1. Aspectos constitucionais do tema - mpgo.mp.br · Ambiental Constitucional, p.36. 7 AKAOUI, ......

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A delimitação e a proteção das áreas de preservação permanente e seus reflexos no parcelamento do solo urbano Rochelle Jelinek 1 1. Aspectos constitucionais do tema Nenhum tema no âmbito jurídico pode ser analisado dissociado da constitucionalidade. O ordenamento jurídico é composto por um conglomerado de normas que se interligam hierarquicamente, tal qual uma pirâmide. A Constituição Federal se localiza no topo da pirâmide, irradiando sua supremacia de modo a sujeitar as normas infraconstitucionais aos seus princípios e comandos, sejam elas de ordem civil, urbanística, administrativa, ambiental, penal, de natureza pública ou privada. Uma vez estando no sistema jurídico vigente, as normas relativas a todos os ramos jurídicos – assim também as urbanísticas – não podem ser aplicadas sem levar em conta as normas ambientais impregnadas pela ideologia constitucional 2 . 1 Promotora de Justiça-Ministério Público do RS, Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do RS-UFRGS, Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do RS-PUC/RS. 2 Paulo José Leite Farias refere que a ideologia adotada na Constituição Federal de 1988 permite que se fale em Estado de Direito Ambiental, o que impregna todas as normas que se relacionam com o vasto leque do domínio normativo da expressão “ambiente”. FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental, p.226. Além da consagração da necessidade de preservação ambiental no texto constitucional, com advento da Lei n.° 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que regulamentou os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, a temática ambiental tornou-se obrigatória na fixação das exigências fundamentais de ordenação da cidade. A título exemplificativo, tomemos as seguintes diretrizes gerais mencionadas no estatuto: suas normas, de ordem pública e interesse social, regulam o uso da propriedade urbana em prol do equilíbrio ambiental (art. 1 o , par. único); a política urbana deve garantir o direito a cidades sustentáveis, que pressupõe o saneamento ambiental (art. 2 o , inc. I); o planejamento urbano deve evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 2 o , inc.IV); a política urbana deve promover a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, inclusive o cultural (art. 2 o , inc. XII); a política urbana deve ouvir a população nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído (art. 2 o , inc. XIII); na regularização fundiária e urbanização de favelas, a política urbana deverá considerar as normas ambientais (art. 2 o , inc. XIV); a ordenação do solo das cidades deve coibir o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana, e evitar a poluição e a degradação ambiental (art. 2 o , inc. VI, ‘c’ e ‘g’). Diante das diretrizes para a política urbana estabelecidas no Estatuto da Cidade, não se pode vislumbrar uma aplicação estrita das leis de parcelamento do solo urbano, sem estarem em consonância com a legislação de tutela ao meio ambiente.

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A delimitação e a proteção das áreas de preservação permanente e seus reflexos no parcelamento do solo urbano

Rochelle Jelinek1

1. Aspectos constitucionais do tema

Nenhum tema no âmbito jurídico pode ser analisado dissociado da

constitucionalidade. O ordenamento jurídico é composto por um conglomerado de

normas que se interligam hierarquicamente, tal qual uma pirâmide. A Constituição

Federal se localiza no topo da pirâmide, irradiando sua supremacia de modo a

sujeitar as normas infraconstitucionais aos seus princípios e comandos, sejam

elas de ordem civil, urbanística, administrativa, ambiental, penal, de natureza

pública ou privada.

Uma vez estando no sistema jurídico vigente, as normas relativas a todos

os ramos jurídicos – assim também as urbanísticas – não podem ser aplicadas

sem levar em conta as normas ambientais impregnadas pela ideologia

constitucional2.

1 Promotora de Justiça-Ministério Público do RS, Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do RS-UFRGS, Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do RS-PUC/RS. 2 Paulo José Leite Farias refere que a ideologia adotada na Constituição Federal de 1988 permite que se fale em Estado de Direito Ambiental, o que impregna todas as normas que se relacionam com o vasto leque do domínio normativo da expressão “ambiente”. FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental, p.226. Além da consagração da necessidade de preservação ambiental no texto constitucional, com advento da Lei n.° 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que regulamentou os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, a temática ambiental tornou-se obrigatória na fixação das exigências fundamentais de ordenação da cidade. A título exemplificativo, tomemos as seguintes diretrizes gerais mencionadas no estatuto: suas normas, de ordem pública e interesse social, regulam o uso da propriedade urbana em prol do equilíbrio ambiental (art. 1o, par. único); a política urbana deve garantir o direito a cidades sustentáveis, que pressupõe o saneamento ambiental (art. 2o, inc. I); o planejamento urbano deve evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 2o, inc.IV); a política urbana deve promover a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, inclusive o cultural (art. 2o, inc. XII); a política urbana deve ouvir a população nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído (art. 2o, inc. XIII); na regularização fundiária e urbanização de favelas, a política urbana deverá considerar as normas ambientais (art. 2o, inc. XIV); a ordenação do solo das cidades deve coibir o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana, e evitar a poluição e a degradação ambiental (art. 2o, inc. VI, ‘c’ e ‘g’). Diante das diretrizes para a política urbana estabelecidas no Estatuto da Cidade, não se pode vislumbrar uma aplicação estrita das leis de parcelamento do solo urbano, sem estarem em consonância com a legislação de tutela ao meio ambiente.

1.1. Princípios constitucionais de proteção do ambiente

Até a promulgação da Constituição Federal vigente, em 1998, a Lei Maior

não se referia à tutela do meio ambiente. A nova ordem constitucional consagrou

a proteção ambiental em dispositivos esparsos3 e em capítulo específico intitulado

Do Meio Ambiente4.

Do estudo sistêmico das normas constitucionais extraem-se os princípios

relativos ao meio ambiente – natural, urbano, cultural –, que, por estarem

inseridos na Carta Magna, servirão de diretrizes a todo o ordenamento jurídico: os

princípios da supremacia do interesse público na proteção do ambiente em face

dos interesses privados, do direito humano fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, da obrigatoriedade da intervenção estatal para

preservação e recuperação do ambiente, da prevenção, da precaução, da

proteção da biodiversidade, da responsabilização pelo dano ambiental, do

desenvolvimento sustentável.

Os princípios constitucionais são verdadeiros vetores reguladores da

legislação, o que faz ressaltar que a violação de um princípio acarreta a quebra

de todo o ordenamento jurídico vigente5.

1.1.1. Princípio do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado O termo direito fundamental se aplica àqueles direitos do ser humano

reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional.

A Constituição Federal de 1988 elevou o direito ao meio ambiente

equilibrado à categoria de direito fundamental, ao caracterizar o equilíbrio

ecológico como bem essencial à sadia qualidade de vida. Ingo Starlet aduz que

esse direito não está elencado no rol dos direitos fundamentais individuais do art.

3 Arts. 5°, LXXIII, 170, VI, 173, §5°, da CF. 4 Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletiviade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 5 “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. (...) É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidae conforme o escalão do princípios atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumália irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 546.

5° da CF, e sim no art. 225, por tratar-se de um direito fundamental definido como

típico direito difuso, inobstante também tenha por objetivo o resguardo de uma

existência digna do ser humano, na sua dimensão individual e social. Este direito

integra a terceira geração de direitos fundamentais, cuja nota distintiva reside

basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável

e na necessidade de solidariedade para sua efetivação6.

Como norma de caráter teleológico, o art. 225 da Constituição Federal

impõe uma orientação de todo o ordenamento infraconstitucional, ficando

patenteado o reconhecimento do direito-dever ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, a obrigação dos Poderes Públicos e da coletividade de defendê-lo e

preservá-lo e a previsão de sanções para as condutas ou atividades lesivas. A

preservação do ambiente passa a ser, portanto, a base em que se assenta a

política econômica e social do país.

Fernando Reverendo Vidal Akaoui7 assevera que a ordem constitucional

recepcionou o conceito de meio ambiente previsto no art. 3°, inc. I, da Lei Federal

n.° 6.938/81, amplo o suficiente para abarcar todos os interesses de natureza

ambiental – meio ambiente natural, urbano, cultural, artificial e do trabalho:

Art. 3° - omissis I – meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

Nesse contexto, o desenvolvimento das cidades e o adensamento

demográfico não podem descuidar da necessidade de preservação ambiental –

aqui compreedida toda a extensão do conceito de meio ambiente –, para garantir

sadia qualidade de vida à população.

1.1.2. Princípio do desenvolvimento econômico sustentável

6 STARLET, Ingo Wolfang. A eficácia dos direitos fundamentais, p.31, 51 e 123. Também no sentido de que o art. 225 da CF acolhe um direito fundamental: BENJAMIN, Antônio Hermann. Responsabilidade civil pelo dano ambiental, p.12. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental, p. 22. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional, p.36. 7 AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental, p. 24.

O princípio do desenvolvimento sustentável está agasalhado pelo art.

225, caput, da Constituição Federal, donde se extrai que o desenvolvimento pode

e deve se dar, desde que haja uma gestão racional dos recursos naturais de

modo a não comprometê-los, preservando-os para as gerações presentes e

futuras8.

De acordo com a diretriz imposta pela Carta Magna, o Estado, a

sociedade, o particular – empresa ou indivíduo –, enfim, quem de qualquer

maneira pretenda empreender, deve promover, sempre, uma avaliação da

dicotomia dano/benefício, para que sejam evitados impactos ambientais que

prejudiquem o ecossistema e, por conseqüência, a qualidade de vida da

população9.

8 O desenvolvimento sustentável foi divulgado primeiramente como um princípio para o planejamento do desenvolvimento econômico pela WCED (World Commission on Environment and Development), em documento sobre estratégias mundiais do desenvolvimento para conservação do ambiente, tendo três grandes objetivos: a manutenção dos processos ecológicos e dos sistemas vitais para a humanidade, a preservação da biodiversidade e a garantia do uso sustentável das espécies e dos ecossistemas. No relatório Nosso Futuro Comum, que ficou conhecido como Relatório ou Informe Brundtland – um estudo de alternativas para o desenvolvimento e o meio ambiente, elaborado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, presidida pela ex-primeira ministra da Noruega (cujo nome foi adotado como título do relatório) –, encontra-se a seguinte definição: “o desenvolvimento sustentável pretende satisfazer as necessidades do presente sem comprometer os recursos equivalentes de que farão uso no futuro outras gerações”. In: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. Os criadores da expressão desenvolvimento sustentável partem da constatação de que os recursos naturais são esgotáveis, mas que o crescimento constante da economia é necessário para expandir-se o bem-estar pelo mundo. As raízes da expressão desenvolvimento sustentável estão na constatação da impossibilidade de continuidade do desenvolvimento econômico nos moldes até então apreendidos, por causarem um acelerado e, muitas vezes, irreversível declínio dos recursos naturais. Considerando que sustentabilidade é condição necessária para o desenvolvimento econômico, o capital natural deve, no mínimo, ser mantido constante enquanto a economia possa cumprir os objetivos da satisfação social. Desenvolvimento sustentável implica, então, no ideal de um desenvolvimento harmônico da economia e ecologia que devem ser ajustados numa correlação de valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na tentativa de conciliar a limitação dos recursos naturais com o limitado crescimento econômico, são condicionadas à consecução do desenvolvimento sustentável mudanças no estado da técnica e na organização social. Durante os anos 70, frações do pensamento ecológico defendiam a adoção de uma austeridade voluntária nos níveis de consumo, como forma de conter a insaciabilidade das necessidades individuais nas sociedades modernas. A idéia de se consumir menos e melhor não obteve ressonância, mesmo referenciada ou complementada por um significativo conjunto de estudos críticos sobre o consumo. A proposta de auto-limitação soa como uma penúria forçada ou uma privação das liberdades individuais. Não parece haver hoje disposição para uma vida mais moderada. Contribui também para esse insucesso o fato de que, nas sociedades modernas, as pessoas já não definem livremente suas necessidades, havendo interferências ou pressões de várias ordens, como a propaganda, a vigência de certos padrões de consumo e comportamento, etc. A expansão de um modelo de desenvolvimento mundial reforça a pressão sobre os recursos naturais. Estamos muito longe de nos preocuparmos apenas com o comer, o vestir e o ter onde morar, embora milhões de indivíduos nem isso tenham assegurado. Nesse contexto social, a idéia de desenvolvimento sustentável procura ajustar a prática econômica mundial de desenvolvimento econômico com o uso equilibrado dos recursos naturais. 9 RIBEIRO, Ana Cândida de Paula; CAMPOS, Arruda. O desenvolvimento sustentável como diretriz da atividade econômica, p. 81.

O desenvolvimento econômico do Estado Brasileiro subentende um

aquecimento da atividade econômica dentro de uma política de uso sustentável

dos recursos naturais, objetivando um aumento de qualidade de vida que não se

reduz somente a um aumento do poder de consumo. Desenvolvimento econômico

é garantia de condições de vida mais saudáveis.

O grau de desenvolvimento de um país é aferido sobretudo pelas

condições de que dispõe uma população para o seu bem-estar, o que pressupõe

um meio ambiente saudável e equilibrado10.

No dizer de Édis Milaré, é falso o dilema desenvolvimento ou meio

ambiente, na medida em que, sendo um fonte de recursos para o outro, devem

harmonizar-se e complementar-se11. Nessa linha, uma política de gestão urbana e

ambiental pode permitir o desenvolvimento ecologicamente correto, ou, pelo

menos, sem comprometer os recursos naturais necessários para esta e para as

próximas gerações.

As discussões mundiais acerca do desenvolvimento sustentável fizeram

desencadear a discussão das atividades e empreendimentos que causam

impacto ambiental e precisavam ser avaliadas, controladas, mitigadas,

compensadas e monitoradas, a fim de que a qualidade de vida no meio ambiente

urbano possa melhorar. Assim é que passaram a ter maior relevância as

ocupações desordenadas do solo e os problemas urbanos passaram a ser vistos

como problemas ambientais12. Inserido nesta discussão está o parcelamento do

solo em áreas urbanas, porquanto o desenvolvimento urbano sustentável das

cidades deve, necessariamente, respeitar os limites ecológicos do meio.

1.1.3. Princípios da ordem econômica

10 Roberto Giansanti esclarece a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento econômico: “O crescimento econômico remete ao aumento da capacidade produtiva de economia, portanto da produção de bens e serviços de um determinado país ou setor.Vincula-se fundamentalmente ao campo econômico. Já o desenvolvimento econômico leva em conta os fatores de crescimento econômico acompanhados pela melhoria dos padrões de vida de uma população. Nessa expectativa, consideram-se também as repercussões sociais desse processo, como urbanização, saneamento, alfabetização e meio ambiente sadio”. In: GIANSANTI, Roberto. O desafio do desenvolvimento sustentável. 11 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, p.36. 12 PRESTES, Vanêsca Buzelato. A necessidade de compatibilização das licenças ambiental e urbanística no processo da municipalização do licenciamento ambiental, p.91.

A ordem econômica brasileira adota o modelo capitalista e dentre os

princípios que a informam, arrolados no art. 170 da Constituição Federal, figuram

o da propriedade privada (inc. II) e da livre concorrência (inc. IV), reforçados pelo

princípio da livre exploração econômica, inserido no par. único do mencionado

artigo, que diz que a todos é livre o exercício de qualquer atividade econômica,

independente de autorização dos órgãos públicos, salvo os casos expressos em

lei. É o regime, pois, da livre empresa, pelo qual a cada um é dado lançar-se na

atividade econômica por sua conta e risco e as leis que presidem a atividade são

as de mercado. Mas este sistema econômico é complexo, porque nele intervêm

não só disposições com a produção, circulação e consumo de bens, mas também

princípios e normas retratadoras de realidades atinentes a outros planos, como

defesa do meio ambiente (inc. VI do art. 170) e redução das desigualdades

regionais e sociais (inc. VII).

Estando no mesmo plano os princípios do meio ambiente ecologicamente

equilibrado e os princípios da ordem econômica, devem ser integrados num

horizonte plural, porque, como adverte Eros Roberto Grau, “não se interpreta a

Constituição em tiras, aos pedaços”13. O ordenamento jurídico deve ser sempre

compreendido em seu conjunto e não por cada norma ou preceito isoladamente.

É na esteira desse entendimento que se nota o inter-relacionamento do art. 225

(que trata do meio ambiente) com o art. 170 (que trata da ordem econômica) e o

art. 193 (referente à ordem social), em conformidade com os princípios

fundamentais inscritos nos arts. 1o e 3o, todos da Constituição Federal14.

13 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1998, p. 189-190. 14 Art. 1o – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Art. 3o – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdade sociais e regionais; IV – - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada;

Como bem preleciona Cristiane Derani15, o capítulo do meio ambiente da

Constituição Brasileira trata de um fator básico da produção: fator natureza. Ao

mesmo tempo, dispõe sobre sua proteção e limites de sua apropriação. Seu

objetivo não difere, fundamentalmente, daquele previsto no art. 170, pois o direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de

vida, é um dos elementos que compõe a dignidade da existência, princípio-

essência apresentado no art. 170.

Uma vez que o desenvolvimento econômico previsto pela norma

constitucional deve incluir o uso sustentável dos recursos naturais (corolário do

princípio da defesa do meio ambiente, art. 170, VI; bem como dedutível da norma

expressa do art. 225, IV), é impossível propugnar-se por uma política unicamente

monetarista e desenvolvimentista sem que isso venha a colidir com os princípios

constitucionais que regem a ordem econômica e os que dispõem sobre a defesa

do meio ambiente.

O uso sustentável de recursos naturais renováveis e o tratamento

adequado de recursos naturais não renováveis voltados à efetiva melhoria de vida

da população são exemplos de indicadores que contribuem à aferição do

desenvolvimento propugnado pela ordem econômica constitucionalmente

assegurada. Ivan Lira de Carvalho diz, com propriedade, que “assim

comprometida com a existência digna das pessoas, não pode a ordem

constitucional conduzir a atividade produtiva para caminhos que impliquem

diminuição da qualidade de vida da população, por meio de práticas poluidoras ou

agressoras do meio ambiente, por exemplo”16.

Cuida a ordem econômica constitucional da manutenção do equilíbrio

global da economia. Havendo perturbação nesse equilíbrio, deve intervir o Estado

– impondo as correções necessárias – dentro de um direcionamento global,

III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII- busca do pleno emprego; Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. 15 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, p. 252.

mesmo que para isso os princípios da livre iniciativa e concorrência acabem

sendo relativizados.

Em seus comentários acerca da intervenção do estado no domínio

econômico, assinala Hely Lopes Meirelles17 que os estados sociais-liberais, como

o nosso, conquanto reconheçam e assegurem a propriedade privada, a liberdade

e a livre iniciativa, condicionam o uso destas e o exercício da atividade econômica

ao bem-estar social. Para o uso e gozo de bens particulares, o Poder Público

impõe normas e limites, e, quando o interesse público o exige, intervém na

propriedade privada e na ordem econômica, através de atos de império tendentes

a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa

particular. Na ordem econômica, o Estado intervém para coibir excessos da

iniciativa privada e evitar que desatenda às suas finalidades, ou para realizar o

desenvolvimento nacional e a justiça social. Essa intervenção, contudo, não se

faz arbitrariamente; é instituída por normas gerais na Constituição e regulada por

leis federais que disciplinam as medidas interventivas e estabelecem o modo e a

forma e sua execução, sempre condicionada ao atendimento do interesse público

e ao respeito aos direitos garantidos pela Constituição. Esse condicionamento da

liberdade e da propriedade dos administrados aos interesses públicos e sociais é

alcançado via poder de polícia estatal. A intervenção estatal, portanto, não destrói

a liberdade da exploração econômica, mas proíbe ou regulamenta os usos e

abusos que a deturpam, de modo a assegurar os demais direito

constitucionalmente protegidos.

O conteúdo dos princípios da ordem econômica inscritos no art. 170 da

CF e a sua verificação na realidade revelam-se basilares para a consecução do

valor máximo da ordem econômica: assegurar a todos a existência digna –

princípio fundamental do Estado Brasileiro. É de se destacar que os princípios-

base do direito à propriedade, da função social da propriedade e da livre iniciativa,

desdobram-se também como direitos fundamentais, do mesmo modo que o

princípio da defesa do meio ambiente está inserido no direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado. Tais princípios só se podem realizar dentro da

conformidade com os preceitos fundamentais da CF se estiverem dentro de uma

perspectiva de realização do princípio da dignidade humana.

16 CARVALHO, Ivan Lira de. A empresa e o meio ambiente.

No contexto de idéias expendidas, pode-se afirmar a compatibilidade

entre a imposição de correção de externalidades negativas e os princípios

constitucionais da ordem econômica. O art. 170 da CF impõe a quem procede à

exploração de atividade econômica o dever de exercer o seu direito de liberdade,

livre iniciativa e livre concorrência em conformidade com a preservação da

qualidade ambiental; se não o fizer, o seu direito será ilegítimo. Para que se

proceda à exploração de atividade ou empreendimento, deve-se respeitar as

normas constitucionais e infraconstitucionais. É livre a iniciativa, mas, para isto,

deve-se cumprir com as obrigações e restrições administrativas pertinentes à área

de atuação. Deixando de fazê-lo, aquele que exerce atividade econômica sem

prevenir o meio ambiente dos riscos que a atividade impõe, deve sofrer a

imposição de correção pelos órgãos competentes. O não-atendimento das

normas e princípios pelo explorador da atividade ou empreendimento afasta o

pretendido direito líquido e certo de continuá-los sem as providências que forem

determinadas pelas autoridades responsáveis pelo controle da degradação

ambiental.

Na hipótese, por exemplo, de a implementação de um loteamento causar

degradação ambiental ao destruir área de preservação permanente, lançar

efluentes líquidos ou depositar resíduos sólidos irregularmente, devem os órgãos

competentes exigir a correção dessas externalidades negativas. Não haveria,

destarte, violação dos princípios da liberdade, da propriedade, da livre iniciativa

ou da livre concorrência, mas sim uma imposição de correção de externalidade

negativa visando a assegurar os princípios da dignidade humana e do bem

comum, compatibilizando os princípios fundamentais previstos nos arts. 1o, 3o, 5o,

170 e 225 da CF e permitindo a continuidade do empreendimento dentro da

perspectiva de sustentabilidade do desenvolvimento.

O desenvolvimento econômico, fundado na liberdade e na livre iniciativa,

deve ocorrer tendo como fundamentos a sustentabilidade das cidades, a proteção

do meio ambiente, o bem comum e a dignidade humana, respeitando as normas e

princípios constitucionais e infraconstitucionais. O Estado, por seu turno, como

agente regulador e normatizador de todo o sistema econômico, e que tem como

um de seus objetivos a proteção do meio ambiente, deve atuar na defesa dos

17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 1994, p. 494, 555-596.

interesses coletivos para promover a dignidade humana e o bem estar social,

podendo, para tanto, condicionar e regulamentar o exercício de atividades e

empreendimentos particulares que afetem a comunidade, corrigindo as

externalidades negativas.

1.1.4. Princípio da função sócio-ambiental da propriedade

O texto constitucional positivou a união indissociável entre o direito de

propriedade e a sua função sócio-ambiental. Ao arrolar o direito de propriedade

dentre os direitos e garantias individuais fundamentais, logo em seguida agrega a

função social (art. 5°, inc. XXII e XXIII18). Também quando trata da ordem

econômica e elege seus princípios, destaca a propriedade privada e,

sucessivamente, a função social da propriedade e, para não deixar dúvidas,

coloca a defesa do meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica

(art. 170, inc. II, III e VI19).

O que se agregou ao direito de propriedade – antes delineado sob um

prisma estritamente privatista – foi o dever jurídico de agir em vista do interesse

coletivo, ou seja, o direito subjetivo do proprietário privado foi submetido ao

interesse comum, imprimindo-lhe o exercício de uma função social, voltada ao

interesse coletivo20.

O conceito de propriedade contemporânea tende a traduzir um direito

cujo exercício apresenta interesse público relevante21. Compreende em seu

18 Art. 5° - (...) XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá à sua função social; 19 Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II – a propriedade privada; III – função social da propriedade; VI – a defesa do meio ambiente; 20 Para Hely Lopes Meirelles, “a função social da propriedade não elimina o direito subjetivo do indivíduo, mas procura conciliar o seu interesse com as necessidades da sociedade”. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Urbanístico – Competências legislativas, p. 101. 21 Diante dos novos contornos da propriedade, José Marcelo Ferreira Costa aduz que o direito de propriedade está no campo do Direito Público, pois o regime que lhe é aplicado está traçado na Constituição Federal. Ao Direito Civil cabe tão-somente o disciplinamento das relações intersubjetivas entre particulares a respeito da propriedade. In: COSTA, José Marcelo Ferreira. Licenças urbanísticas, p. 55-56. No mesmo sentido: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Novos aspectos da função social da propriedade no Direito Público, p.39-45. Também: DALLARI, Adilson Abreu. Emancipação do Direito Público no Brasil. In: ROCHA,

conteúdo e alcance, além do tradicional direito de uso, gozo e disposição por

parte de seu titular, a obrigatoriedade do atendimento de sua função sócio-

ambiental, cuja definição é inseparável do requisito obrigatório do uso racional da

propriedade e dos recursos ambientais que lhe são integrantes.

Nessa ótica, não pode o proprietário utilizar sua propriedade de forma a

colocar em risco o equilíbrio ecológico, cuja titularidade é difusa. Mas não só isso.

A expressão função sócio-ambiental passa por uma idéia operacional, impondo

ao proprietário não somente condutas negativas (ex: não poluir), mas também

positivas (ex: obrigação de recompor a mata ciliar e remediar área degradada

pelo depósito de resíduos). Alinhado com esta idéia, Álvaro Luiz Valery Mirra

refere que a função sócio-ambiental não constitui um simples limite ao exercício

do direito de propriedade, pelo qual o proprietário pode fazer tudo aquilo que não

prejudique a coletividade e o meio ambiente. A função sócio-ambiental vai mais

além e autoriza que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no

exercício do seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adeque à

preservação do meio ambiente22. Antônio Hermann Benjamin, com a propriedade

que lhe é peculiar, esclarece que, num primeiro momento, ainda sob forte

influência da concepção individualista ultrapassada, defendeu-se que a função

social da propriedade operava somente através de imposições negativas (não

fazer). Posteriormente, percebeu-se que o instituto atua principalmente pela via

de prestações positivas a cargo do proprietário. A função social mais que aceita,

requer a promulgação de regras impositivas, que estabeleçam para o proprietário

obrigações de agir, na forma de comportamentos ativos na direção do proveito

social. Refere, ainda, que é indubitável a relação existente entre tutela ambiental

e direito de propriedade: “os problemas ambientais de hoje são conseqüência, em

grande medida, da utilização (ou má utilização), no passado, do direito de

Carmem Lúcia Antunes (coord.). Perspectivas do Direito Público – Estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p.101. 22 MIRRA, Álvaro Valery. Princípios fundamentais do Direito Ambiental. Fernando Reverendo Vidal Akaoui anota que “não basta que haja abstenção de condutas antisociais para que esteja o proprietário cumprindo a função social da propriedade, devendo ele, quando necessário, praticar condutas comissivas”. In: AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento ambiental, p. 30-31. Selando a idéia, Annelise Monteiro Steigleder assevera que ao titular da propriedade é atribuída verdadeira função ambiental, consistente na preservação dos recursos naturais, garantindo a preservação de danos ambientais e o desenvolvimento sutentável, sendo plenamente legítimas as restrições impostas pela ordem pública, bem como as obrigações positivas para que o imóvel se adeque à preservação do ambiente. In: STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Função sócio-ambiental da propriedade. Disponível em:

propriedade, tendência essa que alcança patamares inimagináveis (...). No âmbito

do sistema jurídico, por conseguinte, observa-se uma irrefutável ligação umbilical

entre o tratamento dado à propriedade, enquanto instituto de direito, e aquele que

orienta a solução dos chamados conflitos ambientais”23.

Essa concepção solidária da propriedade, que se opõe à propriedade

individualista, foi incorporada no texto do Novo Código Civil, cujo art. 1228, §1°,

determina que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as

finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados a flora, a

fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico, o patrimônio ecológico, histórico

ou artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas, de acordo com o

estabelecido em lei especial.

A concretização dessa nova visão sobre a propriedade é sempre

dificultada pelas constantes controvérsias entre o anseio pelo uso (tantas vezes

nocivo ou abusivo) da propriedade e a proteção ambiental. Concretizá-la

efetivamente é, ainda, tarefa em construção. Nessa ótica, este trabalho pretende

indicar diretrizes para compatibilização entre as normas de ordem urbanística e

de tutela ambiental aplicáveis aos empreendimentos de parcelamento do solo

urbano ou a regularização dos parcelamentos já existente de fato, tendo em vista

a função sócio-ambiental da propriedade, o desenvolvimento sustentável das

cidades e uma qualidade de vida mais saudável para a população.

1.2. Competências constitucionais em matérias urbanística e ambiental Os entes político-federativos possuem um âmbito de competências

legislativa e material em matérias ambiental e de ordenamento urbanístico

delineado no texto da Constituição Federal.

Examina-se, primeiro, a competência legislativa.

O art. 21 da CF, nos inc. IX e XX, fixa a competência da União para

elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenção do território e de

http://www.mp.rs.gov.br/hmpage/homepage2.nsf/pages/cma_flora2. Acesso em 18 de setembro de 2004. Na mesma linha: GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 111. 23 BENJAMIN, Antônio Hermann. Reflexões sobre a hipertrofia do direito de propriedade na tutela da reserva legal e das áreas de preservação permanente, p. 14.

desenvolvimento econômico social e para instituir diretrizes24 para o

desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes

urbanos.

O art. 24, inc. I, por seu turno, fixa a competência da União e dos Estados

para legislarem concorrentemente sobre direito urbanístico (inc. I), conservação

da natureza, defesa do solo e recursos naturais, proteção do meio ambiente e

contrle da poluição (inc. VI), proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico,

turístico e paisagístico (inc. VII), responsabilidade por danos ao meio ambiente

(inc. VIII). Nestes casos, a União Federal limitar-se-á ao estabelecimento de

normas gerais25 (§1°), cabendo aos Estados exercerem competência suplementar

(§2°). Na falta de legislação federal, os Estados têm competência legislativa plena

(§3°).

O art. 30 diz que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de

interesse local (inc. I), suplementar a legislação federal e estadual no que couber

(inc. II), promover, também no que couber, adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do

solo urbano (inc. VIII). No art. 182, parágrafos 1° e 2°, ao tratar da política urbana,

o texto constitucional impôs aos Municípios com mais de vinte mil habitantes a

criação de um plano diretor, com o fim de ordenar o pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos cidadãos.26

Dessas regras de competência, combinadas, ainda, com o art. 225 da

CF, conclui-se que os Municípios somente podem legislar em matéria ambiental e

urbanística sobre assuntos de interesse local, atendendo às diretrizes gerais

estabelecidas na lesgislação federal e estadual, podendo estabelecer regras

específicas mais rígidas, mas nunca mais liberais que as normas federais e

estaduais27. Assim, o respeito aos limites e princípios estabelecidos na Carta

24 Essa competência da União foi exercida quando da criação do Estatuto da Cidade (Lei Federal n.° 10.257/01), que delineou as diretrizes a serem adotadas na política urbana, sobretudo nas esferas municipais e estaduais. 25 A respeito do que sejam “normas gerais”, a doutrina tenta identificar-lhe um conteúdo, cujo vetor aponta a seleção de medidas jurídicas que não afetem a autonomia dos demais entes políticos. Em relação às normas gerais urbanísticas, o campo destas seria o delineamento para o desenvolvimento interurbano e intra-urbano. 26 Sobre o assunto: FERRAZ JÙNIOR, Tércio Sampaio. Normas gerais e competência concorrente, p. 16-20; SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro,p.56-60. SUNDFELD, Carlos Ari. Sistema constitucional das competências. RTDP, n°1, 1993, p.277-278. COSTA, José Marcelo Ferreira. Licenças urbanísticas, p. 50-53. FARIAS, Paulo José leite. Competência federativa e proteção ambiental. 27 Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Atribuindo a Constituição Federal a competência comum à União, aos Estados e aos Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de

Magna e na legislação federal deve ser interpretado como a impossibilidade legal

de que os Municípios tornem mais flexíveis os parâmetros estabelecidos no

ordenamento federal28.

Na lição de Paulo José Leite Farias, na dúvida sobre a norma a ser

aplicada, na hipótese de mais de um ente, de diferente hierarquia, legislar sobre o

mesmo tema, deve entrar em cena o princípio do in dubio pro ambiente, segundo

o qual deve prevalecer a norma que mais proteja o meio ambiente29.

As competências materiais dizem com o poder de polícia dos entes

federados sobre o domínio privado, defluente do princípio da função sócio-

ambiental da propriedade. Em sentido amplo, poder de polícia é a atividade do

Poder Público (União, Estados e Municípios) consistente em limitar o exercício

dos direitos individuais em benefício do interesse público. Em sentido estrito,

abrange os atos normativos do Poder Executivo, as operações materiais de

fiscalização e controle, as autorizações, as licenças, as sanções, os embargos ou

demolições de obras irregulares ou clandestinas.30

O art. 23 da CF estabelece que a competência material para exercer a

polícia urbanística e ambiental é concorrente entre os três entes da federação –

União, Estados-membros e Municípios, cabendo-lhes proteger o meio ambiente e

combater a poluição em qualquer de suas formas (inc. VI), preservar as florestas,

a fauna e a flora (inc. VII), promover a melhoria das condições habitacionais e de

saneamento básico (inc. IX). Estabelece, ainda, que incumbe aos Municípios

promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante

suas formas, cabe aos Municípios legislar supletivamente sobre proteção ambiental, na esfera do interesse estritamente local. A legislação local, contudo, deve se restringir a atender às características próprias do território em que as questões ambientais, por suas particularidades, não contém com o disciplinamento consignado na lei federal ou estadual. A legislação supletiva, como é cediço, não pode ineficacizar os efeitos da lei que pretende suplementar”. Resp 29.299-6/RS (92.0029188-0). 1a Turma do STJ, Rel. Min. Demócrito Reinaldo. j. 28.09.1994. Também: “Mandado de segurança. Legislação ambiental. Tratando-se de legislação de proteção ao meio ambiente, não pode a lei municipal abrandar exigências da lei federal. Interpretação do art. 2o, da Lei n.° 4.771/65. Recurso improvido”. Ap. n.° 078.471.5/2-00. TJ/SP. Rel. Des. Lineu Peinado. j. 08.06.99. 28 ANTUNES, Paulo de Bressa. Direito Ambiental, p.254. No mesmo sentido: AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Apontamentos acerca da aplicação do Código Florestal em áreas urbanas e seu reflexo no parcelamento do solo, p. 287. Também: FREITAS, Vladminir Passos de. Mata ciliar. Na lição de Paulo José Leite Farias, na dúvida sobre a norma a ser aplicada, na hipótese de mais de um ente, de diferente hierarquia, legislar sobre o mesmo tema, deve entrar em cena o princípio do in dubio pro ambiente, segundo o qual deve prevalecer a norma que mais proteja o meio ambiente. In: FARIAS, Paulo José leite. Competência federativa e proteção ambiental, p. 430. 29 FARIAS, Paulo José Leite. Competência federativa e proteção ambiental, p. 430. 30 Sobre o tema, ver: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Poder de polícia em matéria urbanística..

planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano

(inc. VIII).

Existe, assim, um sistema complexo de tutela do meio ambiente –

natural e urbano construído31 –, em que cada Poder Público atua de forma

autônoma com vistas à proteção dos interesses que lhe são atribuídos.

2. Parcelamento do solo para fins urbanos

Parcelamento do solo urbano é o processo cuja finalidade é proceder à

divisão de gleba para fins de urbanização, edificação e ocupação, podendo ser

executado sob as formas de loteamento, desmembramento ou desdobro. No dizer

de Sérgio Frazão do Couto32, o parcelamento do solo com fins urbanos refere-se

ao fracionamento do espaço territorial especificamente destinado a abrigar

contingentes humanos para formação, expansão ou conservação das cidades.

O parcelamento do solo para fins urbanos, regido pela Lei n.° 6.766/79 e,

no âmbito do Rio Grande do Sul, também pela Lei de Desenvolvimento Urbano

(Lei n.° 10.116/94), somente é admitido em zonas urbanas, de expansão urbana

ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou em lei

municipal (art. 3o, caput, da Lei n.° 6.766/79)33.

Nem todas as áreas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização

específica são passíveis de parcelamento do solo. O parágrafo único do art. 3o da

Lei n.° 6.766/79 limita o parcelamento em determinadas áreas ditas ‘urbanizáveis’

(terrenos alagadiços, aterrados com material nocivo, com condições geológicas

ou hodrológicas que não aconselham a edificação, terrenos com declive, entre

outras), enquanto não corrigidos os seus aspectos desfavoráveis e criadas

condições de utilização do solo, por razões de segurança e saúde publica.

3. Restrição de parcelamento do solo urbano em ‘áreas de preservação ecológica’

31 Compreendidos nesta expressão estão meio ambiente artificial, constituído do espaço urbano construído, o meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artísitico, arqueológico, paisagístico, turísticos, e o meio ambiente natural, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora. 32 COUTO, Sérgio A. Frazão. Manual prático e teórico do parcelamento urbano, p. 8-11. 33 A Lei Estadual n.° 10.116/94 define, nos arts. 11 a 14, as áreas urbans e de expansão urbanas.

Situação diversa das acima esposadas é a existente em relação aos

locais denominados pela Lei n.° 6.766/79 como ‘áreas de preservação ecológica’.

É questão de ordem legal que não depende da ação do parcelador para afastá-la,

cabendo ao Poder Público obstar o parcelamento naquele local, em função dos

interesses preservativos ecológicos.

A imprecisão da expressão ‘áreas de preservação ecológica’ – que não

encontra qualquer citação em outra norma ou mesmo na literatura da área técnica

– levou a doutrina à conclusão de que a defesa do meio ambiente impõe uma

definição extensiva, podendo abranger todas aquelas áreas que as normas

instituam como relevantes para os ecossistemas, como assevera Fernando

Reverendo Vidal Akaoui34, que acrescenta estarem abrangidas as unidades de

conservação (reservas ecológicas, estações ecológicas, parques nacionais,

estaduais e municipais, áreas de proteção ambiental, florestas nacionais,

estaduais e municipais, áreas de relevante interesse ecológico e reservas

extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público). Paulo Affonso Leme

Machado35 diz que as áreas de proteção ecológica podem abranger as chamadas

de interesse especial (art. 13, inc. I, da Lei n.° 6.766/79), bem como as áreas de

preservação permanente, os parques nacionais, estaduais e municipais, as

reservas biológicas, as reservas de caça, as estações ecológicas e as áreas de

proteção ambiental.

Guilherme José Purvin de Figueiredo diz que constituem ‘espaços

protegidos’ as áreas de preservação permanente, áreas de reserva legal (que são

existentes apenas em zona rural), as áreas tombadas (como por ex. monumentos

naturais, paisagens e sítios ecológicos tombados) em razão de seu valor

ecológico e as unidades de conservação da natureza36.

Nesse prisma, entendemos que a expressão ‘áreas de preservação

ecológica’ abrange os espaços ecológicos (existentes em área urbana lato sensu)

protegidos pela legislação: as áreas de preservação permanente37, as áreas

tombadas e as unidades de conservação38.

34 AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Parcelamento do solo em áreas de proteção ecológica: a tentativa de burla à legislação urbanística através da instituição de condomínio ordinário, p. 149-150. 35 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, p.262. 36 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. A propriedade no Direito Ambiental, p.256. 37 Áreas de preservação permanente (APP) são aquelas protegidas nos termos dos arts. 2o e 3o do Código Florestal (Lei n.° 4.771/65), situadas ao longo ou ao redor dos corpos hídricos; no topo dos morros, montes, montanhas e serras; nas encostas com declividade superior a 45%; nas restingas, como fixadoras de dunas ou

A Lei Estadual do Desenvolvimento Urbano foi mais precisa e, ao invés

de utilizar a expressão ‘áreas de preservação ecológica’ utilizou o termo ‘áreas de

preservação permanente’ (art. 17, inc. VII), vedando o parcelamento do solo

urbano nestes locais.

Evidentemente, a referência na legislação estadual não exclui as demais

áreas protegidas que possam ser tuteladas pela legislação federal, como as

unidades de conservação.

4. Parcelamento irregular do solo urbano: loteamentos clandestinos, irregulares e assentamentos informais em áreas de preservação permanente

4.1. Aplicabilidade do Código Florestal às zonas urbanas

A Constituição Federal, em seu art. 225, assegura a todos o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado, não fazendo, para tanto, qualquer

distinção entre meio ambiente rural ou urbano (no que se refere à sua localização

geográfica), ou entre meio ambiente natural, artificial ou cultural (no que se refere

ao seu conteúdo).39

O Código Florestal Federal, por seu turno, dispõe que “as florestas

existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas

de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os

habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações

que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem”, não fazendo

qualquer distinção quanto à localização das mencionadas formações vegetais,

restando claro, por isso, que as disposições contidas no Código Florestal aplicam-

estabilizadoras de mangues; nas bordas dos tabuleiros ou chapadas; em altitude superior a 1800metros; cobertas ou não por vegetação nativa, que têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade ecológica, a biodiversidade, o fluxo gênico da fauna e da flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. No âmbito do Rio Grande do Sul, o Código Estadual de Meio Ambiente (Lei n.º 11.520/2000), no art. 192, § único, inciso IV, proibiu expressamente o parcelamento do solo em APP. 38 As unidades de conservação estão arroladas na Lei n.° 9.985/00: unidades de proteção integral (estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, estaduais e municipais, monumentos naturais, refúgios de vida silvestre e RPPNs-reservas particulares de patrimônio natural) e unidades de uso sustentável (áreas de proteção ambiental, área de relevante interesse ecológico, florestas nacionais, reservas extrativistas, da fauna e de desenvolvimento sustentável). 39 Sobre essa classificação de meio ambiente, vide SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1981, p. 435. 

se, via de regra, a todo o território nacional, incluindo zonas rurais e urbanas,

indistintamente.40

A discussão quanto à aplicabilidade do Código Florestal às zonas urbanas

centra-se no parágrafo único do art. 2º, que estabelece: “No caso de áreas

urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos

por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo

o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e

leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.”

41

Não há qualquer dificuldade em reconhecer-se a aplicabilidade do Código

Florestal para as áreas de preservação permanente no topo dos morros, montes,

montanhas e serras; nas encostas com declividade superior a 45%; nas restingas,

como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; nas bordas dos

tabuleiros ou chapadas; em altitude superior a 1800metros; cobertas ou não por

vegetação nativa, cuja imodificabilidade deverá ser respeitada. A Resolução do

CONAMA n.° 303/2002, no seu art. 3°, regulamentou o art. 2o do Código Florestal

no que tange às faixas de proteção dessas encostas, não havendo qualquer

conflito aparente com outra norma.

A controvérsia existe em relação aos limites mínimos para a largura das

faixas marginais ao longo dos rios e cursos d’água – que o Código Florestal prevê

em 30m a menor delas, para cursos d’água com menos de 10m de largura –, em

40 Nesse sentido: FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e área urbana: uma interpretação do parágrafo único do art. 2° do Código Florestal. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.2, p.77-90, abr./jun 1996. Também: FREITAS, Matas ciliares. Em sentido contrário, entendendo que o Código Florestal só se aplica às zonas rurais, e que a faixa não edificável de 15 metros prevista na Lei n.° 6.766/79 se aplica às áreas urbanas: AMADEI; AMADEI, Como lotear uma gleba..., p. 403. 41 A pressão política para que se afastem os limites impostos pelo Código Florestal nas áreas urbanas tem sido grande e o argumento mais usado recai sobre o déficit habitacional brasileiro (atualmente em torno de 6,6 milhões, segundo dados do IBGE. O mesmo instituto divulga outro dado que deve ser contraposto: existem no Brasil cerca de 4,6 milhões de imóveis vagos, o que evidencia a face injusta da questão habitacional e leva-nos a afirmar que a solução do problema não está na ocupação das áreas de preservação permanente. Edésio Fernandes, tratando da compatibilização entre as agendas Verde e Marrom, enfatiza que tanto o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado quanto o direito à moradia são elementos do direito à vida. FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade: promovendo o encontro das agendas “verde” e “marrom”. In: LEITE; José Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini (Org.). Estado de direito ambiental: tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.317. Em que pese os esforços existentes para arredar o conflito entre o direito à moradia e o direito à preservação ambiental, na prática esse é um dos dilemas que assolam os administradores e demais operadores que lidam com a questão da ocupação da terra urbana. Problema de difícil solução, traduz a macroconflituosidade interna típica dos interesses difusos, dos quais o direito ao ambiente desponta como uma das expressões mais típicas.

face das disposições dos arts. 3o, par. único, inc.V, e 4o, inc.III, da Lei n.° 6.766/79

42.

A Lei n.° 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, é de

natureza urbanística: visa à organização (uso e ocupação) do solo. Ao tratar de

faixas non aedificandi no art. 4o, inc. III, não pretendeu promover a proteção da

biodiversidade, e sim a segurança da população, o que fica evidenciado pelo

próprio teor do dispositivo, que também trata das faixas de domínio público das

rodovias e ferrovias. Qualquer construção que fosse autorizada dentro da faixa de

15 metros das margens dos rios, rodovias ou ferrovias, traria risco de vida à

população que a utilizasse, daí porque, com propriedade, o legislador estabeleceu

tais requisitos urbanísticos para loteamentos43.

Já o Código Florestal tem natureza nitidamente de proteção ecológica e,

no art. 2o, ‘a’, teve em mira a função ambiental das matas ciliares, a preservação

dos recursos hídricos, a estabilidade geológica, o fluxo gênico, com o objetivo

maior de assegurar o bem estar das populações presentes e futuras.

Com o advento da Lei n.° 10.257/01 (Estatuto da Cidade), editada pela

União no exercício de sua competência constitucional legislativa, que

regulamentou o capítulo da Constituição Federal sobre a política urbana44, a

temática ambiental tornou-se obrigatória na fixação das exigências fundamentais

de ordenação da cidade.45 Diante das diretrizes para a política urbana

42Art. 3° - [...] Parágrafo único – Não será permitido o parcelamento do solo: V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção. Art. 4o – Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínios público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica. A Lei n.° 10.932, de 03/08/2004, deu nova redação ao inc. III do art. 4° da lei n.° 6.766/79, suprimindo a obrigatoriedade das faixas não edificáveis de 15m para cada lado ao longo de dutovias, remetendo a avaliação dessa necessidade ao licenciamento ambiental. 43 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. A propriedade no direito ambiental. Rio de Janeiro: ADCOAS, 2004, p.229. 44 O art. 182 da CF trata das políticas de desenvolvimento urbano e o art. 183 do usucapião especial constitucional. 45 A título exemplificativo, tomem-se as seguintes diretrizes gerais mencionadas no estatuto: suas normas, de ordem pública e interesse social, regulam o uso da propriedade urbana em prol do equilíbrio ambiental (art. 1o, par. único); a política urbana deve garantir o direito a cidades sustentáveis45, que pressupõe o saneamento ambiental (art. 2o, inc. I); o planejamento urbano deve evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 2o, inc.IV); a política urbana deve promover a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, inclusive o cultural (art. 2o, inc. XII); a política urbana deve ouvir a população nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído (art. 2o, inc. XIII); na

estabelecidas no Estatuto da Cidade, não se pode vislumbrar uma aplicação

estrita da Lei n.° 6.766/79, sem estar em consonância com a legislação de tutela

ao meio ambiente. O parcelamento do solo urbano deve observância não só à Lei

n.° 6.766/79, mas também a toda legislação federal e estadual.

José Afonso da Silva, tratando das áreas verdes urbanas, afirma que a

política dos espaços verdes revela-se na proteção da natureza, a serviço da

urbanização, com o objetivo de ordenar a coroa florestal em torno das grandes

aglomerações, manter os espaços verdes existentes no centro das cidades, criar

áreas verdes abertas ao público, preservar áreas verdes entre as habitações –

tudo visando a contribuir para o equilíbrio do meio em que vive e trabalha o

homem. E conclui que a política dos espaços verdes há de ser estabelecida pelo

planos diretores e leis de uso do solo dos Municípios ou regiões metropolitanas,

mas no que se refere às áreas de preservação permanente ali existentes, terão

que observar os princípios e limites previstos no art. 2o do Código Florestal (leia-

se metragens para as áreas de preservação permanente), conforme

determinação de seu par. único, acrescentado pela Lei n.° 7.803/8946. Da mesma

posição comunga Paulo Affonso Leme Machado47, que, ao discorrer sobre a

questão em tela, esposa que o legislador, ao introduzir o parágrafo único do art.

2° do Código Florestal, quis deixar claro que os planos e leis de uso do solo do

Município têm que estar em consonância com as normas do mencionado art. 2º,

porque a autonomia municipal deve estar entrosada com as normas federais e

estaduais protetoras do meio ambiente.48

Ao manifestar-se sobre o tema, Antônio Hermann Benjamin comenta que

a aplicabilidade do Código Florestal em áreas urbanas, na prática, é um dos

problemas mais atuais, complexos e relevantes, justificando, que “os municípios,

em particular aqueles com elevada pressão imobiliária, turística, industrial,

regularização fundiária e urbanização de favelas, a política urbana deverá considerar as normas ambientais (art. 2o, inc. XIV); a ordenação do solo das cidades deve coibir o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana, e evitar a poluição e a degradação ambiental (art. 2o, inc. VI, ‘c’ e ‘g’). 46 SILVA, Direito ambiental..., p. 75. 47 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 385-386. 48 Em que pese o Município possuir autonomia para promover o adequado ordenamento territorial (art. 30, inciso VIII, da CF), também incumbe a ele “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (art. 24, inciso VI), “preservar as florestas, a fauna e a flora” (art. 24, inciso VII, da CF), ‘preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas” (art. 225, §1º, inciso I) e “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que

madeireira e agrícola, buscam, a todo custo, afastar os ‘índices’ do Código

Florestal para as APPs do art. 2º, substituindo-os por outros, mais flexíveis,

estabelecidos em legislação municipal, não raro casuisticamente modificada, ao

sabor deste ou daquele empreendimento específico”.49 Outro ponto que muito

interessa aos Municípios, segundo Benjamin, é o de excluir do licenciamento

ambiental, a presença do Estado e da União, sob o pretexto de que a matéria é

de interesse local50.

Considerando as diferentes funções das áreas de preservação

permanente no ambiente urbano51, tem-se que o conceito de desenvolvimento

sustentável veio mostrar que só se pode progredir, com qualidade de vida, se

preservar-se o meio ambiente para a nossa e para as futuras gerações. Progredir

retirando da natureza o desnecessário ou além de sua capacidade não significa

que estamos nos desenvolvendo. É por este motivo que o Código Florestal

determina que os planos diretores e as leis de uso do solo devem respeitar os

princípios e limites referentes às áreas de preservação permanente e do ambiente

geral, pois a função primordial da cidade é garantir aos seus integrantes uma vida

coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (art. 225, §1º, inciso VII). 49 BENJAMIN, Antônio Herman. Código Florestal: a reforma proposta pelo CONAMA e a nova MP n.º 1.956-50. In: 4º Congresso Internacional de Direito Ambiental – Agricultura e Meio Ambiente. São Paulo: IMESP, 2000, p. 405. 50 BENJAMIN, Antônio Herman. Código Florestal: a reforma proposta pelo CONAMA e a nova MP n.º 1.956-50, p. 405. 51 A vegetação no entorno dos cursos d’água – as matas ciliares – exerce importante papel no controle hidrológico, no ciclo e na qualidade da água. Essa vegetação segura a água proveniente da chuva, outra parte escoa sobre o caule e ingressa no solo atingindo as raízes da vegetação, criando no solo canais que permitem que boa parte da água do solo seja absorvida, perenizando rios e nascentes, formando os aqüíferos freáticos e profundos, essenciais para a manutenção dos corpos hídricos. Também funcionam como filtro para as águas da chuva que não foram absorvidas pelo solo, agindo como um filtro de escoamento superficial, impedindo ou dificultando a ação dos agentes poluentes como defensivos agrícolas, sedimentos e resíduos. Impedem erosões das margens, coíbem inundações e enchentes, evitam o assoreamento dos corpos hídricos (com isso garantindo a constância do volume de água que abastece as populações, viabiliza a navegação e a geração de energia e irrigação). A mata ciliar também garante o povoamento da fauna silvestre e aquática, a maior reprodução da flora e o controle da temperatura, proporcionando um clima mais ameno. Sobre a questão: FINK; PEREIRA, Vegetação de preservação..., p.77-90. ARFELLI, Amauri. Áreas verdes e de lazer: considerações para sua compreensão e definição na atividade urbanística de parcelamento do solo. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 33, p. 42-44, jan./mar. 2004. FREITAS, Matas ciliares. BRAGA, Rodrigo Bernardes. Parcelamento do solo urbano: doutrina, legislação e jurisprudência de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004, p. 55. Se considerar-se que a degradação das matas ciliares e a impermeabilização das áreas de várzea constituem talvez os principais geradores de enchentes e inundações nas cidades, chegar-se-á à conclusão de que o descumprimento do disposto no art. 2o, par. único, do Código Florestal, nas áreas urbanas, acarreta um custo social elevadíssimo para os cofres públicos e sacrifícios incomensuráveis para a população atingida. FIGUEIREDO, A propriedade..., 221.

com qualidade, e isto só é possível preservando-se o meio ambiente52. Destarte,

as políticas de ordenação do solo urbano não podem descuidar da legislação

ambiental.

Face ao argumento sustentado por alguns estudiosos no sentido de que o

legislador federal teria remetido às legislações municipais a livre definição das

áreas de preservação permanente quando situadas em área urbana53, a nosso

ver desprovido de fundamentação, por desconsiderar o regime de repartição de

competências constitucionais em matéria ambiental e o relevante papel ecológico

desempenhado por tais áreas protegidas, necessário trazer a lume, mais uma

vez, a questão das competências constitucionais. O art. 21, inc. XX, da CF, fixa a

competência da União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano,

inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. O art. 24, inc. I,

por seu turno, fixa a competência da União e dos Estados para legislar

concorrentemente sobre direito urbanístico. Já o art. 30 diz que compete aos

Municípios legislar sobre assuntos de interesse local (inc. I), suplementar a

legislação federal (inc. II), promover, no que couber, adequado ordenamento

territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano (inc. VIII). Das regras constitucionais de competência,

combinadas, ainda, com o art. 225 da CF, conclui-se que os Municípios somente

podem legislar em matéria ambiental sobre assuntos de interesse local,

atendendo às diretrizes gerais estabelecidas na legislação federal e estadual,

podendo estabelecer regras específicas mais rígidas, mas nunca mais liberais

que as normas federais e estaduais. Assim, o respeito aos limites e princípios

estabelecidos pelo Código Florestal deve ser interpretado como a impossibilidade

legal de que os Municípios tornem mais flexíveis os parâmetros estabelecidos na

lei federal54. Os Municípios podem e devem legislar em matéria de zoneamento

urbano-ambiental, mas jamais para reduzir a proteção já alcançada pela lei

52 Nessa linha: MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteção jurídico-ambiental dos recursos hídricos. São Paulo: LED, 2001, p. 183-184. 53 Essa a conclusão de MAGRI, Ronald Vitor Romero; BORGES, Ana Lúcia Moreira. Vegetação de preservação permanente e área urbana: uma interpretação do parágrafo único do art. 2° do Código Florestal. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 2, abr./jun. 1996. 54 ANTUNES, Direito ambiental, p.254. No mesmo sentido: AKAOUI, Apontamentos acerca..., p. 287. Também: FREITAS, Matas ciliares. Na lição de Paulo José Leite Farias, na dúvida sobre a norma a ser aplicada, na hipótese de mais de um ente, de diferente hierarquia, legislar sobre o mesmo tema, deve entrar em cena o princípio do in dubio pro ambiente, segundo o qual deve prevalecer a norma que mais proteja o meio ambiente. FARIAS, Competência federativa..., p. 430.

federal ou estadual. Se, no exercício da sua competência concorrente e

suplementar, resolverem enfrentar o tema das áreas de preservação permanente

em meio urbano, não poderão trabalhar com limites e definições menos protetivos

que os já eleitos pela Lei Federal n.° 4.771/65, assim como não poderão autorizar

empreendimentos que causem danos às áreas de preservação permanente, salvo

as hipóteses legais.

Além das diretrizes já expendidas, acrescenta-se que a Lei n.° 7.803/89,

que alterou o Código Florestal e manteve os 30 metros de faixa marginal

(instituídos pela Lei n.° 7.511/86), é posterior à Lei n.° 6.766/79, de modo que,

observando os preceitos reguladores do direito intertemporal, a doutrina

majoritariamente sustenta ter sido derrogado o art. 4o, inc. III, da Lei n.° 6.766/79,

no tocante às áreas de preservação permanente no entorno dos corpos hídricos,

permanecendo a restrição de 15 metros para o entorno das faixas de domínio

público estabelecida pela lei do parcelamento do solo55.

Conclui-se, pois, que os planos diretores, as leis de uso do solo e os atos

administrativos (declarações de condição de ocupação do solo, licenças,

aprovações de projetos) que autorizem qualquer uso ou ocupação do solo urbano

devem adequar-se às restrições impostas pelas normas ambientais, devendo

respeitar a metragem de mínima de 30 metros (que pode ser maior, conforme a

largura do corpo hídrico) de preservação das áreas situadas ao longo ou ao redor

dos corpos hídricos correntes e dormentes (rios, lagos, lagoas, arroios, etc.),

aplicando-se, in casu, o Código Florestal (art. 2o, ‘a’ e ‘b’- este regulamentado pela

Resolução n.° 303/02 do CONAMA, art. 3o, inc. III). A metragem de 15 metros

estabelecida na Lei n.° 6.766/79 servirá para balizar somente a reserva mínima de

área non aedificandi ao longo das faixas de domínio público das rodovias e

ferrovias.

Essa conclusão pela incidência das restrições ambientais se dá, acima de

tudo, porque as normas urbanísticas – que visam à organização dos espaços

urbanos – não são suficientes para assegurar a sadia qualidade de vida aos

moradores das zonas urbanas. A expansão das cidades tem atingido as

proximidades das áreas de preservação que são de vital importância para a

manutenção do equilíbrio ecológico do meio onde vive a população. Fernando

55 Nesse sentido: BRAGA, Parcelamento..., p. 54-55. Também: FIGUEIREDO, A propriedade..., p. 218-235.

Reverendo Vidal Akaoui assevera que os maiores problemas enfrentados com o

parcelamento do solo urbano dizem respeito à intervenção nas margens de curso

d’água, uma vez que as cidades passaram a se aproximar de tal forma dos rios, e

os loteamentos a abranger estas áreas, que o desrespeito passou a ser uma

realidade cotidiana das cidades brasileiras56. Nesse ponto, importante destacar

que o grande problema do futuro próximo será a escassez de água, em face da

degradação das condições dos corpos hídricos, que, comprometidos em razão da

remoção das matas ciliares, do lançamento de poluentes domésticos, industriais e

rural-agrícolas, não se prestarão à captação de água para tratamento e consumo

humano. Portanto, a restrição consistente na manutenção da faixa non aedificandi

de preservação permanente, ao longo de qualquer corpo d’água, que recairá

sobre o parcelamento do solo para fins urbanos, é necessária para a preservação

do meio ambiente natural e para a qualidade de vida das populações. Assim, o

desenvolvimento urbano sustentável das cidades deve, necessariamente,

respeitar os limites ecológicos.

O entendimento que prevalece é o de que, em se tratando de APPs do

art. 2º do Código Florestal – matas ciliares, encostas acima de 45 graus, terrenos

com altitude superior a 1.800 metros, dentre outros – o regime jurídico municipal é

aplicável quando for mais rigoroso que aquele previsto na lei florestal federal. Ou,

por outras palavras, os parâmetros do art. 2º do Código Florestal não são simples

referência flexível, singela indicação, mas caracterizam-se como ‘piso

mandamental’, aquém do qual nem os Estados, nem os Municípios podem

descer.

Ademais, não haveria lógica em se preservar as matas ciliares de rio

somente quando este cruza zona rural. O rio não termina ao ultrapassar os limites

da zona rural e chegar à cidade, requerendo a preservação de suas margens em

sua totalidade, e não somente quando atravessar zonas rurais, pois o meio

ambiente não conhece os limites geográficos inventados pelo homem.

4.2. Possibilidade de alteração e/ou supressão de vegetação em APP

56 AKAOUI, Fernando reverendo Vidal. Apontamentos acerca da aplicação do Código Florestal em áreas urbanas e seu reflexo no parcelamento do solo. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000, v.2., p. 286.

A proteção em relação às áreas de preservação permanente consiste na

sua imodificabilidade57, existindo restrição ao direito de construir58, não

meramente por interesse urbanístico, mas por razões ambientais e de equilíbrio

ecológico, como já dito alhures.

A intangibilidade das áreas de preservação permanente não é absoluta,

porquanto o art. 4° do Código Florestal, com a redação dada pela Medida

Provisória n.° 2.166-67/2001, prevê que a excepcional possibilidade de supressão

de vegetação em áreas de preservação permanente, quando necessária à

execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou

interesse social, dizendo que “somente poderá ser autorizada em caso de

utilidade pública ou de interesse sócio-econômico, devidamente caracterizados e

motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa

técnica e locacional ao empreendimento proposto.”

Há de se salientar que mesmo as áreas de preservação permanente que

estiverem desprovidas de sua cobertura vegetal original devem ser objeto de

avaliação pelo órgão ambiental competente quando verificada a intenção de

instalação de quaisquer obras, planos, atividades ou projetos nesses espaços,

pois, como já dito anteriormente, a legislação protege não só a cobertura vegetal,

mas a área em que está (ou estava) assentada, já que a localização é o fator

determinante da proteção legal da área, e não o estado de eventual

desestabilidade ecológica em que se encontra.

A primeira condição imposta pelo Código Florestal para o licenciamento

de qualquer intervenção pretendida nas APPs é o enquadramento em um dos

casos de utilidade pública ou de interesse social.

As expressões ‘utilidade pública’ e ‘interesse social’ são conceitos

indeterminados59 ou vagos, que dependem de interpretação pela Administração

57 A Resolução CONAMA n.° 369/2006, nos considerandos, diz que as áreas de preservação permanente são caracterizadas pela “intocabilidade e vedação de uso econômico direto”. 58 O art. 1o do Código Florestal dispõe que todas as formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação estabelece. Assim, o direito de usar e fruir a propriedade pública ou particular – que difere do direito de construir – deve observar as restrições legais quanto à supressão de vegetação e às edificações, estando o direito limitado pela função sócio-ambiental da propriedade e pelo bem estar da coletividade. 59 Nem todos os conceitos indeterminados estão abrangidos pela discricionariedade, pois nesta estão abrangidos apenas aqueles cuja indeterminação não possa ser determinável, ficando à mercê da determinação subjetiva do administrador. In: RIBEIRO, Lúcio Ronaldo Pereira. Controle dos atos administrativos

Pública, balizada pela finalidade pública e pelo princípio da legalidade. Mas, para

os fins de supressão de vegetação nas áreas de preservação permanente, o

próprio Código Florestal já define quais as situações de fato que se enquadram

em tais conceitos, no art. 1o, §2o, inc. IV e V:

“Art. 1º §2º- Para os efeitos deste Código, entende-se por:(...) IV- Utilidade Pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA. V- Interesse Social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA; b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA.”

A Resolução do CONAMA n.° 369, de 28 de março de 2006,

regulamentando o art. 4° do Código Florestal, dispõe sobre os casos excepcionais

que possibilitam ao órgão ambiental competente autorizar a intervenção ou

supressão de vegetação em APP para implantação de obras, planos, atividades

ou projetos de utilidade pública ou interesse social ou para a realização de ações

consideradas eventuais e de baixo impacto ambiental:

Art. 2° - (...) I - utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; c) as atividades de pesquisa e extração de substâncias minerais, outorgadas pela autoridade competente60, exceto areia, argila, saibro e cascalho; d) a implantação de área verde pública em área urbana61; e) pesquisa arqueológica; f) obras públicas para implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados; e

baseados em conceitos vagos. Disponível em: <http://www.infojus.com.br/area5/lucioronaldo.html>. Acesso em: 17 de agosto de 2004. 60 As exigências para a autorização de intervenção em APP nesta hipótese estão no art. 7°da resolução. 61 Estão definidos no art. 8° os requisitos e condições para a intervenção em APP para implantação de área verde.

g) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos privados de aqüicultura, obedecidos os critérios e requisitos previstos nos §§ 1 o e 2 o do art. 11, desta Resolução. II - interesse social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, de acordo com o estabelecido pelo órgão ambiental competente; b) o manejo agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterize a cobertura vegetal nativa, ou impeça sua recuperação, e não prejudique a função ecológica da área; c) a regularização fundiária sustentável de área urbana62; d) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente; III - intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo impacto ambiental, observados os parâmetros desta Resolução. Art. 11. Considera-se intervenção ou supressão de vegetação, eventual e de baixo impacto ambiental, em APP: I - abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso de água, ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar; II - implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber; III - implantação de corredor de acesso de pessoas e animais para obtenção de água; IV - implantação de trilhas para desenvolvimento de ecoturismo; V - construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro; VI - construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais da região amazônica ou do Pantanal, onde o abastecimento de água se de pelo esforço próprio dos moradores; VII - construção e manutenção de cercas de divisa de propriedades; VIII - pesquisa científica, desde que não interfira com as condições ecológicas da área, nem enseje qualquer tipo de exploração econômica direta, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável; IX - coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, desde que eventual e respeitada a legislação específica a respeito do acesso a recursos genéticos; X - plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais em áreas alteradas, plantados junto ou de modo misto; XI - outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventual e de baixo impacto ambiental pelo conselho estadual de meio ambiente.

62 O art. 9° estabelece os requisitos e condições para a autorização de intervenção ou supressão de vegetação em APP para a regularização fundiária.

Não há livre poder discricionário – baseado em juízo de conveniência e

oportunidade – da Administração Pública para reconhecer as hipóteses de

utilidade pública ou interesse social que autorizem a alteração de área de

preservação permanente. Há, in casu, o que a doutrina chama de

‘discricionariedade técnica imprópria’, em que a lei usa termos que dependem da

manifestação dos órgãos técnicos, cabendo ao administrador, face aos critério

técnicos, a adoção de uma única solução juridicamente válida para o caso

concreto. A discricionariedade da interpretação da adequação do caso concreto

aos conceitos indeterminados está limitada pelos estudos técnicos e pelo princípio

da legalidade, que vincula o administrador aos dispositivos legais. Assim, o ato

administrativo que declara a utilidade pública ou o interesse social do

empreendimento fica sujeito ao controle judicial.

Caracterizada alguma das hipóteses acima, a mesma deverá ser

explicitada e motivada em procedimento administrativo próprio, quando – e aí

vem a segunda condição – inexistir alternativa técnica e locacional ao

empreendimento proposto. Assim sendo, devem-se somar os dois fatores:

caracterização de caso de utilidade pública ou interesse sócio-econômico e

inexistência de alternativa técnica e locacional, sem o que não é possível a

supressão.

O § 2º, do art. 4º, do Código Florestal, estabelece, ainda, que “a

supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área

urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o

município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano

diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente

fundamentada em parecer técnico”.

A crítica ao referido dispositivo fica por conta de Antonio Hermann

Benjamin63, ao referir-se à exigência de conselho municipal de meio ambiente

com caráter deliberativo, plano diretor e prévia anuência do órgão ambiental

estadual: “Esses pressupostos não bastam para abrir as portas do exercício

constitucional do licenciamento ambiental ao município, nos passos da moda

iniciada pela Resolução CONAMA n.º 237/97, posto que vários tipos de APPs são

materialmente federais (margens de rios federais, p. ex.), enquanto que, noutros

casos, o impacto de eventual supressão não é, de modo exclusivo, local, e só isso

já seria mais que suficiente para, com base nos arts. 23, inciso VII, e 30, incisos I,

II e VIII (“no que couber”), da Constituição Federal, impugnar-se a fórmula

adotada pelo Substitutivo.”64

4.3. Redução da extensão das APPs nas áreas urbanas ocupadas

Nas áreas urbanas não ocupadas, as áreas de preservação permanente

no entorno dos corpos hídricos têm metragem mínima de 30m, não sendo

admissível a aceitação da redução deste limite, sequer mediante compensação,

para fins de expansão da utilização da área.

Nas áreas urbanas em que houve supressão de vegetação e ocupação

da APP, o questionamento que se faz é acerca da possibilidade de aceitação da

redução da metragem da área de preservação permanente, mediante

compensação, para fins de regularização fundiária da ocupação existente naquele

perímetro.

A Resolução do CONAMA n.° 369/2006 estabelece os requisitos e

condições necessários para que a intervenção ou supressão de vegetação em

APP para regularização fundiária em área urbana possa ser autorizada pelo órgão

ambiental competente:

Art. 9° - (...) I - ocupações de baixa renda predominantemente residenciais; II - ocupações localizadas em área urbana declarada como Zona Especial de Interesse Social-ZEIS no Plano Diretor ou outra legislação municipal; III - ocupação inserida em área urbana que atenda aos seguintes critérios: a) possuir no mínimo três dos seguintes itens de infra-estrutura urbana implantada: malha viária, captação de águas pluviais, esgotamento sanitário, coleta de resíduos sólidos, rede de abastecimento de água, rede de distribuição de energia; b) apresentar densidade demográfica superior a cinqüenta habitantes por hectare; IV - localização exclusivamente nas seguintes faixas de APP:

63 BENJAMIN, Antônio Hermann. Código Florestal: a Reforma proposta pelo CONAMA e a nova MP n.º 1956-50. Livro de Teses do 4º Congresso Internacional de Direito Ambiental. São Paulo, jun-2000. 64 O Substitutivo a que se refere o autor é o Substitutivo sugerido pelo CONAMA, que é o acolhido atualmente pela Medida Provisória 1956-54, em vigor.

a) nas margens de cursos de água, e entorno de lagos, lagoas e reservatórios artificiais, conforme incisos I e III, alínea "a", do art. 3° da Resolução CONAMA n.° 303, de 2002, e no inciso I do art. 3° da Resolução CONAMA n.°302, de 2002, devendo ser respeitada faixas mínimas de 15 metros para cursos de água de até 50 metros de largura e faixas mínimas de 50 metros para os demais; b) em topo de morro e montanhas conforme inciso V, do art. 3°, da Resolução CONAMA n.° 303, de 2002, desde que respeitadas as áreas de recarga de aqüíferos, devidamente identificadas como tal por ato do poder público; c) em restingas, conforme alínea "a" do IX, do art. 3° da Resolução CONAMA n° 303, de 2002, respeitada uma faixa de 150 metros a partir da linha de preamar máxima; V - ocupações consolidadas, até 10 de julho de 2001, conforme definido na Lei n.° 10.257, de 10 de julho de 2001, e Medida Provisória n.º 2.220, de 4 de setembro de 2001; VI - apresentação pelo poder público municipal de Plano de Regularização Fundiária Sustentável que contemple, entre outros: a) levantamento da sub-bacia em que estiver inserida a APP, identificando passivos e fragilidades ambientais, restrições e potencialidades, unidades de conservação, áreas de proteção de mananciais, sejam águas superficiais ou subterrâneas; b) caracterização físico-ambiental, social, cultural, econômica e avaliação dos recursos e riscos ambientais, bem como da ocupação consolidada existente na área; c) especificação dos sistemas de infra-estrutura urbana, saneamento básico, coleta e destinação de resíduos sólidos, outros serviços e equipamentos públicos, áreas verdes com espaços livres e vegetados com espécies nativas, que favoreçam a infiltração de água de chuva e contribuam para a recarga dos aqüíferos; d) indicação das faixas ou áreas que, em função dos condicionantes físicos ambientais, devam resguardar as características típicas da APP, respeitadas as faixas mínimas definidas nas alíneas "a" e "c" do inciso I deste artigo; e) identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como, deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco; f) medidas necessárias para a preservação, a conservação e a recuperação da APP não passível de regularização nos termos desta Resolução; g) comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores; h) garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos de água; e i) realização de audiência pública. § 1º - O órgão ambiental competente, em decisão motivada, excepcionalmente poderá reduzir as restrições dispostas na alínea "a", do inciso I, deste artigo, em função das características da ocupação, de acordo com normas definidas pelo conselho ambiental competente, estabelecendo critérios específicos, observadas as necessidades de melhorias ambientais para o Plano de Regularização Fundiária Sustentável. § 2º - É vedada a regularização de ocupações que, no Plano de Regularização Fundiária Sustentável, sejam identificadas como localizadas em áreas

consideradas de risco de inundações, corrida de lama e de movimentos de massa rochosa e outras definidas como de risco. § 3º - As áreas objeto do Plano de Regularizacão Fundiária Sustentável devem estar previstas na legislação municipal que disciplina o uso e a ocupação do solo como Zonas Especiais de Interesse Social, tendo regime urbanístico específico para habitação popular, nos termos do disposto na Lei n o 10.257, de 2001. § 4º - O Plano de Regularização Fundiária Sustentável deve garantir a implantação de instrumentos de gestão democrática e demais instrumentos para o controle e monitoramento ambiental. § 5º - No Plano de Regularização Fundiária Sustentável deve ser assegurada a não ocupação de APP remanescentes.

Essa regulamentação editada pelo CONAMA não significa que, sempre

que preenchidos tais requisitos e condições, deva ser autorizada a regularização

fundiária de ocupação em APP.

O exame primeiro das características do ato do órgão ambiental revela

que este tem natureza de autorização administrativa, porque depende de critério

de avaliação a ser adotado pelo órgão ambiental competente para sua outorga,

podendo ser negado o pedido formulado. Goza de caráter de estabilidade, mas

está sujeito a revisão e suspensão em caso de interesse público superveniente e

quando houver descumprimento dos requisitos e condições estabelecidos. A

natureza jurídica desse ato administrativo do órgão ambiental competente,

denominado na Resolução n.° 369/2006 de ‘autorização para intervenção ou

supressão de vegetação em APP’ está permeada, assim, entre licença

administrativa e autorização administrativa65.

Todos os institutos de Direito Ambiental, entre eles a autorização e o

licenciamento, têm peculiaridades e um caráter sui generis que não permitem

enquadrá-los em um instituto exato do Direito Administrativo, do Direito Civil, do

Direito Registral, etc. Nessa esteira, impossível reduzir essa autorização de

65 Para esclarecer a questão, cumpre diferenciar os atos administrativos de autorização e licença, que pertencem à categoria de atos administrativos negociais. A licença (ex: habite-se) é ato administrativo vinculado, de caráter regulamentativo e definitivo, envolve ‘direitos subjetivos’; uma vez satisfeitos os requisitos legais, não pode a concessão do direito via licença ser negada; uma vez concedida a licença, traz a presunção de definitividade; sua invalidação só pode ocorrer por ilegalidade ou abusividade do ato administrativo. Configura uma anuência da autoridade, quando reconhecido o direito do interessado, depois de verificado que o empreendimento, a atividade ou obra atendeu às condicionantes para sua localização, instalação e operação. Já a autorização (ex: alvará de localização e funcionamento) é ato discricionário e precário, que envolve ‘interesses’ e não gera direitos ao requerente; o Poder Público decide discricionariamente sobre a concessão do pleito do interessado e, por isso, não há direito subjetivo à obtenção ou à continuidade da autorização. Sobre o tema: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995, p.160-174.

intervenção em APP ao conceito de licença administrativa ou autorização

administrativa.66

Quando recebe um pedido de autorização ou licenciamento ambiental, o

órgão competente está vinculado às normas constitucionais de desenvolvimento

econômico em compatibilidade com a preservação do ambiente e sua

manifestação sobre o pedido não implica discricionariedade administrativa no

sentido de conveniência e oportunidade para o Governo, mas sim

discricionariedade técnica através de parâmetros técnicos e científicos objetivos.

Não há uma atuação livre da Administração, mas o poder de tomar a decisão

mais adequada ao fim público que a lei impõe67.

Nessa esteira, nos casos de ocupação de APP urbana devem ser

adotados os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, para analisar, caso a

caso, com base em estudos técnicos, se é possível e indicada a reversão ao

status original da área de preservação permanente, com a restauração de suas

funções ecológicas, eventualmente com a necessidade de deslocamento/remoção

de edificações do local. O espaço construído não prepondera sobre o ambiente

natural, porém são partes integrantes do mesmo contexto do ‘meio ambiente

urbano’ e as decisões de caráter urbano-ambientais a serem tomadas precisam

avaliar esta universalidade.

Sem olvidar-se que a proteção legal incide não somente sobre a

cobertura vegetal, mas sobre a área propriamente dita, nos casos em que a APP

já está densamente construída e ocupada, com todas as interações decorrentes

(esgoto, produção de resíduos sólidos, impermeabilização do solo, etc.), há que

se analisar se é possível a restauração das funções ecológicas, para então

concluir-se pela indicação da desocupação e recuperação da APP ou pela

66 Nesse sentido a lição de Annelise Steigleder, quando trata de licenciamento ambiental: Aspectos controvertidos do licenciamento ambiental. Disponível em: </pesquisas_doutrinas_detalhe.asp?idDocumento=7>. Acesso em: 19 set. 2004. 67 A discricionariedade técnica é um juízo efetuado de acordo com cânones científicos e técnicos, enquanto a discricionariedade administrativa se revela na liberdade de escolha. Na discricionariedade técnica, a decisão do Poder Público é feita com base em pressupostos, estudos ou critérios extraídos de normas técnicas. O interesse primário a prosseguir coloca particulares vínculos e limites também à atividade discricionária da Administração Pública que, perdendo o caráter arbitral, se deve determinar de modo a conseguir a melhor realização do interesse público. No procedimento de licenciamento ambiental, a discricionariedade técnica refere-se a um momento cognitivo e implica juízos e não escolhas, com a particularidade desta operação se desenrolar à luz do interesse público primário (o ambiente) e não de qualquer interesse secundário ou dos particulares. ANTUNES, O procedimento..., p. 234. Sobre a discricionariedade administrativa ambiental, ver mais em: KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos

regularização das ocupações, com as necessárias medidas compensatórias,

obras de urbanificação e implantação dos equipamentos urbanos faltantes (para

evitar novos danos ambientais) e medidas inibitórias de novas ocupações.

Há que se considerar que existem hipóteses em que a realização de

obras para remoção das construções poderia acarretar significativo impacto

ambiental, pior que o ocorrido com a ocupação da área. Estas situações devem

ser analisadas individualmente, em procedimento administrativo próprio, com

laudo técnico que avalie se a ocupação da área urbana é irreversível, se a

revitalização da área de preservação é factível, se existe possibilidade de

urbanificação da área – sem causar mais impactos – para minimizar a

degradação já ocorrida.

Em o laudo técnico indicando que a revitalização da área de preservação

permanente traria benefícios para o equilíbrio ecológico e para a coletividade, a

exigência de sua desocupação e recuperação será pertinente. Referido laudo

técnico deverá indicar a extensão/metragem (não inferior a 15 metros para cursos

de água de até 50 metros de largura e não inferior a 50 metros para os demais

corpos hídricos, nos termos do art. 9°, inc. IV, “a”, da Resolução n.° 369/2006) em

que será necessária a remoção de edificações para posterior realização das

obras para revitalização da APP, de modo que esta tenha restauradas as suas

funções ecológicas no meio ambiente. Considerando que se trata de recuperação

de área já degradada e que a solução ideal nem sempre é faticamente possível,

relevante é que o laudo técnico indique a extensão da área a ser recuperada, de

modo que seja o suficiente para que a APP recupere suas funções ecológicas.

A contrario sensu, se o laudo técnico indicar a impertinência da alteração

– considerando especialmente que, inobstante a remoção de edificações, não

seria possível a revitalização da área de preservação permanente e a retomada

das suas funções no ecossistema –, resta somente a via da compensação

ecológica, com a troca da área irrecuperavelmente degradada por outra revestida

de vegetação do mesmo ecossistema, além de investimentos em urbanificação na

própria área degradada (tratamento de esgoto, medidas para conter a

impermeabilização, controle de edificações, vedação de expansão da área

conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

ocupada, desassoreamento dos cursos d’água, recolhimento e destinação dos

resíduos sólidos, etc.), para minimizar os impactos decorrentes da ocupação.

A regularização de áreas irregularmente ocupadas, que não respeitam

leis nem limites físicos, territoriais nem ecológicos, é verdadeiro passivo ambiental

que precisa ser enfrentado rompendo-se paradigmas, superando alguns conceitos

legais, sem afastar-se, contudo, da sustentabilidade das cidades.

Bibliografia:

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