MINIST RIO P BLICO DO ESTADOÉ Ú DE MATO GROSSO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 2ª VARA DA SUBSEÇÃO
JUDICIÁRIA DE SINOP/MT.
Distribuição por Dependência aos Autos nº. 6037-50.2011.4.01.3603
O MINISTÉRIO PÚBLICO, instituição permanente e essencial à
Justiça, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, instituição una, indivisível e com independência funcional, nos termos
do art. 127 da Constituição Federal, neste ato representado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL – MPF , pelos Procuradores da República que esta subscrevem, e pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO – MPMT , pelos Promotores
de Justiça que esta subscrevem, no uso de suas atribuições legais, com base nos artigos 127 e
129, inciso III, da Constituição Federal, artigo 6°, incisos VII, “b” e “d”, e XIV, “g” e XV, da Lei
Complementar nº. 75/93 e do artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei nº. 8.625/93, juntamente
com o SINDICATO RURAL DE SINOP, Associação inscrita no CNPJ nº. 32.944.092/001-54,
com domicílio da Avenida das Embaúbas, nº. 330, Sinop, MT, neste ato representado por seu
Presidente ANTÔNIO GALVAN, brasileiro, casado, agricultor, residente e domiciliado na Rua
das Seringueiras, nº. 688, Jardim Botânico, Sinop, MT, por seu advogado que esta subscreve,
com fundamento no artigo 14, §1°, da Lei n. 6.938/81, artigo 90 da Lei n°. 8.078/90, artigos 4º e
5°, inciso I, da Lei nº. 7.347/85 e artigos 796 a 811 do Código de Processo Civil, vêm,
respeitosamente, perante Vossa Excelência, apresentar a seguinte:
MEDIDA CAUTELAR INCIDENTAL
APOIADOS pelas seguintes entidades da sociedade civil: COMUNIDADE DO
Av. das Figueiras 2065 – Centro – Sinop – Cep 78.550-148 Rua das Grevíleas 358, - Centro - CEP 78550-112Fone: (66) 3531-2087/7192 - www.prmt.mpf.gov.br Sede da Promotoria de Justiçae-mail: [email protected] 1 Fone: (66) 3531-6127
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ASSENTAMENTO 12 DE OUTUBRO, conforme abaixo-assinado anexo, ASSOCIAÇÃO
COMERCIAL E EMPRESARIAL DE SINOP – ACES, ROTARY CLUB DE SINOP,
CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO DO NORTE DE MATO GROSSO - CODENORTE,
e LOJA MAÇONICA ACÁCIA DA AMAZÔNIA, conforme documentação anexa.
contra o ESTADO DE MATO GROSSO, Pessoa Jurídica de Direito
Público Interno, representado pela Procuradoria Geral do Estado, situada
na Rua Seis, s/n, Edifício Marechal Rondon, Centro Político
Administrativo, Cuiabá, MT, Cep 78.050-970;
UNIÃO, Pessoa Jurídica de Direito Público Interno, representada pela
Procuradoria da União no Estado de Mato Grosso, com endereço na
Avenida General Ramiro de Noronha Monteiro, nº. 294, Jardim Cuiabá,
Cuiabá, MT, Cep 78043-180; e
EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE, Empresa Pública
Federal vinculada ao Ministério de Minas e Energia, inscrita no CNPJ nº.
06.977.747/001-80, com endereço na Av. Rio Branco, 1º – 11º andar,
Centro, Rio de Janeiro, RJ, Cep 20.090-003.
pelos motivos de fáticos e jurídicos adiante expostos.
I – DO RELATÓRIO
O MPMT e o SINDICATO RURAL DE SINOP ajuizaram Ação Civil
Pública Ambiental (fls. 03/48), em face do ESTADO DE MATO GROSSO, UNIÃO e
EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA, objetivando a declaração de nulidade dos
Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e respectivos Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) da
Usina Hidrelétrica Sinop, bem como a determinação de reelaboração dos EIA/RIMA com a
observância das normas de regência, notadamente a Resolução nº. 237/1997 e nº. 001/1986 do
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CONAMA.
Argumentam, em síntese, que os EIA/RIMA possuem vícios insanáveis,
com base nas perícias técnicas realizadas pelos professores da UFMT (fls. 419/431 e 666/668) e
no parecer técnico elaborado pela SEMA/MT (fls. 1.005/1.170), o que contaminou todo o
procedimento de licenciamento ambiental da UHE Sinop.
Conforme narra a inicial, os vícios dos EIA/RIMA consistem, em
suma, na delimitação incorreta das áreas de influência do empreendimento, não
consideração da soma dos efeitos sinérgicos das diversas obras energéticas previstas no Rio
Teles Pires para a delimitação dos impactos, não especificação dos métodos de transposição
de peixes, ausência da elaboração de estudos de aproveitamento múltiplo das águas, entre
outros.
Por fim, alegam que em virtude de tais vícios, restará prejudicada a
verdadeira mensuração e fixação das medidas mitigadoras e compensatórias, pois o
EIA/RIMA da UHE Sinop não contempla de forma verdadeira a descrição e análise dos
recursos ambientais e suas alterações (fl. 22), não possuindo o conteúdo mínimo descrito na
Resolução nº. 001/1986 do CONAMA (fls. 29/33).
Juntaram os documentos de fls. 50/1.171 (Inquérito Civil nº. 23/2010 da
Promotoria de Justiça de Sinop).
O MPMT apresentou pedido de antecipação da tutela, objetivando, em
síntese, a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental da UHE Sinop (fls.
1.200/1.220). Alegou que mesmo diante dos vícios insanáveis do EIA/RIMA, provavelmente
seria outorgada a Licença Prévia da UHE Sinop na data 26/09/2011 e o leilão seria realizado em
20/12/2011, o que traria danos irreparáveis ao meio ambiente.
O MM JUIZ FEDERAL negou o pedido de antecipação de tutela (fls.
1.386/1.387). Nessa ocasião, também apontou a ausência de capacidade processual autônoma do
MPMT, determinando a intimação do MPF.
O MPMT interpôs agravo de instrumento (fls. 1.392/1.410).
O MPF, em síntese, em seu ingresso no polo ativo da lide, ratificou a
inicial e pediu a reconsideração da decisão que indeferiu a antecipação de tutela, requerendo a
suspensão da audiência pública marcada para 31/10/2001 (fls. 1.412/1.413).
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O MPF interpôs agravo de instrumento (fls. 1.417/1.426).
O MM JUIZ FEDERAL admitiu o ingresso do MPF no polo ativo,
manteve a decisão que indeferiu a antecipação de tutela, mas determinou a suspensão das
audiências públicas previstas para os dias 31/10/2011 e 07/11/2011 (fls. 1428 e 1.443), sob o
argumento de que a publicação da audiência pública e a realização do ato possui lapso menor que
os 45 dias previsto na Resolução nº. 62/2010 do CONSEMA.
Inconformada, a EPE interpôs Agravo de Instrumento (fls. 1.458/1.481).
O E. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO suspendeu
a eficácia da decisão impugnada, sob o argumento de que o prazo de 45 dias é para a audiência
de apresentação do EIA/RIMA, não sendo exigido para a convocação das audiências
complementares, assim como não haveria danos ao meio ambiente, já que a Licença Prévia não
autoriza a instalação do empreendimento (fls. 1.723/1.726).
O SINDICATO RURAL DE SINOP solicitou a suspensão da audiência
pública marcada para a data 13/03/2012. Alega que a SEMA solicitou complementos de estudos,
os quais não foram realizados. Assim, aduz que a realização de audiência pública sem a
conclusão dos estudos é ilegal (fls. 2.037/2.169)
O MM JUIZ FEDERAL indeferiu o pedido em razão de não estar
comprovado o não atendimento das exigências complementares feita pela SEMA, e que tais
questionamentos podem e devem ser feitos na própria audiência (fl. 2.171).
As partes rés apresentaram contestação: (1) EMPRESA DE PESQUISA
ENERGÉTICA – EPE (fls. 1.528/1.1771); (2) ESTADO DE MATO GROSSO (fls.
1.779/2.021); (3) UNIÃO (fls. 2.028/2.031).
O MPF apresentou impugnação às contestações (fls. 2.175/2.186).
É o relatório.
II – DOS FUNDAMENTOS DA MEDIDA CAUTELAR
O provimento cautelar objetiva assegurar a efetividade da jurisdição por
meio de providências judiciais adequadas para garantir a utilidade prática do provimento
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jurisdicional principal. Com efeito, de nada adianta obter o reconhecimento da titularidade do
direito, se este não puder ser exercido concretamente.
Em algumas circunstâncias, portanto, a medida cautelar constitui
instrumento necessário para resguardar a satisfação da tutela definitiva, cujo provimento depende
da plausibilidade do direito alegado pela parte (“fumus boni iuris”) e do risco de ineficácia do
provimento principal (“periculum in mora”), os quais devem ser analisados mediante cognição
sumária do órgão jurisdicional.
Segundo JOSÉ DOS SANTOS ROBERTO BEDAQUE:
“O poder de agir em juízo não se limita ao direito de pedir, mas
abrange o direito de obter uma tutela efetiva. Daí ser também direito a
uma tutela provisória. Andou bem o legislador constitucional ao prever
a tutela cautelar inonimada para garantia do princípio da efetividade
da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV).”
(BEDAQUE, José dos Santos Roberto, Direito e Processo: Influência do
Direito Material sobre o processo, 5ª edição, Malheiros Editores, 2009,
p. 150).
Segundo o E. Superior Tribunal de Justiça:
“O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua
concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a
plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris),
que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a
inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou
direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do
provimento jurisdicional principal.”
(STJ, MC n°. 4.897/MG, Rel. Min. José Delgado, ac. 01.10.2002, DJU
28.10.2002, p. 188)
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No caso em apreço, conforme se demonstrará adiante, estão presentes o
elementos da medida cautelar: plausibilidade do direito alegado pela parte no processo principal
(“periculum in mora”) e risco de ineficácia do provimento principal (“fumus bonis iuris”). Nessa
medida, o deferimento da medida cautelar é de suma importância para a efetiva proteção do
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 245, caput) e para proteção da
segurança jurídica do mercado brasileiro (CF, art. 5°, “caput” c.c. art. 219), sob pena de
consolidação de situação fática ou quebra de contratos por parte do Estado brasileiro , o
que ocorrerá com o Leilão de Compra de Energia Elétrica de Novos Empreendimentos de
Geração denominado Leilão “A-5”, marcado em data muito próxima: 14 de dezembro de
2012, conforme portaria nº. 540 de 20 de setembro de 2012 do Ministério de Minas e Energia,
publicada no DOU na data 21/09/2012, que segue anexa, do qual participará a Usina Hidrelétrica
Sinop, e com a obtenção da licença de instalação e o início das obras.
O objeto da presente ação civil pública é a busca da tutela
jurisdicional para se evitar a ocorrência de danos irreversíveis ao meio ambiente com a
instalação da UHE Sinop. O objeto desta medida cautelar incidental é garantir que a tutela
jurisdicional seja útil, pois se ela não for concedida, e ocorrerem tanto o leilão quanto a
instalação da UHE Sinop, caso a presente ação seja julgada procedente, de nada adiantará
a decisão, pois já existirá uma situação fática consolidada e irreversível. Por outro lado,
caso a sentença seja favorável à pretensão dos Autores, haverá quebra de contratos por
parte do Governo, o que é extremamente prejudicial para o mercado brasileiro.
Portanto, a tutela jurisdicional que se pede por meio desta petição é
exclusivamente de natureza cautelar, com base no PODER GERAL DE CAUTELA DO
JUIZ (art. 798 do Código de Processo Civil) em razão de acontecimento específico capaz de
comprometer a eficácia prática da tutela final.
1. DO “FUMUS BONI IURIS”
A medida cautelar tem como primeiro pressuposto a plausibilidade do
direito alegado pelo requerente ou “fumus bonis iuris”. Não se trata de um juízo de certeza,
provado, do direito buscado no processo principal, mas uma demonstração razoável da existência
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de tal direito. Em outras palavras, é a probabilidade do direito afirmado pelo requerente.
Segundo OVÍDIO BAPTISTA, o “fumus boni iuris”:
“é a existência de que o direito acautelado seja tratado, no juízo da
ação assegurativa, não como um direito efetivamente existente, e sim
como uma simples probabilidade de que ele realmente exista.”
(SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, Curso de Processo Civil, Vol. 3, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 75)
De acordo com as lições de LIEBMAN e CARNELUTTI sobre o
“periculum in mora”, acolhidas pela jurisprudência:
“A medida cautelar é um procedimento que proporciona a sensação de
segurança a fim de o perigo de dano até a solução do processo
principal, sendo suficiente a provável existência de um direito a ser
tutelado, devendo a parte demonstrar que existe um fundado temor de
que durante o período no qual busca a tutela definitiva, perderá as
circunstâncias de fato que se apresentam favoráveis a viabilização
dessa mesma tutela, conforme ensina LIEBMAN (*Manuale di Diritto
Processuale Civile, ed. 1968, vol. I, nº 36, p. 92). Na verdade, trata-se de
uma tutela ao processo principal, assegurando-lhe a eficácia e a
utilidade, no sentido de CARNELUTTI (“Diritto e Processo”, nº 234, p
358)”.
(1° TAC/SP, MC n°. 1.214.966-7, Rel. Desembargador Itamar Gaino,
Data do Julgamento: 19/10/2004)
No presente caso há dados objetivos, fáticos e técnicos que a
justificam a necessidade de, no mínimo, revisão do EIA-RIMA da UHE Sinop, e que
fundamentam, igualmente, a necessidade de suspensão do referido Leilão a ser realizado no
dia 14 de dezembro de 2012.
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No caso em apreço, a plausibilidade do direito resta amplamente
demonstrada com base nas perícias técnicas realizadas por Professores da UFMT (fls. 419/431 e
666/668), no próprio parecer técnico elaborado pela SEMA/MT (fls. 1.005/1.170), bem como na
forte mobilização das entidades da sociedade civil que serão diretamente afetadas com a
instalação da UHE Sinop.
Como se sabe, conforme originalmente proposta, a Usina Hidrelétrica de
Sinop está planejada para ser construída no Rio Teles Pires, situado a cerca de 70 km da cidade
de Sinop, MT, cuja potência estimada é de 400 MW, com impactos ambientais e
socioeconômicos nos Municípios de Cláudia, Sorriso, Ipiranga do Norte, e Itaúba, com a
formação de um lago que implicará na supressão de aproximadamente 174 km² de florestas, e,
consequentemente, na desapropriação de 43.168,00 hectares, dos quais 30.272 hectares serão
destinados à formação do seu reservatório, com volume estimado de 3 bilhões de m².
O licenciamento ambiental da obra está sendo analisado pela Secretaria
Estadual do Meio Ambiente – SEMA/MT, através do processo nº. 225873/2010, que já outorgou
a Licença Prévia da UHE Sinop.
Contudo, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório
(RIMA) deste empreendimento energético possuem vícios insanáveis que comprometerão de
forma irreversível o meio ambiente ecologicamente equilibrado, caso não seja realizado novo
estudo com a consequente reelaboração das medidas mitigadoras e compensatórias dos danos
ambientais.
Nessa medida, importante a lição de TALDEN FARIAS:
“[…] o objetivo do licenciamento não é simplesmente fazer com que as
atividades econômicas não gerem nenhum impacto ambiental, mas é
fazer com que os impactos causados fiquem dentro de um determinado
limite aceitável. Contudo, mesmo ficando dentro de um limite aceitável
e não colocando em risco o meio ambiente e a qualidade de vida da
coletividade, ainda assim se faz necessário que ocorra a mitigação ou a
compensação dos impactos” (FARIAS, Telden. Licenciamento
ambiental: aspectos teóricos e práticos. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum,
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2010, p. 85)
No presente caso os danos ambientais ultrapassam os limites aceitáveis,
colocando gravemente em risco o meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo de suma
importância a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, de forma a contemplar o
conteúdo mínimo previsto na Resolução n°. 001/1986 do CONAMA, antes da instalação e
funcionamento da UHE Sinop.
1.1. DOS VÍCIOS INSANÁVEIS DO EIA/RIMA DA UHE SINOP
A Constituição Federal em seu art. 225, §1º, inciso IV, estabelece a
obrigatoriedade da realização prévia de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) no licenciamento de
atividades ou obras potencialmente poluidoras com vistas a compatibilizar o desenvolvimento
econômico com a preservação ambiental. O Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) consiste no
esclarecimento das vantagens e consequências ambientais do empreendimento obtidas a partir do
EIA de forma mais compreensível para o público leigo.
Segundo HERMAN BENJAMIN:
“O EIA é o todo: complexo, detalhado, muitas vezes com linguagem,
dados e apresentação incompreensíveis para o leigo. O RIMA é a parte
mais visível (ou compreensível) do procedimento, verdadeiro
instrumento de comunicação do EIA ao administrador e ao público”
(BENJAMIN, Antonio Herman, “Os Princípios do Estudo de Impacto
Ambiental como Limites da Discricionariedade Administrativa” In
Revista Forense, v. 317, Rio de Janeiro, 1992, p. 33).
Observe-se, portanto, que o RIMA prestigia a participação da sociedade
nas discussões democráticas sobre a aprovação do projeto de atividades e obras potencialmente
poluidoras. Inclusive, há determinados projetos que dependem da realização de audiência pública
para permitir uma maior discussão do RIMA (Resolução nº 237/1997, art. 3º, caput e Resolução
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nº. 001/1986, art. 11, §2º, ambas do CONAMA), como no caso em apreço.
Entretanto, o RIMA da UHE Sinop não atende as suas finalidades, já que
não abordou de forma completa e verdadeira as consequências ambientais decorrentes da
instalação e operação do empreendimento.
Segundo a perícia técnica (fls. 666/668) realizada pelo Biólogo Francisco
de Arruda Machado:
“[…] o RIMA está longe de ser um resumo tão bem explicado para o
público leigo. Ressalta mais os supostos benefícios para a região com o
empreendimento” (fl. 667).
1.1.1. DA MANIFESTAÇÃO POPULAR CONTRA A
CONSTRUÇÃO DA UHE SINOP NOS TERMOS DO EIA/RIMA ORIGINALMENTE
ELABORADO
Constam nos autos a forte mobilização de vários setores sociais
diretamente afetados pela UHE Sinop, que demonstram grande preocupação com a construção
do empreendimento de forma irregular, como: a COLÔNIA Z-16 DE PESCADORES DO
MUNICÍPIO DE SINOP – COPESNOP (fls. 235/237, 322 e 790/791); o CONSELHO DE
DESENVOLVIMENTO DO NORTE DE MATO GROSSO – CODENORTE (fls. 241/242,
335/336 e 357/359); a LOJA MAÇONICA LUZ E VERDADE (fls. 245/256); a ASSOCIAÇÃO
DOS ENGENHEIROS E ARQUITETOS DO NORTE DE MATO GROSSO – AENOR (fls.
260/268); a LOJA MAÇONICA ESTUDO E FRATERNIDADE (fls. 269/272); a LOJA
MAÇONICA RUI BARBOSA (fls. 273/276); a UNIÃO SINOPENSE DAS ASSOCIAÇÕES DE
MORADORES DE BAIRROS E SIMILARES – USAMB (fls. 277/278); a ASSOCIAÇÃO DOS
CRIADORES DO NORTE DE MATO GROSSO – ACRINORTE (fls. 279/286); o SINDICATO
DAS INDÚSTRIAS DE MADEIRAS DO NORTE DO ESTADO DE MATO GROSSO –
SINDUSMAD (fls. 287/303); o SINDICATO RURAL DE SINOP (fls. 304/315); o ROTARY
CLUB DE SINOP (fls. 316/317 e 376); a LOJA MAÇÔNICA ACÁCIA DA AMAZÔNIA (fls.
318/321); a IGREJA CATÓLICA MITRA DIOCESANA DE SINOP (fls. 323/334 e 373/375); o
Av. das Figueiras 2065 – Centro – Sinop – Cep 78.550-148 Rua das Grevíleas 358, - Centro - CEP 78550-112Fone: (66) 3531-2087/7192 - www.prmt.mpf.gov.br Sede da Promotoria de Justiçae-mail: [email protected] 10 Fone: (66) 3531-6127
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REPRESENTANTE DA 6ª SUBSEÇÃO DA OAB (fls. 337/338 e 792/793); o MOVIMENTO
DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS – MAB (fls. 356 e 813/815); a ASSOCIAÇÃO DAS
EMPRESAS LOTEADORAS DE SINOP – AELOS (fls. 360/362); a ASSOCIAÇÃO
COMERCIAL E EMPRESARIAL DE SINOP (fls. 363/365); a CÂMARA DE DIRIGENTES
LOJISTAS DE SINOP – CDL (fl. 417); a ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE SOJA DO
ESTADO DE MATO GROSSO (fls. 821/873).
As manifestações dos diversos setores envolvidos diretamente com a
instalação da UHE Sinop se revestem de interesse público que não podem ser ignoradas. Pelo
contrário, devem ser levadas em consideração na fase de aprovação do projeto.
Nessa medida, chama-se a atenção para os documentos que seguem
anexos, encaminhados por algumas das entidades da sociedade civil diretamente afetadas pelo
empreendimento, como a COMUNIDADE DO ASSENTAMENTO 12 DE OUTUBRO,
ligado ao MOVIMENTO SEM TERRA – MST , e o SINDICATO RURAL DE SINOP,
ligado aos grandes produtores rurais de Sinop, entidades com interesse normalmente
absolutamente antagônicos e que se encontram unidas em prol de um bem maior: evitar a
ocorrência de danos ambientais irreversíveis em razão da instalação e funcionamento da
UHE Sinop.
1.1.1.1. DO “EFEITO SANFONA” DO RESERVATÓRIO DA UHE
SINOP
O SINDICATO RURAL DE SINOP encaminhou ao MPF um
documento, que segue anexo, assinado pelas seguintes entidades sociais: ASSOCIAÇÃO
COMERCIAL E EMPRESARIAL DE SINOP – ACES, ROTARY CLUB DE SINOP,
CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO DO NORTE DE MATO GROSSO - CODENORTE,
e LOJA MAÇONICA ACÁCIA DA AMAZÔNIA.
Este documento traz dados objetivos, fáticos e técnicos que a
justificam a necessidade de, no mínimo, revisão do EIA-RIMA da UHE Sinop.
Segundo o documento juntado aos autos neste ato, apesar de se citar no
EIA/RIMA do empreendimento que a UHE Sinop funcionará no sistema “fio d'água”, tais
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estudos concluem que não só se trata de reservatório necessário ao funcionamento da usina, mas
também se destina a regular outras usinas edificadas ao longo do Rio Teles Pires e Tapajós, entre
o Município de Sinop até a foz do Rio Tapajós, fato altamente prejudicial à região.
Conforme relatado, os estudos da EPE, inclusos ao documento enviado
pelas entidades da sociedades civil ao MPF, atestam que para o funcionamento da UHE Sinop,
há necessidade de se elevar o nível da água para a cota de 292m, que resulta em 132 km² de
inundação.
Porém, e aqui está o chamado “EFEITO SANFONA”, segundo o
referido documento, sem qualquer relação técnica com o projeto da UHE Sinop, propõe-se
a formação de um reservatório com variação entre as cotas de 292 m a 302 m, resultando
na ampliação da inundação de 132 km² para 383,4 km², ou seja, o nível não será constante e
permanente, e isso causa efeitos sociais e ambientais irreparáveis.
Estes danos são, segundo o referido documento:
A) A área de superfície do lago triplicará: em determinadas épocas do
ano a área de superfície do lago triplicará, com o acréscimo de 251,4 km² de inundação,
aumentando os impactos na mesma proporção.
Tais conclusões são possíveis a partir de dados fornecidos pela própria
EPE e de outros documentos publicados pelo Ministério de Minas e Energia (documentos
anexos), que teriam sido, segundo o documento enviado ao MPF, omitidos pela EPE.
B) Eutrofização: da forma proposta no projeto apresentado pela EPE, os
251 km² de acréscimo ficarão a maior parte do ano descobertos, e com isso haverá o
desenvolvimento e crescimento de vegetação. Com a inundação dessa área, essa vegetação
passará a se decompor e apodrecerá, liberando gás metano, além de provocar o fenômeno
da eutrofização, o que tornará o lago morto, porque o processo causa a morte maciça de
peixes, gera mau cheiro, além de favorecer a proliferação de doenças. Além disso, a fauna se
apropriará dessa vegetação no entorno do lago e, com a inundação, haverá morte maciça de aves
e de outros animais silvestres todos os anos, causando a interrupção do ciclo reprodutivo;
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C) Impossibilidade de uso múltiplo das águas: ainda que o nível de
qualidade da água se mantivesse próximo do que os emissários do documento se referem como
“razoável”, a forma de operação do reservatório impede toda e qualquer atividade ao longo de
sua margem, dada a variação da localização da margem e de sua profundidade (“efeito sanfona”).
Um exemplo citado é a inviabilização de atividades do setor pesqueiro, pois, em determinadas
épocas, os tanques-redes estarão secos e em outras épocas, inundados, afastando, assim, a
possibilidade de uso múltiplo das águas. Outro exemplo citado é a inviabilização de atividades
de turismo e lazer, considerando que a alteração da distância de margem, somada à
decomposição de matéria orgânica, além do depósito de lama (com o recuo das águas em, no
mínimo, dois terços da superfície do lago) implicará emissão de mau cheiro, proliferação de
doenças, tornando o ambiente regional insalubre.
D) Morte de peixes e inviabilidade de navegação: o “efeito sanfona”
atinge diretamente o ciclo de reprodução dos peixes, pois a eutrofização anual e a proliferação de
gás metano não só mata os reprodutores, mas também impede o desenvolvimento de
alevinos, causando o desaparecimento dos peixes, inviabiliza a navegação (conforme estudos
da THEMAG, contratada pela EPE).
Sendo assim, é imprescindível a realização de novo estudo, notadamente
quando o EIA/RIMA da UHE Sinop não contemplou o conteúdo mínimo previsto na Resolução
nº. 001/1986 do CONAMA (art. 6º e incisos) que disciplina a matéria, conforme se demonstrará
adiante.
1.1.1.2. DA COMUNIDADE DO ASSENTAMENTO 12 DE
OUTUBRO
O ASSENTAMENTO 12 DE OUTUBRO está localizado no Município
de Cláudia/MT, uma das cidades que serão afetadas pelo empreendimento. A grande preocupação
desta comunidade é o fato do EIA/RIMA da UHE Sinop não reconhecer que esta área será
atingida pelo lago da barragem, que foi conquistada após muita luta do MOVIMENTO SEM
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TERRA – MST , inclusive envolvendo ameaças de morte para impedir a ocupação das terras
pelos assentados, conforme documentos anexos. Somado a isso, a comunidade do assentamento
teme que as obras da UHE Sinop comprometam a criação da Escola Estadual denominada
Florestan Fernandes, recentemente conquistada por fruto de muita dedicação e luta, conforme
documentos anexos.
Não foi por outra razão que os representantes da COMUNIDADE
DO ASSENTAMENTO 12 DE OUTUBRO participaram da Audiência Extrajudicial
realizada pelo MPMT e pelo MPF, apresentando documentos que não foram levados em
conta no EIA/RIMA, e informando que não foram contemplados como população
diretamente atingida pela UHE Sinop. A ata desta Audiência Extrajudicial segue anexa
juntamente com os documentos apresentados pelos representantes da COMUNIDADE DO
ASSENTAMENTO 12 DE OUTUBRO.
Note-se que foi apresentado ao MPF um abaixo-assinado (documento
anexo), segundo consta:
“ que o Relatório de Impacto Sócio-Ambiental não condiz com a
realidade, exigimos a não realização do leilão do dia 14 de dezembro de
2012 para construção da barragem/UHE – Sinop, em virtude do
esclarecimento insatisfatório à ação ajuizada e em trâmite judicial pelo
Ministério Público (estadual e federal). ”
Por não terem sido considerados como população diretamente afetada, o
EIA/RIMA não levou em conta, por exemplo, que no ASSENTAMENTO 12 DE OUTUBRO há
um projeto de criação deu uma escola (“ESCOLA ESTADUAL FLORESTAN
FERNANDES”), conforme documentação anexa.
A criação desta escola, segundo os representantes da
COMUNIDADE DO ASSENTAMENTO 12 DE OUTUBRO sequer foi levada em
consideração pelo EIA/RIMA.
1.1.2. DA INCORRETA DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS DE
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INFLUÊNCIA
A Resolução nº 001/1986 do CONAMA estabelece que o Estudo de
Impacto Ambiental deve delimitar as áreas de influência do projeto, que serão afetadas pelos
impactos decorrentes da implantação e operação do empreendimento:
Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à
legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de
Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes
gerais:
[…]
III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente
afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto,
considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se
localiza;
A delimitação correta da Área de Influência Direta (AID) e Indireta (AII)
é de suma importância, pois interferirá na mensuração dos impactos ambientais decorrentes do
empreendimento, e, consequentemente na identificação das medidas necessárias para mitigar e
compensar os danos.
Segundo o RIMA da UHE Sinop, a AID é delimitada da seguinte forma:
Área de Influência Direta (AID) – corresponde à área sujeita aos
impactos diretos da implantação e operação do empreendimento,
compreendendo as áreas a serem inundadas pelo futuro reservatório,
acrescidas da faixa de 100m destinada à preservação permanente
(APP), as áreas previstas para canteiro de obras, acampamento, áreas
de empréstimo, bota-fora e obras complementares. Os levantamentos
socioeconômicos consideraram como Área de Influência Direta, as
propriedades, os estabelecimentos e as populações diretamente afetadas
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pelas obras e operação da usina e seu reservatório. Já para os
levantamentos dos meios físico e biótico, a AID abrange, além do
reservatório e da Área de Preservação Permanente (APP) uma faixa de
um quilômetro a partir das áreas destinadas a preservação
permanente.” (fl. 697).
Note-se que a AID da UHE Sinop é restrita as áreas de construção e
instalação da obra (reservatório, canteiro de obras, bota-fora, áreas de empréstimo e obras
complementares). Segundo a perícia técnica elaborada pelo Professor Dorival Gonçalves Junior
“[…] a abrangência dos recursos naturais e sociais diretamente afetados por uma
hidrelétrica, dificilmente estão circunscritas a área de interferência direta nas obras e
empreendimento” (fl. 422).
Um importante dado que reforça a tese acima, como explica a referida
perícia técnica (fl. 423), é que a UHE Sinop é uma hidrelétrica com reservatório de acumulação,
o que faz alterar profundamente o curso natural do rio, que passa a ter seu regime hidrológico
determinado pela otimização da produção de energia elétrica.
Conforme explica o Dr. Dorival Gonçalves Junior:
A inconsistência da delimitação adotada para a área de influência
direta é especialmente cristalina, no caso da UHE Sinop, pois sua
concepção de construção/operação, trata-se, de uma hidrelétrica com
reservatório de acumulação […] Este tipo construtivo altera
profundamente o curso natural do rio considerado o período hidrológico
[…] o curso do rio no reservatório e a jusante da hidrelétrica passa a
ter o seu regime hidrológico determinado pela otimização da produção
de eletricidade na usina hidrelétrica e a área de influência direta em
hipótese alguma está confinada a área de interferência direta do
conjunto de estruturas do empreendimento (fl. 423).
O próprio parecer sobre a viabilidade ambiental do empreendimento
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elaborada pela SEMA/MT atesta:
“Não foi apresentado estudo detalhado especificando qual a
interferência que ocorrerá no aquífero livre (lençol freático) no
município de Sinop, de sorte que o estudo esclareça o halo de
interferência da inundação como consequência do reservatório, uma
vez atualmente já ocorram problemas no período sazonal chuvoso.” (fl.
1.144).
A incorreta delimitação da AID da UHE Sinop também ofende o disposto
no art. 6º, inciso I, alíneas “a”, “b” e “c”, da Resolução nº. 001/1986 do CONAMA, que
estabelece que o diagnóstico da área de influência deve considerar de forma individualizada o
meio físico, o meio biológico e o meio socioeconômico afetados pelo empreendimento, já que a
Área de Influência Direta de todos esses meios ficou restrita a área de construção das obras.
Conforme a referida perícia técnica:
“[…] é praticamente impossível acontecer isonomia entre as áreas de
influência direta para os meios: físico; biótico e sócio-econômico. Isto
é, supor que a área de impacto ao meio-físico é igual à área de
impacto ao meio-biótico e que as áreas dos dois meios anteriores
também são iguais a área de impacto ao meio socioeconômico é
idealizar uma situação que não tem qualquer relação empírica a
natureza física, biótica e sócio-economica dos ambientes em análise”
(fls. 422/423).
Nesse ponto, chama atenção que a própria SEMA no parecer sobre a
viabilidade ambiental da UHE Sinop informa que o estudo da flora foi apresentado de modo
incompleto:
“O estudo da flora apresentado no EIA da UHE Sinop foi prestado de
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forma incompleta, pois o levantamento florístico da Área de Influência
direta da UHE Sinop foi realizado através de duas campanhas de
campo, a primeira de 12 a 23 de outubro de 2007 e a segunda de 13 a
20 de janeiro de 2008, onde o estudo considerou a primeira campanha
para o período seco e a segunda campanha para o período úmido. […]
Concluímos que neste estudo, para a região em questão, as datas
referidas das duas campanhas dos levantamentos florísticos foram
realizadas em período que não representam plenamente os períodos
sazonais ou seja, não foi observada a sazonalidade da região”. (fl.
1.144).
Além disso, em razão da mudança do regime hidrológico do Rio Teles
Pires, a Área de Influência Indireta (AII) da UHE Sinop também não está delimitada
corretamente no estudo. Nas palavras do Doutor Dorival Gonçalves Júnior:
“[…] a delimitação geográfica adotada para as áreas de influência
indireta também não são compatíveis com as características da UHE
Sinop. Esta por ser uma usina com reservatório de acumulação que
determinará um novo regime hidrológico por toda a extensão da bacia
Teles Pires/Tapajós. Desta assertiva – mudança no regime hidrológico
– é possível vislumbrar impactos concretos proporcionados pela UHE
Sinop ao longo de toda a bacia do rio Teles Pires e atingindo o rio
Tapajós – como atesta a EPE no PDE-2019 – A operação determinará
um novo regime hidrológico com impactos concretos ao meio físico,
meio biótico e meio sócio-econômico em toda a extensão do rio Teles
Pires/Tapajós. Portanto, não existe qualquer critério cientifico que
justifique a delimitação geográfica adotada no EIA-RIMA para a
definição da área de influência indire ta” (fl. 425).
Assim, resta evidente a inconsistência da delimitação da Área de
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Influência, Direta e Indireta, constantes no EIA/RIMA da UHE Sinop, o que viola o disposto na
Resolução nº. 001/1986 do CONAMA (art. 5º, inciso III e art. 6º, inciso I, alíneas “a”, “b” e “c”).
1.1.2. DA INCORRETA MENSURAÇÃO DOS IMPACTOS
AMBIENTAIS
A Resolução nº. 001/1986 do CONAMA define impacto ambiental da
seguinte forma:
Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental
qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do
meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia
resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente,
afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II - as atividades sociais e econômicas;
III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V - a qualidade dos recursos ambientais.
Porém, o EIA/RIMA da UHE Sinop não identificou corretamente os
impactos ambientais decorrentes da instalação e operação do empreendimento, já que não
delimitou corretamente as áreas de influência ao ignorar a alteração do regime hidrológico do
Rio Teles Pires.
Segundo o Dr. Dorival Gonçalves Junior:
“[…] o EIA-RIMA da UHE de Sinop não reconhece, não qualifica e
não quantifica os impactos ambientais decorrentes da operação da
UHE de Sinop, hidrelétrica dotada de reservatório de acumulação, cuja
operação determinará novo regime hidrológico no Rio Teles Pires […]
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os estudos apresentados para a UHE Sinop não atendem os princípios
que norteiam a elaboração do EIA-RIMA, pois, pode-se
categoricamente afirmar que os impactos não estão contidos
exclusivame nte nas áreas de influência definidas no EIA-RIMA
apresenta do (fls. 427/428).
Além disso, o EIA/RIMA da UHE Sinop não contemplou o efeito dos
impactos sinérgicos decorrentes do conjunto de empreendimentos energéticos previstos ao longo
do Rio Teles Pires. Para melhor entender o assunto, PAULO AFFONSO LEME MACHADO
explica o que é o sinergismo:
“Os impactos deverão ser avaliados em 'propriedades cumulativas e
sinérgicas'. 'Sinergismo – associação simultânea de dois ou mais
fatores que contribuem para uma ação resultante superior àquela
obtida individualmente pelos fatores sob as mesmas condições'.
Levando-se em conta os efeitos sinérgicos advindos da execução de uma
obra e/ou atividade, o EPIA terá que, em determinados casos, indicar
medidas de alteração do sistema de produção em outras obras e/ou
atividades já existentes na área. Isto porque o sinergismo poderá
aumentar de tal modo a poluição ou a agressão ao ambiente, que não
bastarão medidas a serem executadas pelo requerente da licença e/ou
autorização”.
(MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 18ª
edição, Editora Malheiros, São Paulo, 2010, p. 247)
Neste ponto, remete-se ao item. 1.1.1.1 desta peça, que trata do
chamado “efeito sanfona” do reservatório da UHE Sinop.
No caso dos autos, no Rio Teles Pires estão previstos a instalação da
Pequena Central Hidrelétrica Canoa Quebrada e de mais seis Usinas Hidrelétricas: Sinop,
Colíder, Teles Pires, São Manoel, Magessi e Foz do Apiacás. Em razão do sinergismo ocasionado
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pelo conjunto desses empreendimentos, os impactos ambientais são muito maiores do que os
previstos no EIA/RIMA.
Segundo o Dr. Francisco de Arruda Machado:
“[…] há previstos somente impactos cumulativos e altamente relevantes
para a UHE Sinop. O sinergismo é deixado de lado, sendo que na bacia
isto é fundamental, pois o conjunto todo de UHEs praticamente
acabará com os estoques pesqueiros do rio, notadamente peixes
migradores e reofílicos (que vivem em correntezas). Como exemplos
podem ser citados os grandes reservatórios que serão formados pelas
UHEs Colider e Sinop, muito próximos entre si e da mesma forma
emendados entre si as UHEs Teles Pires e São Manoel, assim como
também Foz do Apiacás. Da forma como se encontram as UHEs os
estudos deveriam ser abrangentes e monstrando como serão os
impactos causados por todas elas. Assim o efeito final é muito maior
daquele descrito no EIA/RIMA da UHE Sinop, visto ser a soma de
uma sinergia de potencialização. (fls. 666/667).
De fato, o mais adequado é que o EIA/RIMA da UHE Sinop seja
reelaborado, de forma a contemplar o efeito sinérgico dos impactos, considerando o conjunto das
Usinas Hidrelétricas previstas no Rio Teles Pires, a fim de se garantir a adequada tutela do meio
ambiente, notadamente quando há sério risco de extinção de peixes reofílicos e de piracema,
conforme nota técnica de fl. 667.
Nessa medida, importante a lição de JOSIMAR RIBEIRO DE
ALMEIDA:
“Em muitos casos, pode-se chegar a um consenso sobre os principais
impactos, embora possam surgir situações em que os membros do
público, interessados em um dado recurso do local, tal como a
quantidade de peixes, não aceitem as garantias dos especialistas de que
os peixes não correrão perigo. Em tais circunstâncias, a experiência
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mostra que é melhor concordar em pesquisar a possibilidade do que
menosprezar um interesse público importante”
(ALMEIDA, Josimar Ribeiro, Perícia Ambiental Judicial e Securitária:
Impacto, Dano e Passivo Ambiental, Thex Editora, 3ª edição, 2009, p.
397).
E isso nada mais é do que aplicar o princípio da precaução, muito caro
ao direito ambiental e encampado pelo Brasil e pelo Sistema das Nações Unidas, consoante o
disposto no Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de
1992.
Veja-se que a própria SEMA no parecer sobre a viabilidade ambiental da
UHE Sinop atesta que “[…] não foram demonstradas quais as espécies que serão mais
afetadas […]” (fl. 1.144).
Somado a isso, a nota técnica (fls. 666/668) elaborada pelo Dr. Francisco
de Arruda Machado apontou várias omissões no RIMA, muito embora os dados omissos estejam
previstos no EIA, a saber: (1) ausência de clareza quanto ao desaparecimento de peixes reofílicos
e de piracema (fl. 667); (2) não abordagem dos impactos ambientais nos trechos de rios onde a
vegetação marginal desaparecerá (fl. 667); (3) ausência de clareza quanto à transformação dos
ambientes lóticos em lênticos e consequente extinção de numerosas formas de vida (fl. 667); (4)
não abordagem da descidas das larvas formadas no período de reprodução das espécies
migradoras de piracema (fl. 668).
Sendo assim, houve flagrante violação ao disposto no art. 5º, inciso II, da
Resolução nº. 001/1986, que determina que o estudo deve “identificar e avaliar
sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da
atividade”, na medida que a mensuração dos impactos ambientais decorrentes da instalação e
operação da UHE Sinop está incorreta.
1.1.3. DA INCORRETA DEFINIÇÃO DAS MEDIDAS
MITIGADORAS E COMPENSATÓRIAS
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O fator mais preocupante das irregularidades constantes no EIA/RIMA
da UHE Sinop é a incorreta definição das medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos
ambientais, pois buscam prevenir e/ou minimizar a intensidade dos danos.
Segundo a Resolução 001/1986 do CONAMA, o EIA deverá definir as
medidas mitigadoras dos impactos:
Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as
seguintes atividades técnicas:
[…]
III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre
elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos,
avaliando a eficiência de cada uma delas
No entanto, conforme visto acima, os impactos ambientais decorrentes
da instalação e operação do empreendimento foram delimitados incorretamente, e,
consequentemente, as medidas mitigadoras e compensatórias previstas no projeto da UHE Sinop
não atendem de modo satisfatório às necessidades do caso.
Nesse sentido, conforme o Doutor Dorival Gonçalves Júnior:
“[…] como os estudos realizados não comportam a identidade dos
impactos, pode-se afirmar que a previsibilidade e a análise dos
impactos que possibilitam o estabelecimento das medidas mitigatórias
e/ou compensatórias não têm a abrangência requeridas pela UHE
Sinop ” (fl. 428)
O Dr. Francisco de Arruda Machado também trouxe elementos que
apontam a inconsistência das medidas mitigadoras:
“4 – Como no EIA/RIMA é feita a discussão das mudanças ambientais
que ocorrerão nos trechos de rios onde a vegetação marginal
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desaparecerá? Os impactos estão totalmente definidos? Há previsão de
medidas mitigadoras e compensatórias? […] a mitigação deixa a
desejar, já que o estudo deveria abranger toda a bacia afetada do
rio Teles Pires” (fl. 667)
“6 – O EIA/RIMA considera nos estudos o modo como correrá à
interrupção do fluxo gênico para as espécies de peixes com a
construção da barragem? Prevê medidas mitigadoras e compensatórias
com relação a esse impacto? […] Como medidas mitigadoras e
compensatórias mencionam mecanismos de transposição de peixes,
sem, entretanto, discorrer qual será;” (fl. 668)
A própria SEMA no parecer sobre a viabilidade ambiental do
empreendimento também aponta a necessidade de informações complementares:
“O programa de Apoio aos Municípios deve especificar detalhadamente
as medidas que serão tomadas para dotar os municípios de
infraestrutura necessária para atender o acréscimo populacional e
consequentemente os problemas advindo com a implantação do
empreendimento, principalmente relacionadas à saúde segurança e
saneamento básico. Não foram apresentadas alternativas aos
pescadores profissionais do município que serão afetados com a
inundação de área e com a mudança do regime do Rio Teles Pires de
lótico para lêntico bem como não foram demonstradas quais as
espécies que serão mais afetadas com essa mudança e qual alternativa
proposta para minimização deste problema” […] Não foi apresentado
um estudo da região, mostrando alternativas para as indústrias
ceramistas que serão afetadas com a inundação das jazidas existentes.”
(fl. 1.144).
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Neste ponto, remete-se ao item 1.1.1.2., quanto aos aspectos
relacionados à COMUNIDADE DO ASSENTAMENTO 12 DE OUTUBRO.
Sendo assim, a outorga da Licença de Instalação da UHE Sinop trará
prejuízos irreversíveis ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo em vista que as
medidas mitigadoras e compensatórias não foram delimitadas de modo satisfatório. Com isso, os
danos ocasionados pela instalação e operação do empreendimento ultrapassam os limites
aceitáveis, razão pela qual é de suma importância o deferimento da presente medida cautelar para
obstar a realização do Leilão previsto para a data 14 de dezembro de 2012.
1.1.4. DA INEXISTÊNCIA DE PREVISÕES SOBRE O USO
MÚLTIPLO DAS ÁGUAS
A Resolução do CONAMA nº. 001/1986 estabelece a necessidade do
estudo desenvolver o diagnóstico ambiental da área afetada, considerando quanto ao meio
socioeconômico os usos da água:
Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as
seguintes atividades técnicas:
I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa
descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como
existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da
implantação do projeto, considerando:
[…]
c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água
e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos,
históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre
a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura
desses recursos.
Entretanto, o EIA/RIMA da UHE Sinop não elaborou estudos de
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aproveitamento múltiplo das águas, ignorando a potencialidade hidroviária do Rio Teles
Pires, entre outros aspectos, de extrema importância para o escoamento da produção agrícola do
Estado de Mato Grosso, podendo ocasionar significativos impactos socioeconômicos no setor
produtivo da região.
Com efeito, existe um projeto hidroviário denominado Teles
Pires/Tapajós que visa integrar as regiões leste, norte e central do Estado de Mato Grosso para
garantir o melhor escoamento da produção agrícola.
Nesse ponto, vários setores sociais diretamente afetados pelas obras, se
manifestaram pela elaboração do estudo múltiplo de águas, tendo em vista o risco de
inviabilização de qualquer outro aproveitamento das águas no futuro.
Sendo assim, se faz necessário a reelaboração dos estudos também para
contemplar o aproveitamento múltiplo das águas, de forma a prestigiar as diretrizes da Agência
Nacional de Águas – ANA (Lei 9.433/97, Decreto n° 24.643/1934 e Lei n° 9.984/2000).
2. DO “PERICULUM IN MORA”
O “periculum in mora” é a característica essencial e distintiva do
provimento cautelar. Sem ele não há razão para se recorrer à tutela cautelar, pois é ele que
justifica a existência dessa modalidade especial de proteção constitucional.
Segundo JOSÉ ROBERTO DO SANTOS BEDAQUE:
“O risco a ser combatido pela medida cautelar diz respeito à utilidade
que a tutela definitiva representa para o titular do direito. Isso quer
dizer que o espaço de tempo compreendido entre o fato da vida, em
razão do qual se tornou necessária a intervenção judicial, e a tutela
jurisdicional, destinada a proteger efetivamente o direito, pode torná-la
praticamente ineficaz. Isso porque nesse período podem ocorrer fatos
que comprometam sua atuação efetiva. É o que a doutrina italiana
denomina de pericolo da infruttuosità. […]”
(BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Tutela Cautelar e Tutela
Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência (tentativa de
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sistematização), 5ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2009, p. 173).
Conforme as lições PONTES DE MIRANDA, acolhidas pela
jurisprudência:
“O receio consiste em se considerar que algo de mau vai ocorrer, ou é
provável que ocorra. A probabilidade é elemento necessário; não se
pode recear o que não é possível , nem mesmo o que dificilmente
aconteceria. O grau do provável é examinado pelo juiz, mas, se ele
mesmo tem dúvida (sic), deve deferir o pedido da medida cautelar'
(PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil,
tomo XII, pág. 45).”
(TJSP, Agravo de Instrumento nº 97.782.4/7, Comarca de São Paulo, 6ª
Camâra de Direito Privado do TJ/SP, Relator Ernani de Paiva)
No mesmo sentido, a jurisprudência do E. Tribunal Regional Federal da
4ª Região:
“Sendo sumária a cognição do processo cautelar, o fumus boni iuris se
satisfaz com a razoabilidade e a plausibilidade da tese jurídica
esboçada pelo autor, e o periculum in mora configura-se pela mera
possibilidade de dano, ou pelo receio de dano ao direito a ser tutelado
na ação principal.”
(TRF4, MC n°. 199.904.011.367.620/RS, Rel. Juíza Luiza Dias Cassales,
ac. 01.06.2000, DJU 12.07.2000, p. 165).
O perigo de dano é caracterizado no presente caso por duas razões.
Em primeiro lugar, pelo risco de absoluta inutilidade do provimento
jurisdicional final principal, pelo risco de consolidação da situação fática decorrente da
realização do leilão e da emissão da licença de instalação, com início das obras e impossibilidade
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de aprimoramento do projeto.
O acontecimento específico, capaz de comprometer a eficácia prática da
tutela final, consiste na ocorrência do Leilão de Compra de Energia Elétrica de Novos
Empreendimentos de Geração denominado Leilão “A-5”, marcado em data muito próxima:
14 de dezembro de 2012, conforme portaria nº. 540 de 20 de setembro de 2012 do Ministério de
Minas e Energia, publicada no DOU na data 21/09/2012, que segue anexa, do qual participará a
Usina Hidrelétrica Sinop.
Como se sabe, por meio do leilão é que se formaliza a concessão do
serviço público consistente na atividade de produção de energia elétrica ou do uso de bem
público com potencial hidráulico (art. 13 da Lei nº. 9.074/1995). Realizado o leilão, passa-se à
segunda fase do procedimento de licenciamento ambiental, qual seja, a outorga da Licença de
Instalação, que autoriza o inicio da construção do empreendimento de acordo com as
condicionantes previstas na licença.
Entretanto, conforme já amplamente demonstrado, o EIA/RIMA da UHE
Sinop possui vícios insanáveis na medida em que não contemplou a verdadeira quantificação e
mensuração dos impactos, e, consequente, definiu medidas mitigadoras e compensatórias
insatisfatórias para o caso. Desse modo, permitir a realização do leilão e a instalação da UHE
Sinop pode acarretar o avanço do procedimento de licenciamento ambiental nas condições
impugnadas com consolidação da situação fática. Nesse caso, uma eventual decisão judicial
sobre a validade ou não, ou sobre eventuais correções e acréscimos a serem feitos no referido
EIA/RIMA, será absolutamente inútil e ineficaz em razão do fato consumado.
Quanto ao risco de consolidação da situação fática, a jurisprudência tem
aplicado, em casos excepcionais, a chamada “teoria do fato consumado”:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXAME
NACIONAL DE DESEMPENHO DOS ESTUDANTES (ENADE).
OBRIGATORIEDADE. COLAÇÃO DE GRAU. SITUAÇÃO FÁTICA
CONSOLIDADA. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO
CONSUMADO.
[…]
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4. Em casos excepcionais, em que a restauração da estrita legalidade
ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação
consolidada pelo decurso do tempo (conclusão do curso e obtenção
do diploma), por intermédio do mandado de segurança concedido, a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem firmado-se no
sentido de aplicar a teoria do fato consumado. Precedentes: AgRg no
REsp 1291328/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 09/05/2012; AgRg no
REsp 1049131/MT, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
TURMA, julgado em 04/06/2009, DJe 25/06/2009.
5. Recurso especial não provido.
(REsp. 1346893/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 12/11/2012)
Em segundo lugar, pelo risco aos investidores e empreendedores do setor
elétrico, pois a realização do leilão e a emissão da licença de instalação, com base no EIA/RIMA
objeto da ação principal, caso este tenha de ser alterado, em razão de provimento jurisdicional,
haverá insegurança jurídica no mercado, o que é igualmente danoso para a sociedade brasileira.
Note-se que o mercado interno integra bem público na natureza
transindividual, extremamente importante para a sociedade brasileira. Não é por outra razão que
a Constituição Federal dispõe que:
“Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será
incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-
econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do
País, nos termos de lei federal.”
Sobre a segurança jurídica, ensina CANOTILHO:
“A economia capitalista necessita de segurança jurídica e a segurança
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jurídica não estava garantida no Estado Absoluto, dadas as frequentes
intervenções do príncipe na esfera jurídico-patrimonial dos súbditos e o
direito discricionário do mesmo príncipe quanto à alteração e revogação
das leis. Ora, toda a construção constitucional liberal tem em vista a
certeza do direito. O laço que liga ou vincula ás leis gerais as funções
estaduais protege o sistema da liberdade codificada do direito privado
burguês e a economia do mercado. […] Estes dois princípios –
segurança jurídica e protecção da confiança – andam estreitamente
associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da
protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão
específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a
segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da
ordem jurídica – garantia da estabilidade jurídica, segurança de
orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança
se prende mais com as componentes subjectivas da segurança,
designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em
relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A
segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1)
fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder;
(2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a
segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus
próprios actos. […] O princípio geral da segurança jurídica em sentido
amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode
formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm do direito poder confiar
em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus
direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas
vigentes e válidas por esses actos jurídicos previstos e prescritos no
ordenamento jurídico.”
(CANOTILHO, JJ. Gomes, Direito constitucional e Teoria da
Constituição, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, pp. 109 e 257).
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Grandes empreendimentos, tais como a construção de usinas
hidrelétricas, envolvem grandes investimentos e colocam em risco a própria imagem e a
credibilidade do Estado brasileiro, inclusive quanto a investidores nacionais e estrangeiros. Caso
o EIA/RIMA objeto de impugnação da ação principal não seja considerado válido nos termos em
que foi editado, e se a ordem jurídica brasileira for respeitada, os investidores terão prejuízos,
pois terão investido em algo que não era seguro juridicamente. Em suma, ou haverá a aplicação
da “teoria do fato consumado” em relação a dano ambiental irreversível ou haverá quebra de
contratos por parte do Governo, o que é extremamente prejudicial para o mercado brasileiro.
O MINISTÉRIO PÚBLICO reafirma neste pedido sua convicção de
que o desenvolvimento do país depende de alguns fatores, como desenvolvimento sustentável.
Porém, faz-se mister ressaltar, também, que o respeito à propriedade privada e o cumprimento
dos contratos também são instrumentos essenciais para o desenvolvimento do País.
Nesse sentido, esclarecem COOTER e SCHÄFER:
“O capítulo antecedente formulou o princípio da propriedade para
inovação: as pessoas que criam riqueza podem manter a maioria dela. A
implementação satisfatória dos princípios da propriedade dá às pessoas
motivação para produzir riqueza, e não para tomá-la. Além de
necessitarem de motivação, as pessoas que criam riqueza necessitam
coordenar os empenhos de pessoas diferentes. Este capítulo concerne ao
princípio do contrato para cooperação econômica: o direito deve
permitir que as pessoas se comprometam a fazer o que elas disseram.
Quando este princípio é implementado, as pessoas podem confiar uma
nas outras o suficiente para trabalharem juntas, mesmo quando há
dinheiro em risco. Considerados juntos, o princípio da propriedade e o
princípio do contrato proporcionam motivação e coordenação para
inovação e crescimento. Desenvolver uma nova ideia requer que o
inovador e o investidor superem sua desconfiança, o que nós chamamos
de dilema da dupla confiança. No primeiro estágio dos recursos
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financeiros no Vale do Silício, risco incomensurável e atividade
inobservável são tão grandes que contratos explícitos são impraticáveis,
então contratações relacionais dominam. Ao proceder o desenvolvimento
da inovação ao segundo estágio, o risco cai, a cooperação se estende
para mais pessoas desconhecidas, e as partes confiam mais em contratos
privados com termos de negociação explicitamente negociados.
Finalmente, quando a inovação se difunde no terceiro estágio, os
recursos financeiros abrangem um público mais amplo, o que requer
maior padronização e regulação dos contratos como ocorre com as
ações e títulos. Os três estágios de uma empresa iniciante se
assemelham aos estágios no desenvolvimento de uma nação de um
direito contratual efetivo.. Leis mais efetivas deslocam partes das
atividades de contratos relacionais para acordos privados, e de acordos
privados para os mercados públicos. O deslocamento em direção a
formas de troca com mais densidade jurídica ampliam a esfera de
cooperação, que acelera o ritmo de se criarem e assimilarem as
inovações.”
(COOTER, Robert D. E SCHÄFER, Hans-Bernd, Solomon's Knot: How
Law Can End the Poverty of Nations, Princeton e Oxford, Princeton
University Press, 2012, p. 100, tradução livre)
Por isso, tanto para a preservação do meio ambiente, quanto para a
preservação da confiança do mercado no Estado brasileiro, o MINISTÉRIO PÚBLICO,
submete, por meio desta medida cautelar, os entendimentos acima expostos, em busca da
prudência e da força do PODER JUDICIÁRIO, para que sejam efetivamente decididas as
questões pendentes na presente ação civil público, evitando-se a perpetuação desta situação de
insegurança jurídica.
Porém, talvez mais importante do que a segurança jurídica para o
mercado é a segurança jurídica para a sociedade civil como um todo, pois esta confia que o
ordenamento jurídico preserva o meio ambiente. Isso é particularmente relevante nestes casos de
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grandes empreendimentos, principalmente tendo em vista a possibilidade de aplicação da “teoria
do fato consumado” após a constatação de danos ambientais irreversíveis.
Não é por outra razão que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, na
r. Decisão tomada pelo Conselheiro Relator GILBERTO VALENTE MARTINS no Pedido
de Providências n°. 0005235-89.2011.2.00.0000, que em seu objeto tratou da Ação Civil
Pública n°. 6037-50.2011.4.01.3603 em trâmite na Justiça Federal de Sinop/MT, assim
decidiu:
“Trata-se de pedido de providências com o propósito de se obter do
CNJ recomendação para julgamento prioritário para as ações
relacionadas às licenças ambientais de instalação de usinas
hidroelétricas e similares, objetivando maior eficiência e eficácia das
decisões a serem proferidas pelo Poder Judiciário, evitando-se, assim,
a aplicação da teoria do “fato consumado” após a constatação de
danos ambiental irreversíveis.
Ao pedido do Ministério Público do Estado de Mato Grosso o
Ministério Público Federal adere na sua integralidade, reiterando seus
fundamentos, demonstrando a grande importância da demanda, para
fins de preservação ambiental.
Assim, para melhor instrução dos autos, adoto as seguintes medidas:
[…]
c) seja oficiada a Corregedoria Nacional de Justiça para que verifique
a viabilidade de inclusão das Ações indicadas pelos Ministérios
Públicos do Estado de Mato Grosso e Federal, especialmente quanto as
Ações Civis Públicas nº 7786-39.2010.4.01.3603 e 6037-
50.2011.4.01.3603 em trâmite na Justiça Federal de Sinop/MT e as
Coletivas referentes a Hidrelétrica de Belo Monte, estas últimas
conforme quadro anexo, para que doravante sejam monitoradas pelo
Projeto Justiça Plena, posto que sabidamente processos de grande
repercussão social e internacional em que há dúvidas plausíveis sobre
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o cumprimento do princípio da razoável duração do processo.”
Assim, o “periculum in mora”, no presente caso, está sobejamente
comprovado pelas razões expostas tanto para preservar a utilidade do provimento jurisdicional
principal, evitando-se a aplicação da “teoria do fato consumado” após a ocorrência de danos
ambientais irreversíveis, quanto para proteger os próprios investidores e empreendedores, e a
credibilidade do Estado brasileiro, que têm interesse na solução da lide principal.
III - DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE DA
MEDIDA
Além do preenchimento dos requisitos essenciais para a concessão da
medida cautelar, ou seja, o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”, o MINISTÉRIO
PÚBLICO entende que toda medida judicial, mas, principalmente, aquelas relacionadas a
grandes empreendimentos, de grande relevância nacional e de alta repercussão social, é preciso
se demonstrar, para obtenção do provimento liminar, que este é razoável.
Sobre o princípio da razoabilidade, ensina LUÍS ROBERTO BARROSO:
“Em resumo sumário, o principio da razoabilidade permite ao
Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não
haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado
( adequação ); b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio
alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado
( necessidade/vedação do excesso ); c) os custos superem os benefícios,
ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo
que se ganha ( proporcionalidade em sentido estrito ).”
(BARROSO, Luís Roberto, Curso de Direito Constitucional
Contemporâneo: Os Conceitos Fundamentais e a construção do Novo
Modelo, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 305).
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A medida é adequada, pois o instrumento utilizado (pedido liminar para
suspensão do leilão) é adequado ao fim perseguido (proteção ao meio ambiente, e promover a
participação da população diretamente atingida), necessária, ou seja, de acordo com a lei, não há
meio menos gravoso, considerando-se que o grande risco de o provimento jurisdicional principal
perder a utilidade se for realizado o supramencionado leilão, com a expedição da respectiva
licença de instalação, hipótese em que há, efetivamente, início das obras.
A medida é, ainda, proporcional em sentido estrito, notadamente sob o
aspecto social, em razão da própria noção de desenvolvimento sustentável, e da necessidade de
participação da população diretamente afetada pela instalação da UHE Sinop, tendo sido o
MINISTÉRIO PÚBLICO, conforme documentos anexos, buscado por segmentos da sociedade
civil que possuem, normalmente, interesses completamente antagônicos, como é o caso do
SINDICATO RURAL DE SINOP e da COMUNIDADE DO ASSENTAMENTO 12 DE
OUTUBRO, conforme abaixo-assinado anexo.
Sobre o desenvolvimento sustentável, segundo o respeitado Magistrado
JOSÉ RENATO NALINI:
“Inadmissível submeter o meio ambiente ao interesse econômico, sob o
frágil argumento de que este deve prevalecer em prol da geração de
empregos. Os empresários mais conscientes já comprovaram há muito
que o desenvolvimento sustentável é uma realidade e que já se foi o tempo
em que era necessário optar entre "árvores" ou "empregos".”
(TJSP, APELAÇÃO CÍVEL N° 859.956.5/0-00, Relator Desembargador
Renato Nalini, Câmara Reservada ao Meio, Julgamento: 16/04/2009).
O presente caso também exige algumas ponderações sobre as questões
do planejamento da atuação da Administração Pública, sobre a ordem e economia públicas, e
sobre a necessidade de ampliação do parque energético do País.
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Isso porque, conforme a r. Decisão do E. TRIBUNAL REGIONAL
FEDERAL DA 1ª REGIÃO de fls. 1723/1726:
“A ingerência da atividade jurisdicional sobre atribuições da
Administração Pública, importando alterações na condução do
planejamento da sua atuação, deve ser feita com critério e prudência e
deve estar calcada em dados objetivos, fáticos e técnicos que a
justifiquem. […] Acrescente-se, ainda, que a decisão impugnada, ao
projetar atraso no início do procedimento de licitação, efetivamente
atenta contra a ordem e a economia públicas, sobretudo em face da
realidade do setor energético do País, em que a demanda de energia
equivale à oferta desse insumo, ou até mesmo já a supera. Nesse
contexto, verifica-se que a realização do leilão Aneel, agendado para o
dia 20/12/2011, por si só, não tem a aptidão de acarretar nenhum dano
ao meio ambiente. Já a suspensão do procedimento, a pretexto de se
salvaguardarem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
traduz medida precipitada e excessiva, capaz de atentar contra a ordem
e a economia públicas, máxima por retardar as medidas tendentes à
ampliação.”
De fato, a questão energética do País é séria e envolve uma atuação
efetiva do Poder Público. Também é verdade que obras de grande magnitude, com a construção
de um usina hidrelétrica dizem respeito à ordem e economia públicas, inequivocamente. Estes,
entre outros aspectos, dizem respeito, em suma, ao desenvolvimento do Brasil, que não deve ser
obstruído por decisões judiciais desarrazoadas.
Todavia, a noção de desenvolvimento do País deve, no entendimento do
MINISTÉRIO PÚBLICO, o qual vem, respeitosamente, por meio desta medida pedir a sua
apreciação pelo Poder Judiciário, também levar em consideração que o conceito de
desenvolvimento inclui a liberdade, e esta, por sua vez, inclui a participação da sociedade civil
para que seja dada maior precisão na identificação do interesse público pela Administração
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Pública, democraticamente eleita. Ao seu passo, a incompletude do EIA/RIMA, conforme
adredemente explanado, não permite à sociedade conhecer e opinar sobre o projeto de maneira
esclarecida, motivo pelo qual se faz imperiosa sua complementação, nos termos em que narrado
alhures.
Nesse sentido, explica vencedor do Prêmio Nobel de Economia
AMARTYA SEN:
“Deixe me referir aqui sobre um exemplo que foi rapidamente discutido
na introdução (e que envolve uma questão frequentemente levantada na
literatura de desenvolvimento) de forma a ilustrar como o reconhecimento
do papel “constitutivo” da liberdade pode alterar a análise
desenvolvimentista. Dentro de visões mais estreitas de desenvolvimento
(em termos de, diga-se, crescimento do PIB ou industrialização)
frequentemente se questiona se a liberdade de participação política e
dissenso é ou não é “contribuinte para o desenvolvimento”. À luz da
visão fundamental de desenvolvimento como liberdade, essa questão seria
vista como defeituosamente formulada, pois ela não nota o entendimento
crucial de que a participação política e o dissenso são partes constitutivas
do próprio desenvolvimento. Mesmo uma pessoa rica que é impedida de
falar livremente, ou de participar em debates e decisões públicas, é
privada de algo que ela tem razão de prezar. O processo de
desenvolvimento, quando julgado pelo aumento da liberdade humana,
tem de incluir a remoção desta privação das pessoas. Mesmo se ela não
tivesse interesse imediato de exercer a liberdade de falar ou de
participar, isso seria ainda uma privação das suas liberdade se não
tivesse nenhuma opção sobre estes assuntos. O desenvolvimento visto
como aumento da liberdade não pode senão endereçar estas privações. A
relevância da privação de liberdade políticas ou direitos civis básicos,
para uma adequada compreensão do desenvolvimento, não tem de ser
estabelecida através de sua indireta contribuição para outros aspectos
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do desenvolvimento (como o crescimento do PIB ou a promoção da
industrialização). Estas liberdades são parte e parcela do
enriquecimento do processo de desenvolvimento.”
(SEN, Amartya, Development as Freedom, New York, Anchor Books,
2000, pp. 36-37, tradução livre)
Logo, o que se propõe por meio desta medida cautelar incidental não é
uma afronta ao conceito de desenvolvimento nacional empregado pelo Governo Federal nem à
identificação do interesse público feita por este quanto às necessidades do setor energético do
País. Muito pelo contrário. Não se questiona a legítima autoridade do Governo
democraticamente eleito para definir o interesse público e a forma como este deve ser alcançado
no caso concreto. Trata-se apenas de uma tentativa de aprimoramento e de se dar maior precisão
ao interesse público perseguido pelo Poder Público.
Constitui um dilema meramente aparente a questão da ingerência da
atividade jurisdicional sobre as atribuições da Administração Pública no presente caso, mesmo se
considerado o pedido de suspensão do leilão, até que seja julgado o pedido principal da presente
ação civil. Isso porque a doutrina brasileira já desenvolveu mecanismos que mostram como
identificar o interesse público.
Esta é uma das ideias subjacentes à noção de ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA DIALÓGICA (Cf. LIMA, M.S. de, “Fundamento para uma Administração Pública
Dialógica” In Perspectiva, v. 34, n. 136, Erechim, junho/2010, pp. 73-84).
Segundo ODETE MEDAUAR:
“A atividade de consendo-negociação entre Poder Público e
particulares, mesmo informal, passa a assumir papel importante no
processo de identificação de interesses públicos e privados, tutelados
pela Administração. Esta não mais detém exclusividade no
estabelecimento do interesse público; a discricionariedade se reduz,
atenua-se a prática de imposição unilateral e autoritária de decisões. A
Administração volta-se para a coletividade, passando a conhecer
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MINIST RIO P BLICO DO ESTADOÉ Ú DE MATO GROSSO
melhor os problemas e aspirações da sociedade. A Administração passa
a ter atividade de mediação para dirimir e compor conflitos de
interesses entre várias partes ou entre estas e a Administração. Daí
decorre um novo modo de agir, não mais centrado sobre o ato como
instrumento exclusivo de definição e atendimento do interesse público,
mas como atividade aberta à colaboração dos indivíduos. Passa a ter
relevo o momento do consenso e da participação.”
(MEDAUAR, Odete, O Direito Administrativo em Evolução, 2ª ed., São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 211)
Em suma, devem ser incorporadas novas formas de democracia
participativa, inclusive, se for o caso, por meio da Ação Civil Pública, de forma que o Poder
Público não mais decida unilateralmente questões de interesse comum, defina autoritariamente e
monopolisticamente o interesse público, mas sim incentive e permita a participação popular, por
meio do consenso, para a solução dos diversos problemas que assolam o País, entre elas aquelas
relacionadas ao setor energético.
IV – DO PEDIDO
Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL,
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO e o SINDICATO RURAL
DE SINOP requerem, cautelarmente, a suspensão do Leilão de Compra de Energia Elétrica
de Novos Empreendimentos de Geração denominado Leilão “A-5”, marcado em data muito
próxima: 14 de dezembro de 2012, conforme portaria nº. 540 de 20 de setembro de 2012 do
Ministério de Minas e Energia, publicada no DOU na data 21/09/2012, do qual participará a
Usina Hidrelétrica Sinop e a expedição de licença de instalação e o início das obras no tocante à
referida UHE Sinop, até que seja julgado o mérito da Ação Civil Pública n°. 6037-
50.2011.4.01.3603 em trâmite na Justiça Federal de Sinop/MT.
Sinop/MT, 04 de Dezembro de 2012.
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MINIST RIO P BLICO DO ESTADOÉ Ú DE MATO GROSSO
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ANDRÉ BUENO DA SILVEIRA ADRIANO BARROS FERNANDES
Procurador da República Procurador da República
____________________________ _______________________________
AUDREY ILITY FERNANDA PAWELEC VIEIRA
Promotora de Justiça Promotora de Justiça
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POMPÍLIO PAULO AZEVEDO SILVA NETO ORLANDO CESAR JULIO
Promotor de Justiça Sindicato Rural de Sinop
OAB/SP 122.800
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