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Agradecimentos
Este trabalho no resulta apenas da minha dedicao, resulta de um esforo conjunto
sem o qual no conseguiria ter a sensao de misso cumprida. Assim, agradeo,
antes de mais, a todos os docentes que acompanharam o meu percurso acadmico, em
especial ao orientador da presente dissertao Doutor Norberto Santos, pela
disponibilidade, pela ajuda, pelo incentivo e pela exigncia.
Aos operadores fluviais do Douro que colaboraram nesta investigao Douro Azul,
Barca Douro, Amor do Douro, Rota do Douro, Tomaz do Douro e Douro Acima.
famlia, basilar em todos os momentos, principalmente minha me e pai pela
coragem que tm e que me transmitem. So inspiradores!
Aos amigos de sempre e aos novos, companheiros de descontraco, ouvintes de
dvidas e incertezas, presenas assduas.
Por fim, quele que mais investiu no meu sucesso, que sempre confiou nas minhas
capacidades e que, acima de tudo ainda que em silncio, acreditou que este trabalho
seria possvel. Obrigada padrinho por no teres desistido de me apoiar, este o retorno
que te posso dar.
Obrigada a todos!
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Resumo:
Actividade em crescente expanso em Portugal e no mundo, o turismo fluvial surgecomo um produto dinamizador de cursos de gua e de territrios adjacentes. Com um
desenvolvimento notvel em alguns dos principais rios mundiais, esta actividade tem
ganho, igualmente, visibilidade no rio Douro que, nas ltimas dcadas, tem visto
embarcaes animarem o seu percurso e respectivas margens.
No presente trabalho propomo-nos a estudar a evoluo do turismo fluvial no pas e no
mundo atravs da sua contextualizao geogrfica e da anlise da oferta dos mais
reconhecidos operadores martimo-fluviais. Numa abordagem mais especfica,
incidiremos sobre a forma como este produto tem vindo a desenvolver-se na regio do
Douro com o intuito de contribuir para um maior conhecimento dos reais impactos neste
territrio.
Palavras-chave: lazer, turismo, turismo fluvial, rio, Douro (regio/rio)
Abstract:
River Turism is becoming increasingly widespread in Portugal and in the world, as a
dynamic product of water courses and adjacent territories. With a remarkable
development in some of the major rivers in the world, this activity has gained also
visiblility in the river Douro, which in recent decades has seen boats animate its
riverbed and its banks.
In this paper we propose to study the evolution of river tourism in the country and in the
world through its geographical context and the analysis of what the most recognized
sea-river operators have to offer. In a more specific approach, we will focus on how this
product has been developed in the Douro region in order to contribute to a better
knowledge of real impacts in this territory.
Keywords: leisure, tourism, river tourism, river, Douro (region / river)
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ndice
1Introduo 7
2Lazer: uma conquista e um valor social 11
2.1 - As sociedades e a conquista do tempo-livre 11
2.2 - O espao: palco de (re)criao dos tempos livres 15
2.3 - O consumo ancorado sociedade do tempo livre 18
2.3.1 Tempo, Espao e Consumo 182.3.2 - Do consumidor em massa ao consumidor hipermoderno 22
2.4 - Turismo: produo de uma sociedade de tempo livre 272.4.1 - Turismo, espao e valor social 272.4.2 - Turismo de massas vs novo turismo 29
3 - Turismo em ambientes aquticos e Ordenamento do Territrio 37
3.1- Lazer e Turismo em ambiente aqutico 443.2- Requalificao territorial em torno da gua: alguns exemplos em Portugal 50
4 - Turismo fluvialum sector em expanso 594.1- Rios de Referncia Mundial e a Actividade Fluvial 64
4.2- Operadores Fluviais do Mundoos Gigantes dos Rios 70
5 - Douro: espao de experincias 73
6 - Turismo Fluvial em PortugalA (re)afirmao do valor dos rios 85
6.1Lazer nos rios portugueses 85
6.2 - Turismo Fluvial no DouroRio caminho de ontem, atraco de hoje 90
6.2.1 - Barragens e eclusas 906.2.2 Operadores martimo-fluviais e formas de actuao 91
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6.2.3Anlise do desenvolvimento da actividade 97
7 Concluso 1028 Bibliografia e Fontes 1069 Anexos 115
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ndice de Figuras
Figura 1 - Delimitao das regies hidrogrficas de Portugal - p.42
Figura 2 - Rede hidrogrfica principal de Portugal Continental - p.43
Figura 3Factores distintivos por regio (NUTS II) - p. 45
Figura 4 Principais domnios relevantes para a gesto dos sistemas fluviais em
Portugal - p.51
Figura 5 - Localizao das praias fluviais em Portugal Continentalp.54
Figura 6Sub-regies do Douro - p.73
Figura 7Recursos Tursticos destacados pelo PDTVD 2007-2013 - p.83
Figura 8 Produtos e proposta de potenciais aces a aprofundar no Porto e Norte
segundo o Plano Estratgico Nacional de Turismo - p.84
Figura 9 Localizao das barragens ao longo do rio Douro em territrio nacional
p.91
Figura 10Embarcao tradicional Rabelo p.95
Figura 11Embarcao modernap.95
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ndice de Quadros
Quadro 1 - Diferentes perodos de tempo livre, seu alcance e actividades possveis de
serem realizadas - p.15
Quadro 2Ciclo do consumo/consumidor moderno - p.25
Quadro 3Diferenas entre o velho e o novo turista - p.32
Quadro 4Parmetros de avaliao da sustentabilidade territorial - p.39
Quadro 5 Repartio das reas das Bacias Hidrogrficas Luso-Espanholas - p.41
Quadro 6Contribuio dos produtos tursticos para cada regio - p.46
Quadro 7Desportos de gua por regio segundo Portal do Turismo Activo - p.47
Quadro 8Linhas de gua em Portugal Continental com Praias Fluviais - p.52
Quadro 9Elementos integrantes do Turismo Fluvial - p.62
Quadro 10Cinco principais operadores fluviaisp.71
Quadro 11Actividades dos turistas e lazer no Porto e Norte de Portugal - p.80
Quadro 12Mdia do nmero de noites de visita ao Porto e Norte de Portugal - p.81
Quadro 13 - Operadores martimo-fluviais do Douro e respectivo ano de criao - p.93
Quadro 14 Nmero de turistas que utilizaram a Via Navegvel do Douro em Barco-
Hotel at 31 de Dezembro de 2010 - p.96Quadro 15 Nmero de turistas que utilizaram a via Navegvel do Douro em
embarcaes Martimo-Tursticas at 31 de Dezembro de 2010 - p.97
Quadro 16Pases de origem dos turistas do Porto e Norte de Portugalp.99
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1 - Introduo
Recentemente integrado em trabalhos e congressos cientficos, o valor da gua
como base para a prtica de actividades tursticas uma temtica que tem vindo a
despertar o interesse de estudiosos, no entanto, ainda pouco desenvolvida. Tomando
como territrio central da anlise a regio do Douro, o presente trabalho pretende,
efectivamente, perceber o valor dos recursos hdricos, mais concretamente do rio, para a
consolidao de um produto turstico.
Realizada no mbito da atribuio do grau de Mestre em Lazer, Patrimnio e
Desenvolvimento, a dissertao que aqui apresentamos tem como objectivo central o
aprofundamento do conhecimento acerca do produto Turismo Fluvial numa regio que
tem vindo a demonstrar um aumento significativo na sua dinmica, em grande parte
resultante das alteraes efectuadas na sua via navegvel. Para tal, estabelecemos uma
comparao entre pases do mundo com este tipo de actividade j bem incrementado,
bem como com pases que vem este produto emergir, no esquecendo, igualmente, a
avaliao do mesmo em alguns dos mais reconhecidos rios nacionais.
Para a construo do estudo foram utilizadas diferentes metodologias que nos
permitissem fazer uma abordagem completa do enquadramento da evoluo da regioduriense, bem como das actividades tursticas que a se praticam, nomeadamente
aquelas relacionadas com o contacto directo ou indirecto com a gua. Como tal,
baseamos a nossa pesquisa essencialmente em leitura bibliogrfica de autores nacionais
e internacionais que tm vindo a trabalhar a temtica, qual acrescentamos a anlise de
Planos de Desenvolvimento Territorial, nomeadamente, a Estratgia Nacional de
Desenvolvimento Sustentvel, os Programas Polis e Polis Rios, o Plano Estratgico
Nacional de Turismo, Planos de Ordenamento do Territrio e o Plano deDesenvolvimento Turstico do Vale do Douro. De forma a conhecer as estratgias de
outros pases do mundo relativamente integrao dos cursos de gua no conjunto
territorial, foram efectuadas leituras de planos como o Danube River Bassin
Management Plan, do Water Framework Directive 2015 proposto pela Unio Europeia,
do Nile Bassin Initiative e, ainda, o Relatrio do Conselho Regional de le-de-France.
Outro dos recursos utilizados foi a realizao de entrevistas a alguns dos operadores
martimo-fluviais que, presentemente, actuam no Douro por forma a conhecer a sua
origem, evoluo e a opinio relativamente ao desenvolvimento turstico da regio, no
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geral, e ao turismo fluvial, em particular. As entrevistas foram compostas de vinte e
cinco questes, sendo seis delas de cariz mais pessoal, nomeadamente no que concerne
s ocupaes profissionais e anteriores do entrevistado, bem como acerca da sua relao
com o turismo fluvial. As restantes perguntas foram reservadas ao conhecimento do
funcionamento da empresa, das suas ofertas, do tipo de clientes que recebem e das suas
formas de actuao. De forma a complementar a informao dada pelos operadores,
efectuamos diversas pesquisas por via electrnica, destacando-se a visita s suas
respectivas pginas oficiais, bem como quelas das grandes empresas de cruzeiros
martimo-fluviais espalhadas pelo mundo. Por fim, para alm das entrevistas o trabalho
de campo baseou-se na participao de um cruzeiro fluvial no Douro, no trajecto Porto-
Rgua-Porto atravs da empresa Barca DOuro, que possibilitou o contacto com
diferentes tipos de turistas com diferentes motivaes e formas de viajar.
No que concerne sua organizao, o presente trabalho encontra-se dividido em
cinco captulos que vo traando uma sequncia lgica desde o estudo da evoluo da
sociedade, ao estudo da actividade fluvial na regio em anlise. Assim, o primeiro
captulo pretende contextualizar a evoluo das sociedades, nomeadamente, no que diz
respeito aquisio do tempo livre, numa perspectiva de valorizao do lazer. Nesta
parte do trabalho, integramos a importncia no espao como palco de recriao dostempos livres, no esquecendo de elaborar um contraponto entre este, o tempo e o
consumo. De facto, dar-se- nfase s alteraes nos padres de consumo em
consonncia com as alteraes da sociedade, pelo que se efectuar uma anlise do
consumidor em massa e do consumidor hipermoderno por forma a entender as
implicaes destes dois tipos de comportamentos no lazer e no turismo. Da, partiremos
para a abordagem das alteraes na procura turstica e da sua interferncia na oferta e no
prprio territrio.O segundo captulo estar reservado para a valorizao da gua como elemento
natural presente nos territrios e capaz de dinamiz-los. Elaborando uma anlise
daqueles que so os mais importantes planos de ordenamento territorial relacionados
com a integrao dos cursos de gua no conjunto espacial, quer no contexto nacional,
como ibrico e europeu, incidiremos sobre as alteraes resultantes destes programas no
pas. Destaque, ainda, para as actividades de turismo e lazer em ambiente aqutico,
designadamente aquelas que se encontram presentes no Plano Estratgico Nacional de
Turismo. Finalizaremos esta parte do trabalho com a referncia a alguns exemplos de
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requalificao territorial em torno da gua, atravs da identificao das linhas de gua
em Portugal Continental com praias fluviais, bem como da leitura dos programas Polis
Litoral e Polis Rios. Neste ponto, salientamos os exemplos do programa Polis nas
cidades de Porto, Vila Nova de Gaia e Coimbra, desde j pelo facto das duas primeiras
se encontrarem no territrio de incidncia do presente estudo, e depois por terem em
comum o forte valor patrimonial, histrico e cultural. Coimbra foi escolhida para esta
abordagem pela proximidade territorial e pela sua ligao com o rio Mondego.
Finalmente, no olvidaremos o exemplo do Parque das Naes, espao salientado pelos
esforos reunidos para a valorizao de uma parte da cidade de Lisboa de proximidade
com o rio Tejo, como lugar de excelncia para a prtica de actividades ldicas.
Numa terceira parte, encontramos a contextualizao histrica e geogrfica da
regio do Douro, onde abordaremos a importncia da paisagem vinhateira para a
construo de uma imagem mpar ao nvel internacional, assim como para o
desenvolvimento da actividade turstica baseada no turismo rural. Aqui, sero integradas
as Quintas durienses conhecidas pela produo de vinhos de qualidade e sobre as quais
pretendemos estudar as alteraes efectuadas no que concerne s suas funes, por
forma a dar resposta procura turstica que foi aumentando gradualmente. Ser,
tambm, neste momento que faremos uma leitura quele que o mais importanteinstrumento de valorizao turstica da regio, o Plano de Desenvolvimento Turstico do
Vale do Douro (2007-2013). Estabeleceremos, igualmente, uma anlise aos recursos
tursticos destacados por este plano em comparao com os produtos evidenciados pelo
Plano Estratgico Nacional de Turismo para a regio Porto e Norte.
Relativamente ao quarto captulo, ser feita uma abordagem evoluo do
turismo fluvial no mundo, tentando compreender que gnero de actividades se incluem
neste produto. Atravs da breve descrio desta prtica nalguns dos rios de referncia anvel mundial, bem como das formas de actuao dos grandes operadores,
estabeleceremos uma contextualizao daquilo que a o turismo fluvial em territrios
onde este est j consolidado, no esquecendo os rios em expanso neste mbito.
Por fim, o ltimo captulo incidir sobre o estudo da actividade fluvial em
Portugal, atravs da anlise das prticas nos mais importantes rios do pas. Fazendo
referncia aos operadores nacionais e s suas ofertas, pretendemos perceber de que
forma este produto tem evoluido e quais as oportunidades do mesmo. Da, partiremos
para o territrio central desta pesquisaa regio do Douro -, onde ser dado relevo s
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melhorias da navegabilidade resultantes da construo de barragens ao longo do troo e
da sua implicao na consolidao do turismo fluvial. Aqui, estar tambm integrada a
anlise dos operadores da regio, a sua forma de actuao e a sua oferta. Tentaremos
efectuar uma caracterizao geral da actividade atravs da comparao com os
exemplos dados anteriormente e por meio do tratamento de respostas dadas em
entrevista. Sendo o cerne da presente dissertao, espera-se, essencialmente, que esta
ltima parte d a conhecer a dinmica dada ao rio Douro e aos territrios contguos
resultante da consolidao da actividade turstica (fluvial), assim como o(s) impacto(s)
nos mesmos.
Posto isto, pretendemos que o trabalho apresentado resulte num enriquecimento
para a investigao na rea do turismo, mais especificamente no que concerne
temtica do Turismo Fluvial.
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2 - Lazer: uma conquista e um valor social
A histria do ser humano feita de conflitos, conquistas, mudanas,movimentaes, que consequentemente interferem nos desenvolvimentos econmicos,
culturais, sociais, polticos...So estes factos, feitos e as suas interaces que contribuem
para a construo da identidade de uma pessoa, de um lugar, de uma regio, de um pas.
Trata-se, de facto, de uma relao constante e biunvoca entre estrutura e aco, sempre
dependentes da cultura e da tecnologia e capazes de estabelecer uma rede socio-
econmica complexa.
Ainda que todos eles tenham um peso relevante nessa construo, interessa-nos
tratar, antes de mais, as conquistas, nomeadamente as sociais, j que conduziram a
mudanas significativas nas mentalidades e comportamentos, na maneira de ser e estar
do Homem na sociedade. Neste ponto, as questes que se colocam so: tero estas
conquistas interferido no surgimento do lazer e do turismo? De que forma? Como que
foram adquiridas e quais as posies do ser humano relativamente a estas actividades?
2.1As sociedades e a conquista do tempo-livre
Ao longo dos tempos, as sociedades foram possuindo designaes atribudas por
estudiosos que viam as caractersticas das mesmas sofrerem alteraes, e que, por
conseguinte, se deparavam com a necessidade de as diferenciar.
Para compreender o presente, o hoje, importa focarmo-nos no sculo XIX, tempo
onde a reformulao dos ritmos do trabalho, ligada revoluo industrial, comea a
impor uma nova distribuio dos tempos sociais (CORBIN, 1995:7). De facto, a
Revoluo Industrial apontada pela grande parte dos autores como sendo o marco da
mudana na percepo do tempo, do espao e diria mesmo do prprio ser social, de tal
forma que se sentiu necessidade de distinguir a sociedade pr-revoluo industrial da
ps-revoluo.
Ao analisarmos obras e textos descritivos das pocas que antecederam a Revoluo
Industrial, denotamos uma srie de caractersticas sociais que comprovam o
antagonismo entre estes tempos. Destacamos aqui aquelas que consideramos as mais
relevantes para basear a presente dissertao, so elas a posio do Homem
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relativamente ao trabalho e o seu acesso ao tempo livre. No incio do sculo XIX, o
trabalho constituia aquilo a que Paul Lafargue (2002:15) na sua obra O Direito
Preguia considerava de folia (), paixo mrbida (), pela dedicao exacerbada
dos indivduos prtica profissional. No fundo, o trabalho era o centro da vida, a nica
actividade qual a populao dedicava tempo e valor. No entanto, nem todas as
camadas sociais detinham a mesma preocupao, alis, as classes superiores eram-no
muito pelo menor apego ao trabalho, ou melhor, pelo menor tempo passado nas suas
ocupaes laborais. Eram os proprietrios, os patres. Podemos at clarificar esta ideia
atravs de uma afirmao de Corbin bem ilucidativa desta realidade, o tempo livre era
a recompensa e o privilgio de um nascimento nobre, marca de uma superioridade
pessoal. A falta de tempo livre era um sinal de pobreza (...)1 (CORBIN,1995:21). A
principal e mais evidente criao deste sculo que demonstra, efectivamente, esta
distino social no que se refere ao tempo livre , sem dvida, o Grand Tourviagem
realizada pelos jovens aristocratas, como que um ritual de passagem da adolescncia
(CORBIN, 1995:23), uma forma de alargar horizontes e conhecimentos atravs da visita
a diferentes pases do mundo (maioritariamente do continente europeu). Este grupo
social era aquilo a que Stendhal chamava de A classe des gens du loisir (cit.por
CORBIN, 1995:61), uma classe sem presses de tempo e trabalho que dedicava o seutempo livre a actividades ldicas (e) de distino.
Todavia, o final do sculo marcado por uma perda progressiva de centralidade por
parte do trabalho, mas agora, na generalidade das camadas sociais. Esta perda de
centralidade do trabalho na vida do Homem, surge em consequncia de uma srie de
conquistas que viriam a marcar a histria da sociedade. A reduo do tempo de trabalho
e a conquista da semana inglesa (com dois dias de descanso), apontados por Santos e
Gama (1999), no fundo o direito ao cio dirio, semanal e anual (RODRIGUES,2006:247), ditaram novos ritmos de trabalho e novos ritmos sociais. Surgia, como refere
Richard Sennet (2007:29), o desprezo pelos servos do tempo, isto , um
afastamento crescente do trabalho como centro de regulao social, atravs da aquisio
de um tempo pessoal. A partir daqui, assistiu-se emergncia da Sociedade dos tempos
livres, definio dada por G.Hourdin (1961 cit.por SANTOS & GAMA, 1995:131)
para designar a sociedade resultante da instituio de novos ritmos e temporalidades.
1
Ainda que o captulo se refira aos ingleses e sua relao com o lazer, podemos transpor esta ideia doautor nesta fase do estudo j que se tratava de uma realidade generalizada na sociedade ocidentaldesenvolvida do sculo XIX
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Estvamos perante a massificao do cio, isto , o incio do perodo de massificao do
lazer de forma continuada, que nos transportar at massificao do seu consumo.
De facto, no podemos considerar que o preenchimento desse tempo livre de forma
activa como o conhecemos hoje, tenha surgido imediatamente. Alis, Alain Corbin
(1995:12) salienta o facto do tempo fora do trabalho ter sido, inicialmente, concebido e
encarado como um tempo de repouso, um tempo morto. Efectivamente, e tomando a
linha de pensamento de Corbin, podemos considerar que o grande impulso para a
aquisio de um tempo prprio surgiu no ps-Segunda Guerra Mundial, j que a partir
da se multiplicou o desejo por um tempo, regido pelo prazer onde o gozo
proporcionado pela expresso e realizao de si com espontaneidade (CORBIN,
1995:14) se transformam nos alicerces desta renovada sociedade. Aparecem aqui,
dois novos elementos que, na nossa opinio, revelam um verdadeiro interesse para o
estudo do lazer, so eles a expresso e a realizao.
Ao descanso, como fundamentao dos tempos livres, veio agora juntar-se o
divertimento e o desenvolvimento2. Com o tempo de no trabalho alargado e
transformado em tempo livre, nasce uma necessidade de preenchimento, um
preenchimento que no poderia basear-se apenas no repouso, mas num aproveitamento
integral que permitisse ao Homem sentir-se realizado. Trata-se, na nossa perspectiva, deuma necessidade de preenchimento simultneo do tempo e de si mesmo, j que a
existncia deste tempo formalmente vago permitiu e permite, na sua essncia, a
realizao de projectos e actividades que transmitem a quem as pratica uma sensao de
utilidade e bem-estar. Como podemos verificar, o tempo livre passa a ser considerado
pela sociedade como um tempo de qualidade (SANTOS & GAMA, 1999:132) que
deve ser gozado e aproveitado, um tempo que o mais completo modo de expresso de
si pelo corpo, pelos sentidos, pelos sentimentos, pela imaginao, pelo esprito.(DUMAZEDIER, 1988 cit.por CORBIN, 1995:14). Agora, no apenas uma sociedade
dos tempos livres, mas mais da emergncia de uma sociedade dos lazeres. Criam-se
novas necessidades, como sublinha Baudrillard (1970:243) o repouso, o relaxamento,
a evaso, a distraco so talvez necessidades, eixos da ideologia do lazer.
Ao analisarmos atentamente o que anteriormente foi exposto, podemos denotar a
existncia de dois usos do tempo, opostos, so eles o tempo de trabalho e o tempo livre,
2Os 3 Ds como fundamentao de uma civilizao dos lazeres afirmada por Dumazedier (1962) na sua
obra Vers une civilization du loisir? (descanso, divertimento, desenvolvimento)
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aos quais associamos as noes de produo e reproduo, respectivamente. Tal como
refere Rosnay (1981, cit.por GAMA, 2008:17) trata-se de duas noes distinguidas no
s na linguagem cientfica como na linguagem do quotidiano, dois tempos um tempo
criador, da gnese, da evoluo, e um tempo repetitivo, cclico e vazio, da morte que
apesar de dspares se complementam. E complementam-se muito por causa das
alteraes quer nas mentalidades, quer na organizao social, isto , a existncia de
tempo livre decorrente das necessidades da sociedade industrializada deu um novo
flego aos trabalhadores cansados dos ritmos do trabalho, permitindo-lhes um tempo de
repouso, de uma certa regenerao para o dia/semana/ano seguinte e para a reforma.
neste tempo que se vai integrar o tempo de lazer que Dumazedier (1962;s/p) define
como o conjunto de ocupaes s quais o indivduo pode entregar-se de livre vontade,
seja para repousar, seja para divertir-se, seja para desenvolver a sua informao ou
formao desinteressada, seja para a sua participao social voluntria ou para a sua
livre capacidade criadora, aps livrar-se ou desenbaraar-se das obrigaes
profissionais, familiares e sociais e Stebens (2007) afirma como uma actividade no
coerciva efectuada durante um perodo de tempo livre, sendo algo que a pessoa quer
fazer, procurando a satisfao pessoal ao usar as suas capacidades e recursos e bem
sucedida ao faz-lo..De notar que ao longo da sua vida o ser humano vai passando por diferentes tempos,
sendo que a cada um deles corresponde a possibilidade de realizao de diferentes
actividades de lazer. A este propsito, podemos considerar o quadro 1 da autoria de
Antnio Gama (2008:23) como explicitador desta situao, ao distinguir os vrios
perodos de tempo livre existentes e as actividades possveis de serem praticadas quer
em casa como fora dela.
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Quadro 1Diferentes perodos de tempo livre, seu alcance e actividades possveis
de serem realizadas
(Fonte: GAMA: 2008,23)
2.2O espao: palco de (re)criao dos tempos livres
Surgindo sempre num contexto social, o uso do tempo teve, como vimos, fortes
influncias na organizao da sociedade e das suas mentalidades. Com o aumento do
tempo fora do trabalho, as necessidades comearam a transformar-se e a alterar as pr-
existentes, como justifica Lefbvre as fadigas da vida moderna tornam indispensveis
o divertimento, a distraco, o descanso. (1968, cit.por GAMA, 2008:18).
Efectivamente, foi esta vida modernizada que criou no Homem novas necessidades de
usufruto dos tempos livres de maneira integral e, de certa forma, produtiva3, alis, a
sociedade contempornea d cada vez mais ateno ao tempo fora do trabalho
particularmente ao uso desse tempo (...) (GAMA & SANTOS, 1991:103). Tal como
foi referido anteriormente, o tempo vago, de no trabalho, passou de um tempo de
repouso a um tempo de criao, de expresso, passou de um tempo de desocupao a
3Nota: entendamos esta produtividade no no seu sentido econmico mas no sentido de proveito pessoal,
ou seja, de realizao, concretizao do que no possvel em tempo de trabalho
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um tempo ocupado, independentemente de ser no conforto do lar ou no parque da
cidade.
Pelo que foi exposto, denotamos que a ocupao dos tempos livres comeou no
incio do sculo XX a ganhar uma nova expresso, uma nova dinmica, que possibilitou
a multiplicao de actividades ldicas nos territrios. Deste modo, o espao e a sua
utilizao pelo Homem ganham tambm eles um novo significado, diramos mesmo que
ganham uma nova relao, isto porque esta ligao nem sempre foi a mesma, nem
sempre foi vista da mesma forma. Sobre este assunto A.Gama (2008:19) explica que as
expresses espaciais das prticas do tempo livre assumiram distintos aspectos ao longo
dos tempos nas diferentes sociedades, acabando mesmo por sublinhar a importncia
das sociedades industrial e ps-industrial, dos seus comportamentos e mentalidade
nestas alteraes, estas, distinguem-se pela sua natureza, diferenciao social e
alcance espacial, dos de outras formaes sociais (GAMA, 2008:20).
A partir daqui, podemos concluir que existem dois elementos fundamentais na vida
social que, apesar de terem apresentado (e de continuarem, certamente, a apresentar no
futuro) diferentes expresses e significados, contribuem para a organizao da
sociedade em si. Refermo-nos ao tempo e ao espao. Incidindo mais concretamente
neste ltimo, e ao pensarmos em situaoes to simples do quotidiano, fcil concluirque o espao o palco de actividades to diversas como o caminhar, o ir s compras, ou
mesmo o prprio trabalho. Com a busca de prticas que preenchessem de alguma
maneira os tempos livres, o espao foi e tem sido elemento principal a ser desenvolvido,
pelo facto de qualquer actividade necessitar dele para ser realizada. A este propsito,
vrios autores partilham da opinio que o espao no um simples elemento da
vivncia quotidiana, o espao representa muito mais. J.Urry defende, por exemplo, que
o espao tambm visto como um produto e, por isso, entendido como fazendo parteda oferta (URRY, cit.por GAMA & SANTOS, 1995:130), facto que igualmente
sublinhado por Antnio Gama quando nos diz que o espao tornou-se numa
mercadoria e a expanso da dominao espacial uma necessidade do sistema
capitalista (GAMA, 2008:20).
De facto, a emergncia do sistema capitalista deu aso a uma revigorao dos
territrios, permitiu uma nova gesto do espao e seu planeamento (GAMA,
2008:22). Neste contexto, a urbe apresentou-se como elemento-chave do
desenvolvimento e da renovao praticada pelo capitalismo. A cidade transformou-se
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no s no ncleo territorial, onde imperam as grandes construes, mas onde o seu valor
simblico e a sua representao social ganham fora, nomeadamente aquando do
crescimento desta sociedade dos lazeres do final do sculo XIX. D.Roche (1998),
ressalva mesmo a importncia deste sculo para a representao e encenao da cidade,
salientando que este perodo contribuiu para trs grandes transformaes neste
territrio, sendo elas a abertura de caminhos a outros comportamentos perante objectos
e hbitos novos (muito ligado tambm ao surgimento da iluminao pblica que
permitiu um novo aproveitamento da noite e um nascer de novos comportamentos
sociais durante este tempo/espao), a criao de um terreno favorvel a comportamentos
demogrficos e sexuais diferentes, e, por ltimo, a preparao de outras atitudes
econmicas das famlias, o que instaurou uma viso diferente da hierarquia social4.
Importa aqui salientar, principalmente, esta alterao de hbitos e a sua implicao
no uso do espao. Como vimos, o tempo livre e a prtica de actividades de lazer foram
um fenmeno social, determinaram a sua organizao. Porm, importa referir,
igualmente, que estes foram e so um meio de socializao por excelncia, logo, de
incidncia ao nvel espcio-temporal. Efectivamente, o espao apresenta uma srie de
elementos que nos permitem verificar a relevncia destes momentos de socializao,
desde praas, parques infantis ou parques de merendas. Estes marcos deixados porcivilizaes passadas no territrio, comprovam a importncia conferida aos tempos de
descontraco, de libertao do tempo de trabalho.
Ainda que nos nossos dias estes elementos estejam presentes um pouco por toda a
parte, de forma mais ou menos complexa, o certo que o desenvolvimento de estruturas
para a prtica de actividades ldicas no se propagou de igual forma em todos os
espaos. Fizemos, j, referncia ao protagonismo da cidade na construo desta
sociedade, e foi-o no s pelo emaranhar de edificaes que foram crescendo ou pelassuas funes administrativas, mas muito por causa do desenvolvimento dos transportes.
Estes, desempenharam um papel fundamental nesta evoluo das metrpoles ao terem
permitido deslocaes mais rpidas, seguras e confortveis. Este encurtamento das
distncias fez dinamizar a urbe e despoletou na populao um desejo de mobilidade ao
encontro dos plos de crescimento e de evoluo, ou como nos refere Lefbvre (1974)
4Convm salientar que as sociedades do ltimo sculo viam a populao citadina como sinnimo de
poder econmico, ao contrrio das populaes camponesas associadas a dificuldades econmicas
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permitiu um processo sempre crescente de circulao de bens e informaes (cit.por
GAMA, 2008:20)
Todavia, interessa ressalvar que, apesar deste aumento de mobilidade permitido pelo
desenvolvimento dos transportes, a apropriao do espao, tal como vimos
anteriormente com o acesso ao lazer, apresenta diferenas ao nvel social, isto , o uso
do espao para as prticas de ocupao dos tempos livres no apresenta um cariz
socialmente igualitrio. Alis, o prprio territrio no foi desenvolvido de igual forma,
o espao rural ficou quem desta dinmica criada nas cidades. Posto isto, passemos ao
sub-tema seguinte, que incidir sobre esta diferenciao de consumo das prticas de
lazer e dos seus espaos.
2.3- O consumo ancorado sociedade do tempo livre2.3.1 Tempo, Espao e Consumo
Como foi explicitado anteriormente, as alteraes na estruturao dos tempos
sociais modernos fizeram aumentar, consequentemente o tempo de lazer. Ainda que,
inicialmente, a sua distribuio e usufruto tenham sido desigualitrios, rapidamente osindivduos pertencentes s classes sociais inferiores se aperceberam da importncia de
um tempo regeneradordepois do trabalho. Nesta sequncia, a massificao dos tempos
e das economias do lazer surge hoje como um dos elementos identificadores das
sociedades que vieram a ser designadas como ps-industriais (TOURAINE, 1969) ou
de consumo (BAUDRILLARD, 1970) (cit.por SANTOS & GAMA, 1999:135). E
porqu de consumo?
Vrios so os autores que nos ajudam a responder a esta questo, atravs de umalgica similar. Ora, vimos que com o aumento do tempo livre as necessidades do seu
preenchimento foram surgindo, nomeadamente, por meio de prticas de lazer. Na
sequncia desta valorizao dos novos usos do tempo, multiplicam-se as instituies,
organizaes e empresas que se mobilizam para criar formas mais diversificadas e
atractivas dos indivduos preencherem o seu tempo livre. Logo, o lazer torna-se, a partir
daqui, um bem pago, consumvel. O cio ganha valor, tornando-se mesmo uma
indstria como refere Lefbvre (cit.por GAMA 2008:20), ou como defendem Santos e
Gama (1999:135), o lazer passa a ser como que uma mercadoria.
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consumo(GAMA & SANTOS, 1991:108). Assim sendo, o consumo surge amplamente
ligado crescente terciarizao do espao que advm desta valorizao dos tempos de
lazer. Por toda a parte e ao observar toda a envolvncia da urbe, o Homem depara-se
com um contnuo e infindvel chamamento ao consumo, os grandes cartazes
publicitrios entrada de qualquer cidade, o jogo de cores e luzes, os neons e design
apelativos, at mesmo as estruturas comerciais gigantescas plantadas no espao
urbano surgem apenas com um propsito, o de consumir. Consome-se o espao e o
tempo, consomem-se os locais criados para o efeito, consome-se o desejo e as
necessidades produzidas e, de certo modo, inventadas por esta sociedade moderna.
Como nos explicam Santos e Gama (1999:130), (...) no apenas o consumo
que se apresenta como estruturador social mas tambm a sua dimenso espectculo...,
alis as caractersticas que apresentamos no pargrafo anterior referentes s formas de
expresso publicitria nas cidades demonstram, precisamente, a espectacularidade
inerente emergncia desta nova sociedade. A este propsito, encontramos, tal como
acontecia em relao posio do individuo perante o uso do tempo livre, uma
evoluo ao longo dos tempos. Foquemos a nossa viso na segunda metade do sculo
XX, anos em que se vive o tempo dos objectos como designa J.Baudrillard, onde se
assiste multiplicao dos servios, dos objectos, dos bens materiais, defendendo umaclara passividade do indivduo em relao a estes, pelo facto de viver ao seu ritmo e
mediante a sua sucesso incessante (1970:18). Os objectos surgem em panplia e o
interesse foca-se na abundncia, na sucessiva procura de sempre mais, no consumo.
Vejamos, a ttulo de exemplo, o caso de Portugal. Enquanto que os anos 50 (e
anteriores) so marcados por um fraco desenvolvimento, nomeadamente ao nvel
urbanstico, em comparao com outros pases da Europa5, os anos 60 e 70 so
carcaterizados por fortes alteraes sociais, especialmente, no aumento das actividadesdo sector secundrio e tercirio, na diminuio do sector primrio e na deslocao da
populao rural para os centros urbanos. Parece-nos que este aumento progressivo dos
sectores secundrio e, principalmente, tercirio pode ser justificado, para alm de outros
factores, pelo aumento da percentagem de populao escolarizada, assim como pela
entrada da mulher no mundo do trabalho6. Observando alguns indicadores estatsticos e
5Note-se que em 1950 77% da populao portuguesa vivia no campo (in MNICA, Maria Filomena -
Cenas da Vida Portuguesa; 1999)6 Apenas em 1974 as mulheres passam a estar definitivamente integradas na populao activa empregada(in BARRETO, Antnio - A situao social em Portugal 1960-1999vol.II; p.46)
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baseando a nossa anlise na obra de Antnio Barreto, no nos dificil perceber que
Durante os anos 60 (...) as coisas comearam a mudar. (...) A sociedade de consumo
assaltava por fim o bastio da austeridade salazarista (MNICA, 1997:197).
Efectivamente, vrios dados permitem-nos concordar que a partir de 1960
Portugal mostra pertencer a uma sociedade onde o bem-estar ganha importncia. Se a
taxa de poupana das famlias ascende significativamente de 6% a 27% entre 1960 e
meados dos anos 70 (BARRETO, 2000:49), significa que o rendimento disponvel para
consumo aumenta consequentemente. Ora, se durante estas dcadas a primazia era dada
aos investimentos na habitao, nomeadamente gua, esgotos e electricidade,
elementos-base para um maior nvel de conforto, as dcadas seguintes primam pela
despesa dos agregados familiares em sectores como a educao, a sade ou a cultura,
ainda que de forma desigual entre categorias sociais. Importa salientar os gastos
referidos neste ltimo sector, j que apresentou mudanas sociais significativas,
sobretudo nos seus aspectos qualitativos, designadamente os padres de expresso e
criao, as influncias, as modas, os meios de divulgao e comunicao (BARRETO,
2000:53). Como tal, para alm de se ter assitido a um aumento gradual do nmero de
museus, os visitantes apresentaram o mesmo tipo de evoluo7, o que demonstra um
crescendo no interesse pelo consumo destes lugares. Para alm da deslocao a museus,tambm a ida a espectculos de msica, bailado e variedades passou a fazer parte dos
interesses da populao8. Posto isto, os investimentos aplicados na rea da cultura
mereceram, igualmente, a ateno dos governos que tm aumentado o financiamento e
apoio (ainda que numa percentagem muito pequena do oramento de Estado) a este
sector, o que nos permite concluir que a emergncia da sociedade de consumo ,
tambm ela, valorizada e aproveitada quer pelos administradores pblicos como
privados, por forma a adquirirem proveitos econmicos da.Como vemos, a uma sociedade centrada no trabalho sucede uma sociedade de
valorizao do objecto, do consumo do mesmo, facto que o comprova , por exemplo, a
aquisio progressiva de equipamentos electrodomsticos pela populao portuguesa a
partir das ltimas dcadas do sculo XX9. Assim, o trabalho passa a ser o meio de
7Ver quadro 1 em anexo
8 Ver quadro 2 em anexo9 Segundo Antnio Barreto, podemos considerar trs fases no progresso do conforto das habitaes: a
primeira com um desenvolvimento lento dos grandes equipamentos de base ou colectivos (esgotos, gua eelectricidade) entre 1960 e meados dos anos 70; a segunda de 1975 a 1987, caracterizada por umaacelerao rpida dos grandes equipamentos de base; finalmente, a terceira onde se assistiu a uma
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obteno de bens, podemos considerar que o grande objectivo da sua prtica ,
essencialmente, poder consumir. Como nos elucida Dumazedier (1962) alguns
indivduos que viviam para trabalhar ousam agora trabalhar para viver ou ousam
sonh-lo....
2.3.2Do consumidor em massa ao consumidor hipermoderno
As mudanas verificam-se e com elas a mentalidade e a forma de estar dos
indivduos em relao ao todo social. Assim se processou, tambm, com as formas de
consumo que foram manifestando alteraes ao longo dos anos.
Se at data da Revoluo Industrial, as sociedades tradicionais tinham como
base do seu tempo livre o no fazer nada, que regia o estatuto dos privilegiados,
depois deste marco histrico, assistiu-se emergncia de uma sociedade moderna
baseada em valores como a liberdade individual e de acesso ao tempo livre por parte da
grande maioria das camadas sociais, chegando mesmo a ser designada por vrios
estudiosos10como a era da sociedade do tempo (GAMA & SANTOS, 1991:104), de
onde resultam, segundo os mesmos autores, as denominadas indstrias dos cios(dem, 1991:106).
Todavia, tambm as dcadas que se seguiram apresentaram fortes alteraes que
importa explorar, por forma a compreender as implicaes que essas mutaes sociais
tiveram na construo do indivduo de hoje. A fase ps-industrial foi marcada pela
afirmao de novos vectores sociais, os sistemas de informao ganham expresso e
valor central atravs de novos meios de comunicao e do desenvolvimento
tecnolgico, a mobilidade populacional aumenta de forma significativa, assiste-se aocrescimento da emigrao, a velocidade, o conforto e segurana passam a ser
caractersticas das deslocaes. Alm disto, tambm a preocupao pela qualidade
expanso do consumo individual para os alojamentos, com maior incidncia nos electrodomsticos (dosquais salienta o telefone, televiso, automvel, fotografia e vdeo, aspirador, mquina de lavar a roupa,
frigorfico, arca frigorfica e aquecimento), uma fase que se inicia no ano de 1987 para se prolongar ataos dias de hoje. (p.51)10 A este propsito tambm SUE, RogerVers une socit du temps libre (1982)
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no que respeita ao acesso dos grupos sociais. De facto, o consumo aparece como uma
instituio tal como a escola : no s existe desigualdade perante os objectos no sentido
econmico (...), mas mais ainda, existe discriminao radical na medida em que apenas
alguns acedem lgica autnoma, racional, dos elementos do ambiente que os circunda
(...) (BAUDRILLARD, 1970:76-77).
Tomando como base o trabalho do autor supracitado, fcil concordarmos que o
processo de consumo (e aqui no apenas de massas mas o consumo no geral), pode ser
entendido como tendo dois grandes papis no que respeita ao seu valor na sociedade.
Primeiramente, como processo de comunicao, na medida em que na sua base esto
cdigos e prticas repletos de simbolismo e mensagens, depois como processo de
classificao e de diferenciao social, que surge na sequncia do anterior, em que os
objectos se transformam em sinais de ordem econmica, com o valor de posio na
estrutura social (BAUDRILLARD, 1970:79).
Na introduo que faz ao pensamento de Gilles Lipovetsky, Sbastien Charles
(2004:20) v no consumo de massas e nos valores a ele associado os grandes
responsveis pela passagem da modernidade ps-modernidade. Mesmo que o
indivduo da sociedade moderna mostrasse, j, alguns sinais de desejo de evaso e
realizao de si prprio, foi na ps-modernidade que a necessidade de afirmao da suasingularidade se mostrou mais viva. O individual afirma-se sobre o colectivo, o Homem
liberta-se e passa a valorizar a unicidade e as diferenas entre indivduos, assiste-se a
uma revoluo na representao das pessoas e no sentimento de si, perturbando as
mentalidades e os valores tradicionais (...).
Assistimos, nesse momento de transio, a um aumento cada vez mais gradual
da produo industrial, aos progressos nos transportes e na comunicao, desenvolve-se
o sistema capitalista moderno baseado nos grandes mtodos comerciais, onde apublicidade e o marketing imperam. Os consumidores passam a ter em si uma
insatisfao definitiva, como lhe chama J.Baudrillard (1970:81), o consumo ganha
valor ilimitado transformando-se num ciclo que podemos observar no quadro 2. Desta
feita, da necessidade criada pelo consumidor resulta uma produo just-in-time, isto ,
que seja capaz de dar resposta rpida a um consumo identitrio, diferenciador.
Efectivamente, a produo precisa ser rpida para conseguir fazer frente procura pelo
prazer fugaz caracterstico desta sociedade, que se transformar, inevitavelmente, numa
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insatisfao definitiva pela velocidade a que a produo vai evoluindo, surgindo, mais
uma vez, uma nova necessidade.
Foi este ciclo que nasceu e que se manteve at ao presente, um ciclo centrado na
resposta contnua s insatisfaes materiais (dos objectos) e imateriais (da busca
incessante de felicidade) do quotidiano. A produo aumenta em consequncia de novas
necessidades sentidas pelos consumidores, a panplia de tecnologias e de objectos
surge.
O perodo ps-moderno pode ser entendido como rampa de lanamento para a
emergncia daquela que vrios autores13 apelidam de hipermodernidade, isto porque
permaneceu apenas durante duas dcadas na sociedade, tendo servido, portanto, como
base para uma nova forma de estar do ser humano perante o mundo que o rodeia.
Efectivamente, assiste-se a partir da dcada de 90 do sculo passado, ao surgimento de
uma nova sociedade, sociedade esta cada vez mais virada para o presente e para as
novidades que ele traz, cada vez mais habitada por uma lgica de seduo pensada sob
a forma de uma hedonizao da vida acessvel ao conjunto das camadas sociais
(CHARLES,2004:26). Encontramos, nesta caracterizao da sociedade
hipermodernizada, novos elementos que devemos ter em conta na nossa anlise.
Desde j, a importncia dada ao presente, ao agora, ao desejo satisfeito no imediato, oindivduo hipermoderno criou a necessidade de procurar incessantemente sacear os seus
desejos, em qualquer dia da semana, a qualquer hora do dia. Alis, a prpria sociedade
adaptou-se e criou formas de poder responder a estas necessidades.
Quadro 2Ciclo do consumo/consumidor moderno(organizao da autora)
13Vrios foram, j, os autores a estudar e escrever a este propsito, nomeando-se Norberto Santos, Beja
Santos, Nicole Aubert.
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Na esfera do consumo, surgem os grandes centros comerciais, dotados de uma
variedade de lojas, para homem, senhora, criana, de bens de primeira necessidade ou
nem tanto. Estes espaos permitem ao Homem consumir em qualquer altura, de
Segunda a Domingo, nas vsperas de ocasies festivas, nos feriados, um ano inteiro,
chegando mesmo a ser locais de romaria e de passeio em famlia em dias mortos. O
hiperconsumo torna-se, deste modo, alavanca para tornar o homem em presas da
compra a qualquer momento e em qualquer atmosfera festiva do nosso quotidiano,
graas ao isco das pechinchas, surpresas, descontos, promoes e redues
(B.SANTOS, 2009:17).
Tnhamos, anteriormente, referido que o ltimo quartel do sculo XX fez nascer
uma sociedade cativada pela dimenso espectculo de tudo o que a rodeia. Pois esta
sociedade hipermoderna no s cativada, como procura a espectacularidade de tudo.
Se, como refere Charles (2004), o indivduo desta sociedade contempornea amante
da novidade, e se essa novidade for apresentada com espectacularidade, esto juntos os
ingredientes necessrios para prender a ateno do consumidor, ainda que, na sua
maioria, se tratem de objectos suprfluos. Na realidade, e como nos refere NorbertoSantos no seu trabalho A sociedade de consumo e os espaos vividos pelas famlias
(2001:99), na sociedade contempornea o consumo uma forma de expresso, por
excelncia, da flexibilidade, da diversidade, do efmero, desse ecltico e do simblico.
Beja Santos vai mais longe e emprega a noo de turboconsumidor para designaro
maior leque de comportamentos individuais no contexto da individualizao dos bens e
equipamentos (2009:11).
Facilmente conclumos que o consumo passa a ocupar uma centralidade e umpapel fundamental na organizao dos tempos e espaos sociais. O Homem
hipermoderno hedonista, preocupado com o seu bem-estar, e v no consumo a via para
chegar a essa sensao de prazer, ainda que momentaneamente. Passou, como considera
Beja Santos (2009:10), da conquista do mundo procura de si, ou do prazer
angstia14.
14Captulo Da ps-modernidade hipermodernidade: do prazer angstia da obra de Gilles Lipovetsky
e Sbastian Charles Os tempos hipermodernos
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2.4Turismo: produo de uma sociedade de tempo livre2.4.1Turismo, espao e valor social
Em toda a histria da humanidade, o Homem sempre demonstrou necessidades
de conquista de deslocao, de busca de novos lugares, de encontro com outros espaos
como forma de promover o seu bem-estar. Ou no sero disso exemplo os
Descobrimentos, a emigrao ou at mesmo o desenvolvimento dos transportes? Ora,
esta procura incessante de lugares que lhe transmitam algum prazer ou ligao vem,
deste modo, comprovar a importncia da relao do indivduo com o territrio. Parece-
nos, ento, claro que o turismo como actividade que tem como base o espao e a sua
transmisso de sensaes de prazer e bem-estar, no mais do que uma forma do
Homem descobrir o territrio e de o conhecer, sabendo tambm que para muitos a
prpria viagem tem o efeito imediato de prazer, sendo o destino menos importante.
Vimos, j, anteriormente que o Grand Tour pode ser considerado como o
verdadeiro marco do incio do desenvolvimento turstico. Esta deslocao por parte dos
jovens aristocratas, tinha como grande objectivo promover o conhecimento atravs da
mobilidade, atravs do contacto com outros espaos, tanto que Saldanha Martins
considera estas viagens de descoberta um impulso para o desvendar dodesconhecido (2004:16). Foi, portanto, o desafio do desconhecido que esteve na base
da criao da actividade turstica, ideia corroborada pela importncia das viagens de
investigao cientfica do sculo XIX.
Tal como aconteceu com o acesso ao tempo de lazer, tambm o turismo
comeou por ser interesse das camadas sociais superiores. Todavia, com a
democratizao do tempo livre e de lazer, os grupos sociais inferiores viram,
igualmente, a sua capacidade de deslocao ser democratizada. Deste modo, apossibilidade de chegar a outros lugares, de estar em contacto com outras realidades,
passou a ser pertena da grande parte dos indivduos, decorrente, principalmente, da
implementao de frias pagas, da melhoria dos transportes, de um acesso alargado
informao e do perodo de descanso anual.
O espao assume lugar de destaque para a prtica turstica, j que nele que a
aco se passa e, no fundo, a ideia de mudar de espao que surge como grande
motivadora das deslocaes, pela possibilidade de fuga rotina. A atraco do
espao/destino impulsiona, tambm ela, o turista e o turismo. O prprio turismo como
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aos residentes, e as novas vocaes e funes. Carminda Cavaco (2006:301), salienta
mesmo que um recurso passa a ser produto turstico apenas quando valorizado,
desenvolvido e projectado pela sociedade e colocado no mercado onde pode ser
adquirido (comprado).
Como acontecia com outras actividades de lazer, o desejo de fazer turismo, de
viajar para locais (des)conhecidos, resultam da procura de evaso, de libertao, de
expressividade e criatividade do indivduo. Mas o turismo no foge regra e apresenta-
se, igualmente, como agente diferenciador, como definidor de estrato social, na medida
em que as prprias infraestruturas, companhias areas, territrios e seus servios
definem o tipo de cliente ao qual pretendem chegar, nomeadamente atravs dos preos
que praticam. Os acessos so diferenciados, logo, o turismo tambm o . partindo
desta ideia que procuramos, em seguida, explorar a evoluo do turismo e do prprio
turista. Ter sido sempre uma actividade de elites? De que forma que os indivduos
planeiam as suas viagens? Ou haver algum que planeia por eles?
2.4.2Turismo de massas vs novo turismo
Chegado Agosto, bem aconchegados no saudoso Mini, entre bias, bonecas e
barbatanas l partamos rumo ao sul (MNICA, 1997:351). Assim nos descreve
Maria Filomena Mnica o seu tempo de frias, a chegada do vero, o ritual da
deslocao s praias. Encontramos, aqui, como principal motivao da viagem a
deslocao s reas balneares, espaos, desde sempre, muito procurados pela extenso
da costa martima portuguesa.
Se at ento as elites procuravam as praias e as reas termais para usufruirem debanhos relaxantes e sinnimos de bem-estar e tranquilidade, os anos 60 marcam uma
nova viragem no tipo de clientes destes locais, principalmente dos espaos balneares.
O turismo comea, ento, a afirmar-se na classe mdia, aumentando exponencialmente
o nmero de praticantes desta actividade. Os comportamentos padronizam-se, criando
aquilo a que chamamos de turismo de massas. Depreendemos, assim, que as prticas
tursticas obedecem a um certo ritual, a uma sequncia lgica entre estratos sociais, j
que o lanamento de cada prtica turstica quase sempre feito pelas elites: segue-se
a sua adopo pelos outros grupos sociais, que no implica a sua total generalizao, e
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medida em que o interesse e atractividade dos locais so definidos pelos turistas, so
eles que lanam o mote para o crescimento turstico dos territrios. Um lugar s est na
moda quando o turista assim o entende ou aceita, quando a sua permanncia
significativa e a deslocao feita e desejada por um grande nmero de pessoas. Os
espaos da moda facilmente se tornam espaos massificados (a ttulo de exemplo
temos o Algarve, Paris, Roma e a grande maioria dos centros urbanos com um nmero
significativo de monumentos e elementos culturais de renome), e muitos deles no-
lugares.
Se durante as dcadas de 50 e 60 a mais superficial observao do
comportamento dos turistas leva-nos a concluir que eles so indiferentes no s
beleza dos locais visitados, como s caractersticas dos povos que tm de suportar a
sua presena (MNICA, 1997:352), as dcadas seguintes so marcadas pela ascenso
de um turista com comportamentos, motivaes e perspectivas distintas. De facto, o
esteritipo do velho turista tende a desaparecer, a favor do turista interessado pela
descoberta da cultura do local, pela prpria gastronomia, e at mesmo pela lngua do
local visitado, que procura a identidade dos lugares (...) (CAVACO, 2006:306). Se
antes o turista tinha como principal motivao a evaso, agora, a esse desejo de evaso
vm acrescentar-se o desejo de conhecimento do outro e de contacto com ele. Asalteraes foram de tal forma significativas que Molina (cit.por CAVACO, 2006:339),
designa esta fase de ps-turismo, na medida em que surge um novo turista com novas
formas de viajar (quadro 3). Desde a, as designaes para estes turistas multiplicaram-
se, o novo turista, o turista de experincias, turista activo...
O que distingue o velho do novo turista , segundo Auliana Poon (cit.por
MARTINS, 2010:44), a alterao dos seus comportamentos de consumo. Ao contrrio
do que acontecia outrora, o turista passou no s a estar mais informado e preocupadocom questes como a sustentabilidade e o contacto com a cultura local, como se tornou
mais exigente em termos de qualidade e de variedade da oferta (...), e mais consciente
das suas aces no desenvolvimento das actividades de lazer (MARTINS, 2010:44). O
velho consumidor turstico passivo transformado num consumidor activo, criativo e
com vontade de ser parte integrante do espao e da experincia. Podemos considerar
que a viagem s por si uma experincia, porm, o que distingue estes dois tipos de
consumidor a forma como a mesma encarada e aproveitada para o seu
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XX que tem como grande impulso a novidade, que tem como base da motivao a
possibilidade de experienciar mais do que em casa (SUVANTOLA, 2002). Assim, no
apenas a organizao da sociedade que muda ao longo dos tempos, mas tambm o
prprio ser humano e a sua posio no mundo. Se no, vejamos, enquanto que no
primeiro quartel do sculo XX os divertimentos reduziam-se s procisses estivais, s
feiras semanais, s noitadas nas tabernas. Os camponeses, analfabetos, morriam no
local onde tinham nascido16 (MNICA, 1999:27), a posio do Homem do final do
sculo relativamente ao mundo exterior completamente diferente, j que considera o
conhecimento de novos lugares como imprescindvel para a realizao pessoal - If you
never go anywhere, your sphere of life is quite limited...17. Este tipo de afirmao e de
posio transportam-nos para uma ideia que tem sido j defendida, a ideia de que somos
o que conhecemos e no tanto o que nos imposto pela nossa natureza ou cultura, ou
como expressa D.De Masi (2000 cit.por CAVACO, 2006:340) hoje a identidade
menos ligada ao que possuo e mais ligada ao que sei...Somos ns que esculpimos a
nossa identidade. (...) A identidade depende cada vez mais daquilo que aprendemos, da
nossa formao, da nossa capacidade de produzir ideias, do nosso modo de viver o
tempo livre, embora ter e parecer continuem a representar grande importncia social e
identitria.Viajar tornou-se, portanto, numa ferramenta essencial para o desenvolvimento
pessoal, para o bem-estar, uma alavanca para a sensao de libertao e de liberdade,
como nos sugerem os prprios mdia Ir o melhor remdio18, onde podemos dar
conta de que o simples facto da deslocao para um local fora das rotinas dirias uma
mais valia para o indivduo. Apesar de Carminda Cavaco (2006:339) defender que nesta
nova percepo da viagem os destinos so menos importantes do que as prticas e
desse modo facilmente permutveis (...), parece-nos que, pelo contrrio, o espao aindarepresenta um importante papel para os turistas de ento, na medida em que um
elemento fundamental do processo de deciso ou da prpria motivao da viagem.
Ainda que, como referimos anteriormente, a prpria deslocao em si surja, j, como
valor pessoal, o destino ser, inevitavelmente, um marco, tambm a ele que a
16 De notar que a caracterizao feita diz respeito populao portuguesa que viveu em regime de
ditadura at ao ano de 1974, pelo que o seu desenvolvimento se apresentou tardio comparativamente comoutros pases da Europa17
Afirmao feita por Martti, um dos viajantes entrevistados por Suvantola, contida na sua obraTourists Experience of Place (2002:92)18 Reportagens semanais do Jornal da Noite (SIC)
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experincia vai estar associada, vai ser lembrada. A este propsito, partilhamos da
mesma opinio de Adyr Rodrigues (2006:250) que nos refere que nestas alternativas ao
turismo de massas, o lugar assume enorme relevncia no somente enquanto cenrio
para novas prticas, mas reconhecidamente como o nico recorte territorial que pode
conjugar os interesses dos vrios segmentos envolvidos no turismo (...).
Porm, os elementos que se procuram no espao tambm sofreram algumas
alteraes, prova disso so as respostas dadas s entrevistas realizadas por Jaakko
Suvantola para basear a sua obra Tourists Experience of Place (2002), que apresentam
como uma das principais motivaes para a viagem a autenticidade. Neste mbito, a
autenticidade que procurada refere-se no apenas aos espaos que se visitam mas
prpria forma de viajar em si. A procura passa a estar direccionada para a
sustentabilidade dos lugares, para a sua originalidade e unicidade. O novo turista , por
isso, mais preocupado com as questes ambientais, com a organizao territorial, o
interesse no se foca nos gigantescos e bem equipados resorts, mas para a qualidade do
territrio no seu todo, pelo que procura contactar com as comunidades que visita atravs
da sua gastronomia, da participao em actividades culturais, da criao do seu prprio
itinerrio.
A sociedade hipermodernizada, fez emergir, para alm de indivduoscentrados no presente e com gosto pela novidade, indivduos/turistas mais responsveis,
mais conhecedores do mundo que os rodeia e que querem descobrir, que procuram
informar-se. Estas alteraes sociais obrigaram, de certo modo, a que os prprios
espaos e comunidades se adaptassem nova procura turstica, perspectivada atravs da
hospitalidade da populao para alm daquela que advm dos agentes tursticos.
Enquanto que durante o apogeu do turismo de massas o Homem era um mero agente
passivo da actividade, que facilmente aceitava as frias organizadas por agncias eoutras empresas e instituies do ramo, com uma imposio de horrios, pontos
especficos de paragem e espaos especficos de estada, o novo turista, menos
homogneo e previsvel, imps a necessidade da oferta se adaptar e adequar ao seu
gosto, s suas vontades, aos seus desejos. De mero espectador, passa a protagonista
(CAVACO, 2006:334), embora o novo turismo no tenha feito desaparecer anteriores
formas de turismo.
Sendo que a sociedade evolui, um espao turstico apenas sobrevive se
acompanhar essa evoluo, ideia expressa por F.Deprest (cit por CAVACO, 2006:301)
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que nos diz que o lugar turstico uma produo social, no eterna e que se inscreve
numa histria (...), ou como refere a Equipe MIT19 (2002, cit por Cavaco, 2003:28)
Assim como a vida um movimento que passa pela renovao, tambm um lugar
turstico no pode desenvolver-se e durar se no se renovar e diversificar, de modo a
acolher prticas e populaes novas. Da que as novas tecnologias e a informao se
tenham tornado num recurso turstico estratgico. Vivendo numa sociedade onde se
desenvolveram meios de comunicao que permitiram um encurtamento das distncias,
a criao de um mundo global e tecnolgico, o indivduo viu as suas capacidades de
contacto com o outro lado do mundo serem mais fceis, rpidas e confortveis. Neste
mbito, o turismo , nos nossos dias, um turismo virtual (MARTINS, 2006:283),
onde a experincia tende a ser global e pode ser teatralizada, constituindo uma tendncia
actual e um elemento-chave de diferenciao da oferta (CAVACO, 2006:334).
Se, como vimos, a procura direccionada para espaos ambientalmente
sustentveis e organizados, no deixa, tambm, de ser virada para o conhecimento mais
aprofundado das vivncias das comunidades que dele fazem parte. Apreciador do valor
nico da cultura das populaes que visita, o novo turista fez com que os espaos se
regenerassem de alguma forma, como nos explica Lafant (cit por Joaquim, 2003:59)
no pargrafo que se segue.ns observamos que as sociedades de acolhimento, perante a
necessidade de se oferecerem como produto turstico venda
no mercado de oferta, encontram-se num processo de
comercializao da sua cultura (...). Estas sociedades (...) so
chamadas a abrir-se ao exterior e a modernizar-se pela funo
turstica; as sociedades locais esto ao mesmo tempo
implicadas num (re)investimento do seu passado,reestruturao do seu patrimnio, na manuteno e
revitalizao das suas tradies.
Deste modo, ainda que vivamos numa era de globalizao, onde se assiste
diminuio contnua do peso das tradies, o que alimenta o turismo no a
uniformidade mas as singularidades locais, as identidades que o turismo produz ou
19
Centro de investigao da Universidade de Paris Diderot Paris 7 composto, maioritariamente, porgegrafos que tratam de temticas concernantes s mobilidades geogrficas no geral (turismo emigraes, especificamente) - http://www.univ-paris-diderot.fr/recherche
http://www.univ-paris-diderot.fr/recherchehttp://www.univ-paris-diderot.fr/recherche7/29/2019 DOURO - TURISMO FLUVIAL [TM - SD]
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3Turismo em ambientes aquticos e Ordenamento do Territrio
A gua, presente em 60% do corpo humano adulto e 70% de um recm-nascido,indispensvel para a sua sobrevivncia. Ocupa lugar de destaque no planeta terra por
meio de oceanos, rios, ribeiros, lagos, lagoas. Elemento que fecunda a terra, e que,
simultaneamente, divide e une territrios. Ontem e hoje smbolo de pureza, meio de
purificao do corpo e da alma, fortemente associado religio e ao divino. Em estado
lquido, slido ou gasoso a gua um recurso natural indissocivel do Homem e da
terra.
Elemento que sempre fascinou o ser humano, a gua influenciou desde cedo a
fixao da populao e a sua distribuio no espao. Alis, grande parte das cidades de
importncia a nvel mundial que se encontram junto a frentes de gua, tem como ponto
de referncia de desenvolvimento a proximidade com este recurso natural. Como refere
Graa Saraiva (1999:50) nas civilizaes antigas [o rio] referido no s como
elemento de organizao do espao, associado aos conceitos de unificao e tambm
de separao do territrio (...). Deste modo, facilmente concluimos que esta
atractividade da costa, das zonas de praia, de rio ou lagos, encontra-se relacionada, em
grande parte, com o progresso, visto ter acompanhado a histria das sociedades porque
os terrenos mais frteis, a maior parte das cidades e as primeiras fbricas podem ser
encontradas nas suas margens (MOREIRA & SANTOS, 2010:147). Efectivamente, os
valores poltico, pela sua importncia estratgica tradicional, e econmico, pela sua
importncia como meio de comunicao, revelam-se fortes factores para a fixao e
desenvolvimento das sociedades.
Vistos como espaos onde se produzia um intenso vnculo entre culturas e
pessoas (MARTNER, 1999 cit.por TALESNIKet al2002:22), muito por causa da sua
funo comercial, os territrios com frentes aquticas viram esta posio de centralidade
esbater-se com o decorrer da Revoluo Industrial. O poder da actividade industrial
provocou uma quebra no interesse que antes era dado aos territrios ligados gua,
tornando-os, ao longo dos tempos, espaos deteriorados e at mesmo obsoletos.
Todavia, e como j demos conta no captulo anterior, o ps-Segunda Guerra
Mundial, veio trazer novas preocupaes, fazendo emergir uma sociedade com valores e
necessidades distintos daqueles que tinha anteriormente. Neste mbito, interessa
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Quer o conceito de sustentabilidade do territrio quer o de desenvolvimento
sustentvel, nascem do mpeto de fazer face a diferentes problemas, nomeadamente, de
ordem ambiental. Desta feita, os documentos criados a este propsito consagram um
programa integrado de aces (...) baseado na necessidade de uma abordagem
integrada das questes relativas ao ambiente e desenvolvimento em todos os nveis de
tomada de deciso, quer poltica, quer econmica (IPAMB 1993 cit por SARAIVA,
1999:33).
Quadro 4Parmetros de avaliao da sustentabilidade territorialFonte: SANTOS et al(2010)
Centrando a nossa anlise nos instrumentos de interveno disponveis nosdomnios da gesto da gua e do ordenamento do territrio, verificamos que os esforos
para a preservao dos recursos hdricos bem como para a sua integrao no conjunto
territorial, tm sido desenvolvidos no apenas escala nacional como europeia e
mundial. A este propsito, Garca Gonzlez (2004:242) destaca as polticas econmicas
estruturais de desenvolvimento regional, como o Fundo Europeu de Desenvolvimento
Regional (FEDER) em coeso com infraestruturas como barragens, com polticas
agrrias (novos regadios), com as navegaes fluviais (hidrovias) ou com os Planos
Hidrolgicos. No entanto, parece-nos fundamental dar nfase a outros instrumentos de
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interveno pela sua relevncia em termos europeus, no geral, e nacionais, em
particular.
Numa abordagem internacional, destacamos a Directiva-Quadro da gua20
(DQA), principal instrumento da poltica da Unio Europeia relativa gua, que
apresenta um conjunto de objectivos gerais relativos proteco do ambiente aqutico,
nomeadamente atravs da reduo progressiva da poluio. Com a criao da DQA,
pretendeu-se, igualmente, contribuir para o cumprimento dos objectivos dos Acordos e
Compromissos Internacionais referentes proteco das guas marinhas21. Deste modo,
a DQA, no s constituiu um mecanismo de actuao como, simultaneamente, um
mecanismo de controlo. A deciso por parte da Comisso Europeia de criar formas de
salvaguarda dos recursos hdricos baseou-se em focos de actuao, centrados na
diminuio dos nveis de poluio das guas, na gesto das bacias-hidrogrficas, no
envolvimento e ligao dos cidados com as mesmas e na criao de legislao
prpria22.
No contexto ibrico, devemos salientar o facto do sculo XX ter marcado o
incio dos principais acordos com aproveitamento prioritrio dos cursos de gua entre
Portugal e Espanha. Partilhando a grande maioria das bacias hidrogrficas (quadro 5)
pela sua situao de fronteira, tornou-se necessrio proceder gesto dos recursoshdricos comuns, por forma a usufruir das suas potencialidades de maneira equlibrada e
igualitria. Da resultou a Conveno para a Proteco e o Aproveitamento Sustentvel
das guas das Bacias Hidrogrficas Luso-espanholas23, com os objectivos centrais de
busca de um equilbrio entre a proteco do ambiente e o aproveitamento dos recursos
hdricos necessrios para o desenvolvimento sustentvel de ambos os pases, de
preveno de riscos que possam afectar ambos os intervenientes, e ainda, de conhecer e
coordenar as guas das bacias hidrogrficas luso-espanholas24
. Decorrente desteprojecto conjunto, resultou a formao de uma Comisso para Aplicao e
Desenvolvimento da Conveno, com o objectivo de coordenar as aces da DQA.
Todavia, interessa tambm acrescentar a criao dos Tratados Internacionais do Douro e
seus afluentes, assim como os do Minho, Lima, Tejo, Guadiana e seus afluentes,
20 Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000 com entradaem vigor a 22 de Dezembro do mesmo ano21 http://dqa.inag.pt22
http://ec.europa.eu/environment/water/water-framework/info/intro_en.htm23 Assinada em 1998 e revista dez anos depois24 http://snirh.pt
http://dqa.inag.pt/http://snirh.pt/http://snirh.pt/http://dqa.inag.pt/7/29/2019 DOURO - TURISMO FLUVIAL [TM - SD]
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em considerao a qualidade ambiental e a integrao de recursos naturais no todo
espacial.
Como nos refere Graa Saraiva (1999:45) o processo de ordenamento do
territrio materializa-se no espao e no tempo atravs da evoluo da paisagem (...),
devendo, deste modo, constituir uma poltica abrangente, estreitamente ligada ao
desenvolvimento econmico-social e ambiental da sociedade (idem:108). Assim, ao
constituir um elemento activo, no apenas da paisagem, mas tambm, da cultura, da
economia e, no fundo, da sociedade, o rio e a sua valorizao como parte integrante do
espao essencial para uma gesto sustentvel do mesmo.
Figura 1Delimitao das Regies Hidrogrficas de Portugal
(Fonte: http://dqa.inag.pt)
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na sequncia desta consciencializao da preponderncia dos recursos
naturais, no geral, e hdricos, em particular, que surgem no nosso pas os Planos de
Gesto de Bacia Hidrogrfica (PGBH), principais instrumentos de planeamento das
guas que visam a gesto, proteco e valorizao ambiental, social e econmica das
guas ao nvel da bacia hidrogrfica28. Concebidos para caracterizar todas as massas de
gua do pas, identificando as suas presses e definindo objectivos ambientais para as
bacias, os PGBH definem, igualmente, as medidas a tomar para tornar os cursos de gua
ambientalmente sustentveis.
Figura 2Rede Hidrogrfica principal de Portugal Continental
(Fonte: www.igeo.pt)
Enquanto que em pases como a Espanha a gesto da gua se encontra repartida
por Centros Hidrogrficos com uma certa autonomia de decises, no caso de Portugal,
ainda que se tenham criado o Conselho Nacional da gua que aprecia e acompanha a
28 Articulao entre Gesto da gua e o Ordenamento do Territrio Ministrio do Ambiente, do
Ordenamento do Terrtrio e do Desenvolvimento Regional (2008:149)
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da gua mineral e termal para o banho e cuidados de sade. Porm, a esta promoo de
sade e bem-estar do corpo, foi sendo associada, tambm, a de prazer e de
sociabilidade. J no estariam em causa apenas a funcionalidade teraputica, a higiene
ou a boa manuteno fsica, estavam contidas caractersticas como o relaxamento e
prazer de algumas prticas, a beleza e a esttica, procurava-se harmonizar o corpo com a
alma, e juntar a estes a cultura e o espectculo, logo, a socializao (MEDEIROS &
CAVACO, 2008).
Associado a um to vasto conjunto de prticas e mais-valias para o corpo e para
a alma, o termalismo foi fomentando a deslocao dos indivduos chegando, mesmo, a
ser considerado por Armando Narciso (1944, cit.por QUINTELA, 2004:246) como o
primeiro movimento turstico da viagem da cura e do prazer. Hoje, um dos produtos
tursticos mais desenvolvido em Portugal no s pelas potencialidades da gua em
praticamente todo o pas, como tambm pelo facto de se apresentar como um produto
fulcral nas sociedades contemporneas, na medida em que consegue aliar o lazer
preveno. Do produto termalismo passou-se ao produto turismo de sade e bem-estar,
baseado no elemento gua como agente teraputico e ldico, mas muito assente em
novas formas de oferta nomeadamente no que s infraestruturas diz respeito. Alguns dos
melhores exemplos no nosso pas so as novas roupagens dadas a edifcioscentenrios convertidos em hotis de charme com tratamentos Spa (e tambm termais),
dos quais destacamos o Vidago Palace Hotel (Termas de Vidago), ou o Palace Hotel
Monte Real (Termas de Monte Real). Balnerios termais mais antigos viram,
igualmente, a sua imagem renovada como o caso das Termas de So Pedro do Sul,
que para alm de instalaes mais modernas, implementou novos tratamentos termais.
Se, durante o sculo XIX, o que motivava os indivduos a frequentar os
balnerios termais eram as necessidades de cura e, posteriormente, de socializao,actualmente e decorrente do importante investimento em tratamentos de SPA, na sua
grande maioria em espaos excepcionais, a prtica termal encontra-se fortemente ligada
ao turismo. Testemunha disso a relevncia dada a este produto no PENT, que
objectiva fazer de Portugal um wellness destination atravs da diviso em trs
segmentos: termas, spa e clnicas especializadas30. Ainda que o pas no se afirme como
destino termal por excelncia, ancorar as valncias no que respeita qualidade das suas
guas a infraestruturas atractivas pode ter como resultado uma oferta integrada e de
30Plano Estratgico Nacional de TurismoVerso Revista p. 71
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topo, capaz de beneficiar a economia local e nacional j que se trata de um produto
procurado, maioritariamente, por classes sociais com poder de compra.
Numa perspectiva de contacto mais directo com a natureza, podemos identificar
trs produtos do PENT que, directa ou indirectamente, fomentam a proximidade com
ambientes aquticos, so eles, o Touring (cultural e paisagstico), o Turismo de
Natureza e o Turismo Nutico (cruzeiros). Neste mbito, podemos integrar actividades
de aventura que potenciam o valor natural e paisagstico dos espaos, e que pretendem,
sobretudo permitir um escape ao quotidiano das reas urbanas. A procura por este tipo
de actividades tem sido responsvel pelo aparecimento de uma mirade de empresas
de animao turstica, muito presentes nas sub-regies mais populosas, aparecem
tambm em espaos que apresentam muitos recursos tanto no meio ar, como no meio
gua ou no meio terra, oferecendo produtos de lazer que tm nos rios, nas grutas, nos
relevos dinmicos e na paisagem natural os seus palcos preferenciais (SANTOS et al,
2010). Prova de tal interesse , no s a quantidade de agentes de animao turstica
espalhados um pouco por todo o pas31, mas tambm a panplia de actividades capazes
de serem praticadas nestes segmentos. Assim, e no que s actividades em contacto com
o meio aqutico diz respeito, podemos destacar: canyoning, kitesurf, motas de gua/jet-
ski, parques aquticos, pesca desportiva, rafting,hidrospeed, windsurf, vela, surf, remo,passeios de barco, piscina, observao de cetceos, mergulho/snorkel, cruzeiros,
canoagem/kaiak, body board, ski nutico32.
Ao observar quer a distribuio dos agentes de animao turstica em Portugal
Continental, quer a distribuio das actividades em meio aqutico por regio por parte
do Portal do Turismo Activo33, facilmente conclumos que o territrio nacional rico
em elementos naturais atractivos para a prtica de actividades relacionadas com o
Turismo de Natureza e de Aventura. De notar que a necessidade de afastamento deprticas demasiado massificadas e programadas, teve um papel fundamental no
desenvolvimento de actividades que envolvam ambientes naturais, fazendo,
consequentemente, aumentar a procura por formas de recreio em espaos aquticos no-
martimos, particularmente em rios e prximos das suas margens (SANTOS et al,
2010:153).
31
Ver em anexo Empresas de Animao Turstica32 Lista de actividades mencionadas pelo Portal Aventuras33 Ver em anexo
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Desta feita, se as actividades ligadas ao lazer desempenham um papel
econmico fundamental, ao estarem associadas ao aproveitamento das guas conseguem
integrar uma vasta gama de desportos nuticos e, assim, criar uma nova dinmica
territorial, nomeadamente nos espaos do interior do pas.
3.2Requalificao territorial em torno da gua: alguns exemplos em Portugal
Vimos anteriormente que o final do sculo XX se apresentou como um sculo de
viragem em termos sociais, econmicos e polticos. As mentalidades alteraram-se e com
elas a prpria poltica, nomeadamente, ao nvel territorial. Esta viragem entre o final do
sculo XX e o sculo XXI marcou, igualmente, profundas alteraes da relao do
Homem com a natureza34, e especialmente, com os ambientes aquticos como nos
destacam Moreira & Santos (2010:150) foi no incio deste sculo que os recursos
hdricos comearam a ser valorizados, quando as autoridades locais comearam a
perceber a importncia de investir em atraces tursticas baseadas no ambiente
fluvial. Efectivamente, no s os rios como outras tipologias de cursos de gua viram a
sua importncia ser relevada, quer pelas autoridades nacionais como pela prpria
populao. No fundo, estes elementos naturais foram devolvidos cidade a sua
populao.
Toda esta relevncia traduziu-se em fortes intervenes humanas nestas reas,
conferindo-lhes novas funes como a produo de energia elctrica, a criao de
reservas de gua para consumo industrial, domstico e para irrigao, ou ainda, para o
desenvolvimento de actividades ldicas e recreativas. Criaram-se estratgias e
intervenes escala local, regional e nacional que potenciaram o elemento gua como
base dos planeamentos. Enquadrando de forma suscinta as intervenes feitas ao nvel
da gesto dos sistemas fluviais, podemos identificar quatro grandes domnios de aco
Ordenamento do Territrio, Gesto dos Recursos Hdricos, Defesa contra Riscos
34De notar a Lei n87-A-/98 de 31/12/1998 (Dirio da Repblica n301) referente s Grandes Opes do
Plano para 1999, com principais linhas de aco governativa baseadas na promoo do desenvolvimentosustentvel, valorizao do territrio no contexto europeu e na superao dos dualismos cidade/campo e
centro/periferia - integra intervenes na gua, litoral, resduos, conservao da natureza, ar e clima,modernizao ambiental da actividade produtiva, aces de integrao intersectorial, educao,participao e sensibilizao (in Base Jurdica Almedina)
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hdricos beneficiaram de actuaes num mbito turstico e ambiental em Portugal. A
este propsito, o Programa de Valorizao das Praias Fluviais (quadro 8) surge como
um dos melhores exemplos de instrumentos para o fortalecimento e valorizao das
potencialidades da zona interior do pas. Criado com os objectivos principais de
potenciar a salvaguarda e valorizao das zonas ribeirinhas e do patrimnio cultural,
bem como, de gerar condies para que fruio desses espaos esteja associado o
incentivo ao contacto e ligao mais prxima com o meio ambiente local 35, o Programa
salienta, igualmente, a importncia da relao do curso de gua com a rea envolvente
Quadro 8Linhas de gua em Portugal Continental com Praias Fluviais
Fonte: SANTOS et al(2010)
como conjugao perfeita para a prtica da actividade balnear assim como de outras
actividades recreativas, associadas presena do elemento gua (Programa de
Valorizao das Praias Fluviais, 1999:2). Assim, a preocupao no estara centrada
somente na requalificao dos cursos de gua como elementos a conservar
ambientalmente, mas, tambm, como espaos privilegiados para a prtica ldica e
turstica. Assim, estas intervenes permitiram dar resposta a um novo tipo de procura,
j que, se antes esta se encontrava maioritariamente direccionada para o turismo de sol e
35Objectivos contidos no Programa de Valorizao das Praias Fluviais (1999:1)
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mal, agora, tende a virar-se para alternativas de que so exemplo as praias fluviais, que
se foram multiplicando no nosso pas como, alis podemos observar na figura 5.
Numa perspectiva similar, encontramos todo o conjunto de Programas Polis
desenvolvidos em vrias cidades do pas, criados com o grande objectivo de conferir
uma nova dinmica s urbes atravs do fortalecimento da sua funo de centralidade,
aliada promoo de uma melhoria das qualidades ambientais e, consequentemente, de
vida. Realmente, e analisando alguns dos Programas36, denotamos a existncia de um
elemento comum em todos eles o destaque para a organizao territorial baseado na
sustentabilidade dos espaos em termos funcionais, infraestruturais e, principalmente,
ambientais, todos eles criados pelo Ministrio do Ambiente e do Ordenamento do
Territrio. Pretende-se, portanto, melhorar a qualidade de vida das cidades atravs da
valorizao de elementos singulares (rios, frentes martimas, praas, parques verdes) e
de projectos de criao, revitalizao e refuncionalizao de espaos37.
Comecemos, desde j, o nosso estudo a partir do Polis Litoral por tratar de uma
rea de actuao mais abrangente para, depois, concentrarmos a anlise nas cidades de
Coimbra, Porto e Gaia e, por fim, explorar o Polis Rios que nos interessa
particularmente conhecer. Sustentado numa srie de operaes de requalificao e
valorizao da orla costeira, o Polis Litoral assumiu como principal preocupao aproteco ambiental e a valorizao paisagstica [onde se enquadre] a sustentabilidade
e a qualificao das actividades econmicas38 desenvolvidas nas reas de actuao. As
operaes de interveno nas zonas de risco e reas naturais degradadas tiveram lugar
na Ria Formosa, Ria de Aveiro, litoral norte, litoral do sudoeste alentejano e Costa
Vicentina, centradas nas j referidas preocupaes mas tambm na promoo da fruio
pblica destes espaos atravs da potenciao dos seus recurso
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