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3872 A FELICIDADE DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, COMPREENDIDA COMO DIREITO FUNDAMENTAL THE HAPINESS OF THE DEFICIENCY-BEARING PERSON, UNDERSTOOD AS A FUNDAMENTAL RIGHT Telma Aparecida Rostelato RESUMO O presente estudo objetiva elucidar a necessidade de se conceituar adequadamente: pessoa portadora de deficiência, em apreço aos desideratos constitucionais, que pugnam pela irrestrita inclusão social, daí buscar-se enquadrar todos aqueles que encontrem dificuldades para praticar suas atividades rotineiras àquela conceituação. A preocupação sedimenta-se, sobretudo, na salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana, por considerar que mais importante que assegurar o direito à vida é assegurar o direito à vida com dignidade, subsumindo-se o alcance à ampla felicidade, a qual, todos indistintamente almejam desfrutar, inclusive por se apoiar noutro princípio constitucional, o da igualdade, compreendidas a igualdade de condições de acesso ao mercado de trabalho, à saúde, educação, além de singelos direitos, como deslocar-se nas ruas e calçadas, utilizar transporte coletivo, alimentar-se, relacionar-se com as pessoas sem deparar-se com atitudes preconceituosas, prestigiando-se o princípio constitucional da não-discriminação. Ao analisar minuciosamente o instituto dos direitos fundamentais, a fim de proceder a precisa localização dos direitos das pessoas portadoras de deficiência no rol classificatório dos direitos fundamentais em dimensões, conclui-se haver adequado enquadramento na primeira e na pretensa quarta dimensão, dado o enfoque do respeito à dignidade da pessoa humana, visto sob um prisma diferenciado. PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS-CHAVE: PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, DIREITOS FUNDAMENTAIS, PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA, FELICIDADE. ABSTRACT The present study aims to explain the need of making the concept adequately: deficiency-bearing person, in consideration to the constitutional desires, that defend unrestricted social inclusion, therefore searching for fitting all those who find difficulties to practice their routine activities to that concept. The concern, however, is Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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A FELICIDADE DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, COMPREENDIDA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

THE HAPINESS OF THE DEFICIENCY-BEARING PERSON, UNDERSTOOD AS A FUNDAMENTAL RIGHT

Telma Aparecida Rostelato

RESUMO

O presente estudo objetiva elucidar a necessidade de se conceituar adequadamente: pessoa portadora de deficiência, em apreço aos desideratos constitucionais, que pugnam pela irrestrita inclusão social, daí buscar-se enquadrar todos aqueles que encontrem dificuldades para praticar suas atividades rotineiras àquela conceituação. A preocupação sedimenta-se, sobretudo, na salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana, por considerar que mais importante que assegurar o direito à vida é assegurar o direito à vida com dignidade, subsumindo-se o alcance à ampla felicidade, a qual, todos indistintamente almejam desfrutar, inclusive por se apoiar noutro princípio constitucional, o da igualdade, compreendidas a igualdade de condições de acesso ao mercado de trabalho, à saúde, educação, além de singelos direitos, como deslocar-se nas ruas e calçadas, utilizar transporte coletivo, alimentar-se, relacionar-se com as pessoas sem deparar-se com atitudes preconceituosas, prestigiando-se o princípio constitucional da não-discriminação. Ao analisar minuciosamente o instituto dos direitos fundamentais, a fim de proceder a precisa localização dos direitos das pessoas portadoras de deficiência no rol classificatório dos direitos fundamentais em dimensões, conclui-se haver adequado enquadramento na primeira e na pretensa quarta dimensão, dado o enfoque do respeito à dignidade da pessoa humana, visto sob um prisma diferenciado. PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS-CHAVE: PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, DIREITOS FUNDAMENTAIS, PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA, FELICIDADE.

ABSTRACT

The present study aims to explain the need of making the concept adequately: deficiency-bearing person, in consideration to the constitutional desires, that defend unrestricted social inclusion, therefore searching for fitting all those who find difficulties to practice their routine activities to that concept. The concern, however, is

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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based on the protection of the principle of human person’s dignity, by considering that more important than assuring the right to life is assuring the right to life with dignity, keeping the reach for wide happiness, to which all indistinctively long for enjoying, inclusively by supporting in another fundamental principle, that of equality, already understood the equality in condition of access to the job market, to health, education, beyond the simple rights, as moving on the streets and sidewalks, making use of collective means of transportation, feeding, bringing into relation with other people without falling in with prejudice attitudes, giving prestige to the constitutional principle of the non-discrimination. By analyzing in details the institute of fundamental rights, in order to proceed the accurate location of the rights of deficiency-bearing people, in the classification roll of the fundamental rights in dimensions, it is concluded there to be adjustment in the first and in the desired fourth dimension, given the focus on the respect to the human person’s dignity, seen from a distinct angle of view.

KEYWORDS: KEY-WORDS: DEFICIENCY-BEARING PERSON, FUNDAMENTAL RIGHTS, PRINCIPLE OF HUMAN DIGNITY, HAPINESS.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe estabelecer uma reflexão a respeito da salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana, especificamente quanto às pessoas portadoras de deficiência.

Para tanto, pretende estabelecer critérios destinados a tecer adequadamente a conceituação de pessoa portadora de deficiência, atentando-se para a necessária ampliação da concessão de direitos, haja vista a expressa determinação constitucional que propugna pela inclusão social.

Num segundo momento, estabelecerá minuciosa análise acerca do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que além de se encontrar abarcado pela Constituição Federal, englobado está ao gênero: Direitos Fundamentais.

Partindo dessa premissa, finalmente propõe-se em averiguar a precisa localização dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, na doutrinária subdivisão em dimensões, presente nos Direitos Fundamentais, isto tudo com o objetivo de demonstrar que as pessoas portadoras de deficiência clamam não apenas pelo direito à vida, mas à vida digna, para que usufruam o direito de ser feliz.

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2 PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA: CONCEITO

Apesar de toda a celeuma travada pela doutrina e legislação pátria, o que muitas vezes ocasiona sérias dificuldades para a efetiva aplicabilidade dos preceitos legais, destinados à concessão de direitos vários às pessoas portadoras de deficiência, optamos pela conceituação que estabelece como sendo: pessoa portadora de deficiência[1] aquela que tem dificuldade de integração social, aquela que não consegue desenvolver suas atividades corriqueiras sem defrontar-se com obstaculizações.

Assim, para o desenrolar de singelos atos diários, necessitam de auxílio, e este auxílio não pode ser compreendido como sinônimo de beneficência, de caridade, mas sim de atuação do Estado, da sociedade, da comunidade e da família, para conceder-lhe meios concretos de inclusão social, sob todos os aspectos, perfazendo tal preceito, parte integrante do Art. 4º do Projeto de Lei do Senado, de nº 06/03 (de iniciativa do Senador Paulo Paim), o qual institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência e dá outras providências, o qual dispõe:

Art. 4º: É dever da sociedade, do Estado, da comunidade e da família assegurar às pessoas com deficiência a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à alimentação, à habitação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, ao trabalho, ao transporte, ao acesso às edificações, à cultura, à informação, à comunicação, à seguridade social, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Insuficiente a classificação das deficiências, restringindo-as, como sendo: físicas, sensoriais ou mentais, já que a definição de pessoa portadora de deficiência, traçada por Luiz Alberto David Araújo, contempla outras categorias de deficiências, veja:

[...] o que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência.[2]

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Com isso, ao considerar a mencionada conceituação, como sendo a mais adequada, por ser a mais abrangente, haja vista viabilizar a inserção de demais naturezas de deficiência, como é o caso das pessoas fenilcetonúricas, que são aquelas que possuem deficiência em seu metabolismo, sendo detectada através do teste do pezinho, efetuado em amostras de sangue, coletadas após setenta e duas horas de vida do bebê, e uma vez resultando positivo, deve ser iniciado tratamento, mediante alimentação pobre em fenilalanina, objetivando evitar deficiência mental.[3]

Assim, o fenilcetonúrico deve seguir uma dieta balanceada para que possa ter uma vida saudável, o que por conseqüência resulta na prática de atos e hábitos diferenciados daquelas pessoas que não tem a ausência desta enzima, logo têm uma vida regrada, tratando-se de uma síndrome genética, que obriga o seu portador a seguir uma dieta especial, com pouca quantidade de fenilalanina.

Na mesma seara, abrangidas encontram-se as pessoas superdotadas, que ao invés de ter uma falha, uma ausência, tem na realidade um “plus”, se comparados com pessoas ditas “normais”.

O mesmo ocorrendo com as pessoas portadoras de fissura labiopalatal, que podem ser definidas da seguinte forma:

[...] anomalias faciais congênitas, resultantes de qualquer alteração no decorrer do desenvolvimento embrionário humano, que podem variar desde pequenas assimetrias nas relações maxilares até defeitos faciais com maiores comprometimentos estéticos e funcionais.[4]

Inolvidável portanto, que esta é a conceituação mais adequada, ao pretender-se elencar as pessoas portadoras de deficiência, por ser bastante abrangente, alcançando diretamente os fins da inclusão social, alicerçados pela Constituição Federal, imiscuindo-se em absoluto toda e qualquer espécie de discriminação e marginalização social, rechaçadas expressamente pelo art. 3º., inciso III.

3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

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A dignidade da pessoa humana, disciplinada no Art. 1º, inc. III da Constituição Federal constitui um dos baluartes do Estado Democrático de Direito, se analisado sob o enfoque da proteção da pessoa humana.

Importa asseverar que a dignidade abrange sentimentos pessoais e que o ordenamento jurídico não poderia deixar de fora a proteção de tão digno princípio.

A dignidade, no dizer de Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 13-14), mantém estreita relação com as manifestações da personalidade humana.

Então, a preservação dos mais íntimos sentimentos devem ser respeitados, porque transcendem a pessoa, atingem o eu de cada ser humano, e se o fim buscado é o de respeitar a igualdade entre os seres humanos, nada pode ocorrer que estremeça a proteção deste direito, seja para qual pessoa for. Com isso, o que não pode haver é qualquer marginalização, seja de que pessoa for, sobre qual aspecto for.

Neste viés, independentemente da natureza da deficiência, que portam as pessoas portadoras de deficiência, ou não, o que deve preponderar é a concepção de que todos têm direito a um tratamento igualitário, digno; e se para a implementação da efetivação destes direitos, medidas precisem ser adotadas pelo Estado, a fim de atingir este desiderato, já que antes de tudo, são pessoas, as quais merecem e precisam da salvaguarda de sua dignidade, saliente-se que o Estado tem o dever de atuar para o atingimento desta finalidade; pois o direito à dignidade constitui previsão constitucional.

Além disso, verifica-se nos ensinamentos de Lafayette Pozzoli (2006, p. 185) que o cristianismo ao retomar o ensinamento judaico e grego, procurando aclimatar no mundo, pela evangelização, a idéia de que cada pessoa humana tem um valor absoluto no plano espiritual, pois Jesus chamou a todos para a salvação.

Desse modo, há muito tempo a preservação da dignidade da pessoa humana vem sendo tratada, incutido nos direitos humanos, inclusive verifica-se na obra de Roberto Bolonhini Júnior (2004, p. 40-41), no item intitulado: A Dignidade Humana como Fonte

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Mater dos Direitos, que após as grandes guerras mundiais houve a inserção valorativa que aplicou características que enfocam mais a existência que o patrimônio.

Com isso, a existência digna do ser humano é tema que clama pela atuação estatal para que se efetive. Verificamos a preocupação com o afastamento de qualquer tipo de discriminação às pessoas portadoras de deficiência, no âmbito Internacional, abordando a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a qual fora aprovada em dezembro de 2006 pela ONU.

Vejamos os princípios que norteiam a Convenção, de acordo com seu Art. 3º:

Princípios gerais:

a) o respeito da dignidade inerente, a autonomia individual, incluída a liberdade de tomar as próprias decisões, e a independência das pessoas;

b) a não discriminação;

c) a participação e inclusão plenas e efetivas na sociedade;

d) o respeito pela diferença e a aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade e a condição humanas;

e) a igualdade de oportunidades;

f) a acessibilidade;

g) a igualdade entre o homem e a mulher;

h) o respeito à evolução das faculdades dos meninos e as meninas com deficiência e de seu direito a preservar sua identidade (grifo nosso).[5]

Uma vez mais, observamos a dignidade humana como princípio geral dos direitos das pessoas com deficiência. Assim, o respeito ao ser humano fica novamente evidenciado em um documento internacional, indo ao encontro da proteção contra qualquer discriminação.

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4 DIREITOS FUNDAMENTAIS: ASPECTOS PONTUAIS

Direitos fundamentais são os direitos, destinados ao ser humano, reconhecidos e positivados por cada Estado.

O Brasil por sua vez, positivou-os no texto constitucional, sendo que nas duas primeiras Constituições brasileiras (1824 e 1891), tais direitos foram estabelecidos como liberdades públicas, tidas como limitações ao Poder.

Na Constituição de 1934 foram acrescidos, na Ordem Econômica, os direitos sociais, em seu Título IV, enquanto a Constituição de 1891, em seu Art. 78 previu a questão dos direitos fundamentais.

Fez-se presente nas Constituições de 1934, em seu Art. 114; na de 1937, em seu Art. 123; na de 1946, em seu Art. 144; na de 1967, em seu Art. 150, § 35 e na Emenda nº 01, de 1969, em seu Art. 153, § 36.

Já, na Constituição de 1988, fizeram-se notáveis as inovações pertinentes aos direitos fundamentais, tendo estas sido constatadas mesmo na elaboração do projeto da Constituição, que através da subscrição por eleitores, foram trazidas emendas ao texto, através das quais foram estabelecidas reflexões acerca de temas voltados aos direitos econômicos, sociais e culturais.

Assim, trouxe a Constituição vigente, em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos, que elenca:

· direitos e deveres individuais e coletivos: são os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e à sua personalidade, tais como à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade e à propriedade. Estão previstos no Art. 5º e seus incisos;

· direitos sociais: o Estado Social de Direito deve garantir as liberdades positivas aos indivíduos. Esses direitos são referentes à educação, saúde, trabalho, previdência

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social, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Sua finalidade é a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos, concretizando assim, a igualdade social. Estão elencados a partir do Art. 6º;

· direitos de nacionalidade: nacionalidade, significa o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo com que este indivíduo se torne um componente do povo, capacitando-o a exigir sua proteção e em contra partida, o Estado sujeita-o a cumprir deveres impostos a todos; constam dos Arts. 12 e 13;

· direitos políticos: permitem ao indivíduo, através de direitos públicos subjetivos, exercer sua cidadania, participando de forma ativa dos negócios políticos do Estado, constante dos Arts. 14, 15 e 16;

· direitos relacionados à existência, organização e à participação em partidos políticos: garante a autonomia e a liberdade plena dos partidos políticos como instrumentos necessários e importantes na preservação do Estado Democrático de Direito. Está elencado no Art. 17.

Releva destacar que o § 1º do Art. 5º conferiu aplicabilidade imediata aos direitos e garantias fundamentais, tendo o § 4º do Art. 60, petrificado-as, veja:

Art. 5º: [...].

§ 1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Art. 60: A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

[...]

§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

[...]

IV – os direitos e garantias fundamentais.

Importa destacar que a doutrina subdivide os direitos fundamentais em três dimensões, sendo elas: a primeira dimensão, que abrange os direitos de liberdade; a segunda dimensão, que pertine aos direitos de igualdade e a terceira dimensão, marcada pelo surgimento da necessidade de ampliar o campo dos direitos fundamentais.

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Assim, encontram-se, os direitos fundamentais de primeira e segunda dimensão, abrangidos pela Constituição Federal de 1988, pois além do Título II, analisando-o como um todo, verifica-se a presença protetiva dos direitos à vida, liberdade e propriedade, bem como o princípio da igualdade e os direitos e garantias políticos, além dos direitos sociais (nestes verifica-se o enquadramento aos direitos fundamentais de segunda dimensão).

Quanto aos direitos de terceira dimensão, também são encontrados, entretanto a análise deve ser mais acurada, porque certos direitos ainda não se encontram positivados em nível constitucional interno, o que por certo não afasta a sua possibilidade de reconhecimento e efetivação, que poderia se dar também por intermédio do disposto no § 2º do Art. 5º, que preconiza:

Art. 5º: [...].

§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Objetivando estabelecer o adequado enquadramento protetivo dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, faz-se necessária a consideração da cogitada existência da quarta dimensão dos direitos fundamentais, já que autores, como Paulo Bonavides, consideram-na, a qual seria marcada pelo fim do século XX e teria como característica “[...] o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo”.[6]

A sustentação desta dimensão centrar-se-ia, segundo seus adeptos, em cuidar do princípio da dignidade humana, interpretados sob outro enfoque, vinculando-se à liberdade de autonomia, proteção da vida e outros bens fundamentais contra ingerências estatais, aí estariam enquadradas as manipulações genéticas, o direito de mudar de sexo e outros.[7]

Ressalte-se, porém, que esta quarta dimensão de direitos fundamentais, não foi reconhecida nem na órbita interna, nem na internacional.

Em síntese, estas dimensões preservam a vida, a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana.

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4.1 Precisa Localização dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência nas dimensões dos Direitos Fundamentais

Os direitos das pessoas portadoras de deficiência encontram-se dispersos na Constituição Federal, fixados por diversos artigos, não se restringem, portanto, ao disposto no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais).

Não obstante, a presença dos mesmos assenta-se primordialmente, no princípio que alicerça os preceitos do capítulo supracitado, qual seja: a dignidade da pessoa humana, por constituir-se o cerne da proteção, de forma geral, no nosso ordenamento.

Nesta seara de proteção, pode-se afirmar que se localiza, na primeira dimensão[8] dos direitos fundamentais, os direitos da liberdade, incluídos o direito à vida, à segurança, à propriedade, à igualdade formal (perante a lei), às liberdades de expressão coletiva, etc.

Ainda, como propõem alguns autores, a existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, onde, pode-se afirmar, estaria o direito à realização de cirurgia plástica para as pessoas portadoras de Síndrome de Down, bem como para as pessoas portadoras de fissura labiopalatal.

Nesta seara, encontram-se as mesmas, enquadradas nesta dimensão dos direitos fundamentais, já que corresponde à proteção diretamente relacionada à dignidade da pessoa humana.

Assim, brevemente convém tecer comentário a respeito da pessoa denominada trissômica (a portadora de Síndrome de Down), deficiência que corresponde numericamente a uma criança com Síndrome de Down para cada seiscentos nascimentos, a qual é verificada pela existência de três cromossomos no 21º par de cromossomos, sendo o corpo humano formado de 46 pares de cromossomos (daí a denominação médica, trissomia 21).

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A aparência destas pessoas, por si só, revela portarem a citada deficiência, pois é caracterizada pelo tamanho da língua, da orelha e, principalmente, pelo formato do rosto. A cirurgia que vem sendo aplicada é aquela que objetiva a redução do tamanho da língua, já que melhora a comunicação, a respiração e a alimentação do trissômico; no que diz respeito à diminuição do espaço atrás da orelha e a remodelação da face, mormente na região próxima aos olhos, apesar de não ter função terapêutica propriamente dita, compreende à diminuição ou eliminação de preconceito estereotipado.

Sobreleva notar que discussões vêm sendo travadas, a respeito da realização de cirurgia plástica estética nestas pessoas, reduzindo-se o tamanho da língua e das orelhas e a referente à reconstrução facial, sobretudo na região dos olhos, objetivando retirar tais traços que as diferenciam das outras pessoas, amenizando a dor da discriminação pela aparência, que sofrem os trissômicos, de maneira que o preconceito social reste minimizado, senão eliminado completamente.

As pessoas portadoras de Síndrome de Down e as labiopalatinas, enfrentam com freqüência, a dor do preconceito que lhes é dispensado, face à sua aparência; fator que pode ser amenizado com a realização de cirurgia plástica; intervenção esta, que vem sendo alvo de discussão. Alguns pais manifestam-se favoravelmente acerca do tema, e outros, não, sendo que com referência aos portadores da Síndrome de Down, José Luiz Ragazzi os relaciona:

[...] pais defendem a tese de que a cirurgia melhorará, além do funcionamento físico das crianças, a aparência e a aceitação familiar em relação ao seu filho, além de os pais se sentirem melhores diante disso, pois na época do nascimento do filho trissômico, o casal esperava ter um descendente com suas características e, assim, criam um ambiente até hostil, sem carinho, pelas dificuldades não somente intelectuais que enfrentarão, mas também pela não-aceitação em relação à diferença estética. Afirmam, portanto, que a integração social também é beneficiada [...].[9]

Já, os pais que não comungam desta idéia, sustentam que a plástica, obviamente, não muda em nada o comportamento e a habilidade intelectual da criança para melhor, além de não terem visto mudanças significativas em relação aos seus filhos especiais.

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A autorização para que estas pessoas possam ser submetidas a estas cirurgias, corresponde à preservação da dignidade da pessoa humana, a qual tem interpretação sob outro enfoque, segundo a definição da quarta dimensão dos direitos fundamentais.

No mesmo sentido, indicamos a ocorrência das manipulações genéticas, destinadas à tratamento terapêutico, a sua realização, igualmente, corresponde à salvaguarda da dignidade da pessoa humana.

A quarta dimensão dos direitos fundamentais abarcaria, ainda, a pesquisa genética, com a necessidade de impor um controle na manipulação do genótipo dos seres, especialmente o homem.

Recorrendo ao escólio de Pietro de Jesús Lora Alarcón,[10] observa-se que o rompimento de uma dimensão de direitos fundamentais e o advento de uma outra, requer detectar os traços que caracterizam a sensibilidade desta e, estes traços têm sido encontrados nas descobertas da genética, visto que ela traz a lume uma nova forma de observar a vida humana.

As pessoas que possuem doenças genéticas podem ser enquadradas como pessoa portadora de deficiência, considerada a definição apresentada no capítulo 2; portanto, a sua proteção é fator imperativo, para a garantia dos princípios da dignidade e da igualdade.

Da mesma forma, a identidade genética, decorre do princípio da dignidade da pessoa humana.

Pietro de Jesús Lora Alarcón pondera que: “[...] as finalidades do direito e do Estado podem sintetizar-se em uma só: a proteção integral da vida do ser humano, sua felicidade”.[11]

Disso depreende-se que, para o atingimento da felicidade, a pessoa portadora de deficiência carece do resguardo estatal de sua dignidade, conferindo-lhe igualdade de condições, em todos os aspectos da vida cotidiana.

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As dimensões dos direitos fundamentais, como visto, salvaguardam a vida humana. Desta assertiva, convém ressaltar que, não basta assegurar o direito à vida, é necessária a proteção da vida digna, ou seja, a vida há que ser usufruída, com dignidade, daí então decorre a transmutação dos direitos fundamentais, em dimensões, sendo que em cada momento histórico, o enfoque de proteção dispensada é visto em conformidade com os valores atribuídos pela sociedade.

É inolvidável que hodiernamente, devido aos avanços científicos, a terapia genética pode resolver problemas de saúde do ser humano e, tal evento deve ser protegido, pois o bem que se tutela é a vida humana, com a realização da terapia visa-se não apenas proteger a vida, mas a vida digna daquela pessoa, que porta certa doença genética.

A inviolabilidade da vida humana é vista então, sob outro ângulo, no que se refere às terapias genéticas ou, mesmo, técnicas de clonagem, as quais repercutem sobre valores da vida.

Os direitos das pessoas portadoras de deficiência, localizam-se prima facie, nos direitos fundamentais de primeira dimensão, contemplados os direitos de defesa do indivíduo, com relação ao Estado, ou seja, a preservação do seu direito à vida, sem interferência estatal.

Já, num segundo plano, localizam-se nos direitos fundamentais da pretendida quarta dimensão, pois focada está, sob um outro patamar de proteção, a vida humana, sustentada pela garantia da fruição de dignidade, no decorrer da vida destas pessoas, exigindo-se, desta feita, a ingerência estatal, para a implementação de medidas destinadas ao aprimoramento de técnicas científicas voltadas à melhoria de condições da existência.

Seria esta, uma outra dimensão protetora dos direitos da pessoa, enfim, os direitos da pessoa portadora de deficiência vistos sob uma óptica diversificada, a qual engloba diversos princípios, que subsumem a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, já que é imprescindível o acompanhamento da evolução científica pelo Direito.

A República Federativa do Brasil estabelece como objetivo fundamental, além de garantir o direito à igualdade e à não-discriminação, a não exclusão. Em suma, garantiu-se o direito à felicidade, como ensina Antonio Rulli Neto.[12]

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A idéia de formação de Estado moderno, por si só conduz à consagração do direito à felicidade pessoal, que agrega a dignidade da pessoa humana, aliás São Tomás de Aquino, de há muito reconhecia a felicidade como o fim almejado pela sociedade.

Para que a pessoa portadora de deficiência possa sentir-se feliz e alcance o bem: felicidade, necessita dispor de todos os meios possíveis para praticar os seus atos, desde os mais corriqueiros, como transitar pelas ruas, ir à escola, ao clube, utilizar o telefone público, sem que se depare com obstáculos que se implementam por causa de sua deficiência e que para outra pessoa (não portadora de deficiência), a prática do ato seria possível.

Assevera Francisco Gomes de Matos que:

[...] filósofos de todos os tempos colocaram a felicidade como a aspiração dominante do ser humano, que a procura cada qual a sua maneira. A felicidade, sendo a grande referência à vida, é, nesse sentido, a motivação maior ao trabalho, direcionando passos, caminhos, relacionamentos e metas. O homem- pensamento, o homem-emoção e o homem-ação ganham integridade no ser feliz [...].[13]

Assim, ao Estado incumbe o dever de tornar eficaz todas as normas constitucionais protetivas dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, para torná-las e mantê-las felizes, no seu dia-a-dia, afastando-se a ofensa à sua dignidade. Por isso, pode-se asseverar convictamente que a felicidade constitui-se um direito fundamental, por revestir-se do resultado da observância dos demais princípios constitucionalmente resguardados, fincados no destacado princípio da dignidade da pessoa humana.

4.2 Deficiências Específicas

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O princípio da dignidade da pessoa humana consagra proteção aos sentimentos do ser, aqueles mais íntimos, por vezes incomensuráveis, presente então a preocupação estatal para com a pessoa, em si, considerada como gênero da espécie humana.

Logo, pode-se asseverar que as pessoas portadoras de deficiência que tenham então a sua dignidade respeitada integralmente carece que lhes sejam concedidos todos os meios que necessitam para transpor as suas dificuldades para a prática de seus intentos diários, seja para matricular-se em escola, na rede regular de ensino, para desfrutar de tratamento de saúde e obtenção de medicamentos, seja para ingressar no mercado de trabalho e ser mantido no emprego, sob as mesmas condições que as demais pessoas (não portadoras de deficiências), daí a inarredável presença do princípio da igualdade.

Ora, isto tudo para viabilizar que estas pessoas tenham uma vida digna, não deixando de lado as atividades singelas, mas não menos importantes, como a possibilidade de deslocar-se pelas ruas e calçadas, falar ao telefone público, ter acesso às repartições em geral, sobretudo as públicas, facultada pela redução e/ou eliminação das diversas barreiras arquitetônicas.

Estritamente com referência às pessoas que se enquadram ao conceito de pessoa portadora de deficiência, por terem alimentação regrada, estas dependem de informações que devem constar nos rótulos das embalagens dos produtos alimentícios, postos à venda nos supermercados, padarias e outros, indicando a presença ou não de fenilalanina, já que estas pessoas não podem ingerir grande quantidade desta, face o risco de desenvolvimento de deficiência mental.

Depreende-se do exposto, que todos devem envidar esforços para que as pessoas portadoras de deficiência possam incluir-se na sociedade.

O Estado tem o dever de oferecer os mais diversos meios que possibilitem a inclusão, promovendo o emprego, transporte, comunicações, habitação, lazer, educação, esporte, acesso à justiça, acesso aos serviços policiais e às atividades políticas e de administração, além de adotar medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações que venham a ser construídas ou fabricadas, facilitem o transporte, a comunicação e o acesso das pessoas com deficiência; prevendo ainda, a eliminação de obstáculos arquitetônicos, de transporte e comunicações que exista, com a finalidade precípua de facilitar seu acesso e uso, ou se não puder, de colocar à disposição os caminhos correspondentes.

O tratamento igualitário às pessoas portadoras de deficiência deve ser dispensado, tanto pelo legislador, quanto pelo aplicador da lei. Assim, o princípio da isonomia, para

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atingir os objetivos propostos para a efetivação da inclusão, parâmetros devem ser delineados, vislumbrando conceder não apenas meios de acesso à logradouros públicos, ao ensino, à educação, ao lazer, etc., mas que estes sejam meios adequados, aptos a eliminar as barreiras com as quais estas pessoas se deparam, de modo que consigam equiparar-se aos denominados normais, no aspecto da convivência e desempenho de atividades, que para estes são meramente corriqueiras. Esta seria a adequada aplicação do princípio da isonomia, para a proteção das pessoas portadoras de deficiência.

Constitui-se dever de todo cidadão, contribuir para que o outro alcance condições para praticar seus atos cotidianos, sem quaisquer dificuldades. Daí a importância dos profissionais engenheiros e arquitetos, que em seus projetos diminuem ou excluem barreiras nos transportes coletivos, nos edifícios, nos elevadores, nos orelhões, quando da sua adaptação; barreiras estas que não somente obstam o acesso de pessoas com deficiência (motora, visual ou auditiva, por exemplo), mas viola a dignidade das mesmas, sendo que esta responsabilidade também recai sobre os legisladores (como é o caso da louvável iniciativa que versa a Lei nº 8.199/91, a qual isenta a cobrança de IPI das pessoas com deficiência, além do IOF, quando do financiamento de veículos próprios).

É cediço que, apesar da ampla salvaguarda deste princípio, verifica-se freqüentemente a sua afronta, é o que Carmem Lúcia Antunes Rocha demonstra em trecho de seu artigo, a seguir reproduzido:

[...] inobstante a garantia constitucional da dignidade humana igual para todos, da liberdade igual para todos, não são poucos os homens e mulheres que continuam sem ter acesso às iguais oportunidades mínimas de trabalho, de participação política, de cidadania criativa e comprometida, deixados que são à margem da convivência social, da experiência democrática na sociedade política [...] o mundo ocidental continua marginalizando os que são fisicamente desiguais do modelo letrado e chamado civilizado e civilizatório pelos que assim o criaram.[14]

Esta não é uma luta isolada, da pessoa portadora de deficiência e de sua família, de seus vizinhos, nem mesmo do Estado apenas, para que possa surtir os efeitos concretos almejados, em sua completude, condiciona-se ao empenho de toda a sociedade, da conscientização de cada um, de maneira a respeitar as dificuldades do seu próximo e atuar para eliminar ou ao menos reduzir tais dificuldades de integração, para assegurar o convívio desta categoria de pessoas, no seio da sociedade, sem defrontar-se com atitudes preconceituosas.

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O princípio da não-discriminação encontra-se resguardado no art. 3º., inciso IV da Constituição Federal, segundo o qual todo ser humano tem o direito de não ser discriminado, considerada a discriminação sob todos os aspectos.

Neste âmbito, é possível verificar que a discriminação não pode recair sobre qualquer pessoa humana; incluídas por óbvio, aquelas pessoas portadoras de deficiência, logo, não podem sofrer qualquer espécie de marginalização.

Eugênia Augusta Gonzaga Fávero[15] assevera que temos visto em todo o mundo o movimento pela inclusão das pessoas portadoras de deficiência, o qual é muito importante para atingir o direito à igualdade e à eliminação da discriminação.

Desta feita, para concretização de uma sociedade justa, livre, solidária e inclusivista, apta a receber as pessoas portadoras de deficiência sem discriminações, o direito de ser feliz enquadra-se no conceito dos direitos fundamentais, dada a interpretação das normas, devendo o Estado assegurar tal direito, através de meios assecuratórios do direito à vida, gozando o direito à convivência digna, respeitosa, possibilitando dessa forma, uma vida plena e digna, sem quaisquer espécies de obstaculizações, alcançando a almejada justiça, no seu amplo conceito.

Imprescindível que se tenha em mente, além de todos os direitos assegurados às pessoas portadoras de deficiência, constantes de extenso rol, tanto em âmbito constitucional, quanto infraconstitucional, bem como reconhecidos internacionalmente, por erigidos à seara dos direitos humanos, o dever dos que não pertencem àquela categoria de viabilizar que tais pessoas usufruam irrestritamente do bem que todos buscamos, diuturnamente, por toda vida, para sermos felizes.

5 CONCLUSÕES

Ao recorrer à aprofundada pesquisa, constatando-se as divergências conceituais, verificamos que as pessoas portadoras de deficiência, como sendo aquelas que se deparam com dificuldades para integrar-se à sociedade. Com isso, esta definição acaba

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sendo mais abrangente, já que engloba deficiência física, mental, sensorial, superdotados, pessoas portadoras de fissura labiopalatal, fenilcetonúricos, dentre outros.

Os direitos das pessoas portadoras de deficiência encontram amparo constitucional, considerados como direitos fundamentais, dispersos pelo texto constitucional, os quais não se restringem ao Título II, podendo todos aqueles que se enquadram ao conceito de pessoa portadora de deficiência usufruírem amplamente dos direitos que se encontram arrolados no nosso ordenamento jurídico.

Localiza-se, a proteção dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, precisamente na primeira dimensão, dentre o rol classificatório dos direitos fundamentais, sedimentada no ordenamento, em sua fase inaugural, por consolidar a proteção da vida, além da segurança, propriedade, igualdade formal, e outros, os quais são oponíveis ao Estado, que é tido como guardião destas, sem interferir no relacionamento social, abstendo-se.

Presentes estão, ainda, na pretensa quarta dimensão, a qual ainda que não se encontre consagrada na esfera do direito internacional e nem das ordens constitucionais internas (por isso a dificuldade em se determinar datas), estaria a proteção das pessoas portadoras de deficiência, sob o enfoque dos mecanismos possibilitados pela evolução científica, viabilizada assim, a inclusão social, advinda da salvaguarda da dignidade, refletindo-se assim, na salvaguarda da vida com dignidade, ou seja, a dignidade sob um prisma diferenciado.

Assim, entende-se possível o alcance da felicidade pelas pessoas portadoras de deficiência, por poderem exercer atividades rotineiras dignamente, perpetrando-se a almejada inclusão social.

Como então se poderia ousar dizer que a felicidade não se constitui direito fundamental?

REFERÊNCIAS

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[1] No presente trabalho, optamos pela adoção do termo pessoa portadora de deficiência, por ser o empregado no texto constitucional.

[2] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3ª ed. rev. ampl. e atual. Brasília: CORDE, 2003, p. 23-24.

[3] OLIVEIRA, Claudete. O que é, doutor? In: Revista Sentidos, nº 54:44-48. São Paulo: Áurea Editora, 2005, p. 46.

[4] ALVARES, Ana Lúcia Gabos; CAPELOZZA FILHO, Leopoldino; ROSSATO, Claudenir. et al. Conceitos vigentes na etiologia das fissuras labiopalatinas. In: Revista Brasileira de Cirurgia, vol. LXXVIII, nº 04:215-255. São Paulo: RBC, 1998, p. 233.

[5] Artículo 3: Principios generales:

Los principios de la presente Convención serán:

El respeto de la dignidad inherente, la autonomía individual, incluida la libertad de tomar las propias decisiones, y la independencia de las personas;

La no discriminación;

La participación e inclusión plenas y efectivas en la sociedad;

El respeto por la diferencia y la aceptación de las personas con discapacidad como parte de la diversidad y la condición humanas;

La igualdad de oportunidades;

La accesibilidad;

La igualdad entre el hombre y la mujer;

El respeto a la evolución de las facultades de los niños y las niñas con discapacidad y de su derecho a preservar su identidad.

[6] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 571.

[7] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 53.

[8] O emprego da expressão dimensão dos direitos fundamentais é considerado mais adequado que geração, vez que esta enseja a equivocada impressão de substituição gradativa de uma geração por outra, não obstante seja adotada, cuja propagação, na doutrina brasileira, foi bastante efetuada por BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 563.

[9] RAGAZZI, José Luiz. et al. Reflexões sobre a cirurgia plástica nos portadores de síndrome de down como fator de inclusão social. In: Revista do Instituto de

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Pesquisa e Estudos – Divisão Jurídica, nº 44:495-508. Bauru: Instituto Toledo de Ensino, 2005, p. 502-503 e 516.

[10] ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004, p. 89.

[11] Ibidem, p. 318.

[12] RULLI NETO, Antonio. Direitos do portador de necessidades especiais. São Paulo: Fiuza, 2002, p. 68.

[13] MATOS, Francisco Gomes de. Fator QF – quociente de felicidade: ciclo de felicidade no trabalho. São Paulo: Makron Books, 1997, p. 07.

[14] ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. In: Revista Trimestral de Direito Público, nº 250:85-99. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 86.

[15] FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Direitos das Pessoas com Deficiência – garantia de igualdade na diversidade. Rio de Janeiro: WVA, 2004, p. 36.