção de Professores e Arte/Educação no Campo; e Arte e Educação se mostram atuantes nesse âmbito.

Ressalto, também, a importância da criação da Revista Bra-sileira de Educação do Campo24 (RBEC) para a pesquisa científica nacional e internacional relacionada à educação do campo. Trata-se de um periódico científico on-line, de acesso aberto e gratuito do

23 As pesquisas produzidas pelo Gepec e Gpave/TOC/UFT se referem a trabalhos acadêmicos publicados pelos seus membros na forma de artigos em revistas científicas, dissertações, teses, capítulos de livros e resumos simples e expandidos em Anais de eventos nacionais e internacionais.24 Periódico científico criado em 2016 pelo professor Gustavo Cunha de Araújo, do curso de Educação do Campo da UFT, do qual é editor-chefe. Essa revista encontra-se disponível no Portal de Periódicos da UFT.

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curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis.

4 Considerações finais

É possível afirmar, portanto, que a arte tem papel fundamental na educação do campo ao produzir novas ideias e saberes que visam à construção de conhecimento. Entendida como fenômeno expres-sivo e estético, produto da criação humana, e como mercadoria pelo sistema capitalista, a arte possibilita ao estudante jovem e adulto do campo ampliar seu conhecimento cultural e produzir arte popular. Isso se dá por meio de teorias da arte e práticas artísticas desenvolvi-das em sala de aula e nas comunidades onde o estudante reside. Esse processo tem o professor como importante mediador. Além disso, a arte possibilita ao estudante desenvolver criticamente sua experiência estética e enriquecer seu processo criativo ao longo da vida.

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Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de

audiovisuais no norte do Tocantins25

Leon de Paula26

Marcus Facchin Bonilla27

Cícero da Silva28

1 Introdução

A produção audiovisual envolve diferentes habilidades e com-petências de ordem estética, artística e técnica. Neste trabalho, bus-camos registrar e sintetizar a produção do primeiro ano de trabalho acadêmico do curso de Licenciatura em Educação do Campo com

25 Esta pesquisa foi realizada no âmbito das atividades científicas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo – Gepec (UFT/CNPq).26 Doutor em Teatro pela UDESC. Professor do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected] Doutorando em Artes pela UFPA. Professor do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected] Doutorando em Letras: Ensino de Língua e Literatura. Professor do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected]

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habilitação em Artes e Música, da UFT. Fazemos um relato da ex-periência dos docentes do curso com relação aos resultados obtidos a partir de uma proposta de trabalho estético acadêmico. O traba-lho consistiu na produção de um audiovisual de um minuto sobre os diferentes enfoques dados a questões relativas às comunidades nas quais os discentes viviam na época do curso. Foi uma forma de pes-quisa, registro e primeira produção artística proposta pelo curso.

Os dados dos audiovisuais analisados aqui são provenientes de uma das disciplinas do curso cujo objetivo principal é a integração e a articulação dos conteúdos do semestre. Este estudo parte de concep-ções e ferramentas da educação do campo para, em seguida, analisar os objetos produzidos sob os aspectos da linguagem, do discurso, da música, do roteiro e da montagem, traçando um comparativo entre a produção da primeira turma (entrada no primeiro semestre de 2014) e a da segunda turma (entrada no primeiro semestre de 2015).

2 Algumas palavras: educação do campo e alternância

No final da década de 1980, a abertura política trouxe perspec-tivas de melhoria para diferentes grupos populares brasileiros, como os camponeses. Apoiados sobre o discurso de que os povos do campo sempre ficaram à margem dos processos formativos do sistema pú-blico de ensino, os movimentos sociais passaram a defender que o campo deveria ter uma modalidade de educação pensada sob a ótica camponesa, com metodologia, currículo, tempos, espaços e processos formativos condizentes com a realidade do campo.

Aliada a essa modalidade específica de educação, podemos vin-cular a pedagogia da alternância (PA), gestada na França, em 1935, em um período de crise econômica que assolava o campo e acelerava o êxodo rural. Desde as primeiras experiências nas Casas Familiares Rurais (Maison Familiale Rurale – MFR), a PA congrega diferentes valores e saberes nos processos formativos. Além disso, a formação

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contempla diferentes espaços e tempos, denominados tempo escola (TE) – período de sessões de aulas na unidade de ensino, articuladas entre estudo, pesquisa e propostas de intervenção, e tempo comu-nidade (TC) – representado pelo período de vivência do jovem na propriedade/comunidade onde desenvolve pesquisas, experimen-tos, trabalho coletivo, entre outras atividades (RIBEIRO, 2008). As atividades empreendidas nesses dois tempos ou espaços formativos (escola e família/comunidade) são integradas aos instrumentos pe-dagógicos (IP).

Após chegar ao Brasil, em 1968, com a implantação das pri-meiras Escolas Famílias Agrícolas (EFA) em terras capixabas, e vi-sando à formação de crianças e jovens camponeses, a PA se expande rapidamente pelo país, alcançando, inclusive, a formação em nível superior nos Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e Programa de Apoio à Formação Superior em Educação do Campo (Procampo) do governo federal.

Silva, Andrade e Moreira (2015, p. 2) destacam que a PA “tem se constituído como uma referência pedagógica para a formação nos movimentos sociais”. Hoje a PA fundamenta mais de 40 cursos de graduação em educação do campo, com habilitação em diferentes áreas do conhecimento, todos vinculados a universidades públicas brasileiras e instalados conforme chamada pública do Procampo es-tabelecida por meio do Edital de Seleção nº 02/2012 – SESU/SE-TEC/SECADI/MEC, de 31 de agosto de 2012 (BRASIL, 2016b).

A instalação desses cursos foi resultado de uma parceria cele-brada entre Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Di-versidade e Inclusão (Secadi), Ministério da Educação (MEC) e ins-tituições públicas de ensino, conforme previsto no Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010 (BRASIL, 2016a). Dentre os cursos im-plantados, está o de Licenciatura em Educação do Campo com ha-bilitação em Artes e Música, da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis, contexto desta pesquisa.

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3 A proposta formativa do curso

Além da pedagogia da alternância e alguns de seus instrumen-tos pedagógicos, a proposta formativa do curso é orientada pela atu-ação por áreas de conhecimento, assim como o uso de princípios da pedagogia humanizadora ou problematizadora proposta por Paulo Freire (2014), que pressupõe que o conhecimento é construído nas relações dialógicas e críticas entre educandos, educadores e a reali-dade.

Essa pedagogia se sustenta na percepção de que o homem é um ser histórico-social e inconcluso, e a educação visa à libertação humana através da busca do “ser mais”, rompendo a relação de clas-ses entendida pelo autor como enraizada e que imbrica oprimidos e opressores.

A pedagogia problematizadora contrapõe-se à pedagogia tradicional, que se sustenta na transmissão de conteúdos aos alu-nos sem qualquer envolvimento ou reflexão dos envolvidos, pro-fessores, alunos e comunidade. É o que Freire chama de pedagogia bancária ou desumanizadora, que atende os interesses das classes dominantes (opressores).

A Licenciatura em Educação do Campo tem sua habilitação voltada para as artes, em especial artes visuais e música. Uma das al-ternativas para contemplar os princípios freirianos nesse contexto foi a criação da disciplina Seminário Integrador (SI), com a finalidade de integração semestral, rompendo, assim, com o modelo disciplinar engessado no qual são organizadas as escolas e universidades (SIL-VA; PAULA; BONILLA, 2016).

Tal ação exigiu participação mais integrada dos docentes do curso, em um trabalho coletivo, uma vez que o SI atua como elo entre as disciplinas, além de articular as atividades desenvolvidas no tempo comunidade (TC) e tempo universidade (TU). De acordo com sua ementa, a disciplina SI constitui o “Espaço de diálogo interdiscipli-

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nar para discussão das atividades realizadas no bloco. Assim, como preparação do instrumento de pesquisa para o tempo comunidade envolvendo todos os docentes e discentes do bloco” (UFT, 2014, p. 46). Dentre as atividades desenvolvidas durante o TU, estão os en-contros entre docentes e respectivas turmas para debater temas e pla-nejar os instrumentos de pesquisa a serem implementados no TC, bem como orientar sobre os dados coletados/gerados e a integração desse material com as demais disciplinas do curso.

4 Procedimentos metodológicos

A produção do material artístico ocorreu a partir do desenvol-vimento de diferentes atividades de leitura, pesquisa e análise, orien-tadas pelo viés do audiovisual.

O SI, por ser instituído como “Espaço de diálogo interdisci-plinar” (UFT, 2014) no curso, requer a participação e o compromisso de todos os alunos e docentes da turma. Dessa maneira, em ambas as turmas, as atividades tinham como objetivo principal a produção (individual ou em equipe) de um produto estético (neste caso, os ví-deos de 1 minuto sobre o tema “A comunidade” na turma de 2014-2 e “Vida em imagem e som” para a turma de 2015-2).

Os alunos das turmas colaboradoras são, em geral, professores de escolas do campo, filhos de camponeses, assentados da reforma agrária, indígenas, quilombolas e moradores de pequenas cidades e vilarejos de diferentes partes do Tocantins, em especial da região do Bico do Papagaio29, localizada no extremo norte do Estado.

29 A região do Bico do Papagaio está localizada no extremo norte de Tocantins, e é assim denominada porque é nessa região que ocorre o encontro dos rios Tocantins e Araguaia, que delimitam geograficamente as divisas entre os estados brasileiros do Pará, Maranhão e Tocantins. A mesma região sofreu, durante o mais recente período ditatorial brasileiro, os enfrentamentos da chamada Guerrilha do

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Ao longo das discussões e apresentação das propostas às res-pectivas turmas (de 2014-2 e 2015-2), as equipes de docentes iden-tifi caram que nenhum dos alunos tinha experiência com a produção de material audiovisual. No entanto, os discentes apresentaram boa disposição e aceitaram o desafi o. Como parte das atividades de pre-paração dos alunos, foi realizada uma ofi cina com as turmas, cujo tema foi a produção de vídeo integrada às atividades da TV Escola (BRASIL, 2016c) como um dos materiais de apoio. Na proposta es-tabelecida com a participação dos corpos docente e discente, tanto com a turma de 2014-2 como de 2015-2, o esboço da produção do vídeo deveria contemplar a proposta representada na Figura 1.

Figura 1 – Esboço do audiovisual Fonte: Silva; Paula; Bonilla, 2016, p. 24.

Para produzir seus vídeos, os discentes deveriam se familiarizar com dispositivos de captação e edição de imagens audiovisuais. Na ocasião, a experiência coletiva na prática direta com os instrumen-tos proporcionou condições de deixá-los capazes para usar equipa-

Araguaia, com reverberações percebidas ainda nos dias de hoje.

Imagem (visual/sonora/

textual)

Texto(escrito / visual /

sonoro)

Som (fala / música/ efeito sonoro /

silêncio)

audiovisual

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mentos tecnológicos necessários, como gravadores de áudio, câmeras, computadores e softwares de edição de vídeo/áudio. A produção do audiovisual também exigiu que delimitassem o tema proposto, fi-zessem um recorte da realidade local e construíssem um roteiro do trabalho e, em especial, articulassem imagem, texto e som. Afinal, sem isso dificilmente teriam condições de atingir a meta apresentada pela equipe de docentes.

O desenvolvimento das pesquisas, assim como as diferentes etapas de produções dos vídeos, ocorreu durante o tempo comuni-dade (TC) nas comunidades dos próprios discentes. Já outras ativi-dades vinculadas à produção foram realizadas no tempo universidade (TU). E, para cada um dos discentes ou equipe, havia um professor orientador das atividades. Cabia aos docentes reunir seus alunos para orientá-los, debater a pesquisa e analisar o material produzido no TC, e, quando necessário, realizar orientações a distância.

Desse modo, as propostas de produção dos vídeos contempla-ram, respectivamente, os temas “A Comunidade” (na turma do 2º semestre de 2014) e “Vida em imagem e som” (na turma do 2º se-mestre de 2015), sendo o eixo norteador das atividades desenvolvidas as etapas dispostas no Quadro 1.

Quadro 1 – Etapas do planejamento e da produção do audiovisual

1. Apropriação de conceitos da área do audiovisual e produção artística, a partir de leituras que subsidiem o assunto;

2. Apreciação e análise de obras de referência (vídeos premiados em festivais de minuto) para apropriação de saberes sobre imagem, som e texto em vídeo;

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3. Orientação de trabalho (professores e alunos) no TU, norteada pela discussão teórica e metodológica para produção dos vídeos de 1 minuto sobre o tema “A comunidade” (2014-2) e “Vida em imagem e som” (2015-2);

4. Formação de equipes, escolha do foco dos vídeos e encaminhamentos da pesquisa para o TC;

5. Desenvolvimento da pesquisa sobre o tema no TC pelas equipes (produção dos vídeos e diários de processo criativo);

6. Mostra da primeira versão dos vídeos no TU pela equipe (alunos e professores) e análise orientada para reelaboração dos vídeos;

7. Reelaboração dos vídeos no TC, a partir das informações trocadas entre discentes e docentes;

8. Exibição da versão final dos vídeos no TU, restrita somente aos docentes e discentes integrantes da turma;

9. Organização e realização da I e II Mostras de Vídeos de 1 Minuto do Curso de Educação do Campo, e apresentação aberta ao público de todo o Câmpus UFT – Tocantinópolis.

Fonte: Silva; Paula; Bonilla, 2016, p. 25.

Esse quadro mostra que as atividades relacionadas à produção do audiovisual estão divididas em três momentos distintos: pré-pro-dução – produção – pós-produção. Ao todo, foram produzidos 19 audiovisuais de um minuto pela turma de 2014-2 e 14 na turma de 2015-2. Além disso, esse conjunto de material artístico trata de te-máticas sobre as comunidades em diferentes aspectos: agricultura fa-miliar, conflitos agrários, produção agrícola, consumo, sustentabilida-

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de, cultura local, memória e educação do campo, acesso à escola, etc. Vale ressaltar que os diários de processo criativo foram outro

“produto” produzido simultaneamente com os audiovisuais, cuja fina-lidade era acumular os registros relacionados ao percurso e às experi-ências vivenciadas durante a produção, compreendidas desde a con-cepção da ideia original à exibição pública do material audiovisual.

Em nossas experiências, a opção pelo formato audiovisual se mostrou condizente com a atividade proposta. Essa opção permitiu que a síntese – tanto no que diz respeito à habilitação de caráter artístico do curso (que envolve artes e música), como ao reconheci-mento de posições de caráter sociocrítico e pedagógico relacionadas à realidade percebida pelos discentes – articulou valores conceituais éticos e estéticos capazes de colocar a construção de imagens no cen-tro das discussões de uma arte advinda, originária ou instalada no campo ou para ele orientada (SILVA; PAULA; BONILLA, 2016).

Ao lado disso, as exibições da I e II Mostras de Vídeos de 1 Minuto do curso de Educação do Campo permitiram às comunida-des (representadas pelos discentes) abrirem espaço pelo desen-volvimento de um objeto artístico, marcado pela socialização de experiências e possibilidade de integração entre universidade e comunidades.

5 Análise e discussão dos dados

5.1 A produção escrita do gênero diário de processo criativo

A realização de uma língua por parte de seus usuários ocorre por meio do uso de enunciados, quais sejam escritos ou orais. E os integrantes de cada esfera social – familiar, jurídica, jornalística, re-ligiosa, acadêmica, entre outras – no processo de comunicação, utili-zam-se de textos que apresentam certas peculiaridades no tocante ao

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conteúdo temático, à estrutura composicional e ao estilo de lingua-gem empregado. Segundo Bakhtin (2006), cada exemplar de texto receberá um nome específico, denominado gênero do discurso.

Exatamente por serem denominados “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2006, p. 292), os gêneros do discurso são constructos sócio-históricos, elaborados em função das necessidades comunicativas dos membros de uma esfera social. Além disso, são caracterizados por especificidades da esfera de comunica-ção. A exemplo disso, temos os gêneros monografia e artigo cientí-fico, restritos à esfera acadêmica; o gênero petição, mais recorrente no meio jurídico; os gêneros carta pessoal e a lista de compras, mais frequentes na esfera familiar; o gênero sermão, restrito ao meio reli-gioso, entre outros.

Com base nessa concepção de gênero, podemos afirmar que as práticas educativas empreendidas no contexto da pedagogia da alternância na educação básica alimentaram experiências formativas que criaram seus gêneros do discurso. É o caso do gênero caderno da realidade, um dos instrumentos pedagógicos da alternância. Por acu-mular os registros gerados em decorrência das atividades vinculadas aos oito temas dos planos de estudo – ou tema gerador na perspectiva freiriana – ao longo de um ano letivo, o caderno da realidade adquire certas peculiaridades, pois incorpora um conjunto de textos em sua estrutura composicional (SILVA; ANDRADE; MOREIRA, 2015). De certa forma, o surgimento desse gênero na esfera escolar ocorreu em função da necessidade de sistematização da pesquisa e registros das atividades realizadas com os alunos.

Não muito diferente das finalidades apresentadas na alternância no ensino básico, nas atividades do curso de Licenciatura em Educação do Campo o caderno da realidade inspirou o surgimento de outros gêneros em função das temáticas estudadas e das peculiaridades na sistematização dos registros na disciplina SI, como o gênero diário de processo criativo (SILVA; PAULA; BONILLA, 2016). Assim,

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A partir da experimentação prática com vistas à com-posição artística, os diários serviam de base para o re-gistro de tudo o que se relacionasse à construção do objeto de arte: das orientações dadas pelos docentes às impressões causadas e opiniões emitidas junto aos co-legas discentes a respeito dos vídeos exibidos durante as apresentações preliminares [...], bem como dúvidas relativas à aplicação das técnicas e questões das mais diferentes ordens que fossem suscitadas nesse movi-mento realizado em torno de um material no qual se entrecruzam muitas variáveis determinantes para sua sustentação como objeto de arte e que, diretamente, incidiam na tomada de decisões para que a ideia origi-nal tomasse uma (ou outra) forma (SILVA; PAULA; BONILLA, 2016, p. 28).

O excerto mostra que os diários de processo criativo acumulam diferentes registros gerados ao longo da produção do audiovisual. E vão desde a delimitação do tema, planejamento, execução do projeto até as orientações dos professores. Nesse gênero, a partir das temá-ticas “A comunidade” (semestre 2014-2) e “Vida em imagem e som” (semestre 2015-2), definidas pela equipe de docentes do Seminário Integrado II para produção do vídeo de 1 minuto, os alunos/autores deveriam ser capazes de apresentar as seguintes seções: (1) a propo-sição da ideia principal do vídeo; (2) sobre o quê falar?; (3) argumen-to que justificasse a delimitação; (4) sinopse; (5) finalidade da pro-dução; (6) público-alvo da produção; (7) perfil do público-alvo; (8) formato do audiovisual (videoclipe? documentário? animação? etc.); (9) roteiro da produção; (10) planilha de pré-produção (equipamen-tos; pessoas envolvidas na produção; objetos de cena; detalhamento das equipes de trabalho; deslocamento; seleção de atores; datas de ensaios; agendamento de gravações; autorizações; dentre outros.); (11) diário de produção (o que ocorreu durante as gravações? quais problemas surgiram? Quais estratégias foram articuladas para a re-solução dos problemas encontrados?); (12) diário de pós-produção

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(detalhamento do tratamento e montagem dos sons e imagens cap-tados durante as gravações: quais equipamentos, mídias, programas de edição de audiovisual utilizados etc., critérios que embasaram as escolhas para a composição da produção).

As diferentes seções que compõem o diário de processo cria-tivo, em linhas gerais, estimulam os autores das produções artísticas a tomarem nota sobre qualquer etapa ou procedimento relacionado à produção. Nesse sentido, “quanto mais detalhada se apresenta essa tomada de notas para a composição do diário, mais eficiente ele se torna como instrumento pedagógico, visto que ele permitirá com cla-reza a observação dos desdobramentos que se seguiram ao impulso original” (SILVA; PAULA; BONILLA, 2016, p. 28). Além disso, ele é um gênero que nasce das demandas de cunho estritamente acadê-mico. Certamente, se bem utilizado, pode se tornar um instrumen-to pedagógico importante para a sistematização do aprendizado na educação do campo, especialmente da modalidade escrita da língua.

Na área das artes, quer seja nas artes visuais (aplicada espe-cialmente às linguagens do cinema e do vídeo) ou nas artes cênicas (principalmente vinculada ao teatro, à dança, ao dança-teatro, à ópe-ra, e outras vertentes em evidência no século XX), normalmente a documentação de tudo que integra processos criativos é largamente utilizada (SILVA; PAULA; BONILLA, 2016).

Nas experiências artístico-educativas envolvendo tanto a pri-meira turma (2014-2) como a segunda (2015-2), os registros dos diários de processo criativo constituem parte fundamental para o en-tendimento da organização do trabalho das equipes, das etapas e dos processos de produção de cada uma das obras videográficas, isto é, dos audiovisuais pelos discentes. Conforme ressaltam Silva, Paula e Bonilla (2016, p. 28), “o processo, ao ter a devida notação e registro, pode ser mais facilmente analisado a posteriori e retomado sempre que se faça necessário, sem que aconteçam perdas substanciais das informações e procedimentos técnicos para o futuro aprimoramento em novas produções que venham a ser realizadas”. Nesses diários,

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além dos autores estabelecerem os limites do espaço da produção do conhecimento, narram todas as etapas ou passos trilhados durante o desenvolvimento da pesquisa.

Ao analisarmos os exemplares dos 19 diários de processo cria-tivo referentes às produções artísticas da primeira turma (2014-2), verificamos que apenas dois deles apresentam os registros completos de todas as etapas do processo de produção. Embora os discentes tenham sido orientados pela equipe de docentes quanto às seções de registros dos diários, não foram capazes de produzir esse gênero segundo a estrutura composicional e conteúdos exigidos.

Por outro lado, a produção final dos diários de processo cria-tivo da segunda turma (2015-2) foi um pouco melhor sucedida. Em sua maioria, mesmo com dificuldades de domínio ou uso da escrita acadêmica, os discentes conseguiram apresentar nos diários registros que vão desde a concepção da ideia inicial à exibição final do vídeo de 1 minuto. Além disso, apresentam um mapeamento detalhado ine-rente à consecução da obra artística, assim como registros de fatos ou desafios que ocasionaram eventuais mudanças no desenvolvimento da produção.

Devemos, pois, ressaltar que a proposta de construção dos di-ários pelas equipes foi necessária e importante não só no intuito de levar os discentes a terem uma percepção segura a respeito do resul-tado estético da produção, mas, sobretudo, dos pressupostos éticos aos quais serviram para as tomadas de decisões.

5.2 Os áudios do visual

Cabe aqui fazer uma breve descrição da paisagem e das trilhas sonoras utilizadas nos audiovisuais produzidos pelas duas primeiras turmas do curso. Usamos o termo paisagem no sentido de Schafer (1991), tomando o ambiente sonoro como uma paisagem, passível de descrição, assim como o ambiente visual. Os resultados apresentados

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entre as duas turmas foram diferentes, devido, em boa parte, aos con-textos peculiares em que cada grupo esteve submetido durante o pro-cesso de produção, assim como à possibilidade do uso de uma turma como referência para outra.

De todo modo, esse exercício foi importante para entendermos os parâmetros sonoros e simbólicos desses estudantes, assim como de-cifrar alguns aspectos da relação deles com a música. Para isso, optamos por eleger algumas categorias de análise que julgamos importantes no processo de aprendizagem, ao considerar que se trata de um curso com habilitação em artes e música. São elas:

1) Composição autoral específica para o vídeo. Nessa categoria procuramos avaliar quais e quantos trabalhos tiveram como áudio músicas compostas especialmente para o audiovisual, seja essa com-posição uma paródia, um improviso instrumental ou uma canção.

2) Obra interpretada. Nessa categoria identificamos obras compostas por diferentes autores e interpretadas pelos discentes do referido trabalho ou do curso.

3) Artista da comunidade. Nessa categoria enquadramos obras compostas e/ou realizadas por membro da comunidade à qual os dis-centes pertencem.

4) Obra pesquisada. Nessa categoria se enquadram as músicas de diferentes artistas pesquisadas e selecionadas pelos discentes, seja de suas coleções pessoais, de artistas conhecidos ou disponíveis na internet.

5) Sem música. Essa categoria refere-se aos audiovisuais que optaram pelo uso de outros tipos de sonoridades que não as entendi-das por eles como música.

Alguns trabalhos foram classificados em mais de uma catego-ria, como no caso de músicas compostas especialmente para o tra-balho que também entraram na categoria “artista da comunidade”, quando o caso, ou em “interpretada pelos próprios alunos”.

Dessa forma, chegou-se ao Gráfico 1 com a primeira turma.

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Gráfi co 1 – Categorias da trilha sonora dos 19 audiovisuais realiza-dos pela primeira turma

Trilha sonora dos 19 audiovisuais produzidos pela primeira turma (2014-2)

10%

5%

10%

60%

15%

Composição

Interpletação

Artista comunidade

Obras pesquisadas

Sem música

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

O Gráfi co 1 mostra a origem da trilha sonora dos 19 audio-visuais produzidos pela primeira turma (2014.2). Desses, dois foram compostos exclusivamente para essa atividade, sendo um deles uma composição em forma de canção, com letra que descreveu a narrativa do trabalho, em que os componentes do grupo cantam acompanha-dos por acordeão, violão e diferentes instrumentos de percussão. O outro trabalho teve sua trilha criada e realizada por um artista da

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região do Jalapão, com o uso da viola de buriti, instrumento caracte-rístico da comunidade da discente que criou o audiovisual. No único trabalho que teve um membro da comunidade como intérprete, o foco central da narrativa foi o de destacar a habilidade de um artista da comunidade que produz melodias usando como instrumento mu-sical uma folha da mangueira.

Três trabalhos optaram por não usar uma trilha sonora musical, usando como principal fonte sonora apenas a narrativa dos persona-gens, assim como eventuais efeitos sonoros não programados, como sons vazados de animais, TVs e rádios ligados nas redondezas das gravações. Em um deles, usaram-se ainda recursos intencionais de efeitos sonoros como tiros, sons de passos e de um coração batendo.

Os demais audiovisuais apresentados por essa turma fi zeram uso de trilha sonora pesquisada em arquivos pessoais dos discentes ou na internet. Dessas 12 trilhas, percebeu-se uma recorrência da mescla de efeitos sonoros descritivos a uma trilha musical, assim como a seleção de mais de uma obra musical para um mesmo trabalho. Nove delas foram fragmentos instrumentais sem o uso da voz cantada, in-cluindo introdução de canções ou obras instrumentais mais conheci-das, como partes de trilhas de fi lmes, vinhetas ou obras do repertório erudito. Em três vídeos, os autores optaram pelo uso de canções cuja letra dialogava com o conteúdo ou com a narrativa do trabalho.

A seguir, o Gráfi co 2 apresenta as categorias em que se enqua-dram a trilha sonora dos audiovisuais da segunda turma.

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Gráfi co 2 – Categorias da trilha sonora dos 14 audiovisuais realiza-dos pela segunda turma

Trilha sonora dos 14 audiovisuais produzidos pela primeira turma (2015-2)

25%

0%

25%

50%

0%

Composição

Interpletação

Artista comunidade

Obras pesquisadas

Sem música

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

De maneira geral, nas categorias de análise estabelecidas, houve um pequeno avanço em relação ao ineditismo de produção da segunda turma em relação à primeira. Esse movimento não foi ao acaso, mas sim incentivado pelos docentes do curso. Com base nas análises dos primeiros vídeos, entendeu-se que seria importante que houvesse um protagonismo artístico maior por parte dos discentes, o que provavel-mente contribuiu para essa alteração.

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Foram quatro composições criadas especificamente para esse trabalho, duas a mais do que as realizadas pela turma anterior, mesmo com cinco trabalhos a menos. Um dos grupos apresentou o audiovi-sual que retratava a vida das quebradeiras de coco30, característica da região. A trilha foi gerada a partir do som do cacete31 ferindo o coco, ferramenta usada pelas quebradeiras, ilustrando bem a paisagem so-nora dessa comunidade. As demais trilhas foram criadas com um instrumento solo e realizadas por algum músico da comunidade: um com a viola de buriti32, um com o violão e, em um terceiro grupo, o músico da comunidade fez uso de um teclado eletrônico. Duas dessas trilhas funcionaram como background da narrativa oral e uma delas como base para uma narrativa de imagens. Por outro lado, não teve nenhum audiovisual em que os próprios discentes atuassem como intérpretes para realização da trilha apresentada, como ocorreu com a turma 2014-2.

Outro dado interessante é que, dentre os oito audiovisuais que fizeram uso de trilha pesquisada, quatro deles se apropriaram de obras de professores, colegas e artistas da comunidade, estreitando as relações artísticas da turma com a comunidade, bastante positivo para o que se esperava do curso. Uma obra em especial foi uma can-

30 São trabalhadoras extrativistas, em geral mulheres, muitas vezes organizadas, ou não, em cooperativas e em movimentos sociais, que coletam e extraem a amêndoa do coco babaçu. Essa amêndoa é proveniente da palmeira de mesmo nome, abundante na região norte, em especial no Tocantins e Pará e no nordeste envolvendo os estados do Maranhão, Piauí e parte do Ceará.31 É um pedaço de madeira utilizado como ferramenta para extração da amêndoa do coco babaçu.32 A viola de buriti é produzida a partir do talo da palmeira buriti, frequente na região Amazônica e no Cerrado. Alguns músicos e artesãos da comunidade Mumbuca, localizada no município de Mateiros/TO, região do Jalapão, produzem e tocam esse instrumento, criando uma identidade musical entre essa viola e a comunidade na qual alguns discentes do curso de Licenciatura em Educação do Campo vivem.

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ção que os índios da etnia Apinayé usam para o ritual da corrida de tora, que conduziu a narrativa do trabalho.

Gráfi co 3 – Categorias da trilha sonora com os audiovisuais realiza-dos pelas duas turmas, 33 obras

Total das trilhas sonoras dos audiovisuais produzidos por ambas as turmas - 33 obras

16%

8%

16%52%

8%

Composição

Interpletação

Artista comunidade

Obras pesquisadas

Sem música

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Como síntese geral dos trabalhos, o Gráfi co 3 mostra as cate-

gorias que originaram a produção das trilhas dos audiovisuais envol-vendo as duas turmas apreciadas. O uso de obras artísticas musicais de outros autores responde por pouco mais da metade dos trabalhos

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produzidos, mas a participação de artistas da comunidade com com-posições específicas para essa atividade não pode ser desprezada, o que é desejável para nosso contexto.

5.3 Colagem e montagem: procedimentos de composição do objeto audiovisual

Os procedimentos adotados para a organização das ações com vistas à elaboração do vídeo exigiram dos discentes que eles se apro-priassem, ainda que de maneira inicial, de técnicas pertinentes às ar-tes visuais, especialmente àquelas voltadas às linguagens da fotogra-fia, do cinema e do vídeo propriamente ditos.

A condição de disponibilidade para o estabelecimento de um contato com as ferramentas tecnológicas utilizadas em favor da cons-trução do objeto artístico – capaz de gerar uma relação que oferecesse suporte aos discursos adotados pelos discentes – pode ser entendida como premissa que embasa todas as demais ações de realização de um objeto dessa categoria. Em razão dela, conhecimentos de dife-rentes disciplinas serão requisitados e inter-relacionados para atingir tal intento, de modo que a condição de disponibilidade promove (ou mesmo determina) um ambiente propício à pesquisa, seja ela prática e/ou teórica, em atendimento à necessidade de realização estética.

No tocante aos processos de criação artística, de antemão, a tecnologia seria comumente tomada como um ponto de reforço ao conceito de alienação. Ao ser experimentada pelos discentes – que articularam diante da proposição a sua condição de disponibilidade – essa mesma tecnologia serviu como ferramenta potencializadora de um discurso que permitiu a apresentação de uma identidade própria, assim caracterizada pelos posicionamentos sociopolíticos que orien-taram os pontos de vista do discente/artista para a obra em questão, voltados a outros grupos humanos e comunidades distintas daquelas às quais lhes sejam de origem ou de tradição.

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Considerando que os exercícios de leitura e construção de ima-gens são partes de processos identitários, o discente/artista reivindica a si mesmo o poder de questionar e, consequentemente, de redefinir os vínculos com a tecnologia que outrora lhe tenham sido estabele-cidos. Nessa redefinição, são promovidas em torno do objeto estético outras relações possíveis: se antes não se percebiam como consumi-dores, os discentes – ao assumirem concomitantemente a condição de produtores da imagem – são obrigados a exercitar, de maneira dialética, o olhar crítico a respeito dos contextos sociais nos quais as imagens transitam. Transitam as imagens, transitam as ideias: os diálogos pertinentes a esses trânsitos redefinem as possibilidades de arranjo audiovisual para sua produção em si ao dar formas às ideias.

A colagem e a montagem seriam, então, procedimentos a favor de um questionamento a ser feito pelos discentes/artistas junto aos seus contextos de vida a respeito do que a realidade – em suas múlti-plas nuances – é capaz de lhes apresentar. A utilização de um ou outro procedimento (ou ainda dois procedimentos simultaneamente) per-mite que ocorra um redimensionamento da própria realidade. Des-locada de um contexto original e assim transposta a outro ambiente, a realidade pode ser revista a partir de recortes que redesenhem e/ou redirecionem o olhar de quem aprecie o objeto estético. O princípio para execução de tais procedimentos pressupõe que o olhar, voltado à realidade, promova uma metaforização ao tomar a realidade por uma potência que provoque o imaginário tanto de quem produz quanto de quem contemple a imagem (visual ou sonora).

A colagem (oriunda do universo das artes plásticas) permite que sejam colocadas para uma mesma composição audiovisual ima-gens sonoro-visuais heteróclitas, de maneira que, acerca de sua di-versidade, o conflito entre elas provoque o espectador a estabelecer uma linha de diálogo, a fim de configurar um determinado quadro. A colagem se caracteriza pela borda da imagem deixada propositada-mente aparente; ou mesmo pela demarcada diferença de nitidez en-tre as imagens, capaz de provocar um choque em quem se relacione

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com o objeto artístico. Inaugurada pelas chamadas collage cubistas, esse procedimento seria um sintoma da modernidade, expresso pela teoria da vanguarda descrita por Bürger (1993).

O que distingue estas obras das técnicas de pintura praticadas desde o Renascimento é a incorporação de fragmentos de realidade na pintura, ou seja, de mate-riais que não foram elaborados pelo artista. Assim se destrói a unidade da obra como produto absoluto da subjetividade do artista. O pedaço de fio de verga que Picasso cola num quadro pode ser escolhido de acor-do com uma intenção de composição; como pedaço de fio de verga continua a fazer parte da realidade, e incorpora-se no quadro tal qual é, sem sofrer altera-ções essenciais. Deste modo, violenta-se um sistema de representação que se baseia na reprodução da reali-dade, quer dizer, no princípio segundo o qual a tarefa do artista é a transposição dessa mesma realidade. É certo que os cubistas não contentam em exibir – como pouco depois o faria Duchamp – um mero fragmento do real, mas renunciam à constituição do espaço do quadro num todo contínuo (BÜRGER, 1993, p. 128).

O ato realizado pelo discente/artista de assumir a possibilidade de junção e justaposição de diferentes materiais para esta configura-ção é o que confere à colagem sua dimensão artística. Dessa forma, a realidade é trabalhada com vistas à sua metaforização, e é evidenciado ao espectador que essas partes não são a priori conciliáveis: a realidade é de per si descontínua, transversa, e quem poderia exibir sua inerente descontinuidade (ou dar algum sentido a ela) através da obra seria o artista. Em suma, a obra (se tiver ela alguma função) seria a de exibir as contradições da realidade.

A montagem, diferentemente da colagem, tem por princípio estabelecer uma linha de continuidade entre uma imagem e outra, sem que se identifique tão claramente quanto na colagem o limite entre essas imagens. Como técnica própria do cinema, a montagem

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permite a fragmentação da realidade e, a partir do encadeamento de imagens, obtém-se a ilusão do movimento. Para Bürguer (1993, p. 122-123),

O cinema baseia-se, como sabemos, no encadeado de imagens fotográficas que produzem impressão de movimento devido à velocidade com que se sucedem diante da nossa vista. A montagem de imagens é a téc-nica operatória básica do cinema; não se trata de uma técnica artística específica, dado que é determinada pelo meio, se bem que o próprio uso do meio já im-plique diferenças, porque não é a mesma coisa quando a sucessão de planos fotográficos reproduz o curso de um movimento natural e quando reproduz um movi-mento artístico (por exemplo: a partir de um leão de mármore adormecido, depois acordado e posto de pé produz-se a impressão de que esse leão salta, como acontece em O Couraçado Potemkine). No primeiro caso, também se “montam” imagens isoladas, mas a imagem cinematográfica reproduz por ilusão o movi-mento ou engano o curso de um movimento natural. No segundo caso, porém, a impressão de movimento só pode ser produzida pela montagem das imagens (BÜRGUER, 1993, p. 122-123).

Entre si – e a critério do que melhor lhe sirva à necessidade, enquanto discente/artista realizador da obra – ambos os procedimen-tos podem convergir ou divergir mais ou menos um do outro durante a composição do objeto audiovisual, dependendo de uma eventual prévia habilidade adquirida, ou ainda da investigação estética experi-mentada pelo seu realizador no decorrer da composição.

As abordagens feitas pelos discentes/artistas de questões per-tinentes à vida no campo, em relação aos conflitos agrários, à má utilização da água, à integração comunidade/escola, à manifestação da poesia das comunidades, às brincadeiras infantis e à memória,

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dentre outros, adquirem nuances distintas de apropriação pelo es-pectador, dependendo do procedimento adotado pelo produtor do objeto, a fim de possibilitar ao espectador que ele estabeleça alguma relação com o tema.

A partir da orientação durante o período de elaboração dos ví-deos – que apresentaram tempo exato de 1 minuto cada um – foi pos-sível observar que as apropriações realizadas pelos discentes/artistas dos procedimentos acima descritos se dão, na maior parte dos casos, a partir de uma experimentação direta conjugada entre a ideia e a ferra-menta tecnológica, obedecendo a um esquema de tentativa e erro.

Diante das dificuldades percebidas pela quase totalidade dos discentes/artistas, articularam entre si estratégias eficazes para a aquisição e partilha do saber de maneira solidária e coletiva, o que assegurou a realização do produto estético. Ao ser descoberto algum recurso válido capaz de abrir possibilidades para uma melhor apre-sentação da ideia que relacionasse o objeto e o espectador, a desco-berta era rapidamente compartilhada entre todos, e aplicada quase integralmente no processo de elaboração do vídeo, a fim de solucio-nar a adequação entre a execução da ideia através da utilização da ferramenta tecnológica.

As técnicas adquiridas, então, tendem ora para o procedimento da colagem, ora para o da montagem, conforme o exercício da ha-bilidade. O trânsito de experiência entre um procedimento e outro, realizado pelos discentes/artistas, promoveu uma mudança de sua própria percepção em relação às imagens que lhes foram dispostas pela via midiática de larga escala. É através da realização desse trân-sito que os processos de construção de discursos e da consolidação de práticas promotoras de alijamento da criatividade podem ser perce-bidos e questionados ao sustentarem uma retórica de exclusão social, especialmente aos modos de ser e de viver das populações do campo.

O empoderamento dos discentes/artistas pelo uso de colagem e montagem possibilitou-lhes formular questionamentos de vínculos (até então insuspeitados) construídos pela chamada indústria cultural.

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Assim sendo, os meios de difusão perdem boa parte do seu do-mínio, quando a consciência individual (e também coletiva) permite que, diante do aporte predatório promovido por tais vias, a critici-dade se manifeste como sintoma de recusa aos modelos impostos. A técnica e os procedimentos, alicerçados em uma ética com base na partilha, fazem eclodir e dão visibilidade a outras identidades, que não fazem parte da dinâmica unilateral da comunicação de massa. O fogo, entregue por Prometeu, traz outro movimento à vida.

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________. Ministério da Educação. Edital de Seleção nº 02/2012 - SESU/SETEC/SECADI/MEC de 31 de agosto de 2012. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman &task=doc_download&gid=13300&Itemid=>. Acesso em: 19 fev. 2016b.

________. Ministério da Educação. Oficina de produção de vídeos. Brasília: TV Escola. Disponível em: <http://curtahistorias.mec.gov.br/images/pdf/dicas_producao_videos.pdf> Acesso em: 18 fev. 2016c.

BÜRGUER, P. Teoria da vanguarda. Lisboa: Vega, 1993.

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Educação do campo, artes e formação docente

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RIBEIRO, M. Pedagogia da alternância na educação rural/do campo: projetos em disputa. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.1, p. 27-45, jan./abr. 2008.

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UFT. UNIVERSIDADE FEDERAL DE TOCANTINS. Projeto pedagógico do curso (PPC) de licenciatura em educação do campo (Campus de Tocantinópolis): artes e música. Tocantinópolis: s/n, 2014.

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Música e educação do campo na UFT: reflexões sobre

as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

Mara Pereira da Silva33

José Jarbas Pinheiro Ruas Junior34

1 Introdução

Construir uma matriz curricular que atenda às demandas do mundo atual para a formação de professores tem sido um grande de-safio para os cursos de licenciatura. Essa discussão ainda é vista como incipiente na área. Refletir sobre esse assunto é fundamental para todos que estão envolvidos com processos formativos. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo analisar as matrizes curriculares que constam no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Licenciatu-ra em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da UFT, em Tocantinópolis, e Artes Visuais e Música, em Arraias, dan-do ênfase às disciplinas da habilitação Música. Os resultados indicam

33 Mestra em Música. Professora do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected] Mestre em Musicologia. Professor do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected]

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a necessidade de formular um currículo musical que fuja à tendência conservatorial para atender as demandas da educação do campo.

A proposta pedagógica que norteia o PPC de Arraias e To-cantinópolis consiste em trabalhar a educação do campo como pilar estrutural na formação de educadores para atuar na área de Artes. Conforme Munarim (2006, p. 16), a educação do campo teve seu início no seio da sociedade civil organizada. Ela é fruto de anseios e articulações dos movimentos sociais e organizações sociais do cam-po, pautada, principalmente, nas experiências de educação popular e reivindicadora de uma escola pública de qualidade como direito de todos e dever do Estado. A principal luta da educação do campo tem sido por políticas públicas que garantam o direito da população do campo à educação, e a uma educação que seja no e do campo (PPC, 2014, p. 23).

Portanto, na UFT, o curso objetiva a viabilização de formação superior específica e tem como pretensão promover a expansão da oferta de professores para atuarem na educação básica nas comunida-des rurais; o atendimento à demanda apresentada no campo, local em que há carência de professores qualificados para o ensino de diversas áreas, incluindo-se Artes e Música; além do auxílio à superação das desvantagens educacionais, observando os princípios de igualdade e gratuidade quanto às condições de acesso (PPC, 2013, p. 18).

Nosso campo de concentração dará ênfase às disciplinas do núcleo específico: música. Temos como objetivo analisar as matri-zes curriculares que constam no PPC de ambos os cursos, buscando entre elas convergências e divergências para a formação de futuros professores que atuarão na educação do campo.

A metodologia empregada para as análises da matriz curricular dos PPC’s, de ambos os cursos, especificamente a parte de música, partiu da abordagem qualitativa e quantitativa, levando em conside-ração posicionamentos de autores da educação musical. A pesquisa quantitativa lida com números; usa modelos estatísticos para explicar os dados. Em contraste, a pesquisa qualitativa evita números, lida

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Música e educação do campo na UFT: reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e Tocantinópolis

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com interpretações das realidades sociais (BAUER et al., 2002, p. 23). É voltada para compreender, em vez de comprovar (PENNA, 2015b, p. 100).

A partir da apresentação dos cursos, das matrizes curriculares, na última seção deste capítulo, são feitas algumas reflexões sobre os pontos que convergem e divergem nas matrizes, propondo o debate para implementação de ferramentas de instrumentalização de nossos licenciados com disciplinas destinadas à prática e ações reflexivas ne-cessárias para a formação na área específica: música.

2 Os cursos

O curso de Licenciatura em Educação do Campo: Códigos e Linguagens, na modalidade presencial, ocorre em regime de al-ternância pedagógica nos câmpus de Arraias e Tocantinópolis. O curso tem como objetivo “realizar uma formação contextualizada na área de Artes e Música que possibilite ao discente de licen-ciatura uma identidade na área de formação de educadores (as) politicamente comprometida com a cultura, com as lutas sociais e com o campo brasileiro” (PPC, 2013, p. 34).

A alternância pedagógica proporciona ao acadêmico experien-ciar momentos formativos no ambiente familiar/comunidade e na própria universidade/escola, de uma maneira interligada, em que os afazeres na comunidade se articulem com o aprendizado da universi-dade, sendo as experiências dos educandos o ponto de partida para o processo de ensino e aprendizagem.

Para Silva (2010, p. 185), “a utilização da alternância pedagógi-ca pressupõe uma formação diferenciada dos sujeitos envolvidos no processo educativo, provocados constantemente pelo formular e ex-perimentar conhecimentos, em um processo permanente de intera-ção-ação, reflexão e ação”. Ademais, a proposta é (PPC, 2014, p. 34)

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[...] desenvolver um processo de ensino-aprendiza-gem contínuo em que o acadêmico percorre o trajeto comunidade – universidade – comunidade. Inicial-mente, em sua realidade, o acadêmico se volta para a observação, pesquisa e descrição da realidade socio-profissional do contexto no qual se encontra. Em se-guida, o acadêmico vai à universidade, onde socializa, analisa, reflete, sistematiza, conceitua e interpreta os conteúdos identificados na etapa anterior; e por fim, o acadêmico volta para sua realidade, dessa vez com os conteúdos trabalhados de forma a experimentar e transformar a realidade socioprofissional, de modo que novos conteúdos surgem, novas questões são co-locadas, podendo ser novamente trabalhadas no con-texto escolar.

Segundo o PPC, o percurso formativo busca caminhos e pistas para um currículo interdisciplinar por meio de três núcleos distintos e inter-relacionados, contemplando “momentos de estudo comum, momentos de estudo específico e momentos livres de aprofundamen-to de conhecimentos” (PPC, 2013, p. 39), a saber: núcleo comum, núcleo específico e núcleo de atividades complementares. Segundo o PPC de Tocantinópolis (PPC, 2014, p. 41-42) e Arraias (PPC, 2013, p. 39), o núcleo comum

[...] aglutinará os conteúdos acadêmicos referentes à área de Linguagens de Códigos e Linguagens, focando os estudos necessários à construção de conhecimen-tos e desenvolvimento de habilidades da docência; à compreensão dos aspectos que envolvem o desenvol-vimento aprendizagem em geral e o desenvolvimento da linguagem oral e escrita; ao aprendizado dos fun-damentos da pesquisa em educação; à compreensão das características e práticas próprias da agricultura familiar; e à compreensão das questões que envolvem a realidade do campo no Brasil e na Amazônia.

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Em relação ao núcleo específico,

[...] aglutinará os conteúdos específicos referentes a área de conhecimento de Artes visuais e Música, focando os estudos necessários à construção de co-nhecimentos e habilidades docentes especializadas por área; à reflexão epistemológica de cada área; ao aprendizado dos fundamentos da pesquisa por área; e a compreensão de aspectos da realidade do campo em acordo com aquilo que é próprio da área.

E, por fim, o núcleo de atividades complementares, que cor-respondem a 200 horas e deverão ser cumpridas ao longo do curso, consiste

[...] em momentos de vivência nos ambientes e situ-ações no âmbito dos conhecimentos teórico-práticos nas áreas de abrangência do curso, onde o educando ampliará sua formação prática como componente cur-ricular. São consideradas atividades complementares aquelas vivenciadas ao longo do curso através de ativi-dades de pesquisa, ensino e extensão, desenvolvidas na forma de monitorias, excursões, pesquisas de campo, estágios não obrigatório, participação em eventos (se-minários, debates, palestras, cursos, minicursos, ofici-nas, etc.).

Assim, com a finalidade de alcançar caminhos e pistas para um currículo interdisciplinar, o curso assume como princípios peda-gógicos: a formação contextualizada; a realidade e as experiências das comunidades do campo como objetos de estudo e fontes de conhe-cimentos; a pesquisa como princípio educativo; a indissociabilidade teoria-prática; o planejamento e a ação formativa integrada entre as áreas de conhecimento (interdisciplinaridade); os alunos como sujei-tos do conhecimento; e a produção acadêmica para a transformação

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da realidade (PPC, 2013, p. 23).Regido pelos princípios normativos norteadores do Estatuto e

do Regimento da Universidade, o curso preza: 1) pelo estímulo à criação cultural e ao desenvolvimento do

espírito científico e do pensamento reflexivo; 2) pela formação de profissionais nas diferentes áreas do co-

nhecimento, aptos à inserção em setores profissionais e à participa-ção no desenvolvimento da sociedade brasileira, colaborando na sua formação contínua;

3) pelo incentivo ao trabalho de pesquisa e investigação cientí-fica, visando ao desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da cria-ção e difusão da cultura, desenvolvendo-se, desse modo, o entendi-mento do homem e do meio em que vive;

4) pelo compromisso em promover a divulgação dos conheci-mentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade, bem como comunicar o saber por meio do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

5) por suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultu-ral e profissional e possibilitar a correspondente concretização, inte-grando os conhecimentos que vão sendo adquiridos em uma estru-tura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

6) pelo estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular, os nacionais e regionais, prestando serviços especializados à comunidade a fim de estabelecer com ela uma rela-ção de reciprocidade;

7) pelo compromisso em promover a extensão de forma aber-ta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na Instituição (PPC, 2014, p. 11).

Quanto ao número de entradas no curso, os câmpus de To-

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cantinópolis e Arraias têm promovido, através de processo seletivo35 organizado pela Copese-UFT, a oferta de 120 vagas/ano. A titula-ção a ser adquirida pelo acadêmico ingresso em Tocantinópolis é Li-cenciado em Educação do Campo: Códigos e Linguagens – Artes e Música (PPC, 2014, p.16). Já em Arraias, o aluno recebe o título acadêmico de Licenciado em Educação do Campo: Códigos e Lin-guagens – Artes Visuais e Música.

Como área de conhecimento, os termos Artes e Artes Visuais se diferenciam. O termo Artes envolve as diversas linguagens artís-ticas como: música, teatro, dança, e a própria artes visuais. As Artes Visuais englobam expressões artísticas que podem ser captadas pela visão. Podemos, então, afirmar que o termo Artes abarca um conjun-to de linguagens artísticas.

O curso tem duração mínima de oito semestres com prazo má-ximo para conclusão em 12 semestres, tanto em Tocantinópolis como em Arraias.

A seguir, no Quadro 1, apresentamos a carga horária das ma-trizes curriculares de Arraias e Tocantinópolis, conforme consta em seus respectivos PPC’s.

Quadro 1 – Carga horária das matrizes curriculares de Arraias e To-cantinópolis

Tocantinópolis ArraiasCarga horária total 3.300 horas 3.300 horasDisciplinas do ciclo

básico 1.785 horas 1.155 horas

Disciplinas do ciclo profissional 900 horas 1.350 horas

35 O processo seletivo é por vestibular interno da própria UFT e possui edital específico.

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Disciplinas de formação

complementar- 180 horas

Atividades complementares: 210 horas 210 horas

Estágios curriculares supervisionados 405 horas 405 horas

Fonte: PPC, 2014, p.17; PPC, 2013, p.15-16.

Os componentes curriculares que constituem a matriz curri-cular na área da música vêm sendo debatidos por alguns educadores da área de educação musical. Neste caso, destacamos Vieira (2001) e Pereira (2013; 2014). O modelo conservatorial apresentado por Vieira (2001) refere-se ao ensino de música ofertado nos conserva-tórios e prioriza a formação de “músicos, instrumentistas, cantores, compositores e regentes” (ANDRADE, 1989 apud VIEIRA, 2001, p. 21). Segundo a autora, esse modelo conservatorial introduzido pela música erudita europeia em Belém do Pará é visto como problema no processo de formação de professores de música que mantêm reverên-cia a essa concepção musical.

Além disso, Pereira (2014) externa sua preocupação em relação à formação de professores, pois os “currículos parecem desconside-rar a realidade musical das escolas e, principalmente, de seus alunos” (PEREIRA, 2014, p. 91). Em suas considerações, o autor observa uma mentalidade conservatorial incorporada aos currículos dos cur-sos de música que visam à formação de professores. O Habitus con-servatorial, como define o autor, é uma tendência incorporada aos currículos com o objetivo de reproduzir, sem reflexão, disciplinas que favorecem a formação erudita para o intérprete, artista. Entretanto, Pereira (2013, p. 149) refere-se ao Habitus conservatorial

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[...] como uma descrição típico-ideal das modalida-des de valoração musical que organizam as práticas de seleção e distribuição de conhecimento musical. O conceito abrange, ainda, a concepção de formação de professor de música, baseada nesses esquemas de valoração e organização das práticas, que legitimam a música erudita ocidental e seu valor inerente como conhecimento oficial específico a ser incorporado pe-los agentes.

Para o autor, essa legitimação da música erudita ocidental é percebida por meio da difusão da educação estética em que as es-tratégias políticas de civilização das classes inferiores se constituem “ferramenta aliada à concepção de educação entendida como instru-mento capaz de regenerar, moralizar, disciplinar e unificar as diferen-ças” (PEREIRA, 2013, p. 60).

Nesse sentido, Silva (2015), ao problematizar sua pesquisa de mestrado, apresenta sua preocupação com os desafios ao ter que traba-lhar com uma turma de alunos do ensino médio integrado e específico para jovens indígenas. A cultura musical dos jovens indígenas era to-talmente diferente daquela a qual a autora foi preparada para exercer a profissão como docente em música.

Silva relata que sua formação no curso de Licenciatura em Música foi construída nos moldes tradicionais. Rememora que a maioria das disciplinas do currículo era alinhada ao modelo conser-vatorial. No seu entendimento, esse modelo trazia o conhecimento erudito como uma verdade absoluta, pois a estrutura curricular do curso tinha base no estudo da música erudita, tendo como premissa os saberes relacionados à aprendizagem de códigos musicais específi-cos desse estilo. Outros fazeres musicais que estariam mais conecta-dos com sua realidade eram/foram excluídos, ou sequer considerados. Nesse sentido, a formação docente musical parecia desconectada da atuação profissional (SILVA, 2015, p. 18).

A construção de matrizes curriculares descontextualizadas com

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a atuação profissional parece ser predominante nos cursos de Licen-ciatura em Música. Segundo Louro e Souza (2013, p. 14), a inserção da música popular nos cursos de graduação no Brasil é uma realida-de recente, não fazia parte dos cursos superiores, por ser considerada uma prática de amadores. A música popular brasileira, enquanto gê-nero musical acessível à maioria da população, não era contemplada nas matrizes curriculares. Para Penna (1999, p. 115), a proposta para música caracteriza-se pela busca de uma educação musical que tome como ponto de partida a vivência do aluno, sua relação com a música popular e com a indústria cultural.

Nos cursos em educação do campo que apresentam a música como uma das habilidades necessárias ao professor em formação, é mister refletirmos se temos o modelo conservatorial incorporado ao currículo. É importante refletirmos também sobre que saberes estão sendo valorizados. Seria apenas a música erudita com seus signos, his-tórias e códigos? Ou as práticas culturais e elementos musicais perti-nentes à identidade do discente têm reverberado suas reivindicações?

Para tanto, apresentamos, a seguir, os componentes curriculares em Música que constituem as atuais Matrizes Curriculares dos Cur-sos de Arraias e Tocantinópolis.

3 Matriz curricular em Arraias

As disciplinas de música que compõem a dimensão pedagógica do curso de Arraias (PPC, 2013, p. 74)36 totalizam 9 disciplinas obri-gatórias e 3 optativas. Entre as optativas, o aluno pode escolher entre violão/viola, sopro ou teclado. No PPC não consta o detalhamento

36 As informações referentes a Matriz Curricular de música em Arraias, constam no Projeto Pedagógico do Curso de Educação do Campo - Artes Visuais e Música, entre as páginas 47 a 74 que tratam do ementário. Essa informação é apresentada em nota de rodapé, visando a fluidez do texto.

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sobre possíveis disciplinas optativas III. Atualmente, o que tem sido ofertado é a disciplina Percussão, com carga horária de 60 horas e sem divisão por módulos como as demais optativas. Abaixo, segui-mos com a apresentação das disciplinas e sua oferta por semestre.

No 1º semestre é oferecida a disciplina Introdução à Teoria Musical. Com carga horária de 60 horas, seu objetivo é abordar “no-ções básicas de ritmo, escalas, intervalos, leitura musical, harmonia, melodia e estilos musicais”. Sua orientação é introduzir o discente aos conceitos elementares da “Teoria musical básica, necessária para a leitura musical e compreensão geral da partitura”.

No 2º semestre não são oferecidas disciplinas da área de música na matriz curricular.

No 3º semestre é oferecida a disciplina Percepção e Notação Musical I. Com carga horária de 60 horas, a disciplina se propõe a promover um “treinamento auditivo para músicos”. Tem como me-todologia o processo de “codificação e decodificação de eventos mu-sicais melódicos e harmônicos apresentados de maneira gradual, por ordem de dificuldade”.

No 4º semestre são oferecidas três disciplinas Percepção e No-tação Musical II, Voz I, História da Música Brasileira.

Percepção e Notação Musical II é continuidade da disciplina oferecida no semestre anterior e tem como objetivo o “aprofunda-mento d[o] treinamento auditivo para músicos. Aprofundamento de codificação e decodificação de eventos musicais melódicos e harmô-nicos apresentados de maneira gradual, por ordem de dificuldade”.

Voz I conta com 60 horas de carga horária, concentra-se na “prática vocal por meio do canto coletivo” e conta com os conteúdos: percepção da voz individual e construção do coletivo; conhecimento do aparelho vocal e seu funcionamento; utilização da voz como re-curso de comunicação; classificação vocal; desenvolvimento de can-ções a uma e duas vozes, com possibilidade de diferentes acompa-nhamentos.

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Já História da Música Brasileira possui carga horária de 75 horas e propõe uma “abordagem analítica sobre a evolução estética e sociocultural da música popular nacional e internacional, do início do século até os dias de hoje”. Tem como objetivo o “estudo da história da música popular brasileira das origens aos dias de hoje”, buscando compreendê-la através dos “gêneros, estilos, artistas e movimentos”.

No 5º semestre são oferecidas as disciplinas: Canto na Música Popular, Voz II, Metodologia do Ensino de Artes I, todas com carga horária de 60 horas.

A disciplina Canto na Música Popular está projetada para olhar duas fases da música popular brasileira. A primeira concen-tra-se no “estudo histórico e técnico do desenvolvimento da voz na canção popular brasileira, realizado a partir da escuta de fonogramas das décadas de 1930 a 1945, a época de ouro da música popular bra-sileira”. A segunda parte pretende desenvolver um “estudo histórico e técnico do desenvolvimento da voz na canção popular brasileira, realizado a partir da escuta de fonogramas dos anos de 1946 a 1962, período de renovação do samba-canção e da bossa nova”.

Voz II é o “estudo ordenado e progressivo do instrumento”. Trabalha a “prática vocal por meio do canto coletivo” e a “percepção da voz individual e construção do coletivo”. Aborda, ainda, temas como “conhecimento do aparelho vocal e seu funcionamento. Utili-zação da voz como recurso de comunicação. Classificação vocal. De-senvolvimento de canções a uma e duas vozes, com possibilidade de diferentes acompanhamentos”.

Metodologia do Ensino de Artes busca o “estudo das principais linhas pedagógicas e conceitos de metodologia de ensino aplicada ao ensino de artes visuais e música. Tem como conteúdo: Introdução aos conceitos e práticas sobre: teoria e método; Relações, concepções e métodos; Relações, concepções pedagógicas e atividades artísticas na escola; Relações, concepções de arte e práticas de arte na escola; Concepções e metodologias do ensino da arte; Perspectivas de novos métodos”.

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No 6º semestre são oferecidas duas disciplinas: Metodologia do Ensino de Artes II e Optativa I. Desenvolve-se o estudo das prin-cipais linhas pedagógicas e metodologias de ensino aplicadas ao en-sino de artes e música.

No 7º e 8º semestres são oferecidas, respectivamente, as disci-plinas Optativa II e Optativa III.

No quadro de optativas, compete ao aluno escolher entre: Vio-lão/Viola I, Sopro I, Teclado I.

4 Matriz curricular de música em Tocantinópolis

A seguir, apresentamos as disciplinas oferecidas em cada se-mestre no Câmpus de Tocantinópolis. Ao todo são 12 disciplinas, sendo 11 obrigatórias e uma optativa.

No 1º semestre é oferecida apenas a disciplina Fundamentos da Notação Musical, com carga horária de 60 horas. Tem como pro-posta o “estudo da teoria e notação elementar da música ocidental, incluindo o estudo dos princípios teóricos de organização rítmica, de alturas e da terminologia dos conceitos musicais usados em diferen-tes práticas musicais do ocidente”.

No 2º semestre é oferecida a disciplina Teoria e Percepção Mu-sical I. Com carga horária de 60 horas, tem como objetivo promover o “estudo da teoria elementar da música tonal ocidental, incluindo, percepção, prática, apreciação de timbres e reconhecimento dos con-ceitos musicais usados em diferentes práticas musicais do ocidente como ferramenta cultural e de inclusão social”.

O 3º semestre dispõe de duas disciplinas: Prática Coral I e Te-oria e Percepção Musical II. Ambas possuem carga horária de 60 horas. A disciplina Prática Coral se propõe a desenvolver “a prática da música vocal em conjunto. Desempenho vocal: respiração, afina-ção, qualidade sonora e expressividade. Grupos vocais”. Já Teoria e Percepção Musical II dá continuidade aos conteúdos da antecesso-

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ra, buscando o “aprofundamento do estudo da teoria elementar da música tonal ocidental, incluindo, percepção, prática, apreciação de timbres e fundamentos de harmonia”.

No 4º semestre são oferecidas duas disciplinas: Prática Coral II e História da Música Ocidental. Ambas têm carga horária de 60 horas. Prática Coral II visa à continuidade da disciplina oferecida no semestre anterior, primando pela “prática da música vocal em conjunto”. Tem como objetivo oferecer elementos que viabilizem o “desempenho vocal” do discente através da “respiração, afinação, qua-lidade sonora e expressividade” em grupos vocais. Em História da Música Ocidental, o discente é estimulado a conhecer “história da música e a musicologia histórica”. Atentando aos “principais aspec-tos, características, eventos musicais significativos, fontes documen-tais, compositores, obras significativas e bibliografia sobre a música ocidental desde a Idade Média até o século XXI”.

No 5º semestre são oferecidas as disciplinas História da Mú-sica Popular Brasileira e Instrumento Eletivo I. Ambas com carga horária de 60 horas. Em Instrumento Eletivo I compete ao aluno es-colher entre: cordas dedilhadas, sopro e percussão; instrumento com teclado. História da Música Popular Brasileira visa a uma “aborda-gem analítica sobre a transformação estética e sociocultural da mú-sica popular nacional e internacional, do fim do século XIX até os dias de hoje”. Observam-se os principais “gêneros, estilos, artistas e movimentos” que fizeram e fazem parte da música popular brasileira.

Instrumentos eletivos são disciplinas de caráter prático e bus-cam o desenvolvimento de habilidades específicas em um instrumen-to musical. O aluno escolhe uma das três vertentes disponíveis. A partir disso, dará continuidade, nos próximos três semestres da disci-plina, no mesmo instrumento. Em cordas dedilhadas pretende-se o desenvolvimento da “técnica básica, postura, mecanismo e harmoni-zação”. O aluno é preparado para a execução de repertório solo e em conjunto. O objetivo da disciplina é orientar o discente a como fazer “uso do instrumento como recurso de apoio na sala de aula”.

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Na disciplina Instrumento com Teclado buscam-se os “prin-cípios básicos do instrumento para sua utilização como ferramenta auxiliar à formação musical do licenciando em música: conhecimen-to dos mecanismos e recursos do instrumento, iniciação à leitura, no-ções de técnica e postura”. Já em Instrumento de sopro estimula-se o “estudo das técnicas tradicionais de execução do instrumento. Domí-nio de técnicas básicas”.

No 6º semestre são oferecidas Instrumento Eletivo II e uma disciplina do quadro de optativas. Das disponíveis no mesmo, Músi-ca é representada pela disciplina Musicologia e Etnomusicologia. O objetivo é apresentar ao aluno “o campo da Musicologia e da Etno-musicologia, definições e debates; teoria, método e pesquisa em Mu-sicologia e Etnomusicologia; interdisciplinaridade e conexões com outras áreas; leituras orientadas e discussões sobre temas fundamen-tais da área, incluindo a produção brasileira”.

O 7º semestre encerra as ofertas por disciplinas específicas da área de Música. Nele estão disponíveis outras duas disciplinas: Instru-mento Eletivo III e Fundamentos da Educação Musical. Ambas com carga horária de 60 horas. Em Fundamentos da Educação Musical o cerne está na introdução do discente “ao contexto da música nos espaços educativos em suas dimensões histórica[s], social, política e cultural”. Prima, também, pela “introdução à delimitação epistemoló-gica da área de Educação Musical. Funções sociais da música. Função político-pedagógica do educador musical”.

5 Convergências e divergências nos currículos

A Universidade Federal de Tocantins é a primeira instituição de ensino superior do Tocantins a implantar um curso de graduação para formar professores na área de música de forma multidisciplinar. Esse processo se iniciou com a abertura de concurso público para professores efetivos, no intuito de formar um quadro específico para

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este curso. Entre os nomes citados nos PPC’s, quando da elaboração de

suas respectivas matrizes curriculares, Arraias não contava com um professor de formação específica na área de música em seu quadro. Tocantinópolis contava apenas com um professor com formação em música.

No que se refere à carga horária total dos cursos, observa-se que Tocantinópolis e Arraias se igualam. Além das disciplinas do ciclo básico e profissional, o curso de Arraias apresenta um quadro de disciplinas de formação complementar com carga horária total de 180 horas. As atividades complementares e estágios curriculares em ambos os cursos com carga horária contabilizam, respectivamente, 210 e 405 horas.

Em Tocantinópolis é proposta a disciplina Fundamentos da Educação Musical quando o aluno está cursando o estágio supervi-sionado. Em Estágio Supervisionado II, compete ao discente-estagi-ário ministrar quatro aulas para uma turma de ensino fundamental. Entretanto, a disciplina Fundamentos da Educação Musical é ofere-cida apenas quando o discente está cursando Estágio Supervisionado III, cuja regência destina-se ao ensino médio. Por outro lado, no cur-rículo de Arraias, não consta essa disciplina.

Entre as matrizes curriculares podemos encontrar disciplinas de caráter teórico que apresentam similaridades de conteúdo, mes-mo com nomenclatura distinta. Tocantinópolis dispõe das seguintes disciplinas para iniciação dos conceitos musicais: Fundamentos da Notação Musical, Teoria e Percepção Musical I e II. Já Arraias ofere-ce as disciplinas Introdução à Teoria Musical e Percepção e Notação Musical I e II. Isso se deve, em parte, à existência de um professor com formação específica durante a construção do PPC.

Em Arraias, por sua vez, é oferecida a disciplina de História da Música Brasileira, enquanto Tocantinópolis oferece duas disciplinas de viés musicológico, a saber, História da Música Ocidental e Histó-ria da Música Popular Brasileira. De acordo com a matriz curricular,

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o aluno estuda primeiramente a música ocidental para depois aden-trar ao contexto da música popular. Daí, podemos questionar: não seria possível o inverso e partir do local para o global? A segunda não faz parte da primeira? Poderiam, ambas, ser oferecidas durante o mesmo semestre?

É importante frisarmos a vacância de disciplinas de música no currículo de Arraias durante o 2º semestre de curso. Esse fato pode ser preocupante ou não, considerando que existem autores que defendem o ensino sistêmico e outros não. Portanto, ainda não há um consenso quanto a isso na área.

De acordo com Loureiro (2003, p. 109), um dos problemas en-frentados pela área de educação musical na escola é a sistematização do ensino de música. Esse pensamento defende que as aulas devem ocorrer, pelo menos, uma vez por semana, tal como as demais dis-ciplinas do currículo. Então, como sistematizar a educação musical nas instituições cujo ensino é baseado na pedagogia da alternância? Como propor o estudo de instrumento musical quando grande parte dos estudantes não o possui em casa? Como sistematizar conheci-mentos e saberes se após o retorno do tempo comunidade não conse-guem executar no instrumento as lições anteriores?

Por outro lado, Fonterrada (2005, p.180), ao descrever as ideias de Schafer (1991; 2001), afirma que “não está preocupado com o en-sino sistemático de música, com a aplicação de técnicas específicas à formação de instrumentistas ou cantores, tampouco quer desenvolver e sistematizar procedimentos metodológicos para uso nesta ou na-quela instituição de ensino. O que o mobiliza é o despertar de uma nova maneira de ser e estar no mundo, caracterizada pela mudança de consciência”. Nesse sentido, novos desafios são postos para o educador musical da contemporaneidade.

É preciso que o professor de música que vai atuar na educação do campo supere o modelo tradicional de sua formação inicial. De acordo com Schafer, faz-se necessário uma mudança de consciência.

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Então, por que ensinar só os instrumentos da universidade? Por que não desenvolver práticas musicais com instrumentos da própria cul-tura do aluno para que estudem na comunidade?

Para Penna (1999, p. 117),

[...] nas mãos de um professor sem uma maior vivên-cia musical ou então com uma formação ‘conserva-torial’ baseada no padrão erudito, tal conteúdo pode levar a uma concepção fechada de música, justamente na direção oposta à concepção ampla que se mostra necessária.

O educador musical que atua na educação do campo precisa ter uma concepção que se adapte à realidade do campo. Uma educação diferenciada que dialogue com os saberes contextualizados. Nesses termos, pretende-se saber: como os acadêmicos acham que deve ser a aula de música? Como esse diálogo pode ser promovido para que conteúdo e contexto sejam imbricados? O que ensinar e, principal-mente, como se ensinar música na universidade? No momento em que algumas dessas questões forem respondidas, talvez tenhamos ca-minhos sinalizados pelos próprios educandos sobre o tipo de ensino de música que construiremos para a educação do campo.

No ponto de vista de Louro e Souza (2013, p. 12), “não se pode pensar o ensino superior de uma forma isolada, sem pensar nos ou-tros segmentos do ensino, seja o nível básico ou o nível profissionali-zante”. Assim como “não se pode refletir sobre o ensino superior sem pensar nas políticas educacionais mais amplas e abrangentes voltadas para o desenvolvimento da educação” (LOURO; SOUZA, 2013, p. 12). Tendo em vista que a educação do campo atualmente se encon-tra institucionalizada nas universidades, não podemos esquecer os processos originários que contribuíram para esses avanços: políticas públicas, por meio de programas de governo.

Observando as duas matrizes curriculares, nota-se a ausência de disciplinas que reflitam sobre a avaliação da aprendizagem em

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música e metodologia do ensino de música. Atualmente, os discentes chegam ao período de estágio sem o conhecimento dessas especifi-cidades essenciais para a regência em sala de aula. Tal situação acaba por dificultar a construção de um plano de ensino por parte do aluno. Essa debilidade tem sido exposta pelos professores responsáveis pelo estágio em Tocantinópolis.

Durante o percurso formativo, observa-se em ambos os cursos a presença do modelo conservatorial (VIEIRA, 2001; PENNA, 2015a) ou Habitus conservatorial (PEREIRA, 2014). Não pretendemos com essa afirmativa pormenorizar esses conhecimentos. Nossas provoca-ções vêm no sentido de buscarmos equilíbrio entre diferentes conheci-mentos e saberes, a fim de aprimorarmos os signos que os educandos trazem consigo e que fortalecem a identidade de sua cultura.

A disciplina optativa Percussão, oferecida em Arraias, rompe com o modelo conservatorial ao apresentar em sua bibliografia básica autores que remetem à música popular brasileira:

Bibliografia básica da disciplina percussão DO PPC de ArraiasGONÇALVES, G; COSTA, O. O batuque carioca. Rio de Janeiro: Editora Groove, 2000.ROCCA, E. Ritmos e instrumentos brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Escola Brasileira de Música, 1986.FRUNGILLO, M. D. Dicionário de percussão. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

Notamos que em Tocantinópolis esse rompimento é proposto não só através da disciplina optativa Musicologia e Etnomusicologia, cuja ementa propõe a “interdisciplinaridade e conexões com outras áreas; leituras orientadas e discussões sobre temas fundamentais da área, incluindo a produção brasileira” (PPC, 2014), mas também no estudo da música popular brasileira e da ótica dada ao instrumento eletivo como ferramenta de apoio ao futuro docente na sua prática em sala de aula.

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Embora não seja especificamente uma disciplina da área de concentração musical, a matriz curricular de ambos os cursos dis-põe da disciplina Seminário Integrador. A disciplina tem por finali-dade romper com a disciplinaridade rígida e tradicional do modelo conservatorial. Ela tem como diferencial proporcionar aos alunos a possibilidade de conectar suas vivências artístico-musicais, experen-ciadas em sala de aula ou fora dela, com as demais disciplinas minis-tradas durante o semestre de curso.

A implementação de ferramentas de instrumentalização para nossos licenciados, através de disciplinas destinadas a práticas e ações reflexivas necessárias para a formação na área específica, música, é um dos desafios do magistério superior que trabalha na formação de futuros educadores musicais para as escolas do campo.

6 Considerações finais

Sendo a música uma manifestação cultural de grande influência na sociedade, existe a necessidade de se aplicar essa linguagem nas escolas do campo, como instrumento de transformação tanto indivi-dual como social, levando o alunado a perceber sua realidade através da educação musical. É preciso ouvi-los e legitimar o saber e o querer musical desses educandos.

É preciso refletir sobre as condições das escolas do campo. A falta de estrutura e de desenvolvimento é recorrente. Escolas sem energia elétrica, ventilação, tomadas, computadores etc., mostram--se como obstáculos ao processo de ensino-aprendizagem. Eviden-temente, esses fatores não impedem professores e alunos de acessar conhecimentos tidos como universais na sociedade.

Precisamos refletir constantemente sobre a formação e ins-trumentalização de professores oferecida pela universidade através de seus currículos. Como o processo formativo pode influenciar no perfil de egressos do curso de educação do campo? Qual o foco da

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formação: prepará-los para atuar na educação básica em escolas do campo? Norteá-los pelo viés das políticas educacionais para as mi-norias?

Penna (1999, p. 3) nos convida à reflexão através deste ques-tionamento: “É esse o ensino de artes que queremos?” Parafraseando, diríamos: “É esse o ensino de música que queremos para a formação de futuros professores que atuarão nas escolas do campo?”. Essas são algumas questões que nos levam a repensar o ensino da/na sala de aula, especificamente nos currículos musicais do ensino superior, pois aca-bam se reproduzindo na educação básica.

É vigente a necessidade de construirmos novos PPC’s, tendo em vista, especialmente, os princípios do curso e a trajetória acadêmi-ca dos/das professores (as). Eis então o grande desafio: como formar professores de música que atuarão na educação musical nas escolas do campo?

REFERÊNCIAS

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SCHAFER, M. A afinação do mundo. Trad. Marisa Fonterrada. São Paulo: Unesp, 2001.

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Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da

perspectiva do outroAnderson Fabrício Andrade Brasil37

“A vida sem a música é simplesmente um erro, uma tarefa cansati-va, um exílio.”

Friedrich Nietzsche

1 Introdução

Este texto tem como objetivo discutir de que forma o ensino de música pode possibilitar a formação de um profissional reflexivo, capaz de dialogar e construir metodologias alicerçadas pela compre-ensão e aceitação da subjetividade do outro.

Por tratarmos especificamente de fenômenos sociais, buscare-mos esclarecer de início como compreendemos a educação musical en-quanto área autônoma e, por seguinte, as interfaces que ela estabelece com outras ciências para responder a esses fenômenos aqui sugeridos.

A transformação social é um fenômeno complexo, permeado de aspectos políticos, econômicos e sociais. Partiremos, inicialmente, da premissa proposta pelo educador Paulo Freire sobre a educação enquanto fenômeno. Para ele, a educação não consegue transformar

37 Doutorando em Música. Professor do curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: [email protected].

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o mundo que temos. A educação, segundo Freire (1987), é capaz de nos transformar enquanto seres humanos, e, quando transformados, conseguimos em conjunto, em comunidade mudar o mundo que te-mos à nossa volta.

Nessa discussão, buscaremos uma reflexão sobre a transfor-mação social produzida pela música em diferentes contextos, mo-dalidades e em diferentes faixas etárias. Mas, para isso, precisaremos dialogar com alguns teóricos para entendê-la enquanto ciência. Nes-se arcabouço teórico, precisaremos pensar a educação musical episte-mologicamente, compreendendo-a como uma área de conhecimento relativamente jovem, com pouco mais de 30 anos de existência.

2 Sobre transformação social

Ao pensar transformação social in loco com a educação musical, comecei a perguntar-me mais a respeito de transformação social em seus diferentes contextos, os diferentes sujeitos. Surgiu uma gama de citações sobre música e transformação, subjetividade, construção, am-pliação, levando de imediato a uma reflexão acerca da transformação iniciada a partir do autoconhecimento e do conhecimento do outro.

Paulo Freire (1987, p. 44) diz que “Na verdade proferir a palavra é transformar o mundo...”. Mas que palavra é essa? Saltou à minha mente também a destacada frase de Aristóteles “Zôon, lógon, échon” (vivente dotado de palavra) replicada por Bondía Larrosa (2002), as-sim como por Lévi-Strauss (1996), “entre o pensar e o existir está a palavra”. Outros teóricos abrolhavam em um turbilhão de ideias tratando inicialmente a semântica do termo “palavra” e o poder de transformação decorrente da compreensão da baliza “logos38”. Estava aí a minha necessidade premente de tentar escrever sobre uma edu-

38 O “logos”, no idioma grego expressava a palavra escrita ou falada, verbo. A partir de pensadores como Heráclito, “logos” torna-se um conceito muito mais amplo,

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cação que transforma a partir da compreensão e aceitação do outro, como pondera Freire:

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamen-te, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar (FREIRE, 1987, p.78).

Acredito que a diferença basilar da educação musical está em perceber as subjetividades, construir além do evento sonoro, refletir e problematizar a educação a partir da realidade individual e singular de cada um, processo no qual as diferenças equilibram a essência huma-na. O poeta e aviador Antoine Exupéry corrobora sobre essa essência, quando diz que a verdadeira grandeza de uma profissão está em sua capacidade de interligar os homens, que a riqueza real é encontrada nas relações humanas (EXUPÉRY, 2014).

3 Uma reflexão acerca da relação produção x apropriação de conhecimento

Neste início de século XXI, multiplicam-se as investigações na área de música em suas múltiplas áreas de concentração. Algu-mas transformações nas práticas pedagógicas e a forma de conceber a pesquisa em música por meio de alguns professores têm sido um indicativo de que a área tem avançado em suas discussões e inter-

um marco filosófico concebido não só como “palavra”, mas como razão, remete nesse prisma outras dimensões como princípio de ordem e beleza.

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locuções com outras áreas como etnomusicologia, composição e a performance.

É necessário um maior entrelaçamento da vida profissional com os referenciais teóricos existentes, sem perder a dinamicidade que implica essa relação. Talvez a frase de Paulo Freire “Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me edu-co. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade” (FREIRE, 2002, p. 32), nos aclare melhor sobre as apropriações defendidas pelo Kraemer (2000), apropriações essas de que trataremos um pouco mais à frente.

Trago aqui, também, nesse mosaico, a visão de Bowman (2010), quando defende que a música pode permanecer fiel à sua natureza sem conceder privilégio à performance, da forma como ela tem sido muitas vezes concebida. Bowman afirma ainda que existem diferen-tes modos de se pensar o desenvolvimento musical, ou seja, segun-do ele, existem diversas maneiras de participação e envolvimento no fazer musical. Nesse arcabouço, notamos que a música articula uma complexa construção social e sua natureza perpassa os moldes acadê-micos e mistura múltiplas relações em diferentes contextos.

O filósofo Antônio Gramsci (1978) afirma que a humanidade que reflete de cada individualidade é expressão das múltiplas relações do indivíduo com os outros seres humanos e com a natureza. Para Gramsci, os hábitos, a religião, os sentimentos, os gostos, os valores e os conhecimentos que incorporamos não são realidades naturais, mas uma produção histórica. Esses modos de pensar e agir só são produ-zidos pela vida societária que temos, por isso pensamos, sentimos e agimos. Assim, o ensino e a aprendizagem da música serão construí-dos com traços dessa vida individual, estendidos a uma complexa teia de saberes e experiências coletivas.

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4 A educação musical e as suas interfaces

A educação musical vem prosseguindo nessas últimas décadas, sobremodo pela sua inter-relação com outras áreas do conhecimento, a exemplo da antropologia, sociologia, filosofia e psicologia. É im-portante esclarecer que estou considerando como objeto de estudo em educação musical “as relações entre as pessoas e a música sob os aspectos de apropriação e transmissão” (KRAEMER, 2000, p. 51).

Entendendo a relação interdisciplinar defendida por Kraemer, podemos trazer de forma sucinta alguns expoentes teóricos que alar-garam esse prisma, como Alan Merriam e Anthony Seeger por meio do estreitamento da música com a antropologia, John Dewey e Do-nald Schön na filosofia, John Sloboda na psicologia e Lucy Green na sociologia da música. Até mesmo os métodos ativos em música pós-segunda guerra foram embebidos por teóricos da pedagogia e da educação, como Rousseau, Pestalozzi, Herbat e Froelbel (FONTER-RADA, 2005).

Esses são apenas alguns dos teóricos que alavancaram esse avanço considerável da educação musical na tessitura do conheci-mento com as outras áreas, demonstrando que a pedagogia musical, e por seguinte a sua pesquisa, estão entrelaçadas inevitavelmente com outras ciências, como aborda Kraemer (2000).

Como citado anteriormente, é uma área relativamente nova, como também a pesquisa produzida em suas bases aqui no Brasil. Em 1988, foi criada a Anppom39 e, em 1991, a ABEM.40 A criação dessas associações propiciou a divulgação de trabalhos e pesquisas, partilha de ideias, experiências e reflexões sobre a área, além de gerar um maior en-gajamento com a política da pesquisa em educação musical no Brasil (SOUZA, 1996; 2001a; 2001b; DEL BEN, 2001; 2003).

39 Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música.40 Associação Brasileira de Educação Musical.

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5 A educação musical e a transdisciplinaridade

A busca pela construção teórica transdisciplinar parte do pressuposto de que a educação musical não consegue responder a todas as questões so-ciais contempladas no processo de ensino e aprendizado da música em seus mais variados contextos. O diálogo entre as áreas oportuniza a construção da consciência de que nós, enquanto sociedade, somos os responsáveis pela realidade social vigente e que todo conhecimento, para ser pertinente, deve contextualizar seu objeto, como nos propõe o filósofo francês Edgar Morin. A Figura 1 descreve sucintamente algumas interfaces da educação musical.

Figura 1 – Algumas interfaces da educação musical

Fonte: Elaborado com base na pesquisa do autor, 2016.

Ensino de Adultos

Assentamentos, Quilombos e

Aldeias Indígenas

Educação Especial

Educação

AntropologiaPesquisa

Terceira Idade

ONGS e Projetos Sociais

Ensino superior

Filosofia

História

Sociologia

Legislação

Ensino de instrumento

Conservatórios e escolas

especializadas

Escola RegularCanto Coral

Psicólogia

EDUCAÇÃO MUSICAL

Terreiros de Candomblé, Templos cristãos,

Mesquitas

Classes hospitalares Formação deprofessores

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A Figura 1 se baseia em três obras fundamentais: Dimensões e funções do conhecimento pedagógico41, do Rudolf-Dieter Kraemer, De tramas e fios42, de Marisa Fonterrada e a Introdução ao pensamento com-plexo 43, de Edgar Morin.

Na Figura 1, tentamos englobar algumas dimensões, espaços temporais, diferentes realidades, não somando apenas o conjunto de contextos da área de conhecimento educação musical, mas recebendo as modalidades, a pesquisa, a epistemologia, alguns contextos e as áreas de conhecimento nas quais a educação musical se retroalimenta na busca de respostas a algumas indagações resultantes do seu objeto, a apropriação e transmissão de conhecimento musical.

Pensam-se as interações, cada uma com suas especificidades e limitações, nas quais se cruzam e se retroalimentam como um orga-nismo complexo. A Figura 1 não quantifica produção de trabalhos por este ou aquele teórico, não faz mensuração de relevância deste ou daquele autor para a área, uma vez que os teóricos da área elencada escrevem para múltiplos contextos da educação musical, não havendo condição de listar no diagrama todos os nomes que integram a área de conhecimento, bem como locá-los em todas as esferas em que atuam ou produzem literatura.

Essa é uma descrição sucinta, que busca meramente demonstrar como algumas teorias e propostas pedagógicas se relacionam em di-ferentes instâncias, em interface com díspares áreas de conhecimento.

Precisamos entender que, para que o ensino e a aprendizagem da música ocorram de maneira contextualizada, abrangente, a música precisa estar conectada, interligada com o mundo do aluno, com sua

41 KRAEMER, R. D. Dimensões e funções do conhecimento pedagógico-musical. Em Pauta, v.11, n.16/17, abril/nov.2000.42 FONTERRADA, M. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: Editora da Unesp, 2005.43 MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Trad. Eliane Lisboa. Porto Alegre: Sulina, 2005.

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perspectiva. Podemos pensar a música vinculada aos outros saberes que o aluno busca à sua rotina, aos demais conteúdos de forma na-tural e contextualizada. Assim, podemos alcançar não só o objetivo a que se propõe, mas gerar, inclusive, novas descobertas.

Morin narra que é preciso substituir um pensamento que separa e isola por um pensamento que distingue e une. Ele diz que é preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo (MORIN, 2005). Acredito que o ápice da proposta do pensamento complexo de Morin aplicado ao ensino da música con-siste em manobrar as articulações entre os diferentes campos disci-plinares que são desmembrados pelo nosso pensamento disjuntivo.

Costumamos ensinar nos desprovendo do princípio propos-to por Morin, o princípio da incompletude e incerteza, construindo uma metodologia em que se “doa” conhecimento. Para o autor, nossa mente deve distinguir as dimensões sem isolar uma das outras, cons-tituindo a noção de incompletude, buscando um saber que reconhece que qualquer conhecimento está inacabado, incompleto, fragmenta-do; há a possibilidade de que todo saber pode e deve ser questionado, interrogado e reformulado.

Entendemos, assim, que a música não pode ser um fim em si mes-ma, que ela não deve somente focalizar, alvitrar ou implicar a formação de exímios músicos; mais que isso, é preciso buscar uma docência que descortine também a inclusão e o compromisso social.

Somando-se à compreensão de que apenas o ensino de música não resolve e não trata questões de tamanha proeminência social, somos levados ainda a questionar se a forma que temos concebido a docência tem contemplado a formação de novos professores imbuí-dos de tais reflexões. Nóvoa (2009, p. 31), tratando sobre a docência e o compromisso social, diz que

Podemos chamar-lhe diferentes nomes, mas todos convergem no sentido dos princípios, dos valores, da inclusão social, da diversidade cultural. Educar é

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conseguir que a criança ultrapasse as fronteiras que, tantas vezes, lhe foram traçadas como destino pelo nascimento, pela família ou pela sociedade.

O educador e escritor Rubem Alves, em seu artigo44 sobre a escola da Ponte, idealizada pelo pedagogo português José Pacheco45, faz uma analogia da proposta da escola com o formato de ensino vi-gente em nosso país. Ele diz que muitas vezes abraçamos o formato de ensino como uma linha de montagem, uma linha de produção industrial, reproduzindo o ensino através de coordenadas espaciais e temporais, não sendo possível desvio ou readequação do curso.

Percebemos que tanto Nóvoa quanto Rubem Alves nos esti-mulam a ultrapassar essas fronteiras, quer acadêmicas ou coloniais, que nos foram impostas ao longo de nossas vidas, ao longo de nossas formações.

6 A educação musical e algumas questões sociais

Quando constatamos o avanço e surgimento de um número maior de projetos e movimentos sociais, de imediato indagamos: porque eles são necessários? Por que eles têm ganhado destaque em pesquisas científicas? Para isso, queremos avançar na compreensão do contrato social que nos rege, hoje, enquanto sociedade e na discus-são sobre o perfil do educador musical com o olhar humanístico tão emergente na sociedade contemporânea.

Segundo Kleber (2014), os projetos sociais e ONG’s tiveram nos últimos trinta anos grande projeção mediante movimentos so-

44 ALVES, Rubem. Escola da Ponte. Disponível em: <http://www.feg.unesp.br/~saad/educacao/Rubem_alves _escola_da_ponte.doc> Acesso em: 6 jul. 2016.45 José Francisco de Almeida Pacheco é um educador português nascido na cidade do Porto. É o idealizador e foi coordenador da Escola da Ponte, instituição reconhecida por seu projeto educativo baseado na autonomia dos estudantes.

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ciais de diversas naturezas, os quais canalizaram recursos, vivencia-ram experiências e elaboraram conhecimento. Já Gohn diz que os movimentos sociais surgiram em combate a um grande problema contemporâneo: a naturalização da injustiça. Para Gohn (2011), es-ses movimentos lutam contra a exploração e a pobreza das mentes na população.

Parece que, enquanto sociedade, enfrentamos uma crise ina-cabável para a qual não existe solução. Sobre essa questão, Bauman (2004, p. 26) opina que

O aspecto crucial é que, enquanto tudo isso acontece à nossa volta, não podemos honestamente dizer o que nós, usando nossas ferramentas e recursos domésticos, podemos fazer para evitar a ruína. Não se trata mais de um soluço temporário, de uma desaceleração sub-sequente a um superaquecimento da economia que precede um outro boom, de uma irritação momen-tânea que irá embora e “se tornará parte da história” quando lidamos com impostos, subsídios, pensões e incentivos, estimulando outra recuperação conduzida pelo consumo. As raízes do problema, ao que pare-ce, se afastaram para além do nosso alcance. E seus aglomerados mais densos e espessos não podem ser encontrados em nenhum mapa de levantamento to-pográfico.

A crise analisada por Bauman nos lembra do discurso contem-

porâneo sobre a necessidade de inclusão. Mas será que essa inclusão pode ser analisada pelo prisma educacional da sociedade brasileira? O fato é que muitas propostas e políticas públicas têm fracassado em função de estarem alicerçadas em um contrato social que estabelece parâmetros equivocados de inclusão.

O atual contrato social acaba por permitir que, no processo de inclusão proposto, excluam-se aqueles que não se adaptam a essa “in-clusão”, como diz Santos ao tratar de contratualização. Para Santos

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(1999), a resolução dessas questões é como um jogo de xadrez, não se pode ganhar o jogo só por entender as regras, é preciso pensar o jogo conceitualmente, pois a “inclusão” tem sempre por limite aquilo que exclui.

O combate ao estigma que circunda as periferias e o campo brasileiro de que os jovens pobres, sem recursos, e oriundos de fa-mílias de menor poder aquisitivo reproduzirão futuramente o mes-mo formato social, tem sido enfrentado por movimentos e projetos sociais. Esses movimentos têm enxergado, muitas vezes, o ensino da música como uma ferramenta eficaz e valiosa na construção de uma educação transformadora, na construção de um horizonte mais pal-pável e humano.

Heller diz que homens e mulheres nascem em posições e ca-mada social específica, e, de modo geral, a trajetória de vida de uma pessoa é determinada pelas condições que cercam seu nascimento (HELLER, 1999, p. 14). Trabalhos no campo da educação musical resultantes de pesquisas corroboram para a compreensão desse cená-rio, como nos mostram Kater (2004), Müller (2004), Santos (2004), Kleber (2006) e Brasil (2014). Atuar como educador musical imerso nessas comunidades, a par e passo desses movimentos sociais, pode permitir a existência de microcomunidades alicerçadas pela esperan-ça mútua e fraternidade instintiva, que permitem partilhar, muitas vezes, não só o pão, mas a esperança em um amanhã melhor. Isso nos remete novamente a Bauman (2003, p. 61), quando diz que

Essa comunidade dos sonhos é uma extrapolação das lutas pela identidade que povoam suas vidas. É uma “comunidade” de semelhantes na mente e no compor-tamento; uma comunidade do mesmo — que, quando projetada na tela da conduta amplamente replicada/copiada, parece dotar a identidade individualmente escolhida de fundamentos sólidos que as pessoas que escolhem de outra maneira.

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Será que entendemos que em alguns momentos podemos ser os “senhores” do rumo desse aluno? Será que indagamos que essas aulas de música podem ser um último recurso na empreitada em que a família falhou, no momento em que a escola o sentenciou à mar-ginalidade ao expulsá-lo? Muitos de nós nos tornamos educadores conquistados por alguém que nos convenceu com o exemplo, nos constrangeu com doação própria. Essa forma de ensino lembra Bran-dão (1983, p. 88), quando diz que

Meninos iniciados no ritual e no aprendizado de to-ques, canto e dança, aprendem durante as apresenta-ções da Folga ou da Folia. Por isso, inevitavelmente, todos os foliões e folgazões dirão a quem pergunte que aprenderam vendo e fazendo.

Que eles aprendam e reproduzam não só música, mas sintam-se arrastados por nossa prática docente, uma prática impregnada de com-promisso social, e mais que isso, uma consciência de que cabe a nós e a eles a mudança que desejamos para o mundo em que vivemos. Esse contexto, que por muitas vezes se desenha de forma caótica, deman-da sensibilidade dos profissionais que ali atuam para não atravessar a linha tênue que separa a educação musical da visão redentora erronea-mente defendida por alguns, como nos alerta Penna (2012, p. 38).

Diante das necessidades prementes dos grupos aten-didos por tais projetos, que enfrentam precárias con-dições de vida, com alternativas de realização pessoal, profissional ou social extremamente restritas, parece fácil considerar qualquer abordagem [de ensino de música] como válida, qualquer contribuição como po-sitiva. Mas isto pode acabar nos levando de volta à visão redentora da arte e da música.

A violência é um dos desafios que a educação musical enfrenta na conjuntura da sociedade contemporânea. É um fenômeno social

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sobremodo complexo e a educação musical buscará interlocuções com outras ciências, como a Sociologia e Antropologia, para melhor compreendê-lo.

A libertação da violência e da desigualdade é oportunizada pelo ser humano, por ser ele mesmo o algoz de sua própria espécie. Essa libertação pode ser concebida pela verdade advinda do conhecimento. Freire (1987) esclarece sobrea necessidade de transformação adver-tindo que “a realidade social, objetiva, que não existe por acaso” é um “produto da ação dos homens”. Nesse sentido, entendo que o autor evidencia a realidade social como uma invenção humana que o homem é capaz de transformar, pois a realidade “não se transforma por acaso”. O autor afirma que “se os homens são os produtores desta realidade e se esta, na invasão da práxis se volta sobre eles e os condiciona, trans-formar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens” (FREIRE, 1987, p. 21).

Entender a pedagogia da transformação é ir além da descrição da dura e cruel realidade a que muitas pessoas são expostas, e en-contrar novos caminhos, como a ascensão social de jovens através da profissionalização na música, pode criar mecanismos que ajudem as pessoas a se desenvolver e lutar. Freire (1987) afirma que a educação libertadora se dá não sobre a descrição dos excluídos e violentados, mas sobre como eles lutam. O autor ainda completa esse raciocínio demonstrando que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção, e, automati-camente, gerar autonomia (FREIRE, 1987, p. 25).

Souza (2004) afirma que já nos acostumamos com a ideia de quanto à música é importante na vida das pessoas, mas, segundo a auto-ra, talvez ainda seja preciso dizer alguma coisa sobre o que faria a música ser um fato social. A educação musical tem papel principal e fundamen-tal na mudança do panorama educacional presente hoje nas periferias e no campo brasileiro. Para Kater (2004), a música é uma das ferramentas mágicas para promover o desenvolvimento interno e a qualificação hu-mana, talvez até a mais abstrata e de maior sentido coletivo.

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7 A inversão da práxis como espiral de transformação

Não adianta ambicionar formar um exímio violinista em um projeto social, quer no campo brasileiro ou na periferia das grandes metrópoles, enquanto essa construção se encerre meramente no tocar do instrumento e no salário oportunizado pela inserção desse aluno no mercado de trabalho. Esse aluno precisa, pela consciência de seu existir humanamente, pronunciar o mundo e modificá-lo a partir de sua transformação, como nos convidou a pensar Paulo Freire. É pre-ciso pensar uma educação musical mais transformadora e verdadeira do que reprodutiva.

Reimer (1996, p. 75) acredita que “há muito mais para se ga-nhar em termos de compreensão musical, aprendizado, experiência, valor, satisfação, crescimento, prazer e significado musical do que a performance sozinha pode oferecer”. A inversão da práxis se dá a partir da mudança proporcionada pela reflexão e conscientização, nas quais consigo enxergar minha condição humana, limitada, e en-xergar o outro na mesma esfera falível e vivência comunitária.

A educação musical pode ser pensada além do evento sonoro no qual se constrói a técnica e a execução pelo entendimento das subjetividades do aluno, pelo ensino horizontal da partilha de saberes sem hierarquia de fontes.

Elliott esclarece bem esse viés teórico ao defender que a edu-cação musical pode ajudar o aluno em seu processo de autoconhe-cimento e autocrescimento. Para Elliott (1995), ao nos reconhecer enquanto indivíduos, somos conduzidos a conhecer e respeitar a subjetividade do outro. Esse autor afirma que os valores primários da educação musical são: alegria, prazer, autoconhecimento, auto-crescimento e a felicidade, sendo esses também elementos primários da música. Assim, a educação musical é construída em alicerces que abrigam valores fundamentais da vida humana. Uma educação mu-sical que propõe a formação integral do indivíduo, quer no terreiro,

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quer em uma igreja evangélica, quer em um assentamento quilombo-la, quer em uma sala de um curso de graduação.

Buscamos aqui a instrumentalização das teorias disponibiliza-das pela área de conhecimento para que ela dialogue com uma prática musical que parta da realidade, problematizando a vida real. Enten-demos que, se é possível levar o aluno na sua fase adulta a aprender a ouvir o colega durante o momento do seu improviso, essa mesma “escuta sensível do outro” pode permitir que alguns pais escutem com mais atenção a fala de seus filhos e seus colegas no trabalho.

Cremos que a turma que reúne diferentes gostos musicais em um grupo de ensino coletivo de instrumento pode estimular o respei-to não só à predileção musical, mas à cor, à raça e à religião. Acredi-tamos que do encorajamento para execução de um solo em um grupo coral podem brotar outros momentos de “coragem” para a vida. Per-cebemos que a apreciação de diferentes composições musicais pode abrir novas janelas não só para compreender diferentes gêneros mu-sicais, mas para outras culturas, outros mundos. Zelamos pela técnica, pela inflexão durante a execução musical, porque esse zelo e esmero levarão ao respeito e à fidelidade em outras construções pessoais.

Percebemos que os vínculos no canto conjunto perpassam além do contorno melódico encontrado na divisão das vozes. Notamos que, a partir dessas novas sociabilidades, outras tessituras sociais são constituídas em diferentes vínculos de amizade. Acreditamos que o olhar humano do professor para o erro do aluno pode oferecer uma formação humana que método ou modelo algum pode oferecer em décadas de ensino.

A transformação transcende espaços, modalidades, faixas etá-rias e acontece com o professor que transforma sua metodologia de ensino para alcançar um único aluno. Acontece, também, com o aluno que foi constrangido pela dedicação e doação do seu professor para que alcançasse algo em que nem acreditava. Acontece, ainda, quando aumenta a crença da família em ver seus filhos desenvolverem disci-plina e dedicação na forma de estudar em virtude da descoberta de

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um instrumento musical. A transformação também se expressa no retorno de um jovem que adquiriu recursos por meio da música e envolve-se em um projeto social no seu bairro para ajudar seus pares contemporâneos e a geração vindoura. Esses são alguns exemplos de como a música permite que nos enxerguemos como força motriz do processo de transformação.

Como disse Exupéry (1943), para encontrarmos uma bela borboleta temos que lidar com algumas lagartas. Assim somos nós, lagartas deslumbradas com as belas cores das outras borboletas, pre-cisando entender que as cores estão postas dentro de cada um de nós, cabendo a nós, como senhores de nossas escolhas, decidir o momento de pintar nossa realidade com as cores que escolhemos. A transfor-mação social tem a sua gênese dentro de cada um de nós. A partir da inversão da nossa práxis encontraremos o mundo que desejamos, que idealizamos, somos os senhores do nosso futuro, dos nossos sonhos.

REFERÊNCIAS

ALVES, R. Escola da ponte. Disponível em: <http://www.feg.unesp.br/~saad/educacao/ Rubem_alves_escola_da_ponte.doc>. Acesso em: 6 jul. 2016.

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Música e transformação social: ensino e aprendizado a partir da perspectiva do outro

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Educação do campo, artes e formação docente

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Informações sobre os organizadores e colaboradores da coletânea

Anderson Fabrício Andrade Brasil é doutorando em Educação Musical pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Possui mes-trado e graduação em Educação Musical pela mesma instituição. In-tegrou, como violonista e saxofonista, a bicentenária Banda de Mú-sica da Polícia Militar da Bahia. É professor assistente no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Foi profes-sor de Musicalização Infantil nas extensões da Escola de Música da UFBA. Coordenou o projeto da Polícia Militar da Bahia: Polícia x Música e Comunidade. Foi tutor de canto coral no Detran/ BA. Atuou como professor de música na Escola de Educação Percussiva Integral (EEPI), ensinando técnica vocal e teoria musical. Cantor, compositor e instrumentista, teve algumas de suas canções gravadas em CDs de alguns dos maiores festivais de música do Brasil. E-mail: [email protected]

Cássia Ferreira Miranda é doutoranda e mestra em Teatro pela Uni-versidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Licenciada em História pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Docente do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (Gepec/UFT) e o Grupo de Pesquisa Intertex-tos (PPGT/UDESC). Atua nas áreas de Educação, História e Artes, principalmente nos seguintes temas: história cultural, história oral, acervos, história da educação do campo, teoria da arte, arte e política, dramaturgia, trabalho, anarquismo e movimento camponês. E-mail: [email protected]

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Educação do campo, artes e formação docente

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Cícero da Silva é doutorando e mestre em Letras: Ensino de Lín-gua e Literatura pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Li-cenciado em Letras, habilitações em Português, Inglês e respectivas literaturas pela Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS). Professor do curso de Licenciatura em Educação do Campo com ha-bilitação em Artes e Música da UFT. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (Gepec/UFT), membro do Gru-po de Pesquisa Gêneros Discursivos e Formação de Professores (Ge-dfor/UFGD). Editor assistente da Revista Brasileira de Educação do Campo/UFT. Tem experiência na área de Linguística e Educação do Campo, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de língua portuguesa, gêneros do discurso, material didático, práticas de leitura/escrita, práticas pedagógicas em educação do campo e peda-gogia da alternância. E-mail: [email protected]

Gustavo Cunha de Araújo é doutorando em Educação pela Univer-sidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Licenciado em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásti-cas (Artes Visuais) pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Tem experiência na área de Educação com ênfase em arte/educação, atuando principalmente nos seguintes temas: artes visuais, ensino de arte, educação de jovens e adultos, história em quadrinhos e lei-tura de imagens. Professor assistente no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. Editor-chefe da Revista Brasileira de Educação do Campo. E-mail: [email protected]

Helena Quirino Porto Aires é mestra em Educação pela UFT. Graduada em Pedagogia pela Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS). Licenciada em Biologia e especialista em Gestão Pú-blica pela UFT, universidade em que é professora. Tem experiência em ensino na educação básica, educação superior, educação a dis-

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Informações sobre os organizadores e colaboradores da coletânea

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tância e gestão escolar. Área de interesse: educação do campo, peda-gogia da alternância, práticas pedagógicas, formação de professores e políticas públicas. É integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (Gepec/UFT) e do Grupo de Pesquisa Es-tudos sobre Interculturalidade e Educação do Campo (Geiec/UFT). E-mail: [email protected]

José Jarbas Pinheiro Ruas Junior é mestre em Musicologia na linha de pesquisa de história da música brasileira e ibero-americana pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e bacharel em violão. Em 2011, recebeu o 1º prêmio “A mulher na música”, do Sindicato dos Músicos do Estado do Rio de Janeiro. É professor no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. E-mail: [email protected]

Leon de Paula é doutor em teatro. Mestre em teatro pelo Programa de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (CEART/UDESC). Graduado em licenciatura plena em Educação Artística – habilitação Artes Cênicas CEART/UDESC. Professor assistente no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. É professor das discipli-nas História da Arte, Percepção Visual, Seminário Integrador I e II e Construção Cênica de Narrativas. E-mail: [email protected]

Maciel Cover é doutor e mestre em Ciências Sociais pela Univer-sidade Federal de Campina Grande (UFCG). Graduado em Peda-gogia da Terra pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Professor do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT.  E-mail: [email protected]

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Educação do campo, artes e formação docente

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Mara Pereira da Silva é mestra em música pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciada plena em Música pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Especialista em Metodologia no Ensino das Artes pela Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter). Es-pecialista em Educação Musical pela Universidade Cândido Mendes (UCAM Prominas). Especialista em Educação do Campo, Agroe-cologia e Questões Didáticas pelo Instituto Federal do Pará (IFPA). Professora de música do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. Foi professora de Artes no Instituto Federal do Pará, Câmpus Rural de Marabá (IFPA/CRMB). E-mail: [email protected]

Marcus Facchin Bonilla é doutorando em Artes pela Universida-de Federal do Pará (UFPA) na área de etnomusicologia. Mestre em Musicologia/Etnomusicologia pela UDESC. Bacharel em Música (violão) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Educação Musical pela UDESC. Professor do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. Músico profissional e professor, principalmen-te nas áreas de cordas dedilhadas, violão brasileiro, teoria musical, etnomusicologia e produção musical. Desenvolve pesquisas inter e transdisciplinares envolvendo o ensino de música, etnomusicologia e educação do campo. E-mail: [email protected]

Rejane Cleide Medeiros de Almeida é doutoranda em Sociologia, mestra em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com estudos na área de movimentos sociais e questões agrárias, ter-ritórios, agroecologia, assentamentos rurais, educação do campo, juventude rural e trabalho. Graduada em Pedagogia pela UFPA. Graduada em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora do curso de Licenciatura em Educação do Cam-po com habilitação em Artes e Música da UFT. Coordena o grupo de pesquisa Cultura e Política (GEPE) e atua na linha de pesqui-

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Informações sobre os organizadores e colaboradores da coletânea

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sa movimentos sociais, educação e questões agrárias. Integrante do grupo de pesquisa Marxismo, Educação e Sociedade (Gemes). Pes-quisadora do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. E-mail: [email protected]

Rosa Ana Gubert é mestra em Teatro pela UDESC/CEART. Gra-duada em Educação Artística – Artes Cênicas. Professora do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. Foi professora de artes nas redes públicas estadual e municipal (1995-2012), em Florianópolis/SC e Chapecó/SC. Área de interesse: educação, arte e cultura popular. Desenvolveu pesquisa em Teatro e Gênero e Movimentos Sociais junto ao Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

Sidinei Esteves de Oliveira de Jesus é mestre em Geografia pela UnB. Especialista em Educação e Gestão Ambiental pela Faculdade do Rio Sono. Especialista em Apicultura pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Especialista em Educação do Campo pela Facul-dade Eficaz. Professor substituto no curso de Licenciatura em Edu-cação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. Tem experiência na área de geografia humana com ênfase em geografia agrária. Atua principalmente nos seguintes temas: meio ambiente, cerrado, território, agroecologia, agricultura familiar e assentamento rural. E-mail: [email protected]

Ubiratan Francisco de Oliveira é doutorando, mestre e licencia-do em Geografia pela UFG. Professor no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT. É vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (Gepec/UFT). Membro do Observatório da Educação do Campo da UnB. Membro do Grupo de Estudos sobre Expansão da Educa-ção do Campo no Brasil, da Rede Universitas. Membro do Grupo de

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Educação do campo, artes e formação docente

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Pesquisa em Geografia Dona Alzira (IESA-UFT). Tem experiência no ensino superior nas áreas de educação do campo, pedagogia da alternância, estado e questões agrárias, história da educação e história da educação do campo, geografia da Amazônia, educação ambien-tal, questões étnico-raciais, ensino de geografia, educação de jovens e adultos, ensino fundamental, ensino superior (pós-graduação), edu-cação popular e movimentos sociais do campo e da cidade, gestão, análise e planejamento ambiental, educação ambiental, geopolítica e planejamento territorial rural, políticas educacionais e currículos educacionais, formação e expansão territorial do Brasil, geografia regional, geografia de Goiás, Estado e sociedade brasileira. E-mail: [email protected]

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