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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA AÍRTON FERNANDES GUIMARÃES FILHO A JUREMA ENCANTADA PARA CONTRABAIXO SOLO DE DANILO GUANAIS: Considerações sobre o trabalho colaborativo NATAL-RN 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ESCOLA DE MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

AÍRTON FERNANDES GUIMARÃES FILHO

A JUREMA ENCANTADA PARA CONTRABAIXO SOLO DE DANILO GUANAIS:

Considerações sobre o trabalho colaborativo

NATAL-RN

2019

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AÍRTON FERNANDES GUIMARÃES FILHO

A JUREMA ENCANTADA PARA CONTRABAIXO SOLO DE DANILO GUANAIS:

Considerações sobre o trabalho colaborativo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Música da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, na linha de

pesquisa – Processos e Dimensões da

Produção Artística, como requisito parcial para

a obtenção do título de Mestre em Música.

Orientador: Prof. Dr. Fábio Soren Presgrave.

NATAL-RN

2019

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Catalogação de Publicação na Fonte

Biblioteca Setorial Pe. Jaime Diniz - Escola de Música da UFRN

Elaborada por: Elizabeth Sachi Kanzaki – CRB-15/Insc. 293

G963j Guimarães Filho, Airton Fernandes.

A Jurema encantada para contrabaixo solo de Danilo Guanais:

considerações sobre o trabalho colaborativo / Airton Fernandes Guimarães

Filho. – Natal, 2019.

101 f.: il. ; 30 cm.

Orientador: Fábio Soren Presgrave.

Dissertação (mestrado) – Escola de Música, Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, 2019.

1. Música para Contrabaixo – Dissertação. 2. Composição Musical –

Colaboração Compositor e Intérprete – Dissertação. I. Jurema encantada. II. Presgrave, Fábio Soren. III. Título.

RN/BS/EMUFRN CDU CDU 787.41

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AÍRTON FERNANDES GUIMARÃES FILHO

A JUREMA ENCANTADA PARA CONTRABAIXO SOLO DE DANILO GUANAIS:

Considerações sobre o trabalho colaborativo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Música da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, na linha de

pesquisa – Processos e Dimensões da

Produção Artística, como requisito parcial para

a obtenção do título de Mestre em Música.

Aprovada em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________________

PROF. DR. FÁBIO SOREN PRESGRAVE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN)

ORIENTADOR

_________________________________________________________

PROF. DR. ALEXANDRE SILVA ROSA

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP)

MEMBRO DA BANCA

_________________________________________________________

PROF. DR. MÁRIO ANDRÉ WANDERLEY OLIVEIRA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN)

MEMBRO DA BANCA

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha esposa Lívia e ao meu filho Gabriel, porto seguro em

todos os momentos da minha vida; aos meus irmãos Joel, Maura, Lêda e Soraia; a todos os

meus sobrinhos, querida geração que vai chegando; à minha Avó Maura (in memoriam), à

minha mãe Christina (in memoriam), e ao meu Pai Aírton por terem sempre apoiado os meus

estudos, o que possibilitou chegar onde estou hoje, minha eterna gratidão e amor.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Dr. Danilo Guanais pela generosidade em aceitar o desafio de escrever

uma obra para o contrabaixo, possibilitando não só a minha pesquisa, mas também uma

contribuição inestimável para o repertório do nosso instrumento; ao meu orientador professor

Dr. Fábio Presgrave, por ter me aceitado como seu orientando, o que para mim já é uma

grande honra, como também pelo apoio inestimável nos momentos mais difíceis; ao querido

primo Sandro Guimarães, pelo seu brilhante livro: A Jurema Encantada, que contando a

história da Paraíba, inspirou todo o nosso trabalho de pesquisa; à professora Dr. Luciana

Noda, pelas inestimáveis contribuições ao meu trabalho, minha eterna gratidão; aos

professores Dr. Cleber Campos e Dr. Mário André, por toda a ajuda e orientações em minha

qualificação serei sempre muito grato; ao professor Dr.Alexandre Rosa, pelas orientações e

disponibilidade em todos os momentos; ao professor Ms. Ronaldo Ferreira pelo apoio e ajuda

em vários momentos da minha vida acadêmica e pessoal; ao professor Manoca Barreto (in

memoriam), por toda amizade e exemplo de generosidade para com todos que o cercavam

como verdadeiros discípulos; a Paulo Henrique Dantas pela edição dos áudios coletados para

esta pesquisa; a Alexandre Maiorino e ao Studio Humberto Luiz pelo trabalho primoroso de

gravação e edição de áudios e vídeos que foram de grande importância para a minha pesquisa.

Dedico este trabalho igualmente a todos os professores da Escola de Música da UFRN, um

grande privilégio trabalhar ao lado de tanta gente talentosa e dedicada ao ensino e ao fazer

musical nos seus mais diversos aspectos.

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“Nenhum de nós pretende ser “primitivo”: o que procuramos é

mergulhar nessa fonte inesgotável, em busca das raízes, para unir

nosso trabalho aos anseios e ao espírito do nosso Povo, fazendo nosso

sangue pulsar em consonância com o dele e revigorando nosso pulso

ao contacto com aquilo que tais artes e espetáculos têm de festa –

entendida no sentido latino-americano de celebração e sagração

dionisíaca do Mundo”.

Suassuna (1974, p. 68).

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RESUMO

Este trabalho investiga o processo de colaboração entre compositor e interprete na elaboração

da Jurema Encantada para contrabaixo solo, do compositor Danilo Guanais. Apresenta-se a

linguagem musical, criada a partir do trabalho colaborativo. Averiguaram-se os aspectos que

consideramos inovadores na construção da peça. Para isso, apresenta-se o processo

colaborativo que resultou na construção musical e idiomática da Jurema Encantada em seus

três movimentos, I (O Casamento), II (O Rapto) e III (A Guerra), como também os

respectivos áudios, para que se possa ter uma maior compreensão dos aspectos musicais da

peça. A fundamentação teórica ampara-se nos estudos feitos por Rucker Queiroz (2002),

Erickinson Lima (2014), Mariana Holschuh (2017) e Leonardo Ventura (2007), sobre o

movimento armorial e a sua influência na obra de Guanais. A bibliografia sobre o trabalho

colaborativo apoia-se em Fausto Bórem (1998), Rodrigo Lobo (2016), Rodolfo Borges

(2017), Herivelto Brandino (2012), Sônia Ray (2010) e Catarina Domenici (2011). No anexo

C, encontra-se disponível a edição final da partitura, apresentando aspectos da linguagem

idiomática para o contrabaixo, construídos a partir do trabalho colaborativo, também foi

disponibilizado uma gravação em áudio e vídeo para divulgação da peça, em complemento ao

recital público da estreia da obra.

Palavras-chave: Colaboração compositor e intérprete. Contrabaixo solo. Jurema encantada.

Danilo Guanais.

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ABSTRACT

This work investigates the process of collaboration between composer and interpreter in the

elaboration of Jurema Encantada for double bass, by composer Danilo Guanais. It seeks to

present the musical language, created from collaborative work. Find out the aspects that we

consider innovative in the construction of the piece. For this, we present the collaborative

process that resulted in the musical and idiomatic construction of Jurema Encantada in its

three movements, I (O Casamento), II (O Rápto) and III (A Guerra), as well as the respective

audios, so that one can have a greater understanding of the musical aspects of the play. The

theoretical foundation is supported by studies by Rucker Queiroz (2002), Erickinson Lima

(2014), Mariana Holschuh (2017) and Leonardo Ventura (2007), about the armorial

movement and its influence on Guanais's work. The bibliography on collaborative work is

supported by Fausto Bórem (1998), Rodrigo Lobo (2016), Rodolfo Borges (2017), Herivelto

Brandino (2012), Sônia Ray (2010) and Catarina Domenici (2011). In annex C, the final

edition of the score is available, presenting aspects of the language for the double bass, built

from the collaborative work, an audio and video recording was also made available to

publicize the piece, in addition to the public recital of the premiere of the work.

Keywords: Collaboration composer and interpreter. Double bass solo. Jurema Encantada.

Danilo Guanais.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Uso de efeito percussivo com a mão esquerda (trecho indicado pelas setas)..34

Figura 2 - Exemplo da “levada” do triângulo e zabumba no Baião..................................35

Figura 3 - Acento característico da zabumba sem o bacalhau...........................................35

Figura 4 - Zabumba Nordestino com baqueta e bacalhau.................................................35

Figura 5 - Baqueta do Zabuma.............................................................................................36

Figura 6 - Bacalhau................................................................................................................36

Figura 7 - Uso de nota rebatida, juntamente com o pizzicato de efeito percussivo (trecho

indicado pelas setas)...............................................................................................................37

Figura 8 - Uso de nota rebatida, juntamente com nota pedal e pizzicato de efeito

percussivo (trecho indicado pelas setas)...............................................................................38

Figura 9 - Nota pedal com uso de pizzicato com mão esquerda na região do

capotastro................................................................................................................................39

Figura 10 - Uso do pizzicato/percussão em região do capotastro........................................40

Figura 11 - Fotografia de encontro presencial entre compositor e intérprete..................41

Figura 12 - Fotografia de encontro presencial entre compositor e intérprete..................42

Figura 13 - Fotografia de encontro presencial entre compositor e intérprete..................43

Figura 14 - Exemplo do uso de GEs (Ritmo de Baião), na partitura para os compassos 62

a 92............................................................................................................................................47

Figura 15 - Exemplo do uso de GEs (Corda dupla com som de rabeca), na partitura

para os compassos 93 a 112....................................................................................................47

Figura 16 - Esboço do projeto Tracunhaém.........................................................................49

Figura 17 - Esboço do projeto Tracunhaém.........................................................................50

Figura 18 - Esboço do projeto Tracunhaém.........................................................................51

Figura 19 - Primeiro compasso, oitavação da nota pedal G...............................................53

Figura 20 - Primeiro compasso corrigido.............................................................................53

Figura 21 - Oitavação da nota pedal Sol e uso de técnicas estendidas...............................54

Figura 22 - Formação de bicorde com uso do polegar........................................................54

Figura 23 - c. 19, 20 e 21 como escrito originalmente..........................................................54

Figura 24 - c. 19 corrigido......................................................................................................55

Figura 25 - c. 20 e 21 corrigido..............................................................................................55

Figura 26 - c. 28 no 1º e 2º tempo, como escrito originalmente...........................................55

Figura 27 - c. 28 Modificação no 1º e 2º tempo do compasso..............................................55

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Figura 28 - Modificação no tricorde do c. 32.......................................................................56

Figura 29 - c. 32 Revisado......................................................................................................56

Figura 30 - Escala nordestina Lídio b7 ou Mixo #4............................................................56

Figura 31 - Escala nordestina Lídio b7 ou Mixo #4.............................................................57

Figura 32 - Motivo sem a modificação..................................................................................58

Figura 33 - Motivo revisado...................................................................................................58

Figura 34 - Motivo Lídio b7, presente no primeiro movimento.........................................58

Figura 35 - Variação do Lídio b7 reaparecendo no segundo movimento..........................58

Figura 36 - Uso de nota pedal................................................................................................59

Figura 37 - Uso de efeito percussivo na mão esquerda........................................................60

Figura 38 - Preparação para a Guerra.................................................................................62

Figura 39 - Tensão gerada pela série harmônica Ré-Dó# e a nota pedal Ré....................62

Figura 40 - derivação do Mt. 2...............................................................................................62

Figura 41 - Construção da Série dodecafônica.....................................................................64

Figura 42 - Ilustração dos tetracordes e exacordes da Séria Dodecafônica......................65

Figura 43 - Exemplo da série usada por Guanais................................................................66

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Processos de envio da obra pelo compositor.......................................................27

Tabela 2 - Envio de áudios e vídeos para o compositor.......................................................28

Tabela 3 - Etapas de construção e discussão com o compositor da Jurema

Encatada..................................................................................................................................43

Tabela 4 - Divisão da partitura em motivos.........................................................................45

Tabela 5 - Estudo mental para a mão esquerda na Jurema Encantada............................46

Tabela 6 - Estudo mental para a mão direita na Jurema Encantada................................46

Tabela 7 - Graus e semitons da Série Dodecafônica...........................................................65

Tabela 8 - Tetracordes e Exacordes da Série Dodecafônica..............................................65

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEM - Associação Brasileira de Educação Musical

Mt. - Motivo

Fig - Figura

C. - Compasso

Tab. - Tabela

Lídio b7 - Quarto modo da escala maior, com o sétimo grau bemol

Mixo #4 - Quinto modo da escala maior, com o quarto grau sustenido

TE - Técnica estendida

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................... Error! Bookmark not defined.

2 REVISÃO DE LITERATURA ........................................... Error! Bookmark not defined.

2.1 Danilo Guanais .................................................................. Error! Bookmark not defined.

2.2 O Movimento Armorial ................................................... Error! Bookmark not defined.

2.2.1 A sonoridade armorial ................................................................................................. 20

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................. 22

3.1 Sobre o trabalho colaborativo......................................................................................22

3.2 O conceito de técnicas estendidas................................................................................29

3.3 Interações entre compositor e intérprete....................................................................31

4 METODOLOGIA............................................................................................................41

4.1 O processo de memorização e o estudo mental..........................................................43

4.2 Entrevista com o compositor ....................................................................................... 48

5 O PROCESSO COLABORATIVO NOS TRÊS MOMENTOS DA JUREMA

ENCANTADA.....................................................................................................................53

5.1 O Casamento ................................................................................................................. 53

5.2 O Rapto .......................................................................................................................... 57

5.3 A Guerra ........................................................................................................................ 60

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 67

REFERÊNCIAS..................................................................................................................69

APÊNDICE A – Entrevista fornecida pelo compositor...................................................74

ANEXO A – Partitura da Jurema Encatada I mov. (Primeira versão)..........................75

ANEXO B – Partitura da Jurema Encantada I mov. (Segunda versão) e II mov.

(Primeira versão).................................................................................................................77

ANEXO C – Partitura da Jurema Encantada III mov. (Primeira versão)....................84

ANEXO D – Partitura da Jurema Encantada I, II e III movimentos (Versão final com

sugestões de digitações e arcadas).....................................................................................89

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho trata do processo colaborativo entre compositor e intérprete, e apresenta

como resultado da colaboração, a peça “Jurema encantada” para contrabaixo solo do

compositor Danilo Guanais. A delimitação se refere à construção de uma interpretação da

peça por meio do trabalho colaborativo. O objetivo principal foi investigar o processo de

colaboração entre compositor e interprete na elaboração da Jurema Encantada. Evidenciaram-

se os aspectos estilísticos emergentes do processo colaborativo, que se mostrarem inovadores,

a partir da estética armorial. A apresentação pública da obra e sua disponibilização em

partitura editada com arcos e digitações faz parte da estrutura do trabalho. A justificativa para

a escolha do tema é a necessidade de ampliação do repertório para o contrabaixo, por

intermédio do trabalho colaborativo, o que possibilitou a inserção de elementos inovadores

propostos pelo compositor, sendo o intérprete um aliado importante do compositor na procura

de soluções técnicas e musicais dos idiomatismos próprios do contrabaixo. As ferramentas

metodológicas utilizadas foram a revisão bibliográfica, reuniões com o compositor,

entrevistas presenciais e por meio eletrônico, bem como a análise e edição da partitura

visando à performance.

O trabalho será dividido em seis capítulos: 1. Introdução; 2. Revisão de Literatura; 3.

Fundamentação Teórica; 4. Metodologia e 5. O processo colaborativo nos três momentos da

Jurema Encantada e 6. Considerações finais.

As referências para o nosso trabalho em relação ao processo colaborativo entre

compositor e intérprete se apoiarão nas publicações de Borém (1998), Lobo (2016), Borges at

al (2017), Domenici (2010) e Ray (2010).

Sobre o Movimento Armorial, as nossas referências serão Lima (2014), Queiroz

(2002), Holschuh (2017) e Ventura (2007).

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2 REVISÃO DE LITERATURA

Neste capítulo, retrata-se a história musical do compositor Danilo Guanais, bem como

as características da música armorial presentes em sua obra. Apresentamos também uma

entrevista feita com Guanais a respeito da estrutura pensada para a sua peça “A Jurema

Encantada”.

2.1 Danilo Guanais

[...] Danilo Guanais é um músico da mais alta importância para o nosso país. Eu

admiro tanto Danilo [...] e, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, está

apoiando e prestigiando o [seu] trabalho, isso é uma coisa muito importante [...]

(SUASSUNA apud LIMA, 2014, p. 31).

Danilo Guanais tem uma carreira consolidada como compositor, violonista e,

atualmente, é professor doutor da EMUFRN, lecionando Linguagem e Estruturação Musical

naquela universidade, segundo Lima: “O paulistano mais potiguar que São Paulo já

produziu”, nasceu em 29 de março de 1965, sua família mudou-se para Natal, Rio Grande do

Norte, antes dele completar um ano de vida.” (LIMA, 2014, p. 32).

Compõe para diversas formações da música erudita. Além de arranjador, tem

composto “diversas trilhas sonoras para teatro, cinema e dança, e até pela literatura”

(QUEIROZ, 2002, p. 21). Guanais recebeu diversos prêmios, sendo dois internacionais (V

Festival Internacional de Teatro em Pelotas - RS e II Festival Internacional de Artes Cênicas

de Resende - RJ)” (NÓBREGA, 2000, p. 114).

A influência do armorial em sua carreira é destacada por Lima (2014) e Queiroz

(2002) em suas dissertações de Mestrado. No trabalho de Queiroz (2002), está disponível um

catálogo de obras de Guanais, no qual se destacam obras compostas em estilo Armorial. De

acordo com Holschuh (2017), três dentre suas composições mais importantes são

consideradas como fazendo parte desse estilo. São elas: a Missa de Alcaçus de 1996, a

Sinfonia n. 1 de 2002 e a Paixão segundo Alcaçus de 2013 (HOLSCHUH, 2017, p. 36-37).

De acordo com Queiroz (2014), sua obra “Paixão segundo Alcaçus” está entre as mais

importantes composições em estilo armorial:

Queiroz (2014) menciona, como obras de destaque compostas recentemente sob a

influência armorial: o Concerto duplo Armorialis para viola e violoncelo, escrito em

2007, por Eli-Eri Moura (MOURA, 2014); a ópera armorial Dulcinéia e Trancoso,

escrita em 2009, também por Eli-Eri Moura com libreto do escritor e teatrólogo

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Waldemar José Solha (MOURA, 2009); e a Paixão segundo Alcaçus, escrita em

2013, por Danilo Guanais (GUANAIS, 2013) (HOLSCHUH, 2017, p. 35).

Sua obra mais antiga em estilo armorial é o Baião de Dois de 1994, para dois pianos

(GUANAIS, 2019, informação verbal).

Atualmente, dentre diversos projetos, Guanais se dedica a um conjunto de

composições para solistas de instrumentos de corda (Violino, Viola, Violoncelo e

Contrabaixo), intitulada “Tetralogia da tragédia”. Compõem essa tetralogia: “Com loro nel

fiume”, para viola solo; “O Caldeirão dos esquecidos”, para violino solo; “Jurema

encantada”, para contrabaixo solo; e a última, uma peça para violoncelo solo, com

argumento e nome ainda nãos definidos, até o presente momento1.

A peça “Jurema encantada” para contrabaixo solo tem como argumento um caso

ocorrido na Paraíba seiscentista entre os Índios Potiguaras e os colonizadores portugueses2. A

história se passa a partir do casamento de Iratembé, realizado na condição de ela permanecer

com o marido na tribo, posteriormente porém, o marido foge e a leva consigo. Os irmãos de

Iratembé são enviados pelo Pai a Olinda, para tratar com Antonio Salema (Gov. do

Província), a devolução de Iratembé, o que ocorreu de fato. No retorno à aldeia, os três irmãos

pedem abrigo no Engenho de Tracunhaém, para passar a noite e seguir. O dono do engenho,

Diogo Dias, encantado com a beleza de Iratembé, sequestra a indígena e informa aos dois

irmãos que eles devem prosseguir sem ela. Retornando à aldeia e narrando o ocorrido, os

Potiguaras se organizam num grande grupo de mais de 2.000 indígenas, que vão ao engenho e

exterminam todos os quase 600 habitantes.

Esse fato ficou conhecido como a “Tragédia de Tracunhaém” e deu origem à Capitania

Real da Paraíba em 1574, como forma de Portugal determinar o controle na região, mas só

dez anos depois, efetivou-se a sua ocupação, em 1585, e isso por conta da resistência

indígena, de acordo com Gurjão:

As hostilidades dos portugueses com os potiguaras se agravaram muito após a

chamada “Tragédia de Tracunhaém”. Esse episódio ocorreu devido ao rapto e

posterior desaparecimento de uma índia, filha do cacique potiguar, no Engenho

Tracunhaém (Pe.). Após receber a comitiva constituída pela índia e seus irmãos,

vindos de viagem, após resgatar a índia raptada, para pernoite em sua casa, um

senhor de engenho, Diogo Dias, provavelmente escondeu-a, de modo que quando

amanheceu o dia a moça havia desaparecido e seus irmãos voltaram para sua tribo

sem a índia. Seu pai ainda apelou para as autoridades, enviando emissários a

Pernambuco sem o menor sucesso. Os franceses que se encontravam na Paraíba

estimularam os potiguaras à luta. Pouco tempo depois, todos os chefes potiguaras se

1 Informação fornecida por Danilo Guanais, em sua casa, em Natal, em outubro de 2017. 2 A Jurema Encantada (SALES, 2012, p. 9).

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reuniram, movimentaram guerreiros da Paraíba e do Rio Grande do Norte e

atacaram o engenho de Diogo Dias. Foram centenas de índios que, ardilosamente, se

acercaram do engenho e realizaram uma verdadeira chacina, a morte de todos que

encontraram pela frente: proprietários, colonos e escravos, seguindo-se o incêndio

do engenho (GURJÃO, 2001, p. 14, grifo nosso).

Essa, então, é a história que se tornou o argumento para a peça “Jurema Encantada” de

Guanais. O trabalho estabelece-se por meio da mediação do processo pelo diálogo entre

intérprete/compositor, buscando as possibilidades idiomáticas, estilísticas e técnicas para a

construção e interpretação da obra.

2.2 O Movimento Armorial

No início do trabalho colaborativo com Guanais, quando soubemos que a sua peça

Jurema Encantada seria em estilo Armorial, pensamos na necessidade de nos aprofundarmos

mais sobre as caraterísticas do Movimento, considerando que a obra escrita por Guanais está

repleta de referências a esse respeito. A influência do estilo armorial está presente em muitos

dos seus trabalhos e na Jurema isso já ficou claro desde o início, embora segundo o próprio

Guanais, em entrevista concedida a mim, explique que a Jurema Encantada está “num estilo

Armorial que se mescla com aspectos estilísticos da linguagem moderna, ou seja, afastando-se

um pouco da sonoridade característica dos primeiros exemplares que são referência do

Movimento Armorial” (Apêndice A).

Felizmente, nos últimos anos tem havido um número significativo de publicações

sobre esse tema, muitos autores têm se debruçado sobre a história do Movimento Armorial,

especialmente sobre as características da arte da música armorial e seu idealizador Ariano

Suassuna.

O idealizador do Movimento Armorial, Ariano Suassuna, foi oitavo dos nove filhos de

Rita de Cássia e João Suassuna, Ariano nasceu na capital do estado da Paraíba em 16 de junho

de 1927. Com a idade de três anos, sua família perde o convívio do pai, que foi assassinado

por conflitos no âmbito da Revolução de 1930. A morte prematura “marca profundamente

Suassuna e sua obra, que se constrói, de certa maneira, como uma homenagem à memória da

figura paterna, como uma busca da recuperação do trauma pelo viés da arte” (SIMÕES, 2016,

p. 10).

O Movimento Armorial surgiu em Recife (PE) em 1970. “Sua estreia oficial se deu em

18 de outubro de 1970, com um concerto da recém-criada Orquestra Armorial de Câmara e,

simultaneamente, uma exposição de artes plásticas” (NÓBREGA, 2000, p. 2). Segundo

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Ariano Suassuna, o objetivo do movimento seria “[...] realizar uma Arte brasileira erudita a

partir das raízes populares da nossa Cultura” (SUASSUNA , 1974, p. 9). Embora o fim do

movimento Armorial tenha sido anunciado em 1980, tem havido uma retomada de

regravações do repertório armorial, como comprovam compositores como Danilo Guanais,

que faz parte do grupo dos vários compositores que têm retomado o legado armorial, segundo

Simões: “[...] por volta de 1980, há quem anuncie o fim do movimento. No entanto, outros

defendem que há, pelo contrário, um momento de aprofundamento das questões levantadas

nos anos anteriores com a chegada de novos artistas na chamada Fase Arraial (SIMÕES,

2016, p. 10)”. As referências utilizadas por nós para o entendimento do estilo armorial, além

da Orquestra Armorial e Quinteto Armorial, foi o Quinteto da Paraíba, que representa

exatamente uma retomada do repertório armorial nos anos 90.

A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação

com o espírito mágico dos ‘folhetos’ do Romanceiro Popular do Nordeste

(Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus

‘cantares’, e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e

à forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro

relacionados (SUASSUNA, 1974, p. 7).

De acordo com Ariano Suassuna, o Movimento Armorial foi criado na década de 70

do século XX e objetivava a construção (a partir da união de artistas e escritores) de uma arte

brasileira erudita, fundamentada na raiz popular da nossa cultura. “Procuramos essa arte

também com o objetivo de lutar contra o processo de descaracterização e de vulgarização da

cultura brasileira.” (SUASSUNA 1974, p. 9). Segundo Lima (2014), sua estreia oficial se deu

em 18 de outubro de 1970, “com um concerto e uma exposição de artes plásticas, realizados

paralelamente na Igreja São Pedro dos Clérigos, na cidade do Recife - Pernambuco.” (LIMA,

2014, p. 11). A formação do Quinteto Armorial, ocorreu um ano antes, sobre isso relata

Suassuna:

Foi em 1969 que começamos, propriamente, o trabalho de composição da música

Armorial... realizado para um Quinteto que fundei composto de dois pífanos e duas

rabecas. O primitivo Quinteto Armorial, fundado por mim em 1969 era, portanto,

composto de duas flautas – por causa dos dois pífanos do “terno” – um violino e

uma viola-de-arco - por causa das duas rabecas – e percussão, por causa da

“zabumba”. Nesse primeiro Quinteto, algumas coisas não me deixavam inteiramente

satisfeito. Uma era, como já disse, a adoção exclusica, nele, de instrumentos

refinados, com exclusão dos rústicos. Outra, era o uso de bateria em vez da

“zabumba”, para a persussão. E a outra era a ausência da viola sertaneja, que eu

considerava fundamental para Música com a qual sonhava desde 1946.

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Posteriormente, com a formação que gravou o primeiro vinil em 1974, com o

repertório Armorial, Suassuna obteve êxito na sonoridade que buscava, como comprova esse

depoimento:

A grande vantagem do Quinteto Armorial é que, enquanto os demais grupos, em sua

maioria, têm que se valer das músicas alheias – músicas as vezes interessantes,

como “Asa Branca”, mas que já faziam sucesso na década de 50 e que, às vezes, são

meio falsificadas na linha comercial – nós contamos com compositores que já estão

dando o que falar no campo da música brasileira erudita de raízes nacionais e

populares. É gente como Antônio José Madureira, Antônio Carlos Nóbrega de

Almeida e Jarbas Maciel, isto é, gente que não se limita a repetir, mas leva adiante,

aprofundando-as, e numa linha diferente, as experiências de Nepomuceno, Villa-

Lobos, Camargo Guarnieri e outros. Foram os compositores armoriais que

valorizaram a flauta, a viola sertaneja, a rabeca, o violão e o marimbau nordestino,

estranho e belo instrumento, de som áspero e monocórdico, lembrando os

instrumentos hindus ou árabes, estes últimos de presença tão marcante no Nordeste,

por causa de nossa herança ibérica. (SUASSUNA, 1974, P. 64)

]Suassuna destaca o fato de que, “o Movimento Armorial é um Movimento porque é

abrangente, ele atua em vários setores, praticam-se nele vários gêneros de arte, artes plásticas,

artes literárias, o Romance, o Teatro, a Poesia, a Pintura, a Escultura, a Gravura, o Tapete, a

Cerâmica, e por aí vai (SUASSUNA, 1974 p. 69). Lima (2014) lembra que vários intelectuais

reuniam-se desde a década de 40, liderados por Suassuna, buscando construir uma

“consciência artística voltada para a arte popular e folclórica, direcionada para a concretização

de uma identidade cultural genuinamente brasileira” (LIMA, 2014, p. 11), como afirma

Suassuna, “As reflexões teórico-ideológicas referentes à estruturação do Movimento Armorial

e, a própria Arte Armorial precediam em anos, o concerto “inaugural” da referente iniciativa

artística.” (LIMA, 2014, p. 12).

Na música, foi por meio do trabalho do Quinteto Armorial e da Orquestra Armorial de

Câmara, que surgiram “jovens compositores e instrumentistas, dos quais, os nomes basilares

são: Clóvis Pereira, Jarbas Maciel, Capiba, Antônio José Madureira, Guerra Peixe e Cussy de

Almeida” (LIMA, 2014, p. 13).

O uso do termo Armorial, que batiza o movimento, é encontrado nos dicionários de

língua portuguesa como substantivo. “No Houaiss é exposto como “livro em que se registram

os brasões da nobreza, relativo à heráldica ou brasões” [...]” (LIMA, 2014, p. 13), o caráter

estético do movimento Armorial caracteriza-se pelo “entrecruzar do erudito e o popular

brasileiro a partir de raízes folclóricas, calcando estreito paralelismo entre o Movimento

Armorial e o Nacionalismo musical brasileiro.” (LIMA, 2014, p. 14).

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Em relação aos aspectos armoriais na obra de Guanais, as investigações de Queiroz

(2002), Holschuh (2017) e Lima (2014) foram fundamentais, por tratarem tanto do

Movimento Armorial quanto das obras do compositor em tela.

2.2.1 A sonoridade armorial

Do ponto de vista melódico, a Música Armorial se caracteriza também pelo uso de

“[...] melodias curtas constituídas de fragmentos que se repetem, muitas vezes em

terças, sextas, com timbres diferenciados, havendo uma inexistência de

desenvolvimento temático” (NÓBREGA, 2000, p. 62).

Gostaríamos de chamar a atenção para o aspecto da sonoridade armorial, por ser um

elemento a ser definido na interpretação da obra de Guanais.

De acordo com Ventura (2007):

Para Ariano, a dimensão sonora do espaço Nordeste deveria sempre apresentar uma

certa “aspereza”, de forma a expressar o que haveria de “áspero” no próprio sertão:

uma terra de clima seco, paisagens hostis, solo duro, e gente valente. Segundo

Ariano, a música armorial deveria refletir nos sons essa dureza primordial do dito

“ser nordestino” (VENTURA, 2007, p. 148).

Continuando, afirma Ventura que “Ariano deseja ouvir na música armorial não apenas

o timbre dos instrumentos usados nos conjuntos populares de música do Nordeste – o pífano,

a viola, a rabeca – mas algo mais – uma certa paisagem sonora que esses timbres parecem

evocar” (VENTURA, 2007, p. 137).

Lima (2014) destaca que houve divergências entre o violinista Cussy de Almeida e

Suassuna: “Cussy de Almeida era partidário de uma sonoridade mais refinada, erudita;

Suassuna insistia em um timbre mais áspero, mais rústico e imitativo da rabeca.” (LIMA,

2014, p. 123).

A posição de Ventura a respeito do assunto aponta para uma variedade que, a nosso

ver, parece mais coerente com a diversidade possível, quando se fala em produção musical

nordestina:

Discutir os aspectos sonoros espaciais aos quais o Armorial liga sua música não

significa comprovar ou não a existência de um ambiente sonoro próprio no espaço

Nordeste, pois a possibilidade é que existam nele vários ambientes sonoros distintos,

como existem vários espaços – o campo, a praia, a cidade; mas é analisando a forma

como o Movimento elege certos sons como sendo próprios, do espaço imaginário

Nordeste, que podemos desmontar o discurso que o Armorial constrói como

subsídio para a elaboração de uma sonoridade nordestina. (VENTURA, 2007, p.

135).

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Sobre isso, Lima (2014) nos traz a opinião de Guanais a respeito dessa divergência:

Existem [sic] muitas maneiras de pensar nisso. Eu particularmente gosto de pensar

dentro da filosofia do que é a estética armorial. A estética armorial tem a pretensão

[de,] com base em elementos da cultura popular [,] criar um discurso erudito. Se é

um discurso erudito não há preocupação com a sonoridade popular... ...Agora, o

intérprete pode propor uma leitura, por exemplo: se o ritmo é um pouco mais

flexível ao rubato em determinados momentos e, é comum isso na prática, eu acho

que isso pode ser incorporado. Com a questão da sonoridade eu acho complicado

[…], na minha cabeça o discurso é erudito, a sonoridade popular, a sonoridade

cultural do povo ela é peculiar ao povo. A orquestra sinfônica tocando com a

sonoridade que é peculiar ao povo, eu acho isso um deslocamento, a não ser que isso

seja um efeito buscado em uma peça contemporânea, o que não é o caso. Apenas

uma sutil aproximação sonora, não uma imitação. Eu já penso que o elemento da

cultura popular serve como uma referência composicional, uma maneira de dizer

assim: eu estou em sintonia com a identidade do meu povo (informação verbal) 162.

(HOLSCHUH, 2017, p. 80-81).

É interessante notar a respeito disso que as gravações do Quinteto da Paraíba, por

exemplo, foram aprovadas por Suassuna, como comprova o seu texto a seguir:

O Quinteto da Paraíba é um dos melhores e mais afinados grupos camerísticos que

já ouvi em minha vida, o que, sem dúvida, é motivo de justo orgulho para minha

terra natal, cujo nome ele carrega. Conheço-o desde a sua fundação, e sem falar da

admiração que lhe tenho, identifico-me demais com a sua linha de trabalho (Encarte

do CD Quinteto da Paraíba, A Pedra do Reino, 2001)

O Quinteto da Paraíba regravou diversas composições lançadas pelo Quinteto

Armorial e, de fato, o que se percebe é que a sonoridade de câmara do quinteto não sofreu

nenhuma crítica por parte de Suassuna, pelo contrário, segundo suas palavras: “Por tudo isso,

é com a maior alegria que deixo aqui assinalada minha profunda gratidão a Jarbas Maciel e ao

Quinteto da Paraíba por terem sabido valorizar a música feita pelo povo do Brasil real”

(Encarte do CD Quinteto da Paraíba, A Pedra do Reino, 2001).

Dessa forma, buscou-se essa sonoridade proposta por interpretações, tanto do Quinteto

Armorial, quanto pelo Quinteto da Paraíba, como forma de estar em conformidade com as

consepções estéticas do compositor Guanais, como também com as de Suassuna, fundador do

Movimento Armorial.

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A literatura que fundamentou o nosso trabalho, refere-se à relação compositor e

intérprete e as etapas de construção do trabalho colaborativo. Para isso, dividimos este

capítulo em duas partes: “Sobre o trabalho colaborativo”, Interações entre compositor e

interprete” e “O processo de memorização da Jurema”. Esses são os pontos centrais do nosso

trabalho, que darão suporte para a compreensão da interpretação que se pretende da obra

Jurema Encantada.

3.1 Sobre o trabalho colaborativo

O trabalho colaborativo entre compositor e intérprete tem sido objeto de estudo de

vários autores no Brasil, a exemplo de Borém (1998), Lobo (2016), Borges et al (2017),

Brandino (2012) e Ray (2010). Torna-se importante ferramenta para a efetivação de um

repertório que atenda às características idiomáticas do nosso instrumento.

Sobre o surgimento do trabalho colaborativo, Brandino (2012) diz que “Houve um

momento em que a tradição ocidental atribuiu funções distintas à interpretação e à

composição”, e por causa disso “surgiu a relação intérprete-compositor, da necessidade de

manter a coerência e comunicação neste processo.” (BRANDINO, 2012, p. 7).

Um dos principais motivos de termos nos interessado pelo trabalho colaborativo é a

oportunidade de contribuir para a realização de obra escrita especificamente para o

contrabaixo, por um compositor que estivesse próximo, o que possibilitou o diálogo contínuo

em todas as etapas da construção da peça. Dessa forma, foi possível contribuir não só para

uma melhor compreensão dos idiomatismos por parte do compositor. A primeira obra solo

para o contrabaixo, escrita por um compositor notável, é de 1949, a Sonata para Contrabaixo e

Piano de Paul Hindemith, (BORÉM, 1998, p. 49). Antes disso, praticamente todo o repertório

para o contrabaixo era escrito por contrabaixistas, que conhecendo os recursos próprios do

instrumento, exploravam-nos de forma ampla, facilitando inclusive a sua interpretação por

parte dos futuros intérpretes. De acordo com Turetzky, o processo de colaboração para o

contrabaixo foi mais tardio que para outros instrumentos de cordas:

Tratava-se de um caso isolado num longo período que termina no final da década de

50, como afirma Turetzky (1989, p. x), pioneiro da música contemporânea para

contrabaixo nos Estado Unidos e colaborador em mais de 300 obras, ao mencionar

ironicamente as transcrições e composições “concebidas como se fossem para

violoncelo uma oitava abaixo e mais lentas”. (BORÉM, 1998, p. 49).

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Turetzky é um contrabaixista/compositor, ele sabe o quanto é importante o aspecto

idiomático para o contrabaixo. Muitas vezes, uma obra escrita para o contrabaixo não

“funciona”, pelo desconhecimento dos idiomatismos do instrumento, o que acaba provocando

situações onde as obras são “concebidas como se fossem para violoncelo uma oitava abaixo e

mais lentas”.

Quando decidimos fazer um trabalho de colaboração que resultasse em uma obra

inédita, tínhamos claro, a intenção de colaborar para o desenvolvimento do repertório do

contrabaixo e temos observado que o trabalho colaborativo tem sido uma forma de ampliação

do repertório para o nosso instrumento, mas também a possibilidade tanto do compositor

conhecer melhor os idiomatismos do instrumento quanto do performer poder sugerir ao

compositor a inclusão das novas técnicas incorporadas ao instrumento nas últimas décadas.

Historicamente, a colaboração entre o compositor e o intérprete pode ser observada

durante grande parte da história da música, Lobo cita várias colaborações famosas no século

XIX, como no Concerto para Violino de Beethoven, escrito em 1806 para o violinista Franz

Clemente, ou Concerto para violino de Felix Mendelssohn, composto em 1845, e que contou

com conselhos do violinista Ferdinand David, Lobo (2016).

Lobo pontua, porém, que no processo colaborativo há diferentes tipos de interações, o

que pode alterar tanto a composição da obra quanto a sua performance:

Levando em consideração que cada colaboração entre compositor e o interprete é

única, os resultados, tanto na composição quanto na performance, podem ocorrer em

diferentes níveis. Dessa forma o contato direto do compositor com o intérprete,

durante a composição de novas obras, fornece àquele a oportunidade de verificar as

possibilidades técnicas a serem utilizadas em sua peça. Já o interprete tem a

possibilidade de compreender a linguagem composicional do autor da obra e discutir

aspectos do entendimento musical relacionado à peça. (LÔBO, 2016, p. 17).

Também a respeito dos níveis das interações entre compositor e intérprete, Beal e

Domenici (2014) definem quatro interações possíveis: “1) o intérprete como executante; 2) o

intérprete como consultor; 3) o intérprete como encomendador; e 4) o intérprete como

cocriador (BEAL; DOMENICI, 2014, sem paginação). Fazendo um paralelo entre essas

possibilidades de interação e o nosso trabalho, percebemos que existem nesse caso, interações

nos quatro níveis: 1) Considerando que a nossa pesquisa prevê a interpretação da obra. 2)

Sendo um trabalho colaborativo, que é a primeira obra escrita para contrabaixo por Guanias,

foi necessário atuar como consultor, auxiliando o compositor nos aspectos idiomáticos do

contrabaixo. 3) A obra foi encomendada por nós, que inclusive sugerimos o tema a ser

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abordado, a partir do livro A Jurema Encantada de Salles (2004), no qual se encontra o

registro da Tragédia de Tracunhaem e 4 ) A cocriação fez parte do nosso trabalho

colaborativo, experimentando e definindo em conjunto situações que demandavam o

conhecimento empírico do intérprete.

Esse contato do compositor com o intérprete é mais um facilitador no processo de uso

e resolução dos aspectos idiomáticos de uma obra contemporânea, principalmente quando se

trata de uma obra escrita para contrabaixo, por um compositor que está estreando uma peça

para contrabaixo e ao mesmo tempo, fazendo uso de técnicas estendidas e em estilo Armorial.

Praticamente tudo é uma experiência nova, demandando um contato permanente entre as

partes, Domenici (2010) defende que “na música contemporânea, quando tradições de

performance ainda não estão estabelecidas, o contato [do instrumentista] com o compositor é

crucial”, permitindo “o entendimento mais acurado do estilo do compositor, bem como os

aspectos que fundamentam tal estilo” (DOMENICI, 2010 apud BORGES at al, 2017, p. 4).

Acreditamos que os resultados obtidos no trabalho de construção da Jurema

Encantada só foram possíveis por meio da colaboração. Quando observamos a história da

composição para o contrabaixo, sabemos que o repertório mais representativo escrito para

esse instrumento foi escrito por contrabaixistas que eram também compositores, por exemplo:

Sergei Koussevitzky (1874-1951), Domenico Dragonetti (1763-1846) e Giovanni Bottesini

(1821- 1889), esse último escreveu e interpretou uma grande variedade de obras solo para o

contrabaixo. Então, percebe-se como era comum a figura do intérprete atuando também como

compositor. Sobre isso, Ray afirma que houve uma perda com a separação das funções do

compositor e intérprete, pois segundo ela, “é raro, hoje em dia, os músicos terem o domínio

da composição e execução” (RAY, 2010, p. 13-14). Domenici, que também está de acordo

com a afirmação de Ray, afirma que essa separação começou nos currículos de formação dos

músicos, colocando execução e composição como disciplinas em currículos distintos:

Desde a separação das atividades de composição e performance musical em duas

disciplinas com currículos próprios que visam o desenvolvimento de habilidades

específicas, compositores e performers acumulam experiências diferenciadas que

resultam em percepções e sistemas de valores distintos. Desta maneira, o trabalho

colaborativo pode ser visto como um esforço para a superação da mútua deficiência

de percepção (DOMENICI, 2013, p. 11).

Em contrapartida, “o trabalho colaborativo coloca compositor e performer em uma

relação horizontal caracterizada pelas inter-relações entre a oralidade e a notação.”

(DOMENICI, 2013, p. 2).

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A ideia de parceria é exposta em um artigo de 1963 escrito pelo compositor e

regente Lukas Foss (FOSS, 1963, p. 47). Foss denomina o trabalho colaborativo de

compositores e performers “a joint enterprise in new music”, apontando para uma

relação fundada sobre o diálogo e a cumplicidade em um contexto que preserva a

divisão de trabalho. (DOMENICI, 2013, p. 4-5).

Ainda sobre a ideia de parceria, Domenici nos diz o seguinte: “Será que podemos

denominar de colaboração uma situação na qual o performer age passivamente esperando que

o compositor determine unilateralmente a construção da performance?” (DOMENICI, 2013,

p. 8-9). Domenici coloca que na relação compositor-intérprete, há dois modos de se

relacionar, que ela chama de vertical (impessoais) ou horizontal, a amizade e afinidade são

fatores decisivos nessa relação: “Na contra-corrente das relações impessoais implicadas no

modelo vertical de relações compositor-performer, colaborações são frequentemente

marcadas por relações de amizade, afinidades de ordem ideológica, estética ou estilística.”

(DOMENICI, 2013, p. 9). Desde a sua gênese, a Jurema Encantada foi fruto de relações de

amizade e proximidade com o compositor, tanto que a primeira conversa sobre a intenção de

sua construção ocorreu na casa do compositor em um encontro informal entre amigos. De

acordo com Schwartz e Childs: “os melhores performers são aqueles que são amigos do

compositor porque estes são os que compreendem o que o compositor está fazendo”

(SCHWARTZ; CHILDS, 1967, p. 368).

O aspecto da importância da presença da amizade no trabalho colaborativo também é

abordado por Harvey Sollberger: “...música não é apenas uma transação fria entre unidades

econômicas. É a consumação viva de uma conexão social. Dentre os músicos que tocaram o

meu quinteto na noite de terça-feira alguns eu conheço há 40 anos.” (SOLLBERGER, 2009).

Como visto, muitos autores evidenciam a importância da necessidade do vínculo de

amizade nas relações musicais, Ray também faz referência às situações de afinidade entre

compositor-intérprete, como também evidencia outro tipo de relação encontrada hoje no

ambiente acadêmico, com um caráter mais científico:

As colaborações compositor-performer no século XXI revelam ao mesmo tempo

experimentações intuitivas e colaborações cuidadosamente planejadas e estudadas.

O primeiro caso faz referência ao secular processo de afinidade entre músicos

contemporâneos, observável na igreja e nas cortes e, mais recentemente, em

produções musicais mistas. O segundo caso faz referência a resultados de

colaborações entre pesquisadores que mesclam o conhecimento tácito ao científico

em busca de novas possibilidades para os dois profissionais envolvidos: performer e

compositor (RAY, 2010, p. 1310).

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Para Ray, “As perspectivas para as próximas décadas do século XXI são de que a

música composta esteja cada vez mais em relação com a realidade à sua volta. Ou seja, a

colaboração compositor-intérprete tende a ser mais informada e sofisticada” (RAY, 2010, p.

4), diferentemente “da busca por novos timbres que dominou a música ‘contemporânea’ do

início do século XX” (RAY, 2010, p. 4).

Observa-se nas proposições dos autores citados que a colaboração entre compositor e

intérprete apresenta diversas possibilidades tanto para o primeiro quanto para o segundo, no

processo de colaboração da peça de Guanais, a importância dessa ferramenta ficou muito

evidente. Para Ray, “A colaboração compositor-performer tem se mostrado um fértil caminho

para o aprofundamento do conhecimento artístico, particularmente na promoção de novas

obras de compositores ativos e no estímulo à ampliação de técnicas de execução instrumental”

(RAY, 2010, p. 6).

Outro aspecto levantado por Domenici são as relações que envolvem o trabalho

colaborativo, presentes tanto do ponto de vista pessoal como no social, influenciando

diretamente nessas relações dos dois atores envolvidos. Ela afirma que: “Na prática

colaborativa esse excesso de visão é assegurado não apenas no campo individual, mas

também no campo social.” (DOMENICI, 2013, p. 10-11). Para ela, são as relações sociais que

estão “estabelecidas na divisão de trabalho entre quem cria/compõe e quem reproduz/toca.”

(DOMENICI, 2013, p. 1).

Tanto Ray quanto Domenici veem de forma positiva as práticas crescentes de

colaboração entre compositores e intérpretes, para ambas é uma ferramenta a qual permite

várias possiblidades para a composição e para a performance.

Ainda sobre as relações que estão presentes no trabalho colaborativo, Argyris e Schön

(1974) descrevem dois tipos de interação: “aquelas em que os indivíduos têm papéis fixos e

defensivos (tipo I) e aqueles em que as pessoas podem questionar as ideias sobre seu próprio

papel (tipo II).” (CARDASSI at al, 2016, p. 77). Penso, em concordância com o autor acima,

que o tipo II é o ideal, pois na minha experiência da colaboração com Guanais, a liberdade de

questionamento possibilitou uma relação mais produtiva no nosso trabalho.

Percebe-se na fala dos vários autores citados, que o trabalho colaborativo tem sido

uma experiência positiva, se de um lado os compositores aprendem e diversificam as diversas

possibilidades técnicas do instrumento, do outro lado, o instrumentista tem a possibilidade de

assimilar as novas ideias do compositor. O instrumentista também pode propor novas

possibilidades que só é possível ao instrumentista, que conhece com profundidade o seu

instrumento.

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Durante o período de coleta de dados deste trabalho, documentei as etapas do

processo, desde a primeira conversa com Guanais a respeito da composição de uma peça solo,

que naquele momento, não tinha ainda título. Dessa forma, fizemos uso da comunicação

eletrônica durante todo o processo, com exceção de dois momentos: O primeiro diálogo que

tivemos na casa de Guanais e num segundo momento, para fazer uma leitura do início do

primeiro movimento. Dessa forma, todo o processo posterior foi executado por meio de

recursos eletrônicos de e-mail, WhatsApp e gravações de áudios e vídeos, em sua maioria

gravados do celular. Posso dizer agora, após ter a finalizado a partitura, que foi um processo

eficiente, considerando que estávamos na mesma cidade. Mesmo que não fosse possível nos

encontrarmos com a frequência esperada, aconteciam muitos encontros fortuitos, pelo fato de

ter trabalhado como contrabaixista em vários de seus espetáculos nesse período, o que me

possibilitava sempre que necessário, aproveitar algum momento para tirar alguma dúvida.

Essa relação próxima ao compositor sem dúvida foi um facilitador para o trabalho em

colaboração, como dito por Foss: “[...] no trabalho colaborativo de compositores e

performers”, há “uma relação fundada sobre o diálogo e a cumplicidade em um contexto que

preserva a divisão de trabalho.” (FOSS, 1963, p. 45).

Abaixo, descrevemos como se deu o processo colaborativo em todas as etapas, que

teve início em dezembro de 2017. O processo de composição e envio da peça para o intérprete

e todos os momentos em que se deu a comunicação colaborativa para a sua construção:

Tabela 1 - Processos de envio da obra pelo compositor

Primeiros contatos para tratar do projeto sobre a Jurema Encantada

23 de dezembro de 2017 Esse primeiro contato ocorreu na casa de

Guanais, em confraternização do grupo

que havia tocado a sua peça “Presente de

Natal”. Foi nesse momento em que ele,

Guanais, externou a intenção de compor

uma peça solo para contrabaixo.

01 de abril de 2018 Envio de diversos textos que tratavam

sobre a Tragédia de Tracunhaem”, assunto

sobre o qual Guanais se propôs a utilizar

como tema da peça. Um dos textos

enviados chama-se “À Sombra da Jurema

Encantada” (SALLES, 2010), título que

Guanais escolheu como tema da peça, que

passou a se chamar a Jurema Encantada.

Entrega das partituras

10 de maio de 2018 Envio pelo compositor, do esboço do

primeiro movimento.

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29 de maio de 2018 Envio pelo compositor, do primeiro

movimento incompleto.

11 de junho de 2018. Encontro com o compositor para fazermos

uma leitura juntos do início do primeiro

movimento, ainda incompleto.

17 de fevereiro de 2019. Envio pelo compositor, do primeiro e

segundo movimentos completos.

24 de junho de 2019 Envio pelo compositor, do terceiro

movimento completo.

27 de agosto de 2019 Envio pelo intérprete das partes dos três

movimentos com a versão final editada.

A partir dos encontros com o compositor e

com as definições das modificações a

serem feitas, fizemos uma edição final e

enviamos para Guanais. Fonte: Arquivo do autor.

Tabela 2 - Envio de áudios e vídeos para o compositor

Gravação de áudio e vídeo em estúdio de trechos com maior dificuldade e que

precisariam da aprovação do compositor quanto às decisões interpretativas

17 de junho de 2018 Envio de trechos do 1º mov. via WhatsApp.

20 de abril de 2019 Envio de trechos do 2º mov. via WhatsApp.

Nesse momento, ficamos muito satisfeitos com os

resultados iniciais, em grande parte pela aprovação

de Guanais, em relação à interpretação que

estávamos construindo. Em resposta à mensagem

enviada por mim, ele respondeu o seguinte: “Essa

peça vai ficar muito massa, adorei ouvir você

tocando” (GUANAIS). Informação verbal.

12 de maio de 2019 Envio da primeira leitura do 3º mov. via WhatsApp

21 de maio de 2019 Gravação em estúdio de vários excertos do 2º e 3º

movimentos da peça, cujos links estão disponíveis

no YouTube. Esses excertos foram usados para a

qualificação do meu projeto de dissertação. Seguem

abaixo os links para audição deles:

Vídeo 1:

https://www.youtube.com/watch?v=V08dlMdea6g

Vídeo 2:

https://www.youtube.com/watch?v=MSXggs_Vk6U

Vídeo 3:

https://www.youtube.com/watch?v=mbpO31lD47o

Vídeo 4:

https://www.youtube.com/watch?v=TP9b76a91b0

Vídeo 5:

https://www.youtube.com/watch?v=tFpRiOHdDQ4

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Fonte: Arquivo do autor.

As ferramentas utilizadas para a fundamentação teórica, permitiram uma maior

organização dos procedimentos durante o percurso de construção da peça de Guanais. O

processo de elaboração da obra começou desde a primeira conversa que tivemos com

compositor. Apresentar todas as etapas é uma forma de auxiliar os novos intérpretes que

venham futuramente a trabalhar num processo colaborativo.

3.2 O conceito de técnicas estendidas

Sobre o conceito de técnicas estendidas, Rosa (2014) compreende que há duas visões

atualmente mais aceitas por estudiosos do tema: “elementos inovadores ou elementos

tradicionais em contextos diferenciados” (ROSA, 2014, p. 836). Acredito que nas técnicas

estendidas aplicadas na Jurema Encantada, encontram-se elementos inovadores para o

repertório do contrabaixo.

Ainda sobre a conceituação de técnicas estendidas, Ray (2011) argumenta que autores

usam os termos “estendida” e “expandida” com o mesmo significado, seja na referência a

técnicas inovadoras na “forma de execução”, seja no “contexto em que são executadas”

(RAY, 2011).

Considerando a conceituação de Ray (2011), chamaremos a técnica investigada por nós de

estendida, por entender que é o caso de uma técnica de caráter inovador.

De acordo com Ferraz, a expressão “técnicas estendidas” está associada às técnicas de

performance instrumental , “se tornou comum no meio musical a partir da segunda metade do

século XX” e se referem “aos modos de tocar um instrumento ou utilizar a voz que fogem aos

padrões estabelecidos principalmente no período clássico-romântico”. (PADOVANI, J. H., &

FERRAZ, S., 2011, p. 11). Ainda de acordo com esse autor, “pode-se dizer que o termo

técnica estendida equivale a técnica não-usual: maneira de tocar ou cantar que explora

possibilidades instrumentais, gestuais e sonoras pouco utilizadas em determinado contexto

histórico, estético e cultural. (PADOVANI, J. H., & FERRAZ, S., 2011, p. 11).

Ferraz lembra que ocorreram várias “transformações importantes na instrumentação e na

orquestração desse início de século, as quais viriam a permitir aos compositores explorar

novas possibilidades instrumentais na música orquestral, o que acarretou “uma profunda

transformação da escritura composicional, seja ela para instrumento solista, para grupo de

câmara ou para orquestra”. (PADOVANI, J. H., & FERRAZ, S., 2011, p. 19).

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Sobre o início da utilização de técnicas estendidas no contrabaixo, Rosa (2014) apresenta

um dado bastante relevante, havendo registros de sua utilização já no século VII:

No contrabaixo é possível traçar um breve histórico da utilização de TE.

Possivelmente o primeiro compositor a utilizar TE no contrabaixo foi Heinrich

Ignaz Franz von Biber (1644-1704). Em sua obra Battalia, composta em 1673, Biber

lança mão de vários parâmetros que justificam o enunciado anterior, sendo possível

perceber um grande interesse na exploração de sonoridades que só voltariam a ser

investigadas no século XX. (ROSA, 2014, p. 836).

Biber foi um precursor bastante original do uso de técnicas estendidas, ainda mais quando

se observa que essa utilização só voltaria a ser investigada no século XX. De qualquer modo,

“toda prática instrumental sempre implicou em técnicas estendidas, resultantes da própria

experimentação musical com recursos instrumentais e vocais” (PADOVANI, J. H., &

FERRAZ, S., 2011, p. 12). Na música moderna e no caso da Jurema Encantada, por exemplo,

há uma dramaticidade que deve ser construída. A peça de Guanais é programática, ela se

propõe a contar uma história, Ferraz argumenta que o uso de “diferentes sonoridades, de

diferentes tipos de ataque, o som al ponticello (ao cavalete), o som alla tastiera (sobre o

espelho), isso não é jamais um fim em si. Na realidade, isso responde sempre, digamos, a um

desenho dramático” (PADOVANI, J. H., & FERRAZ, S., 2011, p. 15-16). Borém, em artigo

que trata da utilização de TEs em música popular, afirma que:

[...] em relação ao desenvolvimento e utilização da escrita instrumental idiomática

conhecida como técnicas estendidas, observa-se que isto é quase inexistente ou, em

uma perspectiva otimista, é ainda muito tímida nos arranjos de música popular. Uma

das razões para esta carência está no fato dos tratados de orquestração ou referências

de instrumentação estarem muito desatualizados. No caso do contrabaixo acústico,

que não foge à regra dos outros instrumentos orquestrais, há muito poucas

referências. As duas principais não foram escritas por teóricos da orquestração,

arranjadores ou compositores de renome, mas por instrumentistas. Estas fontes

referenciais surgiram no último quartel do século XX e, ainda hoje, permanecem

isoladas como poucas e relevantes referências sobre este assunto. The Contemporary

Contrabass, do contrabaixista norte-americano Bertram Turetzky, foi publicado pela

primeira vez em 1974 e teve uma edição revisada somente depois de duas décadas

(TURETZKY, 1989). Já Modes of playing the double bass: a dictionary of sounds,

que é um dicionário de técnicas estendidas escrito pelo contrabaixista francês Jean-

Pierre Robert (1995), se tornou o primeiro livro a incluir um CD com áudios

ilustrativos dos procedimentos não-tradicionais de mão esquerda e de mão direita no

contrabaixo. (BORÉM; CAMPOS, 2016, p. 49).

Temos uma carência de materiais de orquestração atualizados, “onde há muito poucas

referências para o contrabaixo” (BORÉM, 2016). Há porém uma produção acontecendo, seja

em trabalhos colaborativos entre compositor e intérprete, seja a partir de iniciativas de

contrabaixistas como Borém e Rosa, dentre outros.

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3.3 Interações entre compositor e intérprete

Na construção do trabalho colaborativo, observei diversas formas de interações entre o

compositor e intérprete, “Argyris e Schön (1974) descrevem dois tipos de interação: aquelas

em que os indivíduos têm papéis fixos e defensivos (tipo I) e aqueles em que as pessoas

podem questionar ideias sobre seu papel (tipo II)” (CARDASSI at al, 2016, p. 77).

Comentando o seu próprio trabalho colaborativo desenvolvido com Celona, Cardassi afirma:

“Estávamos abertos para experimentar juntos, questionando nossos próprios papéis no

processo criativo ao longo da colaboração.” (CARDASSI at al, 2016, p. 77). E continua, “Há

evidentemente muitas maneiras de desenvolver uma colaboração. Este artigo descreve um

desses modelos, escolhido por ter sido uma das minhas colaborações artísticas mais

recompensadoras.” (CARDASSI at al, 2016, p. 97).

Essa abertura à experimentação é, a meu ver, elemento importante no processo de

construção da obra, ela reafirma a interação existente no processo colaborativo, o texto de

Cardassi reafirma isso: “Em nossa colaboração, Celona e eu estávamos procurando maneiras

novas de criar uma obra de arte [...]” (CARDASSI at al, 2016, p. 89).

É importante lembrar que durante algum tempo, a palavra colaboração não significava

necessariamente trabalho compartilhado, “A palavra colaboração foi adotada sem sua

implicação de autoria compartilhada e se tornou a regra.” (CARDASSI at al, 2016, p. 84).

No trabalho colaborativo desenvolvido com Guanais, busquei essa autoria

compartilhada da qual Cardassi nos fala. Guanais e eu temos uma relação de amizade de

muitos anos. Além disso, trabalhamos juntos na mesma instituição como professores, acredito

que isso foi um facilitador no processo de construção da “Jurema Encantada”. Domenici

aborda uma forma de relação entre compositor e intérprete que busca a horizontalidade, ou

seja, a igualdade de condições para propor, quando necessário: “[...] o trabalho colaborativo

coloca compositor e performer em uma relação horizontal caracterizada pelas inter-relações

entre a oralidade e a notação” (DOMENICI, 2013, p. 2). A possibilidade de equilibrar essa

oralidade (que considero como as contribuições de ambas as partes) e a notação (que é muitas

vezes um trabalho próprio do compositor), mas que pode ser muito mais eficiente, do ponto

de vista idiomático, como também do ponto de vista musical, quando há a contribuição dos

dois lados.

Reforçando a ideia de relação horizontal, “Foss denomina o trabalho colaborativo de

compositores e performers “a joint enterprise in new music”, apontando para uma relação

fundada sobre o diálogo e a cumplicidade em um contexto que preserva a divisão de

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trabalho.” (FOSS, 1963, p. 47), fazendo um rápido apanhado dos termos utilizados pelos

autores citados, temos, por exemplo: “diálogo e cumplicidade”, “divisão de trabalho”,

“relação horizontal”, “igualdade de condições para propor” etc. Todos esses termos remetem

a um trabalho realizado com uma real colaboração e não apenas uma colaboração com uma

divisão clara das funções de cada um. De acordo com Domenici (2013), essa parceria é

realmente uma nova maneira de produção musical, um novo caminho a ser desvelado, porque

a ideia de parceria, durante muito tempo, não fez parte dos processos produtivos em

composição: “De fato, a própria ideia de colaboração vai de encontro à estrutura tradicional

da relação vertical compositor-obra-intérprete [...]” (DOMENICI, 2013, p. 5), e continua

Domenici, ao abordar uma situação na qual o performer se coloca de maneira passiva:

Será que podemos denominar de colaboração uma situação na qual o performer age

passivamente esperando que o compositor determine unilateralmente a construção

da performance? Ou ainda que o compositor veja no contato com o performer

apenas uma oportunidade ter acesso ao seu arsenal técnico? (DOMENICI, 2013, P.

8-9).

Durante o período de coleta de dados deste trabalho, observei que houve uma divisão

do trabalho de forma horizontal, em que tanto busquei ouvir as proposições do compositor,

como também pude opinar sobre soluções de problemas técnicos e principalmente musicais,

ligados aos idiomatismos próprios do contrabaixo. Penso igualmente que “colaborações são

frequentemente marcadas por relações de amizade, afinidades de ordem ideológica, estética

ou estilística.” (DOMENICI, 2013, p. 9), esse aspecto esteve presente durante todo o processo

colaborativo e norteou a forma como foi sendo construída a peça. Dois aspectos que julgamos

relevantes para que seja possível o processo de colaboração é estarmos nós e o compositor

num ambiente acadêmico que tem estimulado sobremaneira o contato entre compositores e

intérpretes, Ray (2010) chama a atenção para a importância desse fomento que tem ocorrido

na academia:

[...] colaborações cuidadosamente planejadas e estudadas também revelam celeiros

de criação envolvendo compositores e performers, particularmente no seio

acadêmico. A ideia da academia abrigar um músico-pesquisador tem permitido aos

compositores o desenvolvimento de suas propostas composicionais, bem como

permitido ao performer inserido na academia experimentar novas possibilidades de

execução. (RAY, 2010, p. 1-2).

Passaremos agora a apresentar alguns exemplos da “Jurema Encantada” nos quais, por

meio da colaboração, foram encontradas soluções musicais que resultaram em linguagem

inovadora, do ponto de vista técnico, mas principalmente do ponto de vista MUSICAL. Cada

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exemplo musical é acompanhado do seu respectivo áudio, para uma melhor compreensão do

efeito musical resultante.

Tendo a peça de Guanais uma forte influência do Movimento Armorial, um aspecto

que nos chamou a atenção foi como funciona a percussão na música do Quinteto Armorial,

por exemplo. O Quinteto Armorial pensava na percussão a partir dos próprios instrumentistas

que compunham sua formação, não havia um responsável por tocá-la, segundo Antônio

Madureira, integrante do Quinteto Armorial desde seu primeiro LP gravado em 1974, “Como

a percussão do Quinteto foi sempre sutil, os músicos (violonista, violinista, flautista etc.), nos

dividíamos conforme as músicas, para criar a percussão, mas eu não tenho na lembrança

quem fazia cada uma das faixas gravadas” (informação verbal). Essa informação foi dada ao

bandolinista pernambucano Marcos César, a nosso pedido. Exceções são as gravações do

Quinteto Armorial é “Romance ibérico”, recriado pelo músico do Quinteto Armorial, Antônio

Madureira, e “Entremeio para Rabeca e Percussão”, de Antônio Carlos Nóbrega, também

integrante do Quinteto Armorial, mas nesse caso, a percussão tem função de

acompanhamento, diferentemente de quando é executada pelos músicos do Quinteto, em que

o elemento rítmico está inserido na construção composicional.

A estética armorial revelou de maneira enfática aspectos do universo artístico popular

nordestino [...] (MORAES, 2000, p. 17).

Um exemplo da manutenção desse princípio é a percussão no Quinteto da Paraíba,

muitas vezes executada pelo contrabaixo (Zabumbaixo, um conceito criado por Xisto

Medeiros, contrabaixista do Quinteto da Paraíba), um exemplo muito característico é “Toré”

do compositor Antônio Madureira (1974), regravado pelo Quinteto da Paraíba em 1998.

Guanais, inseriu na Jurema aspectos percussivos de forma inovadora, tendo o

intérprete que executar uma linha melódica e um motivo rítmico ao mesmo tempo.

Em seguida, apresentaremos o primeiro exemplo da linguagem musical construída por

meio do trabalho colaborativo, entre eu e o compositor.

Na fig. 1, penso que se encontra o exemplo mais significativo do contexto

colaborativo em que trabalhamos com Guanais, pode-se dizer que foi o momento no qual

surgiu a nossa primeira contribuição significativa para a peça. Como dito anteriormente por

Cardassi: “Estávamos abertos para experimentar juntos” (2016). Essa experimentação, sendo

baseada no conhecimento empírico da música armorial, deu mais subsídios para as

proposições, tanto de Guanais quanto as minhas. Dessa forma, como podemos ver na fig. 1

abaixo, a proposição de Guanais era a execução da percussão com a mão direita, no tampo do

instrumento, a nossa sugestão foi a percussão com a mão esquerda no braço do instrumento, o

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que resultou num efeito percussivo mais fluido e ao mesmo tempo bastante inovador,

chamaremos esse efeito de pizzicato/percussão. Ele é a junção do pizzicato com a batida da

mão esquerda por cima das cordas, a sonoridade que resultou se deve ao uso, inclusive, do

som da batida da mão esquerda no espelho do instrumento. Além da partitura, encaminhamos

o link para a audição do excerto abaixo, como também dos seguintes:

Figura 1 - Uso de efeito percussivo com a mão esquerda (trecho indicado pelas setas)

Fonte: Guanais (primeira versão do Mov. II).

No exemplo musical de Cortes (2014), temos a figura típica do Baião, que é a nossa

referência para a elaboração do que nomeamos de pizzicato/percussão, baseando-nos na

rítmica do zabumba com uso do bacalhau:

A zabumba, por sua vez, marca a pulsação através de acentos graves. O zabumbeiro

também executa contratempos com o uso de uma baqueta de bambu que tem o nome

de “bacalhau”. É preciso deixar claro que o Ex.1 ilustra apenas a condução rítmica

mais elementar, visto que há um grande número de variações dessa “levada” nas

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gravações. O zabumbeiro realiza frases utilizando os graves e diferentes acentuações

com o “bacalhau” (CORTES, 2014, p. 197).

Figura 2 - Exemplo da “levada” do triângulo e zabumba no Baião

Fonte: Cortes (2014).

A partir do efeito conseguido com essa articulação presente na fig. 1, Guanais ampliou

as possibilidades de utilização dessa linguagem, aplicando-a com outros elementos presentes

na sua própria escrita. A partir do ritmo apresentado na fig. 2, imaginei o acento grave da

zabumba, presente na primeira das duas notas executadas por esse instrumento, assim como

descrito por Cortes (2014), na fig. 3 abaixo:

Figura 3 - Acento característico da zabumba sem o bacalhau

Fonte: Cortes (2014).

Figura 4: Zabumba Nordestino com Baqueta e Bacalhau

Fonte: Satomi (2016)

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O Zabumba artesanal faz parte de dois conjuntos ou gêneros musicais do nordeste

brasileiro: a banda de pífanos e o baião – que hoje se utiliza do zabumba industrial,

às vezes com corpo de madeira. A execução desses ritmos apresenta a peculiaridade

do uso da baqueta bacalhau – uma vareta fina, de aproximadamente 35 cm, feita de

galho de árvores, bambú, palitos de palha de coqueiro ou material sintético (nylon

ou plástico), que percute a membrana inferior, mais aguda, com a mão esquerda.

SATOMI (2016)

A Baqueta do zabumba é também chamada de massa, maceta, maçaneta, resposta ou

baqueta macia, Satomi (2016).

Figura 5: Baqueta do zabumba

Fonte: Satomi (2016)

Satomi define o bacalhau como uma “vareta fina, aproximadamente 35 cm, feita de

galho de árvores, bambu, palitos de palha de coqueiro ou material sintético (nylon ou plático),

que percute a membrana inferior, mais aguda, com a mão esquerda” (SATOMI, 2016)

Figura 6: Bacalhau

Fonte: Satomi (2016)

Segue abaixo a fig. 7, na qual está presente o pizzicato/percussão em conjunto com

outro elemento encontrado na música armorial, a nota rebatida. De acordo com Nóbrega:

“Nota rebatida é uma construção melódica em que as notas se encontram ligadas de duas em

duas, "[...] tendo sempre uma que se repete para ligar à seguinte” (NÓBREGA, 2000, p. 63), a

nota rebatida está igualmente presente em vários motivos utilizados nos II e III movimentos

da Jurema Encantada:

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Figura 7 - Uso de nota rebatida, juntamente com o pizzicato de efeito percussivo (trecho

indicado pelas setas)

Fonte: Guanais (primeira versão do Mov. II).

Para o excerto abaixo, fig. 8, temos o pizzicato/percussão, junto com a nota pedal

utilizada por Guanais nesse excerto. Segundo Nóbrega: “É também muito comum na escrita

Armorial para instrumentos de corda friccionada, a presença de cordas duplas com uso de

nota pedal. A nota pedal pode aparecer tanto sustentada como ostinato quanto como pedal

rítmico” (NÓBREGA, 2000) sem paginação.

Queiróz (2014), em depoimento verbal, explica que: “A nota pedal executada por

corda dupla é um elemento característico da música para rabeca. Por ser um instrumento

rústico, não se sabe exatamente se esta particularidade é um fator estilístico ou técnico”.

(LIMA, 2014, p. 147-148), depoimento verbal de Queiroz. complementa afirmando que:

“Quando o cavalete não possui uma curvatura adequada, o instrumentista pode passar o arco

em uma corda e ele esbarrar na outra”. Na escrita de Guanais, fica claro quando ele deseja o

som da nota pedal e quando ela não deve aparecer.

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Figura 8 - Uso de nota rebatida, juntamente com nota pedal e pizzicato de efeito

percussivo (trecho indicado pelas setas)

Fonte: Guanais (primeira versão do Mov. III).

No excerto a seguir, fig. 9, reaparece a figura da nota pedal, porém, a novidade aqui é

a aplicação do pizzicato/percussão de maneira mais rápida e virtuosística, por tratar-se de

trecho em que o compositor explora de forma mais efetiva a região do capotasto, o que

caracteriza o estilo virtuosístico desse III mov. Esse excerto é desafiador para o intérprete, o

que exigiu um estudo muito específico que permitisse a sua execução de maneira mais fluente

e orgânica. Perceba-se que há ainda um acelerando (compasso 224).

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Figura 9 - Nota pedal com uso de pizzicato com mão esquerda na região do capotastro

Fonte: Guanais (primeira versão do Mov. III).

Como último exemplo, fig. 10, há também um desafio técnico proposto por Guanais, o

excerto inicia-se numa região bastante aguda do capotasto, com figuras que exigem uma

articulação muito rápida do arco, aliada ao pizzicato/percussão executado com a mão

esquerda, o que, de outra forma, inviabilizaria a sua execução. É importante frisar que o

pizzicato/percussão é um conceito de utilização do pizzicato relacionando-o ao ritmo do

Baião, ou seja, a sua característica é a pulsação que vem do Baião e isso pode acontecer com

o uso de outros elementos percussivos (a batida da mão esquerda no braço do instrumento) ou

apenas o próprio pizzicato, como é o caso do exemplo da fig. 9, porém, tenta-se manter

sempre a ideia da pulsação característica, principalmente do Baião Nordestino.

Por exigir uma execução muito rápida na mudança entre pizzicato e arco, essa parte

da peça também exigiu atenção aos aspectos musicais em questão, pois embora seja

necessária uma articulação rápida e com acentos na primeira das três figuras da tercina, a

região na qual foi escrita exige uma arcada bem articulada, mas também leve:

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Figura 10 - Uso do pizzicato/percussão em região do capotastro

Fonte: Guanais (primeira versão do Mov. III).

A interação entre o compositor e interprete, é parte fundamental no processo de

elaboração de uma obra, cada detalhe precisa ser discutido com o compositor e essa discussão

é facilitada pelas relações existentes entre o compositor e o interprete. O nível de afinidade

nesse processo é um facilitador para que se obtenha um resultado que seja o melhor possível.

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4 METODOLOGIA

A metodologia para este trabalho baseou-se em encontros presenciais com o

compositor, correspondências eletrônicas, revisão bibliográfica a respeito do trabalho

colaborativo, como também sobre o estilo de composição armorial, por estar presente, tanto

na Jurema Encantada como em boa parte da obra de Guanais.

O processo efetivo de elaboração da peça começou com uma conversa sobre o tema

que deveria ser abordado, considerando-se que a peça faz parte do que Guanais definiu como

uma “Tetralogia das Tragédias” (essa conversa ocorreu em novembro de 2017). Naquele

momento, eu havia lido o livro de Salles (2004), cujo título é “À sombra da Jurema: a tradição

dos mestres Juremeiros na Umbanda de Alhandra”. Nesse livro, cita-se a história da “Tragédia

de Tracunhaém” (já explicitada na nossa introdução). Guanais se interessou pelo fato histórico

ocorrido na Paraíba seiscentista. A partir daí, o compositor pesquisou mais e iniciou o

primeiro movimento da peça.

Figura 11 - Fotografia de encontro presencial entre compositor e intérprete

Fonte: Arquivo do autor.

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Figura 12 - Fotografia de encontro presencial entre compositor e intérprete

Fonte: Arquivo do autor.

Figura 13 - Fotografia de encontro presencial entre compositor e intérprete

Fonte: Arquivo do autor.

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Nos primeiros encontros que tivemos, propus diversas possibilidades idiomáticas do

contrabaixo, Guanais me pediu que demonstrasse algumas dessas possibilidades, como o uso

de cordas duplas, tessitura do contrabaixo, uso de técnicas estendidas, pizzicato, articulações

de arco, como spiccato, ricochet, etc. Após fazer anotações, o composistor iniciou a

composição do primeiro movimento.

Tabela 3 - Etapas de construção e discussão com o compositor da Jurema Encatada

DATA TEMPO

DECORRIDO

DESCRIÇÃO

15/02/2018 0 Envio do “projeto” com estrutura dos movimentos da Jurema

Encantada

11/05/18 86 dias Esboço do primeiro movimento

12/08/18 31 dias Encontro com o compositor para execução e possíveis correções

no primeiro movimento

17/02/19 181 Partitura definitiva do primeiro movimento e primeira versão do

segundo movimento

11/03/19 24 Encontro com o compositor para execução e possíveis correções

no segundo movimento

20/04/19 39 Envio de gravação do primeiro e segundo movimento com a

partitura definitiva e aprovação por parte do compositor

26/04/19 06 Aguardando a partitura do terceiro movimento

Fonte: Modelo proposto Holschuh (2017).

4.1 O processo de memorização e o estudo mental

Uma das questões levantadas para a interpretação da Jurema Encantada, diz respeito à

memorização da peça. Desde o início das nossas conversas, ficou claro que isso seria

necessário, em primeiro lugar, por ser uma sugestão do compositor, em segundo, porque

pensamos que a memorização da peça pode trazer. Para isso, buscamos nas pesquisas de

Chaffin et al (2002) e Gerber (2012, 2013). Gerber (2013) analisa em sua pesquisa um

processo de memorização a partir do processo de memorização de uma pianista, utilizando

“as potencialidades no emprego dos guias de execução (GEs)”, propostos por Chaffin

(CHAFFIN et al, 2002 p. 8), segundo essa autora: “uma das preocupações mais presentes e

legítimas do intérprete diz respeito à memorização e ao grau de segurança que ela proporciona

durante o desenrolar de sua execução” (GERBER, 2013, p. 1).

Essa autora observa que as “memórias mais desenvolvidas e requisitadas pelo cérebro

é a cinestésica” e que, com a prática deliberada da memorização consciente, o instrumentista

pode fortalecer-se e adquirir ferramentas para um desempenho confiante e bem-sucedido

(GERBER, 2013, p. 1).

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A etapa de memorização da peça de Guanais foi posterior a várias outras etapas de

construção da peça, que incluíram a adequação idiomática da escrita, sugestões de digitação e

arcadas, aspectos que têm a ver com a sua construção e que foram anteriores ao processo de

memorização.

O caráter motívico nas obras armoriais foi um dos caminhos que nos ajudaram a

encontrar referências para entender a estrutura da obra de Guanais. Ventura (2007),

abordando o discurso motívico na música armorial, diz que: “Trata-se de motivos espaciais a

partir dos quais o Movimento elabora sua forma particular de ver, ler, ouvir o espaço

nordestino e a partir deles institui o seu discurso” (VENTURA, 2007, p. 134). Também sobre

o uso de motivos utilizados em sua obra, Guanais diz o seguinte: “A construção deste

movimento (e dos outros) será baseada em motivos geradores, que vão se modificando e se

adaptando à dramaturgia que o discurso pretende expressar” (Apêndice A). A ideia da

construção motívica nos auxiliou não só a entender a estrutura da peça de Guanais, como

também foi por meio dela que planejamos um roteiro de estudo, baseado na estrutura motívica

presente nos três movimentos. Guanais define a estrutura motívica da sua peça da seguinte

maneira: “Penso mais em centros modais mutáveis, como personagens de uma “dramaturgia”

harmônica. A incorporação de elementos seriais ajuda a desestabilizar a noção de centro

principal de uma tonalidade” (Apêndice A).

Na preparação da performance de uma obra como a Jurema Encantada, com

características atonais e modais, a dificuldade de se memorizar a peça é maior que numa peça

tonal, na qual encontramos motivos melódicos mais familiares à nossa escuta. Se a peça é

tonal, o nosso ouvido se adéqua rapidamente ao modelo de fraseado, o que facilita

sobremaneira a questão de tocar a peça de cor. Ficou acordado entre eu e o compositor, que a

peça deveria ser memorizada, primeiro porque o 2º movimento (O Rapto) tem mais de cinco

páginas, o que para o contrabaixo representa duas dificuldades: a virada de página é

impossível, porque não há pausas que possibilitem isso; o segundo problema é estético, pois

teríamos que usar pelos menos duas estantes, o que visualmente não é adequado, visto que,

em geral, partes do instrumento ou o próprio performer ficaria encoberto. A divisão motívica

(motívica no sentido empregado por Guanais na composição armorial), então, auxiliou-nos a

dividir a partitura em partes menores, o que nos ajudou na memorização do todo.

Divisão da partitura em motivos, para facilitação da memorização:

Tabela 4 - Divisão da partitura em motivos

Primeiro Movimento - Segundo Movimento - Terceiro Movimento -

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Casamento Rapto Guerra

Compassos 1-9 Compassos 40-48 Compassos 200-212

Compassos 10-21 Compassos 49-56 Compassos 213-219

Compassos 22-30 Compassos 57-61 Compassos 220-228

Compassos 31-39 Compassos 62-92 Compassos 229-235

- - Compassos 93-129 Compassos 236-247

- - Compassos 132-142 Compassos 248-255

- - Compassos 143-150 Compassos 256-263

- - Compassos 151-167 Compassos 264-279

- - Compassos 168-176 Compassos 280-294

- - Compassos 177-188 Compassos 295-301

- - Compassos 189-199 Compassos 302-305

- - - Compassos 306-312 Fonte: Partitura da Jurema Encantada.

Esse esquema me auxiliou a pensar a peça com divisões que faziam sentido, motívico,

melódico e estruturalmente. Como citado anteriormente, pensar uma obra moderna exige

muitas vezes o uso de ferramentas específicas para resolução de problemas que são

específicos da peça. Para alguns intérpretes, a memorização não é uma necessidade, para

outros sim. No nosso caso, além de ser um pedido do próprio compositor, concordei sobre a

necessidade da memorização, por acreditar que há um ganho para a interpretação. A música

armorial, apresenta em sua construção, características que permitem uma divisão motívica

clara.

Na construção da interpretação fiz uso de três etapas no processo de memorização:

gravações de áudios e imagens, estudo mental e guias de execução (GEs). As gravações de

áudios e imagens foram amplamente descritos nos início deste capítulo.

Segundo Garcia (2015), “a estratégia “cognitiva” é uma prática mental que permite ao

performer executar mentalmente os movimentos de expressão, como vibrato, arcadas e

movimentos corporais”. Ainda de acordo com ele, “as estratégias cognitivas são essenciais ao

trabalho de todo instrumentista.” (GARCIA, 2014, p. 15).

Garcia propõe um modelo para definição de estratégias de estudo que utilizei para

auxiliar na aplicação do estudo mental, o modelo proposto por ele divide os estudos para

superação das dificuldades entre a mão esquerda e a direita, seguimos a mesma ideia,

aplicando-a à Jurema Encantada:

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Tabela 5 - Estudo mental para a mão esquerda na Jurema Encantada

ASPECTOS TÉCNICOS DA MÃO

ESQUERDA

COMPASSOS Nº

Arpejos com velocidade rápida 06, 158-160 e 165-167

Cordas duplas 04-05, 26-34 e 43-48

Acordes 28, 29 e 32

Escalas rápidas 280-301

Passagens de harmônicos artificiais 303-305

Fonte: Garcia (2015).

Tabela 6 - Estudo mental para a mão direita na Jurema Encantada

ASPECTOS TÉCNICOS DA MÃO DIREITA COMPASSOS Nº

Distribuição do arco e produção sonora em

arpejos e escalas

06, 101-103, 113-115 e 117-119

Produção sonora em cordas duplas 04-05, 26-34 e 43-48

Produção sonora em acordes 28, 29 e 32

Produção sonora em harmônicos artificiais 303-305

Fonte: Garcia (2015)

Além do estudo mental, o GEs foi igualmente uma ferramenta que me auxiliou na

memorização da peça. De acordo com Chaffin: “Os guias de execução são marcos no mapa

mental de uma obra que um músico experiente mantém na memória de trabalho durante a

execução. [...] oferecem uma rede de segurança no caso das dicas em série falharem”. Ainda

de acordo com esse autor “Uma preparação cuidadosa dos guias de execução faz com que seja

possível a execução de obras que são verdadeiros desafios para a memória (CHAFFIN et al,

2012, p. 240).

Apresentamos abaixo dois exemplos de GEs utilizados nas anotações da partitura da

Jurema Encanatada, fig. 14, anotamos “Ritmos de Baião” para os compassos 62 a 92, esse

trecho apresentada uma mesma figura motívica que se apresenta com uma série de variações:

Figura 14 - Exemplo do uso de GEs (Ritmo de Baião), na partitura para os compassos 62

a 92

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Fonte: Guanais.

No trecho abaixo anotamos “Corda dupla com som de Rabeca”, compassos 93 a 102.

Também temos, como no exemplo anterior, um motivo característico em todo esse trecho, o

que facilita bastante no processo de memorização:

Figura 15 - Exemplo do uso de GEs (Corda dupla com som de rabeca), na partitura

para os compassos 93 a 112

Fonte: Guanais.

De acordo com Chaffin, os GEs apresentam diferentes tipos de memória, isso vai

depender dos elementos presentes na música que está sendo executada:

Guias estruturais são pontos na estrutura formal, como os limites entre as seções da

obra. Guias expressivos representam o clima e o caráter musical, por exemplo,

“triunfante”11. Os guias interpretativos representam decisões interpretativas críticas,

como as mudanças de tempo ou de dinâmica. Os guias básicos representam detalhes

críticos de técnica como, por exemplo, o uso de um dedilhado específico para

posicionar a mão para a próxima passagem. De maneira geral, os músicos sentem-se

propensos a concordar sobre a estrutura musical de uma obra, mas eles podem

discordar no que se refere aos outros guias que são mais específicos para cada

intérprete ou para cada instrumento. Por exemplo, os guias básicos de execução para

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um violoncelista incluem decisões como afinação, arcadas e mudança de cordas que

não são relevantes para um pianista (Chaffin et al. 2008). Para obras solo, os únicos

guias de execução exigidos são aqueles que funcionam individualmente para o

músico, enquanto para as obras de câmara os músicos devem estabelecer guias de

execução para coordenar suas ações (Ginsborg et al . 2006 ). (CHAFFIN et al, 2012,

p. 240)

Os GEs são pontos de apoio que possibilitam mapear a peça que está sendo executada,

pensar a música em pequenas partes é um elemento facilitador para a memorização de uma

obra, principalmente se a obra apresenta elementos atonais ou seriais, em que as referências

tonais, mais familiares ao nosso ouvido, não estão presentes.

Segundo Chaffin at al (2012), “trabalham com diferentes tipos de memória a depender

dos elementos da música sendo executada”. Esse autor distingue três tipos possíveis de GEs:

Guias estruturais, que funcionam como “pontos na estrutura formal, como os limites entre as

seções da obra”; os Guias expressivos que “representam o clima e o caráter musical”; os

interpretativos, que “representam decisões interpretativas críticas, como as mudanças de

tempo ou de dinâmica” e os guias básicos, que “representam detalhes críticos de técnica

como, por exemplo, o uso de um dedilhado específico para posicionar a mão para a próxima

passagem” (CHAFFIN et al, 2012, p. 240).

Tocar de memória exige muito tempo de preparação por partes do músico, e é

elemento necessário para se estar seguro daquilo que se vai tocar. Anton Rubinstein escreveu

que o medo da falha de memória “me provoca torturas somente comparadas àquelas da

Inquisição” (CHAFFIN et al, 2012, p. 241). Mas obviamente isso não é impossível, como

poderia afirmar o próprio Rubinstein e muitos outros que têm executado diversas obras de

memória ao longo da história da música.

4.2 Entrevista com o Compositor

Objetivando conhecer melhor os elementos que compõem a estrutura composicional

da Jurema Encantada, enviamos, após o nosso segundo encontro (no qual fizemos uma

primeira leitura do primeiro movimento da peça), objetivando definir aspectos técnicos e

musicais dessa primeira versão da partitura do primeiro movimento. Após isso, enviamos

algumas perguntas (por meio de questionário) sobre a estrutura harmônica e a forma que o

compositor estava planejando para a obra. Observa-se que a maneira como Guanais

desenvolve sua estrutura composicional, embora fazendo uso de elementos presentes no estilo

armorial (por exemplo, o uso do modalismo), “mescla-se com aspectos estilísticos da

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linguagem moderna” e “afasta-se um pouco da sonoridade característica dos primeiros

exemplares que são referência do Movimento Armorial”. Desse modo, está presente em sua

composição da Jurema Encantada, a fragmentação das “escalas e modos, temas e padrões

rítmicos”, em detrimento da ideia tradicional de tonalidade. Além do uso de elementos seriais

em sua composição, Guanais desenvolve o conceito que chamou de forma-árvore, “em que

cada material exposto dá origem a novos materiais derivados”. No Anexo A deste trabalho,

encontra-se disponível a entrevista realizada com o compositor Danilo Guanais.

Juntamente com o início do primeiro movimento, Guanais me enviou um esquema

com várias anotações feitas sobre a estrutura da obra contendo, A: tema; B: a peça seria

escrita para baixo acústico solo; C: a dedicatória; D: referência ao autor do texto que motivou

a peça e personagens envolvidos na trama. Segue abaixo o arquivo que me foi enviado.

Figura 16 - Esboço do projeto Tracunhaém

Fonte: Guanais (2018).

Na continuação desta página, Guanais define o caráter de cada movimento, dividindo-

se o roteiro da história: I Calmo/casamento, II Rapto/conflito e III Climax: Guerra/destrição:

Figura 17 - Esboço do projeto Tracunhaém

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Fonte: Guanais (2018).

Finalmente, conclui o esquema, com o enredo da história, dividido nos três

movimentos da peça, embora a peça esteja dividida em três movimentos, percebe-se uma

subdivisão em cinco partes, em que o II e III movimentos se subdividem em duas partes,

levando-nos a pensar que possivelmente o compositor pretende ampliar o desenvolvimento

desses dois movimentos:

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Figura 18 - Esboço do projeto Tracunhaém

Fonte: Guanais (2018).

Juntamente com esse material, Guanais enviou a partitura da primeira versão do início

do I movimento, da qual trataremos a partir de agora.

Em março de 2018, quando Guanais nos enviou a partitura do início da peça, não

havíamos conversado sobre as questões idiomáticas do contrabaixo, ao contrário do processo

relatado por Borém (1998) sobre a peça Lucíferes de Eduardo Bértola, em que a colaboração

se deu desde o início, procurando definir as possibilidades idiomáticas:

Antes de me mostrar a versão inicial L¹, utilizamos o contrabaixo e um quadro

pautado para estudar as possibilidades e graus de dificuldade relativos a dedilhados,

mudanças de posição e saltos, cordas duplas, cruzamentos de cordas, harmônicos

naturais simples e duplos e timbres diversos como pizzicato, trêmulo e ponticello

nos vários registros do instrumento. (BORÉM, 1998, p. 51).

Em nosso caso, essa conversa ocorreu posteriormente, um mês após a entrega da

primeira versão. Como veremos, Guanais é bastante detalhista nas indicações de mudança de

andamentos e dinâmicas, as modificações ocorridas com mais frequência se deram em relação

ao idiomatismo.

Almeida (2017) dispõe na seguinte ordem o processo que ocorre no trabalho

colaborativo entre compositor e intérprete:

1. o intérprete demonstra trechos musicais em seu repertório que mereceriam um

estudo dedicado. 2. o compositor anota os motivos e elementos técnicos apontados

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pelo intérprete. 3. tendo este material em mãos, em sessão individual o compositor

organiza e esboça um estudo dedicado a um ou alguns dos problemas técnicos

apontados pelo intérprete. 4. o intérprete faz leituras destes esboços, em sessão

conjunta, apontando questões sobre os elementos sonoros, técnicos e notacionais do

esboço. 5. o compositor, em sessão individual, conclui a primeira versão da peça e

envia ao intérprete. 6. o intérprete, em sessão individual, estuda esta versão. 7. em

sessão conjunta, o intérprete executa a versão para o compositor e, em seguida,

ambos discutem se os trabalhos para este estudo estão concluídos. 8. o compositor,

em sessão individual, conclui e edita a partitura (ALMEIDA, 2017, p. 1-2).

Acredito que um dos momentos mais importantes nesse processo é o 7, “em sessão

conjunta, o intérprete executa a versão para o compositor e, em seguida, ambos discutem se os

trabalhos para este estudo estão concluídos.” (ALMEIDA, 2017, p. 1-2). Porque é nesse

momento que o intérprete deverá encontrar as soluções técnicas e musicais para uma boa

interpretação. As definições de digitações e expressividade serão de sua responsabilidade, é o

seu som que estará agradando ou não ao compositor e a ele próprio. Mas é claro que isso só

será possível após todas as outras etapas observadas no estudo de Almeida.

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5 O PROCESSO COLABORATIVO NOS TRÊS MOVIMENTOS DA JUREMA

ENCANTADA

Neste capítulo, apresentarei trechos da obra em que, de forma colaborativa, foram

feitas modificações na partitura. As questões idiomáticas são colocadas e discutidas com o

autor para que possam ser feitas as modificações necessárias na partitura. Observamos juntos

compasso a compasso, para ratificar ou não o que está posto na partitura. Inclusive, após a

execução da peça, alguns elementos de dinâmica e andamento foram modificados em prol da

clareza da execução dos aspectos melódicos e rítmicos.

5.1 O Casamento

No trecho abaixo, figs 19 e 20, no c. 1, sugere-se a modificação da nota sol pedal para

uma oitava acima, visto que o compositor desejava que as duas notas soassem juntas, como

bicordes, porém opinei que o melhor seria tocá-la uma oitava acima. Esse motivo que inicia o

primeiro movimento tem uma característica que reaparece em toda a peça, a nota pedal, “É

também muito comum na escrita Armorial, para instrumentos de corda friccionada, a presença

de cordas duplas com uso de nota pedal. A nota pedal pode aparecer tanto sustentada como

ostinato quanto como pedal rítmico” (NÓBREGA, 2000, p. 5). Como veremos mais adiante,

esse artifício possibilita sonoridades diversas para o contrabaixo.

Figura 19 - Primeiro compasso, transposição de oitava da nota pedal G

Fonte: Guanais (2018).

Figura 20 - Primeiro compasso revisado

Fonte: Guanais (2018).

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Nos c. 4 e 5, fig 21, será necessário o uso do polegar nos intervalos de sexta maior

Lab-Fa, La-Fa# e Do-Lab, em seguida, na fig. 22. Reescrevemos a digitação necessária para

executar esse trecho, o resultado foi positivo:

Figura 21 - Oitavação da nota pedal Sol

Fonte: Guanais (2018).

Figura 22 - Formação de bicorde com uso do polegar

Fonte: Guanais (2019).

No 3º e 4º tempos do compasso 19, fig. 23, foi sugeri uma outra modificação no

bicorde Mi-Do, que passa a ser Sol-Do.

No compasso 20, na mesma linha, no último tempo do compasso (também por

questões idiomáticas do contrabaixo), elimina-se a nota LÁ aguda, ficando agora apenas as

notas Do e Mi, colcheia e semicolcheia, correção feita na fig. 23.

Ainda no compasso 20, que se segue nesse mesmo trecho, o bicorde Fa#-Re, passa a

ser escrito Si-Re, correção na fig. 24:

Figura 23 - c. 19, 20 e 21 como escrito originalmente

Fonte: Guanais (2018).

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Figura 24 - c. 19 revisado

Fonte: Guanais (2019).

Figura 25 - c. 20 e 21 revisado

Fonte: Guanais (2019).

No c. 28, fig. 26, no seu 1º e 2º tempos, o tricorde Sib-Sol-Fa será então Sol-Sib-Fa.

Figura 26 - c. 28 no 1º e 2º tempo, como escrito originalmente

Fonte: Guanais (2018).

Figura 27 - c. 28 Modificação no 1º e 2º tempo do compasso

Fonte: Guanais (2019).

A última modificação sugerida nesse trecho da obra, ocorreu no c. 32 da fig. 28, Mi-

Si-Si será, então, Mi-Mi-Si:

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Figura 28 - Modificação no tricorde do c. 32

Fonte: Guanais (2018).

Figura 29 - c. 32 revisado

Fonte: Guanais (2019).

Na passagem abaixo, Guanais utiliza a escala nordestina e o motivo que ele expõe aqui

reaparece no início do segundo movimento, sobre esse escala Queiroz e Holschuh nos dão a

seguinte informação:

Uma das principais características da Música Armorial é, justamente, a utilização da

assim chamada escala nordestina. Esta escala (seja qual for sua origem) se

caracteriza pelo sétimo grau abaixado, podendo ou não apresentar o quarto grau

aumentado (QUEIROZ, 2002). Pode-se dizer que se trata, portanto, de uma

combinação dos modos lídio e mixolídio. (HOLSCHUH, 2017, p. 28).

Figura 30 - Escala nordestina Lidio b7 ou Mixo #4

Fonte: Nossa.

Na passagem abaixo, Guanais faz uso exatamente do modo de Do mixolídio com

quarta aumentada (sétima abaixada Sib e quarta aumentada Fa#), muito característico na

música armorial e nordestina:

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Figura 31 - Escala nordestina Lidio b7

Fonte: Guanais (2018).

Essa é uma sonoridade característica da música nordestina, presente nos rabequeiros, violeiros

e sanfoneiros em geral, como também na música do Movimento Armorial.

5.2 O Rapto

Se considerarmos a prática comum da interação entre compositores e intérpretes na

música contemporânea, podemos propor que tanto o estilo quanto as práticas de

performance emergem como uma criação coletiva da interação entre as vozes do

compositor e do intérprete. (DOMENICI, 2012, p. 175).

O segundo movimento da peça chamada de “O Rapto”, utiliza alguns elementos

temáticos do primeiro movimento, porém traz alguns outros elementos inovadores, referentes

aos idiomatismos do contrabaixo, como veremos neste capítulo. Antes gostaria de apresentar

algumas modificações que foram propostas em reuniões com o compositor, como resultado de

adequações às possibilidades idiomáticas.

A partir do segundo movimento, quando algumas questões idiomáticas já haviam sido

discutidas com Guanais, pude perceber uma menor necessidade de alterações na partitura,

depois da uma primeira leitura. Como afirma Domenici: “[...] o estilo do compositor emerge

da interação entre a sua voz e a voz do intérprete, onde ambas são igualmente influenciadas,

moldadas e inspiradas pelos aspectos epistemológico, social, material e ecológico da

experiência [...]” (DOMENICI, 2012, p. 174). Acredito que essa interação aconteceu

significativamente a partir do segundo movimento. Apresentaremos daqui em diante as

modificações ocorridas no segundo movimento, bem como alguns trechos musicais que

apresentam novidades do ponto de vista idiomático. Na fig. 32 encontra-se a partitura como

no original e na fig. 33 com o correção, compasso 4, do segundo movimento, em que as notas

Do e Lab são oitavadas para se alcançar um recurso técnico dentro do idiomatismo do

contrabaixo:

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Figura 32 - Motivo sem a modificação

Fonte: Guanais (2018).

Figura 33 – Motivo revisado

Fonte: Guanais (2018).

O segundo movimento inicia-se com uma variação do motivo já presente no primeiro

movimento, baseado no modo Lídio b7, do qual já havíamos falado no capítulo anterior,

abaixo se encontram os trechos presentes no primeiro e segundo movimento, figs. 34 e 35:

Figura 34 - Motivo Lídio b7, presente no primeiro movimento

Fonte: Guanais (2018).

Figura 35 - Variação do Lídio b7 reaparecendo no segundo movimento

Fonte: Guanais (2019).

O trecho abaixo, Fig. 36, apresenta o que Nóbrega chama de nota pedal, que é

característica do estilo armorial: “É também muito comum na escrita Armorial para

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instrumentos de corda friccionada, a presença de cordas duplas com uso de nota pedal. A nota

pedal pode aparecer tanto sustentada como ostinato quanto como pedal rítmico” (NÓBREGA,

2000, p. 63).

Figura 36 - Uso de nota pedal

Fonte: Guanais (2019).

Também no segundo movimento, encontra-se um artifício que pode ser observado no

estilo armorial, o uso de efeitos percussivos nos instrumentos de corda friccionada. Um

exemplo desse uso é encontrado na peça “Toré” de Antônio Madureira, gravada pela primeira

vez pelo Quinteto Armorial em 1974, posteriormente, quando foi gravada pelo Quinteto da

Paraíba (gravação realizada nos dias 21, 22 e 23 de novembro de 1994 no antigo Cine

Bangue), o contrabaixista do quinteto, Xisto Medeiros, adicionou uma percussão

extraordinária a essa peça. Perguntado por mim de onde ele havia retirado aquela ideia, ele me

disse o seguinte: “Eu cresci numa região em que era comum vermos zabumbeiros tocando nas

feiras em formações de trios com o triângulo e sanfona, então, isso faz parte da minha

vivência, é uma coisa natural” (informação verbal). Nas primeiras conversas que tive com

Guanais, lembrei-me dessa conversa com o Xisto e sugeri que utilizasse elementos

percussivos na sua peça. Felizmente ele aceitou o desafio e escreveu esse motivo no seu

segundo movimento que transcrevo abaixo. É uma técnica que consideramos inovadora para o

nosso instrumento.

Na figura abaixo, há uma melodia se intercalando com o movimento percussivo da

mão esquerda, causando um efeito de acompanhamento de um zabumba.

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Figura 37 - Uso de efeito percussivo na mão esquerda

Fonte: Guanais (2019).

À princípio, Guanais desejou que fizesse a percussão no tampo, porém, a percussão e

o pizzicato com a mão esquerda, no espelho do instrumento foi a solução encontrada quando

trabalhamos juntos, e penso obtivemos resultados convincentes.

5.3 A Guerra

Durante o processo de colaboração entre mim e Guanais, ficou claro que houve um

processo de amadurecimento, tanto por parte da compreensão do compositor em relação à

linguagem idiomática do contrabaixo, quanto da minha compreensão da escrita de Guanais.

Desse modo, penso que realizamos uma colaboração em que os atores “estão dispostos a

aprender uns com os outros” (CARDASSI at al, 2016, p. 97). Alguns elementos que

representavam uma dificuldade para a compreensão da obra, nas primeiras leituras do

primeiro movimento, foram se tornando familiares. Penso que também em relação à escrita de

Guanais, houve um aproveitamento de elementos composicionais que ao serem testados, eram

aprovados em seus resultados.

Esses resultados são descritos por Ray, como existentes dentro do ambiente acadêmico

das universidades, buscando “mesclar o conhecimento tácito ao científico em busca de novas

possibilidades para os dois profissionais envolvidos: performer e compositor” (RAY, 2010, p.

1). No início do processo colaborativo do primeiro movimento, percebe-se uma quantidade

muito grande de adequações que foram necessárias, principalmente por causa dos

idiomatismos do contrabaixo. No segundo movimento, mesmo havendo necessidade de

adequações na partitura, observei uma menor necessidade de modificações em relação ao que

ocorreu no primeiro. A partir daí, penso que o compositor passa a ter uma maior definição da

obra e dos caminhos idiomáticos do contrabaixo, definindo rapidamente, os caminhos por

onde desejava seguir. Acredito que a nossa intervenção como performer foi importante para

esse resultado, possibilitando intervir na construção da peça. De acordo com Ray, fazendo

uma comparação com a música executada eletronicamente, é no trabalho colaborativo que o

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intérprete tem uma maior oportunidade de intervir: “obras totalmente executadas com suporte

eletrônico (ou digital) garantem a precisão da execução da obra. Entretanto, perdem a

possibilidade de recriação, de intervenção da visão do performer.” (RAY, 2010, p. 3). A

autora também enfatiza o aspecto da criação feita em parceria, segundo ela, o “século XXI

apresenta um performer, líder, parceiro por vezes na criação” (RAY, 2010, p. 4). Participar

da criação da obra de forma efetiva nos dá uma visão única da peça, proporcionando maiores

subsídios para a elaboração da sua performance.

No terceiro movimento, ocorreu uma maior fluência da escrita de Guanais, foram

poucas as necessidades de alterações na partitura, acredito que isso se deu, de maneira

significativa, pela nossa contribuição como performer.

Nesse terceiro movimento, chamado pelo compositor de A Guerra, podemos observar

vários motivos que evocam a preparação para a guerra que, ao se suceder, apresentam um

“crescendo”, num aumento de tensão gradativa, ideia reforçada por depoimentos do

compositor: os “aspectos melódicos e harmônicos tendem a se relacionar por

tensão/relaxamento, velocidade, densidade, caráter, etc., e não por relações temáticas ou

ideias harmônicas baseadas em campos tonais definidos” (Anexo A).

Na fig. 38, mot. 1(c. 200), observa-se o início da ideia proposta por Guanais sobre

tensão/relaxamento evocada pela guerra, presente no primeiro compasso, nos intervalos Lá-Sí

(2ª maior), Lá-Dó (3ª menor), Lá-Lá# (2ª menor), e a terça menor Mi-Sol (3ª menor).

Interessante também chamar a atenção para o pizzicato com a mão esquerda, que evocará o

som do tambor de guerra durante todo o movimento.

Nos primeiros compassos do terceiro movimento, busquei criar um ambiente sonoro

que auxiliou ao que propunha a partitura, ou seja, um som misterioso, que retrate o ambiente

de tensão que se apresenta com uma tribo de dois mil índios se preparando para a guerra.

Como sabemos, por meio de diversos estudos sobre os povos indígenas do Brasil, há uma

ritualidade em todos os momentos de suas atividades, a guerra também é apresentada como

uma atividade que se inicia por intermédio de rituais, foi procurando a representação desse

ambiente ritualístico que busquei iniciar esse movimento:

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Figura 38 - Preparação para a Guerra

Fonte: Guanais

Na fig. 39, mot 2, temos um aumento na tensão gerada nota pedal Ré, que provoca

várias tensões entre os intervalos gerados.

O pizzicato está presente, representando o som dos tambores para a guerra:

Figura 39 - Tensão gerada pela série harmônica Ré-Dó# e a nota pedal Ré

Fonte: Guanais

Na fig. 40, compasso 223, houve uma derivação do Mt. 2 gerando exatamente o que

Guanais já havia anunciado: “cada material exposto dá origem a novos materiais derivados

que, por sua vez, originam outros. O ritmo foi o artifício utilizado para gerar esse novo

motivo, como uma variação do motivo apresentado anteriormente:

Figura 40 - derivação do Mt. 2

Fonte: Guanais

É também no terceiro movimento que Guanais faz um uso mais significativo da série

dodecafônica.

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Arnold Franz Walter Schoenberg (1874-1951), compositor austríaco, foi o criador do

dodecafonismo, considerado um dos mais revolucionários e influentes estilos de composição

do século XX. No Brasil, essa técnica foi introduzida por Hans Joachin Koellreutter (1915-

2005) (ALMADA, 2008, p. 8). Ainda de acordo com Almada, foi “Santoro o primeiro nome

de maior destaque a aderir à nova técnica de composição em doze tons, introduzida no Brasil

pelo alemão Hans-Joachim Koellreutter – que se tornaria seu professor em 1940” (ALMADA,

2008, p. 8).

Hartmann (2011) afirma que Santoro e Guerra-Peixe (1914-93) “estavam utilizando

sistematicamente a técnica dodecafônica no final da década de 1940” (HARTMANN, 2011, p.

97). Esse autor, afirma também que “As técnicas dodecafônicas no Brasil foram utilizadas

com inteira liberdade na manipulação das normas gerais do dodecafonismo, adaptando-as às

suas necessidades expressivas” (NEVES, 1984, p. 90). Na construção da Jurema Encantada,

observamos igualmente o uso por Guanais do dodecafonismo, porém, “adaptando-as às suas

necessidades expressivas”. Em sua entrevista, ele confirma essa ideia: “Não penso em campos

tonais bem definidos. A incorporação de elementos seriais ajuda a desestabilizar a noção de

centro principal de uma tonalidade” (Anexo A).

Na fig. 41 abaixo, Guanais expõe como pensou a série a partir da qual construiu o

terceiro movimento da peça. É interessante notar como o compositor encontrou uma simetria

para construir as 12 notas da sua série. As quatro notas das extremidades do gráfico DÓ, RÉ#,

FÁ# e LÁ (seta azul), formam um acorde diminuto. As quatro notas internas do gráfico

também formam outro acorde diminuto SI, RÉ, FÁ e SOL# (seta vermelha). Com a intenção

de aplicar a simetria na linguagem serialista, Guanais traçou então linhas diagonais para

definir a séria desejada:

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Figura 41 - Construção da Série Dodecafônica

Fonte: Guanais.

As 12 notas (na segunda linha da tab. 7 abaixo) resultantes da série, seguindo o gráfico

a partir da nota DÓ, ficou assim então. As notas escritas em minúsculo são as que aparecem

no gráfico da tab. 7, mas que foram escritas enarmonicamente para completar a serie. A

primeira linha da tabela abaixo indica os intervalos existentes entre as notas da série. A

terceira linha indica a disposição dos graus da séria entre 0 e 11:

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Tabela 7 - Graus e semitons da Série Dodecafônica Semitons

resultantes

da série

original

2 3 2 2 1 6 1 2 2 3 2

f

Série

Original

DÓ SIb

lá#

DÓ# SI LÁ SO# RÉ MIb

ré#

FÁ SOL MI FÁ#

Graus da

série original

0 10 1 11 9 8 2 3 5 7 4 6

Fonte: Guanais

Guanais dividiu então a sua série em três tetracordes (T1, T2 e T3) e dois hexacordes

(H1 e H2), como disposto na tab. 8 abaixo:

Tabela 8 - Tetracordes e Hexacordes da Série Dodecafônica

Tetracordes 1 Tetracordes 2 Tetracordes 3

DÓ- SIb (lá#)- DÓ#- SI LÁ- SO#- RÉ- MIb (ré#) FÁ- SOL- MI- FÁ#

Exacordes 1 Exacordes 2

DÓ- SIb (lá#)- DÓ#- SI- LÁ- SO# RÉ- MIb (ré#)- FÁ- SOL- MI- FÁ#

Fonte: Guanais

Além disso, Guanais utiliza o (RH1), retrógrado do hexacorde 1 e o (RH2), e o

retrógrado do hexacorde 2, como na fig. 42 abaixo:

Figura 42 - Ilustração dos tetracordes e hexacordes da Séria Dodecafônica

Fonte: Guanais

Nessa frase que conclui o terceiro movimento, Guanais utiliza o tetracorde 2 (T2),

como o retrógrado do exacorde 2, mais o retrógrado do hexcorde 1, (RH2+RH1):

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Figura 43 - Exemplo da séria usada por Guanais

Fonte: Guanais (2019).

Esses acima são os últimos compassos da peça, concluída exatamente com um motivo

construído a partir da escala dodecafônica.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interesse dos compositores em relação ao contrabaixo tem se ampliado a partir dessa

segunda década do século XXI e a contribuição do trabalho colaborativo tem sido

significativa. Pode-se considerar que grande parte desse fenômeno deve-se à busca cada vez

maior pelo trabalho colaborativo entre compositor e intérprete e, em grande parte, pela

iniciativa do performer, “tomando a frente”. O nosso trabalho colaborativo com Guanais se

desenvolveu durante quase dois anos, iniciando-se em dezembro de 2017, quando começamos

um percurso que foi aos poucos se modificando e ao mesmo tempo, ampliando-se. Outro tema

que surgiu naturalmente durante o processo de colaboração, diz respeito a importância da

visão do intérprete para a definição de aspectos idiomáticos, penso que para que esse processo

dê certo, é preciso haver uma abertura para diálogo e confiança mútua, nas referências

encontradas para este trabalho, vimos que as relações entre compositor e interprete são

consideradas fundamentais para que o processo no trabalho colaborativo obtenha bons

resultados. Considerando o tempo e convivência de muitos anos com Guanais, penso que isso

é um facilitador para o processo de construção da obra. Sempre procurei executar o repertório

solo de memória, quando me deparei, porém, com uma estrutura de composição moderna

como a da Jurema Encantada, percebi que não seria tão simples, como sempre foi para mim,

memorizar uma peça barroca, clássica ou romântica, por exemplo. Faltava-me essa vivência

com elementos atonais e dodecafônicos. Sobre o registro da Jurema Encantada, deixo em

anexo (Anexo C), a partitura editada, com sugestões de arcos e digitação dos trechos mais

difíceis, mas deixo esses dados apenas como sugestões, sabendo que, muitas vezes, uma

digitação que confortável para mim, pode não o ser para outros futuros intérpretes da peça.

Pretendemos também executá-la em recital público, além de fazer o registo em áudio e vídeo.

Durante o processo de colaboração, fizemos um registro áudio/visual de cinco excertos dos

segundo e terceiro movimentos, pretende-se deixar um registro audiovisual da peça completa,

também em estúdio.

A questão do uso da percussão no contrabaixo é um aspecto que no futuro merecerá

maior atenção de minha parte, por ser possibilidade bastante enriquecedora para o instrumento

e de que pouco se tem falado.

Meu trabalho trouxe aspectos que não tinham sido abordados em publicações

anteriores, a respeito do uso da percussão na Música Armorial nas gravações do Quinteto

Armorial. Em especial para o contrabaixo, chamamos a atenção para os registros fonográficos

do Quinteto da Paraíba e o uso da percussão que ficou conhecido como Zabumbaixo. Como

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contribuição de minha pesquisa sobre o uso da percussão no repertório Armorial, apresentei

uma comunicação no congresso da ABRAPEM 2019. Apresentei também, uma outra

comunicação no Congresso da ABEM 2019, tratando de aspectos ligados ao ensino do

contrabaixo, a partir da peça de Guanais. Dessa forma, acredito que este trabalho trouxe

contribuições sobre o estudo da estética armorial, como também para o contrabaixo acústico

que se insere nesse contexto, ao evidenciar os aspectos percussivos para a peça do compositor

Guanais.

Acreditamos que, por meio das soluções musicais encontradas através do trabalho

colaborativo, e sua inserção na estética armorial, poderemos contribuir para fomentar uma

linguagem bastante inovadora, do ponto de vista da literatura tradicional do contrabaixo

acústico, bem como contribuir com o trabalho didático-pedagógico de professores de

contrabaixo, sobretudo daqueles que pretendam trabalhar repertório dentro dessa linguagem.

Em decorrência do curro prazo previsto para a conclusão deste trabalho, não foi

possível experimentar em sala de aula, as questões levantadas a respeito da utilização da

percussão na peça de Danilo, bem como a experimentação da peça como repertório dentro do

programa do bacharelado nas minhas turmas de instrumento. Gostaria de ter apresentado

dados dessa experiência, o que deverá ocorrer nos próximos semestres.

Concluindo, gostaríamos de dizer que por meio da colaboração entre compositor e

intérprete, abre-se um caminho com muitas possibilidades e espera-se que a nossa experiência

em particular possa contribuir para a expansão do repertório do contrabaixo, como também

das suas possiblidades musicais.

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APÊNDICE A – Entrevista fornecida pelo compositor

1- Pergunta: Os três movimentos da peça serão em estilo armorial?

Resposta: Sim, num estilo Armorial que se mescla com aspectos estilísticos da

linguagem moderna, ou seja, afastando-se um pouco da sonoridade característica dos

primeiros exemplares que são referência do Movimento Armorial. Nesta perspectiva, existe

uma fragmentação das escalas e modos, temas e padrões rítmicos são também fragmentados e

redimensionados para permitir novas combinações.

2- Pergunta: Seria possível dizer em que tonalidades serão escritos os três

movimentos?

Resposta: Não penso em campos tonais bem definidos. Penso mais em centros modais

mutáveis, como personagens de uma “dramaturgia” harmônica. A incorporação de elementos

seriais ajuda a desestabilizar a noção de centro principal de uma tonalidade.

3- Pergunta: Sobre a forma, já estão definidas as formas que serão utilizadas na peça?

Resposta: Apenas o contorno geral, uma obra em três grandes seções. Dentro de cada

uma delas não haverá uma forma propriamente dita, mas o que chamo de forma-árvore, em

que cada material exposto dá origem a novos materiais derivados que, por sua vez, originam

outros, como nos galhos de uma árvore. Nesse tipo de estrutura orgânica, não há uma forma

real, mas cada elemento formal diferente compartilha da mesma raiz, então as relações são

essencialmente de similaridade, não de diferença e repetição.

4- Pergunta: Sobre o primeiro movimento, poderia falar um pouco sobre como

definiu a sua construção, nos aspectos harmônico e melódico?

Resposta: A construção deste movimento (e dos outros) será baseada em motivos

geradores, que vão se modificando e se adaptando à dramaturgia que o discurso pretende

expressar. Então aspectos melódicos e harmônicos tendem a se relacionar por

tensão/relaxamento, velocidade, densidade, caráter, etc., e não por relações temáticas ou

ideias harmônicas baseadas em campos tonais definidos. Em alguns pontos, o

desenvolvimento dos motivos acabará por gerar seções claramente melódicas, ainda que não

se pretenda que seções melódicas funcionem como temas com desenvolvimento posterior.

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ANEXO A – Partitura da Jurema Encantada I mov. (Primeira versão)

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ANEXO B – Partitura da Jurema Encantada I mov. (Segunda versão) e II mov.

(Primeira versão)

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ANEXO C – Partitura da Jurema Encantada III mov. (Primeira versão)

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ANEXO D – Partitura da Jurema Encantada I, II e III movimentos (Versão final com

sugestões de digitações e arcadas)

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