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FATO TPICO
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A primeira caracterstica do crime ser um fato tpico, descrito, como tal, numa
lei penal. Um acontecimento da vida que corresponde exatamente a um modelo de fato
contido numa norma penal incriminadora, a um tipo.
Para que o operador do Direito possa chegar concluso de que determinado
acontecimento da vida um fato tpico, deve debruar-se sobre ele e, analisando-o,
decomp-lo em suas faces mais simples, para verificar, com certeza absoluta, se entre o
fato e o tipo existe relao de adequao exata, fiel, perfeita, completa, total e absoluta.
Essa relao a tipicidade.
Para que determinado fato da vida seja considerado tpico, preciso que todos
os seus componentes, todos os seus elementos estruturais sejam, igualmente, tpicos.
Os componentes de um fato tpico so a conduta humana, a conseqncia
dessa conduta se ela a produzir (o resultado), a relao de causa e efeito entre aquela
e esta (nexo causal) e, por fim, a tipicidade.
O objetivo, neste captulo, estudar cada um desses elementos do fato tpico,
inclusive decompondo, cada um deles, em outros caracteres mais simples ainda, e
estes, quando possvel, em outros componentes.
8.1 CONDUTA
Ao longo dos anos, os estudiosos do Direito Penal construram vrias teorias,
procurando explicar a ao, em sentido amplo, ou conduta, o primeiro elemento do
fato tpico.
O tema da mais alta importncia, pois do conceito de conduta adotado
decorrem profundas e diversas conseqncias para o tratamento de importantes
questes penais prticas.
No se trata de divergncias de natureza meramente acadmica, sem qualquer
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reflexo na vida prtica, como poderia parecer. Ao contrrio, do conceito de conduta
adotado decorre a prpria orientao do Direito Penal vigente em determinado pas,
como se ver a seguir.
8.1.1 Teoria causalista
A teoria causalista ou naturalista da ao, de BELING e VON LISZT, incorpora ao
conceito de conduta as leis da natureza; da o seu nome. Os adeptos da teoria causalista
ou naturalista at pouco tempo atrs a que imperava no Brasil, e que, ainda hoje,
infelizmente, tem adeptos entre juzes e integrantes de certos tribunais entendem que
a conduta umpuro fator de causalidade.
Segundo eles, a vontade a causa da conduta e esta a causa do resultado. Em
outras palavras: a conduta efeito da vontade e causa do resultado. A vontade causa a
conduta, que d causa ao resultado.
Para o causalismo, a conduta um comportamento humano voluntrio que se
exterioriza e consiste num movimento ou na absteno de um movimento corporal.
Essa teoria considera imprescindvel que a conduta tpica seja um comportamento
voluntrio, impulsionado pela vontade do homem, que se concretiza, torna-se real,
material, por meio de uma ao positiva ou negativa.
Existe conduta na atitude de Cludio que se levanta da cama e vai at o
banheiro, para escovar os dentes, tropea e derruba seu filho que, na queda, fratura obrao. O movimento voluntrio das pernas de Cludio dentro de seu quarto o andar,
tropeando causou a fratura do brao de seu filho. A vontade de Cludio impulsionou
seu comportamento, que deu causa ao resultado.
Igualmente, conduta o comportamento de Jorge, impulsionado por sua
vontade, que consiste em atirar, com a mo, uma pedra em direo ao corpo de Mrio,
ferindo-o.
Os causalistas, ao examinarem a conduta de uma pessoa, no realizam qualquer valorao acerca do fim pretendido pelo agente. Para eles, basta analisar a
voluntariedade do comportamento se o agente queria movimentar-se ou abster-se de
um movimento e se h nexo de causa e efeito entre o comportamento e a
conseqncia dele advinda.
No se importam quando examinam a conduta com o contedo da vontade
do agente. No perguntam se Cludio, ao derrubar seu filho, desejava ou no feri-lo,
nem se Jorge, ao atirar a pedra, queria ou no atingir e ferir o corpo de Mrio.
Para a teoria causal, essas so questes que no se resolvem no mbito da
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conduta, do fato tpico, momento em que basta verificar-se a voluntariedade do agente
e o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.
A finalidade, o contedo da vontade, diz o causalismo, no so temas para
serem abordados no momento da anlise da tipicidade do fato. Devem ser estudados
quando se for verificar a culpabilidade, que a terceira caracterstica do crime.
8.1.2 Teoria finalista
Contra o causalismo levantaram-se crticas importantes, falhas cruciais.
Imaginem-se trs fatos da vida:
Fato A: Joo, voluntariamente, dispara um tiro de revlver contra Mrcio,
causando-lhe um ferimento na perna direita.
Fato B: Pedro, voluntariamente, dispara um tiro de revlver contra Paulo,
causando-lhe um ferimento na perna direita.
Fato C: Antnio, voluntariamente, dispara um tiro de revlver contra
Srgio, causando-lhe um ferimento na perna direita.
Nos trs fatos, as trs condutas consistem em trs aes voluntrias de pressionar
a tecla do gatilho da arma de fogo, disparando-a em direo a outra pessoa. As
conseqncias das trs condutas, os resultados, so absolutamente idnticos nos trsfatos: leso do corpo do sujeito passivo.
Em qual tipo legal de crime se ajusta cada um dos trs fatos? Seriam trs leses
corporais, dolosas, como definidas no art. 129 do Cdigo Penal? Ou seriam trs
leses corporais, culposas, de que trata o 6 do mesmo art. 129? Ou poderiam os
trs fatos caracterizar-se como trs tentativas de homicdio?
O adepto da teoria causalista no pode, neste momento, responder a essas
indagaes, porque, segundo ele, no importa, no mbito do fato tpico, o contedo da vontade do agente. De conseqncia, s poder responder quando for analisar a
culpabilidade.
O primeiro funcionrio pblico encarregado de tomar contato com um fato
definido como crime o delegado de polcia, a quem incumbe investigar como
aconteceu, onde, quando, quem foi, como foi, por que foi e, aps registrar tudo isto,
num documento denominado inqurito policial, o encaminhar ao juiz, que o mandar
ao promotor de justia, cuja misso , se considerar necessrio, pedir ao juiz a
condenao do infrator da norma penal.
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O inqurito policial o alicerce sobre o qual se vai construir um conjunto de
outros atos procedimentais, reunidos organizadamente naquilo que se chama processo
penal, instrumento de busca da verdade, pelo qual, ao final, o julgador decide sobre o
que lhe foi colocado: condena ou absolve o acusado da prtica do fato definido como
crime. Essas noes de processo penal no so objeto deste estudo, por isso s so
feitas aqui referncias bastante rudimentares, para que o nefito possa entender apenas
o necessrio para o objetivo aqui proposto.
Como far o delegado de polcia causalista encarregado de instaurar o
inqurito policial, diante daqueles trs fatos? Em qual artigo do Cdigo Penal
indiciar Joo, Pedro e Antnio?
indiscutvel que ele precisa verificar o que se continha na vontade de cada um
dos agentes, para definir em qual tipo legal de crime sua conduta se ajusta. Sem essaanlise, impossvel afirmar se como e quando um fato da vida tpico.
Para se dizer que no fato Ahouve tentativa de homicdio, necessrio que se
analise o contedo da vontade de Joo e se conclua que ele desejava matar Mrcio, no
conseguindo porque, errando, s atingiu a perna, regio no letal.
No segundo fato, B, para se afirmar que houve uma leso corporal dolosa,
indispensvel que, analisando-se o contedo da vontade de Pedro, se conclua pela
certeza de que este queria apenas e to-somente ferir Paulo.
E no terceiro fato, C, ter havido leso corporal culposa, quando se chegar
concluso de que Antnio, ao disparar voluntariamente sua arma, no desejava nem
matar, nem ferir Srgio, mas, apenas, brincar com seu revlver.
O indiciamento dos trs agentes em inqurito policial deve ser o mais prximo
da realidade. As conseqncias so da mais alta importncia, bastando lembrar que os
indiciados por leso corporal simples dolosa (art. 129, caput) ou culposa (art. 129, 6)
podero no ser presos em flagrante, mas colocados em liberdade, como manda o art.
69 da Lei n 9.099/95, que trata do processo por crimes de menor potencial ofensivo:
A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrncia lavrar termo
circunstanciado e o encaminhar imediatamente ao Juizado, com o autor do
fato e a vtima, providenciando-se as requisies dos exames periciais
necessrios. Pargrafo nico. Ao autor do fato que, aps a lavratura do termo,
for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele
comparecer, no se impor priso em flagrante, nem se exigir fiana.
J os presos em flagrante indiciados por tentativa de homicdio s podero serlibertados mediante o pagamento de fiana arbitrada pelo juiz, nunca pelo delegado.
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Essa apenas uma das conseqncias prticas do correto indiciamento, que
decorre da exata tipificao de um fato concreto, possvel apenas quando se analisa no
s a aparncia do fato, mas, principalmente, o contedo da vontade do agente.
A distino entre uma leso corporal intencional, uma leso corporal causada por
negligncia e uma tentativa de homicdio em que a vtima sai ferida est no contedo
da vontade dos trs agentes, na finalidade da vontade do agente dos trs fatos, posto
que o resultado idntico nas trs hipteses.
HANS WELZEL, estudando a conduta nas primeiras dcadas do sculo passado,
verificou que o elemento diversificador dos fatos tpicos no est em seu resultado, mas
na ao. A ao do homem que mata outro com vontade de matar punida mais
rigorosamente que a conduta do homem que mata outro sem vontade de matar, apesar
de o resultado ser o mesmo nas duas situaes (morte de um homem), porque o Direitodeseja censurar mais severamente aquele que teve vontade de causar o mal a outrem. Ao
Direito importa distinguir entre o que quis um resultado e o que no o quis, mas, por
descuido, o causou.
Com base nessas observaes, WELZEL estruturou a Teoria Finalista da Ao ou
Teoria da Ao Final, que diz ser toda ao uma atividade humana final, ou o exerccio
da atividade finalista.
Todo e qualquer comportamento humano um acontecimento finalista e no
puramente causal, pois o homem, enquanto ser consciente das leis naturais, de causa
e efeito, pode prever as conseqncias de seu comportamento e tem condies de
dirigir sua atividade no sentido da produo de um ou de outro resultado. E, sempre
que age, ele o faz com determinada finalidade.
Toda vontade tem um contedo, que o fim. A teoria causal, quando prescinde da
anlise do contedo da vontade, est fraturando o conceito de ao, que um
fenmeno uno. A vontade que impulsiona a conduta tem um contedo que no pode
ser separado dela.
A diferena, portanto, entre as duas teorias que, para os causalistas, a ao um
puro processo causal, ao passo que o finalismo demonstrou que a conduta um
processo causal dirigido a determinada finalidade.
No importa, neste primeiro momento, qual seja a finalidade, mas que ela exista
sempre. Em algumas situaes, essa finalidade dirigida produo de um dano a
algum bem jurdico, noutras o fim pode ser a obteno de um resultado permitido ou
no proibido. Mas, sempre, haver uma finalidade, sempre a vontade humana ter umcontedo, no importa com qual natureza.
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Segundo WELZEL, a direo final da ao realiza-se em duas fases: internamente,
na esfera do pensamento, quando o homem se prope realizar alguma coisa e,
externamente, quando concretiza, materializa esta sua vontade, por meio da colocao
em marcha de um processo causal, dominado pela finalidade, para alcanar o fim
proposto.
Na proposio da realizao da conduta, esto includas a escolha do fim, a seleo
dos meios e a aceitao dos efeitos secundrios da realizao da ao.
Isso quer dizer que a finalidade da ao engloba no somente o fim escolhido, mas
tambm os meios utilizados e os efeitos desta utilizao.
Por exemplo, quando algum decide viajar de Braslia para Salvador, por via
terrestre, conduzindo seu veculo, durante um final de semana, integram a direo final
da conduta: (a) chegar a Salvador, um objetivo lcito; (b) viajar por rodovia, dirigindo o
veculo (meios); (c) a possibilidade de atropelar um animal ou uma pessoa na pista ou
colidir com outro veculo, enfim, toda e qualquer conseqncia secundria, decorrente
da colocao do processo causal dirigido finalidade estabelecida inicialmente.
A concluso indiscutvel de que somente analisando o contedo da vontade que
se pode afirmar a realizao de um tipo legal de crime, j que a finalidade parte
integrante da conduta, dela inseparvel. Essa a essncia do finalismo.
8.1.3 Teoria social da ao
Alguns importantes estudiosos do Direito Penal, como JESCHEK e WESSELS,
entenderam que o finalismo de WELZEL seria insuficiente para conceituar a conduta,
porque esquecia uma caracterstica essencial de todo comportamento humano, que
seu lado social.
Nem o causalismo, nem o finalismo, segundo eles, conseguem explicar a ao,
pelo que acresceram ao conceito de conduta a idia de relevncia social; assim, ao um comportamento humano socialmente relevante, questionado pelos requisitos do
Direito e no pelas leis naturais.
Segundo essa teoria, para se verificar a tipicidade de uma conduta
indispensvel conhecer no apenas seus aspectos causais e finalsticos, mas tambm
sua nota social. Seria relevante do ponto de vista social a conduta que fosse capaz de
afetar o relacionamento do indivduo com o meio social.
A teoria social da ao (...) v na relevncia social do fazer ou da omissohumanos o critrio conceitual comum a todas as formas de comportamento.
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Engloba o agir como fator sensvel da realidade social, com todos os seus
aspectos pessoais, finais, causais e normativos.1
Dois grandes penalistas, DAMSIO E. DE JESUS e FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO
formularam severas crticas que, parece, fulminam essa teoria.
Para o primeiro,
ela no deixa de ser causal, merecendo os mesmos reparos que a doutrina faz
teoria mecanicista: no resolve satisfatoriamente o problema da tentativa e
do crime omissivo. Por outro lado, se ao a causao de um resultado
socialmente importante, como se define a conduta nos crimes de mero
comportamento? Esta teoria, como a causal propriamente dita, d muita
importncia ao desvalor do resultado, quando o que importa o desvalor da
conduta. Se a ao a causao de um resultado socialmente relevante, ento
no h diferena entre uma conduta de homicdio doloso e um comportamento
de homicdio culposo, uma vez que o resultado idntico nos dois casos2.
J o segundo, acerca do conceito de relevncia social, ensina que
pela vastido de sua extenso, se presta para tudo, podendo abarcar at os
fenmenos da natureza, pois no se h de negar relevncia social e jurdica
mudana do curso dos rios, por ao da eroso, com repercusso sobre os
limites das propriedades; morte, causada pela ao do raio, com aconseqente abertura da sucesso hereditria; e assim por diante. (...) Isso
mostra, a nosso ver, que a relevncia social no um atributo especfico do
delito, mas antes uma caracterstica genrica de todo fato jurdico, tomado
este em seu sentido mais amplo. Sendo assim, se, de um lado, no se pode
negar relevncia social ao crime, de outro, fora de dvida que essa uma
qualidade que lhe advm da circunstncia de pertencer famlia dos fatos
jurdicos, estes sim portadores originrios de um indefectvel aspecto social3.
Incluir, no conceito de crime, a idia de relevncia social em nada ajuda a
explic-lo. Alm disso, o finalismo esclarece com suficincia o conceito de ao.
1 WESSELS, Johannes.Direito penal: parte geral. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris, 1976. v. 1, p.20.
2 JESUS, Damsio E. de.Direito penal: parte geral. 15. ed. So Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. 204.
3 TOLEDO, Francisco de Assis.Princpios bsicos de direito penal. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 1991. p. 105.
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8.1.4 Teoria jurdico-penal
O mesmo FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, aps entender que causalidade e
finalismo no esgotam o vasto contedo do agir humano j que na maior parte dos
casos o agente atuaria por instinto ou por costume , prope abandonar o conceito pr-
jurdico, ontolgico, proposto por HANS WELZEL, com o regresso a um conceito
eminentemente jurdico, que assim formulou:
Ao o comportamento humano, dominado ou dominvel pela
vontade, dirigido para a leso ou para a exposio a perigo de um bem
jurdico, ou, ainda, para a causao de uma previsvel leso a um bem
jurdico.4
Esse conceito em absolutamente nada colide com o conceito finalista de ao.
Na verdade, equivale a dizer que ao o comportamento humano voluntrio dirigido
a um fim. DAMSIO E. DE JESUS formula-o: Conduta a ao ou omisso humana
consciente e dirigida a determinada finalidade.5
O conceito formulado por ASSIS TOLEDO no se distingue do finalista, mas
apenas o detalha. Onde o finalista escreve: ao ou omisso humana consciente,
detalhou: dominado ou dominvel pela vontade, o que equivale voluntariedade.
Onde o finalismo diz: dirigido a determinada finalidade, o novo conceito foi mais
pormenorizado: dirigido para a leso ou para a exposio a perigo de um bem jurdico,ou, ainda para a causao de uma previsvel leso a um bem jurdico. A idia,
confessada por seu formulador, retornar ao que jurdico, e explicar, ainda, a conduta
culposa. certo que no h esta necessidade, pois trata-se, em primeiro lugar, de
conceituar a conduta, e isto o finalismo fez com propriedade e, sobretudo, simplicidade.
Claro que, no segundo momento, a tarefa do estudioso verificar a qualidade da
conduta, em face dos tipos construdos pelo legislador e, conquanto tenha ele criado
tipos dolosos e tipos culposos, toda e qualquer conduta, para ser tpica, ou ser dolosa,
ou ser culposa.
Para conceituar conduta, no necessrio explicar suas duas qualidades que,
como se ver adiante, so antagnicas e se repelem; da a impossibilidade e
desnecessidade de se obter um conceito de ao, com a incluso de suas qualidades
tpicas, dolosa e culposa. A no ser que tal conceito carea do rigor cientfico, como,
alis, reconheceu o prprio ASSIS TOLEDO, quando enunciou o seu.
4 Op. cit. p. 109.
5Direito penal. Op. cit. p. 199.
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8.1.5 Concluses
A teoria finalista a que melhor atende aos interesses do Direito Penal, at
porque a teoria que consegue explicar a conduta com base no prprio direito positivo.Basta verificar-se que, mesmo antes de sua formulao por HANS WELZEL, a lei j criava
duas espcies de crimes: os crimes dolosos em que o agente deseja alcanar o
resultado ou, mesmo sem o querer aceita-o e os crimes culposos cujos resultados
so alcanados sem vontade, mas por negligncia, ou por descuido.
Isso significa que s so definidas como crime duas espcies de condutas
voluntrias: aquelas em que o agente deseja ou assume o risco de violar a norma e
aquelas em que a viola por desateno, por no estar atento a seus deveres gerais de
cuidado com a vida.
Logo, toda e qualquer conduta definida como crime valorada, qualificada, na
prpria definio legal do crime, no prprio tipo.
O conceito finalista da ao esgota integralmente todo e qualquer
comportamento humano, que em toda e qualquer hiptese est, sempre, dirigido a um
fim, ainda quando se possa pensar que o agente atue por hbito, ou costume.
A circunstncia de algum realizar, costumeiramente, habitualmente, a mesma
atividade, o mesmo movimento, ou a mesma absteno de um movimento no tem o poder
de retirar a finalidade de seu atuar. Desde que haja vontade, h finalidade.
Apenas em movimentos involuntrios que se pode verificar a ausncia da
finalidade, mas estes, evidente, no constituem conduta, como se ver adiante. Em
sntese, a conduta o comportamento voluntrio do homem dirigido a um fim,
proibido ou no.
S constituem condutas os comportamentos corporais voluntrios externos dos
humanos, consistentes em fazer alguma coisa ou em deixar de fazer alguma coisa.
As atitudes puramente internas, exclusivamente psquicas do homem como
desejar o mal ao prximo, sonhar com a morte do desafeto, rezar para que o mal
acontea com seu inimigo no constituem condutas. Podem interessar aos deuses,
aos religiosos e s religies, ao Direito Cannico, no ao Direito Penal.
A conduta estrutura-se em dois elementos: um ato de vontade dirigido a uma
finalidade e a atuao dessa vontade no mundo exterior, vontade essa que, segundo
WELZEL, abrange o fim pretendido, os meios usados e as conseqncias secundrias.
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8.2 AUSNCIA DE CONDUTA
S existe conduta quando houver vontade do agente.
A experincia da vida mostra algumas situaes em que o homem, sem vontade,
movimenta-se ou abstm-se de movimento, dando causa, com uma dessas atitudes, aalguma leso a um bem jurdico penalmente protegido.
Um exemplo: em certo hospital, meia-noite, a enfermeira Sandra deve
ministrar, ao paciente Juarez, determinado medicamento, sem o qual o doente,
inevitavelmente, morrer. Suponham que, dez minutos antes, Joaquim, desejando a
morte de Juarez, aps entrar no hospital, consegue subjugar a enfermeira, conduzindo-
a a um quarto, onde a amarra com cordas e a amordaa com fitas adesivas de primeira
qualidade, mantendo-a atada a uma das colunas do prdio, de tal modo que lhe
impossvel gritar, grunhir, sair, soltar-se, enfim, realizar qualquer movimento com o
corpo ou, simplesmente, com a boca.
Aos dez minutos do novo dia, o paciente, sem o medicamento indispensvel,
morre.
A enfermeira omitiu-se? Deixou de cumprir seu dever de ministrar o
medicamento ao paciente? Houve, de sua parte, um comportamento humano, negativo,
uma absteno de um movimento final?
evidente que no. S h conduta quando h vontade. No exemplo, a fora
imprimida contra a enfermeira impedia-lhe de ter vontade de agir. Era-lhe fisicamente
impossvel agir. Mesmo que desejasse e certo que ela assim quis , com todas as
suas foras, soltar-se das amarras, e dirigir-se ao quarto do paciente, para aplicar-lhe o
medicamento, no lhe era possvel faz-lo. claro que ela deixou de cumprir um dever.
Aconteceu uma inao, uma omisso, mas essa absteno do movimento do corpo no
foi voluntria, no foi impulsionada pela vontade humana; logo, no constituiu uma
conduta.
Ela no teve vontade de omitir-se, no teve vontade de deixar de movimentar-
se. Sem vontade, no h conduta.
Situaes como essa so chamadas de ausncia de conduta.
D-se a ausncia de conduta quando ocorre a leso de um bem jurdico, em
conseqncia da atitude do homem positiva ou negativa sem, contudo, ter havido,
da parte dele, vontade. uma situao em que ocorre a leso de um bem jurdico, com
a interferncia do homem, sem que tenha havido, contudo, conduta, por inexistir a
vontade. So trs os casos possveis.
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8.2.1 Coao fsica absoluta ou fora irresistvel
Como no exemplo da enfermeira, em algumas situaes, incide sobre algum uma
fora fsica externa irresistvel, a qual, atuando materialmente sobre ele, no pode serrepelida, de modo a no lhe deixar qualquer opo de movimento corporal.
Trata-se de uma fora absoluta, a que no se pode resistir.
Nesses casos, o homem deixa de movimentar-se, deixa de realizar um
comportamento positivo, de fazer alguma coisa, sem vontade alguma de abster-se, mas
em virtude da irresistibilidade da fora externa que sobre ele atua. Essa fora to
forte, que elimina, totalmente, a possibilidade de o homem ter vontade. Nem vontade
de omitir-se. A fora deve ser fsica e absoluta, deve atuar materialmente, concretamente,
sobre o corpo do homem e no apenas sobre sua mente, e deve ser de tal intensidade,
que seja impossvel a ele contrapor-se, de modo a, pelo menos, neutraliz-la ou
diminu-la, tornando-a resistvel.
S haver coao fsica absoluta sobre aquela enfermeira, se as cordas que a ataram
tiverem sido suficientemente fortes, estiverem devidamente ajustadas, pois, se tiver sido
amarrada com lacinhos de fita, ou cordas frouxas, a fora no seria irresistvel.
Havendo a chamada vis absoluta, no h vontade, no h conduta e, de
conseqncia, no h fato tpico, e por isso o fato no crime.
8.2.2 Movimentos reflexos
Em movimentos do corpo ditados pelos reflexos naturais, tambm no se pode
falar na existncia de vontade.
Imaginem a situao: Joo, vendo Joana sentada ao lado da parede da sala de
aula, e estando por ela apaixonado, resolve abord-la, dirigindo-se a sua frente, onde
pretende declarar seu amor. Ao se aproximar da amada, encosta seu brao parede
que, por um defeito da fiao eltrica interna, emite um choque eltrico que atinge, com
grande intensidade, o corpo de Joo. Este, num movimento reflexo, impensado,
indesejado, move bruscamente o brao, atingindo o rosto de Joana, bem no olho
direito, causando-lhe equimoses.
Esse fato revela um movimento corporal de Joo que, todavia, no constitui
conduta, posto que no houve, da parte dele, qualquer vontade de movimentar o brao.
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12 Direito Penal Ney Moura Teles
O que houve foi um movimento corporal instintivo, impensado, indesejado, mas
determinado pela dor sofrida e que gerou um comando cerebral dirigido a Joo no
sentido de que ele movesse seu brao, livrando-o do choque eltrico. No houve
vontade e, por isso, no houve conduta. Sem conduta, no h fato tpico, no h crime.
8.2.3 Estados de inconscincia
O primeiro caso revelou a inexistncia de vontade, pela ao material externa
imprimida contra o agente. Ali existe conscincia do fato, mas no h vontade. No
movimento reflexo, no h nem conscincia acerca do fato e, de conseqncia, no
pode haver vontade. Nos chamados estados de inconscincia, no existe, simplesmente,
a conscincia. O agente encontra-se absolutamente privado da possibilidade de saber
qualquer coisa. como se ele estivesse cego, surdo, mudo e em sono profundo. Logo,
no pode querer.
Durante o sono, no sonambulismo, na embriaguez letrgica, no se pode
afirmar que o agente tenha agido, porque, em qualquer dessas hipteses, no se pode
concluir pela existncia de mnima vontade.
Nos casos em que o agente se tenha colocado, voluntariamente, num estado de
inconscincia, para realizar o fato tpico, chamados actiones liberae in causa, o direito
vai considerar relevante a atitude anterior, realizada com conscincia. Esse assunto tratado no item 11.2.3.
Ausente, pois, a conscincia, ausente a vontade e, de conseqncia, a conduta,
ainda que dessa situao decorra qualquer leso a qualquer bem jurdico. No havendo
conduta, no h fato tpico, e sem este no h o crime.
8.3 FORMAS DE CONDUTA
Conduta o comportamento humano voluntrio dirigido a um fim (final), positivo
ou negativo. A expresso conduta sinnima de ao, em seu sentido amplo, que
engloba a conduta positiva e a conduta negativa. A conduta positiva chamada ao,
em sentido estrito, e a conduta negativa chamada omisso.
8.3.1 Ao
Ao, em sentido estrito, tambm chamada comisso, ou conduta comissiva, aque se realiza por meio de um movimento do corpo dirigido a uma finalidade. Existe
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uma vontade, um querer, e a manifestao dessa vontade, sua concretizao, por meio
de um movimento do corpo. So exemplos de aes: disparar um tiro de revlver,
empurrar o corpo de uma pessoa, cortar com uma faca um objeto, levar o copo ou o
garfo boca.
A grande maioria dos tipos legais de crime descreve condutas matar algum,
subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia mvel, constranger mulher
conjuno carnal... que se realizam por aes em sentido estrito, de movimentos
corporais, o que no impede possam algumas delas realizar-se por meio de
comportamento oposto, da absteno de movimentos corporais, a omisso, como se
ver a seguir.
8.3.2 Omisso
A omisso, ou conduta omissiva, a que se manifesta por absteno do
movimento do corpo, dirigida a uma finalidade.
A omisso no simplesmente deixar de fazer alguma coisa, mas deixar de realizar
um comportamento que deveria ser realizado e que o omitente poderia ter concretizado
a omisso a no-realizao de um comportamento exigido que o sujeito tinha a
possibilidade de concretizar6.
8.3.2.1 Omisso pura
Omisso pura ou omisso prpria, que d lugar aos chamados crimes omissivos
prprios, a absteno de um comportamento determinado por uma norma penal
incriminadora.
Para existir a omisso prpria, necessrio que exista um tipo legal de crime
descrevendo uma conduta omissiva, como, por exemplo, no art. 269 do Cdigo Penal:
Deixar o mdico de denunciar autoridade pblica doena cuja notificao
compulsria.
Como se v, o tipo descreve uma omisso, uma inao, a absteno de um
movimento, pelo que a norma manda o sujeito realizar um movimento do corpo, uma
ao, em sentido estrito: deve o mdico denunciar autoridade pblica a doena, deve
realizar um comportamento positivo.
6 JESUS, Damsio E. de.Direito penal: parte geral. 15. ed. So Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. 208.
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No realizando o comportamento exigido pela norma incriminadora, quando lhe
era possvel faz-lo, o sujeito realiza o fato tpico omissivo prprio.
So exemplos de tipos de omisso pura os seguintes, do Cdigo Penal:
a) definido, no art. 135, como omisso de socorro (Deixar de prestar assistncia,quando possvel faz-lo sem risco pessoal, criana abandonada ou extraviada, ou
pessoa invlida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou no pedir,
nesses casos, o socorro da autoridade pblica);
b) no art. 244, o abandono material (Deixar, sem justa causa, de prover subsistncia
do cnjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de
ascendente invlido ou valetudinrio, no lhes proporcionando os recursos necessrios
ou faltando ao pagamento de penso alimentcia judicialmente acordada, fixada ou
majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente
enfermo);
c) no art. 246, o abandono intelectual (Deixar, sem justa causa, de prover instruo
primria de filho em idade escolar).
Os comportamentos omissivos so bem revelados nas locues verbais
utilizadas na descrio das condutas: deixar de, no pedir, deixar, no lhes
proporcionando, faltando ao pagamentoetc.
Como se verifica, nos referidos tipos no se exige que da omisso resulte algum
dano a quem quer que seja, bastando, para caracterizar o fato, que o sujeito no realize o
comportamento exigido e que ele podia realizar. Omisso no realizar o devido e
possvel.
8.3.2.2 Omisso imprpria
Aomisso imprpria, tambm chamada comisso por omisso, e que d lugar
aos delitos omissivos imprprios ou comissivos por omisso, ou, ainda, comissivos
omissivos, a absteno de um movimento corpreo final que o sujeito devia e podia
realizar para impedir a produo de um resultado lesivo de um bem jurdico.
Para a definio desses crimes, no existe uma norma penal incriminadora que
mande o sujeito agir, como na omisso pura.
Ocorre um fato tpico de crime omissivo imprprio quando, existindo norma
penal impondo a determinado sujeito a obrigao de agir para impedir a ocorrncia de
resultados lesivos conferindo-lhe, portanto, uma obrigao de realizar umcomportamento positivo de modo a evitar que um bem jurdico seja atingido , ele,
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Fato Tpico - 15
podendo, no o realiza, em razo do que ocorre o resultado que deveria ter sido evitado.
Deixando de realizar a ao exigida e, em conseqncia dessa inao, ocorrendo
o resultado, o sujeito que devia e podia agir responde pelo evento acontecido, como se o
tivesse cometido.
Veja-se o exemplo: Joo, beira da piscina de sua casa, v seu filho menor
afogando-se e no tenta salv-lo, podendo faz-lo. O filho morre afogado.
Do ponto de vista mecnico, meramente causal, no se pode dizer que Joo
matou seu filho, uma vez que ele no realizou um comportamento destinado a obter o
resultado morte. No realizou uma ao. No cometeu algo, no agiu. Ocorre que a lei
ordena ao pai que proteja o filho, impedindo a ocorrncia de qualquer mal com o menor.
Manda-o agir para impedir todos e quaisquer resultados lesivos a seu filho.
Ao manter-se inerte, diante do perigo representado pelo afogamento, o pai,
podendo movimentar-se para evitar o mal, viola a norma, e por isso responder pelo
resultado, como se o tivesse produzido. como se ele tivesse cometido o crime de
homicdio, por omisso. Da o nome de comisso por omisso.
A omisso imprpria, portanto, no pode ser realizada seno por certas pessoas,
aquelas que tm o dever de agir para impedir o resultado.
O 2 do art. 13 do Cdigo Penal estabelece:
A omisso penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para
evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigao
de cuidado, proteo ou vigilncia; b) de outra forma, assumiu a
responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior,
criou o risco da ocorrncia do resultado.
Essas pessoas esto obrigadas a agir para evitar que o resultado ocorra. Se,
podendo agir, no realizam uma ao, stricto sensu, a fim de impedir a ocorrncia do
resultado, sero consideradas, por fora da norma, causadoras dele. claro que s sepode consider-las causadoras do resultado do ponto de vista normativo, por fora da
norma, e no do ponto de vista fsico, natural, causal, j que o que mata o filho afogado
a ingesto de gua nos pulmes e a asfixia que se segue etc.
Quem mata o filho que est pendurado num barranco ou num galho de uma
rvore e cai no despenhadeiro no o pai que, podendo, no o socorre, mas o
traumatismo craniano decorrente do choque do corpo com o cho. Fisicamente, isso,
mas, do ponto de vista do Direito, da norma jurdica, quem tinha o dever de agir para
impedir o resultado lesivo ser considerado seu causador e por ele responder.
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Assim, o pai, natural ou por adoo, o curador, o tutor, o carcereiro, o diretor do
presdio, so pessoas que tm, por dispositivo legal, a obrigao de cuidar dos filhos,
proteg-los e zelar por eles, pelos curatelados, tutelados e presos, respectivamente.
Estando qualquer desses diante do risco de uma leso, aqueles, seus garantes,
esto obrigados a agir para impedir que a leso ocorra.
Se a pessoa, mesmo no tendo o dever legal de proteo, guarda ou vigilncia,
assumir, contratualmente, a responsabilidade de impedir o resultado, tambm estar
obrigada a agir. No necessria a existncia de um contrato, e tampouco escrito, mas
que a pessoa se coloque numa posio de garantidora, de protetora.
o caso do guia de turismo, da bab, do enfermeiro, em relao ao turista,
criana e ao doente. Entre eles h uma relao de confiana, em que os primeiros se
obrigam a prestar uma ateno especial. Por isso, na situao em que se pode prever a
possibilidade de um resultado indesejado, lesivo, de um bem jurdico, o garante deve
agir para impedir o resultado. Se no o faz, podendo, e o resultado ocorre, por ele ir
responder, pois que assumiu a responsabilidade de evit-lo.
A ltima situao a da pessoa que, com um seu comportamento precedente, cria
o risco de que o resultado venha a ocorrer. Por exemplo, Joo coloca fogo em pastagem
de sua propriedade, costume da regio Centro-oeste do pas, e o fogo, em razo dos
ventos do Planalto Central, ultrapassa os limites de sua propriedade, atingindo um
galpo situado no terreno de seu vizinho Alfredo, onde esto guardados bens de sua
propriedade, mquinas agrcolas, alguns animais, e at crianas brincando.
O risco da ocorrncia de um resultado lesivo a qualquer dos interesses dos
vizinhos de Joo foi criado por seu comportamento voluntrio de atear fogo na
vegetao de sua propriedade. certo que sua vontade no era de causar prejuzo a
seus vizinhos; todavia, o fogo ultrapassou os limites de sua propriedade, e foi gerar
perigo de leso para interesses de terceiras pessoas.
Joo tem o dever jurdico de, podendo, agir para impedir a ocorrncia de quaisquer
leses a quaisquer bens jurdicos de quem quer que seja, pois foi o responsvel pela
criao da situao que os colocou sob o risco de sofrer qualquer leso.
Essas pessoas as que tm o dever legal de proteo, guarda e vigilncia, as que
de outra forma assumiram a responsabilidade de impedir o resultado, e as que, com
comportamento antecedente, criaram a situao de risco de ocorrer o resultado so
denominadas garantes, e esto obrigadas a agir para impedir que o resultado acontea.
Se, podendo, no agem, vale dizer, omitindo-se, respondem pelo resultado como setivessem dado causa a ele. essa a norma penal.
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A nica possibilidade de se eximirem de responder pelo resultado, de no verem
suas condutas tipificadas como comissivas por omisso, ou de omisso imprpria,
demonstrarem absoluta impossibilidade de agirem. Por exemplo: no pode impedir a
morte do filho que se afoga na piscina o pai que se encontrava em outra cidade no
momento em que a criana se atira na gua.
Apesar de ter o dever legal de proteo, guarda e vigilncia, o pai encontrava-se
trabalhando em outro local, e, mesmo tendo o dever de agir para impedir o resultado,
no lhe era possvel faz-lo, at por no ter conhecimento da necessidade de agir, e,
mesmo que avisado, no lhe era possvel evitar o resultado.
De conseqncia, s responde pelo delito comissivo por omisso aquele que tem o
dever, legal ou jurdico, de agir para impedir o resultado e, podendo faz-lo, omite-se.
8.4 DOLO
O Direito Penal no poderia considerar crime o simples comportamento
humano, a conduta, positiva (ao) ou negativa (omisso), independentemente da
formao da vontade do sujeito.
Longe se vai, na histria, o tempo em que se punia pela simples relao de causa e
efeito entre o comportamento do homem e o resultado lesivo. Um Direito Penal
democrtico s pode considerar crimes comportamentos humanos voluntrios que
poderiam ter sido evitados.
Importa muito saber qual a atitude interna do homem quando se comporta de
modo a causar dano a um bem jurdico alheio. Agiu com vontade de matar? Agiu com
displicncia?
O que ocorre na esfera do pensamento humano, no interior da conscincia do
sujeito, no momento em que ele movimenta seu corpo ou abstm-se do movimento que
devia realizar? A resposta a essa indagao imprescindvel para se determinar a
existncia de um crime.
No crime qualquer causao de um resultado lesivo de um bem jurdico. H
mortes inevitveis, como a causada por um raio que cai sobre a cabea de um homem.
S sero considerados crimes resultados que poderiam ter sido evitados.
Estabeleceu-se que os fatos definidos como crime sero dolosos ou culposos. Os
primeiros constituem a regra e sero punidos mais rigorosamente, porque constituem
comportamentos merecedores de maior resposta penal.
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Logo, somente haver conduta tpica dolosa ou conduta tpica culposa. Por isso,
necessrio entender tanto o conceito de dolo quanto o de culpa, em sentido estrito,
que qualificam as condutas, respectivamente, de dolosas e de culposas.
8.4.1 Teorias do dolo
Vrias so as teorias que procuram explicar o que seja esta importantssima
categoria do Direito Penal, o dolo. Basta estudar as trs mais importantes, a teoria da
vontade, a da representao e a do assentimento ou do consentimento.
8.4.1.1 Teoria da vontade
A teoria clssica, elaborada por Carrara, dizia que dolo a inteno mais ou
menos perfeita de praticar um fato que se conhece contrrio lei.
Age com dolo, segundo a teoria da vontade, quem tem, como objetivo, a prtica
de um fato definido como crime. Em outras palavras, dolosa a conduta em que o
agente tem vontade de alcanar o resultado, de conseguir que ocorra, se materialize a
conseqncia de seu comportamento.
doloso o comportamento de quem tem conscincia do fato, de seu significado
e, ao mesmo tempo, a vontade de realiz-lo.
Exemplo: Joo tem conscincia de que, se deixar cair uma pedra pesada, de
aproximadamente 20 quilogramas, sobre a cabea de Maria, sua mulher, que dorme,
poder mat-la. Desejoso de ficar vivo, j que no consegue viver com sua mulher e
est apaixonado por Mariana, desfere, contra sua mulher, o golpe violento com a
pesada pedra, acabando por mat-la. Agiu, a toda evidncia, com dolo, com conscincia
de que, realizando aquele comportamento, causaria a morte de Maria, e com vontade
de produzir esse resultado.
Significa dizer que Joo tinha conscincia e vontade de realizar o fato definido
como crime no art. 121 do Cdigo Penal. Tinha conscincia dos fatos e vontade de dar
causa ao resultado proibido.
Quem assim agir, segundo essa teoria, age dolosamente. quem consegue
representar o futuro resultado, quem o prev e, simultaneamente, deseja alcan-lo.
Dolo , portanto,previso do resultado e, a um s tempo, vontade de alcan-lo. Dolo
conscincia (previso) evontade.
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8.4.1.2 Teoria da representao
Uma segunda teoria entende o dolo de forma bem distinta. No necessrio que
o agente tenha vontade de alcanar o resultado, bastando que o preveja, que o
represente.
Se o agente antev o resultado e no se detm, realizando uma conduta que d
causa ao resultado, mesmo no tendo desejado alcan-lo, ter agido dolosamente, por
t-lo representado, porque o previu.
Quem, dirigindo seu veculo por uma avenida movimentada avistando
frente alguns transeuntes prximos da pista, que aparentam querer atravess-la, e
prevendo a possibilidade de uma travessia e possvel atropelamento, com seu veculo ,
continua, apesar da previso do atropelamento, no percurso, sem se deter, e acaba por
atropelar algum, causando-lhe ferimentos, s por ter previsto a possibilidade do
resultado, s por t-lo representado, s por isso, j teria agido com dolo.
Para essa teoria no necessrio que o agente tenha vontade de produzir o
resultado, basta que o tenha previsto. Dolo seria a representao do resultado.
8.4.1.3 Teoria do assentimento ou do consentimento
Esta teoria, tanto quanto a teoria da vontade, exige que o agente tenhaconscincia do fato, tenha previso do resultado, mas no exige que ele queira alcanar
o resultado, bastando que o aceite, que nele consinta, caso ele acontea.
Em outras palavras, para essa teoria dolosa a conduta de quem, prevendo o
resultado, no o deseja, mas d seu assentimento, se o resultado, eventualmente,
acontecer.
Exemplo: Joo numa caada, avistando um animal e prximo dele um homem,
desejando atingir a caa, prev que, se errar o tiro, poder atingir o homem a quem no
deseja matar. Fazendo a previso, Joo, apesar disso, pensa: no quero atingir o
homem, mas se o atingir, tudo bem, no posso fazer nada. Em seguida, atira e atinge
o homem, em vez da caa. Nesse caso, para esta teoria, Joo agiu com dolo, porque,
apesar de no querer o resultado, aceitou-o.
8.4.1.4 Dolo no Cdigo Penal brasileiro
Das trs teorias, a da representao no pode, em nenhuma hiptese, ser aceita,pois no pode ser tido como doloso o simples prever um resultado, que no
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comportamento, mas um puro acontecimento psicolgico, no revelando nenhuma
atitude, nem mesmo interna do sujeito, mas um simples pensamento, uma simples
constatao, alis, absolutamente indemonstrvel.
Quem apenas prev o resultado no pode ser tratado igualmente ao que, alm
de prever, deseja alcan-lo. certo, portanto, que o dolo no pode ser apenas
previso.
No se pode esquecer que aqui se trata da construo de um elemento
indispensvel para considerar uma conduta como tpica, merecedora de uma pena
criminal, alis, a mais severa das sanes jurdicas.
Devem ser consideradas delituosas as condutas realizadas com deliberada
vontade de realizar a figura tpica, alcanando o resultado nela previsto. Aquele que age
com a inteno de causar um dano a um bem jurdico deve merecer a maior
reprovao. Com razo, pois, a teoria da vontade. Dolo deve ser conscincia do fato e a
vontade de produzir o resultado.
Por outro lado, dolo no pode ser apenas conscincia e vontade, previso e
vontade de alcanar o resultado, uma vez que a atitude daquele que, mesmo no
desejando o resultado, aceita-o, se ele ocorrer, to grave que merece quase tanta
censura quanto a do que quer o resultado.
Quem, aps prever um resultado, no se detm e age, com a atitude interna deaceitao da leso, de indiferena em relao ao bem jurdico alheio, deve ser
equiparado ao que busca realizar a leso, alcanar o resultado. A atitude interna de no
respeitar o bem jurdico alheio daquele que no deseja, mas aceita sua leso, deve
merecer, se no idntico, pelo menos muito prximo tratamento, e ser equiparada do
que a deseja, pois que, apesar da diferena, significam, praticamente, o mesmo para os
bens jurdicos colocados sob a proteo do Direito Penal.
Nenhum dos agentes se detm diante da previso do resultado lesivo. Um
porque o deseja, o outro porque o aceita. As duas atitudes internas devem ser
consideradas, igualmente, dolosas. Nenhum deles evita a conduta que o pode gerar,
porque no est preocupado com a possibilidade da leso. E as duas condutas
provocam a leso. A diferena entre querer e apenas aceitar no suficiente para impor
tratamento diferente s duas condutas. Por isso, o Cdigo Penal brasileiro adotou as
duas teorias, a da vontade e a do assentimento, no art. 18, I: Diz-se o crime: I doloso,
quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.
dolosa a conduta quando o agente quis o resultado, e tambm quando,mesmo sem quer-lo, o agente assume o risco de sua produo, o que significa
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aceita-o, se ele ocorrer. No se deve afirmar que age com dolo o agente que arrisca
um comportamento, mas o que aceita o risco de sua produo. Aceitar ou assumir o
risco no tem o mesmo sentido do popular arriscar, que significa, sim, um
comportamento perigoso, arriscado, mas que no quer dizer, necessariamente, que o
agente aceita o resultado lesivo, se ele vier a acontecer.
8.4.2 Natureza e elementos do dolo
Para os clssicos, o dolo, alm da conscincia do fato e da vontade de alcanar o
resultado, conteria outro elemento, de carter normativo, que seria a conscincia da
ilicitude, pelo que s agiria com dolo o sujeito que, alm de ter previso do resultado e
vontade de alcan-lo, soubesse que sua conduta era proibida, ou ilcita.
Para a teoria finalista, o dolo, porm, natural, no contendo esse elemento
normativo que a conscincia da ilicitude. Dolo s conscincia do fato previso e
vontade. A conscincia da ilicitude um elemento normativo que se situa no mbito da
terceira caracterstica do crime, a culpabilidade.
Quando do exame da culpabilidade, ser demonstrada com preciso a coerncia da
teoria finalista a respeito da natureza do dolo, e a impossibilidade de colocar, entre seus
elementos, a conscincia da ilicitude. Essa demonstrao no pode ser feita neste
momento.
Assim, so elementos estruturais do dolo: a conscincia e a vontade.
O elemento intelectual do dolo a conscincia do fato, da conduta, do resultado
e do nexo de causa e efeito que deve existir entre a conduta e o resultado.
A vontade o elemento volitivo, que impulsiona a conduta em direo ao
resultado.
Um atirador, no standde tiro ao alvo, do clube de tiro, que atinge algum que
passa por detrs do alvo, matando-o, no tem conscincia do fato, nem vontade de
alcanar o resultado. No agiu dolosamente.
O caador que, avistando um vulto na selva, pensando tratar-se de uma caa,
atira e verifica, depois, ter atingido um homem, igualmente age sem dolo, pois no tem
nem conscincia de que est atirando numa pessoa, nem vontade de atingi-la.
O dolo, segundo HANS WELZEL, abrange no s o fim pretendido, mas tambm os
meios utilizados e as conseqncias secundrias vinculadas ao emprego dos meios.
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8.4.3 Espcies de dolo
O dolo direto, ou determinado, aquele em que o sujeito busca alcanar um
resultado certo e determinado.
Contrariamente, diz-se que o dolo indireto ou indeterminado, quando avontade do agente no se dirige a um resultado certo, preciso, determinado.
O dolo indireto pode ser alternativo, quando o sujeito quer um ou outro
resultado, por exemplo, matar ou ferir seu desafeto. Sua vontade dirige-se a qualquer dos
resultados, no a um deles especificamente. Se acontecer o primeiro, estava na vontade
do agente. Se acontecer o segundo, do mesmo modo, era resultado almejado.
A outra espcie de dolo indireto o dolo eventual, em que o agente no deseja o
resultado previsto, mas o aceita, se ele, eventualmente, acontecer. Ocorre quando oagente, mesmo no querendo o resultado, assume, aceita o risco de sua produo. Sua
vontade no se dirige ao resultado, mas, se este acontecer, ser aceito pelo agente.
Com vontade de alcanar o resultado ou apenas aceitando-o, a conduta dolosa,
o fato doloso, igualmente. Assim, no que diz respeito verificao da correspondncia
entre o fato natural e o tipo legal de crime, nenhuma diferena faz ter sido o dolo direto
ou indeterminado. J disse o doutrinador, o dolo eventual e o dolo direto so as faces
de uma nica moeda.
8.4.4 Conceito de dolo
A noo de dolo apresentada at aqui a conscincia do fato e a vontade de
causar o resultado, ou, em duas palavras, conscincia e vontade, ou, simplesmente,
vontade de causar o resultado insuficiente, pois somente se aplica aos tipos legais
de crimes que descrevem, alm da conduta, a produo de um resultado, como no
homicdio simples, do art. 121, caput, do Cdigo Penal, matar algum.
DAMSIO E. DE JESUS faz severa crtica a esse conceito, mostrando que o dolo
deve abranger todos os elementos da figura tpica7.
preciso ver, tambm, que muitos tipos legais de crime descrevem pura e
simplesmente um comportamento humano, sem exigir a produo de qualquer
conseqncia, como, por exemplo, deixar o mdico de denunciar doena de
notificao compulsria.
Esse tipo legal de crime s pode ser cometido com dolo. Dolo, nesse exemplo,
7Direito penal: parte geral. Op. cit. p. 249.
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no pode ser definido como previsoe vontadede alcanar o resultado, pois o tipo
referido no descreve qualquer resultado. Dolo, nesse caso, a vontade que deve ter o
mdico de no denunciar a doena. Noutras palavras, para realizar esse fato tpico, o
mdico deve ter conscincia de que a doena que no denunciou era de notificao
compulsria e que assim se conduziu com vontade de no denunciar.
Dolo, no caso, a vontade de realizar o tipo, a descrio da conduta proibida.
Por isso, melhor dizer que dolo a conscincia e vontade de realizar o tipo
objetivo de um delito8.
8.5 CULPA, EM SENTIDO ESTRITO
O Direito Penal deveria preocupar-se apenas com os comportamentos dolosos,que efetivamente representam uma atitude interna do homem que deve ser proibida e
ter como conseqncia a severa sano penal. Deveria ser assim, no fosse o Direito
Penal o protetor dos bens jurdicos mais importantes, das leses mais graves, que
devem ser punidas, ainda que o fim pretendido por seus causadores seja outro.
Modernamente, vm ocorrendo cada vez mais leses graves de bens jurdicos
importantssimos, causadas por comportamentos humanos no dolosos. claro que
pessoas morrem ou so feridas por causa de condutas humanas em que no se queria,
nem se aceitava a leso, mas em muitos casos elas poderiam ser evitadas se o agente
tivesse tomado um pouco de cuidado.
Principalmente a partir do final do sculo passado, a vida das pessoas tornou-se
extremamente perigosa, nas cidades abarrotadas de automveis, nas indstrias com
suas mquinas velozes e potentes, no dia-a-dia do contato com materiais e elementos
qumicos antes desconhecidos.
O nmero de mortes e danos integridade corporal ou sade das pessoas,
causados por comportamentos humanos no dolosos tem aumentado
consideravelmente. O Direito Penal no poderia ignorar a existncia desses ataques,
razo por que, ao lado da conduta dolosa, se passou a punir tambm o fato chamado
culposo, praticado com culpa, em sentido estrito.
8.5.1 Conceito e elementos da culpa, em sentido estrito
8 CONDE, Francisco Muoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 57.
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24 Direito Penal Ney Moura Teles
Os doutrinadores ensinam que no existe um conceito perfeito de culpa, em
sentido estrito, mas que, com base no enunciado no art. 18, II, do Cdigo Penal ( diz-se
o crime culposo quando o agente deu causa ao resultado, por imprudncia,
negligncia ou impercia), se poderia dizer que culposa a conduta voluntria que
produz resultado ilcito, no desejado, mas previsvel, e excepcionalmente previsto,
que podia, com a devida ateno, ser evitado9.
A culpa, em sentido estrito, ou negligncia, expresso mais tcnica e precisa e
que evita confuses desnecessrias, a falta de cuidado do agente, numa situao em
que ele poderia prever a causao de um resultado danoso, que ele no deseja, nem
aceita, e s vezes nem prev, mas que, com seu comportamento, produz e que poderia
ter sido evitado.
Desse conceito extraem-se os elementos que integram a culpa, em sentidoestrito: (a) conduta voluntria; (b) inobservncia do dever de cuidado objetivo; (c)
resultado lesivo indesejado; (d) previsibilidade objetiva; (e) tipicidade.
8.5.2 Conduta voluntria
S haver culpa, stricto sensu, e, de conseqncia, fato culposo, se nele
estiverem reunidos todos os seus indispensveis elementos. Ausente um deles, o fato
no culposo e, de conseqncia, no haver crime culposo.
S interessam ao Direito Penal as condutas voluntrias. Por isso, para que haja
culpa, a conduta, positiva ou negativa, deve ser voluntria e dirigida a determinada
finalidade.
De notar que, no fato culposo, a conduta no se dirige produo do resultado,
no se destina realizao de um tipo legal de crime, pois, se assim fosse, haveria dolo.
A conduta , todavia, final e dirige-se geralmente a um fim perfeitamente lcito,
permitido pelo Direito.Se no for voluntria, no haver conduta, mas ausncia de conduta e o fato no
ser tpico. Logo, no ser crime.
8.5.3 Inobservncia do dever de cuidado objetivo
Este um mundo farto de complexidade nas relaes humanas. Os indivduos
9 MIRABETE, Julio Fabbrini.Manual de direito penal. 6. ed. So Paulo: Atlas, 1991. p. 137.
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vivem seu dia-a-dia intensamente. A moderna sociedade ocidental exige muito dos
indivduos, em todos os setores de sua vida.
O mundo vive uma guerra constante, em que todos desejam alcanar o sucesso,
vida digna, felicidade, paz, prosperidade, tranqilidade, prazer, realizao pessoal,
profissional, afetiva, enfim, todos querem ser felizes, e essa tal felicidade est sempre
num ponto onde tudo leva a, quase sempre, acreditar o brao no alcana, a vista
no divisa, as pernas no conseguem levar o corpo, ou o barco no aporta. Talvez, por
isso, as pessoas no se contentam com o que tm e esto, sempre, apesar dos perigos e
dos riscos, e, quase sempre, sem considerar conseqncias indesejveis, procurando o
impossvel, com comportamentos impensados, perigosos, arriscados.
Apesar da competio em que todos esto lanados, os homens devem
comportar-se de modo a no causar prejuzo s outras pessoas. O direito posto nasociedade determina a todos o dever de agir de modo a respeitarem os bens e os valores
dos outros indivduos.
Se h pressa de chegar em casa, deve-se, todavia, evitar pisar os ps das
pessoas que esto frente, empurr-las, derrub-las, sujar-lhes as roupas, enfim,
deve-se realizar o objetivo, chegar ao destino, sem, contudo, causar, a quem quer que
seja, qualquer dano, qualquer prejuzo, qualquer leso, ainda que no to grave.
Se todos vivem apressadamente, perigosamente, em busca do sucesso, no
podem, contudo, esquecer-se de que no haver sucesso algum s custas da desgraa
alheia.
Se importante e lucrativo para o empresrio da construo civil que o engenheiro
e o arquiteto consigam construir um edifcio ao mesmo tempo belo, moderno, eficiente
e com um custo reduzido, de modo a ser vendido por preo competitivo, que supere em
muito o valor de seu custo, devem eles levar a cabo esse objetivo com o cuidado de no
utilizarem materiais incompatveis, inservveis ou imprestveis, desaconselhados pela
boa tcnica, e que possam, no futuro, comprometer as condies de segurana da obra,colocando em risco a sade e a vida de seus moradores.
O cirurgio, na nsia de realizar um nmero maior de cirurgias num s dia, e,
com isso, obter maior remunerao, no pode esquecer nenhum dos procedimentos
recomendados pela tcnica que aprendeu e conhece, e tampouco descurar na execuo
de cada um dos atos do procedimento, para que nenhum rgo ou tecido manipulado
venha a sofrer leso capaz de lhe comprometer as condies de funcionamento ou, at
mesmo, a existncia. Se o obstetra deve realizar a cesariana, no pode, por descuido,
ou em razo da pressa, ferir o corpo do ser humano em formao, nem permitir que o
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permitida, locais onde podem ser estacionados, enfim, uma srie de normas que
regulam o funcionamento dessa importante, saudvel e, ao mesmo tempo, perigosa,
atividade humana.
A vida do homem, pois, por ser perigosa, deve ser vivida com a observncia, por
todas as pessoas, de um dever geral de cuidado, objetivamente verificvel. Esse dever
imposto a todas as pessoas, e pode, mas no necessita, estar expressamente
determinado, nem constar de alguma norma jurdica. um dever de cuidado objetivo
que, obedecido, destina-se proteo dos bens jurdicos selecionados pela sociedade.
A inobservncia desse dever geral constitui comportamento proibido pelo
direito, e, se dela decorrer a leso a um bem jurdico, pode constituir o delito culposo.
So formas de manifestao dessa violao: a imprudncia, a negligncia e a impercia.
8.5.3.1 Imprudncia
A imprudncia a prtica de um fato perigoso. A cautela impe a inao, a
absteno de um movimento, o cuidado de no realizar uma ao, mas o sujeito,
mesmo assim, age colocando um processo causal em movimento. , por exemplo,
dirigir um veculo automotor em velocidade absolutamente incompatvel com
determinado local, num estacionamento, s portas de uma escola ou numa praa
repleta de transeuntes.
A imprudncia , sempre, a realizao de um movimento do corpo. , pois,
positiva.
8.5.3.2 Negligncia
A negligncia a ausncia de precauo, a omisso, a no-realizao de um
movimento que deveria ter sido colocado em marcha, que a prudncia mandava fazer e
o agente no faz.
o descuido do pai que, ao chegar em casa, tira sua arma, carregada, e a deixa
sobre a mesa da sala, local onde da a pouco estaro seus filhos menores e adolescentes.
A negligncia , sempre, a omisso, a absteno de um movimento corporal; ,
portanto, negativa.
8.5.3.3 Impercia
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Impercia a falta de aptido ou de destreza para o exerccio de determinada
arte ou profisso, pressupondo, portanto, que o fato seja praticado no exerccio das
artes ou profisses.
Mdicos, engenheiros, farmacuticos, qumicos, pedreiros, motoristas,
carpinteiros, enfim, todos os profissionais esto obrigados a desempenhar-se de acordo
com as normas tcnicas de cada uma de suas profisses, a fim de no causarem leses
aos bens jurdicos das outras pessoas.
O cirurgio deve, ao fazer as incises sobre o corpo humano, atentar para as
normas tcnicas procedimentais, de modo a no cometer erros no momento em que faz
o bisturi incidir sobre os tecidos do corpo humano, e a no fazer incises mais
profundas que o indispensvel, lesionando partes que no deveriam ser atingidas, ou
afetando rgos outros que no os necessrios cirurgia proposta.
8.5.3.4 Concluso
As trs modalidades de comportamento vistas constituem as manifestaes da
ausncia de cautela, de cuidado, da observncia do dever que todos tm, com relao
aos bens alheios.
Na verdade, correto denominar essa inobservncia do dever de cuidado
objetivo de, simplesmente, negligncia. Essa expresso, alis, deveria substituir a
expresso culpa, em sentido estrito, inclusive na lei, para que no mais se falasse
em crime culposo, fato culposo, mas em crime negligente ou fato negligente.
Por uma razo muito simples: a impercia s ocorre porque o agente foi
negligente, deixando de observar a norma tcnica a que estava obrigado. A impercia
decorre da negligncia do agente que deixou de observar o cuidado devido. A
imprudncia, igualmente, um comportamento positivo que decorre da ausncia da
cautela, da falta da observncia de uma regra: o motorista que dirige em excesso de velocidade est sendo imprudente, porque no observa a regra que manda no
ultrapassar a velocidade mxima para aquele local. imprudente, por ter sido
negligente.
A negligncia , na verdade, o gnero do qual impercia e imprudncia so
espcies.
8.5.4 Resultado naturalstico indesejado
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Para que haja fato culposo, ou negligente, imprescindvel que seja produzido o
resultado indesejado.
Por mais que o sujeito tenha sido negligente, deixando de observar o dever de
cuidado objetivo, s haver fato culposo se com seu comportamento tiver causado a
modificao do mundo externo, atingindo um bem jurdico. Se no houver resultado,
no haver crime culposo, podendo at ter havido outra infrao penal, mas dolosa, e
no culposa.
Por exemplo, se Joo est a dirigir em alta velocidade pelas ruas da cidade,
realizando manobras altamente perigosas com seu veculo, colocando a vida das
pessoas em perigo, assustando-as, mas, sem atingir nenhuma delas, sem ferir ou matar
quem quer que seja, no haver fato culposo, mas poder ter acontecido um desses
fatos dolosos: a contraveno penal do art. 34 da LCP: dirigir veculos na via pblica,ou embarcaes em guas pblicas, pondo em perigo a segurana alheia, ou o crime
definido assim no art. 132 do Cdigo Penal: expor a vida ou a sade de outrem a
perigo direto ou iminente. Qualquer dessas duas infraes ter sido cometida
dolosamente. No haver fato culposo, sem resultado.
S haver delito culposo, quando houver um resultado, e este resultado no
pode ser desejado, nem aceito, pelo agente, pois, se assim for, o fato ser doloso.
8.5.5 Previsibilidade objetiva
Nem todas as leses no dolosas a bens jurdicos podem ser evitadas. Algumas
condutas humanas so causa de danos a bens importantes em situaes em que era
absolutamente impossvel evit-las, ainda que o homem se conduzisse com a mais
perfeita e total observncia do dever de cuidado objetivo. que certos eventos so
absolutamente inevitveis, e, como tal, situam-se fora do mbito da proteo do Direito
Penal.
O Direito somente pode proibir e punir os fatos que puderem ser evitados. S pode
considerar proibidas as condutas que derem causa a resultados que puderem ser
impedidos.
E s podem ser evitados os resultados que puderem ser antevistos pelo homem, o
agente. Se este no tiver a possibilidade de antev-los, no ter como agir ou abster-se
para evitar que eles ocorram.
Por essa razo, s se pode falar na ocorrncia de um fato culposo quando o
sujeito tiver a possibilidade de prever o resultado lesivo, quando houver previsibilidade.
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Previsibilidade a possibilidade de o sujeito, nas condies em que se encontra,
antever o resultado lesivo. Previsvel aquele resultado que pode ser previsto.
Para que o direito possa fazer incidir punio sobre algum que no desejava um
resultado lesivo, indispensvel que tal leso pudesse ter sido evitada por ele, se tivesse
agido com o devido cuidado.
Trata-se de uma previsibilidade objetiva, normal, exigvel ao comum dos cidados,
de todos, porque comum, no de uma previsibilidade anormal, presente entre os
paranormais, os videntes e clarividentes, ou aquela que s uma pessoa extremamente
prudente pode ter.
Dirigindo seu veculo por uma movimentada avenida da cidade, ao meio-dia de
uma quarta-feira, no feriado, prximo de uma faixa de travessia de pedestre, estando
alguns deles margem da pista, plenamente previsvel, a qualquer motorista, que um
dos pedestres, apressado, atravesse a avenida antes que o sinal o autorize.
No previsvel, contudo, que, dirigindo o mesmo veculo, no mesmo dia e lugar,
um daqueles transeuntes resolva cometer suicdio atirando-se sob o veculo, no exato
momento em que este, em velocidade moderada, se aproxima do grupo de pedestres.
A previsibilidade objetiva essencial para a existncia do fato culposo, porquanto
s em sua presena o agente poderia ter evitado o resultado lesivo e, no tendo adotado
as precaues necessrias, por ter sido negligente, acaba por dar causa ao resultado epor isso por ele responder.
Sendo o resultado previsvel, o sujeito pode ter duas atitudes: prev ou no prev o
resultado.
8.5.5.1 Culpa inconsciente
Ocorre quando o sujeito no realiza a previso do resultado. previsvel, mas
ele, no obstante isso, no o prev e impulsiona, voluntariamente, a conduta, dando
causa ao resultado. Com efeito, sua conduta culposa, mas ele no teve conscincia de
que o resultado ocorreria, porque no realizou a previso, no representou o resultado
que era, plenamente, previsvel. Por isso, agiu, e o fez sem a conscincia de que poderia
causar o resultado. Foi negligente porque no representou o resultado. Por isso, diz-se
ser sua culpa inconsciente.
8.5.5.2 Culpa consciente e dolo eventual
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s vezes o sujeito realiza a previso do resultado, mas confia sinceramente que
poder evit-lo ou que ele no ocorrer, agindo com a convico plena de que, apesar
da possibilidade de que o resultado ocorra, no acontecer nenhum resultado lesivo.
Essa conduta culposa consciente.
De notar que muito prxima da conduta com dolo eventual. Neste, o agente
prev o resultado, no o deseja, mas o aceita, se ele eventualmente acontecer. Naquela,
ele prev o resultado, no o deseja e no o aceita, em nenhuma hiptese, se ele vier a
acontecer.
A diferena entre condutas com culpa consciente e com dolo eventual muito
tnue, situando-se exclusivamente no interior da psique humana, na aceitao, ou no,
do resultado, uma atitude puramente interna.
Exemplo: Everaldo, saindo do estacionamento da Faculdade em seu veculo,
tendo Arlindo, seu colega, a seu lado, e vendo, frente, a colega de ambos, Cludia,
prestes a atravessar a rua, resolve assust-la, passando com o carro bem prximo dela.
Avistando-a, fala para Arlindo: Vou dar um susto na Cludia, tirando um fininho.
Arlindo, preocupado, faz a previso de um resultado lesivo, e diz: Cuidado, voc pode
atropel-la!
Diante de um resultado lesivo previsvel, o agente, Everaldo, aps realizar a previso,
com o auxlio de Arlindo, pode ter trs atitudes: a primeira delas , observando o deverde cuidado objetivo, evitar a conduta perigosa para o bem jurdico de Cludia. Se o
fizer, timo, sem leso ao bem jurdico, sem fato tpico culposo, o fato no interessar
para o estudioso do Direito Penal.
Se, todavia, no quiser atentar para o que o Direito lhe recomenda e determina,
seu comportamento, objetivo e subjetivo, poder ser um desses dois:
1 mesmo prevendo um resultado lesivo, resolve prosseguir na conduta perigosa, na
certeza de que, com sua habilidade, com sua destreza na conduo do veculo, irapenas e to-somente assustar sua colega, convicto de que no haver qualquer leso,
que ele, sinceramente, acredita que no acontecer e, por isso, no a admite, no a
aceita, nela no consente; ou ento:
2 prevendo o atropelamento, a possibilidade de causar leso colega, mesmo no
desejando que isso ocorra, pode ele, todavia, continuar na conduta com o pensamento
de que, se, eventualmente, vier a atingir Cludia, ferindo-a ou, mesmo, matando-a, essa
hiptese ser aceita: se pegar, pegou, se matar, matou, se ferir, feriu, que se dane
ela, no t nem a.
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Na primeira hiptese, o agente, mesmo prevendo o resultado, no o quis nem o
aceitou, no o admitiu. Ter agido com culpa consciente. Trata-se de fato tpico
culposo, com culpa consciente. Na segunda, mesmo no desejando o resultado lesivo,
aceitou-o; por isso, ter agido com dolo eventual.
8.5.6 Tipicidade
A regra do Direito Penal punir fatos praticados dolosamente, porque, neles, o
sujeito queria alcanar o resultado ou, pelo menos, o aceitou.
Excepcionalmente, em situaes muito prprias, o Direito tambm probe e
pune a causao de leses a certos bens jurdicos, quando praticadas sem dolo, mas,
com culpa, em sentido estrito. Por isso, o fato culposo excepcional, e s ser punidoquando houver expressa previso legal.
Tome-se o exemplo: Maria, grvida h seis meses, resolve subir em uma
jabuticabeira para alcanar frutos que deseja saborear e, tendo chovido e estando a
rvore escorregadia, cai de uma altura de quatro metros, provocando, com a queda,
traumatismo abdominal que conduz ao abortamento do feto.
Examinando-se a conduta de Maria, verifica-se que ela, voluntariamente, subiu
em uma rvore, deixando de observar o dever de cuidado objetivo (com imprudncia),
numa situao em que era objetivamente previsvela ocorrncia de resultado lesivo
no desejado (involuntrio), infelizmente, deu causa interrupo da gravidez, com a
morte do produto da concepo.
Seu comportamento realizou, como visto, todos os elementos at aqui
demonstrados da culpa, em sentido estrito; todavia, no ser punido pelo Cdigo Penal,
por faltar o ltimo dos requisitos do fato culposo: a tipicidade, a determinao legal da
punio do aborto em sua modalidade culposa. No existe, pois o legislador no
definiu como crime a prtica de aborto com culpa, stricto sensu, tendo previsto apenasna forma dolosa.
No basta que o sujeito tenha causado, sem vontade, um resultado lesivo
previsvel e indesejado, com negligncia. Se no estiver prevista na lei sua punio, se
no houver o tipo culposo, no haver crime.
Os tipos culposos so construdos excepcionalmente, com base nos tipos
dolosos. Por exemplo, no art. 121, caput, est definido o homicdio doloso, assim:
matar algum. No 3 do mesmo artigo est definido o homicdio culposo, assim:
se o homicdio culposo.
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De conseqncia, no primeiro tipo deve-se entender: matar algum
dolosamente, e no segundo, matar algum culposamenteou, neste tipo, em outras
palavras, matar algum por negligncia, imprudncia ou impercia, o que significa
dizer, causar a morte previsvel de algum por negligncia.
No existem tipos culposos correspondentes a todos os tipos dolosos. No h
previso legal de furto ou estelionato quando praticados culposamente. Tais fatos
somente so punveis quando praticados com dolo. Outros, como o roubo e o estupro,
s podem ser cometidos com dolo.
J o homicdio e a leso corporal podem ser cometidos e so punidos em ambas
as modalidades, com dolo ou com culpa, em sentido estrito.
Para saber se determinado fato punido tambm na forma culposa, preciso
procurar na lei, ao lado da figura dolosa, no mesmo artigo, ou em seguida a ele, a
previso de sua punio, para concluir sobre se o legislador assim o definiu ou no.
O crime culposo excepcional, como, alis, dispe o pargrafo nico do art. 18
do Cdigo Penal: Salvo os casos expressos em lei, ningum pode ser punido por fato
previsto como crime, seno quando o pratica dolosamente.
8.5.7 Compensao e concorrncia de culpas
Diferentemente do Direito Civil, no Direito Penal as culpas no se compensam. A
culpa de um no compensa a culpa do concorrente, aquele que concorre para o
resultado.
Se Joo, dirigindo seu veculo com imprudncia, vem a atropelar Benedito, que,
por sua vez, tambm agira com imprudncia quando atravessou a avenida, pode-se
concluir que os dois agiram culposamente. A culpa de Benedito no compensa a culpa
de Joo, no a exclui.
O atropelador somente no responder pelo fato se houver culpa exclusiva do
atropelado. Apenas quando o resultado decorrer de culpa exclusiva da vtima que o
resultado no ser atribudo ao agente.
Por outro lado, se duas pessoas realizam condutas diferentes que concorrem
para a produo de certo resultado lesivo, ambos por ele respondero, verificando-se
que ambos agiram culposamente. Por exemplo: dois veculos colidem numa esquina,
saindo feridas vrias pessoas, que estavam nos veculos ou fora deles. Provando-se que
os dois motoristas agiram com culpa, os dois sero responsabilizados.
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8.6 RESULTADO
Duas posies doutrinrias procuram esclarecer o que vem a ser o resultado de um
crime. A teoria naturalstica o considera como um ente concreto, a modificao do
mundo causada pela conduta, ao passo que a teoria normativa entende que resultado a leso do bem jurdico protegido pela norma penal.
8.6.1 Teoria naturalstica
Segundo essa teoria, o resultado a modificao do mundo externo produzida pela
conduta, positiva ou negativa, do agente. uma entidade natural. No homicdio, o
resultado a morte da vtima. No furto, a mudana da posse da coisa subtrada. uma
conseqncia fsica, material, do comportamento do agente.
Por essa teoria, existem crimes que tm resultado e crimes que no tm resultado,
como na violao de domiclio, definida no art. 150 do Cdigo Penal, assim: entrar ou
permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa de quem de
direito, em casa alheia ou em suas dependncias.
Como se verifica, este tipo descreve pura e simplesmente uma conduta que no
produz qualquer conseqncia natural. Tal crime se consuma com a simples atitude do
agente, entrando em casa alheia, ou, depois de ter entrado, nela permanecendo.
O comportamento humano, bvio, j uma mudana na vida; no mundo,
todavia, no se pode ignorar que uma coisa a conseqncia da conduta, outra a
prpria conduta. A primeira segue-se ao comportamento, e este no se confunde com
ela. Uma coisa, como diz MUOZ CONDE, o produzir e outra o produzido. O produzir
a conduta, o produzido o resultado10.
Por isso, uma parte dos crimes tem resultado, como o homicdio, o furto, o
estupro, o roubo, e outros so crimes sem resultado, de mera conduta, ou de mera
atividade: a violao de domiclio, a omisso de socorro, a omisso de notificao de
doena, e a maior parte das contravenes penais.
8.6.2 Teoria normativa
A outra corrente diz que o resultado a leso ou o perigo de leso do bem jurdico
protegido pela norma penal, pouco importando se a conduta deu ou no causa a uma
10 Op. cit. p. 21.
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modificao do mundo externo a ela.
Sempre, num fato tpico, independentemente da modificao do mundo externo,
um bem jurdico lesionado ou exposto a perigo. De conseqncia, todos os crimes tm
resultado, pois em todos eles haver sempre uma leso ou um perigo de leso de um
bem jurdico.
Na violao de domiclio, o resultado seria a leso do direito inviolabilidade da
casa; na omisso de socorro, seria o perigo da leso sade ou integridade corporal
da pessoa abandonada, extraviada ou ferida etc. Na omisso de notificao de doena, o
resultado seria o perigo de contaminao, para a sade de toda a populao ou de parte
dela.
8.6.3 Discusso
Suponham a seguinte situao: Paulo decidiu matar Mauro e, encontrando-se com
este, saca de seu revlver e vai atirar contra o desafeto que, mais rpido, consegue
atirar contra o agressor, matando-o com um nico tiro disparado.
Mauro realizou o fato tpico descrito no art. 121 do Cdigo Penal, pois matou
algum. Todavia, pode-se com tranqilidade concluir que agiu em legtima defesa cujo
estudo ser feito no item 10.4 , pois que repeliu uma agresso injusta, atual, a sua
vida, usando moderadamente do meio necessrio.
Viu-se uma conduta humana que produziu a modificao do mundo externo, a
morte de um homem. Houve um resultado naturalstico, mas no aconteceu leso de
bem jurdico.
Sim, porque, quando o Direito Penal permite a prtica de um fato que, a princpio,
proibido, porque tal fato lcito, e tratando-se da morte justificada de um homem,
porque tal vida no se encontrava sob a proteo do Direito.
Se o Direito protegesse a vida do agressor, no poderia ter permitido que o
agredido a tirasse. Se permitiu que Mauro matasse Paulo, porque no estava
protegendo a vida de Paulo.
A concluso a que se pode chegar, pois, de que a leso ao bem jurdico no
conseqncia da conduta, mas a qualidade de ser tal conduta proibida. Se ilcita,
houve leso ou perigo de leso. Se permitida, no houve leso nem perigo de leso.
O resultado, de conseqncia, s pode ser compreendido no plano natural,
enquanto efeito concreto da conduta. A lesividade do bem jurdico h de ser entendidae explicada no plano da ilicitude, da relao de contrariedade entre o fato e o
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ordenamento jurdico. Quando o fato for ilcito, ter havido leso ou perigo de leso.
Quanto for lcito, no.
Alguns doutrinadores defendem a teoria normativa, amparando-se na norma do
art. 13 do Cdigo Penal, que diz: O resultado, de que depende a existncia do crime,
somente imputvel a quem lhe deu causa. Para esse pensamento, haveria
incompatibilidade entre os tipos que no descrevem resultado naturalstico e o
dispositivo do art. 13, que afirmaria que, para haver crime, deve haver resultado.
O raciocnio simplista e parte de uma leitura equivocada da norma do art. 13. A
simples interpretao literal do preceito conduz a seu entendimento correto. Quer a lei
dizer que o resultado, do qual depende a existncia de certo crime no de todo e
qualquer crime s pode ser atribudo a quem lhe deu causa.
Quando a definio de um crime contiver uma conduta e um resultado, este
somente ser imputado a quem lhe tiver dado causa. O dispositivo, portanto, destina-se
a regular a relao de causalidade dos fatos definidos como crime em que, alm de
conduta, se exige a produo de um resultado. Nada alm disso.
de todo evidente que, prevendo o Cdigo Penal crimes com resultado e crimes
sem resultado, com relao a estes teria que, necessariamente, estabelecer norma
tratando da relao de causalidade entre conduta e resultado.
A norma do art. 13 do Cdigo Penal, em vez de amparar a teoria normativa, aocontrrio, milita em favor da naturalista, pois deixa bem claro que h crimes de
resultado e crimes sem resultado.
Se vrios tipos do mesmo Cdigo descrevem, incriminando apenas condutas,
simples atividades, meros comportamentos, sem a exigncia da produo de qualquer
resultado naturalstico, certo que a norma da parte geral, do art. 13, somente se refere
aos outros tipos, alis, os mais importantes, por descreverem as condutas mais graves
contra os bens mais importantes.
Resultado, portanto, no a leso ou perigo de leso do bem jurdico penalmente
protegido, mas a modificao do mundo exterior, o efeito concreto, o evento natural, a
conseqncia resultante da conduta humana voluntria final.
8.7 NEXO DE CAUSALIDADE
Nos fatos definidos como crime em que, alm de conduta, se exige a produo de
um resultado, imprescindvel que entre o comportamento humano e o resultadoverificado exista relao de causa e efeito, a fim de que se possa atribu-lo ao agente da
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conduta. A conduta deve ser a causa do resultado; este, a sua conseqncia. de toda
obviedade, pois, que no se pode atribuir ou imputar a algum a responsabilidade por
algo que no produziu.
Quando Jos desfere um golpe de faco que decepa a cabea de Alfredo, que morre
instantaneamente, dvidas no restam de que a conduta de Jos foi a causa da morte
de Alfredo.
Nem sempre, todavia, entre conduta e resultado existe relao de causa e efeito to
simples e claramente verificvel. Basta pensar algumas hipteses:
a) Slvio atira no peito de Armando, que, minutos aps ser socorrido, atingido
por outro disparo na cabea, efetuado por Alexandre que nem conhece Slvio, nem
sabia de sua conduta , falecendo em seguida;
b) Mrio dispara contra Celso que, ao sair em direo ao hospital, atingido por
uma viga do telhado que desaba, matando-o;
c) Sinval atira contra Marcos, que, aps socorrido e levado ao hospital, recebe, ali,
da enfermeira, uma dose excessiva do medicamento receitado, morrendo por isso;
d) Lus atinge, com um tiro de revlver, Carlos, que, levado ao hospital, tratado e
contrai, dias depois, pneumonia, vindo a morrer algum tempo depois.
Nessas situaes, podem restar dvidas sobre a quem atribuir o resultado, e at
onde responsabilizar o agente da conduta. A relao de causalidade um dos temas
mais interessantes do Direito Penal e por isso merece ateno toda especial.
8.7.1 Noes bsicas
Causa de uma coisa aquilo de que esta coisa depende para existir. Ou, ento,
aquilo que determina a existncia de uma coisa.
Condio o que permite a uma causa produzir seu efeito, seja comoinstrumento ou meio, seja afastando obstculos produo do resultado.
Ocasio uma circunstncia acidental que cria condies que favorecem a
produo do resultado.
Concausa a confluncia ou a concorrncia de mais de uma causa na produo
de um mesmo resultado.
Com base nessas noes elementares, os doutrinadores do Direito elaboraram
diversas teorias com o objetivo de explicar o que a causa de um resultado, devendo sermencionadas apenas algumas delas.
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A teoria da causalidade adequada entende que a causa de um resultado a
condio mais adequada a sua produo. A teoria da eficincia fala em condio mais
eficaz, como sendo a causa do resultado. Outra teoria, a da relevncia jurdica, diz que
tudo o que concorre para o resultado, ajustado figura penal, a causa do resultado.
Diante de interminveis polmicas, falhas e dificuldades na aplicao de
solues mais prximas dos interesses da justia, o Cdigo Penal adotou a teoria da
equivalncia das condies.
8.7.2 Teoria da equivalncia das condies
Diz a teoria da equivalncia das condies, ou da conditio sine qua non, no
art. 13 do Cdigo Penal:O resultado, de que depende a existncia do crime, somente imputvel a quem
lhe deu causa. Considera-se causa a ao ou a omisso sem a qual o
resultado no teria ocorrido.
Segundo essa teoria e a norma do Cdigo Penal que a adotou, causa toda a
condio do resultado, e todos os antecedentes causais indispensveis a sua produo
so equivalentes, no havendo qualquer distino entre causa, concausa, condio ou
ocasio.
Tomando-se como ponto de partida a conduta do agente e de chegada o resultado,
e verificando-se a existncia de outras causas situadas entre os dois momentos, tem-se,
a princpio, que todas elas conduta e outras causas so antecedentes causais
equivalentes.
Para se descobrir, ento, se a conduta de determinado agente causa do resultado,
basta examinar a srie causal construvel com base nela, exclu-la mentalmente, e
verificar o que ocorreria. Se o resultado continuar acontecendo, como aconteceu, a
concluso de que tal conduta no causa do resultado. Se, ao contrrio, o resultadono ocorrer, como ocorreu, a concluso que a conduta
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