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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE BIOQUIMICA
JETHE NUNES DE OLIVEIRA FILHO
ANTICORPOS ANTI-Trypanosoma cruzi COMO PREDITIVOS DE
INFECÇÃO POR Leishmania infantum
NATAL-RN 2013
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JETHE NUNES DE OLIVEIRA FILHO
ANTICORPOS ANTI-Trypanosoma cruzi COMO PREDITIVOS DE
INFECÇÃO POR Leishmania infantum
Dissertação apresentada ao Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Bioquímica. Orientadora: Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes
NATAL-RN 2013
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AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial à minha mãe Gilvânia, às minhas irmãs Jeane e Érica e à minha sobrinha Melina, pelo amor, carinho e compreensão
dispensados durante essa trajetória. Aos meus primos Vanessa, Vandésia, Vanderson, Cláudia, Janeth, Vívian, Wilkson e Wilker. À minha tia Vânia que me amou e me ama como filho. Aos meus cunhados e amigos Fernando e
Miguel aos quais estimo grande admiração.
Aos professores e colegas de trabalho do Departamento de Bioquímica, por compartilharem seus conhecimentos comigo. Em especial às professoras Maria
de Fátima F. M. Ximenes e Selma M. B. Jerônimo pela contribuição imensurável na minha formação profissional. Sinto-me orgulhoso de ter sido
discípulo de duas grandes profissionais reconhecidas nacional e internacionalmente.
À todos do Laboratório de Imunogenética/ Instituto de Medicina Tropical-UFRN.
À todos os colegas e parceiros do LABENT-UFRN, Patrícia, Edson, Marcos,
Hilário, Glaucia, Rodrigo e Juliana, mas em especial à Katrine, Vanessa e Kel por além de contribuírem diretamente no trabalho se tornaram grandes
amizades que levarei comigo onde quer que eu esteja. Sem a participação da equipe do LABENT chefiado pela profª Fátima Ximenes eu não teria
conseguido atingir meus objetivos durante o ano de 2010.
À todos do Hemocentro Dalton Barbosa Cunha (HEMONORTE), pelo apoio e amizade oferecidos de bom grado. Em especial à Drª Linete Rocha, atual
diretora, e aos Bioquímicos Manuel Josué, Erika Valena e Geraldo Barroso pelos seus tempos dedicados a me ensinar cada detalhe do funcionamento do Banco de Sangue. À toda a equipe que me ajudou no HEMONORTE, Drª Cléa, aos bioquímicos Lilia, Nadja e Erinaldo, à enfermeira Conceição, aos tecnicos
Brasilina, Daletti, Patricia, Altina, Sara, Edna, Djania, e aos funcionários Rosejane e Socorro do setor pessoal.
Aos colegas e amigos da turma de mestrado: Luciana, Raquel, Fernanda,
Alexandre, Monique, Paulo, Joyce, Sara, Daniel, Adilson e Airton.
À todos os voluntários que consentiram em participar da pesquisa.
À todos os meus amigos que estiveram e estão presentes em minha vida e foram/são fundamentais para eu continuar a sonhar e buscar alcançar meus
objetivos: Pamella Salsa, Daniel Nogueira, Bruno Gazola, Anita Dantas, Cristina Iglesias, Rafaela Mansur, Rodrigo Holanda, Thais Guedes, Fernanda
Medeiros, Vanessa da Escossia, Fabíola Soares, Fernanda Soares, Bruna Wanderley, Renata Ribeiro, Glenda Patrícia, Williane Alves, Denise Barcelos,
Geovanine Araújo, Luana Alves, Ronaldo Ponte, Felipe Saú, Marcelo Zacarkin, Mauro Montenegro e Kleber Pessoa.
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"A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original."
Albert Einstein
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RESUMO
Leishmania infantum e Trypanosoma cruzi são tripanossomatídeos de importância médica e são, respectivamente, os agentes etiológicos da leishmaniose visceral (LV) e da doença de Chagas (DC) no Brasil. Pessoas infectadas por L. infantum ou por T. cruzi podem evoluir de forma assintomática, possibilitando a transmissão destes patógenos através de transfusão sanguínea e/ou órgãos. A avaliação da infecção por T. cruzi está contemplada entre os exames realizados para triagem de doadores no Brasil, no entanto, não há disponibilidade de exames para Leishmania. Os testes sorológicos para T. cruzi são muito sensíveis, mas não específicos, podendo apresentar reações cruzadas com outros microorganismos. Desta forma, o objetivo desse estudo foi determinar a prevalência da infecção por Leishmania em doadores de sangue e avaliar se os teste sorológicos para T. cruzi detectam L. infantum. Dentre as 300 amostras de sangue de doadores, descartadas em 2011, 61 eram T. cruzi positivas, 203 eram de doadores com outras infecções e 36 eram oriundas de bolsas com baixo volume de sangue, mas sem infecção. Foram também avaliadas 144 amostras de doadores sem infecções e aptos a doarem sangue, totalizando 444 voluntários. DNA foi extraído do sangue de todas as amostras para realizar PCR quantitativa (qPCR) a fim de detectar DNA de Leishmania. O creme leucocitário obtido de todas as amostras foi cultivado em meio Schneider e NNN suplementado. Todas as amostras foram avaliadas quanto a presença de anticorpo anti-Leishmania. Os resultados sorológicos apontam um percentual de 22% de infecção por Leishmania nas amostras de sangue obtidas das bolsas descartadas. Um total de 60% das amostras positivas no ELISA para T. cruzi foram negativas na RIFI, teste usado como confirmatório, ou seja, 60% falso positivos para Chagas. Dentre essas amostras falso positivas para Chagas, 72% foram positivas no ELISA para Leishmania caracterizando a ocorrência de reação cruzada entre os ensaios sorológicos. Do total de 300 culturas realizadas, 18 cresceram parasitas que foram tipados por isoenzimas e qPCR específica, sendo encontrada a espécie Leishmania infantum nas culturas. Dentre as 18 culturas, 4 foram provenientes de bolsas expurgadas por baixo volume e negativas em todas as sorologias do banco de sangue, demonstrando assim que há um risco real de transmissão de Leishmania por via transfusional. Conclui-se que em área endêmica para leishmanioses no Brasil, diagnósticos sorológicos realizados para detectar infecção por T. cruzi em doadores de sangue podem identificar a infecção por L. infantum e, apesar de ocasionar resultados falso positivos para Chagas, essa reatividade cruzada reduz o risco de infecção por Leishmania via transfusão sanguínea, visto que não são aplicados testes específicos detecção desse parasita. Desde modo, persiste a necessidade de se discutir a implementação de um teste de triagem sorológica específico para Leishmania em países endêmicos como o Brasil. Palavras-chave: Leishmania infantum, Trypanosoma cruzi, reatividade cruzada, doador de sangue.
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ABSTRACT
Leishmania infantum and Trypanosoma cruzi are trypanosomatids of medical importance and are, respectively, the etiologic agents of visceral leishmaniasis (VL) and Chagas disease (CD) in Brazil. People infected with L. infantum or T. cruzi may develop asymptomatically, enabling the transmission of pathogens through blood transfusion and / or organs. The assessment of the infection by T. cruzi is included among the tests performed for screening blood donors in Brazil, however, there is no availability of tests for Leishmania. Serological tests for T. cruzi are very sensitive, but not specific, and may have cross-reactions with other microorganisms. Thus, the aim of this study was to determine the prevalence of Leishmania infection in blood donors and assess whether the serological test for T. cruzi detect L. infantum. Among the 300 blood samples from donors, discarded in 2011, 61 were T. cruzi positive, 203 were from donors with other infections and 36 were from handbags with low blood volume, but without infection. We also assessed 144 samples from donors without infections and able to donate blood, totaling 444 subjects. DNA was extracted from blood samples of all to perform quantitative PCR (qPCR) to detect Leishmania DNA. The buffy coat obtained from all samples was grown in Schneider medium supplemented and NNN. All samples were evaluated for the presence of anti-Leishmania antibody. The serological results indicate a percentage of 22% of Leishmania infection in blood samples obtained from discarded bags. A total of 60% of samples positive in ELISA for T. cruzi were negative by IFI, used as confirmatory test, ie 60% false positive for Chagas. Among these samples false positive for Chagas, 72% were positive by ELISA for Leishmania characterizing the occurrence of cross reaction between serologic assays. Of the 300 cultures performed, 18 grew parasites that were typed by qPCR and specific isoenzymes, found the species Leishmania infantum crops. Among the 18 cultures, 4 were purged from scholarships for low volume and all negative serology blood bank, thus demonstrating that there is a real risk of Leishmania transmission via transfusion. It is concluded that in an area endemic for leishmaniasis in Brazil, serological diagnosis performed to detect infection by T. cruzi among blood donors can identify infection by L. infantum and although cause false positive for Chagas, this cross-reactivity reduces the risk of Leishmania infection via blood transfusion, since tests are not applied specific detection of the parasite. In this way, there remains the need to discuss the implementation of a specific serological screening test for Leishmania in endemic countries such as Brazil. Keywords: Leishmania infantum, Trypanosoma cruzi, cross-reactivity, blood donor.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Ciclo de vida do L. infantum. Esquema ilustrando os estágios de vida de Leishmania desde o hospedeiro flebotomíneo até o hospedeito mamífero representado pelo homem.................................................................................15 Figura 2: Expansão da LV. Nos últimos 30 anos o número de casos notificados de leishmaniose visceral vem aumentando significativamente ........................16 Figura 3: Epidemiologia da LV no Brasil. Ilustração da distribuição dos casos de LV notificados nos anos de 2008 e 2009 no Brasil. Ministério da Saúde.................................................................................................................17 Figura 4: Ciclo de vida do T. cruzi. O esquema mostra em oito passos o ciclo de vida do agente etiológico da doença de Chagas passando pelos hospedeiros invertebrado e vertebrado.............................................................24 Figura 5: Área de Estudo. Mapa do Rio Grande do Norte mostrando as unidades do HEMONORTE distribuídas nos cinco municípios sede: Natal, Currais Novos, Caicó, Mossoró e Pau dos Ferros.............................................31 Figura 6: Desenho do Estudo. Esquema ilustrativo das etapas da pesquisa onde "A" representa o grupo 1 (n=300) e "B" representa o grupo 2 (n=144)...............................................................................................................33 Figura 7: População de doadores de sangue. Número absoluto de doações de sangue realizadas em cada um dos cinco municípios coletores no ano de 2011. Fonte: Hemonorte RN, Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Norte..................................................................................................................41 Figura 8: Prevalência de Infecção. O gráfico traz uma estimativa da prevalência (%) de
infecções em doadores, segundo o município onde o sangue foi doado. Os cinco
municípios foram representados por cores distintas: azul (Natal), roxo (Caicó), amarelo
(Mossoró), verde (Pau dos Ferros) e violeta (Currais Novos).......................................45
Figura 9: Teste RIFI. O gráfico mostra em números absolutos os resultados do teste RIFI com os soropositivos no ELISA para T. cruzi (n=61). RIFI+ (doadores positivos na RIFI); RIFI- (doadores negativos na RIFI)...................................................................................................................46 Figura 10: ELISA: T. cruzi vs L. infantum. Resultado da sorologia para detecção de anticorpo anti-Leishmania usando SLA como antígeno em testes com doadores Chagas-positivos e Chagas-negativos. ***P<0.0001. Cut-off = 0,2. ...........................................................................................47
Figura 11: Resultados dos testes com doadores RIFI-negativos distribuídos segundo o resultado da sorologia que detecta anticorpo anti-Leishmania circulante no soro. ***P<0.0001. Cut-off = 0,2...................................................48
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Figura 12: Doadores segundo os marcadores MAG1 Ct e kDNA7 Ct, Positivos ou Negativos pela Cultura Leish. Veja que a chance de ser positivo aumenta com a redução de MAG1 Ct.....................................................................................................49
Figura 13: Doadores segundo os marcadores Mag1 Ct e kDNA7 Ct, Positivos ou Negativos pelo ELISA para Chagas..................................................................50 Figura 14: Distribuição da sorologia relativa (Resposta/Cutoff) para T. cruzi, segundo a positividade da cultura de Leishmania.............................................51 Figura 15: Distribuição da sorologia relativa (Resposta/Cutoff) para Leishmania (SLA), segundo a positividade da cultura de Leishmania..................................51 Figura 16: Amplificações da região ITS1 em amostras de Leishmania obtidas em meio de cultura. Linha M: Marcador de peso molecular 100 pb; Linha 1 – 15: Amostras de cultura; Linha B: Branco; Linha CP: Controle Positivo de Leishmania infantum..........................................................................................52 Figura 17 - Amplificações da região HSP70 em amostras de Leishmania obtidas em cultura. Linha M: Marcador de peso molecular 200 pb; Linha 1 – 3: Amostras de cultura; Linha B: Branco; Linha CP: controle positivo de Leishmania infantum..........................................................................................53 Figura 18: Alinhamento entre as seqüências nucleotídicas de L. infantum e produto amplificado de PCR. (-) GAP, (.) nucleotídeo idêntico, amostra 25 a 33 = seqüência nucleotídica do produto de PCR amplificado (amostras de cultura).........................................................................................54
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Listagem de agentes infecciosos cujos anticorpos são pesquisados na triagem sorológica no banco de sangue ......................................................31 Tabela 2: Primers ultilizados na PCR quantitativa ............................................35
Tabela 3. Primers usados na PCR ...............................................................................37
Tabela 4: Prevalência de infecções detectadas através de exames de rotina de doações de sangue no estado do Rio Grande do Norte em 2011, agrupados por cidade de doação de sangue. Valores indicando o número total de doações em cada categoria, seguido pelo percentual do total ou percentual de doações infectadas em parênteses .................................................................................42 Tabela 5: Número de doações, idade e sexo dos doadores de sangue agrupadas por motivo da rejeição da doação de sangue .................................43 Tabela 6: Avaliação das bolsas de sangue para identificação de infecção por T. cruzi e Leishmania utilizando os diferentes métodos de diagnóstico ...............55
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SIGLAS E ABREVIATURAS
AIDS
Anti-HBS
Anti-HBsAg
DAT
DC
DNA
DMSO
DTH
ELISA
HAI
HBV
HBsAg
HCV
HIV
HTLV-I
IgG
IgM
RIFI
ITS
kDNA
LV
MS
N
NO
PBMC
PBS
PCR
rK39
RNA
qPCR
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
Anticorpo contra o vírus da Hepatite B
Anticorpo anti-antígeno de superfície do vírus da hepatite B
Teste de Aglutinação Direta
Doença de Chagas
Ácido desoxiribonucléico
Dimetilsulfóxido
Reação de Hipersensibilidade do tipo Tardia
Ensaio Imunoenzimático
Hemaglutinação Indireta
Virus da Hepatite B
Antígeno de Superfície do Vírus da Hepatite B
Vírus da Hepative C
Vírus da Imunodeficiência Humana
Vírus T-linfotrópicos Humanos Tipo I
Imunoglobulina G
Imunoglobulina M
Reação de Imunofluorescência Indireta
Internal Transcribed Spacer
Ácido Desoxirribonucleico do Kinetoplasto
Leishmaniose Visceral
Ministério Público da Saúde
Normal
Óxido Nítrico
Células Mononucleares do Sangue Periférico
Solução Salina Tamponada com Sulfato
Reação em Cadeia da Polimerase
Proteína recombinante 39 do Kinetoplasto
Ácido Ribonucleico
Reação em Cadeia da Polimerase em Quantitativa
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SDS
SLA
Th1
Th2
VDRL
BLAST
dNTPs
LC
LCD
LCM
LDPC
Pb
TCLE
Duodecil Sulfato de Sódio (Sodium Dodecyl Sulfate )
Antígeno Solúvel de Leishmania
Linfócitos T auxiliares Tipo I
Linfócitos T auxiliares do Tipo II
Teste Laboratórial de investigação de doenças Venéreas
Basic local alignment search tool
Desoxirribonucleosídeos trifosfatados (dATP, dTTP, dCTP,
dGTP)
Leishmaniose Cutânea
Leishmaniose Cutâneo difusa
Leishmaniose Mucosa
Leishmaniose Dérmica Pós-Calazar
Pares de base
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..............................................................................................
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .........................................................................
2.1. Tripanossomatídeos ...................................................................................
2.2. Leishmaniose Visceral ................................................................................
2.2.1. Agente Etiológico .....................................................................................
2.2.2. Epidemiologia de LV ................................................................................
2.2.3. Manifestão Clínica ....................................................................................
2.2.4. Diagnóstico de LV ....................................................................................
2.2.5. Infecção assintomática por L. infantum e o risco de transmissão via
transfusão sanguínea .........................................................................................
2.3. Doença de Chagas ......................................................................................
2.3.1. O agente etiológico ...................................................................................
2.3.2. Patogenia e curso da infecção .................................................................
2.3.3. Diagnóstico da infecção por T. cruzi .........................................................
2.3.4. Infecção por T. cruzi em candidatos a doadores de sangue ....................
3. OBJETIVOS....................................................................................................
4. MATERIAIS E MÉTODOS ..............................................................................
4.1. Caracterização da Área de Estudo ..........................................................
4.2. Considerações Éticas ..................................................................................
4.3. Caracterização do Sujeito da Pesquisa e Desenho do Estudo ...................
4.4. Diagnóstico sorológico da infecção por T. cruzi ...........................................
4.4.1. Métodos ELISA e Imunofluorescência Indireta .........................................
4.5. Diagnóstico da infecção por Leishmania infantum .......................................
4.5.1. Pesquisa de Anticorpos anti-Leishmania no soro dos doadores .............
4.5.2. Avaliação da parasitemia por PCR quantitativa .........................................
4.6. Cultura de Leishmania ..................................................................................
4.7. Caracterização das espécies de Leishmania ................................................
4.7.1. Extração de DNA de cultura de tripanosomatídeos ...................................
4.7.2. Amplificação das sequências do ITS1 e do gene HSP70 por PCR .........
4.7.3. Sequenciamento ........................................................................................
4.7.4. Isoenzimas .................................................................................................
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4.8. Prevalência da infecção por Leishmania em amostras de sangue total de
doadores sem sinais de infecção .........................................................................
4.9. Análise Estatística .........................................................................................
5. RESULTADOS ................................................................................................
5.1. Características da amostra estudada ...........................................................
5.2. Resultados da triagem sorológica primária (ELISA) para detecção de
infecção por T. cruzi e demais parasitas trasmissíveis via transfusional ............
5.3. Reação de Imunofluorescência Indireta .......................................................
5.4. Diagnóstico sorológico da infecção por Leishmania .....................................
5.5. Resultados da RIFI vs ELISA para Leishmania ............................................
5.6. Detecção de DNA de Leishmania no sangue periférico dos doadores de
sangue ..................................................................................................................
5.5.1. Prevalência da infecção por Leishmania por métodos moleculares e
cultura ...................................................................................................................
5.7. Cultura de Leishmania ...................................................................................
5.8. Caracterização das cepas de Leishmania por PCR, sequenciamento e
Isoenzimas ............................................................................................................
6. DISCUSSÃO ....................................................................................................
7. CONCLUSÃO ..................................................................................................
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................
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1. INTRODUÇÃO
As espécies Leishmania infantum e Trypanosoma cruzi são
tripanossomatídeos de importância médica e são, respectivamente, os agentes
etiológicos da leishmaniose visceral (LV) e da Doença de Chagas no Brasil.
Esses protozóarios são transmitidos por insetos vetores flebotomíneos e
triatomíneos, respectivamente. Essas duas doenças são prevalentes no Brasil,
sendo no passado endemias tipicamente de áreas rurais, no entanto, nos
últimos trinta anos tem havido uma expansão das áreas endêmicas,
principalmente decorrente do processo migratório populacional de áreas rurais
para áreas periurbanas (1-3). É conhecido que pessoas infectadas por
Leishmania ou por T. cruzi podem evoluir de forma assintomática, podendo
atuar como reservatórios desses patógenos sendo possível a transmissão dos
mesmos, quando de doações de sangue ou órgão, conforme já previamente
relatados em outros países (4-6).
A taxa de infecção por Leishmania é elevada em grande parte das
cidades brasileiras. No Brasil, é obrigatória a determinação dos antígenos ABO
e Rh (D), além de testes sorológicos para identificação de infecção por vírus
(hepatites B e C, HIV e HTLV I/II), T. cruzi, e Treponema pallidum, em
hemoderivados, além de avaliação de história progressa de malária e
hemoglobinopatias . No entanto, não há avaliação de infecção por Leishmania,
apesar do aumento das áreas endêmicas de LV no Brasil. Na verdade, ainda
não há disponibilidade testes imunológicos sorológicos específicos para
Leishmania no Brasil ou em outras áreas endêmicas (7) e não há
documentação do risco de transmissão de Leishmania por via sanguínea, nem
a confirmação do homem como hospedeiro importante de L. infantum em áreas
urbanas.
Estudos realizados pelo nosso grupo demonstram que em área
periurbana do município de Natal a taxa de infecção assintomática para
Leishmania é de 32% (8). Portanto, este estudo teve como hipótese que a taxa
de infecção por Leishmania é elevada em doadores de sangue oriundos de
áreas endêmicas para LV, considerando a alta taxa de prevalência de infecção
em pessoas assintomáticas residentes nas áreas periurbanas, havendo,
portanto, um risco de transmissão de Leishmania por via transfusional. No
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entanto, esse risco é menor em virtude dos ensaios sorológicos para detecção
da infecção por T. cruzi também identificarem Leishmania devido a ocorrência
de reação cruzada. Como os bancos de sangue fazem o rastreio sorológico,
normalmente utilizando métodos ELISA e Imunofluorescência para T. cruzi,
esses testes também poderiam idenficar presença de anticorpo anti-
Leishmania e, portanto, a amostra de sangue seria excluída do processo
transfusional, diminuindo assim, a possibilidade de transmissão de Leishmania
por esta via.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1. Tripanosomatídeos
Os tripanosomatídeos constituem um grupo de protozoários flagelados de
ampla distribuição na natureza que podem ser encontrados parasitando
diferentes grupos animais (9, 10). Podem ainda ser considerados monoxenos,
parasitando apenas invertebrados, ou heteroxenos quando parasitam ambos
invertebrados e vertebrados (Endotrypanum, Leishmania e Trypanosoma) (9).
Alguns tripanossomatídeos são parasitas digenéticos que apresentam em seu
ciclo de vida, dependendo do hospedeiro, inseto ou vertebrado, formas
evolutivas distintas, tal como ocorre com as espécies, Trypanosoma cruzi e
Leishmania infantum, endêmicas na América Central e do Sul. A relevância
médica deste grupo de parasitas continua a ser evidente de acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS) que estima que cerca de 550 milhões
de pessoas nos países em desenvolvimento estão sob o risco de contrair
leishmanioses, doença de Chagas e doença do sono (The World Health
Report, 2009, http://www.who.ch).
Os diferentes tripanosomatídeos patogênicos compartilham
características celulares semelhantes como formas especiais de
processamento do RNA (trans-splicing), edição de RNA mitocondrial,
organização peculiar do DNA nuclear, e DNA mitocondrial com mini e
maxicírculos formando o cinetoplasto, característica morfológica típica da
família Trypanosomatidae (9, 11, 12). Além disto, há similaridade entre os
genes, conforme demonstrado pelo sequenciamento dos genomas de T. cruzi,
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T. brucei, L. major, e L. donovani, resultando em proteínas com sequências
contendo epitopos comuns.
2.2. Leishmaniose Visceral
As leishmanioses são enfermidades causadas por protozoários
patogênicos que infectam hospedeiros vertebrados e se multiplicam no interior
de macrófagos, sendo endêmicas em áreas tropicais, subtropicais e área
mediterrânea. As leishmanioses apresentam um espectro clínico amplo e
podem ser causadas por espécies distintas de Leishmania. Esses parasitas
são transmitidos por diferentes espécies de flebotomíneos (13, 14). Há
diferentes formas de apresentação clínica das leishmanioses incluindo as
formas cutânea, cutânea difusa, mucocutânea, disseminada e visceral (LV,
também conhecida como calazar), além de envolvimento dérmico pós-
tratamento da LV, conhecida como leishmaniose dérmica pós-calazar (PCDL).
A LV é uma doença sistêmica que pode ser fatal mesmo quando tratada e é
causada pelo complexo Leishmania donovani no leste da África e no
subcontinente indiano e por Leishmania infantum na Europa, África do Norte e
América Latina (15, 16).
2.2.1. Agente etiológico
No seu ciclo de vida, a Leishmania apresenta duas formas básicas, a
forma amastigota e a promastigota. As amastigotas apresentam forma oval, ou
esférica, intracelulares obrigatórias e parasitam vacúolos lisossomais de
macrófagos de hospedeitos vertebrados (175, 176, 177). A forma promastigota
flagelada, extracelular, encontrada livre no trato digestivo do inseto ou aderido
ás microvilosidades da cutícula intestinal (178). A transmissão do protozoário
ocorre quando o inseto vetor pica animais infectados com Leishmania e
juntamente com o sangue ingere as formas amastigostas do protozoário. Após
o repasto sanguíneo, o parasito passa por uma série de modificações
morfológicas, bioquímicas e funcionais no interior do trato digestivo do inseto
(178, 180). Essas modificações são determinantes para a sobrevivência do
parasito em um meio totalmente distinto do existente no interior do macrófago
(179). Uma vez no trato digestivo do invertebrado, o protozoário assume sua
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forma promastigota, diferenciando-se em promastigota proxíclica, evitando a
expulsão do parasito do intestino médio do vetor. Sequencialmente, o parasita
assume sua forma promastigota metacíclica infectante, estágio em que migra
para as peças bucais do inseto e se torna capaz de infectar diversos outros
hospedeiros no próximo repasto do vetor (Figura 1).
Figura 1: Ciclo de vida do da Leishmania. Esquema ilustrando os estágios de vida de Leishmania desde o hospedeiro flebotomíneo até o hospedeito mamífero representado pelo homem (http:www.dpd.cdc.gov/dpdx).
2.2.2. Epidemiologia de LV
Como já foi mencionado, a LV pode ser causada por espécies distintas de
Leishmania, dependendo da área geográfica. L. infantum causa doença
principalmente em crianças e pessoas com imunosupressão na Europa, norte
da África, China e América Latina, enquanto L. donovani causa LV na India,
Bangladesh, Nepal, Sudão e outros países da Ásia, sendo uma doença que
ocorre entre adultos jovens (17). Há uma estimativa anual de 500.000 novos
casos de LV e mais de 50.000 óbitos (17). Mais de 90% dos casos de LV
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ocorre em seis países: Bangladesh, Índia, Nepal, Sudão, Etiópia e Brasil. Os
principais fatores condicionantes dessa expansão da LV são a migração, a
aparente ineficácia das medidas de controle e a co- infecção LV-HIV (18, 19). A
LV atinge primariamente as comunidades mais pobres de áreas periurbanas e
rurais.
A LV está em processo de expansão no Brasil, e está presente na maioria
dos estados brasileiros, incluindo estados da região sul (20). Anteriormente era
uma doença de ocorrência rural, no entanto atualmente é notificada em áreas
urbanas e periurbanas de cidades do Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do
Brasil (20). O número de casos de LV no nordeste e no Brasil apresentou um
grande aumento de 1980 até 2009, e esse fato está relacionado ao processo
de urbanização da doença (20) (Figura 2). Na década de 90,
aproximadamente 90% dos casos notificados de LV correram na região
Nordeste. Na medida em que a doença expandiu para as outras regiões, essa
situação vem se modificando e, recentemente, a região Nordeste representa
48% dos casos do país (20).
Figura 2: Total de casos de leishmaniose visceral notificados no Brasil entre os anos de 1980 a 2009.
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A periurbanização e a urbanização da leishmaniose visceral tem ocorrido
em todas as regiões brasileiras, destacando-se os surtos ocorridos no Rio de
Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Araçatuba (SP), Santarém (PA), Corumbá
(MS), Teresina (PI), Natal (RN), São Luis (MA), Fortaleza (CE), Camaçari (BA)
e, mais recentemente, as epidemias ocorridas nos municípios de três Lagoas
(MS), Campo Grande (MS) e Palmas (TO) (20). As áreas com maior
concentração de casos de LV no Brasil estão representadas na (Figura 3).
Figura 3: Áreas de maior concentração de casos de leishmaniose visceral. Os casos notificados vão de 0 (áreas em branco) à aproximadamente 6.000 casos (áreas mais escuras). As áreas em tons de cinza apresentaram menor densidade de casos notificados em relação ás áreas mais escuras.
A LV no Rio Grande do Norte também era uma doença tipicamente rural,
no entanto, no início da década de 90 passaram a ser documentados surtos da
doença na cidade de Natal e região metropolitana (21). A LV em Natal acomete
primariamente crianças, sendo estas referentes à metade dos casos (21). Os
frequentes surtos em Natal estão associados com o crescimento populacional
em locais de periferia da cidade (21, 22). No passado, a maioria dos casos de
LV no RN era em pessoas menores de 15 anos (23). A infecção assintomática
é frequente nas áreas endêmicas podendo chegar até 32% dos residentes
oriundos de áreas onde há detecção de LV humana ou canina (8).
Jethe N. de O. Filho Página 21
2.2.3. Manifestação clínica
No homem, a infecção por L. infantum apresenta um amplo espectro
clínico, podendo existir formas assintomáticas, manifestações clínicas discretas
(subclínica ou oligossintomática), moderadas e até formas graves. Em regiões
endêmicas do Nordeste do Brasil, estima-se que 5 a 10% das crianças
infectadas por L. infantum desenvolvem a LV (24, 25), e o período de
incubação pode variar de 2 a 14 meses (25), mas há registros de
desenvolvimento de LV décadas após a infecção inicial, conforme relatado para
pessoas oriundas de área endêmica da Bahia que desenvolveram LV após
imunosupressão (26).
Há diversos fatores de risco determinantes na suscetibilidade a
desenvolver LV, tais como má nutrição, tipo de resposta imunológica, idade,
sexo, co-infecção HIV-Leishmania, transplantes, ou qualquer co-morbidade que
leve a diminuição transitória ou permanente da resposta imune (2, 27, 28).
As pessoas com LV apresentam sintomas e sinais de infecção sistêmica
incluindo anemia, febre, fadiga, fraqueza, perda de apetite e perda de peso,
hepatoesplenomegalia e hipergamaglobulinemia. As formas oligossintomática e
assintomática podem evoluir para a cura espontânea nos indivíduos
imunocompetentes (29).
2.2.4. Diagnóstico de LV
O diagnóstico para a LV baseia-se em dados epidemiológicos, clínicos e
laboratoriais. O diagnóstico clínico de LV tem como base os seus principais
sintomas, em especial: a febre, hepatoesplenomegalia, anemia, leucopenia e
manifestações hemorrágicas. As formas oligossintomáticas da LV são de difícil
diagnóstico, principalmente fora das áreas endêmicas, com quadros de tosse
persistente, diarréia por mais de três semanas, adinamia, discreta
hepatoesplenomegalia, geralmente sem febre. Esses quadros, frequentemente,
são confundidos com processos virais ou enteroparasitoses, o que impede ou
dificulta, um diagnóstico precoce da doença.
O exame parasitológico da LV é realizado pela demonstração do parasita
em lâminas contendo material fixado e corado, obtido por punção de órgãos ou
medula óssea; como também pela observação de parasitas isolados em cultura
ou por inoculação em cobaias de uma amostra de biópsia ou aspirado do baço
Jethe N. de O. Filho Página 22
ou da medula óssea. A sensibilidade dos testes parasitológicos, que é a
frequência com que o teste detectará presença de Leishmania, é mais elevada
em amostras obtidas por aspirado esplênico (aproximadamente 98%), porém
há risco de complicações tais como hemorragia. Punção hepática, aspirados de
linfonodos e esfregaços da camada leucoplaquetária, particularmente nos
casos de co-infecção HIV-Leishmania são também usados (13, 30-32) embora
com sensibilidade menor. As técnicas convencionais de esfregaço ou cultura
possuem baixa sensibilidade na detecção de infecções assintomática e sub-
clínica e nos casos de LV confirmada a sensibilidade dos métodos de cultura é
em torno de 70% (33), ou seja, a cada 100 indivíduos infectados,
aproximadamente 70 serão positivos no teste.
O diagnóstico sorológico baseia-se na presença de resposta imune
humoral específica nos casos de LV, ou resposta imune mediada por células,
nos casos de leishmaniose cutânea e leishmaniose cutâneo-mucosa (13). Uma
ampla variedade de métodos sorológicos com diferentes sensibilidade e
especificidade está disponível para o diagnóstico de LV, isto é, quanto menos
resultado falso-positivo e/ou reação cruzada com outras doenças o teste
apresentar, maior será sua especificidade. Do mesmo modo, para um teste
possuir alta sensibiliade, é preciso que ele seja capaz de detectar baixos títulos
de anticorpos presentes no soro de uma pessoa infectada. Dentre os mais
utilizados estão a Reação de Imunofuorescência Indireta (RIFI), aglutinação
direta (DAT), ensaio imunoenzimático (ELISA) e imunoblotting. No entanto, eles
não são disponíveis na maioria das áreas endêmicas, sendo o diagnóstico
baseado principalmente na história epidemiológica e na clínica, além de
confirmação parasitológica em material obtido através de aspirado medular.
Este último é positivo em 75-80% dos casos de LV.
A imunofluorescência indireta é um dos testes mais sensíveis disponíveis
(90-100%) e apresenta boa especificidade (80%) (34, 35). O teste é utilizado
desde a década de 60, e baseia-se na detecção de anticorpos. Os antígenos
utilizados na RIFI são obtidos a partir de macerado de promastigotas de
culturas de Leishmania, parasitos intactos ou moléculas solúveis. Existe a
possibilidade de reação cruzada desses antígenos com soros de indivíduos
que possuem anticorpo anti-Trypanossoma. O resultado da imunofluorescência
indireta é normalmente expresso em título, ou seja, consideram-se como
Jethe N. de O. Filho Página 23
positivas as amostras reagentes a partir da diluição de 1:80. Nos títulos iguais a
1:40, com clínica sugestiva de LV, recomenda-se a solicitação de nova amostra
em 30 dias.
O método imunoenzimático (ELISA) é uma ferramenta valiosa no
diagnóstico sorológico da infecção por Leishmania. O teste é útil para a análise
de laboratório, bem como para aplicações de campo. No entanto, a
sensibilidade e a especificidade do ELISA são influenciadas pelo tipo de
antígeno utilizado. Foram desenvolvidos e testados vários antígenos
recombinantes de L. donovani, rgp63, rK9, rK26 e rK39 de L. infantum para
serem usados em ensaios sorológicos de rotina (38-43). Destes, o antígeno
rK39 é altamente sensível e preditivo da manifestação sintomática em
pacientes com LV. (142) Os títulos de anticorpos para esse antígeno se
correlacionam diretamente com a doença ativa, podendo ser usado no
monitoramento dos doentes. Porém, em geral os testes sorológicos possuem
duas grandes limitações: altos níveis de anticorpos permanecem detectáveis
por vários meses ou anos após a cura (44, 45) e grande parte das pessoas
saudáveis sem história de LV que residem em áreas endêmicas são reativos
na sorologia devido infecções assintomáticas (46-48).
Diversos métodos de detecção de ácidos nucleicos, tanto DNA quanto
RNA, foram desenvolvidos. Entre estes, a Reação em Cadeia da Polimerase
(PCR) provou ser uma técnica sensível e específica. Diferentes sequências de
DNA no genoma de Leishmania como a região ITS (Internal Transcribed
Spacer) , locus gp63, sequências teloméricas, sequências alvo em genes rRNA
como 18s rRNA e SSU-rRNA e as regiões conservadas quanto as variáveis
nos minicírculos de DNA do cinetoplasto (kDNA) são usados por diversos
pesquisadores (49-53).
Nos últimos anos, a detecção de parasitas no sangue periférico pela
técnica PCR tem sido preconizada para diagnóstico e acompanhamento da LV,
e na detecção de parasitemia em portadores assintomáticos, no entanto, esses
ensaios só estão disponíveis em laboratórios de pesquisa (54-56). A
sensibilidade aumentada da PCR, em comparação com a detecção de
anticorpos específicos aliado ao fato de que o DNA do parasita pode
Jethe N. de O. Filho Página 24
desaparecer rapidamente do sangue (57-59), indicam que a PCR pode ser
usada para detectar infecções em curso na população assintomática (60).
2.2.5. Infecção assintomática por L. infantum e o risco de transmissão
via transfusão sanguínea
A forma assintomática é o tipo mais frequente de infeção por L. infantum e
ocorre normalmente quando há história de LV na família ou na vizinhança (61,
62). Diversos estudos para avaliar a prevalência de infecção por Leishmania
assintomática no homem têm sido realizados em diferentes regiões do Brasil e
em outros países endêmicos para LV, e os resultados se mostram variáveis de
acordo com a região ou país, podendo até alcançar uma soroprevalência de
até 52% (2, 8, 23, 28, 61, 63-66). Define-se o diagnóstico da forma
assintomática da infecção por L. infantum pela detecção de anticorpo anti-
Leishmania ou pela resposta celular a antígenos de Leishmania, na ausência
de sintomas clínicos. Pessoas com infecção assintomática apresentam
resposta de hipersensibilidade do tipo tardia (DTH), semelhante a aqueles
pacientes com LV pós-tratamento (64).
Diversas pesquisas têm demonstrado a possibilidade de transmissão de
Leishmania por via transfusional (4, 6, 67-70). Em alguns países do
Mediterrâneo, a leishmaniose é hipoendêmica e a LV clássica em indivíduos
não imunocomprometidos é encontrada principalmente em crianças (71). No
entanto, nos últimos 20 anos aumentou o número de casos em adultos,
especialmente naqueles infectados com o vírus da imunodeficiência humana
(HIV). Aproximadamente 30% dos casos de pacientes com LV apresentam co-
infecções com Leishmania e HIV (72). A elevação da taxa de LV em pessoas
infectadas pelo HIV, em comparação aos imunocompetentes sugere que a
maioria dos casos de LV se deve tanto a uma reativação da forma latente
quanto pelo novo contato com o parasita. Em tais casos, a LV se desenvolve
devido à supressão do sistema imune causada pelo vírus HIV (73). Outra forma
de transmissão de Leishmania é via compartilhamento de agulha entre
usuários de drogas (173), como relatado em Madrid na Espanha, onde um
estudo indicou que o compartilhamento de seringas pode elevar o risco de
contaminação e coinfecção entre HIV e Leishmania (174).
Jethe N. de O. Filho Página 25
Na Europa, casos de aquisição de infecção por Leishmania via transfusão
foram relatados na França, Suécia, Bélgica e Reino Unido (78), e também,
caso similar foi notificado na Índia (67). Em estudos realizados com doadores
de sangue do sul da França (74) e Espanha (75) foi encontrada elevada taxa
de infecção. Outras pesquisas com doadores de sangue sugerem que a
presença de L. infantum no sangue de portadores assintomáticos é episódica e
também indica que tais indivíduos são portadores assintomáticos por um
período variável. Também, há relatos de longos períodos de incubação
assintomática (76), e mesmo após a recuperação clínica o parasita pode
permanecer em indivíduos infectados (77). Em Ibiza, um estudo realizado em
doadores de sangue revelou um número acentuado de pessoas assintomáticas
infectadas com L. Infantum (75).
No Brasil, estudos mostraram que a forma assintomática da infecção por
L. infantum ocorre com mais frequência do que se acreditava na população em
geral (8, 17, 31, 37, 38). O relato de alguns casos sugere a possibilidade de
transmissão de Leishmania em pacientes transfundidos (68). Em cães a
trasmissão de Leishmania por transfusão também foi observada (79, 80).
Também, em condições de laboratório, foi demonstrado que o parasita é
transmitido a hamsters por meio de derivados sanguíneos (81-83). Em áreas
endêmicas é possível detectar DNA de Leishmania no sangue de pessoas
saudáveis, mesmo na ausência de resposta imune humoral (55, 60, 75, 84, 85).
Esta ausência de anticorpos também foi observada em cães assintomáticos
(86, 87).
2.3. Doença de Chagas
A doença de Chagas (DC) é uma antropozoonose que atinge
primariamente indivíduos que vivem em áreas rurais sendo uma das
parasitoses com ampla distribuição na América Latina. De acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS), um total de 17 milhões de indivíduos
estão infectados no continente americano, sendo que deste total
aproximadamente 6 milhões residem no Brasil, 3 milhões são sintomáticos e a
incidência por ano é de 200 mil casos em 15 países (88).
Jethe N. de O. Filho Página 26
Nas últimas décadas, a taxa de mortalidade, a incidência e a prevalência
da doença de Chagas no mundo apresentaram valores variáveis, devido às
migrações das populações entre áreas rural e urbana, as mudanças nos
padõres sócio-econômicos e devido ao impacto de programas de controle do
inseto vetor (89).
2.3.1. Agente etiológico
O agente etiológico da DC é o protozoário Trypanosoma cruzi, que no seu
ciclo de vida passa por diferentes estágios de desenvolvimento: a forma
epimastigota, a tripomastigota metacíclica infectante presentes no inseto vetor
e as formas amastigotas e tripomastigota sanguíneas presentes no hospedeiro
vertebrado (90).
Na natureza, o ciclo evolutivo de T. cruzi ocorre tanto em hospedeiros
vertebrados quanto em invertebrados. Os humanos se tornaram parte do ciclo
de transmissão a partir do momento que estabeleceram moradia na área de
abrangência dos insetos vetores. Nas habitações humanas, os vetores são
encontrados em buracos ou fendas nas paredes, atrás de objetos presos na
parede ou pintura solta. A incidência é maior em habitações com condições
precárias como casas de pau a pique, sapé, madeira e barro, localizados em
zonas rurais e entre populações com baixa renda familiar (91).
Os insetos vetores são hemípteros da família Reduviidae, subfamília
Triatominae, possuem hábitos geralmente noturnos e ingerem as formas
tripomastigotas junto com o sangue ao se alimentarem em mamíferos
infectados. Após multiplicação e metaciclogênese no tubo digestivo, os
parasitas são eliminados junto com as fezes do inseto durante um novo repasto
sobre a pele do vertebrado, e nesse momento pode ocorrer a infecção pela
forma tripomastigota metaciclica que peneta pela lesão da picada do inseto ou
por membranas mucosas (92). A transformação e todo desenvolvimento do
flagelado no vetor estão relacionados à espécie do triatomíneo e às diferentes
cepas do parasita (93).
No sangue do hospedeiro vertebrado, a forma tripomastigota de T.cruzi
invade diferentes tipos celulares, principalmente do sistema mononuclear
fagocitário, nas quais irão se multiplicar sob a forma de amastigotas (Figura 4)
(94). Contudo, existem outros mecanismos de infecção: transmissão congênita,
Jethe N. de O. Filho Página 27
durante a amamentação, transfusão sanguínea e através da ingestão de
alimentos contaminados com o parasita, além de formas excepcionais como:
transmissão acidental em laboratório, transplantes de órgãos e sexual (95, 96).
Figura 4: Ciclo de vida do T. cruzi. O esquema mostra as etapas do ciclo de vida do T. cruzi, passando pelo inseto (hospedeiro invertebrado) e pelo humano (hospedeiro vertebrado), (http:www.dpd.cdc.gov/dpdx).
2.3.2. Patogenia e curso da infecção
A patogenicidade de T. cruzi depende tanto de caraterísticas do
hospedeiro quanto da cepa infectante. Deste modo, a evolução da infecção no
vertebrado suscetível depende da idade, sexo, estado nutricional e genótipo do
hospedeiro, e por características genéticas, morfológicas e biológicas da cepa
infectante, bem como fatores ambientais como temperatura (96). Todavia, no
hospedeiro imunocompetente, a infecção é controlada e resolvida. Estes
indivíduos passam para uma fase assintomática onde somente exames
sorológicos podem detectar de forma indireta a infecção. Dependendo da cepa
e estado imunológico do hospedeiro, dentre outros fatores, uma proporção
desses indivíduos desenvolve doença cardíaca e/ou digestiva, vários anos
após a contaminação, enquanto a maioria permanece assintomática (97).
Jethe N. de O. Filho Página 28
O curso da doença de Chagas no homem pode apresentar as fases:
aguda e crônica. O início da fase aguda acontece logo após a entrada do
parasita no organismo (89) e caracteriza-se normalmente por apresentar
parasitemia abundante (98) e pela relativa facilidade com que se evidencia o
parasita tanto no sangue periférico, mediante métodos diretos, ou por métodos
sorológicos por meio da detecção de anticorpos anti-T. cruzi da classe IgM.
As manifestações clínicas na fase aguda, quando presentes, aparecem
sob a forma de reações locais como chagoma de inoculação (inoculação
cutânea) e o sinal de Romaña (edema bipalpebral unilateral) seguidos por
febre, hepatomegalia e esplenomegalia (89). Algumas pessoas podem
desenvolver complicações neurológicas, cardíacas e pulmonares durante esse
período (98, 99), especialmente crianças menores de 15 anos e pacientes
imuno-comprometidos (100).
A fase crônica acontece quando as manifestações clínicas da fase aguda
desaparecem e o número de formas tripomastigotas no sangue periférico
diminui, chegando a níveis indetectáveis. A resposta imune do hospedeiro é
responsável por essa queda da parasitemia, principalmente em pessoas não
tratadas (101). Durante a fase crônica da doença de Chagas, muitos indivíduos
infectados permanecem assintomáticos. Esse período sem manifestações
clínicas é conhecido como forma indeterminada da doença e cerca de 50 a
70% dos pacientes ficam nessa fase pelo resto da vida (102).
Entretanto, cerca de 30% das pessoas que permanecem assintomáticas
podem, eventualmente, vir a desenvolver sintomas da doença caracterizados
por distúrbios no sistema digestivo, nervoso e no coração, ocasionalmente
fatais, além de outras alterações sistêmicas como hepatoesplenomegalia,
linfadenopatia e linfocitose (103).
2.3.3. Diagnóstico da infecção por T. cruzi
Na fase aguda da infecção por T. cruzi os exames parasitológicos são
baseados na demonstração do parasito na corrente sanguínea do paciente
sendo considerados os exames de maior especificidade (100%). Nessa fase,
quando a densidade de parasitas no sangue está elevada, é mais eficaz a
demonstração do parasito por meio de esfregaço do sangue periférico do
paciente. É possível realizar também, o exame a fresco e a visualização das
Jethe N. de O. Filho Página 29
formas tripomastigotas do T. cruzi. A hemocultura e o xenodiagnóstico também
são empregados. O xenodiagnóstico consiste em verificar se o barbeiro não
infectado iria se infectar após sugar o sangue de paciente doente (104). Ainda
na fase aguda pode ser empregada a Reação de Imunofluorescência Indireta
(RIFI) para pesquisa de IgM contra T. cruzi. (105).
Durante a fase crônica, a parasitemia diminui consideravelmente
dificultando o encontro do flagelado em esfregaços de sangue periférico corado
pelo método Giemsa. O xenodiagnóstico é um dos exames parasitológicos
aplicados à forma crônica, registrando-se positividade entre 9% a 87,5% (106-
109). O cultivo do sangue ou hemocultura alcança, na forma crônica da
doença, 0% a 94% de positividade (110-112).
A hemocultura é um exame demorado, requer repicagens frequentes e
controle rígido do ambiente e dos meios de cultura para se evitar a
contaminação com bactérias ou fungos, o que de certa forma dificultaria ou
inviabilizaria o resultado do exame. A sensibilidade é baixa, porém a
especificidade é alta e inquestionável.
Os testes sorológicos apresentam vantagens na fase crônica da DC, visto
que possuem alta sensibilidade se comparado com os exames parasitológicos.
Nessa fase, o hospedeiro apresenta um aumento na resposta humoral contra o
parasito, permanecendo detectável por longos períodos. Desta forma, o teste
de Machado-Guerreiro (1913) foi o primeiro exame sorológico a ser
padronizado para a doença de Chagas, baseando-se na fixação do
complemento e utiliza como antígeno o extrato bruto obtido de órgãos de cães
infectados por T. cruzi. Atualmente, são empregados novos métodos
sorológicos com boa sensibilidade e especificidade, tais como o ELISA e a RIFI
(113). A técnica de Machado-Guerreiro deixou de ser usada em virtude
principalmente, das reações cruzadas com indivíduos com hanseníase (113).
A hemaglutinação indireta (HAI) foi empregada para o diagnóstico da
doença de Chagas pela primeira vez em 1947 (114). É utilizada para triagem
devido sua praticidade e boa sensibilidade, entretanto, tem especificidade
inferior a RIFI e ao ELISA.
A RIFI para a infecção por T. cruzi foi inicialmente padronizada utilizando
formas de T. cruzi em tubos (115). Posteriormente, a técnica foi padronizada
em lâminas (116) sendo considerada uma técnica de uso vantajoso em
Jethe N. de O. Filho Página 30
laboratórios clínicos, pois é possível utilizar reagentes como os conjugados
anti-globulínicos marcados com fluoresceína, os sais reagentes para a técnica
e utilizar o próprio parasita, na forma epimastigota, obtida em culturas sem
necessidade de processos de extração ou fracionamento. Neste método
também se observa reação cruzada com leishmaniose, e com sensibilidade
em torno de 95% (117).
O ELISA, apresenta sensibilidade e especificidade próximas ao teste RIFI,
porém a RIFI ainda é mais específica que o ELISA. Neste último também se
observa reação cruzada com leishmaniose, não sendo 100% específico (118).
No entanto, o ELISA trouxe diversos benefícios, sendo possível a realização de
exames de muitos pacientes por vez, diferentemente da técnica de RIFI, além
de utilizar um equipamento para leitura de densidade óptica, dispensando a
leitura do técnico em microscopia. Desta forma, foi viabilizada a execução de
grande quantidade de exames em bancos de sangue, por exemplo, na triagem
de doadores de sangue, além da automatização de procedimentos laboratoriais
de rotina. Os métodos sorológicos são importantes no diagnóstico da doença
de Chagas crônica devido à boa sensibilidade e especificidade, pois mesmo
décadas após a infecção os níveis de imunoglobulinas são demonstráveis no
sangue do indivíduo (119, 120). Porém, a titulação de anticorpos não é um bom
indicador do estágio da doença, não servindo para indicar cura ou evolução em
formas mais graves da doença.
Atualmente, os estudos de biologia molecular estão sendo empregados
tanto em testes confirmatórios para infecção por T. cruzi como para
acompanhamento do paciente chagásico crônico. Na técnica de PCR usada
para o diagnóstico de Chagas, são amplificados fragmentos oriundos do DNA
genômico do T. cruzi ou do DNA de minicírculos do cinetoplasto do parasito (k-
DNA), podendo ser empregada em amostras de sangue de pacientes
chagásicos e fezes de triatomíneos (121, 122), estando livre da ocorrência de
reações cruzadas.
Para pessoas assintomáticas que foram identificadas infectadas por T.
cruzi quando da triagem em Banco de Sangue, também é fundamental o
diagnóstico de certeza no intuito de diminuir a preocupação e até a ansiedade
desses indivíduos em relação à confirmação ou não da infecção pó T. cruzi
Jethe N. de O. Filho Página 31
uma vez que essas pessoas se sentem saudáveis, ou seja, não apresentam
qualquer sintoma de doença.
Os métodos moleculares oferecem também maior rapidez e sensibilidade
em comparação com os testes considerados padrão ouro como os
parasitológicos. Porém, sua aplicação pelos serviços saúde pública ainda é
inviável devido aos altos custos de tais métodos.
2.3.4. Infecção por T. cruzi em candidatos a doadores de sangue
Há relatos de transmissão de Trypanosoma cruzi por transfusão
sanguínea. A ocorrência da DC entre doadores de sangue de diferentes países
na América do Sul é variável em cada país (89, 123), tendo sido descrita mais
recentemente nos Estados Unidos (89, 124-126). A via de infecção
transfusional da DC foi comprovada nos anos 50 (127). Os primeiros doadores
infectados foram descritos no Brasil por Pellegrino (128), e os primeiros casos
de doença de Chagas transfusional em brasileiros foram descritos em São
Paulo (129). Até meados dos anos 80, a doença era considerada um grave
problema de saúde pública, estimando-se que, na década de 70, em 100 mil
novos casos, 20 mil correspondiam à transmissão transfusional. Os testes
foram aperfeiçoados com técnicas como a imunofluorescência, hemaglutinação
indireta e, finalmente, o teste ELISA, mais utilizado atualmente.
Em meados dos anos 80 surgiram importantes avanços na luta contra a
DC no Brasil, por meio de modificações fundamentais nos procedimentos
hemoterápicos, por ex. proibição do doador remunerado e obrigatoriedade da
seleção sorológica dos candidatos à doação. Com estas medidas, a situação
melhorou consideravelmente, e a ocorrência atual de reações sorológicas
positivas para T. cruzi é de 0,6% (130), em contraste com o índice de 7,0% dos
anos 70 (131). Um estudo realizado na cidade de Porto Alegre, entre 2005 e
2006, indicou uma prevalência sorológica para doença de Chagas em
doadores de sangue de 0,5% (132). Dados disponibilizados pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) indicam uma retenção sorológica
para doença de Chagas em doadores de sangue de 0,85% no Rio Grande do
Sul (133).
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Apesar da melhoria no controle da transmissão vetorial em áreas
endêmicas, a doença de Chagas ainda infecta quase 10 milhões de pessoas
(134), e as transfusões têm sido uma importante via de transmissão (135). O
risco de infecção via transfusão de sangue contaminado é de 12% - 25%,
sendo um desafio para os bancos de sangue a identificação e exclusão de
portadores assintomáticos e crônicos do parasita (136). Estima-se que haja
cerca de 12 a 14 milhões de pessoas infectadas com T. cruzi na América
Latina (137). Em um estudo realizado recentemente, a retenção de bolsas de
sangue depois de realizado exame sorológico para doença de Chagas
correspondeu a uma taxa média de 0,41% do total (138). Outro estudo também
relata retenção de bolsas de sangue por sorologia positiva para Chagas de
0,6% nos laboratórios de origem e 0,5% em um serviço de referência (130).
Além disso, uma vez que a maioria dos pacientes com doença de Chagas
são assintomáticos e desconhecem sua condição, esses potenciais doadores
de sangue representam uma ameaça grave à segurança do suprimento de
sangue de áreas não-endêmicas (5). Desde 1988, no Brasil e em outros países
latino-americanos, é obrigatória a triagem de doadores de sangue para Chagas
e, desde 1997, 100% de cobertura sorológica foi obtida em bancos de sangue
(139). Concomitantemente, o controle da transmissão vetorial tem reduzido
significativamente a prevalência da doença de Chagas em doadores de sangue
(140). Uma das estratégias utilizadas para avaliar a segurança do suprimento
de sangue é avaliar a prevalência de infecções transmitidas por transfusão em
pacientes politransfundidos (141).
Jethe N. de O. Filho Página 33
3. OBJETIVOS
Geral
Analisar a ocorrência de reação cruzada entre os ensaios sorológicos que
identificam a infecção por Trypanosoma ou por Leishmania infantum em
doadores de sangue no Rio Grande do Norte.
Específicos
1. Avaliar a extensão da reatividade cruzada entre T. cruzi e L. infantum em
doadores de sangue;
2. Identificar a presença de Leishmania no sangue periférico de doadores
de sangue;
3. Caracterizar as cepas de Leishmania isoladas em indivíduos com
infecção assintomática.
4. Determinar a prevalência de infecção por Leishmania entre a população
de doadores de do Rio Grande do Norte.
Jethe N. de O. Filho Página 34
4. Materiais e Métodos:
4.1. Caracterização da Área de Estudo.
O Estado do Rio Grande do Norte possui 5 unidades fixas de Bancos de
Sangue HEMONORTE distribuídas em 5 municípios: Natal (Hemocentro Dalton
Cunha), Mossoró, Caicó, Pau dos Ferros e Currais Novos. Estes 5 municípios
estão sistematicamente distribuídos nas quatro regiões geográficas do estado
(Figura 5).
As áreas localizadas no Oeste do Estado do Rio Grande do Norte
(Mossoró e Pau dos Ferros) e no Seridó (Caicó e Currais Novos) são
consideradas como áreas tradicionalmente endêmicas para doença de Chagas.
Enquanto que na cidade do Natal e em arredores nos últimos 30 anos têm-se
relatado epidemias de LV humana e canina (JERONIMO, 2004; DUARTE,
2012). Adicionalmente, nos últimos 10 anos vem crescendo a ocorrência de LV
em Mossoró e arredores, além de relatos em outras cidades pertencentes as
micro regiões do Seridó e Oeste (MATOS; FILGUEIRA; AMORA, 2006).
Figura 5: Área de Estudo. Mapa do Rio Grande do Norte mostrando as unidades do HEMONORTE distribuídas nos cinco municípios sede: Natal, Currais Novos, Caicó, Mossoró e Pau dos Ferros.
Jethe N. de O. Filho Página 35
4.2. Considerações Éticas
O presente estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEP-UFRN) em
04/05/2011, CAAE 0093.0.051.000-11. No período de março de 2011 a
fevereiro de 2012, um total de 444 indivíduos que realizaram doação de sangue
em uma das 5 unidades coletoras de sangue, foram recrutados.
4.3. Caracterização do Sujeito da Pesquisa e Desenho do Estudo
A presente pesquisa tem o caráter de estudo transversal no qual a
amostra foi dividida em dois grupos: grupo 1 (n=300) e grupo 2 (n=144). O
grupo 1 é caracterizado por voluntários cuja bolsa de sangue doada foi
descartada do banco devido a presença de algum tipo de infecção detectada
na triagem sorológica ou por baixo volume na doação (volume ideal =450 mL)
de acordo com a resolução - RDC Nº 57, de 16 de dezembro de 2010. Na
triagem sorológica, o soro do doador é examinado na busca de anticorpos
marcadores de infecções pelos vírus das hepatites B e C, HIV, HTLV-1,
Treponema pallidum e T. cruzi (Tabela 1). O grupo 2 consistiu de 144
voluntários aparentemente saudáveis que, no momento da doação de sangue,
aceitaram participar da pesquisa.
Tabela 1: Listagem de agentes infecciosos cujos anticorpos são pesquisados na triagem sorológica no banco de sangue.
* Apenas em algumas regiões do Brasil.
Jethe N. de O. Filho Página 36
Um fluxograma esquematiza a dinâmica das etapas da pesquisa a partir
do momento da seleção da amostra (Etapa 1), o qual é dividido em grupo A
(n=300) e B (n=144). Na etapa 1A é mostrado o passo-a-passo até a obtenção
do TCLE junto aos voluntários que tiveram suas bolsas de sangue expurgadas
por sorologia positiva ou baixo volume da bolsa de sangue. Na etapa 1B é
trazido o esquema de obtenção do TCLE dos voluntários do grupo 2 onde 144
voluntários foram escolhidos aleatoriamente. Os diversos exames para detectar
Leishmania são mostrados no esquema (Figura 6).
Jethe N. de O. Filho Página 37
Figura 6: Desenho do Estudo. Esquema ilustrativo das duas etapas da pesquisa onde "A" representa o grupo 1 (n=300) e "B" representa o grupo 2 (n=144). Na etapa 1A/B temos o recrutamento dos sujeitos. Na etapa 2A/B vizualizamos os testes laboratoriais realizados.
# Para alcançar o objetivo 1 (Avaliar a extensão da reatividade cruzada entre
T. cruzi e L. infantum em doadores de sangue) seguiram-se os métodos
abaixo:
4.4. Diagnóstico sorológico da infecção por T. cruzi
4.4.1. Métodos ELISA e Imunofluorescência Indireta
Os exames sorológicos de todos os doadores de sangue do Rio Grande
do Norte é realizada na unidade de Natal (Hemocentro Dalton Cunha).
Portanto, as unidades de Mossoró, Caicó, Currais Novos e Pau dos Ferros
funcionam apenas como centros coletores, e enviam diariamente os tubos para
serem feitos os exames em Natal.
No HEMONORTE, as amostras de soro dos doadores são primeiramente
testadas para avaliar a presença de anticorpo anti-T. cruzi sendo utilizado Kit-
Test ELISA Chagas III do fabricante GrupoBios (BIOSChile, BiosWerfen,
AUSTRAL). O exame ELISA foi realizado em equipamento automático. Quando
uma amostra de soro era considerada reagente, uma 2ª amostra era coletada
para avaliação método da RIFI.
Jethe N. de O. Filho Página 38
Assim como o ELISA, a RIFI foi realizada no HEMONORTE de Natal.
Apenas o soro dos indivíduos positivos no ELISA são testados na RIFI. O
método utiliza o kit Imunocruzi® do fabricante Biomérieux (BioManguinhos/
FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil). A amostra foi considerada reagente na
presença de fluorescência uniforme nas membranas dos parasitos, e não
reagente na ausência de fluorescência. Os títulos ≥ 80 foram considerados
como reação positiva. Em todos os testes foram incluídas amostras de soros
controles positivo e negativo para doença de Chagas. Os indivíduos
considerados positivos na RIFI eram encaminhados para o ambulatório de
Chagas no Hospital Giselda Trigueiro, centro especializado em doenças
infecto-contagiosas no RN.
4.5. Diagnóstico da infecção por Leishmania infantum
4.5.1. Pesquisa de Anticorpos anti-Leishmania no soro dos doadores
Para o exame sorológico da infecção por Leishmania, os soros dos
doadores foram obtidos da seguinte forma: para o grupo 1 (n=300) foram
retirados 500 µL de soro do tubo de cada doador na soroteca do banco de
sangue; para o grupo 2 (n=144) o soro foi obtido a partir do sangue total
coletado diretamente do voluntário no momento da doação de sangue. Todos
os exames para pesquisa de Leishmania foram realizados no Laboratório de
Imunogenética/UFRN.
A presença de anticorpos anti-Leishmania foi determinada pelo método
imunoenzimático (ELISA), utilizando extrato bruto de L. infantum isolado de um
paciente oriundo de Natal (25). As placas com 96 poços, de baixa afinidade
(Linbro – MP Biomedicals, Ohio) foram sensibilizadas com 500 ng/poço da
fração solúvel de promastigostas de Leishmania infantum. Os antígenos foram
ressuspensos em 100 μL de tampão bicarbonato-carbonato de sódio
(Na2CO3 15 mM, NaHCO3 30,8 mM, Timerosal 0,01%), pH 9,6, incubados por
24 horas, a 4ºC. O excesso de antígeno foi removido e as placas foram
bloqueadas com tampão PBS pH 7,4/Tween-20 a 1%, e mantidas por 1 hora, a
temperatura ambiente. Em seguida as placas foram lavadas 4 vezes com
PBS/tween 20 a 0,1% seguidas da adição de 100 µL de soro, por poço na
diluição de 1/500, incubadas por 1 hora, a temperatura ambiente.
Jethe N. de O. Filho Página 39
Após a remoção do soro, as placas foram lavadas como descrito e
adicionados 100 µL do conjugado humano anti-IgG peroxidase na diluição
1:2000 (Promega, WI, EUA), por poço, diluído em tampão PBS, e incubadas
por 1 hora. O anticorpo secundário foi removido e as placas foram novamente
lavadas, sendo adicionados 100 µL de solução reveladora contendo peróxido
de hidrogênio (H2O2), na presença do cromógeno ABTS [2,2’azino-di-(ácido
sulfônico 3-etilbenzotiazolino) (Sigma Chemical Co. St. Louis, MI, EUA)] por 30
minutos, a temperatura ambiente. A reação foi interrompida pela adição de 100
mL de SDS 5% (C12H25NaO4S-Sulfato dodecil de sódio) do BDH Laboratory
supplies - Broom Rd Poole England. A intensidade da cor desenvolvida é
proporcional a quantidade de anticorpo presente na amostra. A leitura foi
realizada no leitor de ELISA (Titerteck instruments, Inc., Huntsville, AL, EUA) a
405 nm (25, 142).
4.5.2. Avaliação da parasitemia por PCR quantitativa
A PCR quantitativa foi usada para confirmação da presença de DNA de
Leishmania no sangue de todos os doadores voluntários da pesquisa. A
extração de DNA de sangue periférico foi realizada pelo método de salting out,
conforme adaptado (143). Foram usados 10 mL de sangue para extração de
DNA total. A curva padrão da carga parasitária foi estabelecida a partir do DNA
extraído de 5x106 parasitas, na forma promastigota, em uma diluição seriada de
4.000 a 0,4 parasitas.
A reação de PCR em tempo real foi realizada utilizando os
oligonucleotídeos já descritos (56), com algumas sequências adaptadas (55)
(Tabela 2). Foram utilizados um gene de expressão no cinetoplasto (kDNA7) e
um gene nuclear MAG1 (Gene Associado ao MSP). O volume final foi de 10 μL,
composto de 10 µL de 2x taqman (Applied Biosystems, EUA) e 200 nmol de
cada primer e 100 ng de DNA. O DNA foi amplificado em um total de 40 ciclos
com temperatura de 95ºC e 10 segundos de desnaturação, 95ºC e 15
segundos de anelamento e 60ºC e 1 minuto de extensão, a cada ciclo.
Jethe N. de O. Filho Página 40
Tabela 2: Primers ultilizados na PCR quantitativa (Weirather et al, 2011)
Gene Sequência do Primer
MAG1 Senso: 5’ – AGAGCGTGCCTTGGATTGTG - 3’
Anti-senso: 5’ – CGCTGCGTTGATTGCGTTG - 3’
Sonda
MAG1 5’- FAM – TGCGCACTGCACTGTCGCCCCC
KDNA7 Senso: 5’ – AATGGGTGCAGAAATCCCGTTC - 3’
Anti-senso: 5’ – CCACCACCCGGCCCTATTTTAC - 3’
Sonda
KDNA7 5’- FAM – CCCCAGTTTCCCGCCCCGGA
# Para atingir o objetivo 2 (Isolar Leishmania do sangue periférico de doadores
de sangue) o passo subsequente foi seguido:
4.6. Cultura de Leishmania
Foi realizada cultura de Leishmania a partir de 10 mL do sangue da bolsa
dos 300 voluntários do grupo 1. A camada leucoplaquetária, formada após
centrifugação dos 10 mL de sangue a 1000 x g por 15 min, foi usada para
realização de cultura de Leishmania. Uma alíquota de 1 mL do creme
leucocitário foi adicionado ao tubo contendo ágar sangue. O tubo com ágar
sangue foi preparado pela mistura de 3 partes de sangue humano com 7 partes
de meio NNN estéril (5 g de carne Bacto, 2 neopeptone g, 2 g Bacto ágar e 0,5
g de NaCl por 100 mL de água, pH 7,4) aquecido (43°C). Cinquenta μL de Ágar
Sangue foram adicionados a cada tubo de 15 mL, sendo estes inclinados a um
ângulo de 45º até a solidificação do ágar. Os tubos de cultura foram incubados
a 27°C. O crescimento das culturas foi examinado a cada dois dias com o
auxílio de lâminas por meio de um microscópio. Após o período de 30 dias, as
culturas não crescidas foram desprezadas com hipoclorito de sódio. As culturas
que cresceram foram passadas do meio NNN ágar sangue para o meio
Schneider mais adaptado para o crescimento de Leishmania.
Jethe N. de O. Filho Página 41
# Para alcançar o objetivo 3 (Caracterizar as cepas de Leishmania isoladas
em indivíduos com infecção assintomática) os seguintes passos foram
seguidos:
4.7. Caracterização das espécies de Leishmania
4.7.1. Extração de DNA de cultura de tripanosomatídeos
As formas promastigotas isoladas foram mantidas em cultura até
atingirem 1x107 células/mL, sendo obtidos 10 mL de cultura para extração de
DNA. Esse volume foi centrifugado a 3.500 rpm, por 10 minutos a 25ºC.
Desprezou-se o sobrenadante com auxilio de uma pipeta. Ressuspendeu-se o
pellet em 900 μL do tampão TELT e misturou-se por inversão. Adicionou-se
900 μL de fenol/clorofórmio na proporção de 1:1, em seguida retirou-se a fase
superior do fenol. O material foi homogeneizado por 5 minutos. Uma nova
centrifugação foi realizada por 20 minutos a 4.500 rpm a 25ºC. Transferiu-se o
sobrenadante para um novo tubo. Adcionou-se 600 μL de etanol absoluto
gelado e misturou-se vagarosamente por 5 minutos em homogeneizador e em
seguida centrifugou-se por 10 minutos a 3.000 rpm. Desprezou-se o
sobrenadante com auxilio de uma pipeta e adicionou-se 300 μL de etanol 70%
gelado. O precipitado foi resuspenso em 50 μL de TE. O DNA foi quantificado e
armazenado a -20ºC por 24 horas, após esse período foi mantido a -80ºC.
4.7.2. Amplificação das sequências do ITS1 e do gene HSP70 por PCR
Foram feitas PCRs utilizando os DNAs extraídos das culturas crescidas a
partir do sangue retirado da bolsa de sangue dos 300 voluntários. As PCRs
foram desenvolvidas na tentativa de amplificar os segmentos dos genes HSP70
(Heat shock protein 70) e ITS1 (Internal Transcribed Spacer) presentes em
parasitos do gênero Leishmania.
As reações de amplificação da região intergênica (ITS1) foram realizadas
em volume final de 50 μL, contendo 19,05 μL de água bidestilada estéril, 25
pmoles de cada primer (Tabela 3), 0,2 mM de cada dNTP, 1,5 mM de MgCl2,
2,5 μL de buffer 10 x, 0,2 μL (1U) de Taq DNA polimerase (Invitrogen®) e 1 μL
de cada DNA extraído.
Jethe N. de O. Filho Página 42
O controle positivo foi realizado com amostras de DNA extraídas de
cultura de L. infantum e o controle negativo, com água bidestilada estéril. A
amplificação foi realizada em termociclador automático (Applied Biosystems
GeneAmp PCR System 2400). As amostras foram inicialmente desnaturadas a
95 °C por 2 minutos, seguido por 34 ciclos constituídos de desnaturação a
95ºC por 20 s, anelamento a 53°C por 30 s e extensão a 72°C por 1 minutos. A
extensão final foi 72 °C por 6 minutos (144).
Tabela 3. Primers usados na PCR
Genes Primers Sequências
ITS1 LITSR 5' CTG GAT CAT TTT CCG ATG 3'
ITS1 L5.8S 5' TGA TAC CAC TTA TCG CAC TT 3'
Heat Shock Protein HSP70F 5' GAC GGT GCC TGC CTA CTT CAA 3'
Heat Shock Protein HSP70R 5' CCG CCC ATG CTC TGG TAC ATC 3'
A amplificação do gene HSP70 foi realizada em uma solução de 50 µL
contendo tampão com a Taq polimerase, 1,5 mM MgCl2, uma concentração de
200 µM de cada desoxinucleósido trifosfato, 5% de dimetilsulfóxido (DMSO), 20
pmol de primers, e 2,5 U de Taq DNA polimerase (Eurogentec). A amplificação
foi realizada iniciando-se a 94°C durante 5 minutos, seguido por 33 ciclos, cada
um consistindo de 30 s, a 94°C, 1 minuto a 61°C, e 3 minutos a 72°C, e um
passo de extensão final de 10 minutos a 72°C (145).
Os produtos obtidos das PCRs foram analisados por meio de eletroforese
em cuba horizontal (80 v por 60 min) em gel de agarose a 1,5%, diluído em
tampão TBE, corado com brometo de etídio e utilizando-se marcador de peso
molecular de 100 pb. As bandas de DNA separadas por meio de eletroforese
foram visualizadas em transiluminador de luz ultravioleta e fotografadas. Para
os primers utilizados, espera-se visualizar bandas em aproximadamente 120
pb.
4.7.3. Sequenciamento
A identificação das cepas circulantes foi determinada por PCR-
sequenciamento utilizando primers específicos para genes HSP70 (fw: 5' GAC
Jethe N. de O. Filho Página 43
GGT GCC TGC CTA CTT CAA 3' rev: 5' CCG CCC ATG CTC TGG TAC ATC
3') e ITS1 (5' CTG GAT CAT TTT CCG ATG 3' e 5' TGA TAC CAC TTA TCG
CAC TT 3'), estes primers permitem a identificação de espécies de Leishmania
a partir de DNA proveniente de cultura e amostras biológicas. Os produtos de
PCR foram purificados e submetidos à separação no analisador genético ABI
3100 Avant (Applied Biosystems).
4.7.4. Isoenzimas
Os isolados de Leishmania também foram identificados pelo padrão de
isoenzimas em laboratório de referência da Organização Mundial de Saúde. A
tipagem dos isolados foi realizada no Laboratório de Leishmaniose da
Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro conforme descrito por Cupolillo
(146).
4.8. Prevalência da infecção por Leishmania em amostras de sangue total de
doadores sem sinais de infecção
No período de dezembro de 2011 a fevereiro de 2012 foram convidados a
participar do estudo 144 doadores, no qual foram extraídos 5 mL de sangue
total para ser realizada a PCR quantitativa a fim de se investigar a prevalência
de infecção assintomática dentre a população de doadores que chega ao
HEMONORTE para realizar doação de sangue.
4.9. Análise Estatística
A amostra de doadores selecionada para teste foi de 300 doadores, cujo
objetivo foi testar a hipótese de que os ensaios imunológicos para T. cruzi
realizados em banco de sangue no Rio Grande do Norte identificam também
infecção por Leishmania infantum. O cálculo amostral foi baseado no
conhecimento de que a taxa de infecção para Leishmania é de 32% (23) e em
torno de 0,5% (147) para T. cruzi em áreas focais do Rio Grande do Norte.
O cálculo do erro limite foi feito do seguinte modo:
= 1.96. 0.021.
Jethe N. de O. Filho Página 44
Então, o erro limite relativo é de , aceitável, indica que a
amostra selecionada é robusta e pode responder as questões de reatividade
cruzada.
Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando o software
SPSS (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os resultados foram considerados
significativos quando o valor de p for menor ou igual a 0,05 (p <0,05).
Jethe N. de O. Filho Página 45
5. RESULTADOS
5.1. Características da amostra estudada
No ano de 2011 o total de doações de sangue no estado do Rio Grande
do Norte foi de 46.624 doações, sendo 33.638 doações em Natal, 7.126 em
Mossoró e 6.000 doações nos municípios de Pau dos Ferros, Caicó e Currais
novos juntos (Figura 7). Dentre os doadores, 74% eram do sexo masculino.
Quanto à naturalidade, observou-se que o maior percentual (26,0%) é de Natal,
seguido por Mossoró (5,3%) e Santo Antônio (2.0%). Quanto ao município de
residência, (38,7%) residem em Natal, (14,7%) residem em Mossoró e (8,7%)
em Parnamirim, ou seja, 62% são provenientes das três maiores cidades do
estado.
Doações de Sangue
0
10000
20000
30000
40000
Natal
Mossoró
Pau dos Ferros
Caicó
Currais Novos
Municípios
Nú
me
ro d
e In
div
ídu
os
Figura 7: População de doadores de sangue. Número absoluto de doações de sangue realizadas em cada um dos cinco municípios coletores no ano de 2011. Fonte: Hemonorte RN, Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Norte.
Jethe N. de O. Filho Página 46
5.2. Resultados da triagem sorológica primária (ELISA) para detecção de
infecção por T. cruzi e demais parasitas trasmissíveis via transfusional
O sangue doado no banco de sangue passou por triagem sorológica
(ELISA) para detecção de infecção por HIV, Treponema pallidum (Sífilis),
Hepatite B e C, HTLV e Trypanosoma cruzi. Conforme pode ser observado
(Tabela 4), 1108 (2,4%) de todas as doações de sangue no ano de 2011 foram
expurgadas devido a resultados positivos em algum dos testes sorológicos.
Desse total de bolsas reativas, 899 (80%) foram doações realizadas no
HEMONORTE de Natal. Dentre a população de 46.624 doadores de sangue
em 2011, 77 doadores foram reativos no ELISA para Chagas e, portanto, a
prevalência de infecção por T. cruzi foi de 0.17%. Destes 77 doadores, 49
(63%) doaram sangue na unidade de Natal e 22 (28%) doaram em Mossoró,
porém apenas 61 dos 77 doadores entraram para o estudo.
A amostra pretendida de 300 voluntários (Grupo 1) foi pesquisada para
determinar o percentual de infecção por T. cruzi e quanto desse percentual
corresponde a resultado falso-positivo devido real infecção por L. infantum,
caracterizando a reatividade cruzada. Dentre as 300 bolsas de sangue
avaliadas, 61 (21%) foram descartadas por serem reativas no teste de Chagas,
203 (67%) foram reativas em algum outro teste (porém negativas para
Chagas), e 36 (12%) foram expurgadas do banco de sangue por motivo de
baixo volume mesmo sendo negativas na sorologia. No que concerne às
características dos doadores de sangue como idade e sexo, verificou-se que na
amostra de 300 doadores a média da idade foi de 36 anos, e 74% dos
voluntários eram do sexo masculino. Também, foi possível relacionar essas
variáveis ao motivo da exclusão da doação (Tabela 5).
Jethe N. de O. Filho Página 47
Tabela 4: Prevalência de infecções detectadas através de exames de rotina de doações de sangue no estado do Rio Grande do Norte em 2011, agrupados por cidade de doação de sangue. Valores indicando o número total de doações em cada categoria, seguido pelo percentual do total ou percentual de doações infectadas em parênteses.
Cidade Natal Mossoró Caicó Pau dos Ferros
Currais Novos
Total, n (%)
Total de doações de sangue
33638 7126 2218 2220 1422 46624
Doações de sangue
reativas no exame
sorológico ELISA
Anti-HBc 306 68 5 8 3 390 (0.84)
HIVS PS 136 24 1 13 3 181 (0.38)
HCV 127 34 3 10 7 177 (0.37)
VDRL 132 30 0 8 0 170 (0.36)
Chagas 49 22 2 3 1 77 (0.17)
HIV REC 91 0 0 0 0 91 (0.19)
HTLV1 29 13 20 1 0 63 (0.13)
HBsAg 29 5 15 1 0 50 (0.10)
Número total de amostras de sangue reativas na triagem
primária, n (%)
899 (2.7) 196 (2.8) 46 (2.1) 44 (2.0) 14 (1.0) 1108 (2.4)
VDRL=Teste laboratorial de pesquisa de doença venérea; ELISA=ensaio imunoenzimático; HIVS PS=peptídeo sintético; HIV REC=proteína recombinante; HTLV1=tipo 1 de vírus humano T-linfotrópico; HBsAg=antígeno de superfície do vírus da hepatite B; HCV = vírus da hepatite C; HBC = IgG anti-hepatite B. Fonte: Hemonorte RN, Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Norte.
Jethe N. de O. Filho Página 48
Tabela 5: Número de doações, idade e sexo dos doadores de sangue agrupadas por motivo da rejeição da doação de sangue.
Motivo de exclusão da doação
Chagas
Chagas & HIV
Chagas & VDRL
HIV HCV HBV HTLV VDRL Baixo
Volume TOTAL
Número doações
56 2 3 59 21 80 4 39 36 300
Idade (ano +/- DP)
35.8 +/- 10.3
40.9 +/- 15.2
40.3 +/- 11.8
34.1 +/- 9.9
32.5 +/- 11.0
36.2 +/- 10.1
37.2 +/- 9.2
36.0 +/- 8.4
35.7 +/- 10.2
35.8 +/- 10.3
Masculino n (%)
40 (71) 2 (100) 2 (67) 47 (80) 14 (67) 58 (73) 3 (75) 31 (79) 26 (72) 223 (74)
DP=Desvio Padrão; VDRL=Teste Laboratorial de Pesquisa de Doença Venérea; ELISA=Ensaio Imunoenzimático; HIVS PS=Peptídeo Sintético; HIV REC=Proteína Recombinante; HTLV1=Tipo 1 de Vírus Humano T-linfotrópico; HBsAg=Antígeno de Superfície do Vírus da Hepatite B; HCV=Vírus da Hepatite C; HBC = IgG anti-Hepatite B.
Jethe N. de O. Filho Página 49
Também, foi possível estimar a prevalência de cada infecção na
população de 46.624 doadores de sangue, cujos padõres apresentados são
particulares de acordo com a região (municípios) onde foram realizadas as
coletas de sangue. Quando agrupamos os cinco municípios de acordo com
cada infecção (HIV, HBV, HCV, Chagas, sífilis-VDRL e HTLV) fica possível
visualizar qual infecção tem maior prevalência em cada região. Deste modo,
Mossoró apresentou aproximadamente 0,3% de infecção por T. cruzi enquanto
que Natal esse valor foi aproximado de 1,8% (Figura 8).
0.0%
0.2%
0.4%
0.6%
0.8%
1.0%
1.2%
VDRL
CHAGAS (elisa 1)
HIV
S P
S
HIV
REC
HTLV
1
HBSAG
HCV
HBC
Infecção
%
Natal Caicó Mossoró Pau dos Ferros Currais Novos
Figura 8: Prevalência de Infecção. O gráfico traz uma estimativa da prevalência (%)
de infecções em doadores, segundo o município onde o sangue foi doado. Os cinco
municípios foram representadoogdops por cores distintas: azul (Natal), roxo (Caicó),
amarelo (Mossoró), verde (Pau dos Ferros) e violeta (Currais Novos).
5.3. Reação de Imunofluorescência Indireta
As amostras que se apresentaram positivas no ELISA para T. cruzi (n=61)
foram submetidas a avaliação pela RIFI, ensaio empregado para confirmação
da infecção por T. cruzi no HEMONORTE. Dos 61 indivíduos Chagas-positivos,
um total de 25 (40%) soros foram positivos na RIFI e 36 (60%) negativos
(Figura 9).
Jethe N. de O. Filho Página 50
Deste modo, os resultados mostraram que a maioria dos sujeitos que
recebem resultado positivo para Chagas no ELISA foram negativados na RIFI,
o que caracteriza resultado falso-positivos para Chagas. Ainda assim, todo
doador que recebe um resultado positivo no banco de sangue é encaminhado
para um centro referência em doenças infecto-contagiosas para realização de
exames mais criteriosos.
Chagas+
RIFI+ RIFI-0
10
20
30
40
Figura 9: Teste RIFI. O gráfico mostra em números absolutos os resultados do teste RIFI com os soropositivos no ELISA para T. cruzi (n=61). RIFI+ (doadores positivos na RIFI); RIFI- (doadores negativos na RIFI). 5.4. Diagnóstico sorológico da infecção por Leishmania
Com o objetivo de verificar ocorrência de reação cruzada nos exames
sorológicos entre T. cruzi e L. infantum, a mesma amostra que foi testada para
Chagas (n=300) pelo ELISA, foi também testada para detecção de anticorpo
anti-Leishmania usando SLA como antígeno. Os dados apontaram um total de
67 (22%) soropositivos no ELISA para Leishmania dentre a amostra de 300
doadores.
Jethe N. de O. Filho Página 51
Contudo, dividindo a amostra em Chagas-positivos ou Chagas+ (n=61) e
Chagas-negativos ou Chagas- (n=239), observamos que dentre os doadores
Chagas+, 40 (65%) foram positivos no ELISA usando SLA como antígeno,
enquanto que 21 (35%) foram negativos no SLA. Em contrapartida, dentre os
doadores Chagas-, 29 (12%) foram positivos no SLA, e 210 (88%) negativos no
mesmo teste. Ao cruzarmos os dados da sorologia para T. cruzi com os dados
da sorologia para L. infantum, podemos inferir que quando o doador é
Chagas+, a chance de ele ser positivo no ELISA para Leishmania é elevada se
comparado com os doadores Chagas- (Figura 10), ou seja, um resultado
positivo para Chagas não significa necessariamente infecção por T. cruzi,
sendo necessário mais exames para se comprovar a etiologia da infecção.
Estes resultados sugerem que ocorre reação cruzada nos diagnósticos
sorológicos que identificam infecção por T. cruzi e L. infantum em doadores de
sangue, não descartando a possibilidade de coinfecção. Foi aplicado o teste
Mann Whitney e os resultados foram considerados significativos com P<0.0001.
ELISA Chagas(+)
SLA+ SLA-0.0
0.5
1.0
1.5
2.0
***
Cut-off
ELISA Leishmania
De
ns
ida
de
Óti
ca
ELISA Chagas(-)
SLA+ SLA-0.0
0.5
1.0
1.5
Cut-off
***
ELISA Leishmania
De
ns
ida
de
Óti
ca
Figura 10: ELISA: T. cruzi vs L. infantum. Resultado da sorologia para detecção de anticorpo anti-Leishmania usando SLA como antígeno em testes com doadores Chagas-positivos e Chagas-negativos. ***P<0.0001. Cut-off = 0,2.
Jethe N. de O. Filho Página 52
5.5. Resultados da RIFI vs ELISA para Leishmania
Os resultados para o ELISA-SLA realizado com os doadores negativos no
teste confirmatório para Chagas (RIFI) demonstraram que dos 36 doadores
negativos na RIFI, 26 (72%) foram positivos no ELISA-SLA. Deste modo, os
dados sugerem que os antígenos usados no ELISA-Chagas reagem com os
anticorpos anti-Leishmania, configurando a reatividade cruzada (Figura 11). O
teste Mann Whitney foi aplicado sendo os resultados significativos com
P<0.0001.
RIFI (-)
SLA+ SLA-0.0
0.5
1.0
1.5
***
Cut-off
ELISA Leishmania
De
ns
ida
de
Óti
ca
Figura 11: Resultados dos testes com doadores RIFI-negativos distribuídos segundo o resultado da sorologia que detecta anticorpo anti-Leishmania circulante no soro. ***P<0.0001. Cut-off = 0,2.
5.6. Detecção de DNA de Leishmania no sangue periférico dos doadores
de sangue
5.5.1. Prevalência da infecção por Leishmania por métodos moleculares e
cultura.
Jethe N. de O. Filho Página 53
Sabendo que MAG1 (MSP associated gene 1) é um gene nuclear
presente somente em Leishmania, os resultados da qPCR apontam que em
doadores de sangue com cultura positiva o produto foi amplificado em um ciclo
onde a reação cruza o limiar de detecção (cycle threshold) ou Ct mais baixo,
sugerindo que tais doadores são positivos para Leishmania (Figura 12).
Da mesma forma, os dados obtidos da qPCR quando os doadores de
sangue são positivos ou negativos pelo ELISA para Chagas estão de acordo
com o esperado, visto que aproximadamente 14 indivíduos (positivos para
Chagas) foram positivos para Leishmania segundo os marcadores MAG1 e
KDNA7, e 4 indivíduos (negativos para Chagas) foram positivos usando os
mesmos marcadores (Figura 13).
Figura 12: Doadores segundo os marcadores MAG1 Ct e kDNA7 Ct, Positivos ou Negativos pela Cultura Leish. Veja que a chance de ser positivo aumenta com a redução de MAG1 Ct.
Jethe N. de O. Filho Página 54
Figura 13: Doadores segundo os marcadores Mag1 Ct e kDNA7 Ct, Positivos ou Negativos pelo ELISA para Chagas.
5.7. Cultura de Leishmania
Do total de 300 culturas realizadas para isolamento de Leishmania, 18
foram positivas, sendo 14 (22,9%) positivas na sorologia para T. cruzi e 4
(1.6%) negativas no mesmo teste. Como já esperado, a mesma configuração
ocorre quando cruzamos os resultados do ELISA para Leishmania, onde 13
culturas positivas (72%) foram positivas no teste sorológico e apenas 5 culturas
positivas (28%) tiveram resultado negativo no mesmo teste.
Percebe-se que aproximadamente 75% dos indivíduos com cultura
positiva são T. cruzi-positivos. O contrário ocorre para a cultura negativa
(Figura 14). A mesma configuração ocorre com o SLA (Figura 15). Deste modo,
é possível inferir que quando o resultado da sorologia para T. cruzi é positivo a
chance de a cultura ser positiva é maior se comparado quando T. cruzi é
negativo.
Jethe N. de O. Filho Página 55
Figura 14: Distribuição da sorologia relativa (Resposta/Cutoff) para T. cruzi, segundo a positividade da cultura de Leishmania.
Figura 15: Distribuição da sorologia relativa (Resposta/Cutoff) para Leishmania (SLA), segundo a positividade da cultura de Leishmania.
Jethe N. de O. Filho Página 56
5.8. Caracterização das cepas de Leishmania por PCR, sequenciamento e
Isoenzimas
As 18 culturas de tripanosomatídeos foam submetidas a PCR-
sequenciamento para determinar se o DNA extraído continha o gene HSP70 e
a região ITS1, sequências essas específicas do gênero Leishmania. A figura do
gel mostra que ocorreu a amplificação dos segmentos nucleotídicos alvos,
sendo possível observar bandas fortemente coradas com 300pb na altura do
controle positivo correspondente à região ITS1 na foto do gel de agarose
(Figura 16). O mesmo pode ser observado na PCR para o gene HSP70 (Figura
17). A espécie de Leishmania presente nas culturas foi também confirmada por
sequenciamento dos produtos amplificados, onde foi possível visualizar o
alinhamento destes com uma sequência nucleotídica específica de L. infantum.
Tal alinhamento sugere que 100% das amostras de DNA extraídas das culturas
são de parasitos da espécie L. infantum (Figura 18).
Figura 16: Amplificações da região ITS1 em amostras de Leishmania obtidas em meio de cultura. Linha M: Marcador de peso molecular 100 pb; Linha 1 – 15: Amostras de cultura; Linha B: Branco; Linha CP: Controle Positivo de Leishmania infantum. Fabricante do marcador de peso molecular: Bioline HyperLadder IV.
Jethe N. de O. Filho Página 57
Figura 17 - Amplificações da região HSP70 em amostras de Leishmania obtidas em cultura. Linha M: Marcador de peso molecular 200 pb; Linha 1 – 3: Amostras de cultura; Linha B: Branco; Linha CP: controle positivo de Leishmania infantum.
Os isolados de Leishmania também foram identificados pelo padrão de
isoenzimas no Laboratório de Leishmaniose da Fundação Oswaldo Cruz. De
acordo com a eletroforese de isoenzimas, 100% das culturas eram de L.
infantum. Todavia, os resultados de todos os testes que identificam infecção
por Leishmania podem ser obervados separadamente de acordo com a causa
da exclusão da bolsa no banco de sangue. Notavelmente, quando o motivo da
exclusão é devido sorologia positiva para Chagas, os testes que definem
infecção por Leishmania tem um elevado grau de positividade quando
comparado com outros motivos para expurgo da bolsa de sangue (Tabela 6).
Jethe N. de O. Filho Página 58
Figura 18: Alinhamento entre as sequências nucleotídicas de L. infantum e produto amplificado de PCR. (-) GAP, (.) nucleotídeo idêntico, amostra 25 a 33 = sequência nucleotídica do produto de PCR amplificado (amostras de cultura).
Jethe N. de O. Filho Página 59
Tabela 6: Avaliação das bolsas de sangue para identificação de infecção por T. cruzi e Leishmania utilizando os diferentes métodos de diagnóstico.
Motivo da exclusão da doação
Chagas ELISA (n=56)
Chagas ELISA & HIV (n=2)
Chagas ELISA
& VDRL (n=3)
HIV (n=59)
HCV (n=21)
HBV (n=80)
HTLV (n=4)
VDRL (n=39)
Baixo volume (n=36)
Total (n=300)
Testes
ELISA-L. infantum, n
36 1 1 7 4 8 1 1 8 67
Leishmania Culture
13 0 1 0 0 0 0 0 4 18
Mag1 PCR, 17 0 0 2 0 2 0 2 5 28
kDNA7 PCR, 46 2 3 50 16 62 3 30 28 240
RIFI = Reação de Imunofluorescência Indireta; RIPA = radioimunoprecipitação ensaio; ELISA = ensaio imunoenzimático.
Jethe N. de O. Filho Página 60
6. DISCUSSÃO
A existência de infecções assintomáticas por T. cruzi e L. infantum,
associada a um período subclínico, no qual o parasita pode já estar circulante
no sangue a uma densidade muito baixa, tem sido a causa principal da
transmissão através do sangue. Em cães, infecções por Leishmania
transmitidas por transfusão foram confirmadas (79, 80) e os ensaios
experimentais com hamsters provaram que todos os produtos derivados do
sangue são infecciosos (82, 83). Os resultados obtidos pelos métodos
imunológico, parasitológico e molecular neste estudo indicam que a prevalência
de infecção assintomática por Leishmania em doadores de sangue do Estado
do Rio Grande do Norte é elevado, o que está de acordo com um estudo
anterior realizado em doadores de sangue em Ibiza e nas ilhas Baleares (60,
75) na Espanha, e com outras descobertas sobre indivíduos assintomáticos da
área do Mediterrâneo (148, 149) e Nordeste do Brasil (8, 68, 74, 85).
A falta de um método com elevada sensibilidade/especificidade e
confiável para a detecção de T. cruzi críptico dificulta a determinação da
extensão da forma assintomática da infecção. Tradicionalmente, a triagem para
a infecção assintomática por T. cruzi nos bancos de sangue tem sido realizada
por métodos imunológicos (ELISA e RIFI).
No Estado do Rio Grande do Norte, esses dois ensaios são realizados
nas principais unidades de coleta de sangue. Comparando-se a positividade
para doença de Chagas em doadores de sangue no Brasil, nosso resultado
(0,17%) foi superior ao observado em Ribeirão Preto, São Paulo (0,14%) (150).
No entanto, a prevalência de infecção neste estudo foi inferior ao observado no
Estado da Bahia (0,35%), Rio Grande do Sul (0,47%), Rio de Janeiro (1,2%) e
Paraná (1,3%) (151-154). Esse dado demonstra claramente que, comparado a
outros Estados, a incidência de soropositividade de doença de Chagas no Rio
Grande do Norte é menor. Esta baixa prevalência provavelmente se deve ao
eficiente trabalho de combate aos triatomíneos, que culminou na eliminação do
Triatoma infestans (155), pondo em evidência outras formas de transmissão da
infecção por T. cruzi: transmissão acidental pela alimentação, congênita,
transplantes de órgãos e sangue e por acidentes em laboratório.
Jethe N. de O. Filho Página 61
Entretanto, a prevalência de infecção por L. infantum na população do Rio
Grande do Norte é elevada, apontando como um dos estados brasileiros de
grande importância na epidemiologia da leishmaniose visceral. Deste modo, o
atual estudo deu o primeiro passo para conhecermos o cenário do Rio Grande
do Norte quanto à prevalência de infecção por L. infantum entre a população de
doadores de sangue.
Sabe-se que o percentual de infecção depende do teste sorológico
empregado. No presente estudo, a sorologia utilizada para Leishmania foi o
ELISA com SLA como antígeno, e o percentual de infecção na amostra de 300
pessoas foi de 22%, superior à prevalência de infecção encontrada no
Maranhão de 19,4% usando também o ELISA (28). Em um estudo onde se
testou 1604 pessoas de Sabará/ MG, foi encontrado de 2,4% a 5,6% de
prevalência de infecção empregando diferentes testes laboratoriais (156, 157).
Observando a literatura, vemos que a reatividade das amostras de soros
de pessoas portadores de Leishmania com polipeptídeos de T. cruzi é
considerada um produto de estimulação específica, com base na presença de
epítopos comuns a ambos parasitos (158). Semelhanças antigênicas são bem
documentadas entre esses microrganismos e podem confundir o diagnóstico
(159, 160). Neste estudo, foi possível observar que a chance de o exame
sorológico para Leishmania ser positivo é grande quando o resultado da
sorologia para T. cruzi é positivo. Porém, quando o teste para T. cruzi é
negativo, o número de resultados positivos para Leishmania decresce. Além
disso, 60% dos doadores que tiveram triagem positiva para Chagas no ELISA
foram negativos quando foi realizado a RIFI como teste confirmatório,
caracterizando resultados falso-positivos. Também, dentre os indivíduos que
tiveram o teste RIFI confirmatório negativo, aproximadamente 67% são
positivos para o SLA no ELISA e 25% positivos na cultura de Leishmania,
configurando reação cruzada, conforme foi observado em outros estudos (161,
162). Desta forma, a ocorrência de reação cruzada entre os testes sorológicos
que definem infecção por T. cruzi e L. infantum contribui significativamente para
a diminuição do risco de infecção através da transfusão sanguínea, visto que o
canditato à doação de sangue portador de infecção por Leishmania é impedido
de doar seu sangue em virtude da detecção de IgG anti-Leishmania circulante
em um teste proposto para detectar IgG anti-Trypanossoma. Porém, ainda que
Jethe N. de O. Filho Página 62
uma parcela dos indivíduos portadores de infecção por L. infantum seja
identificada no teste de Chagas, nosso estudo mostrou também que isso não
ocorre em 100% dos casos visto que das 18 culturas isoladas de Leishmania, 4
(22%) culturas não apresentaram resposta de anticorpo em nenhum dos testes
aplicados no banco de sangue e apenas 2 culturas foram positivas no ELISA
usando o SLA como antígeno, ou seja, o risco de infecção por Leishmania
através da transfusão sanguínea no Rio Grande do Norte é real. Nosso
resultado é concordante com o observado em estudos anteriores em áreas
endêmicas, onde se sugere ser possível a existência de DNA de Leishmania
circulante no sangue de pessoas aparentemente saudáveis, não sendo
detectável uma resposta imune humoral (55, 84, 85). A falta de anticorpo
durante a infecção assintomática também foi observada em cães infectados por
L. infantum (86, 87).
As 18 culturas isoladas dos doadores de sangue foram caracterizadas
como sendo da espécie L. infantum. Este dado é confirmado pela distribuição
epidemiológica das espécies de Leishmania e suas áreas endêmicas, como é o
caso do Rio Grande do Norte que apresenta baixa incidência de leishmaniose
tegumentar visto que são poucos os casos notificados de pacientes portadores
do parasita Leishmania brasiliensis notificados quando comparados com os
casos confirmados de indivíduos infectados por L. infantum. Isso se deve em
parte a distribuição dos insetos flebotomíneos vetores nas áreas urbanas do
Rio Grande do Norte, que apresenta uma elevada representatividade
populacional do inseto Lutzomya longipalpis, vetor da leishmaniose visceral, e
poucos insetos capturados da espécie Lutzomyia whitimani ou L. intermedia
vetores potenciais de Leishmania braziliensis (22, 163, 164). Porém, no
presente estudo, os dados de distribuição das populações de flebotomíneos
servem apenas para nortear a epidemiologia dos parasitos Leishmania no Rio
Grande do Norte, visto que o objeto deste estudo foi a via de transmissão
transfusional e não vetorial.
Assim, a ocorrência de parasitemia de Leishmania em pessoas sem
história de LV, pode estar relacionada a formas de transmissão que não
dependam da presença do vetor, como a transfussão sanguínea.
Jethe N. de O. Filho Página 63
As culturas foram isoladas a partir da camada leucoplaquetária, ou seja,
a amastigota foi a forma encontrada nas amostras de sangue dos doadores. A
presença de parasitas livre nos produtos de sangue pode estar relacionada ao
rompimento de monócitos durante fracionamento de sangue e leucodepleção e
pode representar um risco potencial de transmissão adicional via transfusão
(165-168).
Contudo, até o presente momento, os relatos que sugerem transmissão
transfusional de Leishmania não foram confirmados, e em nenhum caso foi
identificado o doador que transmitiu a infecção (6, 67, 69, 169-171).
Na região Nordeste, onde a prevalência de soropositividade para
Leishmania é alta e, do mesmo modo, onde é elevada a densidade de
potenciais doadores assintomáticos, a transmissão de infecção por Leishmania
via transfusão com posterior desenvolvimento da doença, que ocorre dentro de
alguns meses após uma transfusão, não foi documentada. O presente estudo
mostra que o rastreio sistemático para o descarte de bolsas de sangue de
doadores positivos para Leishmania diminuiria o fornecimento de sangue em
nossa região em 22%, o que certamente implicaria em uma considerável
redução na quantidade de bolsas disponíveis para transfusão. Até aqui,
nenhum teste em grande escala barato e prático para rastreio de doadores de
sangue foi disponibilizado.
Mediante os resultados, se torna necessária a discussão de implicações
técnicas e éticas, uma vez que, embora a legislação não determine que a
leishmaniose visceral deva ser testada em bancos de sangue, o conhecimento
de uma sorologia positiva impõe aos técnicos a exclusão desta bolsa. Diante
da situação atual de expansão da leishmaniose e a ineficácia no controle da
doença, cabe questionar e implementar pesquisas que respondam de maneira
consistente sobre o potencial risco de transmissão transfusional em áreas
endêmicas. A legislação atual da hemoterapia Brasileira (172 ) trata de maneira
genérica, no item B 5.2.6, sobre as doenças infecciosas transmissíveis pelo
sangue e considera inaptos permanentes os candidatos à doação que já
tiveram história de LV.
Nossos resultados apontam para a necessidade de aprimoramento no
uso das ferramentas diagnósticas disponíveis, bem como padronização de
Jethe N. de O. Filho Página 64
ensaios que garantam maior seguridade aos indivíduos que necessitam dos
serviços dos bancos de sangue.
Ficou evidente, também, em nosso estudo, que o teste empregado nos
bancos de sangue para detecção de indivíduos infectados por T. cruzi, tem
contribuído, mesmo que indiretamente, para a identificação de indivíduos
infectados por L. infantum, visto que o estado do Rio Grande do Norte é área
endêmica de LV. Porém, faz-se necessário o emprego de um teste específico
para a leishmaniose visceral nos bancos de sangue de áreas consideradas
endêmicas no Brasil. Finalmente, métodos moleculares, com aqui
demonstrados são eficientes em identificar a presença de Leishmania
circulantes em sangue e, portanto, deveriam ser considerados para
implementação em áreas endêmicas para leishmaniose visceral.
.
Jethe N. de O. Filho Página 65
7. CONCLUSÃO
A prevalência de infecção assintomática por L. infantum entre a população de doadores foi de 22,9%;
Ensaios imunoenzimáticos para detecção de anticorpo anti-T. cruzi apresentam reação cruzada com L. infantum, contribuindo para reduzir o risco de infecção por Leishmania via transfusão sanguínea.
Leishmania infantum foi a única espécie de Leishmania encontrada;
A combinação de métodos moleculares e imunológicos podem estimar parasitemia;
É necessária a realização de exames confirmatórios adicionais das pessoas que foram identificadas positivas para infecção por T. cruzi, seja por ELISA ou RIFI, em áreas geográficas onde há sobreposição de áreas endêmicas para Doenças de Chagas e Leishmanioses.
Jethe N. de O. Filho Página 66
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