William Hendriksen - Comentário Do Novo Testamento - Mateus - Volume 1

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William Hendriksen - Comentário Do Novo Testamento - Mateus - Volume 1

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  • COMENTRIO DO NOVO TESTAMENTO

    Mateus Volume 1

    CE

    WILLIAM HENDRIKSEN

  • N D I C E

    Relao de Abreviaturas 5 Introduo aos Evangelhos 9 I. Introduo aos Quatro Evangelhos Mateus, Marcos,

    Lucas e Joo 11 II. Introduo aos Trs Evangelhos: Mateus, Marcos

    e Lucas (os Sinticos) 15 A. Sua Origem (o Problema Sintico) 15 B. Sua Confiabilidade 82

    Introduo ao Evangelho Segundo Mateus 117 I. Caractersticas 119 II. Autoria, Data e Lugar 137 III. Propsito 145 IV. Tema e Esboo 147

    THMA GERAL: A obra que lhe deste para fazer 151

    I. Seu incio ou Inaugurao 151 Captulo 1 153 Captulo 2 211 ('aptulo 3 275 C a p t u l o 4 . 1 - 1 1 3 0 9

    II. Seu Progresso ou Continuao Captulos 4.1220.34 331 A. O Grande Ministrio Galileu 332

    Captulo 4.12-25 333 ( aptulos 57 - Primeiro Grande Discurso .... 355 ( a p t u l o s 8, 9 5 4 3

    ( aptulo 10 - Segundo Grande Discurso 629 C a p t u l o 11 6 8 1

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  • MATEUS

    Volume 2 Captulo 12 9 Captulo 13 - Terceiro Grande Discurso 63 Captulo 14 117 Captulo 15.1-20 149

    B. O Retiro e os Ministrios em Peria 168 Captulo 15.21-39 169 Captulo 16 187 Captulo 17 227 Captulo 18 - Quarto Grande Discurso 255 Captulo 19 295 Captulo 20 329

    III. Seu Clmax ou Culminao Captulos 21-28.20 ... 359

    A. A Semana da Paixo 360 Captulo 21 361 Captulo 22 405 Captulo 23 - Quinto Grande Discurso 441 Captulos 24, 25 - Sexto Grande Discurso 479 Captulo 26 553 Captulo 27 619

    B. A Ressurreio 682 Captulo 28 683

    Bibliografia Selecionada 707 Bibliografia Geral 709

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  • RELAO DE ABREVIATURAS
  • MATEUS

    M.M. The Vocabulary of the Greek Testament Illustrated from the Papyri and Other Non-Literary Sources, por James Hope Moulton and George Milligan

    N.A.S.B. New American Standard Bible (New Testament) (N.T.) Novum Testamentum Graece, organizado por D. N.N Eberhard Nestle, revisado por Erwin Nestle e Kurt

    Aland N.E.B. New English Bible N.T.C. W. Hendriksen, New Testament Commentary R.S.V. Revised Standard Version S.BK. Strack and Billerbeck, Kommentar zum Neuen

    Testament aus Talmud und Midrasch S.H.E.R.K. The New Schaff Herzog Encyclopedia of Religious

    Knowledge Th.D.N.T. Theological Dictionary of the New Testament

    (organizado por G. Kittel e F. Friedrich, e traduzido do Alemo por G. W. Bromiley

    W.B.D. Westminster Dictionary of the Bible W.H.A.B. Westminster Historical Atlas to the Bible

    B. Abreviaturas de Peridicos ATR Anglican Theological Review BG Bibel und Gemeinde BJRL Bulletin of the John Rylands Library Btr Bible Translator BW Biblical World BZ Biblische Zeitschrft CT Cuadernos teolgicos CTM Concordia Theological Monthly EB Estdios bblicos

    EQ Evangelical Quarterly ET Expository Times

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  • MATEUS

    Exp The Expositor GTT Gereformeerd theologisch tijdschrifl TBL Joiirnaul o f Biblical Literature JR Journal of Religion JTS Journal of Theological Studies NedTT Nederlands theologisch tijdschrifl NTStud New Testament Studies; an International

    Journal publicado trimestralmente sob os auspcios da. Studiorum No vi Testamenti Societcis

    PTR Princeton Theological Review RSR Recherches de science religieuse Th Theology: A Journal of Historic Christianity ThG Theologie un Glaube TR Theologia Reformada TS Theologische Studien TSK Theologische Studien und Kritiken TT Theologisch tijdschrifl WTJ Westminster Theological Journal ZNW Zeitschrift fr die neutestamentliche

    Wissenschaft und die Kunde des Urchristentums

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  • INTRODUO

    AOS

    EVANGELHOS

  • I. INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS MATEUS, MARCOS, LUCAS E JOO

    Como ponto de partida, devemos distinguir entre "o evan-gelho" e "os Evangelhos". O primeiro a mensagem de Deus aos homens. E as boas novas de Deus, o relato ou histria que nos conta o que Deus, por meio da encarnao, das andanas terrenas, dos poderosos feitos, do sofrimento, da morte e ressur-reio de seu nico Filho, fez para salvar os pecadores. E o evan-gelho ou "mensagem das boas novas", as alegres notcias de salvao endereadas a um mundo perdido no pecado. Este o termo bblico em seu sentido usual.1 No o que ns devemos fazer, mas o que Deus em Cristo j fez por ns a parte mais proeminente dessas boas novas. Todavia, o que os homens de-vem fazer para serem salvos e assim viverem suas vidas em benefcio de seus semelhantes e para a glria de Deus est tam-bm certamente includo (Mt 5.16; 11.25-30; Mc 2.17; 8.34; Lc 5.32; Jo 3.14-18).

    De acordo com o segundo e ltimo uso (ps-bblico) do ter-mo, um Evangelho freqentemente grafado com E maisculo para fazer distino entre este e o primeiro uso um dos quatro livros em que essas boas novas so expostas com autoridade.

    Desde os primrdios da histria escrita da igreja do Novo Testamento tem havido quatro, e somente quatro evangelhos, amplamente reconhecidos. Para enfatizar o fato de que eles apre-sentam um nico e o mesmo evangelho, s vezes so descritos como o "evangelho qudruplo" ou o "instrumento evanglico". Assim Tertuliano, em sua obra Contra Mareio (comeada cer-ca de 207 d.C.) declara:

    1 Ver C.N.T. sobre Fp 1.27 para uma anlise do conceito "evangelho".

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  • MATEUS

    "Postulamos como nosso princpio que o instrumento evan-glico tem apstolos como seus autores, a quem o prprio Se-nhor designou para o dever de publicar o evangelho... Desses apstolos, portanto, Joo e Mateus so os primeiros a nos in-fundir a f, enquanto os homens apostlicos, Lucas e Marcos, a renovam" (IV. 2).

    Ainda um pouco antes, numa obra que data entre 182-188 d.C., o grande telogo e viajante, Irineu, resume o que parece ter sido o consenso da igreja toda nos seus dias, nestas palavras:

    "No possvel que os Evangelhos possam ser nem mais nem menos do que eles so" (Contra Heresias III.xi.8). Talvez no possamos aceitar a validade de alguns dos fundamentos sobre as quais ele baseia esta concluso, ou seja, que o mundo est dividido em quatro zonas, que h quatro ventos principais, e que os querubins so descritos, nas Escrituras, como tendo qua-tro rostos; podemos, entretanto, encontrar nessa declarao a confirmao da posio j expressa, ou seja, que desde os dias mais antigos tem havido quatro, e somente quatro, Evangelhos amplamente reconhecidos.

    Os ttulos dos Evangelhos, como encontrados nos antigos manuscritos gregos, apontam na mesma direo. Embora tais ttulos no possam ser datados com absoluta certeza, e no fa-am parte do documento original, seno que foram subseqen-temente acrescidos por copistas, mostram que, provavelmente, antes do ano 125 d.C. os quatro livros referidos j estavam reu-nidos numa coleo para uso nas igrejas, aos quais se dava o ttulo: "segundo Mateus", "segundo Marcos", etc. Estritamente falando, a designao "segundo" "de acordo com" no indica necessariamente a autoria. Com o sentido de "redigido em harmonia com o ensinamento de" satisfaz o vocabulrio empregado. Contudo, h abundante evidncia para mostrar que os cristos primitivos davam ao ttulo uma conotao muito mais ampla, e consideravam a pessoa ali citada como sendo o verda-deiro autor. Criam num s evangelho, proclamado de forma es-crita por quatro autores em quatro livros.

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    Ora, segundo a tradio, foi o apstolo Joo quem escre-veu o ltimo dos quatro. Diz Clemente de Alexandria (entre 190-200):

    Finalmente Joo, percebendo que os fatos externos j tinham sido evidenciados nos evangelhos, sendo solicitado por seus ami-gos e inspirado pelo Esprito, comps um Evangelho espiritual.2

    Ora, nesse quarto Evangelho, a estrutura geral, como en-contrada nos outros trs, mantida; ou seja, em todos os quatro a vinda de Jesus descrita em conexo com a obra e o testemu-nho de Joo Batista; a seguem registros da entrada de Cristo na Galilia, o entusiasmo da multido e a crescente oposio, a alimentao miraculosa da multido, a confisso de Pedro, a partida para Jerusalm e a entrada triunfante nela, a ceia do Se-nhor com seus discpulos, as experincias no horto (embora no se encontre em Joo o relato da agonia do horto), a priso, o julgamento e condenao, a crucificao, a morte e ressurreio.

    Os primeiros trs Evangelhos, considerados como um gru-po, e o ltimo (Joo) se complementam entre si. Cada um de-pende do outro para ser plenamente entendido. Dessa forma que luz de Mt 10.5 ("No tomeis rumo aos gentios"), pode-mos entender a hesitao de Filipe em trazer os gregos a Jesus (Jo 12.20-22); e que, luz de Jo 1.15,29,30; 3.30 ("Convm que ele cresa e que eu diminua"), podemos entender o que Jesus disse com referncia "grandeza" de Joo Batista (Mt 11.11). A razo da viagem a Jerusalm (Mc 10.32), embora seja explicada nos sinticos (por exemplo, o versculo imediato, 10.33), ain-da mais clara em Jo 11.1 ss. A presena de Pedro no ptio do palcio do sumo sacerdote (Mt 26.58,69ss) explicada em Jo 18.15,16. O lamento de Cristo, to repassado de sentimento: "Jerusalm, Jerusalm... quantas vezes quis eu reunir os teus filhos..." (Mt 23.37-39), bem como sua defesa: "Todos os dias eu estava convosco no templo ensinando..." (Mc 14.49), quan-do os sinticos dizem to pouco a respeito desse ministrio de Jesus em Jerusalm e no templo, torna-se evidente ao estudar-2 Citado por Eusbio, Histria Eclesistica, VI.xiv.7.

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  • MATEUS

    mos Jo 2.14; 5.14; 7.14,28 [8.2]; e 10.22,23. A acusao contra Jesus, Mt 26.61 (cf. Mc 14.58): "Este diz: posso destruir o san-turio de Deus e reedific-lo em trs dias", torna-se clara quan-do a lemos em conexo com Jo 2.19. Alm disso, o tom das palavras e discursos de Jesus, como relatadas no Evangelho de Joo, de modo algum inconsistente com o tom daqueles apre-sentados nos sinticos (Jo 3.3, cf. Mt 18.3; Jo 4.35, cf. Mt 9.37; Jo 3.35; 10.15; 14.6, cf. Mt 11.27,28; etc.).3

    Apesar das alegaes em contrrio,4 no se pode apresen-tar a existncia de contradies reais entre Joo, por um lado, e Mateus, Marcos e Lucas, por outro. Todavia, tanto no estilo quanto no contedo o quarto difere dos trs em muitos aspec-tos. Assim, o Evangelho de Joo descreve, com poucas exce-es, a obra de Cristo na Judia antes que na Galilia, e dedica muito espao ao ensinamento do Senhor na forma que no seja de parbolas, mas de primorosos discursos diante de ou de-bates com amigos e/ou inimigos. Porm, o mesmo Senhor quem est falando em todos os quatro.

    3 O tema da relao entre os Sinticos e Joo tratado com mais detalhes e de forma mais completa em C.N.T. sobre Joo, pp. 12-18; 31-33. Ver tambm a dimenso que lhe dedicada em F. C. Grant, The Gospel ofSt. John, Nova York e Londres, 1956; B. F. Westcott. The Gospel according to St. John, Grand Rapids, 1954; e J. E. Davey, The Jesus ofSt. John, Londres, 1958. A elucidao mais recente e completa se encontra em Leon Morris, Studies in the Fourth Gospel, 1969; ver especialmente pp. 15-63. Ver, por exemplo, a tentativa recente feita por T. J. Baarda De Betrouwbaarheidvan de Evangelin, Kampen, 1967, pp. 12ss, onde, por meio de um mapa (p. 13), ele trata os primeiros captulos do Evangelho de Joo como se descrevessem viagens consecutivas e diz que, segundo Marcos, Jesus viaja da Galilia margem oriental do Jordo (para a alimentao dos cinco mil), porm segundo Joo foi de Jerusalm (p. 16). No est Baarda estabelecendo uma contradio entre o Evangelho de Joo e os Sinticos que no justa? Seguramente ele sabe que Joo seleciona certos eventos importantes que revelam que Jesus o Cristo, o Filho dc Deus, c que este evangelista no nos est fornecendo uma Vida de Cristo (veja-se Jo 20.30,31). Especificamente, Joo introduz a narrativa da alimentao miraculosa como segue: "Depois destas coisas", significando simplesmente, "Algum tempo depois", uma expresso muito indefinida, sem implicaes cronolgicas ou geogrficas. Ver C.N.T. sobre Jo 5.1.0 mesmo vale com respeito pretendida contradio entre os Sinticos e Joo no tocante ao dia da crucificao de Cristo. Nunca se pde provar que haja aqui um verdadeiro conflito. Veja-se a mesma obra. Jo 18.28.

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    I I . INTRODUO AOS T R S EVANGELHOS: M A T E U S , M A R C O S E LUCAS (OS SINTICOS)

    A. Sua Origem (o Problema Sintico)

    Os primeiros trs Evangelhos apresentam o mesmo ponto de vista da vida e dos ensinos de nosso Senhor; por isso so chamados Sinticos (uma viso de conjunto). So semelhantes entre si, no entanto so tambm diferentes. Segundo revela um estudo detalhado desses Evangelhos, at onde vai essa seme-lhana? E sua diferena? Que problema cria o resultado de nos-so estudo? O mesmo pode ser resolvido? Em concordncia com essas perguntas, os quatro ttulos principais deste estudo sero: 1. Sua Semelhana, pp. 15-29; 2. Sua Diferena, pp. 25-51; 3. O Problema Resultante, p. 51; 4. Os Elementos Que Entram na Soluo, pp. 51-82.

    1. Sua Semelhana

    a. Em contedo ou tema

    Ao fazer um exame, descobre-se que o evangelho de Mateus contm, em substncia, quase tudo o que contm o evangelho segundo Marcos; de fato, dos 661 versculos de Marcos, 606 (cerca de 11/12) tm paralelo em Mateus. Tambm, mais da metade de Marcos (350 vv. cerca de 53%) est reproduzido em Lucas.

    Pondo de forma diferente, o material de Marcos que se encontra em Mateus est includo em cerca de 500 dos 1.068 versculos de Mateus; portanto, alcana pouco menos da meta-de desse evangelho. Os 1.149 versculos de Lucas tm amplo espao para os 350 versculos aproveitados de Marcos; de fato, dois teros do Evangelho de Lucas no contm nenhum mate-rial de Marcos.

    Tornou-se evidente que dos 661 versculos de Marcos, so-mente 55 no tm paralelo em Mateus. Contudo, desses 55, no menos de 24 esto representados no Evangelho de Lucas. Portanto, a semelhana no contedo material to grande que Marcos tem apenas 31 versculos que podem com propriedade

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  • MATEUS

    ser chamados seus prprios. Quanto ao contedo, estes 31 versculos so como segue:

    1.1: 110 tocante ao incio do evangelho 2.27: o sbado feito para o homem, no vice-versa 3.20,21: a opinio de alguns de que Jesus estava fora de si 4.26-29: a parbola do "crescimento secreto da boa semente" 7.3,4: a explicao parenttica das purificaes dos fariseus 7.32-37: a cura do surdo-mudo 8.22-26: a cura do cego em Betsaida 9.29: o dito: "Esta casta no pode sair seno por meio de orao

    [e jejum]" 9.48,49: a referncia ao fogo que no se apaga e o ser salgado com

    fogo 14.51,52: a histria do jovem que fugiu nu.

    Os seguintes diagramas so acrescentados para, de forma mais slida, imprimir estes fatos na mente:

    B

    A = Evangelho de Mateus B = Evangelho de Marcos C = poro do Evangelho de Marcos

    com paralelo em Lucas D = poro do Evangelho de Marcos

    sem paralelo em Mateus E = poro do Evangelho de Mateus

    sem paralelo em Marcos

    A = Evangelho de Lucas B = Evangelho de Marcos C = poro do Evangelho de Marcos

    com paralelo em Lucas D = poro do Evangelho de Marcos

    sem paralelo em Lucas E = poro do Evangelho de Lucas

    em paralelo em Marcos

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    Ora, a declarao de que os trs Sinticos tm muito em comum no deve ser entendida de forma errnea. No quer di-zer que em cada Evangelho dedicado igual espao a cada tema. Ao contrrio, os diferentes relatos das obras e palavras de nosso Salvador so registrados com um grau de plenitude amplamen-te variado. Por exemplo, o registro da tentao de nosso Senhor est muito mais detalhado em Mateus e em Lucas do que em Marcos. Este simplesmente nos informa que o Esprito "impe-liu" Jesus para o deserto; que ele permaneceu ali quarenta dias, durante os quais foi tentado por Satans; que estava com as fe-ras, e que anjos o serviam (1.12,13). Mateus e Lucas, por outro lado, nos do um relato mais detalhado das trs tentaes (Mt 4.1-11; Lc 4.1-13). Por outro lado, o relato de Marcos com freqncia o mais detalhado. Leia-se, por exemplo, a histria da cura de um endemoninhado, como registrado em Mc 5.1-20; e compare a mesma com o relato mais condensado em Mt 8.28-34 e em Lc 8.26-39. Outra ilustrao Mc 5.21-43; cf. Mt 9.18-26; Lc 8.40-56.

    Feitas essas restries, podemos afirmar que os trs apre-sentam, cada um do seu prprio modo, a histria das peregrina-es terrenas de Cristo; isto , de seu ministrio, mormente na Galilia e seus arredores (em distino ao Evangelho de Joo, que pe a nfase no ministrio de Jesus na Judia, como j ficou indicado). Cada um dos trs descreve o princpio ou inaugura-o, o progresso ou continuao, o clmax ou culminao da grande tarefa que o Mediador consumou.

    (1) Seu Princpio ou Inaugurao. O material comum aos trs, e que se refere a este perodo inicial da obra de Cristo na terra, est includo em Mc 1.1-13; Mt 1.1-4.11; Lc 3.1-4.13. Intencionalmente usamos a frase "est includo em", que signi-fica que as referncias indicadas designam a extenso do pero-do. No significa que tudo o que se acha dentro dos limites des-sas referncias comum aos trs Evangelhos, porque isso no seria verdadeiro. Todavia, no momento estamos tratando daqui-lo que nos trs relatos territrio comum. As diferenas sero estudadas posteriormente.

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  • MATEUS

    Conseqentemente, os trs relatos, com maior ou menor variao de detalhes, descreve a vinda, a pregao e o modo de vida do precursor de Cristo, Joo Batista, sua recepo pelas multides e seu testemunho concernente a Jesus. Tambm nos trs registrada a histria do batismo de Jesus por Joo, bem como a das tentaes suportadas pelo Senhor no deserto. Con-tudo, nada mais do que justo dizer ainda nesta altura que a diferena entre o espao dedicado a esses temas, em Marcos, por um lado, e respectivamente, em Mateus e Lucas, por outro, to grande que esse material tambm pode ser considerado como pertencente rea que no de Marcos, mas que co-mum a Mateus e Lucas; ver p. 35.

    (2) Seu Progresso ou Continuao. De acordo com os trs relatos, Jesus faz da Galilia especialmente Cafarnaum (Mc 1.21; 2.1; cf. Mt 4.13; 8.5; 11.23; Lc 4.23,31; 7.1) seu quar-tel-general. Da, a primeira fase deste perodo ser com freqn-cia qualificada como o Grande Ministrio Galileu, que est com-preendido em Mc 1.14-7.23; Mt 4.12-15.20; e Lc 4.14-9.17. Todos os trs relatam que Jesus convida certos pescadores para serem seus seguidores, realiza muitos milagres de cura, acalma uma tempestade, expulsa demnios e ainda restaura a vida filha do governador da sinagoga de Cafarnaum. Ele se dirige s multides em parbolas, algumas das quais so comuns aos trs Evangelhos, envia os Doze como seus embaixadores, e alimen-ta miraculosamente os "cinco mil". Porm, j foi rejeitado por seu prprio povo (Mc 6.3; Mt 13.57; Lc 4.28,29).5

    A nfase agora se desloca das multides para os discpu-los; da cidade para as aldeias, o campo e a montanha. Porquanto Jesus se retira com freqncia para as regies circunvizinhas da Galilia e para lugares onde possa estar a ss com seus discpu-los essa segunda fase pode ser designada como o Ministrio do Retiro. Contudo, isso apenas um deslocamento na nfase,

    3 Em Lucas, o relato da rejeio de Cristo em Nazar aparece no princpio (4.16-31); em Marcos e Mateus aparece no final dessa seo (Mc 6.1-6; Mt 13.53-58). Quando se considera Jo 1.11. o arranjo de Lucas aqui no parece to estranho.

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    pois mesmo aqui o senhor no perde o interesse pelo povo como um todo (Mc 8.1; 9.14; etc.) nem em Cafarnaum (Mc 9.33). Mas so especialmente os Doze que esto sendo gradualmente preparados para os estranhos eventos que esto para acontecer: o sofrimento, a morte e a ressurreio do Messias. As vezes vagamente indicado o lugar ou o dia em que este ensinamento ministrado, ou onde e quando ocorre o milagre: por exemplo, "as aldeias de Cesaria de Filipe" (Mc 8.27; Mt 6.13; cf. Lc 9.18), "um monte alto" (Mc 9.2; Mt 17.1; cf. Lc 9.28), "enquan-to desciam do monte" (Mc 9.9; Mt 17.9; cf. Lc 9.37).

    A fase final desse extenso perodo, como descrito nos sinticos, apresenta Jesus indo da Galileia para a regio dalm do Jordo, ou seja, aPeria(ver Mc 10.1; Mt 17.1). No de se estranhar, pois, que o termo Ministrio da Peria tenha sido usado para descrever a localidade das atividades e viagens de Cristo nesse perodo. O pequeno grupo, liderado por Jesus, se dirige para o sul. Em seguida, o poder portentoso de Cristo se mani-festa em Jeric e suas proximidades. Em decorrncia da nature-za indefinida de muitas das ocorrncias quanto a tempo e lugar, ou, s vezes, da sua completa omisso, nem sempre possvel dizer durante que fase (a segunda ou a terceira) do extenso per-odo um dito foi pronunciado ou um evento ocorreu. Os escrito-res dos Evangelhos no esto escrevendo um dirio. Eles esto muito mais interessados em nos contar o que Jesus fez e ensi-nou do que em nos dar uma crnica contnua e diria.6

    O que comum a Marcos, Mateus e Lucas, ao descrever as atividades de Cristo durante a segunda e terceira fases (Minist-rios do Retiro e da Peria) est includo em Mc 7.24-10.52;

    '' Por essa mesma razo, nunca ser possvel provar a existncia de uma contradio cronolgica entre o Evangelho segundo Joo, de um lado, e os Sinticos, de outro. H lugar para um segundo ministrio na Judia (sobre isso, ver Joo 7.210.39 e, talvez, Lc 9.5113.21 como um todo ou em parte) intervindo entre o ministrio do retiro e o da Peria, assim como h lugar para um primeiro ministrio na Judia entre o ministrio da inaugurao e o grande ministrio da Galilia. Ver o breve sumrio no C.N.T. sobre o Evangelho segundo Joo, p. 36; e ver novamente o que se diz acima, na nota de rodap 4.

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  • MATEUS

    Mt 15.21-20.34; e Lc 9.18-19.28. Contudo, a seo de Lucas difere to notavelmente da dos outros dois, que merece um tra-tamento distinto; ver p.30. No obstante, nas trs sees indicadas so registrados assuntos tais como: a pergunta de Cristo dirigida aos discpulos: "Quem dizem os homens que eu sou?", e suas predies e ensinamentos acerca da cruz e da ressurrei-o ministradas em trs ocasies distintas (Mc 8.31; 9.31; 10.33,34; Mt 16.21; 17.22,23; 20.17-19; Lc 9.22,44; 18.31-34). Os relatos da transfigurao do Senhor no monte e da cura do menino endemoninhado no vale, um epilptico a quem os disc-pulos no puderam curar, so tambm encontrados aqui nos trs Evangelhos. O mesmo sucede tambm com a resposta de Cris-to, dramaticamente ilustrada, pergunta dos discpulos: "Quem de ns o maior?", e o dito muito consolador: "Deixem que os pequeninos venham a mim, e no tentem impedi-los, porque aos tais pertence o reino de Deus."

    No relato do "jovem rico", cuja riqueza o fizera cativo de modo tal que se negou a cumprir a exigncia de Cristo, cha-mada de forma vvida a ateno dos discpulos para o perigo das riquezas. E assim a viagem, alguns de cujos incidentes os trs relatam, mas no necessariamente numa completa ordem cronolgica, avana para sua concluso dramtica. Em Jeric, Jesus, uma vez mais, revela seu poder de realizar milagres, in-cluindo aquele da restaurao da vista. Assim, o grupinho, ten-do Jesus por lder, avana para Jerusalm e para a cruz.

    (3) Seu Clmax ou Culminao. Os eventos narrados por todos so encontrados em Mc 11-16; Mt 21-28; e Lc 19.29-24.53. Essas extensas sees descrevem os acontecimentos que transpiraram durante a semana da paixo, seguidos pela ressur-reio. Lucas acrescenta o relato da ascenso. Quase a quinta parte do Evangelho de Lucas dedicada ao tema dos amargos sofrimentos do Salvador, desde o Getsmani ao Glgota,7 e aos eventos que imediatamente os precedem. Em Marcos e Mateus, a proporo ainda maior; cerca de um tero de cada um desses 7 O nome "Getsmani" ocorre somente em Mc 14.32 e Mt 26.36, no em Lucas.

    Semelhantemente, "Glgota" encontrado somente em Mc 15.22 e Mt 27.33.

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    Evangelhos tem a ver com esses acontecimentos. Alm disso, o que certo com respeito aos Sinticos no menos vlido para Joo. Os quatro so "Evangelhos da paixo com uma extensa introduo".8 verdade, sem dvida, que "Jesus de seu trono nas alturas veio a este mundo para morrer". Por conseguinte, em oposio aos pontos de vista diversos e errneos, nunca ser demais pr nfase sobre o fato de que aqui no estamos tratan-do com Vidas de Cristo, e, sim, com Evangelhos, livros que contm as boas novas de salvao para os homens perdidos no pecado e na desgraa.

    especialmente nesses captulos finais que os trs se de-senvolvem num paralelismo surpreendente. Os trs registram os seguintes eventos: a entrada triunfal de Jesus em Jerusalm, como Prncipe da paz. As multides, com suas mentes domina-das por antegozos de glrias terrenas, lhe do boas-vindas com desenfreado entusiasmo. Chegado ao templo, notando que seu grande trio exterior havia se transformado em mercado, num antro de mafiosos, Jesus o purifica. Quando sua autoridade desafiada, mui apropriadamente ele inquire de seus crticos se o batismo de Joo o batismo praticado por esse mesmo Joo que tinha dado testemunho daquele que justamente agora est expulsando os mercadores era divino ou era simplesmente humano em sua origem. Para maior clareza, ele acrescenta a parbola dos lavradores maus. Ele responde s perguntas capci-osas de seus oponentes, e por meio de uma pergunta que lhes dirige subentende claramente que o Filho de Davi nada menos que o Senhor de Davi.

    Num discurso pblico breve em Marcos e Lucas, mas de grande extenso em Mateus ele adverte as multides con-tra os escribas e fariseus, condenando-lhes a hipocrisia. Isso seguido pelo seu discurso acerca da queda de Jerusalm e do fim do mundo.

    Os lderes tramam sua morte. Por uma soma de dinheiro, Judas concorda em entreg-lo em suas mos. Jesus ento envia s M. Khler, Der sogenannte historische Jesus und de Geschichtliche, biblische

    Christus, Munique, 1956, p. 591.

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  • MATEUS

    discpulos segundo Marcos, "dois"; segundo Lucas, "Pedro e Joo" a fazer os preparativos para a Pscoa. Durante a ceia pascal o traidor desmascarado. O Mestre prediz que ele ser abandonado por todos os discpulos, inclusive Pedro. Apesar dos veementes protestos deste, Jesus mantm sua predio. A instituio da Ceia do Senhor seguida pelas agonias no Getsmani. Com um beijo, Judas trai a Jesus. Este deixa-se agar-rar. Ele levado casa do sumo sacerdote, onde maltratado e vilipendiado. Segue-se a narrativa das trs vezes que Pedro ne-gou Jesus. De manh muito cedo o Sindrio condena Jesus. Este levado perante Pilatos, o governador romano, que o interroga a respeito de seu reino. Ante a chance de uma escolha, a multi-do pede o livramento de Barrabs, um perigoso criminoso, de preferncia a Jesus; e, instigada pelos principais sacerdotes e ancios, exige que Jesus seja crucificado. Pilatos, enfim, cede. De caminho para o local de execuo, Simo de Cirene com-pelido a carregar a cruz de Cristo. Em todos os trs Evangelhos algo dito sobre a inscrio (no cimo da cruz), as zombarias que Jesus suportou e as trs horas de trevas. Com um forte cla-mor, Jesus morre. O vu do templo partido. O centurio d seu testemunho. As mulheres que haviam seguido a Jesus desde a Galilia observam todas essas coisas e em seguida mantm vi-glia diante do sepulcro. Este era um sepulcro novo, e pertencia a Jos de Arimatia, um dos seguidores de Cristo, que obti-vera permisso de Pilatos para remover o corpo de Jesus da cruz e sepult-lo.

    Na manh do primeiro dia da semana, as mulheres, che-gando muito cedo, notam que a pedra do sepulcro fora removi-da. De um mensageiro celestial ou: de mensageiros celestiais ("dois homens com vestes resplandecentes" Lucas) rece-beram a assombrosa notcia: "Ele ressuscitou".

    b. Nas palavras gregas idnticas, ou quase idnticas em-pregadas nos relatos paralelos.

    E surpreendente como, com quanta freqncia, no apenas o pensamento contido, porm ainda as prprias palavras empre-

    22

  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    gadas no original e refletidas na traduo so as mesmas, ou quase as mesmas, nos trs relatos. Quem quiser poder ver isso por si prprio justapondo os trs trechos em que a histria da purificao de um leproso narrada (Mc 1.40-44; Mt 8.2-4; e Lc 5.12-14); ou as passagens paralelas em que Jesus defende seus discpulos por festejarem, em vez de jejuarem (Mc 2.18-22; Mt 9.14-17; e lc 5.33-39); ou o triplo relato da alimenta-o dos cinco mil (ver especialmente Mc 6.35-37; Mt 6 14.15, 16; e Lc 12,13; tambm Mc 6.41-43; Mt 14.19b,20; e Lc 9.16,17). Estes so apenas uns poucos dos exemplos que podem ser apresentados.9

    c. Na ordem dos eventos conforme so registrados nesses trs Evangelhos

    Essa semelhana na seqncia j est implcita no sumrio do contedo dos trs, como demonstrado supra, em 1 .a, (1), (2), (3). Demonstrou-se que, num sentido muito geral, a seqncia a mesma em todos os trs Evangelhos. Por exemplo, isso evi-dente a qualquer um que queira comparar a ordem em Mateus e em Marcos e notar que, com respeito ao primeiro, deve-se levar em conta seu mtodo temtico e os seis discursos. Ver pp. 42-50. E especialmente com respeito ao Evangelho de Lucas, con-tudo, que alguns vem uma dificuldade.10 Certo autor que fez um estudo do problema sintico diz: "Em Lucas, como qual-quer um que estudou sabe, distintamente mais difcil que nos outros evangelhos lembrar o arranjo e ordem dos eventos e se-

    '' B. H. Streeter, The Four Gospel, pp. 160,161, diz que uma proporo de palavras que varia entre 30% e 60% das palavras em Marcos tambm encontrada em Mateus e Lucas, enquanto muitas das palavras restantes de Marcos so comuns em Marcos e Mateus e Lucas. De Solages, em sua gigantesca obra, A Greek Synopsis of the Gospels (1.129 pginas!), Leiden, 1959, fornece listas detalhadas e muitos diagramas e tbuas. Ver tambm W. G. Rushbreah, Synoptic on, e A. Huch, Synopsis of the First Tree Gospels.

    111 Todavia, contraste-se com a observao de E. J. Goodspeed, que chama Lucas de "a delcia do harmonista", porm chama Mateus de "seu desespero", Matthew Apostle and Evangelist, Fidadlfa e Toronto, 1959, p. 116. (Daqui em diante quando o nome deste autor for citado seguido de op. cit., a referncia a este livro.)

    23

  • MATEUS

    es."" Ora, verdade que para muitos certamente difcil guardar e especialmente reter na memria a ordem exata em que seguem nesse evangelho, o mais extenso dos quatro,12

    os diversos eventos do relato dos primeiros tempos de nosso Senhor e seus muitos ditos. O que torna tudo mais difcil a circunstncia de que "duas vezes neste Evangelho, num caso ao longo de dois captulos, e noutro por mais de oito, ele (Lucas) se afasta de suas fontes, e ento, com igual clareza e de forma igual-mente despercebida, volta novamente ao seu fio derivado de Marcos".'3 Por ltimo, porm no menos importante, a ordem dos eventos e o arranjo dos ditos na seo mdia de Lucas to livre, que freqentemente se torna difcil determinar exatamen-te quando ou onde esse incidente particular ocorreu ou foi pro-nunciado aquele orculo especfico.

    Contudo, embora tudo isso seja facilmente admitido, ain-da possvel perceber um notvel grau de semelhana na or-dem dos eventos como registrados por Marcos e por Lucas. Vir-tualmente, tudo o que o estudante tem a fazer a. memorizar a ordem geral dos grandes eventos em Marcos; b. levar em conta que o captulo 7 e os captulos 10 a 17 de Lucas contm pouco material de Marcos; e c. concentrar-se nos nmeros 3 e 8. Com certas modificaes, que sero mencionadas em momento opor-tuno, algum pode ento dizer que para encontrar no Evangelho de Lucas um tema tratado em Marcos preciso adicionar 3 ao nmero do captulo nos primeiros captulos de Marcos, e 8 nos posteriores. No se pretende dizer que tudo o que ocorre no Evan-gelho de Marcos duplicado em Lucas, nem significa que quan-do os nmeros 3 e 8 so usados, o captulo exato sempre e imediatamente encontrado. s vezes preciso avanar um pou-co para o captulo seguinte. Porm, continua sendo verdadeiro que pouco mais de 1/3 do que se encontra em Marcos 1 tambm 11 J. H. Ropes, The Synoptic Gospels, Cambridge, 1960, p. 72. 12 Embora Mateus tenha 28 captulos e Lucas apenas 24, na Bblia Edio Revista e

    Atualizada no Brasil, Mateus abrange 38 pginas e Lucas 41. Alm do mais, como se observou anteriormente, Mateus tem 1.068 versculos e Lucas 1.149. Todavia, aqui se deve dar espao ao fato de que a deciso de algum a respeito das diversas variantes poderia alterar bem de leve as cifras.

    n Nap . 73, Ropes se refere indubitavelmente a Lc 6.178.3 e 9.5118.14.

    24

  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    aparece em Lucas 4 (1+3=4); cerca de 3/4 de Marcos 2 refle-tido em Lucas 5 (2+3=5). Teremos agora, uns poucos exemplos onde se adiciona 8 em vez de 3: mais da metade de Marcos 10 reproduzido em Lucas 18 (10+8=18); cerca de 2/3 de Marcos 11 tem seu eco em Lucas 19 (11+8=19); etc.

    A similaridade na ordem dos eventos, mesmo entre Mar-cos e Lucas pode, ento, ser ilustrada como segue:14

    Paralelo entre Marcos e Lucas Sabendo que um

    tema tra-tado em

    MARCOS captulo

    1

    o tema e

    Jesus vence o tentador. Ele realiza milagres em Cafar-naum: cura um endemoninhado, a sogra de Simo e muitos outros ao entardecer. Ele parte para um lu-gar deserto. Todos o buscam. Pre-ga nas sinagogas da GaJilia.

    adicione e encontre seu parale-

    lo em

    LUCAS captulo

    4

    14 Naturalmente, a coluna 2 no deve ser considerada como um esboo completo do Evangelho de Marcos. Alguns temas foram propositalmente omitidos porque no se lhe aplica a regra ("Marcos + 3 "ou" Marcos + 8"), visto que tm paralelo em outros lugares no Evangelho de Lucas, ou este os omite. No primeiro caso, o paralelo s vezes ocorre muito perto do captulo cuja indicao numrica a soma do captulo de Marcos + 3 ou + 8; por exemplo, Mc 4.1-20 no tem paralelo em Lc 7, segundo a regra 4 + 3 = 7 , seno em Lc 8.4-15; Mc 11.27-33 no tm o paralelo em Lc 19(11 +8= 19), seno Lc 20.1 -8. Portanto, claro que se a diviso de nossas Bblias em captulos tivesse sido mais coerente, seria mais fcil orientar-se em Lucas, uma vez conhecido Marcos, e seria ainda mais clara a semelhana em material e ordem do contedo em toda a sua extenso. Porm, quem disputar o fato de que como um todo Stephen Langton, a quem geralmente se atribui a diviso em captulos, fez uma tarefa excelente e til? Quem estaria disposto a criticar com severidade este homem ocupadssimo, este campeo da lei e da ordem, valente defensor da Carta Magna? Alm disso, mesmo como est, espero que a tbua se preste a dois servios teis: a. que cumpra o propsito primrio de demonstrar que os Sinticos neste caso Marcos e Lucas so deveras muito semelhantes ao registrar a ordem geral dos acontecimentos \eb. que ajude o leitor a descobrir o seu caminho nos evangelhos.

    25

  • MATEUS

    o tema

    Ele cura um paraltico, chama Levi (Mateus), e criticado por associar-se com publicanos. Res-ponde a uma pergunta sobre o je-jum. Ele cura um homem que tem uma mo mirrada e escolhe os Doze.

    Conta a parbola do Semeador e acalma uma tempestade. Cura o endemoninhado "gerase-no", ressuscita a filha de Jairo e cura a mulher que sofria de hemor-ragia.

    adicione e encontre seu

    paralelo em

    LUCAS captulo

    5

    (No h material de Marcos em Lucas 7!)15

    15 No terceiro Evangelho, depois de 6.12-16 (a designao dos Doze; cf. Mc 3.13-19). Lucas deixa por um momento de ser paralelo a Marcos. Neste ponto, o material que no aparece em Marcos se estende desde Lc 6.178.3 (ou, como alguns o vem, desde Lc 6.208.3). Lucas introduz o que popularmente conhecido como "O Sermo do Monte" (6.17-19; cf. Mt 5.1,2). Contudo, compare-se Mt 5.1 ("o monte") com Lc 6.17 ("planura"). Ele apresenta sua viso das Beatitudes (6.20-26; cf. Mt 5.3-12) e das sees cujos temas centrais so "Amai vossos inimigos" (6.27-36; cf. Mt 5.43-48); "no julgueis" (6.37-42; cf. Mt 7.1-6); "a rvore conhecida por seus frutos" (6.43-49; cf. Mt 7.13-29). Lc 7.1-10 contm o relato desse evangelista acerca da cura do servo do centurio (cf. Mt 8.5-13); 7.11-17. o da ressurreio do filho da viva: 7.18-35. o da pergunta de Joo Batista e a resposta de Cristo (cf. Mt 11.2-19); 7.36-50. o da uno dos ps de Cristo praticada por uma mulher pecadora; e 8.1-3, o das andanas de Jesus, os Doze e algumas mulheres, "pelas cidades e vilas". Em 8.4ss (a parbola do semeador), o paralelo entre Lucas e Marcos resumido uma vez mais. De fato, esta "histria terrena com significao celestial" encontrada nos trs (cf. Mc 4.1 ss e Ml 13.1 ss).

    26

  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    Sabendo que um tema

    tratado em MARCOS

    captulo

    11

    12

    13

    o tema

    Envia os Doze numa misso de pregar e curar. A perplexidade de Herodes. Os Doze regressam de sua misso. A alimentao dos cin-co mil. Jesus recebe as criancinhas. His-tria do "jovem rico" e sua aplicao. Jesus prediz o que lhe suceder em Jerusalm e d vista a um cego. Jesus entra triunfalmente em Je-rusalm e purifica o templo. Os l-deres tentam destru-lo. Ele conta a parbola dos Lavrado-res Maus (ou: "A vinha"), respon-de a perguntas capciosas e, por meio de uma contrapergunta, afir-ma que o Filho de Davi nada menos que o Senhor de Davi. Sinais do fim da exortao vigi-lncia.

    adicione e encontre seu

    paralelo em

    LUCAS captulo

    g 16

    18

    19

    20

    21

    "' No Evangelho de Lucas o que segue 9.18 (cf. Mc 6.43; e para Mc 6.44, veja-se Lc 9.14) no paralelo de Mc 6.4ss, mas "salta" para o tema discutido em Mc 8.27ss: "Quem dizem os homens que eu sou?", etc. No nono captulo, tanto de Marcos como de Lucas, so tratados temas tais como: a transfigurao de Cristo, a cura do menino epilptico, "quem o maior" e o exorcista desconhecido. Em Lc 9.51, a seo peculiar a Lucas comea e se estende at 18.14. Assim no so relatadas as histrias que se encontram em Mc 6.458.26: Jesus anda sobre o mar; responde uma pergunta concernente ao no lavar as mos; cura a filha de uma mulher siro-fencia; cura um surdo-mudo; responde ao pedido dos fariseus por um sinal do cu; e cura um cego em Betsaida. isso facilmente lembrado: Marcos 7 no tem paralelo em Lucas, nem Lucas 7 tem paralelo em Marcos.

    17 Mais da metade de Lucas 19 material que no se encontra em Marcos (a histria de Zaqueu e a parbola das minas).

    27

  • MATEUS

    o tema

    Ao aproximar-se a Pscoa, os l-deres planejam a morte de Cristo. Preparaes so feitas visando Pscoa. Instituio da "Ceia do Senhor". Predio da traio e ne-gao. O pequeno grupo parte para o Monte das Oliveiras (isto , Getsmani). A traio, priso e o julgamento diante do conselho ju-daico e a negao de Pedro. Julgamento diante de Pilatos. O povo pede que se liberte Barrabs em detrimento de Jesus. Pede que Jesus seja crucificado. Simo de Cirene. Cenas do Calvrio: a ins-crio, as zombarias, as trs horas de trevas, o alto clamor, a morte, o vu do templo se rasga, o testemu-nho do centurio, o interesse de-monstrado pelas mulheres e a par-te que toma Jos de Arimatia na retirada do corpo da cruz e em coloc-lo em seu prprio sepulcro. As mulheres observam que a pe-dra do tmulo fora retirada. Expli-cao: "Ele ressuscitou".

    A semelhana que caracteriza os sinticos tem sido assim estabelecida. Alm disso, dessa forma tem-se tornado um pou-

    adicione

    18 Lc 24.9-53 (a entrevista de Jesus com Clopas e seu companheiro, a apario em Jerusalm e a ascenso) contm muito pouco material que tenha um paralelo nos demais Sinticos.

    28

  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    co mais fcil orientar-se no estudo desses trs evangelhos. No tocante a Marcos, isso se evidencia imediatamente. Quanto a Lucas, o fato de que os captulos 1 e 2 contm as narrativas da natividade, e o captulo 3 a histria acerca de Joo Batista, acres-cida da genealogia de Jesus, j bem conhecido. A memorizao dos temas das parbolas de Lucas (ver p. 38), acrescida de uma leitura freqente de Lucas 9.51-18.14 facilitar o domnio do contedo da seo intermediria desse Evangelho. Para com-pletar o Evangelho, adicione-se a informao dada no esquema acima. Quanto a Mateus, ver pp. 40-48.

    2. Sua Diferena

    a. Em contedo ou tema No tocante s parbolas, veja-se abaixo, sob o ponto (7), pp. 36-39.

    Ainda que, como j ficou demonstrado, num sentido geral o contedo seja o mesmo para os trs evangelhos, contudo cer-tas histrias e ditos so encontrados somente em Mateus, al-guns somente em Marcos, alguns somente em Lucas, alguns somente em Mateus e Marcos, alguns somente em Marcos e Lucas e, por fim, mas no menos importante, alguns em Mateus e Lucas, exaurindo assim todas as possibilidades.

    (1) Somente em Mateus. As passagens e narrativas que so peculiares a Mateus so: a linhagem genealgica (ou seja, aque-la registrada em 1.1-17; cf. Lc 3.23-38); o nascimento de Jesus, como Mateus a narra, e a visita dos magos (1.18-2.23); a relu-tncia de Joo Batista em batizar Jesus (3.14,15); o estabeleci-mento de Jesus em Cafarnaum em cumprimento da profecia (4.13-16); seus ensinamentos e curas na Galilia (4.23-25 em parte); o Sermo do Monte (5.1-8.1), at onde no tem paralelo em Lucas e, em muito menor extenso, em Marcos; a citao de Isaas 53.4 (8.17); a cura de dois cegos e de um endemoninhado (9.27-34; o envio dos Doze (9.35-10.42), na medida em que as frases no so refletidas em Marcos e Lucas; a referncia a Joo Batista como "Elias" (11.14); o prefcio aos "ais" sobre as cida-des impenitentes (11.20); o convite "vinde a mim" (11.27-30;

    29

  • MATEUS

    porm, ver tambm Le 10.22); "misericrdia quero, e no sacri-fcio" (12.5-7); a deduo de que as obras de misericrdia so permitidas no sbado (12.11,12; ver, todavia, Lc 14.5); um mi-lagre que leva exclamao: "Seria este o Filho de Davi?" (12.22,23 em parte); "de seus tesouros tiram-se coisas novas e velhas" (13.51-53); a conduta de Pedro durante uma tempesta-de (14.28-31); "Toda planta que meu Pai celestial no plantou ser arrancada" (15.12,13); "Mandai-a embora... senhor, ajuda-me!" (15.23-25); a cura de grandes multides (15.30,31); "Vocs no podem discernir os sinais dos tempos!" (16.2,3); o fermen-to dos... saduceus (16.11,12); "Bem-aventurado s, Simo Bar-Jonas" (16.17-19); "Isto jamais te acontecer" (16.22); o medo dos discpulos com relao transfigurao de Cristo (17.6,7); a descoberta por eles de que "Elias" Joo Batista (17.13); o imposto do templo (17.24-27); Jesus e a atitude para com os pequeninos (18.3,4,10,14); exortao a perdoar um irmo em falta, inclusive regras de disciplina (18.15-20); observaes com respeito a eunucos (19.10-12); uma citao de Zc 9.9 em cone-xo com a entrada triunfal em Jerusalm (21.4,5); "Este Jesus o profeta" (21.10,11); os louvores das crianas (21.14-16); "o reino de Deus ser tirado de vocs" (21.43); o ltimo discurso de Cristo no templo, em parte (cap. 23); certas passagens de seu discurso sobre as ltimas coisas (cap. 24); "todo aquele que to-mar da espada perecer pela espada" (26.52-54; cf. Jo 18.11); o remorso e o suicdio de Judas, o traidor (27.3-10; cf. At 1.18,19); o sonho e a mensagem da esposa de Pilatos (27.19); a auto-vindicao de Pilatos, inclusive a responsabilidade do povo pela morte de Jesus (27.24,25); os inimigos citam o Salmo 22.8 no intencionalmente (27.43); vrios "milagres do Calvrio" (27.51-53); aparecimento de Cristo s mulheres (28.9,10); estabelece-se a guarda, os soldados fogem e so subornados (27.62,63; 28.2-4, 11-15); e, finalmente, a partida dos discpulos para a Galilia, onde Jesus os encontra (28.16-18,20).

    (2) Somente em Marcos. Veja-se acima, p. 15. (3) Somente em Lucas. O terceiro Evangelho, em sua se-

    o inicial, contm os seguintes e importantes relatos distinti-

    30

  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    vos: o prembulo (1.1-4); o nascimento de Joo Batista e de Jesus, e a infncia deste (1.5-2.52); a nota cronolgica com res-peito ao ministrio de Joo Batista (3.1,2); perguntas de vrios grupos ("que devemos fazer?") e sua resposta (3.10-14); uma genealogia do Messias (3.23-38); o regresso de Jesus Galilia (4.14,15; porm, ver Mc 1.14,15; Mt 4.17); uma pesca miraculo-sa, em sua maior parte peculiar a Lucas (5.1-11); os ditos de Cristo concernentes aos ricos, aos famosos e aos que empres-tam (6.24-26,34); a ressurreio do filho da viva de Naim (7,11-17); a atitude para com Jesus por parte daqueles batizados por Joo e da daqueles batizados por Ele (7.29,30); a uno dos ps de Jesus por uma mulher pecadora no lar de Simo, o fariseu (7.36-39); os que acompanhavam a Jesus (8.1-3); e a sonoln-cia dos discpulos que estavam com Jesus no monte da transfi-gurao (9.31,32).

    A seo central deste Evangelho rica em parbolas; ver item (7), pp. 36-39. Alm disso, esta seo tem os seguintes relatos e ditos exclusivos: um exemplo da falta de hospitalidade dos samaritanos (9.51-56); "qualquer um que olha para trs no apto para o reino" (9.61,62); a misso dos setenta (10.1-24), na medida em que suas frases no tm paralelo noutro evange-lho; Jesus recebido em casa de Marta e Maria (10.38-42); "Bem-aventurado" "Bem-aventurados so os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam" (11.27,28); fariseus e escribas censura-dos na casa de um fariseu (11.37-54; porm, cf. Mc 7.1ss., e vrias passagens em Mt 23); "no temam, pequenino rebanho" (12.32,33; porm, vejam-se tambm Mt 6.20; 19.21;Mc 10.21); Jesus, causador de divises (12.49-53; porm, cf. Mt 10.34-36); repreenso contra os que interpretam o aspecto do cu e no podem interpretar os sinais dos tempos em que vivem (12.54-59; cf. Mt 16.1-3); curas no sbado (13.11-17; 14.1-6); "Sennor, so poucos os que se salvam?" (13.22,23); advertncia concernente porta, que uma vez fechada no se voltar a abrir (13.25-27; cf. Mt 25.11,12); denncia de "aquela raposa", Herodes Agripa (13.31-33); os escarnecedores repreendidos

    31

  • MATEUS

    (16.14,15); a cura de dez leprosos, s um deles voltou para agra-decer (17.11-19); e a resposta de Cristo pergunta: "quando o reino de Deus vir?" (17.20-22, 28, 29, 32, 34). Boa parte de 17.20-37 tem paralelo em Mt 24.

    O que vem em seguida relatado exclusivamente ou, em alguns casos, quase exclusivamente por Lucas na seo final de seu Evangelho: o chamamento de Zaqueu (19.1-10); a solicitao dos fariseus para que Jesus repreendesse seus disc-pulos e sua resposta (19.39,40); o pranto de Jesus sobre Jerusa-lm e a predio de sua destruio (19.41-44); diversas passa-gens de seu discurso sobre "as ltimas coisas" (21.19,22,24,26, 28,34-38). Boa parte do captulo 21 , no obstante, refletida alhures, especialmente em Mc 13 e Mt 24. As palavras pronun-ciadas Mesa do Senhor e registradas exclusivamente (ou qua-se exclusivamente) pelo terceiro evangelista se encontram em 22.15-18 (porm, ver Mt 26.29); 22.28-32 e 35-38. O relato dis-tintivo das experincias de Cristo no jardim se encontra em 22.43, 44, 48, 49, 51 e 53. O olhar que despertou a memria de Pedro e lhe comoveu o corao se encontra em 22.61. Quanto verso de Lucas sobre a confisso de Cristo diante do Conselho, ver 22.68,70. De manh Jesus foi levado primeiro a Pilatos, em se-guida a Herodes (23.2,4-12). Foi levado de volta a Pilatos (23.13-19; veja-se tambm Mc 15.6-9). Outros relatos que so princi-palmente de Lucas no captulo 23 se referem a: a admoestao de Cristo dirigida a "as filhas de Jerusalm" (vv.27-36; cf. Mc 15.22,24; Mt 27.33-35); o ladro impenitente e o penitente (vv.39-41); a orao deste e a resposta de Cristo (vv.42,43); a stima "palavra da cruz" (v.46); e as multides que voltam para casa batendo no peito (v.48). H tambm uma descrio de Jos de Arimatia (v.51); um relato sobre seu ato de bondade (v 53; porm, ver Mc 15.46; Mt 27.59,60); uma nota que especifica o dia exato da semana em que Jesus foi descido da cruz e posto no sepulcro de Jos (v.54); e uma referncia s mulheres que pre-param especiarias aromticas e perfumes (v.56). O captulo fi-nal de Lucas tem o seguinte contedo peculiar quele Evange-

    32

  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    lho entre os Sinticos: o efeito que a mensagem das mulheres sobre a ressurreio causa nos apstolos (vv.10 e 11); a visita que Pedro faz ao sepulcro (v.12; cf. Jo 20.2-10); a conversao do Ressuscitado com Clopas e seu companheiro (24.13-25; cf., porm, Mc 16.12,13); a oposio aos discpulos no domingo de manh (24.36-49; porm, cf. Mc 16.14; Jo 20.19-25); e a ascen-so (24.50-53; cf., porm, Mc 16.19 e At 1.9-12).

    (4) Somente em Mateus e Marcos. Antes de tudo, h a refe-rncia ao auditrio, alimentao e s vestimentas de Joo Ba-tista (Mc 1.5,6; Mt 3.4,5). De acordo com Mc 3.7-12 e Mt 12.15-21, Jesus cura um nmero grande de pessoas, porm probe pu-blicidade. Este pargrafo tambm est em sua maior parte limi-tado a Mateus e Marcos; ver, contudo, Lc 4.41. Todavia, o deta-lhado relato de Marcos parece estar simplesmente resumido em Mt 12.15,16. Por outro lado, Mateus (vv. 17-21) adiciona a pro-fecia que se acha em Is 12.1-4, adio esta que pode, tambm, ser apensa ao item (1) acima. Em seguida, h uma referncia a muitas parbolas de Cristo (Mc 4.33,34; Mt 13.34). Uma narra-tiva bem conhecida que fica bem neste ttulo "somente em Mateus e Marcos" aquela que relata a mpia festa de ani-versrio de Herodes e, em conexo com isso, a macabra morte de Joo Batista por decapitao (Mc 6.17-29; mais breve em Mt 14.3-12).

    J se chamou nossa ateno para o fato de que Mc 6.45-8.26 "a grande omisso de Lucas" (ver p. 26). Com exceo de dois milagres de cura gradual (Mc 7.32-37 e 8.22-26; para o qual ver p. 16), todo esse material pertence tambm ao paralelo Mateus e Marcos. Inicia-se com a vvida e consoladora histria de Jesus caminhando sobre o mar (Mc 6.45-56; Mt 14.22-36). porm, nem tudo isso tem paralelo; por exemplo, Mt 14.28-31 pertence matria contida no item (1). Ento vem o ensinamento de Cristo concernente impureza cerimonial (Mc 7.1-23; Mt 15.1-20); a cura da filha de uma mulher siro-fencia (Mc 7.24-31; Mt 15.21-29); a alimentao dos cinco mil (Mc 8.1-9; Mt 15.30-38); o pedido de um sinal (Mc 8.10-12; Mt 15.39-

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  • MATEUS

    16.4); e a advertncia contra o fermento dos fariseus (Mc 8.13-21; Mt 16.5-12).

    digno de dvida se este ttulo19 deve abranger Mc 9.28,29 (cf. Mt 17.19), porm verdade que a pergunta dos discpulos "Por que no pudemos ns expuls-lo?" (Mc 9.28) reproduzida em Mt 17.19. Em conexo com a predio de Cris-to de que o Filho do homem ressuscitaria, os discpulos fazem a Jesus uma pergunta referente a Elias (Mc 9.10-13; Mt 17.10-13). O ensino de Jesus com respeito ao divrcio e a segundas npcias tambm quase completamente reservado a Marcos (10.1 -12) e Mateus (19.1-12); contudo, veja-se Lc 16.18. Ento vem o pedido dos filhos de Zebedeu (Mc 10.35-45; cf. Mt 20.20-28; porm, veja-se tambm Lc 9.48 e 22.25); e a maldio sobre a figueira infrutfera (Mc 11.12-14.20-25; cf. Mt 21.18-22; po-rm, veja-se Lc 11.9; 17.6). Embora seja verdade que o discurso escatolgico de Cristo encontra-se nos trs, essa declarao deve ser restringida; por exemplo, a predio concernente aos falsos cristos e aos falsos profetas confinada aos primeiros dois Evan-gelhos (Mc 13.21-23; Mt 24.23-25); o mesmo sucede com o fato de que no se poder predizer o dia da segunda vinda de Cristo (Mc 13.32; Mt 24.36).

    Buscar-se- debalde no Evangelho de Lucas a uno ocor-rida em Betnia. No se pode encontr-la em Lc 7.36ss., ainda que muitos paream pensar que ela a esteja. No que respeita aos sinticos, a histria aparece somente em Mc 14.3-9 e Mt 26.6-13. Fora dos Sinticos ela ocorre tambm em Jo 12.1-8. A partida para o Monte das Oliveiras, juntamente com uma im-portante predio, encontra-se tambm somente em Mc 14.26-28; Mt 26.30-32.20 O julgamento no palcio do sumo sacerdote, imediatamente depois da priso, est extensamente confinado aos dois primeiros Evangelhos (Mc 14.55-65; Mt 26.59-66), embora Lucas, tanto quanto os outros, relate os maus tratos que

    ''' Como o faz B. H. Streeter. op. cit., p. 196; porm, na pgina precedente inclui Mc 9.29 na lista de passagens de Marcos que "faltam em Mateus e Marcos".

    2" Presume-se aqui que Lc 22.39 tenha seu prprio paralelo em Mc 14.32 e Mt 26.36.

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    Jesus recebeu ali. Sobre o tema do silncio de Cristo perante Pilatos (Mc 15.2-5; Mt 27.11-14), Lucas mantm silncio! A escolha que o povo faz de Barrabs, em preferncia a Jesus, embora relatada nos trs evangelhos, encontra-se com mais de-talhes nos dois primeiros (Mc 15.6-11; Mt 27.15-21) do que em Lucas. Dois outros importantes detalhes da histria da crucifi-cao esto confinados a Marcos e Mateus, ou seja, a coroa de espinhos (Mc 15.17-20; Mt 27.29-31) e o grito de agonia de Cristo (Mc 15.34-36; Mc 27.46-49). Finalmente, excetuando Lc 24.47, a Grande Comisso est confinada aos dois primeiros Evangelhos. Embora essencialmente a mesma, as duas declara-es diferem em certos detalhes (Mc 16.15,16; Mt 28.19-21).

    (5) Somente em Marcos e Lucas. Os 24 versculos de Mar-cos que tm paralelo somente em Lucas so os seguintes: a ex-pulso de um demnio em Cafarnaum (Mc 1.23-28; Lc 4.33-37); o propsito de Cristo ao pregar (Mc 1.35-38; Lc 4.42,43); as lmpadas devem iluminar, e os ouvidos devem ouvir (Mc 4.21-24; Lc 8.16-18); o regresso dos Doze (Mc 6.30; Lc 9.10); o exorcista desconhecido (Mc 9.38-41; Lc 9.45,50); as "casas das vivas" e "as duas moedas da viva pobre" (Mc 12.40-44; Lc 20.47; 21.1-4).

    (6) Somente em Mateus e Lucas. A estimativa que h cerca de duzentos versculos comuns a ambos. Em seguida da-mos uns poucos exemplos:

    MATEUS LUCAS TEMA 3.7-10,12 3.7-9,17 Exemplo da pregao de Joo Batista 4.1-11 4.1-13 A histria das tentaes de Cristo 5.3,4,6,11,12 6.20-23 Algumas das bem-aventuranas 5.18 6.17 Acerca da lei 5.39-48 (em 6.27-36 Amai a vossos inimigos, sua maior parte) (maior parte) porque tambm Deus bom para com

    os maus. 6.9-13 11.2-4 A Orao do Senhor 6.19-21,25-33 12.22-34 No estejais ansiosos 7.7-11 11.9-13 Exortao orao 8.5-13 7.1-10 Histria da f do centurio

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  • MATEUS

    MATEUS 8.19-22 9.37,38 10.26-33 11.2-11,16-19

    LUCAS 9.57-60 10.2

    12.2-9 7.18-20, 22-28,31-35

    TEMA Implicaes do discipulado Exortao a orar por obreiros "Vocs valem mais que muitos pardais" Histria da dvida de Joo Batista, e o testemunho de Cristo acerca deste

    No tocante paixo e ressurreio no h narrativas para-lelas que sejam peculiares a Mateus e Lucas.

    (7) Parbolas. As parbolas de nosso Senhor tm sido clas-sificadas de diversas maneiras. Tambm, elas tm sido conta-das de formas diferentes. Em parte se deve ao fato de que "As Bodas do Filho do Rei" (Mt 22.1-14) e "A Grande Ceia" (Lc 14.15-24) so consideradas por alguns como variantes do que foi originalmente a mesma parbola. O texto mais antigo dessa parbola, segundo a teoria, encontra-se em Lucas. De acordo com esse ponto de vista, a reviso dela por Mateus pressupe a destrui-o da cidade de Jerusalm (70 d.C.).2' De forma semelhante, a Parbola das Minas (Lc 19.11-27) considerada por alguns como uma variante da Parbola dos Talentos (Mt 25.14-30).22

    21 Ver G. D. Kilpatrick, The Origins of the Gospel according to St. Mathew, Oxford, 1946, p. 6. Algo semelhante o ponto de vista de G. Bornkamen, Jesus von Nazareth, Stuttgart, 1956, pp. 18ss, e de C. H. Dodd, The Parables of the Kingdom, Londres, 1935, p. 121. R. V. G. Tasker, The Gospel according to St. Mathew (Tyndale New Testament Commentaries), pp. 206 e 207, se une a eles em considerar essa teoria como uma possibilidade. Ainda que ele mesmo considere mais provvel a teoria das duas parbolas, ele v Mt 22.5,6 como uma adio marginal ou glosa incorporada ao texto depois da queda de Jerusalm.

    22 De fato, S. MacLean Gilmour produziu um relato que. assim diz ele, "foi bsico para ambas as vises", The Gospel according to St. Luke (The Interpreter s Bible), Nova York c Nashville, 1952, Vol. Vlll, p. 327. Esse ponto de vista, de uma forma ou de outra, compartilhado por muitos outros, entre os quais se encontram Jlicher-Fascher, Weiss, H. Holzmann, Bultmann e Kiostermann. A. Plummer, ao contrrio, observa: "E provvel que esta [a parbola das minas] seja distinta da parbola dos talentos... E mais provvel que Jesus tenha pronunciado semelhantes parbolas em diferentes ocasies e no que Mateus ou Lucas tenham feito graves confuses quanto ao; detalhes da parbola assim como com respeito ao tempo e lugar em que foram pronunciadas". The Gospel according to St. Luke (International Critical Commentary). Nova York, 1910, p. 437.

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    Em ambos esses casos, contudo, as diferenas sobrepujam as semelhanas a uma extenso tal que pareceria no haver jus-tificativa para considerar como uma s as que o texto apresenta como duas.

    Quanto a Mt 22.1-14 e Lc 14.15-24, nos achamos sobre terreno firme ao desistirmos de todo esforo de "reconstruir", e em ambos os casos aceitamos o texto grego apresentado nas melhores edies do Novo Testamento Grego. Quando fazemos assim, notamos que h, sem dvida, uma considervel rea de semelhana entre as duas parbolas. Em ambos os casos um banquete preparado, pessoas so convidadas, as quais menos-prezam o convite, e ento os desvalidos so convidados, en-chendo-se assim a casa de hspedes. Porm, as diferenas no so ainda mais notveis? A parbola das Bodas ou Festa clas Bodas do Filho do Rei (Mt 22.1-14) consiste de trs partes distintas (ver comentrio sobre essa passagem), das quais a lti-ma falta completamente na parbola da Grande Ceia. Na pri-meira dessas duas parbolas conta-se-nos de um rei que prepara uma festa para o casamento de seu filho; na segunda, sobre um homem que preparou uma grande ceia. Na primeira, os convi-dados simplesmente "no fizeram caso" do convite; na segun-da, apresentaram excusas. Na primeira, alguns dos convidados maltrataram e at mesmo mataram os servos que lhes foram enviados com o convite; esse detalhe est completamente au-sente da segunda. Assim tambm, naturalmente, na parbola de Lucas nada h que corresponda destruio dos assassinos e de sua cidade, uma ao mencionada na parbola em Mateus. Alm disso, o cenrio histrico de ambas as parbolas difere ampla-mente. Jesus contou a parbola da Grande Ceia quando Ele mesmo se achava reclinado numa mesa como convidado. A pa-rbola da Festa das Bodas pertence a uma data posterior, ativi-dade de Cristo em Jerusalm durante a semana da Paixo.

    A situao referente parbola das Minas, comparada com a dos Talentos, semelhante. difcil ver como a histria de um nobre que d a cada um de seus servos uma pequena soma

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  • MATEUS

    de dinheiro, em quantidades iguais, possa ter algo a ver com a de um homem que confia quantidades incomparavelmente maio-res a seus servos, dando a cada um deles uma soma amplamente diferente!

    Outra razo para a diferena na contagem final das parbo-las o fato de que ainda no se conseguiu uma resposta aceit-vel a todos pergunta: "O que uma parbola?" Ainda quando se concorda que "uma parbola um smile ampliado", em dis-tino a uma alegoria que "uma metfora ampliada" distin-o til, porm no de todo correta no se conseguiu um acordo unnime. Todavia, a diferena de opinio no muito importante, j que diz respeito apenas a uns poucos dos ttulos que aparecem na seguinte lista:

    (a) Peculiares a Mateus O joio (13.24-30,36-43) O tesouro escondido (13.44) A prola de grande preo (13.45,46) A rede (13.47-50 O servo incompassivo (18.23-35) Os trabalhadores na vinha (20.1-16) Os dois filhos (21.28-32) A festa de bodas do Filho do Rei (ou as bodas do Filho do

    Rei, a festa de bodas, as bodas reais, 22.1-14) As cinco virgens prudentes e as cinco insensatas (25.1-13) Os talentos (25.14-30) (b) Peculiares a Marcos A semente que cresce em secreto (4.26-29) (c) Peculiares a Lucas Os dois devedores (7.40-50) O bom samaritano (10.29-37) O amigo importuno (ou o amigo meia-noite, 11.5-13) O rico insensato (12.13-21) Os servos vigilantes (12.35-40) A figueira estril (13.1-9) Os principais assentos (14.7-11)

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    A grande ceia (ou o convite desprezado, 14.15-24) O construtor desprevenido (14.28-30) O rei desprevenido (14.31-33) A dracma perdida (15.8-10). Na verdade, a parbola de

    uma mulher que procura a sua moeda perdida, e sua alegria ao ach-la.

    O filho prdigo (inclusive seu irmo mais velho, 15.11-32). Na verdade a parbola do amor saudoso de um pai.

    O mordomo previdente (ou o mordomo injusto, 16.1-13) O rico e Lzaro (16.19-31) O servo que lavra (ou o servo intil, 17.7-10) A viva perseverante (ou o juiz injusto, 18.1-8) O fariseu e o publicano (18.9-14) As minas (19.11-27) (d) Peculiares a Mateus e Lucas Os dois construtores (Mt 7.24-27; Lc 6.47-49) Crianas assentadas nas praas (Mt 11.16-19; Lc 7.31-35) O regresso do esprito imundo (Mt 12.43-45; Lc 11.24-26) O fermento (Mt 13.33; Lc 13.20) A ovelha perdida (Mt 18.12-14; Lc 15.1 -7). na verdade a

    parbola da busca da ovelha perdida, pelo pastor, e sua alegria ao ach-la.

    O servo fiel versus o infiel (Mt24.45-51; Lc 12.42-48) (e) Comuns aos trs Evangelhos O semeador (ou os quatro tipos de terrenos, Mc 4.3-9,

    14-20; Mt 13.3-9,18-23; Lc 8.4-15) A semente de mostarda (Mc 4.30-32; Mt 13.31,32;

    Lc 13.18,19) Os arrendatrios malvados (ou os meeiros mpios, ou a vi-

    nha, ou, para usar o ttulo antigo, os lavradores malva-dos, Mc 12.1-9; Mt 21.33-41; Lc 20.9-16)

    De tudo isso torna-se evidente que, como era vlido com respeito aos outros elementos constitutivos do contedo ou do tema dos primeiros trs Evangelhos, bem como no que concerne

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  • MATEUS

    s parbolas, h considervel variedade na distribuio. Marcos tem somente uma parbola que pode ser estritamente qualifica-da de sua, Mateus tem dez, Lucas tem dezoito,23 e h nove que aparecem em mais de um Evangelho. Assim, de acordo com essa lista, h 38 parbolas no todo. Ao ampliar-se o conceito de "parbola", alguns acrescentariam vrias outras; por exemplo, uma lmpada debaixo de uma vasilha (Mt 5.14-16 e paralelos), um remendo de pano novo em roupa velha (Mt 9.16, etc.), vi-nho novo em odres velhos (Mt 9.17, etc.) e muitas outras. Em-bora o uso da palavra "parbola" seja plenamente legtimo, de modo que o nmero total fornecido por alguns autores chega a sessenta ou ainda a oitenta, aqui seguimos a definio mais ge-ral de parbola como sendo um relato ilustrativo.

    b. No vocabulrio e estilo

    Embora seja verdade que com freqncia no s o pensa-mento, porm as prprias palavras usadas no original e refleti-das nas tradues, sejam as mesmas, ou quase as mesmas, nos trs Evangelhos, isso, contudo, nem sempre assim. Onde os relatos so paralelos e registram mais as aes que os ditos de Jesus, Marcos geralmente (no sempre!) o mais difuso. Dessar-te, na histria em que Jesus acalma uma tempestade (a registra-da em Mc 4.35-41; Mt 8.18,23-27; Lc 8.22-25), Marcos, no ori-ginal, usa 118 palavras, Lucas 94 e Mateus 85. Como j ficou expresso (ver p. 15), 606 dos versculos de Marcos (de um total de 661) so comprimidos em quinhentos versculos de Mateus.

    Essa questo de palavras facilmente se desloca para a ques-to de estilo. Todavia, visto que, com respeito a Marcos e Mateus, este tema vir a lume novamente,24 no presente contexto s 21 Lucas tambm tem seis milagres no registrados nos outros Sinticos; Mateus tem

    apenas trs peculiares ao seu Evangelho; Marcos apenas dois. Os seis de Lucas so: a pesca miraculosa (5.1-11). a ressurreio do filho da viva de Naim (7.11-17), duas curas no sbado (a cura da mulher que andava encurvada e do homem que sofria de hidropisia. 13.11 -17 e 14.1 -6), a purificao dos dez leprosos (17.11-19) e a restaurao da orelha de Malco (22.51). Cf. (3) acima.

    24 Para o estilo de Marcos, ver p. 60, para o de Mateus, pp. 60 e 124. Quanto ao estilo de Lucas, consulte-se comentrio sobre esse Evangelho.

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    necessrio assinalar, guisa de resumo, que o estilo de Marcos no somente o mais difuso, mas tambm o mais vvido; o de Mateus mais sucinto e rebuscado; e o de Lucas o mais vers-til dos trs.

    c. Na "disposio " e na ordem dos eventos registrados

    J ficou assinalado que, num sentido bem geral, a seqn-cia em que se seguem os grandes acontecimentos na peregrina-o terrena de Cristo o mesmo nos trs Evangelhos (ver pp. 18-22). No obstante, h diferenas importantes. Essas apa-recem quando algum segue, em primeiro lugar, o curso da nar-rativa de Marcos, e ento, tendo feito isso cuidadosamente, com-para-a com a histria tal como desenvolvida em Mateus e Lucas. Uma ilustrao lanar luz sobre esse fato. Os trs Evan-gelhos podem ser contemplados sob o simbolismo de trs rios.

    O primeiro rio uma corrente que flui velozmente. Seu fluxo avana em torvelinho, e de forma turbulenta, atravs de terreno escabroso. Revolve-se e se retorce, em curvas abruptas, ora direita, ora esquerda. Suas margens exibem uma paisa-gem exuberante. Assim o Evangelho de Marcos. Leiam-se os primeiros cinco captulos. Note-se quo rapidamente a ao se move, embora, naturalmente, Jesus Cristo, poderoso em pala-vras e feitos, esteja sempre no centro dela. O panorama multicor se desloca rapidamente de uma a outra paisagem, cada qual mais inspiradora. Enfocamos um vislumbre de Joo Batista, vestido de pelo de camelo. Ele est pregando e batizando. Ele batiza at mesmo aquele que confessa ser infinitamente maior do que ele mesmo (Joo). H uma mudana de cenrio, e nos mostrado um deserto onde Satans derrotado pelo Descendente da mu-lher. Esta cena, tambm, passa quase to rapidamente quanto foi introduzida. Agora vemos o Senhor proclamando "o evan-gelho do reino". Quatro pescadores surgem em cena. Eles so convocados a se fazerem "pescadores de homens". Ali seguem cenas em que se revela de forma espantosa o poder do grande Mdico, ante o espanto dos espectadores: um homem possudo de um esprito imundo curado instantaneamente; assim tam-

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  • MATEUS

    bm sucedeu sogra de Simo. E agora o sol se pe, e isso no somente no horizonte fsico, mas para muitos tambm sobre os seus dias de tristeza e desgraa: "E ao chegar a noite, ao pr-do-sol, lhe trouxeram todos os que tinham enfermidades e os que eram possudos por demnios... E ele curou muitos que tinham diversas enfermidades e expulsou muitos demnios." Certamente que foi um belo pr-do-sol! Em seguida vemos "um lugar soli-trio". onde "ainda muito cedo" o Mdico dos mdicos derrama o seu corao em orao. A orao seguida de pregao, e esta, uma vez mais, seguida pela cura. Aqui um endemoninha-do de quem expulso um esprito maligno; ali um leproso que purificado; e mais adiante, um paraltico. Os feitos de miseri-crdia so seguidos de palavras de misericrdia: concernente aos publicanos, ou em defesa da tese de que o sbado foi feito para o homem, e no vice-versa. Outros milagres so rapida-mente seguidos pelo chamamento dos Doze, por uma breve ex-posio sobre "a blasfmia contra o Esprito santo", por algu-mas parbolas, pela pacificao de uma tempestade e por novas manifestaes de poder curador, inclusive a ressurreio de um morto. Assim o Evangelho de Marcos, semelhana de um rio turbulento e pitoresco, se precipita impetuoso, at que, no cap-tulo 16, se aproxima do tmulo, com sua grande pedra removi-da. Algumas mulheres, amigas de Jesus, fogem aps ouvirem que o ocupante do tmulo o deixara vazio, ressuscitara dos mortos!

    O segundo rio muito mais sereno. No se retorce nem serpenteia como o primeiro; antes, flui suave e majestosamen-te. As vezes at mesmo h um repouso, por assim dizer, criando um lago, permanecendo ali algum tempo, e ento fluindo uma vez mais, at que novamente se alargue numa expanso seme-lhante de guas. Essa ao repetida diversas vezes antes de o rio chegar ao seu destino. Assim o Evangelho de Mateus.

    Esta composio, realmente mui bela, do princpio ao fim; mantm o hbito de deter-se por algum tempo num tema impor-tante, enquanto Marcos est sempre avanando apressadamen-te, apresentando ante os nossos olhos ora esta cena, ora aquela. E dessa forma que Marcos apresenta Joo Batista (1.1-6). O

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    mesmo faz Mateus (3.1-6; cf. Le 3.1-6). Entretanto, enquanto Marcos dedica apenas dois versculos pregao de Joo, Mateus se alonga sobre esse tema em no menos que seis versculos; Lucas ainda mais, em doze versculos. Aps um breve relato do batismo do prprio Jesus, por Joo, Marcos sumaria a tentao (1.12,13: novamente em apenas dois versculos). Mateus, no obstante, detm o fluxo dos eventos usando onze versculos para relatar as trs tentaes de forma distinta (4.1-11: cf. Lc 4.1-13). Marcos menciona o fato de que Jesus entrou na Galilia pregando o evangelho de (o reino de) Deus (1.14,15). Porm Mateus, tendo introduzido esse tema (4.17,23), dedica-lhe trs captulos, dando-nos uma amostra dessa pregao (O Sermo do Monte, 5.1-8.1). Marcos, em seu vvido relato de Jesus, pas-sa do milagre orao, pregao, ao chamamento dos disc-pulos, etc., segundo j se demonstrou, sempre se deslocando de um tema para outro. Mateus, por outro lado, agrupa as histrias de seus primeiros milagres numa narrativa quase contnua que se estende ao longo de 68 versculos (8.1-9.34), com duas bre-ves interrupes que num todo compreendem apenas treze vers-culos (8.19-22; 9.9-17). evidente que Mateus descobriu nova-mente um tema e se demora sobre ele. As seguintes colunas paralelas deixaro esclarecido. Comeando com Mateus, na pri-meira coluna, ver como esse evangelista enfeixa vrios dos mi-lagres que em Marcos esto espalhados por quatro captulos. Ele adiciona um que encontrado tambm em Lucas (a cura do servo do centurio) e outros dois. A segunda e terceira colunas revelam que em tais casos em que Lucas forma um paralelo com Marcos, o paralelo geralmente muito estreito, de modo que aqui tambm vlida a regra mencionada anteriormente (ver pp. 25-28), ou seja, o captulo de Marcos + 3 s vezes + 4 igual ao captulo de Lucas.

    Tema Mateus Marcos Lucas Um leproso 8.1-4 1.40-45 5.12-16 O servo do centurio 8.5-13 7.1-10 A sogra de Pedro 8.14,15 1.29,31 4.38,39 Muitos enfermos ao entardecer 8.16,17 1.32-34 4.40,41

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  • MATEUS

    Tema Mateus Marcos Lucas Uma tempestade 8.18,23-27 4.35-41 8.22-25 Endemoninhados gadarenos 8.28-9.1 5.1-20 8.26-39 Um paraltico 9.1-8 2.1-12 5.17-26 A mulher com fluxo de sangue 9.20-22 5.25-34 8.43-48 A filha de Jairo 9.18,19, 5.22-24, 8.40-42,

    23-26 35-43 49-56 Os dois cegos 9.27-31 Um endemoninhado mudo 9.32-34

    A mesma feio temtica tambm evidente em Mt 9.36-38, onde se enfatiza a necessidade de obreiros, seguida pelo ca-pitulo 10, o qual contm em detalhes a comisso para os obrei-ros. Contraste-se isso com os poucos versculos empregados por Marcos (6.7ss.) nessa conexo. Jesus apresentado como que falando por parbolas (Mc 4.1,2; cf. Mt 13.1-3a). Por um mo-mento, mesmo Marcos se torna temtico, por assim dizer, e realmente relata algumas dessas parbolas (4.3-32), porm um historiador impetuoso demais para permanecer a por muito tem-po. Em geral, ele aprecia relatar especialmente os feitos de Je-sus, em vez de suas palavras. Por isso, sua breve reproduo dessas parbolas ele prontamente acrescenta uma concluso su-mariada: "E com muitas parbolas como essas ele (Jesus) lhes falou a palavra" (4.33). Em seguida ele volta ao tema do Jesus operador de milagres em ao, que acalma uma violenta tem-pestade e igualmente cura um violento endemoninhado. Em con-traste, o relato das parbolas feito por Mateus muito mais ex-tenso (13.3-53). Igualmente, em Mt 18, a pergunta sobre quem era o maior se torna ocasio para um discurso extenso sobre a bondade dispensada aos pequeninos de Cristo, e, em geral, so-bre a virtude da compaixo e o exerccio do esprito perdoador. Aqui, tambm, o tratamento em Mc 9 e Lc 9 mais condensado. A censura contra os escribas e fariseus sumariada de forma sucinta em Lucas (12.38-40), porm Mateus novamente dedica um captulo inteiro ao tema (cap. 23). E ainda o discurso

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    escatolgico de Cristo cerca de duas vezes e meia mais longo em Mateus (caps. 24 e 25) do que em Marcos (cap. 13). Quando Mateus descobre um tema, ele se demora nele. Quando Marcos descobre uma ao, ele a retrata, e isso de uma maneira interes-sante e com muitos detalhes, de modo que, como j ficou ex-presso, em vrios desses casos seu relato o mais longo. O con-traste , todavia, de modo algum absoluto. Marcos, tambm, tem um alto apreo pelas palavras de Jesus, e narra muitas de-las. Porm, sua nfase posta na ao, enquanto Mateus a pe no discurso.

    Quando se apreende a estrutura bsica ou sistema de Mateus rio, lago; rio, lago; etc. , muito mais fcil algum encon-trar o caminho nesse evangelho, depois de a direo principal de Marcos ter sido gravada na memria. Para comear, um fato bem conhecido que a genealogia e a histria da natividade no so encontradas no Evangelho de Marcos, porm respecti-vamente em Mt 1.1-17 (cf. Lc 3.23-38) e 1.18-2.23 (cf. Lc 1 e 2). Marcos comea abruptamente com o relato de Joo Batista, que se encontra tanto em Mc 1 como em Mt 3. J ficou demons-trado que Mateus, em seu modo caracterstico, se detm para dar-nos uma amostra bastante extensa da pregao de Joo, en-quanto Marcos dedica apenas um par de versculos a esse tema. No surpreendente, pois, que o primeiro captulo de Marcos tenha tambm lugar para a histria da tentao de Cristo; en-quanto, ao contrrio, no Evangelho de Mateus no captulo 4 que devemos procur-lo. Igualmente, o chamamento dos pri-meiros quatro discpulos encontrado tanto em Mc 1 como em Mt 4. Mt 5 a 7, como quase todos sabemos, contm o Sermo do Monte, com seu tema: o evangelho do reino. Este discurso, o primeiro entre seis, aparece em Marcos apenas em versculos avulsos. O contedo de Mt 8 e 9 j foi notado. Por meio dessas maravilhosas obras Jesus revela seu poder real sobre o universo fsico, sobre os espritos maus e sobre o domnio da doena e da morte. No de estranhar que a pregao do evangelho do rei-no, juntamente com a exibio de milagres do reino, seja segui-da por Mt 10, onde se acha o registro do envio dos Doze como

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  • MATEUS

    embaixadores do reino, o segundo grande discurso; pelo cap-tulo 11, onde se registram as palavras de Cristo em homenagem ao arauto do reino, ou seja, Joo Batista; pelo captulo 12, onde se registra a condenao dos inimigos do reino;25 e, finalmente, por Mt 13, onde se registra o terceiro grande discurso, que con-tm as parbolas do reino.

    Isto nos conduz ao captulo 14 do Evangelho de Mateus. Falando em termos gerais dando lugar, pois, s excees , a partir de Mt 14.13 (cf. Mc 6.32) em diante, o relato de Mateus segue em paralelo ao de Marcos de forma bastante estreita. Deve-se lembrar que, na seo final do Evangelho de Lucas, a chave para orientar-se era "Marcos + 8". Ver pp. 25-28. Para orien-tarmo-nos no tocante a Mateus, o processo o mesmo. Todavia, como j foi indicado, de vez em quando Mateus se detm a fim de registrar um discurso de Jesus (o rio se dilata e se converte em lago). Ele faz isso com maior freqncia e em maior exten-so do que Marcos e Lucas. Em conseqncia, no tocante a Mateus, frmula "Marcos + 8" deve-se acrescentar gradual-mente "Marcos + 9", "Marcos + 10", etc. Portanto, note-se o seguinte esquema, no qual, para cada captulo, indicou-se so-mente um evento principal:

    Sabendo que o assunto acrescentar e achar seu um tema paralelo tratado em em MARCOS MATEUS

    captulo Captulo 6 A alimentao dos 5 mil26 8 14

    7 A cura da filha da mulher 8 15 siro-fencia

    8 "Quem dizem os homens 8 16

    A que eu sou?"

    8 17 9 A transfigurao

    25 Em Ml 16.1-12 (cf. Mc 8.11-21) esse tema prossegue. :

  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    Como j ficou demonstrado e geralmente se sabe , o captulo 18 de Mateus o quarto em que se registra o sexto discurso naquele Evangelho. Nele Jesus enfatiza a necessidade de se demonstrar bondade para com seus "pequeninos", e um esprito perdoador para com todos. O captulo se encerra com a parbola do servo inclemente. Algumas das passagens desse ca-ptulo tm paralelos em Marcos e em Lucas, porm, como uma unidade individual peculiar a Mateus.

    Isso significa, naturalmente, que, a partir de Mt 10, para localizar o paralelo em Mateus, teremos de usar a frmula "Mar-cos + 9", em vez de "Marcos + 8". Pelo fato de Mc 10 ser um captulo muito extenso (52 versculos), enquanto Mt 19 relati-vamente curto (trinta versculos), faremos bem em tratar Mc 10 como se fosse dois captulos (Mc 10a: vv. 1 -31; e Mc 10b: vv.32-52).27 para localizar o material de Mc 10b em Mateus, a frmu-la ser, ento, "Marcos + 10".

    A lista, portanto, prossegue, assim: Sabendo que tema adicione e encontre

    um tema seu paralelo tratado em em MARCOS MATEUS

    captulo captulo 10a o ensino de Cristo sobre o divr-

    cio, os pequeninos e as riquezas terrenas ("o jovem rico")

    9 19

    10b o auto-sacrifcio de Cristo ("um resgate por muitos") em contras-te com o pedido dos filhos de Zebedeu por posies de glria

    10 20

    11 Entrada triunfal em Jerusalm e 10 21 em seu templo (purificao do templo)

    12 Perguntas capciosas e respostas com autoridade

    10 22

    27 Notar a estreita similitude entre Mt 19 e Mc I Ga; Mt 19.1 -6 cf. Mc 10.1 -9; Mt 19.7-12 cf. Mc 10.11.12: Mt 19.13-15 cf. Mc 10.13-16; Mt 19.16-22 cf. Mc 10.17-22: Mt 19.23-26 cf. Mc 10.23-27; e Mt 19.27-30 cf. Mc 10.28-31. Mt 20.1-16 contm

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  • MATEUS

    Mateus 23 contm o quinto grande discurso de Cristo: os sete ais, que terminam com um comovente clmax: "Jerusalm, Jerusalm ". Esse material, em sua maior parte, est ausente em Marcos (ver, contudo, Mc 12.38-40). Portanto, tendo o Evan-gelho de Marcos como ponto de partida, a frmula para se loca-lizar em Mateus o paralelo com o prximo captulo de Marcos (=o 13) agora se converte em "Marcos + 11". Isso resulta no seguinte:

    13 | Sinais do fim e exortaes vigilncia I 11 I 24

    Em Mateus, todavia, esse tema geral da vigilncia ou seja, a fidelidade no exerccio do dever pessoal, com vistas segunda vinda de Cristo como Juiz e Galardoador prossegue no captulo seguinte, de modo que estes dois captulos (=24 e 25) contm o sexto grande discurso de Cristo. O contedo do captulo 25 (a parbola das dez virgens, a dos talentos e mais o majestoso retrato do Grande Juzo) no tem paralelo em Mar-cos e Lucas. Significa que, para o contedo de Marcos 14.15 e 16, como refletido em Mateus, a frmula agora se converte em "Marcos + 12". E assim temos o seguinte resultado:

    14 Getsmani 12 26 16 Calvrio 12 27 16 "Ele ressuscitou" 12 28

    O terceiro rio tambm muitssimo interessante. Consiste de partes que se alternam, de modo que a corrente que est na superfcie da terra d lugar a outra que subterrnea, que suponhamos , por sua vez, surge na superfcie, formando ou-tra corrente, a qual ento desce, e assim sucessivamente. O fato de que algumas das correntes so subterrneas no as faz menos interessantes do que aquelas que correm na superfcie. Nem as faz necessariamente invisveis. Algumas de nossas cavernas no

    a parbola, peculiar a Mateus, dos lavradores na vinha. Dali em diante segue o estreito paralelo, agora entre Ml 19 e Mc 10b. assim: Ml 20.17-19 cf. Mc 10.32-34: Mt 20.20-28 cf. Mc 10.35-45: e Ml 20.29-34 cl'. 10.46-52.

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    contm correntes suavemente iluminadas, equipadas para nave-gar-se em meio a pitorescos ambientes?

    Este rio, com seus fluxos alternantes, descreve o evange-lho de Lucas com seus blocos intercambiantes de material. So-bre isso Lucas difere de Mateus. Este parece que de forma algu-ma pode separar-se de Marcos. E como se o ex-publicano, de um modo que lhe peculiar, estivesse completando ou ampli-ando o esboo de Marcos. Todavia, com Lucas o caso diferen-te. De maneira geral podemos dizer que o seu Evangelho con-siste de blocos alternantes de materiais marcanos e no-marca-nos. Um bloco de material marcano de considervel extenso28

    Lc 5.12-6.16. Ele nos conta de um leproso, de um paraltico, de Levi, do jejum, dos discpulos num trigal no dia de sbado, de um homem com a mo mirrada e do chamamento dos Doze. Todo esse material encontrado tambm em Mc 1.40-3.19, em sua maior parte na mesma ordem.29 Aqui segue um bloco no-marcano (Lc 6.17-8.3); ento novamente segue um bloco marcano (Lc 8.4-9.50; cf. Mc 3.31-6.44; 8.27-9.40). Ento vem uma extensa seo no-marcana (Lc 9.51-18.14), que, por sua

    28 Quanto aos primeiros captulos de Lucas, no h evidncias de um padro que se segue de forma definida e conseqente entre os Evangelhos de Marcos e Lucas. Lc 1.13.12 (nascimento de Jesus e cronologia do incio do ministrio de Joo Batista) no tem paralelo nos outros Evangelhos. Em Lc 3.3-22 (o ministrio de Joo Batista), as passagens que no so exclusivamente de Lucas se assemelham a Mateus tanto e s vezes muito mais quanto a Marcos. A genealogia de Jesus em Lucas no tem um real paralelo com os demais Evangelhos (porm, cf. Mt 1.1-17). Lc 4.1-15 (a tentao de Jesus), apenas ligeiramente refletida em Marcos, muito mais extensa em Mateus, porm, em grande medida, exclusiva de Lucas em fraseologia e ordem. Lc 4.16-30 (rejeio em Nazar) outra vez predominantemente peculiar a Lucas (embora em certa medida tenha paralelo em Mc 6.1-6 e Mt 13.53-58). Lc 4.31-44 (primeiros milagres em Cafarnaum) tem um paralelo definido em Mc 1.21-39. seguido por Lc 5.1-11 (pesca miraculosa e "pescadores homens") que em grande parte alheio a Marcos.

    2'' Todavia, verdade que Mc 1.403.19 contm ainda mais material, especialmente um informe sobre a misso de cura (3.7-12; cf. Mt 12.15.16), intercalado entre o relato da mo mirrada e o chamamento dos Doze. Tambm certo que uma passagem como Mc 3.11 refletida melhor em Lc 4.41 do que em algum lugar em Lc 5.12 6.16. Porm, deve-se ter em mente que aqui estamos fazendo a pergunta: "Como Lucas refletido em Marcos?", antes que: "Como Marcos refletido em Lucas?"

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  • MATEUS

    vez, introduz um bloco marcano (Lc 18.15-43; cf. Mc 10.13-34, 46-52). Lc 19.1-28 (Zaqueu e a parbola das minas) no marcano. Grande parte (de modo algum todo!) do que segue nos captulos finais de Lucas tem paralelo em Marcos, porm Lucas 24.13-52 (o dilogo no caminho de Emas, etc., conclu-indo com a ascenso de Cristo) peculiar ao Evangelho de Lucas (ver, contudo, o breve resumo em Mc 16.12,13).

    Muito mais poderia ser dito sobre as variaes na ordem em que os eventos so relatados nos Sinticos. Porm, com o intuito de assinalar o problema, no ser necessrio entrar em todos os detalhes. O seguinte deve bastar. J em Mc 2.23-28, esse evangelista relata o incidente de apanhar espigas no dia de sbado. Mateus no faz meno desse incidente at quase al-canar a metade de seu Evangelho (12.1-8; cf. Lc 6.1-5). Seme-lhantemente, a cura da mo mirrada est relatado em Mc 3.1-6, mas em Mateus no antes de 12.10-13 (cf. Lc 6.6-10). A rejei-o de Cristo em Nazar est registrada em Lc 4.16-30, mas em Mateus no antes de 13.54-58 (cf. Mc 6.1-6). Em Mateus as trs tentaes esto alinhadas na seguinte ordem: "Dize a estas pe-dras que se transformem em pes", "Lana-te abaixo (do pin-culo do templo)", e "Prostra-te e me adora" (4.3,6,9). Em Lucas, contudo, inverte-se a ordem da segunda tentao e da terceira (4.7,9). E quanto seqncia dos ditos de Jesus a relatados, deve-se notar que, enquanto em Mateus 5 a 7 e Lucas 6.20-49 o Sermo do Monte apresentado como uma unidade, Lucas tam-bm lana suas mximas inspiradas atravs de vrios de seus captulos; por exemplo, cf. Lc 14.34 com Mt 5.13; cf. Lc 8.16 com Mt 5.15; cf. Lc 11.34 com Mt 6.22; e cf. Lc 11.9 com Mt 7.7. Algo semelhante sucede em conexo com Mateus 10; por exemplo, cf. Lc 12.11 comMt 10.17; cf. Lc 21.16 com Mt 10.21; cf. Lc 12.2 com Mt 10.26; cf. Lc 6.40 com Mt 10.24; e cf. Lc 17.33 com Mt 10.39. tambm, em conexo com Mateus 18; por exemplo, cf. Lc 9.48 com Mt 18.5; e cf. Lc 17.1,2 com Mt 18.6,7. E assim sucede com freqncia onde Mateus ajunta (agrupa) Lucas espalha (separa). Ambos estavam plenamente justifca-

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    dos em assim proceder. Como todos sabemos, oradores, especi-almente os que viajam, repetem algumas das coisas que disse-ram em ocasies anteriores.

    3. O Problema Resultante

    Os fatos tendo sido ora apresentados, ser evidente que o Problema Sintico consiste no fato de que, quanto ao contedo, redao e disposio, h considervel semelhana; todavia, h tambm uma notvel diferena. Se a semelhana fosse distante, no haveria problema. Por outro lado, se as divergncias fos-sem mnimas, haveria uma pronta resposta. Porm, no bem assim; e j que que a unidade quanto a diversidade se destacam, o problema real.

    O sumrio precedente tambm demonstrou: Primeiro, que cada Evangelho tem sua prpria estrutura

    distintiva. Segundo, que quando a estrutura distintiva de cada Evan-

    gelho entendida, o caminho para penetrar-se nos Sinticos fica muito menos difcil. O que se acha nas pginas precedentes pode ser til nesse sentido. A leitura repetida e o estudo diligente dos Sinticos so, naturalmente, ainda mais necessrios.

    Terceiro, que aqueles que escreveram esses Evangelhos no foram menos compiladores, seno compositores; no meros co-pistas, porm autores.

    4. Elementos que Entram Numa Soluo

    Note-se a redao do ttulo acima: no "A soluo", como se uma soluo cabal fosse possvel, mas "Elementos que en-tram numa Soluo". Uma resposta detalhada pergunta: "Como se originaram esses Evangelhos?" impossvel, pela simples razo de que nenhum dos escritores nos forneceu uma lista de suas fontes, sejam orais ou escritas. Nem mesmo Lucas em seu prlogo (1.1-4) fez isso. Porm, isso no motivo para desespe-ro. Quem quer que aborde esses sagrados escritos com um cora-o crente, convencido de que foram compostos sob a direo do Esprito Santo e que nos revelam o Jesus da Histria e, ao

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  • MATEUS

    mesmo tempo, o Cristo da f, comea a ver que o que esses livros ensinam muito mais importante do que exatamente como eles vieram existncia. Essa abordagem da f que faz poss-vel a descoberta, pelo menos, de uma soluo ampla que, em-bora deixe muitas perguntas sem resposta, possibilitar respos-tas a outras, limitando, assim, o campo do desconhecido e do incognoscvel.30

    a. Teoria da Mtua Dependncia

    Tradicionalmente, supunha-se que o autor do que se consi-derava o segundo Evangelho escrito teria usado o primeiro Evan-gelho escrito, e que o escritor do terceiro Evangelho teria usado o primeiro e o segundo. Dessarte, em sua obra The Harmony of the Gospels I.ii.4 (A Harmonia dos Evangelhos), Agostinho, depois de fazer alguns comentrios sobre Mateus, prossegue: "Marcos o segue de perto, e parece ser seu acompanhante e abreviador."

    Avaliao: De modo geral, essa teoria no explica a pre-sena de material que aparece no novo Evangelho e que est faltando no mais antigo. Especificamente, quanto relao en-tre Marcos e Mateus, se o propsito de Marcos era nos dar um sumrio de Mateus, por que teria deixado intocado, tanto mate-rial belo de Mateus? Alm disso, no h uma forte e antiga tra-dio que faz Marcos dependente da pregao de Pedro antes que do Evangelho escrito por Mateus?11 Finalmente, j foi assi-nalado (p. 16) que naqueles pargrafos onde Mateus e Marcos correm paralelamente com freqncia Marcos que contm o relato mais detalhado. Calvino estava consciente disso. Ele de-clara: "A narrativa de Marcos no tocante ao mesmo evento s vezes mais detalhada. E mais provvel, segundo minha opinio...

    -,u Da mesma opinio S. Greidanus, que em Bijbelsch Handboek, Vol.II, p. 97 (Kampers. 1935) afirma: "Se o que est narrado nos Evangelhos aceito como verdadeiro, as perguntas que consideram as possveis relaes entre os Sinticos no somente assumem uma importncia secundria, mas tambm diminuem em nmero e so mais fceis de desemaranhar."

    31 Ver pp. 56-63. 94. 95.

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  • INTRODUO AOS QUATRO EVANGELHOS

    que ele no tenha visto o livro de Mateus quando escreveu o seu prprio; dessa forma, longe est de ter expressamente intentado fazer um resumo."32

    Entretanto, embora a teoria da dependncia mtua, na for-ma apresentada por Agostinho e outros, seja inaceitvel, pode-ria ser aceitvel de alguma outra forma. Por exemplo, a menos que se tenha entregue irrevogavelmente teoria de que o Evan-gelho de Mateus deve preceder a Marcos, visto que Mateus era um dos Doze e Marcos no pertencia a esse crculo ntimo, al-gum poderia perguntar: "Se Marcos no usou o Evangelho de Mateus, no poderia Mateus ter usado o de Marcos?" Alm disso, no poderia Lucas ter usado os Evangelhos de Mateus e Marcos?

    b. A Hiptese de Um Evangelho Primitivo

    G.E. Lessing (em 1776 e 1778) e J. G. Eichhorn (em 1794) argumentaram que os trs (evangelistas) utilizaram, indepen-dentemente, um evangelho primitivo em aramaico, agora perdido.

    Avaliao: esta teoria, tambm, pode ter um elemento de valor. Todavia, qualquer que possa ser a verdade com respeito a um Evangelho primitivo em aramaico,33 e seu possvel efeito numa reviso grega posterior, a soluo proposta no oferece