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VILLA-LOBOS: NEGOCIAÇÕES SIMBÓLICAS NA
FORMAÇÃO DA MODERNA MÚSICA BRASILEIRA
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INTRODUÇÃO
“A obsessão com a originalidade foi sem dúvida uma dascaracterísticas dominantes da personalidade pessoal e artística deVilla-Lobos, e, nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial,ficou evidente que ele também era, quanto a isso, um produto do seu
tempo”.(PEPPERCORN: 2000, 55)
Em minha dissertação (DAMASCENO, 2007), desenvolvi uma pesquisa
que visava entender os diversos processos sociais subjacentes à construção
da figura de Villa-Lobos como o grande protagonista da invenção da moderna
música brasileira. Processos estes que convergiam para legitimação social no
plano estético-musical. Nesta perspectiva, algumas perguntas pavimentaram
meu caminho investigativo: o que legitimava a estética-musical villalobianacomo moderna e nacional? Quais as condições sociais que tornaram possível a
criação artística do compositor carioca? Essas perguntas convergiram para
entendimento da produção individual do artista em articulação com o processo
de formação do campo musical brasileiro, referente à produção das obras
nacionalistas compostas “timidamente” nos anos dez e, depois, com maior
força, nos anos vinte. De maneira mais específica, o cerne desta pesquisa, sua
reflexão básica, foi entender o processo de legitimação estética, e a base
sociológica de tal legitimidade, da música de Villa-Lobos como moderna e
nacional dentro do processo supracitado da autonomia musical brasileira junto
às condições sociais de sua produção individual.
Para que o propósito da pesquisa fique evidente, é fundamental a
compreensão da concepção negociação simbólica desenvolvida na trajetória,
delineada pela dissertação, do autor das Bachianas Brasileiras . Sendo assim,
no trabalho que aqui apresento, discuto o percurso da pesquisa alicerçada
concepção da negociação simbólica , a maneira como a mesma foi se
estruturando ao longo da pesquisa e como ela se tornou a ferramenta
heurística central do meu trabalho.1
1
Este texto corresponde, em linhas gerais, a uma adaptação de parte da introdução (pags. 3-8) e de partedo terceiro capítulo (pags. 58-67) de minha dissertação. Cf. DAMASCENO, 2007.
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A CONCEPÇÃO DE TRAJETÓRIA DENTRO DA PERSPECTIVA DA
NEGOCIAÇÃO SIMBÓLICA
A concepção da negociação simbólica , estruturada ao longo da
pesquisa, visualiza na trajetória do compositor Villa-Lobos - durante os
primeiros anos de afirmação de sua música, ou seja, os dos anos das décadas
dos 1910 e 1920 - uma série de estratégias, negociadas pelo compositor, em
busca do reconhecimento social do valor “superior” de suas composições. Esta
negociação em busca do prestígio e do reconhecimento da música de Villa-
Lobos visava colocar o musicista no patamar do primeiro grande compositor
genuinamente nacional. Tal negociação simbólica (já que envolve a busca por
prestígio e reconhecimento) fora desenvolvida sob condições objetivas
delineadas nos “tempos heróicos” em que o campo musical brasileiro estava
sendo gestado e que tinha na imprensa brasileira de então o principal palco da
luta entre aqueles que lutavam pela supremacia de ditar qual deveria ser a
música brasileira, dentro de um arco maior de lutas daqueles que pretendiam
dirigir os caminhos da cultura brasileira. Esta negociação simbólica ampliou-se
inclusive para o plano da forma musical propriamente dita, a partir da
concepção da angústia da influência (que apresentarei mais à frente), na busca
por uma “originalidade” musical por parte do compositor em questão.
Sendo assim, esta pesquisa desenvolve uma ideia diferenciada sobre a
trajetória de Villa-Lobos, inclusive, sobre a pesquisa sociológica mais relevante
até aqui publicada do autor Paulo Renato Guérios (2003) 2 . Este autor faz uma
pesquisa de fôlego abrangendo toda a vida do compositor, tratando a questão
da “conversão” de Villa-Lobos ao moderno nacionalismo musical após sua
estada na França em 1923-1924, depois da sua escuta do russo Stravinsky,em especial A sagração da primavera , obra de 1913, mas referência obrigatória
de ousadia musical, mesmo nos anos vinte. A análise de Guérios diverge do
principal biógrafo Vasco Mariz (2005), quando afirma que, apesar do
modernismo não se ter iniciado na Semana de Arte Moderna - ocorrida em
1922 - foi a partir da mesma que os artistas modernistas estabeleceram-se,
2
Esta obra é baseada numa dissertação de mestrado defendida em 2001, no Museu Nacional/UFRJ, quetinha em sua banca o prof. Luiz Fernando Dias Duarte (orientador), o prof. Gilberto Velho, as profs. ªElisabeth Travassos Lins e Lygia Sigaud.
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afirmando a criação nacional. Mariz chega a referir-se à Semana, como “revolta
patriótica”. A ótica desenvolvida de maneira mais ampla por José Miguel Wisnik
(1983) aponta a Semana como o grande centro de ebulição e de definição do
modernismo musical brasileiro, desenvolvidos nas décadas dos 1920 e 1930,
tendo Villa-Lobos como compositor de suas obras mais representativas.
Minha proposta é outra, apresento Villa-Lobos como um negociante
simbólico de sua arte, ou seja, no contexto dos anos da década dos 1910, o
músico apresenta obras para o público brasileiro, ao gosto do público local, de
evidente influência européia, em especial francesa, bem de acordo com as
elites republicanas do início do século. Entretanto, mesmo neste contexto, o
compositor vai divulgando obras possuidoras de uma estética devedora de seu
convívio com os músicos populares e aberta aos vanguardistas europeus,
como Stravinsky, acentuando-se progressivamente no decorrer da década de
vinte, sem esquecer-se, mesmo nesta época, da apresentação de obras de
sabor mais “tradicional”, como as músicas sacras. Isto é, meu trabalho mostra
que Villa-Lobos negociava simbolicamente sua obra com diferentes públicos,
músicos e críticos musicais, em busca de uma unanimidade e de sua
personalidade musical. Sem dúvida, o compositor buscava ser a própria
encarnação das diversas possibilidades musicais ocorridas no Brasil,
transformando-se num artista que estaria acima dos confrontos estéticos entre
“vanguarda” e “tradição”. Villa-Lobos requeria ser a síntese musical de uma
nação, que possui fortes paralelos com a de intelectuais ansiosos por construir
uma visão totalizadora e positiva do Brasil, em especial Gilberto Freyre, anos
depois. Tal síntese villalobiana personifica-se na sempre afirmada
“originalidade” de seu “gênio criativo”. O discurso da “originalidade” de sua
música é uma constante na fala do compositor e legitimado pelo trabalho deliteratos na imprensa da época, como Ronald de Carvalho, que foi fundamental
como meio de legitimação diante dos conflitos inerentes às divergências
estéticas em torno das pretensões artísticas da época. Em suma, o projeto
musical de Villa-Lobos caminha por dois caminhos indissociáveis: o da
afirmação da “originalidade” de sua música e de ser a síntese das expressões
sonoras de uma nação e de sua natureza. Em outras palavras,
natureza/nação/gênio formam o tripé mitológico do músico.
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Nesta perspectiva, percorro uma estrada tortuosa da produção musical
de Villa-Lobos que não pode ser vista de maneira linear e unívoca,
principalmente no caso de um compositor que compunha compulsivamente.
Neste sentido, as “fases” de sua produção musical que estabeleço não
reduzem a sua diversidade musical. Na verdade, estas obras que analiso são
agrupadas como tipos ideais , pelo uso dos conceitos do dionisíaco e do
apolíneo , elaborados por Nietzsche (2003). Porém, tanto o dionisíaco e o
apolíneo são tratados sociologicamente, não como princípios ontológicos,
como se encontra na obra do filósofo, mas como conceitos que remetem a
posturas estéticas, negociadas simbolicamente por Villa-Lobos. Sendo assim,
tal contraste verifica-se entre um período classificado como dionisíaco, por ser
mais “vanguardista” e “explosivo”, que se defronta com as estéticas mais
“modernas” da música erudita e ao mesmo tempo com a emergente música
popular urbana brasileira - dentro de um contexto de mudanças estéticas na
música ocidental que apontavam para o alargamento ou para dissolução do
discurso tonal no campo da harmonia e nas novas propostas rítmicas - gestado
na primeira e, principalmente, na segunda década do século passado, em uma
série de obras que vão desembocar na Série Choros – e um período apolíneo,
mais harmônico e de uma sonoridade mais organizada em relação às obras
anteriores, refiro-me às Bachianas Brasileiras , dos anos trinta e início dos anos
quarenta.3 Em suma, é deste, quase esquecido, “índio de casaca” dionisíaco
que vos apresento, 4 que se firmou no imaginário social da época como a
própria expressão, no plano musical, do descobridor de uma nação ainda
indefinida.
O que classifico como período dionisíaco da música villalobiana
corresponde ao momento de formação da moderna música brasileira, seja noplano popular ou erudito . A concepção de negociação simbólica que
desenvolvo ao longo do trabalho é alicerçada na idéia de campo, desenvolvida
por Bourdieu (1974, 1989, 1996.1, 1996.2, 1997), ou seja, de espaços sociais
que possuem regras próprias de acordo com sua especificidade, estruturados
3 Na verdade, tais categorias, dionisíaco e apolíneo, são relativas dentro da concepção da negociaçãosimbólica. Em relação a este período apolíneo venho desenvolvida uma pesquisa de doutorado intitulada:
As Bachianas Brasileiras de H. Villa-Lobos: um estudo sobre forma musical e processo social, sob aorientação da professora Elide Rugai Bastos.4 Apelido dado por Menotti del Picchia a Villa-Lobos.
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como espaços de lutas entre os agentes inferiorizados e os dominantes. O
campo musical brasileiro estruturou-se sob condições peculiares e Villa-Lobos
soube “jogar” de acordo com as suas regras, dentro de seu intuito de tornar-se
o principal protagonista da música brasileira. Dentro desta perspectiva, quais
os agentes em posição privilegiada com quem o compositor teve que
“negociar” numa época em que o processo de legitimação social da arte não
ocorria, como hoje, por meio dos modernos meios de comunicação e difusão
sonora? Neste contexto, os críticos, que veiculavam suas opiniões nos jornais
da época, tinham uma posição acentuada. Outros agentes também se
destacavam hierarquicamente, como os músicos estrangeiros que por aqui
passavam, ou os músicos brasileiros que estavam em evidência no exterior ou,
ainda, alguns mecenas que financiavam espetáculos ou artistas em busca de
notoriedade. Com todos esses, Villa-Lobos “negociou”.
Esta negociação simbólica ocorreu num momento em que parte das
elites culturais brasileiras lutava pela “renovação” ou não da cultura nacional,
que teve seu momento mais emblemático durante a Semana de Arte Moderna
de 1922, dentro da querela entre modernistas e passadistas . A grande questão
em pauta, colocada pelos modernistas, era, num primeiro momento, a da
atualização brasileira com os movimentos vanguardista europeus na arte e,
numa segunda fase, a de fundar-se uma “autêntica” cultura brasileira tendo
como base a esfera do popular. A questão da afirmação da “originalidade” da
música de Villa-Lobos, neste tempo, estava de acordo com as lutas específicas
de estruturação do campo musical brasileiro. Os defensores da estética da
ópera italiana, como o crítico Oscar Guanabarino, polarizavam o quadro de
lutas com os modernistas , como Oswald de Andrade e Mário de Andrade, que
defendiam a construção de uma estética nacional.Dentro desta conjuntura, como Villa-Lobos lidou com as influências
estrangeiras, já que a música erudita nacional tinha uma notória dependência
estética externa que não poderia ser desconstruída da noite para o dia? Havia
uma tensão própria do campo musical brasileiro no que se refere à influência
estrangeira, que pode ser lido nos moldes em que o crítico literário Harold
Bloom (1991) apontou aos poetas que passavam por uma angústia da
influência em seu processo criativo em busca de suas personalidades literárias.No caso de Villa-Lobos, tal “angústia” seria superada através da sua dupla
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socialização entre o erudito e o popular – tal como a perspectiva teórica de
Bernard Lahire (2002, 2003, 2004 e 2006) que indica a vivência social do
indivíduo decorridos de múltiplos habitus advindos da convivência em
diferentes campos – que implementaria uma desleitura sob as referências não-
brasileiras.
Sendo assim, a própria trajetória de Villa-Lobos só ganha sentido
sociológico afastando-se da “ilusão biográfica”, que segundo Bourdieu (1997),
em linhas gerais, é a concepção de que a história de vida de um indivíduo é um
conjunto coeso, que parte de um “projeto original” apontando para uma
perspectiva teleológica, de realização individual. Ao contrário, a trajetória de
Villa-Lobos é um microcosmo de lutas gestadas no campo musical brasileiro
ligada a um momento crucial da História Brasileira: o momento de invenção da
moderna cultura nacional, incluindo a musical.
UMA TEIA DE POSSIBILIDADES NEGOCIAVÉIS POSSÍVEIS NA
AFIRMAÇÃO DA MÚSICA VILLALOBIANA
A abordagem que proponho, e que já venho anunciando ao longo do
trabalho, na tentativa do entendimento sociológico do encontro de Villa-Lobos
com a sua personalidade e o reconhecimento estético, baseia-se na concepção
da negociação simbólica , que vislumbra o percurso do músico, dentro de uma
perspectiva relacional e tensional no interior do campo musical nacional, pela
sua interação com várias esferas, seja com gêneros musicais diferenciados (e
seus principais compositores) seja com os públicos distintos, de dentro e fora
do Brasil. Nesta perspectiva, os agentes com que o compositor negociou
simbolicamente devem ser destacados: críticos e músicos, brasileiros eestrangeiros, considerados “modernos” e “conservadores” que veiculavam suas
opiniões através de jornais e revistas; mecenas e os poderes do Estado; além
dos formatos musicais erudito e popular . A angustia da influência é expressa
na contraposição desses formatos - junto às referências musicais estrangeiras
eruditas e as populares - própria do campo musical brasileiro no afã de
diferenciar-se da música européia. Neste sentido, a busca de Villa-Lobos pode
ser vista como um microcosmo de uma luta maior. A idéia da negociaçãosimbólica alicerça a busca do músico por um caminho próprio, que
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expressasse sua “originalidade”. Os dois maiores importunos de Villa-Lobos
eram as críticas desfavoráveis e, principalmente, quando se dizia que ele
estava sob a influência de alguém. As suas frases eloqüentes: “toda vez que
sinto a influência de alguém me sacudo todo e pulo fora”, “Não sou futurista
nem passadista. Eu sou eu” e “O folclore sou eu”, evidenciam uma angústia da
influência nos moldes de uma desleitura musical efetuada sobre uma
desapropriação junto, primeiramente, à estética impressionista de Debussy, e
posteriormente, a da música de Stravinsky.5 Esta desleitura só fora possível,
respectivamente, devido ao contato de Villa-Lobos com a música popular,
evidenciado de maneira clara nos Danças características africanas , nos anos
dez e, principalmente, na série Choros, na década de vinte.
Para entender este momento de afirmação, as concepções de campo
de Bourdieu (1974, 1987, 1989 e 1996.1 1996.2), e a perspectiva de uma
sociologia em escala individual de Bernard Lahire (2002, 2003, 2004 e 2006)
são fundamentais para compreendermos o processo de estruturação da
música brasileira, no primeiro caso, e as condições sociais da produção
individual de Villa-Lobos, no segundo caso.
E o campo musical brasileiro, em que condições ele foi-se formando
naqueles “tempos heróicos” da ausência de rádios de alcance massificado e de
uma indústria fonográfica no Brasil?6 Quais os principais canais de legitimação
estética da música villalobiana? Duas esferas indissociáveis: os jornais e a
opinião do estrangeiro.7 Sem dúvida, os jornais tiveram um papel
preponderante neste tempo, seja na divulgação das apresentações, seja na
valorização estética atribuída aos músicos brasileiros pelos críticos musicais,
pelos literatos, pelos músicos estrangeiros e pelas apresentações no
5 A sugestão da leitura de BLOOM, 1991, foi do professor Dilmar Miranda (Programa de Pós-Graduaçãodo Departamento de Filosofia da UFC). Esta sugestão - aliada à apresentação do professor Sidney JoséMolina Jr. intitulada “Performance musical como desleitura”, ocorrida no I Encontro Nacional dePesquisadores em Filosofia da Música (ocorrido entre 10 e 11/10/ 2005, que, inclusive assisti ao lado doprof. Dilmar) - trouxe-me um redimensionamento, junto com outros teóricos como Lahire (2002, 2003,2004 e 2006), dos caminhos de minha dissertação. Este último autor foi proposto de maneira involuntáriapela professora Irlys Barreira durante suas aulas na disciplina de Teoria Sociológica Contemporânea, jáque na época ainda não havíamos firmado a orientação.6 Cf. DIAS, Boitempo, 2000.7 Cf., no final, dois recortes de revistas da época. Pesquisei 2.500 recortes de jornais e revistas da época,no Museu Villa-Lobos - localizado na capital fluminense no bairro de Botafogo - onde selecionei 250
recortes, destacando-se as dezenas colunas do “Pelo Mundo das Artes” de Oscar Guanabarino, lançadaspelo Jornal do Comércio, e as matérias assinadas por Manuel Bandeira na Revista Ariel. Cf.DAMASCENO, 2007, 159-171.
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estrangeiro, em especial na Europa e nos grandes centros, como Paris. A
imagem em torno de Villa-Lobos será construída pela imprensa brasileira
através do combate valorativo em torno de sua obra, que durante os anos 10
fora mais ou menos consensual, mas que, no decorrer da década dos vinte,
tornou-se acirrado entre os oponentes mais representativos: o crítico musical
Oscar Guanabarino (defensor da estética italiana e da música de Carlos
Gomes) e do modernista Ronald de Carvalho (aberto às inovações estéticas
propostos pela Nova música ). O próprio Oscar Guanabarino só vai voltar-se
contra Villa-Lobos depois de sua participação na Semana de Arte Moderna de
1922, antes era comum o elogio do crítico (suas ressalvas davam-se quando o
músico aderia aqui e ali às dissonâncias sonoras). Indico aqui momentos em
que o crítico analisa a música de Villa-Lobos. Em 1918, Oscar Guanabarino
comenta:8
Trabalho de estilo moderno revelando um harmonista de valor. Há noilustre compositor brasileiro, a preocupação orquestral, os efeitoscolorista com sacrifício da idéia melódica. (...) Em todo o caso otalento do sr. Villa-Lobos manifestou-se de modo a merecer osaplausos de todos os brasileiros que se interessam pela arte musical.(Apud GUIMARÃES: 1972, 35)
Noutro momento, Villa-Lobos sabia que para ser aceito na França teriaque ousar mais esteticamente. Esta ousadia, por outro lado, custou sua relação
amistosa com a chamada crítica “conservadora”. Neste contexto, um concerto
vai começar a mudar a boa convivência do compositor com o setor mais
“tradicional” da crítica musical, o do dia 21 de novembro de 1921, ocorrido no
salão nobre do Jornal do Comércio e dedicado e promovido pela mecenas
Laurinda Santos Lobo, que também promovera o concerto anterior no qual
Isath consagrou-se no Teatro S. Pedro.9 Neste dia, Villa-Lobos estréia obras de
8 O ano de 1918 será um dos mais benéficos para Villa-Lobos. Com o apoio de Alberto Nepomuceno, eleestreou num formato sinfônico e operístico. Até então, seus concertos ocorreram no formato da música decâmara. No programa, do dia 16 de agosto, constam: Naufrágio de Kleonikos – com a regência do própriocompositor - Elegia, Canção Árabe, Tédio de Alvorada, Louco, Mymerys (mito poema) assunto do Dr.Raul Villa-Lobos – com a regência de Francisco Braga e o prelúdio e o 4º ato – regidos por Villa-Lobos.Este concerto, o primeiro em grandes proporções, teria o lucro revertido para o Retiro dos JornalistasInválidos, com o apoio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). A iniciativa foi um fracasso depúblico devido à pouca cobertura da imprensa na divulgação do evento, gerando críticas acaloradas nascolunas dos jornais junto à postura da ABI no seu papel de divulgador do evento. De qualquer forma, oevento trouxe louvores às composições de Villa-Lobos e, principalmente, à sua iniciativa de reverter os
lucros para a instituição. Cf. DAMASCENO, 2007, 71-72.9 Segundo Guérios, Laurinda Santos Lobo “era a promotora do salão artístico mais célebre da cidade emecenas de vários artistas” (GUERÍOS: 2003, 118).
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acentuado sabor impressionista como o Quarteto simbólico (1921), depois
rebatizado de Quatuor , - com a inusitada presença de harpa, celeste, flauta,
saxofone e com vozes femininas - a peça para piano A fiandeira (1921) e as
Historietas (1920) p/ canto e piano – com a poesia de Ronald de Carvalho.
Esse programa foi o motivo para a cisão entre modernistas e passadistas
(defensores da estética clássica e romântica) no julgamento de sua música.
Guanabarino e Júlio Reis tornaram-se os grandes críticos da obra villalobiana.
O segundo, lacônico, analisa a apresentação “registrando os aplausos
entusiásticos, calorosos, unânimes da sociedade presente a essa festa de arte,
chegamos á convicção de que está vitoriosa a nova escola, de música sem
música (...) estas linhas não foram, nem uma crítica, nem uma análise das
composições do maestro Villa-Lobos (...) só temos que registrar o sucesso
extraordinário da escola”. O primeiro, mesmo ponderado, lamenta
profundamente a adesão de Villa-Lobos à música moderna:
Não podemos dizer sobre o valor dessas combinações que escapamà análise e que só visam a criação de quadros descritivos, ora emcombinações que agradam ùnicamente pelo conjunto de timbres, oradisparatos harmônicos repulsivos ao ouvido de quem está identificadocom as produções de Bach, Beethoven, Mozart, Chopin, Wagner,
Verdi, Gounod e mil outros artistas que se revelaram gênios e querepudiaram essa compreensível mistura de sons sem nexo, semmelodia e sem harmonia. As composições do sr. Villa-Lobos foramaplaudidas, e isso quer dizer que foram compreendidas. Nós nãochegamos a compreender nada absolutamente. (...)No caso do sr. Villa-Lobos, a nossa revolta origina-se num sentimentopatriótico. O seu talento está transviado, em lugar de vir reforçar aplêiade de nossos artistas filiados ás puras escolas que essesiconoclastas pretendem destruir, julgando haver possibilidades defazer desaparecer o belo para das suas cinzas surgir o império doabsurdo.(Apud DAMASCENO, 2007, 83)
Já polarizando com Guanabarino, Ronald de Carvalho publica, após a
apresentação deste concerto, uma verdadeira apologia à música do
compositor:
A música de Villa-Lobos é uma das mais perfeitas expressões denossa cultura. Palpita nella a chamma de nossa raça. Ella nãorepresenta um estágio parcial de nossa psyche. Não é a indoleportugueza, africana ou indígena, ou a simples symbiose dessasquantidades ethnicas que percebemos nella. O que ella nos mostra é
uma entidade nova, o caráter especial de um povo que se principia a
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se definir moralmente, e que precisa rir e chorar livremente, num meiocósmico digno dos deuses e dos heróis.(APUD DAMASCENO, 2007,85)
Em 1922, sob o impacto da Semana de Arte Moderna, a opinião sobre
a música de Villa-Lobos se radicaliza para Guanabarino:
“A sua música rítmica é puramente africana, sem melodia e semharmonia, de modo que não resiste à menor análise harmônica semque o crítico a classifique de disparato e absurdo. (...) Tivemos aquium futurista: o Sr. Milhaud que foi vaiado em Paris; temos agora o Sr.Villa-Lobos, que ouviu assobios e gaitadas em São Paulo. Édoloroso.”(Apud DAMASCENO, 2007, 88)
Mas Villa-Lobos tinha seus defensores na imprensa, como o próprioOswald de Andrade, que dimensiona a sua música dentro do espírito da
Semana:
o movimento não pode ser mais chamado futurista nem paulista.Trata-se de um movimento nacional, violento e triunfante e no qual seempenham reputações formidáveis. Denominar-nos pois ainda defuturistas é renunciar á crítica pelo coice, á discussão pela cretinagempeluda.A Semana de Arte que ante-ontem se encerrou com uma apoteose a
Villa-Lobos, além de representar o nosso pujante mundo novo deartistas (...)(Apud GUIMARÃES, 1972, 70-71).
Este contexto de disputa simbólica nos jornais da época está de acordo
com as análises de Sergio Miceli (2001), quando o mesmo aponta as
condições sociais de estruturação do campo literário no Brasil, indicando o
papel preponderante da imprensa como locus de atribuição de valor simbólico
antes da expansão do mercado do livro dos anos da década dos 1930 emdiante. Esta análise que pode ser estendida às outras esferas culturais.
Segundo o autor:
Não havendo, na República Velha, posições intelectuais autônomasem relação ao poder político, o recrutamento, as trajetórias possíveis,os mecanismos de consagração, bem como as demais condiçõesnecessárias à produção intelectual sob suas diferentes modalidades,vão depender quase que por completo das instituições e dos gruposque exercem o trabalho de dominação. Em termos concretos, todavida intelectual era dominada pela grande imprensa, que constituía a
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principal instância de produção cultural da época e que fornecia amaioria das gratificações e posições intelectuais.(MICELI: 2001, 17)
As poucas condições estruturais da produção da música erudita foi um
dos fatores da dependência estética da música erudita brasileira. Por isso, estaestrutura era buscada pelos músicos que iam estudar em solo europeu. O
reconhecimento musical no Brasil ficava dependente do valor atribuído do
exterior, como foi o caso de Carlos Gomes, na segunda metade do século XIX,
aliada à propagação de tal reconhecimento da imprensa patrícia.
No caso de Villa-Lobos, o reconhecimento estrangeiro, primeiro, deu-se
em solo pátrio, com nomes como o do renomado pianista Arthur Rubinstein
(em 1918),10
depois deu-se a partir de sua primeira viagem à França, em 1924,e principalmente, na segunda, em 1927. A legitimidade nacional dependeu do
aval destes músicos e da repercussão da música do compositor em terras não-
brasileiras - de preferência nos grandes centros culturais, como Paris –
veículadas pelos jornais e revistas nacionais. Neste tempo, a ajuda de
mecenas como Paulo Prado (que financiou grande parte dos custos de Villa-
Lobos em Paris) e o apoio da cantora nacional de renome internacional, Vera
Janacopoulos, foram fundamentais.No contexto da formação da música de Villa-Lobos, dos anos da
década dos 1910 aos anos dos 1920, há uma valorização da música popular
em marcha. Na década de vinte, o popular será entendido como um espaço a
ser conquistado e aperfeiçoado pela música erudita nacional. Neste sentido,
para compreensão da formação do campo musical brasileiro é fundamental
traçar um quadro de lutas entre modernistas versus passadistas nos anos dez
e início da década seguinte. Em outras palavras, há uma variedade de
possibilidades estéticas gestadas na produção de Villa-Lobos objetivadas na
10 No dia 24 de junho de 1920, Rubinstein, diz em entrevista ao jornal A Notícia: “É justo, porem, já quese me apresenta esta oportunidade, declarar, ainda, que me surpreendeu o sr. Villa-Lobos. Um grupo deamigos desse compositor brasileiro proporcionou-me o ensejo de ouvir trabalhos seus e dessa audiçãoficou-me a convicção de que seu país tem nesse compositor um artista eminente, em nada inferior aosmaiores compositores modernos de Europa. Tem todas as características de um gênio musical. Do quenecessita é viajar, para tornar-se conhecido n’outros países. Vou fazer executar, nos Estados Unidos, porThibaut, Paulo Casals e eu o Trio n.º 3 de sua autoria, que me foi dado ouvir na referida audição. E vou
sugerir a empresários norte-americanos que convidem o sr. Villa-Lobos a visitar os Estados Unidos eapresentar os seus trabalhos orquestrais”. (Apud DAMASCENO, 2007, 80)
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própria relação de sua posição com a já citada polarização expressa pela
imprensa.
No caso de Villa-Lobos, esta valorização do popular em sua música, ou
melhor, o próprio diferencial de sua música é tratado a partir de sua
socialização junto a habitus ainda não consonantes em seu tempo, no caso o
erudito e o popular , conforme a reflexão do autor Bernard Lahire (2002, 2003,
2004, 2006). Esse autor problematiza o conceito de habitus de Bourdieu, de
acordo coma concepção de um indivíduo plural, socialmente construído, à
mercê das mais variáveis disposições desenvolvidas em diferentes contextos,
vivenciadas pelos sujeitos de maneira imprevista no contato com outros
campos . Um indivíduo pode interiorizar, nesta vivência entre campos, habitus
consonantes ou dissonantes, a lógica de socialização de cada campo em
questão, trazendo uma indeterminação relativa na ação deste mesmo
indivíduo.
Villa-Lobos socializou-se no contato duplo do mundo erudito e do
popular , dando uma feição própria à sua música. Sua educação musical fora
dos parâmetros formais da época, no Brasil, facilitou este trânsito, assim como
fizera Mussorgsky na Rússia do final do século XIX.11 A busca da
“originalidade”, de “uma identidade” é tentada na transfiguração do popular e
na desleitura das influências externas, ouvida de maneira exemplar na série
Choros .12
Quando Villa-Lobos estreava em palcos cariocas, em 1915, a Primeira
Guerra Mundial devastava a “civilizada” Europa. Sua obra emergia num quadro
de virada ideológica para elites culturais brasileiras, em que os ideais da
chamada belle époque iam enfraquecendo-se em prol da influência das
vanguardas européias, como o Futurismo, junto à mudança de perspectivarelativa à questão nacional, conforme é visto por Lúcia L. Oliveira (1990).
Talvez Mário de Andrade tenha sido um dos pioneiros nesta avaliação.
Cito o literato paulista, indo além na importância dada à Semana e estendo-a à
Primeira Guerra Mundial na definição do nacionalismo estético musical de toda
uma geração, tendo Villa-Lobos à frente de tal movimento:
11 Cf. COPLAND, 1969.12
O contato de Villa-Lobos com os músicos populares ora é exagerado ora é minimizado. Há obras quedão mais ênfase à influência popular como Hermínio Bello de Carvalho (1988) e Ermelinda A. Paz(2004).
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Mas se, como falei, a primeira república não consegui abrir uma fasenova em nossa música, seria uma falsificação louvaminheira, de quesou incapaz, atribuir a Segunda república os méritos dessaimportante evolução. Não. Foi a grande Guerra, exacerbando a sanha
nacional das nações imperialistas, de que somos tributários, quecontribui decisoriamente para que nosso novo estado-de-consciênciamusical nacionalista se afirmasse, não mais como experiênciaindividual, como fora ainda com Alexandre Levy e AlbertoNepomuceno, mas como tendência coletiva. Pouco depois de finda aguerra, e não sem ter antes vivido a experiência bruta da semana daArte Moderna, de São Paulo, Villa-Lobos abandonavaconscientemente e sistematicamente o seu internacionalismoafrancesado, para se tornar o iniciador e figura máxima da FaseNacionalista que estamos.(ANDRADE: 1991, 24-25)
Além desta “virada ideológica”, outros fatores contribuíram para que a
questão nacional fosse re-significada a partir do contexto da Primeira Guerra
Mundial e da concomitante modernização do país, processada no decorrer das
décadas de vinte e trinta: a transformação de uma sociedade oligárquica e
agrária em uma sociedade urbanizada, impulsionada pelos surtos industriais.
Muitos autores - como, por exemplo, Gellner (1964, 1981, 1982, 2000)
Hobsbawm (1998) e Anderson (1998) - falam da importância da modernização
das relações sociais como condição para o advento do nacionalismo. O
surgimento do proletariado (o aparecimento do Partido Comunista e do
movimento anarquista), a expansão da classe média e o declínio de uma
economia agrária trazem todo um clima de efervescência política e cultural em
prol da modernização do Brasil, que se tornou mais visível a partir da agenda
dos modernistas , conforme as análises de Daniel Pécault (1990) quando
afirma: “O modernismo mostrou ainda que tanto o plano cultural como o político
são indissociáveis: transformar uma nação-latente em nação-sujeito supõe um
empreendimento em ambos os níveis” (1990, 27).Desta forma, as profundas mudanças pelas quais a sociedade
brasileira vinha passando eram condizentes com a construção do nacionalismo
tal qual fora desenvolvido pelo Modernismo. Porém, a geração belle époque ,
do início da Primeira República, contrastava em seu ideal de Brasil com os
modernistas . No campo da música brasileira, este contraste era presente
conforme evidencia Contier (2004). Na obra, é apontado o conflito entre o ideal
de uma música nacional romântica-clássica, que ainda tinha em Carlos Gomeso grande protótipo, contra uma música nacional, baseada na música popular.
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Sem dúvida, a música de Villa-Lobos era um produto deste conflito. Dentro do
enfoque da pesquisa, a reflexão básica era vislumbrar o percurso social de
Villa-Lobos junto às contradições entre o inchaço urbano do Rio de Janeiro,
fora do controle público e o desenvolvimento das culturas negras encontradas
nos morros e nas boêmias, que se contrapunham ao projeto “civilizador” da
belle époque tropical. Sem dúvida, a especificidade da obra do compositor está
na relação que ele estabeleceu com estes dois mundos: o da belle époque e o
da boêmia.13 Como Villa-Lobos inseria-se neste quadro de lutas presente na
constituição do campo musical?
A compreensão da inserção de Villa-Lobos no mundo da boêmia deve
começar através de seu convívio com os músicos populares? Para responder
tal indagação é essencial compreender como a figura de Villa-Lobos é
significada pelos músicos populares em sua época. O depoimento de
Pixinguinha é bem emblemático: 14
Ele era garoto. Ia sempre na minha casa na Rua Itapiru, número 97.Tocava violão muito bem, como sempre tocou. Às vezes,acompanhava meu pai. Mais tarde é que toquei uns chorinhos paraele. Sempre gostou de música. Tocava violoncello no Cinema Odeone fazia umas pausas complicadas. Mas todo mundo achava Villa-
Lobos meio esquisito, sabe? Não davam muito valor a ale. Villa-Lobos foi um sujeito que chegou ‘antes’ a uma realidade que todosnós sabemos.Eu conheci Villa-Lobos muito antes de 1922. Como eu já disse, ele iana minha casa porque admirava os ‘chorões’. Às vezes até faziaacompanhamento no violão. Era bom no violão. Mas o negócio erameio antigo e ele tinha uma formação moderna, por isso talvez nãoacompanhasse bem, para nós. Mas ele gostava. Eu o considero umgênio. (...) Villa-Lobos, para mim, é um Stravinsky, um Wagner, essagente toda. Não é só questão de sentir, mas também do efeito queele tira, no conjunto. Considero isso uma grande arte.(PAZ: 2004, 79)
Nesta citação relatada acima, constata-se que, apesar de Villa-Lobos
ser bem vindo entre os músicos populares, estes últimos sabiam que o
compositor não era um deles, musicalmente falando. Há uma hierarquização
13 Afinal, o compositor durante boa parte da década dos anos dez fora músico da noite, sendovioloncelista, por exemplo, em cinemas, como o Odeon.14 O célebre Donga, dito o autor do primeiro samba gravado Pelo telefone (1917) - que na verdade é ummaxixe - também conviveu com Villa-Lobos: “Ele era mais velho que eu. O choro imperava então. Eutocava cavaquinho, ele tocava violão. E sempre tocou bem. Acompanhava e solava. Se não acompanhasse
bem, naquela roda não podia se meter não. Por que choro é difícil, muito difícil. E sempre foi umimprovisador. Foi um grande solista de violão, grande, grande. O Villa-Lobos sempre tocou clássicosdifíceis, coisas com técnica. Sempre foi um técnico, sempre procurou o negócio direito”. (PAZ: 2004, 82)
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proposta por Pixinguinha, que coloca Villa-Lobos num patamar acima do deles,
ou seja, da música erudita sobre a popular . A maioria dos biógrafos do
compositor aponta a pretensão do mesmo em tornar-se um músico erudito.
Mesmo flertando com ritmos populares em suas primeiras composições, como
a já citada a Suíte Popular Brasileira 1908-1912, grande parte de suas
pequenas composições eruditas tinha uma influência estrangeira, como na
composição de Tristorosa , valsa para piano, onde é verificada a marca de
Chopin.15 Na hierarquização social da época, um músico popular não era bem
visto, ao contrário de um músico erudito . No começo do século, 1904, Villa-
Lobos tinha conseguido matricular-se no Instituto Nacional de Música para
estudar violoncelo, porém, esse curso fora suspenso por ser noturno e
especula-se que, em 1907, nesse mesmo instituto, tivera algumas aulas de
harmonia,16 sendo que, ao mesmo tempo, conviveu com os chorões, músicos
da boêmia carioca. Entretanto, as informações que datam até 1911 são ora
nebulosas ora mal-explicadas, servindo para a imaginação das viagens do
músico Brasil adentro. Neste sentido, o contato e o casamento, em 1913, com
Lucília Guimarães - formada em solfejo, piano e canto coral pelo Instituo
Nacional de Música - foi fundamental para as pretensões eruditas do
compositor. A este respeito é interessante destacar o primeiro contato de Villa-
Lobos com Lucília Guimarães, conforme seu depoimento publicado no livro de
seu irmão, Luiz Guimarães (1972). Segundo ela:
Foi no dia de Todos os Santos (1/11/1912) que recebemos a visita deVilla-Lobos. Trazido por um amigo de meus Pais, Arthur Alves, omotivo era que iríamos ouvir um rapaz que tocava muito bem violão.(...) A noitada de música correu muito bem, extremamente agradável,e, para nós foi um sucesso o violão nas mãos de Villa-Lobos.
Terminando sua exibição, Villa-Lobos manifestou desejo de ouvir apianista, e toquei, a seguir, alguns números de Chopin, cuja execuçãome pareceu ter impressionado bem, na técnica, e na interpretação.Villa-Lobos, porém se sentiu constrangido; talvez mesmoinferiorizado, pois naquela época o violão não era um instrumento desalão, de música de verdade, e sim instrumento vulgar de chorões eseresteiros. Subitamente, vencendo como que uma depressão,declarou que seu verdadeiro instrumento era o violoncelo, e que faziaquestão de combinar uma reunião, em nossa casa, para se fazerouvir em seu violoncelo.(Apud GUIMARÃES: 1972, 223)
15 Cf. KIEFER: 1981, 42.16 Cf. GUÉRIOS, 2003.
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Mesmo contrariando a família de Lucília Guimarães, em especial sua
mãe, que não via com bons olhos a sua união com um violonista, este
casamento possibilitou vôos maiores, que as pequenas peças eruditas apenas
insinuavam, como em sua ópera Isaht (1912-1914) – nunca concluída diga-se -
influenciada por Puccini e Wagner.
A maioria das biografias sobre Villa-Lobos assinala a importância de
sua primeira esposa no acabamento estético de suas primeiras composições
apresentadas em 1915. O musicista tinha várias idéias musicais, mas não
sabia na maioria das vezes como localizá-las nas partituras dos instrumentos,
em especial no piano, ou tinha problemas no ordenamento das notas, como na
composição da peça Tarantela . A liberdade harmônica e rítmica vinda da “livre”
formação do compositor aliou-se ao rigor da formação da esposa, que além de
dar suporte estético às composições, era considerada uma excelente
intérprete. 17
A morte do pai de Villa-Lobos quando o mesmo tinha doze anos e a
sua pouca freqüência em aulas tradicionais de harmonia o tirou da “camisa de
força” de uma educação musical tradicional e – somando-se ao convívio com
os músicos populares - possibilitou uma formação “livre”, que tinha uma
afinidade eletiva com os novos caminhos rítmicos e harmônicos da música de
então. Sendo assim, uma educação rígida foi fundamental para a formação de
Mozart, conforme demonstra Elias (1995), dentro da complexidade racional do
tonalismo no classicismo. Entretanto, uma educação daquele tipo, de uma
formação rigorosa da academia, não seria consonante com as inovações da
música moderna.
CONCLUSÃO
Em síntese, todos estes vetores constitutivos das negociações
simbólicas implementadas por Villa-Lobos em sua trajetória, a saber: a sua
incipiente formação musical formal, a ligação com os músicos populares, a
17 Talvez, se Villa-Lobos não tivesse conhecido a pianista, ele poderia ter ido pelo mesmo caminho deErnesto Nazaré (que o compositor considerava a própria encanação do espírito musical brasileiro), ouseja, de um músico com pouca iniciação erudita e que enveredou para a música popular (desenvolvida
em seus contatos com os músicos das ruas cariocas), através de sua peculiar releitura ao piano da músicaque ressoava nas ruas do Rio de Janeiro. Cf. MARIZ: 2000, 121-124.
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parceria com sua primeira esposa, o reconhecimento dos músicos estrangeiros
e dos nacionais reconhecidos no exterior, a ajuda dos mecenas e o processo
de criação estética só convergiram para os propósitos maiores de prestígio e
reconhecimento porque tiveram na imprensa brasileira um locus de projeção.
Sem as condições objetivas propiciadas pelos conflitos travados entre os
críticos musicais não seria possível o reconhecimento da música villalobiana
como a primeira grande manifestação da independência brasileira nesta área.
Sendo assim, num futuro próximo, evidenciarei passo a passo, como tal
negociação fora desenvolvida nos jornais e revistas da época, que aqui apenas
pontuei (julguei mais necessário expor como a concepção da negociação
simbólica tornou-se fundamental por meu trabalho). Sem dúvida, este aspecto
da pesquisa deverá ser explorado noutro momento. Desta forma, espero que
os interessados pelas pesquisas focadas em Villa-Lobos sejam logo agraciados
por novas notas de uma composição ainda inacabada, que venho tentando
enriquecer através da continuidade de pesquisa empreendidas na
compreensão desta figura tão importante, que viveu num momento
fundamental para o estabelecimento da moderna cultura brasileira, mas que
ainda é pouco estudado pela sociologia.18
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18 Parece que este panorama vem mudando, na ANPOCS deste ano dois trabalhos foram selecionados no
GT “pensamento social brasileiro”: “O folclore sou eu. Sobre a música de Villa-Lobos” de LeopoldoWaizbort (USP) e “O uso de trajetórias de vida como estratégia de análise sociológica: o caso Villa-Lobos” de Paulo Renato Guérios (UP).
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