A Lenda Do Fantasma - Lee Falk

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  • A LENDA DO FANTASMALEE FALK

    Ttulo original:The Story of the Phantom: The Ghost Who Walks

    Ano de lanamento: 1972

  • Texto revisto em conformidade com oAcordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa

    de 1990 que entrou em vigor em 2009.

  • Dedico este livro s trs autoridades mais abalizadas em assuntos de fantasma, que existem nomundo inteiro os meus filhos Valerie, Diane e Conley.

    LEE FALK

  • Prlogo - O INCIO DA HISTRIA H mais de quatrocentos anos, um grande navio mercante britnico foi atacado por piratas de Singg,

    quando navegava nas proximidades da costa de Bengala. O capito do navio era um navegante famoso,que em sua juventude servira como camaroteiro de Cristvo Colombo em sua primeira viagem paradescobrir o Novo Mundo. O capito levava consigo tambm seu filho Kit, um jovem robusto queidolatrava seu pai e esperava seguir-lhe o exemplo como navegante. O ataque dos piratas foi funesto edesastroso. Numa batalha encarniada, toda a tripulao do navio mercante foi morta e a nave naufragoudevorada pelas chamas. O nico que conseguiu salvar-se foi Kit que, ao safar-se do navio em chamas,deparou com seu pai morto por um pirata. As guas do mar levaram Kit, meio sem vida, at praia, ondepigmeus pacficos o encontraram e cuidaram dele at recuperar-se.

    Certo dia andava Kit pela praia, quando deu com um pirata estirado e morto, vestindo as roupas queeram do seu pai; logo imaginou que s podia ser aquele que havia matado seu pai. Tomado de profundatristeza e dor, esperou at que os abutres descarnassem todo o corpo do morto e lhe devorassem asltimas vsceras. Quando mais nada restava seno puro esqueleto, diante da caveira do assassino do seupai fez Kit um solene' juramento, na presena dos anes amigos e ao claro de um fogo que haviaacendido. O juramento rezava: "Juro que dedicarei toda a minha vida tarefa de destruir a pirataria, aganncia, a crueldade e a injustia e meus filhos e os filhos de meus filhos me perpetuaro".

    Foi este o clebre Juramento da Caveira que Kit e seus descendentes iriam perpetuar. Passado umcerto tempo, os pigmeus o levaram para a sua moradia na Floresta Negra, que ficava no centro da selva,onde encontrou uma caverna enorme com muitos compartimentos feitos na rocha. A boca da caverna erauma formao natural produzida pela eroso das guas no decorrer dos sculos e tinha a curiosaaparncia de uma caveira. Kit passou a residir ali, na Caverna da Caveira. Imediatamente passou a usaruma mscara e a vestir um traje estranho. Notou que o ar de mistrio e o medo que esta sua indumentriaincutia ajudavam-no em sua luta sem quartel contra a pirataria que se alastrava por toda parte. Haja vistaque ele e seus filhos se tornaram conhecidos como o flagelo dos piratas que infestavam todas as regies,um homem misterioso cujo rosto ningum jamais conseguiu ver, um personagem que s trabalhavasozinho e que ningum sabia como se chamava. Era um verdadeiro fantasma.

    Os anos se passavam e l seguia ele no combate a toda sorte de injustia onde quer que deparassecom ela. O primeiro Fantasma e os filhos que deixou como descendentes casaram-se com mulheres dediferentes condies sociais e de regies diferentes. Um casou-se com a rainha que governava um pas,outro contraiu matrimnio com uma princesa, enquanto que um terceiro desposou uma linda garonete decabelos vermelhos. Tanto as consortes de sangue azul como as plebeias, todas foram residir com seusesposos na Floresta Negra, levando a vida estranha porm feliz de esposa de um Fantasma. Somente aesposa e os filhos podiam ver o rosto do Fantasma, e mais ningum neste mundo.

    Gerao aps gerao a prole se sucedia, atingia a maioridade e assumia as tarefas do pai diantedele. Cada um punha a mscara e vestia o estranho traje. Os habitantes da selva, da cidade e do marcomearam a espalhar o boato, de boca em boca, de que havia um homem que no podia morrer, umFantasma, um Esprito-Que-Anda, uma espcie de assombrao. Isto, porque achavam que o Fantasmaera sempre o mesmo homem. Uma criana que tivesse visto o Fantasma tornaria a v-lo cinquenta anosdepois, sempre o mesmo. E repetiria a mesma histria para os seus filhos e seus netos e toda suadescendncia continuaria a ver o Fantasma pelos tempos afora, garantindo que era sempre o mesmoEsprito-Que-Anda, o Fantasma.

    O Fantasma no se preocupou em desencorajar esta crena de que ele nunca morreria. Sempretrabalhando sozinho em situaes tremendas, que s vezes assumiam aspectos quase picos e incrveis,

  • percebeu que o pavor e medo que a lenda inspirava eram-lhe de grande valia em sua luta sem trguascontra o mal. Somente seus amigos pigmeus sabiam da verdade. A fim de compensar a sua estaturananica, os pigmeus impregnavam de venenos mortais as suas armas, quando as usavam para caar ou parase defender, embora fossem poucas as vezes em que eram obrigados a proteger-se a vida. Entre oshabitantes da selva no havia Quem no conhecesse esses venenos mortferos; por isso tanto eles como asua moradia, a Floresta Negra, eram temidos e evitados. Logo correu tambm a notcia de que o Fantasmamorava na Floresta Negra o que constitua outro motivo para que ningum se atrevesse nem pensasseem pr os ps nela; da mais uma razo para se manterem afastados desse local misterioso.

    Com o decorrer dos tempos os Fantasmas criaram diversas moradias ou paradeiros secretos emvrias partes do mundo. Perto da Floresta Negra ficava a Ilha do den, onde o Fantasma ensinava a todosos animais a viverem em paz. Numa regio muito elevada do deserto, no sudoeste do Novo Mundo, oFantasma construiu uma moradia no topo de uma meseta alta e alcantilada. Os indgenas diziam que essemonte de cume achatado era frequentado por espritos maus e por isso passou a chamar-se a "Mesa deWalker", devido ao Esprito-Que-Anda. Na Europa, nas profundezas de pores que se desmanchavam empedaos de to velhos de um antigo castelo em runas, o Fantasma possua outro esconderijo, do qualpartia para desferir seus ataques contra os malfeitores.

    Mas a moradia verdadeira do Fantasma era a Caverna da Caveira, situada no sossego e placidez daFloresta Negra. Aqui, num compartimento talhado na rocha, guardava ele suas crnicas: eram relatosescritos de todas as suas aventuras e peripcias. Todos os Fantasmas que se sucederam registravam comfidelidade as suas faanhas nesses volumosos tomos. Noutro aposento estavam os trajes de todas asgeraes de Fantasmas, enquanto que noutros quartos conservavam-se os imensos tesouros epreciosidades que o Fantasma adquirira durante sculos e que somente usava em sua luta incessantecontra o mal.

    Foi assim que uma verdadeira dinastia de vinte geraes de Fantasmas viveu, combateu e morreu geralmente empenhados em lutas violentas mas sempre fiis ao juramento que haviam feito. Oshabitantes da selva, os marinheiros e a gente da cidade sempre acreditaram que era o mesmo homem, oHomem-Que-No-Podia-Morrer. Apenas os anezinhos sabiam que haveria de chegar um dia em que oseu grande amigo seria vencido pela morte. Ento nesse dia um filho jovem e forte levaria, sozinho, ocorpo do seu pai para a cripta funerria de seus ancestrais onde todos os Fantasmas dormiam o sono damorte. E, diante dos pigmeus que aguardavam do lado de fora, o jovem surgiria na boca da caverna,revestido do traje estranho, a mscara vedando-lhe o rosto e a sineta do Fantasma na testa. Assim queterminavam os dias felizes, despreocupados e pacatos de filho do Fantasma. E quando o novo Fantasmaassomava na entrada da Caverna, os anes entoavam a tradicional litania: "O Fantasma est morto. Vivao Fantasma!"

    Nesta sucesso de fatos chegamos a um dia alvoroado e emocionante na vida da vigsima geraode Fantasmas: o dia do nascimento de uma criancinha homem. E justamente este garotinho que ircrescer e tornar-se o vigsimo primeiro Fantasma, o Fantasma de nossos dias, cujas faanhas e proezasconhecemos e acompanhamos com empolgao e entusiasmo. A estria que em seguida passamos acontar constitui todo o enredo que teceu a sua existncia, desde os dias de sua meninice at se tornarconhecido como o Homem-Que-No-Pode-Morrer, o Esprito-Que-Anda o Fantasma.

  • 1 - MEMRIAS DE UM MDICO O Dr. Axel vivia solitrio num pequeno bangal construdo na entrada da selva. Certo dia acordou

    com um toque suave em seu ombro. E o que ele viu aproximar-se, na claridade do luar, entrando pelasjanelas do quarto de dormir, deixou-o apavorado. Mas deixemos que ele nos conte com suas prpriaspalavras como que tudo aconteceu:

    "Eis que vejo, ao redor da minha cama, quatro homens nanicos, em trajes de tangas e empunhandolanas curtinhas. Embora antes nunca tivesse visto nenhum deles, imediatamente percebi quem eram: ospigmeus de Bandar, com as pontas de suas armas envenenadas, que provocavam morte instantnea".

    Fazia apenas dois anos que o Dr. Axel vivia na selva. Deixara sua terra natal no norte, abrindo modos confortos e prazeres de sua moradia, para levar a moderna medicina aos habitantes da selva.Sonhava com a construo de um pequeno hospital no corao da floresta virgem, um sonho que nomomento parecia uma utopia e quem sabe se at mesmo no futuro em face da carncia de recursos.Mas quando olhou, espavorido e com o medo arrepiando-lhe todo o corpo, para aquele bando dehomenzinhos de carantonha fechada que o encaravam em silncio, sem dizer uma palavra, o Dr. Axel seperguntou se depois deste momento teria ainda alguma chance de vida futura neste mundo de Deus. Porque estavam eles ali? Teria ele quebrado algum tabu? A gente da cidade nunca tinha visto os pigmeus.Mesmo os habitantes normais da selva raramente os viam. Os pigmeus envenenados como eramapelidados eram temidos e evitados. Boatavam que viviam em algum lugar bem no corao da selva,num local chamado Floresta Negra.

    Deixemos, porm, que o Dr. Axel continue a sua narrao. Nos prximos vinte e cinco anos ele nose cansaria nunca de contar e recontar esta histria, como uma das mais fantsticas experincias de suavida:

    Seguiram-se momentos de silncio que pareciam anos. Como puderam eles entrar em meu quarto dedormir, sem se deixarem perceber? Mais tarde fiquei sabendo que se locomovem de mansinho, comogatos. S se percebiam a sua respirao suave e os seus olhos penetrantes dardejando sobre mim. Eu noconhecia nenhum dialeto da selva, mas procurei dialogar com eles num ingls rudimentar, uma linguagemmuito comum nesta regio.

    O que desejam? perguntei eu, ou coisa parecida.Pela expresso impassvel dos seus rostos percebi que no haviam entendido patavina. Um deles,

    contudo, tomou a palavra e disse taxativamente, apontando para uma janela: Acompanhe-nos!Embora estivesse gelado de medo, senti-me aliviado. Pensei com meus botes: quem sabe se a gente

    no vai conseguir entender-se? O que desejam vocs? Existe algum doente? por isso que vocs me procuraram? Acompanhe-nos! repetiu o porta-voz do grupo. Sim, acompanh-los; mas aonde? Por qu? Para qu? repetia eu tolamente, percebendo que

    no entendiam coisssima alguma do que eu dizia. A esta altura todos eles deram um passo para frente,aproximando-se mais de mim. O porta-voz apontou a sua lana, firmando a sua ponta mortfera a umadistncia de uns dois centmetros e meio da minha garganta.

    Acompanhe-nos! disse ele categoricamente.Com esta ordem peremptria no me fiz mais de rogado. Pulei da cama, vesti-me a toda pressa, sob

    os olhares implacveis dos visitantes que me fitavam firmemente sem mudar a expresso dos seus rostosseveros. Ia eu dirigindo-me para a porta, quando o pigmeu me disse, indicando-me a janela:

    por aqui!

  • Apontou tambm para a minha maleta de mdico. De qualquer forma, eles deviam saber do que setratava. Foi assim que sa pela janela para o luar l fora.

    Uma vez l fora continua o Dr. Axel outros seis pigmeus saram do capoeiral que havia emredor e juntaram-se aos meus acompanhantes. E l ia eu, cercado por um squito de homenzinhos, cujascabeas no tocavam alm da altura do meu trax. Relancei pela ltima vez um olhar saudoso para o meupequeno rancho de cor branca. Ser que tornaria a v-lo? Eles se desviaram do rumo das poucas casasque havia perto da minha e dentro de pouco estvamos no meio da selva. Puseram-se a andar num troteligeiro, que continuaram durante horas a fio, sem demonstrar cansao e completamente mudos.

    As reminiscncias que o Dr. Axel guarda dessa viagem so fragmentrias, incompletas. Diz ele quecontinuou trotando at que pde. Depois, como que por um encanto, do macegal espesso surgiu umpigmeu, puxando um cavalo pelas rdeas, encilhado com todos os arreios. O pigmeu parou e ficouesperando. Mandaram que o Dr. Axel montasse o cavalo e os pigmeus iam correndo na frente, puxando ocavalo pelas rdeas.

    "Quantas e quantas vezes j me perguntaram se, estando eu cavalo, no me passara pela cabea aideia tentadora de safar-me dos meus sequestradores. Mas tal pensamento nunca passou pela minhamente. Sabia perfeitamente que um arranho de uma lana mortfera ou de uma flecha seria suficientepara fazer meu cavalo tombar morto. Tambm no desconhecia que a selva por onde estvamos andandonaquele momento era infestada de feldeos enormes, lees, leopardos e panteras. Ali no faltavamtambm tribos hostis e ferozes, algumas das quais tinham a fama de ser vidos caadores de cabeas ecanibais. Felizmente nada disto vimos. Era evidente que tambm os animais selvagens e os homensferozes da regio temiam os velozes e mortalmente envenenados pigmeus".

    A aurora despontou, o dia clareou, mais uma noite sobreveio, e sempre naquele andao inflexvel. ODr. Axel se lembra que lhe permitiram que descansasse algumas horas, quando lhe deram de comer nozese amoras silvestres que h na selva. Mas, depois deste ligeiro descanso, recomearam o trote firme.Estava pasmado com a resistncia fsica daqueles homenzinhos. Mas, por mil cus! aonde que olevavam? E por qu? Enveredaram por atalhos que pareciam dar no seio de uma selva espessa eimpenetrvel. O Dr. Axel tinha pedido toda noo de direo e tempo; mas, quando os primeiros sinaisde uma nova aurora apareceram, ouviu o estrugir de uma cachoeira distante. Notou que pela primeira vezos pigmeus se alvoroaram. Suas fisionomias brilharam. Alguns realmente sorriam enquanto palestravamentre si. Ao se aproximarem do rudo da cachoeira pararam. Vendaram ento com segurana os olhos doDr. Axel, usando para isto folhas grossas e trepadeiras. Depois prosseguiram a viagem. Agora o eco dacachoeira chegava aos ouvidos como um bramido. Sem que pudesse dar pela coisa, de sopeto o Dr.Axel foi mergulhado dentro da cascata, sempre montado a cavalo. A gua fria deixou-o encharcado, masat que a coisa era gostosa. No podia sequer imaginar que estava penetrando os esconsos e secretosumbrais da moradia dos pigmeus de Bandar a Floresta Negra. Mas muitas e muitas surpresas haviapela frente! Deixemos a palavra com o Dr. Axel.

    "As guas estrugentes e troantes da cachoeira quase me cuspiram do cavalo. Sa de dentro dessacascata ensopado de gua feito pinto, mas refrescado, com o corpo limpo de dois dias de poeira e sujeiraacumuladas na selva. Tocaram em minha perna, dando-me a entender que devia apear do cavalo. Desci eos dedilhos de mos nanicas me removeram a venda dos olhos. Meus senhores, devo confessar que o quevi me deixou de olhos arregalados: foi uma viso e panorama fantsticos, de mil e uma noites!

    Vi uma caverna imensa que se abria e penetrava num rochedo elevado. A entrada dela se pareciacom uma gigante caveira humana. Num lado, sobre um estrado, erguia-se um trono de pedras cravejadode caveiras entalhadas e incrustadas na pedra. Um grupo de pigmeus olhava atento para mim. Deviam seruns cinquenta a cem anes. Um deles correu em disparada para dentro da caverna. Instantes depois umhomenzarro assomou de dentro da furna. Era o mais fantstico e esquisito de todos. Vinha embuadonuma mscara e vestia um traje bem colado ao corpo. Do cinto pendiam duas pistolas e um crnio. O

  • homem de mscara dirigiu-se a mim com passos largos. Era de estatura enorme, musculatura macia;enfim, um sujeito fisicamente bem cevado. Dirigiu-me a palavra, esboando um sorriso que na verdadedeixava os dentes mostra. Dr. Axel, compreendo o seu espanto e lamento tudo isto; mas nsprecisvamos do senhor. Por favor, queira acompanhar-me! Foram as nicas palavras que ele medisse. Ele me conhecia, mas no declinou o seu nome.

    Fui seguindo-o para dentro da enorme caverna. Pela minha frente desfilaram muitos aposentos. Vialgo parecido com uma biblioteca, com enormes volumes dispostos em prateleiras; outro compartimentotinha a aparncia de uma cripta morturia e, atravs de uma porta que estava entreaberta, pude ver aquiloque me parecia ser um compartimento cheio de ouro brilhante e joias. Mas no tive tempo de examinartudo aquilo, porque meu hospedeiro mascarado levou-me rapidamente para outro aposento onde umalinda senhora de cabelos louros e compridos jazia deitada numa cama ampla feita de peles de animaisamontoadas. Trajava um vestido comprido de veludo cor prpura real, com joias brilhantes; diamantes,rubis e esmeraldas pendiam do seu pescoo e cingiam-lhe tambm os braos e entremeavam-lhe oscabelos louros. E mais ainda: estava prestes a dar luz, talvez da a uma ou duas horas.

    Apresento-lhe minha esposa disse o homem de mscara. Ser que se sair bem no parto? OSr. precisa de alguma coisa?

    Apesar de sua estatura e aparente fora, notava-se que estava nervoso. Depois de um rpido exame,tranquilizei-o, dizendo-lhe que as condies da esposa pareciam normais e que se podia esperar um partosem complicaes.

    Ento quer dizer que foi esta a razo por que fui sequestrado e trazido s pressas por esta selvaadentro!? perguntei eu quase irritado. Eu disse "quase", porque ele no era um indivduo que aturassegritos. O senso de poder rgio que transpirava dele era algo de espantar. Eu tinha a sensao de estar napresena de um rei ou imperador. Quando fiz aquela pergunta o mascarado esboou um sorriso. Noconseguia ver-Ihe os olhos, devido maneira como a mscara era feita. Sua voz cavernosa era suave,mas imperiosa.

    Como est vendo, o nosso primeiro filho. Dr. Axel, preciso ter um garotinho.A esposa olhou para ele e sorriu. Dr. Axel, o Sr. pode me prometer que vai ser um homem? perguntou a senhora com voz suave

    e meiga. Perdoe-nos, doutor continuou a senhora mas sou uma mocinha frgil que foi criada nacidade. No sou como estas mulheres robustas da selva, que podem dar luz sozinhas na roa ou sombra de um p de capoeira. Foi por isso que pedi que providenciassem um mdico. Estava com medo.Como sabe, meu primeiro filho e no sei se ser homem ou mulher!

    homem! estrondeou uma voz cavernosa.A doura dessa encantadora senhora me deixou completamente desarmado e me venceu, de modo

    que lhes perdoei tudo. Na minha cabea fervilhava uma infinidade de perguntas. Quem era esta gente?Por que andava ele com o rosto mascarado? Por que moravam neste lugar esquisito e misterioso? E como que se explicava a presena aqui desta "mocinha frgil que fora criada na cidade"? Mas agora o tempourgia e no era o momento propcio para respostas. As dores do parto comearam rapidamente. Asesposas dos pigmeus entravam e saam, correndo na caverna, procurando ajudar-me, carregando gamelascom gua quente e outros objetos indispensveis para o parto. O marido mascarado andava impaciente dec para l nos aposentos talhados na rocha como muitos maridos que esto para ficar papais. Do lado defora da caverna toda aquela gente an estava sentada em grupos silenciosos, esperando.

    At que enfim a criana nasceu. homem disse eu jovem parturiente. Ele sorriu levemente. Doutor, deixe que eu d a notcia a ele pediu-me ela. O mascarado entrou todo afobado e

    inclinou-se para ela. Me e filho esto passando bem tranquilizei-o. Temos o homenzinho que queramos murmurou ela baixinho.

  • KIT! prorrompeu o homem mascarado, agarrando e erguendo com suas mos enormes o frgilmenino. "KIT!" ribombou a sua voz de trovo e, com a criana envolta nos primeiros cueiros,encaminhou-se para a entrada da caverna onde levantou bem alto o delicado fardo para que todospudessem v-lo. homem! gritou com toda fora. Os pigmeus ergueram-se de um pulo. Perdendo o armisterioso e severo que vinham demonstrando com a expectativa, comearam a danar, rir, pular ecantar. Foi agora que vi que os temidos pigmeus de Bandar no passavam de uma gente encantadora oadorvel; gentis, encabulados e amistosos, quando se aglomeravam em redor da figura enorme e dacriana. Tempos depois fiquei sabendo que todos os primognitos masculinos desta famlia estranharecebiam o nome de Kit.

    J estava na hora de eu ir embora. Tinha todas as perguntas alinhavadas, mas tinha a certeza de queaquele dia poucas respostas receberia.

    Os pigmeus de Bandar o escoltaro at a sua moradia observou ele. Gostaria que o Sr. nocontasse a ningum esta aventura que viveu; mas, se abrir a boca para dizer alguma coisa, estou certo deque ningum lhe dar crdito acrescentou ele, soltando uma risada. Doutor, antes que parta, espereum momento, por favor...

    Estvamos ainda dentro da caverna, perto de uma porta entreaberta. Entrou. Dei apenas uma rpidaolhadela e vi que o compartimento parecia ser aquele com arcas cheias de ouro at borda e com joiascintilantes. Havia toneladas destas preciosidades. Voltou com um saquinho e, fechando a portaimediatamente atrs de si, disse-me:

    Doutor, dou-lhe isto em recompensa de todo o trabalho que teve. No tenho nenhum dinheiro, massei que isto lhe ser til. Abri o saquinho e despejei parte do seu contedo na palma de minha mo.

    Isto tudo ouro fantasia? perguntei, custando a acreditar naquilo que via. No. legtimo respondeu ele sorrindo diante do meu espanto e admirao. Dr. Axel, agora o Sr. pode construir aquele hospital com que tanto sonha!Os pigmeus que me haviam embrenhado por aquela selva adentro estavam esperando por mim. Temos que vendar-lhe de novo os olhos disse o homem mascarado, num tom quase de quem

    pede desculpas. para segurana sua e nossa tambm. possvel que um dia pessoas com intenescriminosas queiram saber onde fica este lugar.

    Assim, se o Sr. no sabe como vir at aqui, ningum se prevalecer de sua pessoa e tambm no oforar!

    Naquele momento no atinei com o significado do que estava dizendo; mais tarde, porm,compreendi tudo.

    Quando nos apertamos as mos em despedida ele fez algo que me pareceu estranho. Tinha um anelpesado em cada uma das mos. Ao segurar minha mo direita na sua, pressionou com fora com a moesquerda o anel contra o meu punho. Deixou marcado em minha pele um sinal que se parecia com doissabres cruzados ou a letra P em forma de cruz. Nunca pude determinar com preciso este particular.Levantei os olhos e encarei-o. Digo "levantei os olhos" porque, embora seja eu alto, a estatura deleexcedia a minha em aproximadamente vinte centmetros.

    meu sinal! disse ele sorrindo. Todos os que o virem sabero que o Sr. meu amigo e quegoza de minha proteo bem como seus filhos e os filhos dos seus filhos.

    Algum dia isto pode ser de utilidade para si. Eu estava surpreso e aturdido, externando meusagradecimentos num verdadeiro engulho. "Proteo?" perguntei-me a mim mesmo. "Contra quem ecomo?" Mas no tive coragem de lhe perguntar. Esfreguei o sinal e a impresso permanecia indelvel.

    Tenho a impresso de que no vai sair... e nunca mais! comentou ele. Pense neste sinalcomo um talism que lhe d boa sorte.

    Eu tinha uma vontade louca de lhe fazer uma enxurrada de perguntas, mas naquele momento ospigmeus se aproximaram de mim com uma venda nas mos. Aventurei de relance um rpido olhar ao

  • derredor. Dei com uma aglomerao de pigmeus que observavam atentamente para dentro da cavernamisteriosa semelhante a uma caveira humana. Vendaram-me logo os olhos e ajudaram-me a montar ocavalo.

    Antes que me v, permita-me que lhe faa mais uma s pergunta: Pode dizer-me quem voc?E a resposta que ouvi daquela voz cavernosa foi: As pessoas me conhecem por vrios nomes. Alguns me chamam de Fantasma. Pois bem, adeus,

    Dr. Axel, e at vista.Fantasma! Quando iam me conduzindo sob as guas atroantes da cascata sentia-me todo confuso. Nos

    meus dois anos que j vivia nestas regies de Bengala ouvira seu nome vrias vezes cochichado porempregados e casualmente percebia que este mesmo nome era mencionado por pacientes da selva quevinham consultar-me. Chegara a perguntar-lhes a respeito desse nome, mas eles sempre saam pelatangente, mostrando-se reticentes e evasivos; o mximo que faziam era dar escassas e magrasinformaes a respeito. O que deles pude deduzir que se tratava de uma entidade mitolgica das selvas,de um ser legendrio que tinha a "fora de dez tigres e a sabedoria dos sbios", conforme afirmou umvelho senhor. Tratava-se de uma entidade protetora que todos admiravam e cultuavam, que vivia hsculos e mais sculos e que no morria nunca. Alis, como que o chamavam ainda? O Esprito-Que-Anda.

    Senti vontade de rasgar a venda, de voltar e ver novamente aquele homem mascarado e fazer-lhe asperguntas que me queimavam c por dentro e queriam explodir. Aquela mo que apertara era de puracarne e osso e no etrea. Era a mo de um jovem senhor poderoso, majestoso nos primrdios de suavirilidade. Mas havia alguma coisa mais algo em seu porte rgio, aquela sua voz cavernosa algumacoisa mais, um mistrio. Quando virei a cabea, fazendo meno de querer voltar, eis que meprecipitaram de novo nas guas ribombantes da cachoeira. Quando j me encontrava na outra margem,comecei a pensar na fortuna de gemas que estava levando comigo e perguntei-me: Como sabia ele que euqueria construir um hospital?"

    Esta foi, em linhas gerais, a histria do Dr. Axel. E os anos se sucederam. Ele construiu o seuhospital bateu longos papos com aquele Fantasma e muitas vezes ficava pasmado por ver que eleestava a par de tudo. Nos portes de entrada do seu hospital construdo em plena selva via-se gravado osinal do Fantasma, vista de todos, significando com isto que aquela obra gozava da proteo delecontra todo tipo de malfeitores. O que naquela ocasio o Dr. Axel no podia imaginar se que algumdia chegou a descobrir que estava assistindo ao nascimento do vigsimo primeiro Fantasma,chamado Kit seguindo uma tradio observada por todos os primognitos masculinos da linhagem dosFantasmas e desta vez Kit "Walker", o Esprito-Que-Anda.

  • 2 - MENINICE NA SELVA O pequeno mundo de Kit era constitudo de selva ampla e espessa, em grande parte inexplorada e

    desconhecida de forasteiros. A cidade mais prxima ficava a quinhentas milhas de distncia. Situava-se amil milhas do oceano, tendo de um lado Mawit, a capital de Bengala, e do outro lado as MontanhasNevoentas, a terra dos prncipes feudais montanheses. C e l, selva cerrada e infestada de toda espciede gramvoros: hipoptamos, elefantes, rinocerontes, antlopes e de todos os tipos de feldeospredatrios de grande porte que se alimentam deles. Nessa regio moravam tambm pessoas, tribosamistosas, como por exemplo os grandes Wambesis e Llongos; mas existia gente hostil e desconfiada,como os Oogaans, de estatura menor; e em algumas reas afastadas, canibais que eram evitados pelosdemais. Havia tambm os nmades Tirangis, que tinham a fama de ser caadores de cabeas e quesempre se deslocavam com suas cabras e ovelhas.

    Bem no centro desta vasta rea conhecida pelo nome de Floresta Negra viviam os pigmeus deBandar, esse povo envenenado e de pequena estatura. As entradas para a sua terra eram escondidas esecretas e ningum dos que viviam na selva, nem mesmo caadores de cabeas e canibais, jamais seatreveu a localiz-los. Pelo contrrio, todo mundo evitava aproximar-se da Floresta Negra, esse lugartemido e misterioso. Pois todos sabiam que na Floresta Negra se escondia um mistrio ainda maior.Alguns felizardos ou azarados, conforme as circunstncias tiveram a oportunidade de ver com seusprprios olhos a Caverna da Caveira e o Trono de Caveiras. Alguns chegaram a ver o prprio Fantasma.E outros que tiveram a dita de voltar para suas casas continuaram falando desta sua aventura pelo restode seus dias. A sua proeza foi sendo contada e transmitida de gerao em gerao, de filhos para netos.

    Mas para o garotinho Kit a Floresta Negra no era nem misteriosa nem pavorosa. Aprendeu aengatinhar e mover-se lentamente pela Caverna da Caveira. Foi ali que ensaiou os seus primeiros passos,sob os olhares ansiosos e atentos de sua linda me e do seu pai. Para o beb que mal engatinhava, aCaverna era uma enormidade de espao. Suas paredes rochosas se elevavam muito acima dele,parecendo-se com uma catedral ampla. E quando aprendeu a andar e comeou a correr de c para lcomo um filhote de co brincalho, foi ento que encontrou lugares fascinantes que nunca terminavam.Havia muitos aposentos feitos na rocha. Um estava apinhado de objetos que luziam feito fogo. Outro erasemiescuro, sombrio e frio. Noutro viam-se longas filas de objetos que lhe disseram que eram livros;mais adiante, outro compartimento com nichos donde pendiam trajes iguais aos que o seu pai vestia.Outro quarto estava cheio de coisas maravilhosas em que ele sentia vontade doida de tocar o quealis, um belo dia chegou a fazer, trepando numa caixa e tocando num objeto comprido de metalbrilhante, que pendia numa parede. Era pontiagudo e furou-lhe o dedo.

    Um objeto brilhante feriu-lhe a vista. Sabia do que se tratava pois era parecido com a sua taa debeber, embora fosse maior e mais pesado, conforme pde constatar quando lhe caiu das mos. Naquelemomento seu pai apareceu repentinamente no aposento e apanhou a taa, examinando-a cuidadosamente.Em sua juventude foi a primeira vez em que Kit ouviu a voz severa do seu pai que o repreendia. Abondosa e adorvel me entrou no aposento e tomou em seus braos o filhinho que chorava. Raramenteouvia palavras speras trocadas entre seus pais e quando isto acontecia era coisa fora do comum. Ataa de diamante de Alexandre disse o pai, num tom de voz irritada. Deve t-la quebrado. Ele nodeve entrar neste aposento. Ele uma criana; ele no sabia observou a me. O pai o perdoou, massomente depois de vrios anos lhe permitiu que entrasse novamente naquele quarto.

    Como acontece com todos, o garotinho aprendeu a falar. A aprendizagem de Kit era diferentedaquela da maioria das crianas. Ele no estranhava que cada objeto tivesse muitos nomes e quehouvesse muitos modos de identificar as coisas que comeava a falar. Seus pais dominavam

  • perfeitamente diversos idiomas e falavam nessas lnguas indiferentemente, sem se aperceberem. Foiassim que Kit cresceu, aprendendo muitas lnguas. Quando atingiu a idade suficiente para se movimentarfora da Caverna, os pigmeus passaram a ser seus companheiros constantes. Assim ele aprendeu a lnguadeles bem como diversos outros dialetos da selva que eles conheciam.

    O mundo fora da Caverna tinha um encanto e fascnio sem fim. Naturalmente, havia os filhos dospigmeus. Comia com eles, brincava com eles, corria com eles e lutava com eles. Mal acabara de dominara arte de andar, ensinaram-lhe o manejo do arco e da flecha, o arremesso da lana e a maneira de tocaiaranimais ferozes. Um pigmeu se tornou seu companheiro particular de todas as horas. Chamava-se Gur eera filho do chefe. Gur era dez anos mais velho do que Kit e fora escolhido por seu pai para servir deguarda-costas da criana e ensinar-lhe as habilidades e percias dos pigmeus. Esta tarefa ocupava todo otempo de Gur, como muito bem pode imaginar qualquer pessoa que um dia tenha tido a incumbncia deacompanhar os movimentos de uma criana buliosa e agitada. Havia as coisas que em geral encantam osgarotos: objetos bem pontiagudos, matos com espinhos, lquidos fervendo, armadilhas de animais,fogueiras, nascentes, pequenos lagos, correntes de gua, banhados e pntanos, rochas e rvores altas.Alm disto tudo, as formigas de correio, tarntulas, cobras venenosas, areia movedia e outrosatrativos especiais. Kit conseguia investigar todas estas coisas, juntamente com Gur que o acompanhavaofegante e cansado. Gur mantinha-se sempre a um passo atrs dele, empurrava-o para cima, puxava-opara baixo ou desviava-o de tudo o que lhes aparecesse pela frente e que pudesse estorvar-lhes ospassos.

    Depois vinham os animais. Mesmo antes que aprendesse a andar, Kit vivia cercado de animaisnovos. Eram filhotes de lees e leopardos, gamos e micos. Quando dava passos curtos e incertos do ladode fora da Caverna, os animais novos davam cambalhotas com ele: era o leozinho Borrado, o tigrezinhode nome Listrado e o filhote de leopardo com o apelido de o Manchado. Rolavam, corriam e caam aostropees, numa baderna de fazer gosto. Os filhotes peludos dormiam com ele. Nesta tenra idade Kitaprendeu a cuidar dos animais e adestrou-se no treino e trato com eles, sob a tutela perita de seu pai.Quando os dentes caninos e as patas se tornavam grandes demais para brincar com a criana, os animaiseram mandados para um lugar secreto do qual ele ouviria falar mais tarde.

    Gur ensinou-lhe como se preparam armadilhas para pegar pequenos animais peludos. Alguns eramapanhados e guardados como animais de estimao enquanto que outros serviam de alimento. Na selvadensa a caa nunca se constitua num esporte e os animais s eram mortos com a finalidade de serviremde alimento. Comeou a cavalgar com seu pai no garanho enorme de cor preta, chamado Trovo. Oshabitantes da selva lhe deram este nome devido ao rudo provocado pelo casco enorme de suas patas.Inicialmente Kit cavalgava encarapitado no colo do seu pai, mas com o tempo passou a sentar-se nafrente, na lombada, segurando-se nas crinas compridas e pretas do cavalo.

    Quando atingiu a idade de sete anos seu pai entregou-lhe um pequeno pnei peludo, que elecavalgava orgulhoso ao lado do pai. Era um espetculo lindo de morrer, que valia a pena ser visto. Opequeno Kit montado em seu poneizinho chegava praticamente altura do abdome de Trovo. Quasetodas as manhs, quando seu pai estava em casa e no ocupado em alguma misso misteriosa, davamvoltas a cavalo, antes que o dia esquentasse. Kit adorava essa vida que levava: os atalhos e picadas daselva, a sombra das rvores altas e copadas, o chilrear dos pssaros e o guinchar dos macacos nasramagens. Pelo barulho que provocavam com seus movimentos, seu pai identificava os animais sem v-los. Quando cavalgavam lentamente pelos caminhos, seu pai ia dizendo o nome das rvores, das macegas,dos frutos e das bagas; dizia-lhe quais podiam ser comidas e quais no e mostrava-lhe as que tinhampoderes curativos. Essas lies eram repetidas diariamente e aos poucos se gravaram na pequena cabeade Kit para nunca mais serem esquecidas.

    Havia sempre coisas novas a aprender, mas era uma verdadeira distrao. Seu pai era um exmionadador e frequentemente paravam ao lado de um lago calmo. Enquanto Trovo e o pnei pastavam, Kit

  • aprendeu a nadar na superfcie da gua como tambm a movimentar-se debaixo dela. Foi assim queaprendeu a dar mergulhos, primeiramente lanando-se das rampas e depois de alturas maiores. Com seupai aprendeu o rapazinho a arte de defesa pessoal pelo boxe, luta corpo a corpo e pelo carat, praticandoestas artes com Gur e os seus outros amigos pigmeus. No comeo, para Gur e os seus amigos pigmeusKit no representava nenhum adversrio, mas com a prtica constante e exerccios cresceu forte e rijo elogo conseguiu defender-se. Seu pai era um caador de mo cheia que conhecia todas as habilidades emacetes dos habitantes da selva e alguns mais que eles ainda no tinham dominado. Com seu pai praticouo arremesso do arco e da flecha, o lanamento da lana, destrezas estas que os pigmeus inicialmente lhehaviam ensinado.

    Tempos depois, num descampado afastado, adestrou-se no uso das armas de fogo, habilidade da quala sua vida iria depender centenas de vezes no futuro. Comeou com o exerccio do tiro ao alvo, valendo-se de pistolas e rifles de calibre pequeno, passando com o tempo para armas maiores. Seu pai estavaencantado com a competncia que o filho revelava. Dentro de poucos anos chegou a superar seu prpriopai, no que esse homenzarro via motivo de grande contentamento para si. Mas em nenhuma oportunidadeutilizaram eles animais ou aves para servirem de mira em seus ensaios de tiro ao alvo. Enquanto iaaprendendo como usar as armas com preciso mortal, pai e me incutiam nele a noo daincomparabilidade e da excelncia de todos os seres viventes. Os animais s eram mortos quando setratava de defesa prpria ou para servirem de alimento. Na selva os caadores dependiam de suas armase habilidades para sobreviver e no para diletantismo esportivo. O jovem Kit estava profundamenteimbudo desta atitude e fazia dela sua norma de vida. Outro comportamento que ele aprendeu foi comrespeito ao combate com outros seres humanos, com armas ou mo livre. Com exceo de jogos que sedisputavam por ocasio de festividades que de vez em quando se celebravam ou de jogos infantis que sepromoviam o cdigo que prevalecia na selva no tocante luta com um homem era um assunto srio.Seja com a faca ou a socos, lutava-se em defesa da prpria vida. Encaradas dentro dos ditames docdigo severo da selva, tais lutas eram lutas de morte. Somente depois de muitos anos aprendeu Kit alutar boxe ou corpo a corpo por mero prazer ou exerccio.

    Havia contudo mais coisas a aprender alm das habilidades da selva. Precisava aprender a ler,escrever e as operaes de aritmtica. A Kit quem ensinou estas estranhas artes desconhecidas dosseus companheiros pigmeus foi sua linda me. Sentado aos ps dela na Caverna da Caveira ou do ladode fora nos assuntos do Trono da Caveira, ele escrevia pacientemente o alfabeto e as tbuas demultiplicar e queimava as pestanas com suas cartilhas de leitura elementar. Estes livros apresentavam ummundo estranho de casas, bicicletas, automveis e os garotinhos e garotinhas vestindo roupas esquisitas.Kit nunca vira uma casa nem um par de calados e a nica roupa que vestia era uma tanga igual deGur. A me explicava-lhe cuidadosamente o que significavam aqueles desenhos, o que eram os trens, osavies, as cidades com seus arranha-cus e os policiais. Mas tudo no passava de palavras, que para ogarotinho nada significavam.

    Seus amigos pigmeus estavam discordantes e intrigados com essas lies misteriosas, que a seu verno tinham nenhuma utilidade e s serviam para tomar o tempo de Kit e interromper as suas brincadeiras.Mas Gur observava com curiosidade e Kit insistia para que tambm ele assistisse a essas lies. Nocomeo Gur no quis participar, o que deixou Kit muito triste, chegando a recusar a olhar para os livrose tabuadas a menos que Gur estudasse com ele. Gur juntou-se ento a ele e foram aprendendo as liessentados aos ps de sua linda me, enfronhando-se nos mistrios dos pequenos livros. Numa histriagenealgica que remontava idade da pedra, Gur tornou-se o primeiro pigmeu que aprendeu a ler eescrever as contas de aritmtica. Isto teve um efeito profundo nele e anos depois, quando se tornou ogovernante de Bandar, contratou professores e fundou um sistema escolar e educacional entre essapopulao de homens pequenos e ferozes.

  • O Tigre

    Certo dia correu a notcia de que um tigre enorme e ferido estava espalhando o terror nos campos

    dos Wambesis. Os Wambesis no possuam armas para enfrentar o saqueador e por isso pediram aoFantasma que os ajudasse. A populao sempre ficava surpresa ao ouvir falar que nessa selva viviamtigres. Todos sabiam perfeitamente que lees e tigres no coabitam nas mesmas reas e no entanto estaselva de Bengala era habitada por ambos esses animais, que se evitavam sempre que possvel. Duranteperodos imensamente longos os lees foram senhores desta selva, dominando com absoluta supremacialeopardos, panteras e todos os demais animais. Quando os tigres apareceram os lees procuraram fazervaler a sua autoridade e destru-los, mas logo mudaram de ttica. Notaram que um leo machoplenamente desenvolvido dificilmente poderia levar vantagem sobre um tigre macho. As batalhas que setravavam eram sangrentas, com o tigre levando a melhor. Diante disto os grandes feldeos acharam porbem dividir os campos e assim passaram a entender-se. Mas, como se explica que os tigres chegaram aBengala? A resposta conforme seu pai lhe explicou certo dia curiosa. Um navio carregado deanimais que se destinavam aos zoos da Europa foi destroado por uma dessas tormentas que acossam acosta rochosa de Bengala e foi a pique. Enquanto o navio se partia com a arrebentao violenta dasondas, a maioria dos animais escapou para a terra. Antes deste acontecimento muitos deles nunca haviamsido vistos em Bengala. Cangurus, elefantes indianos (com orelhas pequenas), ursos, lobos montanheses emuitos outros, inclusive uma quantidade de tigres. Alguns foram dizimados por outros animais ecaadores e outros sobreviveram e proliferaram. Entre estes ltimos estavam os tigres. No espao dealgumas curtas geraes tornaram-se nativos de Bengala.

    Mas para os habitantes da selva o tigre era ainda um feldeo estranho e pavoroso. As notcias de queum animal antropfago estava solta gelava o sangue nas velas desta populao. Fantasma!

    Kit pediu para acompanhar o pai. Apesar das insistentes objees de sua me, Kit seguiu o pai, oqual prometera que em circunstncia alguma permitiria que o filho se aproximasse do local da luta. Guracompanhou-os tambm como medida de precauo, para qualquer eventualidade. Kit montavagarbosamente seu Peludo, o poneizinho, bem perto do seu pai, que ia no poderoso Trovo de cor preta.Gur seguia-os logo atrs, numa pequena gua de nome Natala, nome este em homenagem a uma rainha detempos idos. Quando iam se aproximando da aldeia dos Wambesis notaram vestgios e rastros claros dotigre: alguns bois abatidos brutalmente e totalmente devorados. Este tigre deve estar furioso comentou o pai. Ao contrrio de leopardos que matam pelo simples prazer de ver sangue, o tigre matapara comer. Este dos furiosos. Os meninos tremeram de medo. Um tigre enfurecido!

    Os Wambesis estavam esperando, postados atrs de entradas fechadas do local em que habitavam.No nos esqueamos de que os Wambesis, velhos amigos do Fantasma, eram tidos como uns dosguerreiros mais valentes da selva. De vez em quando apanhavam grandes feldeos com arapucasespeciais eu at mesmo com lanas atiradas em grande quantidade simultaneamente. Mas este tigreenorme e furioso estava fora da conta. Levaram-no para o local onde ultimamente haviam visto omonstro, acuando-o por entre plantaes de cevada. O Fantasma levara consigo um pesado rifle quepodia acabar com a vida de um elefante, se acertado com preciso. Tinha tambm uma lana pesada eduas pistolas dependuradas na cintura. Deu instrues a Kit e a Gur para que permanecessem na aldeia.Os Wambesis olhavam para Kit com curiosidade sem se preocuparem em saber quem ele era, pois nomomento estavam por demais alvoroados. Kit estava desconsolado. Ele queria ir junto, mas seu paidisse que no, usando de severidade e fazendo com que a discusso acabasse ali. Em seguida toda aaldeia prorrompeu num brado alvoroado.

    Horrorizados, todos os que estavam atrs das entradas olharam para dentro do cercado. Uma viso

  • aterradora! Pulando por cima do paredo, o tigre penetrara na aldeia e estava tocaiando um grupo demulheres e crianas apavoradas que corriam em direo ao porto. Formou-se repentinamente umpandemnio. Era gente se esparramando por todos os lados, espalhando-se aos gritos e berros. Sim,todos, com exceo de Gur, Kit e seu pai, que segurou com firmeza o ombro do garoto. Fiquem aqui! ordenou ele, e correu para a frente com sua pesada lana. Deixou o rifle com os garotos. Com gentecorrendo espavorida e confusa em todas as direes entre ele e o tigre ameaador, nunca poderia atirar.

    O alvoroo teve um bom resultado, pois com isto o tigre parou momentaneamente. Agachou-se pertode uma cabana, rosnando e espreitando a multido aterrorizada que vociferava e gritava, entrecruzando-se, caindo, pulando e correndo em volta dele. Depois, quando a multido se dispersou, formou-se umespao vazio. De lana na mo, o Fantasma encarou o monstro que estava abaixado. E que monstro eraele! Jamais tinha visto tigre maior que esse que ali estava. Em toda a histria nunca se ouviu falar que umhomem sozinho tivesse tido a coragem de enfrentar a fria de um tigre de Bengala j adulto, somente comuma lana. Sabia-se que um esquadro inteiro de guerreiros j havia feito frente e arpoado um grandefeldeo mediante uma vintena de lanas, mas que um homem o tivesse feito sozinho, era coisa de espantar.Jamais algum chegara a isto.

    Agora que os Wambesis estavam aterrorizados e olhavam de todos os lados, fez-se um silnciosepulcral. L no fundo, postados nas entradas, Kit e Gur observavam. Todo tremendo, Gur tocou oombro de Kit para confort-lo. O pequeno rapaz parecia atento, mas completamente sem medo nenhum.Talvez ignorasse o perigo em que seu pai estava. Para ele talvez isto no fosse nada mais do que maisuma lio ilustrada.

    Em volta, nenhum rudo, tudo silncio. At mesmo o farfalhar das folhas e o gorgeio das aves daselva pareciam ter emudecido. Todos as pessoas em terra, as aves e macacos nas rvores e os animaispeludos na mata todos de olhares atentos, aguardando os acontecimentos. O Fantasma enristou a lanacom as duas mos e apontou-a para o tigre agachado e estudou-lhe as intenes. Percebeu que de um ladorepontava um pedao de lana quebrada. O animal certamente fora ferido por um lanceiro descuidado ouapavorado. Era uma ferida profunda... razo porque estava furioso. O Fantasma conhecia perfeitamente ocomportamento de feldeos. Bem que gostaria de t-lo ajudado fugir, mas j era muito tarde. O tigredardejara os olhares em cima dele, enfocando-o diretamente, tomando-o por seu inimigo. Sim, um homemde lana na mo. Suas mandbulas se alargaram e um forte bramido escapou-lhe das fauces, um bramidoque enregelaria toda pessoa ou animal que houvesse pela redondeza, num raio de uma milha. Em toda anatureza no existe coisa mais apavorante do que o rugir do tigre quando quer atacar. Ato contnuo oanimal pulou em cima do homem, arremetendo-se com todo aquele corpo de seus trs metros e meio decomprimento e de um complexo muscular de aproximadamente meia tonelada, arreganhando dentes dequase quinze centmetros. O bramido de fato paralisou a todos, deixando-os estatelados. O Fantasmaenfrentou o mpeto, mergulhando a ponta de sua pesada lana no corao do tigre. O Fantasma retesou ocorpo, parou por um momento, que foi breve, mas de intensa expectativa, e por fim tombou sob o impulsoe peso do tigre. Todos olhavam sem se mexer. Um tigre por cima de um homem e este debaixo de umamassa gigantesca do animal. Percebeu-se imediatamente o movimento de alguma coisa que procuravasafar-se de debaixo do tigre, aparecendo primeiro um brao... depois uma perna, medida em que ohomem se esgueirava e fazia fora para desfazer-se do animal. Ao cair por terra o tigre j estava morto.

    O homem parou por um momento, olhando para o animal que jazia morto a seus ps. Nele no senotava nenhum sentimento de triunfo, mas somente tristeza porque o desfecho no pudera ser diferente.Ele gostava de todos os animais. Todos os presentes respeitaram este momento de silncio. Em seguidavoltou-se lentamente e sorriu para Kit que se encontrava a seu lado, observando tudo. Kit soltou um gritode alegria e correu em direo ao pai. Isto foi como que o sinal verde para todos. Houve verdadeiropandemnio na aldeia dos Wambesis. Centenas deles acorreram de todas as direes, dos campos ecolinas onde se haviam escondido. A selva revivesceu com o gorgeio e chilrear dos pssaros e aves, com

  • o guinchar dos macacos e o rugido dos animais: todos passavam adiante este acontecimento em sualinguagem prpria. Rufaram tambores, transmitindo o evento de vale em vale, pela selva e pelo deserto,para que todos dele tomassem conhecimento.

    Kit beijou e abraou seu pai, pondo-se orgulhosamente a seu lado, enquanto os Wambesis seaglomeravam em volta. Alguns garotos comearam a bulir com o tigre morto, futucando-o com paus eatirando-lhe pedras. O Fantasma encaminhou-se em direo a eles, dizendo-lhe: Parem com isto.Tirem o couro do tigre, porque muito valioso. Levem em seguida o corpo para o campo a fim de que osgavies se alimentem dele. Pois esta a lei da selva. Mas no desonrem a vocs mesmos, maltratando oanimal morto. Ele apenas seguiu os impulsos da natureza, o seu instinto que prprio dele.

    Tmidos e envergonhados, os garotos fizeram conforme lhes havia sido ordenado e os Wambesis,que eram entendidos nas maneiras de viver da selva, regozijaram-se e aplaudiram essa demonstrao dealta sabedoria. Kit olhou para seu pai, admirado. E como muitos garotos que admiram seus pais, naqueledia Kit comentou:

    "Quando crescer quero ser como ele". Contou tudo a Gur, o qual concordou tambm que seria umacoisa muito boa.

    Seu pai nem sempre ficava na Floresta Negra. Vezes havia em que se ausentava dias e semanas e atmeses. A estas ausncias ele chamava de "misses" e Kit no sabia exatamente o que elas significavam;sabia apenas que seu pai estava ocupado em algum lugar, fazendo alguma coisa. Acontece que duranteessas misses as pessoas da convivncia de Kit se mostravam tensas: os pigmeus montavam guarda nasentradas secretas e todas as noites sua me ficava acordada at altas horas, sentada na entrada dacaverna. s vezes ficava sentada em companhia de Kit at que ele adormecesse no monte de peles. Liapara ele, mas s vezes no conseguia continuar a leitura de to preocupada e nervosa que estava. Via deregra da selva chegavam gritos, avisando que o Fantasma estava perto, quando ento todos corriam parao ptio em frente caverna, a fim de aguardar a sua chegada. Em seguida se ouvia o rudo de cascos depata de animal, parecendo-se com uma tormenta que se aproxima, quando Trovo atravessava acachoeira correndo e trazendo a possante figura mascarada. Era chegado o momento de jbilo, de beijose abraos. Raramente dizia onde estivera ou o que fizera, mas sentia-se feliz em poder repousar diante deum fogo, na companhia da esposa e filho, do seu pigmeu e dos animais amigos, compartilhando dasalegrias de todos pelo seu regresso.

    Uma ou duas vezes voltou com feridas abertas, com um corte de faca em seu ombro, com ferimento abala que lhe passou raspando pelo brao. Imediatamente sua adorvel me cuidava das feridas e punha-lhes ataduras, enquanto ele a tranquilizava, dizendo que eram banais e no doam. Uma vez, contudo, noforam to banais. Desta vez no houvera gritos distantes de boas-vindas dos pigmeus que estavam desentinela. Trovo atravessou em desabalada a cachoeira, com seu patro agarrado ao seu pescoo.Quando Trovo parou em frente Caverna da Caveira, seu pai escorregou at o cho num desmaio fatal.Os pigmeus carregaram a figura corpulenta, depositando-a em seu leito de peles de animal que haviadentro da caverna. Desta vez estava gravemente ferido, com ferimentos produzidos por faca e balas.Levou um ms para sair da caverna e mais outro para poder montar de novo o seu Trovo.

    Contou a Kit e Gur como foi que se dera. Estivera empenhado numa luta desesperada com piratasque espalhavam o terror entre os povoados situados nas partes mais baixas dos campos. Embora vidospor conhecer mais detalhes da faanha, aos garotos disse apenas que subira no barco, que encontroualguns piratas, que se dirigira ao depsito de munies do navio, tacando-lhe fogo, com o que o navioexplodiu e afundou.

    Quantos eram os piratas? perguntou Kit. Deviam ser umas dezenas. No tive tempo de cont-los. E quando o navio afundou, o que aconteceu com todos eles? Os que sabiam e puderam nadar, dirigiram-se para a praia, onde o povo os esperava

  • respondeu o pai.Um dos que conseguiram chegar em terra foi seu pai, embora com muita dificuldade. Foi tudo o que

    podia contar sobre o acontecimento, mas a notcia se espalhou pela selva, levada por mensageiros, pelorufar dos tambores e por viajantes. Sem ajuda de ningum vencera uma poro de bandidos armados edepravados e explodira o navio, dispersando as restantes duas dezenas de bandidos e entregando-os condoda piedade dos crocodilos do rio ou santa misericrdia dos guerreiros que estavam aguardandona margem do rio. Na selva no se conhecia servio policial. No havia lei. O supremo rbitro era oFantasma. Mas no futuro Kit aprenderia mais coisas a respeito disto.

  • 3 - MUITAS SURPRESAS E MARAVILHAS No antigo reino do Fantasma no eram poucas as surpresas e maravilhas e nas semanas e meses

    seguintes Kit iria presenciar muitas delas e ouvir falar de outras mais. Primeiramente, a prpria Cavernacontinha coisas de pasmar, encerradas naqueles aposentos feitos na rocha, que ele estava acostumado aver desde os tempos em que engatinhava em volta, arrastando-se de quatro. L se achava aquele aposentocheio de cintilaes como que de fogo, denominado o "quarto do tesouro menor". Aqui se encontravammuitos bas e arcas, alguns abertos, outros fechados. Os bas abertos estavam cheios at em cima emuitas vezes transbordavam, com pedras vermelhas, verdes, azuis e brancas, bem como com discos demetal amarelos de todos os formatos. Disseram-lhe que estes eram de ouro. As pedras coloridas tinhamnomes: diamantes, esmeraldas, rubis, safiras, prolas, e assim por diante. Chamavam-se tambm gemasou joias. Em algumas dessas arcas estavam guardadas taas e pratos de ouro como tambm centenas deanis com pedras coloridas incrustadas para serem colocados nos dedos; e no faltavam colaresamarelos e braceletes ornamentos com as pedras coloridas para serem usados nos braos, nostornozelos ou no pescoo.

    Kit brincava e divertia-se com os montes de joias e moedas de ouro, construindo castelos, muros eburacos, como toda criana faz na praia com a areia. Contou a Gur tudo a respeito do ouro e das joias.Gur ficou pensativo por um momento e em seguida perguntou: E para que serve tudo isso? Kit nosabia o que responder e assim perguntou ao pai, o qual explicou que o ouro chamado tambm dinheiro servia para a gente comprar coisas como por exemplo alimento e roupas. Essas ideias de compras edinheiro tinham que ser explicadas, porque eram estranhas a Kit, pois tanto alimento como vesturiotinham que ser usados para se poder viver na selva.

    Para que o Sr. as usa? perguntou ele.Seu pai explicou que raramente precisava de dinheiro e que o ouro do tesouro naquele quarto era

    empregado na luta sem quartel que se movia contra o mal. O que mal? indagou Kit curioso, pois queria saber o que isto significava. Meu filho, espere que noutra oportunidade lhe falarei a respeito disto respondeu seu pai, ao

    mesmo tempo em que se levantava. E para que os braceletes, os anis e as joias? continuou Kit a perguntar. Principalmente as senhoras, h pessoas que gostam de andar com estas coisas para parecerem

    mais elegantes e bonitas respondeu o pai, fazendo meno de sair.Kit notou que depois de algumas horas cheias de perguntas como estas seu pai costumava sair para

    dar uma volta ao ar livre. Mas, meu querido ouviu ele por acaso sua me dizer ao marido certanoite voc deve responder s perguntas da criana. Voc deve ter pacincia. O qu? Pacincia? retrucou o pai. Ora, hoje j respondi a uma infinidade de perguntas que ele me fez. uma chusma deperguntas que nunca tem fim. Quando caiu num cochilo, Kit ouviu a voz da me que dizia: Que maispode ele aprender?

    O que mais? No que no dia seguinte ele se saiu com a pergunta: Papai, onde que o Sr. conseguiu todo este ouro e pedras coloridas?Seu pai deu um suspiro e respondeu com toda pacincia: Quando eu tinha a sua idade tudo isto estava aqui. Todo este ouro e pedras coloridas foram sendo

    acumulados durante sculos.O Fantasma explicou a Kit, seu filho, que seus ancestrais em tempos idos haviam prestado favores a

    governantes reis, prncipes e imperadores e que esses governantes em agradecimento ospresentearam com montes de donativos.

  • Quando um imperador ou rei oferece um ba cheio de ouro, seria atitude muito deseleganterecus-lo disse ele ao filho que o ouvia atentamente. No dia seguinte Kit passou adiante para Guresta lio que servia como exemplo, informando-o solenemente que, toda vez em que um imperador ourei lhe der uma arca cheia de ouro ou joias, ele a deve aceitar, porque seria uma demonstrao deindelicadeza recus-la.

    Gur prometeu que sempre se lembraria disto.Perto deste compartimento havia outro a que seu pai chamava de o quarto "principal" do tesouro. Ele

    se lembrava deste compartimento com certos remorsos e escrpulos, pois era aquele em que deixara caira taa brilhante. Agora ficara ele sabendo que se tratava de uma taa para beber, feita de diamanteinteirio. Fora feita para um imperador chamado Alexandre que alguns chamavam de "Magno"; isto foi oque seu pai lhe disse.

    Era ele grande (magno)? perguntou Kit. Ele conquistou, meu filho, a maior parte do mundo respondeu seu pai. A maior parte do mundo! Como ele era grande! exclamou Kit cheio de contentamento. Mas isto depende de quem escreve a histria observou o pai. Ele invadiu outros pases,

    como a Prsia, ateou fogo nas suas cidades, matou seus reis e guerreiros, levou para o cativeiro suasmulheres e filhos e roubou todos os seus tesouros. Acha que isto ser importante?

    Claro que para os persas, no respondeu Kit, sacudindo a cabea. Exato, meu filho; tudo depende de quem escreve a histria respondeu seu pai, concordando

    com o filho. E agora tome este chicote continuou o pai. Era um chicote antigo feito de couro com estrelas

    de metal nas pontas das correias. Este pertenceu a um homem que se chamava tila, o Huno. Ele viveuh muitos anos e seu nome chegou at ns com a reputao de um indivduo mau, malvado, um brbaro edestruidor. Voc sabe o que tila fez? Pois bem, ele invadiu outros pases, levou para o cativeiro suasesposas e filhos e saqueou todo o seu tesouro. Com quem se parece ele? Ele se parece com AlexandreMagno! gritou logo Kit.

    Dario, rei da Prsia, no ficava atrs dele em malvadeza continuou o pai, repisando o assunto. Alexandre Magno, Dario da Prsia, tila dos hunos, Csar de Roma, Hanbal de Cartago e Napoleoda Frana: todos eles eram senhores de grupos que conduziam suas hordas de desordeiros para pilhar ematar.

    Foi assim que naquele dia terminou a lio sobre histria. Anos mais tarde, quando Kit estudouhistria na escola, chegou concluso que seu pai tinha opinies fora do comum a respeito de histriabem como praticamente a respeito de tudo o mais. Mas acontece que ele era, na ocasio, um homem forado comum.

    No quarto principal do tesouro havia outras coisas raras; na realidade esse quarto era um verdadeiromuseu em miniatura. Uma vbora morta flutuava dentro de uma redoma antiga de cor verde. Isto queest vendo aqui, meu filho, a cobra que mordeu Clepatra explicou o pai, aproveitando aoportunidade para contar-lhe a histria dessa famosa rainha do Egito. Na parede pendiam duas espadasenormes, protegidas por vidro. Apanhou-as com todo cuidado e apresentou-as ao filho para que astocasse com suas prprias mos. Acontece que eram muito pesadas e assim ele no aguentaria segur-las. Esta espada foi do rei Artur; chama-se Excalibur. Esta outra tem o nome de Durandal e pertenceu aRolando. Na poca desses homens todo mundo acreditava que eram espadas mgicas e possvel quefossem. Contou ento a Kit os comoventes feitos e faanhas dos heris, do rei Artur da Inglaterra e deRolando da Frana. Perto da espada Durandal pendia tambm um chifre de marfim, a cometa de Rolando,na qual ele fez soar o sopro que o levou morte.

    E havia mais coisas, como um festo dourado com louros que repousara na cabea de Csar; umaperuca de senhora, de cor preta e encacheada, que havia sido usada por um ator que fizera o papel

  • feminino de Julieta, na primeira apresentao do Romeu e Julieta. Noutra oportunidade iria ouvir maiscoisas a respeito dessa peruca. Dentro de um outro estojo de vidro estava guardado um instrumentomusical feito de osso, ou seja a lira de um antigo poeta que foi cego e que se chamava Homero. E quantascoisas mais havia para se ver.

    Isto tudo pertence a ns? perguntou Kit, cheio de admirao.Seu pai respondeu, ento. Estas coisas chegaram at ns atravs dos sculos, entregues por muitas pessoas, para serem

    guardadas. Em consequncia de guerras, incndios, inundaes, erupes vulcnicas, ladres e vndalos,muitos destes tesouros de ouro se perderam para sempre. Ns somos os guardies destas coisas quepertencem a todos.

    Num outro aposento havia filas e mais fus de indumentrias iguais s que seu pai vestia, todasdependuradas atrs de portas mveis. Estas aqui eram vestidas por meu pai e essas ali pelo pai dele;estas aqui por seu pai, e assim por diante. Kit no se admirava nem estranhava que todos esseshomens de tempos antigos vestissem roupas coladas ao corpo, capuzes e mscaras como seu pai usava.Com exceo dos pigmeus que usavam tangas como ele, Kit nunca tinha visto outro homem a no ser seupai. Por isso imaginou que todos os outros homens deviam vestir-se deste jeito.

    Num outro aposento viam-se estantes com livros enormes e pesados. Quando voltava de uma de suasmisses misteriosas, muitas vezes seu pai passava tempo escrevendo num desses livros. Seu pai lheexplicou que esses livros continham as crnicas do Fantasma, acrescentando que ele era ainda muitojovem para inteirar-se a respeito deles, mas que em breve ficaria sabendo de tudo. Kit no era curioso epor isso no fez nenhuma objeo observao do pai. Kit sabia que os livros ensinam a soletrar,ensinam gramtica e fazer contas. Burraldo! Nem podia sonhar com a empolgao e as aventuras mgicasque esses volumes empoeirados continham. , Do lado de fora da Caverna havia surpresas ainda maiores.Montando seu pequeno pnei sem nenhum arreio, completamente em puro pelo, galopava ele pelas trilhasda selva em companhia de seu pai que cavalgava seu possante garanho preto chamado Trovo. Nessasandanas era ele levado at alguns lugares secretos, A primeira visita que fizeram foi ao Bosque dosMurmrios onde passaram uma noite dormindo no cho. Tinha este nome porque o vento que sopravaentre as rvores provocava um som peculiar. Tinha-se at a impresso que cochichava a palavraFantasma, Fantasma. Outros tinham percebido a caracterstica daquele som e por isso passaram a chamaro local de o Bosque do Fantasma. Os habitantes da selva evitavam esse lugar porque o sussurromisterioso do vento esfuziando pelas rvores metia medo neles e corria o boato de que o mesmo eraassombrado.

    No muito longe do Bosque dos Murmrios ficava o oceano e uma enseada que servia deesconderijo. Era a Praia Dourada de Keela-Wee, que muitos dizem ser o lugar mais lindo que existe nomundo. Atrs da praia havia um cenrio de fundo formado por selva espessa e montanhas distantes. Nafrente surgiam as guas amplas, rolantes, verdes e cor de safira do mar, com alcantilados recifes de coralque impediam que mesmo pequenos navios ou barcos a remo se aproximassem desta praia secreta. Aprpria configurao da praia era singular e extraordinria. Esta Praia Dourada de Keela-Wee tinha a corde ouro porque a metade da areia era na realidade puro p de ouro. No centro da praia fora construdauma pequena cabana feita de jade verde entalhada. O pai explicou que tanto a praia dourada como acabana de jade era produto de um donativo feito a um Fantasma do sculo dezessete pelo imperadornegro chamado Joonkar. Dessa poca para c todos os Fantasmas costumavam passar a sua noite de lua-de-mel nesta cabana de jade construda no meio da Praia Dourada. Mas eles no eram os nicos.

    As grandes e amistosas tribos dos Wambesis e dos Llongos moravam na selva que ficava perto.Todas as primaveras celebravam casamentos em massa nas areias da Praia Dourada. Foi justamente paraver uma dessas cerimnias que o pai levou Kit nesta primeira visita. Quando eles chegaram, a cerimniado casamento coletivo estava sendo realizada. Kit assistiu ao ato cheio de admirao. Este povo e esta

  • gente eram os primeiros que ele via fora da Floresta Negra. Havia na praia cerca de duzentos casais. Asencantadoras noivas trajavam sarongues de cores alegres e levavam flores em seus cabelos pretos ecompridos. Os jovens noivos vestiam tangas e traziam tambm amarrados de flores.

    Quando Kit e seu pai chegaram cavalgando praia, os casais estavam justamente ajoelhados frente adois sacerdotes com paramentos vermelhos brilhantes e drapejavam estandartes amarelos enquanto iamcelebrando os ritos do matrimnio. Todos se voltaram para ver o homem com a criana. Ao perceberemque era seu amigo Fantasma, todos sorriram de contentamento. A cerimnia prosseguiu. Terminados osritos do casamento, os casais saram de mos dadas e pularam dentro do mar, rindo e gritando, para emseguida voltarem praia e se rolarem juntos na areia. Quando se levantaram estavam todos da cor deouro devido areia dourada que grudara em sua pele.

    Depois deste banho de mar e areia todos os casais, de mos dadas, passaram pela pequena cabanade jade e com isto estava completa a cerimnia de casamento. Feito isto, os casais desapareceram nafloresta. A areia dourada em seus corpos simbolizava seu casamento recente e assim evitavam lav-la,mantendo-a num perodo de tempo mais longo possvel. Assim que passados dias se podia ainda vercasais dourados andando felizes da vida pela floresta, rindo, cantando e brincando.

    Depois que todos haviam deixado a praia, Kit e seu pai entraram na cabana de jade. Estavacomplicadamente esculpida e a luz do sol se coava dentro dela atravs de minsculas aberturas,formando complicados desenhos de luz e sombra no cho de jade. Essa pequena cabana se parecia comuma enorme gema oca. No dia de nosso casamento, sua me e eu passamos a noite aqui disse o paia Kit da mesma maneira como fizeram meus pais com suas esposas antes de mim. Um dia voc secasar e trar sua esposa a este lugar. Kit olhou para ele com os olhos arregalados.

    Papai, com quem vou me casar? perguntou o menino, ao que seu pai no pde evitar umarisada.

    No se preocupe, que um dia voc encontrar a sua eleita; ou talvez ela acabe encontrando voc. Ele no podia imaginar quo profticas eram estas suas palavras.

    Kit deu uma corrida pela praia dourado e jogou-se dentro das guas do mar. Era um bom nadador,mas toda a sua experincia se limitava a exerccios de nado feitos em guas tranquilas de lagoas da selvae de correntes velozes. As guas salgadas e clidas do mar eram para ele uma surpresa e uma novidade.Ps-se a brincar nas guas claras e calmas, mergulhando at o fundo de areia para depois nadar atravsdas ondas que se arrebentavam nos grandes recifes de coral, onde as guas do mar se quebravam com umbramido, formando um aguaceiro de espuma. Permaneceu por uns instantes em cima do coral agudo edepois nadou de volta para a praia, indo rolar na areia dourada conforme haviam feito os noivos do\casrio recente. Agora, todo coberto de ouro, correu rindo em direo ao casebre de jade onde seu pai oobservava sorrindo. Agora estou casado gritou ele.

    Em tempos idos o Bosque dos Murmrios fora assombrado. A Praia Dourada era linda. Mas aemoo maior estava ainda por chegar: O Jardim de den do Fantasma.

    Durante um dia e uma noite cavalgaram eles pela selva, bordejando o oceano. Chegaram a umamargem elevada de um rio largo que corria da selva em direo ao oceano. No meio do rio havia umailha verde jante, com espesso arvoredo e uma praia branca. Alm da ilha bramiam as ondas dearrebentao do oceano. Kit e seu pai treparam numa rvore enorme que havia na margem do rio. Em siparecia at uma brincadeira. Viu que perto da copa da rvore havia duas cordas que desciam bem decima do rio at uma rvore alta que se erguia na praia da ilha. Uma das cordas caa obliquamente darvore em que estavam; a outra corda subia em sentido contrrio. De acordo com instrues querecebera, agarrou-se com firmeza no pescoo de seu pai. Amarraram uma corda curta em volta dele,firmando-o com segurana ao peito do seu pai. "No deve de jeito nenhum cair dentro do rio, porque estinfestado de piranhas", foi o que lhe recomendaram. Mais tarde ficou sabendo que este peixe chamadopiranha perigoso. Seu pai agarrou-se a uma pesada argola de ferro que pendia da corda. agora!

  • gritou ele. E, suspensos pela argola, deslizaram lentamente pela corda e assim atravessaram o rio. Kitolhava para baixo, observando as guas marrons e verdes l no fundo, as quais pareciam to convidativase pacficas. Mas, o que escondiam elas debaixo de sua superfcie? Nada mais do que piranhas!Alcanaram a outra margem do rio. Foi uma proeza, para Kit, das mais extraordinrias e excitantes quejamais vira ou imaginara em seus poucos anos de vida.

    Quando desceram da rvore, na praia da ilha havia alguns animais esperando por eles. Kit se ps aolhar atentamente.

    No conseguia acreditar no que seus olhos viam. Ali estavam uma girafa, uma zebra e um antlope.No faltava nem o leo, nem o leopardo e muito menos o tigre. No que todos estavam esperando emp, pacificamente, numa convivncia harmoniosa! Kit sabia o que eram os lees e os leopardos. Estavalembrado do enorme feldio que seu pai fora obrigado a matar na aldeia dos Wambesis. Olhou para seupai, tomado de sbito medo. Estava ainda amarrado ao seu peito. No tenha medo. So todos nossosamigos disse-lhe o pai, sorrindo. Desceu at areia e desamarrou o filho. Ato contnuo os animais seacercaram deles e comearam a esfregar o focinho no corpo de Kit e seu pai, grunhindo uns e relinchandooutros. O grande feldeo ronronava. O leo e o tigre, numa competio amigvel, esfregavam-se naspernas do seu pai, com suas costas, arqueadas e ronronando continuamente, conforme fazem gigantescosgatos caseiros. O tigre pesava aproximadamente trezentos e sessenta quilos e o leo no devia ter menospeso o que ele. O pai fez tudo para aguentar o peso dos animais. O leopardo mostrava-se todo faceirocom Kit que logo perdeu o medo e rolou pela areia com o feldeo aveludado que ronronava.

    Kit passeou ao longo da praia em companhia do pai, com os animais que andavam s pressas ecorriam em torno deles, externando claramente a alegria por terem voltado. No lado da ilha que davapara o oceano as guas eram tranquilas como as de um pequeno lago. A um quarto de milha mais adianteas ondas arrebentavam de encontro a ngremes recifes de coral que serviam de proteo a esta lagoa. Aprpria lagoa fervilhava de peixes de todos os tamanhos, alguns medindo um metro e meio ou dois decomprimento. Enquanto estavam observando os peixes, viram uma canoa comprida que se aproximava,com vrios nativos remando. Entraram na lagoa e despejaram peixes vivos, retirando-os de vasilhamesenormes. Outros peixes vivos de tamanho maior, amarrados em redes e puxados debaixo da gua pelacanoa, eram soltos na lagoa. Os grandes feldeos pularam dentro da gua, movimentando-se de um ladopara outro para caar os peixes. Imediatamente saam da gua, carregando sua presa nas mandbulas. OFantasma acenou para os pescadores, os quais retribuam enquanto se afastavam remando. So osMoris explicou ele. So os melhores pescadores de todos os habitantes da selva. Eles mantm estalagoa suprida de peixes vivos que servem de alimento para os feldeos. Ensinei-lhes a comer peixes e apegarem-nos eles mesmos. Esta a razo por que podem conviver com os gramvoros sem causar-lhesnenhum mal.

    A Kit tudo parecia bastante normal e natural, conforme seu pai ia explicando. Presenciou como umtigre esquartejava um peixe do tamanho do prprio Kit. Um antlope mordiscava delicadamente na gramaque ficava a uns passos de distncia das enormes mandbulas do tigre. A girafa passava por cima do leo,que estava tambm ocupado em devorar a sua presa, para apanhar as folhas de um galho que havia noalto. Um elefante saiu dum matagal e barriu em sinal de boas vindas e depois ajoelhou-se, quando oFantasma golpeou seu tronco. Eu trouxe para c todos estes animais quando eram pequenos filhotese gamos novos e ensinei-os a viver juntos. Kit, voc est lembrado de Borrado e do Listrado? Kitolhou atentamente para o leo e o tigre. Tinha uma vaga lembrana de ter rolado pelo cho, em frente caverna, com os pequenos filhotes. Portanto, este era o lugar aonde eram enviados quando j eramcrescidos demais para brincar com ele! Listrado, Borrado! gritou ele, correndo em disparada emdireo deles. Os feldeos levantaram suas cabeas enormes, vendo-se os molhos brilhando. Seu paisegurou-o pelo brao. Nunca se aproxime deles quando esto comendo. Devem ser tratados domcuidado.

  • Quando no estavam comendo eram to dceis e brincalhes como na poca de filhotes. Mas seu paitinha todo o cuidado para que a brincadeira no se tornasse muito ruidosa. Tanto Listrado como Borradopermaneciam em p pacientemente enquanto Kit subia neles e abraava-os pelo pescoo. O pai montou oListrado e sentou Kit em frente dele. Que tal a gente dar uma corrida? Kit fez sinal que sim, todoalegre, e l se foram eles para um passeio a trote largo pela praia, montados no lombo do grande tigre,com o Borrado e o Manchado trotando ao lado, procurando acompanh-los no passo. Os feldeos noeram seus nicos companheiros. O Orelhas Drapejantes, o elefante, ajoelhou-se obedientemente quandoKit lhe ordenou: "Abaixe-se, Orelhas Drapejantes". E o garoto excursionou pela pequena ilha, trepado nolombo largo do animal. At mesmo Esquia, a mansa girafa, permaneceu ali perto, numa atitude paciente etolerante, enquanto Kit se divertia subindo numa rvore e depois resvalando pelo pescoo listrado. Kitcorreu pela grama alta atrs dos antlopes, cavalgando a zebra brincalhona.

    Seu pai ensinou-lhe como se pescam peixes vivos com as mos na lagoa. Isto exigia que se ficasseem p, sem se mexer, dentro da gua lmpida e morna espera de um peixe que aparecesse nadando bempor perto, em atitude de quem est procura de alguma coisa. Kit perdeu uma grande quantidade depeixes que lhe escorregavam das mos, mas finalmente conseguiu agarrar um com firmeza, levando-otodo triunfante para mostr-lo ao pai que estava observando na areia. Acenderam um pequeno fogo napraia e assaram o peixe, enquanto os grandes feldeos estavam deitados por perto, olhando epestanejando. Atrs dos feldeos estavam em p os antlopes e outros gramvoros com chifres, inclusiveas zebras e girafas. No fundo, o elefante Orelhas Drapejantes, que de vez em quando apanhava umpunhado de grama com sua tromba e enfiava-a pela sua boca vermelha adentro. Via-se que todos osanimais estavam admirados com o fogo crepitante, mas nenhum deles se aproximou muito. Anteriormenteo pai de Kit j havia cozinhado neste local e eles aprenderam a evitar os grossos novelos de labaredasque se formavam.

    Certa manh seu pai pescou um peixe na lagoa e levou-o margem do rio que havia na ilha. Ali, sobas vistas de Kit e dos animais, jogou-o nas guas do rio. O peixo de gua salgada mal havia atingido asuperfcie das guas, quando se levantou uma enorme espuma ao redor dele. Pequenas formas saltaramem cima dele, aparentemente em fria. A gua borborejou de sangue vermelho, para logo em seguida tudovoltar ao normal e ficar claro. As pequenas criaturas peixes com barbatanas compridas saramcorrendo e o enorme peixe de gua salgada no passava agora de um simples esqueleto, conforme se viaquando desceu ao fundo raso cheio de areia, Kit olhava atentamente, surpreso com a violncia do ataque.

    So piranhas disse seu pai. O rio est chessimo delas. Esta a razo porque nenhum animaldo outro lado se atreve passar para este. E estes animais aprenderam a manter distncia do rio. Bemque Kit notara que todos os animais haviam recuado quando perceberam o barulho provocado peloataque. Uns emitiam lufadas de ar e outros grunhiam. Viu tambm que nenhum deles se aproximavademais da beira da gua. No futuro voc voltar muitas vezes a este lugar. Nunca se esquea daspiranhas falou-lhe o pai. E realmente ele nunca se esqueceu.

    Passaram dois dias e duas noites nesta ilha encantada. Durante o dia o pai passava horas a fioensinando aos animais diversas palavras e comandos atravs de sinais. Kit se deliciava ao ver como osanimais correspondiam, como se sentavam, se deitavam, corriam, apanhavam as coisas, ficavam em p, emais uma srie de outras coisas. O que ele estava presenciando era um experimentado treinador deanimais em plena atividade, que no usava nenhuma palavra spera, mas somente doura, pacincia e querecompensava com rao quando uma lio era bem aprendida. Kit desconhecia que geraes defantasmas haviam desenvolvido suas tcnicas prprias para lidar com animais de todos os tipos e quehaviam transmitido seus conhecimentos gerao seguinte. Estas eram as lies que Kit estavarecebendo neste momento, e outras viriam. Nunca iria se esquecer delas.

    noite dormiam na praia, em enxergas feitas de grama, tendo por teto o firmamento cheio deestrelas cintilantes. Kit comeou a aprender o nome de algumas das estrelas, a distinguir entre planetas e

  • astros, aprendendo alguma coisa a respeito de sua natureza. Ficou conhecendo algumas das constelaesmais importantes, como rion o Caador, as Sete Irms das Pliades, a Ursa Maior e a Ursa Menor eoutras. Aprendeu como se localiza a Estrela Polar. Ficou tambm sabendo que as estrelas cadentes someteoros que possuem um tamanho que no vai alm daqueles de seixos, ou ento que so meteoritos dotamanho de uma casa!

    J estava na hora de ir embora. Kit protestou, agarrando-se desconsolado crina de Borrado. Mame est esperando por ns l em casa e vai ficar preocupada conosco disse-lhe o pai. Quase emlgrimas, Kit se despediu de todos os animais, abraando um por um: Borrado, Listrado, Manchado,Orelhas Drapej antes, Esguia e todos os demais. Em seguida, com todos os animais fazendo como que umcrculo em volta da grande rvore, a criana e seu pai subiram at s cordas. Mais uma vez agarrou-seele ao pescoo do pai e colou-se ao peito dele. Dando um ltimo olhar para os animais que estavamembaixo, todos espreitando para cima, o pai agarrou a argola que estava na corda de retorno eatravessaram rapidamente o rio de guas verdes e douradas. Quando olhou para baixo, Kit percebeu operigo e violncia que estavam escondidos debaixo daquelas guas aparentemente calmas.

    Chegaram ao curral onde Trovo e Peludo os receberam com alegria. Tomaram de novo o caminhoda selva, passaram pela Praia Dourada de Keela-Wee, atravessaram o Bosque dos Murmrios, deram umligeiro mergulho nas guas frescas de um pequeno lago que havia na selva e depois continuaram viagem.No demorou muito e comearam a ouvir o rudo distante das guas da cachoeira. Era sinal de que jestavam perto de casa. De arco e flecha na mo, um pigmeu saiu silenciosamente do mato ecumprimentou-os e em seguida outro. Haviam chegado nas proximidades da Floresta Negra. Rindo efazendo algazarra, outros anes guerreiros surgiram do matagal e Kit fechou os olhos e grudou-se emPeludo quando comearam a atravessar a cachoeira em disparada. Do outro lado ouviu-se o vozerio deuma centena de habitantes de Bandar que os aguardavam para lhes dar as boas vindas; l estava o Tronoda Caveira e a Caverna, alm da encantadora me que os aguardava de braos abertos.

    Agitadio e contente da vida por estar de novo em casa, a criana no se continha de vontade decontar-lhe as aventuras que tivera. Mencionou de leve e ligeiramente o Bosque dos Murmrios e a PraiaDourada e comeou logo a falar do den, porque lhe estava mais fresco na mente. Pulando e danando,contou-lhe que vira Listrado, Borrado, Manchado e todos os demais animais, no deixando de lado apassagem em que estiveram apanhando peixes com as prprias mos, sem auxlio de nada. Mas, para seuespanto, a me empalideceu, quando perguntou, num tom de voz arrastada:

    Voc viu Borrado, Listrado e Manchado? De que tamanho esto eles agora? Esto grandes assim gritou Kit, medindo um espao de uns trs metros e meio. Ia ele

    continuando a aumentar o tamanho, quando sua me, depois de um relance rpido e apavorado no seupequeno corpo, saiu correndo da Caverna. Kit ficou espantado com esta atitude da me, correndo atrsdela. Ela alcanou seu pai j no Trono da Caveira.

    Voc est louco em levar essa criana at den, com todos aqueles animais crescidos, como otigre, o leo e o leopardo! gritou ela.

    Ele estava completamente fora de perigo, querida. Ele se divertiu com tudo aquilo. respondeuo pai calmamente.

    Divertiu-se? gritou ela, tremendo de raiva. Podia ter sido estraalhado e morto.Na parte do fundo os pigmeus aguardavam de olhos escancarados. Em um momento realmente fora

    do comum dentro da Floresta Negra, pois jamais algum havia vociferado de raiva contra o Fantasma.Nos anos seguintes Kit iria travar conhecimento com muitas garotas e senhoras e algumas delas iriammostrar-se cheias de frenesi e nervosinhas por vrios motivos, mas ele nunca esqueceria a atitude que seupai tivera nessa ocasio em que sua me o repreendera. Sua me estava to irritada que chegara a perdero controle de si, chegando a esmurrar, com seus punhos minguinhos, o amplo peito do homem mascaradoque ao lado dela parecia um gigante, sobrepujando-a em altura em aproximadamente uns 25 centmetros.

  • Agarrou-a em seus braos massudos, levantou-a do cho e levou-a para dentro da Caverna da Caveiracomo se fosse uma criana.

    Ele falava numa voz profunda e calma e ela de repente sossegou ao entrarem na Caverna. Ele estava completamente fora de perigo, querida. Ele se divertiu com tudo aquilo.

  • 4 - AS CRNICAS DO FANTASMA Kit sempre se mostrara muito curioso pelo Quarto das Crnicas na Caverna da Caveira. Era um

    lugar com estantes compridas apinhadas de volumes enormes amarrados com couro. Seu pai nunca lhe,,proibira entrar nesse compartimento, mas tambm nunca o encorajara a faz-lo. Mas, quando Kitcomeou a aprender a ler, a sua curiosidade se aguou ainda mais. Certo dia entrou naquele quarto eretirou um volume da estante. Era quatro vezes maior do que seus livros de histria e to pesado que amuito custo conseguiu carreg-lo. Colocou-o com cuidado no cho duro e abriu-o. Com a luz de umatocha que estava ali perto, num encaixe da parede, comeou a ler o que nele havia, mas ficoudesapontado. As letras no eram como aquelas impressas nos seus livros e sim uns rabiscosdesconhecidos. Ainda no lhe haviam ensinado o que era escrita cursiva. Seu pai entrou no quarto eencontrou-o ocupado com o volume, sentado no cho, e ento respondeu as perguntas que lhe eram feitasa respeito dele.

    Este livro a que voc apanhou tem mais de trezentos anos e foi escrito por um dos seus avs,doze vezes mortos. Kit ficou espantado. Significava que se tratava de seu duodcimo av. Puxavida! disse ele. Todos estes livros so escritos por avs? perguntou ele.

    Seu pai explicou que cada gerao escrevia suas faanhas, experincias, planos e ideias nesteslivros de crnicas.

    Mas a escrita to gozada observou Kit.O pai explicou ento qual a diferena entre a escrita impressa e a cursiva. Mostrou a Kit as Crnicas

    do primeiro Fantasma, daquele que foi seu primitivo antepassado. Embora fosse conservado sempredesempoeirado e espanado, o volume desprendia um odor seco, empoeirado e mofado de sculos, comoas paredes de antigos castelos. As pginas no eram feitas de papel, mas de pergaminho, uma finssimapelcula de pele de cabrito. O primeiro apontamento que eles leram datava de 17 de fevereiro de 1536 edizia o seguinte: "Hoje fiz um solene juramento sobre a caveira do assassino do meu pai".

    Kit esperava ansiosamente por mais coisas, mas seu pai sentou-se e permaneceu em silncio por ummomento. Parecia ter-se emocionado com aquilo que acabava de ler. E assim foi que comeou toda ahistria disse ele em tom de voz suave.

    Comeou o qu? Quem assassinou seu pai? O que um juramento? E as perguntas jorravam daboca de Kit. Juramento uma promessa que voc faz a si mesmo disse o pai.

    Um dia ainda lhe falarei mais a respeito de tudo isto. Por ora deixe que lhe fale algo mais arespeito do primeiro Fantasma e de seu pai. Kit tornou a sentar-se numa pele de animal que estavaestendida sobre o cho duro e esperou ansioso. Ele adorava as histrias que seu pai lhe contava. Nuncaeram histrias imaginadas, como as de Gur e de sua me.

    Eram todas histrias vividas, verdadeiras. O pai de que voc acaba de ouvir era um grande capito do mar. Sua me lhe falou a respeito de

    Cristvo Colombo, no ? Sim, ele inventou o Novo Mundo! disse Kit todo agitado. Ele no inventou, mas descobriu retificou o pai, acrescentando logo uma explicao sobre

    qual a diferena entre uma e outra coisa. Quando era menino, meu pai acompanhou Colombo como seucamaroteiro no navio Santa Mana, em sua primeira viagem ao Novo Mundo.

    mesmo?! perguntou Kit admirado. Quando Colombo voltou para a Espanha, deixou a criana na nova terra, na ilha que mais tarde se

    chamou Cuba. Com o tempo a criana ficou impaciente. Em companhia de um ndio amigo partiu ele sescondidas para o continente, navegando numa pequena embarcao. Pelo que parece deve ter sido o

  • primeiro homem branco a pisar na regio que hoje em dia se chama Amrica do Norte. Imagine! Ele e um ndio amigo! Exatamente como eu e Gur! disse Kit, todo alvoroado. E

    o que que eles fizeram? Eles entraram por terras adentro, at bem longe. Encontraram os ndios maias, que so pacficos,

    e observaram os sacrifcios humanos dos astecas, que os aprisionaram. Mas conseguiram fugir e sedirigiram para o norte, rumo ao Grande Deserto...

    Papai, o que so sacrifcios humanos? interrompeu Kit. O pai explicou que os astecasmatavam seus prisioneiros para honrar seus deuses.

    Como assim? perguntou Kit, procurando saber o que significava isto. Arrancavam-lhes o corao com uma faca preta de pedra. Mas, meu bem observou a linda me que ia passando pelo corredor voc acha que so

    coisas que se contam criana? Quando ele faz uma pergunta a gente deve responder, respondeu o pai no tom suave que ele

    usava para encerrar uma discusso. A me suspirou, sacudiu a cabea e continuou andando. O paiesboou um sorriso.

    Voc devia ter-se casado com aquele banqueiro e assim estaria vivendo numa linda casa braa,cercada de estacas, conforme era desejo de sua me acrescentou ele.

    Ela riu-se e continuou andando, enquanto lhe jogava um beijo. Kit esperou pacientemente at que elase perdesse de vista.

    Arrancavam-lhes o corao com uma faca preta feita de pedra! gritou o menino. E doa? Acredito que no, porque as vtimas estavam inconscientes, pois os astecas faziam com que

    adormecessem. Mas como assim? Meu filho, colocavam as vtimas com as costas em cima de uma pedra, deitadas, e quebravam-lhe

    a espinha dorsal.Quando o pai estava contando este detalhe, a me passou de volta para o seu quarto. Sacudiu a

    cabea e suspirou de novo, mas no quis entrar em discusso. Dias depois continuou o pai o camaroteiro e seu ndio amigo, que se chamava Caribo,

    encontraram um monte com o cume achatado rio meio do deserto, desses que se de nominam mesa. Bemno alto desta mesa construram uma moradia a que deram o nome de "Residncia Celeste", porque muito alta e serve de ninho para as guias. Isto foi no ano de... 1497 disse ele, dando uma olhadelapara o livro. Ns possumos ainda uma residncia alta e algum dia voc ir conhec-la.

    Ele continuou com a histria. O camaroteiro retornou ao Velho Mundo e cresceu, tornando-se umgrande capito de mar. Decorridos mais anos, continuou sua viagem e juntamente com ele estava tambmseu filho j adulto de nome Kit. O navio foi atacado por piratas de Singg na baa de Bengala. Exceto Kit,seu pai e toda a tripulao foram mortos. Todo ferido, Kit conseguiu escapar e alcanar a terra, onde foiencontrado pelos pigmeus que cuidaram dele at recuperar-se.

    Ele tambm se chamava Kit? perguntou Kit a seu pai, que respondeu afirmativamente. Ele tinha o mesmo nome que eu disse o pai a Kit, que estava admirado, pois nunca lhe

    ocorrera que seu pai tivesse outro nome alm do costumeiro "querido", que sua me habitualmente usava. Ento aquele Kit foi o primeiro Fantasma que fez um juramento solene sobre a caveira do

    assassino do seu pai! disse Kit todo excitado, agora que os mistrios estavam sendo explicados. Mas, como que ele reconheceu o assassino?

    Acontece que o pirata morto foi levado pelas guas at praia, no muito tempo depois doataque, muito provavelmente morto numa rixa. Kit vira quando ele apunhalou seu pai. E o pirata mortovestira as roupas de seu pai.

    Passaram-se dias no quarto das Crnicas. Enquanto Gur e seus anes amigos esperavam em vo do

  • lado de fora da Caverna, Kit permanecia sentado l dentro, embevecido com os feitos dos seusancestrais. Todo momento livre que seu pai tinha ia pass-lo naquele recinto. Logo que acordava Kit seprecipitava em cima do pai, depois das refeies arrastava-o da mesa e ficava acordado at hora dedormir, no parando nunca de pedir que contasse mais histrias. As histrias eram realmenteinterminveis, pois naquelas estantes estavam compiladas faanhas e proezas de quatrocentos anos,vividas por uma srie de vinte geraes de Fantasmas. E cada Fantasma tinha vivido uma vida repleta deaventuras.

    A Rainha Natlia

    A histria de um antepassado do sculo dezessete emocionou Kit. Este Fantasma decidira-se a

    libertar uma rainha de nome Natlia, que fora sequestrada pelo famigerado pirata chamado BarbaVermelha, o qual exigia um resgate pela mesma. Barba Vermelha comandava uma frota inteira de piratase governava uma cidade onde s havia piratas. Era um gigante, um mestre de esgrima e um lutadorpotente que com suas mos desarmadas podia matar gente com a mesma facilidade que com armas.Naqueles tempos conseguira a liderana dos elementos mais rudes e