WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

download WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

of 72

Transcript of WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    1/72

    " E st e l iv ro n a o e o p en a s u m a v a li os a n o va i nt er p re to < ;i iod e u mo q ue sr ao a ntig o - tr az im po rto nte s /i< ;i5 esp ar an o ss o s t em p o s. "

    Michael Barratt Brown

    "Wood e convmcente co desconstruir os m i to s a c ei to sd as o rig en s d o c op ita lis mo , S ua c on sid er a< ;a o u ltim ae d e n atu re za p o/itic a; q ua nd o 0 lucro e a base paraa m o ra /i da d e de um a sociedade , a com pa ixao pelohomem e as oreocupo cbes am bien ta is sao fre-q ue nt em en te p as ta s de i odo"

    Independent Publisher

    "W ood apresen ta as i d ei a s c om c t or e zo , m esm o paraq uem n oo e f am il ia ri za do c om o s d eb at ES . .. O b ri ga to ri opara qua lquer pessoo com um min ima de interessep eJo ca pita lism o a u p elo p en sa men to econcmico."

    Choice

    Jorge Zahar Editor

    E l l e n M e i k s i n s W o o d

    n O r i g e m d o,

    ,- ... .gJ

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    2/72

    Ellen Meiksins Wood

    A Origem do Capitalismo

    Traducao:Vera RibeiroApre s e n t ac ao:Emir Sader

    B I B L IO T E C l N O K - P U C /S P

    1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 11 0 0 2 1 8 6 9 3

    Jorge Zahar EditorRiode Janeiro

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    3/72

    SumarioTitulo original:

    The Origin [CapitaiismTraducao autunzada da prirneira edicao norte-americana

    publicada em 1999 por Monthly Review Press ,deNov. York, Estados Unidos

    Copyright 1999, Monthly Review PressCopyright 2001 da edicao brasile ira:

    Jorge Zahar Editor Ltda ,rna Mexico 31 sobreloja

    20031-144 Rio de Janeiro, R]tel.: (21) 240-0226/ fax: (21) 262-5123

    e-mail: [email protected]: www.zahar.corn.br

    Apresen tacaa a e di ca o b ra si le ir a .In troducno .PARTEI . Versoes historicas da transiciio1. 0 modelo mercantil e seu legado .2. Debates rnarxistas .3. Alternativas rnarxistas , + I

    Todos os direitos reservados.A reproducao nao-autorizada desta publicacao, no todoou em parte , constitui violacao do copyright. (Lei9.610)& /13 1 0 p)' (~J;j t~q!y

    1 - - ) , .. CIP-Brasil. Catalogacao-na-Fonte~-j ( i' Sindicato Nadonal dos Editores de Livros, RJ.I~- I ., r-r- --,

    .. 7

    .11

    213650

    PARTEI I . A origem do capitalism4. A origem agraria do capitalismo . . . . . . . . . . . . . .. 755. Do capitalismo agrario ao capitalismo industrial:esboco sucinto 101

    6. Modernidade e pes- modernidade 113Capa: Carol S a e Sergio Campante

    Conclusao , I ~ ~ Notas ...A gr ad ec im e nt os .I nd ic e r er ni ss iv o .

    Wood, Ellen MeiksinsW8530 A o rigem do capitalismo I Ellen Meiksins Wood; tradu-

    \,"0, Vera Ribeiro; apresentacao, Emir Sader. =-Rio de J anei-ro: Jorge Zahar Ed., 2001

    Traducao de: The origin of capitalismISBN 857110-590-1I.Capital ismo - H is tori a. I .T i tu lo .

    CDD 330.12209CDU 330.342.14(09)

    12513113713 9

    mailto:[email protected]://www.zahar.corn.br/http://www.zahar.corn.br/mailto:[email protected]
  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    4/72

    Apresentacao a edicao brasileiraEmir Sader

    Para Ellen Meiksins Wood, "pensar sobre as alternativas futuras aocapitalismo requer que exploremos concepcoes alternativas sobreseu passado", Este, portanto, nao e urn livro sobre 0 passado, massabre a natureza h is t6 r ica do capitalismo e sobre seu passado e seufuturo.

    Seate osanos 70a discussao era sobre quando e como 0capita-lismo seria substituido pelo socialismo, astransforrnacoes hist6ricasdas decadas posteriores, ao contrario, representaram a mais abran-gente tentativa de na tura l izar 0 capitalismo. A autora retoma nestelivro as condicoes de surgimento do capitalisrno, para repassar asprincipais concepcoes sobre sua natureza. Conforme as caracteristi-cas consideradas como inerentes a esse tipo de sociedade, teremosurn diagnostico sabre sua natureza atual.

    Ellen Meiksins Wood e uma das principais intelectuais socialis-tas contemporaneas. Professora de ciencia politica da UniversidadeYork, em Toronto, ela e autora de Mind a n d P o ii ti cs , C la s s I de o lo g ya n dA n ci en t P o li ti ca l T he o ry (com Neal Wood), mas cornecou a ficarinternacionalmente conhecida quando publicou A Retreat fromC la ss - A N ew " Tr ue S oc ia lis m" , que recebeu 0 Premio do MemorialIsaac Deutscher em 1986.

    Neste livre ela desenvolve uma visao critica das influencias nacharnada teoria "pos-rnarxista". Enfrentando adissociacao da politicade seus fundarnentos de cIasse,Meiksins Wood elabora uma concep-

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    5/72

    8 A origem do capitalismo 9presentacao a edicao hrasileiraexplorando os vinculos ent re social ismo e democrac ia e reint erpre-tando as relacoes entre dernocracia socialista e democracia l iberal .

    Em sua obra posterior, Peasant-citizen and Slave: The Foundati-ons ofAthenian Democracy, art iculando sua solida formacao histori-ca com sua fcr rnacao econornico-socia l, el a desenvolve a surpreen-dente tese segundo a qual, apesar da irnportancia do esc ravismo nasociedade grega, 0 ca ra te r ma is marcante da dernocrac ia a tenienseera a proerninencia sem precedentes que cia deu ao trabalho livre.Meiksins Wood argumenta que a emergencia do camp ones como ci-dadao, juridica e politicamente independente e com liberacao dastradicionais relacoes tributarias, acaba sendo determinante nas ins-tituicoes politicas a tenienses , bern como em seus valores sociai s e emsua cuItura.

    Post er iormente sua densa 0bra te6rica inclui ThePristine Cultu -r e o f C a p it a li s m e Democ r a c y Against C a p it a li s m : R e n ew i ng H i st o ri c a lMater ia l i sm. Neste, Meiksins Wood argumenta que, com 0 colapsoda URS S , 0 projeto teorico do marxismo e sua critica do capitalismose tor nam mars urgentes e importantes do que nunca. 0destaquedado, a par tir dai, it "fragrnentacao pos-rnoderna", it "diferenca", it"cont ingenc ia" e a s "poli ticas de identidade" deslocam 0 tema cen-tral da critica ao capitalismo . EIa desenvolve os conceitos antigo emoderno de democracia, colocando em ev idencia as contrad icoesentre a dernocracia e urn tipo de sociedade fundado na busca cons-tante e multiplicada do lucra.

    Como editora da revista marxista norte-americana M o nt hl y R e-view, organizou e publi cou l ivros decolet aneas de mimeros espec ia isdessa revista - entre as quais E m d efe sa d a h is t6r ia (com John Bel-lamy Foster), publicado no Brasil pela Jo rge Zahar Editor, Capita-lism and the In format ion Age e Ris ing from the Ashes? L a bo r i n the Ageof "Globa l" Capitalism.

    A origem do cap i ta l i smo si tua-se na continuidade desse ernpre -endimento teo rico, que conclui de forma clara:

    tentativa de alcancar a prosperidade material de acordo com os princi-pios capitalistas tende cadavez mais a trazer em seu boJo apenas 0 ladonegative da contradicao capitalista, sua desapropriacao e destruio;:aoemseus beneftcios materiais - para a vasta maioria, com certeza.

    o objetivo essencia] dos inte1ectuais anticapitalistas e recolocar 0 so~c ial ismo na agenda his t6ri ca do presente. Condicao previa e a com-p reen sao atualizada do capitaJismo realmente existente, de que fazparte 0 acer to de contas com as diversas concepcoes que - dentro efora do rnarxismo - bus cam dar conta desse tipo de sociedade. Naocomo ponto natural de chegada da historia, mas como rea lidadecon struida pelos homens - isto e,his torica - e que, portanto, comoteve cor neco e rneio, pcdera ter tim, na dependencia da capacidadede cornpreensao e acao organizada e consciente dos homens. Esteprirneiro l iv ro de E l len Meik sin s Wood publicado no Brasil e instru-menta indispensavel para quem se arrisca a essa ernpreitada.

    Com aspressoes da competicao, da acumulacao e da exploracao irnpas-tas pelas econornias capitalistas rnais desenvolvidas, e com as crisesine-vitaveis de capacidade excedente geradas pela competicao capitalista, a

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    6/72

    Introducao

    o colapso do comunisrno, no fim da decada de 1980 e inicio da de1990, pareceu confirrnar aquil a em que mui ta s pes soas acredit am hatempos: que 0capitalismo e a condicao natural da humanidade, queele se harmoniza corn as leis da natur eza e as inclinacoes hurnanasfundamentais e que qualquer desv io dessas leis natu rais e inclin a-< ; : o e s s6 pode ocasionar mau result ado.

    Exis tem hoje, e c la ro , mui tas razoes para se quest ione r 0 triunfa-lismo capitalista que veio na esteira desse colapso, No momento emque escrevo esta introducao, meu jornalmatutino fala do que e "talvezo mai s grave colapso da era capita li st a moderna" , e adver te para umapos sive l depressao mundial , na esca lada dos anos 30, ede ambito ain-da maior. 0mundo a inda esta zonzo com a crise asiat ica, e ninguernduv ida de que ainda estamos mu ito longe de seu f l ITI e de que seu efei -to cornple to na economia globa l a inda es ta par v ir . Ent rementes, 0mais orgulhoso fei to davitor ia capit ali sta - a tim da Uniao Sovie tica-levou ao colapso quase total da ecoriomia sovietica, com ef eitos dearnpla r epercussao em todo a mundo capitalista avancado - efeitosmais nocivos, disseram alguns editoriais da imprensa ocidental, doque a Uniao Sovietica jarnais infligiu ao capital ismo,

    No passado, 0 capital ismo sernpre saiu de suas rei teradas crises,mas nunca sern lancar as bases para crises novas e ainda piores, NaoM duvida de que tarnbem desta vez 0 s ist ema se ra salvo do naufra-g io . Mas, se jam quai s forern osmeios encontrados para res tr ingir oureparar os danos, e certo que muitos rn ilhoes de pessoas so freraotanto da cura quanta da doenca,

    As f raquezas e contrad icoes do si stema capit ali sta , cada vez mai stranspar en tes, poderao acabar convencendo ate rnesmo alguns de

    11

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    7/72

    12 A origem do capitalismo 13ntroducao

    seus defensores mais acriticos da necessidade de se encontrar umaalternativa. Porern a conviccao de que nao existe nem pode existirnenhuma alternativa estamuito profundamente arraigada, sobretu-do na cultura ocidental. Essa conviccao e respaldada nao somentepelas expressoes mats flagrantes da ideologia capitalista como tam-bern par algumas de nossascrencas mais diletas e menos questiona-das a respeito da hist6ria. E como se 0 capitalismo sempre tivessesido 0 des tino do rnovimento his t6rico, e,mais ainda, como se proprio movimento dahistoria tivesse sido guiado desde 0 inicio pe-las "leis de movimento" capitalistas.

    cio da era moderna e,ainda assim, apenas naEuropa Odden tal.Taispessoas podem ver indicios dele em epocas anteriores, au detectarseus primordios na Idade Media - como uma ameaca que pairavasabre 0 feudalismo em declfnio, embora ainda fosse cerceado pelasl imitacoes feudais - au dizer que ele seiniciou com a expansao docornercio ou com as viagens de descobrirnento, especialmente a deColombo, no fim do seculoxv. Maspoucos afirrnariarn que eleexis-tiu de verdade antes dos seculos XV I ou XVII, e alguns situariam suachegada ja no fim do seculo X VIII - ou talvez ate no seculo XIX,quando ele amadureceu em sua forma industrial.

    No entanto, os relatos hist6ricos de como esse sistema passou aexistir tern-no tratado tipicamente como a realizacao natural deten-dencias que sempre estiveram presentes. Desde que as historiadorescomecaram a explicar 0 surgimento docapitalismo, quase nao hou-ve explicacao que nao come~asse por presumir a pr6pria coisa queprecisava ser explicada. Quase sem excecao, os relatos sobre a ori-gem do capitalismo sao fundamentalmente circulares: presumem aexistencia previa do capitalismo para explicar seu aparecimento. Nointuito de explicar 0 impulso de rnaximizacao do lucro que e carac-tenstico do capitalismo, pressup5em a existencia de uma racionali-dade universal maximizadora do lucro; para explicar 0 irnpulsocapitalista de aumentar a produtividade do trabalho atraves de re-cursas tecnicos, pressupoern urn progress a continuo e quase naturaldo aprimoramento tecno16gico na produtividade do trabalho.

    Essas explicacoes paralogisticas tern sua origem na economiapolltica classica e nas concepcoes iluministas do progresso. Juntas,elas fazem urn relato do desenvolvimento historico em que 0 des-pontar e 0 arnadurecimento do capitalism a ja estariam prefiguradosnas mais antigas manifestacoes da racionalidade humana, nos avan-yOS tecnol6gicos iniciados quando 0 homo sapiens pela prirneira vezmanejou uma ferramenta, enos atos detroca que os seres hurnanospraticaram desde tempos imemoriais. Atrajetoria da hist6ria para a"sociedade mercantil", ou capitalisrno, foi longa e ardua, admitemeles, e houve muitos obstaculos em seu caminho. Mas, apesar disso,seu progresso foi natural e inevitavel Assim, para explicar a "ascen.sao do capitalisrno", nao e preciso nada alern de explicar como as

    Fugindo da questiioo capitalismo e urn s is tema em que as bens e services, inclusive asnecessidades rnais basicasda vida, sao produzidos para fins de trocalucrativa; em que ate a capacidade humana detrabalho e uma mer-cadoria a venda no mercado; e em que, como todos osagentes eco-nornicos dependern do mercado, as requisi tos da competicao e damaximizacao do lUCIDaoas regras fundamentais da vida. Par causadessas regras, ele e urn sistema singularmente voltado para 0 desen-volvimento das forcas produtivas e 0 aumento da produtividade dotrabalho atraves de recursos tecnicos, Acirna de tudo, e urn sistemaem que 0 grosso do trabalho da sociedade e feito por trabalhadoressem posses, obrigados a vender sua rnao-de-obra par urn salario, afim de obter acesso aos meios de subsistencia, No processo de aten-der asnecessidades e desejosda sociedade, as trabalhadores tamberngeram lucros para os que camp ram sua forca de trabalho. Naverda-de, a producao de bens e services esta subordinada a producao docapital e do lucro capitalista. 0 objetivo basico do sistema capitalis-ta, em outras palavras, e a producao e a auto-expansao do capital.

    Essa forma caracteristica de suprir asnecessidades materiais dosseres humanos, muito diferente de todas asmaneiras anteriores deOl:oanizar a vida material e a reproduyao social) existe ha pouquissi-mo tempo - uma mera fracao da vida da humanidade na Terra.Nern mesmo as que insistem mais enfat icamente em que 0 sistematern ralzes na natureza humana afirmam que eleexistiu antes do inl-

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    8/72

    14 A origem do capitalisrno 15ntroducao

    muitos obstaculos a essemovimento de avanco foram superados ~alguns de modo p au la ti no , o ut ro s s ub it ament e, c om uma violenciarevolucionaria.

    Na maior ia das descricoes do capital ismo e de sua origem, naverdade na o hd origem. 0 eapitalismo parece estar sempre hi, em al-gum lugar, preeisando apenas ser l ibertado desuas eorrentes - dosgrilhoes do feudalismo, porexernplo ~ para poder creseere amadu-reeer. Caracteristicamente, esses grilhoes sao politicos: os poderessenhoriais parasitarios ou as restricoes de urn Estado autocratico. Asvezes, sao culturais ou ideologicos - a religiao errada, quem sabe.Essas restricoes limitam a livre movirnentacao dos agentes economi-cos, a livre expressao da racionalidade economics. Nessas formula-coes, 0 "econornico" e identificado com 0 intercambio ou com osmercados, e e nisso que podernos detectar 0 pressuposto de que assementes do capitalismo estariam contidas nos mais simples atos detroca, em qualquer forma de comercio ou deatividade de mercado.Esse pressuposto costuma ser tipicamente associado a urn outro: 0de que a histor ia e urn processo quase natural de desenvolvimentotecnologico. De urn modo ou de outr~, 0 capitalismo aparece, maisou menos naturalmente, onde e quando asmercados em expansao ea desenvolvimento tecnologico atingem 0 nivel certo. Muitas expli-cacoes marxistas sao fundamentalmente iguais ~ acrescidas das re-volucoes burguesas para ajudar a romper osgrilhoes.o efeito dessas explicacoes e enfatizar a continuidade entre asso-ciedades nao-capitalistas e capitalistas, e negar ou disfarcar a especifi-cidade do capitalismo. A troca existiu praticamente desde sempre, eo mercado capitalista ficacom jeito deserapenas uma dose maior damesma coisa. Nesse t ipo de argumentacao a industrializacao tor-na-se a resultado inevitavel das inclinacoes mais fundamentals dahumanidade+- dado que a necessidade especifica e singular do capi-talismo de revolucionar constantemente as forcas de producao euma mera extensao e aceleracao de tendencies universais, transisto-ricas e quase naturais. Assim, a linhagern do capitalismo evolui, na-turalmente, do mais antigo mercador babilonio ou romano para 0habitante dos burgos rnedievais, para 0 primeiro burgues modernoe, finalrnente, para 0 capitalista industrial.'

    Ho iu r n a I og ic a semelhante em certasversoes marxistas dessa his-t o ri a , a i nda que a narrativa, ezn versoes rnais r-ec.eri. ts desloque-sefrequentemente da cidade para 0 campo, e mesmo que os rnercado-res sejam substituidos par produtores rurais, pequenos ou "medics"fazendeiros aparentemente a espera da oportunidade de desabro-charern em sua forma de capital is tas plenamente desenvolvidos.Nesse tipo denarrativa, a pequena producao rnercantil, livre dojugodo feudalisrno, evolui rna is au menos naturalmente para 0 capitalis-mo, e ospequenos produtores mereantis, tendo uma oportunidade,tornam 0 rumo capitalista.

    Nessas descricoes convencionais da historia, sao centrais algunspressupostos explicitos au implicitos sobre a natureza humana e so-bre 0 modo como as seres human as se portarn, se t iverern urnaoportunidade. Nessas versoes, eles sempre aproveitam a chance demaximizar oslucros atraves de atos de troea e,para concretizar essainclinacao natural, sempre encontram rneios de aprirnorar a organi-zacao eos instrumentos de trabalho, atim de aumentar a produtivi-dade do trabalho.

    Oportunidade ou imperativo?No modelo classico,portanto, 0capitalismo e uma oportunidade a seraproveitada, onde e sernpre que possivel. Essaideia de oportunidade eabsolutamente crucial para a cornpreensao convencional do sistemacapitalista, estando presente ate mesmo em nossa linguagem cotidia-na. Consideremos 0 uso corriqueiro da palavra que esta no cerne docapitalismo: mercado. Quase todas as definicces de "mercado" nosdicionarios conotam uma opo t tun idade: como local au instituicaoconcreta, 0 mercado e 0 lugar onde M oportunidades de comprar evender; como abstracao, 0 mercado e a possibilidade de venda. Asmercadorias "encontram mercado", e dizernosque "existe urn merca-do" para urn service ou urn produto quando hauma demanda dele, 0que signifieaque elepede e sera vendido. Osmereados ficam "aber-tos" para quem quer vender. 0 mercado representa "as condicoes re-ferentes a compra evenda, a oportunidade decomprare vender" (TheConcise Oxford Dictionary). Mercado implica oferta e escolha.

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    9/72

    16 A origem do capitalisrno 17ntroducao

    o que sao, portanto, as [orcas de mercado? Par acaso forca naoimpl ica coacao? Na ideologia cap ita li sta, 0 mercado nao impl icacornpulsao, mas liberdade. Ao mesmo tempo, essa liberdade e garan-t ida por alguns mecanismos que asseguram uma economia racional,na qual a oferta se equ ipara a demanda, colo cando Iidisposicao mer-cador ias e serv ices que as pessoas escolhem l ivr emente. Esses meca-nismos sao a s f orcas impessoais do mercado e, se de aigum modo saocoercitivos, e simplesmente no sentido de que obrigam os agenteseconornicos a agirem "racionalmente", a fim de rnaximizarem a es-colha e a oportunidade. Nesse r aciocinio, 0capitalismo, suprema"sociedade de mercado", e a s ituacao 6t ima de opor tunidade e esco-l ha : h a mais bens e s er v ic e s a o fe r ec e r, mais pessoas tern maior l iber-dade de vender e obter lucre com sua venda, e mais pessoas ternmaior liberdade de escolher entre esses bens e services ecompra-los,

    Entao, 0 que ha de err ado nessa concepcao] B provavel que urnsocialista diga que osgrandes ingredientes omitidos sao a transforma-~ao do trabalho em mercadoria ea exploracao das classes. Ate ai, tudobern. Mas a que talvez nem sempre fique muito claro, nem mesmonas descricoes socialistas do mercado, e que a caractertsticadistintivadominante do mercado capi ta li sta nao e a oportunidade nern a esco-lha, mas, ao contrar io, a compulsao, I s 5 0 se observa em dois sentidos:primeiro, a vida material e a reproducao socia l no cap ital ismo saoun iversalmente mediadas pelo mercado, de forma que, de urn modoau d e o u tr o , todos os ind iv iduos tern que e nt ra r n as r el ac oe s de mer-cado para obter acesso aos meios de subs is tencia ; e segundo, os d ita-mes do mercado capitalista - seus imperatives de cornpeticao,acumulacao, maximizacao dos lucros e crescen te produ tividade dotrabalho - regem naoapenas todas as transacoes econ6micas, mas asrelacoes sociais em geral. Como asrelacoes entre as seres humanos saomediadas pelo processo da t roea de rnercadorias , as r elacoes socia isent re aspessoas assernelham-se a relacoes ent re coisas - 0 "fetichis-mo da rnercadoria", na celebre expressao de Marx.

    E p ro va ve l q ue alguns l ei to re s o bj et em , n es te ponto, que isso ealgo que todo socialista, au pelo menos todo marxista, sabe. Mas ost racos especificos do capi ta li smo, como a fato de 0mercado capitalis-ta funcionar mais como urn imperativo do que como uma opor tuni -

    dade, tendem a se perder ate mesmo nas explicacoes historicasmarxistas do capi ta li smo. 0 mercado capi ta li sta, como forma socia lespecifica, perde-se quando a transicao das sociedades pre-capitelistaspara as sociedades capitalistas e apresentada como uma extensao aumaturacao mais au menos natura l, a inda que mui tas vezes distor cida,de forrnas sociais ja existentes: como uma transformacao rnais quanti-tativa do que qualitativa.

    Este livrinho e sobre a origem do capitalismo e as controversiasque eIa despertou, tanto historicas quanto te6ricas. A Parte I urn le-vantamento dos relatos h is tor icos mais importan tes e dos debates queas cercaram. Tratara, em particular, do modelo mais comum do de-senvolvimento capitalista, 0 chamado modelo mercan ti l, em divers asde suas variacoes, e tarnbern de alguns de seus principais questiona-mentos. A Parte IIe sb o ca u r na hist6ria alternativa, que, segundo espe-ro, evita algumas das armadilhas mais comuns das eX'plica~6espadronizadas no estilo paralogistico. Esse csboco tern uma profundadivida para com os textos hist6ricos sobre 0 capitalisrno, discutidos naParte I, que ques tionaram algumas das convencoes hist6ricas prepon-derantes. E minha intencao , acima de tudo, quest ionar a colocacao docapitalismo como algo natural e destacar suas rnaneiras par ticularesde represen tar uma forma social historicamente especffica, bern comouma ruptura co m formas sociais anteriores,o objetivo deste exerclcio e academico e politico. Explicaro capi-tal ismo como natural, com isso negando sua especif icidade e os 10n-gas e dolorosos processos historicos que 0 originaram, restringe nossacornpreensao do passado. Aomesmo tempo, limita nossas esperancase expectativas de futuro, pais, se 0 capitalismo e a culminancia naturalda hist6ria, supera-lo e in imaginavel. A questao da origem do capi ta-lismo pode p a re c er e so te r ic a, mas atinge 0 amago de pressupostosprofundamente e nr ai za do s em nossa cultura ~ as ilusces difundidase per igosas sabre 0 chamado mercado livre e seus beneflcios para ah um an id ad e. P en sa r em a lt er na ti va s f ut ur as a o c ap it al ismo exige queexplorernos concepcoes altemativas de seu passado.

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    10/72

    PARTE I

    V er so es h is to ric as d a tra ns ic ao

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    11/72

    Capitulo 1omodelo mercantil

    e seu legado

    A manei ra mai s comum de explicar a origem do capi ta lism a e pressu-par que seu desenvolvimento fo i 0 resul tado natural de pra ticas hu-manas quase tao anti gas quanta a propria especie, e que requereuapenas a e li rn inacao de obstaculos externos que impediam sua mate-rializacao, Essa modalidade de explicacao - au nao -explicacao -,embora exista em muitas variacoes , const itui 0 que se tern cha rnadode "modele mercantil" do desenvolvimento econornico, podendo-sea rgumentar que e lea inda eo mode lo dominante. E is so se observa aternesmo ent re s eus c ri ti cos mai s s everos. E le nao est a inteirarnente au-s ente das expl icacoes demogra fi cas que af irmarn te- Io subs tit uido ,nern tampouco da rnaioria das explicacoes marxistas .

    omodelo mercantilLonge de reconhecer que 0 mercado se tornou capitalista ao se tor -nar cornpul sorio, ama iori a das nar rat ivas his tori cas sugere que a ca-p ita li smo surgiu quando 0 mercado foi l ibertado de antiquiss irnasrestricoes e quando, par uma au outra razao, expandiram-se asaportunidades de cornercio. Nessas argumentacoes , 0 capitalismorepresenta menos um romp imento qualitativ e com formas anterio-res do que urn macico aumento quantitativo: uma expansao dosmercados e uma crescente mercanti li zacao da vida econ6mica.

    A explrcacao tradicional ~ que apatece na economia politicacl ass ic s, nas concepcoes i luminis tas do progres so e em mui tos t ex tosmodernos de hist6ria - e a seguinte: com ou sem uma inclinacaonatural para "comerciar , per rnuta r e t roca r" (na ce lebre for rnulacao

    21

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    12/72

    22 A origem do capitalisrno o modelo rnercantil e seu legadodeAdam Smith), individuos racionalmente voltados para seus pro-prios interesses tem-se empenhado em atos de troea desde 0 alvore-cer da historia. Esses atos tornaram-se cada vez mais especializadoscom a evolucao ciadivisao do trabalho, que tarnbern foi acornpanha-da de aperfeicoamentos tecnicos nos instrumentos da producao. Emmuitas dessas explicacoes, na verdade, osaumentos da produtivida-de podem ter s ido 0 objetivo primordial dessa divisao do trabalhocada vez mais especializada, donde a tendencia a haver uma estreitaligayao entre essasexplicacoes do desenvolvirnento mercantil e umaespecie de determinisrno tecnol6gico. 0 capitalismo, partanto, ou"sociedade mercantil", estagio mais elevado do progresso, represen-ta a arnadurecimento de praticas comerciais antiquissirnas (junta-mente com avances tecnicos) e sua libertacao das restricoes politicase culturais.

    Mas sornente no Ocidente, segundo consta, essas restricoes fo-ram eliminadas de maneira abrangente e decisiva. No antigo Medi-terrance, a sociedade mercantil ja estavabern estabelecida, mas suaevolucao posterior foi interrompida por uma ruptura antinatural ~o hiato do feudalismo e dos varies seculos obscures durante osquaisa vida economics tornou a ser apr is ionada pela irracionalidade epelo parasitisrno politico do poder senhorial.

    A explicacao classica dessa interrupcao invoca as invasces doImperio Romano pelos barbaros, mas uma versao posterior emuitoinfluente desse modelo foi elaborada pelo historiador belga HenriPirenne. Elesituou a ruptura da civilizacaomercantil mediterraneamuito depois - na invasao muculrnana, a qual, segundo sua tese,eliminou 0 antigo sistema de comercio aofechar as IOtascomerciaisdo Mediterraneo entre 0Oriente eo Ocidente. Villa crescente "eco-nomia de troca", liderada por uma classeprofissional de rnercado-res, foisubstituida par uma "ecouornia deconsume" - a economiarentista [rentier) da aristocracia feudal.'

    Mas, com 0 tempo, de acordo com Pirenne e seus predecessores,o cornercio ressuscitou com 0 crescimento das cidades e a Iibertacaodos cornerciantes. Nesseponto, deparamos com urn dos pressupos-tos rnais comumente Iigados ao modelo mercantil: a asscciacao docapital isrno corn ascidades - a r igor , a supos icao de que, desde 0

    come

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    13/72

    24 A origem do capitalismo 25modelo mercantil e seu legado

    casticamente esse processo, a his toria e a perene ascen sao da classemedia.

    Isso nao quer dizer que todos os h istoriadores que subscrevemesses modelo s tenham deixado de r econhecer que 0 capital ismo re-presentou uma ruptura ou uma transforrnacao hist6rica deste oudaquele tipo. E verdade que algun s tenderam aencontrar n ao apenaso cornercio, mas urn pouco do proprio capitalismo, em quase todapar te , e spec ia lmente na Ant iguidade greco-rornana , s empre apenasa espera de ser libe rt ado dos empec ilhos externos. Mas a te Esses au-to res insistiram , em geral, numa gr ande mudanca dos princip io seconornicos do feudalismo para a nova racionalid ade da sociedademercant il, au capit al ismo. Pala-se corn f requencia, par exemplo , natran sicao de uma econo rnia "natur al" para u rnaeconomia moneta-r ia, au ate na tr ansicao entre producao para uso ep roducao para tro-ca. No entanto , s e ha uma grande t ransformacao nes sas expli cacoeshistoricas, nao e na natureza do cornercio e dos mercados em si. Arnudanca se da, antes, no que acontece com as fo rcas e instituicoes- po liticas, ju ridicas, cu ltu rais e ideologicas, bern como tecnologi-cas- que impediram a evolucao natur al do cornercio e 0 amadure-cimento dos mercados.

    Nesses modelos , quando muito, e 0 feuda li smo que representa averdadeira ruptura his t6rica. A retomada do desenvo lvimento co-mercial, iniciada no s intersticios do feudalismo e rompendo suasrestricoes, e tr atada como uma grande r nudanca na h istor ia d a Euro -pa, mas apar ece como a r etomada de urn pr ocesso historico que so -frera urn desvio ternporario - ainda que drastico e por urn per iodobastante longo, E sses pr essupo sto s tendem a apr esen tar urn ou troco rolario impo rtante, qual seja, 0 de que as cidades e 0 comercioerarn, por natureza, antiteticos ao feudalismo, de modo que seucrescimen to, como quer que tenha oco rrido , solapou as bases do sis-tema feudal.

    Mas, s e 0 f eu da li sm o t ro ux e 0 descarrilamento do progr esso dasociedade rnercant i l, a l o g ica I nt nn se ca d o r ne rc ado , d e aco rdo comessas expli cacoes , nunca se modif icou s ignif ica tivamente, Desde 0corneco , e la impl icou i ridividuos rac iona lmente egoist as , que maxi-mizavam sua utilidade vendendo mercadorias em troca de lucro,

    s empre que surgia ess a oportunidade, Em termos mai s par ti cu la res,e la implicou uma div isao do t raba lho e uma espec ia li zacao cada vezmaio res, que exigi ra rn redes cada vez mai s cornplexas de corne rc in e ,acima de tudo, tecn icas de p roducao sempre mais aprimo radas, parareduz ir custos e aumentar os lue ros comerciai s. Essa 16gica podia serp rejud icada de varias maneir as, Pod ia ate ser suprimida em caratermais ou menos completo - de tal sorte que, por exernplo, os s enho-res feudais puderam elimina-la, fazendo sua apropriacao nao peloengajamento no intercarnbio lucrative ou pelo incentivo aoaperfei -coamento das t ecnicas produtivas, mas pela exploracao do trabalhofo rcado , arrancando 0 t raba lho excedente dos camponeses par meiode urn poder superior. Em principia, no entanto, a logica do rnerca-do teria permanecido a mesrna: sempre uma oportunidade a seraproveitada em todas as ccasio es possiveis, sempre conducen te aocrescimento econornico e aoaperfeicoarnento das forcas produtivas,sempre fadada a acabar produzindo 0 capit al ismo indust ri al , s e lhefos se dada l iberdade para por em pra ti ca sua 16gica natura l.

    Em out ras palavras, 0 modelo mercantil nao demonstrou ne-nhum reconhecimento de impera tivos que sao espec if icos docapit a-lismo, dos modos especificos de funcionamento do mercado nocapitalismo e de suas leis de movirnento especificas, as quais, demodo s ingula r, obr igam a s pessoas a entrarem nomercado e obr i-gam os produtores a ptoduzirem "com eficiencia", aumentando ap rodutividade do tr abalho - as l eis da cor npeticao, d a maximizacaodo l ucr o e da acumulacao de capital. Deco rre dai que o s a deptos des-se modelo nao viram necessid ade de explicar as relacoes sociais d epropriedade e sp e cf fi ca s e 0 modo especifico de exploracao que de-terminam essas leis de movimento especificas ,

    Segundo 0 modele mercantil , na verdade, no lo hav ia nenhumanecessidade de explicar 0 surgimento do capital ismo. El e presumiuque 0 capita li smo exi st iu , pelo menos sob forma embrionar ia , desdeo alvorecer da hist6ria, s e n a o no proprio cerne danatureza hu rnanae da rac iona lidade humana. Dada essa oportunidade, presumiu 0modele, as pessoas sempre se p ortaram de acordo com as regras daracionalidade capitalista, visando 0 lucro e, nessa busca, procurandorneios de melhor ar a p rodu tividade do trabalho. Assirn, a hist6 ria,

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    14/72

    26 A origem do capitalismo o modelo mercant j] e s eu legadona verdade , t er ia avancado de acordo com as lei s do desenvolv imen-to capita li st a, num processo de e rese imento econ6mico sust en tadopor fo rcas produtivas em desenvo lv imento, ainda que com algumasgran des interrupcoes, Se surgimento da economia capitalists rna-dura requeri a a lguma explicacao, e ra para identificar as barreirasque se e rgueram no caminho de seu desenvolvimento natural e 0processo pelo qua l essas barreiras foram superadas.

    Ha nisso, e c la ro , um grande paradoxo. Supos-se que 0 rnercadoseria a campo da escolh a e que a "sociedade mercantil" seria a lib er-dade em sua perfeicao. Mas essa concepcao do mereado pareee ex-cluir a liberdade humana. Tende a se associar a uma teoria dahistoria na qual 0 capital ismo moderno e 0 resultado de urn pr o-cesso quase natu ral e inevitavel, que segue certas leis univ er sais,t ransi st6r icas e imutave is. A operacao des sas le is pode ser pre judi -cada, ao menos temporariamen te, mas na o sem urn grande onus. Eseu p rodu to final, 0 mercado "livr e", e urn mecanismo impessoalque, ate certo ponto, pode ser controlado e r egulado, mas que, emultima instancia, nao pode ser impedido sem todos as riscos - e ainutilidade - acarretados por qualquer tentativa de violar as leisda natureza.

    crescirnento natural e niio obstaculizado das cidades e do corner cio ea libertacao das classes ur banas e burguesas s igni fi cassem, par def i-nicao, 0 capitalismo. Convern acrescentar que Weber tambemcompart il hou commuitos out ros 0 pressuposto de que a desenvolvi-mento do capitalisr no fo i u rn pr ocesso transeuropeu (ou eu ropeuocidental) - nao apenas que algumas circunstancias gerais europei-as foram condicoes necessarias do capitalismo, mas que toda aEuropa, a despeito de todas as suas variacoes internas, seguiu essenci-a lmente uma mesma via hist6rica.

    Mais recentemen te, houve algun s ataques f ron tais ao modelomercant il em geral e a tese de Pir enne em particular, a qual e hoje ge-ralmente despres tig iada . Ent re os rna is recentes e inf luentes dessesataques esta 0modelo dernograf ico, que a tr ibui 0 desenvolvimentoeconcmico eu ropeu a certos ciclos autonomos de crescimento e de-clinic populacional. Mas, por maior que tenha sido a veernenciacom que se questionou 0 an tigo modelo , n ao fica realmen te claroque os pressupostos basicos da explicacao dernografica estejam taodist an tes do modelo mercant il quanto a fi rmam seus expoentes .

    A p remissa subjacente ao modelo demogr afico, afin al, e que atransicao para 0 capit al ismo foi determinada pelas l ei s c ia ofer ta e daprocura .' Essas l eis s er iam determinadas de modos mais complexosdo que 0modelo mercan til ser ia capaz de explicar, Ter iam rneno s aver com asproces ses soc ia is de urbanizacao e comercio c rescente doque com complexes 'pad roes ciclico s de cr escimento e declinio po-pulac iona l, au bar re iras mal thusi anas . Mas a t rans icao para a capit a-I ismo continua a se r uma respos ta as l ei suniversa is e t rans ist6r icas domercada - as leis da oferta e da procura. A natureza do mercado ede suas l ei s nunca e rea lrnente quest ionada .o modelo dernografico certamente question a algumas tesesconvencianais sab re a p rimazia da expansao do cornercio como de-ter rninan te do desenvolvimen to econornico eur opeu , Talvez nemchegue a negar, ao menos explicitamente, que 0mercado capitalistae qua li ta tivamente diferente dos mercados das soc iedades nao capi-talistas, e n ao apenas quan titativamente maior e mais ab rangente doque eles. Mas tampouco representa urn questionamen to fron tal d es-sa convencao e, a rigo r, toma-a como certa.

    Depots do modelo mercantll classicoHouve varies aprimo ramento s do modelo mer cantil basico , d esde

    , Max Weber ate Fernand Brandel.' Weber por certo nao deixou deperceber que a capit al ismo plenamente desenvolvido 56 surg iu emcondicoes histor icas mui to espec if icas , e nao em out ras, Mos trou-s emais do que disposto a vislurnbrar algum tipo de capitalismo emepocas anter iores, inc lusive na Antiguidade c lass ica. Mas , a final , suaintencao era distinguir a Europa de outras partes do mundo e, evi-dentemente, ele enfatizou a singularidade da ddade ocidental e darel ig iao europeia, e spec ia lmente para expli ca r 0 desenvolvimentoimpar do capit al ismo ocidenta l. Mas 0 fato e que sempr e tendeu a fa-lar dos fatores que impediram a desenvolv imento do capita li smonoutros lugares - as formas de parentesco, as formas de domina-y a O , as trad icoes religiasas que p revaleciam neles etc. -, como se 0

    27

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    15/72

    28 A origem do capitalismo o modele mercantil e seulegado 29Numa variacao do ant igo tema da mercant il izacao, a lguns histo-

    riadores sugeri ram que 0 capitalismo resultou de urn processo cu-mulativo em que, a medida que 0 centro de gravidade comercialfoi-se deslocando de urn ponto da Europa para outro - das cida-des-estados i ta lianas para a Holanda ou para ascidades da Liga Han-seatica, e da expansao colonial espanhola para outros imperialismos-, cada urn deles baseou-se nas realizacoes do anterior, nab s6 am-pliando 0 alcance do cornercio europeu, mas tambern aprimorandoseus ins trumentos , desde as tecnicas de con tabi lidade par part idasdobradas da Italia ate os aperfeicoamentos das tecnologias de pro-ducao , culminando na Revolucao Indust rial inglesa. 0 resu ltado fi-nal desse "processo baseado na agregacao de valor" (talvez com aajuda das r evolucoes burguesas ) foi 0 eapitalismo moderno.'

    De urn modo ou de ou tro, portanto, seja por processos de urba-nizacao e de cornercio ereseen te , se ja pelos padroes dclicos do cres-cimento demografico, a transicao para 0 capitalismo, em todas essasexplicacoes, foi uma resposta a s l ei s universa is e t rans ist6ricas domercado. E desnecessar io dizer que a economia neoclassica nada fezpara desarticular esses pressupostos - ate porque, em geral, naotern 0menor interesse na hist6 ria. Quanto aos h is tor iadores de ho je,os que se inter essam pela longue duree tendem a pertencer it escoladernografica, a rnenos que estejam mais in teressados nas menta l i te sou no d iscurso do que nosprocessos econorn icos. Out ros, especial -mente no m undo de l ingua inglesa, costumam desconfiar mui to dosprocessos de longo prazo e se interessam tnais por hist6rias muitolocal izadas ou episod icas e pelas causas imedia tas. Na verdade, na ochegam propriamente a questionar as teorias existentes do desert-vo lv imento alongo prazo, mas meramente asdescar tam ou evi tam. 5

    A nova onda da sociologia histories e diferente. Interessa -se pri-rnordialmente, e claro, pelos processos de rnudanca social a Ion goprazo. Mas, mesmo nesse caso, ha uma tendencia a fugir da questaode varias maneiras, Por exemplo, em uma das mais importantesobras IEcente s ness e genero, Michael Mann adota explicitamcnte 0que chama de "vies teleolog ico", segundo 0 qual 0 capitalismo in-dustrial ja estava prefigurado nos arranjos sociais da Europa rnedie-val.' Como nao e de surpreender, essa tese, apesar de todas as suas

    complexidades, s itua a forca impulsionadora do desenvo lv imentoeuropeu na "aceleracao das forcas intens ivas da praxis econcmica '' eno "extenso crescirnento dos circuitos da mercadoria" - em outraspalavras, no progresso tecno logico e na expansao mercan til .' E essaexpl icacao, mais urna vez, decor re da ausencia de cerceamentos : 0capitalismo teve liberdade para se desenvolver na Europa porqueuma organizacao social essencialmente acefala (a ordern politicadescentralizada e fragmentada do feudalismo) concedeu a variesagentes ( sobretudo aos cornerciantes) u rn grau subs tancia l de auto-nomia (com a ajuda do racionalismo e da ordem normativa propor-cionados pelo cristianismo). Alem disso, a propriedade privadapede evolui r para a propriedade capi ta li sta porque nenhuma cornu-nidade ou organizacao de classe detinha poderes de monopolio. Emsuma, nao s6 0 surgimento do capitalismo, como tambem sua rnatu-racao eventual e aparentemente inevitavel para sua forma industr ial,sao explicados, sobretudo, por uma serie de ausenc ias . Portanto,nern que seja porfalta de outra indicacao, 0 t radic ional modelo mer-can ti l con tinua a prevalecer, quer na superflcie, quer sob forma maissubterranea,

    Uma exceciio digna de nota: Karl PolanyiEm seu classico A g r an d e t ra n sf or m a ca o (1944), assim como noutrostrabalhos, 0 historiador economico e antropologo Karl Polanyi afir-mou que a motivacao do lucro individual, associada as trocas nomercado, nunca foi, ate a era moderna, 0 princlpio dominante davida economica." Mesrno nos casos ern que havia mercados bern de-senvolvidos, disse ele, e preciso fazer uma clara d ist incao ent re as 50-ciedades com mercados, como as que existiram em toda a historiaescrita, e a "sociedade de mercado", Em todas associedades an terio-res, as re lacoes e praticas ecoriomicas estavam inseridas ou imersasem relacoes nao econorn icas - de parentesco, cornunais , re ligiosase politicas. Havia outras rnorivacoes impulsionando a atividade eco-nornica, alern das motivacoes puramente econornicas do lucro edoganho material, tais como a conquista de status e prestigio ou a ma-nutencao da solidariedade cornunitaria. Havia outras rnaneiras de

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    16/72

    30 A origem do capitalismo

    organizar a vida economics que nao as mecanismos das trocas demercado, em particular a " reciprocidade" e a "redistribuicao" -comp l e xa s obrigacoes reciprocas que eram determinadas, porexernplo, pelo parentesco, au a apropriacao autorizada dos exceden-tes por algum tipo de poder politico ou religioso e sua redistribuicaoa partir desse centro.

    Polanyi contestou diretamente as pressupostos de Adam Smithsobre 0 "hornem economico" e sua "propensao [natural] a cornerci-ar, permutar e trocar" , afirmando que, antes da epoca do proprioSmith, essa propensao nunca havia desempenhado 0 papel prepon-derante que ele the a tr ibuia, e 56 veio a regular aeconomia urn seculodepois, Quando existiam mercados nas sociedades pre-rnercado, emesmo nos casosem que estes eram extensos e importantes, eles semantinham como urn aspecto subalterno davida economics, dorni-nada par outros princfpios de comportamento economico, E naoapenas isso: tais rnercados, mesmo nos sistemas comerciais maisvastos e complexes, funcionavam de acordo com uma l6gica muitodistinta da do mercado capitalista moderno.Em particular, nem osmercados locais nem 0 comercio de longadistancia que caracterizou aseconomias pre-capitalistas eram essen-cialmente cornpetitivos (emuito menos, como elepoderia ter acres-centado, movidos pela cornpeticao). Essas formas de comercio-entre a c idade e 0 campo, num dos casos, e aszonas climaticas,noout ro - eram, sugeriu Polanyi , mais "cornplementa res" do quecompetitivas (mesmo, evidentemente, quando a cornplementarida-deera distorcida por relacoes depader desiguais). 0 comercio exte-r ior consist ia simplesmente em "transporter", Nele, a ' tarefa docomerciante era deslocar asmercadorias de urn mercado para outro,enquanto, no cornercio local, no dizer de Polanyi, a atividade mer-cantil era estritamente regulada e excludente. Em geral, a cornpeti-~ao era deliberadamente eliminada, porque tendia a desorganizar 0comercio.

    Polanyi assinalou que sornente os mercados internos nacionais- urn fencrneno muito tardio e que deparou com grande res is ten-ciados cornerciantes locais e das cidades autonomas nos centros co-merciais mais avancados da Europa - vir iarn a set conduzidos de

    o modelo mercant il e s eu Iegado 31acordo com principios competitivos. Mas, durante aigurn tempo,ate os mereados internos dos estados nacionais europeus do inicioda era moderna forarn sirnplesJl1ente U.TIa coletarrca fro uxa de rrier-cados municipais separados, unidos por urn cornercio transporta-dot que mal di feria, em princ ipio, do comercio ultramarine delongo curso. Eo mercado interno integrado tampouco foi urn des-cendente direto ou uma evolucao natural do cornercio local ou delonga distancia que 0 antecederam. Poi produto, argumentou Po-lanyi, da intervencao do Estado - e, mesmo nesses casos, numaeconomia que ainda era grandemente baseada naprcducao de fami-liasauto-suficientes decamponeses que trabalhavam pela subsisten-cia, a regulacao estatal continuou a preponderar sobre os principiosda concorrencia,

    Sornente na moderna sociedade de mercado, segundo Polanyi, eque ha uma rnotivacao econornica distinta, instituicoes econcrnicasdistintas e relacoes separadas das relacoes nao econornicas. Vistoque os se res humanos e a natureza - sob a forma do traba lho e daterra - saotratados , ainda que damaneira mais ficticia, como mer-cadorias, num sistema de mercados auto-regulados e movidos pelomecanisme dos prerros,a propria sociedade torna-se urn apendicedo mercado. A economia demercado 56pode existir numa sociedadede mercado, i sto e ,numa sociedade em que, em vez de uma econo-rnia inserida nas relacoes sociais, as relacoes sociais e que se inserernna econornia,

    Polanyi nao foi 0 unico, e claro, a assinalar 0papel secundario domercado nas sociedades pre-capitalistas, Qualquer historiador eco-nomico ou antropologo cornpetente esta fadadoa reconhecer osva-rios principios nao rnercadologicos de comportamento econornicoque funcionavam nessas sociedades, desde asmais "prirnitivas" eigualitarias ate as altas civilizacoes rnais complexas, estratificadas eexploradoras. E outros historiadores economicos (ernbora, talvez,nao tantos quantos sepoderia imaginar) assinalaram algumas mu-dancas nos principios do cornercio. Mas a descricao de Polanyi eparticularrnente notavel por sua clara dernarcacao da ruptura entrea sociedade de mercado e as sociedades nao mercadologicas que aprecederam, inclusive associedades com mercados - nao apenas as

    ~ ;. :

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    17/72

    32 A origem do capitalismo

    d iferencas entr e suas r espectivas log icas econ6micas, mas tam bernas mudancas scciais que essa transformacao acarretou. 0 sistemados mercados auto-reguladores, insiste Polanyi, foi tao perturbadornao apenas para as relacoes sociais, mas tambern para a psique hu-mana, e tao terrrveis foram seus efeitos sobre a vida humana, que ah istoria de sua implantacao teve que ser, ao mesmo tempo, a hist6riada prote

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    18/72

    34 A origem do capitalismo

    Sob a lguns aspec tos, por tanto, os con tornos princ ipai s da nar ra -tiva hist6 rica de Polany i n ao sao in teir ar nente diferen tes do antigomodelo mercantil: a expansao dos mercados caminha de maos da-das corn 0 progres so tecnologico na producao do capita li smo indus -trial moderno. E, embora esse processo culmine na Inglaterra,tr ata- se de urn pr ocesso europeu geral. A proposito , p arece que 0processo que levou da rnercanti lizacao a industrializacao e a "socie-dade de mercado" pode ter sido, afinal, urn fenorneno mais ou me-nos natural num mundo cada vez mais mercant il izado , urnfen6meno que 56 se completou na Europa pelo simples fato de alinao ter tido seu caminho barrado par certo s obstacu los nao econo-mico s. Como explicou u rn estud ioso dePolanyi, numa descricao dasau las deste sob re a "Histor ia Economica Ger al" , Polanyi afirmavaque, em con traste co rn urn Or ien te igualmente mercantilizado, 0feuda li smo da Europa Ocidental nao se ca racte ri za ra por l aces for te sde parentesco, cI a e tribo, de modo que, "quando os laces feudais seenfraqueceram e desaparecerarn, restou pouca coisa para barrar adorn inacao pelas for cas de mercado" . E, embora a intervencao go-vernamental tenha s ido necessar ia para c ri ar "mercados de fatores","a economia de mercado entao em desenvolvimento ajudou a des-t ru ir a s inst it ui coes econ6micas e pol it icas feuda is " .16o que nao emerge d is s o tudo euma aprec iacao das manei ra s pe-l as qua is uma transformacao radical das relacoes sociaisprecedeu aindus tr ia li zacao. 0 revoluc ionamento das forcas produtivas pressu-pbs uma transforrnacao das relacoes de propriedade e uma mudancanaforma de exploracao que cri aram uma neces sidade his tori camen-te (mica de aumentar a produtividade do trabalho. Ele pressupos ae rnergenc ia dos impera tives capit al ist as : compe ti cao, acurnulacao emaximizacao dos Iucros, Dizer isto nao equivale meramen te a acu -sar Polanyi de por a carroca adiante dos bois. 0 ponto mais funda-mental e que sua or dem de causacao suger e uma impossib ilid ade detratar 0mercado capit al ist a em si como uma forma social e spedfi ca .Os imper ativos especificos do mercado cap italista ~ as p ressoes daacumulacao e da produtividade crescente do trabalho - sao trata-dos nao como produto de relacoes socials especificas, mas como re-

    o modelo mercant il e s eu legado 35sultado de aperfeicoamentos tecno16gicos que parecem mats aumenos i ne vi ta ve is , p el o m enos n a Europa .

    Persiste a fato de que A g r a n de t ra n s fo rma~ a o foi urn desvio s ig-nificativo da historiografia convencional sobre a "transicao", Con-tudo, e impressionante ver quao pouco esse importante livro afetouo modelo dorninante, a inda que agora parec ;: aes ta r havendo urn res -surg irnento do interesse em Polanyi. Em geral, con tinuamos ondeestavamos, Ou a questao do cap italismo e suas or ig ens nao surge, ou,mesmo quando se levantam quest6es sobre como e par que ele sur-giu num caso au casas especiais, elas tendem a ser dorninadas poroutra pergunta: por que 0 capitalismo na o emergiu noutras s itua -c ;:6es?.Alguns Ieitores t alvez este jam famil ia ri zados, par exe rnplo,com a ide ia das " transi coes falhas" como rnane ira de descrever 0 queaconteceu - au deixou de acontecer - .nas c idades-estados mer-cantis do no rte da I talia, ou na Ho landa. Essa exp ressao, " transicaofalha", jii diz tudo,

    A maneir a como entenderno s a h istoria do capitalismo tem mui-to a ver com a rnaneira como entendernos esse fenorneno em si. Osant igos modelos do desenvolv imento capit al is ta foram uma mesc laparadoxal de deter rn in ismo t ransi stori co e volunta ri smo do "livre"mercado , na qual 0mercado capit al ist a e ra uma lei natural imutavele o supra-sumo da escolha e da l iber dadehumanas. A antitese dessesmodelos seria uma concepcao do rnercado capitalista que reconhe-cesse plenamen te seus imperativos e cornpu lsoes, ao mesmo temporeconhecendo que esses pr6pr ios imperat ivos radicarn-se nao numalei natural t rans ist6r ica, mas em reiacoes sociais historicarnente es-pec if icas , const it uidas pela acao humana e suje it as a mudancas. Essee 0 tipo de concepcao que esperariamos encon trar no marx ismo ,mas as his toriadores marxistas nao tern oferecido sis tematicamenteesse t ipo de alternativa.

    : r. 'i

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    19/72

    Capitulo 2Debates marxistas

    Nesses debates h istor icos, houve tanta discordanc ia entre osmarxis-tas quan ta entre histo riadores marxistas e nao rnarxistas, Muitosmarxi st as mos traram-se nao menos apegados do que qua lquer out rapessoa ao antigo modelo mercantil, arn itide, talvez, com uma dosea inda mai s acentuada de determini smo tecnoI6gico. Out ros c ri ti ca-ram muito esse rnodelo, ernbora, mesmo nesses casos, persistam al-guns residuos. Com 0 debate ainda em andamento , rest a rnuitot raba lho por fazer .o fato de haver duas narrativas diferentes na obra do proprioMad nao facilita a questao, Uma delas e muito sernelhan te ao mo-delo convencional, no qual a hist6ria e uma sucessao de etapas nadiv isao do trabalho, com urn processo t rans ist6r ico de avanco tecno-logico e com 0papel principal at ribuido as c la sses burguesas, que te -r iam dado origem ao capit al ismo peIo simples fato de serem l iber ta sdo jugo feuda l. Na verdade, a capitalismo ja existiria no feudalismo,de certo modo - nos "intersticics do feudalismo", para usar as pa-lavras de Marx -, e entraria na corrente principal da hist6ria ao"romper" os gri lhoes des se s is tema . E essa, basicamente, a narrativade alguns de seus primeiros textos, como A i de o lo g ia a le m ii e a m a-nifesto comunista, E e ela a narr ativa que esta ao menos ir nplicita nasideia s rna rx is ta s trad icionais da "revolucao burguesa". Mas ha umaoutra versao, au pelo menos seus fundamentos , nos E le m en to s d eattica a economia pol{cicae no Cnpiral, que t ern rna ls ave r corn a rnu-danca das relacoes de p ropriedade, especialmen te na zona r ural in-glesa: a exprop riacao dos pr oduto res diretos que deu o rigem a umanova forma de exploracao e a novas " le is de movimento" s ist erni cas,

    36

    Debates rnarxistas 37

    Os rna i s impor tantes t ex tos his tori cos marxi st as desde entao tem-seapoiado nesses alicerces.

    o debate sobre a transiciioEm vez de exp lorarrno s detidamente as ideias do pr6prio Marx , exa-rninemos asvisoes his t6ri cas marxis t a smai s recentes, Podemos des -conside ra r par completo aque les t ip as mai s toscos de determini smotecnol6gico que , corn dernasi ada f requencia , t ern-se fei to passar porteo rias marx istas da histo ria, para nos concen tr armos, em vez dis so ,nas narrativas marxistas mais serias e quest ionadoras.

    Em 1950, houve uma divergencia ent re 0 economis ta Paul Swee-zy e 0 histor iador econornico Mauri ce Dobb, cujos Estudos sabre 0desenvolvimento do capitalismo (1946) Sweezy havia c ri ticado. Essad iv ergencia amp liou -se em urn grande debate entre uma vasta gamade his toriadores i lustres, principalmente marxistas , na revis ta Scienceand Society, debate este que depois foi compilado e publicado emforma de livre.' Ele ficou conhecido como 0 "deba te s abre a t ransi -cao" e, desde essa epoca, tor nou- se u rn ponto de referencia cen tr alpara as discu ssoes do assun to entre as marxistas - e entre outro s.,o l iv ro de Dobb representou urn grande avanyo na compreer is anda transicao , Representou urn poderoso questionarnen to do antigomodelo mercanti l, na medida em que s ituou as origens do capit ali smono campo , nas r elacoes f eudais p rimarias entre proprietarios e cam-poneses. Como out ros t raba lhos dentro dessa t radicao, mui to espec i-a lmente os escr itos de R.H. Hi lton , h istor iador da Europa medieva l,es sa ana lis e aba lou os a li cerces do ant igo modele, contest ando a lgu-mas de suas premissas basicas , em particular 0 pressuposto de que aant it ese do feuda li smo, que a ter ia d is so lv ido e dado origem ao capit a-l ismo, s e encontrar ia nas cidades e no comercio.

    A questao central em debate entre Sweezy eDobb era onde situaro "motor pr imo rdial" d a transicao do feudalismo para a capitalis-mo. Deveria a causa primari a da t rans icao ser buscada nas rel ac ;:6esconstitu tiv as basicas do feudalismo, nas relacoes entre senho res ecamponesesr Ou ter ia 0 motor primord ial sido externo a essas rela-yoes, s it uando-se par ti cu la rmente na expansao do comercio?

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    20/72

    38 A origem do capitalismo Debates marxistas

    Dobb e Hilton, no debate que seseguiu, enunciararn argumen-to s de profunda irnportancia para demonstrar que nao foi 0 comer-cio em sique dissolveu a feudalismo. Na verdade, a cornercio e ascidades nao eram intrinsecamente antagonicos aoregime feudal. Aocontrario, este foi dissolvido e 0 capitalismo sematerializou por fa-tares intrinsecos as relacoes primarias do proprio feudalismo, naslutas de classe entre senhores e camponeses. Hilton, em particular,assinalou que se havia demonstrado ser empiricarnente falha a tesede Pirenne, e explicitou como 0 dinheiro, 0 cornercio, as cidades eatea chamada "revolucao mercantil'' nao eram estranhos ao sistemafeudal, mas, ao contrario, tinham sido parte integrante dele.Isso sig-nif icou que, embora houvesse, indubitavelmente, urn processocomplexo segundo 0 qual Essesfatores contribuiram para a transi-c,:ao,eles nao podiarn ser encarados como 0 que havia desarticuladoo feudalismo.

    De varias maneiras, Dobb e Hilton sugerirarn que a dissolucaodo feudalismo e a ascensao do capitalismo haviam resultado da li-bertaciio da pequena producao mercantil, de sua liberacao do jugodo feudalismo, sobretudo por meio da luta de classes entre senho-res e camponeses. Dobb, por exernplo, afirmou que, embora a lutadeclasses nao tivesse dado origem ao capitalismo "de rnaneira sim-ples e direta", ela servira para "modificar a dependencia em que es-tava 0 pequeno modo de producao em relacao aos senhoresfeudais e para acabar libertando 0 pequeno produtor da explora-r ,:aofeudal. Foi do pequeno modo de producao, por tanto (na me-dida em que ele assegurou a independericia de acao e em que, porsua vez, a diferenciacao social desenvolveu-se em seu bojo) , quenasceu 0 capitalismo".'

    Similarmente, Hilton, cujos estudos sobre os camponeses me-dieva is e suas lutas representam alguns dos trabalhos mais im-portantes sobre a historiografia de qualquerperfodo, ligou essatransi-cao a s lutas entre senhores e camponeses. Aspressoes impostas pelossenhores aos camponeses para que estes transferissem 0 trabalho ex-cedente foram, segundo eIe sugeriu, a causa prirnar ia do aperfei-coamento das tecnicas de producao e a base do crescimento da pro-ducao mercantil Simples.Ao mesmo tempo, a resistencia dos earn-

    poneses a essas pressoes foi de importancia crucial para 0 processode transicao para 0 capitalismo, para "a I iber t acao das economias rural eartesana] para 0desenvolvimento da produpo mercantil e, eventual-mente, para 0 surgimento do empresario capital ista".'

    Em seu contra-argumento, Sweezy insistiu em que 0 feudalismo,apesar de todos os seustraces de ineficiencia einstabilidade, era in-trinsecamente tenaz e resistente a mudanca, e em que a principalforca propulsora de sua dissolucao tinha que vir de fora. 0 sistemafeudal podia tolerar e, arigor. precisava deuma certa dose de comer-cia ; mas, com a criacao de centros de comercio e transbordo urba-nos localizados, baseados no cornercio de Jonga distancia (aprop6sito dos quais Sweezycitou a autoridade de Henri Pirenne),desencadeou-se urn processo que estimulou 0 crescimento da pro-ducao para troca, que seopunha ao principio feudal da producaopara uso.

    No entanto, argumentou Sweezy, 0 capitalismo nao foi 0 resul-tado imediato desseprocesso. A expansao docornercio foisuficientepara dissolver 0 feudalismo e introduzir uma fase trans icional de"prcducao mercantil pre-capitalista", que emsi mesma era instavel,preparando 0 terreno para a capitalismo nos seculos XVII e XVIII;mas houve uma faseposterior distinta no desenvolvimento do capi-talismo. A esserespeito, Sweezyfeza importante observacao de que"(c]ostumamos pensar na transicao de urn sistema social para outrocomo urn processo em que osdois sistemas seenfrentam diretarnen-te e lutam pela supremacia" , mas ser ia urn "grave erro" pensar natransicao do feudalisrno para 0 capitalismo nesses termos.'

    Sweezy nao sepropos explicar a segunda fasedo processo, maslevantou algumas questoes cruciais sabre asexplicacoes oferecidaspor outros. Duas delas sedestacarn, em particular. Primeiro, ele ex-pressou ceticismo quanto a plausibilidade ciaideia - decorrente dainterpretacao convencicnal da teoria marxista cia"via realmente re-volucionaria" para 0 capitalismo industrial- de que os capitalist asindustriais teriam surgido das fileiras dos pequenos produtores. Aocontrario, propos que entendessernos a "viarealmente revoluciona-ria" como urn processo em que 0 produtor, em vet depassar de pe-queno produtor a : cornerciante e a capitalista, "comecou como

    39

    'Ju11II',\

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    21/72

    40 A origem do capitalisrno 41ebates marxistas

    cornerciante e empregador de mao-de-obra assalariada" , e em queas empresas capitalistas ja for am lancadas em plena rnaturidade, enao num processo gradativo que houvesse brotado do sistema deprcducao dornest ica a rt esana l por encornenda.'o s egundo ponto ress alt ado por Sweezy foi que a general izacaoda producao mercant il nao poder ia expli ca r a ascensao do capi ta li s-

    rno, e que a producao mercantil altarnente desenvolvida - como,por exemplo, na Italia au na Plandres medievais - na o necessaria-mente 0 produziu .' Em sua argumentacao , ele frisou outro aspectosugestivo. Ern oposicao a teo ria de Maurice Dobb de que 0 decliniodo feudalismo resultou da exploracao excessiva dos camponeses edos conflitos de classe gerados par ela, Sweezy propos que seria" rnais exato dizer que a dec linio do feuda li smo europeu ocidentaldeveu-se a impos sibi lidade de a c lass e dominante mante r 0 contralesabre a capacidade de trabalho da sociedade e, por tan to , explo-ra-la".'

    Este resumo, e claro, const itui uma abreviacao e sirnplificacaogrossei ra s dos a rgurnentos complexos fornec idos pelos par ti cipan-t es do debate, mas deve se r sufi ci en te para l evanta r a lgumas questoescruciais sobre os p ressupostos em que se pautou cada urn do s lado s.A prime ira v ist a, a coi sa parece rnuito c la ra: Dobb est ava a tacando 0rnodelo rne rcantil , enquanto Sweezy 0 defendia. De fato, algumtempo depois, 0 histor iador marxi st a Rober t Brenner acusou Swee-zy, juntamente com outros, t a is como Andr e Gunder Frank e Imma-nuel Wallerstein, de serem neo-smithianos, precisamente parade ri rem a a lgo serne lhante ao modelo mercanti l c la ssi co , t al comoo rig in almente delineado par Adam Smith: Brenner desenvolveuuma s6lida argurnentacao sobre 0 modo como alguns marxistas,com ef eito, engoliram os pressupostos do antigo modelo, a tenden-c ia a t ra ta r a d inarnica espec if ica do capi ta li srno - e sua necess idadede aumentar a produtividade da rnao-de-ob ra - como urn desf echoin evitavel d a expansao mer can til. Mas havia alga mais complexoacontecendo no debate entre Sweezy eDob b,

    A tese de Sweezy, a primeira vista e em seus contorno s princi-pais, e completamen te compativel com 0 modele rnercantil, en -quanta a explicacao de Dobb e um ataque frontal a ele. Na medida

    ern que Sweezy parte da tese de Pirenne, em particu lar, e suge re, emIinhas mais ger ais, urn antagonismo fundamental entre 0 sistemacrescen te de corner cio a Ionga distancia e os princip ios basic.os dofeudalismo, ou, vez por outra, atribui aos agentes econcrnicospre-capital is tas uma racionalidade especifica do capital ismo, ja deveestar claro para os I eitores que a tese deste livro difere da dele. A ar-gumentacao aqui exposta, especialrnente na Parte II, e compativelcom Dobb e H ilton - a rigor, influenciada por eles - em diversosaspectos importantes: os de que as cidades e a cornercio nao eramnecessar iamente antagonicos por natureza ao feudal isrno , de que 0"motor primordia l" encontra-se nas relacoes primari as de propr ie -dade do feudalismo, e de que a luta de classes entre os senhores e oscamponeses foi central nesse processo.

    Porern havia rnais do que is50 em d iscussao . Sweezy frisou u rnaspec to que tende a se perder nas consideracoes do debate sobre at rans icao . Decer to a tr ibuiu a dis so lucao do feuda li smo aos efei tos daexpansao comercial e ao crescimento das cid ades, Mas insistiu emque tal d issolucao nao ser ia suf ici en te para explicar a ascensao do ca -pita li smo e em que, na verda de, Esses foram doi s processos dis tintos ,Ai encontr amos urn contraste interessan te entre Sweezy e Dobb :Dobb parece mais inclinado do que Sweezy a tratar a dissolucao dofeudaIismo como tendo sido, essencialmente, 0 mesrno processodaascensao do capitalisrno.

    Par que i580 e importante? Considerernos as impli cacoes des saargurnentacao: se a dissolucao do feudalismo e suficiente para explicar a ascensao do capita li smo, nao est amos de novo mui to proxi rnosdos pressupostos do modelo mercantil? Pode ser que estejamos nocampo, e nao na cidade, e t alvez nos estejamos concentrando na lutade classes entre senhores e camponeses, e nao na expansao do co-mercia. Mas urn pressuposto crucial perrnanece 0mesmo: 0 capita-Iismo surgiu quando os g rilh6es do feudalismo foram retirados. Dealgum modo, 0 capitalisma ja estaria presente nos intersticios dofeudaiismo, simplesmente a espera de ser libertado.

    Dobb eH ilton, portanto, nao parecem questionar todos o s pres-supostos basicos do modelo rnercan til, e algumas das questoes Ie-vantadas por Sweezy vao ao cerne dos problemas que e les deixa ram

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    22/72

    42 A origem do capitalismo Debates rnarxistas

    por resolver. Urn aspec to se des taca nas teses de Dobb e Hilton: atransicao para 0 capitalismo teria sido uma questjlo de libertar ou"soltar ' uma 16gica economics ja presente na pequena producaomercantil. Fica-nos a esmagadora impressao de que, havendo opor-tunidade, 0 campones (e 0 artesao) que era produtor mercantil setransformaria em capitalista. 0 centro degravidade dessa argumen-tacao deslocou-se da cidade para 0 campo e a luta de classes recebeuurn novo papel, mas, ate que ponto ospressupostos subjacentes a eladiferem de algumas das premissas principais do modelo mercantil?Quao longe estamos dapremissa de que 0mercado capitalista e maisuma oportunidade do que urn imperativo, e de que 0 que requer ex-plicacao na descricao da ascensao do capitalismo e a eliminacao dosobstaculos,o rompimento dos grilhoes, e nao a criacao de umal6gi-ca econ6mica inteiramente nova? A luta de classes e central nesseprocesso, mas 0 e , acima de tudo, como urn rneio para remover obs-taculos a algo que ja seria imanente.

    Nes te ponto, os problemas que incomodaram Sweezyem seuconfronto com as argumentos de Dobb sao muito pertinentes. Pri-rneiro, 0 habito de tratar as trans icoes como urn confronto entredais modos de producao antitet icos tern servido, com demasiadafrequencia, como desculpa para se evitar a questao, Como sugeriuSweezy,embora esse pressuposto possa aplicar-se a transicao do ca-pitalismo para 0 socialismo, ele e problematico ao lidarmos com atransicao do feudalismo para a capitalismo. Como vimos, 0 modelomercantil e outras explicacoes correlatas presumem, na verdade, aexistencia do capitalismo, ou de uma racionalidade capitalista, paraexplicar scu surgimento. 0 feudalismo ter-se-ia confrontado comurn capitalismo ja existente, au, pelo menos, com uma logica pro-cessual capitalista ja presente, cujo aparecirnento nunca e explicado.Embora, sob muitos aspectos, as explicacoes fornecidas par marxis-tas como Hilton e Dobb sejam devastadoras para a mcdelo mercan-t il e para seus pressupostos sobre a anti tese ent re feudali smo ecomercio, elas nao escaparam por completo dessa armadilha, pais,em alguns aspectos irnportantes, ainda pressupoem exatamenteaquilo que precisa ser explicado.

    Elastampouco oferecern uma resposta inteiramente convincen-tepara a pergunta formulada por Sweezya r es pe ito d a " fa lh a" d e a l-guns centros cornerciais avancados, como asda I talia e de Flandres.Tambern nesse ponto, ha uma tendencia a sepresumir a capital is-mo, atraves da simples explicacao dos obs tdcu los que impediram es-sas cidades mercantis de chegar a maturidade. A questao levantadasabre Flandres e a Italia nao e tanto por que e em que circunstanciasas imperativos capitalistas se impuserarn aos agentes econornicos,como aconteceu na Inglaterra, mas, antes, por que e deque maneirasas agentes economicos das transicoes "falhas" mostraram-se serndisposicao au incapazes - ate por razoes ideologicas ou culturais-de romperem com seu apego ao feudalismo, a f im de criarern umanova forma social. to

    Quanto as duvidas de Sweezysobre a "via realmente revolucio-naria", e fato que, nurna faseposterior dodebate, eleretirou algumasdesuas obiecoes a interpretacao corivencional do que Marx tinha emmente, mas nao necessariamente suas objecoes a ideia em si. Emboranunea tenha explicado plenarnente asrazoes deseu rnal-estar com aideia deque a capitalismo teria surgido quando ospequenos produ-tares rnercantis transformaram-se em capitalistas, eleparece haverconsiderado isso intrinsecamente implausivel. E, com efeito, haviabons motivos para seu ceticismo.

    Enquanto Sweezyestava predominantemente interessado, nesseponto, na ascensao do capitalismo industrial, a "via realrnente revo-lucionaria" aparece em Dobb, rnais particularmente (ernbora naoem termos exclusivos) sob a forma do s fazendeiros capitalistas queteriarn saido das fileiras dos proprietaries rurais que trabalhavam apr6pria terra. 0 problema nao esta em dar credito a Essesfazendei-ros em ascensao como criadores do capitalismo, porem, mais parti-cularmente, em que eles tendem a ser retratados como escolhendomais ou menos livremente avia capitalista, uma vez libertos dos em-pecilhos feudais, ao passo que 0capitalisrno e t ratado como uma ra-mificacao mais ou menos organics da pequena producao mercantil- mesmo que asrevolucoes burguesas tenham sido necessaries paraeliminar as ult irnos obstaculos, 0 que quer que Sweezytenha tidoem mente em sua objecao it "via realmente revolucionaria", decerto

    43

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    23/72

    44 A origem do capitalismo 45ebates marxlstas

    ser ia sensato dizer que e preciso algo mais, para explicar a disposicaodos produtores a se portarem como capitalistas, do que sua simplesI iber tacao das restricoes au sua passagem de medias a grandes pro-prietarios . Em outras palavras, hoi uma di ferenca qual itativa , e naoapenas quant itat iva, ent re a pequena producao mercant il e 0 capita-li smo , di ferenca esta que cont inua a requerer uma explicacao.

    t ribu tos feudais pela renda monetaria e , mais particu larmen Ie , pelocrescirnento de uma economia mercan til . "Com a trans forma

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    24/72

    46 A origem do capitalismo 47ebates rnarxistas

    ra. Sua carac te ri zacao do Estado absolut ist s como essencialmentefeudal e de particular utilidade, e rn bo ra e xi ja urn exame mais det ido.Convern guardar em men te 0 que Anderson quer dizer. a Estadoabsolu ti st a e ra essencialmente feuda l, insi st e e le , porque represen-tau 0 deslocamento para c ima e a central izacao dos poderes coercit i-vos politico-juridicos dos senhores feudais, separando-os daexploracao economics. D ito de out ra manei ra , 0 Estado absolutistaseparou os do is mornen to s da exploracao - 0 processo de extorsaodo exceden te, de urn lado, e a poder coercitivo que 0 sustentava, deoutro. A partir dai, as do is prossegu iram em esf er as separ adas. A fu-sao feudal da economia com a po litica cornecou a dar Iugar a separa-yao que e carac te ris tica do capita li smo, deixando a econornia evolu ird e aco rdo com sua p ropr ia l6gica interna.

    Pois bern, ha outra maneira de ver 0 absolutismo, que consisteem conside ra r que ele representou uma central izacao do poder feu-dal num sentido diferente, qual seja, que 0 propr io Estado monar -quico tornou-se uma forma de propriedade, urn instrumento deapropri acao , de maneiras ana logas a dorninacao senhorial feudal.as poderes econornico e politico con tinuaram fundidos, mas 0 se-nhor feuda l pas sou a seapropria r de rendas, enquanto 0 Estado e osocupantes de seus cargos ap ropriavam-se dos excedentes do s cam-poneses sob a forma de impas tos. Em alguns momentos, Andersonparece pensar no absolut ismo nes ses t er rnos , como sendo a inda umauniao das esferas economics e politi ca. Mas toda a sua tese de que 0absolu tismo dese rnpcnhou urn papel axial na t ransi cao para 0 capi-talismo deco rre de uma funcao essencial do Estado ab solutista: a deseparar as esferas politica e econornica. Ele se empenha muito emenfat izar que 0 que foi "centrali zado para c ima" no Estado absolut is-ta nao foi a[usao feuda l das esferas pol it ica e econornica , mas a facetapolitico- ju ridica au coercitiva do feudalismo , em contraste com afaceta da exploracao econ6mica. 0 Estado ab solutista repr esentapara Anderson, simplesmente, 0 poder pol tt ico- juridico que impoea exp lo racao economics, a qual se da em um plano diferente,

    Com efeito, 0 deslocamento ascendente do poder pol it ico feuda ldesempenha, na tese de Anderson, 0rn esmo papel da retirad a dosgri lhoes em out ras versoes do antigo modelo. Na verdade , 0 absolu-

    tismo pareee ser ur n dos meios, se nao 0meio essencial p elo qual osgrilhoes do f eu da li sr no f or am ret ir ad os da economia Assim,d i r- se - ia que 0a bs ol ut ismo foi u rn p on to t ra ns ic io na l n ec es sa ri o e n-tre 0 feuda li smo eo capit al ismo. Pelo menos , l ivre da servidao pol l-tica d ireta, a producao mercantil teria pod ido cr escer e a economiateria pod ido segu ir suas p r6prias inclinacoes, 0 capitalisrno teriasido 0 resul tado da l iber tacao da ecoriomia, da reti rada da mao mar-ta do feudalismo e do desatrelamento dos portado res natu rais da ra-cionalidade econornica - as habitantes dos bu rgos, ou bu rgueses.

    Hi alguns problemas ernpiricos series nessa abordagem do ab-solutismo como fase aparentemente essencial da transicao do feu -dalismo para 0 capital ismo, Dentre eles, urn problema nada insignifi-cante e 0 fato de que 0 capital is rno Ingles nao desfrutou do beneficiodo absolut ismo, enquanto 0 absolutismo frances nao deu o rigem aocap italismo (tema de que falaremos mais na Par te II). Se e assirn, tal-vez seja mais plaustvel argumentar que 0 ab solutismo nao foi umafase transicional entre 0 feuda lismo e 0 capital is rno, mas, ao contra-r io , uma rota altern ativa do feudalismo. Seja como fo r, convern aomenos deixar c la ro que , sob muitosaspectos fundamentai s, a desc ri -' (ao de Anderson, como out ras explicacoes anter iores da t ransi caopara a capital ism 0, pau ta-se sob retudo na retirada dos g rilhoes deuma forma social que ja existiria - mais ou menos sern explicacao- nos in te rs tl cios do feuda li srno ,

    Apesa r de toda a sof ist icada cornplexidade da tes e deAnderson,ela e urn aprimoramento - fascinante e esclarecedor, sob muitosaspectos, mas mesmo assim urn aprimoramento - do modele mer-canti l. Os ecos dessa ant iga expli cacao fazem-se a inda mai s audfvei sna formulacao mais recente que Anderson deu a essa tese, numa re -senha que f ez do livr o de Robert B renner intitulado M er ch an ts a ndRevolution. Eis 0 que comentou Anderson a proposi to da expli cacaobrenner iana do capit al ismo como sendo, antes de mais nada, u rn f e-norneno especificamente Ingles:

    A ideia de capital ismo em urn pais, tomada literalmente, e apenas l!-mpouco mais plausivel que a de socialismo. Para Marx, o s d if er ent es mo-mentes da biografia moderna do capital foram dis tribuidos numa se-

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    25/72

    A origem do capitalisrno8 Debates rnarxistas 49

    quencia cumu lativa, d esde as cidades italian as ate as cid ades deFlandres e da Holanda, os imperios de Por tugal ou da Espanha e osportos da Pranca, antes de des serem "sisternaticamente combinadosna Inglaterra, nofim do seculo XVII". Historicamente, fazrnaissentidover 0 surgimento do capital ismo como urn processo baseado na agre-ga

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    26/72

    Alternativas rnarxistas 51

    Capitulo 3 a distribuicao da renda entre as classes,mas tarnbem para 0 cresci-mento econ6mico a longo prazo e para 0 desenvolvimento das for--ras produtivas. Esses efe.i tos divergentes de causas aparentementesimilares - padr6es demograficos sernelhantes, num modele, e in-sercao na mesma rede de cornercio crescente, no outro - seriam 0suficiente para questionar 0 status dessas causas como variaveis in-dependentes e enfraqueciam seriamente 0 poder explicativo dosmodelos dominantes. Em lugar deles, Brenner ofereceu uma pode-rosa explicacao alternativa para 0 processo sem precedentes de cres-cimento econornico auto-sustentado que seinstaurou na Inglaterrado inicio da era rnoderna. Sua explicacao concentrou-se nas confi-guracoes var iaveis das relacoes sociais de propriedade que determi-naram, em contextos diferentes, os efeitos divergentes de outrosfatores (cuja importancia ele nao descartou), taiscomo os ciclos de-mograficos ou a expansao do cornercio.

    Brenner foi clararnente influenciado por Maurice Dobb e, ernterrnos do debate original sobre a transicao, ficou claramente maisao lade deDobb que de Sweezy. Ao mesmo tempo, pode-se argu-mentar que elepartiu de algumas das mesmas questoes que haviarnincomodado Sweezy. Como este, Brenner obviamente acreditavaque urn modelo de transicao ern que dais modos deproducao anta-gonicos seconfrontam era impr6prio para lidar com a transicao dofeudalisrno para 0 capitalismo. Nao havia capitalisrno, nem mesmoern forma ernbrionaria, para desafiar a feudalismo - e isso se apli-cava nao apenas as formas pre-capitalistas de cornercio, mas tam-bern it pequena producao mercantil, tratada, It manei ra de Dobb eHilton, como uma especie de protocapitalisrno. Brenner tarnberntomou como ponto de partida a tenacidade dofeudalismo, critican-do outras descricoes da transicao por negligenciarern "a 16gica e asolidez internas" das econornias pre-capitalistas, e por funcionaremcomo seos agentes ecoriomicos viessem a adotar estrategias capita-listas toda vez que lhes fosse dada essaoportunidade - crttica que seaplica nao apenas ao modelo rnercantil, mas, sob certos aspectos, atea teoria da ascensao da pequena producao mercantil.

    Mas Brenner nao procedeu, como Sweezy,buscando algum im-pulso externo para a dissolucao do feudalismo (no contexto de cer-

    Al te rna ti va s marxi st as

    o que 0 debate sobre a transicao deixou sem explicar e sem abordarfoi como e em que circunstancias osprodutores passaram a ficar su-jeitos aos imperatives do mercado. Sempre separeceu pressupor queo capitalismo surgiu quando foram retirados as obstaculos a realiza-!Taodas oportunidades do mercado. Porern, um Dutro epis6dio nodebate perrnanente entre os marxistas aceitou 0 desafio do debatesobre a transicao, no esforco de explicar a passagem do feudalismopara 0 capitalisrno sem identificar principios capitalistas, retrospec-tivamente, nas sociedades pre-capitalistas - ou seja, sem presumirexatamente aquila que precisava ser explicado,

    o debate sabre Brennero his toriador Rober t Brenner desencadeou urn debate, em 1976,atraves de urn importante artigo, "Estrutura agraria de classes e de-senvolvimento econornico na Europa pre-industrial", publicado narevista P as t a n d P re se n t. ' Esse artigo tomou por alvo dois modelosinfluentes de explicacao hist6rica. 0 primeiro foi 0 modelo demo-grafico, cada vez mais dorninante, segundo 0 qual 0 desenvolvirnen-to econ6mico da Europa medieval acompanhou os ciclos de longoprazo do desenvolvimento populacional ~ 0 que ele denorninou demalthusianismo secular. 0 segundo foi 0 modelo mercantil,

    Brenner atacou aspr6prias bases desses modelos rivais, Ern par-ticular, enfatizou sua incapacidade de explicar 0 fato de fatores iden-ticos haverem produzido efeitos muito diferentes, opostos, a rigor,em diferentes paises, com consequencias variaveis nao somente para

    50

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    27/72

    52 A origem do capitalismo 53lteruativas marxistas

    tas relacoes de propriedade, por exernplo, 0 comercio podia Ievar eIevou, segundo ele,a urn maior rigor das forrnas de propriedadepre-capitalistas, em vez de seu afrouxamento). Ao contrario, comoDobb e Hilton, Brenner procurou uma dinamica interna do feuda-lismo. Nesse ponto, porern, chegamos a uma diferenca fundamentalentre sua abordagem e a deles:0 que ele estava buscando, explicita-mente, era uma dinarnica interna que nao pressupusesse uma 16gicacapitalista ja existente.

    A luta de classes f igura com destaque em sua argumentacao,como fizera nas deDobb e Hilton; com Brenner, no entanto, nao setrata de libertarum impulso para 0 capitalisrno, Antes, trata-se de ossenhores e as camponeses, em algumas ccndicoes especfficas que fo-ram peculiares da Inglaterra, dispararem involuntariamente umadinarnica capitalists, enquanto, no conflito de classe uns com os ou-tros, agiam no sentido desereproduzirem c om o e ra m . A consequen-cia nao pretendida foi uma situacao em que os produtores ficaramsujeitos aos imperativos do mercado. Portanto, Brenner realmentese afastou do antigo modelo e de sua tendencia a presumir jus ta-mente aquilo que precisa ser explicado.

    A explicacao deBrenner tern a ver com ascondicoes muito par-ticulares das relacoes de propriedade inglesas, e eleenfatizanao ape-nas a especificidade da Europa em re lacao a outros casas, mastarnbem as diferencas entre diversos Estados europeus. Para Bren-ner, em outras palavras, ascondicces singulares que Michael Mann,por exemplo, atribuiu a Europa em geral na Idade Media nao bastampara explicar 0 desenvolvimento do capitalismo, nern tampouco aespecificidade do processo de crescimento econornico auto-susten-tado que surgiu na Inglaterra. De fato, sua argumentacao deixa claroque a dissolucao do feudalismo tevemais deurn resultado na Europa- em parti cular, 0 capitalismo na Inglaterra e 0 absolutismo naFranca, urn absolutismo que nao foi, como para Perry Anderson,uma simples fase transicional Duma trajet6ria mais au menos unili-nea, para 0 capitalislllO.

    Na Inglaterra, uma proporcao excepcionalmente grande da ter-ra pertencia a latifundiarios e era trabalhada por arrendatarios cujascondicoes de posse daterra assumiram, cadavezmais, aforma de ar-

    rendarnentos pagos em dinheiro, cujos valores nao eram fixadospela lei ou pelos costumes, mas resporidiarn ascoridicoes do merca-do. Poder-se-ia dizer ate que existia urn mercado de arrendame ntos,Ascondicoes deposse eram tais que urn numero crescente dearren-datarios ficou sujeito aos imperativos do mercado - nao a oportuni-dade de produzirem para 0 mercado e passarem de pequenosprodutores a capitalistas, mas a necessldade dese especializarern parao mercado e produzirem de forma cornpetit iva - simplesmentepara garantirem 0 acesso aosmeios de subsistencia,

    Ao mesrno tempo, os grandes proprietaries da Inglaterra tam-bern f icaram numa situacao especial . Embora controlassem umaparcela singularmente grande das rnelhores terras, nao desfrutavarn- e, na verdade, nao precisavarn - dos tipos de poderes ex-tra-econornicos de que dependia, digamos, a aristocracia francesa,para obter grande parte de sua fortuna. A classedominante inglesadistinguia-se por sua deperidencia crescente da produtividade deseus arrendatarios, e nao por exercer urn poder coercitivo para ar-rancar deles urn excedente maior.Em outras palavras, asrelacoes depropriedade inglesas tinham 0que Brenner chamau de suas "regras de reproducao" caracteristicas,Tanto osprodutores diretos quanta as grandes proprietaries passa-ram a depender do mercado deurn modo que nao tinha precedenteshistoricos, simplesmente para garantir as condicoes de sua propriaauto-reprcducao. Essas regras geraram suas proprias leis de movi-mento singulares. 0 resultado foi a acionamento de uma nova dina-mica hist6rica: uma ruptura sem precedentes com os antigos ciclosmalthusianos, urn processo de crescirnento auto-sustentado, novaspressoes competitivas, que exerciam seu pr6prio efeito na necessida-de de aurnentar a produtividade, reconfigurando e concentrandoainda mais a posse da terra, e assim par diante. Essa nova dinarnicafoi 0 capitalismo agrario (que sera discutido com maiores detalhesna Parte II) e Ioi especifica da Inglaterra.

    Embora Brenner tenha sido visivelmente influenciado pOI Dobbe Hi lton, a dife renca entre sua tese e a deles ja deve estar clara. 0principia atuante em sua argumentacao e a cornpulsao ou imperati-vo, e nao a oportunidade, Se,par exemplo, 0 pequeno produtor

  • 5/17/2018 WOOD, Ellen Meiksins - A Origem Do Capitalismo

    28/72

    54 A origem do capitalismo 55I ternativas marxistas

    mercant il ou fazende iro desernpenha nis so um papel fundamental ,nao e como agente de uma oportunidade, mas como sujeito de urnimperat ivo. T ip icamente , os fazende iros e ram just amente a espec iede ocupantes que est ava sujeit a a s pressoes compe ti ti vas, e a te as pe-quenas proprietaries ficararn submetidos a essas pressoes, depoisque a produtividade cornpet iti va do capit al ismo agrar io f ixou os ter -mos da sobrevivencia econornica. Grandes propr ie ta rios e a rrenda-tarios passaram a depender do sucesso no mer cado, ja que a rendadaqueles dependia dos lucros destes. Ambos tinham interesse no"melhoramen to" agr ico la, no aumento da produ tiv idade por meiodo u so e de tecn icas inovador as da terra, que frequentemente imp li-cavam, entre outras coisas, a cercamento - para nao falar na cres-cente exploracao do trabalho assalariado.

    Em cer to sentido, Brenner tarnbern respondeu it pergunta deSweezy sobre a "via rea lrnente revoluc iona ri a" , 0 a rrenda ta rio capi-talista da Ing laterr a nao era apenas urn pequeno produto r transfor-made em capitalista. Sua relacao especifica com os meios deproducao e suas condicoes de acesso a pr6pr ia t er ra f izeram dele, emcerto sentido, urn capital is ts d e s d e 0 i ni ci o - ou seja, e le nao se tor-nava capitalista apenas por ter cr escido e alcancado urn nivel apro -p riado de p rosperid ade, n em tampouco apenas parque sua relativar iqueza the per rn it is se emprega r mao-de-obra assal ar iada ( rnes rnono mundo antigo , e sabido que fazendeiros nao-capital is tas empre-garam mao-de- obr a assalariada) , mas porque suas relacoes com osmeios de sua prop ria au to-rep roducao sujeitavarn -no, desde 0 ini-

    cio , jun tamente com quaisquer trabalhado res assalariado s que elese rn pr eg as sem, a os imp er at iv os d o m er ca do . A a r g u m e n t a c a o deB r en ne r t am bem d a uma c er ta c or ro bo ra ca o i\ a fi rr na ca o d e Sw e ez yde que a tran sicao do feudalismo para 0 capitalisrno foi alimentadanao pelo poder de superexploracao exerc ido pelos senhores feuda is ,mas pelas deficiencias de sua capacidade de pratiear a extorsao deseus camponeses: embora 0 Estado ingles, singularmente centraliza-do e unitario, garantisse a posicao e a propriedade dos Iatifundiariosingleses, quando seus poderes feudais revelavam-se insuficientes , es-sas rn esmas condicoes - que implicavam uma separacao in comu-mente clara entr e 0 Estado e a scciedade civil, ou entre as esferaspolit ica e econornica - privavam-no de poderes coercitivos ex-tra-econornicos de extorsao do excedente e 0 tornavam cada vezmai s dependente de meios de exploracao purarnente econornicos,

    Houve diversas criticas a Brenner e, sem duvida, algumas dasdis cordancias locali zadas quanta a aspec tos hist6r icos espedf icossao pertinentes. Mas, p ermitam-rne apenas fazer um breve esbocode algumas das criticas mais gerais que tern implicacoes para asquest5es maio res no debate sabre a t rans icao ,

    A cri ti ca de Brenner a s expli cacoes anter iores foi que , acima detudo, el as conside rava rn como dados preci samente os t races do capi-ta li smo que preci savam de expli cacao, invocando c ircu la rmente a l-gum t ipo de capit ali smo preexis tente para expli ca r 0 s u r g imen t o docapit al ismo. As cri ti cas formuladas contra e le em 0 d e ba te s a br e B re n -ne r t endera rn a repet ir e ss e e rro, nao propr iamente defendendo, mass implesmente reproduzindo os pressupos tos que e le havia contest a-do. Seus c ri ti cos, que indui ram histor iadores dernograf icos e a lgunsmarxi st as , puse ram-se contra e le a par ti r de uma visao que prcsumiaos pr6prios aspectos do capital is rno que ele havia procurado explicar.

    Assim, par exernplo, decano dos historiadores demograficos,LeRoy Ladu rie, atacou Brenner por fund ir f ato res econorn icos e po-l it icos , ao falar das class