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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação Em Psicologia INVESTIGAÇÃO DA CAPACIDADE INTELECTIVA DE PACIENTES PEDIÁTRICOS DIAGNOSTICADOS COM TUMORES DE FOSSA POSTERIOR Danielle Ferreira Garcia Natal 2011

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes

Programa de Ps-Graduao Em Psicologia

INVESTIGAO DA CAPACIDADE INTELECTIVA DE PACIENTES PEDITRICOS DIAGNOSTICADOS COM TUMORES DE FOSSA POSTERIOR

Danielle Ferreira Garcia

Natal 2011

ii

Danielle Ferreira Garcia

INVESTIGAO DA CAPACIDADE INTELECTIVA DE PACIENTES PEDITRICOS DIAGNOSTICADOS COM TUMORES DE FOSSA POSTERIOR

Dissertao elaborada sob orientao da Prof. Dr Izabel Augusta Hazin Pires e apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Psicologia.

Natal 2011

iii

Catalogao da Publicao na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Garcia, Danielle Ferreira. Investigao da capacidade intelectiva de pacientes peditricos

diagnosticados com tumores de fossa posterior / Danielle Ferreira Garcia. 2011.

282 f.: il. - Dissertao (Mestrado em Psicologia) Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes. Programa de Ps-Graduao em Psicologia, Natal, 2011.

Orientador: Prof. Dr. Izabel Augusta Hazin Pires. 1. Neuropsicologia. 2. Inteligncia. 3. Oncologia. 4. Crianas -

Desenvolvimento. I. Pires, Izabel Augusta Hazin. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.

RN/BSE-CCHLA CDU 159.9:616.8

iv

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes

Programa de Ps-Graduao Em Psicologia

A dissertao Investigao da capacidade intelectiva de pacientes peditricos

diagnosticados com tumores de fossa posterior elaborada por Danielle Ferreira Garcia,

foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo

Programa de Ps-Graduao em Psicologia, como requisito parcial obteno do ttulo

de MESTRE EM PSICOLOGIA.

Natal, 01 de abril de 2011.

BANCA EXAMINADORA Izabel Augusta Hazin Pires _____________________________

Clara Maria Melo dos Santos _____________________________

Rochele Paz Fonseca _____________________________

v

A esperana no murcha, ela no cansa. Tambm

como ela no sucumbe a crena. Vo-se sonhos

nas asas da descrena, voltam sonhos nas asas da

esperana.

AUGUSTO DOS ANJOS

vi

s crianas com cncer e ao sonho, cada vez

mais factvel, da reconciliao entre a cura e

felicidade plenas.

vii

Agradecimentos

Deus, por ter me permitido sonhar e realizar mais esta conquista, estando comigo e me

acalentando nos momentos em que mais precisei;

Aos meus pais, Maria das Dores Ferreira Garcia e Francisco Alcione Torres Garcia, pelo

amor incondicional e imensurvel dedicao em nome da minha felicidade e realizao

profissional;

Aos meus irmos, Sheylla e Thiago, pelo carinho, palavras de incentivo e por

compartilharem comigo as alegrias das conquistas;

A Artur, por seu amor, respeito, dedicao, incentivo e pacincia durante os diversos

momentos em que precisei ausentar-me;

professora Izabel Hazin, a quem eu atribuo o meu processo de iniciao cientfica e a

minha insero na Neuropsicologia; pelo apoio, dedicao, zelo e destreza mpares com os

quais me guia rumo ao conhecimento;

Aos meus amigos, sempre presentes nos mais diversos momentos, seja me confortando nos

momentos de dificuldade, seja proporcionando momentos de descontrao e lazer;

Aos meus familiares que, a despeito de eventuais distncias geogrficas, contriburam para

o meu sucesso;

A todos os integrantes do Laboratrio de Pesquisa e Extenso em Neuropsicologia, cujas

discusses constituram o alicerce fundamental deste estudo;

A Artemis, Carolina, Iana e Laura, pela dedicao e apoio ao longo destes dois anos e por

terem me proporcionado a oportunidade de compartilhar conhecimentos e, sobretudo, de

aprender a cada encontro para estudos e discusses;

viii

toda a equipe do Centro de Hematologia e Oncologia Peditrica/CEHOPE, em especial a

Arli e Francisco Pedrosa, Andra Fonseca e Hlio Monteiro, cujas contribuies foram

cruciais ao desenvolvimento deste trabalho;

Aos colegas da Pr-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFRN, em especial Cntia e Poliana,

pelo apoio e incentivos incondicionais e pela compreenso s eventuais ausncias;

A todas as crianas participantes da pesquisa e seus responsveis, pela dedicao com a

qual se dispuseram a colaborar com este estudo;

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, estiveram comigo durante a conduo

deste trabalho,

Muito obrigada!

ix

Sumrio

Lista de Figuras ............................................................................................................... xii

Lista de Tabelas............................................................................................................... xv

RESUMO ....................................................................................................................... xix

ABSTRACT ................................................................................................................... xxi

1.Consideraes iniciais: ................................................................................................... 1

1.1. Tumores de Fossa Posterior: ................................................................................. 3

1.1.1. Caracterizao: ................................................................................................ 3

1.1.2. Classificao dos tumores de Fossa Posterior: ............................................... 5

1.1.3. Tratamento dos tumores de Fossa Posterior: .................................................. 9

1.2. Neuropsicologia: fragmentos histricos e princpios bsicos: ............................ 14

1.3. Neuropsicologia do desenvolvimento: ................................................................ 23

1.4. Inteligncia: marcos conceituais e mtodos avaliativos: ..................................... 32

1.5. Desenvolvimento das funes cognitivas: .......................................................... 39

1.5.1. Ateno: .......................................................................................................... 41

1.5.2. Funes percepto-gnsicas: ........................................................................... 45

1.5.3. Funes prxicas: .......................................................................................... 48

1.5.4. Funes visoconstrutivas: .............................................................................. 50

1.5.5. Pensamento: ................................................................................................... 51

1.5.6. Funes Executivas: ....................................................................................... 53

1.5.7. Memria: ........................................................................................................ 55

1.5.8. Linguagem: ..................................................................................................... 60

2.Tumores de Fossa Posterior e efeitos cognitivos associados: ...................................... 64

2.1. Alteraes cognitivas decorrentes da leso expansiva e da cirurgia de resseco:

66

2.2. Alteraes cognitivas decorrentes da radioterapia de crnio e neuro-eixo: ........ 69

2.3. Alteraes cognitivas decorrentes da quimioterapia: .......................................... 81

x

2.4. Fatores de risco associados ao diagnstico e tratamento dos tumores de fossa

posterior: ...................................................................................................................... 84

3.Objetivos: ................................................................................................................... 100

3.1. Objetivo Geral: .................................................................................................. 100

3.2. Objetivos Especficos: ....................................................................................... 100

4.Mtodo: ...................................................................................................................... 102

4.1. Instituio participante: ..................................................................................... 102

4.2. Participantes: ..................................................................................................... 103

4.3. Procedimento de coleta de dados: ..................................................................... 107

4.3.1. Escalas Wechsler de Inteligncia para Crianas WISC-III: ..................... 109

4.4. Procedimento de anlise de dados: .................................................................... 111

5.Resultados: ................................................................................................................. 116

5.1. Apresentao dos resultados: ............................................................................ 116

5.1.1. QIs e ndices Fatoriais da WISC-III: .......................................................... 116

5.1.2. Subtestes da WISC-III: ................................................................................. 118

5.2. Anlise estatstica descritiva e inferencial: ....................................................... 119

5.2.1. Gnero: ......................................................................................................... 171

5.2.2. Origem: ......................................................................................................... 182

5.2.3. Diagnstico e tratamento da criana: .......................................................... 120

5.2.4. Idade da criana ao diagnstico: ................................................................. 145

5.2.5. Localizao do tumor: .................................................................................. 133

5.2.6. Presena de hidrocefalia ao diagnstico: .................................................... 125

5.2.7. Tempo decorrido entre o diagnstico e a avaliao da capacidade

intelectiva: ............................................................................................................. 158

5.2.8. Nvel de escolaridade dos pais: .................................................................... 194

6.Discusso dos resultados: ........................................................................................... 208

6.1. Diagnstico e tratamento: .................................................................................. 210

6.2. Presena de hidrocefalia: ................................................................................... 215

xi

6.3. Localizao do tumor: ....................................................................................... 217

6.4. Idade da criana ao diagnstico: ....................................................................... 219

6.5. Tempo decorrido entre o diagnstico e a avaliao da capacidade intelectiva: 224

6.6. Gnero da criana: ............................................................................................. 229

6.7. Variveis scio-culturais ................................................................................... 230

6.7.1. Origem da criana: ...................................................................................... 230

6.7.2. Nvel de escolaridade dos pais: .................................................................... 231

7.Consideraes finais: ................................................................................................. 234

8.Referncias Bibliogrficas: ........................................................................................ 240

ANEXOS ...................................................................................................................... 251

APNDICES ................................................................................................................. 254

xii

Lista de Figuras Figura Pgina

1. Desempenho mdio de G1 e G2 nos QIs e ndices Fatoriais da WISC-

III em funo da varivel diagnstico da criana...................................... 124

2. Desempenho mdio de G1 e G2 nos subtestes da WISC-III em funo

da varivel diagnstico da criana............................................................ 125

3. Desempenho mdio de G1+G2 nos QIs e ndices Fatorias da WISC-III

em funo da varivel presena de hidrocefalia ao diagnstico............... 128

4. Desempenho mdio de G1+G2 nos subtestes da WISC-III em funo da

varivel presena de hidrocefalia ao diagnstico..................................... 129

5. Desempenho mdio de G1 nos QIs e ndices Fatorias da WISC-III em

funo da varivel presena de hidrocefalia ao diagnstico.................... 132

6. Desempenho mdio de G1 nos subtestes da WISC-III em funo da

varivel presena de hidrocefalia ao diagnstico..................................... 133

7. Desempenho mdio das crianas de G1 + G2 nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III segundo a varivel localizao do tumor.............. 137

8. Desempenho mdio das crianas de G1 + G2 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel localizao do tumor.................................................. 137

9. Desempenho mdio das crianas de G1 nos QIs e ndices Fatoriais da

WISC-III segundo a varivel localizao do tumor.................................. 140

10. Desempenho mdio das crianas de G1 nos subtestes da WISC- III

segundo a varivel localizao do tumor.................................................. 141

11. Desempenho mdio das crianas de G2 nos QIs e ndices Fatoriais da

WISC-III segundo a varivel localizao do tumor.................................. 144

12. Desempenho mdio das crianas de G2 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel localizao do tumor.................................................. 145

13. Desempenho mdio das crianas de G1+G2 nos escores da WISC-III

segundo a varivel idade ao diagnstico................................................... 148

14. Desempenho mdio das crianas de G1+G2 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel idade ao diagnstico................................................... 149

15. Desempenho mdio das crianas de G1 nos QIs e ndices Fatoriais da 152

xiii

WISC-III segundo a varivel idade ao diagnstico...................................

16. Desempenho mdio obtido pelas crianas de G1 nos pontos ponderados

da WISC-III segundo a varivel idade ao diagnstico.............................. 153

17. Desempenho mdio obtido pelas crianas de G2 nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III segundo a varivel idade ao diagnstico............... 157

18. Desempenho mdio das crianas de G2 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel idade ao diagnstico................................................... 157

19. Desempenho mdio das crianas de G1+G2 nos QIs e ndices Fatoriais

da WISC-III segundo a varivel tempo decorrido entre o diagnstico e

a avaliao.................................................................................................

161

20. Desempenho mdio das crianas de G1+G2 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel tempo decorrido entre o diagnstico e a

avaliao....................................................................................................

161

21. Desempenho mdio das crianas de G1 nos QIs e ndices Fatoriais da

WISC-III segundo a varivel tempo decorrido entre o diagnstico e a

avaliao....................................................................................................

165

22. Desempenho mdio das crianas de G1 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel tempo decorrido entre o diagnstico e a

avaliao....................................................................................................

166

23. Desempenho mdio das crianas de G2 nos QIs e ndices Fatoriais da

WISC-III segundo a varivel tempo decorrido entre o diagnstico e a

avaliao....................................................................................................

169

24. Desempenho mdio das crianas de G2 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel tempo decorrido entre o diagnstico e a

avaliao....................................................................................................

170

25. Desempenho mdio das crianas de G1+G2 nos QIs e ndices Fatoriais

da WISC-III segundo a varivel gnero.................................................... 172

26. Desempenho mdio das crianas de G1+G2 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel gnero......................................................................... 175

27. Desempenho mdio das crianas de G1 nos QIs e ndices Fatoriais da

WISC-III em funo da varivel gnero.................................................... 178

28. Desempenho mdio das crianas de G1 nos subtestes da WISC-III em

funo da varivel gnero.......................................................................... 178

xiv

29. Desempenho mdio das crianas de G2 nos QIs e ndices Fatoriais da

WISC-III segundo a varivel gnero......................................................... 181

30. Desempenho mdio das crianas de G2 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel gnero......................................................................... 182

31. Desempenho mdio de G1+G2 nos QIs e ndices Fatoriais da WISC-III

segundo a varivel origem......................................................................... 186

32. Desempenho mdio de G1+G2 nos subtestes da WISC-III segundo a

varivel origem.......................................................................................... 186

33. Desempenho mdio de G1 nos QIs e ndices Fatoriais da WISC-III

segundo a varivel origem......................................................................... 189

34. Desempenho mdio de G1 nos subtestes da WISC-III segundo a

varivel origem.......................................................................................... 190

35. Desempenho mdio de G2 nos QIs e ndices Fatoriais da WISC-III

segundo a varivel origem......................................................................... 193

36. Desempenho mdio de G2 nos subtestes da WISC-III segundo a

varivel origem.......................................................................................... 194

37. Desempenho mdio de G1+G2 nos QIs e ndices Fatoriais da WISC-III

segundo a varivel nvel de escolaridade dos

pais.............................................................................................................

198

38. Desempenho mdio de G1 + G2 nos subtestes da WISC-III segundo a

varivel nvel de escolaridade dos pais..................................................... 199

39. Desempenho mdio de G1 nos QIs e ndices Fatoriais da WISC-III

segundo a varivel nvel de escolaridade dos pais.................................... 202

40. Desempenho mdio das crianas de G1 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel nvel de escolaridade dos pais.................................... 203

41. Desempenho mdio das crianas de G2 nos QIs e ndices Fatoriais da

WISC-III segundo a varivel nvel de escolaridade dos pais.................... 206

42. Desempenho mdio das crianas de G2 nos subtestes da WISC-III

segundo a varivel nvel de escolaridade dos pais.................................... 206

xv

Lista de Tabelas Tabela Pgina

1. Constituio e caracterizao dos participantes do estudo........................ 105

2. Instrumentos componentes do protocolo de avaliao neuropsicolgica.. 108

3. Desempenho das crianas participantes nos QIs e ndices Fatoriais da

WISC......................................................................................................... 117

4. Desempenho das crianas participantes nos subtestes da WISC-III.......... 119

5. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel diagnstico da criana...... 122

6. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel diagnstico da criana..................................... 123

7. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel presena de hidrocefalia

para G1+G2...............................................................................................

126

8. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel presena de hidrocefalia para G1+G2............. 127

9. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel presena de hidrocefalia

para G1.......................................................................................................

130

10. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel presena de hidrocefalia para G1.................... 131

11. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel localizao do tumor para

G1+G2.......................................................................................................

135

12. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel localizao do tumor para G1+G2................... 135

13. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel localizao do tumor para

G1...............................................................................................................

138

14. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel localizao do tumor para G1.......................... 139

15. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel localizao do tumor para 142

xvi

G2...............................................................................................................

16. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel localizao do tumor para G2.......................... 143

17. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel idade ao diagnstico para

G1+G2.......................................................................................................

146

18. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel idade ao diagnstico para G1+G2.................... 147

19. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel idade ao diagnstico para

G1...............................................................................................................

150

20. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel idade ao diagnstico para G1........................... 151

21. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel idade ao diagnstico para

G2...............................................................................................................

155

22. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel idade ao diagnstico para G2........................... 155

23. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel tempo decorrido do

diagnstico avaliao para G1+G2........................................................

159

24. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel tempo decorrido do diagnstico avaliao

para G1+G2...............................................................................................

159

25. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel tempo decorrido do

diagnstico avaliao para G1...............................................................

163

26. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel tempo decorrido do diagnstico avaliao

para G1.......................................................................................................

164

27. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel tempo decorrido do

diagnstico avaliao para G2...............................................................

167

xvii

28. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel tempo decorrido do diagnstico avaliao

para G2.......................................................................................................

168

29. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel gnero para G1+G2........... 172

30. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel gnero para G1+G2.......................................... 172

31. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel gnero para G1.................. 176

32. Desempenho mdio e verificao de diferenas nos subtestes da WISC-

III em funo da varivel gnero para G1................................................. 176

33. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel gnero para G2.................. 179

34. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos subtestes da

WISC-III em funo da varivel gnero para G2...................................... 180

35. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel origem para G1+G2........... 184

36. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos subtestes da

WISC-III em funo da varivel origem para G1+G2.............................. 184

37. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel origem para G1.................. 187

38. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos subtestes da

WISC-III em funo da varivel origem para G1...................................... 188

39. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel origem para G2.................. 191

40. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos subtestes da

WISC-III em funo da varivel origem para G2...................................... 192

41. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel nvel de escolaridade dos

pais para G1+G2........................................................................................

196

42. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos subtestes da

WISC-III em funo da varivel nvel de escolaridade dos pais para

G1+G2.......................................................................................................

196

xviii

43. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel nvel de escolaridade dos

pais para G1...............................................................................................

200

44. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos subtestes da

WISC-III em funo da varivel nvel de escolaridade dos pais para

G1...............................................................................................................

201

45. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos QIs e ndices

Fatoriais da WISC-III em funo da varivel nvel de escolaridade dos

pais para G2...............................................................................................

204

46. Desempenho mdio e verificao das diferenas nos subtestes da

WISC-III em funo da varivel nvel de escolaridade dos pais para G2 205

xix

INVESTIGAO DA CAPACIDADE INTELECTIVA DE PACIENTES

PEDITRICOS DIAGNOSTICADOS COM TUMORES DE FOSSA

POSTERIOR

RESUMO

Os tumores de Sistema Nervoso Central so as neoplasias slidas mais frequentes na

infncia. 60% desses tumores ocorrem na fossa posterior, cujo principal componente o

cerebelo. A primeira interveno a resseco cirrgica; tumores malignos requerem

estratgias teraputicas complementares quimioterapia e radioterapia. O aumento da

sobrevida evidenciou que crianas com tumores cerebrais apresentam dificuldades

acadmico-sociais que comprometem sua qualidade de vida. O objetivo deste estudo foi

investigar a capacidade intelectiva de crianas de 6 a 16 anos com tumores de fossa

posterior. Participaram 21 crianas atendidas pelo CEHOPE Recife/PE sendo 13

crianas com astrocitoma piloctico (G1) - submetidas cirurgia de resseco e; oito

crianas com meduloblastoma (G2) submetidas a cirurgia de resseco, quimioterapia

e radioterapia de crnio e neuro-eixo. Os participantes foram avaliados pelas Escalas

Wechsler de Inteligncia para Crianas WISC-III. Crianas de G1 obtiveram

desempenho superior ao de crianas de G2. Anlises estatsticas inferenciais (Teste

de Mann-Whitney) identificaram contrastes estatisticamente significativos (p0,05),

entre o QI de Execuo (QIE) e ndice Fatorial Velocidade de Processamento (IVP) em

funo da modalidade de tratamento; QI Total, QIE e IVP em funo do nvel de

escolaridade dos pais; QIE, QIT, IVP e ndice Fatorial Resistncia Distrao (IRD)

em funo do tempo entre o diagnstico e a avaliao. Sugere-se o impacto tardio e

xx

progressivo da radioterapia sobre a substncia branca e sobre a velocidade de

processamento; crianas cujos pais possuem maior nvel de instruo formal apresentam

melhor capacidade intelectiva, sugerindo a influncia de variveis scio-culturais sobre

o desenvolvimento cognitivo. O impacto do cncer e seu tratamento sobre o

desenvolvimento e a aprendizagem no deve ser subestimado. Tais resultados reforam

a necessidade de aprofundar a compreenso sobre tais efeitos, visando propor

estratgias teraputicas que garantam, alm da reabilitao clnica, o pleno

desenvolvimento das crianas com esta patologia.

Palavras-chave: capacidade intelectiva, neuropsicologia, neurodesenvolvimento,

oncologia peditrica, tumores de fossa posterior.

xxi

INVESTIGATION OF THE INTELLECTUAL ABILITY IN PEDIATRIC

PATIENTS DIAGNOSED WITH POSTERIOR FOSSA TUMORS.

ABSTRACT

Central Nervous System are the most common pediatric solid tumors. 60% of these

tumors arise in posterior fossa, mainly in cerebellum. The first therapeutic approach is

surgical resection. Malignant tumors require additional strategies - chemotherapy and

radiotherapy. The increasing survival evidences that childhood brain tumors result in

academic and social difficulties that compromise the quality of life of the patients. This

study investigated the intellectual functioning of children between 7 to 15 years

diagnosed with posterior fossa tumors and treated at CEHOPE - Recife / PE. 21 children

were eligible - including 13 children with pilocytic astrocytoma (G1) who underwent

only surgery resection, and eight children with medulloblastoma (G2) - submitted to

surgical resection, chemotherapy and craniospinal radiotherapy. Participants were

evaluated by the Wechsler Intelligence Scale for Children - WISC-III. Children of G1

scored better than children of G2. Inferential tools (Mann-Whitney Test) identified

significant diferences (p 0.05) between the Performance IQ (PIQ) and Processing

Speed Index (PSI) as a function of treatment modality; Full Scale IQ (FSIQ), PIQ and

PSI as a function of parental educational level; PIQ, FSIQ, IVP and Freedom from

Distractibility (FDI) as a function of time between diagnosis and evaluation. These

results showed the late and progressive impact of radiotherapy on white matter and

information processing speed. Furthermore, children whose parents have higher

educational level showed better intellectual performance, indicating the influence of

xxii

socio-cultural variables on cognitive development. The impact of cancer and its

treatment on cognitive development and learning should not be underestimated. These

results support the need to increase the understanding of such effects in order to propose

therapeutic strategies which ensure that, in addition to the cure, the full development of

children with this pathology.

Key words: intellective functioning, neuropsychology, neurodevelopment, pediatric

oncology, posterior fossa tumors.

1

INVESTIGAO DA CAPACIDADE INTELECTIVA DE PACIENTES

PEDITRICOS DIAGNOSTICADOS COM TUMORES DE FOSSA

POSTERIOR

Danielle Garcia

Mestranda

Izabel Hazin - Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Departamento de Psicologia

Arli Diniz Oliveira Melo Pedrosa Supervisora de Campo

Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira- IMIP/

Centro de Hematologia e Oncologia Peditrica - CEHOPE

1. Consideraes iniciais:

De acordo com o Instituto Nacional de Cncer (INCA, 2007), o cncer infantil

a segunda causa de morte de crianas no Brasil. Embora represente apenas 3% dos

novos casos de cncer estimados para o pas, este percentual corresponde a mais de

9.000 casos anuais de neoplasias na faixa peditrica. Destes novos casos de cncer,

aproximadamente 20% consistem em tumores de Sistema Nervoso Central - SNC,

grupo de neoplasias slidas mais frequentes na faixa peditrica. Tais tumores acometem

predominantemente crianas do sexo masculino, com pico de incidncia aos 10 anos de

idade (Ribeiro & Latorre, 2003).

Anteriormente dcada de 1960, o prognstico das crianas com neoplasias

cerebrais era desfavorvel a ponto de as preocupaes acerca dos possveis efeitos

2

adversos a longo prazo do tratamento dos tumores de SNC serem consideradas

irrelevantes. Nos ltimos 30 anos, a sobrevida de crianas com tumores de SNC

aumentou consideravelmente, graas ao alto grau de sofisticao teraputica, e a doena

vem sendo considerada potencialmente curvel (Duffner, 2010; Furrer & Suzuki, 2003).

Contudo, a eficcia teraputica obtida atravs da combinao de diferentes modalidades

de tratamento pode ocorrer custa de sequelas neurocognitivas adversas ocasionadas

tanto pela prpria neoplasia quanto pela agressividade teraputica. Tais sequelas se

manifestam em dificuldades na vida acadmico-social, que culminam por incluir tais

crianas em subgrupo de crianas com necessidades educativas especiais (Nathan et. al.,

2007; Butler & Haser, 2006).

Um dos primeiros estudos a reconhecer a ameaa representada pelos tumores

cerebrais e seu tratamento sobre a qualidade de vida das crianas foi realizado por

Bloom et. al. (1969), verificando-se o alto risco de danos cognitivos apresentado por

crianas submetidas radioterapia. A partir destes primeiros achados, diversos estudos

foram realizados com vistas investigao da qualidade de vida - em cujo espectro se

incluem componentes sociais, emocionais e cognitivos - de crianas diagnosticadas com

tumores cerebrais (Mulhern et. al., 2004a).

Tumores localizados em fossa posterior tradicionalmente no eram relacionados

a prejuzos cognitivos, devido ao papel secundrio atribudo s regies subcorticais no

que concerne ao funcionamento cognitivo superior (Stargatt, Anderson & Rosenfeld,

2002; Riva & Giorgi, 2000). Contudo, estudos recentes tm revelado que crianas

sobreviventes desse tipo de tumor apresentam dficits a curto e longo prazo em diversos

3

domnios cognitivos, carecendo de investigaes sistemticas que proporcionem maior

compreenso dessas sequelas (Duffner, 2010; Palmer & Leigh, 2009; Palmer, 2008;

Vaquero et. al., 2008; Palmer, Reddick, & Gajjar, 2007; Reeves et. al., 2006; Mulhern

et. al., 2005; Steilin et. al., 2003; Stargatt et. al., 2002; Riva & Giorgi, 2000).

O presente estudo tem sua relevncia situada na necessidade de investigar e

compreender o impacto do advento desses tumores e da respectiva interveno

teraputica sobre o desenvolvimento cognitivo deste subgrupo de crianas, tendo como

objetivo a investigao da capacidade intelectiva de pacientes peditricos

diagnosticados com tumores de fossa posterior. Salienta-se que h no Brasil poucos

estudos contemplando a interface entre a oncologia peditrica e a Neuropsicologia,

ressaltando-se que este um estudo indito e de grande impacto social no pas. Espera-

se, atravs do conhecimento da modalidade e extenso desses dficits, contribuir para a

proposio de estratgias de atendimento diferenciado a tais crianas no contexto da

reabilitao neuropsicolgica - que visem minimizar os impactos do tratamento sobre o

seu funcionamento cognitivo e scio-educacional, bem como proporcionar condies

para a melhoria da qualidade de vida e a plena expresso de seu potencial de

desenvolvimento e aprendizagem.

1.1. Tumores de Fossa Posterior:

1.1.1. Caracterizao:

Os tumores de Sistema Nervoso Central SNC so, na maioria das

populaes, o segundo tipo mais frequente de cncer na infncia, superados apenas

4

pelas leucemias (Ribeiro & Latorre, 2003). Dentre as neoplasias slidas, no entanto, tais

tumores so os mais frequentes na faixa peditrica, correspondendo a 20% de todas as

doenas malignas na infncia (Reeves et. al., 2006).

Em crianas, os tumores de SNC tm caractersticas peculiares. Neste grupo

etrio, so mais comuns leses infratentoriais ou de fossa posterior nomenclatura

utilizada para designar a regio localizada abaixo do tentrio ou tenda do cerebelo,

membrana de dura-mter que recobre esta estrutura e sustenta os lobos occipitais do

crebro1 (Furrer & Suzuki, 2003). A fossa posterior tem como principais componentes

anatmicos o cerebelo, o tronco enceflico, o IV ventrculo e as pores proximais dos

nervos cranianos (exceto I e II). Embora abrigue apenas 1/10 do volume cerebral

intracraniano, a fossa posterior constitui o local mais comum de desenvolvimento de um

tumor cerebral em crianas2, correspondendo a aproximadamente 60% de todos os

tumores cerebrais na faixa peditrica, ocorrendo principalmente na primeira dcada de

vida (Chojniak & Leopoldino, 2003; Furrer & Suzuki, 2003; Suzuki, 2003). Geralmente

tais tumores tm origem no cerebelo ou em estruturas adjacentes, como o quarto

ventrculo, o ngulo cerebelo-pontino ou o tronco enceflico, localizao responsvel

pelo surgimento precoce de sintomatologia bastante expressiva, devido obstruo do

fluxo liqurico e estabelecimento de hipertenso intracraniana (Furrer & Suzuki, 2003).

1 Em adultos so mais frequentes leses supratentoriais localizadas nos hemisfrios cerebrais (Furrer & Suzuki, 2003). 2 Esta incidncia pode ser explicada por fatores maturacionais: sabe-se que o cerebelo apresenta desenvolvimento lento, e as suas clulas germinativas permanecem mitoticamente ativas por tempo consideravelmente mais longo quando comparada s clulas das demais regies cerebrais. Esta lentido confere ao cerebelo uma vulnerabilidade neoplsica mais prolongada, justificando as altas taxas de incidncia destes tumores em crianas e adolescentes (Furrer & Suzuki, 2003).

5

1.1.2. Classificao dos tumores de Fossa Posterior:

A partir da compreenso de que cada tipo de tumor se origina de um tipo

celular especfico, a Organizao Mundial de Sade/OMS estabelece critrios

morfolgicos para caracterizar as clulas tumorais, organizando-os segundo esquemas

graduais que conferem o grau de malignidade da neoplasia, com implicaes

teraputicas e prognsticas. Tais esquemas visam, principalmente, proporcionar uma

previso da evoluo clnica do tumor e estabelecer as intervenes teraputicas a serem

adotadas (Rocha, 2003). Os quatro critrios morfolgicos so: a) atipia nuclear -

caracterizada por padres anormais no ncleo celular, como perda da relao do ncleo

com o citoplasma, variao do volume e do cromatismo nuclear, multinucleao e

pseudo-incluses3; b) mitoses a mitose processo de diviso celular pelo qual as

clulas eucariticas dividem seus cromossomos entre duas clulas filhas. Sua presena

em clulas tumorais confere malignidade neoplasia; c) proliferao endotelial

consiste na hiperplasia das clulas endoteliais dos capilares sanguneos, que resulta da

secreo de fator de crescimento do endotlio vascular pelas clulas neoplsicas e; d)

necrose - estado de morte de um tecido ou parte dele, caracterstica de um processo

patolgico e desordenado de morte celular.

A contagem final de tais critrios confere a graduao da malignidade da

neoplasia, levando seguinte classificao dos tumores de SNC (Arajo, 2003): a) Grau

I: quando no esto presentes nenhum dos critrios acima mencionados; b) Grau II:

3 Pseudo-incluses so invaginaes ou dobras para o interior da membrana nuclear contendo citoplasma.

6

quando h a presena de um critrio; c) Grau III: quando h a presena de dois critrios

e; d) Grau IV: quando h a presena de trs ou quatro critrios.

A partir de tais critrios, podem ser descritas diversas variantes histolgicas

entre as neoplasias de SNC (Ribeiro & Latorre, 2003). Na fossa posterior, dentre os

tipos de tumores mais comuns encontram-se os meduloblastomas e os gliomas de baixo

grau, dentre os quais se destacam os astrocitomas pilocticos (Mabbott, Penkman, Witol

& Strother, 2008; Vaquero et. al., 2008). Estes subtipos de tumores sero objeto de

investigao do presente estudo, e sero detalhados a seguir:

a) Astrocitoma Piloctico:

Os astrocitomas so tumores de origem neuroepitelial, derivados de clulas

astrocticas da neuroglia. Correspondem a aproximadamente um tero dos tumores de

SNC na infncia, localizando-se mais frequentemente nos hemisfrios cerebelares. No

entanto, podem originar-se tambm no vermis cerebelar e no quarto ventrculo

(Chojniak & Leopoldino, 2003). De acordo com o grau de malignidade do sistema da

OMS, os astrocitomas podem ser classificados, como pilocticos, fibrilares e

anaplsicos, em gradao crescente de malignidade (Aarsen et. al., 2009).

O astrocitoma piloctico que ser objeto de investigao no presente estudo

-, compreende cerca de 10 a 20% de todos os tumores de SNC da infncia. A maior

incidncia ocorre na primeira dcada de vida, com idade mdia entre 6,5 e nove anos,

sem predomnio de gnero. Geralmente est associado a curso clnico relativamente

benigno devido, sobretudo, lentido mittica de suas clulas e sua natureza

7

histolgica discreta e bem circunscrita - fatores que favorecem a resseco cirrgica

completa e a iseno de tratamentos anti-neoplsicos complementares (Rondinelli,

2003). A taxa de sobrevida de longo prazo de crianas com astrocitoma piloctico de

aproximadamente 90% em quatro anos (Aarsen et. al., 2009).

Por apresentar curso clnico benigno, os astrocitomas possuem bom

prognstico. Sua abordagem teraputica, na maioria das vezes, consiste exclusivamente

em cirurgia de resseco. Em casos incomuns de leses residuais, recidivadas ou no

passveis de resseco, a quimioterapia e/ou a radioterapia podem ser utilizadas

(Ferrigno, 2003).

b) Meduloblastoma:

O meduloblastoma um tumor embrionrio maligno de linhagem

neuroectodrmica4, que se origina predominantemente na rea do vermis cerebelar

(Palmer et. al., 2007). um dos tumores peditricos mais frequentes, correspondendo

entre 10 a 20% dos casos de tumores de SNC em crianas, (Furrer & Suzuki, 2003). Sua

ocorrncia mais frequente na primeira dcada de vida, sendo a idade mdia de

ocorrncia 7,3 anos, com picos de incidncia aos trs e sete anos de idade, em proporo

masculino/feminino variando de 1,1:1 a 2,6:1 (Gottardo e Gajjar, 2006; Furrer &

Suzuki, 2003).

um tumor fortemente maligno, correspondendo ao grau IV da classificao

da OMS (Furrer & Suzuki, 2003). Sua histologia caracterizada por alto grau de

4 A neuroectoderme designa o tecido embrionrio precursor do desenvolvimento do Sistema Nervoso.

8

celularidade e potencial mittico, grande potencial de infiltrao e forte propenso

disseminao atravs do lquor e ao longo do neuro-eixo5, caracterizando piores

prognsticos. Em alguns casos, a partir do vermis cerebelar o meduloblastoma pode

preencher e obstruir a cavidade do IV ventrculo e dispersar-se ao longo do espao sub-

aracnide no neuroeixo, infiltrando estruturas adjacentes, como os pednculos

cerebelares ou o tronco cerebral (Furrer & Suzuki, 2003).

O meduloblastoma apresenta sinais e sintomas precoces. Os principais

sintomas decorrem do estabelecimento de quadro de hidrocefalia, devido ao aumento da

presso intracraniana pelo bloqueio do fluxo de lquor no IV ventrculo ou no aqueduto

de Sylvius. Os sintomas mais frequentes so vmitos6, cefalia, letargia7, papiledema8 e

diplopia9. Quando acometem o cerebelo, os meduloblastomas podem ocasionar

distrbios de coordenao motora e equilbrio, como a astasia ou seja, a incapacidade

de permanecer em p; a abasia a incapacidade de andar; tremores de inteno -

tremores que ocorrem durante a realizao de um movimento intencional e dismetria -

dificuldade expressa no movimento dos membros em precisar o alcance de um objeto. A

incoordenao motora tambm pode afetar a articulao da fala, que se torna lenta e

hesitante (Furrer & Suzuki, 2003; Suzuki, 2003).

Devido ao alto grau de malignidade e aos riscos de recidivas locais e

disseminao pelo neuro-eixo, o meduloblastoma requer intervenes teraputicas

5 O neuro-eixo constitudo pelo encfalo e pela medula espinhal. 6 Os vmitos so causados por presso direta na regio do ncleo do nervo vago o centro do vmito, situado na poro inferior do assoalho do IV ventrculo. 7 Perda temporria da sensibilidade e do movimento, levando o indivduo a um estado mrbido em que as funes vitais esto atenuadas. 8 Papiledema corresponde ao inchao do globo ocular causado por presso intracraniana. 9 Diplopia corresponde a viso dupla, causada por acometimento do VI par craniano.

9

agressivas. Alm da cirurgia de resseco, so realizadas intervenes complementares,

como quimioterapia10 e radioterapia crnio-espinhal acrescida de reforo na fossa

posterior. Tal estratgia tem demonstrado efeitos positivos sobre a sobrevida de

crianas, razo pela qual vem sendo bastante adotada (Gottardo & Gajjar, 2006). A

sobrevida livre de progresso para crianas com meduloblastoma de baixo risco

quando o tumor residual apresenta dimenses menores que 1,5 cm e no h risco de

metstase - varia entre 55 e 65% aps tratamento com radioterapia crnio-espinhal e

reforo na fossa posterior, enquanto pacientes de alto risco com leses residuais

maiores que 1,5 cm e/ou em metstase - no ultrapassam 35 a 45% de sobrevida livre

de eventos aps tratamento similar (Furrer & Suzuki, 2003).

Na prxima seo, sero abordadas as modalidades teraputicas adotadas nos

protocolos de tratamento dos tumores de fossa posterior.

1.1.3. Tratamento dos tumores de Fossa Posterior:

O alto grau de sofisticao teraputica tem elevado de forma significativa os

ndices de sobrevida de crianas acometidas por tumores de SNC. Os progressos obtidos

nas tcnicas neurocirrgicas, na radioterapia e na quimioterapia tornaram os tumores de

SNC potencialmente curveis (Furrer & Suzuki, 2003).

O tipo de tratamento a ser adotado determinado pela idade e pelas condies

neurolgicas do paciente, pela localizao, natureza histolgica e extenso do tumor

(Ferrigno, 2003). Nas prximas sees, sero abordadas em maior detalhe as

modalidades de tratamento acima referidas. 10 A quimioterapia altamente recomendada na maioria dos protocolos.

10

a) Cirurgia:

A cirurgia a via de reduo tumoral mais rpida e eficaz, sendo, portanto, a

primeira interveno teraputica dos tumores de SNC. A resseco cirrgica tem como

principais objetivos: 1) a reduo do volume tumoral e da populao de clulas

neoplsicas; 2) a diminuio da presso intracraniana; 3) a retirada de amostra de tecido

tumoral para anlise anatomopatolgica; 4) o restabelecimento do trnsito de lquor em

caso de obstruo por hidrocefalia (Sanematsu Jr. & Suzuki, 2003).

A resseco pode ser realizada parcial ou completamente, em funo da avaliao

do grau de infiltrao do tecido tumoral nas estruturas nervosas. Quando no h

envolvimento de estruturas adjacentes, como pednculos cerebelares e tronco

enceflico, busca-se a resseco mais completa possvel. O grau de resseco do tumor

um fator de grande valor prognstico, uma vez que a existncia de leses residuais

determina a necessidade de intervenes teraputicas posteriores. Aps a cirurgia,

realizado o controle peridico por imagem (tomografia computadorizada, ressonncia

nuclear magntica etc.), visando o acompanhamento da evoluo da leso para, se

necessrio, ser traado um planejamento teraputico adicional (Furrer & Suzuki, 2003).

A neurocirurgia tem alcanado grandes progressos nas ltimas dcadas, dentre os

quais se destacam as avanadas tcnicas de imagem que, por permitirem uma

visualizao topogrfica mais acurada das leses, tornam possveis resseces mais

precisas e menos traumticas ao tecido cerebral saudvel circundante. Assim, tumores

que antes eram considerados inabordveis cirurgicamente, como os de fossa posterior e

11

da regio da pineal, so atualmente submetidos cirurgia com bons resultados de

sobrevida (Sanematsu Jr., 2003).

b) Quimioterapia:

A quimioterapia consiste no tratamento do cncer atravs da administrao de

substncias capazes de impedir o processo de diviso celular e, consequentemente,

interferir na proliferao das clulas tumorais. As principais vias de administrao de

agentes quimioterpicos so a endovenosa e a intratecal (administrada entre as

meninges, via adotada em alguns casos de tumores de SNC) (Furrer, 2003).

O uso de quimioterapia para o tratamento de tumores de SNC foi ampliado

significativamente nos ltimos 10 anos. Em crianas com baixa idade ao diagnstico, a

quimioterapia utilizado como forma exclusiva de tratamento, sendo administradas

altas doses com vistas ao controle da doena sem o recurso radioterapia, ou retardando

o seu uso, quando este for imperativo (Furrer, 2003).

No entanto, ainda persistem dificuldades associadas ao uso da quimioterapia em

tumores de SNC. A heterogeneidade celular presente nestes tumores, o surgimento de

linhagens celulares resistentes, a existncia de diferentes graus de malignidade em uma

mesma neoplasia e a restrio de alguns agentes quimioterpicos em ultrapassar a

barreira hemato-enceflica11 podem interferir na eficcia teraputica de agentes

quimioterpicos. Novas estratgias de utilizao do tratamento quimioterpico vm

sendo propostas, dentre as quais se destacam os protocolos combinados de drogas

11

A barreira hematoenceflica uma espcie de fronteira composta por capilares sanguneos, com o compartimento intersticial do tecido nervoso, que d acesso ao compartimento intracelular. Essa barreira extremamente seletiva, e atua impedindo a passagem de substncias que possam causar danos funo dos neurnios.

12

quimioterpicas que, atravs da administrao de frmacos com ao em diferentes

fases do ciclo celular, atingem diferentes populaes celulares do tumor e reduzem o

risco de resistncia (Furrer, 2003).

c) Radioterapia:

A radioterapia consiste em tratamento local ou regional realizado atravs do uso de

radiao. Estas substncias so capazes de promover a ionizao dos tomos, formando

radicais livres que quebram a cadeia de DNA das clulas na presena de oxignio.

Assim, a ao dos radicais livres alteram a integridade reprodutiva das clulas, agindo

diretamente sobre o DNA celular. O uso da radioterapia no tratamento de tumores de

SNC tem como objetivos: 1) destruio das clulas neoplsicas; 2) diminuio das

chances de recidiva local; 3) preveno de recada ao longo do neuro-eixo em alguns

tumores; 4) tratamento exclusivo de tumores inabordveis cirurgicamente e; 5) a

melhora do controle local e da sobrevida de crianas com tumores residuais (Ferrigno,

2003). As radioterapias de neuro-eixo e no local primrio do tumor tm sido includas

nos protocolos devido ao alto potencial metasttico de alguns tumores de fossa

posterior, e a sua utilizao bem-sucedida na preveno da disseminao da neoplasia

atravs das vias cefalo-raquidianas (Stargatt et. al., 2002).

Os protocolos teraputicos mais recentes empregam estratgias designadas e

estratificadas em funo da gravidade de cada caso. Para a composio dos protocolos

teraputicos, fatores como a idade da criana, a natureza da leso, sua localizao,

presena/ausncia de metstase e o volume de tumor residual aps a resseco cirrgica

so determinantes. Tambm a tcnica de administrao a ser utilizada (variveis em

13

termos de reas a serem irradiadas, doses finais e fraes a serem liberadas), como a

radioterapia crnio-espinhal, de crnio total, focal, a braquiterapia e a radiocirurgia

determinada por cada situao especfica (Ferrigno, 2003). Nos protocolos teraputicos

atuais para meduloblastomas, o tratamento padro corresponde dose de 36 Gy12 nas

vias crnio-espinhais, seguida de dose adicional de reforo em fossa posterior,

resultando num total de aproximadamente 54 a 55,8 Gy13 (Gottardo & Gajjar, 2006).

O tratamento supracitado bastante agressivo ao SNC em desenvolvimento.

Embora tenha havido esforos contnuos com vistas reduo dos efeitos da

radioterapia sobre o funcionamento cognitivo14, essa modalidade teraputica tem

demonstrado impacto adverso sobre o processo de neurodesenvolvimento, sendo

responsvel por dficits neurocognitivos importantes, especialmente em crianas

diagnosticadas precocemente (antes dos sete anos) (Palmer et. al., 2007; Mulhern et. al.,

2005; Ris et. al., 2001).

Nesse contexto, faz-se necessrio o dilogo entre a Neuropsicologia e a

oncologia peditrica, com foco especial na possibilidade de investigao, compreenso

e minimizao dos impactos decorrentes dos tumores de SNC e de seu tratamento. Esta

aproximao pode fornecer importantes subsdios para a proposio de estratgias de

reabilitao cognitiva para este subgrupo clnico, garantindo a essas crianas o

desenvolvimento pleno do seu potencial de aprendizagem.

12 A radioterapia tem como unidade de medida o Gray (Gy). Esta unidade corresponde dose de radiao absorvida, medida em Joules por Quilograma (J/Kg). Um Gy corresponde absoro de um joule de radiao por quilograma de matria. 13 . Alguns centros tm adotado protocolos teraputicos compostos de doses reduzidas de radioterapia crnio-espinhal (23,4 Gy) (Gottardo & Gajjar, 2006) 14 Dentre os quais se destacam o uso da topografia tridimensional para a administrao de radiao teraputica, com vistas atenuao dos efeitos adversos do tratamento radioterpico (Palmer et. al., 2007).

14

Nas sees seguintes, ser realizado breve aporte terico acerca dos

fundamentos da Neuropsicologia. Em seguida, apresenta-se o curso de maturao e

desenvolvimento ontogentico das estruturas cerebrais, funes e habilidades

cognitivas, visando fornecer o substrato necessrio compreenso dos prejuzos

cognitivos observados em quadros de leso ou disfuno, como frequentemente

observado em crianas com neoplasias cerebrais.

1.2. Neuropsicologia: fragmentos histricos e princpios bsicos:

A histria das neurocincias foi atravessada por diversos modelos explicativos

do funcionamento cerebral.

O surgimento das primeiras associaes entre o crebro e as funes

psicolgicas remonta a Hipcrates (460-355 a. C.), para quem o crebro constitua a

parte mais importante do corpo e abrigava a sede da inteligncia (Kristensen, Almeida

& Gomes, 2001). Na Idade Mdia, a massa enceflica perdeu o status de lcus da mente

humana, dando lugar aos ventrculos cerebrais como reservatrios da energia vital

responsvel pela ligao dos quatro elementos universais (gua, fogo, ar e terra) e pela

determinao do temperamento e comportamento humanos (Muszkat, 2008a).

A partir do Renascimento, inaugura-se a separao entre a alma e o mundo

circundante, bem como o retrato de mundo previsvel, mtrico e facetado, pautado em

mltiplas relaes de causa e efeito, que encontra seu pice com as ideias de Ren

Descartes, no sculo XVII. Descartes definiu a alma como substncia consciente ou

pensamento, caracterizando-a por uma natureza indivisvel, diferentemente do corpo,

15

que era sempre divisvel. Restabeleceu a ontologia dualista, retomando a ideia de que

alma e corpo eram constitudos por diferentes substncias. Para Descartes, a alma

possua carter imaterial e atemporal, enquanto o corpo era finito e material, ocupando

lugar no espao. Corpo e alma interagiriam atravs da glndula pineal, que era ento

considerada a sede da alma humana (Muszkat, 2008a; Kristensen et. al., 2001).

A transposio do dualismo cartesiano ao reducionismo cientfico ocorreu no

sculo XVIII, quando do advento da viso frenolgica de Franz Gall, considerada um

marco da viso localizacionista do funcionamento cerebral (Muzskat, 2008a; Muzskat,

2006). A frenologia partia da ideia de que os traos de carter do indivduo eram

expressos na forma de salincias ou reentrncias de pontos determinados do crnio

(Kristensen et. al., 2001). Segundo a frenologia, o crebro era compartimentado em

vrias reas, que seriam responsveis por funes psicolgicas e comportamentos

humanos especficos, como por exemplo, o amor ao vinho (Muzskat, 2008a).

Aps a frenologia, as investigaes neurocientficas ficaram marcadas por vises

oscilatrias, que ora pendiam para uma viso localizacionista, ora enveredavam para

vises mais holistas do funcionamento cerebral. Aps a iniciativa das teorias

frenolgicas, muitas investigaes cientficas acerca da localizao de funes cerebrais

foram realizadas. Contudo, somente com os estudos de Pierre Broca (1824-1880) - que

investigou a relao entre a perda da fala e leses na terceira circunvoluo frontal

esquerda -, e de Karl Wernicke (1848-1905) que descreveu a relao causal entre a

leso no primeiro giro temporal esquerdo e uma das formas clnicas da afasia, a afasia

sensorial -, o movimento localizacionista ganhou fora (Kristensen et. al., 2001).

16

No entanto, os movimentos holistas tambm apresentaram momentos

hegemnicos, tendo ganhado notoriedade os estudos de Constantin Von Monakow

(1853-1930), baseado em argumentos antomo-fisiolgicos e Kurt Goldstein (1878-

1965), influenciado pela teoria Gestalt (Kristensen et. al., 2001).

O embate entre localizacionistas e holistas perdurou por muitos anos. Uma

proposta vivel de resoluo desta querela foi proposta pela teoria scio-histrica,

desenvolvida por Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), Alexei Nikolaevich Leontiev

(1903-1979) e Alexander Romanovich Luria (1902-1977). Orientado pelo pensamento

de Vygotsky e profundamente inserido na tradio russa de pesquisa em neurologia,

Luria prope modelo terico que dirige o trabalho neuropsicolgico at os dias atuais.

De modo coerente com a perspectiva histrico-cultural que ajudou a erguer, Luria

considera que a insero em ambiente scio-histrico-cultural tem implicaes diretas

sobre a estruturao das funes psicolgicas superiores. O funcionamento cognitivo

superior, embora tenha suporte biolgico irrefutvel, no pode ser concebido como

produto evolutivo direto; ao contrrio, ocorre a partir de relacionamento indireto -

mediado atravs de instrumentos ou signos cujos fundamentos encontram-se nas

relaes sociais estabelecidas entre o sujeito e o mundo e na imerso histrico-cultural

em que se contextualiza (Hazin, Leito, Garcia, Gomes & Lemos, 2010).

Dessa forma, para a perspectiva scio-cultural a compreenso do

desenvolvimento humano exige a considerao conjunta de nveis distintos de anlise:

a) o nvel histrico, referente s aquisies sociais, culturais e histricas da humanidade;

b) o nvel filogentico, referente ao desenvolvimento das espcies e as suas

17

peculiaridades; c) o nvel ontogentico, referente ao desenvolvimento cognitivo e scio-

afetivo dos sujeitos e; d) o nvel microgentico, referente aos fenmenos psicolgicos e

suas trajetrias intrnsecas (Hazin et. al., 2010).

A insero de Luria no domnio neuropsicolgico resultado do projeto

cientfico idealizado pela psicologia histrico-cultural. Para ele, fatores externos

notadamente os mediadores simblicos - desempenham papel decisivo na organizao

funcional dos sistemas cerebrais (Hazin et. al., 2010). O desenvolvimento ontogentico

caracteriza-se pela transio da linha natural - correspondente maturao biolgica,

que se inicia no nascimento da criana - para a linha cultural - que tem incio quando a

criana comea a se apropriar dos instrumentos histrica e culturalmente gerados, a

partir do qual as funes psicolgicas primrias passam a ser atravessadas pela

dimenso simblica. Deve-se salientar que a linha cultural no sucede a natural; ambas

caminham juntas ao longo de toda a vida do sujeito, medida que as funes primrias

so transformadas pelos sistemas simblicos de uma dada cultura (Hazin et. al., 2010).

Luria props uma explicao alternativa s posies localizacionistas e

globalistas, concebendo as funes corticais superiores a partir de trs princpios

centrais: a) relacionamentos interfuncionais, plsticos e modificveis; b) sistemas

funcionais dinmicos como resultantes da integrao de funes elementares e; c) a

reflexo da realidade sobre a mente humana. Para Luria, os processos corticais

superiores so sistemas funcionais complexos dinamicamente localizados (Kristensen

et. al., 2001). As funes cognitivas superiores, como linguagem e memria,

organizam-se em sistemas de zonas, recrutando a atuao de diversas localidades do

18

crtex cerebral (Ciasca, Guimares & Tabaquim, 2006). Portanto, no h uma

localizao especfica das funes cognitivas complexas no sistema nervoso; o advento

do funcionamento cognitivo superior depende da atuao de conexes difusas que

trabalham em concerto, cada qual desempenhando papel relevante ao produto final da

funo cognitiva (Muszkat, 2008a; Ciasca et. al., 2006).

Luria conduz seus estudos a partir da reviso de antigas proposies, at ento

tidas como consensuais no estudo do crebro e do funcionamento cognitivo. Para ele,

este seria o primeiro passo para abordar a ento controversa questo da localizao

cerebral da atividade mental humana (Luria, 1981). A primeira reviso empreendida por

Luria relacionou-se ao conceito de funo.

A funo, para Luria, um mecanismo de adaptao presente em todos os

organismos, consistindo em atividade complexa exercida por um conjunto de rgos

(Hazin et. al., 2010). Dentro dessa perspectiva, uma funo no poderia ser entendida

como atributo de um tecido ou rgo particular, assim como no o so processos como

a respirao e a digesto. Da mesma forma, as funes cognitivas no poderiam ser

circunscritas a uma determinada rea do crtex cerebral. O conjunto de processos

envolvidos com este fim no pode ser considerado uma funo simples, mas um sistema

funcional complexo, tornando obsoleto o uso do termo funo para caracterizar tais

processos (Hazin et. al., 2010; Luria, 1981). Portanto, diferentemente das funes

mentais elementares, as formas superiores do funcionamento humano no esto

limitadas a reas especficas do crebro. A mediao da cultura, atravs de ferramentas

externas, constri uma complexa estrutura de processos mentais ao longo da

19

ontognese, fazendo emergir um crebro funcionalmente integrado a partir da conexo

funcional de reas inicialmente independentes, determinando novas ligaes atividade

mental humana. A presena desses vnculos funcionais na construo dos sistemas

funcionais complexos constituem o que Vygotsky denominou princpio da organizao

extracortical das funes mentais complexas (Hazin et. al., 2010; Luria, 1981).

A distino fundamental dos sistemas funcionais seria a mobilidade de suas

partes constituintes (Luria, 1981). Assim, tais sistemas so essencialmente dinmicos,

capazes de realizar uma tarefa constante (invarivel), por mecanismos diversos

(variveis), levando o processo a um resultado constante (invarivel). A noo de

sistemas funcionais hoje aplicada com propriedade neuropsicologia. Uma

consequncia relevante da proposio dos sistemas funcionais a constatao de que o

ser humano pode utilizar diversos caminhos para atingir o desenvolvimento e a

aprendizagem, premissa de fundamental importncia s propostas de reabilitao (Hazin

et. al., 2010; Luria, 1981).

A segunda reviso realizada por Luria diz respeito ao conceito de localizao.

Esta reviso decorre diretamente da proposio dos sistemas funcionais e de sua relao

com as funes psicolgicas superiores. Para Luria, os sistemas funcionais complexos

no estariam representados em reas limitadas do crebro ou em agrupamentos celulares

isolados. As funes mentais estariam organizadas em sistemas de zonas funcionando

em concerto, cada qual desempenhando um papel em um sistema funcional complexo,

podendo estar localizadas em reas cerebrais completamente diferentes e/ou bastante

distantes (Luria, 1981).

20

Dessa forma, a localizao dos processos cognitivos superiores dinmica. Os

sistemas funcionais no so estticos ou constantes ao longo do desenvolvimento, mas

se deslocam significativamente ao longo da ontognese das funes cognitivas. No

curso de desenvolvimento, a organizao cerebral se altera de forma significativa,

adquirindo estrutura mais complexa e interfuncional resultante da aprendizagem ou de

mecanismos de reorganizao ps-leso (Hazin et. al., 2010; Luria, 1981). Nesse

sentido, mais relevante do que a preocupao com a localizao das funes seria a

anlise cuidadosa acerca da contribuio de cada zona cerebral ao sistema funcional

complexo, bem como a compreenso da dinmica relao entre os sistemas funcionais e

a atividade mental complexa ao longo dos vrios estgios do desenvolvimento (Luria,

1981).

A terceira reviso conceitual realizada por Luria envolveu a noo de sintoma.

Luria considerava ingnua a atribuio de localizao especfica a uma funo cognitiva

a partir de sua perda ps-leso. Diferentemente de funes cognitivas mais elementares,

como viso e audio, as funes cognitivas superiores so realizadas por sistemas

funcionais complexos, recrutando a participao de grupos de reas corticais operando

em concerto. Assim, tais funes no teriam localizao especfica no crebro; a leso

de cada uma das zonas funcionais pode acarretar desintegrao de todo o sistema

funcional, de modo que um sintoma envolvendo funes superiores no forneceria, por

si s, informaes acerca da sua localizao. Na prtica, o sistema funcional como um

todo pode ser prejudicado diferentemente em leses situadas em diferentes locais,

tornando-se essencial a qualificao detalhada do sintoma observado (Hazin et. al.,

2010; Luria, 1981).

21

As propostas de Luria podem ser assim sintetizadas: o crebro formado por

sistemas funcionais, caracterizados no apenas por sua complexidade estrutural, mas

essencialmente pela mobilidade de suas partes constituintes (Hazin et. al., 2010). Os

processos cognitivos humanos so produto de sistemas funcionais complexos, dos quais

participam diversos grupos e estruturas cerebrais em concerto. No entanto, embora seja

admitido que o sistema funcional no possua uma localizao cortical especfica, sabe-

se que existem reas corticais importantes para cada um dos sistemas funcionais. Nesse

contexto, Luria prope uma nova organizao funcional das funes cognitivas

superiores, que pode ser subdividida em trs unidades.

A primeira unidade funcional est intimamente relacionada ao Sistema Lmbico,

e tem como finalidade a regulao do tnus cortical e de viglia. a unidade que, numa

cascata de conexes ascendentes, prepara o tnus cortical de modo torn-lo ativo em

nvel timo ao desempenho das diversas funes cognitivas (Muszkat, 2008a). Suas

estruturas encontram-se localizadas em regies subcorticais e suas funes so

desempenhadas principalmente pela Formao Reticular rede nervosa composta por

axnios curtos capazes de modular gradualmente a excitabilidade de seus impulsos,

propagando-os de forma vertical e ascendente ao crtex cerebral (Muszkat, 2008a). As

fontes de ativao da formao reticular podem ser divididas em trs categorias: a

primeira delas mais primria, filogeneticamente antiga e endgena, relacionando-se ao

metabolismo homeosttico do organismo e aos mecanismos instintivos de defesa,

alimentao e sexualidade; a segunda fonte externa, relacionada ao reflexo e

orientao aos estmulos, da qual participam ncleos subcorticais, como o caudado, e

estruturas do sistema lmbico e; a terceira fonte de ativao relaciona-se linguagem,

22

atividade mental essencialmente humana, determinando o nvel de resposta de viglia ou

despertar segundo moduladores motivacionais ligados aos estmulos ou informaes

(Muszkat, 2008a).

A segunda unidade funcional realiza a recepo, anlise e armazenamento das

informaes que chegam ao crebro, atuando desde a recepo dos estmulos pelos

receptores perifricos at o crebro at a anlise de seus componentes e sua sntese em

sistemas funcionais complexos. Suas estruturas localizam-se nas pores posteriores da

superfcie dos hemisfrios cerebrais, englobando o crtex occipital, temporal e parietal.

Tem como caracterstica essencial a alta especificidade modal, de modo a ser adaptada

especificamente para a recepo de informaes visuais - atravs do crtex occipital -,

auditivas atravs do crtex temporal -, e sensorial geral atravs do crtex parietal.

Adjacentes a estas estruturas encontram-se regies associativas, cuja atribuio a de

sintetizar o reconhecimento dos estmulos em percepes integradas, tendo como

substrato as informaes sensoriais unimodais provenientes das reas primrias. Alm

destas, a segunda unidade funcional possui estruturas associativas no especficas,

localizadas em regies de confluncia das reas primrias e associativas especficas

reas tmporo-parieto-occipitais - cuja funo a organizao mais complexa e

multimodal das experincias sensoriais, e a sua sofisticao atravs da agregao de

conotaes afetivas e simblicas (Muszkat, 2008a).

A terceira unidade funcional tem como atribuies a programao, regulao e

verificao da atividade mental. Localiza-se nas regies anteriores do crebro, em se

destacando o lobo frontal, sendo composta pelos crtices motor, pr-motor e pr-frontal,

23

estruturas que possuem um vasto sistema de conexes com estruturas corticais e

subcorticais (Muszkat, 2008a; Ciasca et. al., 2006). A comunicao privilegiada das

estruturas frontais com as demais reas do SNC justifica o papel central desempenhado

por esta unidade no que tange organizao do comportamento, notadamente atravs da

planificao, programao, inteno, sntese, execuo, verificao e sequenciamento

das funes e habilidades cognitivas (Ciasca et. al., 2006). Leses destas reas podem

acarretar alteraes de conduta, perseveraes de programas motores e desateno

(Muszkat, 2008a).

Para Luria, ao longo da ontognese, a estrutura e organizao interfuncional dos

processos superiores sofre modificaes ao longo do desenvolvimento infantil (Luria,

1981). A proposio dos estgios de desenvolvimento do SNC preconizados por Luria,

bem como aspectos tericos centrais do neurodesenvolvimento sero discutidos na

seo a seguir.

1.3. Neuropsicologia do desenvolvimento:

A neuropsicologia um campo de investigao de natureza multidisciplinar que

estuda o relacionamento entre cognio, comportamento e atividade do sistema nervoso

em condies normais ou patolgicas (Ciasca et. al., 2006). Enquanto rea especfica de

estudo, a neuropsicologia recente. No Brasil, teve reconhecimento formal no ano de

2004, atravs da resoluo 02/2004 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a qual

facultou a especialidade a psiclogos.

Para Capovilla & Capovilla (2007), a neuropsicologia possui trs objetivos

principais: 1) objetivo fundamental - o estudo das relaes entre processos psicolgicos

24

e a organizao do sistema nervoso; 2) objetivo clnico o desenvolvimento e a

aplicao de procedimentos de diagnstico neuropsicolgico e; 3) objetivo aplicado a

criao e a aplicao de procedimentos de reabilitao em caso de leses e/ou

disfunes.

A neuropsicologia do desenvolvimento constitui-se em vasto campo de pesquisa

cujo objetivo a compreenso das relaes entre o crebro e o desenvolvimento infantil,

ou seja, a compreenso da dinmica do funcionamento cognitivo no transcurso da

maturao do sistema nervoso e da insero da criana em um ambiente scio-cultural

especfico (Miranda & Muszkat, 2004). Assim, a neuropsicologia do desenvolvimento

preocupa-se com o entendimento da influncia que os processos biolgicos e scio-

culturais exercem sobre o funcionamento cognitivo ao longo do ciclo do

desenvolvimento infantil, discusso que ser abordada a seguir.

Os progressos das neurocincias redefiniram os modelos explicativos do

desenvolvimento humano, transcendendo o carter reducionista dos primeiros enfoques

e adotando uma viso de complementaridade na compreenso da integrao dos vrios

subsistemas evolutivos, maturacionais e cognitivos envolvidos no

neurodesenvolvimento (Muszkat, 2008a). O neurodesenvolvimento, segundo os

modelos explicativos atuais, no pode ter sua abordagem pautada nas tradicionais

dicotomias biolgico/mental, crebro/psique, corpo/mente, gentica/ambiente (Muszkat,

2008a).

O desenvolvimento neuropsicolgico ocorre por meio da interao dinmica e

contnua das experincias sociais, histricas, culturais e ambientais. Durante a

maturao cerebral processo duradouro que se prolonga por bastante tempo aps o

25

nascimento da criana -, a estrutura das atividades sofre modificaes significativas, que

acompanham as transformaes anatmicas, fisiolgicas e neuroqumicas das unidades

funcionais (Muszkat, 2008a; Miranda & Muszkat, 2004).

O desenvolvimento da criana, por ser um processo complexo, requer uma

compreenso inserida nas prticas culturais (Hazin, Garcia, Gomes & Lemos, no prelo).

A relao entre o desenvolvimento neuropsicolgico e cultura tem papel fundamental,

uma vez que a totalidade de ideias, habilidades e costumes em que o indivduo se insere

modula de forma significativa o desenvolvimento e o perfil de habilidades cognitivas

resultante. A cultura altera qualitativamente e dinamicamente o desenvolvimento do

crebro, sendo este uma varivel dependente que reflete ou influenciada por fatores

scio-culturais e ambientais (Miranda & Muzskat, 2004).

Desde as etapas intra-uterinas, o crebro infantil apresenta constante evoluo, a

qual programada filogeneticamente e modulada pelo meio (Muszkat, 2008a). A

interao da criana com o meio se modifica durante o desenvolvimento, levando-a a

entender melhor, pensar de modo mais complexo e manifestar comportamentos

socialmente adequados (Muszkat, 2008a). O funcionamento do sistema nervoso

depender diretamente da organizao de milhes de neurnios que se interconectam

para promover funes que vo dos reflexos ao pensamento, processo que se realiza em

etapas marcadas por mecanismos neuropsicolgicos diferenciados segundo fatores

genticos e ambientais que cumprem uma programao maturacional especfica.

(Guerra, 2008; Mello, Miranda & Muzskat, 2006).

A primeira etapa de desenvolvimento do sistema nervoso ocorre entre o 18 e o

26 dia de gestao, perodo em que se forma o tubo neural a partir do fechamento das

26

bordas da placa neural precursora das estruturas nervosas. Por volta do 26 dia de

gestao, o fechamento do tubo neural d origem a duas camadas: a camada do manto,

que formada pela substncia cinzenta (corpos celulares) e a camada marginal,

constituda por substncia branca (axnios e clulas gliais) (Hazin et. al., no prelo).

A segunda etapa do desenvolvimento do sistema nervoso tem incio no 28 dia e

se prolonga at o nascimento da criana. O tubo neural se expande e se diferencia em

trs estruturas: o rombencfalo que formar a medula, a ponte e o cerebelo, o

mesencfalo estrutura que mantm a nomenclatura e realiza a ligao entre o terceiro

e o quarto ventrculo e; o prosencfalo cujas partes posteriores e anteriores formaro,

respectivamente, o diencfalo e o telencfalo, que constituir os hemisfrios cerebrais

(Hazin et. al., no prelo).

Durante e aps esses processos maturacionais, o crebro atravessa estgios

bsicos de desenvolvimento, que podem ser subdivididos em dois grandes grupos:

estgios aditivos/progressivos e substrativos/regressivos.

Os estgios aditivos tm incio na vida intra-uterina, e so caracterizados pela

intensa produo neuronal, disseminao das arborizaes dendrticas e formao de

sinapses e circuitos neurais. Os estgios regressivos, por sua vez, caracterizam-se pela

perda de aproximadamente 90% dos neurnios produzidos nas etapas progressivas, num

processo de morte neuronal programada, ou apoptose. Nestas etapas, preservam-se

apenas os neurnios e sinapses teis s funes cognitivas vigentes, sendo eliminadas as

conexes desnecessrias, tendo como resultado um crebro com funcionamento cada

vez mais otimizado e apto a aprender de modo mais eficiente (Pinheiro, 2007; Moore

III, 2005; Miranda & Muszkat, 2004; Johnston, 2004; Stahl, 2002).

27

Aps a seleo adaptativa e funcional das sinapses e circuitos neurais, tem incio

o processo de mielognese, que consiste na formao e no revestimento dos axnios

pela bainha de mielina. Esta uma etapa de grande importncia, visto que dotar as

conexes de maior velocidade na conduo dos impulsos. Seu incio ocorre

aproximadamente no 4 ms de gestao e se conclui apenas na idade adulta, quando do

desenvolvimento e consolidao das reas de associao tercirias (Guerra, 2008;

Moore III, 2005). Assim, durante o incio do desenvolvimento h um aumento

progressivo da substncia cinzenta estgios aditivos -, que, aps o processo de

apoptose estgios regressivos -, declina consideravelmente, dando lugar ao aumento

progressivo na substncia branca, medida que conexes sinpticas relevantes so

consolidadas e mielinizadas (Moore III, 2005).

Cada zona e unidade funcional cerebral se desenvolve segundo ritmo prprio,

cujo regimento depende intimamente da interao entre mltiplos fatores. Entre eles,

podem ser citados o crescimento neuronal diferencial das vrias regies cerebrais, o

grau de mielinizao das estruturas nervosas, o desenvolvimento neural pr-natal e a

flexibilidade do crebro em reorganizar os diversos padres de resposta a partir da

experincia ou diante de leses cerebrais, podendo resultar em desvios e mudanas de

rota fundamentais durante o curso de maturao do sistema nervoso (Muzskat, 2006).

A flexibilidade adaptativa responsvel pela modulao das funes e conexes

mediante as diversas mudanas contextuais, bem como a integridade funcional do

crebro e de suas mltiplas atividades complexas, como linguagem, ateno e memria,

so essenciais ao desenvolvimento (Mukskat, 2006). O desenvolvimento requer

aprendizagem e remodelao dos padres de conexo segundo as vrias influncias,

28

solicitaes e desafios adaptativos complexos. Esta modulao s se pode realizar

mediante o atributo de que dispe o crebro de se reorganizar e empreender mudanas

adaptativas em sua estrutura e funcionamento a partir de interaes com o meio interno

e externo ou de leses. Esta propriedade cerebral denominada plasticidade neural

(Muszkat, 2006).

A plasticidade um processo multidimensional subjacente aos processos da

memria e da aprendizagem, que opera em vrios nveis e em qualquer etapa da

ontognese (Guerra, 2008; Muszkat, 2006). Est inserida numa perspectiva

maturacional, de modo que medida que se cumpre o curso do neurodesenvolvimento,

diferentes potenciais de modificao se expressam. reas cerebrais distintas sero

desenvolvidas em estgios distintos do desenvolvimento, configurando-se perodos

sensveis ou janelas de oportunidade emergncia de determinadas habilidades

cognitivas. Estes perodos so marcados por superproduo de sinapses em reas

especficas do crtex cerebral, nos quais a plasticidade maior e conforma janelas de

oportunidade para a aquisio de habilidades especficas. Contudo, na ausncia de

estimulao ambiental adequada, perdem-se as janelas de oportunidade e as habilidades

cognitivas associadas sofrero alteraes em seu curso de desenvolvimento (Hazin et.

al., no prelo; Guerra, 2008; Muszkat, 2006).

O dinamismo inerente ao neurodesenvolvimento implica em que no se pode

conceb-lo como processo contnuo e homogneo. Esta compreenso confere grande

peculiaridade neuropsicologia do desenvolvimento, uma vez que o estudo da

organizao cerebral e o funcionamento cognitivo da criana em condies normais ou

patolgicas requer conhecimento acerca da etapa de neurodesenvolvimento na qual ela

29

se encontra (Hazin et. al., no prelo). As consequncias de uma leso cerebral sero

determinadas pela fase de desenvolvimento cerebral na qual a criana se encontra, e as

manifestaes clnicas resultantes de leses cerebrais so mais variveis na criana em

comparao com o adulto (Lussier & Flessas, 2009).

Para a perspectiva scio-histrica de Vygotsky, o desenvolvimento da criana

possui duas linhas evolutivas distintas: a linha natural, de origem biolgica, relacionada

aos processos cognitivos elementares e a linha cultural, de origem scio-cultural,

relacionada aquisio das funes mentais superiores (Mello, 2008a; Hazin et. al.,

2010). O desenvolvimento ontogentico caracteriza-se pela transio da linha natural

para a linha cultural, que passam a percorrer caminhos desenvolvimentais tangenciais a

partir do momento em que as funes psicolgicas primrias passam a ser atravessadas

pela dimenso simblica (Hazin et. al., 2010). As funes mentais superiores, para

Vygotsky, s seriam adquiridas a partir da imerso em meio scio-cultural e da

apropriao dos instrumentos historicamente gerados. Tais aquisies so sempre

mediadas, notadamente pela linguagem e pelo uso de instrumentos, que permitem o

surgimento de operaes mais complexas que auxiliam na resoluo de problemas

psicolgicos (Mello, 2008a).

Inserido na tradio histrico-cultural sovitica, Luria concebe a maturao

cerebral a partir da emergncia de sistemas funcionais complexos, cuja estruturao

ocorre pela mediao dos artefatos scio-histrico-culturais, dentre os quais se destaca a

linguagem. Cada etapa de desenvolvimento seria marcada pela ao de redes neuronais

especficas, as quais vo estabelecendo conexes entre si e sofisticando gradativamente

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os sistemas funcionais (Lussier & Flessas, 2009). Luria prope cinco estgios

sucessivos de desenvolvimento no processo de maturao cerebral, resultantes dos

processos de mielinizao e adensamento neuronal, quais sejam (Luria, 1973):

1. Primeiro estgio: corresponde ao desenvolvimento das capacidades de

alerta e focalizao atencional, relacionadas formao reticular, regio

subcortical localizada no bulbo raquidiano;

2. Segundo estgio: caracteriza-se pela coordenao progressiva entre reas

motoras e sensoriais primrias e secundrias do crebro, caracterizando o

surgimento da inteligncia sensrio-motora. Esta maturao envolve

primeiramente o crtex motor (frontal posterior) e sequencialmente as

trs re