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209 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17(Suplemento):209-213, 2001 ARTIGO ARTICLE Viroses emergentes e reemergentes Emerging and reemerging viral diseases 1 Departamento de Virologia, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil 4365. Rio de Janeiro, RJ 21040-360, Brasil. [email protected] Hermann G. Schatzmayr 1 Abstract Recent decades have witnessed previously unknown viruses like HIV,along with other previously controlled viruses like dengue. The most important mechanisms have been the emer- gence of new viral strains by genetic alterations, the breakdown of species barriers by viruses, and viral spread from ecological niches. The main factors facilitating such mechanisms have been demographic pressure, with the expansion of the agricultural frontier, social behavior pat- terns, intensive air traffic, transporting both vectors and infected humans, importation of ani- mals carrying the viruses, large-scale ecological alterations like dam- and road-building, and the widespread transformation of health systems,with a reduction in resources and infrastruc- ture for disease control activities. Discussions on an international scale have recommended in- vestments in the areas of Epidemiological Surveillance, Research Applied to Public Health, an emphasis on disease prevention and vector control measures, and infrastructure improvements in the health sector at the local, State, and federal level to reduce the impact of these viral diseases. Key words Virus Diseases;Virus; Epidemiological Surveillance; Prevention and Control; Public Health Resumo Nas últimas décadas, viroses antes desconhecidas, como o HIV, e o ressurgimento de outras que haviam sido controladas, como o dengue, têm sido observadas. Os mecanismos mais importantes envolvidos são o surgimento de novas amostras virais por modificações genéticas, a transposição da barreira de espécie por um vírus e a disseminação viral a partir de um nicho ecológico. Os principais fatores que facilitam estes mecanismos são a pressão demográfica – com a expansão da área agrícola –, os padrões de comportamento social, o intenso tráfego aéreo – que transporta vetores e pessoas infectadas –, a importação de animais – o que carreia vírus – modificações ecológicas de grande porte – como a construção de barragens e estradas – e a reco- nhecida transformação dos sistemas de saúde no mundo, com redução dos recursos e da infra- estrutura para ações de controle de doenças. Discussões em âmbito internacional recomendam investimentos nas áreas de Vigilância Epidemiológica, Pesquisa aplicada à Saúde Pública, ênfa- se em ações de prevenção de doenças e controle de vetores, além de melhor infra-estrutura do se- tor saúde, em níveis local, estadual e federal para reduzir o impacto destas doenças virais. Palavras-chave Viroses; Vírus; Vigilância Epidemiológica; Prevenção e Controle; Saúde Pública

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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17(Suplemento):209-213, 2001

ARTIGO ARTICLE

Viroses emergentes e reemergentes

Emerging and reemerging viral diseases

1 Departamento de Virologia,Instituto Oswaldo Cruz,Fundação Oswaldo Cruz.Av. Brasil 4365.Rio de Janeiro, RJ 21040-360, [email protected]

Hermann G. Schatzmayr 1

Abstract Recent decades have witnessed previously unknown viruses like HIV, along with otherpreviously controlled viruses like dengue. The most important mechanisms have been the emer-gence of new viral strains by genetic alterations, the breakdown of species barriers by viruses,and viral spread from ecological niches. The main factors facilitating such mechanisms havebeen demographic pressure, with the expansion of the agricultural frontier, social behavior pat-terns, intensive air traffic, transporting both vectors and infected humans, importation of ani-mals carrying the viruses, large-scale ecological alterations like dam- and road-building, andthe widespread transformation of health systems, with a reduction in resources and infrastruc-ture for disease control activities. Discussions on an international scale have recommended in-vestments in the areas of Epidemiological Surveillance, Research Applied to Public Health, anemphasis on disease prevention and vector control measures, and infrastructure improvements inthe health sector at the local, State, and federal level to reduce the impact of these viral diseases.Key words Virus Diseases; Virus; Epidemiological Surveillance; Prevention and Control; PublicHealth

Resumo Nas últimas décadas, viroses antes desconhecidas, como o HIV, e o ressurgimento deoutras que haviam sido controladas, como o dengue, têm sido observadas. Os mecanismos maisimportantes envolvidos são o surgimento de novas amostras virais por modificações genéticas, atransposição da barreira de espécie por um vírus e a disseminação viral a partir de um nichoecológico. Os principais fatores que facilitam estes mecanismos são a pressão demográfica – coma expansão da área agrícola –, os padrões de comportamento social, o intenso tráfego aéreo –que transporta vetores e pessoas infectadas –, a importação de animais – o que carreia vírus –modificações ecológicas de grande porte – como a construção de barragens e estradas – e a reco-nhecida transformação dos sistemas de saúde no mundo, com redução dos recursos e da infra-estrutura para ações de controle de doenças. Discussões em âmbito internacional recomendaminvestimentos nas áreas de Vigilância Epidemiológica, Pesquisa aplicada à Saúde Pública, ênfa-se em ações de prevenção de doenças e controle de vetores, além de melhor infra-estrutura do se-tor saúde, em níveis local, estadual e federal para reduzir o impacto destas doenças virais.Palavras-chave Viroses; Vírus; Vigilância Epidemiológica; Prevenção e Controle; Saúde Pública

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Introdução

Nos últimos anos têm sido reveladas várias in-fecções humanas até então desconhecidas, damesma forma que tem ocorrido a reemergênciade outras que haviam sido controladas ao lon-go dos anos (Garrett, 1994; Schatzmayr, 1997).

A maioria dessas infecções é de origem vi-ral, bastando que nos lembremos da AIDS, co-mo marcante exemplo de doença emergente, edo dengue, como doença reemergente, para quese avalie a gravidade de semelhantes infecções.

O problema das viroses emergentes e ree-mergentes é complexo, porém pode-se reco-nhecer que, em sua maioria, essas viroses sãodesencadeadas por atividades humanas quemodificam o meio ambiente, em especial, pelapressão demográfica (Wilson et al., 1994). A ne-cessidade de vetores para a transmissão de vá-rias das viroses emergentes e reemergentes in-troduz fatores ecológicos de importância na dis-cussão que se efetiva nos países de clima tropi-cal. Mecanismos de mutação e recombinaçãogenéticas – em particular, dos vírus RNA – sãoconhecidos de longa data como forma de gera-ção de novos padrões genômicos.

Por sua vez, reconhece-se, em âmbito mun-dial, uma visível decadência dos sistemas desaúde, fruto da elevada demanda e dos custoscrescentes da assistência médica, que vem a ab-sorver grande parte dos recursos antes destina-dos às áreas de prevenção e controle de agravos.

Origem das viroses emergentes e reermergentes

Segundo Morse (1993), existem três mecanis-mos de surgimento dessas infecções, os quaispodem eventualmente estar associados:

1) surgimento de vírus desconhecido pelaevolução de nova variante viral;

2) introdução, no hospedeiro, de um vírusexistente em outra espécie (transposição dabarreira de espécie);

3) disseminação de determinado vírus apartir de uma pequena população humana ouanimal, na qual este vírus surgiu ou em que foioriginalmente introduzido.

Reconhece-se que diversos vírus – em espe-cial, do grupo RNA – apresentam taxas de mu-tação elevadas, como no caso da influenza, ví-rus que possui genoma segmentado e é capazde atingir número significativo de hospedeirosanimais. Por estes mecanismos surgem, me-diante seleção natural, amostras de maior viru-lência a partir de grande número de padrõesgenômicos circulantes.

A possibilidade de alcançar qualquer pontoda Terra por transporte aéreo em poucas horas,tem proporcionado o deslocamento de vetoresde um continente a outro, bem como o contatodireto do homem com áreas remotas, ondeexiste a possibilidade de haver agentes até en-tão desconhecidos. Igualmente, a importaçãode animais pode trazer novos agentes de doen-ça ao contato do homem.

Exemplo desse mecanismo ocorreu com oaté então desconhecido grupo dos filovírus, osquais foram introduzidos na Alemanha atravésde macacos importados de Uganda, causandoa morte de oito dentre as 31 pessoas que se in-fectaram pelo contato com os tecidos dos ani-mais usados em pesquisas. Do mesmo grupo, ovírus Ebola causou surtos extensos no Zaire eSudão em 1976, com cerca de 600 pessoas en-volvidas e percentagens de 88% de letalidade,ressurgindo no Zaire em 1995, igualmente comtaxa de letalidade em torno de 77%. A entradade pessoas em nichos ecológicos até então iso-lados é aceita como a origem dos primeiros ca-sos estudados na epidemia de 1995, no Zaire.

A disseminação do Aedes aegypti e da febreamarela em nosso País teve lugar através dos na-vios que atracavam em portos brasileiros, origi-nando diversas epidemias, tendo sido a primei-ra delas reportada no século XVI, em Recife. Pe-lo mesmo mecanismo e, talvez, ainda pelo trans-porte aéreo, o Aedes albopictus espalhou-se doSudeste Asiático para todo o mundo tropical nosúltimos anos, tendo sido reconhecido no Brasil,em 1987, nas proximidades do Rio de Janeiro.

Pelos dados disponíveis, o vírus HIV ter-se-ia originado de regiões centrais africanas a par-tir de amostras de vírus que, circulando entreprimatas, foram capazes de passar a barreirade espécie e atingir o homem.

A expansão da agricultura a áreas novas, as-sim como as práticas de colheita e beneficia-mento de produtos, provoca a entrada em ni-chos ecológicos onde novos agentes podem serencontrados, do mesmo modo que a atração deroedores silvestres e de outros animais, que seaproximam do homem em busca de alimento.Neste último caso, temos, como exemplos, osvírus Junin e Machupo, agentes de febres he-morrágicas na Argentina e Bolívia, transmiti-das ao homem pela urina de roedores silvestres.

A febre amarela, essencialmente doença deprimatas, porém com capacidade de alcançaro homem que penetre em áreas endêmicas semproteção vacinal, alcançou a média anual de 18casos nos últimos 15 anos. No ano passado, po-rém surgiu uma epizootia em primatas, que le-vou a substancial aumento de casos humanosem que se detectou febre amarela silvestre.

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Com a entrada de Ae. aegypti nas áreas en-dêmicas de febre amarela, nas regiões Centro-Oeste e Norte, o risco de surgimento de infec-ções urbanas passou a ser uma realidade a serenfrentada. O dengue – causado por quatro ti-pos de vírus – constitui hoje a mais importantedoença viral humana transmitida por mosqui-tos. Foram notificados no Brasil mais de ummilhão de casos nos últimos anos, desde a epi-demia de 1981/1982, em Roraima, e a primeiragrande epidemia de 1986, no Rio de Janeiro. Apartir de então, a doença, acompanhando a ex-pansão do Ae. aegypti, implantou-se igualmen-te em praticamente todo o Brasil, com a pre-sença dos vírus tipo 1 e 2, além do risco de en-trada dos outros dois tipos, presentes em paí-ses limítrofes, como a Colômbia e Venezuela,bem como no México e Caribe.

O vírus Rocio surgiu na costa do sul do Es-tado de São Paulo (Vale da Ribeira) em 1975/1976 e causou epidemia de encefalite por cercade dois anos. O vírus circulou provavelmenteentre pássaros e mosquitos – em particular Ae-des scapularis e Psorophora ferox. Ocorreramcerca de mil casos, com seqüelas motoras nospacientes e taxa de letalidade de aproximada-mente 10%, mas não foram descritos casos hu-manos desde então.

A hepatite C vem crescendo de importânciaem todo o mundo. O vírus da hepatite C infec-ta por mecanismos semelhantes ao vírus B, po-rém ainda existem cerca de 20% dos casos nãoesclarecidos do ponto de vista de seu mecanis-mo de transmissão. Não se espera o desenvol-vimento de vacina para futuro previsível, emrazão da variabilidade do vírus e da falta demétodos para seu cultivo em laboratório. Estavirose deve ser considerada uma doença emer-gente por sua expansão e gravidade, com ten-dência à cronicidade e a quadros terminais decirrose e carcinoma hepático.

O gênero Hantavírus – nome derivado deum rio da Coréia – inclui vírus reconhecidos ini-cialmente naquele país e, posteriormente, emextensas áreas da Ásia e Europa. O vírus Han-taan causou infecções em soldados america-nos durante a Guerra da Coréia, mas só foi iso-lado em 1976. Tais agentes são infectantes atra-vés da urina de ratos infectados, sendo o Apo-demus agrarius o seu principal vetor na Coréia.

No início da década de 80 foi isolado o ví-rus Seoul, pertencente ao mesmo grupo dosHantavírus, porém circulando em roedores ur-banos (Rattus rattus e Rattus norvergicus), o queacrescentou nova dimensão ao problema. Em1993, foi reconhecida, na América do Norte,uma entidade clínica com sintomas respirató-rios graves, com taxa de mortalidade em torno

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de 50% dos casos hospitalizados. Vírus do gêne-ro Hantavírus foram isolados desses casos e as-sociados a roedores silvestres – em particular,o Peromyscus maniculatus. No Brasil, em 1993,foram descritos casos fatais no Centro-Oeste,Sudeste e Sul do país, ao passo que um vírus de-nominado Juquitiba foi isolado no Vale da Ribei-ra, com clara associação com roedores. Como oscasos descritos nos Estados Unidos, observou-se quadro de insuficiência respiratória aguda.

O vírus Oropouche, isolado na Ilha de Tri-nidad, em 1957, vem sendo responsável, desde1960, por milhares de casos na região amazô-nica. Modificações ecológicas proporcionaramgrande proliferação do Culicoides paraensis,principal vetor conhecido da doença para o ho-mem. A infecção caracteriza-se por cefaléia, fe-bre, dores musculares e, eventualmente, me-ningite, porém não se registraram casos fatais.

O vírus Sabiá foi isolado de uma pacientehospitalizada – que foi a óbito – no primeirocaso humano conhecido da doença, origináriodos arredores da Grande São Paulo, em locali-dade de mesmo nome. O quadro apresentadofoi de febre hemorrágica grave, causada por ví-rus identificado como pertencente à famíliaBunyaviridae. Esse vírus possui um risco po-tencial importante como doença emergente,que naturalmente ocorreu junto a densos nú-cleos urbanos.

Descoberto na Argentina em 1957, o vírusJunin causa quadro de febre hemorrágica, sen-do transmitido por aerossóis contaminados comurina de roedores. A doença surgiu quando au-mentou a produção de grãos na região, assimcomo de outros vegetais que serviam de ali-mento a ratos silvestres. Com a proliferação des-tes últimos, do gênero Calomys, que se apre-sentavam naturalmente infectados, surgiramcasos humanos da doença. Uma vacina – hojeutilizada na região – resultou em rápida quedado número de casos humanos.

Identificou-se o papel de outra espécie deCalomys como portador do vírus, transmitin-do-o através da urina, como no caso do Junin.Foi possível identificar incremento do cultivode milho na região e a conseqüente modifica-ção do hábitat natural dos roedores, que pas-saram a ter estreito contato com o homem.

Igualmente no início da década de 50, o ví-rus Machupo surgiu na Bolívia, próximo à fron-teira com o Brasil, gerando quadro de febre he-morrágica e hematêmese na fase avançada dadoença, ocorrendo taxa de letalidade de 50%nos primeiros casos descritos.

O vírus da AIDS – sem dúvida, a mais im-portante doença emergente do século XX – evo-luiu aparentemente a partir de dois núcleos de

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dispersão: um, nos Estados Unidos e outro, naÁfrica Central. Estudos retrospectivos com so-ros humanos, demonstraram que o vírus HIVdeve ter entrado nos Estados Unidos por voltada metade da década de 70. Na África, os dadosapontam para um possível caso no Zaire em1959.

Estudos comparativos das seqüências dogene p24 do HIV e de vários vírus isolados deprimatas africanos sugerem que o HIV origi-nou-se de um ancestral que infectava prima-tas. O tipo 1 de HIV aparentemente infecta ochimpanzé em condições naturais.

Na década de 70 observou-se, no sul do Ja-pão, uma doença linfoproliferativa caracteriza-da como leucemia/linfoma de células T do adul-to e, em 1980, foi isolado, nos Estados Unidos,o primeiro retrovírus humano, denominadoHTLV-I, agente de linfomas semelhantes aosobservados no Japão.

Em 1985, demonstrou-se em pacientes doCaribe que o mesmo vírus estava relacionado auma síndrome denominada paraparesia espás-tica tropical. Outros focos geográficos foramdescobertos e comprovou-se que a doença neu-rológica poderia ser encontrada também emregiões não-tropicais.

Outros vírus do grupo denominado HTLV-IIforam encontrados nos Estados Unidos, masainda não se comprovou, com segurança, o pa-pel desse vírus em quadros neurológicos oulinfoproliferativos.

Tanto o HIV como HTLV-I infectam célulasT, expressando molécula CD4 na sua superfície.Entretanto, enquanto o HIV destrói essas célu-las, o HTLV-I estimula a sua proliferação. Anti-corpos para o HTLV-I têm sido encontrados emtodo o mundo e, no Brasil, foram descritos emvárias regiões, chegando a alcançar níveis de13% em hemofílicos no Rio de Janeiro, em cer-ca de 10% dos pacientes politransfundidos e empopulações indígenas (Carvalho et al., 1997).

A paraparesia espástica tropical caracteri-za-se pela fraqueza crônica e progressiva dosmembros inferiores, ocorrendo em menos de 1%dos indivíduos que se infectam com o HTLV-I.O crescente interesse por esses vírus é justifi-cável, pelos quadros clínicos que causam, sen-do exemplo de viroses que, a partir de reduzi-dos núcleos humanos, vieram a se implantarem todo o mundo.

Na Suécia, em 1958, um vírus do grupo de-nominado Orthopoxvirus – que inclui a varíolae a vaccínia – foi isolado de um macaco Cyno-molgus. Infecções humanas foram reportadasentre 1970/1986, principalmente no Zaire, on-de foram encontrados 386 dentre os 404 casoshumanos investigados no período.

Clinicamente, a doença assemelha-se à va-ríola, porém uma generalizada linfadenopatiae a ausência de formas hemorrágicas permiti-ram diagnóstico clínico diferencial. A taxa deletalidade alcançou 10% em crianças entre 3meses e 8 anos de idade. O vírus se transmitecom dificuldade de pessoa a pessoa, ao contrá-rio do que ocorria com a varíola.

Em 1995, surgiu na Inglaterra uma síndro-me de incoordenação motora em bovinos (do-ença da vaca louca) que evolui para óbito emcurto prazo. A entidade é semelhante à doençade Creutzfeldt-Jacob (CJD), ambas causandoencefalopatia espongiforme igualmente fatal eirreversível. A partir de 1996, reconheceu-se aexistência de 52 casos humanos de uma novaforma de CJD que atingia população jovem eque foi relacionada ao consumo de carne bovi-na contaminada. O agente é uma proteína mo-dificada, denominada prion, a qual induz a for-mação de novas proteínas idênticas a ela e quecausam as lesões cerebrais. A doença aparen-temente surgiu pelo uso de carne de ovinos naalimentação de bovinos.

A partir de agosto de 1999, casos humanosde encefalite – causadas pelo vírus West Nile –foram identificados pela primeira vez nas Amé-ricas, na cidade de Nova Iorque. O vírus podeter sido introduzido a partir de casos humanosou de pássaros migratórios. Este vírus passa aconstituir novo problema de saúde pública pa-ra nosso Continente (CDC, 1999).

Medidas propostas para o controle global das viroses emergentes/reemergentes

Diante do surgimento dessas viroses emergen-tes/reemergentes, ao lado de várias outras do-enças não-virais – como a cólera, salmonelo-ses, infecções por Entamoeba coli 0157:H7 –,bem como o surgimento de resistência a dro-gas de vários agentes bacterianos, formou-seum sentido de alerta e da necessidade de ava-liação em âmbito internacional.

Diversos grupos levantaram os problemascausados por essas doenças, em particular, oCDC/Atlanta (Centers for Disease Control andPrevention), a Organização Mundial de Saúde eas Nações Unidas com suas estruturas afilia-das, o Instituto Nacional de Saúde, Academiasde Ciência de vários países, Instituto Pasteur eseus afiliados no mundo, entre inúmeras ou-tras entidades.

Das discussões iniciais foram gerados vá-rios documentos nos quais são indicadas asgrandes linhas de atuação, que foram resumi-

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das em documento do CDC/Atlanta (CDC,1999), publicado em 1992:

Objetivo I: Vigilância – Descobrir, investigarrapidamente e acompanhar patógenos emer-gentes, as doenças que causam e os fatores en-volvidos no surgimento do quadro.

Objetivo II: Pesquisa Aplicada – Integrar oslaboratórios e a epidemiologia para apoio àsaúde pública.

Objetivo III: Prevenção e Controle – Estimu-lar a comunicação e a circulação de informa-ções sobre as doenças emergentes e assegurara implementação de estratégias de prevenção.

Objetivo IV: Infra-estrutura – Fortificar a in-fra-estrutura de saúde pública em níveis local,estadual e federal, para permitir o estabeleci-mento da Vigilância (Objetivo I) e a implemen-tação dos programas de Prevenção e Controle(Objetivo II).

A proposta visa estabelecer sistemas ágeisde reconhecimento de problemas, capazes dedivulgá-los em nível internacional a curto pra-zo, assim como investigar episódios nos quaisdoenças emergentes/reemergentes sejam sus-peitadas.

Considerando a situação dos sistemas desaúde no mundo – com visível perda de estru-

tura e recursos –, as doenças emergentes/ree-mergentes têm significado um encargo pesa-do para os países em desenvolvimento. No ca-so da AIDS e do dengue, para citar dois exem-plos, observa-se contínua expansão do núme-ro de casos ao longo dos últimos anos, semhaver real expectativa de mudança em futuropróximo.

O custo assistencial de algumas dessas in-fecções é elevado, e o nosso país carece de uni-dades hospitalares preparadas para atenderpacientes com infecções que tragam risco parao pessoal médico e paramédico. Igualmente,não dispomos ainda de um único Laboratóriode Alta Segurança, que permita o isolamento ea identificação de agentes infecciosos de altorisco. Tais fatos nos tornam dependentes do en-vio das amostras clínicas ao exterior para com-provar a suspeita da presença de vários dessesagentes. A montagem imediata dessas duas es-truturas parece-nos essencial, bem como a or-ganização de forças-tarefas regionais compos-tas de epidemiologistas, laboratoristas e infec-tologistas que possam ser acionadas para in-vestigar, com rapidez, casos suspeitos de doen-ça agudas não definidas que apresentem po-tencial risco para a comunidade.

Referências

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GARRETT, L., 1994. The Coming Plague. New York:Farrar, Strauss & Giroux.

MORSE, S. S., 1993. Emerging Viruses. New York: Ox-ford University Press.

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