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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros BARATA, RB. O que queremos dizer com desigualdades sociais em saúde?. In: Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2009. Temas em Saúde collection, pp. 11-21. ISBN 978-85-7541-391-3. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. 1. O que queremos dizer com desigualdades sociais em saúde? Rita Barradas Barata

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros BARATA, RB. O que queremos dizer com desigualdades sociais em saúde?. In: Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2009. Temas em Saúde collection, pp. 11-21. ISBN 978-85-7541-391-3. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

1. O que queremos dizer com desigualdades sociais em saúde?

Rita Barradas Barata

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o Que QueremoS Dizer com DeSiguAlDADeS SociAiS em SAúDe?

Embora a resposta pareça óbvia, na verdade, não é bem as-sim... Muitos tentam esvaziar o conteúdo político e as conotações de injustiça social e desrespeito aos direitos humanos expressos nessas desigualdades, reduzindo-os simplesmente a diferenças entre indivíduos ou grupos de indivíduos definidos segundo características biológicas.

É importante então que comecemos esclarecendo o sentido que as desigualdades sociais em saúde têm para aqueles que pro-curam compreender o processo de produção da saúde e da do-ença nas populações, sem reduzir essa compreensão apenas aos aspectos biológicos.

Podemos começar dizendo que as desigualdades sociais que nos interessam são diferenças no estado de saúde entre grupos definidos por características sociais, tais como riqueza, educação, ocupação, raça e etnia, gênero e condições do local de moradia ou trabalho.

Quando falamos em igualdade ou desigualdade, estamos comparando situações, sem necessariamente, atribuirmos um juízo de valor àquilo que é igual ou desigual. Felizmente, os indi-víduos e os grupos sociais reúnem grandes diferenças e variabi-lidade com relação a muitas características, fato que torna a vida tão interessante.

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Mas, quando falamos em desigualdade social geralmente es-tamos nos referindo a situações que implicam algum grau de injustiça, isto é, diferenças que são injustas porque estão associa-das a características sociais que sistematicamente colocam alguns grupos em desvantagem com relação à oportunidade de ser e se manter sadio.

A discussão em torno das desigualdades sociais em saúde colocou a questão do direito à saúde na pauta política em todo o mundo. Diferentes populações atribuem maior ou menor im-portância ao direito à saúde como um direito humano fundamen-tal. Como posições polares, podemos apontar, de um lado, o comportamento político da maioria dos dirigentes de países europeus, que cada vez mais concedem importância à redução das desigualdades sociais em saúde, considerando que os sistemas nacionais de saúde e outras políticas sociais devem ter como principal objetivo o alcance da equidade. De outro lado, os go-vernos norte-americanos não consideram que esta seja uma questão relevante para o Estado. Na perspectiva deles, o direito à saúde é algo intrinsecamente relacionado com as capacidades individuais, estilos de comportamento e possibilidade de pagar pelos serviços apropriados.

Aqui no Brasil, ao aprovar o capítulo sobre a saúde na Cons-tituição Federal de 1988, a população, por meio de seus repre-sentantes no Congresso, decidiu que a saúde é um direito de todos e que deve ser garantido mediante ações de política públi-ca. Fez ainda mais do que isso, definiu a saúde através de um conceito amplo, que inclui os seus principais determinantes e apontou em linhas gerais os princípios que o sistema nacional de saúde deveria ter: universalidade, integralidade e equidade.

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As desigualdades sociais em saúde não são nenhuma novida-de. Elas vêm sendo documentadas há muito tempo, principal-mente a partir do século XIX. As condições políticas e sociais que surgiram com o capitalismo, em sua fase de produção indus-trial, foram favoráveis ao tema, seja pelas péssimas condições de vida da classe trabalhadora, seja pelo ideário político associado às revoluções burguesas. A contradição entre os valores de igual-dade, fraternidade e liberdade, e a dura realidade de vida da maioria da população nos países industrializados possibilitou, aos chamados reformadores sociais, socialistas utópicos e comunistas, farto material para denunciar as injustiças sociais em vários cam-pos inclusive no da saúde.

Em todas as sociedades, as situações de risco, os comporta-mentos relacionados à saúde e o estado de saúde físico e mental tendem a variar entre os grupos sociais. Observa-se um gradien-te entre as posições sociais e os efeitos sobre a saúde. Não há um limiar a partir do qual as diferenças desaparecem.

Hoje em dia, praticamente não há quem questione a existên-cia das desigualdades sociais em saúde, entretanto, como já assi-nalamos, as divergências aparecem no momento de elaborar explicações para as diferenças encontradas.

QuAiS São AS explicAçõeS mAiS freQuenteS pArA AS DeSiguAlDADeS SociAiS em SAúDe?

Na falta de uma teoria sobre a produção da saúde e da do-ença, em âmbito populacional, tenta-se explicar as desigualdades sociais em saúde de maneira relativamente simplista. A primei-ra ideia que costuma ocorrer, quando os diferenciais em morta-lidade geral ou específica são apresentados, é que o acesso aos

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serviços de saúde é diferenciado para os vários grupos e, por-tanto, os efeitos são decorrentes de problemas na utilização dos recursos disponíveis, seja por incapacidade do indivíduo, seja por características de organização dos próprios serviços. Esta explicação é rapidamente derrubada pela constatação de que as desigualdades não desaparecem naqueles países em que existem sistemas nacionais de saúde com garantia de acesso universal para todos os grupos sociais, como ocorre em diver-sos países da Europa, no Canadá, na Austrália, dentre outros.

Nas comparações entre países, as desigualdades tendem a ser atribuídas a diferentes graus de desenvolvimento da assistência médica. Entretanto, essa explicação, ainda que possa responder por parte do perfil de mortalidade observado, não é capaz de justificar por que as desigualdades vêm aumentando ao invés de diminuírem com o passar do tempo.

A difusão de tecnologias médicas, mesmo nos países menos desenvolvidos, é considerável e com o passar do tempo deveria provocar a redução das desigualdades, e não o seu aumento. Portanto, por mais importante que o desenvolvimento técnico-científico possa ser para a recuperação da saúde, esta não parece ser a explicação mais plausível para essas desigualdades.

Para explicar as diferenças entre países e entre grupos sociais no interior dos países, há também os que utilizam a velha ideia do ciclo vicioso. Para eles, a doença é o principal determi-nante da posição social, e não ao contrário, isto é, as pessoas doentes não conseguem ter um desempenho social satisfatório e por isso encontram-se em posições desfavorecidas. Bastam alguns estudos longitudinais para derrubar essa justificativa.

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Entre aqueles que admitem a influência do contexto, ou seja, das condições de vida sobre o estado de saúde, a maioria acredi-ta que é o estilo de vida dos indivíduos o principal responsável pelas desigualdades sociais. Esta perspectiva liberal de compre-ensão do processo saúde-doença acaba por esvaziar o conteúdo social do processo, atribuindo a preferências individuais a causa das diferenças observadas. As posições da saúde pública tradi-cional e da educação sanitária são amplamente baseadas nessa crença de que os indivíduos na sociedade atual são livres para escolher a qualidade de sua moradia, suas condições de trabalho, seus comportamentos e as situações de maior ou menor risco para a saúde.

Tal crença é mais difícil de ser contestada com evidências empíricas ou argumentos teóricos, pois implica uma visão de mundo particular. Entretanto, os estudos epidemiológicos têm mostrado que os fatores de risco não conseguem explicar mais do que 25% da ocorrência dos problemas crônicos de saúde. Portanto, mesmo que o estilo de vida seja importante individualmente, dificilmente seria capaz de explicar as desi-gualdades sociais.

Mais recentemente, com os avanços científicos no campo da genética, voltaram à moda as explicações baseadas em fatores genéticos. Toda e qualquer variação na ocorrência de doenças tende a ser relacionada com um gene ou conjunto de genes que acabam de ser ‘descobertos’. Como essa explicação corresponde a ‘má genética’, isto é, a uma interpretação mecanicista da própria atuação dos determinantes genéticos, não cremos que seja ne-cessário perder muito tempo para refutá-la.

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Assim, fica clara a necessidade de possuir teorias ao invés de simples explicações para compreender as desigualdades sociais em saúde. Teorias que possibilitem compreender não apenas a distribuição da doença, mas principalmente seu processo de produção em diferentes contextos sociais.

QuAiS São AS teoriAS DiSponíveiS pArA entenDermoS AS DeSiguAlDADeS SociAiS em SAúDe?

Podemos identificar quatro teorias principais que pretendem fornecer elementos para a compreensão do processo de produção da saúde e da doença e seus reflexos sobre a distribuição do es-tado de saúde na população.

A teoria mais antiga e mais facilmente aceita é a estrutura-lista ou materialista, que confere maior importância à estrutura econômica da sociedade. De acordo com este modelo, o mon-tante de renda ou riqueza dos países, grupos sociais ou indiví-duos é o principal determinante do estado de saúde A falta ou insuficiência dos recursos materiais para enfrentar de modo adequado os estressores ao longo da vida acaba por produzir a doença e diminuir a saúde.

A teoria estruturalista é capaz de explicar grande parte das desigualdades, mas tropeça diante do paradoxo de que nem sem-pre a riqueza de um país vem acompanhada de melhor nível de saúde, principalmente nos países cujas populações têm as suas necessidades básicas atendidas.

Uma outra teoria desenvolvida para enfrentar o paradoxo entre riqueza e nível de saúde é a psicossocial. Ela dá mais im-portância à percepção da desvantagem social como fonte de

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estresse e desencadeador de doenças. Nos países e grupos sociais em que as necessidades básicas estão atendidas, as diferenças relativas na posse de bens e nas posições de prestígio e poder passam a ser mais relevantes para a produção e distribuição das doenças do que simplesmente o nível de riqueza material.

Não há contradição insolúvel entre essas duas teorias, o que as diferencia fundamentalmente é o enfoque baseado na ideia de privação absoluta ou relativa. No primeiro caso, a falta total de condições para fazer face às necessidades básicas apresenta-se como principal determinante do estado de saúde. Esta situação pode ser exemplificada pela comparação entre a esperança de vida ao nascer e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos países. As duas variáveis são diretamente correlacionadas e esta relação é forte. Por exemplo, a esperança de vida na Suécia, país que têm um PIB per capita de 42 mil dólares, é de 80 anos, en-quanto em Angola, cujo PIB per capita é de 2.800 dólares, a es-perança de vida ao nascer é de 40 anos.

No segundo caso, predomina a privação relativa, ou seja, uma vez ultrapassado o limiar de atendimento das necessidades básicas, as diferenças relativas entre os grupos sociais no interior de cada população passam a ser um determinante fundamental, com os países mais igualitários desfrutando de melhores níveis de saúde do que aqueles onde existe maior desigualdade. Como exemplo, podemos citar a comparação entre Cuba e os Estados Unidos. Cuba tem PIB per capita dez vezes menor que os Esta-dos Unidos (4.650 e 43.562 dólares respectivamente) e apresen-ta a mesma esperança de vida: 77 anos.

Esses dados poderiam nos fazer pensar que a partir de um certo limiar de PIB per capita a esperança de vida tenderia a ser

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alta e semelhante entre os países, mas não é o que ocorre. A África do Sul, por exemplo, tem PIB per capita maior do que Cuba (5.133 dólares) e esperança de vida muito menor (49 anos), re-fletindo as profundas desigualdades sociais que marcaram a história desse país e que ainda não deixaram de agir sobre o nível de saúde da população.

Na América Latina a discussão sobre as desigualdades sociais vem sendo feita principalmente à luz da teoria da determinação social do processo saúde-doença. Essa teoria analisa a consti-tuição do próprio sistema capitalista de produção e suas formas particulares de expressão nas diferentes sociedades, dando maior ênfase aos mecanismos de acumulação do capital e à distribui-ção de poder, prestígio e bens materiais deles decorrentes. A posição de classe e a reprodução social passam a ser vistas como os principais determinantes do perfil da saúde e doença.

Nessa abordagem o problema deixa de ser tratado como uma questão de pobreza absoluta ou relativa e passa a ser visto da perspectiva da inclusão ou exclusão social. Os impactos da es-trutura social sobre a saúde são pensados nos processos de participação ou exclusão, associados às diferentes posições so-ciais e sujeitos a transformações em função do próprio proces-so histórico.

A versão brasileira da teoria da determinação social do pro-cesso saúde-doença dá maior ênfase explicativa ao modo de vida, considerando que nele estão englobados tanto os aspectos ma-teriais quanto os aspectos simbólicos que refletem as caracterís-ticas sociais de produção, distribuição e consumo, às quais cada grupo social está relacionado através do modo de vida. Ao mes-mo tempo que busca articular as diferentes esferas da organização

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social, o conceito de modo de vida reúne em um mesmo marco teórico as condições coletivas dos grupos e os comportamentos dos indivíduos que compõem esses grupos.

Finalmente a teoria ecossocial chama a atenção para proces-sos de incorporação, no sentido forte do termo, pelos organis-mos humanos, dos aspectos sociais e psíquicos predominantes no contexto nos quais os indivíduos vivem e trabalham. Nessa teoria, procura-se romper com uma visão linear que articula processos distais, intermediários e proximais, substituindo-a por uma concepção complexa de que cada um dos aspectos se manifesta e se reproduz em cada um dos níveis de organização dos seres vivos, caracterizando, assim, a incorporação das dife-rentes instâncias pelos organismos. Em outras palavras, a teoria ecossocial considera impossível a separação entre o biológico, o social e o psíquico.

As quatro teorias apresentadas compreendem o processo saúde-doença como intrinsecamente histórico, isto é, determina-do pelas condições estruturais e conjunturais em que vivem as populações humanas. Do mesmo modo como os homens cons-troem sua vida material e não material, eles também produzem as doenças das quais irão padecer, bem como os instrumentos e as organizações sociais para combatê-las.

A teoria ecossocial e a teoria do modo de vida representam o esforço de articular as três anteriores – estruturalista, psicos-social e determinação social – considerando os padrões de saúde e doença como as consequências biológicas dos modos de vida e trabalho próprios de cada grupo social, determinados pela or-ganização econômica e pelas prioridades políticas da sociedade. As relações econômicas, sociais e políticas afetam a forma como

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as pessoas vivem e seu contexto ecológico e, desse modo, acabam por moldar os padrões de distribuição das doenças.

Compreender as desigualdades sociais, portanto, vai muito além da simplificação habitual presente nas dicotomias ‘doenças de pobre’ vs ‘doenças de rico’ ou ‘doenças sociais’ vs ‘doenças biológicas’. Toda e qualquer doença e sua distribuição popula-cional são produtos da organização social, não tendo sentido falar, portanto, em doenças sociais e doenças não sociais.

As desigualdades sociais em saúde podem manifestar-se de maneira diversa no que diz respeito ao processo saúde-doença em si, bem como ao acesso e utilização de serviços de saúde. As desigualdades no estado de saúde estão de modo geral fortemen-te atreladas à organização social e tendem a refletir o grau de iniquidade existente em cada sociedade. O acesso e a utilização dos serviços refletem também essas diferenças, mas podem as-sumir feições diversas, dependendo da forma de organização dos sistemas de saúde. Há sistemas que potencializam as desigualda-des existentes na organização social e outros que procuram compensar, pelo menos em parte, os resultados danosos da or-ganização social sobre os grupos socialmente mais vulneráveis. Voltaremos a tratar desse tema ao final, quando abordarmos as políticas de enfrentamento das desigualdades sociais.

A equidade na oferta de serviços de saúde implica a ausência de diferenças para necessidades de saúde iguais (equidade hori-zontal) e a provisão de serviços prioritariamente para grupos com maiores necessidades (equidade vertical). Trocando em miúdos, isso significa que todos devem ter acesso e utilizar os serviços indispensáveis para resolver as suas demandas de saúde, indepen-dentemente do grupo social ao qual pertençam, e aqueles que

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apresentam maior vulnerabilidade em decorrência da sua posição social devem ser tratados de maneira diferente para que a des-vantagem inicial possa ser reduzida ou anulada.

Há diferentes eixos de análise possíveis no estudo das desi-gualdades sociais em ambas as dimensões assinaladas. Neste livro daremos maior destaque à análise e discussão das desigualdades em saúde relacionadas com a posição de classe social, a renda, o gênero e a etnia.

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