Vitoria e o Porto

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 A cidade de Vitória e o porto nos princípios modernos da urbanização no início do século XX The city of Vitoria and the port in the early modern urbanization at the beginning of the 20th century Maria da Penha Smarzaro Siqueira Resumo As principais iniciativas de reforma urbana ocorri- das em Vitória no início do século XX, no ideário do poder público, aliaram saneamento, circulação e remodelação da cidade. A noção de conferir a Vitória um caráter moderno, no sentido do pro- gresso e da civilidade, apoiou-se nos discursos sanitaristas que direcionaram o projeto moder- nizador. Assim foi concebido um plano em três dimensões: as obras de estruturação e aparelha- mento do porto, saneamento da cidade e a refor- ma urbana. Seguindo o novo modelo urbanístico que predominava no Brasil em fins do século XIX e início do século XX, nos princípios da higieniza- ção/modernização europeia, Vitória aliou às refor- mas urbanas as obras do porto, enquanto agente maior do progresso do Estado e da modernização da cidade. Palavras-chave: cidade; porto; modernização; ur- banização; discurso político. Abstract The major initiatives of the urban reform project occurred in the city of Vitória at the beginning of the 20th century, considering the idea that the public power had regarding the urban action on the city combining sanitation, traffic, and urban remodeling. The intention of attributing Vitória a modern character according to the progress ideals and on behalf of the civilization development was supported by the hygienists’ speeches that gave meaning to these reforms. In this context a plan was designed in three dimensions: the structure outworks and the port rigging, the city’s sanitation and urban reform. Following the new predominant town planning model in Brazil at the end of the 19th century and during the first half of the 20th century, influenced by European sanitation/modernization ideas, Vitoria bounded the port recast to the urban reforms, as the major agent of the state progress and city modernization. Keywords : town; port; modernization; urbanization; political speech.

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Vitoria e o Porto

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  • Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010

    A cidade de Vitriae o porto nos princpios modernos

    da urbanizao no incio do sculo XX

    The city of Vitoria and the port in the early modernurbanization at the beginning of the 20th century

    Maria da Penha Smarzaro Siqueira

    ResumoAs principais iniciativas de reforma urbana ocorri-

    das em Vitria no incio do sculo XX, no iderio

    do poder pblico, aliaram saneamento, circulao

    e remodelao da cidade. A noo de conferir a

    Vitria um carter moderno, no sentido do pro-

    gresso e da civilidade, apoiou-se nos discursos

    sanitaristas que direcionaram o projeto moder-

    nizador. Assim foi concebido um plano em trs

    dimenses: as obras de estruturao e aparelha-

    mento do porto, saneamento da cidade e a refor-

    ma urbana. Seguindo o novo modelo urbanstico

    que predominava no Brasil em fins do sculo XIX

    e incio do sculo XX, nos princpios da higieniza-

    o/modernizao europeia, Vitria aliou s refor-

    mas urbanas as obras do porto, enquanto agente

    maior do progresso do Estado e da modernizao

    da cidade.

    Palavras-chave: cidade; porto; modernizao; ur-banizao; discurso poltico.

    AbstractThe major initiatives of the urban reform project occurred in the city of Vitria at the beginning of the 20th century, considering the idea that the public power had regarding the urban action on the city combining sanitation, traffic, and urban remodeling. The intention of attributing Vitria a modern character according to the progress ideals and on behalf of the civilization development was supported by the hygienists speeches that gave meaning to these reforms. In this context a plan was designed in three dimensions: the structure outworks and the port rigging, the citys sanitation and urban reform. Following the new predominant town planning model in Brazil at the end of the 19th century and during the first half of the 20th century, influenced by European sanitation/modernization ideas, Vitoria bounded the port recast to the urban reforms, as the major agent of the state progress and city modernization.

    Keywords : t own ; po r t ; modern i za t ion ; urbanization; political speech.

  • Maria da Penha Smarzaro Siqueira

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    Introduo

    O grande desenvolvimento das cidades, princi-

    palmente a partir do final do sculo XIX e incio

    do XX, tornou-se um dos principais fenmenos

    que caracterizam o mundo contemporneo. A

    modernidade se alojou nas cidades, transfor-

    mando-as em espao perfeito para reproduo

    de sua prtica, suas inovaes e suas contra-

    dies. Nesse sentido, cidade e modernidade

    sero o verso e o reverso de um novo tempo,

    marcado, simultaneamente, por um lado, de

    novos conflitos e, por outro, em meio a uma

    desconcertante abundncia de possibilidades

    (Berman, 1997, p. 21).

    Para Berman (ibid.), o sculo XX marca a

    ltima fase do projeto sociocultural da moder-

    nidade (iniciado em meados do sculo XVI),1 na

    qual se d uma grande expanso do processo

    de modernizao, abarcando o mundo todo, e

    a cultura mundial da modernidade alteraria,

    com triunfo, as condies econmicas, sociais

    e o pensamento humano, sob novos conceitos

    de poltica e valores. Nesse percurso histrico,

    a cidade vivenciou os paradigmas do moder-

    no e o iderio da modernidade em contraste

    com o antigo e com o tradicional, principal-

    mente na Europa Ocidental, onde essa noo

    representava o que estava estabelecido antes

    da industrializao, de sua expanso e de seus

    benefcios.

    A modernidade colocava novas pers-

    pectivas no processo de desenvolvimento das

    sociedades, principalmente a partir do sculo

    XVIII, com o movimento intelectual e cultural

    do Iluminismo, que exerceu profunda influn-

    cia no pensamento e nas aes da humanida-

    de, em dimenses filosficas, polticas, sociais,

    econmicas e culturais. No campo do saber, a

    razo, como exigncia universal, promove o

    desenvolvimento do saber cientfico e a racio-

    nalidade para explicar o mundo. Sob a tica do

    progresso e da modernidade, o europeu avana

    para o sculo XX expandindo o sentimento de

    civilidade expresso, principalmente, nas formas

    modernas de interaes sociais; agir, pensar e

    se sentir de forma moderna, ou seja, estabilizar

    e propagar a cultura do moderno (Rouanet,

    1999).

    na cidade que se d a realizao das

    mudanas promovidas pela modernidade, em

    um movimento dinmico, abrangente aos di-

    versos segmentos da sociedade: civil, poltico,

    econmico e religioso, estendendo-se aos de-

    mais grupos que nela vivem e sobrevivem. Sua

    infraestrutura urbana, alm de fundamental

    para o desenvolvimento econmico, promove a

    construo diversa de representaes refletindo

    a realidade socioeconmica, cultural e poltica.

    Nessa perspectiva, a ideia do progresso

    vai caminhar aliada ideia de civilidade, ne-

    cessria fora modernizadora que ultrapassa

    os limites do tradicional atraso, derrubando

    padres e valores antigos, dando lugar a no-

    vos paradigmas universais de pensamento e

    ao.

    Nessa trajetria, as cidades mudam e, no

    Brasil, a partir do final do sculo XIX e incio do

    XX, essa fora modernizadora ganha destaque

    quando se colocam em prtica aes de um dis-

    curso no qual se privilegiam a urbanizao e a

    higienizao das cidades, delimitando os distin-

    tos espaos urbanos; o poltico, o econmico, o

    habitacional e o cultural na funcionalidade da

    urbe. Aqui se estabelece o grande momento de

    mudana das cidades brasileiras, com destaque

    para as cidades porturias.

  • A cidade de Vitria e o porto...

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    Historicamente os portos so a entrada

    de mercadorias, costumes e valores, ou desva-

    lores, pensamento comum desde a antiguidade

    clssica. Os portos as cidades porturias tm

    desempenhado, ao longo dos tempos, um pa-

    pel determinante no desenvolvimento do mun-

    do moderno, constituindo-se como os principais

    "ns" de uma rede de fluxos comerciais, finan-

    ceiros, de mercadorias e de informao, em es-

    cala global (Dal Ri Jnior, 2004). A identidade

    porturia e martima das cidades sempre repre-

    senta fator estratgico de desenvolvimento e o

    porto, naturalmente, integra-se paisagem da

    cidade como uma referncia de vida urbana.

    no contexto dessas questes que de-

    senvolvemos nosso trabalho, tendo como lcus

    de pesquisa a cidade de Vitria (capital do Esp-

    rito Santo, situado no Sudeste do Brasil), e seu

    porto, na lgica da modernizao urbana do

    incio do sculo XX.

    A cidade e as mudanas urbanas no Brasil

    Desde o incio do sculo XIX, com a transfern-

    cia da sede do governo portugus para o Brasil

    e a abertura dos portos, em 1808, promovendo

    o rompimento do sistema de monoplio at en-

    to predominante, e a Independncia, em 1822,

    criaram-se novas condies para o processo de

    urbanizao. De acordo com Costa (2007, p.

    186), a interao do Brasil em movimentos in-

    ternacionais de comrcio,

    [...] eliminando a mediao portuguesa, numa fase em que o mercado internacio-nal se achava em plena expanso graas ao crescimento da populao, maior

    distribuio de riquezas e melhoria do sistema de transporte, daria novo incen-tivo s funes comerciais dos ncleos urbanos, estimulando o desenvolvimento dos portos.

    A partir da segunda metade do sculo

    XIX, comeam a ocorrer, no Brasil, alguns mo-

    vimentos importantes que vo criar novas

    perspectivas na estrutura econmica e social

    do pas, contribuindo para o desenvolvimento

    relativo do mercado interno e estimulando o

    processo de urbanizao. Nesse quadro inicial

    de mudanas se incluem, num contexto refor-

    mador, a transio do trabalho escravo para o

    trabalho livre, a instalao da rede ferroviria,

    a entrada de imigrantes estrangeiros, o movi-

    mento republicano, as tentativas de industriali-

    zao e o desenvolvimento do sistema de cr-

    ditos. Esses movimentos derrubaram obstculos

    na trajetria do Brasil para a modernidade e

    para a urbanizao (ibid.).

    O grande incremento urbano pelo qual

    passavam determinados pases europeus a par-

    tir do final do sculo XIX, refletidos nos aspec-

    tos econmico, cientfico, cultural e material,

    expressos no ideal da Belle poque,2 caracteri-

    zado por uma nova maneira de o homem ver e

    pensar o mundo, refletia-se no mundo ociden-

    tal e, principalmente, no Brasil, que buscava se

    inserir no contexto do moderno procurando

    estabelecer no pas modelos que simbolizas-

    sem civilidade dos centros mais desenvolvidos

    da Europa, que representavam o centro dinmi-

    co da modernidade e das reformas urbanas.

    No Brasil, o processo de europeizao se

    d pela importao de noes fundamentais

    do mundo moderno, ainda que inicialmente

    pelo vis da dimenso comercial. A chegada

    da modernidade europeia, pautada nas bases

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    capitalista, tardia no Estado brasileiro. No en-

    tendimento de Souza (2000), as ideias burgue-

    sas e os valores universais entram no Brasil no

    sculo XVIII atravs do movimento mercantil,

    que trazia tambm noes de civilidade a mo-

    dernidade chega ao Brasil de navio, na esteira

    da troca de mercadorias (ibid., p. 245).

    Essas consideraes nos remetem ao

    pen samento clssico de que os portos so a

    entrada de mercadorias, costumes e valores.

    No Brasil, esse movimento vai estabelecer o

    iderio da modernidade, aquele da Europa Mo-

    derna e no ibrica, que desembarca no incio

    do sculo XIX com a chegada da Famlia Real

    e que traz elementos importantes de uma or-

    dem moderna. As mudanas que passam a se

    processar no Brasil desde o incio do sculo

    XIX perpassam a noo de modernidade, im-

    pulsionando mudanas culturais, econmicas,

    ideias liberais e de conhecimento, mas como

    resultado de uma forma especfica de euro-

    peizao ou reeuropeizao. Trata-se de uma

    revalorizao de valores ocidentais da cultura

    europeia (Freire, 1990). Esse processo ganha

    vulto nas principais cidades brasileiras, a partir

    da independncia (1822), principalmente com

    a instaurao dos princpios de uma nova cul-

    tura urbana, que passa a considerar a oposio

    entre valores locais tradicionais e os valores

    europeus, mais universais e modernos, inicial-

    mente estabelecidos na cidade do Rio de Janei-

    ro, ento capital do Brasil.

    At o final do sculo XIX, as noes de

    modernidade e a modernizao, aliadas ur-

    banizao, fizeram-se dentro dos limites das

    cidades poltico-econmicas mais importan-

    tes do pas. As principais funes urbanas se

    concentraram nos centros exportadores, que

    assimilavam os princpios de modernidade

    como um cdigo de valores que implementa-

    va um modelo, na gide da civilidade europeia,

    materializando-se, sobretudo, na Inglaterra e

    na Frana. As mudanas que se processavam

    no Brasil desenvolvimento das redes de

    transportes; abolio da escravatura; imigrao

    e industrializao , enquanto agentes prticos

    que simbolizavam modernidade, estimularam

    a urbanizao, mas no foram suficientes para

    alterar de forma efetiva a orientao da econo-

    mia (Costa, 2007).

    Assim, os padres tradicionais de urba-

    nizao tambm no sofriam alteraes, com

    exceo dos principais centros porturios ex-

    portadores. As cidades permaneciam com suas

    funes urbanas limitadas e pouco se trans-

    formavam. A historiografia registra o grande

    contraste que havia entre as cidades porturias

    mais movimentadas e mais modernizadas e os

    ncleos urbanos do interior, que se mantinham

    na condio de extenses das zonas rurais. No

    final do sculo XIX e incio do XX, a industriali-

    zao viria promover a ampliao das funes

    urbanas e alterar o perfil de algumas cidades,

    incluindo cidades no porturias, mas que se

    destacavam pela existncia de um mercado

    interno mais desenvolvido e com melhor in-

    fraestrutura na rea de transporte, principal-

    mente ferrovirio. A ideia do progresso aliada

    indstria, embora em estgio principiante,

    passa a ganhar espao ao lado da prosperida-

    de promovida pela dinmica da economia ca-

    feeira (ibid.).

    Nesse contexto, novos fatores viriam a se

    somar aos j existentes, promovendo mudanas

    sociais, econmicas e urbanas nas mais impor-

    tantes capitais brasileiras, sobretudo naquelas

    de crescimento emergente, localizadas na re-

    gio Sul e Sudeste do pas.3

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    As cidades iniciaram, na ultima dcada

    do sculo XIX, um processo de modernizao

    que priorizou, notadamente, at os anos de

    1930, a infraestrutura, o saneamento/higieni-

    zao e o embelezamento urbano dos antigos

    centros, na busca pelo iderio do moderno e ci-

    vilizado. Os grandes centros urbanos brasileiros,

    num movimento sincronizado, vo perdendo as

    suas vestes arcaicas que trazem desde os tem-

    pos coloniais. Nesse movimento, observamos

    que na passagem do sculo XIX para o XX, no

    conjunto da modernizao urbana, a reforma

    porturia e o saneamento urbano entram em

    pauta como signos do progresso econmico e

    da instalao da modernidade. Exemplos des-

    te processo so a cidade do Rio de Janeiro e

    a cidade porturia de Santos, modelo seguido

    pelas demais cidades porturias do Brasil.

    O progresso cientfico na rea da sade

    contribuiu muito para a prtica higienista que

    acompanhou as transformaes implementa-

    das no espao urbano e na habitao popular

    coletiva (estalagens, cortios, casas de cmo-

    dos e vilas) que apresentavam um quadro de

    insalubridade no qual se agravavam peridicos

    surtos de epidemias que atingiam as principais

    cidades brasileiras. Para a adoo dos princ-

    pios sanitaristas nas prticas urbanas, as inicia-

    tivas exigiam, num primeiro plano, demolies

    e saneamento de reas inundveis, degradadas

    e insalubres, para promover a abertura de es-

    paos pblicos disponveis para novos investi-

    mentos urbanos, a eliminao de focos de con-

    centrao de epidemias e o estabelecimento de

    normativas para as construes. A incluso de

    alguns sistemas de infraestrutura, como redes

    de gua e de esgoto, so exemplos em que se

    percebe a incluso conectada modernizao

    urbana.

    Foi inegvel a crescente fora da ideolo-

    gia da higiene sobre alguns setores da socieda-

    de brasileira da poca, noo que vai percor-

    rer o ideal de reforma urbana at meados do

    sculo XX, aliando o pensar mdico e o saber

    tcnico da engenharia. A higiene das cidades

    tornara-se um tema para a administrao p-

    blica e os engenheiros sanitaristas se transfor-

    maram ento nos grandes pensadores urbanos

    do pas (Abreu, 2002).

    Nas cidades litorneas, essa poltica tam-

    bm se desenvolvia acompanhada de projetos

    de ampliao e modernizao das instalaes

    porturias, para adequ-las economia agro-

    exportadora e para inserir as cidades nos fluxos

    globais ligados ao movimento comercial. Assim,

    os planos de urbanizao se apoiavam em trs

    vertentes: a primeira, a do enfrentamento e eli-

    minao de epidemias com aes sanitaristas;

    a segunda, das medidas que visavam ao remo-

    delamento do espao urbano e a terceira, a da

    modernizao das estruturadas porturias.

    Os Cdigos Municipais estabeleciam as

    regras para a higienizao das propriedades

    pblicas e privadas e para a limpeza pblica da

    cidade. No que se refere fiscalizao, o poder

    pblico estabelecia Inspetorias Sanitrias, con-

    tando com fiscais do Servio Sanitrio do Esta-

    do, para o trabalho de inspeo das condies

    higinicas e para fazer cumprir as determina-

    es previstas na legislao. Nessa perspecti-

    va, leis e normas apoiadas na necessidade de

    limpar a cidade, abrir espao de circulao, are-

    jamento e no combate as doenas epidmicas

    que no representavam novidade para a po-

    pulao brasileira, ganham atualidade e so

    combinadas com as mais modernas descober-

    tas cientficas do campo biolgico (Bertucci,

    1996, p. 83).

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    A ideia da salubridade, como meio de ga-

    rantir e prevenir doenas contagiosas, aliada

    interveno transformadora no espao urbano,

    passava de forma articulada entre os planos

    de reformulao e ordenamento do espao e

    os projetos das obras de desenvolvimento do

    porto. O espao de circulao comercial, de en-

    trada e sada de mercadorias, obrigatoriamente

    deveria ser higienizado, afastando as condies

    de insalubridade e precariedade. nesse con-

    texto que o projeto de salvar a cidade de epide-

    mias que ameaavam a sade pblica priorizou

    as reformas urbanas no final do sculo XIX e

    incio do XX, em nome da modernidade.

    As cidades porturias sempre constitu-

    ram um suporte fundamental no processo de

    desenvolvimento. Com as exigncias s novas

    estratgias da reformulao urbanstica, as

    mesmas deveriam estar em sintonia com os ob-

    jetivos comuns conjugados na relao cidade-

    porto. Relao onde se cruzam, no mesmo es-

    pao de interesses interligados em favor do de-

    senvolvimento, o porto (com seu componente

    maior orientado para as relaes econmicas,

    principalmente externas, projetando a cidade

    em mbito nacional e internacional) e a cidade

    (voltada para a promoo do bem-estar de sua

    populao, conciliando o desenvolvimento eco-

    nmico com as condies de vida urbana).

    A interdependncia porto-cidade, que

    se estabelece nas cidades porturias, e a for-

    ma como ambos se afetam mutuamente em

    termos de uso do espao sempre exigiu a de-

    finio de estratgias urbansticas promovendo

    uma harmonia e uma cooperao entre o porto

    e a cidade, conciliando o movimento porturio

    e a diversidade da vida urbana.

    Nessa perspectiva, o discurso sanitaris-

    ta/higienista vai dar forma e sentido a essas

    reformas, na lgica do progresso e em nome

    do alcance da civilizao. Esse discurso estar

    presente em todas as capitais brasileiras, pro-

    movendo as reformas urbanas, com influncia

    europeia para pautar a urbanizao, os melho-

    ramentos e o embelezamento das cidades.

    No mbito das intervenes do planeja-

    mento urbano, os princpios da cidade moderna

    nas propostas para as reas centrais porturias

    estaro diretamente associados higienizao

    do espao urbano e medicina urbana, dian-

    te do rpido crescimento comercial dos portos,

    em funo da dinmica da economia cafeeira,

    que expandia as atividades e o movimento

    porturio para alm dos limites predefinidos

    tradicionalmente no espao urbano, fato que

    intensificava a associao funcional e espacial

    direta entre cidade e porto.

    De acordo com Pechman e Fritsch (1985,

    p. 142)

    A descoberta da insalubridade estava detrs da crise que se desenvolvia nas ci-dades em franco processo de crescimento [...] iria levar fundao da urbanstica moderna. A higienizao das cidades de-mandava a adoo de medidas to am-plas em seu tecido urbano que, no fim e ao cabo, sane-las acabava por significar reform-las em toda sua amplitude [...] tratava-se, em verdade, de replanejar as cidades, de escor-las em novos funda-mentos, de submet-las a novas formas de organizao.

    No incio do sculo XX, a cidade do Rio

    de Janeiro, principal porta de entrada do pas,

    maior centro urbano nacional e capital do Bra-

    sil, abrigava o mais importante porto brasileiro

    (Follis, 2004) e materializou todo o interven-

    cionismo urbano, sobretudo nas obras de me-

    lhoramentos do porto no aterro de pntanos,

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    na construo do sistema de esgoto sanitrio,

    na condenao das habitaes coletivas, e no

    apoio a um urbanismo que promovia a cons-

    truo de ruas largas e de casas higinicas

    (Abreu, 2002, p. 168), que o processo de mo-

    dernizao urbana colocou em marcha. A

    capital superava o urbano modesto do sculo

    XIX, avanando na modernizao tcnica do

    sistema urbano e na construo de um cenrio

    burgus.

    A partir do incio do sculo XX, esse pro-

    cesso de modernizao urbana, que j vinha

    sendo implementado de forma tmida, passou

    a sofrer intensas alteraes nas cidades, onde

    o poder pblico passou a colocar em prtica

    critrios tcnicos aliados ao iderio higienista,

    viabilizando as grandes reformas urbansticas.

    Reis Filho (2000, p. 100) diz que:

    As mudanas institucionais estabelecidas pela Repblica, principalmente a comple-ta [...] liberdade de organizao empresa-rial que permitiu em curto prazo o incio da explorao dos recursos tecnolgicos j disponveis no mercado internacional e a concesso de autonomia aos esta-dos e municpios, para a instalao de infra-estrutura [...] foram de fundamen-tal importncia e necessrias [...] para a modernizao tcnica do sistema urbano e dos padres urbansticos das cidades brasileiras [...].

    No final do sculo XIX e incio do XX,

    o aperfeioamento e a expanso do sistema

    ferrovirio simbolizavam o progresso no pas,

    marcando as inter-relaes entre economia

    cafeeira-ferrovia-porto. Se, de certa forma, no

    plano nacional a ampliao das ferrovias vi-

    sava atender s necessidades de integrao

    nacional, nas cidades porturias essa iniciativa

    seria coroada por razes de ordem econmica,

    era fundamental escoar o caf das distantes

    fazendas at os portos. A construo das fer-

    rovias dinamizou a comercializao do caf e

    os servios de melhoramentos dos portos. Esse

    processo veio promover as primeiras iniciati-

    vas para as novas intervenes urbanas, que

    passariam a mudar o perfil das cidades que se

    despiam das antigas configuraes coloniais

    e ganhavam um perfil urbano mais moderno,

    marcando a emergncia de um urbanismo liga-

    do ao sanitarismo e engenharia (ibid.).

    Nessa perspectiva histrica, as cidades

    porturias brasileiras, principalmente enquan-

    to espao de intercmbio comercial interno e

    externo, desenvolveram uma estreita relao

    entre o cotidiano urbano e o porto no contexto

    das reformas urbanas e os ideais de moderni-

    dade e do capitalismo.

    Em Vitria, a construo do porto e o sa-

    neamento da cidade no incio do sculo XX fo-

    ram obras interligadas no quadro de transfor-

    mao urbana e fizeram parte de um processo

    atravs do qual se reorganizaram o espao e a

    prpria face da cidade, num plano que articulou

    as obras de estruturao e o aparelhamento do

    porto, o saneamento da cidade e as primeiras

    iniciativas de reforma urbana.

    A cidade de Vitria e o porto

    No final do sculo XIX, Muniz Freire,4 presiden-

    te do estado do Esprito Santo, assim se referia

    capital (Vitria) e ao porto:

    Vitria, cidade velha de aspecto colonial, pessimamente construda, sem alinha-mento, sem esgoto, sem arquitetura, se-guindo os caprichos do territrio, apertada

  • Maria da Penha Smarzaro Siqueira

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010572

    entre a baa e um grupo de montanhas, no tem campo para desenvolver-se sem a dependncia de grandes despesas. En-tretanto possui um porto em condies admirveis, indiscutivelmente muito supe-rior a todos os outros do Estado e um dos melhores do Brasil. (Freire, 1896, p. 17)

    A cidade de Vitria5 teve seu desenvolvi-

    mento inicial nas proximidades do porto. Junto

    ao porto, em terrenos conquistados com ater-

    ros, surgiram as primeiras ruas de comrcio da

    parte baixa, onde se instalaram os trapiches. Do

    lado da colina, voltadas para o interior, havia

    algumas outras ruas ao redor de uma pequena

    enseada, aonde chegavam pequenas embarca-

    es. At o final do Imprio, as ruas estreitas, o

    porto desorganizado com trapiches, um simples

    cais de madeira, o trnsito de centenas de car-

    roas e as epidemias marcavam o espao urba-

    no da capital capixaba, que mantinha um perfil

    tipicamente colonial.

    A partir desse contexto, podemos visua-

    lizar como ocorreram as mudanas urbanas

    iniciais em Vitria, apoiadas nos marcos da

    modernidade, em princpios capitalistas e em

    valores burgueses que viriam a orientar a evo-

    luo urbana da cidade ao longo do sculo XX.

    Nessa perspectiva, estruturou-se um plano de

    reformulao urbana em trs dimenses; as

    obras de estruturao e o aparelhamento do

    porto, o saneamento da cidade e a reforma

    urbana, aspectos que marcaram o perfil socio-

    espacial da cidade, dinamizado pelo comrcio

    do caf que direcionava as relaes cidade-

    porto. O crescimento da economia cafeeira

    mostrava o que era preciso para o desenvol-

    vimento da produo e comercializao do

    caf e alertava os governos do Estado quanto

    ausncia de infraestrutura socioeconmica

    e de transporte estadual e urbana da capital

    (Siqueira, 1995).

    Apesar de toda a deficincia dos mto-

    dos de produo e dos meios de transporte, no

    final do Imprio, o Esprito Santo j marcava

    sua presena como um dos grandes produto-

    res nacionais de caf, enquadrando-se na con-

    juntura econmica brasileira, tradicionalmente

    estruturada na produo de poucos produtos

    para exportao. A agricultura de exportao

    constitua a base da econmica no Brasil, sen-

    do o caf o produto principal e maior gerador

    de rendas e riquezas, marcando a economia

    nacional, desde o incio do sculo XIX at a d-

    cada de 1930, quando o Brasil inicia seu pro-

    cesso de desenvolvimento industrial. Processo

    esse que vai superar a agricultura na compo-

    sio do Produto Nacional Bruto somente em

    meados dos anos de 1950 (Fausto, 2008).

    No Brasil, o desenvolvimento e a moder-

    nizao dos principais portos esto, ao longo

    da histria, intimamente ligados economia

    cafeeira. Em Vitria, como nas demais cidades

    porturias e exportadoras de caf, os portos

    cresceram se mantendo por muito tempo em

    condies insalubres, com o mnimo de meca-

    nizao e espaos desorganizados. Alm desse

    quadro de precariedade, as condies de higie-

    ne e salubridade do porto e da cidade compro-

    metiam o trnsito socioeconmico urbano, pro-

    piciando o aparecimento de doenas de carter

    epidmico. Esse cenrio, principalmente nos

    portos de Santos e do Rio de Janeiro, comea a

    sofrer algumas alteraes a partir da indepen-

    dncia (1822).

    Desde o meado do sculo XIX que come-

    aram a se delinear planos de melhoramentos

    dos portos, visando atender as necessidades

    sempre crescentes do movimento comercial

  • A cidade de Vitria e o porto...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 573

    martimo, principalmente em funo da expor-

    tao do caf, produto que comandava as ex-

    portaes do pas e que naturalmente passaria

    a exigir melhoramentos nas precrias condi-

    es de atracao e operacionalidades dos por-

    tos. Nessa tendncia, o porto do Rio de Janeiro,

    principal porto brasileiro e maior exportador de

    caf do pas, seguido pelo porto de Santos, so

    os marcos iniciais do processo de moderniza-

    o (organizao e aparelhamento) porturia

    nacional no final do sculo XIX. O porto de Vi-

    tria vai iniciar esse processo somente a partir

    de 1908.6

    Nos primeiros tempos da Repblica at

    a primeira dcada do sculo XX, Vitria ainda

    no havia sofrido alteraes em seu espao

    urbano, mantinha seu traado colonial, regis-

    trado nos trapiches e pequeno cais de madei-

    ra que atendiam ao porto, nas ruas estreitas

    e desalinhadas, nas edificaes, nas ladeiras

    e escadarias ligadas parte plana beirando o

    mar, a cidade alta, que concentrava a elite, e

    o poder local (poltico e religioso), na falta de

    saneamento e no contexto socioeconmico. Os

    morros e o mar marcavam os limites permitin-

    do a ocupao em uma estreita faixa na parte

    baixa da cidade expandindo-se para a parte al-

    ta fronteira ao mar. O maior problema urbano

    centrava-se na questo do saneamento. No

    se registrava nenhum tipo de infraestrutura,

    gua, esgoto e energia (Derenzi, 1965).

    Vitria abrigava em 1900 um total de

    11.850 habitantes, e as relaes de trabalho se

    concentravam principalmente nas funes ad-

    ministrativas, no comrcio e em poucas ativi-

    dades liberais (Oliveira, 2008). Todo movimen-

    to se dava no centro, nas mediaes do porto,

    notadamente na Rua da Alfndega e na Rua

    do Comrcio.7

    No incio da Repblica (1889), teve in-

    cio um modesto processo de desenvolvimento

    da cidade de Vitria, com a construo de pr-

    dios pblicos, tendo como modelo as linhas do

    urbanismo francs, alargamento de ruas para

    abrigar as novas casas comerciais e as empre-

    sas de importao e exportao de caf. A au-

    sncia de infraestrutura agravava o quadro das

    constantes epidemias que se mantinham pre-

    sentes na capital, sendo, nesse sentido, e com

    o objetivo de afastar focos de doenas, que se

    buscou alargar as ruas centrais prximas ao

    porto, onde se concentravam o comrcio, as

    primeiras casas de importao e exportao e

    a sociabilidade urbana. Entretanto, o problema

    persistia e as intervenes seguintes realiza-

    das at o final do sculo XIX e incio do s-

    culo XX, principalmente aquelas realizadas no

    primeiro governo de Muniz Freire (1892-1896),

    direcionavam-se a intervir na urbanizao do

    centro da cidade com o propsito de mudar

    as condies de precariedade com obras de

    saneamento e aterros de reas pantanosas e

    alagadias, aliando aos trabalhos, as primeiras

    tentativas de estruturao do porto de Vitria

    (Pires, 2006).

    Apesar das crises de mercado e de pro-

    duo que atingiam a economia cafeeira, a

    expanso e a prosperidade desse produto agr-

    cola, aliadas grande demanda e ao aumento

    de preos no mercado externo, diversificavam

    os comrcios locais. Em Vitria, as atividades

    comerciais relacionadas ao caf/movimento

    do porto, intensificavam a funo comercial

    da cidade. E foi para acolher e dinamizar esse

    comrcio que se desenvolveram as primeiras

    obras de aterros na parte plana da cidade, pr-

    xima ao porto, alargando e aproximando ruas

    at as mediaes do cais do Imperador.8

  • Maria da Penha Smarzaro Siqueira

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010574

    A antiga aspirao poltica de transfor-

    mar Vitria em um grande centro comercial,

    em funo do seu porto, vai comear a se ma-

    terializar a partir de 1908, no incio do governo

    de Jernimo Monteiro (1908-1912). No sentido

    de que o porto traz tradies, novos conceitos

    e negociaes, e que essa tradio divulga o

    porto e consequentemente a cidade de origem,

    Vitria, a partir desta poca, comea a se es-

    truturar num plano de urbanizao aliando

    cidade/porto. A emergncia no estava apenas

    em urbanizar a cidade, e sim em urbanizar pro-

    movendo condies para o desenvolvimento e

    expanso do porto.

    O crescimento do porto estabeleceu a

    necessidade de uma remodelao urbana, nu-

    ma concepo que envolvia aes de sade

    pblico-sanitria, medidas vinculadas aos no-

    vos pressupostos de higienizao que se alia-

    vam ao projeto de tornar o porto moderno e

    organizado, buscando eficincia comercial e

    operacional, pautada no binmio civilizao e

    progresso. Princpios que envolviam o plano de

    urbanizao da cidade em vrios aspectos.

    Nesse contexto, as principais cidades

    brasileiras no final do sculo XIX e incio do

    XX, preparavam-se para dar passagem a um

    processo de transio para uma cidade capi-

    talista. Embora a predominncia estivesse

    sob domnio do capital mercantil, a nova po-

    ltica econmica republicana era determinante

    quanto necessidade de mudanas urbanas,

    adequando as cidades ao crescimento eco-

    nmico e s atividades de exportao. Em

    Vitria, a reestruturao do espao urbano

    vai atender aos ideais da economia mercantil

    pautada num iderio universal de que as ci-

    dades representavam, o locus da modernidade

    e lugar de culminncia de novas sociabilidades

    e abrigo natural de novas ideias de progresso,

    melhoramentos e mudanas.

    As mudanas que se processaram a partir

    do governo de Jernimo Monteiro seguiram um

    novo e amplo conjunto de reformas urbanas,

    buscando incorporar capital um modelo mo-

    derno de hbitos e urbanizao, tendo o centro

    da cidade como referncia maior para implan-

    tao de obras, diante da emergncia de aes

    pblicas em investimentos em infraestrutura

    urbana.

    A centralidade da cidade, enquanto por-

    to, estava atraindo comerciantes e alterando o

    perfil da populao. Os antigos problemas ur-

    banos viam-se ampliados com o movimento do

    porto que, sem nenhuma estrutura e/ou siste-

    ma de vigilncia sanitria, agravado com a si-

    tuao urbana de insuficiente sistema de gua

    e esgoto e moradias precrias, fazia com que a

    cidade fosse constantemente assolada por epi-

    demias (Monteiro, 1909).

    Tendo como prioridade as obras de sa-

    neamento pblico da capital, os trabalhos se

    desenvolveram no sentido de estabelecer um

    sistema de gua, esgoto, energia e, inclusive,

    bondes eltricos, aterro de mangues, cons-

    truo de parques, construo de novas ruas,

    alargamento e calamento de ruas antigas,

    construo de edifcios pblicos, da Santa

    Casa de Misericrdia e enterramento de ce-

    mitrios localizados no centro da cidade per-

    tencentes s irmandades religiosas existentes

    na capital,9 construo de um novo cemitrio

    pblico, em local distante do centro e das

    mediaes da rea comercial e residencial, o

    existente ficava em anexo ao Convento de So

    Francisco, na cidade alta. Monteiro elaborou

    os primeiros processos transformadores de ur-

    banizao ocorridos em Vitria e preparou a

  • A cidade de Vitria e o porto...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 575

    cidade para um projeto maior de urbanizao

    moderna, ocorrida posteriormente no governo

    de Florentino vidos (1924-192) (Siqueira,

    1995, p. 79). A Figura 1 mostra a cidade e o

    porto em 1910.

    Toda essa preocupao relacionada

    questo de higiene na capital inseria-se num

    contexto de saneamento material e ideol-

    gico que se buscava impor aos habitantes de

    Vitria. Seria necessrio no s dotar a cida-

    de de infraestrutura, mas tambm moldar com

    hbitos higinicos as camadas sociais, desde

    as mais humildes, pois Vitria se apresentaria

    como carto postal do estado, devendo estar

    limpa e saneada em todos os aspectos (Pa-

    lcios, 2007, p. 136). Neste caso, percebemos

    que as aes se realizavam no por uma mo-

    tivao unicamente poltica e econmica, mas

    tambm pela relevncia do carter ideolgico

    do projeto modernizador da cidade, que funda-

    mentou a gesto do governo de Monteiro, num

    projeto pblico voltado para a reformulao do

    espao urbano, buscando atender um conjunto

    de demandas socioeconmicas e polticas in-

    terligadas num quadro de mudanas gerais da

    capital.

    Figura 1 Cidade e porto em 1910

    Fonte: Acervo da Biblioteca Pblica Estadual. Vitria.ES. Vista de Vitria em 1910. Cais do Imperador e Cais da Alfndega.

  • Maria da Penha Smarzaro Siqueira

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010576

    O perfil urbano de Vitria muda a partir

    da primeira dcada do sculo XX, reforando as

    funes urbanas da cidade no sentido comer-

    cial. At os anos 1950, Vitria vai manter sua

    funo administrativa, enquanto sede poltica

    do governo estadual, aliada funo comer-

    cial e de prestao de servios. O espao

    urbano expressava a modelao impressa pela

    lgica comercial (Campos Jnior, 2002, p. 45).

    A dinmica econmica local dava-se pelo mo-

    vimento comercial do porto voltado, eminente-

    mente, para o comrcio exportador do caf.

    A funo de porto natural da capital

    capixaba permitia acessibilidade do caf, em

    princpio s da regio central e posteriormente

    de todo estado, a outras regies do pas e ao

    mercado externo. Tal condio dava a Vitria

    a especificidade para desenvolver os servios

    porturios atrelados funo comercial (ibid.,

    p. 46).

    Para isso, foram projetados inicialmente

    os aterros de mangues e reas alagadias da

    regio central da cidade e aterros ao longo da

    parte fronteira ao Palcio do Governo (regio

    de abrigo do Cais do Imperador), para alarga-

    mento de ruas, possibilitando as obras do porto

    de Vitria. Regio nobre e privilegiada da cida-

    de, a rea do cais do porto completava o ce-

    nrio composto pelo antigo conjunto arquite-

    tnico, a escadaria, o palcio e a Igreja de So

    Tiago, aglomerado na cidade alta em frente ao

    mar. Esse conjunto foi despido do simples estilo

    colonial para receber uma nova roupagem com

    a completa reconstruo do Palcio do Gover-

    no e seu conjunto, seguindo um estilo fran-

    cs, nobre, moderno e suntuoso (Bittencourt,

    Figura 2 Palcio Anchieta e escadaria 1908

    Fonte: Arquivo Pblico Estadual. Vitria. ES. Palcio Anchieta e escadaria em 1908. Em frente ao Cais do Imperador.

  • A cidade de Vitria e o porto...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 577

    2006).10 Nesse plano de reconstruo, a fren-

    te do palcio se transporta da lateral (lado da

    Igreja So Tiago para a parte fronteira ao Cais

    do Imperador, ficando o ponto nobre da cida-

    de assim composto: palcio/escadaria/porto.

    A Figura 2 mostra o palcio e a escadaria em

    1908.

    Das principais reas alagadas do centro,

    a regio do Campinho recebeu drenagem e

    aterro e no seu lugar se estabeleceu a principal

    rea de lazer da cidade o Parque Moscoso,

    local de grande empreendimento paisagstico,

    preferido para residncias das elites mais abas-

    tadas da capital.

    Aliadas aos projetos de melhoramentos

    urbanos, tinha seguimento as obras de constru-

    o do porto. Em maio de 1910, a Companhia

    Porto de Vitria assinou contrato com a firma

    C.H.Walker & Cia., que deu incio s obras do

    porto, em 1911, com trabalhos de drenagem

    do banco do porto e aterros s margens do

    canal, a fim de expandir o espao fsico para

    construo da primeira seo e segunda seo

    do cais, devendo formar uma plataforma on-

    de seriam construdos seis armazns de 75 por

    15 metros cada um. Trs dos armazns seriam

    destinados exclusivamente exportao de

    caf, e os outros dois destinados importao

    e exportao diversa. As duas estradas de fer-

    ro, a Estrada de Ferro Sul do Esprito Santo e a

    Estrada de Ferro Vitria Minas Gerais construi-

    riam, nesta plataforma, uma estao para em-

    barque e desembarque de suas mercadorias. O

    porto seria dotado de equipamentos tcnicos e

    mecnicos modernos, para o servio de carga e

    descarga de mercadorias (Siqueira, 1995).11 A

    Figura 3 mostra o cais e os trapiches do porto

    em 1911.

    Figura 3 Porto de Vitria e trapiches 1911

    Fonte: Arquivo da Codesa. Vitria. ES. Porto de Vitria e trapiches em 1911.

  • Maria da Penha Smarzaro Siqueira

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010578

    Entre 1911 e agosto de 1914, os trabalhos

    de melhoramentos do porto desenvolveram-se,

    com obras internas no canal, e externas, ini-

    ciando o lanamento de concreto nos alicerces

    do cais, quando foram interrompidos devido

    crise financeira provocada pela Primeira Guerra

    Mundial, permanecendo paralisadas at 1924.

    A Figura 4 mostra parte do cais e condies das

    obras em 1914.

    At o final de 1912, Vitria torna-se mais

    habitvel quanto s condies sanitrias, com

    servio de gua, energia pblica e domstica,

    esgoto, servio regular de limpeza pblica, hos-

    pital, isolamento para doenas contagiosas,

    cemitrio pblico, polcia domiciliria, casas

    populares, ruas pavimentadas, praas e jardins

    pblicos, o Palcio do Governo Estadual e sua

    escadaria reformados com nova arquitetura. O

    transporte urbano, antes de trao animal, foi

    eletrificado, estendendo-se ao longo da cida-

    de, atingindo bairros prximos ao centro e as

    obras do porto em pleno desenvolvimento (Pa-

    lcios, 2007).

    Num curto espao de tempo, a cidade

    ganha um novo perfil urbano, num cenrio de

    cidade civilizada, com ares de modernidade.

    Reinava a celebrao do novo, num iderio de

    urbanizar e civilizar, em um conjunto de mu-

    danas que buscava atender princpios moder-

    nos de esttica, urbansticos e econmicos.

    Fonte: Acervo do Arquivo Pblico Estadual. Vitria. ES. Avenida Capixaba no final da dcada de 1930.

    Figura 4 Cais e condies das obras 1914

  • A cidade de Vitria e o porto...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 579

    At 1924, os novos governos do Estado

    no conseguiram manter o ritmo dinmico dos

    investimentos na conduo das obras pblicas,

    principalmente aquelas relacionadas urbani-

    zao e ao porto. No incio dos anos 20, a pro-

    duo de caf estadual elevou o Esprito Santo

    ao 3 lugar na produo nacional, enquanto

    Vitria, o principal centro de comrcio do ca-

    f, permanecia em condies urbanas difceis

    e insuficientes, e com precria infraestrutura

    porturia. Em 1924, o caf, que mantinha um

    movimento crescente, estava gerando 90% das

    rendas estaduais, exigindo novos investimentos

    urbansticos para sua crescente movimentao

    comercial. Nesse contexto, assume o gover-

    no do estado o engenheiro Florentino Avidos

    (1924-1928), com uma viso de progresso e de

    evoluo frente de seu tempo (Bittencourt,

    2006).

    Com uma situao econmica mais fa-

    vorvel e com apoio tcnico da Secretaria de

    Servios de Melhoramentos Urbanos, criada

    em 1923, o novo governo procurou orientar

    sua poltica para o caminho das grandes obras

    urbanas aliadas s obras do porto. Nesse senti-

    do, as metas polticas para a continuidade das

    obras que at ento permaneciam sem inves-

    timento pblico em Vitria, concentraram-se

    em quatro reas prioritrias: melhoramento

    urbano e remodelao da capital; servios de

    obras do porto e ponte metlica para ligao

    do porto ao continente, estabelecendo a comu-

    nicao ferroviria at a plataforma do cais;

    ampliao dos servios de gua, esgoto e ener-

    gia, destacando os servios de saneamento b-

    sico da cidade e o transporte enquanto agente

    prioritrio para o bom funcionamento do porto.

    Procurou incrementar a consolidao da base

    econmica (cafeeira), e os interesses do setor

    agrrio exportador, que estava consolidando o

    capitalismo internacional e integrava o Esprito

    Santo na conjuntura econmica nacional.

    Foram reiniciados os servios de melho-

    ramentos urbanos da cidade e as obras do por-

    to, que constavam de duas naturezas: internas

    e externas, como concluso de obras no canal

    da baa de Vitria e estruturao natural e

    tcnica para encostamento de navios no cais,

    concluso da primeira seo do cais com sua

    devida infraestrutura tcnica e mecnica. A in-

    fraestrutura da ponte seria o saneamento dos

    encontros norte e sul (cidade x continente) com

    o assentamento dos pilares sob o canal e da

    superestrutura metlica da ponte, juntamente

    com as obras de urbanizao e infraestrutura

    bsica da rea que permeava a regio da ponte

    dando seguimento ao porto.12

    Das obras de urbanizao da cidade, Flo-

    rentino Avidos conclui e ampliou os trabalhos

    que davam forma ao projeto modernizador

    iniciado por Jernimo Monteiro, seguindo prin-

    cpios sanitaristas, urbansticos e de embeleza-

    mento, notadamente sob a grande influncia

    que exercia as ideias do urbanismo europeu,

    principalmente o francs.

    Das obras do porto, foram concludas a

    ponte ligando Vitria ao continente, os servi-

    os de saneamento da regio do porto, obras

    internas no canal de acesso,13 alargamento da

    primeira seo do cais e aterros para continui-

    dade da extenso do cais e posterior constru-

    o dos armazns. A Figura 4 mostra a baa de

    Vitria, o porto e a cidade ao longo da Avenida

    Capixaba no final da dcada de 1930.

    A partir deste perodo, no houve mais

    interrupes nas obras do porto e da urbani-

    zao da cidade. Gradativamente, os trabalhos

    foram sendo concludos e, no incio da dcada

  • Maria da Penha Smarzaro Siqueira

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010580

    de 1930, estavam construdos os armazns I, II

    e III da primeira seo do cais, sendo que esse

    cais foi concludo em 1937, quando apresentou

    condies operacionais e tcnicas, permitindo

    a segura operao dos navios diretamente no

    porto. Entretanto, apenas em 1940 ocorreu a

    concluso geral do porto, com o acabamento

    da plataforma interna e seu aparelhamento

    tcnico, sendo inaugurado o Cais Comercial

    de Vitria, assinalando o comeo do atual

    complexo porturio do Esprito Santo.14

    Consideraes finais

    Nas primeiras dcadas do sculo XX, no Bra-

    sil, o iderio de urbanizao se pautava em

    projetos influenciados por modelos europeus,

    respaldados pela teoria higienista, atravs de

    planos integrados de saneamento, criando o

    cenrio de modernidade urbana. A lgica da

    poltica higienista e do projeto modernizador

    materializam um amplo plano de reformulao

    urbana e embelezamento das cidades, marcan-

    do um novo tempo na sociedade brasileira. A

    cidade, lcus da dinmica mercantil da econo-

    mia, enfrentaria mudanas urbanas capazes,

    principalmente, de promover o desenvolvimen-

    to do complexo agrrio-exportador. Nesse sen-

    tido, tanto no final do Imprio quanto na Re-

    pblica, passaram a priorizar as infraestruturas

    de circulao, o saneamento e a urbanizao

    das cidades porturias, objetivando garantir a

    salubridade da regio que permeava os portos

    e a maior eficincia do movimento comercial

    porturio. As grandes transformaes urba-

    nas so realizadas procurando, entre outros

    objetivos, dinamizar o funcionamento dos

    portos, evitando a proliferao de doenas

    contagiosas.

    Apoiados principalmente na legislao

    de concesso dos servios pblicos, voltados

    para transporte, saneamento, infraestrutura e

    servios porturios, a poltica urbana atuou na

    direo de prover as cidades de instrumentos

    que viabilizassem seu melhor funcionamento

    econmico e sociourbano.

    Em Vitria, as mudanas seguiram a lgi-

    ca da reforma urbanstica nacional, sobretudo

    em relao ao importante elo entre a cidade

    e o porto. As obras de urbanizao e organi-

    zao porturia demarcaram as novas funes

    da cidade e de seus espaos para novas de-

    mandas sociais e econmicas que emergiam

    na capital, principalmente em funo da eco-

    nomia cafeeira.

    No contexto das transformaes urba-

    nas, o porto mudou o stio primitivo da cidade

    e, na dcada de 1920, o cais do porto e a pon-

    te sobre a baa deram a Vitria uma nova fisio-

    nomia urbana, intimamente relacionada com

    as atividades porturias, marcando a grande e

    longa parceria entre a cidade e o seu porto.

    Maria da Penha Smarzaro SiqueiraHistoriadora Econmica e Sociloga. Universidade Federal do Esprito Santo. Vitria, Esprito Santo, [email protected]

  • A cidade de Vitria e o porto...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 581

    Notas

    (1) O projeto sociocultural da modernidade, iniciado em meados do sculo XVI e que vai se consoli-dar no sculo XVIII, representa a primeira fase da modernidade, na qual a sociedade comeava a experimentar a vida moderna, mas sem percepo do contexto e sem ideia do que as atingia.

    Uma segunda fase vai ser marcada pela revoluo francesa e se estender at o incio do sculo

    XX, fase revolucionria que d vida a um grande pblico moderno e se expressar tambm na

    forma de viver e de ver o mundo. No sculo XX, terceira e ltima fase, o processo de moderni-dade se expande de forma universal, a cultura mundial do modernismo vai atingir as sociedades

    em toda sua dimenso. Ver Berman (1997).

    (2) A Belle poque o perodo caracterizado pela expresso de grande entusiasmo vinda do triunfo

    das conquistas materiais e tecnolgicas, entre outras invenes, nas ltimas dcadas do sculo

    XIX e primeiras do XX. A poca tambm marcada pela ampliao das redes de comrcio inter-nacional e pela crena de que o progresso trazido pelo avano tecnolgico equacionaria tecni-camente os problemas da humanidade. As cidades tornam-se o local privilegiado desse momen-to e passam a se modernizar esteticamente, renovando suas feies de modo a se mostrarem

    progressistas e civilizadas, termos comuns no perodo. A modernizao urbanstica tem como

    marco inaugural a grande reforma urbana implementada em Paris pelo baro Georges Eugne

    Haussmann, entre 1853 e 1869, que tornou a cidade o modelo urbano para varias regies do

    mundo. Ver Follis (2004).

    (3) Com destaque para a capital federal Rio de Janeiro , as capitais de So Paulo (So Paulo), Minas Gerais (Belo Horizonte), Paran (Curitiba) e Rio Grande do Sul (Porto Alegre). O Esprito Santo,

    embora localizado na regio geoeconmica mais dinmica do pas (Sudeste), produtor de caf, e

    sendo sua capital Vitria cidade porturia, a mesma no se destacava enquanto cidade com

    potencial de crescimento emergente, pela deficincia dos mtodos de produo no estado, dos

    meios de transporte, da infraestrutura, pela condio de dependncia do Rio de Janeiro e inex-pressivas articulaes polticas com o poder central. Ver Siqueira (1995).

    (4) Jos de Melo Carvalho Muniz Freire, jornalista e advogado, foi presidente do estado do Esprito

    Santo em dois governos, o primeiro no perodo: 1892-1896 e o segundo: 1900-1904. Inauguran-do no seu primeiro governo a fase inicial de reformas urbanas na cidade de Vitria, com obras

    de saneamento e a elaborao do projeto Novo Arrabalde (um novo bairro), prevendo abrir

    espao para expanso urbana da cidade, anexando uma rea cinco vezes maior que aquela que

    abrigava a capital (Oliveira, 2008).

    (5) A conformao geofsica da cidade de Vitria ilha montanhosa de reduzida extenso ( uma das

    de menor territrio do Brasil), com rea de apenas 93,381 km. Desenvolveu-se de forma con-gestionada entre as orlas, os morros e o brao de mar (seu porto). Siqueira (2001).

    (6) O marco oficial da inaugurao do Porto de Santos 2 de fevereiro de 1892, quando a ento

    Companhia Docas de Santos CDS, entregou navegao mundial os primeiros 260m de cais

    organizado. O porto do Rio de Janeiro foi oficialmente inaugurado em 20 de julho de 1910, com

    armazns e equipamentos em 800 metros de retrorea. O porto de Vitria oficialmente organi-zado foi inaugurado em 1940, colocando em condies tcnicas e operacionais o Cais Comercial

    de Vitria. Veja Siqueira (1995). O Porto e a Cia. Docas de Santos. Santos, CDS, 1997. Cia.Docas

    do Rio de Janeiro. Inaugurao do Porto do Rio de Janeiro. 20 de julho de 1910.

  • Maria da Penha Smarzaro Siqueira

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010582

    (7) Rua da Alfndega, atual Avenida Jernimo Monteiro e Rua do Comrcio, atual Avenida Florentino

    vidos, ruas principais do centro da cidade.

    (8) Cais do Imperador, construdo em 1859, para o desembarque do Imperador D. Pedro II, quando o

    mesmo veio pela primeira vez veio visitar a Provncia do Esprito Santo, ficando assim denomina-do. Mattos (1864). Este cais originou o Cais Comercial de Vitria antigo cais do Imperador.

    (9) A Irmandade da Misericrdia, Irmandade do Rosrio e Irmandade do Carmo. No Convento de So

    Francisco foi estabelecido o primeiro cemitrio pblico de Vitria, todos com funcionamento

    em condies precrias, motivo de preocupao das autoridades pblicas desde metade do s-culo XIX. A Santa Casa da Misericrdia foi construda seguindo as noes higienistas da poca,

    em local de nvel elevado aos mangues, permitindo segurana em relao sade pblica (Piva

    (2005). O cemitrio pblico foi inaugurado em 1912, no distante arrabalde de Santo Antonio,

    extremo oposto no contorno da ilha, como outra medida de carter saneador, obra que deu fim

    aos enterramentos nos antigos cemitrios localizados no centro da cidade (Palcios, 2007).

    (10) O projeto de reconstruo do palcio do governo foi desenvolvido pelo engenheiro francs Jus-tin Norbert, constando no mesmo contrato a construo da Escola Normal e a reconstruo

    da escadaria de acesso ao Palcio, obedecendo aos mesmos traos de arquitetura do Palcio

    (Bittencourt, 2006).

    (11) A primeira seo do cais, num trecho 355m de extenso, e a segunda com 500m de extenso.

    Guindastes, guinchos, escadas, bollards, rampas, equipamento de segurana (Monteiro, 1912).

    (12) No cabe neste trabalho analisar e dissertar sobre as questes financeiras referentes s obras

    em questo, bem como aos projetos tcnicos e contratos nacionais e internacionais que impli-caram esse empreendimento. Nosso artigo pretende mostrar a relao direta do processo de

    modernizao e urbanizao da cidade de Vitria com o desenvolvimento do seu porto.

    (13) Reviso da dragagem do canal de acesso, dragagem dentro do ancoradouro e desmonte de ro-cha submarina, num volume de total de 27.000m (Avidos, 1928).

    (14) Cais Comercial de Vitria, antigo Cais do Imperador construdo em madeira em 1859, deu ori-gem ao atual Complexo Porturio do Esprito Santo, que chegou ao final do sculo XX como o

    maior em movimentao de cargas e nmero de portos do Brasil e da Amrica Latina.

  • A cidade de Vitria e o porto...

    Cad. Metrop., So Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 583

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    Texto recebido em 4/fev/2010 Texto aprovado em 19/maio/2010