UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO MARIANA … · 2020-04-15 · 1...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
MARIANA PASSOS RAMALHETE
A LEITURA LITERÁRIA EM PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DO INÍCIO DO
SÉCULO XXI (2001-2018): O TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE
Vitória
2019
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MARIANA PASSOS RAMALHETE
A LEITURA LITERÁRIA EM PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DO INÍCIO DO
SÉCULO XXI (2001-2018): O TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de
Educação da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutora em Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cleonara Maria
Schwartz.
Vitória
2019
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DEDICATÓRIA
Para meus pais, Glória Passos e Luiz
Ramalhete: cobertores, ombros e amores,
nos dias frios, nos dias todos.
Para Robson, com todo amor e gratidão,
porque não poderia ser diferente. A esse
grande ser humano, a quem amar e mudar
as coisas lhe interessa mais.
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AGRADECIMENTOS
Minha mãe Glória, quando eu era pequena, quando saía comigo e com minhas irmãs,
Marina e Luiza, para irmos à “cidade” (Centro de Vitória), sempre que passávamos em
frente à Ufes, de dentro do ônibus, ela dizia: “um dia vocês vão estudar aí!”. E apontava
para o campus. A cena se repetiu anos após anos, até que a “profecia de minha mãe” fosse
triplamente cumprida.
Entre graduações, eventos, cursos de aperfeiçoamento, mestrado e doutorado, eu estou na
Ufes há 15 anos. E é da professora Claudia Gontijo, uma frase que me marcou muito, a
respeito da nossa função enquanto professoras/es. Ela disse mais ou menos assim: nós
temos a obrigação de zelar por uma educação pública, de qualidade, para sermos
coerentes com a classe que mantém esta instituição de pé, apesar de grande parte dessa
mesma classe não ter acesso a ela (universidade).
Eu sempre penso quais seriam as chances de gente igual a mim, filha da classe
trabalhadora, teria, se quisesse permanecer em uma universidade federal por tanto tempo
e ter acesso uma formação sólida, consistente e de qualidade, se as vagas não fossem
expandidas e, sobretudo, se a instituição não fosse pública e gratuita. Sendo assim, meus
agradecimentos são direcionados a esta instituição que me acolheu, um espaço que me
ajuda a ser o que sou, a pensar nos outros, no mundo, na minha pequenez, dia após dia.
A Ufes, minha imensa gratidão.
Agradeço também, e muitíssimo, a minha amada família Ramalhete: Glória, Luiz,
Marina, Luiza e Matias. A meus pais pelo incentivo, pelo altruísmo, pelo esforço amiúde,
pelo zelo e amor. As minhas irmãs, pelo exemplo e amizade. A Matias, que, em seus
primeiros passos e primeiras palavras, não me deixa esquecer da poesia da vida e da luta
por mundos possíveis.
A Robson, meu amor, meu companheiro, pelas longas conversas e leituras, pelo olhar
sempre afetuoso e cúmplice, pelo café sempre quentinho, pelo zelo e pela inesgotável
utopia.
A Nola, minha querida, meu amor, pelo companheirismo em todas as etapas da escrita
desta tese, independente das horas, do lugar e das condições.
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A Samira Sten, minha amiga, minha irmã que a Ufes me permitiu conhecer, conviver e a
admirar. Minha gratidão pelo compartilhamento de risadas, de sonhos, de medos, de
lágrimas, de café. Agradeço muitíssimo a essa pessoa que tantas vezes ficou absorta em
nossos encontros. Porque se perde nas horas, lendo.
A minha amiga Tatiana Moreira, pouso confiável, alegre e seguro, inclusive na defesa.
Às queridas Luciana Ferreira, Camille Nascimento, Jamille Ghil, Priscila Gevigi, Nanine
Passos e Larissa Molina, pela costumeira amizade e parceria.
À família Loureiro, pelo imenso acolhimento. Minha gratidão, sobretudo a Lau Silveira,
pelo exemplo de força e por toda gentileza vindo dos aromas, dos gostos, de suas mãos.
Aos professores da Emef Prezideu Amorim, sobretudo a Rosimere Rodrigues e
Aguinaldo Rocha, seres humanos incríveis que me deram a força e o tempo necessários
para estudar, quando eu mais precisei.
A Cleonara M. Schwartz, minha orientadora, com grande admiração! Obrigada pelo
exemplo, pela força, pela perspicácia e por acreditar que esta tese era imaginável e
possível.
À banca avaliadora desta tese, com especial atenção às professoras Cláudia Gontijo e Ana
Crélia Dias, pela leitura atenta, acurada e pelos poréns e sugestões que me lembram da
minha incompletude.
A Maria Amélia Dalvi, com carinho, pela sua leitura criteriosa e presente nas duas
qualificações e, agora, na tese por completo.
A Luciana Ucelli, porque tanto me incentivou e que, de onde estiver, vai ficar feliz por
mais esta conquista.
A Orlando Pessanha (in memorian) e a Dona Hilda Pessanha, hoje com 90 anos. Pelos
empréstimos e doação de livros, desde a infância.
Ao Grupo de Pesquisa Literatura e Educação pelo compromisso de juntos/as, mantermos
acesos os estudos, as práticas e a luta por uma educação literária.
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Ao Nepefil, pela cumplicidade e pela parceria nas discussões.
Ao Nepales, especialmente a Gisele De Nadai, Davi De Nadai, Ericler Gutierrez, Lara
Rosado, Nayara Santos e Janaina Antunes, pelo fornecimento de materiais de estudo e
companheirismo na leitura dos textos.
Aos profissionais do prédio pelo cuidado com cada livro meu encomendado.
Aos/as meus/minhas alunos/as e aos /as professores/as que tive ao longo da jornada, pelo
aprendizado. Sempre.
À turma 13 do Doutorado do PPGE pela parceria e pelos diálogos nestes anos.
À Capes, pela concessão da bolsa, ajuda indispensável no período inicial de estudos.
Ao Ifes, pela aprovação de 6 meses licença para estudos, período exíguo, mas
fundamental para aprofundamento da pesquisa.
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... Escolhe teu diálogo
e tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio
Dialogamos.
Carlos Drummond de Andrade
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RESUMO
Este trabalho se insere em um projeto de investigação maior, intitulado A política de
ensino da Língua Portuguesa no Brasil nos anos 2000, coordenado pela Profª. Drª.
Cleonara Maria Schwartz, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Analisa as
concepções de leitura literária referendadas pelos programas federais de formação de
professores alfabetizadores do início do século XXI, a saber: Profa (2001 a 2002), Pró-
Letramento (2005, 2008 e 2010 a 2012) e Pnaic (2012 a 2018). Categoriza-se
metodologicamente como uma pesquisa bibliográfico-documental e detém-se ao relatório
da Unesco, Educação: um tesouro a descobrir, e ao exame dos documentos dos
programas referidos. Está fundamentado no arcabouço teórico de Bakhtin e seu Círculo,
sobretudo nas obras Bakhtin (2016; 2017) e Volóchinov (2013; 2017). Privilegia as
categorias conceituais de dialogismo, enunciado e polifonia para analisar o corpus.
Pondera sobre os constructos epistemológicos do Letramento Literário e seus respectivos
desdobramentos no trabalho com a leitura literária. Defende a tese de que, ao se conceber
a leitura literária de modo reducionista e superficial, chancelada por organismos
internacionais e políticas públicas educacionais, silenciam-se os contextos ideológicos,
políticos, éticos, estéticos, históricos, culturais, próprios do texto literário. Dessa maneira,
o aparente modo lúdico e inofensivo com o qual é engendrada a leitura literária nesses
programas, mesmo que sob o epíteto de contribuição para formação de leitores/as, bem
como de rejeição ao analfabetismo, confirmam, paradoxalmente, a palidez da própria
refutação e, desse modo, colaboram para consolidar, ainda mais, a precariedade das
políticas oficiais de governo para o campo da educação brasileira.
Palavras-chave: Alfabetização; Formação de professores alfabetizadores; Leitura
Literária; Política Educacional.
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ABSTRACT
This work is part of a larger research project entitled The Portuguese Language Teaching
Policy in Brazil in the 2000s, coordinated by Professor Dr. Cleonara Maria Schwartz,
from the Federal University of Espírito Santo (Ufes). It analyzes the concepts of literary
reading endorsed by the federal literacy teacher training programs of the early 21st
century, namely: Profa (2001 to 2002), Pro-Literacy (2005, 2008 and 2010 to 2012) and
Pnaic (2012 to 2018). This is categorized methodologically as a bibliographic-
documentary research on UNESCO´s report, Education: a treasure to discover, and
examinates documents of the referred programs. It is based on the theoretical framework
of Bakhtin and his Circle, especially in Bakhtin (2016; 2017) and Volóchinov (2013;
2017). It privileges the conceptual categories of dialogism, utterance and polyphony to
analyze the research corpus. It ponders on the epistemological constructs of Literary
Literacy and their respective developments in the work with literary reading. It defends
the thesis that, when conceiving the literary reading in a reductionist and superficial way,
approved by international organisms and educational public politics, the ideological,
political, ethical, aesthetic, historical, cultural contexts, proper of the literary text, are
silenced. Thus, the seemingly playful and harmless way in which literary reading is
engendered in these programs, even if under the heading of contributing to readers’
formation, as well as rejection of illiteracy, paradoxically confirm the paleness of the
refutation itself. In this way, they collaborate to further consolidate the precariousness of
official government policies for the Brazilian education field.
Keywords: Literacy; Training of Literacy Teachers; Literary Reading; Educational
Policy.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Unesco - Educação, um tesouro a descobrir .................................................115
Figura 2 – Sumário- primeira parte - Educação, um tesouro a descobrir ......................116
Figura 3 - Sumário- segunda parte - Educação, um tesouro a descobrir .......................116
Figura 4 - Profa: capa do guia do formador, módulo1 ..................................................122
Figura 5- Profa: capa do guia do formador, módulo 2 ..................................................123
Figura 6 - Profa: capa do guia do formador, módulo 3 .................................................124
Figura 7 - Pró-Letramento: capa do material de Alfabetização e Linguagem...............137
Figura 8 - Pró-Letramento: autoria dos fascículos .......................................................138
Figura 9 - Capa do Caderno de Apresentação do Pnaic ................................................149
Figura 10 - Caderno do Pnaic - Ano 1, Unidade 1 ........................................................152
Figura 11 - Caderno do Pnaic - Ano 1, Unidade 8 ........................................................153
Figura 12 - Caderno do Pnaic - Ano 2, Unidade 1 ........................................................155
Figura 13 - Caderno do Pnaic - Ano 2, Unidade 8 ........................................................157
Figura 14 - Caderno do Pnaic - Ano 3, Unidade 1 ........................................................158
Figura 15 - Caderno do Pnaic - Ano 3, Unidade 8 ........................................................160
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LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre concepções de leitura e sobre
leitura literária..................................................................................................................34
Quadro 2 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre programas governamentais de
formação de professores/as alfabetizadores/as ................................................................45
Quadro 3 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre leitura deleite.....................57
Quadro 4 - Profa: finalidades do texto literário .............................................................125
Quadro 5 - Profa: Síntese das Recorrências de "Ler Para..." .........................................126
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LISTA DE SIGLAS
Anped – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
BNCC - Base Nacional Comum Curricular
Ceale - Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
ES – Espírito Santo
FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
GFM1 – Guia do Formador, Módulo 1
GFM2 – Guia do Formador, Módulo 2
GFM3 – Guia do Formador, Módulo 3
MEC – Ministério da Educação
PCN’s Parâmetros Curriculares Nacionais
Pnaic - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
PNA - Política Nacional de Alfabetização
PNE - Plano Nacional de Educação
PNBE - Programa Nacional Biblioteca da Escola
PNLD - Programa Nacional do Livro Didático
PNLL - Plano Nacional do Livro e Leitura
PPE - Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe
Praler - Programa de Apoio à Leitura e Escrita
Profa - Programa de Formação de Professores Alfabetizadores
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Proler - Programa Nacional de Incentivo à Leitura
Unicamp - Universidade Estadual de Campinas
UEPG - Universidade Estadual de Ponta Grossa
Ufal- Universidade Federal de Alagoas
Ufes – Universidade Federal do Espírito Santo
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco
UNB - Universidade de Brasília
Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Unioeste - Universidade Estadual do Oeste do Paraná
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SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................... 16
1. A EMERGÊNCIA DO TEMA DE ESTUDO: LEITURA, QUESTÕES,
CONFLITOS E RESSONÂNCIAS .............................................................................. 23
2. ENTRE O SONHO E A AUDÁCIA: A REVISÃO DE LITERATURA ............ 33
2.1 CONCEPÇÕES DE LEITURA E LEITURA LITERÁRIA ............................34
2.2 PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES/AS ALFABETIZADORES/AS .......................................................44
2.3 A LEITURA DELEITE ....................................................................................56
2.4 PALAVRAS: QUE ESTRANHA POTÊNCIA A VOSSA! .............................69
3. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO: SEM TEMER O VENTO E A
VERTIGEM .................................................................................................................... 74
3.1 DIALOGISMO, ENUNCIADO E POLIFONIA ..............................................76
3.2 PERCURSO METODOLÓGICO .....................................................................85
4. O LETRAMENTO LITERÁRIO: CONTRAPALAVRAS................................ 90
4.1 O LETRAMENTO ...........................................................................................91
4.2 O LETRAMENTO LITERÁRIO .....................................................................95
5. A LEITURA LITERÁRIA NOS PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS: O
TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE ............................................................... 110
5.1 A UNESCO ..........................................................................................................114
5.1 O PROFA ........................................................................................................121
5.2 O PRÓ-LETRAMENTO .....................................................................................136
5.3 O PNAIC .........................................................................................................148
5.4 O TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE .................................................162
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 167
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 174
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
[...] Perguntam-me: onde estão os lírios?
E a metafísica coberta de papoulas?
E a chuva que com frequência golpeava
suas palavras enchendo-as
de frestas e pássaros?
Vou lhes contar tudo o que me passa.
Pablo Neruda
Esta tese foi escrita entre os anos de 2016 a 2019, um momento emblemático da história
brasileira que pôs em evidência a agonia de uma frágil e sufocada democracia. Em 2016, um
golpe civil-midiático-parlamentar, gestado no ventre do ultraconservadorismo, destituiu, sob
falsas alegações de crime de responsabilidade, Dilma Vana Rousseff, presidenta legitimamente
eleita, e abriu espaço para uma série de vilanias. A partir de então, convivemos com um
retrocesso que sabota, dia a dia, os limites da constituição, do bom senso, da ética. Dada à
natureza deste trabalho, nos reservaremos a alguns registros do que se tem feito “apenas” no
campo da educação em nível nacional.
Em 2016, a emenda constitucional 95/2016, caracterizada substancialmente por uma política de
austeridade, estabeleceu um novo regime fiscal (BRASIL, 2016) e congelou os investimentos
em educação por vinte anos. No final de 2017, foi publicada a Resolução CNE/CP nº 2, que
institui a BNCC-Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017d), documento assentado na
visão neoliberal de educação (GERALDI, 2015), que lista o que deve ser aprendido pelo/a
aluno/a em sua vida escolar. Criada anteriormente como medida provisória e promulgada em
fevereiro de 2017, a Reforma do Ensino Médio, regulamentada pela Lei 13.415/2017 (BRASIL,
2017a), em linhas gerais, flexibiliza o currículo dos/as estudantes e é convergente ao
alinhamento da formação ao regime de acumulação flexível (KUENZER, 2017).
Institucionalizada sem um amplo debate com a comunidade acadêmico-escolar, essa reforma
foi alvo de críticas em todo país e milhares de estudantes ocuparam sob protesto as escolas
(KUENZER, 2017; TATEMOTO, 2017). Por deixar clara a visão mercadológica do governo
em relação à educação e limitar o acesso da classe trabalhadora ao conhecimento elaborado, o
Novo Ensino Médio, atrelado à BNCC, atrelado à reforma trabalhista (BRASIL, 2017b), que
legaliza o trabalho intermitente, a terceirização de atividades primárias que atingem também a
carreira do magistério, a jornada de 12 (doze) horas laborais, e, também, atrelado à reforma da
previdência, deixa claro que parte considerável da política brasileira tem representando
interesses alheios aos da classe trabalhadora e, afinada às políticas internacionais, colabora com
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a manutenção de uma estrutura econômica produtora de severas desigualdades. As atividades
do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), política pública de distribuição de livros
de literatura, pesquisa e referência, que já estavam pausadas desde 2014 (MOREIRA, 2017),
foram de vez interrompidas em 2017, para dar lugar mais tarde, via Decreto nº 9.099/2017
(BRASIL, 2017c), com uma série de questionáveis mudanças, ao PNLD-Literário.
Em 2018, propostas assentadas na inconstitucionalidade, advindas do movimento “Escola sem
Partido”, sob a alegação de que professores/as exercem doutrinação em sala de aula, alastram-
se no Brasil, tornando-se, além de um atentado à liberdade de expressão e de cátedra
(FRIGOTTO, 2016), uma bandeira eleitoreira para inúmeros candidatos país afora. Ainda que
a proposta não tenha sido oficializada legalmente em âmbito federal, em defesa do livre
pensamento, a ideia de perseguição é a ordem: incita-se o ódio pela filmagem, gravação e a
denúncia deliberada de professores/as (BASILIO, 2017). Em 2018, além da hostilidade ao
legado de Paulo Freire acirrada desde 2015 (HADDAD, 2019), encerram-se as atividades do
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).
No governo atual, os ataques frontais à educação solidificam-se à medida que o exercício de
cargos importantes é feito exatamente por aqueles que querem sepultá-la. A gestão de Ricardo
Vélez Rodríguez foi marcada, em linhas gerais, pela ofensa a brasileiros/as, comparando-os a
canibais (FOLHA DE SÃO PAULO, 2019); pelo combate aos chamados “marxismo cultural”
e “ideologia de gênero” (SALDAÑA, 2019); pela defesa do homeschooling e da interferência
religiosa na educação (RONZANI, 2019); pela publicização de um completo desconhecimento
de políticas educacionais da área da alfabetização vislumbradas desde a defesa do método
fônico (MORENO, 2019) ao descontrole acerca das medidas avaliativas na área da
alfabetização (MARIZ; FERREIRA, 2019); pela extinção da Secadi (Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Social), que tinha como foco ações e
políticas que valorizassem a diversidade e a inclusão, atuando especificamente nos seguintes
âmbitos: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação
Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola, Educação para as relações Étnico-Raciais e
Educação em Direitos Humanos (MEC, 2018); e pelo revisionismo histórico acerca da Ditadura
Militar brasileira (EL PAÍS, 2019).
Demitido em pouco mais de 90 dias de governo, Vélez foi substituído no dia 08 de abril de
2019 por Abraham Bragança de V. Weintraub, até então secretário-executivo da Casa Civil.
Sua gestão tem sido balizada pela incitação popular ao desprezo pelo saber elaborado, a aversão
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à área das Humanidades pela tentativa, por exemplo, de extinção das faculdades de Sociologia
e Filosofia (BASILIO, 2019a) e à perseguição aos/às professores/as (BOGHOSSIAN, 2019) e
às instituições federais de educação. Em pouco tempo de governo, o atual ministro anunciou a
revisão do PNE-Plano Nacional de Educação (MUGNATTO, 2019), o que se caracteriza como
uma forja para o descumprimento referido plano, que inclui o destino de 10% do PIB brasileiro
à educação. Congelou verbas destinadas à educação básica e às universidades (ANDES, 2019),
confinando instituições, erigidas pelo tripé do ensino, da pesquisa e da extensão, que, em muitos
estados, ofertam atendimento de saúde à população por meio de hospitais universitários, ao
funcionamento com o pouco, com a escassez, com falta. Atrelada a essa asfixia, além do corte
de bolsas para pesquisa em todo o país (PINHO; SALDAÑA; GENTILE, 2019), medida que
esfacela a produção científico-tecnológica brasileira, e da extinção do programa “Idioma sem
Fronteiras” (REVISTA FÓRUM, 2019), foi lançado o programa “Future-se”, que sob a
alegação de consulta pública e modernização das universidades (MEC, 2019b; MIGUEL,
2019), é a marca das garras da privatização.
No mesmo governo, houve, em abril de 2019, por meio de decreto, a instituição da Política
Nacional de Alfabetização (PNA), sistematizada em cartilha quatro meses depois. Trata-se de
uma ação governamental que prioriza o método fônico e restringe as práticas de escrita e de
leitura à codificação e decodificação (BRASIL, 2019a; BRASIL, 2019c). Em julho do mesmo
ano, houve a extinção do Conselho1 Consultivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (BRASIL,
2019b). Além de ser uma prática antidemocrátrica, tal ação altera o Decreto nº 7.559/2011, que
dispõe sobre o PNLL-Plano Nacional do Livro e Leitura (BRASIL, 2011), e acaba com a
representatividade de instâncias que corroboram com o planejamento de estratégias para o
incentivo à leitura no país.
Circunscritas em outros âmbitos do governo, propostas como “Pátria Voluntária”, que fomenta
o trabalho voluntário inclusive na área educacional (GARCIA, 2019), mostra que a aflição de
Neruda (2006), ao contar o que se passa no poema “Explico Algumas Coisas”, é comungada
por nós. No Brasil, pouco temos o que falar sobre lírios.
Mesmo sem a configuração de todo o cenário apresentado, já corroborávamos com Freire
(1983) acerca da impossibilidade de neutralidade na educação. Zilberman (1999), por sua vez,
1Segundo Andrade (2019), até julho de 2019, 17 Conselhos tiveram a representatividade solapada. Antes da
extinção, esses 17 colegiados somavam 201 vagas com membros das mais variadas instâncias sociais que
colaboravam na elaboração e implementação de políticas públicas. Os decretos reduziram quase pela metade a
participação social, perfazendo um total de 104 vagas.
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assegura que a “[...] a leitura, quando inserida no processo social, renuncia a qualquer tipo de
neutralidade. Traz embutida uma orientação democrática que [...] se dilata ou se contrai de
acordo com os propósitos dos grupos que recorrem a ela como parte de seus projetos de ação”
(ZILBERMAN, 1999, p. 43). Leitura. Essa palavra tantas vezes significada, estudada,
proferida. Compreender, então, como o Estado a direciona, não neutramente, nos programas
governamentais é de suma importância, considerando as atribuições de sentido, a constituição
de um público leitor e as relações inextricáveis entre mercado, oferta de livros, políticas
públicas e formação de professores/as.
Dessa forma, em uma modesta tentativa de aprofundamento de estudo sobre alguns aspectos da
leitura no Brasil em nível de mestrado, foi possível compreender melhor diversas questões
envolvidas nos programas governamentais de leitura e os possíveis interesses mercadológicos
que circundam a leitura literária com foco específico às literaturas infantil e juvenil. Em outras
palavras, ao concentrar esforços em temas inerentes à linha tênue entre as áreas de Letras e
Educação, propondo um entrecruzamento de vozes e distanciando-se da construção de barreiras
limítrofes entre essas duas áreas, por meio da análise das relações entre PNBE (Programa
Nacional Biblioteca da Escola) e os prêmios literários Jabuti e FNLIJ (Fundação Nacional do
Livro Infantil e Juvenil) acerca da escolha de livros, foi possível dialogar criticamente acerca
de uma concepção salvacionista e redentora da escola, da literatura e da leitura (RAMALHETE,
2015).
Dalvi (2018), em estudo sobre políticas públicas de educação literária, assevera a premência de
uma educação literária que não seja ensimesmada. Para a autora, educação literária, de fato, não
se faz em consonância com políticas públicas que admitem a conservação de privilégios e a
concentração de renda nas mãos de muito poucos. Ao ponderar sobre a distribuição de riqueza
no mundo, demonstrou que, no Brasil, são os mais pobres que essencialmente arcam as políticas
públicas com impostos e, contraditoriamente, na maioria das vezes, estão alijados do usufruto
delas. A autora registrou uma série de dados que, comparados ao desempenho brasileiro nos
rankings internacionais, ao confronto da distribuição de riqueza e às respectivas condições de
vida a que a maior parte da população está submetida, sustenta o questionamento de discursos
políticos sobre a suposta prioridade dada à educação.
Assim, com um olhar mais cauteloso sobre concepções de escola, de literatura, de leitura, de
leitura literária, é com desconfiança que certos discursos são observados. E é por isso mesmo
que esta proposta se configura em uma forma de dar continuidade à pesquisa iniciada em nível
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de mestrado. Ou seja, diante de um repertório de oferta de livros e considerando que os/as
professores/as alfabetizadores/as são os/as primeiros/as dedicados/as ao ensino da língua
materna, a pesquisa que aqui se pretende levar a cabo, em nível de doutorado, volta-se aos
programas governamentais dessa área, a partir do ano 2000, especificamente o Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), Pró-Letramento e o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).
Considerando a abrangência dessas políticas educacionais2, suas significativas ações e a
necessidade de se manter aceso o diálogo sobre leitura, um questionamento se formula: quais
são os pilares que sustentam as concepções de leitura literária em programas federais voltados
para a formação de professores/as alfabetizadores/as? Valendo-se de uma pesquisa qualitativa,
de procedimento bibliográfico-documental, o objetivo central desta pesquisa é, portanto,
compreender como estão fundamentadas as concepções de leitura literária referendadas pelos
programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as (2001 a 2018), visando a
conhecer as possíveis intencionalidades dessas concepções nos documentos oficiais.
Especificamente, este intento se propõe a analisar quais são aspectos que circundam essas
concepções de leitura, de modo a perscrutar se estas atendem aos pressupostos de uma educação
literária ou visam apenas a sustentar e a reproduzir um contexto meramente mercadológico.
Ambiciona-se, ainda, compreender qual é a proposta desses programas, ao inserir tais
concepções em seus documentos3 (cadernos, guias, fascículos, dentre outros) e se há uma
possível aproximação dessas concepções às propostas da Unesco (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Por fim, anseia-se investigar como estão
estruturadas as propostas de trabalho com os textos literários contemplados nesses programas
e, assim, propalar se e/ou como as perspectivas do Letramento Literário estão engendradas nos
referidos documentos de formação de professores/as.
Esta pesquisa, inserida em um projeto de investigação maior, intitulado A política de ensino da
Língua Portuguesa no Brasil nos anos 2000 e coordenado pela Profª. Drª. Cleonara Maria
2 Políticas educacionais, neste estudo, são compreendidas da seguinte forma: “Num sentido mais prático, quando
nos referimos à política educacional, estamos tratando de ideias e de ações. E, sobretudo, de ações governamentais,
reconhecendo que “a análise de política pública é, por definição, estudar o governo em ação” (SOUZA, 2003, grifo
meu). As políticas educacionais, destarte, expressam a multiplicidade e a diversidade da política educacional em
um dado momento histórico. Dizem respeito a áreas específicas de intervenção, daí porque se fala em políticas de
educação infantil, educação básica, educação superior, etc. Cada uma delas, por sua vez, pode se desdobrar em
outras (VIEIRA, 2007, p. 56). 3 Documento, neste contexto, é entendido, em linhas gerais, como uma fonte de dados. Segundo Gil (2002, p. 46),
“há que se considerar que os documentos constituem fonte rica e estável de dados. Como os documentos subsistem
ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica”.
21
Schwartz, se justifica, então, a) por ser uma análise de programas de formação de professores/as
de abrangência nacional; e, especificamente porque, até o momento, não foi encontrada
pesquisa semelhante, fundamentada nos mesmos referenciais teóricos e nos procedimentos
metodológicos; b) pela necessidade de mostrar com mais agudeza alguns aspectos intrínsecos
à escolha de obras literárias em programas de formação de professores/as alfabetizadores/as.
Justifica-se, ainda, pela emergência de se mostrar que as políticas ora contempladas nesta
pesquisa são engendradas por sujeitos, instâncias, em um contexto histórico-social delimitado,
e, por esses motivos, possuem intencionalidades assaz balizadas. Em outras palavras, se é
prudente afirmar que as materialidades dos documentos evidenciam relações de forças, cujos
traços supostamente bem-intencionados são severamente questionados neste percurso, nosso
intento justifica-se, por fim, pela possibilidade de desvelar as tramas que também legitimam,
de certo modo, os resultados desconfortáveis de pesquisas acerca dos desempenhos de leitura
dos/as estudantes brasileiros/as.
Além desta introdução e das considerações finais, este trabalho está estruturado da seguinte
forma: o primeiro capítulo concentrar-se-á nos enunciados sobre a leitura referendados por
alguns autores, em diferentes contextos históricos, e como essa prática foi analisada na
Enciclopédia Einaudi, que, no tocante ao verbete “leitura”, constitui-se uma espécie de
inventário acerca das diferentes nuances que abrangem a temática. O capítulo destina-se não
apenas a observar traços definidores, mas a identificar vulnerabilidades e fissuras que permitam
uma formulação mais consistente de nosso problema, sempre com os olhos fitados à leitura
literária. Salientamos que, desta maneira, pretendemos delinear melhor a emergência do objeto
de estudo e as razões que nos motivaram a pesquisar esta temática específica.
O segundo momento será dedicado à revisão de literatura, que permitirá sinalizar alguns
caminhos em articulação à produção acadêmico-científica mais recente, no que concerne às
concepções de leitura, à leitura literária e aos programas governamentais. O objetivo desse
capítulo é mostrar como se tem ponderado sobre a leitura e sobre a leitura literária no Brasil e
o papel dos programas de formação neste processo. Indicaremos, paralelamente, o que os
estudos têm priorizado, se há outros estudos (além do nosso) que focalizam tais demandas, bem
como tentaremos anunciar um possível ineditismo desta proposta.
O terceiro capítulo, quadro teórico-metodológico, a fim de compreender e responder a algumas
indagações propostas neste trabalho, será erigido a partir da concepção bakhtiniana de
22
linguagem, fundamentado nas produções do Círculo de Bakhtin4. Embora saibamos que a obra
do Círculo de Bakhtin não é desarticulada e que todas as concepções estão permeadas por uma
concepção dialógica de linguagem, neste trabalho, concentraremos nossos esforços nas
categorias conceituais de enunciado, dialogismo e polifonia. Esses conceitos foram
privilegiados para análise dos dados, por permitirem uma compreensão mais acurada de
determinados fenômenos, por considerarem a historicidade dos sujeitos, as vozes alheias, bem
como por se afastarem de visões reducionistas da linguagem.
Os estudos sobre o Letramento ganharam ampla aceitação no Brasil, a ponto de se alastrarem
para outros campos de estudos além da alfabetização e de se tornarem perspectiva oficial do
Estado. O quarto capítulo, então, faz um pouso nas premissas do Letramento Literário. Trata-
se de um momento que se destina a conhecer como estas se fundamentam e quais as possíveis
implicações nos documentos a serem analisados. Em outras palavras, interessa-nos, também,
compreender em que medida essa vertente se articula às concepções de leitura literária.
O quinto capítulo, antes de trazer à baila o corpus e suas respectivas análises, fará uma discussão
sobre as concepções de literárias no Profa, no Pró-Letramento e no Pnaic, com foco naquilo que
mais é recorrente: a leitura para o deleite. Bakhtin é assertivo ao afirmar: “Qualquer que seja o
objeto do discurso do falante, ele não se torna objeto do discurso em um enunciado pela primeira
vez, e um determinado falante não é o primeiro a falar sobre ele” (BAKHTIN, 2016, p. 61). Em
outra obra, acrescenta: “[...] Esses dois momentos (a inteiração do repetível e a descoberta do
novo) devem estar fundidos indissoluvelmente no ato vivo da compreensão: porque a não
repetitividade do todo está refletida também em cada elemento repetível [...]” (BAKHTIN,
2017b, p. 37). Em outras palavras, sabemos que esse conceito não é novo. No entanto, ao ser
imerso nos documentos oficiais do século XXI, atrelado à leitura literária, considerando que
somos seres da e na história, desconfiamos. Na novidade, há, intencionalmente, a repetição.
4 Este trabalho privilegiará as obras do Círculo de Bakhtin em traduções provenientes diretamente do russo. As
questões de autoria, para fins de citação, acompanham as descrições dos circunscritas nos livros.
23
1. A EMERGÊNCIA DO TEMA DE ESTUDO: LEITURA, QUESTÕES,
CONFLITOS E RESSONÂNCIAS
Deus te livre, caro leitor, de uma ideia fixa.
Brás Cubas (Machado de Assis)
Leitura é um vocábulo extremamente polissêmico, com muitas acepções e aplicações.
Etimologicamente, tem sua origem, segundo Portella (1984), na palavra legere e teria a mesma
raiz da palavra escolher e colher. É admissível afirmar, pois, que a leitura se aproxima de
sentidos como decifração, escolhas. Por causa dessa proximidade entre vocábulos, muitos
argumentos são erigidos. Um deles repousa na premissa de que o/a leitor/a, circunscrito em
contextos histórico-sociais bem delimitados, é quem dá sentido ao texto.
Afora as nuances próprias dos aspectos supracitados, há outras maneiras de se falar sobre leitura
e leitura de literatura, especificamente. Lispector (1998), por exemplo, a define como felicidade
clandestina. Calvino (1993) chegou a afirmar que é melhor ler os clássicos que não lê-los. O
narrador borgeano, antes de se livrar do livro de areia, diante da infinidade de possibilidades, o
chamou de “tesouro” (BORGES, 2009, p. 104). Prado (2004) considera os livros como parte da
casa e que neles há vida pulsante. Essas várias tematizações atribuem à relação com a leitura
e/ou com os livros as noções de prazer, satisfação, intimidade, descoberta e deslumbramento,
por exemplo. Sendo a prática de leitura e os livros já contemplados em inúmeros romances,
poemas, defendidos por escritores dos mais variados contextos, e sendo essa mesma prática
uma “bandeira” levantada por parte dos/as professores/as e, de modo geral, por parte da
sociedade, por que, ainda, em pleno século XXI, essa “ideia fixa”? Por que falar de leitura
literária em solo brasileiro não é uma mera obrigação acadêmica, mas, antes, uma necessidade?
De um modo geral, a educação brasileira resguarda uma má fama no que concerne aos
resultados dos modestos desempenhos de estudantes em avaliação de larga escala,
especificamente quando se tematiza a leitura. Afora as críticas dessas avaliações, que vão desde
ao rechaçamento dos discrepantes contextos das instituições de ensino por parte do governo e
dos distintos caminhos e tempos para aprendizagem dos/as alunos/as, resultados como os do
Pisa 2018, por exemplo, em que se registra que cerca de 50% dos/as estudantes brasileiros/as
24
estão abaixo do nível básico de proficiência de leitura (INEP, 2019), refletem a cristalização
das disparidades sociais no Brasil.
Essa constatação sobremaneira incômoda é uma das motivações deste trabalho. Logo, ao tentar
compreender melhor algumas concepções de leitura e, sobretudo, de leitura literária, foi
necessário, inicialmente, recorrer a uma espécie de compilação de algumas nuances que
cerceiam a temática, tratadas na Enciclopédia Einaudi. Nessa pesquisa, segundo Barthes e
Compagnon5 (1987, p. 184), “A palavra ‘leitura’ não remete para um conceito, e sim para um
conjunto de práticas difusas”. Esses dois pensadores reuniram em uma enciclopédia alguns
sentidos atribuídos à leitura ao longo do tempo, estudaram-na sob ótica de um prisma,
contemplando: a) as práticas; b) o objeto; c) a operação; d) o fenômeno; e) o desejo; f) o sentido;
g) o intertexto; e h) a leitura hoje.
Conforme os autores, inicialmente a leitura era uma prática que estava vinculada à economia.
As primeiras sociedades agrícolas, para reunir colheitas e armazená-las de modo preciso,
necessitavam de algo que pudesse valer o registro. Ler, por conseguinte, era uma técnica de
decodificação (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 184). Para além da técnica, a leitura
poderia ser uma prática social restrita às esferas do poder e da religião e, também, estava ligada
a uma forma de gestualidade, já que implica o envolvimento do corpo.
Mesmo na sociedade moderna, pessoas que leem são consideradas cultas, sábias. Tal discurso
tão massificado remonta às antigas sociedades, pois ler era uma forma de sabedoria, com vieses
aparentemente opostos: “[...] ou se lhe opõe a vida triunfante do corpo, do sexo, ou ela é
depreciada como uma última demonstração da vaidade humana” (BARTHES; COMPAGNON,
1987, p. 185). A leitura também pode ser configurada como uma atividade voluntária para
instrução moral, ou, ainda, como um
[...] método intelectual destinado a organizar um saber, um texto, e a restituir-lhe
todas as vibrações de sentido contidas na sua letra, de que a primeira leitura é,
precisamente, garante. [...] Ler adquire três auréolas prestigiosas (pouco importa que
talvez sejam contraditórias): a da ciência (exatidão, rigor), a da razão
(desmistificação), a do gosto (conformidade com o Belo) (BARTHES;
COMPAGNON, 1987, p. 186).
5 Resguardadas as devidas distâncias epistemológicas entre os estudiosos listados e Mikhail Bakhtin, entendemos
que a abordagem da leitura na Enciclopédia Einaudi foi interessante e necessária, uma vez que evidencia as várias
facetas implicadas no ato da leitura.
25
Quanto à segunda vertente, a qual os autores denominam de “objeto”, distinguem-se os dois
níveis de leitura: o da leitura imediata e a leitura que visa a compreensão de sentidos do texto
(BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 187-188). Quanto aos “sentidos”, os autores ainda
ponderam acerca da forte influência do contexto histórico, visto que a leitura mobiliza “[...]
uma massa heteróclita de determinações (históricas, teológicas, psicológicas, institucionais); já
não é uma operação, e sim uma actividade (mental, cultural, religiosa, estética, ideológica,
etc.)” (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 188). No que concerne à “operação”, os autores
destacam o estatuto científico da língua.
No caso do “fenômeno”, uma constatação tão corriqueira é revelada: “Uma vez realizada a
aprendizagem, nenhuma atividade é, aparentemente, mais simples, mais automática que a
leitura: leio como ando, como respiro, ou seja, sem nunca me interromper para me perguntar
como leio, para me olhar, para me ouvir, para considerar o ato que realizo” (BARTHES;
COMPAGNON, 1987, p. 191). É advertido que a fenomenologia é um acesso à leitura, mas
não esgota os outros e chamam atenção para a assertiva de que “A leitura é sempre um recomeço
[...]” (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 193).
Outro aspecto interessante repousa no “desejo”. Essa ponderação encontra-se marcada por dois
traços em especial: a leitura de transgressão, a exemplo de Dom Quixote, e a leitura como um
gesto do corpo, que, “[...] ao mesmo tempo, instala e perverte a sua ordem” (BARTHES;
COMPAGNON, 1987, p. 198). Quanto ao “sentido”, os autores asseguram que quaisquer
concepções de sentido perpassam um determinado modelo de leitura: “[...] É por isso que a
leitura é sempre um ato, o ato da produção do sentido: investe o texto, fá-lo dar sentido. [...] E
a leitura, enquanto ato, nunca é inocente, o que não significa que seja culpada, mas que a
verdade do texto é a da sua leitura”6 (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 198).
Em um tom jocoso, Machado (2011, p. 99) afirmou que “Temos vontade de conversar com os
livros que lemos”. Ao tratar de intertexto, Barthes e Compagnon (1987) muito nos fazem
lembrar o artigo da referida escritora brasileira, afinal, para eles, “[...] se leitura e escrita
6 Ainda que esta não seja a discussão privilegiada nesta tese, gostaríamos de ratificar que discordamos da assertiva
de que a verdade de um texto se dá apenas pela sua leitura. Para tanto, arraigamo-nos em dois estudos: a) Todorov
(2008, p. 95-96) assegura que a prescrição da ideia de verdade não é um triunfo cognitivo apenas do totalitarismo,
mas ameaça também os governos democráticos, tendo em vista que, segundo essa perspectiva, a reescrita da
história fica sujeita às necessidades do momento; b) Bakhtin (2017a, p. 54-55) pondera que a verdade é autônoma,
absoluta e eterna. Para o filosofo, esse último aspecto não pode ser contraposto a nossa temporalidade e a validade
de uma asserção teórica independe de ela ser conhecida ou não por alguém. Portanto, o fato da hermenêutica ser
imprescindível para certos fenômenos não significa que a interpretação determina a existência objetiva destes. Em
outras palavras, embora o sentido não seja monolítico, nem todas as leituras são possíveis.
26
coincidem no ato de citar, é talvez porque toda a leitura, toda a escrita participam da citação.
Toda a leitura: enquanto é já gesto de apropriação. E toda a escrita: enquanto é sempre reescrita,
deslocação coerente imposta ao que já lá está” (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 203).
Ao explicitarem questões d’A leitura hoje, os autores afirmam que o número de leitores/as é
maior que o dos/as escritores/as e trazem uma constatação inquietante: a de que muitos/as
leitores/as não podem “[...] aceder à escrita” dadas as razões econômicas impostas pelo voraz
mercado editorial. Por fim, eles observam:
Aqui ocorre, portanto, um paradoxo do leitor: admite-se, regra geral, que ler é
descodificar: as letras, as palavras, os sentidos, as estruturas e isso é incontestável;
mas acumulando as descodificações, porque a leitura é, de direito, infinita, tudo
incorre numa inversão dialética: finalmente, não descodifica, sobrecodifica, não
decifra, produz, acumula linguagens, deixa-se incansavelmente atravessar por elas; é
essa a travessia (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 204)
Diante dessas sucintas explanações, percebemos que as muitas abordagens de leitura possuem
relação direta com contexto histórico. Com clareza, os autores sustentam que o ato de leitura
não é algo apenas relacionado à visão reducionista e mecânica da decodificação. Pode-se, então,
questionar, a partir de um contexto brasileiro severamente marcado por um recrudescimento
das políticas neoliberais e de acirramento das diferenças sociais, a perversidade de certos
discursos que repousam, de modo aparentemente incólume, nos berços de algumas pesquisas
educacionais.
De modo específico sobre a leitura literária, na obra Andar entre Livros, Colomer (2007)
pondera que “andar entre livros” é uma condição imperiosa da educação literária. Distingue
“incentivo à leitura” e “ensinar a ler” e tece críticas direcionadas a aparente configuração
secundária que se dá à leitura literária, quando se lamenta que os/as alunos/as não leem. Em
outras palavras, a autora salienta que, em geral, as queixas pelos índices de leitura se dão, muito
mais, por uma visão utilitarista da leitura, destinada ao domínio da escrita e a preocupação se
esses índices podem ser mais um empecilho à ascensão social, do que propriamente à formação
do/a leitor/a de Literatura.
No artigo Leitura e Conhecimento, Aguiar (2007) assinala a especificidade da leitura literária.
No trabalho em questão, a importância de outras leituras na produção de conhecimento não é
rechaçada, porém, sublinha-se a abrangência do papel social do texto literário. Segundo a
autora, enquanto textos informativos, por exemplo, tratam de casos particulares, a Literatura se
27
concentra na totalidade do real, pois, ao representar o particular, tem um alcance mais amplo
da complexidade humana.
Silva (2013a), em A Leitura Literária como Experiência, a partir da análise da obra Infância,
de Graciliano Ramos, ressalta a importância da leitura literária para a formação do/a leitor/a.
Tomando o conceito de experiência a partir da óptica benjaminiana, a autora destaca a
necessidade de as práticas de leitura contemplarem os clássicos nacionais, por seu notável valor
social e histórico e, também, porque é partir dessa prática que se pode fomentar o exercício da
memória.
O trabalho de Paulino (2008), Algumas especificidades da leitura literária, inicialmente,
arraigado nos estudos de Soares (2008), defende o caráter multifacetado da leitura, uma vez que
há muitos modos de leitura e uma diversidade de gêneros discursivos admitidos pela Literatura.
Por causa dessa heterogeneidade de modos e gêneros, recorre ao termo letramento, menciona
os resultados dos/as estudantes finlandeses e salienta como aspecto notável ao sucesso desses
sujeitos: leitura a contento de textos informativos. Reforça a importância de se ler esse gênero
discursivo, dada a condução de opiniões pelos veículos comunicativos, mas alerta para o fato
de que, segundo a autora, “[...] a leitura crítica de mundo ligada à leitura de textos escritos não
depende tanto do gênero destes como das competências e habilidades desenvolvidas pelos
leitores” (PAULINO, 2008, p. 3-4, grifo nosso).
Ainda que não tenha ficado muito claro se a autora defende uma priorização de textos
informacionais na escola, observamos em seu texto, à moda de uma pecha, a defesa dos
conceitos de competências e habilidades, afins aos estudos de Macedo (2005) e, mais
especificamente, de Perrenoud (1999). Ambos os autores, epistemologicamente vincados pelos
estudos de Donald Schön, defendem esses dois conceitos afinados com uma doutrina
neotecnicista amplamente divulgada no Brasil (DUARTE, 2003). Embora uma discussão mais
aprofundada desses termos não seja escopo deste trabalho, cabe ressaltar que ambos tiveram
suas origens no contexto empresarial, sobretudo na década de 1990, com objetivo primeiro de
atender a demandas imediatas do ambiente laboral. Na área educacional, a discussão do
professor reflexivo, a busca pela celeridade na resolução de conflitos e outras incongruências
contribuíram para uma depreciação do conhecimento científico, teórico e acadêmico
(DUARTE, 2001; 2003). Dessa maneira, é com estranheza que observamos o termo habilidade
no mesmo contexto que contempla a discussão sobre leitura literária.
28
Barthes e Compagnon (1987, p. 198) asseveram que o ato da leitura não é inocente. Desse
modo, é matéria de estranhamento a correspondência imediata de uma leitura crítica de mundo
a tal perspectiva. Há uma série de fatores imbricados, quando se estudam questões inerentes à
leitura. Todavia, ignorar as condições econômicas, as relações de classe, as desigualdades
sociais, por exemplo, parece-nos reducionista demais, num país tão díspare como o Brasil.
Trata-se de uma abordagem perigosa, tendo em vista a proximidade com os anseios
empresariais no âmbito da educação, e, também, por esvaziar o debate político, ao mesmo
tempo em que fragiliza a dimensão social da leitura.
Adiante, a autora faz uma ponderação acerca de questões estéticas atreladas ao que ela
denomina de “espaços concretos de resistência”, defende seu posicionamento anterior,
fundamentada, sobretudo, nos estudos de Gatti (1997) agenciados pela Unesco, quanto à
consideração do individual e social, mais especificamente: “habilidades cognitivas” e
“competências sociais”. Em outras palavras, esses dois termos, de acordo com Paulino (2008),
devem ser considerados à luz dos processos histórico-sociais. Assim,
[...] se as disposições podem ser enfraquecidas ou reforçadas, se são históricas, não se
pode reduzir previamente a potencialidade de leitura literária a certos indivíduos,
excluindo outros. Ela pode ser encarada como situação nova e não interiorizada como
‘pessoal’ por muitos indivíduos pobres, o que exigiria poderosas estratégias de
socialização que a incluíssem. Em suma, tornar relevante a competência social de
leitura literária depende de prioridades políticas e econômicas, capazes de influenciar
opiniões e comportamentos coletivos. Resta saber se tal posicionamento caracteriza o
contexto brasileiro contemporâneo. Essa é uma outra questão (PAULINO, 2008, p.
9).
Para nós, entretanto, essa (relações políticas, econômicas) é a questão. Afinal, o afastamento
desse aspecto das discussões parece configurar um sinal de que as marcas do neoliberalismo
continuam pungentes em certos estudos. Além disso, convém salientar que os mecanismos de
exclusão, muitas vezes travestidos de uma roupagem inofensiva, trazem sérias consequências
às políticas educacionais, tais como a solidificação de concepções reducionistas de leitura.
Paulino (2008), por fim, ressalta:
Não se trata, pois, mais de separarmos indivíduos e sociedade, no que diz respeito aos
níveis políticos, cognitivos, estéticos e afetivos, mas de repensarmos as vias em que
se movem as competências, como, por exemplo, objetivos e modos do próprio ato de
ler literariamente textos literários, em sala de aula ou em outros espaços
socioculturais, para que se evitem os constantes congestionamentos dos poderes
(PAULINO, 2008, p. 11).
Como pode ser visto, a leitura, novamente, está atrelada ao nível das “competências”. De
maneira alguma nossa abordagem tem um caráter belicista ou visa a esgotar afoitamente todas
29
as questões contempladas no estudo de Paulino (2008). Todavia, ignorar questões sobremaneira
importantes como as de ordem econômica e política na área educacional e, mais
especificamente, ao contexto da leitura, foco deste estudo, nos parece um equívoco, tendo em
vista, por exemplo, a relação distribuição de renda e investimento em educação, já denunciada
por Dalvi (2018).
Paulino e Cosson (2009), em “Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da
escola”, abordam as questões literárias no âmbito do Letramento. Inicialmente, os autores
apresentam alguns dados já expostos na pesquisa de Paulino (2008), sobre o teste do Pisa
(Programa de Avaliação Internacional dos Alunos da OCDE) que apontam a Finlândia como o
país que está no primeiro lugar do ranking em relação à leitura. Apresentam, de igual modo, a
realidade estadunidense, em que declínio dos índices de leitura literária tende a majorar a passos
largos. Ao apontar a realidade brasileira, os pesquisadores expõem uma faceta já muitíssimo
conhecida: “No Brasil, os índices de testes nacionais e internacionais mostram que a
proficiência de leitura dos estudantes brasileiros encontra-se abaixo do esperado em um país
que vem exibindo elevação em suas posições econômicas e internacionais” (PAULINO;
COSSON, 2009, p. 62).
Em virtude dessa embaraçosa constatação na realidade educacional brasileira, em pleno século
XXI, Paulino e Cosson (2009) reconhecem algumas iniciativas, governamentais ou não, que
visam a promover a leitura. Eles mencionam, por exemplo, o PNBE, as ações da empresa
Energias do Brasil e da Fundação Victor Civita (fundação pertencente ao grupo Abril). E ainda
ponderam:
Tão ou mais antiga que a própria noção ocidental de literatura, a ideia de que a leitura
de obras literárias cumpre um papel importante no desenvolvimento do ser humano,
quer no sentido estrito de favorecer o trato com a escrita, quer no mais amplo de educar
os sentidos e favorecer o entendimento das relações sociais, está na base dessas
preocupações e iniciativas. É assim com o interesse pela leitura de entretenimento que
se acredita ajudar os jovens finlandeses a desenvolver suas habilidades gerais de
leitura. É assim com a preocupação dos americanos com o declínio da leitura literária
entre seus jovens. É assim com a disposição de favorecer o hábito da leitura, sobretudo
entre crianças e jovens, da maioria dos programas brasileiros. É, assim, também, com
a ideia que move e sustenta o que concebemos como letramento literário (PAULINO;
COSSON, 2009, p. 63, grifo nosso).
Apesar da aparente coerência, relativa ao “papel” da leitura literária, tal ponderação foi
arrefecida, quando se observa mais detidamente a inserção do termo “habilidades gerais de
leitura”. Além disso, Paulino e Cosson (2009) conceituam e dividem concisamente, em dois
eixos, as origens do termo letramento: a) habilidades e competências; e b) práticas sociais.
30
Defendem a necessidade de multiletramentos, pois, segundo eles, arraigados desígnios da
Unesco, os letramentos acompanham as mais variadas práticas sociais. Desse modo, sustentam
que:
Em síntese, partindo das simples prática individual ligada à habilidade de ler e
escrever, letramento, letramentos e multiletramentos referem-se hoje a competências
complexas voltadas para o processo de construção de sentidos, entendendo que é
próprio desse processo social capacitar “os aprendizes a fazer sentido de e ativamente
se engajar com o seu mundo, aumentando, portanto, sua capacidade de influenciá-lo”
(Lonsdale e McCurry, 2004, p. 9). É nessa base comum de fazer sentido do mundo e
de leitura crítica da sociedade que o letramento literário se inscreve e é dessa forma
que nos interessa focalizá-lo neste estudo (PAULINO; COSSON, 2009, p. 66, grifo
nosso).
Como pode ser observado, a contemplação de iniciativas empresariais na promoção da leitura
e o entendimento dos autores acerca de algumas nuances da leitura possuem uma coerência.
Uma nefasta coerência. Considerando que essas perspectivas foram e são amplamente
divulgadas no contexto educacional, tendo ressonâncias, inclusive, em documentos oficiais,
como é o caso da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), pode-se afirmar que esse
processo, muitas vezes revestido de boas intenções, chancelado por instituições com prestígio,
ainda comprometem severamente a solidificação de caminhos outros na contramão dessa
abordagem em relação à leitura literária.
Em meio a uma numerosa quantidade de produções, pinçar somente algumas (BARTHES e
COMPAGNON, 1987; COLOMER, 2007; AGUIAR, 2007; PAULINO, 2008; PAULINO e
COSSON, 2009; SILVA, 2013a) para serem contempladas neste trabalho não foi tarefa simples.
Contudo, a partir da leitura delas, foi possível se questionar: até que ponto certas concepções
epistemológicas sobre a leitura literária podem ganhar reverberações nos documentos oficiais
de formação de professores/as?
Sabemos que a escola não é a única instituição destinada à formação de leitores/as, mas que é
sobre os ombros dela que recaem grandes responsabilidades para que tal intento seja
concretizado, apesar da imoralidade salarial docente e das precárias condições laborais. E,
diante do que foi concisamente exposto, começavam, então, alguns lampejos virem à tona. Com
objetivo de compreender como estão fundamentadas as concepções de leitura literária
referendadas pelos programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as, com
um recorte temporal restrito ao início deste século, fomos, de maneira breve, à procura de
documentos oficiais, a fim de encontrar algum sinal, indício, que possam dar respaldo a nossa
31
“ideia fixa”. Pesquisamos, então, alguns documentos norteadores dos programas de formação
de professores/as alfabetizadores/as, seguindo o critério cronológico de implementação.
Ao lermos os Guias de Formação 1, 2 e 3 do Profa (BRASIL, 2001a; 2001b e 2001c), uma
incansável recorrência do termo “Ler para” chama a atenção. Trata-se de uma espécie de seção,
dentro as atividades permanentes de leitura compartilhada. Sempre com recorrência a termos
da ordem do lúdico, várias são as atribuições para a leitura literária: ler para “se divertir”,
“pensar”, “se emocionar”, “saborear”, “apreciar”, “refletir”, “conhecer”, “se encantar”,
“relembrar”, “surpreender”, “se emocionar”, “se deleitar”, “se arrepiar”...
No Fascículo 1 do Guia do Pró-Letramento, há um excerto destinado a abordar as capacidades
linguísticas de alfabetização. Trata-se de uma seção que, valendo-se de quadros-síntese, expõe
as “capacidades” essenciais para o processo de alfabetização, a partir da contemplação de quatro
eixos: Eixo da compreensão e valorização da cultura escrita; Eixo da apropriação do sistema de
escrita; Eixo da leitura; Eixo da produção de textos escritos; Eixo do desenvolvimento da
oralidade. O eixo da leitura é o que nos interessa neste trabalho. Além da definição da
concepção de leitura nos quadros, que perpassam por “capacidades”, “conhecimentos” e
“atitudes”, de igual modo, nos interessa o aparecimento do termo leitura-deleite7 (LEAL et al.,
2012, p. 14), visto que a finalidade é a familiarização com os textos literários e a diversão que
lhe é atribuída.
Ao observar com maior prudência 24 (vinte e quatro) cadernos de formação de professores/as
do Pnaic produzidos no ano de 2012, sendo 8 (oito) cadernos distribuídos por cada ano, Ano 1,
Ano 2 e Ano 3, foi verificado que, em todos eles, há uma referência nítida ao seguinte termo:
“leitura deleite”. Tal momento, apesar das várias repetições em todos os cadernos e anos
mencionados, inclusive em depoimentos de profissionais, estão dispostos nesses cadernos,
somente com uma indicação circunscrita na seção “Sugestões de Atividades para Leitura”. O
que nos inquietou é a forma como o momento “leitura deleite” está localizado nos cadernos de
formações de professores/as, pois não há uma explicação aprofundada do que seja o termo e/ou
alguma orientação mais consistente.
Em uma cadência: ao encontrarmos algumas vulnerabilidades em certos estudos, como os
supracitados neste trabalho, ao conhecermos a concepção de leitura da Unesco, que perpassam
7 O significado da palavra deleite no dicionário define-se desta maneira: “gozo íntimo e suave” e “prazer intenso,
pleno e delícia” (FERREIRA, 2004, p. 290). O termo será tratado com maior atenção no capítulo 5 desta tese.
32
também pelo “deleite” (BAMBERGER, 1975), e, por fim, ao avaliarmos o documento
Educação: um tesouro a descobrir, Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI, que apregoa os quatro pilares da educação (capítulo 4) e traz
orientações sobre o papel da formação de professores/as (capítulo 7), tínhamos o combustível
necessário para um melhor delineamento da proposta. Desse modo, uma carta foi posta na mesa:
a concepção de leitura literária da Unesco e dos documentos brasileiros (Profa, Pró-Letramento
e Pnaic) não podem ser entendidas de modo inocente.
É em meio a este imbróglio que foram concebidas as hipóteses deste trabalho: a primeira (H1)
delas supõe que as incongruências relacionadas à leitura literária podem ser encontradas
também nas diretrizes de organismos internacionais que, por sua vez, se articulam aos
documentos de programas nacionais de formação de professores/as alfabetizadores/as. A
segunda hipótese (H2) sustentada é que esses programas trazem à tona um (remodelado)
conceito de leitura literária restrito ao lúdico, ao deleite à maneira de um eco (o termo deleite
foi tratado por vários estudiosos ao longo do tempo). Por fim, supõe-se (H3) que esses
programas mantêm alguns vícios quanto às concepções de leitura influenciados pelo
Letramento Literário e, por conseguinte, quanto às concepções de sujeito (leitores/as) e de
escola. Portanto, este trabalho defende a tese de que, ao se conceber a leitura literária de modo
reducionista e superficial, chancelada por organismos internacionais e políticas públicas
educacionais, silenciam-se os contextos ideológicos, políticos, éticos, estéticos, históricos,
culturais, próprios do texto literário.
33
2. ENTRE O SONHO E A AUDÁCIA: A REVISÃO DE LITERATURA
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...
Cecília Meirelles
Severino (2007) afirma que uma tese de doutorado exige uma contribuição original a respeito
da temática pesquisada e um progresso para área científica em que se situa. Em outras palavras,
“Quaisquer que sejam as técnicas de pesquisa aplicadas, a tese visa a demonstrar argumentando
e trazer uma contribuição nova relativa ao tema abordado” (SEVERINO, 2007, p. 221). Diante
da afirmação do autor, elaborar um trabalho, em meio a uma constelação de pesquisas
interessantes sobre leitura e leitura literária e, ainda, apresentar uma novidade, é um intento que,
no limiar do “sonho” e da “audácia”, ultrapassa uma mera formalidade acadêmica.
Com objetivo de procurar novas linhas de investigação, conhecer outros caminhos
metodológicos e verificar lacunas que pudessem ser apontadas em nossa pesquisa, pois não
somos um adão bíblico, selecionamos alguns trabalhos acadêmicos para auxílio. O escopo é
compreender como algumas pesquisas abordam as concepções de leitura, a leitura literária, os
programas de formação de professores/as alfabetizadores/as, em anos mais recentes (2007 a
2017), a partir de trabalhos filtrados na consulta ao banco de dissertações e teses da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O critério para seleção dos textos primou pela busca no banco de teses e dissertações da Capes,
pois entendemos que esta é uma importante instância, uma vez que os programas de pós-
graduação estão vinculados a ela. Primou-se pelos gêneros teses e dissertações, pois tratam-se
de trabalhos que passaram pela apreciação de uma banca avaliadora. Além disso, primou-se
por pesquisas inseridas em Programas de Pós-Graduação em Educação e em Letras, tendo em
vista que os objetivos deste trabalho são mais recorrentes nessas áreas. As teses e dissertações
34
presentes nesta revisão de literatura foram eleitas, considerando os objetivos desta pesquisa, o
crivo temporal e a proximidade temática e teórico-metodológica. Nesses termos e considerando
os descritores “concepções de leitura” e “leitura literária”, foram encontrados cinco trabalhos;
no caso dos programas governamentais de formação de professores/as alfabetizadores/as:
“Profa”, “Pró-Letramento” e “Pnaic”, foram elencados, de igual modo, cinco trabalhos; e, por
fim, com o descritor “leitura deleite”, foram listados nove trabalhos.
Como poderá ser verificado, este capítulo foi construído a partir do agrupamento de pesquisas
por afinidade de assuntos/verbetes (concepções de leitura; leitura literária; programas
governamentais de formação de professores/as alfabetizadores/as, a saber: Profa; Pró-
Letramento; Pnaic; e leitura deleite8). Para se ter uma visualização geral da pesquisa, fizemos,
antes das discussões, uma sistematização em quadros, com uma distinção dos aspectos
relacionados à natureza de cada trabalho e um breve resumo de cada um deles. Em seguida,
discutimos as pesquisas e, ao final, apresentamos alguns pontos relevantes encontrados durante
as leituras. Nessa abordagem, incluiremos nossas impressões e aspectos que nos propomos a
avançar mais neste trabalho.
2.1 CONCEPÇÕES DE LEITURA E LEITURA LITERÁRIA
Neste item, discutiremos as pesquisas que tratam questões atinentes à leitura e à leitura literária.
Os trabalhos elencados versam sobre essas questões, dentro das discussões na área das políticas
públicas, dos documentos oficiais e da formação de professores/as. As pesquisas privilegiadas
para discussão estão assim dispostas:
Quadro 1 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre concepções de leitura e sobre leitura literária
Tipo de
Trabalho Título Autoras Breve Resumo
Dissertação
Ufes, 2007
Representações e práticas
de incentivo à leitura no
Espírito Santo, no período
de 1997 a 2005
Eunice
Negris
Lima
Analisa as representações de professores/as e
bibliotecários/as do ES concernentes às práticas
consideradas promotoras da leitura, em consonância
com as práticas e as políticas públicas de incentivo à
leitura implantadas pelo Governo Federal.
Tese
Ufes, 2012
A leitura literária em
espaços não escolares e a
universidade: diálogos
possíveis para novas
Letícia
Queiroz
de
Carvalho
Discorre sobre a importância da leitura literária na
formação de professores/as, especificamente no que
diz respeito às relações entre a universidade espaços
não escolares.
8 Tratamos nesta tese como sinônimos os termos: “leitura deleite”, “leitura-deleite” e “leitura para deleite”.
35
questões na formação de
professores
Dissertação
Unioeste,
2016
A Ideologia do Capital
nas Políticas Públicas de
Incentivo à Leitura: uma
análise da política de
incentivo à leitura do
município de Francisco
Beltrão-PR (2005-2015)
Keissiane
Michelotti
Geittenes
de Ávila
Identifica e analisa as contradições das políticas
públicas de incentivo à leitura. Evidencia que certas
políticas possuem como estratégia uma concepção
salvacionista de leitura, que se inserem no contexto
neoliberal, em que o Estado reduz o seu papel e
delega aos indivíduos a responsabilidade pelos
problemas estruturais da sociedade.
Dissertação
Ufes, 2016
Literatura nos Anos
Iniciais no Ensino
Fundamental: documentos
oficiais e discursos
docentes do município de
Serra/ES
Lorena
Bezerra
Vieira
Em um diálogo com docentes dos primeiros anos do
ensino fundamental, simultaneamente à análise de
documentos oficiais, discute as possibilidades de
reconhecimento da literatura nessa etapa de ensino
em específico.
Dissertação
Ufes, 2016
A Leitura nos Anos Finais
do Ensino Fundamental:
um diálogo com
professores e as atividades
de leitura registradas em
cadernos escolares
Sandrina
Wandel-
Rei de
Moraes
Por meio de um estudo de caso em quatro escolas da
rede municipal de ensino de Pinheiros (ES),
investigam-se as concepções de linguagem e leitura
em correlação com as práticas dos/as professores/as
dos anos finais do ensino fundamental.
Fonte: LIMA, 2007; CARVALHO, 2012; ÁVILA, 216; VIEIRA, 2016 e MORAES, 2016.
Eunice Negris Lima, na dissertação intitulada Representações e práticas de incentivo à leitura
no Espírito Santo, no período de 1997 a 2005, investigou as representações de professores/as e
bibliotecários/as do Espírito Santo sobre práticas consideradas incentivadoras e/ou promotoras
da leitura e da formação do/a leitor/a, a partir da análise das ações do Proler. A pesquisa
contemplou a análise das apropriações desses profissionais em relação aos programas de
incentivo à leitura, bem como os princípios metodológicos que regem o trabalho. Perscrutaram-
se, ainda, quais são as práticas de leitura mais privilegiadas por esses profissionais, bem como
os tipos de ações.
Num recorte temporal de 1997 a 2005, o estudo priorizou a análise de projetos/relatórios
enviados por professores/as e bibliotecários/as capixabas ao concurso Os melhores programas
de incentivo à leitura junto a crianças e jovens de todo o Brasil, no período de 1997 a 2005, a
fim de compreender as articulações entre essas representações e a política pública de incentivo
à leitura do Proler. O diálogo com as fontes documentais deu-se a partir dos princípios da
História Cultural, privilegiando o historiador Roger Chartier como interlocutor.
Salienta-se que Lima (2007) debruçou-se sobre as minúcias do programa: analisou sua
abrangência, suas diretrizes, suas reverberações no Espírito Santo, os discursos legitimados
pelas autoridades do Proler, por meio da leitura atenta de editoriais do Folha Proler, as
36
estratégias, ações e representações de leitura perpassadas na formação do/a leitor/a, o modelo
de política pública que subsidia o programa, bem como a concepção de leitura que o
fundamenta. É nesse último aspecto que nosso interesse maior se concentra.
Antes de desvelar a concepção de leitura do Proler mais detidamente, Lima (2007) traz um
diálogo com outros trabalhos, que evidenciam a permanência de conflitos que pouco cooperam
para uma sólida formação de leitores/as. Tratam-se de concepções muito atreladas ao texto
como pretexto para o ensino de regras gramaticais, ou a posicionamentos ingênuos que atribuem
ao professor o papel uníssono na formação de leitores/as (ou seja, correlaciona-se o fracasso
escolar à necessidade de formação de professores/as).
Outra questão contemplada pela autora é uma faceta de certas políticas públicas de leitura: ao
reduzir a leitura apenas à dimensão do prazer descompromissado, visão amplamente divulgada
e acastelada pelo aparato midiático, camuflam-se outras facetas relevantes, tais como disciplina
e trabalho. Desse modo, esse discurso nada ingênuo distancia a leitura do âmbito político e, por
sua vez, secundariza-se uma reflexão crítica. Com base nessas ponderações, salienta-se que o
estudo levado a cabo por Lima (2007) acerca das concepções de leitura é relevante não só para
demonstrar as intencionalidades governamentais em um contexto histórico específico, mas
para, por meio da análise dos documentos, trazer à baila o que tem “[...] sustentado políticas
públicas de incentivo à leitura, o modelo de leitor que se tem procurado formar [...]” (LIMA,
2007, p. 84).
Ao analisar um fragmento documento do programa, Lima (2007) argumenta que
O documento nos revela que a criação de uma sociedade leitora é de responsabilidade
não só do Estado, mas também dos parceiros imbuídos da tarefa de estimular a leitura
em espaços diversificados; contribuir financeiramente para a promoção da leitura;
promover convênios; divulgar o programa; formar o gosto de ler; dinamizar os acervos
e seus usos (YUNES, 1992). Nessa sistemática adotada pela política do PROLER, o
Estado atribui responsabilidades aos parceiros para execução do programa,
deslocando os deveres do Estado para os parceiros. Segundo Lima (2005), a política
de parcerias revela um ideário de Estado mínimo, delimitando suas ações num
movimento de partilhar com os parceiros a responsabilidade na condução dessa
política em todo o País (LIMA, 2007, p. 99).
A autora chama atenção para um aspecto muito interessante: à primeira vista, a defesa de
convênios entre o Estado e outras instâncias parece ser um caminho razoável na formação de
leitores/as. No entanto, ao delegar essa responsabilidade, revela-se o aspecto iníquo da
influência do Estado mínimo, quem tem como premissa fundamental dar relevo às mãos do
mercado nas instâncias sociais. Além disso, outro ponto criticado é o “perverso” discurso
37
estatal. A leitura é vista como um valor e fator imprescindível para as mudanças sociais, mas
poucos são os sujeitos que, de fato, têm acesso a ela (LIMA, 2007).
Nesse sentido, fica evidente uma representação de política de promoção da leitura
para a formação do leitor que estabelece característica distintiva – apesar da crença
produzida pelo discurso do Poder Público Federal de direitos de todos.
Como podemos observar, o discurso do PROLER propaga a crença no valor da leitura
voltado para a formação do leitor para o exercício da cidadania sem mencionar a
formação do leitor para a participação na política (LIMA, 2007, p. 101-102).
Diante das afirmações da autora, parece que há dois problemas: o primeiro é a não efetivação
de um direito para todos e, segundo, a não menção da leitura como fator que fomenta a
participação política. Ora, se a leitura é vista dessa maneira, pouco se pode esperar que os
cidadãos cobrem do Estado a real efetivação de um direito. Quanto à concepção de leitura e
suas respectivas reverberações relacionadas ao perfil de leitor/a, a pesquisadora observa
enfaticamente:
Dessa forma, podemos depreender a concepção de leitura como um ato prazeroso, o
que demonstra que fez parte das representações de leitura que sustentaram a política
de formação do leitor a ideia de que formar o leitor é transformar os indivíduos em
sujeitos que lêem por prazer. Portanto uma representação do brasileiro como alguém
que não tem acesso a práticas de leitura que propiciem o prazer de ler. [...]
Nesse sentido, nota-se que o brasileiro é concebido, pela política do PROLER, como
um sujeito que não gosta de ler e por isso é preciso ser convencido da necessidade de
ler pelos benefícios que a leitura oferece, possibilitando transformar sua realidade e a
sociedade. Compreendemos, a partir de Perrotti (1990), Silva (1986) e Britto (2003),
que essa forma de conceber a leitura, que perpassa a política de formação do leitor
implementada pelo PROLER, está baseada na concepção salvacionista de leitura que
vislumbra o esforço da promoção, da sedução, do incentivo para convencer a
população de que a leitura salva o indivíduo de sua situação marginalizada (LIMA,
2007, p. 103-107, grifo nosso).
Lima (2007) toca em um ponto fulcral nas discussões acerca da leitura: embora se defenda que
o ato da leitura perpasse pelo prazer, isso não significa que outros aspectos imbricados nesse
ato tenham que ser silenciados. Além disso, ao se apregoar com tamanha insistência o prazer
da leitura, à representação de brasileiro/a cabe, apenas, a constatação de que este é o sujeito que
não possui gosto pela leitura, logo, precisa ser seduzido. No lastro da sedução, persistem
discursos tais como “ler é bom”, “quem lê viaja”, e, nesse sentido, é preciso que haja esforços
de convencimento. Desse modo, é com criticidade que a autora questiona o caráter salvacionista
da leitura. Permeados por esse posicionamento e na máxima freireana, de que “Se a educação
sozinha, não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” (FREIRE, 2000, p.
67), admitimos que a leitura e literatura,
38
[...] por si só, mesmo que possibilitem o exercício da humanização de que fala
Candido (1988) não são suficientes para a resolução de certos conflitos inerentes ao
homem. Mas especificamente, a educação, sozinha, não resolverá as vilanias, os
conflitos e as desigualdades que vemos e lemos todos os dias neste país
(RAMALHETE, 2015, p. 143).
Lima (2007, p. 160), por sua vez, apresenta outras concepções de leitura presentes nos
documentos, que vão desde a leitura em voz alta, de modo a garantir a compreensão, ao
engajamento (LIMA, 2007, p. 221). Quanto ao contexto capixaba, expõe-se:
Dessa forma, compreendemos que permeiam o imaginário pedagógico de
profissionais capixabas representações de práticas incentivadoras da leitura
respaldadas por uma concepção de leitura como “busca de informação”, pois o texto
lido, como demonstrado nos exemplos, é visto como repositório de mensagens e
informações (LIMA, 2007, p. 203).
Ainda que cada contexto seja possível e passível de subversão, a afirmativa de uma concepção
de leitura ainda restrita à busca de informação preocupa. No entanto, pensamos que esse
posicionamento, embora insuficiente, não pode ser vociferado em um tom lesivo de críticas
direcionadas aos/as professores/as apenas, tendo em vista a constatação de fissuras e
incongruências epistemológicas chanceladas pelo programa governamental em questão. Desse
modo, ressaltamos que o estudo de Lima (2007) foi sobremaneira importante para construirmos
este trabalho, por se tratar não só de uma pesquisa consistente acerca do Proler, mas por
descortinar alguns clichês que circundam a leitura, suas concepções hegemônicas (leitura como
sedução, como estratégia salvacionista, como busca de informação, dentre outros), bem como
suas reverberações no modo de se conceber o/a leitor/a. Ficou claro, de igual modo, que é
preciso ter cautela na análise de certas iniciativas governamentais, que são feitas por sujeitos
que são históricos, sociais, com desígnios bem definidos.
Feitas as ponderações sobre as concepções de leitura, nos debruçaremos nas discussões acerca
da importância da leitura literária, no trabalho A leitura literária em espaços não escolares e a
universidade: diálogos possíveis para novas questões na formação de professores, de Letícia
Queiroz de Carvalho. Valendo-se metodologicamente da observação participante e da pesquisa-
ação, a partir dos referenciais teóricos tais como Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin e Paulo
Freire, Carvalho (2012) parte do princípio da natureza social da literatura e defende a
necessidade uma reformulação curricular, especificamente no que concerne aos estágios
supervisionados, de modo a pautarem-se na integração e atuação do professor de literatura em
quaisquer espaços sociais, para que haja uma participação cultural mais consciente e
responsável.
39
Resguardadas as devidas proporções, uma vez que a pesquisa de Carvalho (2012) se debruça
na formação inicial dos graduandos em Letras, o trabalho da autora nos interessou por causa de
algumas ponderações acerca da prática docente e da leitura literária. Uma delas é a afirmação
de que “[...] é inconcebível pensar a prática docente como uma profissão meramente técnica,
principalmente no campo da educação literária [...]” (CARVALHO, 2012, p. 25). Trata-se de
uma assertiva interessante frente aos impulsos neotecnicistas já denunciados no trabalho de
Duarte (2003) e também porque
A literatura deveria ser muito mais que um componente curricular em uma escola.
Quando pensamos ou falamos em literatura, adentramos um universo em que as
peculiaridades estilísticas, linguísticas e de representação nos permitem perceber a
força da criatividade e uma evidente intenção estética, seja em sua estrutura, seja em
suas estratégias de linguagem ou em sua constituição ideológica [...] (CARVALHO,
2012, p. 26).
A afirmação de Carvalho (2012), quanto à necessidade de a literatura extrapolar os limites dos
componentes curriculares escolares é bem-vinda, diante de um contexto que tende a diluir essa
disciplina apenas como mais um dos componentes curriculares de língua portuguesa9. Convém
salientar que a autora, mesmo que defenda a atuação da literatura fora do espaço escolar, não
relativiza a importância desta enquanto disciplina a ser ensinada nos espaços formais de ensino.
Além disso, seu trabalho contribui para esta tese, uma vez marca o viés social da leitura e da
literatura, ao reconhecer duplamente: a) a leitura como elemento de (re)construção da realidade,
em uma relação de alteridade (CARVALHO, 2012, p. 92); e b) a literatura como possibilidade
de contribuir para que os sujeitos reconheçam um determinado quadro social e, desse modo,
movimentem-se para transformá-lo (CARVALHO, 2012, p. 99). “Desse modo, a visão de
literatura que permeia nossas aulas precisa se distanciar de modelos e padrões impostos por
grades curriculares para estender-se à própria vida e aos diálogos que ela pode nos proporcionar
em contato com os livros” (CARVALHO, 2012, p. 100).
A dissertação de Keissiane Michelotti Geittenes de Ávila, intitulada A Ideologia do Capital nas
Políticas Públicas de Incentivo à Leitura: uma análise da política de incentivo à leitura do
município de Francisco Beltrão-PR (2005-2015), é uma pesquisa que analisa duas políticas
públicas, a saber: Proler e o PNLL. Particularmente, nos interessa não só pela profícua análise
de ambos os documentos, valendo-se do materialismo histórico-dialético (base fundamental da
9 Em 2017, a organização curricular do ensino médio nas escolas estaduais do Mato Grosso do Sul excluiu da
grade a disciplina de literatura, de modo que esta seja incorporada à disciplina de língua portuguesa (VACCARI,
2017).
40
arquitetura teórica bakhtiniana), mas por desvelar a cristalização da ideologia do capital nessas
políticas e descortinar as concepções de leitura nela imbricadas.
Além disso, Ávila (2016) analisou alguns documentos da Unesco e mostrou as facetas de um
Estado neoliberal que, ao delegar aos indivíduos os problemas estruturais da sociedade,
conjecturaram as políticas de leitura como estratégia salvacionista (perspectiva já criticada por
Lima (2007)) e redentora para as classes populares, mascarando, de tal modo, os objetivos da
pedagogia da hegemonia, bem como os interesses na manutenção da ordem (desigual) vigente.
Quanto a esses desdobramentos, a autora considera que:
Abordar políticas públicas, em especial, as designadas para a promoção da leitura e
formação do leitor, requer uma reflexão analítica sobre as intervenções estatais, cujo
foco são processos de aquisição de livros, com viés salvacionista e idealizado. Além
disso, implica considerar que as políticas são implementadas com base nos interesses
estatais e sociais, por isso, representam a cultura, os valores e as representações com
caráter ideológico (ÁVILA, 2016, p. 23).
Ao discutir as nuances da leitura e o contexto social, Ávila (2016) denuncia, ainda, o
descompromisso estatal com a escola, ao mesmo tempo em que atribui à leitura uma função
salvacionista. Ao coadunar com os estudos de Copes (2007)10, ratifica o “discurso fetichizante”
dessa prática e admite que, nessa lógica, as políticas de leitura, muitas vezes reduzidas à
distribuição de livros, prestam tributo à lógica do capital. Dessa forma, sinaliza que “[...] a
intenção de formar leitores exige uma superação desse caráter emergencial e assistencialista e
um investimento na formação continuada dos professores mediadores de leitura” (ÁVILA,
2016, p. 30). Quanto ao Proler, considera:
O Programa Nacional de Incentivo à leitura – PROLER, no caderno “Concepções e
diretrizes”, já sinaliza um eixo temático: leitura para o exercício da cidadania. Sua
prática é tomada como um requisito para a participação social e na sociedade é
“responsabilidade de todos”. Este discurso advindo do Estado que coloca o ser
humano como responsável sob o olhar aparentemente democrático, apaga as
diferenças sociais em que não são “todos” que têm as mesmas oportunidades de acesso
aos bens sociais. [...] Parece-nos que o documento traz um panorama de denúncia
tanto da cidadania como um conceito separado das condições sociais do sujeito, assim
como de uma concepção ingênua de leitura (ÁVILA, 2016, p. 100-101).
No tocante às críticas direcionadas à Unesco, sobretudo a respeito do enunciado “educação ao
longo da vida”, Ávila (2016) é categórica: denuncia um projeto assentado na aclimatação, na
imobilidade, na resignação, que, sob a vestimenta de um discurso de paz e de incerteza quanto
10 A pesquisa de Regina Janiaki Copes analisou o projeto governamental Literatura em Minha Casa, vinculado ao
já erradicado Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Buscou compreender como se dá a implementação
de tal projeto, por meio da análise de conteúdos das entrevistas com gestores, pedagogos, professores e
responsáveis pelas bibliotecas das escolas municipais e estaduais da cidade paranaense de Ponta Grossa.
41
ao futuro, prevê a formação de indivíduos adaptados (ÁVILA, 2016, p. 111). Concordamos
com as críticas de Ávila (2016) em relação ao projeto da Unesco “educação ao longo da vida”,
uma vez que este cristaliza as ações mercadológicas na educação e, ao mesmo, tempo oferece
ao trabalhador a ilusão de inserção na sociedade do conhecimento, à medida que os espaços
formativos diluem-se em vários locais: em casa, ou nos locais de trabalho, por exemplo. Assim:
“De fato, a ideia propagada em torno da leitura como forma de inclusão social carrega
implicações éticas e políticas, pois, paradoxalmente, carregam a concepção de que é preciso
incluir por meio da leitura sem modificar o modo de produção social” (ÁVILA, 2016, p. 120).
O discurso da inclusão admite que há exclusão. Isto é, se a leitura não está acessível a todos, se
há no país um déficit de leitura, é preciso, então, formar o gosto, o hábito de ler. Mesmo que se
reconheça essa fissura, tal discurso, ao não denunciar a raiz dessa igualdade ainda que de modo
breve, e, concomitantemente, ao apregoar a leitura como um bem em si, condicionado à
determinação do interesse individual, para a redução da desigualdade, é superficial, raso e
contestável.
Ávila (2016, p. 164) é ainda mais incisiva na questão da formação dos/as leitores/as, pois,
segundo ela, a abordagem de uma mudança apenas com a leitura em si, de modo uníssono, além
de ser reducionista, retira de pauta o debate mais amplo que são as desigualdades e as relações
de exploração pelo trabalho. Essa visão da autora não pode ser confundida com um desprezo
pela leitura, pois, “É exatamente nesse nível crítico que recusamos a visão ingênua da leitura
como alavanca de transformação e igualmente o desprezo por ela, como se existisse educação
sem leitura. Pensar sobre as dimensões acima citadas é saber que não há neutralidade nas
práticas leitoras” (ÁVILA, 2016, p. 165).
O trabalho de Ávila (2016) é muito inquietante, porque analisa os documentos governamentais
desvelando suas facetas mais nocivas e incongruentes. Porém, mesmo que, à primeira vista,
suas análises não mostrem uma saída imediata, é com destreza que se anuncia:
Entretanto, consideramos que o processo ideológico constitui um processo de
contradição, pois é marcado por relações dialéticas e movimentos que integram sua
própria superação. Além disso, a totalidade e a transformação do real permitem a
compreensão das transformações da sociedade (ÁVILA, 2016, p. 178).
A educação resguarda duas facetas: ainda que ela seja atrelada a um contexto de extrema
desigualdade, que haja algumas concepções triviais e levianas, ela pode ser um instrumento de
resistência, que passa pela consciência das contradições. Logo, compreendemos que a educação
e, mais especificamente, as políticas de incentivo à leitura podem fomentar e desenvolver um
42
discurso na contramão da ideologia do capital, rechaçando “[...] o vínculo que relaciona as
várias formas de discurso às condições sociais que o engendram e tornando manifestas as
causações reais, denunciando as explicações que apelam para causações que o são apenas na
aparência” (SEVERINO, 1986, p. 97 apud ÁVILA, 2016, p. 178).
Lorena Bezerra Vieira, no trabalho Literatura nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental:
Documentos Oficiais e Discursos Docentes do Município de Serra/ES, discorre, por meio da
análise dos discursos dos/as docentes dos primeiros anos do ensino fundamental,
simultaneamente à análise de documentos oficiais, as possibilidades de reconhecimento da
literatura nessa etapa de ensino em específico. Pautada nos estudos de Antonio Candido,
Bakhtin, Chartier e Leahy-Dios, assevera que tanto os documentos analisados quanto os
discursos são marcados social e historicamente e, nesse sentido, a educação literária pode ter
origem nas práticas pedagógicas de leitura e na formação de leitores/as.
Mais especificamente, Vieira (2016) analisa como a literatura é contemplada em documentos
oficiais que balizam o currículo, em que medida os/as professores/as compreendem e dialogam
com esses documentos e, concomitantemente, quais são as práticas de educação literária
presentes nesses discursos contemplados na pesquisa. As análises comprovaram que a
concepção de literatura/leitura literária não está muito bem delimitada nos documentos oficiais,
já que se propõe uma diluição: os textos literários “[...] são pautados juntamente com outros
gêneros textuais (VIEIRA, 2016, p. 144). Ou seja, não se faz uma distinção de textos literários
e não literários.
No caso dos/as professores/as, pondera “[...] que o entendimento do que é literatura e da
importância do trabalho com o texto literário nos anos iniciais está alinhavado entre a concepção
de boniteza do literário, da magia e da fabulação com as práticas de leitura, na perspectiva de
alfabetizar, de ser um leitor” (VIEIRA, 2016, p. 144). Pouco se vislumbra nesses discursos uma
concepção mais crítica e combativa da literatura. A autora ainda é incisiva, e é basicamente
neste aspecto que nosso interesse sobre o trabalho recai, ao afirmar a necessidade da
democratização do acesso à leitura literária (como possibilidade emancipatória) e a premência
de políticas públicas que reconheçam tanto o caráter da literatura como experiência estética e a
leitura literária como prática social. Para tanto, é preciso que se reconheça a especificidade do
texto literário, extrapolando as questões curriculares reducionistas.
43
A leitura nos anos finais do ensino fundamental: um diálogo com os professores e as atividades
de leitura registradas em cadernos escolares, de autoria de Sandrina Wandel Rei de Moraes, é
um trabalho que, ancorado no arcabouço teórico bakhtiniano e de Roger Chartier, investiga, por
meio de um estudo de caso em quatro escolas da rede municipal de ensino de Pinheiros (ES),
concepções de linguagem e leitura em correlação com as práticas dos/as professores/as dos anos
finais do ensino fundamental.
Moraes (2016) faz um trabalho cuidadoso: após atenta revisão de literatura, elabora um estudo
de como as práticas de leitura são abordadas em outros textos científicos, esclarece o referencial
teórico-metodológico trabalhado, para, enfim, efetuar as análises dos dados. Os resultados
apontaram, em linhas gerais: a) visões de linguagem que ora a conjecturam como meio de
comunicação ora como expressão do pensamento; b) e práticas de leitura que raras as vezes
tomam o texto em no viés da interação, como produtor de sentidos. Quanto às concepções de
leitura, ponto que nos interessa mais de perto, as análises perpassam pela concepção de leitura
como decodificação, compreensão e interação social. Quanto às análises dos cadernos dos/as
alunos/as, os resultados mostram uma coerência com as constatações anteriormente feitas. Em
síntese, os estudos evidenciam que a maioria das estratégias de leitura ainda se vale de uma
concepção de linguagem restrita à expressão do pensamento e/ou objeto de comunicação, sendo
rarefeitas as práticas leitura com a presença da produção de sentido e da interação.
A despeito dessas constatações, Moraes (2016, p. 242, grifo nosso) pondera que “[...] é preciso
[...] atentar para os processos de formação dos profissionais que trabalham com o ensino da
língua materna nos anos finais, as que são oferecidas pelo MEC e as do próprio município: em
quais pressupostos teóricos essas formações são pensadas?”. Nesse sentido, o trabalho de
Moraes (2016) foi relevante tanto por compreendermos as várias vertentes que englobam o
trabalho com a língua portuguesa nos finais do ensino fundamental, mas, também, para
compreendermos o quão inquietantes são as perpetuações de certas práticas docentes.
Por outro lado, longe de fazer um discurso culpabilizador acerca da prática dos/as
professores/as, a pesquisa enfatiza a necessidade de uma formação consistente. Bakhtin (2016,
p. 60) salienta que “Qualquer que seja objeto do discurso do falante, ele não se torna objeto do
discurso em um enunciado pela primeira vez, e um determinado falante não é o primeiro falante
sobre ele”. Talvez, esta tese se configure a uma espécie de eco à ênfase de Moraes (2016) quanto
à formação de docentes e, sobretudo, quanto à indagação anteriormente citada.
44
Retomando os trabalhos citados neste tópico, pensamos que, em certa medida, os estudos de
Lima (2007) se aproximam da pesquisa de Ávila (2016), pois ambas rechaçam uma visão
salvacionista da leitura e criticam a leitura apenas restrita à ludicidade. Desse modo, embora o
prazer11 seja um dos fatores imbricados na leitura literária, tal ato não pode caracterizar-se como
algo ensimesmado, pois, como experiência humana, a “Leitura não é uma experiência solitária,
mas solidária. Ler é inserir-se no caudaloso rio da múltipla e instável experiência humana,
humanizando-se: toda palavra exige contrapalavras” (DALVI, 2012, p. 22).
A partir dos estudos de Ávila (2016), pode-se pensar nas artimanhas de um Estado que,
subserviente aos ditames mercadológicos, reduzem as políticas públicas de leitura a um arauto
redentor das desigualdades sociais, focalizando o indivíduo como único responsável por suas
próprias mazelas. Mesmo assim, ainda que a escola e a leitura sejam feitas de instrumentos para
perpetuação de uma ideologia neoliberal, por meio da contradição, é por elas, também, que se
possível desconstruir esse cenário, resistir.
Mesmo que os estudos de Carvalho (2012), Vieira (2016) e Moraes (2016) não tratem
especificamente de programas de professores/as alfabetizadores/as, as pesquisas das referidas
autoras foram importantes para, lembrarmos, nesta tese, consoante Carvalho (2012), que a
literatura tem um viés social e não pode estar circunscrita apenas aos muros limítrofes das
instituições educacionais. A leitura das pesquisas nos lega mais um alerta. Afinal, ao se reduzir
as políticas públicas de formação de leitores/as apenas à óptica livresca, diluir o texto literário
em documentos oficiais como se este não tivesse uma especificidade, delegar aos cidadãos uma
maior responsabilidade por sua formação e inserir no âmbito social propostas de trabalho que
embaciam o caráter político da leitura, compromete-se o direito à literatura, conforme assinalou
Candido (1988).
2.2 PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS
ALFABETIZADORES/AS
Após as ponderações sobre as concepções de leitura e sobre a leitura literária, nossa atenção,
neste momento, será direcionada aos programas governamentais de professores/as
11 Trataremos desse assunto com mais profundidade adiante.
45
alfabetizadores/as, a saber: Profa, Pró-Letramento e Pnaic. Salientamos, de antemão, que diante
de tantas pesquisas relacionadas aos programas, sobretudo em relação ao Pnaic, que
contemplam temáticas atinentes à gestão escolar, à educação especial, às relações de identidade,
ao aprendizado de matemática, por exemplo, foi necessário estabelecer alguns critérios para a
escolha das pesquisas a serem discutidas nesta tese. A prioridade se deu para as pesquisas
documentais que se debruçam nas análises desses programas, com foco principal circunscrito
às questões inerentes à leitura, ou à leitura literária, ou às questões de linguagem, excetuando-
se trabalhos que contemplam ações localizadas12.
As pesquisas contempladas nesta seção, organizadas por ordem cronológica, estão dispostas,
conforme descrito no quadro a seguir.
Quadro 2 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre programas governamentais de formação de
professores/as alfabetizadores/as
Tipo de
Trabalho Título Autoras Breve Resumo
Dissertação
Ufes, 2007
O Ensino da Leitura no
Programa de Formação
de Professores
Alfabetizadores (Profa)
Fernanda
Zanetti
Becalli
Por meio de uma análise documental, pautado na
concepção bakhtiniana da linguagem, o trabalho
discute as concepções de leitura e de texto legitimadas
pelo Profa. Constata que tais concepções estão
fincadas na dimensão psicolinguística do processo de
ensino e aprendizagem da leitura. O texto reduz-se a
um mero pretexto para a abordagem gramatical das
relações letras e sons.
Tese
Ufes, 2015 Um olhar sobre o Pró-
Letramento
Janaína
Silva
Costa
Antunes
O trabalho debate, por meio de uma concepção
bakhtiniana da linguagem, os conceitos de
alfabetização e de letramento que ancoram o Pró-
Letramento. Constata que o programa dá mais ênfase
à escrita, entretanto, os constructos teóricos que
norteiam o conceito de alfabetização são diversos.
Além disso, mostra que o currículo proposto pelo
programa se aproxima do currículo por competências,
arrefecendo, desse modo, as possibilidades de uma
educação emancipatória.
Tese
Unesp,
2015
Análises dos
pressupostos de
linguagem nos cadernos
de formação em língua
portuguesa do Pacto
Nacional pela
Alfabetização na Idade
Certa – PNAIC
Valéria
Aparecida
Dias
Lacerda de
Resende
À luz de uma concepção bakhtiniana da linguagem,
analisa os Cadernos de Formação de Língua
Portuguesa do Pnaic e conclui que estes se
fundamentam numa restrita concepção da língua, ou
seja, ela é reduzida a um conjunto de signos. Dessa
maneira, a formação de professores/as fica
circunscrita a uma espécie de receita e a possibilidade
contrapalavra das crianças para a efetiva apropriação
da linguagem escrita é afastada.
12 Chamamos de trabalhos que contemplam as ações localizadas as pesquisas que se debruçaram em fenômenos
municipais, em ações escolares, dentre outras.
46
Tese
Ufes, 2017
Cadernos de formação
do Pnaic em Língua
Portuguesa: concepções
de Alfabetização e de
Letramento
Kaira W.
Couto
Costa
Pautada na concepção bakhtiniana de linguagem e dos
estudos de base histórico-cultural, a tese analisa os
conceitos de Alfabetização e de Letramento que
balizam a formação de professores/as
alfabetizadores/as inseridos no Pnaic. Constatou-se
que, embora o programa apregoe a indissociabilidade
dessas práticas, há uma separação entre elas, ao dar
relevo à Alfabetização como uma prática restrita à
aquisição do código escrito.
Dissertação
Unimep,
2017
A Concepção de
Linguagem do Pnaic e
Implicações
Metodológicas para o
Ensino da Linguagem
Escrita: um estudo a
partir da Psicologia
Histórico-Cultural
Patricia
Maria
Guarnieri
Ramos
A pesquisa toma como objeto de estudo Pnaic e
analisa a concepção de desenvolvimento humano, de
linguagem, de linguagem escrita e as implicações
metodológicas presentes no caderno de apresentação
e nos cadernos de formação de professores/as
correspondentes ao 3º ano do Ensino Fundamental.
Fonte: BECALLI, 2007; ANTUNES, 2015; COSTA, 2017; RAMOS, 2017.
Antes de dialogarmos com os estudos de Fernanda Zanetti Becalli, na dissertação defendida em
2007, O Ensino da Leitura no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa),
é necessário conhecermos, ainda que de modo bem sucinto, em que consiste o programa. Com
apenas dois anos de duração (2001-2002), o Profa foi
[...] um curso de aprofundamento, destinado a professores e formadores, que se orienta
pelo objetivo de desenvolver as competências profissionais necessárias a todo
professor que ensina a ler e escrever. Por intermédio deste projeto serão oferecidos
meios para criar um contexto favorável para a construção de competências
profissionais e conhecimentos necessários a todo professor que alfabetiza. Que
condições são essas? Um grupo de formação permanente, um modelo de trabalho
pautado no respeito aos saberes do grupo e em metodologias de resolução de
problemas, materiais escritos e videográficos especialmente preparados para o curso
e uma programação de conteúdos que privilegia aqueles que são nucleares na
formação dos alfabetizadores (BRASIL, 2001c, p. 5).
Trata-se de um programa que, segundo seu próprio documento de apresentação, evoca a
produção de conhecimentos específicos na área da didática, pois, tendo em vista a “mudança
de paradigma na alfabetização”, declara que o conhecimento em psicologia da aprendizagem,
psicolinguística ou sociolinguística não se mostrou satisfatório, por si só, para promover a
transformação na prática escolar. O tempo de institucionalização oficial do programa foi de
2001 a 2002. Segundo Becalli (2007, p. 37), por se tratar de um curto período de existência,
considerar o projeto como capaz de melhorar o desempenho de alunos/as é um equívoco.
A partir dessa apresentação, é possível dialogar com o trabalho de Becalli (2007) mais
claramente. Trata-se de uma pesquisa que investigou os estudos construtivistas no ensino da
47
leitura do Profa, chancelados pelo MEC. O trabalho se debruçou nos fundamentos teóricos e
metodológicos que sustentam tal abordagem, de modo a indagar se eles contribuem para a
formação da criticidade nos sujeitos leitores.
Inicialmente, Becalli (2007) descreve a consternação de um grupo de professores/as
alfabetizadores/as que buscava no Profa uma espécie de salvação para o fracasso de seus/suas
alunos/as, ao mesmo tempo em que desenvolviam o trabalho com a leitura de modo tradicional,
isto é, o privilégio da abordagem das relações letras e sons. Tal constatação vai ao encontro das
críticas feitas por Schwartz (2006), ao discutir em sua pesquisa, feita com crianças, as visões
utilitaristas de leitura. A partir de traçado histórico, a autora discorre sobre os fundamentos
teóricos e metodológicos do ensino da leitura no Brasil. Em linhas gerais, Becalli (2007)
assegura que o percurso da Colônia à Primeira República privilegiou os métodos sintéticos e
analíticos de alfabetização, mas que, ao reduzir a linguagem somente ao âmbito do fisicamente
observável e do sensorial, constituem-se em uma abordagem associacionista: “Dessa forma, os
alunos se apropriavam da linguagem por meio da pura imitação que requeria capacidade de
associação mecânica, passiva e repetitiva” (BECALLI, 2007, p. 52). Já no período que
compreendeu a Era Vargas ao Regime Militar, Becalli (2007) demonstra que houve interseção
entre os métodos de alfabetização:
A partir do exposto, foi possível constatar que, no período de 1929 a 1985, os métodos
de ensino (sintéticos, analíticos e ecléticos) que compreendiam a leitura como uma
atividade de decodificação e o texto como um conjunto de elementos gramaticais
permaneceram balizando o modelo de ensino da leitura nas classes de alfabetização.
No entanto também podemos observar, com as reflexões de Freire (1993), o início de
um movimento fundador do “novo” que, ao buscar a ruptura com o passado,
denunciou a situação desfavorável que perpassava a leitura no País e construiu novos
sentidos para o ato de ler, com o intuito de promover a mudança social (BECALLI,
2007, p. 59).
Como pode ser visto, a predominância de métodos de alfabetização, com um viés mecanicista,
focado nas relações fonéticas e fonológicas, cristalizou-se no Brasil no período
supramencionado. O método freireano de alfabetização, conforme a autora, consiste não só em
uma inovação, mas um caminho na contramão de concepções hegemônicas e inertes de
alfabetização.
Em relação ao período pós-ditadura militar até os dias atuais, Becalli (2007) discute a ampla
aceitação dos estudos de Ferreiro e Teberosky (1999), que, arraigadas fortemente nas premissas
da psicogenética piagetiana, tratam da alfabetização a partir da idealização de sujeitos, em
situações experimentais devidamente controladas. Por outro lado, por meio da discussão de uma
48
abordagem histórico-cultural, é possível conjecturar a linguagem irmanada às relações sociais,
como atividade constitutiva dos sujeitos. Desse modo, completa:
[...] que os princípios basilares da abordagem associacionista e da psicogenética
atenderam aos interesses das classes dominantes, uma vez que ambas não
contribuíram de uma maneira efetiva para a formação de leitores críticos. Essas
constatações, portanto, evidenciam a importância de estudos que focalizem a
alfabetização e o ensino de leitura a partir de uma abordagem historicizadora que, de
fato, não obscureça as “[...] reais condições escolares e histórico-sociais que
impediram e impedem o acesso igualitário aos conhecimentos em sociedades que se
desenvolveram/desenvolvem às custas das desigualdades e da exploração”
(GONTIJO, 2005, p. 62-63)” (BECALLI, 2007, p. 73).
A autora também se debruça na abordagem histórico-cultural da linguagem, apontando uma
série de fatores a serem considerados na alfabetização. No tocante à leitura, cerne de nossas
atenções neste percurso, é importante destacar que:
A leitura, nesse contexto, configura-se como uma prática em que os sujeitos, por
alguma finalidade, dialogam com outros sujeitos por meio dos textos que circulam na
sociedade. É nesse processo dialógico que produzem sentidos para o que lêem,
assumindo uma ativa posição responsiva diante dos textos. No entanto, para que as
crianças aprendam a se relacionar dialogicamente com os textos, é fundamental que o
professor, além de ensinar as relações entre sons e letras, ensine-as a comparar
informações de mais de um texto e relacioná-las com suas vivências, a indagar os
textos, a compreender o que está explícito e também o que está subentendido no texto,
a construir inferências, a antecipar conteúdos, a identificar informações, a reconstruir
as ideias do texto, a compreender as funções dos textos bem como as situações em
que são usados pelas pessoas e com que intenções (BECALLI, 2007, p. 20).
A visão de Becalli (2007) se mostra coerente, tendo em vista que a leitura é um processo de
produção de sentidos. Tal premissa vai de encontro às concepções de leitura do Profa, visto que
“[...] as vozes que sustentam o modelo de ensino da leitura do PROFA estão respaldadas nos
pressupostos teóricos do construtivismo e nos pressupostos metodológicos da resolução de
situações-problema” (BECALLI, 2007, p. 184). Segundo a autora, a concepção de leitura no
programa não se constitui em uma atividade de produção de sentidos, mas de recuperação do
significado proposto pelo autor no momento da escrita. Desse modo,
Apesar de a concepção de leitura do PROFA estar balizada por diferentes abordagens
de ensino da leitura – modelo psicolingüístico e modelo interacionista de leitura –, as
interações do leitor com o texto lido continuam sendo concebidas a partir de uma
perspectiva piagetiana em que o sujeito psicologicamente idealizado recupera, por
meio das marcas textuais deixadas pelo autor no momento da escritura, o único sentido
possível circunscrito no próprio texto (BECALLI, 2007, p. 191).
Diante da análise supracitada, podemos inferir que o Profa, ao ancorar-se na base
epistemológica piagetiana, privilegiando o fator biológico, independente dos contextos
históricos e sociais, trata a leitura não como produção de sentidos, mas como uma atividade
realizada pela interação entre sujeito e objeto: “o PROFA postula que o simples contato da
49
criança com a linguagem escrita, numa relação direta, natural e espontânea, possibilita, por si
só, a aprendizagem da leitura” (BECALLI, 2007, p. 201). Como se vê, trata-se de um
distanciamento de uma visão mais coerente da leitura, tendo em vista que esta é um ato político,
uma prática social historicizada, com a interação presente na relação autor, texto e leitor
(BECALLI, 2007, p. 191).
Corroboramos com a visão de Becalli (2007, p. 196-197), ao refutar a limitadora abordagem
construtivista no ensino da leitura do Profa, tendo em vista a urgente necessidade de um trabalho
formativo que contribua com reflexões que insiram o/a aluno/a e o próprio professor como
sujeitos históricos, que experenciam mudanças e contradições. Sujeitos que interagem
dialogicamente com o social, constituindo e sendo constituídos por ele. Por fim, os estudos de
Becalli (2007) contribuem, muito, para a nossa pesquisa, ao evidenciarem que as concepções
de alfabetização pautadas nos estudos piagetianos, tão largamente difundidas, reverberam em
documentos oficiais de formação de professores/as. Mas, se por um lado, o trabalho da autora
é de denúncia, de não conformidade com tal concepção, por outro, há uma defesa da leitura não
como um ato preso aos fatores orgânicos, ou de ordem biológica: é preciso levar em conta a
historicidade dos sujeitos e os contextos sociais de produção da existência humana.
Outro programa governamental de formação de professores/as alfabetizadores/as é o Pró-
Letramento, implantado em março de 200513, realizado pelo MEC em parceria com
universidades e sistemas de ensino, que, valendo-se da modalidade semipresencial, consiste na
formação continuada de docentes, visando à melhoria da aprendizagem da leitura, escrita e
matemática para alunos/as do Ensino Fundamental I. Além disso, o Pró-Letramento tem como
objetivos:
[...] propor situações que incentivem a reflexão e a construção do conhecimento como
processo contínuo de formação docente;
13 O programa teve atuação intermitente e só foi encerrado em 2012, com a implementação do Pnaic. Segundo o
Documento Norteador do Programa (apud ANTUNES, 2015, p. 276-283) “Iniciado em 2005, o programa foi
implantado nos estados de RN, CE, MA. Já em 2006, incluiu-se os estados da BA, PI, SC, PE, SE, RJ, SP, PB e
AL. No ano de 2007 a expansão do programa foi para os Estados de AC, AP, RO, RR. Nesse ano, o programa
acrescentou uma nova etapa: a do revezamento, quando o professor que cursou matemática tem a oportunidade de
cursar também alfabetização. Iniciou-se, também, o revezamento nos estados onde o curso já havia finalizado. No
ano de 2008, foi realizada a expansão para todo o país, incluído os estados de AM, ES, GO, MG, MS, PA, PR, RS,
TO. Em 2009, o DF e MT iniciaram as suas formações. [...] A partir de 2010 o número de IES parceiras na execução
do Programa foi ampliado, passando a contar com 21 IES que se dividem no atendimento pelos diferentes estados
[...]”.
50
• desenvolver conhecimentos que possibilitem a compreensão da matemática e
da linguagem e de seus processos de ensino e aprendizagem;
• contribuir para que se desenvolva nas escolas uma cultura de formação
continuada;
• desencadear ações de formação continuada em rede, envolvendo
Universidades, Secretarias de Educação e Escolas Públicas dos Sistemas de Ensino
(BRASIL, 2012a, p. 7).
Com a finalidade de compreender os conceitos de alfabetização e de letramento que ancoram o
Pró-Letramento, o trabalho de autoria de Janaina Silva Costa Antunes, intitulado Um Olhar
sobre o Pró-Letramento, analisou mais detidamente os documentos do currículo e da avaliação
diagnóstica inseridos no programa. Com base em uma atenta análise dos documentos (currículo
e avaliação da aprendizagem), sustenta que, ainda que o programa apresente a alfabetização e
o letramento como processos indissociáveis, o documento é contraproducente, pois dá relevo a
fatores relacionados ao sistema de escrita: “[...] o “alfabetizar letrando” não se concretiza no
currículo e avaliação propostos pelo programa, quando a aquisição do código (alfabetização) é
priorizada” (ANTUNES, 2015, p. 79).
A pesquisa de Antunes (2015) se estruturou da seguinte forma: primeiramente, anuncia-se a
perspectiva bakhtiniana de linguagem como norteador teórico. Em seguida, analisam-se as
bases teóricas da qual o programa é uma espécie de porta-voz, para, então, serem discutidos os
conceitos de alfabetização e letramento. Após uma revisão de literatura, comprova-se que este
se limita ao domínio do código (codificação e decodificação) e aquele à capacidade de utilizá-
lo (o código) em situações sociais.
Antunes (2015) analisa documentos, tais como currículo e avaliação da aprendizagem, de modo
a evidenciar, com mais consistência, que o programa privilegia como conceito de alfabetização
o domínio dos códigos. A análise é feita separadamente em eixos, que são a “compreensão e
valorização da cultura escrita”, a “apropriação do sistema de escrita”, a “leitura”, a “produção
de textos escritos” e o “desenvolvimento da oralidade”. Dada a evidente necessidade de recorte,
nossa atenção será direcionada apenas ao terceiro eixo: “leitura”. Quanto a isso, é afirmado:
Percebemos, no texto, certo distanciamento entre os processos de alfabetização e
letramento, quando a leitura é apresentada como atividade que engloba as capacidades
necessárias à alfabetização até aquelas que habilitam o aluno à participação nas
práticas sociais, ou seja, o letramento. Esse distanciamento nos remete à nossa tese,
pois esse fato parece desconstruir, de certa forma, o que o material concebe como
norteador: a indissociabilidade entre alfabetização e letramento (ANTUNES, 2015, p.
13).
51
A partir do olhar de Antunes (2015), inferimos que a leitura, no programa, é condição necessária
para a consolidação da alfabetização e do letramento. Há,
[...] portanto, aproximações entre a concepção de leitura adotada nos PCNs e a trazida
no Pró-Letramento, especialmente no que diz respeito à ideia de que a leitura é um
processo de compreensão de significados. Não negamos que a leitura/reconhecimento
das palavras seja uma importante etapa no processo de compreensão ativa e responsiva
da leitura, mas não a única, pois, se o fosse, a compreensão levaria o leitor somente à
reprodução do que foi dito (ANTUNES, 2015, p. 132).
Há uma lógica na análise, pois a leitura nos constitui: sendo um ato que remete tanto ao sujeito
como a uma coletividade, imersa no universo do sensível, do labor, trata-se de um movimento
constante de alteridade, de aprendizagem. Desse modo, se a leitura compreende também fatores
históricos, sociais e culturais, ela é muito mais que um instrumento de comunicação ou
reconhecimento de palavras.
Antunes (2015, p. 136) ainda questiona os princípios gerais para a leitura apregoados pelo Pró-
Letramento, dada a não passividade do/a leitor/a; mas é adiante que sua afirmação se torna mais
contundente: “[...] acreditamos que a leitura não pode ser limitadora. A diversidade textual
aliada à mediação pedagógica do professor é o que proporcionará a formação de leitores e não,
decifradores” (ANTUNES, 2015, p. 139). Comungamos da assertiva da autora e acrescentamos
que o ensino da leitura implica mediação e uma diversidade discursiva, incluindo, claro, os
textos literários.
Em meio a algumas divergências epistemológicas e metodológicas questionadas por Antunes
(2015), um aparente consenso parece soar:
Finalmente, o quadro que trata do eixo Leitura demonstra ao leitor que se espera que
a criança consiga: desenvolver atitudes favoráveis à leitura; decifrar, ler com fluência
e compreender textos; identificar as finalidades, antecipando conteúdos, confirmando
ou não hipóteses sobre eles; fazer inferências para ampliar a compreensão; conseguir
uma compreensão global do texto e avaliá-lo. Assim, pensamos que as crianças são
capazes de desenvolver o que é proposto pelo programa, mas elas podem ir além,
porque, “[...] lendo a palavra do outro, posso descobrir nela outras formas de pensar
que, contrapostas às minhas, poderão me levar à construção de novas formas e assim
sucessivamente” (GERALDI, 2003, p. 171). A leitura é, portanto, uma oportunidade
de expressar nossas réplicas à palavra do outro (BAKHTIN, 2009) (ANTUNES, 2015,
p. 142).
“A palavra do outro coloca diante do indivíduo a tarefa especial de compreendê-la [...]”
(BAKHTIN, 2017b, p. 38). Numa tentativa de compreensão após a leitura do trabalho de
Antunes (2015), e até mesmo de réplica, pensamos que a leitura, enquanto processo resultante
de um dado contexto histórico-social, deve ocupar posição central no ensino e lugar
peremptório nas pesquisas acadêmicas. Sob tal afirmação repousa a premissa discursivo-
52
dialógica, essencial para a compreensão do elo autor-texto-leitor. Mesmo com todas as
limitações do sistema educacional brasileiro, o que se busca é a emancipação de sujeitos. E esse
processo emancipatório não pode furtar-se da leitura literária.
Antes de dialogarmos com o trabalho de Valéria Aparecida Dias Lacerda de Resende, uma
apresentação do Pnaic se faz necessária. Loose (2016) pondera que documentos tais como o
Educação para Todos apontam para a necessidade de se estabelecer metas, direcionadas
sobretudo ao campo da alfabetização, leitura e escrita. Tais objetivos demandam uma série de
ações governamentais, compromissos entre estados e municípios e é dentro desse contexto que
o Pnaic se insere. Criado em 2012, Pnaic “[...] é um compromisso formal assumido pelos
governos federal, do Distrito Federal, dos estados e municípios de assegurar que todas as
crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino
fundamental” (MEC, 2012). Trata-se de um programa recente, mas com um objetivo ambicioso.
As ações do Pacto estão estruturadas em quatro eixos de atuação: a) formação continuada para
professores/as alfabetizadores/as e orientadores/as do estudo; b) materiais didáticos e obras
literárias, ora distribuídas pelo PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), ora pelo
PNLD (Programa Nacional do Livro Didático); c) Avaliações sistemáticas, que contemplam
desde as avaliações processuais às de larga escala, como a Provinha Brasil, por exemplo; d)
Gestão, mobilização e controle social.
Com base nesses apontamentos, apresentamos a tese de Resende (2015), intitulado Análises dos
Pressupostos de Linguagem nos Cadernos de Formação em Língua Portuguesa do Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC. Trata-se de um trabalho analítico dos
cadernos de formação do Pnaic, visando a identificar as concepções de linguagem, de
alfabetização e de escrita nesses documentos. Essa pesquisa nos interessou, pois, além de
analisar os cadernos, pautou-se numa crítica ao Letramento, citando, inclusive, trabalhos de
estudiosas vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
do Espírito Santo (PPGE-Ufes), tais como as professoras doutoras Claudia Maria Mendes
Gontijo e Cleonara Schwartz.
Primeiramente, Resende (2015) traça uma contextualização de seu trabalho, evidencia objetivos
e metodologias, à luz das análises dos cadernos de formação. Em seguida, privilegia quatro
estudos sobre a linguagem, pautando-se em um diálogo com os estudos de Ferdinand de
Saussure, Mikhail Bakhtin, Jean Piaget e Lev Vygotsky. Essa sequenciação de autores é
53
interessante, pois mostra os caminhos trilhados pela autora, que optou pela feitura de um
contraponto entre os teóricos mencionados.
A abordagem primeira dos estudos saussureanos no trabalho de Resende (2015) foi fundamental
para que os/as leitores/as entendam a concepção de linguagem bakhtiniana, que, dentre outros,
critica uma visão que restringe a linguagem a um sistema fechado de regras. Os estudos de
piagetianos foram também discutidos e correlacionados aos estudos de Ferreiro e Teberosky
(1999), deixando claro “[...] que esses elementos conceituais de Ferreiro/Piaget irão compor o
diálogo com os pressupostos de linguagem explicitados nos Cadernos de Formação em Língua
Portuguesa dos Anos 1, 2 e 3, das Unidades 1 do PNAIC” (RESENDE, 2015, p. 77). Por fim,
a perspectiva de Vygotsky foi inserida para evidenciar uma nuance discursiva e interativa de
linguagem, ressaltando, em alguns momentos, a proximidade com o pensamento de Mikhail
Bakhtin.
Resende (2015) critica o posicionamento hegemônico em relação ao letramento e aponta a
necessidade da alfabetização se aproximar mais de uma concepção dialógica da linguagem,
vislumbrada, inclusive, na formação de professores/as e suas consequentes propostas de ensino.
Ao criticar a insistência do entrelaçamento entre essas duas perspectivas, que perpassam os três
programas governamentais que serão analisados neste trabalho, a autora desvenda uma
realidade incômoda de “[...] muitas das ilusões, em relação à formação do professor-
alfabetizador” (RESENDE, 2015, p. 85).
Quanto às concepções de linguagem, alfabetização e escrita, a pesquisa evidencia que tais
fatores estão ligados, respectivamente, às questões gramaticais, ao domínio do código e ao que
autora chama de “princípio da normatividade” (RESENDE, 2015, p. 111), já que a escrita,
também, concede mais ênfase às questões ortográficas. Dessa forma,
O processo de aprendizagem da escrita fica restrito à relação interna das unidades das
palavras, no reconhecimento de sons e grafias, sílabas, pronúncias, encontros
consonantais, palavras, elementos considerados como condição para a aquisição da
leitura e da escrita. (RESENDE, 2015, p. 125).
Por fim, essa normatividade, ou seja, o privilégio por uma abordagem puramente linguística,
impede a ocorrência de relações dialógicas no ensino de língua materna, uma vez que a
apropriação da linguagem escrita, a partir da produção de sentidos e da mediação do professor,
é olvidada.
54
O trabalho Cadernos de formação do Pnaic em Língua Portuguesa: concepções de
Alfabetização e de Letramento, de Kaira W. Couto Costa, destina-se a compreender os
conceitos de alfabetização e de letramento que sustentam o Pnaic. Por meio de uma análise dos
cadernos de formação do Pnaic, fundamentando-se teoricamente nos estudos de Mikhail
Bakhtin e seu círculo, sustenta a tese de que, embora os documentos expressem a
indissociabilidade entre a alfabetização e letramento, tal fato não se materializa, uma vez que é
enfatizada a alfabetização como aquisição do código escrito. Tal constatação, além de dialogar
com os estudos de Resende (2015), dialoga com estudos de Becalli (2017) e Antunes (2015).
Embora sejam programas governamentais sejam distintos, as concepções, as constatações e as
incongruências se repetem.
O trabalho contempla a revisão de literatura, o referencial teórico-metodológico, bem como um
capítulo destinado a discutir e compreender os termos alfabetização e letramento. Apresenta,
em seguida, o corpus analítico, para que sejam descortinados, por fim, esses conceitos no Pnaic
2013. Costa (2017, p. 136), além de tecer críticas quanto aos preceitos construtivistas que
balizam o programa, direciona uma crítica ao pragmatismo do programa, ao depositar apenas
na prática docente o caminho para a melhoria do ensino, sem mencionar a necessidade premente
de valorização dessa categoria profissional e outros aspectos correlacionados ao fazer
pedagógico.
Após as análises, quanto à concepção de alfabetização, Costa (2017) esclarece que as
orientações didáticas se pautam no sistema de escrita alfabética. Assim, as atividades são
carreadas por uma visão utilitarista do texto como pretexto para o ensino do sistema de escrita.
Ao centralizar-se nos gêneros discursivos de modo haurido, essas produções destinam-se a
atender um caráter imediatista: “Nessa direção, o discurso presentificado nos textos conceitua
a alfabetização como uma técnica, uma competência linguística que possibilitará,
posteriormente, aos sujeitos o acesso a práticas de letramento” (COSTA, 2017, p. 136).
O último trabalho deste eixo a ser apresentado é A Concepção de Linguagem do Pnaic e
Implicações Metodológicas para o Ensino da Linguagem Escrita: um estudo a partir da
Psicologia Histórico-Cultural, de Patrícia Maria Guarnieri Ramos. Trata-se de uma pesquisa
importante, pois além de se aproximar das análises já citadas neste item, problematiza a
concepção construtivista que baliza os documentos oficiais e políticas públicas de alfabetização.
55
A dissertação analisa os cadernos de formação de professores/as do 3º ano do Ensino
Fundamental e o caderno de apresentação do Pnaic, de modo a perscrutar as concepções de
desenvolvimento humano, de linguagem, de linguagem escrita e as implicações metodológicas
presentes nesse programa. Fundamenta-se teórico-metodologicamente nos estudos da
Psicologia Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica, ambas fundamentadas na
filosofia marxiana. Como método de investigação, assume o materialismo histórico e dialético
(RAMOS, 2017).
A autora salienta o caráter social e histórico do desenvolvimento e ressalta os processos de
ensino e de aprendizagem como elementos fundamentais para o desenvolvimento de funções
psíquicas culturais. A linguagem é compreendida como função psicológica superior, não restrita
à adaptação do indivíduo ao meio. Ao contrário, é instrumento de transformação do homem e
de sua cultura (RAMOS, 2017).
O trabalho de Ramos (2017) estrutura-se da seguinte forma: inicialmente, é traçado um breve
percurso formativo da pesquisadora, em seguida, discutem-se os índices de analfabetismo no
Brasil. Os capítulos que seguem delimitam o histórico da alfabetização no Brasil, os principais
aspectos concernentes à Psicologia Histórico-Cultural, com ênfase às implicações
metodológicas na alfabetização. Discute-se, também, em que consiste o Pnaic. Sobre esse
aspecto, cabe um olhar mais acurado. Após atenta análise do caderno de apresentação, que põe
em xeque a formação inicial do professor, ao afirmar que “Na formação inicial tem-se
enfatizado mais a teoria e na continuada, a prática” (BRASIL, 2012, p. 11), uma crítica é tecida,
ao serem descortinados os fundamentos do saber-fazer-fazendo e da pedagogia do aprender a
aprender. Logo, ao apregoar uma desvalorização da formação inicial, nota-se um afinamento
aos ditames neoliberais e rejeitam-se “[...] questões teóricas e metodológicas essenciais à
formação do professor e, de certa forma, isentando os cursos de Pedagogia de enfrentarem tais
questões, de tal modo que há um afastamento da concepção transformadora da vida social e
individual” (RAMOS, 2017, p. 86).
Bakhtin (2017, p. 67) pondera que “Um texto só tem vida contatando com outro texto
(contexto). Só no ponto desse contato de textos eclode a luz que ilumina retrospetiva e
prospectivamente, fazendo dado texto comungar no diálogo”. As conclusões erigidas por
Ramos (2017), após análises dos cadernos de formação, confluem-se à pesquisa de Costa
(2017): ambas salientam o caráter duvidoso do “alfabetizar letrando”, tendo em vista o seu
flagrante pragmatismo e descompromisso com uma visão contra-hegemônica de sociedade.
56
Nesse sentido, a autora salienta um “museu de grandes novidades”, pois o programa, ao fincar-
se epistemologicamente nos estudos piagetianos e nos postulados de Ferreiro e Teberosky
(1999), constitui-se em “[...] uma reedição de antigos pressupostos e contribuirá para a
permanência dos mesmos resultados que temos contabilizado nas últimas décadas” (RAMOS,
2017, p. 116).
A contribuição de Ramos (2017) para esta tese se verifica na necessidade de mantermos uma
visão não ingênua do programa. Além disso, é profícuo, de igual modo, na denúncia da
hegemonia da concepção construtivista e o quanto este aspecto contribui para distanciar
professores/as de uma formação consistente e os/as alunos/as da rede pública brasileira de um
ensino efetivo da linguagem, que é histórica, social e contribui decisivamente para o
desenvolvimento do pensamento humano em suas formas superiores (RAMOS, 2017).
“As relações dialógicas são relações (de sentidos) entre toda espécie de enunciados na
comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2017b, p. 92). É possível afirmar, portanto, que os
estudos de Becalli (2007), Antunes (2015), Resende (2015), Costa (2017) e Ramos (2017)
formam um coro. Regidas pela concepção bakhtiniana da linguagem, todos os trabalhos,
embora se debrucem sob objetos de análises distintos, sinalizam que certas concepções, mesmo
que, com novas roupagens, reduzem, muitíssimo, o trabalho com o ensino de língua materna.
Embora saibamos que os documentos ora analisados pertençam a programas governamentais e
que esses docentes não são sujeitos passivos, ou seja, que não recebem os materiais de modo
inquestionável e que há a possibilidade de rasura, de reivenção, as críticas das autoras não
podem passar incólumes.
2.3 A LEITURA DELEITE
Após as ponderações sobre as concepções de leitura, sobre a leitura literária, e sobre os
programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as, discutiremos os trabalhos que,
de algum modo, trataram questão da leitura para deleite. Essa discussão foi necessária, pois,
como já afirmado no primeiro capítulo, todos os programas têm uma concepção de leitura
literária restrita ao universo do lúdico: ler para se deleitar, ler para apreciar, ler para se divertir,
dentre outros. Curiosamente, todas as pesquisas elencadas nesta tese que contêm esse verbete
são dissertações de Programas de Pós-Graduação em Educação e a maioria delas foi defendida
em 2016. Deduzimos que essa coincidência se dá porque tomam como corpus privilegiado
57
documentos e/ou os discursos de professoras alfabetizadoras do Pnaic, programa
governamental implementado a partir do ano de 2012.
Salientamos, de início, que de todos os trabalhos mencionados nesta seção, apenas o primeiro
possui a questão da leitura deleite como objeto uníssono de investigação14, conforme pode ser
observado no breve resumo no quadro 3. Todavia, conhecer como essa temática foi conduzida
em pesquisas recentes é importante para se evitar repetições, constrangimentos e para se ter
uma ideia mais consistente sobre o que se tem dialogado acerca do tema. As pesquisas estão
dispostas conforme o quadro 3 e, de modo geral, contemplam esse tema em cotejo com as
discussões inerentes à formação de professores/as, à formação de leitores/as, às práticas
docentes, a partir das orientações dos documentos oficiais.
Advertimos que este momento será dedicado à discussão, à moda de um funil, tão somente da
abordagem da leitura deleite nestes trabalhos.
Quadro 3 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre leitura deleite
14 Como questão central de investigação, a “leitura deleite” pode ser encontrada, por exemplo, em artigos a seguir
mencionados. Todos eles, de alguma forma, ao analisar esse aspecto no Pnaic, dão ainda mais solidez à leitura
literária apregoada nesse programa. Lovato e Maciel (2017), em trabalho que se caracteriza por ser um
desdobramento da pesquisa de mestrado de Lovato (2016), endossam a visão do Pnaic do que é leitura literária,
ou seja, a leitura deleite restringe-se ao prazer; Borba, Pereira e Zamperetti (2017) apontam resultados satisfatórios
em relação à formação dos professores e reforçam a leitura deleite limitada a um momento de prazer e fruição da
leitura. Souza, Silva e Ariosi (2016), embora considerem que a leitura não possa se restringir ao deleite e que esta
consiste em a) “[...] um espaço para autonomia e autoria do professor e favorece o respeito aos interesses e
necessidades linguísticas e culturais dos alunos [...]” (p. 71); b) “[...] que é uma “estratégia interessante” (p. 72), a
perspectiva adotada pelas autoras evidencia uma benevolência à leitura atrelada à ludicidade (p. 77). Além disso,
ainda que a o artigo analise de modo mais consistente a proposta no Pnaic, a citação: “[...] o professor é quem
organiza a forma de propiciar aprendizado ou deleite às crianças” (SOUZA, SILVA e ARIOSI, 2016, p. 72) mostra,
ainda, uma aparente dicotomia, ao colocar “aprendizado” e “deleite” em pólos opostos. Por fim, Ferreira (2018)
assegura que a leitura deleite constitui-se, por estar atrelada ao prazer, em uma estratégia que pode enriquecer o
trabalho com a leitura, bem como promover a criação de espaços que agucem a potencialidade dos/as leitores/as.
Tipo de
Trabalho Título Autoras Breve Resumo
Dissertação
Ufal, 2017
Práticas de “Leitura
Deleite’ nos Anos
Iniciais: contributos do
Pnaic na/para mediação
docente
Simone de
Souza Silva
A pesquisa se atém à influência da leitura deleite
na formação de estudantes dos anos iniciais do
ensino fundamental de uma escola pública em
Maceió-AL. Conclui que a leitura deleite
proposta pelo Pnaic tem-se constituído em uma
aliada na formação de professores/as e de
crianças.
Dissertação
UFMG,
2016
O Pacto Nacional Pela
Alfabetização Na Idade
Certa – (Pnaic/2013) e os
Professores do
Município de Castelo –
ES
Regilane
Gava Lovato
Trata-se de uma pesquisa que analisou, por meio
de análise de documentos, entrevista
semiestruturada e observações dos
planejamentos semanais, as práticas e saberes
docentes, do município de Castelo - ES, após
formação recebida pelo Pnaic em 2013.
58
Fonte: LOVATO, 2016; LOOSE, 2016; BASTOS, 2016; SILVA, 2016a; FRAMBACH, 2016; SILVA, 2016b;
BARROS, 2015, SILVA (2013).
Práticas de “Leitura Deleite’ nos Anos Iniciais: contributos do Pnaic na/para mediação
docente, de Simone de Souza Silva, é o único trabalho a ser mencionado nesta revisão de
Dissertação
Ufes, 2016
Apropriações de
Concepções de Leitura
do Pacto Nacional Pela
Alfabetização na Idade
Certa (Pnaic)
Celina
Loose
A dissertação investiga a proposta de trabalho
com a leitura no Pnaic e suas apropriações e
busca compreender as concepções de leitura
legitimadas programa, bem como as
apropriações dessas concepções de leitura pela
IES formadora.
Dissertação
UFMT,
2016
Práticas de
Alfabetizadoras em
Formação pelo Pnaic:
estudo do Uso dos
Acervos de Leitura
Regiane
Pradela da S.
Bastos
Partindo de uma análise documental inspirada na
concepção bakhtiniana de linguagem, a pesquisa
visa a compreender as práticas pedagógicas de
professoras do ciclo de alfabetização, que
participaram da formação Pnaic, diante da oferta
de livros distribuída pelo programa.
Dissertação
UFC, 2016
Formação do Leitor:
desafio à prática docente
e à avaliação da
aprendizagem
Olivia
Coelho da
Silva
Visando a discutir a formação de leitores/as, a
pesquisa investigou como dá o trabalho de
professoras do 1º ao 3º anos do ensino
fundamental, da Secretaria Municipal de
Fortaleza – SME.
Dissertação
UFRJ, 2016
Entre Urdiduras e
Tramas: tecendo
reflexões sobre leitura,
literatura e
(trans)formação
continuada de
professores
alfabetizadores
Fernanda de
Araújo
Frambach
O trabalho objetivou identificar e analisar as
possíveis contribuições do Pnaic no que diz
respeito ao letramento literário no contexto
escolar, especificamente no município de Niterói
(RJ). Além de uma análise documental, o
trabalho analisou o discurso de professoras
formadoras do programa e ratifica a necessidade
de a literatura ser, efetivamente, um direito.
Dissertação
UFG, 2016
Estratégias de Leitura
nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental I
Fernanda
Siqueira
Silva
Esta dissertação, com inspiração etnográfica,
contemplou um estudo sobre as estratégias de
leitura utilizadas por professoras do 3º e do 5º ano
do Ensino Fundamental I, da Rede Municipal de
Educação de Corumbaíba (GO).
Dissertação
Uesc, 2015
A Experiência Formativa
com Leitura de
Professoras-
Alfabetizadoras
Participantes do Pacto
Nacional pela
Alfabetização na Idade
Certa – Pnaic
Jamile de
Andrade
Barros
Trata-se de um trabalho que tinha como intuito
compreender as experiências formativas do
professor-alfabetizador do Pnaic e como estas
reverberam em seu trabalho com a leitura em
classes de 1º ano do Ensino Fundamental.
Dissertação
UFPE, 2013
Cotidiano Escolar: como
professores
alfabetizadores
organizam seu trabalho
pedagógico?
Sandra
Cristina
Oliveira da
Silva
Por meio de observações e entrevistas, a
dissertação analisou como algumas professoras
de duas cidades pernambucanas, que lecionam
no 1º ano do ciclo de alfabetização, organizaram
seu trabalho pedagógico para ensino da escrita.
59
literatura que possui a leitura deleite como objeto central de estudo e que insere as crianças
como sujeitos da pesquisa. A dissertação inicia-se com a sistematização das características
desse programa governamental com especial destaque à leitura deleite. Silva (2017) pondera
que a leitura deleite constitui-se em “modo privilegiado de ler literatura”, visto que fomenta o
apreço à beleza do texto, sem a obrigação de querer utilizá-lo para outros fins que não os
estéticos (SILVA, 2017, p. 28). Em seguida, a pesquisadora pondera acerca do caráter benéfico
da leitura oralizada e em performance, como presentificador do deleite no corpo do/a
mediador/a de leitura literária.
A partir de uma junção de procedimentos de coleta de dados, que contemplam a observação das
aulas, questionários, entrevistas semiestruturadas e análise documental dos cadernos do Pnaic
do ano de 2013, a autora ratifica a necessidade de leitura por prazer na escola e salienta os
seguintes aspectos, após a análise do corpus: a) a formação de professores/as pelo Pnaic tem
implicações na prática docente, uma vez que essa concepção de leitura atrelada ao deleite é
levada para a sala de aula; b) o relato de experiência e saberes dos/as leitores/as em formação,
a partir do “encantamento” literário; e, por fim, c) a necessidade de se formar leitores/as a partir
do envolvimento com o “contexto literário” (momento com autor/a do livro, atividades pós-
leitura, vivência da teatralidade, dentre outros).
O trabalho de Regilane Gava Lovato, O Pacto Nacional Pela Alfabetização Na Idade Certa –
(Pnaic/2013) e os Professores do Município de Castelo – ES, é iniciado com uma espécie de
memorial que relata a trajetória da pesquisadora até a constituição do problema de pesquisa. No
primeiro capítulo, é apresentado um heterogêneo referencial teórico-metodológico, bem como
os caminhos percorridos para a coleta de dados. Em seguida, é feita uma análise comparativa
entre o Pnaic, Pró-Letramento e Profa, com o foco mais voltado ao âmbito da organização
desses programas. O terceiro capítulo é dedicado a um estudo mais aprofundado do Pnaic,
concedendo ênfase aos eixos e aos processos de alfabetização e letramento imbricados a eles,
bem como é dedicado a ressalvas acerca da formação do Pnaic oferecida pela Ufes15 (LOVATO,
2016, p. 69-84). O quarto capítulo, cerne de nossa atenção maior, é constituído pela análise dos
saberes docentes sob a ótica das sequências didáticas e da leitura deleite.
15 Com base na transcrição da fala de professoras que participavam da formação, as críticas direcionadas à Ufes
contemplam, sobretudo, a ênfase da universidade nas questões teóricas. Segundo a autora, os momentos de
formação com os/as professores/as no município de Castelo-ES almejavam, por outro lado, as questões de ordem
prática. Mesmo solidárias às aflições docentes quanto à emergência na resolução de problemas na área da
alfabetização, concordamos com Loureiro (2007) de que o espírito pragmático instaura uma racionalidade repetível
na relação sujeito e objeto, teoria e prática e, desse modo, contribui para o fenômeno da aversão à teoria.
60
Lovato (2016), antes, tem o cuidado de expor as falas das professoras entrevistadas, em que foi
possível observar uma importância dada à leitura deleite, bem como a atribuição desta à função
de se iniciar a alguma conversa ou dar ludicidade a alguma atividade proposta. A autora pontua
a inserção da leitura deleite nos cadernos, sem que haja uma reflexão teórica consistente do que
vem a ser o tema:
Ainda que a leitura deleite seja uma proposta pedagógica que o PNAIC sugere, nos
Cadernos de Formação não verificamos uma discussão aprofundada sobre essa
atividade permanente. Constatamos que o termo é apenas mencionado como atividade
a ser desenvolvida em sala de aula e relatos de professoras de como colocam em ação
essa proposta (LOVATO, 2016, p. 140).
E relembra, porém sem fazer uma discussão aprofundada, que: “A leitura deleite já havia sido
sugerida aos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental em formação continuada do
Pró-letramento que ocorreu anteriormente ao PNAIC” (LOVATO, 2016, p. 139).
As discussões erguidas por Lovato (2016), em muitos momentos, são guiadas pela análise das
falas das professoras. Uma delas, entretanto, nos chamou atenção. Nas palavras de uma
professora entrevistada, “a ‘leitura deleite’ é o gosto pela leitura sem se cobrar nada [...]”; a
autora, ao comentar essa fala, pondera:
Além da leitura somente com o objetivo de apreciar uma obra literária, o professor
alfabetizador pode solicitar aos alunos a interpretação oral e escrita e, também, uma
atividade conjugada com a sequência didática e o projeto pedagógico, ao introduzir
uma atividade e durante aquelas que compõem essas modalidades de trabalho
pedagógico (LOVATO, 2016, p. 141).
Na mesma vertente, comenta as falas das professoras, que ressaltam que leitura deleite é uma
prática costumeira, está atrelada ao prazer, sem muita cobrança, e que é interessante fazê-la em
voz alta e/ou protocolada (leitura dos livros por partes16) como uma estratégia de chamar a
atenção dos/as alunos/as (LOVATO, 2016, p. 141; 147). E ainda explica a inclusão do deleite
irmanado à leitura literária, tendo como justificativa a carência de acesso às obras literárias
pelas crianças fora do espaço escolar:
Considerando a importância da literatura na formação de leitores e, diante do fato de
que grande parte das crianças só tem acesso às obras literárias na escola, na maioria
das vezes, pela leitura que o professor faz na sala ou por incentivo do próprio docente,
é que o PNAIC propôs a leitura deleite (LOVATO, 2016, p. 141).
Lovato (2016) discorre sobre o conceito de leitura literária, abraçando a definição de Paulino
(2014), ao afirmar que, por meio da leitura, se estabelece uma interação prazerosa. Ressalta,
16 A definição da leitura protocolada como sinônimo de leitura por partes é feita por Lovato (2016, p. 141).
61
mais uma vez, o caráter benéfico da leitura deleite, tendo em vista a possibilidade de maior
contato com obras literárias e de fomentar o gosto pela leitura; por fim, conclui:
Sem querermos ser pretensiosos, talvez, possamos dizer que a ―leitura deleite,
sugerida pelo PNAIC, se pareça um pouco com a definição de leitura literária proposta
por Paulino (2014), já que o prazer pela leitura é uma condição tanto para a ―leitura
deleite, como para a leitura literária. É importante destacar que, através do PNAIC,
foram disponibilizadas diversas obras literárias, com a finalidade de trabalhar a
leitura, a oralidade, a escrita, a interpretação, a apreensão de novos conhecimentos
pelos alunos e, tão importante quanto os demais, proporcionar o gosto pela leitura.
[...]
Além disso, a formação do PNAIC, ao propor a leitura deleite, permitiu que tanto
alunos como professores tivessem um contato maior com obras literárias, algumas
conhecidas, outras tantas a serem apreciadas (LOVATO, 2016, p. 144; 149).
Os excertos ora expostos nos permitem inferir que Lovato (2016) possui a mesma compreensão
de leitura literária defendida pelo Pnaic: leitura por prazer, leitura para apreciação, leitura para
deleite. Tal postura é chancelada, inclusive, em Lovato e Maciel (2016).
O trabalho intitulado Apropriações de Concepções de Leitura do Pacto Nacional Pela
Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), de Celina Loose, faz um estudo descritivo do Pnaic. A
autora inicia sua discussão marcando seu referencial teórico, que é a concepção bakhtiniana da
linguagem, inserindo suas ponderações acerca da leitura nessa perspectiva. A dissertação ainda
abarca as facetas da implementação do programa em âmbito nacional e no contexto espírito-
santense.
Há, ainda, um olhar crítico no que concerne à concepção de leitura proposta pelo programa, que
se insere dentro do binômio da alfabetização e do letramento, junção já criticada por Becalli
(2007), Antunes (2015) e Resende (2015), por exemplo. Quanto à defesa de uma contemplação
de uma heterogeneidade de gêneros textuais no ensino da leitura, Loose (2016) concorda com
essa ampla abordagem, mas é incisiva ao pontuar que tal fato não pode ser um fator limitador
no ensino de leitura: é preciso um redimensionamento das concepções de sujeito, que passam
pela não passividade e, de igual forma, o redimensionamento do modo de conceber texto e de
leitor. Na opinião da autora, “[...] para a formação de leitores críticos e participativos, é preciso
investir numa formação de professor alfabetizador por meio de uma concepção dialógica de
linguagem, que compreenda a leitura como uma prática social [...]” (LOOSE, 2016, p. 131).
Quanto à inserção da temática da leitura deleite, Loose (2016) afirma:
Portanto, observamos a partir das estratégias e atividades sugeridas que o programa
não traz grandes inovações em relação às estratégias e atividades propostas para o
62
trabalho de leitura, porém precisamos considerar que faz um resgate da “leitura
deleite”, com o objetivo de o aluno desfrutar o prazer do texto, sem exigir resultados,
talvez como forma de contribuir e agregar elementos aos momentos de contação de
história para as turmas de alfabetização [...] (LOOSE, 2016, p. 106).
Esse resgate de que fala Loose (2016) é proveniente, conforme mencionado, do Pró-Letramento
e do Profa. Apesar de fazer uma crítica quanto às estratégias de atividades sugeridas nos
documentos do Pnaic, a autora é tímida quanto aos comentários em relação à temática do
deleite. Essa timidez se justifica, talvez, porque este não foi o objetivo do estudo de Loose
(2016), mas não podemos deixar de perceber uma proximidade da opinião dela com aquela
defendida pelo Pacto.
A pesquisa de Regiane Pradela da S. Bastos, intitulada Práticas de Alfabetizadoras em
Formação pelo Pnaic: estudo do uso dos acervos de leitura, é iniciada com a apresentação de
programas governamentais, a saber: Profa, Pró-Letramento, Praler e Pnaic. Após a
contextualização, no segundo capítulo, situam-se os campos de atuação das professoras, bem
como a circulação de obras, a partir do Pnaic. É nesse segundo capítulo que se situa a discussão
sobre a leitura deleite. Bastos (2016) afirma:
Quando um texto está na sala de aula, como parte de um processo pedagógico, ele já
está inevitavelmente, escolarizado, pois passa a fazer parte do processo de
ensino/aprendizagem organizado que justifica a existência da instituição escolar”
(PAULINO, 2015, p. 2-3). Mesmo quando as professoras proporcionaram a leitura
deleite, tinham objetivos didáticos: formar um leitor literário, ampliar o universo de
referências culturais, apresentar um texto como forma de cultura escrita, trabalhar a
oralidade, a leitura, a criatividade, a criticidade, entre outros. Porém, durante esses
momentos as crianças puderam sentir prazer, se deleitaram ao ler ou ouvir uma
história, um poema, sem pensarem, necessariamente, em obrigações de responder
tarefas, mesmo que depois tivessem que realizar atividades com o texto, enfim, se
entregaram ao deleite da leitura (BASTOS, 2016, p. 100).
A análise da autora merece uma ponderação. A conjunção adversativa “porém” não pode passar
despercebida. Ela relata o deleite emanado pelas crianças, diante do contato com o texto
literário, a despeito da intenção primeira das professoras que era a didatização das obras. Essa
fala é preocupante, pois indicia que o cumprimento de tarefas é, necessariamente, um fardo,
bem como admite, pelo olhar das professoras, a utilização da literatura como um pretexto para
o ensino da gramática.
Bastos (2016, p. 100-104) analisa a recorrência desse momento nas aulas das professoras
analisadas e ressalta as peculiaridades de cada uma delas. Divulga, ainda, o processo de
sedução, entusiasmo e apreciação das crianças pelas histórias contadas, conjecturando esses
momentos à “libertação de emoções e sentimentos”. Denuncia o caráter utilitarista do deleite,
63
que, muitas vezes, fica restrito a eventos e festividades escolares. A autora alerta que esse
momento precisa ser constante e, para tanto, defende as sequências didáticas como caminhos
possíveis, a fim de que, por meio da literatura, se “[...] cumpra uma função reflexiva, voltada
ao prazer estético” (BASTOS, 2016, p. 106).
A dissertação Formação do Leitor: desafio à prática docente e à avaliação da aprendizagem,
de Olívia Coelho da Silva, não possui um capítulo específico sobre a leitura deleite. Esse
momento e/ou a ausência dele são analisados em sua pesquisa por meio da observação da prática
de professoras alfabetizadoras. Uma dessas análises chamou nossa atenção:
Na situação acima descrita, foi possível observar que a professora A promoveu espaço
para o deleite literário, momento em que permitiu às crianças a livre escolha do livro
a ser lido. Essa situação contemplou um dos objetivos da leitura: o de ler por prazer.
A leitura por prazer é uma escolha muito pessoal, desse modo, as crianças são
estimuladas a realizar escolhas de suas preferências. Momentos como esse devem ser
observados pela professora para perceber o interesse da leitura dos alunos e, assim,
planejar momentos de leitura que sejam significativos e prazerosos (SILVA, 2016a,
p. 60).
Mais uma vez, o que se vê é uma defesa da leitura deleite apenas reduzida ao prazer, muito
próxima do entretenimento. Quando se coloca a literatura reduzida à livre escolha das crianças,
por um lado, pode-se imaginar que isso seria um incentivo à autonomia. Não obstante, essa
conduta obscurece uma das principais funções do professor: ser o mediador do processo de
ensino e da aprendizagem.
Entre Urdiduras e Tramas: tecendo reflexões sobre leitura, literatura e (trans)formação
continuada de professores alfabetizadores, de autoria de Fernanda de Araújo Frambach, revela-
se, até o momento, como o estudo mais consistente em relação à temática do deleite, ainda que
se defenda o letramento literário17. Valendo-se da metáfora dos fios, urdiduras e tramas, a autora
situa pesquisa no campo da alfabetização, da leitura literária e na formação de professores/as,
para, em seguida, contemplar um estudo sobre os programas governamentais de formação de
professores/as, abarcando, inclusive, a contextualização do Profa e do Pró-Letramento. O
terceiro capítulo é dedicado à revisão de literatura e, posteriormente, apresenta-se a metodologia
escolhida, que perpassa a análise documental e entrevista a professoras alfabetizadoras do
município de Niterói-RJ. Antes de se analisar as falas das entrevistadas transcritas no sexto
capítulo, no quinto são feitas as discussões sobre a leitura literária no Pnaic. É justamente aqui
(quinto capítulo) que recai nosso interesse maior.
17 Adiante, esse assunto será discutido com mais profundidade.
64
Inicialmente, há uma concordância com os documentos do Pnaic, ao tratar o deleite como uma
estratégia de formação, que deve ser compreendida, dada à sua indicação nos materiais e nas
políticas de formação docente (FRAMBACH, 2016, p. 112). Essa compreensão da autora passa
por uma série de críticas. A primeira delas assim é exposta:
Inicio essa reflexão trazendo o significado etimológico da palavra deleite como
“regalo”, “prazer suave e prolongado”. Ao adotar essa terminologia, a proposta do
programa enfatiza que a leitura pode ser encarada como um instrumento de simples
diversão e distração, como simples entretenimento, conforme o enunciado: “É ler para
se divertir, sentir prazer, para refletir sobre a vida” (BRASIL, 2012d, p. 29). Ressalta-
se a utilização do termo “sempre” no trecho “O momento da leitura deleite é sempre
de prazer”, excluindo qualquer possibilidade de outras vivências a partir da leitura.
Para intensificar ainda mais o discurso, propõe que esta pode servir também para
“situações em que se conversa sobre os textos”, mas ressalta que “esse momento
também é de prazer”, eliminando assim a possibilidade de construção de sentidos que
não sejam agradáveis. [...] (FRAMBACH, 2016, p. 112).
Frambach (2016, p. 113) advoga o lugar da leitura literária como direito, devido ao seu potencial
humanizador, que inclui os momentos de formação docente. No entanto, mesmo reconhecendo
a legitimidade dessa intenção, argumenta a necessidade de uma compreensão mais profunda da
proposta, tendo em vista a concepção de leitura como fruição que o termo, segundo ela, parece
encerrar.
De acordo com Frambach (2016), da forma como a literatura está inserida no Pnaic, indiciando
que reflexão e prazer são aspectos opostos e excludentes, o programa deixa uma brecha grave.
Pensamos, nessa lógica, que esse distanciamento, além de endossar um clichê em relação à
leitura (o/a leitor/a lúdico/a, viajante, escapista da realidade), fomenta o questionamento de
posturas persistentes no trabalho superficial do texto literário e a discussão acerca da
subserviência de determinadas instâncias ao mercado. Em outras palavras, nos parece que há
uma fissura, considerando programa prevê a distribuição de livros literários e a finalidade
proposta pelo Pnaic restringe-se tão somente ao prazer descompromissado.
Como os anseios do Pnaic em relação à leitura literária são notoriamente limitados ao lúdico e
ao regalo, a autora tenta compreender esse movimento por meio de uma abordagem histórica,
amparando-se, entretanto, apenas nos estudos de Compagnon (2009). Conforme Frambach
(2016),
A reivindicação do prazer, que autores defendiam a partir do conceito de leitura como
fruição, poderia indicar a preocupação com a necessidade de se preservar um lugar
diferenciado para a literatura, distinto dos discursos da ciência e da utilidade. [...]
Compagnon (2009), ao discutir sobre a literatura, sua utilidade e pertinência, aborda
três explicações de sua potência: como detentora de um poder de carthasis; como
65
instrumento de libertação do indivíduo e contestação do poder dominante; e como
responsável por consertar a língua, impondo a correção da linguagem. [...] Destas três
explicações abordadas por Compagnon, que já coexistiram e ainda se refletem no
ensino da literatura, a que interessa a esta discussão é a primeira mencionada.
Para o autor francês, esta primeira explicação remete à definição clássica de Platão de
mimesis, traduzida hoje por representação ou ficção em detrimento de imitação, que
argumenta que o homem aprende por meio da literatura entendida como ficção. Neste
paradigma, segundo a teoria do dulce et utile, a literatura instrui deleitando e portanto,
pode servir para ensinar os bons costumes, instruindo ao mesmo tempo em que diverte
(FRAMBACH, 2016, p. 113-114).
Neste momento, cabe uma retificação quanto ao comentário de Frambach (2016), acerca de
Platão. A rigor, consoante Compagnon (2009, p. 31), a definição de mimesis se dá em
Aristóteles, contra Platão, e não o contrário. A despeito do equívoco, longa citação da autora
foi necessária para ponderarmos sobre outros dois aspectos: a) de início, conjectura-se que a
questão do prazer, tão enfatizada na leitura literária do Pnaic, está relacionada a uma tentativa
de balizamento, de estabelecer fronteiras entre o texto literário e os demais gêneros. Indo além,
e carreadas por esse pensamento, por ora, apenas18 questionamos se esse posicionamento do
Pnaic seria uma tentativa mal sucedida de se distanciar dos objetivos pragmáticos vindos, por
exemplo, da Escola Nova; e b) se este for o objetivo do Pnaic, será que instruir e deleitar são as
únicas facetas possíveis para o texto literário?
Quanto a essa última indagação, Frambach (2016, p. 114) dá pistas de que as possibilidades do
texto literário vão além, ao fomentar tensões, conflitos, questionamentos, por exemplo, e
assume a posição de que o deleite não é a única possibilidade:
Desta forma, argumento que essa estratégia de formação precisa ser discutida nos
encontros com os professores, a começar pelo termo Leitura Deleite que veicula uma
concepção de leitura apenas por prazer, desconsiderando a perspectiva humanizadora
da literatura. Convém ressaltar que não pretendo com essa reflexão insinuar que a
leitura não proporcione prazer, encantamento, alegria. A esse respeito, concordo com
Compagnon que declara que ‘A leitura pode divertir, mas como um jogo perigoso,
não um lazer anódino’ (2009, p. 53) (FRAMBACH, 2016, p. 114).
Zilberman (2003, p. 25) afirma que “Preservar as relações entre a literatura e a escola, ou o uso
do livro em sala de aula, decorre de ambas compartilharem um aspecto em comum: a natureza
formativa”. Partindo dessa premissa, de que a literatura e a instituição escolar contribuem para
a formação dos sujeitos, reafirmamos que confinar a literatura a um momento de “leitura
deleite” é, em nossa visão, algo inconsistente. Essa premissa unicamente lúdica corrói o viés
social da literatura já estudado por Carvalho (2012) e oblitera uma realidade em que grande
parte das crianças deste país só terá acesso ao texto literário a partir da escola pública e, que,
18 Esta questão será tratada posteriormente, após a análise documental mais acurada.
66
portanto, esse acesso deve primar pelo trabalho com todas as nuances do texto literário,
enquanto manifestação estética, política e ética.
Por fim, ao analisar os Acervos Complementares do Pnaic, Frambach (2016, p. 123), além de
enfatizar sua opinião anterior acerca do deleite, observa outro desdobramento que ainda perdura
no ensino de língua materna que é a literatura usada como pretexto para o ensino, pautado,
sobretudo, na relação letras e sons, na decodificação. Tal fato pode ser explicado, porque o
Pnaic centraliza-se no binômio alfabetização e letramento.
Fernanda Siqueira Silva, na dissertação Estratégias de Leitura nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental I, também não destina um capítulo exclusivo sobre a leitura deleite. Mais uma
vez, esse momento é analisado por meio da observação das práticas das professoras
alfabetizadoras19 e chama atenção a concepção da leitura literária reduzida meramente ao prazer
fugaz: “Na fala da Professora Ana (3º ano), ela menciona sobre algumas ações, dentre elas a
leitura deleite, que é ler pelo simples prazer de ler, o ato de se deleitar na leitura, que se constitui
como uma das propostas que são estabelecidas pelo PNAIC” (SILVA, 2016b, p. 60).
Ao citar os estudos de Abramovich (2008, apud SILVA, 2016b, p. 99), em que se faz uma
crítica às fichas de leitura, Silva (2016b) explicita que,
De acordo com a autora, o ensino com a literatura infantil foi implementado nas
instituições escolares, esperando – se que todos os alunos iriam ter o domínio da
leitura, no entanto, pelo fato dessa leitura vir na maioria das vezes, acompanhada de
atividades a serem desenvolvidas e não apenas a realização da leitura por prazer, por
deleite, por encantamento, faz com que os alunos percam o interesse pela leitura. Foi
o que observamos, após a leitura dos livros eles se deparam com atividades como essa,
de preenchimento de uma ficha literária, que não possibilita ao aluno desenvolver toda
a sua capacidade de raciocínio crítico, não o levando a refletir sobre a história lida
(SILVA, 2016b, p. 99).
O que se verifica, nesse excerto, é, novamente, a crítica aos métodos de ensino de literatura que
se valem do cumprimento de atividades em detrimento de uma leitura descompromissada, como
se o prazer e a realização de tarefas fossem aspectos dissociáveis. E a realização de tarefas fosse
sempre um fardo.
Em A Experiência Formativa com Leitura de Professoras-Alfabetizadoras Participantes do
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – Pnaic, de autoria de Jamile de Andrade
19 Causa-nos espanto a recorrência do discurso de uma professora transcrito por SILVA (2016b, p. 59, 61, 73). Ao
se manter um viés missionário, o momento de leitura para deleite é rasurado, para dar lugar à oração e à discussão
do “evangelho” em sala de aula de uma escola pública, um espaço que é (supostamente) laico. Esse aspecto não
foi problematizado por Silva (2016b).
67
Barros, observamos que a questão da leitura para deleite é abordada ora por meio da análise do
relato das professoras, que manifestam, em muitos casos, uma leitura “[...] com tal prazer que
contagiava os alunos, que ficavam muito atentos [...]” (BARROS, 2015, p. 80), ora pela
observação dos documentos do Pnaic.
O movimento de análise de Barros (2015) é cambiante, pois não torna clara sua opinião da
acerca da temática. Em um primeiro momento, ela concorda com o posicionamento de que o
prazer e questões formais de leitura são elementos dissociáveis: “A leitura deleite proporciona
o contato com a leitura literária, sem se preocupar com as questões formais da leitura. É um
momento de prazer e de ampliação dos saberes; [...]” (BARROS, 2015, p. 31). A autora ainda
alerta quanto à categorização desse momento enquanto uma das modalidades de leitura, e não
de tipologia textual (BARROS, 2015, p. 50).
Contudo, adiante, há uma leve crítica à concepção de leitura deleite do Pnaic, o que, de certo
modo, contradiz ao que ela afirma no excerto anteriormente mencionado:
Iniciamos com a leitura deleite que, de modo geral, é concebida como a leitura de
textos literários. Trata-se de uma leitura associada à ideia equivocada, embora
corriqueira, de que todo texto literário é fonte de entretenimento. Além disso, está
também associada à concepção de que sua leitura implica numa reflexão sobre a vida
(BARROS, 2015, p. 50).
A despeito da crítica, a autora ainda categoriza a leitura deleite como estratégia formativa
(BARROS, 2015, p. 98), mostrando uma proximidade com os postulados defendidos por Brasil
(2012). Por outro lado, Barros (2015, p. 51) chama a atenção sobre a definição da leitura deleite
exposta no documento do Pnaic, atrelada sempre ao prazer, mas, na visão da autora, é preciso
que não se restrinja o deleite ao universo literário e que, para que haja o desenvolvimento pelo
gosto da leitura, é preciso compreender a multiplicidade de sentidos dos textos, em suas práticas
sociais. A despeito desse comentário, Barros (2015) advoga em defesa dessa leitura por prazer,
pois, segundo a autora, é por meio dela que se é possível, até de modo não planejado, o
arvorecimento de debates e conflitos: “Nas sessões de formação observadas aparecem, como
momento de prazer, e se desdobram, muitas vezes, em debates e conflitos não planejados, pois
o leitor nem sempre terá o controle daquilo que é lido [...]” (BARROS, 2015, p. 121).
O estudo de Sandra Cristina Oliveira da Silva, na dissertação Cotidiano Escolar: como
professores alfabetizadores organizam seu trabalho pedagógico? é o último a ser trazido para
debate neste capítulo. Chamamos atenção para o fato de que a pesquisa é pioneira, visto que foi
publicada em 2013, um ano após a implementação do Pnaic.
68
Silva (2013b, p. 51) menciona que o professor atualmente tem várias possibilidades de trabalho,
diante de uma variedade de livros e de finalidades textuais. O deleite seria uma dessas
finalidades. De modo semelhante ao que faz Lovato (2016), Bastos (2016), Barros (2016), Silva
(2016a) e Silva (2016b), Silva (2013b), ao longo do trabalho, analisa as falas de duas
professoras e há uma contagem da utilização da leitura deleite em sala de aula. Diante de alguns
relatos, vale a menção este fragmento:
Em treze aulas a docente realizou a leitura deleite, utilizando os seguintes gêneros:
poemas, músicas, histórias, histórias bíblicas, fábulas e lendas. Consideramos a
leitura deleite importante, por possibilitar o contato com os diferentes gêneros textuais
e por ser uma das práticas que favorecem o desenvolvimento de estratégias de
compreensão leitora (SILVA, 2013b, p. 83, grifo nosso).
Gostaríamos não só destacar a opinião da autora em defesa da leitura deleite, mas a utilização
da evangelização como um introito desse momento, ou como uma acolhida, tal qual
apresentado, na sua dissertação, também nas páginas 46, 82, 87, 88, 90, 107 e nos estudos de
Silva (2016b). Em ambos os casos, infelizmente, as autoras não problematizaram essa questão.
Enfatizamos o nosso desconforto a respeito da discussão, ainda que breve, desse aspecto, tendo
em vista que não participamos das transcrições desses dados, nem estávamos presentes quando
eles foram colhidos. Entretanto, pautando-se na premissa de que “[...] Toda compreensão da
fala viva, do enunciado vivo, é de natureza ativamente responsiva [...]” (BAKHTIN, 2016, p.
25) e considerando a legitimidade de cada uma das transcrições, a conduta das docentes parece
conceber o cristianismo como uma espécie de panaceia na escola, o que, em certa medida, tem
respaldo no senso comum de grande parte da população brasileira. Ainda assim, é preciso
salientar, respeitosamente, que, diante do crescimento exacerbado do conservadorismo no
Brasil, e, mais especificamente no contexto educacional, vislumbrado no recolhimento de livros
literários (BRASIL, 2017e) e solidificação do movimento de Escola Sem Partido e congêneres,
a inobservância ao caráter laico do Estado assegurado pela Constituição de 1988 não pode ser
vista com naturalidade.
No caso da leitura deleite, como não há um direcionamento nos documentos do Pnaic com uma
definição clara do tema, ou do que venha a ser, de modo consistente, a leitura literária, abre-se
espaço para atividades que passam ao largo da leitura e respectiva discussão profícua do texto
literário. Se já há uma redução da literatura ao deleite no Pnaic, pensamos que reside aí, pelo
menos, dois problemas. E, a partir de Candido (1988), afirmamos que, ao se fazer a substituição
da abordagem do texto literário por outras atividades religiosas, independente de quaisquer
69
filiações, o direito à literatura é comprimido e a possibilidade de fabulação e de humanização
dos seres humanos fica renegado.
Silva (2013b) discute também a leitura deleite inserida no eixo “leitura” proposto pelo Pnaic e
defende “[...] que a leitura, na escola, pode e até deve ser por prazer, mas vale ressaltar que ela
não se resume apenas a esse ato de fruição” (SILVA, 2013b, p. 93). Adverte para a necessidade
de uma sistematicidade as atividades da leitura deleite, porque, segundo ela, diante de um leitor
experiente (o professor), é possível que os/as alunos/as comecem a utilizar as estratégias de
leitura (SILVA, 2013b, p. 158). Por fim, ressalta:
De acordo com Brandão e Rosa (2011), é importante conversar com as crianças sobre
os textos lidos em sala de aula, pois o ato de conversar possibilita o engajamento do
ouvinte na leitura, auxiliando na produção de significados do que se lê ou escuta.
Acreditamos que os momentos da leitura deleite são atividades relevantes que
precisam estar presentes em todas as salas de aulas, principalmente nas turmas que
compõem o ciclo de alfabetização (SILVA, 2013b, p. 95-96).
Fiorin (2009, p. 55) afirma que a atitude responsiva ativa se inscreve social e historicamente e
é a última operação do processo de leitura. Ao compreender a leitura dialogicamente,
ratificamos, desse modo, que esse engajamento não se dá apenas pela escuta, pois o sujeito-
leitor não é apenas um “ouvinte” de leitura. Defendemos a premissa da leitura como produtora
de sentidos, não reduzida ao âmbito dos significados.
Bakhtin (2017, p. 36) é quem nos adverte que “É impossível uma interpretação sem avaliação”.
Afirma, outrossim, que, na relação com o outro, não permanecemos iguais, saímos sempre
enriquecidos (BAKHTIN, 2017). Desse modo, conscientemente admitimos que a leitura dos
trabalhos mencionados neste capítulo proporcionou um enriquecimento, não só por
conhecermos posições de outros estudos, pela possibilidade de descrevê-los, refutá-los ou
concordar com eles, mas também a constatação de que esta pesquisa tem uma responsabilidade
ética de trazer novas reflexões, sem desconsiderar o que foi feito até aqui.
2.4 PALAVRAS: QUE ESTRANHA POTÊNCIA A VOSSA!
Bakhtin (2017) afirma que “A palavra do outro coloca diante do indivíduo a tarefa especial de
compreendê-la [...]” (BAKHTIN, 2017b, p. 38). É numa tentativa de compreensão da palavra
do outro, com base nos trabalhos mencionados neste projeto, estabeleceremos, então, alguns
70
direcionamentos. Por meio dos estudos de Lima (2007), foi possível questionar o discurso
redentor e salvacionista da leitura, como alternativa à resolução das mazelas sociais. Com essa
estratégia, programas são criados a defender esse discurso, mas esses mesmos programas não
tocam na origem do problema, ou seja, afugentam-se de expor, de modo consistente, as raízes
de tantos entraves no ensino e aprendizagem da leitura no Brasil, persistidos, em pleno século
XXI. De modo mais claro, o conhecimento sobre as condições objetivas, que impedem que os
desafios concernentes à leitura sejam superados, é cuidadosamente obscurecido nesses
documentos.
Carvalho (2012) defende uma abordagem social da leitura literária, uma concepção mais ampla,
que extrapola os espaços formais de educação, possibilitando que muitas outras vozes e
contextos perpassem a realidade educacional. Ávila (2016), por sua vez, parece fazer um
caminho semelhante ao de Lima (2007). Com lucidez e veemência, a autora não invalida as
possibilidades de a leitura promover uma reflexão sobre os processos que fabricam a miséria
humana, a exclusão, mas questiona e recusa uma visão ingênua da educação e da leitura,
confinadas ao salvacionismo. O trabalho de Ávila (2016) assume uma postura contra-
hegemônica, contraideológica, admite fragilidades no sistema educacional, ao mesmo tempo
que prevê o ensino da leitura como fator indispensável à emancipação, à apropriação dos
conhecimentos pela classe trabalhadora. A contradição da leitura reside nisto: “[...] ao mesmo
tempo em que serve ao capital e seus mecanismos de adaptação, é propulsora do acesso ao
conhecimento e formadora de uma consciência política e argumentativa (ÁVILA, 2016, p. 181).
Vieira (2016) alerta quanto às fragilidades contidas em documentos oficiais, no que concerne a
não diferenciação do texto literário dos demais gêneros. Moraes (2016) denuncia a permanência
de práticas reducionistas no ensino de língua portuguesa. Com ambos os trabalhos,
concentradas em diferentes etapas do ensino fundamental, percebemos a necessidade de uma
formação continuada sólida, consistente, contra-hegemônica.
Conhecer os trabalhos de Becalli (2007), Antunes (2015), Resende (2015), Costa (2017) e
Ramos (2017) possibilitou, com nitidez, observar mais detidamente a cristalização de certas
concepções de alfabetização, leitura, escrita, mesmo que elas não toquem na questão da leitura
literária com profundidade no corpus analisado. Permitiu, de igual forma, percebermos que,
mesmo com a defesa da indissociabilidade da alfabetização e do letramento, estas práticas
acabam sendo dissociadas quando a alfabetização é vista sob o viés da codificação e
decodificação de palavras.
71
Na contramão de proposições hegemônicas, não passividade: rebeldia, contrapalavras. As
pesquisas supracitadas defendem uma concepção dialógica da linguagem, a constituição de
crianças como sujeitos do discurso e ponderam: a) “[...] o texto não é um produto pronto e
fechado que carrega um único significado possível definido previamente pelo autor no
momento da escritura, uma vez que seus sentidos são produzidos no encontro do autor com o
leitor por meio do texto” (BECALLI, 2007, p. 188); b) “Constatamos que o currículo proposto
pelo programa se aproxima do currículo por competências, que tende a não possibilitar o
desenvolvimento do potencial crítico dos alunos [...]” (ANTUNES, 2015, p. 215); c) “[...] o
confronto da realidade do processo de apropriação da língua escrita pelas crianças denuncia a
fragilidade epistemológica dos conceitos presentes nesses programas que não consideram a
participação ativa dos aprendizes na busca de sentidos para a aprendizagem da língua escrita”
(RESENDE, 2015, p. 84); d) “[...]mesmo destacando a importância da leitura e dos textos nas
práticas de ensino, essas são apresentadas nos cadernos de maneira fragmentadas, esvaziando
os aspectos sociais e históricos dos sujeitos, bem como o sentido político da alfabetização”
(COSTA, 2017, p.170) ; e) “o construtivismo é, sim, o discurso que sustenta a naturalização do
ensino da linguagem escrita e que implica numa formação de professor alfabetizador reprodutor
de recurso e procedimentos técnicos [...] (RAMOS, 2017, p. 120)”.
No caso da abordagem da leitura deleite, de acordo com as pesquisas elencadas nesta tese, há o
privilégio de estudo em cinco frentes: a) o diálogo dessa questão por meio das falas de
professoras analisadas é contemplado as pesquisas de Barros (2015), Bastos (2016), Frambach
(2016), Lovato (2016), Silva (2013b), Silva (2016a) e Silva (2016b); b) a análise da leitura
literária no Pnaic, a partir de uma coleta de dados mais ampla (questionários, entrevistas
semiestruturadas, roda de conversas e análise documental), e em defesa da leitura para deleite
é visto em Silva (2017); c) a menção de certas similitudes no trato da leitura em outros
programas governamentais como Profa e/ou no Pró-Letramento é feita por Lovato (2016),
Bastos (2016) e Frambach (2016); d) a defesa da leitura por prazer, tal qual apregoam os
documentos do Pnaic, pode ser vista em Lovato (2016), Bastos (2016), Silva (2016a) e Silva
(2016b); e) por fim, há os estudos que lançam uma crítica à leitura literária diminuída ao
regozijo, ao prazer; de modo tímido, as pesquisas de Loose (2016) Barros (2015) e Silva (2013)
assim o fazem, e, mais consistentemente, a dissertação de Frambach (2016).
Bakhtin (2017, p. 36) admite que “O intérprete não pode excluir a possibilidade de mudança e
até de renúncia aos seus pontos de vista e posições já prontos”. Severino (2007), por sua vez,
pontua que as contribuições alheias são um inter-relacionamento enriquecedor:
72
Este inter-relacionamento é dialético na medida em que ele nega, ao mesmo tempo
que afirma, a relevância da contribuição alheia. Esta só é válida quando incrementa a
instauração de autonomia de pensamento do pesquisador. É reconhecendo e
assumindo, mas simultaneamente negando e superando o legado do outro, que o
pensamento autônomo se constitui (SEVERINO, 2007, p. 215, grifo do autor).
Bakhtin (2015), antes de elaborar o conceito de romance polifônico, faz uma espécie de revisão
de literatura, apontando as potências e as fragilidades de cada estudo anteriormente erigido
sobre o assunto. Os autores por ele mencionados não são vistos oponentes, mas, de certo modo,
contribuintes para o próprio estudo do autor. Por isso, a inserção dos estudos nesta revisão de
literatura permite algumas elucubrações. Torna-se fundamental, então, ratificar que a leitura é
um compromisso que não só se restringe na oferta e indicação de livros, mas, também se dá na
mediação do professor. Por outro lado, a fim de que haja uma mediação, uma formação inicial
e continuada de professores/as necessita de ser consistente e não pretexto para dar ainda mais
solidez, visibilidade às relações mercadológicas e a certos disparates acadêmicos.
Até pelo fato da aproximação teórica, alguns trabalhos mencionados nesta revisão de literatura
lançaram severas críticas ao que se tem perpetuado no cenário educacional brasileiro e, de modo
mais detido, na leitura, apesar do reconhecimento de alguns avanços. E é em meio a tantas
inquietações que se faz necessário novamente recorrer à emergência do nosso objeto de estudo
e expor: ainda que concordemos com certos posicionamentos ora expostos, há indícios de
originalidade na proposta que aqui se alvitra, pois nenhum desses trabalhos focalizou suas
atenções de modo exclusivo e aprofundado às concepções de leitura literária, da maneira
empenhada nesta pesquisa.
Mais especificamente, a partir do norteamento teórico-metodológico ora proposto, a) nenhum
deles se deteve unicamente à leitura literária e à recorrência do termo “leitura deleite” nos
documentos oficiais dos três programas de professores/as alfabetizadores/as e nos documentos
da Unesco; no máximo, há a menção, pois todos concentram seus esforços nos documentos do
Pnaic. Além disso, nenhum deles se põe a analisar a fundo o aparente modo lúdico como é
tratada a leitura literária nos três programas e as contradições inerentes a essa visão; b) nenhum
deles trata das possíveis aproximações e afastamentos do conceito de deleite ao longo da
história; c) nenhum dos trabalhos se lança a estudar as possíveis relações entre as concepções
de leitura literária dos programas e os constructos teórico-metodológicos do Letramento
Literário; e d) tampouco conjecturam concepções de sujeito-leitor e de escola que parece ser
chancelada nesses programas.
73
Bakhtin (2017, p. 19) aponta a necessidade de ousadia científica e investigatória sem qual não
conseguiremos descer às profundezas ou nos colocarmos nas alturas. Bianchetti (2012), ao
destacar os desafios de escrever dissertações e teses, comenta: “[...] E desafios, para serem
enfrentados exigem conhecimento, exercício, persistência [...] (BIANCHETTI, 2012, p. 179).
Com uma finalidade mnemônica, retomamos aqui o objetivo primeiro deste trabalho:
compreender como estão fundamentadas as concepções de leitura literária referendadas pelos
programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as (2001 a 2018). Na
tentativa de contribuir com as pesquisas educacionais, aceitamos que a empreitada é um desafio
e, por isso, lançamo-nos de modo consciente: “Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência,
a vossa!”.
74
3. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO: SEM TEMER O VENTO E A
VERTIGEM
Se um viajante numa noite de inverno, fora do povoado de
Malbork, debruçando-se na borda da costa escarpada, sem
temer o vento e a vertigem, olha para baixo onde a sombra
se adensa numa rede de linhas que se entrelaçam, numa rede
de linhas que se entrecruzam no tapete de folhas iluminadas
pela lua ao redor de uma cova vazia. ‘Que história espera
seu fim lá embaixo?’, ele pergunta, ansioso por ouvir o
relato.
Ítalo Calvino
Em Se um viajante numa noite de inverno, Calvino (1999) descreve vários perfis de leitores/as,
a partir da relação de cada um deles com os livros. No capítulo 2, o autor destaca: “Vamos, não
perca tempo, você já tem um bom argumento para iniciar a conversa, um terreno comum, pense
um instante, pode exibir suas leituras amplas e variadas, vá em frente, o que está esperando?”
(CALVINO, 1999, p. 17). Os convites do escritor, nas cadeiras da perturbação para dar corpo
a este capítulo, encontram guarida. Não podemos perder tempo. Já temos um bom argumento
para iniciar a conversa: a leitura literária. O terreno comum: as áreas de Letras e Educação. As
leituras amplas e variadas: Ítalo Calvino, Antonio Joaquim Severino, Antonio Carlos Gil, Ana
Zandwais, Carlos Alberto Faraco, Mikhail Bakhtin... Continuemos.
Pode soar estranho, à primeira vista, que, ao discutir questões atinentes à leitura literária em um
programa governamental, detenhamos nossa atenção aos estudos de um autor que não se ateve
à educação escolar, embora tenha dedicado grande parte de sua vida ao magistério (GERALDI,
2013). No entanto, pensamos, consoante aos estudos de Geraldi (2013) que Bakhtin assentou
seus estudos no princípio da alteridade, a partir de suas reflexões sobre a linguagem, a ética e a
literatura, por exemplo, e que tais reflexões dizem muito aos educadores até hoje.
Assim, de modo a contextualizar algumas bases do pensamento bakhtiniano e, em certa medida,
até para ser coerente com os estudos do autor, mesmo que o que vamos mencionar esteja
explícito no título da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, cabe fazer algumas incursões,
trazendo a lume os estudos de Zandwais (2014). Seu artigo, intitulado Contribuições de teorias
de vertente marxista para os estudos da linguagem, assim é iniciado:
Se nos reportarmos às bases de fundação dos estudos da linguagem de vertente
marxista, para além de Karl Marx (1986), que preconiza a linguagem como: a) o
espaço onde as práticas sociais adquirem valores simbólicos, sendo a linguagem
75
configurada pela condição de ter-se inaugurado a partir da necessidade de interação
laboral para fins de produção; b) a consciência prática real que permite aos homens
simbolizar as experiências vividas, transformando suas relações com os objetos e
transformando-se, ao mesmo tempo; podemos constatar, através de um percurso
retrospectivo, que alguns dos fundamentos mais importantes sobre as condições
materiais do funcionamento da linguagem, de sua essência, de suas relações com os
domínios histórico e dialético remontam ao contexto soviético. [...]
Partindo do pressuposto marxista de que a linguagem não é independente da realidade
material, mas, ao mesmo tempo, necessita extrapolá-la, ultrapassar os fins imediatos
aos quais ela serve, como meio de interação, como facilitadora da produção, meio de
acesso às trocas de toda ordem, Bakhtin/Volochinov em ‘Marxismo e Filosofia da
Linguagem’ (MFL:1986) e V.Volochinov em ‘Chto Takoe Yazik’ (2009) irão tratar
das condições em que a linguagem, para tornar-se um objeto simbólico, precisa ser
explicada em termos de suas relações de mediação (ZANDWAIS, 2014, p. 51-52).
Para compreendermos melhor o que a autora pondera, é necessário relembrar, à moda de um
sobrevoo, o que Volóchinov (2017) trata em dois capítulos específicos situados na primeira
parte da obra: a) Ciência das Ideologias e Filosofia da Linguagem; e b) O Problema da Relação
entre a Base e a Superestrutura. Nesses dois capítulos, fica claro um estudo que, assentando
nas bases do materialismo, trata a linguagem como reveladora de interesses contraditórios, bem
como se debruça na íntima relação entre língua e ideologia, tornando possível delimitar a
palavra como elemento principal e constitutivo da arena social, lugar em que se travam lutas de
classe. Portanto,
É preciso destacar que, segundo Bakhtin/Volochinov (1986:36), a palavra seria o
signo mais indicativo do trabalho ideológico em virtude de seu funcionamento
dialético. Sendo o material semiótico de expressão de todos e ao mesmo tempo um
signo neutro, ela somente converte-se em signo ideológico ao incorporar os valores
contraditórios dos que a utilizam, refletindo e refratando a ordem do real de formas
distintas e até mesmo paradoxais (ZANDWAIS, 2014, p. 52).
Parece razoável, então, afirmar que os sentidos refletem e refratam diferentes contextos, em
virtude dos interesses que permeiam as classes. De fato, a compreensão de que há a produção e
o enraizamento de certos valores simbólicos, em detrimento de outros, é extremamente
importante, tendo em vista as próprias condições de refração ideológica dos sujeitos:
A palavra é o fenômeno ideológico par excellence. Toda sua realidade toda da palavra
é integralmente absorvida na sua função de ser signo. Não há nada na palavra que
permaneça indiferente a essa função e que não seja gerado por ela. A palavra é o
médium mais apurado e sensível da comunicação social (VOLÓCHINOV, 2017, p.
98-99, grifo do autor).
Com os olhos fitados nessa constatação, assumimos, de antemão, um posicionamento de
desconfiança, ao analisarmos a recorrência do termos inseridos no campo do deleite, atrelados
à leitura literária nos documentos do Profa, do Pró-Letramento e Pnaic, pois pensamos que essa
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concepção advém de uma concepção de mundo. De modo mais específico, se a palavra não se
restringe a um psiquismo puramente individual ou às regras gramaticais, ela faz parte de um
processo de interação, dialógico, situado social e historicamente. Volóhinov (2017, p. 205)
frisa, ainda, que a palavra é uma ponte lançada, “[...] é um ato bilateral. Ela é determinada tanto
por aquele de quem ela procede quanto por aquele para quem se dirige”. Pensando mais
detidamente em nosso objeto de estudo, parece razoável afirmar que esses documentos refletem
intencionalmente os posicionamentos das instituições que o elaboraram, dentro de um contexto
histórico específico e em consonância com certo auditório social.
Visamos a analisar esses materiais, de modo a não nos enganarmos por uma suposta
neutralidade ou ingenuidade, mas observá-los enquanto síntese de múltiplas relações e produtos
constitutivos de diálogos carregados de valores sociais. Para tanto, é preciso considerar que “A
introdução do método sociológico em todas as profundezas e nuances das estruturas ideológicas
“imanentes” é possível apenas com base em uma filosofia da linguagem a ser desenvolvida pelo
próprio marxismo na qualidade de uma filosofia do signo ideológico” (VOLÓCHINOV, 2017,
p. 102, grifo do autor).
Feitas as ressalvas, passemos, então, à apresentação dos conceitos que serão guias para nossas
análises.
3.1 DIALOGISMO, ENUNCIADO E POLIFONIA
Os conceitos bakhtinianos de dialogismo, enunciado e polifonia estão fortemente imbricados.
Abordá-los separadamente pode ser um erro. A palavra diálogo, tão corriqueira nas relações
pessoais, pode ser definida, em linhas gerais, como uma forma de conversa entre pessoas, entre
personagens, ou uma conversação face a face. Faraco (2009) adverte, entretanto, que os
membros do Círculo de Bakhtin não são teóricos do diálogo nesse sentido, pois não os interessa
analisar “[...] a maneira como se dá a troca de turnos entre participantes de uma conversa”
(FARACO, 2009, p. 61). Distanciando-se de analisar o diálogo de uma forma composicional,
Bakhtin “[...] se ocupa não com o diálogo em si, mas com o que ocorre nele, isto é, com o
complexo de forças que nele atua e condiciona a forma e as significações do que é dito ali”
(FARACO, 2009, p. 61).
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O que é objeto de análise, “[...] o discurso verbal impresso participa de uma espécie de discussão
ideológica em grande escala: responde, refuta ou confirma algo, antecipa as respostas e críticas
possíveis, busca apoio e assim por diante” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 219). Dessa maneira, é
preciso ressaltar que o diálogo face a face, por exemplo, só passa a interessar quando inserido
em um dos muitos eventos que se manifestam nas relações dialógicas, num sentido mais amplo
e muito mais complexo.
Para que não haja equívocos, é preciso pôr em relevo que, normalmente, a palavra “diálogo”
está remetida também à resolução de conflitos, ao entendimento, enfim, à harmonia. Ao
reafirmamos as bases marxistas nos alicerces teóricos de Bakhtin e seu Círculo, inferimos que
não é este o objetivo do filósofo. Nas relações dialógicas, mostram-se tanto situações de
discórdia e concórdia, de dissenso e consenso, convergência e divergência, embate, titubeio,
recusa, aceite... Na esteira desse pensamento, torna-se plausível reafirmar que o dialogismo
pressupõe espaços de tensão, de luta entre os enunciados, que não apenas se relacionam
mutuamente, “mas se tensionam nas relações dialógicas” (FARACO, 2009, p. 69).
É em Problemas da Poética de Dostoiévski que Bakhtin (2013), sobretudo no capítulo 5,
apresenta com mais destreza o conceito de dialogismo. Essa obra, segundo Paulo Bezerra, no
prefácio do livro, constitui “[...] uma autêntica revolução na teoria do romance como gênero
específico e produto de uma poética histórica”. Quanto ao conceito, Brait (1999, p. 11) afirma
que este “[...] desempenha papel fundamental no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin,
funcionando como célula geradora dos diversos aspectos que singularizam e mantêm vivo o
pensamento desse produtivo teórico” (BRAIT, 1999, p. 11). Fiorin (1999) completa que
“Bakhtin, durante toda a sua vida, foi fiel ao desenvolvimento de um conceito: dialogismo. Sua
preocupação básica foi a de que o discurso não se constrói sobre o mesmo, mas se elabora em
vista do outro” (FIORIN, 1999, p. 29). Barros (1999), por sua vez, arremata: “Em resumo,
Bakhtin concebe o dialogismo como princípio constitutivo da linguagem e a condição do
sentido do discurso” (BARROS, 1999, p. 2).
Para o filósofo russo, não há relações dialógicas da língua, enquanto ela for reduzida apenas ao
objeto da Linguística, desconexa da realidade: “Mas é precisamente esse ângulo dialógico que
não pode ser estabelecido por meio de critérios genuinamente linguísticos, porque as relações
dialógicas, embora pertençam ao campo do discurso, não pertencem a um campo puramente
linguístico do seu estudo” (BAKHTIN, 2015, p. 208). Grosso modo, não há, na visão do autor,
relações dialógicas se as palavras ficarem adstritas aos morfemas, ao estado de dicionário, a um
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emaranhado de sentenças. Para que o dialogismo ocorra, então, é preciso que o material
linguístico (os enunciados) esteja contemplado dentro da esfera do discurso, dentro das relações
sociais. É apenas nessa conjuntura que é possível responder, refutar, confirmar, antecipar,
confrontar posições, lançar questionamentos, rejeitar ou aceitar a palavra do outro.
Faraco (2009, p. 66) aponta, ainda, que “As relações dialógicas são, portanto, relações entre
índices sociais de valor [...] não mais como unidade da língua, mas como unidade da interação
social”. Logo, deve-se afugentar de uma análise rigorosamente linguística, pois ela “abstrai
consequentemente as relações propriamente dialógicas [...]” (BAKHTIN, 2013, p. 209).
Ancorar-se nessa visão de linguagem implica, desse modo, ver a língua não como um complexo
de relações entre palavras, desconexas de seu contexto, mas vê-las na interação entre sujeitos:
Assim, as relações dialógicas são extralinguísticas. Ao mesmo tempo, porém, não
podem ser separadas do campo do discurso, ou seja, da língua enquanto fenômeno
integral concreto. A linguagem só vive na comunicação dialógica daqueles que a
usam. É precisamente essa comunicação dialógica que constitui o verdadeiro campo
da vida da linguagem. Toda a vida da linguagem, seja qual for o seu campo de
emprego (a linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística, etc.), está
impregnada de relações dialógicas (BAKHTIN, 2015, p. 209).
Assim, a tentativa de reduzir a linguagem a um simples canteiro de exploração da linguística,
desconexa do sentido ideológico, das relações sociais, não só faz um afago ao discurso
monológico, mas desconsidera e abstrai a vida que a ela está intrínseca. Os apontamentos do
autor coerentes, à medida que nem palavra supostamente isolada é esquecida:
As relações dialógicas são possíveis não apenas entre enunciações integrais
(relativamente), mas o enfoque dialógico é possível a qualquer parte significante do
enunciado, inclusive a uma palavra isolada, caso esta não seja interpretada como
palavra impessoal da língua, mas como signo da posição semântica de um outro, como
representante do enunciado de um outro, ou seja, se ouvimos nela a voz do outro. Por
isso, as relações dialógicas podem penetrar no âmago do enunciado, inclusive no
íntimo de uma palavra isolada se nela se chocam dialogicamente duas vozes (o
microdiálogo de que já tivemos oportunidade de falar) (BAKHTIN, 2015, p. 211).
Diante dessas considerações, pensamos que o dialogismo se circunscreve nas relações
estabelecidas entre os sujeitos, entre o eu e o outro, em processos de interação. As relações
dialógicas não são exclusivas a determinados enunciados, pois cada palavra proferida é sempre
réplica, resposta de palavras alheias não, sendo, portanto, pertencente a uma única voz. Toda
palavra precisa ser compreendida em seu sentido vivo e não apartada da história. Desse modo,
se pensarmos, por exemplo, naquilo que é objeto deste estudo (a leitura literária), devemos,
primeiramente, revisitar um pouco do contexto histórico do qual ela está inserida. O conceito
de dialogismo será basilar para análise dos documentos, porque, ao inserirmos nossas análises,
79
impressões, observações, recusas, concordâncias e discordâncias, entendemos que nossas
(contra)palavras introduzem mais um elo nessa desmedida corrente discursiva.
Brait e Melo (2010, p. 65) ponderam que as noções de enunciado e enunciação possuem um
papel fulcral na concepção de linguagem bakhtiniana, pelo fato de que a concepção de
linguagem é analisada do ponto de vista social, histórico e cultural, que envolve a tríade sujeito,
discurso e a comunicação efetiva. Há, nesse sentido, um estreito vínculo com o signo
ideológico, dialogismo, polifonia e demais elementos do processo enunciativo-discursivo.
Salientam que tal conceito não se encontra pronto e acabado em uma determinada obra, já que
os sentidos vão sendo tecidos em outras noções paulatinamente construídas.
Consoante as autoras, o enunciado materializa o processo interativo, haja vista que contempla
os elementos verbais e não verbais e, concomitantemente, situam-se em contexto histórico
maior, tanto no que diz respeito a aspectos que pregressos a um determinado enunciado, quanto
ao que ele projeta futuramente (BRAIT; MELO, 2010, p. 67). É na metáfora do elo que repousa
a noção de “enunciado”, outro conceito basilar para a compreensão da concepção de linguagem
de Bakhtin. A linguagem, de tal modo, além de estar relacionada intensamente à esfera das
atividades humanas, vincula-se aos contextos históricos, sociais, culturais e considera sempre
os sujeitos envolvidos (o lugar de onde se fala, o que se fala, para quem se fala, por que se fala...
ou escreve... quem responde, por que responde, em quais circunstâncias responde, de que
maneira responde...):
[...] Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão
multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a
unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em formas de
enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse
ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições
específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático)
e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos
esses três elementos _ o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional_
estão indissoluvelmente ligados no conjunto do enunciado e são igualmente
determinados pela especificidade de um campo da comunicação (BAKHTIN, 2016,
p. 12, grifo do autor).
São relações de sentido que se estabelecem entre enunciados. Nesse perspectiva, podemos
afirmar que os documentos que serão analisados configuram-se como um dos modos de
utilização da língua e, conforme afirmação de Bakhtin (2016), os enunciados refletem
condições específicas de produção, dentro de um todo. Essa totalidade diz respeito a um
contexto mais amplo e não só por um olhar adstrito aos recursos linguísticos na construção dos
enunciados. Para Bakhtin (2017), não pode haver isolamento do enunciado:
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Ele sempre pressupõe enunciados que o antecederam e o sucedem. Nenhum enunciado
pode ser o primeiro ou o último. Ele é apenas o elo na cadeia e fora dessa cadeia não
pode ser estudado. Entre os enunciados existem relações que não podem ser definidas
em categorias nem mecânicas nem linguísticas. Não há analogias com eles
(BAKHTIN, 2017, p. 26-27).
Compreendendo um enunciado como um elo em uma cadeia mais ampla de enunciados, ele
sempre será produzido em um determinado contexto, com determinadas intenções e está
integrado a enunciados antecedentes e posteriores, impossibilitando, dessa maneira, uma
categorização rígida e estanque, como o último ou o primeiro elo dentro dessa cadeia. Para
Bakhtin (2017), o enunciado tem natureza social, discursiva e não meramente é orquestrado por
normas linguísticas inertes. Fora da cadeia, torna-se uma abstração e, desse modo, não pode ser
analisado consistentemente, pois, desse modo, se remove dele o que há de mais relevante: a
vida. Ainda, é preciso considerar que:
Todo enunciado - da réplica sucinta (monovocal) do diálogo cotidiano ao grande
romance ou o tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um
fim absoluto20: antes de seu início, os enunciados de outros; depois de seu término, os
enunciados responsivos de outros (ou ao menos uma compreensão ativamente
responsiva). O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real,
delimitada com precisão pela alternância dos sujeitos do discurso e que termina com
a transmissão da palavra do outro, por mais silencioso que seja o “dixi” percebido
pelos ouvintes [como sinal] de que o falante concluiu a sua fala (BAKHTIN, 2016, p.
29).
O autor acrescenta que o enunciado, compreendido como unidade da comunicação discursiva,
possui duas peculiaridades que lhes são constitutivas. A primeira delas é a alternância de
sujeitos do discurso e a segunda assenta-se na “conclusibilidade” (BAKHTIN, 2016, p. 35).
Trata-se de dois elementos que não podem ser analisados separadamente. Para o filósofo, a
alternância de sujeitos do discurso se articula à segunda peculiaridade, uma vez que o falante
disse tudo o que queria dizer sob determinadas condições, em um momento específico. Nessa
perspectiva, todo enunciado implica alternância, implica um fim provisório, momentâneo,
temporário. Quando se encerra um enunciado, em um determinado momento, abre-se espaço
para a formulação de outros enunciados. Consciente do risco da ampliação da análise, é
exequível assegurar que esse “fim” de que fala o filósofo russo, pode, de algum modo, se
articular, a uma finalidade (objetivo, propósito) absoluta, pois, como sujeitos históricos e sociais
que somos, nossos enunciados não estão isentos de intencionalidades, soltos ao léu. Além do
mais, enfatizamos a contumácia do autor na afirmação de que os enunciados sempre precedem
de algum ponto, o que nos mune de dados não só para ponderarmos sobre as relações de
20 A obra Estética da Criação Verbal resguarda a mesma tradução: “Todo enunciado - da réplica sucinta
(monovocal) do diálogo cotidiano ao grande romance ou o tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio
absoluto e um fim absoluto20: antes de seu início, os enunciados de outros [...]; (BAKHTIN, 2011, p. 275).
81
alteridade, como afirmar que os enunciados, nessa perspectiva, inserem-se dentro de um
princípio dialógico da linguagem.
Os enunciados manifestam a verdadeira essência desta que é a interação verbal
(VOLÓCHINOV, 2017). “Todo ato criativo individual, todo enunciado é individual e único,
porém em todo enunciado há elementos idênticos aos dos outros enunciados de um dado grupo
discursivo” [...] (VOLÓCHINOV, 2017, p. 155). Sendo o enunciado um produto da interação,
ele é único, porque expressa um dado contexto histórico e social que lhe deu origem. Além
disso, é importante salientar que, em um mesmo contexto, coexistem diferentes sentidos para
um enunciado. O que torna um enunciado único, irrepetível e singular é o sujeito. A palavra,
desse modo, possui contornos biunívocos; ou seja, podemos expressar um mesmo enunciado
várias vezes, mas jamais ele produzirá os mesmos sentidos, porque as situações, os momentos
serão outros, enfim, os contextos são irrepetíveis. Mais especificamente,
Por conseguinte, o tema do enunciado é definido não apenas pelas formas linguísticas
que o constituem _ palavras, formas morfológicas e sintáticas, sons, entonação_, mas
também pelos aspectos extraverbais da situação. Sem esses aspectos situacionais, o
enunciado torna-se incompreensível, assim como aconteceria se ele estivesse
desprovido de suas palavras mais importantes. O tema do enunciado é tão concreto
quanto o momento histórico ao qual ele pertence. O enunciado só possui um tema ao
ser considerado um fenômeno histórico em toda a sua plenitude concreta, É isso que
constitui o tema do enunciado (VOLÓCHINOV, 2017, p. 228, grifo do autor).
É impossível reproduzir fielmente a situação na qual o enunciado foi materializado
primeiramente. E, cabe sublinhar, que esta condição de não repetição, é sempre concreta,
porque não está desconexa do contexto ao qual está vinculada. Todos os enunciados são plenos
de palavras alheias: “Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom
valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos” (BAKHTIN, 2016, p. 54). Logo,
ainda que haja uma repetição sistemática da palavra “deleite”, ou de enunciados situados nesse
campo semântico, imersos na concepção de leitura literária dos documentos da Unesco, do
Profa, do Pró-Letramento e do Pnaic, há que se descobrir aspectos outros que, embora
discretamente, os diferenciem. Há que se desvelar o tom valorativo, em que se encontra a
reelaboração.
Um enunciado sempre responde a outro enunciado. Como um elo, provoca réplicas, estas, por
sua vez, suscitaram novos enunciados. Bakhtin (2016) ainda afirma que
Os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um si mesmos; uns
conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros. Esses reflexos mútuos
lhes determinam o caráter. Todo enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros
82
enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera da comunicação
discursiva (BAKHTIN, 2016, p. 57).
Considerando que essas repetições acenam, inexoravelmente, às relações históricas com os
primeiros enunciados, é neste ponto fulcral dos fundamentos bakhtinianos expostos nesta
pesquisa que incorre nossa atenção: “nenhuma palavra é nossa, mas traz em si a perspectiva de
outra voz” (BARROS, 1999, p. 3). Assim, o conceito de enunciado será importante neste
trabalho, pois, a partir do corpus ora selecionado para análise documental, conjecturaremos
cada documento também como um eco de enunciados precedentes, com finalidades bem
específicas.
Na obra Problemas da poética de Dostoievski, Bakhtin se concentra na relação entre
Dostoievski e suas personagens. Qual, por exemplo, é o ponto que une os medos, as dúvidas, a
culpa, as agruras de Raskolnikov em Crime e Castigo e as crises epiléticas, os momentos de
sanidade e as benevolências de Príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin, em O Idiota? Segundo
Bakhtin (2015): as vozes simultaneamente conflitantes.
Considerado pelo filósofo como um dos maiores inovadores no campo da forma artística
(BAKHTIN, 2015, p. 1), Dostoiévski, mais que um escritor, pode ser interpretado como um
orquestrador de vozes de personagens que tem pleno conforto para a contestação, a rebeldia, o
desacato, o contraponto. No plano discursivo, vários gêneros intercambiam-se, relacionam-se,
confluem-se. É essa pluralidade de consciências que constitui a contribuição dostoievskiana
para a literatura moderna, aspecto que, segundo Bakhtin (2015), não foi captado pelos críticos
da época:
Mas a consciência dos críticos e estudiosos continua até hoje escravizada pela
ideologia dos heróis de Dostoiévski. A vontade artística do escritor não é objeto de
uma nítida tomada de consciência teórica. Parece que todo aquele que penetra no
labirinto do romance polifônico não consegue encontrar a saída e, obstaculizado por
vozes particulares, não percebe o todo. Amiúde não percebe sequer os contornos
confusos do todo; o ouvido não capta, de maneira nenhuma, os princípios artísticos
da combinação de vozes. Cada um interpreta a seu modo a última palavra de
Dostoiévski, mas todos a interpretam como uma palavra, uma voz, uma ênfase, e nisto
reside justamente um erro fundamental. A unidade do romance polifônico, que
transcende a palavra, a voz e a ênfase, permanece oculta (BAKHTIN, 2015, p. 51).
Como pode ser visto, é errôneo tratar o romance de modo unívoco. Talvez, o objetivo para as
análises não seja encontrar a saída decisiva para esse labirinto, mas, antes, refletir sobre os
caminhos, os meandros, as fragilidades, a força, de cada personagem de modo a compreender
o todo. Confessamos, de antemão, a nossa dificuldade nesta tese em dialogar com o conceito
83
de polifonia, pois a elaboração deste foi feita a partir da análise do texto literário. Todavia, se o
conceito se vale também do embate, é nesse confronto que é possível perceber as contradições.
Cumpre alertar que, embora próximos, o conceito de polifonia e dialogismo resguardam
diferenças, sutilezas. Compreendemos o dialogismo, na perspectiva bakhtiniana, como o
princípio constitutivo da linguagem e como textos polifônicos aqueles que permitem o
reconhecimento de múltiplas vozes. Os textos monofônicos, por sua vez, encobrem, aquietam
as vozes que os constituem.
Bakhtin (2015) discute nessa obra duas modalidades de romance: o monológico e o polifônico:
“À categoria de monológico estão associados o conceito de monologismo, autoritarismo,
acabamento; à categoria de polifônico, os conceitos de realidade em formação,
inconclusibilidade, não acabamento, dialogismo, polifonia” (BEZERRA, 2010, p. 191). No
monologismo, há uma centralização criativa e, consequentemente, a multiplicidade de vozes é
cuidadosamente controlada.
Barros (1999) compreende, quanto a essa categoria bakhtiniana, que “[...] Os textos são
dialógicos porque resultam do embate de muitas formas sociais, podem, no entanto, produzir
efeitos de polifonia quando essas vozes ou algumas delas deixam-se escutar, ou de monofonia,
quando o diálogo é mascarado e uma voz, apenas, faz-se ouvir” (BARROS, 1999, p. 6). Bezerra
(2010, p. 192) pondera que, nessa visão, o outro nunca é outra consciência, ao contrário, é
reduzido a mero objeto da consciência de um “eu” que a tudo governa, induz e vigia. Há um
modelo a ser seguido, em que o homem e o mundo são meramente representados.
Bezerra (2010, p. 192-193) salienta que essas concepções, monologismo e dialogismo, não
forma abstrações desconexas do contexto. Não são desprovidas, portanto, de conteúdo social,
cultural, ideológico e histórico. Salienta também que o capitalismo reduz indivíduos a condição
de objetos, solidifica o processo de reificação e provoca a estratificação social, mantém a
desigualdade e acirra os conflitos sociais, gerando vozes e consciências avessas e resistentes a
tal subjugo. Desse modo, o modo de produção capitalista cria as condições objetivas para o
surgimento do romance polifônico:
A própria época tornou possível o romance polifônico. Dostoiévski foi subjetivamente
um partícipe dessa contraditória multiplicidade de planos do seu tempo, mudou de
estância, passou de uma a outra e neste sentido os planos que existiam na vida social
objetiva eram para ele etapas da sua trajetória vital e sua formação espiritual. Essa
experiência individual era profunda, mas Dostoiévski não lhe atribuiu expressão
monológica imediata em sua obra. Essa experiência apenas o ajudou a entender com
mais profundidade as amplas contradições que existem extensivamente entre os
84
homens e não entre as ideias numa consciência. Deste modo, as contradições objetivas
da época determinaram a obra de Dostoiévski não no plano da erradicação individual
dessas contradições na história espiritual do escritor, mas no plano da visão objetiva
dessas contradições como forças coexistentes, simultâneas (é verdade que de um
ângulo de visão aprofundado pela vivência pessoal) (BAKHTIN, 2015, p. 30).
Bakhtin (2015, p. 4) assevera que “Dostoiévski não cria escravos mudos (como Zeus) mas
pessoas livres, capazes de colocar-se lado a lado com seu criador, de discordar dele e até rebelar-
se contra ele”. Tal assertiva permite-nos inferir que as personagens dostoiévskianos não são
subservientes, passivos à consciência do autor, mas sujeitos de sua própria consciência. As
personagens, nesse sentido, não estão estanques: agem e possuem direitos de fala equânimes.
“A multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de
vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de
Dostoiévski” (BAKHTIN, 2015, p. 4, grifo do autor).
Na visão de Bezerra (2010, p. 194), a polifonia pode ser caracterizada, nesse sentido, como o
elemento que resguarda o posicionamento do autor enquanto regente do grande coro de vozes
que está envolvida no processo dialógico. Porém, diferente de um mero titereiro, esse hábil
regente é dotado de um ativismo especial que permite à sua criação manifestar-se
autonomamente e desvelem no homem um outro “eu para si” infinito e inacabável (BEZERRA,
2010, p. 194). Com cautela, é necessário advertimos que não se trata de uma afasia do autor:
O autor é profundamente ativo, mas seu ativismo tem um caráter “dialógico especial,
está diretamente vinculado “à consciência ativa e isônoma do outro”, um ativismo
que “interroga, provoca, responde, concorda, discorda”, enfim, um ativismo que
estabelece uma relação dialógica entre a consciência criadora e a consciência recriada,
e esta participa do diálogo com plenos direitos à interlocução com outras vozes,
inclusive com a voz do autor, mantendo-se imiscível e preservando suas
peculiaridades de falante. (BEZERRA, 2010, p. 199).
Entender o conceito de polifonia, que é o contrário da homofonia ou monofonia, para este
trabalho será fundamental, de modo a investigarmos nos documentos selecionados para o
procedimento analítico, se há, na concepção de leitura literária, o aparecimento de muitas vozes
ou o emudecimento de delas.
Os conceitos de dialogismo, enunciado e polifonia nortearão as análises, por considerarmos o
documento da Unesco, os guias do Profa, os fascículos do Pró-Letramento e os cadernos do
Pnaic, como documentos oficiais, gêneros discursivos, organizados sob a forma de enunciados,
que, situados historicamente e direcionados a certo auditório social, estão repletos de conteúdo
ideológico, de emissão valorativa, de relações dialógicas, de vida. Diante do exposto, pensamos
85
que é na tensão entre as vozes múltiplas, abundantes que se pode dar maior concreticidade às
respostas (provisórias) aos questionamentos formulados nesta tese.
3.2 PERCURSO METODOLÓGICO
De acordo com Souza e Albuquerque (2012), pensar sobre a construção de uma epistemologia
das Ciências Humanas, a partir da filosofia da linguagem assentada nos estudos de Bakhtin e o
Círculo, exige, de antemão, do pesquisador, o conhecimento do que é o objeto e o indivíduo a
ser estudado, permitindo, desse modo, caracterizar elementos, reconhecer nuances,
especificidades, contornos, avanços e limites. Conhecer, nessa premissa, significa, inclusive,
confrontar-se com o outro e aceitar que a serenidade de nossas certezas e convicções aquietadas
pode ser, às vezes, de modo não singelo, despertada.
Amorim (2002), também ao tratar de pesquisas em Ciências Humanas a partir da perspectiva
bakhtiniana, anuncia que formação implica transgressão. Um trabalho acadêmico para ser
coerente aos postulados do autor precisa levar em consideração que um texto é lugar de
produção e de conhecimentos, pois a escrita acadêmica não se restringe a uma simples
transcrição destes. Segundo a autora, a leitura crítica dos textos em Ciências Humanas, deve
considerar o que ela chama de “teoria de vozes”. É só nessa visão que será possível vislumbrar
as vozes que se deixam ouvir, em que lugares, como e por que se deixam ouvir, e por que tantas
outras estão ausentes.
Compreender como estão fundamentadas as concepções de leitura literária em programas
governamentais de professores/as alfabetizadores/as não é algo simples. Volóchinov (2017) põe
enfaticamente em relevo a distinção de compreensão e reconhecimento. Para ele, esses dois
conceitos se distanciam, pois, enquanto o primeiro diz respeito à tarefa de compreender em um
contexto histórico concreto, de modo a salientar o que há de novidade, o segundo pode se
relacionar, por exemplo, às nossas atitudes primeiras quando nos confrontamos com uma forma
de língua parcamente conhecida. Consoante ao autor, o aspecto constitutivo da compreensão se
volta à orientação da palavra em um dado contexto, em dada situação e não dentro de uma
existência imóvel (VOLÓCHINOV, 2017, p. 177-179).
Bakhtin (2017, p. 72) afirma que “Independentemente de quais sejam os objetivos de uma
pesquisa, só o texto pode ser o ponto de partida”. Até neste momento, nossa trajetória percorreu
86
a consolidação da emergência do objeto de estudo, a partir da contextualização do problema;
citou outras pesquisas que, em diálogo com os estudos feitos em nível de mestrado,
possibilitaram ter uma visão mais cuidadosa e ampla do nosso intento; e, também, trouxe parte
dos estudos de Bakhtin e o Círculo como referencial sustentador de nossas análises. Desse
modo, fazer pesquisa, consoante Severino (2007) independente das distinções que a
categorizam cientificamente, exige “[...] um trabalho de pesquisa e de reflexão que seja pessoal,
autônomo, criativo e rigoroso” (p. 214). Trata-se de uma tarefa que exige rigor, e quanto à
escolha do tema,
Deve ser realmente uma problemática vivenciada pelo pesquisador, ela deve lhe dizer
respeito. Não, obviamente, num nível puramente sentimental, mas no nível da
avaliação da relevância e da significação dos problemas abordados para o próprio
pesquisador, em vista de sua relação com o universo que o envolve. A escolha de um
tema de pesquisa, bem como sua realização, necessariamente é um ato político
(SEVERINO, 2007, p. 214).
Fazer pesquisa não é a mostra de um elenco de autores à moda de uma colcha de retalhos mal
cerzida: “[...] A pesquisa é desenvolvida mediante o concurso dos conhecimentos disponíveis
e a utilização cuidadosa de métodos, técnicas e outros procedimentos científicos” (GIL, 2002,
p. 17). Como se vê, um trabalho acadêmico se dá por métodos, técnicas e fundamentos
epistemológicos. Mas há várias maneiras de se fazer pesquisa, que, claro, independente da
abordagem e dos procedimentos, implicam necessariamente uma coerência epistemológica.
O posicionamento que se assume neste trabalho é de não hierarquização entre as abordagens.
Compreende-se que as pesquisas qualitativas respondem às indagações formadas no problema
de pesquisa de maneira muito peculiar, já que abarcam um processo mais amplo dos fenômenos
e das relações sociais que não podem ser reduzidos aos dados numéricos. Esta proposta, então,
em termos de categorização metodológica quanto à abordagem, caracteriza-se por ser uma
pesquisa qualitativa.
Há vários procedimentos de pesquisa. Por ora, dados à necessidade de recorte e aos objetivos
deste trabalho, nossa atenção será concentrada em apenas dois deles: pesquisa bibliográfica e a
pesquisa documental:
A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir registro disponível, decorrente
de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc.
Utilizam-se dados de categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e
devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados.
O pesquisador trabalha a partir de contribuições dos autores dos estudos analíticos
constantes dos textos.
87
No caso da pesquisa documental, tem-se como fonte documentos no sentido amplo,
ou seja, não só de documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de
documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. Nestes
casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são
ainda matéria prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação
e análise (SEVERINO, 2007, p. 122-123).
A opção por essas categorizações metodológicas é indispensável, pois proporcionam uma visão
mais acurada acerca do tema proposto. Considerando as definições supracitadas, pensa-se que
toda pesquisa é bibliográfica, uma vez que se sustenta a partir de outros estudos analíticos
disponíveis. Entretanto, por considerar que os materiais da Unesco, do Profa, do Pró-
Letramento e do Pnaic, tais como cadernos de formação, guias, fascículos, dentre outros, são
documentos que emergem de um determinado contexto e, portanto, nos munem de dados sobre
esse mesmo contexto, este estudo caracteriza-se por ser uma pesquisa bibliográfico-
documental.
Le Goff (1990) pondera que um documento é uma produção consciente ou inconsciente da
história, o que significa que ele sobrevive a épocas futuras. Para o autor, documento consiste
naquilo que permanece: é monumento. É resultado, por conseguinte, de uma produção social
que quer criar uma imagem de si mesma. Se é montagem, pode-se demoli-lo. Volóchinov
(2017), por sua vez, afirma que “Todo enunciado, mesmo que seja escrito e finalizado, responde
a algo e orienta-se para uma resposta. Ele é apenas um elo na cadeia ininterrupta de discursos
verbais” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 184). Compreendemos, diante dessas afirmações, que o
corpus documental constitui textos e, desse modo, enunciados. Enunciados são produzidos por
sujeitos em determinadas circunstâncias para responder a demandas e instituir determinadas
práticas. Eles respondem e, ao mesmo tempo, estão voltados para o futuro; materializam
discursos e esses discursos são povoados por diferentes vozes. Analisá-los, por conseguinte,
requer a recuperação das condições de produção dos textos, a partir, por exemplo, de algumas
indagações: os textos foram produzidos em que determinado momento da educação? Eles foram
elaborados para responder a quais demandas? Quais relações são estabelecidas com outros
textos? Quais as possíveis reverberações desses documentos?
Neste capítulo, delimitamos as categorias de dialogismo, enunciado e polifonia, e como essas
noções serão contempladas em nossa análise. Com a finalidade de delimitação mais específica
do nosso corpus, primeiramente, será necessário, no capítulo posterior, dialogarmos sobre o
conceito de Letramento Literário, pois entrever a autoria, as instâncias legitimadoras e o
contexto social em que se inserem os enunciados dos documentos oficiais, em cotejo com
referencial teórico, é fundamental para ouvirmos as vozes ecoantes. Para Volóchinov (2017), a
88
língua é um fenômeno vivo, sempre atrelada ao contexto, dentro das relações sociais; isto é, “A
palavra está sempre repleta de conteúdo e de significação ideológica ou cotidiana
(VOLÓCHINOV, 2017, p. 181, grifo do autor). Se compreendermos fenômeno ideológico da
palavra, compreendemos a não neutralidade de quaisquer perspectivas teóricas, de compreensão
de mundo, de sujeito, de política, de história, de políticas educacionais e, em nosso caso
específico, de concepção de leitura literária.
No quinto capítulo, após situarmos o conceito de deleite, será analisado um documento da
Unesco, concentrando esforços maiores naqueles em capítulos que ponderam sobre os pilares
da educação e discutem a formação de professores/as. Conhecer esse documento com maior
profundidade foi necessário, tendo em vista que essa instância possui representação de diversos
países e suas decisões implicam ações locais, como bem já delimitou Stieg (2012), Loose
(2016), Gontijo (2016). Em seguida, nosso olhar será voltado à análise dos documentos dos
programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as, tendo em vista as múltiplas
vozes que povoam esses documentos. Em outras palavras, interessa-nos pensar nas questões de
autoria dos documentos, de quais instituições pertencem, e por que certos discursos são mais
proeminentes que outros.
Adotando o critério cronológico de implementação, esse capítulo discutirá primeiramente o
Profa, a partir exame dos Guias de Formação, acompanhados das Coletâneas de Texto (Módulo
1, 2 e 3), pois esses documentos sinalizam alguns indícios acerca do trabalho com a leitura
literária. Nosso foco nesses materiais são apenas as atividades que contêm as propostas de
encaminhamento ao professor, em que o termo “ler para”, acrescido de indicações de textos
literários dos mais distintos gêneros, aparecem mais recorrentemente.
Sequencialmente, nos dedicaremos aos fascículos do Pró-Letramento, com olhar específico nos
documentos de Alfabetização e Linguagem, pois são nesses materiais que privilegiam o
trabalho com a leitura. Em relação ao Pnaic, primeiro serão analisados os documentos
intitulados Apresentação, A Formação de Professores no Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa e Avaliação no Ciclo de Alfabetização: reflexões e sugestões, porque eles
contêm alguns enunciados que fazem definições do que vem a ser a leitura deleite, de acordo
com os critérios do programa. Em seguida, serão objeto de investigação os cadernos de
formação, dos anos 1, 2 e 3, todos produzidos no ano de 2012, com foco específico nas
Sugestões de Atividades.
89
No caso dos três programas, Profa, Pró-Letramento e Pnaic, além dos aspectos listados, nosso
olhar será envolto aos caminhos que são percorridos de modo a atender os objetivos listados
nos documentos dos programas, ainda que esses caminhos sejam sobremaneira tortuosos e
incongruentes. Volóchinov (2017, p. 207) chama a atenção para orientação social da vivência.
Segundo o autor, o contexto social determinará os possíveis ouvintes; interessa-nos, desse
modo, evocar as concepções de sujeito, por meio do conhecimento dos destinatários potenciais
desses programas de formação: os/as professores/as.
Convém salientar, mais uma vez, que as recorrências de uma leitura atrelada ao deleite, à
diversão, estão majoritariamente atreladas ao texto literário, o que nos permite inferir, por ora,
que o deleite, segundo esses documentos, é a finalidade principal da leitura de textos literários.
Dessa maneira, sem temer o vento e a vertigem, admitimos que essa empreitada é complexa e é
por esse motivo que apresentamos a concepção bakhtiniana da linguagem, com especial atenção
para os conceitos de dialogismo, enunciado e polifonia, bases privilegiadas para as análises dos
documentos.
Encerramos este capítulo a partir da compreensão da natureza social da linguagem, imersa na
obra de Volóchinov (2013). Para o autor, “[...] a linguagem não é um dom divino, nem um
presente da natureza. É o produto da atividade humana coletiva e reflete em todos os seus
elementos tanto a organização econômica como a sociopolítica da sociedade que a gerou
(VOLÓCHINOV, 2013, p. 141, grifo do autor). Tal assertiva está afinada às críticas
direcionadas ao subjetivismo idealista e ao objetivismo abstrato proferidas por Volóchinov
(2017), e, antes disso, aos postulados de Marx (1859) na afirmação taxativa de que “Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que
determina a sua consciência”. Retomando a citação no contexto das Ciências Humanas e, mais
especificamente no campo da Educação, salientamos a necessidade de uma compreensão
dialógica dos documentos, pois estes, sob o ponto de vista discursivo, poderão desvelar
concepções de sujeito, de educação, de professor, de ensino e, claro, consoante aos objetivos
maiores desta tese, de leitura literária.
Finalmente, retomamos a pergunta feita por Ítalo Calvino epigrafada neste capítulo: que história
espera seu fim lá embaixo? Desconcertadamente, admitimos que não sabemos.
Ainda.
90
4. O LETRAMENTO LITERÁRIO: CONTRAPALAVRAS
[...] abrir a fresta da cortina
para uma alvorada estrangeira,
abrir a boca apesar do bafo
desse medo indigesto,
exercitar a inadequação, sabendo-nos
ridículas como missas em latim.
Adriana Lisboa
Bakhtin (2017, p. 66) admite que “Compreender um objeto significa compreender meu dever
em relação a ele (a orientação que preciso assumir em relação a ele), [...]: o que pressupõe
minha participação responsável, e não a minha abstração”. Cotejando esse pensamento ao
contexto desta pesquisa, essa participação de que fala o autor reivindica igualmente uma postura
responsável, responsiva e menos contemplativa dos fenômenos ora estudados. Em um esforço
de compreendermos como estão fundamentadas as concepções de leitura literária referendadas
pelos programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as (2001 a 2018), faz-
se necessário um olhar atento aos constructos epistemológicos que sustentam o Letramento
Literário. Antes, faremos um breve pouso em um campo muito frequentado no Brasil: o
Letramento.
Fazemos uso do verbo “compreender” pautadas na perspectiva bakhtiniana de linguagem. A
compreensão de enunciados produzidos na vigência do Projeto Principal de Educação para a
América Latina e o Caribe (PPE) significa dialogar com as ideias de um outro sobre um
determinado assunto, produzindo respostas a elas. Nesse caso específico, significa entender os
pontos de vista sobre a alfabetização de crianças, assumidos pela Unesco e pelos diferentes
autores incluídos nos documentos que estarão sob nosso foco de atenção (quais as suas
concepções de sujeito, de texto, de língua etc.). Esse movimento implica uma postura ativa do
investigador, produzindo contrapalavras num diálogo ininterrupto.
91
4.1 O LETRAMENTO
Autoras tais como Kleiman (2003) e Soares (2009) asseguram que o termo Letramento foi
cunhado no Brasil em 1986 por Mary Kato, na produção intitulada No mundo da escrita: uma
perspectiva psicolinguística. Mais especificamente, o conceito apareceu vinculado à linguagem
oral: “[...] a norma-padrão, ou língua falada culta, é consequência do letramento, motivo por
que, indiretamente, é função da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada
institucionalmente aceita” (KATO, 1999, p. 7). Gontijo e Schwartz (2011, p. 172-173)
ponderam que o termo se insere na comunidade acadêmica com a valorização de normas, sem
considerar a língua como um fenômeno histórico. Acrescentam, ainda, que não há uma
concepção única de Letramento, contudo, parece que há, mesmo assim, um consenso distintivo:
a alfabetização está ligada à aprendizagem do código escrito e o termo letramento refere-se às
práticas sociais de uso da leitura e da escrita.
O conceito de Letramento difundido por Magda Soares ajudou a torná-lo uma perspectiva
oficial (apropriado por políticas públicas) de Estado no campo da alfabetização. De acordo com
a referida autora, na década de 1980 foram propalados alguns conceitos acerca da alfabetização,
sintetizados por ela como “parcialmente verdadeiros” (SOARES, 2003, p. 16). Tais conceitos
se debruçam na caracterização da Alfabetização como um processo mecânico, ou seja, é
reduzido apenas à compreensão dos códigos do alfabeto. Soares (2005) acrescenta a essa prática
o Letramento e defende a indissociabilidade desse conceito da Alfabetização.
Para a autora, esse vínculo entre Alfabetização e Letramento torna-se relevante, uma vez que o
indivíduo pode ter domínio dos códigos do alfabeto, contudo, faz-se necessária a inserção destes
no contexto social. Assim, tais postulados ganham terrenos férteis no Brasil e a Alfabetização
continua sendo um processo de codificação (escrita) e decodificação (leitura) de letras e
palavras, na qual o sujeito pode ser letrado em determinadas áreas e outras não. A alfabetização
é entendida, pois, como um “[...] processo de aquisição e apropriação do sistema da escrita,
alfabético e ortográfico” (SOARES, 2005, p.16) e o letramento, na visão da autora, é “[...] um
estado ou condição que adquire um grupo social ou indivíduo, como consequência de ter-se
apropriado da escrita e de suas práticas sociais” (SOARES, 1999, p. 38).
De igual modo, Zappone (2015) aproxima o conceito de alfabetização à codificação (escrita) e
decodificação (leitura). Ela pondera que esse processo é uma tecnologia, diferente em cada
92
suporte de texto: “Escrever em um papel implica uma tecnologia de escrita ao passo que
escrever em um teclado de computador envolve, certamente, outra tecnologia (ZAPPONE,
2015, p. 2). Com uma postura semelhante, Kleiman (2003) define o “[...] letramento como um
conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto
tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos” (KLEIMAN, 2003, p.19). Já
Gontijo (2005), por sua vez, anuncia processo de alfabetização como algo mais abrangente,
complexo, multifacetado:
[...] ao meu ver, a questão central está na necessidade de construção de um conceito
aberto; portanto, capaz de abranger as diferentes práticas de produção de textos orais
e escritos e as diferentes possibilidades de leituras produzidas e reproduzidas pelos
diversos grupos sociais e a dimensão linguística da alfabetização. Nesse sentido, a
alfabetização deve ser vista como prática sociocultural em que se desenvolvem as
capacidades de produção de textos orais e escritos, de leitura e a compreensão entre
as relações entre sons e letras (GONTIJO, 2005, p. 66-67).
Gontijo (2005), para formular um conceito coerente de alfabetização, critica posicionamentos
muito reducionistas e respeito do tema. Embora, como vimos nos excertos supracitados, uma
compreensão da alfabetização a partir da etimologia da palavra, “aquisição do alfabeto”, a
autora questiona essa definição, uma vez que ela, por si só, não abrange e não conceitua
corretamente a prática e, por conseguinte, não abarca todas as nuances que o tema requer. Em
discordância de Soares (2003), Gontijo (2005) assevera que o conceito de Letramento é
equivocado, uma vez que a Alfabetização é um processo único e abrangente, que produz
sentidos, não restrita aos cerceamentos da fonética e da fonologia. Envolvem-se também as
nuances sociais, culturais, psicológicas, cognitivas, educacionais, dentre outras, além de ser
processo interacional, que possibilita descobertas, relações, ou seja, deve ser satisfatório e
suficiente para compreender:
[...] as diferentes práticas de produção de textos orais e escritos e as diferentes
possibilidades de leitura produzidas e reproduzidas pelos diversos grupos sociais e a
dimensão linguística da alfabetização. Nesse sentido, a alfabetização deve ser vista
como prática sociocultural em que se desenvolvem as capacidades de produção de
textos orais e escritos, de leitura e compreensão das relações entre sons e letras
(GONTIJO, 2005, p. 66).
Na esteira do pensamento de Gontijo (2005), muitas outras produções endereçam diatribes ao
Letramento. É o caso da obra Alfabetização e Letramento: o que muda quando muda o nome?.
Organizado por Edwiges Zaccur, trata-se de um marco, uma vez que o livro reúne os estudos
de diversos/as pesquisadores/as brasileiros/as que assumem estar na contramão de um
pensamento tão hegemônico a ponto de “invisibilizar o pensamento divergente” (ZACCUR,
2011, p. 9).
93
O Letramento é analisado, por exemplo, a) como um retrocesso conceitual e como uma tentativa
de esvaziar o caráter político da alfabetização e da educação, por meio de uma sedutora
armadilha lançada a incautos (GADOTTI, 2011 p. 12); b) como uma postura apaziguadora,
pois, apesar no discurso de inovação, o letramento não rompe com sérios problemas
epistemológicos, no que diz respeito ao método fônico e ao construtivismo, ao conciliar tanto a
visão do grupo de trabalho do MEC como a visão dos construtivistas, perpetuando uma postura
hegemônica de pensamento (GONTIJO; SCHWARTZ, 2011, p. 41); c) como um conceito que
reduz e simplifica o processo de alfabetização, que é plural, complexo, que contempla
dimensões políticas, sociais, culturais, epistemológicas, dentre outras, além de ser um conceito
dialógico, ao articular processos individuais e sociais (PÉREZ; ARAÚJO, 2011, p. 143); e d) e
como uma possibilidade de acentuar a supervalorização dos fragmentos da língua (letras,
sílabas, palavras e frases), de forma descontextualizada, o que pode fomentar o ressurgimento
de velhos métodos de alfabetização (GONTIJO; SCHWARTZ, 2011, p. 178).
Em postura semelhante, Gontijo (2014), com sua “leitura rebelde” (DALVI, 2016) de políticas
mundiais e de movimentos nacionais de alfabetização, afirma que o Letramento tem ganhado
um terreno fértil de exploração e tem balizado astutamente as políticas oficiais. Ela não ignora
os “aspectos funcionais da alfabetização”, mas alerta que estes não podem rechaçar o caráter
político dessa prática (GONTIJO, 2014, p. 132). Salienta, ainda, a aparente incongruência na
relação de indissociabilidade entre os termos e, ao mesmo tempo, o tratamento dado a cada um
separadamente. Critica o binômio: a inobservância às pesquisas nacionais que salientam a
especificidade da alfabetização e o obscurecimento proposital de pesquisas que defendem a
necessidade de investimentos na superação de problemas da alfabetização.
Cumpre salientar, ainda, para além daqueles trabalhos mencionados na revisão de literatura, a
existência de muitas outras pesquisas que caminham na contramão da hegemonia do
Letramento. Esse é o caso da tese de Alcântara (2014), que, pautada em um referencial
bakhtiniano de linguagem, se debruçou em guias d(e) livros didáticos. Ela destaca que os livros
ora analisados privilegiam as relações letras e sons e sons e letras e, uma vez que não
contemplam o texto como unidade de ensino, entraves são impostos à compreensão dos/as
estudantes. A autora ainda enfatiza que o termo Letramento veio “[...] para mais confundir e
menos clarificar o processo de alfabetização pelos professores, pois com o suposto intuito de
aproximar a sala de aula do mundo cotidiano e possibilitar aos estudantes o que se toma por
letramento, houve a diversificação dos gêneros discursivos nos livros didáticos”
(ALCÂNTARA, 2014, p. 244-245).
94
Siquara (2016), com um recorte histórico restrito aos anos 1990, estuda as mudanças teórico-
metodológicas no campo da Alfabetização. Ancorada nos estudos de Bakhtin e de seu Círculo
e sob análise arguta das apreciações de professores/as alfabetizadores/as sobre essas mudanças
e sobre a implementação do bloco único, questiona o Letramento, a desseriação e o
construtivismo; afirma que tais propostas não foram suficientes para vencer os problemas de
alfabetização no município de Vitória (ES) e enfatiza a importância do professor na mediação
do ensino e aprendizagem.
Cornélio (2015) centraliza seus estudos nos manuais didáticos. Pautada em uma perspectiva
bakhtiniana da linguagem, investigou como o letramento está inserido nas propostas dos livros
didáticos de alfabetização dos anos de 2007 e 2010. As análises evidenciaram que há mudanças
e permanências: a autora sinaliza o aparecimento do texto como ponto de partida, todavia, pode-
se destacar a conservação da supremacia do método silábico de alfabetização.
O trabalho de Rizzo (2015), também tomando os estudos bakhtinianos como referencial teórico,
contempla atentas análises de cadernos utilizados por crianças em fase de alfabetização entre
os anos de 1991 e 2011. Desse modo, a autora critica a hegemonia no ensino das relações letras
e sons e sons e letras, a partir de uma concepção de língua estanque: a utilização do texto se dá,
sobretudo, como pretexto para o ensino dessas relações.
Valendo do estudo de caso como procedimento metodológico e vincada aos estudos de Bakhtin
e seu Círculo como referencial teórico, Côco (2014) critica o discurso de que as avaliações
externas têm produzido melhorias na qualidade da educação. No caso específico do programa
analisado e seus impactos no município de Serra (ES), evidenciou que, em função da hegemonia
do Letramento, difundem-se concepções limitadas de alfabetização, linguagem e avaliação;
além disso, ao desconsiderar uma dimensão discursiva da linguagem, reduz o processo de
apropriação da língua materna a uma dimensão estanque da linguística.
Costa (2013), a partir de um estudo de caso, e baseada na abordagem bakhtiniana de linguagem,
nas contribuições vigotskianas sobre a relação de desenvolvimento e aprendizagem, defende
que a apropriação da linguagem escrita no processo de alfabetização se dá pela produção de
textos e não somente pelo domínio das habilidades de ler e escrever. Ao pôr em relevo o
processo autoral das crianças, rompe com uma visão adultocêntrica de escrita e desvela as
questões de alteridade nesse processo.
95
As concepções de alfabetização, leitura e escrita da Provinha Brasil no período 2008-2012
foram o objeto de estudo de Endlich (2014). A partir do referencial bakhtiniano de linguagem
e do conceito de alfabetização de Gontijo (2008; 2014), desvela que a Provinha Brasil foi criada
como resposta às demandas de avaliação da alfabetização provenientes de organismos
internacionais. A alfabetização, a leitura e a escrita, pautadas nesse campo do Letramento, são
reduzidas à codificação e decodificação, e, segundo a autora, essa avaliação subtrai as
potencialidades políticas e transformadoras inerentes ao aprendizado da língua materna.
Em um movimento similar, Ferreira (2014) estuda as concepções alfabetização, leitura e escrita,
mas se detém aos documentos do Projeto Trilhas. Suas análises, fundamentadas nos estudos
bakhtinianos de linguagem e no conceito de alfabetização de Gontijo (2005), denunciam a
redução da alfabetização a um processo de assimilação do código escrito, a escrita e a leitura,
respectivamente, como processos de codificação e decodificação.
Mesmo com críticas semelhantes às supracitadas, o Letramento adquiriu tanta robustez que,
atualmente, podemos vislumbrá-la para além do campo da alfabetização. É o caso dos termos
Letramento Científico (BRASIL, 2010a), Letramento Matemático (BRASIL, 2010b),
Letramento Digital (RIBEIRO; COSCARELLI, 2013), Multiletramentos (ROJO, 2010) dentre
outros. No entanto, salientamos que os trabalhos ora mencionados colocam as cartas na mesa,
ao evidenciarem que a nossa escrita, empenho, esforço, tempo e trabalho têm nos servido para
externar a nossa rebeldia e desacato em face da realidade. Não é na resignação que os trabalhos
se constituem, mas na resistência.
4.2 O LETRAMENTO LITERÁRIO21
Tendo em vista o objeto e o tema de estudo aqui propostos, nossa atenção concentrar-se-á, neste
momento, no Letramento Literário. Barbosa (2011) afirma que o letramento literário volta sua
atenção para o processo de escolarização da literatura e de formação de leitores/as, bem como
para as especificidades da leitura do texto literário. Define o termo como condição daquele que,
além de ser capaz de ler e compreender os gêneros literários, leem literatura por gosto e/ou por
21 Este estudo privilegiará as publicações inerentes ao Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por entendermos o pioneirismo na abordagem do termo
Letramento Literário.
96
escolha, prática associada ao prazer estético. Zappone (2008a) adverte que o letramento
circunscrito no ambiente escolar é apenas um dentre vários outros letramentos. Admite que
prática semelhante ocorre com o letramento literário, uma vez que os indivíduos podem
relacionar-se com o texto de ficção por meio de várias outras práticas, em contextos diferentes
e com objetivos diferentes; é o caso da internet, das novelas televisivas e do cinema, por
exemplo. Propõe, em outro estudo, a noção de letramento literário associada às práticas sociais
que se valem da escrita literária (ZAPPONE, 2008b).
Segundo Rosa (2011, p. 192-194), o Letramento Literário foi apresentado pela professora Graça
Paulino, em 1999, à Anped, mas essa expressão foi grafada pela primeira vez em 1997, em um
estudo denominado O jogo do Livro Infantil. Anos mais tarde, em 2010, os textos da referida
professora, muitos deles em formato de manuscritos, foram reunidos por outros pesquisadores
em um livro. A primeira definição, circunscrita tanto na apresentação de 1999, como no
documento de 2010, assim define o letramento literário: “[...] o letramento literário, como
outros tipos de letramento, continua sendo uma apropriação pessoal de práticas de
leitura/escrita, que não se reduzem à escola, embora passem por ela” (PAULINO, 2010, apud
ROSA, 2011, p. 193).
Para que possamos entender melhor o contexto em que foi gestado o conceito, talvez seja
conveniente neste momento um breve desvio. Saviani (2013)22 pondera que, no período de 1969
a 2001, houve uma supremacia da concepção pedagógica produtivista. De 1991 a 2001,
consoante o autor, pode-se constatar a hegemonia neoprodutivista e suas respectivas variantes:
neoescolanovismo, neoconstrutivismo, neotecnicismo. Saviani (2013, p. 427- 428) assegura que
o início dos anos 1990 foi marcado por mudanças na área cultural, tecnológica e, especialmente,
no que tange ao âmbito econômico-político, tornou-se mais evidente o que se chama de
neoliberalismo. Marcado por uma agenda que engloba severos ajustes fiscais, privatização de
empresas e serviços públicos, crítica à democracia, tais práticas rapidamente foram
incorporadas às políticas de países latino-americanos. Nessa nova configuração, as ideias
pedagógicas acentuam um discurso de fracasso da escola pública e da ineficiência estatal na
busca de um bem comum. Advoga-se a favor da iniciativa privada orquestrada hábil e
nocivamente pelas leis do mercado.
22 Maciel; Shigunov Neto (2004) fazem uma análise do mesmo período. No entanto, por entendermos que Saviani
(2013) estuda o período mais esmiuçadamente, optamos por privilegiar a obra História das Ideias Pedagógicas no
Brasil neste momento.
97
Esse período é analisado por Saviani (2013, p. 431-442) em quatro instâncias: 1) as bases
econômico-pedagógicas: reconversão produtiva, neoprodutivismo e a “pedagogia da exclusão”;
2) as bases didático-pedagógicas: o “aprender a aprender” e sua dispersão pelos diferentes
espaços sociais (neoescolanovismo); 3) as bases psicopedagógicas: a reorientação das
atividades construtivas da criança (neoconstrutivismo) e a “pedagogia das competências”; e 4)
as bases pedagógico-administrativas: reorganização das escolas e redefinição do papel do
Estado (neotecniscimo); “qualidade total” e “pedagogia corporativa”.
No caso do neoprodutivismo, abriu-se espaço para o modelo toyotista, que prima pela busca de
empregados polivalentes, flexíveis, produtivos e que disputem diariamente sua posição dentro
do espaço empresarial. Nessa nova configuração, surge um discurso de valorização da escola
como instituição formadora de mão de obra. Em uma lógica econômica, individualista e
excludente, cabe, agora, ao indivíduo uma autorresponsabilidade por sua formação. Em outras
palavras, é o indivíduo que terá que ser capaz de empreender escolhas, de modo a manter-se
competitivamente no mercado de trabalho. Como a ossatura dessa nova ordem erige-se
duplamente na exclusão, ou seja: a) pelo reconhecimento de que não há emprego para todos e
b) porque o processo tecnológico está em contínuo avanço e, assim, milhões de trabalhadores
serão excluídos das atividades laborais, o autor chama esse processo da “pedagogia da
exclusão”, que ensina a necessidade estar preparado, de realizar sucessivos cursos e, caso o
desemprego ainda persista, essa pedagogia ensina que ainda há a terceirização, a informalidade,
o voluntariado (SAVIANI, 2013, p. 429-431).
O lema “aprender a aprender” é tratado criticamente por Saviani (2013, p. 431-434). Segundo
o autor, na Escola Nova, esse tema circundava-se ao universo das relações das crianças entre
os pares e entre os adultos. Em uma nova roupagem, essa vertente coaduna-se à necessidade
constante de atualização tendo em vista a manutenção da empregabilidade. Trata-se de uma
concepção, que, de acordo com os estudos do autor, espraiaram-se em documentos da Unesco
e em documentos oficiais brasileiros, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s),
e em outras diversas instâncias, que incluem organizações não governamentais, entidades
religiosas, dentre outras.
Saviani (2013, p. 434-437) assegura que o neoconstrutivismo tem laços estreitos com o
neoescolanovismo, pois ambos comungam da matriz teórica piagetiana. Afirma que, ao final
da década de 1990, o construtivismo ganhou bastante notoriedade, sendo, inclusive, abarcado
em documentos oficiais, como é o caso dos PCN’s, por exemplo. Explica que no Brasil houve
98
uma reconfiguração do construtivismo, advinda de sua inserção em diferentes correntes
pedagógicas e de sua considerável amplitude no campo educacional e, que, nesse sentido, é
mais adequada a nomenclatura neoconstrutivismo. É nesse contexto que se abrem os flancos
para a notoriedade da teoria do professor reflexivo, centrado nos saberes docentes e na
pragmática da vida cotidiana. Surge, irmanada a esse contexto, a pedagogia das competências,
em uma busca incessante à manutenção da ordem por meio de atendimento a objetivos
delimitados. Saviani (2013) alerta, ainda, que, regidas pelas mãos do mercado, tanto a
pedagogia das competências quanto a pedagogia do aprender a aprender visam a ajustar,
adaptar, moldar indivíduos às condições (não garantidas) de sobrevivência.
Saviani (2013, p. 437-441) pontua que houve um movimento muito grande para a solidificação
da pedagogia das competências nas escolas e nas empresas, de modo a tornar os indivíduos
mais adaptáveis e mais flexíveis às novas demandas do mercado. O neotecnicismo, desse modo,
é preconizado não mais por enrijecido processo de controle, mas pela flexibilidade, conforme
os delineamentos toyotistas. Tal premissa não pode ser confundida, em nenhum momento,
como despreocupação. Ao contrário, o controle é feito por um processo avaliativo, a fim de se
garantir eficiência e produtividade. No âmbito educacional, tal postulado torna-se ainda mais
visível, quando parte dos recursos, por exemplo, chegam a determinadas instituições de acordo
com seu desempenho, de acordo com resultados satisfatórios em avaliações de larga escala.
Nesse contexto, aqueles que ensinam são reduzidos a prestadores de serviços, aqueles que
aprendem a clientes e a educação como produto a ser produzido com qualidade variável.
Por fim, o autor conclui, respaldado nos estudos de Kuenzer (2005), que esses movimentos
geram a lesiva dupla: “exclusão includente” e “inclusão excludente”. Na primeira, exclui-se
inicialmente o trabalhador do emprego formal, para, posteriormente, incluí-lo na informalidade
ou na readmissão ao emprego formal, de modo mais precário e degradante. Na segunda, o/a
professor/a novamente é vítima; no contexto escolar, inclui-se o/a estudante em cursos de
diferentes níveis de modalidade, de modo a satisfazer a voracidade de metas impostas, todavia,
não se assegura, apesar dos anos de permanência na escola, uma aprendizagem efetiva. São
produzidos, cadencialmente, os excluídos do mercado de trabalho e da participação ativa da
vida em sociedade (SAVIANI, 2013, p. 442; 450).
Os estudos de Maciel e Shigunov Neto (2004) também denunciam as artimanhas de políticas
neoliberais ao vislumbrarem a educação como mercadoria. Saviani (2013, p. 450-451), ao final
de seu estudo, avalia o caráter prejudicial do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-
99
2002), sob o comando de Paulo Renato Costa Souza no Ministério da Educação. Lamenta que
os primeiros anos do governo Lula, apesar da inovação e da ligação com movimentos sociais,
vislumbraram poucas mudanças em termos de políticas econômicas, sociais e educacionais. Foi
nesse contexto, entretanto, que se mantiveram análises críticas e focos de resistência quanto a
essas mesmas políticas.
Feitas as ponderações quanto às ideias pedagógicas preponderantes de 1991 ao início dos anos
2000, contexto em que o Letramento Literário foi publicizado, é necessário retomarmos nosso
caminho principal. Arraigada nos estudos de Soares (200923), Paulino (2001) assim conceitua-
o:
Usamos hoje a expressão letramento literário para designar parte do letramento como
um todo, fato social caracterizado por Magda Soares como inserção do sujeito no
universo da escrita, através de práticas de recepção/produção dos diversos tipos de
textos escritos que circulam em sociedades letradas como a nossa. Sendo um desses
tipos de textos o literário, relacionado ao trabalho estético da língua, à proposta de
pacto ficcional e à recepção não-pragmática, um cidadão literariamente letrado seria
aquele que cultivasse e assumisse como parte de sua vida a leitura desses textos,
preservando seu caráter estético, aceitando o pacto proposto e resgatando objetivos
culturais em sentido mais amplo, e não objetivos funcionais ou imediatos para seu ato
de ler (PAULINO, 2001, p. 117).
Mais tarde, apresenta o Letramento Literário “[...] como práticas de leitura sem finalidades
pragmáticas, envolvendo gêneros como poemas, contos, crônicas ou romances e realizadas por
escolhas mais personalizadas (PAULINO, 2004, p. 68). Nas definições ora supracitadas,
parece-nos que há um cuidado de entrelaçar o letramento literário a uma vertente maior que é a
do Letramento. Ele distingue-se dos outros letramentos, pois toma como objeto o texto literário
e suas especificidades e, ao mesmo tempo, mantém um discurso de afastamento de possíveis
funções pragmáticas muitas vezes atribuídas à Literatura no contexto escolar.
A tese de doutoramento de Marta Passos Pinheiro, orientada pela Profa. Dra. Maria das Graças
Rodrigues Paulino, defendida em 2006 e intitulada Letramento literário na escola: um estudo
de práticas de leitura literária na formação da “comunidade de leitores”, dedica-se a estudar,
em um viés comparativo de países lusófonos (Brasil e Portugal), as práticas de leitura literária
escolarizadas. Reitera que a escola é uma formadora de uma “comunidade de leitores” e, muitas
vezes, por meio dos livros didáticos, veicula valores e guia práticas. A literatura, sob esse viés,
fica reduzida ao universo do sensível, como uma maneira de disciplinar, moralizar e adocicar
pessoas. A pesquisa denuncia que até as possibilidades de leitura que extrapolam o espaço da
23 A primeira edição de Letramento: um tema em três gêneros foi publicada em 1998.
100
sala de aula ainda estão sob a influência dos livros didáticos, revelando alto grau de
dependência. A autora, além disso, balizada pelos estudos de Magda Soares e Graça Paulino,
tece críticas ao uso pragmático do texto literário, que tem como objetivo conduzir
comportamentos, e concebe o letramento literário como uma possibilidade de escape a essa
proposta (PINHEIRO, 2006).
Cosson (2015), no artigo intitulado Letramento Literário: uma localização necessária, admite
que o termo letramento é palco de inúmeras disputas e polissemia conceitual, fazendo
indispensável um maior esclarecimento sobre o tema. Afugentando-se de afirmações sobre qual
dos letramentos é o mais satisfatório, Cosson (2015) entende o termo a partir de uma tríplice
vertente: letramento no singular, o letramento no plural e o caso do conceito pluralizado de
múltiplos letramentos.
Em linhas gerais, a primeira concepção enfatiza as “habilidades” de ler e escrever e atribui à
escrita um papel fundamental na formação da cultura e na evolução humana. Na segunda
concepção, há um deslocamento dessas habilidades e a atenção volta-se à capacidade de
comunicação e à “competência” da produção de sentidos. A terceira concepção diz respeito a
um letramento adjetivado. Consoante o autor, trata-se de uma postura necessária, a fim de que
o conceito seja operacionalizável, de modo que seja incluso nas propostas curriculares e
políticas educacionais mais proficuamente. Tomando como modelo a área de saúde, o autor
assinala que há distinções epistemológicas no letramento interativo em saúde e no letramento
crítico em saúde, por exemplo (COSSON, 2015, p. 176-181).
A exposição de todo esse preâmbulo foi necessária para que o autor localizasse o letramento
literário em meio a essas três vertentes. Dentro da primeira concepção, o letramento literário é
aquele que se faz com o texto literário, com foco no desenvolvimento das “habilidades de leitura
e escrita” (COSSON, 2015, p. 181). Na segunda concepção, segundo o autor, a literatura perde
um pouco de sua especificidade, já que, nesse letramento literário, predominam-se os usos da
leitura em suas relações sociais, minorando-se o aspecto individual da experiência literária
(COSSON, 2015, p. 182). A terceira concepção de entendimento do texto literário, por fim,
além de estar circunscrita no referido artigo, se encontra em produção anterior de autoria
Paulino e Cosson (2009, p. 67): “[...] processo de apropriação da literatura enquanto construção
literária de sentidos”. O letramento literário expande-se, pois, para fora de um conjunto de
textos, parte-se de um repertório cultural, de modo a constituir uma forma literária de
“construção de sentidos”. Nessa concepção, ainda que o espaço escolar seja privilegiado, a
101
associação da literatura com a escrita é ultrapassada, posto que dá relevo à habilidade de ler
textos literários com o objetivo de verificar questões ideológicas, culturais, identitárias, dentre
outros (COSSON, 2015, p. 182-183, grifo nosso).
Cosson (2015) pondera que o entendimento de Mirian Zappone sobre o letramento literário
situa-se na segunda perspectiva. Zappone (2015, p. 3), baseada nos estudos de Brian V. Street,
acentua que o Letramento diz respeito a uma visão mais ampla de práticas sociais e não somente
aquelas atreladas à escrita como defende Kleiman (2004). Define-o, ainda, como “[...] um
conjunto de práticas sociais. Como práticas sociais, podemos compreender todas as ações que
fazemos em grupo, ações como, por exemplo, fazer compras, participar de uma missa ou culto,
ir a uma reunião de escola de filhos etc.” (ZAPPONE, 2015, p. 3) e ressalva que as práticas de
Letramento na escola, vincadas ao estruturalismo, enfatizam sobremaneira o texto escrito,
considerando-o de forma autônoma, afastado de seu contexto de produção. Por esse motivo e
por privilegiar atividades de escrita com base no texto, avalia que o modelo escolar de
Letramento é um modelo autônomo (ZAPPONE, 2015, p. 3).
Zappone (2015, p. 5) afirma que “O Letramento literário pode ser compreendido como o
conjunto de práticas sociais que usam a escrita literária, compreendida como aquela cuja
especificidade maior seria seu traço de ficcionalidade”. Embora não fique claro que há uma
distinção entre texto ficcional e texto literário, a autora ainda salienta o caráter histórico do
termo, pois essa prática é realizada por grupos com identidades sociais distintas, balizadas por
suas relações com a escrita e, também, a associação deste aos diferentes domínios da vida, uma
vez que implica a leitura de textos não canônicos, as atividades de escrita e as adaptações às
telas cinematográficas, por exemplo (ZAPPONE, 2015, p. 5-6).
Assevera que não existe apenas um modelo de letramento. Quando os sentidos dos textos forem
determinados prioritariamente pela organização textual, quando o texto literário for usado como
um mero pretexto para o ensino acartilhado da língua e/ou destinado a fins moralizantes e
didatizantes, essa prática configura-se como o letramento literário autônomo: “[...] centrado na
autonomia do texto, considerando sua compreensão ou a construção de seus sentidos como uma
simples consequência da descodificação das palavras do texto” (ZAPPONE, 2015, p. 10). O
modelo ideológico de Letramento é concebido a partir do entendimento de que há contextos e
instituições distintas. Em outras palavras, as práticas de letramento literário, ainda que se
valham de um mesmo texto, não são as mesmas e vinculam-se aos aspectos culturais, bem como
às relações de poder (ZAPPONE, 2015, p. 4).
102
Zappone (2015), assim como Pinheiro (2006), censura uma visão mecanicista e pragmática no
tratamento do texto literário. Todavia, parece-nos legítimo questionar se essa mecanização de
que fala a autora é coerente com a mesma concepção que conceitua a alfabetização como uma
prática articuladora do par codificação/decodificação. Volóchinov (2017, p. 255), ao tratar do
discurso alheio, pondera que o erro principal dos estudiosos foi isolar quase que completamente
o discurso alheio de seu contexto de transmissão. Desse modo, entendemos que estudos que
endossam a leitura como uma prática de decodificação recaem também sobre esse erro. No caso
específico da leitura literária, tendem a reforçar movimentos superficiais, que tomam o texto
literário, por exemplo, como uma manifestação do beletrismo e/ou instrumento de realização
de alguma tarefa imediata (como análises puramente gramaticais), até mesmo aquelas que
avigoram uma dimensão essencialmente emotiva da Literatura.
A obra Letramento Literário: teoria e prática, de Rildo Cosson, destinada, sobretudo a
professores/as, trata dos constructos epistemológicos das práticas inerentes ao Letramento
Literário. Como o próprio título da obra indica, a produção divide-se em duas partes: a primeira
delas concentra-se na discussão sobre aspectos que circundam a Literatura e a Educação,
abarcando, inclusive questões inerentes à escolarização da leitura. No segundo momento, o
autor propõe uma série de alternativas para o trabalho com o texto literário, de modo a
sistematizá-los em sequências. Uma das definições do termo está assim esboçada:
Ser leitor de literatura na escola é mais que fruir um livro de ficção ou se deliciar com
as palavras exatas da poesia. É também posicionar-se diante da obra literária,
identificando e questionando protocolos de leitura, afirmando ou retificando valores
culturais, elaborando e expandindo sentidos. Esse aprendizado crítico da leitura
literária, que não se faz sem o encontro pessoal com o texto enquanto princípio de
toda experiência estética, é o que temos denominado aqui de letramento literário
(COSSON, 2016, p. 120).
O autor, para a estruturação do livro, recobra alguns pontos do Letramento. Oriundo do inglês
literacy, trata-se de um termo recente na língua portuguesa, uma vez que foi explicitado por
Magda Soares em 1998. Segundo Cosson (2016), o Letramento dá visibilidade a um fenômeno
até então ocultado pelos índices de analfabetismo e configura-se não como uma habilidade de
escrita e leitura, mas sim como uma apropriação da escrita em suas respectivas práticas sociais.
O autor ainda complementa que há vários níveis de Letramento, sendo que podemos transitar,
entre os níveis superficiais e sofisticados, a depender do contexto e de necessidades individuais.
Quanto isso, Geraldi (2014) pondera que tal posicionamento é problemático, pois ignora que o
grande entrave do ensino advém das marcantes disparidades sociais, responsáveis pela
distribuição desigual dos bens culturais. Além disso, é preciso considerar que a admissibilidade
103
de vários níveis de letramento pode ser coerente com as bases de flexibilidade e de competição,
pilares do neoprodutivismo na educação, como bem apontou Saviani (2013).
Um dos pesquisadores a sistematizar os estudos de Graça Paulino (ROSA, 2011), assim define
o letramento literário:
Escolhemos denominar a proposta de letramento literário para assinalar sua inserção
em uma concepção maior de uso da escrita, uma concepção que fosse além das
práticas escolares usuais [...] O letramento literário, conforme o concebemos, possui
uma configuração especial. Pela própria condição de existência da escrita literária,
[...] o processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas
uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, mas também, e sobretudo, uma
forma de assegurar seu efetivo domínio. Daí sua importância na escola, ou melhor,
sua importância em qualquer processo de letramento, seja aquele oferecido pela
escola, seja aquele que se encontra difuso na sociedade (COSSON, 2016, p. 11-12).
Como pode ser observado, a concepção do letramento literário defendida por Cosson (2016)
circunscreve-se, sobretudo, ao âmbito da escrita e o respectivo uso social dos textos literários,
quer sejam na escola ou fora dela. O autor concebe o texto literário como um modo especial de
escrita e, assim, o letramento literário se dá pela entrada no mundo da escrita a partir dela
mesma. Cosson (2016, p. 23) assevera que sendo o letramento uma prática social, é
responsabilidade da escola também e salienta que há um nó a ser desatado rumo à descoberta
de como escolarizar a literatura sem retirar dela seu poder de humanização. O autor lembra que
o letramento literário se faz necessário e é fundamental para o processo educativo, uma vez que
este propicia uma fuga de uma leitura simples (COSSON, 2016, p. 29-30).
São elencados três modos de compreender a leitura: antecipação, decifração e interpretação.
A primeira delas consiste, segundo o autor, nas várias etapas que o leitor realiza antes de iniciar
a leitura e, nesse caso, os objetivos de leitura são fundamentais. A segunda etapa diz respeito à
capacidade de o leitor decifrar um texto de acordo com o repertório lexical e sua a
familiarização com as palavras. O terceiro modo diz respeito à inferência e à capacidade de
relacionar o texto lido com o conhecimento de mundo. A interpretação é balizada pela cultura
e depende, triplamente, das convenções que regulam a leitura, do que escreveu o autor e dos
conhecimentos prévios do leitor. “Interpretar24 é dialogar com o texto tendo como limite o
24 Dadas as sucessivas ocorrências do termo “interpretação” nos estudos de Cosson (2016), é preciso registrar que
a interpretação, na acepção bakhtiniana, é assim erigida: “A interpretação como correlacionamento com outros
textos e reapreciação em um novo contexto (no meu, no atual, no futuro). O contexto antecipável do futuro: a
sensação de que estou dando um novo passo (saí do lugar) (BAKHTIN, 2017b, p. 67). Como pode ser observado,
Bakhtin (2017) toma a interpretação em seu sentido mais amplo, pois trata-se de olhar o texto em uma postura
dialógica constante, que passa não só em correlacionar textos a outros textos, mas em reapreciá-los e conjecturá-
los em movimentos prospectivos e retrospectivos.
104
contexto [...] contexto é [...] aquilo que está no texto, que vem com ele, e aquilo que uma
comunidade de leitores julga como próprio da leitura (COSSON, 2016, p. 40-41).
Cosson (2016, p. 47) acrescenta que construção de uma comunidade de leitores é um princípio
do letramento literário (COSSON, 2016, p. 47). Para que tal intento seja possível e para que
haja um letramento literário na escola, uma sequência básica é proposta, a envolver as seguintes
etapas: Motivação, Introdução, Leitura e Interpretação (COSSON, 2016, p. 52-69). A primeira
etapa diz respeito às estratégias que visam a preparar o leitor para receber o texto. Trata-se de
um momento, que, segundo o autor, não pode durar mais que uma aula e pode valer-se,
conjuntamente ou não, de atividades de leitura, escrita e oralidade. A segunda etapa concentra-
se na apresentação do leitor e da obra. A leitura do texto propriamente deve ser feita e o
professor deve sempre atentar-se ao nível de dificuldade dos alunos, bem como a extensão do
texto, para que a leitura não fique enfadonha. A última etapa corresponde “[...] ao ato de
construção de sentido em uma determinada comunidade” (COSSON, 2016, p. 65). O autor
adverte que a interpretação dentro de uma comunidade de leitores feita da escola é distinta de
qualquer outro lugar, tendo em vista a possibilidade de ampliação de sentidos, de
compartilhamento de interpretações e do registro da leitura.
É também conjecturado “[...] o letramento literário enquanto prática de leitura” (COSSON,
2017, p. 9). Nessa perspectiva, a da prática, é que a sequenciação supracitada é expandida pelo
autor. A essa prática, ele denomina como Sequência Expandida, com etapas que compreendem
a Motivação, Introdução, Leitura, Primeira Interpretação, Contextualização, Contextualização
Teórica, Contextualização Histórica, Contextualização Estilística, Contextualização Poética,
Contextualização Crítica, Contextualização Presentificadora, Contextualização Temática,
Segunda Interpretação, Expansão (COSSON, 2016, p. 75-103). Como vimos, a motivação
caracteriza-se como uma atividade de preparação, a segunda etapa as estratégias para que o/a
aluno/a tenha noções básicas do autor e da obra. Na terceira etapa, é salientado que a prioridade
de leitura dos textos deve ser dada àquelas feitas extraclasse. A primeira interpretação destina-
se a uma apreensão geral da obra e o reconhecimento dos impactos do texto.
A contextualização consiste no movimento de ler a obra dentro do seu contexto. O autor adverte,
entretanto, que não se trata de estudar as obras atreladas às escolas literárias e seus respectivos
contextos históricos de modo estanque. Uma solução para esse problema seria, por exemplo, o
desmembramento da contextualização em 7 (sete) tipos, que podem ser ampliados divididos ou
reconfigurados e que jamais podem ser concebidos como elementos externos ao texto: 1) a
105
teórica busca tornar clarividentes os conceitos encenados nas obras; 2) a histórica diz respeito
ao contexto em que a obra foi elaborada e/ou o seu período de publicação; 3) a estilística centra-
se nos estilos de época, buscando analisar o entrelaçamento da obra com o período; 4) a poética
corresponde à estruturação da obra; 5) a crítica que corresponde ao conhecimento de uma
revisão crítica do que já foi publicado sobre a obra e/ou autor e/ou temas abordados; 6) a
presentificadora que destina-se a relacionar a obra a questões atuais, do presente; e, por fim, a
7) Temática, que é a externalização do tema da obra para outras pessoas.
A penúltima etapa, a segunda interpretação, consiste em uma leitura mais acurada de um dos
aspectos da obra. Por fim, a expansão, define-se como um momento de ultrapassagem do texto
para outros textos. Logo após a descrição da sequência expandida, assim como na sequência
básica, o autor registra um relato de experiência e encerra-o a sua felicidade por ver naquele
exemplo o reconhecimento da própria turma em ser como uma comunidade de leitores, já que
a construção desta é objetivo maior do letramento literário na escola (COSSON, 2016, p. 113).
Por fim, ele enfatiza:
Mais importante que a simples oposição entre quantidade e qualidade é a competência
de leitura que o aluno desenvolve dentro do campo literário, levando-o a aprimorar a
capacidade de interpretar e a sensibilidade de ler em um texto a tecedura da cultura. É
essa competência que se objetiva no letramento literário (COSSON, 2016, p. 104,
grifo nosso). [...]
A proposta que foi delineada nos pressupostos e nas práticas ao longo dos capítulos
tem como centro a formação de um leitor cuja competência ultrapasse a mera
decodificação dos textos, de um leitor que se apropria de forma autônoma das obras e
do próprio processo da leitura, de um leitor literário, enfim (COSSON, 2016, p. 120,
grifo nosso).
A recorrência o termo competência mais uma vez precisa ser problematizada neste trabalho,
uma vez que este faz parte da agenda neoliberal (Saviani, 2013). Saviani (2013, p. 437) afirma
que, na teoria construtivista, as competências vão identificar-se aos esquemas adaptativos
construídos pelos sujeitos na interação com o ambiente, em um processo, segundo a teoria
piagetiana, denominado equilibração e acomodação. No neoconstrutivismo, afasta-se a ideia de
processo adaptativo e acolhem-se os ideais do neopragmatismo. As competências surgem
assimiladas aos mecanismos adaptativos do ser humano ao meio, permitindo, desse modo, que
os indivíduos se ajustem às condições impostas.
Após leitura do excerto definidor de competência de leitura, podem-se observar, ao menos, três
problemas: a) quantificação, à moda de uma linha de produção, do desempenho dos/as
alunos/as; b) redução da leitura literária à capacidade de interpretação e à conexão do texto aos
106
aspectos culturais e, por fim, c) apropriação de forma autônoma das obras, perspectiva
duplamente perversa, uma vez que afasta o professor do papel de mediador do ensino e da
aprendizagem e é coerente aos ditames da pedagogia das competências, que ensina indivíduos
a se adequarem ao meio, ainda que este meio seja árduo.
Publicado em 2017, Círculos de Leitura e Letramento Literário, apresenta, de igual modo, o
funcionamento de círculos de leitura. No caso do letramento literário, centro de nossas atenções,
o autor assim concebe-o:
Interessa acentuar que, ao tomar o letramento literário como processo, estamos
tratando de um fenômeno dinâmico, que não se encerra em um saber ou prática
delimitada a um momento específico. Por ser apropriação, permite que seja
individualizado ao mesmo tempo em que demanda interação social, pois só podemos
tornar próprio o que nos é alheio. Apropriação que não é apenas de um texto, qualquer
que seja a sua configuração, mas sim de um modo singular de construir sentidos: o
literário (COSSON, 2017, p. 25, grifo nosso).
Essa singularidade na construção de sentidos de que fala o autor advém tanto da interação com
o texto literário, quanto das experiências de mundo. O autor define leitura como produção de
sentidos e como experiência que compartilhamos dentro de uma comunidade de leitores25:
“Entendida dessa forma, a leitura é uma competência individual e social, um processo de
produção de sentidos que envolve quatro elementos: o leitor, o autor, o texto e o contexto”
(COSSON, 2017, p. 36, grifo nosso).
Tal qual em Cosson (2016), a leitura literária é alvo de traços esquemáticos, uma vez que ela é
sistematizada pelo autor em 12 (doze) modos distintos de ler, a partir do contexto, do texto e do
intertexto. Cada uma dessas três instâncias possui subdivisões. Os que se valem do contexto:
a) contexto-autor; b) contexto-leitor, c) contexto-texto, d) contexto-intertexto; aqueles que são
inerentes ao texto: a) texto-autor; b) texto-leitor; c) texto-contexto; d) texto-intertexto; e, por
25 Cosson (2017, p. 137-138) comenta que a noção comunidade de leitores é tratada em vários estudos sobre a
literatura. Segundo o autor, o termo foi inicialmente cunhado por Stanley Fish, estudioso que entende que o
conceito é balizado por convenções. Nesse olhar, um texto é poema não porque exista uma organização textual
que o delimite, mas porque tanto a categorização como os sentidos são assegurados por convenções de uma
comunidade interpretativa que determinam o que é o texto e como ele deve ser lido. Cosson (2017, p. 138) também
contempla os estudos de Roger Chartier, ao assegurar que, para o historiador francês, as comunidades de leitores
como uma forma de interação social, para além das convenções. Cosson (2017, p. 138-139), por fim, sugere mais
uma definição: “[...] uma comunidade de leitores é definida pelos leitores enquanto indivíduos que, reunidos em
conjunto, interagem entre si e se identificam em seus interesses e objetivos em torno da leitura, assim como por
um repertório que permite a esses indivíduos compartilharem objetos, tradições culturais, regras e modos de ler.
Desse modo, embora o processamento físico do texto seja essencialmente individual, a leitura como um todo é
sempre social porque não há leitor que não faça parte de uma comunidade de leitura, ainda que nem sempre seja
reconhecida como tal”.
107
fim, os modos de ler atrelados ao intertexto: a) intertexto-autor; b) intertexto-leitor; c)
intertexto-texto; d) intertexto- contexto (COSSON, 2017, p. 72-80).
As estratégias de leitura são cuidadosamente dispostas na sequência, consoante os estudos de
Girotto e Souza (2010), que prevê cinco passos: ativação do conhecimento prévio (inserção do
texto em um contexto), conexão (fixação de relações pessoais com o texto), inferência (reunir
pistas e indícios para interpretação do texto), visualização (construção de imagens mentais para
maior compreensão do texto), sumarização (diz respeito à reunião de elementos mais
importantes do texto) (COSSON, 2017, p. 117-118).
Feitas as ponderações e ressalvas quanto ao Letramento Literário, gostaríamos, para encerrar
este capítulo, registrar algumas impressões. Como o termo foi publicizado em menos de duas
décadas, e não encontramos nenhuma pesquisa que teça comentários semelhantes ao que será
assentado neste trabalho, ressaltamos o nosso incômodo ao tocar nessa tinta fresca. No entanto,
é em Volóchinov (2017, p. 232) que encontramos certo respaldo, afinal [...] “Em cada palavra
de um enunciado compreendido, acrescentamos como que uma camada de nossas palavras
responsivas”.
Entendemos que, quer seja dentro da escola, ou fora dela, é imprescindível, bem-vinda,
importante e salutar a formação de uma comunidade de leitores. Todavia, esta não pode ser o
objetivo maior da leitura literária, pois entendemos, consoante Todorov (2009) que:
A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente
deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos
cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela
seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação do
mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir
de dentro. [...] Como a filosofia e as ciências humanas, a literatura é pensamento e
conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos. A realidade que a
literatura aspira compreender é, simplesmente (mas, ao mesmo tempo, nada é assim
tão complexo), a experiência humana (TODOROV, 2009, p. 76-77).
Concordamos com o pesquisador búlgaro, a literatura não pode tudo sozinha, mas pode muito.
Nesse sentido, questionamos o letramento literário, pois é, na formação de cidadãos críticos,
combativos, emancipados, reflexivos, rebeldes, sensíveis, enfim, mais humanos, é que podemos
compreender melhor o mundo que nos cerca. Além disso, cogitamos que essa proeminência à
formação da comunidade de leitores deve-se, também, ao fato de justificar a permanência da
literatura na escola, por outro lado, essa mesma ênfase, do modo como está posto, comprime as
nuances estética, artística e subversiva do texto literário. Ou seja, a literatura é ofertada, mas
não com intuito de emancipação do sujeito.
108
Todorov (2009) assevera o perigo na qual a Literatura está sujeita, ao colocá-la em um lugar
periférico do processo educacional. Em outras palavras, o autor adverte quanto aos perigos de
um ensino de Literatura fundamentado não por meio do texto literário, mas a partir de sínteses
da teoria e da crítica literária, circunspecto pela periodização de escolas literárias e suas
respectivas características. Em postura semelhante, Hidalgo e Mello (2014) apontam o
imperativo de uma revisão de paradigmas que assuma o texto literário em sua intensa relação
com a vida, visando a suplantar um modelo de ensino situado na transmissão da teoria e da
história literária. Desse modo, reconhecemos que a proposta do Letramento Literário, que se
faz a partir do contato com próprio texto literário, nesse sentido, avança, pois, até o momento,
não vislumbramos um trabalho com a Literatura nos moldes periféricos denunciados por
Todorov (2009). No entanto, é preciso advertir que “A Literatura não nasce no vazio [...]”
(TODOROV, 2009, p. 22) e, assim, uma obra literária está imersa em um campo mais amplo,
que contempla também questões atinentes à materialidade da obra, às nuances e cerceios
editoriais, por exemplo.
Após a leitura atenta de cada uma das etapas do letramento literário proposto por Cosson (2016)
e não ignorando os delineamentos conceituais a respeito do tema, expostos pelo próprio autor
(COSSON, 2015; 2016; 2017), por Paulino (2001; 2004; 2010), Pinheiro (2006), Paulino e
Cosson (2009) e Zappone (2015), parece-nos que há uma fragilidade epistemológica no termo,
pois, ainda que haja um discurso que rejeite com veemência os usos pragmáticos da literatura,
ao se propor um esquadrinhamento da leitura literária em etapas, tal rejeição se esvai, soçobra.
Além disso, à maneira de uma linha de produção, guiada recorrentemente por objetivos, metas,
planos, execuções e check list, sob a observância das análises de Saviani (2013), pensamos que
há uma proposta administrada, fragmentada de educação, que visa a ajustar, a moldar o ensino
de literatura, como se fosse possível, por exemplo, iniciar o contato com o texto literário, dentro
da escola ou fora dela, apenas pela motivação.
Além disso, a pesquisa de De Nadai (2013) mostra mais fissuras na construção dessas
sequências, pois, ao concentrar esforços na análise de práticas de leitura em turmas do quinto
ano do Ensino Fundamental, a partir de um estudo de caso de cunho comparativo, a autora
demonstra as muitas práticas de leituras, ainda que não estritamente literárias, feitas
clandestinamente, ou seja à revelia dos cerceamentos da sala de aula e dos sistemas de avaliação
de larga escala. Dessa maneira, constatou que a aferição de notas, por meio de certas
recorrências avaliativas, não abarca as especificidades inerentes às práticas leitoras.
109
Muito se falou nos termos competências e habilidades atrelados à leitura literária no Letramento
Literário. Como se viu, esses termos estão coerentes aos cerceios neoliberais, uma vez que
fomentam, em uma sociedade marcada pela desigualdade, uma relação passiva entre sujeitos
com o ambiente. Contribuem para distanciar sujeitos de uma postura questionadora, tão fulcral
para o processo democrático.
Em Os gêneros do Discurso, Bakhtin (2016) assim inicia sua obra: “Todos os diversos campos
da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem” (BAKHTIN, 2016, p. 11). Se
entendermos a Literatura nesse contexto, ao se demarcar a leitura literária por meio de
sucessivas etapas, o acesso a essa linguagem será de modo vigiado, controlado. Parece-nos que
o professor, nessa perspectiva, é afastado de seu trabalho, que requer planejamento, propósito,
e torna-se um mero condutor e/ou guia de atividades sequenciadas. Alijado, portanto, de seu
papel de mediador.
Ainda com os olhos fitados na premissa de que “As relações de acordo-desacordo, afirmação-
complemento, pergunta-resposta, etc. são relações puramente dialógicas, mas não são,
evidentemente, relações entre palavras, orações ou outros elementos de uma enunciação, mas
relações entre enunciações completas” (BAKHTIN, 2015, p. 215-216), pensamos que
manifestar-se favorável ou contrariamente a uma determinada perspectiva faz parte de uma
cadeia muito mais complexa que a simples emissão de julgamento valorativo de um
emaranhado de palavras. É nessa premissa que talvez repouse o nosso sentimento, que é o de
procurar a fresta da cortina, de abrir a boca, apesar do medo indigesto e da inadequação, como
já disse a poeta Adriana Lisboa. Desse modo, registramos, já com as mãos cheias de tinta, que
a proposta do Letramento Literário parece contribuir para um arrefecimento da autonomia, por
meio de um enredamento, de um enlace do trabalho docente.
Encerramos capítulo que objetivou investigar bases epistemológicas e possíveis
desdobramentos metodológicos do Letramento Literário, concluindo que essa terminologia
pouco rompe com uma visão funcional de leitura, de sujeito-leitor formado para adaptar-se ao
meio e, portanto, pouco contribui a uma educação literária consistente. Interessa-nos observar,
no próximo capítulo, se essa perspectiva está e/ou como está materializada nos documentos de
formação de professores/as e se, inclusive, influi na concepção de leitura literária chanceladas
pelos programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as, aqueles/as que
contribuem para a base da formação de leitores/as.
110
5. A LEITURA LITERÁRIA NOS PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS: O
TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE
Afinal, um livro...
... serve para quê?
Chloé Legeay
O capítulo XLVII de Dom Quixote de La Mancha narra o enjaulamento do “Cavaleiro da Triste
Figura”, trama arquitetada de modo astuto pelo cura e pelo barbeiro, com intuito de dissuadir o
nobre fidalgo de seguir com suas “loucuras”. O cônego, por sua vez, ao tomar conhecimento
dos motivos da prisão da personagem, atribui aos romances de cavalaria a motivação para os
desvarios e propaga o caráter prejudicial destes para a república, porque, segundo a autoridade
religiosa, são todos iguais: como fábulas milésias, restringem-se apenas ao deleite e não à
instrução. Em defesa das fábulas apologais, o cônego ainda critica os romances de cavalaria, ao
externar a sua incompreensão de como estes são lidos, uma vez que não possuem beleza, ao
narrar, por exemplo, os feitos bravios de uma personagem que, sozinho e a mão, derrota
milhares de combatentes. Em uma longa e eloquente argumentação, salienta que é cônscio que
os autores não têm compromisso com a verdade, mas adverte que a beleza de uma obra será
maior quanto mais esta se aproximar do possível, do real. No fim do capítulo, ratifica:
[...] que consiga o fim melhor a que se aspira nesses escritos, que é ensinar e deleitar
juntamente, como já disse; porque a solta contextura destes livros dá lugar a que o
autor possa mostrar-se épico, lírico, trágico, cômico, com todas as partes que encerram
em si as dulcíssimas e agradáveis ciências da poesia e da oratória – que a epopéia
tanto pode escrever-se em prosa como em verso (CERVANTES, 2005, p. 848).
Embora a autoridade religiosa tenha confessado, no capítulo posterior, o início da escrita de tal
romance, seu discurso, com afagos do cura, questiona contraditória e severamente uma
literatura que sirva de modo estrito ao deleite, já que esta se desvia da realidade. De acordo com
o cônego, é na correlação entre ensino e deleite que deve residir o propósito maior desses
“escritos”, argumento que rescende a máxima horaciana, situada na obra A Poética Clássica:
Os poetas desejam ser úteis, ou deleitar, ou dizer coisas ao mesmo tempo agradáveis
e proveitosas a vida. [...] Não se distanciem da realidade as ficções que visam ao
prazer; não pretenda a fábula que se creia tudo quanto ela invente, nem extraia vivo
do estômago da Lârnia um menino que ela tinha almoçado. [...] Arrebata todos os
sufrágios quem mistura o útil e o agradável, deleitando e ao mesmo tempo instruindo
o leitor; esse livro, sim, rende lucros aos Sósias; esse transpõe os mares e dilata a longa
permanência do escritor de nomeada (HORÁCIO, 2005, p. 65).
111
O poeta e filósofo romano, assentando no dulce et utile, enfatiza que os poetas devem perseguir
essa dupla finalidade, em um intercalo entre hedonismo e orientações de ensino. É preciso
salientar que tal premissa, segundo Horácio (2005), não diz respeito apenas ao cunho estético
do texto, mas, também, à fórmula que poderia outorgar lucro aos livreiros e, de modo
simultâneo, instaurar a permanência do autor no tempo.
Muito antes de Horácio, é no décimo diálogo de A República, de Platão, que encontramos o
tratamento da arte poética, a condenar o caráter mimético poesia:
Aqui está o que tínhamos a dizer, ao lembrarmos de novo a poesia, por,
justificadamente, excluirmos da cidade uma arte dessa espécie. Era a razão que a isso
nos impelia. Acrescentemos ainda, para ela não nos acusar de uma tal ou qual dureza
e rusticidade, que é antigo o diferendo entre a filosofia e a poesia (PLATÃO, 2001, p.
473 (607b)).
De acordo com Pereira (2001), em uma de suas notas no livro, a poesia era o principal meio de
transmissão de conhecimentos. Ao citar outros estudos sobre o tema, Pereira (2001, p. 19)
observa, ainda, que tal ataque pode ser articular tanto ao elemento lúdico da poesia, tanto à
necessidade de instaurar a filosofia como cerne da teoria e da prática educativa. Aristóteles
(2005), discípulo de Platão, comenta que “[...] o Poeta, porém, deleitando-nos com os outros
encantos, escamoteia-nos a absurdeza” (PLATÃO, 2005, p. 48). Nessa passagem, o filósofo
defende a necessidade de esmero com a linguagem, de modo a evitar atavios e não ofuscar os
pensamentos, e julga aceitável a verossimilhança, desde que elas não sejam irracionais.
Teixeira (2003, p. 57-61) afirma que Bertolt Brecht atribui ao teatro a dupla tarefa de instruir e
deleitar, tornando audível, desse modo, o eco dos preceitos horacianos. A autora adverte que o
Renascimento buscou uma volta aos ideais da Antiguidade Clássica e bebe nas fontes de
Horácio a ideia da educação por meio da arte. Ela cita exemplos, tais como o do bispo Minturno,
que na obra De Poeta, aponta uma tripla finalidade para a poesia: instruir, deleitar e emocionar.
Lodovico Castelvetro, segundo a estudiosa, defende o deleite e a recreação como objetivos
únicos da poesia negando sua função didática e emocional. Jean Vauquelin retoma a fórmula
horaciana, com especial destaque à instrução, para que sejam mostrados, na educação, as
virtudes e os vícios (TEXEIRA, 2013).
Compagnon (2009, p. 31-33) adverte que, de Horácio a Quintiliano e ao Classicismo francês,
repete-se a premissa de que a literatura instrui deleitando. O autor francês demonstra que La
Fontaine, ao tratar das fábulas, salvaguardava o caráter instrutivo e deleitoso destas. De igual
112
modo, Antoine François Prévost defende o par instruir e divertir, além de assegurar que toda
obra de arte possui um tratado da moral.
Kant (1993, p. 55), em Crítica da Faculdade do Juízo, apregoa que o belo é desinteressado,
objeto de contemplação: “Gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de
representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse.
O objeto de tal complacência chama-se belo”. Trata-se, segundo César (1997, p. 191), de uma
visão de prazer estético proporcionado pelo distanciamento entre espectador e objeto, livre, pois,
dos sentimentos de posse e do apego. Em Teoria Estética, o Adorno (1970), por sua vez, assevera
que “Tornado irreconhecível, o deleite disfarça-se no desinteresse kantiano (ADORNO, 1970, p.
24). Em outras palavras, a análise adorniana, sob o escrutínio da crítica à indústria cultural, a arte
perdeu seu fim, numa sociedade em que a subjuga de acordo com os interesses de uma
determinada camada social.
Adorno (1970, p. 24-27) pondera que a arte deve estar livre das amarras e dos cerceios capitalistas
e estar destituída do prazer, pois, quanto maior é a compreensão sobre uma obra, tanto menor é
o prazer. Para ele, o prazer fugaz e a diversão podem intensificar-se ao ponto do inebriamento.
Afirma que o conceito mesquinho de deleite é um compromisso infeliz, uma léria, e deve ser
eliminado se for conjecturado enquanto elemento uníssono de contribuição da obra de arte. Além
disso, ressalta: “O que é facilitado pelo facto de que, numa época de superprodução, o seu valor
de uso se torna também problemático e se submete finalmente ao deleite secundário do prestígio,
da moda e do próprio caráter de mercadoria: paródia da aparência estética” (ADORNO, 1970, p.
28). Compreendemos, que, segundo autor, nessa perspectiva regida unicamente pelo deleite, a
arte surge como mais uma mercadoria a ser explorada, objeto de prestígio, de galanteio, de
cristalização dos ditames capitalistas e os indivíduos assim submetidos tornam-se presa fácil,
condescendentes a uma visão meramente hedonista, contemplativa, passiva, falsa e distratora da
arte.
Bourdieu (1968, p. 64526), em Éléments d'une théorie sociologique de la perception artistique,
de certa forma, também critica uma arte reduzida ao deleite. O sociólogo assinala a distinção de
duas formas de prazer estético, embora entre uma e outra coexistam várias gradações. Uma delas
diz respeito à percepção estética reduzida à compreensão pelos sentidos, ou seja, de modo a
26 Bourdieu (1969, p. 645, grifo do autor): “[...] On peut donc distinguer, par abstraction, deux formes opposées et
extrêmes du plaisir esthétique, séparées par toutes les gradations intermédiaires: la jouissance, qui accompagne la
perception esthétique réduite à la simple aisthesis, et la délectation, que procure la dégustation savante etqui
suppose, comm e condition nécessaire mais non süffisante, le déchiffrement adéquat”.
113
colocar a razão em plano secundário e, de outro lado, o deleite que se caracteriza como uma
degustação erudita, mais sofisticada, necessária, porém, por si só, insuficiente e insatisfatório
para a compreensão da arte.
O livro intitulado La Promocion de la Lectura, publicado em 1975 com incentivo e chancela da
Unesco, por Richard Bamberger, escritor austríaco, é a última obra a ser mencionada neste
momento. Direcionada sobretudo aos/às responsáveis, professores/as e a bibliotecários/as, o
autor se põe a refletir sobre aspectos que circundam a formação do leitor, bem como a
responsabilidade destes para que tal intento seja concretizado. A produção contempla desde
traços comparativos das “habilidades leitoras” das crianças e adultos até a explanação de ideias
e conselhos de como fomentar o hábito de leitura na infância. Chama atenção no documento a
recorrência da palavra interesse atrelada às práticas de leitura, com ênfase a ações muito
localizadas. Bamberger (1975, p. 34) salienta que é importante que grande parte do material de
leitura interesse e deleite os alunos/as de modo a se formar permanentemente o hábito de ler.
Além disso, no tocante ao trabalho com a biblioteca, investe-se, mais uma vez, no suposto caráter
descompromissado e ocioso da leitura: “Muitos professores também acreditam que, na coleção
de livros de cada turma, será conveniente incluir livros que sirvam exclusivamente para o prazer
da leitura, o que atrairá mais facilmente os alunos à leitura desinteressada e não obrigatória”
(BAMBERGER, 1975, p. 90)27.
Bamberger (1975, p. 38-3928) arrola uma série de conclusões, que segundo ele, são pontos de
divergência entre vários autores. A primeira delas se volta ao deleite proporcionado por
27 “Muchos maestros opinan también que en la colección de libros con que cuente cada clase convendrá incluir libros
que sirvan puramente para deleitarse leyendo, los cuales atraerán más fácilmente a los estudiantes a la lectura
desinteresada y no obligatoria” (BAMBERGER, 1975, p. 90). 28 a) La primera motivación para leer es, sencillamente, el placer de practicar con las recien adquiridas habilidades
lectoras, el deleite que producen la recién descubierta actividad intelectual y el dominio de una destreza mecánica.
Si el maestro responde a esta motivación dando facilidades, proporcionando materiales de lectura apropiados a la
edad de los componentes del grupo e incrementando luego gradualmente la dificultad de los libros que vayan
leyendo, los niños llegarán a ser de ordinario buenos lectores. AI buen lector le gusta leer. b) La tendencia a usar
y ejercitar actitudes intelectivo-espirituales como la fantasía, el pensamiento, la voluntad, la simpatía, la capacidad
identificadora, etc. Resultado: desarrollo de aptitudes, expansión del yo. c) La necesidad de relacionarse con el
mundo, de enriquecer la propia mentalidad y de tener experiencias intelectuales. Resultado: la formación de una
filosofía de la vida, la comprensión del mundo que nos rodea. d) Estas motivaciones y estos intereses íntimos, por
lo común no conscientemente percibidos por el niño, corresponden a determinadas maneras de vivir y resumir éste
su experiencia: agrado de encontrarse con cosas y gentes que le son familiares (libros de ambiente y costumbres)
o, por el contrario, desconocidas y novedosas (libros de viajes y aventuras); ansias de escapar de la realidad y vivir
en un mundo de fantasía (cuentos de hadas, historias fantásticas, libros de utopías); necesidad de autoafirmarse,
búsqueda de ideales (biografías); afán de formación, de buenos consejos, de conocimientos provechosos (literatura
de noficción); ganas de distraerse y divertirse, necesidad de entretenimiento y esparcimiento (libros de deportes,
de caza, de curiosidades, etc.). (BAMBERGER, 1975, p. 38-39).
114
descobertas recentes de habilidades leitoras. Segundo o autor, o professor pode estimular tal
comportamento oferecendo atividades e livros com graus de dificuldades apropriados a cada
idade. A segunda diz respeito às atitudes de ordens subjetivas, individuais na expansão da
fantasia, da simpatia e da expansão do eu. A terceira discute a compreensão do mundo que nos
cerca pela via das experiências intelectuais e, por fim, ainda em um olhar endógeno da leitura, é
salientado o caráter de escapismo, de fuga da realidade para as mais diversas finalidades, dentre
elas a vivência no mundo da fantasia, a diversão e o entretenimento.
Como pode ser observado brevemente, são amplos os estudos que se dedicam a pensar a arte, a
literatura enquanto objeto de deleite, o que nos leva a salientar que “Todo monumento continua
a obra dos antecessores, polemiza com eles, espera por uma compreensão ativa e responsiva,
antecipando-a etc. Todo monumento é uma parte real e indissolúvel ou da ciência, ou da literatura
ou da vida política” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 184). Desse modo, entendendo metaforicamente
que os documentos ora analisados são monumentos que, de certa maneira e guardadas as devidas
proporções, continuam a obra dos antecessores, nos dedicaremos a seguir à análise dos materiais,
com vistas à defesa da seguinte tese: ao se conceber a leitura literária de modo reducionista e
superficial, chancelada por organismos internacionais e políticas públicas educacionais,
silenciam-se os contextos ideológicos, políticos, éticos, estéticos, históricos, culturais, próprios
do texto literário.
5.1 A UNESCO
Criada em 1945 com objetivo de manter a paz e a segurança no mundo, a Unesco é uma agência
especializada das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura. No Brasil, preocupa-se em
somar esforços com o governo brasileiro e com a sociedade civil em torno de objetivos comuns
para o desenvolvimento do país, afinados aos objetivos instituídos pelos Estados-membros da
Unesco e das Nações Unidas. De acordo com a própria organização, a “Unesco exerce liderança
global e regional na educação, reforça os sistemas de educação em todo o mundo e responde aos
desafios globais por meio da educação, com a igualdade de gênero como princípio subjacente”
(UNESCO, [20-0?A] UNESCO, [20-0?B]; UNESCO, 2017).
115
Nesta etapa do trabalho, nos deteremos a um documento em especial, Educação: um tesouro a
descobrir, relatório da comissão internacional da Unesco, presidida por Jacques Delors, conforme
a figura 1.
Fonte: Delors et al, 1998.
A escolha desse documento em especial se deu: a) por sua ampla divulgação e aceitação em solo
brasileiro (SILVA e SILVA, 2012; BASSO e BEZERRA NETO, 2015; SINDEAUX; BEZERRA;
LOUREIRO, 2018); e b) porque sua publicação no Brasil, no ano de 1998, insere-se em um
contexto de políticas neoliberais do governo Fernando Henrique Cardoso, como bem já apontou
Saviani (2013) e Maciel; Shigunov Neto (2004), como um projeto governamental nocivo, de modo
a inserir o país, ainda mais, nos “[...] moldes ditados pelo capitalismo mundializado” (DUARTE,
2001)29. Diante do exposto, atentando-se aos objetivos essenciais desta pesquisa, interessam-nos,
particularmente, os capítulos 4 e 7, circunscritos, respectivamente, na segunda e na terceira parte
do documento, com os seguintes títulos: “Os quatro pilares da educação” e “Os professores em
busca de novas perspectivas”. Esses capítulos do sumário podem ser mais bem visualizados nas
figuras 2 e 3.
29 Por entendermos que a obra de Duarte (2001), intitulada Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às
apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana consitui-se em uma produção consistente e notável
relativa à critica à mercadorização da educação, privilegiamos esse estudo para análise do documento Educação:
um tesouro a descobrir.
Figura 1 - Unesco - Educação, um tesouro a descobrir
116
Fonte: Delors et al, 1998.
Fonte: Delors et al, 1998.
Figura 2 – Sumário- primeira parte - Educação, um tesouro a descobrir
Figura 3 - Sumário- segunda parte - Educação, um tesouro a descobrir
117
Delors et al. (1998, p. 89) ponderam que, diante de tantas inovações e transformações no
mundo, é preciso um redimensionamento da educação, que funciona, metaforicamente, como
uma bússola a permitir que as pessoas naveguem pelo mundo. Para tanto, advoga pela
necessidade do levantamento de quatro pilares da educação, desdobramentos do lema “aprender
a aprender” (DUARTE, 2001, p. 76), quais sejam: “Aprender a conhecer”, “Aprender a fazer”,
“Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros” e “Aprender a ser”. O primeiro pilar
constitui-se no domínio dos próprios instrumentos do conhecimento como meio e fim da vida
humana. Em outras palavras, o meio diz respeito à compreensão de cada um sobre o mundo que
o cerca, pelo menos na medida em que tal premissa é necessária para se viver dignamente,
comunicar e atender aos anseios do meio laboral. E o fim aposta que seu fundamento se assenta
no “[...] o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir (Delors et al., 1998, p. 92).
Esse pilar ainda sustenta a premissa do inacabamento do processo de aprendizagem, o que
justifica sua maior aproximação às experiências do trabalho, já que este, conforme o
documento, se torna cada vez menos rotineiro. Os autores colocam vigas, no bojo desse
pensamento, na defesa da “educação primária”, base para educação ao logo de toda vida,
sobretudo no trabalho. Em outras palavras, a partir dos estudos de Duarte (2001),
compreendemos que aprender a conhecer corrobora com a ideia de aprender a adaptar-se. Como
poder ser observado, além de estar claro o silenciamento de vozes que proferem o caráter social
da formação, parece ficar evidente, de igual modo, uma visão de educação da qual não
compactuamos: instrumentalizadora, pragmática, imediatista e subserviente ao mercado.
Admite-se, em seguida, na indissociabilidade das práticas “aprender a conhecer” e “aprender a
fazer”. O segundo pilar, eivado de um tom insistente na necessidade de adequação e adaptação à
nova realidade mundial, pode ser resumido como a capacidade de poder agir sobre o meio que
nos cerca. É nesse pilar que se observa a noção de competência, após a descrição quase
galanteadora sobre as exigências cada vez mais intensas do mundo do trabalho. Sobre a
capacidade pessoal do trabalhador, levanta-se uma bandeira individualista e culpabilizadora, ao
incutir a ideia de uma autoformação com vistas à melhor comunicação, trabalho em equipe,
gestão e resolução de conflitos, dentre outros. Esse pilar defende a importância do setor de
serviços e o reconhecimento de atividades não formais, sobretudo em países desenvolvidos.
Insere a aprendizagem nesse contexto, não como possibilitadora de mudanças, mas de atividade
a qual o fim também se destina às atividades informais (DELORS et al., 1998, p. 96).
118
O terceiro pilar vincula-se à competência de cooperação com os demais indivíduos nas atividades
humanas. Ao trazer um discurso alarmante sobre a violência, o documento enfatiza a necessidade
de estabelecer uma cultura de paz, de descoberta do outro. Na escola, tal premissa decorre, por
exemplo, da aceitação da cultura alheia, que não deve ir contrária ao reconhecimento do outro.
Nota-se, claramente, nesse discurso, uma tentativa de formação de cidadãos cordatos, planificados,
servis: “[...] busca-se difundir uma mentalidade de convivência pacífica, por meio da qual as
desigualdades seriam identificadas com as diferenças, no intuito de enfraquecer qualquer clamor
por uma sociedade menos injusta e desigual (DUARTE, 2001, p. 75).
O último pilar para uma educação ao longo da vida, “aprender a ser”, é “[...] via essencial que
integra as três precedentes (DELORS et al.., 1998, p. 90). Trata-se da premissa que visa a
desenvolver a “autonomia”, a capacidade de “discernimento” e de “responsabilidade pessoal”, o
que coaduna, mais uma vez, às críticas propostas por Duarte (2001). Afinal, configura-se uma
visão de educação convergente com os propósitos neoliberais, cujo fim é a formação de indivíduos
responsáveis por sua própria formação, a afastar, desse modo, o papel do Estado, e dispostos a
serem flexíveis e a aprenderem qualquer coisa, aceitar qualquer coisa, guiados por uma hábil
bússola: o mercado.
No sétimo capítulo, é depositada nos ombros dos/as professores/as, sob o epíteto de agentes de
mudança, a responsabilidade pela formação de indivíduos que construirão o futuro. O documento
é veloz na defesa da motivação, das competências e das habilidades pessoais, para que tal intento
seja levado a cabo. Enfatiza que a formação de professores/as deve ser aquilatada nos moldes das
propostas do relatório. Adiante, há a alegação de que cabe ao/a professor/a uma postura devota e,
ao mesmo tempo, afastada, a fim de se resguardar certa distância da escola e o meio, de modo que
o/a aluno/a consiga, por si, exercer seu senso crítico, aprendizagem e pesquisa autônomas
(DELORS et al.., 1998, p. 153-157). O trabalho do/a professor/a não é visto assentado no pilar da
mediação, mas, antes, como um apresentador de problemas a serem solucionados.
O documento ainda estabelece vias para melhorar a qualidade e a formação dos professores/as:
recrutamento, formação inicial, formação contínua, formação pedagógica, controle, gestão,
participação de agentes exteriores à escola e meios de ensino (DELORS et al.., 1998, p. 159-161).
Em nenhuma dessas vertentes, foi detalhada que a valorização do professor perpassa, de modo
elementar e inegociável, pela decência salarial e das condições de trabalho. Ao contrário, no
tocante à formação continuada, por exemplo, defende-se uma formação já dentro do horário de
trabalho, a distância, de modo a não comprometer a ordem estabelecida.
119
Além disso, uma recomendação extremamente danosa, sustentada pelos quatro pilares já
anteriormente discutidos e, portanto, compromissada em seu âmago com a perspectiva neoliberal,
erige-se: “Os professores deveriam também ter a possibilidade de exercer outras profissões, fora
do contexto escolar, a fim de se familiarizarem com outros aspectos do mundo do trabalho, como
a vida das empresas que, muitas vezes, conhecem mal” (DELORS et al.., 1998, p. 163). Duarte
(2001, p. 79) salienta que “[...] vemos nesse tipo de discurso apenas um reflexo do ambiente
político cultural da atualidade, impregnado pelo pragmatismo neoliberal e do seu aliado, o
irracionalismo pós-moderno”. Desse modo, o professor, na visão da Unesco, além de um ser
alienado e multifuncional, é um “ ‘acompanhante’, [...] aquele que ajuda os seus alunos a encontrar,
organizar e gerir o saber, guiando mas não modelando os espíritos, e demonstrando grande firmeza
quanto aos valores fundamentais que devem orientar toda a vida” (DELORS et al.., 1998, p. 155).
Em estudo recente, Dias (2019) indagou-se a respeito da elaboração dos acordos concernentes à
alfabetização de crianças, pactuados durante o PPE — desenvolvido entre 1980 e 2000, pela
Unesco. Mesmo não tendo o objetivo se aproximar-se às questões que envolvem a leitura literária,
Dias (2019) ponderou, após as análises documentais, que há a prevalência de uma determinada
linha discursiva, uma fabricação de consensos. Trata-se, segundo a autora, de uma trama, que,
travestida de um aparato de consenso, democrático, enrijece algumas concepções em detrimento
de outras e auxilia na estruturação de propostas oficiais de alfabetização no Brasil. Ela ainda
adverte que o consenso maior repousa na preocupação a respeito da reprovação escolar. Entretanto,
essa retórica reincidente era vislumbrada nos documentos da Unesco de forma limitada; ou seja,
era cerceada à gama de conhecimento necessária para que se garantisse a preparação adequada
para o mercado de trabalho, a segurança da competitividade frente ao mercado internacional e o
consequente progresso econômico das nações. Assim, segundo a análise de Dias (2019), o
conhecimento era tratado dentro da perspectiva da pedagogia das competências, imerso no viés
individualista do “aprender a aprender”, tendo a leitura e a escrita comprimidas ao exercício papéis
fundamentais para o entendimento de certos fenômenos e para a comunicação.
A pesquisa de Endlich (2019) visou a compreender discursos da Unesco em prol da avaliação da
alfabetização, no período 1980-2012, e como esses discursos dialogaram com o desenvolvimento
das avaliações padronizadas de alfabetização de crianças no Brasil. A autora afirma que a
concepção da Unesco a respeito da educação equivale a um investimento financeiro. A
alfabetização, por sua vez, é esvaziada de seu potencial crítico e é vincada ao acúmulo de
competências necessárias para a formação de um cidadão desejado ao mercado de trabalho,
vislumbrando a leitura e a escrita como algo prático, imediatista e funcional. Endlich (2019) ainda
120
tece críticas que se aproximam dos estudos de Duarte (2001). De acordo com a autora, por meio
dos documentos analisados, a Unesco defende um modelo de educação compromissado com a
ideologia neoliberal, que, dentre outras práticas, defende a descentralização administrativa, a
competitividade acirrada por avaliações de larga escala e a formação individualista, baseada na
pedagogia das competências, que almeja formar cidadãos flexíveis e adaptáveis a uma sociedade
desigual.
A referência ao documento da Unesco e aos estudos de Dias (2019) e Endlich (2019) foram
basilares para compreendermos melhor qual é a massa que sustenta os pilares da educação ao longo
da vida: o neoliberalismo. De modo mais particular, foi importante para compreendermos, com os
olhos fitados às ponderações de Duarte (2001), Maciel; Shigunov Neto (2004), Saviani (2013) e
Ávila (2016), melhor nosso problema de pesquisa e encaminhar as análises de modo a comprovar
a primeira hipótese levantada.
Compreendemos, assim, que “Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá sua festa
de renovação. Questão do grande tempo” (BAKHTIN, 2017, p. 79). Se não podemos decretar
certidão de óbito para os sentidos, para os enunciados, por ora, pensamos que os princípios do
papel do professor no relatório da Unesco coadunam-se à perspectiva do Letramento Literário,
pois, nos moldes apresentados e discutidos no capítulo anterior, observam-se um pragmatismo
atrelado à leitura e à escrita e a redução do trabalho do professor ao exercício sufocante de um
gestor do saber.
Além disso, pensamos que os pilares de educação, agenciadas pela pedagogia das competências,
refletem no trabalho com a leitura literária, de modo a inseri-la como mais uma das competências
para a educação ao longo da vida. No tocante ao quarto pilar, o aprender juntos pode se articular
às propostas de uma formação de comunidade de leitores nos arquétipos do letramento literário,
uma vez que, pela via da convivência, do compartilhamento de saberes gerados pelo texto literário,
pouco se vislumbra, nesse ínterim, a formação indivíduos não imiscuídos com quaisquer
argumentos que os integrem em uma plateia placidamente observadora de um banquete celebrado
por poucos.
121
5.1 O PROFA
De acordo com o documento de apresentação, criado em 2001, sob supervisão da professora Telma
Weizs, o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), sustentado em bases
piagetianas, é um curso de aprofundamento, destinado a professores/as e formadores/as, com
objetivo de desenvolver as competências profissionais necessárias a todo professor que alfabetiza.
Apesar de ter durado apenas 2 anos, o documento salienta que seu objetivo é a formação de um
grupo permanente, com um modelo de trabalho ancorado nos saberes do grupo e em metodologias
de resolução de problemas (BRASIL, 2001a, p. 4).
Volóchinov (2013, p. 143) pondera que, para além da transmissão do signo, a comunicação verbal
possui outra condição que é a compreensão do signo e a respectiva resposta a ele. Julgamos
prudente, no bojo desse pensamento, relembrar de antemão que o surgimento do programa se deu
em um contexto em que premissas de ordem mercadológica pairavam _ e até hoje pairam_ sobre
a educação. Essa metodologia de resolução de problemas é um eco do relatório Educação: um
tesouro a descobrir e manifesta-se como resposta favorável não só aos delineamentos do relatório,
mas respondem cômoda e docilmente às premissas neoliberais.
Mais do que ver ecos entre ambos enunciados, é conveniente indagar os motivos para que tais ecos
se materializem em um documento de formação de professores/as. Pensamos que, ao proceder de
tal modo, é assegurado um caráter pragmático da educação, com vistas a uma formação de
professores/as esvaziada de um propósito emancipatório. A proposta parece instituir um tom
conciliatório: reconhece-se a necessidade de formação de professores/as, dados aos índices de
“fracasso escolar” (BRASIL, 2001a, p. 9), mas essa formação é auferida em moldes que pouco
cooperam para o abalo sistemático desses mesmos índices.
Lembramos que o objetivo principal desta tese é analisar as concepções de leitura literária
referendadas pelos programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as. Desse
modo, seguiremos, neste momento, à etapa de análise dos Módulos 1, 2 e 3 do Profa. A capa do
Módulo 1 do Guia do Formador do Profa é disposta conforme figura 4.
122
Figura 4 - Profa: capa do guia do formador, módulo1
Fonte: Brasil, 2001a.
O referido documento está organizado da seguinte maneira: no início, apresenta-se o
programa, delimitando seus objetivos e bases conceituais. Em seguida, é registrada uma carta
aos “colegas” formadores, em que se explicitam de modo mais detido as concepções do
programa, sua organização, além de trazer à discussão as premissas de filosofia da educação
do estadunidense John Dewey30, na defesa de uma ação reflexiva. Em um terceiro momento,
passa-se à apresentação das competências profissionais requeridas para tal contexto, que
transitam entre o autodesenvolvimento, o reconhecimento de uma imagem positiva de si
mesmo, o planejamento de atividades desafiadoras de alfabetização à responsabilização pelos
resultados obtidos em relação às aprendizagens dos/as alunos/as (BRASIL, 2001a, p. 9-10).
Posteriormente, realiza-se a descrição da estrutura do programa, em três módulos. Em linhas
gerais, o primeiro módulo objetiva demonstrar que a alfabetização se centra em um processo
de construção conceitual, que se dá pela reflexão sobre as características do funcionamento
da escrita. O segundo módulo contempla situações didáticas de alfabetização, por meio dos
diferentes usos da linguagem. Por fim, o terceiro módulo continua com as situações didáticas,
porém, expõe como cerne da discussão o conjunto de competências que os/as professores/as
precisam desenvolver.
Logo após a seção inicial, o material divide-se em dois componentes: a parte 1 reúne as
30 Saviani (2013), conforme já pontuado, assegura que de 1991 a 2001 houve uma hegemonia de uma concepção
educacional neoprodutivista. e suas respectivas variantes: neoescolanovismo, neoconstrutivismo, neotecnicismo.
O Profa tem início em 2001 e respalda-se também nos estudos de John Dewey, um dos inspiradores do movimento
da Escola Nova, no Brasil.
123
“Orientações para o Uso do Guia do Formador”, a parte 2 dispõe as “Unidades do Curso” e a
parte 3, intitulada “Apontamentos”, concentra anexos e algumas orientações quanto ao
funcionamento do programa. É a partir da unidade 2 que nossa análise seguirá. Tal unidade
possui os seguintes momentos: a) listagem de objetivos e conteúdos a serem estudados; b)
quadro-síntese, com a delimitação do tempo de cada etapa da unidade (o tempo de leitura
compartilhada é de 10 minutos); e c) descrição das sete atividades.
O módulo 2 do Profa, conforme a capa do material impresso na figura 531 a seguir apresentada,
estrutura-se da seguinte forma: primeiramente, é apresentada uma carta aos/às professores/as na
qual se retoma o que já foi feito no módulo 1 e se anuncia o que será feito no módulo 2. Salienta-
se que as propostas didáticas serão o foco principal, ou seja, a prática será priorizada. Em seguida,
na Parte I, são apresentadas algumas orientações sobre o módulo, com detalhamento da carga
horária, as expectativas de aprendizagem, bem como a caracterização dos materiais, por exemplo.
Na Parte II, encontra-se a organização do trabalho pedagógico e na Parte III são listados os
anexos e os apontamentos, em que são sugeridas atividades com assuntos diversos estruturados
em unidades. Nossa atenção, nesse módulo, incorrerá na segunda parte, pois é nela que se
concentra o trabalho com a leitura literária, tal qual no módulo 1, com o momento de leitura
compartilhada.
Fonte: BECALLI, 2007.
31 Por causa da ausência da capa no arquivo digital do módulo 2, optamos por ilustrá-lo a partir do trabalho de
Becalli (2007).
Figura 5- Profa: capa do guia do formador, módulo 2
124
O último documento do Profa a ser analisado é o Módulo 3, conforme capa do material impresso
na figura 632 a seguir é apresentada. Tal qual no módulo 2, primeiramente, uma carta
direcionada aos docentes é exposta, ressaltando a importância de formação de professores/as,
não só para o desenvolvimento profissional, mas para a formação de outros grupos de trabalho.
Também é salientada a importância da avaliação, assim como a necessidade de continuidade
das ações aprendidas no curso.
Fonte: BECALLI, 2007.
Na Parte I, são centralizadas algumas orientações sobre o programa, os meios de propagação
dos resultados da formação, as expectativas de aprendizagem, bem como o conteúdo das
unidades do terceiro módulo. Em estrutura idêntica ao módulo 2, nas partes 2 e 3,
respectivamente, recupera-se a organização do trabalho pedagógico e são listados os anexos e
os apontamentos, com sugestões de atividades dispostas em unidades. A análise, nesse módulo,
também recairá na segunda parte, pois é nela que se aplica o trabalho com a leitura literária. No
entanto, advertirmos que o Módulo 3, por concentrar muitas orientações atinentes ao campo da
alfabetização, sobretudo no que diz respeito às questões ortográficas, é o módulo que menos
oferece sugestões de trabalho com o texto literário.
32 Por causa da ausência da capa no arquivo digital do módulo 3, optamos por ilustrá-lo a partir do trabalho de
Becalli (2007).
Figura 6 - Profa: capa do guia do formador, módulo 3
125
Pelos motivos já delimitados nesta pesquisa, nosso foco de atenção concentrar-se-á nas
propostas de encaminhamento, inseridas dentro de um momento intitulado “Leitura
Compartilhada”. Tanto nos módulos 1, 2 e 3, na segunda parte, há constantemente a menção à
leitura de textos com finalidades específicas, sempre com verbos no infinitivo. Para melhor
visualização, reunimos essas finalidades, conforme descrição no quadro 4.
Quadro 4 - Profa: finalidades do texto literário
Profa: finalidades do texto literário
Módulo 1 Módulo 2 Módulo 3
Ler
Para...
Finalidade para a leitura
literária /
Recorrência
Ler
Para...
Finalidade para a leitura
literária /
Recorrência
Ler
Para...
Finalidade para a
leitura literária /
Recorrência
Se emocionar 6 Apreciar 8 Apreciar 9
Se divertir 5 Se emocionar 7 Conhecer 6
Apreciar 4 Se divertir 4 Se informar 5
Refletir 4 Refletir 4 Se divertir 5
Saborear 3 Se arrepiar 3 Refletir 4
Conhecer melhor 3 Pensar 2 Cantar 2
Se arrepiar 2 Conhecer 2 Se Identificar 1
Se encantar 1 Saborear 1 Rir e Cantar 1
Se informar 1 Se encantar 1 Se Encantar 1
Conhecer 1 Relembrar 1 Cantar e Apreciar 1
Se surpreender 1 Surpreender 1 Se emocionar 1
Brincar com as
palavras 1 Se deleitar 1 Pensar 1
Pensar 1 Apreciar literatura de
cordel 1 Sonhar 1
Cantar 1 Ficar sabendo 1 Ficar Sabendo 1
Rir 1 Conhecer melhor 1 Se Surpreender 1
Intrigar 1 Apreciar a linguagem 1
Total de atividades: 14
Total de finalidades: 40
Total de atividades: 12
Total de finalidades: 36
Lamentar 1
Total de atividades: 14
Total de finalidades: 40
Fonte: Quadro elaborado pela autora, a partir dos dados em Brasil, 2001a, 2001b, 2001c.
O módulo 1 apresenta 12 sugestões de atividades, cada uma delas apresentando 3 finalidades
para a leitura literária, perfazendo um total de 36 recorrências. O módulo 2 apresenta 14
sugestões de atividades. Nesse módulo, a primeira sugestão apresenta 1 finalidade para a leitura
literária; as outras 13 sugestões apresentam 3 finalidades, perfazendo um total de 40
recorrências. O módulo 3, de igual modo, apresenta 14 sugestões de atividades. Nesse módulo,
a primeira sugestão apresenta 1 finalidade para a leitura literária; as outras 13 sugestões
apresentam 3 finalidades, perfazendo um total de 40 recorrências.
Todas as atividades com o texto estão sistematizadas de maneira muito semelhante. O que muda
126
são os textos literários. Se reunirmos todas as recorrências, sem a discriminação dos módulos,
podemos observar que esses desígnios estão dispostos conforme disposto no quadro 5.
Quadro 5 - Profa: Síntese das Recorrências de "Ler Para..."
Profa: Módulos 1, 2 e 3
Ler
pa
ra..
.
Finalidade Recorrências Finalidade Recorrências
Apreciar 21 Ficar Sabendo 2
Se Divertir 14 Brincar com as Palavras
1
Se Emocionar 14 Rir 1
Refletir 12 Intrigar 1
Conhecer 9 Cantar e Apreciar 1
Se Informar 6 Relembrar 1
Se Arrepiar 5 Se Deleitar 1
Saborear 4 Apreciar Literatura de Cordel
1
Conhecer Melhor 4 Apreciar a Linguagem
1
Pensar 4 Lamentar 1
Se Encantar 3 Sonhar 1
Se Surpreender / Surpreender
3 Rir e Cantar 1
Cantar 3 Se Identificar 1
Total de recorrências: 116
Fonte: Quadro elaborado pela autora, a partir dos dados em Brasil, 2001a, 2001b, 2001c.
Como pode ser visto, nos quadros 4 e 5, os módulos 1, 2 e 3 possuem 41 propostas de atividade.
Dessas propostas, há 116 recorrências de finalidades atribuídas à leitura literária, todas elas com
verbos no infinitivo (26). Dessas finalidades, as três sugestões que possuem maior reincidência
são ler para “apreciar” (21), ler para “se divertir” (14), ler para “se emocionar” (14), perfazendo
um total de 42,2%.
Para que tenhamos uma noção mais acurada dos dados, uma sistematização se faz necessária,
conforme delimitado no gráfico 1.
127
Fonte: Gráfico elaborado pela autora, a partir dos dados em Brasil, 2001a, 2001b, 2001c.
Por causa da impossibilidade, neste momento, de fazermos a análise de todas as finalidades,
optamos por seguir o critério da maior recorrência. Ou seja, por entendermos que as finalidades,
materializadas insistentemente nos enunciados “ler para apreciar”, “ler para se divertir” e “ler
para se emocionar” apresentam maior destaque, e por avaliarmos que muitas das outras
finalidades, de algum modo, estão no mesmo campo semântico dessas três, as atividades que
contemplarem alguma dessas recorrências serão alvo de nossa atenção. Mais especificamente,
como todas as atividades são quase idênticas, elencaremos uma proposta de encaminhamento
de cada módulo para o diálogo.
Embora tenhamos observado que há algumas sugestões de trabalho com textos que não o
literário, como é o caso de “Ambição e ética”, de Stephen Kanitz (no módulo 2), cada proposta
possui, em geral, três sugestões para o trabalho com texto literário. Desse modo, apresentaremos
nossas observações a partir de uma proposta de encaminhamento de cada módulo.
A atividade 1 da Unidade 2, circunscrita no primeiro módulo do Profa, está estruturada
conforme excerto abaixo:
Leitura Compartilhada feita pelo formador (± 10 min)
Importante
Ler em voz alta exige preparação, ensaio e conhecimento minucioso do
texto a ser lido.
A adequação do tom de voz, o ritmo de leitura, a pronúncia das palavras
e o envolvimento com o texto merecem destaque especial nessa
atividade dedicada à Leitura Compartilhada. Portanto, a sugestão é que
Gráfico 1 - Profa: Síntese das Recorrências do "Ler Para..."
0
5
10
15
20
25
Profa: Módulos 1, 2 e 3
Ler para...
128
o formador se prepare com antecedência, a fim de que sua leitura seja
envolvente e convidativa.
Proposta de Encaminhamento
1. Escolher, entre os títulos sugeridos a seguir, aquele que considerar
mais apropriado para ler aos professores.
Ler para...
... saborear: "Cem anos de perdão", de Clarice Lispector (Coletânea de
Textos M1U2T1).
... apreciar: "Memória de livros", de João Ubaldo Ribeiro (Coletânea
de Textos M1U2T2).
... se encantar: "Finá de ato", de autor desconhecido (Coletânea de
Textos, M1U2T3). (BRASIL, 2001a, p. 40, grifo do autor).
Com o risco da superficialidade demasiada e, ao mesmo tempo, à esquiva de uma análise
morosa, o conto “Cem Anos de Perdão”, inserido no livro Felicidade Clandestina, de Clarice
Lispector, narra a façanha de uma menina que, apaixonada por rosas, decide roubá-las, com
anuência de uma amiga, a despeito da insegurança que se incorre com a prática delituosa. Para
entendimento um pouco mais detido do conto, talvez seja necessário rememorarmos o ditado
popular: “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”, mote do título do texto. Convém
advertir, de igual modo, que é narrado no início do texto o vislumbre das meninas diante de
casas majestosas. Um desses pequenos castelos, cujos(as) donos(as) por certo não provinham
da classe popular, foi local em que se encontrava a rosa, destinada ao primeiro roubo. Não
arrependida, a menina relata o sentimento de posse e descreve que passa a roubar não só rosas,
mas expande a prática para as pitangas, mesmo que tal exercício seja feito próximo a uma igreja
presbiteriana.
Talvez essa descrição em particular se articule a uma crítica aos olhares cerceadores de tal
instituição. A menção à cor vermelha, das rosas e das pitangas, não pode passar despercebida,
uma vez que o produto do roubo advém, como já dissemos, de uma propriedade suntuosa.
Portanto, reduzir o texto de Lispector (1998) a apenas ao saboreio não nos parece uma atitude
prudente, tendo em vista uma possível crítica direcionada à propriedade privada.
Em Memória de Livros, conto de João Ubaldo Ribeiro, é narrado em tom saudosista, a memória
de uma infância marcada pela proibição de leitura de certos livros e as recorrentes peripécias e
subversão dessa mesma proibição. O autor narra que esse período de sua vida fora marcado
pelas leituras compulsórias e livres, e salienta que não sabe ao certo se a censura paterna era,
na verdade, um incentivo para uma leitura furtiva dos grandes clássicos literários.
É de se apreciar, mesmo, a descrição do autor sobre seu envolvimento com os livros, contudo,
129
a leitura do conto não pode parar em um ponto meramente contemplativo. O texto mostra como
as crianças ainda estão inseridas em uma perspectiva adultocêntrica de escolha da leitura
destinada a elas, como bem já estudou Hunt (2010), Zilberman (1980). Além disso, é preciso
salientar que o narrador integra o sistema literário brasileiro (CANDIDO, 1999; 2000) com uma
vasta obra, o que nos remete a pensar na importância da leitura literária na constituição de
escritores, na formação de pessoas que saibam atribuir um tom jocoso às experiências das
crianças, como em Vida e Paixão de Pandonar, O Cruel; ou, por exemplo, em direcionar uma
ácida crítica à religião vislumbrada no conto O Santo que não acreditava em Deus; na formação
de cidadãos críticos, reflexivos, emancipados, não conformistas, inquietos, questionadores,
enfim, leitores.
De autoria desconhecida, o poema Finá de ato celebra a tradição popular, a oralidade de parte
dos sujeitos brasileiros. Delineia, pelo olhar feminino, o rompimento de uma relação e a
posterior conciliação como final do ato (remete a uma encenação teatral); narra sentimentos
como a saudade, a dor de uma separação, o orgulho, a mágoa, que independem da classe social
ou da comunidade linguística: são sentimentos aparentemente comuns a quaisquer seres
humanos.
O encantamento com aspectos de ordem emocional, mais uma vez, não pode ser o “final do
ato” desse texto literário: o poema é construído com rimas, com antítese, com metáforas e
comparações, por exemplo. Todas essas vertentes refletem um trabalho com a linguagem,
aspectos de ordem também racional e não puramente emotiva. Dessa maneira, a leitura literária
concebida pelo Profa não resguarda a polifonia no texto tal qual delineou Bakhtin (2015). Ao
contrário, arraigando-se em uma premissa monofônica, põe em cena apenas uma voz que faz
coro à política neoliberal: do prazer descompromissado.
Na unidade 6 do Módulo 2, a primeira atividade está assim descrita:
Atividade 1
Leitura Compartilhada (± 10 min)
Proposta de Encaminhamento
1. Escolher um dos textos sugeridos abaixo e ler para os professores.
Ler para...
...refletir: “Não sabia que era preciso”, de José Saramago (Coletânea de Textos
M2U6T1).
...se emocionar: “Hoje de madrugada”, de Raduan Nassar (Coletânea de Textos
M2U6T2).
130
...apreciar: “Retrato em branco e preto”, de Tom Jobim (Coletânea de Textos
M2U6T3). (BRASIL, 2001b, p. 60, grifo do autor).
“Não sabia que era preciso” é uma crônica que está inserida no livro intitulado A Bagagem do
Viajante, de José Saramago. Trata-se de uma obra que reúne textos publicados, pela primeira
vez, em jornais portugueses entre os anos de 1969 e 1972. Inicialmente, o narrador faz uma
breve reflexão sobre a noção de verdade, a fim de trazer um anúncio de uma verdade não crível.
Conta a história de um doente em um sanatório que tinha dores severas nos pés e, por
conseguinte, dificuldades para andar. Nos parágrafos seguintes, o autor mostra a degradação da
condição humana, ao evidenciar que o motivo das dores seria a ausência de consciência, por
parte da personagem, de que era preciso cortar as unhas.
A crônica é um gênero fronteiriço. No limiar do jornalismo e da literatura, trata de simplezas
quotidianas, pequenos acontecimentos, leves fantasias e, por isso, não é lugar de torneios ou
justas literárias (SARAMAGO, 2014). A crônica em questão é breve (conta apenas com oito
parágrafos), porém, além da reflexão e do estranhamento, fomenta imaginarmos quantas outras
situações de degradação humana são repetidas mundo afora, diuturnamente, por inocência, por
inobservância, por negação de direitos, por não saber que era preciso.
“Hoje de madrugada” é um conto de Raduan Nassar, publicado no livro Menina a Caminho.
Narra a história íntima de um casal, cujo foco situa-se na insistente solicitação de uma mulher
pela atenção sexual e afetiva de seu marido. Raiado o dia, o narrador-protagonista conta um
fato acontecido durante a madrugada. Sua mulher (assim como o marido, não é nomeada) entra
silenciosamente em seu quarto de trabalho e insta-lhe atenção, irrompendo-se, assim, a “paz”
da madrugada. Assim como o rogo da esposa, a recusa e a relutância do marido se dão por
gestos, por movimentos e não por palavras. O conflito posto, então, circunda-se em um
movimento de súplica (da mulher) e de rejeição (do homem).
O conto tematiza os moldes estabelecidos por um modelo patriarcal de relação. Nos parece que
há na narrativa um jogo dúbio: se por um lado, é a mulher quem se insinua para o marido,
ferindo, portanto, alguns princípios do patriarcalismo, que prevê a submissão do gênero
feminino à espera do homem; por outro, observa-se que sua conduta reproduz a exata medida
do que se espera das relações familiares calcadas em um modelo patriarcal, ao reivindicar
atenção por meio de um comportamento sedutor.
Ao refletir sobre a temática afim ao conto, é preciso lembrar o que Beauvoir (1970, p. 17)
assegura: “[...] a condição subordinada da mulher era desejada no céu e proveitosa à terra”
131
(BEAUVOIR, 1970, p. 17). A autora pondera que o “eterno feminino” impõe, além de um
discurso de fragilidade da mulher, uma posição de vassalagem diante de seu suserano: o
homem. Mais do que um discurso restrito ao ambiente familiar, o subjugo da mulher é muito
proveitoso aos moldes capitalistas, quer seja na confinação da mulher ao ambiente doméstico,
ao trabalho gratuito, quer seja no enrijecimento de um ideário conservador. O Profa sugere que
“Hoje de madrugada” seja lido “para se emocionar”. No entanto, gostaríamos de registrar que,
mais que emoção, o conto trata das pequenas vilanias e crueldades alcançadas pelo o machismo,
pelo patriarcalismo. Pelo texto literário, acompanhamos uma mulher que, em vão, suplica
atenção, mas temos acompanhado também, por exemplo, a luta de mulheres por igualdade de
direitos, igualdade salarial, pela inviolabilidade de seus corpos.
Por fim, no módulo 3, especificamente na terceira parte da unidade 2, a primeira atividade está
assim descrita conforme exposto a seguir.
Atividade 1
Leitura Compartilhada (± 10 min)
Proposta de Encaminhamento
1. Escolher um dos textos sugeridos abaixo e ler para os professores.
Ler para...
...se divertir: “A mulher do vizinho”, de Fernando Sabino (Coletânea de Textos
M3U2T11).
...apreciar: “Poemas de Adélia Prado”, de Raduan Nassar (Coletânea de Textos
M3U2T12).
...refletir: “A verdade e mentira”, de Diléa Frate (Coletânea de Textos M3U6T13).
(BRASIL, 2001b, p. 60, grifo do autor).
“A mulher do vizinho”, de Fernando Sabino, é um conto que trata de uma situação
aparentemente corriqueira. Na história, um general sente-se incomodado com a brincadeira de
crianças que, às vezes, deixam uma bola de meia cair em seu carro. O general, inconformado
com vizinho, manda o delegado intimá-lo. O vizinho, um sueco, acompanhado de sua esposa,
ouve todas as afrontas do delegado, que vão desde a citação de que o Brasil é regido por leis ao
confronto sobre a nacionalidade estrangeira do homem. Ao final do discurso, a mulher indaga
e acua o delegado, informa ao profissional os seus traços de parentescos com muitas autoridades
militares e adverte-o que tal evento na delegacia se configurara como uma importunação.
Schwarz (2019, p. 65) assevera que, diante de um passado escravocrata e autoritário, para os
setores vulneráveis da sociedade, as regras democráticas permanecem, em muitos casos,
132
suspensa no país, tendo em vista o controle dos mandonismos locais. Candido (1970), em seu
ensaio Dialética da Malandragem, a partir de uma análise do romance Memórias de um
Sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, afirmou que no Brasil vive-se uma
“dialética da ordem e da desordem”, onde tudo viraria, simultaneamente, lícito e ilícito, justo e
injusto. Nesse sentido, talvez o conto não tematize algo necessariamente divertido. O texto trata
de um problema fulcral do Brasil: o patrimonialismo, marcado pela a ausência de limites entre
o público e o privado e a consequente busca por regalias.
Schwarz (2000, p. 56) pontua que o favor pessoal está em primeiro plano na estrutura social do
Brasil. Em nossa perspectiva, a atitude autoritária do general, ao outorgar à delegacia um fato
corriqueiro como objeto de trabalho, a conduta da mulher do vizinho ao intimidar o delegado e
o comportamento do delegado diante dos fatos corroboram para demonstrar um Brasil já
criticado também por Bosi (1992) e de Da Matta (1979), por exemplo. Para este autor, os
brasileiros, em geral, possuem dificuldades de manter relações sociais pautadas no coletivo e
na igualdade de direitos e deveres. Com esse fenômeno, muito característico de um país
atravessado por uma colonização exploradora, são comuns as tentativas de diferenciação em
que o familiarismo e o personalismo sejam preponderantes, usados como arma de barganha,
como mecanismo de intimidação e de se obter vantagens e privilégios.
A segunda opção de trabalho com o texto literário conta com dois poemas de Adélia Prado,
conforme descrição a seguir:
Ensinamento
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como ‘este foi difícil’
‘prateou no ar dando rabanadas’
133
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva (BRASIL, 2001c, p. 181).
No poema “Ensinamento”, há uma visão de que o amor é artigo de luxo, logo: privilégio para
poucos. Vê-se, em uma atitude corriqueira, em um lar da classe trabalhadora, no exemplo de
uma mãe, que, à noite, deixa comida preparada para o pai que estava até tarde em suas
atividades laborais, um ensinamento sobre o amor. Afinal, pouco adianta uma infinidade de
estudos, segundo infere-se do discurso da filha, se o que há de mais fino no mundo é o
sentimento. A mãe que não tinha estudo ensinou que o amor também repousa no aconchego,
no cuidado, na casa organizada para a recepção de quem trabalhou “no serviço pesado” até
tarde da noite. Em “Casamento”, o eu lírico versa sobre uma cena de cumplicidade conjugal,
ao retratar uma cena em que um casal se une na cozinha para limpar peixes. Salgueiro (2018),
ao fazer uma análise sobre o poema, afirma que a metáfora dos peixes funciona bem no poema,
ao evocar uma ressonância bíblica, bem como indicia uma ideia de pureza e proliferação.
Após a leitura dos textos, não sem estranhamento, observamos que a proposta do Profa toma os
dois poemas da escritora Adélia Prado como objeto de apreciação. Nos dois poemas, erigidos,
ambos, em apenas uma estrofe (de 10 e 16 versos, respectivamente), o universo conjugal é
tratado de maneira harmoniosa, sem sobressaltos. Nos dois poemas, há, aparentemente, o retrato
de duas mulheres circunscritas de forma resignada ao ambiente doméstico, ao matrimônio. No
entanto, talvez seja no aceite à provocação dos versos iniciais de “Casamento”, em que a
perspectiva feminista (crítica do poder patriarcal que subjuga e confina mulheres à lógica da
submissão) é espetada, que incorre nossa ressalva. A mãe, no primeiro poema, achava a coisa
mais fina do mundo o “estudo”: um direito, uma das possibilidades que pode conceder às
mulheres o direito à escolha, se querem ou não, acordarem a qualquer horário para limparem
peixes.
Por fim, sugere-se a leitura para reflexão o texto de Diléa Frate, intitulado “A verdade e a
mentira”. Trata-se de uma breve crônica em que tanto a verdade como a mentira possuem
comportamentos humanos e, desse modo, discute-se o valor de cada uma delas na sociedade.
Sabemos que a relativização e a ausência da verdade tornam inviáveis a justiça social, a
democracia. No campo da justiça, por exemplo, a diferenciação e a observância desses dois
conceitos têm severas implicações. Afinal, se não há um conceito balizado de verdade, se a
134
verdade, fundamentada em evidências, em provas, tornou-se, para muitos, irrelevante, como
proceder de forma justa e imparcial em um determinado julgamento?
Como pode ser verificado nas propostas de encaminhamento, o formador deve escolher um dos
títulos a serem lidos. Pensamos que tal sugestão se justifica pelo pouco tempo destinado à leitura
literária (mais ou menos 10 minutos) e ratificamos que, nas propostas que se seguem, não há
qualquer menção de articulação desses textos e, tampouco, não está previsto nenhum momento
de reflexão sobre eles. É necessário estabelecer tal ressalva, porque os textos literários
supramencionados possuem, conforme os documentos, finalidades pouco afins a uma reflexão
crítica consistente.
Embora as ponderações a seguir não sejam objeto principal de reflexão desta tese, cerca de 80%
das indicações de autoria de textos são do gênero masculino, o que reflete, no âmbito de um
programa governamental, a desigualdade de gênero. Ressaltamos, também, que, em nenhuma
coletânea de textos do Profa, há, ao final dos documentos, um campo específico para as
referências bibliográficas. Em outras palavras, como grande parte dos textos sugeridos para as
atividades são curtos, o leitor tem a possibilidade reduzida, por meio das coletâneas, de saber,
a contento, a origem das produções, pois estas estão dispostas apenas em notas de rodapé.
Muitos textos, tais como “A bordo de Rui Barbosa”, de Chico Buarque e “O amor”, de Caetano
Veloso e Ney Costa Santos (coletânea do módulo 3), possuem referenciação incompleta. Isso
talvez aconteça como uma estratégia para economizar páginas, uma vez que a autoria já foi
ligeiramente indicada nas atividades. Por outro lado, os aspectos supracitados parecem denotar
um descompromisso com questões de materialidade da obra e de todo um sistema que a
circunda. Aparta-se, desse modo, a relação livro e leitores/as.
Interessa salientar que o Módulo 1 conta, ainda, com a premissa “ler para aprender” (atividade
8), no entanto, dentro da atividade 1, não foi verificada a inserção do texto literário com tal
finalidade. Na atividade 8, uma pergunta é formulada: “Como é possível aprender a ler, lendo?
Participando de situações didáticas em que é preciso ler e pensar sobre como a escrita
convencional funciona” (BRASIL, 2001a, p. 201). Trata-se, em outras palavras, de o/a
professor/a lançar situações, problemas, para que as crianças resolvam, formulem suas
hipóteses e, dessa maneira, construam seu aprendizado. No caso do texto literário, conforme
descrito em Brasil (2001a, p. 202), um poema é lançado somente coma função utilitarista e
mecanicista de identificação de palavras solicitadas pela professora; tal premissa não pode
passar despercebida, pois, além de estar afinada aos delineamentos dos pilares do “aprender a
135
aprender”, restringem o texto literário a uma espécie de caça-palavras.
No Módulo 2, o Profa possui um item que visa a discutir questões inerentes ao objetivo de
“Potencializar a autonomia e possibilitar que os alunos aprendam a aprender” (BRASIL, 2001b,
p. 119). O final da seção está assim pontuado:
Haverá que promover o trabalho independente através de situações em que possam se
atualizar e utilizar autonomamente os conhecimentos construídos, assegurando a
atividade construtiva do aluno e sua autonomia, a fim de que possa aprender por si
mesmo. Frente aos entraves que se apresentam ao aprender, é possível recorrer à ajuda
externa. Mas só na medida em que os meninos e meninas forem capazes de se dar
conta dos próprios erros e de buscar os recursos necessários para superá-los,
poderemos falar de aprender a aprender, o que quer dizer que para aprender a aprender
eles também devem aprender a se dar conta do que sabem e do que não sabem e a
saber o que podem fazer quando encontram um obstáculo. Será necessário ensinar-
lhes que, quando aprendem, devem levar em conta o conteúdo de aprendizagem, assim
como a maneira de se organizar e atuar para aprender (BRASIL, 2001b, p. 119).
Bakhtin (2016, p. 135) esclarece que um enunciado não apenas se limita por sua relação com
o possível discurso do outro; mas, em todo o seu curso, ele mantém uma ligação com esse
discurso, reflete-o. Compreendendo, segundo o autor, que um enunciado consiste em uma
unidade real da comunicação discursiva, um elo da complexa corrente organizada por outros
enunciados precedentes, pensamos que o enunciado em questão precisa ser situado, uma vez
que não pode ser compreendido separado das relações sociais que o suscitaram. Nesse sentido,
convém relembrar que o “aprender a aprender” é um dos pilares da educação agenciadas pela
pedagogia das competências, defendidas pela Unesco. Logo, há uma afinidade entre discursos
de organismos educacionais e o Profa.
Consoante os estudos de Duarte (2001, p. 56), na perspectiva do “aprender a aprender”,
aprender algo como resultado de um processo de transmissão por outra pessoa não produziria
a autonomia, ao passo que aprender sozinho seria algo que contribuiria para o aumento da
autonomia do indivíduo. Baseando-se em Duarte (2001), salientamos que não estamos criando
obstáculos à premissa de que o/a estudante deva ter autonomia, liberdade e iniciativa na
realização de algumas tarefas. No entanto, nossa discordância reside justamente quando se é
dado mais valor ao aprendizado que se adquire sozinho, apartando o/a estudante do
conhecimento, da mediação e das relações sociais que os envolvem. Além disso, é preciso
relembrar que o Profa se ancora nos saberes do grupo e em metodologias de resolução de
problemas (BRASIL, 2001a, p. 4), o que, além de preterir a teoria, foca o ensino nas práticas
imediatistas e às orientações mercadológicas.
A partir das considerações elencadas sobre a atividade do Profa, é preciso considerar que “[...]
136
o signo é criado por uma função ideológica específica e inseparável a ela” (VOLÓCHINOV,
2017, p. 99). Eagleton (2006), por sua vez, discorre que, na Era Vitoriana, a literatura foi
utilizada como instrumento de manipulação das massas, a orientar um sentimento pluralista de
reconhecimento do ponto de vista dos senhores, de modo que sejam internalizados os aspectos
moralísticos da burguesia e a reverenciá-la por seus feitos. A leitura literária era analisada, nesse
sentido, como “[...] uma atividade essencialmente solitária, contemplativa, sufocaria nelas
qualquer tendência subversiva de ação política coletiva” (EAGLETON, 2006, p. 38).
Pensamos que o conjunto (saborear, apreciar, se emocionar, se divertir, dentre outros), embora
aparentemente inofensivo, fixa-se só na aparência. Se é Volóchinov (2017, p. 200) quem nos
alerta para a natureza social do enunciado, pensamos que o Profa tropeça. Afinal, ainda que o
programa supostamente traga a possibilidade de leitura do texto literário, inclusive com uma
variedade de gêneros (poemas, contos, crônicas) e com a disponibilização de todos eles em
material específico, tal possibilidade esbarra a) em um tempo muito exíguo para leitura 10 min);
b) em um caráter pragmático para uso do texto, apenas aproveitado como um breve preâmbulo
dos encontros; e, com isso, c) silencia, oculta muitas vozes ao atribuir apenas aos verbos do
campo semântico do prazer a finalidade principal de leitura literária. Portanto, quando o Profa,
afinado à perspectiva individualista do “aprender a aprender” reduz a leitura literária apenas ao
âmbito do subjetivo, individual, emotivo, temperamental, contemplativo, ele silencia as
vertentes objetivas, de cunho racional, próprias do texto literário, e abafa as possibilidades de
uma leitura subversiva, insubmissa, reflexiva e questionadora.
5.2 O PRÓ-LETRAMENTO
De acordo com o documento Guia Geral, o Pró-Letramento: Mobilização pela Qualidade da
Educação é um programa de formação continuada de professores/as, na modalidade
semipresencial, que visa à melhoria da qualidade de aprendizagem de leitura, escrita e
matemática nos anos ou séries iniciais do ensino fundamental. Criado em 2005, realizado pelo
MEC em parceria com universidades formadoras e com adesão dos estados e municípios, é
destinado aos/às professores/as de escolas públicas atuantes nos anos iniciais do ensino
fundamental (BRASIL, 2012a, p. 2).
Com a finalidade de analisarmos a concepção literária chancelada pelo programa, vamos nos
ater ao material que trata da “Alfabetização e Linguagem”, na edição de 2012, conforme a figura
137
7. Essa versão foi privilegiada para análise, pois se trata de uma edição revista e atualizada.
Antunes (2015), com finalidade distinta a nossa, também se debruçou na edição de 2012, mas
salienta que não houve alterações significativas entre as edições pregressas. Segundo a autora,
a revisão à qual se faz menção se relaciona, sobretudo, ao Novo Acordo Ortográfico de Língua
Portuguesa (ANTUNES, 2015, p. 24).
Fonte: BRASIL, 2012a
O documento compila 9 (nove) fascículos33 e assim se organiza: Fascículo 1 - Capacidades
Linguísticas: Alfabetização e Letramento; Fascículo 2 - Alfabetização e Letramento: Questões
sobre Avaliação, ambos sob autoria de Batista et al. (2012); Fascículo 3 - A Organização do
Tempo Pedagógico e o Planejamento do Ensino, de Guedes-Pinto et al. (2012); Fascículo 4 -
Organização e Uso da Biblioteca Escolar e das Salas de Leitura, de Vieira et al (2012);
Fascículo 5 - O Lúdico na Sala de Aula: Projetos e Jogos, de Leal et al. (2012); Fascículo 6 - O
Livro Didático em Sala de Aula: Algumas Reflexões, de Morais et al. (2012); Fascículo 7 -
Modos de Falar/Modos de Escrever, de Bortoni-Ricardo e Bortone (2012); Fascículo
Complementar, de Ferreira (2012) e Fascículo do Tutor - Formação de Professores:
Fundamentos para o Trabalho de Tutoria, de Nadal e Ribas (2012). A certificação é emitida
33 De acordo com o Guia Geral de 2007, “Cada fascículo será estudado em três encontros de quatro horas
semanais”. A duração do curso previa um total de 120 horas, contemplando tanto as atividades individuais, como
os estudos de “Alfabetização e Linguagem” e “Matemática” (BRASIL, 2007, p. 6-7).
Figura 7 - Pró-Letramento: capa do material de Alfabetização e Linguagem
138
pelas universidades formadoras (BRASIL, 2012a). A autoria de professores e professoras de
várias instituições do país pode ser mais bem visualizado na figura 8:
Fonte: BRASIL, 2012b
Respectivamente, a filiação institucional dos autores dos fascículos é assim disposta: fascículos
1 e 2, UFMG; fascículos 3 e 4, Unicamp; fascículo 5, UFPE; fascículos 6, UFPE em parceria
com a UFMG; fascículos 7, UNB; fascículos complementar e do tutor, UEPG. Conforme foi
possível observar, nosso percurso teve em mira que o programa resguarda uma concepção
eclética de Letramento (ANTUNES, 2015) e abarca diferentes vozes na materialização dos
documentos. Por esse motivo (pela multiplicidade autoral e de filiação institucional), nosso
olhar não foi direcionado, inicialmente, a um fascículo em específico, pois, gostaríamos de
conhecer o material como um todo e, posteriormente, proceder à análise de concepções de
leitura literária. Ressaltamos, entretanto, que o fascículo 2, o fascículo 6 e o fascículo do tutor
por tratarem, respectivamente, de seções que versam sobre alguns aspectos teóricos e práticos
atinentes ao processo de avaliação nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, sobre o
uso/escolha do livro didático na alfabetização e sobre os fundamentos de trabalho da tutoria,
Figura 8 - Pró-Letramento: autoria dos fascículos
139
não serão objeto de análise. Assim, nosso olhar percorrerá os fascículos 1, 3, 4, 5, 7 e o fascículo
complementar.
O fascículo 1, Capacidades Linguísticas: Alfabetização e Letramento, possui uma introdução,
em que se esclarecem a estrutura e os objetivos do texto proposto. Em seguida, o documento é
dividido em duas unidades, que, respectivamente, contemplam os Pressupostos da
aprendizagem e do ensino da alfabetização e As capacidades linguísticas da alfabetização. É
na segunda unidade que nosso interesse se aguçou, haja vista uma listagem dessas capacidades,
em eixos assim distribuídos: a) compreensão e valorização da cultura escrita; b) apropriação do
sistema de escrita; c) leitura; d) produção de textos escritos; e e) desenvolvimento da oralidade.
A análise concentrará esforços no terceiro eixo.
De antemão, a leitura é concebida como uma atividade que coaduna os processamentos
individual e social:
[...] trata de uma atividade que depende de processamento individual, mas se insere
num contexto social e envolve disposições atitudinais, capacidades relativas à
decifração do código escrito e capacidades relativas à compreensão, à produção de
sentido. A abordagem dada à leitura, aqui, abrange, portanto, desde capacidades
necessárias ao processo de alfabetização até aquelas que habilitam o aluno à
participação ativa nas práticas sociais letradas, ou seja, aquelas que contribuem para
o seu letramento (BATISTA et al., 2012, p. 39).
Bakhtin (2015, p. 209) chama a atenção para a natureza dialógica do discurso. Nesse sentindo,
ratificamos a premissa de que nenhum enunciado pode ser analisado apenas do ponto de vista
linguístico. Além disso, “Todo enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados
com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva” (BAKHTIN,
2016, p. 57). Desse modo, pensamos que a concepção de leitura ora defendida carece de
atenção, sobretudo por causa de termos tais como “disposições atidudinais” e “capacidades
relativas à compreensão”. Zabala (1998, p. 41- 48) descreve três categorias atinentes à prática
educativa: os objetivos conceituais, procedimentais e atitudinais. Resumidamente, o primeiro
deles aposta na construção de capacidades visando a operar símbolos, ideias, de modo a permitir
uma organização da realidade. Os procedimentais restringem-se ao fomento à construção
pelos/as alunos/as de instrumentos que os auxiliem a colocar em prática as metas dos conteúdos
atitudinais, que, por sua vez, se articulam à capacidade do indivíduo a transitar nessa realidade,
juntamente com os outros.
Parece-nos que a visão de leitura apontada por Batista et al. (2012) se aproxima à perspectiva
da Unesco, em específico a partir de Delors et al. (1998). Respectivamente, os objetivos
140
conceituais, procedimentais e atitudinais articulam-se aos pilares: a) aprender a conhecer
(conceitual) que está atrelado à premissa de se adquirir os instrumentos para a efetivação da
compreensão; b) aprender a fazer (procedimental) que remonta à ideia de se agir sobre o meio;
e c) atitudinal (aprender a viver juntos) que apregoa a participação uns com os outros nas mais
diversas atividades humanas. Batista et al. (2012), ao situarem a leitura ao contexto da
decifração e do Letramento em seus usos sociais, deixam evidente, sobretudo, o terceiro pilar.
Duarte (2001, p. 75), por sua vez, tece severas críticas a esses pilares, uma vez que, na visão do
autor, todos eles juntos, camuflados de discursos amistosos de aceitação das diferenças, de
convivência pacífica no cotidiano, corroboram para a aquiescência de uma sociedade injusta e
excludente, abrandando, assim, o clamor por uma sociedade menos desigual.
Após a definição, o documento expõe um quadro com as capacidades, os conhecimentos e as
atitudes inerentes à leitura. Pondera a necessidade de desenvolvimento de atitudes e disposições
favoráveis a essa prática, que perpassa desde os conhecimentos de leitura, os quais só são
aferidos quando o leitor entende a função de um determinado texto, e lança orientações quanto
à necessidade da socialização da leitura em espaços tais como bibliotecas, livraria, por exemplo
(BATISTA et al., 2012, p. 39-41).
Os autores ainda sinalizam a necessidade de desenvolver capacidades de decifração, que
passam por atitudes de decodificação e reconhecimento de palavras; defendem que é preciso
desenvolver, também, a fluência em leitura, a partir de um trabalho que envolva a redução de
informações visuais no texto, o uso de um vocabulário mais conhecido, aguçar o conhecimento
prévio do/a aluno/a e ler em voz alta. A compreensão do texto é outro elemento abarcado nesse
fascículo; as bases da discussão perpassam o reconhecimento, a inferência e capacidade de ler
uma narrativa, por exemplo, e saber identificar “quem fez o que, quando, como, onde e por
quê” (BATISTA et al., 2012, p. 41-46).
“[...] No silêncio nada ecoa (ou algo não ecoa), no mutismo ninguém fala”, afirma Bakhtin
(2017, p. 23, grifo do autor). No fascículo analisado, a resposta é o silêncio. Como pode ser
observado, parece haver um pragmatismo na leitura, atribuindo ao sujeito um caráter passivo,
apenas identificador de informações. Nesse sentido, se quisermos responder à indagação maior
deste trabalho, que é compreender as concepções de leitura literária referendadas pelos
programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as e, nesta etapa específica da
pesquisa, do programa Pró-Letramento, pensamos que, pela observância apenas do fascículo 1,
essa concepção é extremamente superficial. Respondendo dialogicamente às conclusões
141
chegadas por Vieira et al (2012), inferimos que, no referido documento, o texto literário está
diluído como só mais um gênero discursivo entre muitos outros, sem um diálogo consistente e
específico, aspectos fulcrais para o trabalho com uma linguagem plurissignificativa como a
Literatura requer.
O fascículo 3, A Organização do Tempo Pedagógico e o Planejamento do Ensino, é dividido
em três unidades, além da introdução e da síntese. Para atendermos aos objetivos deste trabalho,
nos concentraremos na unidade 1, intitulada “Os tempos da leitura na sala de aula”. Essa
unidade contempla a descrição de dois relatos de professoras sobre a organização de uma rotina
de leitura em sala de aula. Em seguida, contempla uma breve e interessante questão que é a
organização de um tempo para leitura e como esse tempo se dá, considerando tantos afazeres e
exigências próprias da rotina escolar. Em seguida, acrescentam:
Sabemos que a leitura como fruição ainda é vista, na escola, como um tempo
desperdiçado, já que o objetivo predominante da leitura é instrutivo, ligando-se à
realização de tarefas e de exercícios. Isso acontece porque o modo como entendemos
o tempo na escola e fora dela, apesar de nos parecer natural, está diretamente ligado
às condições históricas (GUEDES-PINTO et al, 2012, p. 10).
A seguir, as autoras, além de mencionarem a evolução da concepção do tempo ao longo da
história, resumem o modelo de organização escolar de Comenius. Explicam que, em tal modelo,
a prática da leitura sem uma aplicação direta, como o é, segundo as autoras, a leitura fruição, é
vista como desperdício de tempo (GUEDES-PINTO et al, 2012, p. 11). Em seguida, afirmam:
“Para evitarmos esse tipo de julgamento, escolhemos as histórias mais curtas, limitamos o
tempo dedicado a atividades de fruição, acreditando, de modo ingênuo, que em quaisquer
condições garantimos o aprendizado da leitura e da escrita a nossos alunos” (GUEDES-PINTO
et al, 2012, p. 11).
Como pode ser visto, a concepção da leitura como fruição, na unidade 3, foi tratada com mais
intensidade. O termo específico “leitura para fruição” não foi contemplado nas finalidades da
leitura no Profa, embora a expressão “Ler textos literários por prazer e fruição” (BRASIL,
2001a, p. 210) estivesse presente no primeiro módulo do Guia do Formador. De acordo com
Michaelis (2019), a palavra fruição tem sua raiz etimológica no latim fruitio.onis e significa,
dentre outros, o “ato de desfrutar (de) alguma coisa de forma prazerosa, obtendo alegria e
satisfação (física, emocional, estética, intelectual etc.”). Orbeg (2009, p. 73) acrescenta que a
palavra fruição, além de estar atrelada ao prazer, também se relaciona com a palavra “fruto”,
algo que contém em sua essência a ideia de semente, de algo a se transformar. A esse
significado, a autora vincula a leitura literária por fruição à ideia de cultivo, algo que
142
demandaria tempo, mediação. Em posição semelhante à de Guedes-Pinto et al (2012), Orbeg
(2009) ainda faz uma crítica ao tempo acelerado, haja vista que este desagrega e desvincula; a
arte por fruição, por sua vez, integra o homem consigo mesmo e com seus semelhantes. Por
isso, a afirmação sobre o privilégio de textos literários mais sintéticos, a fim de se evitar
julgamentos acerca do desperdício de tempo, traz consigo uma incongruência.
O termo leitura como fruição defendida pelo Pró-Letramento parece carregar a ideia de leitura
por prazer descompromissado. É preciso salientar a nossa consciência acerca de um certo
pragmatismo em alguns modelos escolares, em que os afazeres, as cobranças, as avaliações de
larga escala, as metas... tendem a sufocar o tempo dedicado à leitura literária. Pensamos que
essa constatação é crivada de um paradoxo, tendo em vista a produção incessante de arte e a
escassez de tempo e de condições materiais para usufruí-la. No entanto, é preciso insistir que a
leitura literária na escola não resume à leitura de fruição de textos curtos.
Fascículo 4, Organização e Uso da Biblioteca Escolar e das Salas de Leitura, é dividido, além
da introdução e da síntese, em três unidades. Todo o texto é construído em um constante diálogo
com o/a docente em formação e, também, são inseridos vários relatos para a construção dos
apontamentos. A unidade 1 contempla reflexões acerca da organização e do uso da biblioteca.
A unidade 2 trata das práticas de leitura em sala de aula e, para tanto, são utilizados exemplos
de textos literários para a construção da argumentação. Paralelamente, é reconhecida a
desigualdade no Brasil e, nesse sentido, reitera-se a importância do espaço da biblioteca: “Dada
a situação socioeconômica do nosso país, ter uma biblioteca em casa, ter uma casa repleta de
livros é algo impensável para a maioria dos nossos alunos, para a maioria dos leitores
brasileiros. A escola, então, é a grande biblioteca para muitos deles” (VIEIRA et al, 2008, p.
21).
Nessa unidade, ainda, são evocados o conto “Felicidade Clandestina”, de Clarice Lispector e
uma memória de João Ubaldo Ribeiro, como exemplos de formação de leitores/as. As
atividades que se seguem circundam-se nas reflexões sobre práticas de leitura na escola. As
autoras ainda ressaltam que a leitura deve ser uma prática cotidiana, tanto entre alunos/as, como
entre professores/as. Especificamente, na seção “E na sala de aula, como ficam a leitura e a
escrita?”, são mostradas algumas ideias de como a leitura pode ser trabalhada em sala de aula,
com o foco na socialização das leituras, sobretudo. No entanto, VIEIRA et al (2012, p. 31)
alertam para a ausência de uma “receita” acerca do trabalho com leitura, tendo em vista a
143
complexidade da prática e a heterogeneidade inerente às turmas. Mesmo assim, listam práticas
como “a hora do conto” e sugerem alguns textos a serem trabalhados.
Em seguida, analisam dois relatos, de uma aluna universitária e de uma professora, em relação
as suas memórias literárias na escola. Um relato específico mostra a frustração de uma menina
diante da intervenção de uma bibliotecária. Segundo o relato, a profissional concedeu um
volume mais modesto para a leitura, ao invés da versão original de Cinco semanas num balão,
de Júlio Verne, prática que acarretou um desapontamento na jovem leitora. A análise do relato
teve o seguinte comentário: “Se o profissional da biblioteca não tivesse reparado na quantidade
de páginas do livro, a garota tentaria lê-lo. Este depoimento mostra que muitas vezes a
intervenção do adulto pode atrapalhar a livre fruição do texto; pois, se a criança estiver
motivada, interessada pela história, não vai se importar com o seu tamanho”. (VIEIRA et al,
2012, p. 21). A unidade 3, por fim, contempla as práticas de leitura e escrita por meio do
dicionário. Embora o comentário não seja taxativo acerca de práticas mediadoras (“pode
atrapalhar”), foi taxativo ao afirmar que a criança não vai se importar com o tamanho do livro,
o que nem sempre acontece.
Embora o fascículo 4 não mostre, às escâncaras, a concepção de leitura literária, há alguns
elementos, indícios que merecem a menção. Em primeiro lugar, todo o texto é construído a
partir de relatos e a partir de exemplos de outros textos literários. Em todas as propostas, há um
esforço no que concerne à socialização da leitura: ler em grupo, ler em voz alta, hora da leitura,
dentre outros. Observamos, de igual modo, que há uma espécie de sistematização das práticas
leitoras em vários momentos (nas páginas 23, 27, 30 e 31). A seguir, transcrevemos uma delas:
Leia bastante para seus alunos e procure envolvê-los com um ritmo adequado, uma
entonação caprichada e compatível com o gênero textual, usando todos os recursos
possíveis para cativar seus ouvintes. Além de você, o aluno também precisa ler para
os colegas. Depois de ouvir você ou o colega ler em voz alta, para que essa leitura
faça sentido na vida dos alunos, seria interessante todos comentarem sobre o que
ouviram, que sentido aquilo teve para cada um. Se houver diferenças de interpretação,
é interessante discutir os argumentos, com a sua mediação, para negociar os sentidos
do texto. Um mesmo texto pode ser entendido de diversas maneiras por diferentes
leitores, mas há limites para a liberdade de interpretação. Como já dissemos, a
interpretação de um texto depende dos conhecimentos prévios que o leitor aciona
durante a leitura; portanto, a interpretação será incorreta se faltar o conhecimento de
alguns componentes exigidos pelo texto (VIEIRA et al, 2012, p. 30).
O fascículo 4 não menciona a expressão “Letramento Literário” em nenhum momento. Apenas,
na primeira página, retoma o conceito de Letramento já dialogado no fascículo 1, entendido
como “[...] resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como o resultado
da ação de usar essas habilidades em práticas sociais: [...] (VIEIRA et al, 2012, p. 11). Mesmo
144
com a consciência de que o documento direciona-se a um programa de formação de
professores/as e, nesse sentido, uma listagem de sugestões seja comum, observamos que há
certa proximidade com o conteúdo do fascículo 4 às práticas do Letramento Literário, uma vez
que há um esforço contínuo na leitura compartilhada, na leitura em grupo, na leitura em voz
alta, dentre outros aspectos, práticas essas que, no documento, muito se assemelham aos
propósitos da comunidade de leitores, tal qual delineada dentro do Letramento Literário
defendidos por Cosson (2015, 2016 e 2017) e por Paulino (2001, 2004 e 2010). Nesse sentido,
inferimos que a concepção de leitura literária defendida no fascículo 4 parece se aproximar de
uma prática que concerne ao indivíduo o uso dos conhecimentos adquiridos para utilização nas
práticas sociais.
O fascículo 5, O Lúdico na Sala de Aula: Projetos e Jogos, também contempla uma introdução,
em que são demonstradas as finalidades do fascículo, que trata da busca por elementos lúdicos
que auxiliem os/as alunos/as na apropriação do Sistema de Escrita Alfabética. O material é
dividido em 3 unidades, que englobam a abordagem de um almanaque para crianças, as
brincadeiras e os jogos que auxiliam no objetivo do fascículo. Mais uma vez, o silêncio se
mostra incomodamente audível, pois não percebemos uma abordagem específica do texto
literário. Todavia, na unidade 1, após a apresentação de um projeto desenvolvido por uma
professora da rede municipal pernambucana (o almanaque), um enunciado nos chamou a
atenção. Primeiramente, o projeto da professora foi disposto em quadros, à maneira de um
roteiro, e cada passo foi comentado pelos autores. Após algumas discussões especificamente
sobre o gênero quadrinhos, chamados no documento de “leitura livre”, observamos o seguinte
comentário:
Percebemos que a produção dos gêneros foi sempre precedida por atividades de
leitura, inclusive de leitura-deleite, nas quais os alunos puderam familiarizar-se com
os textos, divertir-se com eles e também refletir sobre como eles funcionam nas
interações diárias, para que servem, como se organizam (LEAL et al., 2012, p. 14,
grifo nosso).
A leitura-deleite merece ser problematizada neste momento. Em uma sociedade de tantos
afazeres, o discurso de fruição casual, fortuita, na escola, pode parecer sedutor. Todavia, a
centralização da leitura cativa às interações diárias, a um contentamento efêmero e a uma
suposta liberdade, em detrimento trabalho consistente, é superficial e comprime o ensino à
relação texto e leitor/a. Afinal, ao aproximar e (muitas vezes) limitar a leitura ao âmbito do
cotidiano e, sobretudo, à diversão, oculta-se a importância da mediação, da educação escolar,
da leitura, e camufla-se todo um trabalho que é necessário para que os processos de ensino e
145
aprendizagem na escola sejam erigidos. Em hipótese alguma defende-se neste trabalho que a
escola seja o local da tristeza e do tédio, porém, considerando toda intencionalidade do ato
educativo (SAVIANI, 2003, p. 13), defender uma leitura por pura diversão é mais que um erro:
em se tratando de escola pública, é um erro pernicioso.
O fascículo 7, Modos de Falar/Modos de Escrever, é dividido em três unidades, além da
introdução. Reflete, inicialmente, sobre a língua oral e escrita e como esses fatores devem ser
considerados na produção de textos coletivos. Em seguida, é feito um diálogo sobre variação
linguística, com foco específico na linguagem oral. A terceira unidade concentra nossa atenção,
pois trata especialmente da leitura de histórias infantis em sala de aula. Nesse momento, assim
como os demais fascículos, é analisado um relato de uma professora, que trabalhou com o
gênero fábula. Bortoni-Ricardo e Bortoni (2012, p. 31) enfatizam que o trabalho da professora
teve como foco a leitura por prazer. As autoras definem que o ato da leitura compreende quatro
dimensões: a) do “contexto”, que contempla os eixos intencionalidade, refletida nas intenções
do produtor do texto, e informatividade, que consiste nas informações novas ou nas informações
já conhecidas inseridas em um texto; b) do “texto”, em que os elementos de coesão e coerência
se fazem presentes; c) do “infratexto”, que diz respeito à capacidade inferencial; e d) o
“intertexto”, característica que faz um texto estar em correlação com outros (BORTONI-
RICARDO e BORTONI, 2012, 31-36). Na visão das autoras, a leitura como construção de
sentido consiste no ponto de partida para o trabalho eficiente e significativo, rumo a formar
leitores competentes (BORTONI-RICARDO e BORTONI, 2012, 31-36).
Embora o fascículo 7 faça menção ao texto literário, não observamos uma discussão acerca de
uma concepção de leitura literária. Na verdade, o que foi exposto advém de uma certa
concepção da linguística, assemelha-se a uma sequência didática, é próxima aos traçados do
Letramento Literário e não considera as peculiaridades do texto literário.
Também dividido em três unidades, além da introdução e da conclusão, o Fascículo
Complementar trata de aspectos concernentes ao processo de ensino e aprendizagem da língua
escrita, nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Pautando-se em relatos de docentes,
contempla, também, questões em relação a formação do/a aluno/a, enquanto leitor/a e
produtor/a de textos. A Unidade 2, por concentrar a leitura de modo mais específico, será objeto
de atenção. Essa unidade abarca questões, tais como: estratégias de leitura, finalidades da
leitura, a leitura como processo compartilhado de produção de sentido e as articulações da
leitura com oralidade (Ferreira, 2012, p. 6).
146
Ferreira (2012, p. 21) inicia a unidade com o anúncio do letramento, que, de acordo com a
autora, implica a participação dos indivíduos em práticas sociais de leitura e escrita. A
pesquisadora pondera que a leitura, na concepção sociointeracionista de linguagem, é entendida
como um processo de produção de sentido que se constitui a partir de interações sociais. E
defende, ainda, a necessidade da construção de “habilidades”, por meio de estratégias de leitura,
que contemplam os seguintes momentos: a) antecipação ou previsão, em que se é possível fazer
suposições; b) inferência, que pauta-se da capacidade de fazer deduções; c) verificação,
momento em que se é possível confrontar a veracidade, ou não, das deduções realizadas no
transcorrer da leitura (FERREIRA, 2012, p. 23).
A segunda seção da unidade inicia com a pergunta: “Ler para quê?”. Embora tal indagação não
seja claramente respondida, conforme a autora, a leitura supõe certa experiência textual, como
a familiaridade com diferentes gêneros discursivos, de forma que se perceba as diferenças e
peculiaridades entre eles (FERREIRA, 2012, p. 25). Em seguida, a autora afirma que a leitura
é um processo compartilhado de produção de sentido. Reflete, a partir da observância de um
poema, sobre questões de sonoridade, musicalidade e recursos linguísticos, elementos que
contribuem, consoante a pesquisadora, para o sentido do texto analisado. Traz, ainda, uma
reflexão sobre o uso da leitura como prática social articulada com a oralidade (FERREIRA,
2012, p. 25-29).
Na síntese da unidade, a leitura é reiterada como uma “competência”, que deve caminhar de
mãos dadas com a produção escrita. Além disso, a autora enfatiza que a leitura deve ser
experenciada nas dimensões dialógica e discursiva e é um ato social, em que autores/as e
leitores/as atuam em um processo interativo no qual o primeiro escreve para ser entendido pelo
segundo. E que esse processo depende tanto da habilidade do autor no registro de suas ideias,
quanto da habilidade do/a leitor/a na captação de tudo aquilo que o autor colocou e insinuou no
texto oralidade (FERREIRA, 2012, p. 30).
O fascículo complementar possui um avanço, uma vez que materializa em seu discurso a leitura
como um ato social. No entanto, parece que esse documento ainda conserva uma visão do/a
autor/a como emissor/a e leitor/a como receptor/a, visão esta que se distancia de uma concepção
linguagem que tem como elemento constitutivo a interação verbal (VOLÓCHINOV, 2017) e,
de igual modo, permanece na ênfase na relação sujeito-texto, sem qualquer forma de mediação
consistente. Também observamos que, ainda que o fascículo faça menção ao texto literário, a
sua especificidade é pouco tratada.
147
O documento do Pró-Letramento não possui nenhum fascículo específico sobre leitura literária.
Por ser erigido em vários fascículos distintos, com autorias distintas, a partir de localidades e
matrizes epistemológicas distintas, esse programa governamental não carrega uma concepção
uníssona, clara e precisa do que vem a ser a leitura literária. Também não há um
aprofundamento teórico em nenhum dos fascículos com relação a essa temática. Mesmo assim,
considerando que grande parte deles utiliza exemplos de textos literários, quer sejam nos
relatos, quer sejam nas proposições de trabalho com os/as estudantes, é possível fazermos
algumas ilações: nos fascículos 1, 6 , 7 e complementar, a leitura literária não é vista na sua
especificidade; nos fascículos 4, 6 , 7 e complementar, há uma sistematização de propostas de
trabalho com o texto literário que se aproximam nos delineamentos já postos pelo Letramento
Literário, embora esse termo não esteja materializado nesses documentos; nos fascículos 3 e 5,
a leitura literária assemelha-se à ideia de leitura por prazer efêmero, por diversão, bem próxima
à concepção de leitura por deleite proposta pelo Profa e pelo Pnaic.
Nossas considerações aproximam-se daquelas já apontadas por Antunes (2015). Segundo a
autora, o Pró-Letramento apresenta múltiplas autorias nos fascículos, configurando uma
equipotência de vozes. Essas mesmas vozes são convergentes, pois, ancoradas em diferentes
perspectivas acerca de um mesmo termo, o Letramento, ocultam uma vertente alienante e
induzem o/a professor/a a se identificar, de algum modo, com as ideias materializadas nesse
programa governamental (ANTUNES, 2015).
Os fascículos do Pró-Letramento valem-se dos termos “competências” e “habilidades”,
conceitos esses de cariz neotecnicista (DUARTE, 2003), para consolidar o que se entendia por
leitura. Nos fascículos do Pró-Letramento, além de dispor de uma autoria heterogênea, eclética,
há uma contínua necessidade de se ouvir o/a docente, prática essa vislumbrada nos muitos
relatos dispostos ao longo do documento. Os fascículos também conversam entre si. Isso quer
dizer, por exemplo, que o fascículo 7 faz menção ao 4, o fascículo 3 ao 5 e assim por diante.
Bakhtin (2016) alerta que todo enunciado é prenhe de reposta, o que nos permite inferir que até
mesmo o silêncio é uma resposta. Assim, se considerarmos o objeto de análise, um documento
oficial direcionado aos/às professores/as alfabetizadores/as, os/as primeiros/as que se dedicam
ao ensino da língua materna, a não contemplação, com especificidade, do texto literário e a
consequente especificidade demandada por sua leitura, pensamos que, nos silêncios, no calar
de vozes, no pragmatismo da leitura, na redução da literatura ao prazer momentâneo, na não
oferta de mais uma vertente do trabalho humano, no descaso com uma manifestação artística
importante para a formação de cidadãos críticos e emancipados, há, pois, uma trapaça.
148
Por estarmos, nesta tese, com olhos fitados em documentos de programas de formação de
professores/as alfabetizadores/as a investigar a concepção de leitura literária por eles
chancelada, faz-se necessário advertir que não estamos tratando a palavra “trapaça” no sentido
barthesiano. É do estudioso francês a célebre frase:
“Mas a nós, que não somos nem cavaleiros da fé nem super-homens, só resta, por
assim dizer, trapacear com a língua, trapacear a língua. Essa trapaça salutar, essa
esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor
de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura”
(BARTHES, 1977, p. 17).
Na obra Aula, discurso proferido na aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária do
Collège de France, em 7 de janeiro de 1977, Barthes (1977) tece uma crítica ao caráter fascista
da língua e o respectivo desempenho de toda linguagem, pois, segundo o autor, ela nos “obriga
a dizer”. Nessa visão, poder e servidão estão inevitavelmente imbricados e o espaço de
liberdade, localizado fora da linguagem, situa-se na ordem do objetivamente impossível. Para
ele, em tom irônico, e em uma tentativa de fuga à sujeição imposta pela língua, a literatura é
uma trapaça salutar: por essa linguagem tão particular é que se é concebível alçar o escape.
Em nosso trabalho, o sentido de trapaça não apresenta uma conotação salutar. Ao contrário, no
Pró-Letramento, a leitura literária é solapada, a Literatura é vista como mais uma entre tantos
gêneros. Nas menções ao texto literário, o tratamento prioritário se dá a sedimentar a ideia do
texto como pretexto e a enfatizar o binômio codificação/decodificação. Sustentada na haste do
“alfabetizar letrando”, a trapaça está materializada: oferta-se uma formação de professores/as
alfabetizadores/as, os/as primeiros/as dedicados/as ao ensino da língua, e, portanto, os/as
primeiros/as a abrirem os campos para a formação de leitor literário, mas silenciam-se,
cuidadosamente, as especificidades demandandas pelo texto literário.
5.3 O PNAIC
De acordo com o Caderno de Apresentação, cuja capa está disponível na figura 9, o Pnaic “é
um acordo formal assumido pelo governo federal, estados, municípios e entidades para firmar
o compromisso de alfabetizar crianças até, no máximo, 8 anos de idade, ao final do ciclo de
alfabetização (BRASIL, 2012b, p. 5). Foi coordenado por profissionais da UFPE,
149
especificamente pelos integrantes do Centro de Estudo em Educação e Linguagem (Ceel)34
dessa instituição.
Fonte: Brasil, 2012c
O Pnaic, um programa governamental deveras abrangente e ambicioso, iniciou seus trabalhos
em 2012 e, em maio de 2018, no momento da escrita desta tese, teve todas as suas atividades
encerradas. Além da formação de professores/as para atender a tal finalidade, o programa previa
o envio de livros de literatura infantil para as escolas, além daqueles enviados às instituições
pelo antigo PNBE. Desse modo, é com lamento e indignação que vivenciamos a extinção de
mais um programa governamental, não obstante a todo dinheiro público, esperança, tempo e
trabalho nele investidos. Na oposição a uma perspectiva neoliberal, e mesmo apesar de nossas
críticas e poréns a determinadas concepções teórico-metodológicas vincadas a essas políticas
34 Criado em 2004, o Ceel é um núcleo de pesquisa e extensão da UFPE que, por meio da oferta de formação
continuada de professores/as de Língua Portuguesa, bem como o desenvolvimento de pesquisas em áreas
relacionadas ao ensino da língua materna, visa à melhoria da Educação Básica. É composto por uma equipe
interinstitucional de docentes e alunos envolvidos com formação e pesquisa na área de Educação, Linguagem e
Ensino de Língua Materna. Atua na Rede Nacional de Formação Continuada de Professores do MEC e dos
programas Brasil Alfabetizado e Programa Nacional do Livro Didático. Trabalha na organização e promoção de
cursos, planejamento e organização de propostas curriculares, avaliações de rede, produção de livros, vídeos e
jogos didáticos, além de prestar assessoria a secretarias de educação e participar de programas de avaliação e
produção de material didático e eventos científicos. Disponível em: <
http://www.portalceel.com.br/apresentacao/>. Acesso em 03 set 2018.
Figura 9 - Capa do Caderno de Apresentação do Pnaic
150
públicas, afirmamos que o Estado tem sim o compromisso de zelar pela educação, vislumbrada,
inclusive, em uma formação sólida (e indelével) de professores/as.
Iniciando as análises, no caderno de apresentação do ano de 2012, observamos o anúncio de
atividades que são permanentes nas unidades dos cadernos de formação:
1. leitura para deleite: leitura de textos literários, com conversa sobre os textos
lidos, incluindo algumas obras de literatura infantil, com o intuito de evidenciar a
importância desse tipo de atividade; 2. tarefas de casa e escola e retomada, em cada encontro, do que foi proposto no
encontro anterior, com socialização das atividades realizadas; 3. planejamento de atividades a serem realizadas nas aulas seguintes ao encontro;
4. estudo dirigido de textos, para aprofundamento de saberes sobre os conteúdos
e estratégias didáticas (BRASIL, 2012b, p. 32).
A atividade de “leitura para deleite” (com a finalidade do deleite) constitui nosso interesse
principal, pela referência clara à leitura literária. No caderno de formação, há uma explicação
em que consiste, precisamente, essa atividade:
Leitura Deleite
Essa estratégia é muito importante nos processos de formação de
professores alfabetizadores, pois favorece o contato do professor com
textos literários diversos. O momento da leitura deleite é sempre de
prazer e reflexão sobre o que é lido, sem se preocupar com a questão
formal da leitura. É ler para se divertir, sentir prazer, para refletir sobre
a vida. Tal prática, no entanto, não exclui as situações em que se
conversa sobre os textos, pois esse momento também é de prazer, além
de ser de ampliação de saberes (BRASIL, 2012b, p. 29, grifo nosso).
Bakhtin (2016) assegura que é uma tarefa impossível definir a posição de um enunciado sem
correlacioná-la com outras posições. Para ele, todo o enunciado é “[...] uma resposta aos
enunciados precedentes de um determinado campo (aqui concebemos a palavra “resposta” no
sentido mais amplo): ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como
conhecidos, de certo modo os leva em conta” (BAKHTIN, 2016, p. 57, grifo do autor). Desse
modo, a concepção de leitura literária defendida pelo programa merece ser problematizada,
pois, em um primeiro olhar, parece ser cúmplice de uma visão da Unesco sobre leitura literária
e continua a obra de Bamberger (1975), na defesa por uma leitura descompromissada.
Conceituada como uma estratégia e, simultaneamente, um momento, visa ao contato do
professor com o texto literário, desvencilhado de uma formalidade e atrelado, de caráter
peremptório, ao prazer e à diversão. “De modo algum o processo de compreensão deve ser
confundido com o processo de reconhecimento”, acentua Volóchinov (2017, p. 178);
151
analogamente, advertimos, que “contato” e “conversar sobre” não são sinônimos de uma
relação íntima, de reflexão acurada e consistente. Zanchetta Junior (2007) alerta que esse tipo
de atividade não implica qualquer estratégia sistematizada. Logo, ao pensarmos sobre uma
sociedade regida por tantos afazeres e desgostos, defender a bandeira do prazer a todo custo
parece ser um conforto. No entanto, se há no Brasil, ainda, o enraizamento de visões que
afirmam o suposto ócio do servidor público, quando um programa governamental chancela,
aceita, torna benquista e induz uma leitura literária meramente por prazer volúvel, no momento
de uma formação, desconfiamos.
Segundo Saviani (2003), o objeto da educação diz respeito, duplamente, “[...] à identificação
dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para
que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas
mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 2003, p. 13). Pensamos que a lógica do
prazer no Pnaic embarca em uma visão imprudente de que professores/as e alunos/as estão na
escola unicamente para se divertir, furtando-se da premissa de que aos/às professores/as cabe
um trabalho que contribua efetivamente para a humanização dos alunos/as, também pela via da
leitura literária. Mas esse trabalho, para ser concretizado, não prescinde de uma formação
sólida.
O ato educativo, sendo histórico e intencional, prevê que a leitura literária seja feita, inclusive,
por obrigação. Pois, se não fosse assim, qual a chance de um/a aluno/a de escola pública
proveniente da classe trabalhadora ter a possibilidade de uma experiência estética por meio da
Literatura? Advertimos, portanto, que não compactuamos com discursos que reafirmem uma
visão de leitura literária unicamente lúdica, sem formalidade, descompromissada, utilitarista e
divertida, pois esses são enunciados envolvidos profundamente com a perspectiva neoliberal,
que sufocam o aspecto eminentemente político que conduz a nossa vida em sociedade.
De acordo com Brasil (2015), em 2013, a ênfase do Pnaic recaiu na formação em Língua
Portuguesa e, em 2014, em Matemática. Em 2015, a formação foi ampliada para as demais
áreas do conhecimento. Salientamos que em todos os cadernos de formação, quer sejam os de
língua portuguesa (documentos de 2012- anos 1, 2 e 3), quer sejam os de matemática
(documentos elaborados em 2014), quer sejam os de temáticas interdisciplinares (documentos
de 2015), há a estratégia de leitura deleite no trabalho com o texto literário. Em todas essas
ocorrências, é feita a menção a livros infantis, os mesmos que serão posteriormente
direcionados às escolas. Embora em cada momento descrito resguarde singelas diferenças nas
152
etapas anteriores ou posteriores à leitura para deleite, todos eles tratam de igual forma o texto
literário. Para imprimirmos maior fidedignidade às análises e aos objetivos desta pesquisa,
concentraremos nossa atenção cadernos de formação de língua portuguesa. Os cadernos são
divididos em Ano 1, Ano 2 e Ano 3. Cada ano possui 8 unidades, perfazendo um total,
considerando os cadernos de apresentação, educação especial e de formação, 27 cadernos.
Confessamos nossa dificuldade ao estabelecer o critério da recorrência no caso do Pnaic para
análise da concepção de leitura literária, tendo em vista o número vasto de cadernos. Por outro
lado, como já dito, considerando que os cadernos atribuem à leitura literária uma única
finalidade, o deleite, optamos por analisar, nesta tese, a primeira e a última atividade de cada
ano, pois, dessa forma, é possível ter uma visão mais concreta das propostas.
O primeiro a ser contemplado é a Unidade 01, Ano 1, que trata do Currículo na Alfabetização:
concepções e princípios, consoante exposto na figura 10. O caderno conta com as seções:
Iniciando a conversa, que faz um preâmbulo do que será tratado; Aprofundando o tema, a
contemplar os princípios do currículo na alfabetização; Compartilhando, seção que abarca os
direitos de aprendizagem e sugestões de registros de aprendizagem; e, por fim, Aprendendo
Mais, item que insere propostas de leitura e de atividades para os encontros.
Fonte: Brasil, 2012c
Figura 10 - Caderno do Pnaic - Ano 1, Unidade 1
153
São nessas atividades para os encontros dos grupos de professores/as que se debruça nossa
atenção. O documento sugere que:
1º momento (4 horas)
1– Fazer dinâmica de apresentação do grupo; discutir sobre as expectativas e os
conhecimentos e opiniões acerca do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa.
2– Discutir sobre as informações gerais do Programa / explorar o material.
3 – Fazer contrato didático.
4 – Ler texto para deleite: João das letras, de Regina Rennó.
5 – Ler a seção “Iniciando a conversa”.
6– Ler o texto 1 (Currículo no ciclo de alfabetização: princípios gerais); discutir sobre
quais são as implicações da adoção de um currículo inclusivo.
7- Resgatar as memórias de alfabetização dos integrantes da turma, identificando se
foram vivenciadas experiências na perspectiva do currículo inclusivo (BRASIL,
2012c, p. 45, grifo nosso).
A Unidade 8 do Ano 1, intitulada Organização do Trabalho Docente para Promoção da
Aprendizagem possui quatro seções. Primeiramente, é feita uma apresentação; em seguida, é
feita uma reflexão sobre a importância da avaliação e seus respectivos registros; depois, passa-
se à análise dos depoimentos das docentes e, por fim, encerra-se a unidade com sugestões de
leitura, foco de nossa atenção.
Fonte: Brasil, 2012d
Figura 11 - Caderno do Pnaic - Ano 1, Unidade 8
154
Nas sugestões de leitura, uma das atividades é assim delineada:
2º momento (4 horas)
1 – Ler texto para deleite: “A menina, o cofrinho e a vovó”, de Cora Coralina, ilustrada
por Claudia Scatamacchia, da Gaudi Editorial Ltda.
2 - Discutir as questões dos textos da seção Aprendendo mais da unidade 7.
3 - Socializar os quadros de monitoramento de atividades sugeridos na seção
Compartilhando da unidade 7, discutindo sobre os tipos de atividades que mais se
repetiram entre os professores e os que foram pouco frequentes.
4 - Ler, em grande grupo, os depoimentos das professoras Sheila Cristina e Ana Lúcia,
sobre “progressão ou repetição de atividades”, da seção Compartilhando, e verificar
se as opiniões das docentes se assemelham às opiniões discutidas no grupo.
5 - Ler, em grande grupo, o texto “Avaliação e organização do trabalho docente: a
importância do registro” e listar as ideias que surgirem durante a leitura que possam
ajudar na organização do próximo ano.
6- Ler o depoimento da professora Ana Lúcia (O papel dos Registros da ação didática)
e socializar os modos de organização dos materiais didáticos e registros de
planejamentos e atividades realizados na escola.
7- Orientar os professores a elaborar relatos de aula a serem apresentados no
Seminário de Encerramento (no Portal, são disponibilizadas sugestões de organização
do Seminário).
8 - Preencher a avaliação do curso (BRASIL, 2012d, p. 30, grifo dos autores).
Observamos um eco nessas atividades sequenciadas do Pnaic. Tal qual circunscrito nos
documentos do Profa, nas Unidades 1 e 8 do ano 1, há a menção a um texto literário, como uma
espécie de adorno, porém não se observa nenhuma reflexão ou quaisquer articulações
planejadas, consistentes, do texto, ao menos, com os momentos anteriores e posteriores da
atividade.
Publicado em 2010, o livro infantil João das Letras, de Regina Rennó, relata a vida de João,
que tendo seu trabalho incompreendido e subvalorizado por outras personagens, ao atribuí-lo
como desimportante e/ou objeto de ócio, persegue com esmero a manutenção de seu ofício de
escritor. A obra narra, pela via da metalinguagem, o quão indispensável é o respeito pelo
trabalho alheio e o quão árdua e necessária é a tarefa de um escritor, que ultrapassa os limites
da técnica e da sensibilidade, e que precisa, obviamente, como qualquer outra profissão, ser
remunerada.
A temática do trabalho também está presente na oitava unidade do ano 1. No livro A menina, o
cofrinho e a vovó, Cora Coralina narra a história de uma senhora que vivia sozinha e precisava
se sustentar. Para tanto, decidiu realizar o trabalho de doceira, ofício que havia aprendido com
155
outras mulheres de sua família. No entanto, mesmo diante de muito trabalho e dedicação, a avó
se viu impotente, diante da inexistência de uma geladeira para conservar os alimentos. Ela se
arrisca a comprar uma geladeira financiada; sua neta, ao vê-la em dificuldades, em meio a
tachos, açucar e falta de lenha, decide quebrar seu cofrinho e, assim, ajudar a avó a arcar com
as despesas oriundas das prestações.
Desse modo, atrelar a obra de Rennó (2010) ao puro deleite descompromissado é incoerente
com a própria história da vida de João. No caso específico da obra de Coralina (2009), pelo
livro tratar de temáticas tais como generosidade entre mulheres, gratidão, necessidade de
trabalho na velhice, desigualdade social (ausência de eletrodomésticos básicos em casa), a
incoerência é dupla.
A primeira unidade do ano 02 intitula-se Currículo no Ciclo de Alfabetização: consolidação e
monitoramento do processo de ensino e de aprendizagem. O caderno, conforme disposto na
figura 12, possui 2 seções, além da seção “Iniciando a Conversa” e “Sugestões de Leitura”. Na
primeira seção, o documento versa sobre o currículo na alfabetização com o foco em assegurar
o direito de aprendizagem da criança. Em seguida, contempla-se assuntos tais como a escrita e
a avaliação na alfabetização.
Fonte: Brasil, 2012e
Figura 12 - Caderno do Pnaic - Ano 2, Unidade 1
156
A proposta listada a seguir circunscreve-se na seção final, no item Sugestões de Leitura.
1º momento (4 horas)
1- Fazer dinâmica de apresentação do grupo; discutir sobre as expectativas e os
conhecimentos e opiniões sobre o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa.
2- Discutir sobre as informações gerais do Programa / explorar o material.
3- Fazer contrato didático.
4- Ler texto para deleite: Clact... clact... clact... de Liliana & Michele Lacocca.
5- Ler a seção “Iniciando a conversa”.
6- Ler o texto 1 (Currículo no ciclo de alfabetização: ampliando o direito de
aprendizagem a todas as crianças); discutir com base na seguinte questão: que
ações/atitudes são necessárias para que o ciclo de alfabetização se organize
pautado pelos princípios da inclusão, continuidade e progressão? Tais
ações/atitudes foram comuns nas experiências vivenciadas pelo grupo em seus
tempos de estudante? Têm sido comuns em suas experiências como professoras?
7- Analisar atividades do livro didático de alfabetização relacionando-as aos
quadros de direitos de aprendizagem da seção Compartilhando. (BRASIL, 2012e,
p. 45).
Há, na proposta, ao menos dois aspectos destoantes. A sugestão de leitura do livro insere-se no
quarto item e não no primeiro. Apesar disso, não há muita diferença em termos metodológicos:
ou seja, não há nenhuma proposta explícita em que as discussões por ele demandadas sejam
discorridas, ponderadas. Em segundo lugar, ao observarmos com mais cautela a obra Clact...
Clat... Clat..., vê-se que há, nela, um esforço didático muito grande, ao se trabalhar, por meio
da história de uma tesoura insatisfeita com a desorganização, questões de cores primárias e
secundárias, localização espacial (esquerda e direita) e, de igual modo, as figuras geométricas.
As outras duas propostas de leitura para deleite inseridas nessa unidade contemplam os livros
Adedonha: o Jogo das Palavras, de Arlene Holanda, Você Sabia? Nomes Populares Dos
Animais da Fauna Brasileira de A a Z, cuja autoria de Zuleika de Felice Murrie. O primeiro é
um livro paradidático, com uma lista de palavras em ordem alfabética e suas respectivas
representações imagéticas; o segundo lista, em ordem alfabética, os nomes dos animais. Nesse
sentido, podemos inferir que a unidade 01 do ano 02 contempla como leitura para deleite três
proposições cuja finalidade se debruça no ensino de cores, de formas geométricas, de
localização espacial, de palavras do cotidiano e palavras dos animais. Como a unidade propõe
um “monitoramento do processo de ensino e de aprendizagem das crianças”, pensamos que as
temáticas dos livros são inseridas por esse motivo, uma vez que no binômio alfabetização e
letramento, a alfabetização privilegiaria as relações letras e sons. Em nenhuma das propostas
há uma explicação mais detida acerca de cada temática, o que nos faz inferir que o Pnaic toma
como leitura deleite também os livros pedagógicos. Diante disso, nos parece que há uma
157
incongruência na inserção dessas produções. De acordo com Brasil (2012b, p. 32), a leitura
deleite é o momento de leitura de textos literários. Os livros apresentados têm marcadamente
um tom pedagógico, didático.
A Unidade 08 do ano 02, cuja capa está materializada na figura 13, assim intitula-se: Reflexões
Sobre a Prática do Professor no Ciclo de Alfabetização: progressão e continuidade das
aprendizagens para a construção dos conhecimentos por todas as crianças. Assim como a
unidade 01, além das seções “Iniciando a Conversa” e “Aprendendo Mais”, o caderno
contempla mais dois momentos, cujas temáticas debruçam-se sobre a progressão da
aprendizagem dos/as alunos/as e sobre as práticas pedagógicas, analisadas a partir de temáticas
tais como diversidade, livro didático, circunscritas em relatos de docentes.
Fonte: Brasil, 2012f
Nesse caderno, uma das sugestões para o momento de formação está proposta da seguinte
maneira.
1- Ler texto para deleite: “Alice no país da poesia” de Elias José.
2- Ler o texto 2 (Reflexão sobre a prática do professor alfabetizador: o registro
das experiências docentes na dimensão formativa e organizativa dos saberes); discutir,
com base nos depoimentos, relatos e pesquisas apresentadas, a importância dessas
duas dimensões para o exercício da docência.
3- Ler, em pequenos grupos, os relatos 1 e 2, apresentados na seção
Compartilhando, e socializar, no grande grupo, o relato lido e a importância da adoção
dessas práticas para a organização didática e pedagógica da prática docente no ciclo
Figura 13 - Caderno do Pnaic - Ano 2, Unidade 8
158
de alfabetização.
4- Analisar os quadros de monitoramento de atividades sugeridos na unidade 7;
discutir sobre as contribuições, ou não, para a reflexão sobre a própria prática;
comparar o que foi registrado em relação às atividades realizadas e os resultados das
crianças registrados no quadro de perfil da turma.
5- Discutir os encaminhamentos para apresentação das experiências no Seminário
de Encerramento.
6- Preencher a avaliação do curso (BRASIL, 2012f, p. 46).
A perspectiva bakhtiniana da linguagem (Bakhtin, 2015; Volóchinov, 2017) nos permite
afirmar que o autor constrói seu enunciado em diálogo com enunciados precedentes. A notável
obra de Elias José, Alice no país da poesia, estruturada em gênero poético, é iniciada quando
Alice descobre o mundo das palavras, enquanto vivia no “país das maravilhas”. Por isso, Alice
no país da poesia, não pode ser lida, refletida a contento, se não levarmos em consideração, em
seus mais de trinta poemas, as figuras de linguagem, as rimas, a plurissignificação e o esforço
contínuo de diálogo com outros clássicos da literatura: Alice no país das maravilhas, de Lewis
Carroll; Dom Quixote, de Miguel de Cervantes e Peter Pan, de James Matthew Barrie, por
exemplo. Todos esses aspectos são olvidados na ausência de sistematização e na redução da
proposta ao deleite.
A unidade 01 do ano 03, intitulada Currículo Inclusivo: o direito de ser alfabetizado, também
é estruturada em quatro seções, sendo que os itens 2 e 3 aprofundam mais o aspecto da inclusão
na alfabetização. Nesse caderno, reiteram-se as discussões sobre os direitos de aprendizagem,
bem como contemplam-se questões específicas de currículo atinentes ao terceiro ano do ensino
fundamental.
Fonte: Brasil, 2012g
Figura 14 - Caderno do Pnaic - Ano 3, Unidade 1
159
Uma das sugestões de trabalho com o texto literário é assim descrito:
1º momento (4 horas)
1 – Fazer dinâmica de apresentação do grupo; discutir sobre as expectativas e os
conhecimentos e opiniões sobre o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa.
2 – Discutir sobre as informações gerais do Programa / explorar o material.
3 – Fazer contrato didático.
4 – Ler texto para deleite: Abrindo caminho, de Ana Maria Machado. São Paulo:
Ática, 2006.
5 – Ler a seção “Iniciando a conversa”.
6 – Ler o texto 1 (Ponto de partida: currículo no ciclo de alfabetização); discutir sobre
a questão: que ações/atitudes são necessárias para que o ciclo de alfabetização se
organize pautado pelos princípios da inclusão? Tais ações/atitudes foram comuns nas
experiências vivenciadas pelo grupo em seus tempos de estudante? Têm sido comuns
em suas experiências como professoras?
7 - Analisar livros didáticos; selecionar algumas atividades e relacionar aos direitos
de aprendizagem descritos nos quadros da seção Compartilhando. (Livro didático)
(BRASIL, 2012g, p. 46)
A proposta o texto para deleite está incluído no quarto item. O livro em questão Abrindo
Caminho, de Ana Maria Machado, também é uma conversa com outros textos. A partir da
intertextualidade com a canção Águas de Março, de Tom Jobim; com o poema No meio do
caminho, de Carlos Drummond de Andrade; com as obras Divina Comédia, de Dante Alighieri
e Mistérios no Mar do Oceano, de Ana Maria Machado; e, também, a partir de menções a
Alberto Santos Dumont e à biografia Marco Polo, a autora estrutura uma narrativa poética, em
que são expostos não só a história das invenções humanas, a importância do diálogo no
estabelecimento de relações, mas sobretudo, a influência de certas pessoas que, cada uma a seu
modo, nos abriram caminhos para enxergar a vida: por meio da arte, da história, da tecnologia,
da criatividade. Nenhuma dessas dimensões foi contemplada na proposta.
Ao final do livro, o eu lírico assegura que “Não há distância para os pássaros nem para quem
cisma em ousar” (MACHADO, 2010, p. 24). Em nossa análise, pensamos que o encurtamento
de distâncias e a superação de obstáculos não são concretizados apenas por ousadia, por
coragem, insistência e vontade própria do indivíduo. Há uma série de fatores, de cunho
histórico, econômico e social que estão imbricados. Nem essa ressalva foi contemplada na
proposta.
Por fim, a unidade 08 do ano 03, cuja capa está disposta na figura 15, intitula-se Progressão
Escolar e Avaliação: o registro e a garantia de continuidade das aprendizagens no ciclo de
alfabetização. Versa, sobretudo, sobre a importância de se manterem vivos os registros de
160
aprendizagem dos/as alunos/as, de modo a possibilitar um planejamento mais consistente e a
efetivar os direitos de aprendizagem destes.
Fonte: Brasil, 2012h
Uma das proposições de trabalho com o texto literário se dá conforme descrito abaixo:
2º momento (4 horas)
1 – Ler texto para deleite: “A princesinha medrosa” de Odilon Morais.
2 – Socializar as formas que utiliza para registrar o planejamento, prática e avaliação
do trabalho docente, listando-as.
3 – Ler o texto 2 (O registro das situações de ensino e de aprendizagem: significados
construídos com a análise da prática no ciclo de alfabetização); discutir as estratégias
de registro das professoras Ana Lúcia e Sheila, traçando um paralelo em relação à
listagem elaborada pelo grupo sobre as formas de registro que se utilizam.
4 – Ler, em pequenos grupos, os relatos apresentados na seção Compartilhando e
discutir a importância da adoção dessas práticas.
5 - Discutir os encaminhamentos para apresentação das experiências no Seminário de
Encerramento.
6 - Preencher a avaliação do curso (BRASIL, 2012h, p. 46)
A última proposta analisada insere o texto literário logo em sua introdução. Trata-se da obra de
Moraes (2008), A princesinha medrosa. No livro em questão, laureado em 2003 pelo prêmio
Figura 15 - Caderno do Pnaic - Ano 3, Unidade 8
161
Fnlij em duas categorias (criança e ilustração), um sentimento humano é tratado: o medo. A
narrativa contempla a história de uma princesinha. Pela temática e pelo diminutivo no nome da
personagem, a primeira impressão é que a obra contemplará a história de princesa frágil,
delicada. A narrativa conta que a princesa tinha medo de escuro, de ficar sozinha e da pobreza
e tentava ludibriar cada um deles. Em um dos passeios matinais, a personagem se perdeu de sua
comitiva e defrontou-se com um garoto que, em pleno dia, estava a contar estrelas. Tomando
as estrelas por companhia, o medo da princesinha foi, aos poucos, se esvaindo, o que lhe
permitiu viver a vida de maneira mais plena, altruísta. De igual modo, uma narrativa muito
sensível, é utilizada com uma finalidade pragmática.
Diante da exposição das seis propostas do Pnaic, vemos a contemplação de temáticas variadas.
Vemos, de igual modo, ao longo da observância de todos os cadernos do Pnaic, que, em relação
à leitura literária, o programa cumpre fidedignamente o que promete: a ausência de preocupação
“com as questões formais de leitura” (BRASIL, 2012b, p. 29). A Literatura trata, pela
plurissignificação, pelo sentido conotativo, pela sofisticação da linguagem, pela ausência de
tom doutrinário, panfletário, da complexidade humana. A Literatura vai tratar do medo, da
solidão, do amor, do ódio, da inveja, da traição, da saudade, da vingança, da sede de poder, da
desigualdade social, da (in)fidelidade, da falta de tempo, dos (des)encontros, da vida, da
morte.... Todorov (2009) pondera que a literatura amplia o nosso universo e acrescenta:
Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais,
depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de
interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona
sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e
mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às
pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser
humano (TODOROV, 2009, p. 23-24).
Não queremos, neste trabalho, impor à leitura literária toda a responsabilidade de reflexão sobre
a educação, sobre seres humanos, enfim, sobre a vida. Também não atribuímos à Literatura
uma postura redentora, salvacionista, ingênua de que apenas com a leitura dela a situação do
analfabetismo estaria resolvida, por exemplo. No entanto, concordamos com Todorov (2009)
acerca da infinitude de possibilidades de interação e de enriquecimento, afinal somos seres
inacabados, inconclusos, carentes do olhar do outro (BAKHTIN, 2011). Da maneira como esse
programa propõe o trabalho com o texto literário, a Literatura está mutilada (CANDIDO, 1988).
Como acentuou o filósofo búlgaro, a literatura nos amplia a capacidade de olhar o mundo, está
longe de ser um entretenimento: porque um trabalho humano, nos amplia a possibilidade de
responder melhor ao processo de humanização. Talvez seja esta a resposta para a pergunta
162
epigrafada no início deste capítulo. Negar essas vertentes em um momento formativo, reduzir
a leitura literária a um deleite fundamentado na ausência de sistematização é, mais uma vez,
silenciar o caráter ético, estético e político do texto literário.
5.4 O TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE
A perspectiva bakhtiniana de linguagem considera que o enunciado não pode ser reconhecido
como um fenômeno individual e, tampouco, explicado a partir das condições psicoindividuais,
psíquicas ou psicofisiológicas do indivíduo falante (VOLÓCHINOV, 2017, p. 200). A partir de
uma síntese dialética, compreende-se que o enunciado não se circunscreve exclusivamente a
partir do sujeito, mas também deste não pode abdicar. Dessa maneira, é preciso destacar que
A orientação dialógica do discurso é, evidentemente, um fenômeno próprio de
qualquer discurso. É diretriz natural de qualquer discurso vivo. Em todas as suas vias
no sentido do objeto, em todas as orientações, o discurso depara com a palavra do
outro e não pode deixar de entrar numa interação viva e tensa com ele. Só o Adão
mítico, que chegou com sua palavra primeira ao mundo virginal ainda não
precondicionado, o Adão solitário conseguiu evitar efetivamente até o fim essa
orientação dialógica mútua com a palavra do outro no objeto. Isto não é dado à palavra
histórica concreta do homem: pode abstrair-se da palavra do outro, mas apenas em
termos convencionais e só até certo grau (BAKHTIN, 2015, p. 51).
De acordo com Bakhtin (2015), a língua em sua totalidade tem a propriedade de ser dialógica.
Em outras palavras, todos os enunciados são perpassados pela palavra do outro, considerando
que, o enunciador, ao constituir seu discurso, leva em conta o discurso de outrem, pois o
enunciado inexiste fora das relações dialógicas. Mais especificamente: o que se conhece, como
se conhece, para que se conhece, em que medida se conhece, necessariamente, são perpassados
pelo olhar, pela avaliação, pela elucidação do discurso alheio. Ancorando-se nessas premissas,
convém relembrar o que anunciamos no início deste trabalho como hipóteses em articulação às
conclusões chegadas nas análises do corpus.
Em primeiro lugar, supomos que as incongruências relacionadas à leitura literária podem ser
encontradas também nas diretrizes de organismos internacionais que, por sua vez, se articulam
aos documentos de programas nacionais de formação de professores/as alfabetizadores/as. A
partir da análise do corpus, a saber, guia do formador, fascículos e cadernos de formação,
observamos as relações dialógicas adentrarem no âmago do enunciado, conforme já delineou
Bakhtin (2015, p. 211). Dessa maneira, pensamos que a Unesco, uma vez pautada na pedagogia
163
das competências, fomenta uma concepção de leitura literária atrelada ao prazer fortuito. Em se
tratando do papel do professor, seus princípios aproximam-se à perspectiva do Letramento
Literário, uma vez que o pragmatismo atrelado à leitura e à escrita e a redução do trabalho
docente em sua atividade intencional de mediação do conhecimento elaborado é dirimida. De
igual modo, pensamos que as premissas da pedagogia das competências, por estar imiscuída
em uma visão neoliberal de ensino, rechaça a especificidade do texto literário e a importância
deste para a formação humana.
A concepção de leitura literária defendida pelo Profa está diretamente ligada a uma visão de
leitura atrelada deleite, ao divertimento, ao descompromisso. Ainda que os termos utilizados
sejam variados (ler para se divertir, ler para apreciar, ler para se deleitar), todos eles convergem
para apenas uma vertente: a leitura por prazer fugaz. Bakhtin (2015), ao tratar do conceito de
polifonia, pondera que as vozes e consciências independentes são parte inerente ao romance,
estruturado, por sua vez, na pluralidade de vozes independentes e imiscíveis. Respeitando-se o
objeto de estudo e resguardadas as devidas proporções, podemos afirmar que, o Profa, com
relação à concepção de leitura literária, erige-se sob um discurso monofônico em que a
Literatura, independentemente de seu gênero (poema, conto, crônica...) é utilizada apenas como
um rápido introito aos momentos de formação e está sempre atrelada a mesma função.
O guia de formação do professor, no Pró-Letramento, é estruturado em diversos fascículos, com
autorias muito distintas. Todos eles trazem em comum, contudo, a reflexão sobre determinadas
temáticas, não a partir de um aprofundamento teórico consistente, mas a partir de relatos de
professores/as e, com maior ou menor nitidez, abraçam a perspectiva do Letramento. Quanto a
isso, é preciso relembrar o que nos advertiu Moraes (2001). Segundo a autora, incorre sob as
pesquisas educacionais um fenômeno chamado recuo da teoria, em que a teoria é ofuscada por
causa do foco dado aos relatos, às narrativas e à prática imediata, acarretando, desse modo, não
apenas um ceticismo epistemológico, mas, também, ético e político. Loureiro (2007) pondera
que o pragmatismo instaura a racionalidade do sempre mesmo na relação teoria e prática e
alimenta o fenômeno da “aversão à teoria”.
Embora o texto literário seja utilizado em vários momentos, o fator preponderante recaiu na
utilização deste para uma reflexão da língua. Nessa espécie de caldeirão epistemológico no Pró-
Letramento, a leitura literária ora é completamente esquecida, ora é sistematizada em esquemas
que não consideram a sua especificidade, ora é vislumbrada sob a perspectiva do divertimento.
O Pnaic, programa mais longevo entre os três, mantém uma proposta semelhante à do Profa, ao
164
tratar a leitura literária como um introito à formação docente e, assim como o Pró-Letramento,
mune-se dos relatos dos/as professores/as para o desenvolvimento das propostas. Diferencia-
se dos outros programas por dar um foco aos livros de literatura infantil, mas, ainda sim, a
leitura literária está atrelada ao deleite, ao divertimento.
Os programas dialogam entre si, pois possuem, no tocante à leitura literária, concepções
semelhantes. Essas constatações nos levam a confirmar a segunda hipótese apresentada, em que
afirmamos que os programas governamentais Profa, Pró-Letramento e Pnaic trazem à tona um
(remodelado) conceito de leitura literária restrito ao lúdico, ao deleite à maneira de um eco.
Analisamos as concepções de leitura literária chanceladas por três programas deste século, no
Brasil. Em todos eles, perpassa a ideia de que a leitura literária necessariamente implica o prazer
descompromissado, a diversão, o deleite. Em todos eles, parece viva a ideia de que o texto
literário é tão somente pretexto para as reflexões com a língua, para a introdução de atividades
formativas e para a descontração, para o prazer fugaz e pueril. No entanto, esse remodelamento
repousa, a) no caso do Profa: na utilização de termos distintos, cujos significados se aproximam
semanticamente, o que, para um/a leitor/a desavisado/a, pode parecer uma multiplicidade de
concepções; b) no caso do Pró-Letramento: embora a ideia não esteja presente em todos os
fascículos, o reforço da concepção da leitura literária para o prazer vem pela chancela e pelo
comentário dos relatos dos/as professores/as; c) no caso no Pnaic, por fim: por se ter uma ideia
muito superficial de que a literatura infantil está atrelada somente ao lúdico, à brincadeira, à
simples fruição, à reprodução do cotidiano, a ideia da leitura deleite aí se sustenta.
“Parece-me apropriado dizer que suscitar perguntas é tarefa de uma educação que se vê e age
como resposta responsável, que assume sua responsabilidade absoluta, incondicional, pelo
outro” (KRAMER, 2013, p. 45). Diante disso, a questão que se coloca é: quem se deleita com
propostas de formação de professores/as que não contemplam uma discussão mais profícua,
profunda e amiúde sobre a leitura literária? Pensamos que atrelar a leitura ao deleite não pode
ser entendida como um movimento pueril, desimportante. Pensamos, de igual modo, que o
termo carrega uma conotação nociva, pois ele não só reduz a leitura literária ao prazer
descompromissado, descontraído, à fuga da realidade, mas ataca a própria função do trabalho
educativo, um ato intencional, planejado que visa à humanização (Saviani, 2013).
Por fim, conjecturamos que esses programas mantêm alguns vícios quanto às concepções de
leitura influenciados pelo Letramento Literário e, por conseguinte, quanto às concepções de
sujeito (leitores/as) e de escola. Confessamos que não há, em nenhum dos documentos, a defesa
165
explícita do termo letramento literário. No entanto, nos parece que, por meio da sistematização
de atividades, de uma ênfase à motivação, à leitura compartilhada (uma das vertentes das
comunidades de leitores) e, sobretudo, a um pragmatismo da leitura literária, utilizada com
atividades fins de ensino da língua ou de introdução aos momentos de formação, o Letramento
Literário se faz presente. Até o deleite está imbuído também nesse pragmatismo. Ao/à leitor/a
e à escola são atribuídas uma passividade considerável, uma vez que ambos são conjecturados
nesse sistema (Unesco, Letramento Literário, Pró-Letramento, Profa e Pnaic), como agentes
para endossar as nocivas perspectivas das “habilidades” e das “competências”.
Todos os programas ancoram-se na perspectiva do Letramento, conforme já apontaram os
estudos de Becalli (2007), Antunes (2015), Resende (2015) e Costa (2017). E todos eles, em
maior ou menor intensidade, comprimem as práticas literárias ao cotidiano, à imediaticidade.
A Literatura, no entanto, excede o cotidiano. Geraldi (2013) alerta que a educação,
fundamentada em uma atividade estética, implica considerar os acabamentos provisórios de um
futuro almejado. “Sem futuro, somente se faz educação para o presente, para o mercado, para o
consumo, para o emprego” (GERALDI, 2013, p. 27). Aproximando tal assertiva ao nosso
objetivo de estudo, se não há um compromisso com a educação ética _e estética_, em que a
Literatura se insere, a leitura literária ficará restrita à resolução de problemas, ao imediato, ao
apressado, ao dia a dia, ao teor mercadológico.
“A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” afirmou Candido (1988,
p. 180). Dalvi (2019) acrescenta que, talvez privilegiadamente, esse processo se dá por meio de
seu ensino. “Se não faz isso, coopera para que a barbárie se repita. E a gente nem vai mais
entender a diferença entre tragédia e farsa” (DALVI, 2019). Nessa medida, a nossa crítica
repousa justamente na redução da concepção da leitura literária a uma única voz, pois tal prática
não considera as relações de poder inerentes à sociedade, as possibilidades de transformação e
de reflexão a partir da experiência estética. Consideramos que esse discurso monofônico dos
programas, com relação à leitura literária, é preocupante, quando levamos em consideração que
a rotina laboral dos/as professores/as deste país pouco contribui para a dedicação à experiência
estética, se levarmos em consideração que os/as estudantes deste país só terão acesso a bens
culturais, como o caso da literatura, mediado pela escola pública.
Defendemos e almejamos uma sociedade democrática e essa luta perpassa, necessariamente, o
respeito, a dignidade, a distribuição igualitária de renda e o acesso à arte, em toda sua
166
complexidade, inclusive em momentos de formação de professores/as. Mas, como toda
realidade está repleta de contradições, é preciso reiterar o que já nos advertiu Bakhtin (2016, p.
54). Segundo o autor, todos os enunciados são plenos das palavras dos outros, em grau variado
de alteridade e relevância. Essas palavras alheias trazem seu tom valorativo que, em nossa boca,
são reacentuadas, reelaboradas e assimiladas novamente. O sujeito, ao elaborar um enunciado,
sempre irá imprimir sua singularidade. Em todos os programas, mesmo que haja uma concepção
superficial da leitura literária, o texto literário se faz presente em todos eles. No Pnaic, de modo
ainda mais peculiar, já que o programa ofertou livros de literatura às escolas públicas. Nesse
sentido, ainda que se façam presentes ecos de outras vozes de matriz neoliberal nos documentos,
ainda que a leitura literária seja reduzida a uma perspectiva instrumental, pragmática,
descompromissada, o sujeito dialógico, que jamais é totalmente passivo, assimila, ressignifica
e reacentua seu dizer, as suas práticas, de maneira particular. É nessa contradição, na
possibilidade de rasura, de trabalho educativo, de insubmissão, de questionamento, que
fundamentamos nosso pensamento.
Portanto, diante dessas considerações e da confirmação das hipóteses, afirmamos a tese de que,
ao se conceber a leitura literária de modo reducionista e superficial, chancelada por organismos
internacionais e políticas públicas educacionais, silenciam-se os contextos ideológicos,
políticos, éticos, estéticos, históricos, culturais, próprios do texto literário. Está posto, assim, o
silenciamento: pelo tropeço, pela trapaça e pelo deleite.
167
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.
Vladimir Maiakóvski
Para responder ao enunciado, pondera Bakhtin (2016, p. 35), é necessária alguma
conclusibilidade. Arraigando-se, então, na necessidade do debate e da alternância dos sujeitos
do discurso e conscientes da importância do olhar do outro, do consenso, do dissenso, do
acordo, dos poréns e da provisoriedade de qualquer ponto final, nos propomos a tecer, neste
momento, algumas considerações “finais”.
Retomando os objetivos deste trabalho, tentamos compreender como estão fundamentadas as
concepções de leitura literária referendadas pelos programas federais de formação de
professores/as alfabetizadores/as do início do século XXI (2001 a 2018), visando a conhecer as
possíveis intencionalidades dessas concepções nos documentos oficiais. Nosso percurso
contemplou a problematização, a contextualização e a emergência do objeto de estudo, em que
foi possível expormos com mais cautela alguns imbróglios acerca da concepção de leitura
literária chanceladas pelos documentos do Profa, do Pró-Letramento e do Pnaic e, ao mesmo
tempo, formularmos algumas hipóteses. Em um segundo momento, recorremos à revisão de
literatura, que nos possibilitou, além de termos uma visão mais aguçada e consistente acerca do
objeto de estudo a partir da contribuição alheia, permitiu, de igual forma, anunciarmos um
possível ineditismo desta proposta.
Em seguida, concentramos nossos esforços na exposição mais detida da perspectiva teórica que
ampara este trabalho, atentando, peculiarmente aos conceitos de “dialogismo”, “polifonia” e
“enunciado”, circunscritos nos estudos do Círculo de Bakhtin. Compreendemos, nesta tese, em
linhas gerais, o dialogismo como princípio constitutivo da linguagem; o enunciado, de caráter
fundamentalmente dialógico, como unidade real da comunicação verbal (VOLÓCHINOV,
168
2017); e polifonia como a manifestação da multiplicidade de vozes conscientes e equipolentes
(BAKHTIN, 2015). No quarto capítulo, versamos sobre o Letramento Literário, em diálogo
com a análise do contexto em que tal proposta foi difundida, e expusemos nossos
questionamentos acerca de uma perspectiva que tem sido tão aceita no Brasil. No último
capítulo, nos propusemos a fazer a análise dos documentos, à luz da perspectiva bakhtiniana da
linguagem.
A análise documental priorizou a observância dois capítulos da proposta Educação, um tesouro
a descobrir e, em ordem cronológica de implementação, cada programa governamental. Sobre
o documento da Unesco, mostramos a nocividade de uma perspectiva educacional vincada à
pedagogia das competências que confina o ensino e a aprendizagem ao sabor mercadológico,
no desígnio de formar cidadãos flexíveis e adaptáveis a uma sociedade desigual. A leitura
literária, nessa visão, seria só mais uma competência.
Especificamente quanto ao Profa, pensamos que o conjunto de finalidades atrelado à leitura
literária (ler para saborear, apreciar, se emocionar, dentre outros), embora aparentemente
inocente, fixa-se só na aparência. Em nossa análise, o Profa tropeça. Afinal, ainda que o
programa supostamente traga a possibilidade de leitura do texto literário, tal possibilidade
esbarra a) em um tempo escasso para sua leitura (em torno de 10 min); b) caráter pragmático e
puramente contemplativo para uso do texto, apenas aproveitando-o como um preâmbulo dos
encontros formativos, e, com isso, c) silencia muitas vozes, ao atribuir apenas uma finalidade
de leitura.
Em se tratando do Pró-Letramento, tomamos como objeto de análise os fascículos circunscritos
no caderno de alfabetização e linguagem. Cada fascículo possui assuntos distintos, com autorias
e matrizes teórico-metodológicas distintas, o que tornou complexa uma análise uníssona. No
entanto, o que se verificou foi o uso do texto literário apenas para introdução de comentários
para justificativa do ensino da língua. Não houve nenhuma menção, em nenhum fascículo, sobre
as especificidades inerentes à leitura literária. Especialmente nos fascículos 3 e 5, a leitura
literária coaduna-se à ideia de leitura por prazer, por diversão, bem afinada à concepção de
leitura por deleite proposta pelo Profa e pelo Pnaic. De igual modo, há um silenciamento, pois,
mesmo que esse programa permita a autoria de vozes múltiplas nos fascículos, isso não significa
uma proposição menos pragmática ou mais consistente de leitura literária. Há um leque de
opções, mas esse leque nos parece ensimesmado. Eis a trapaça.
169
Por fim, no caso do Pnaic, último programa a ser instituído, há uma sinalização maior do que é
entendido como trabalho com leitura, resguardado no momento de leitura para deleite.
Inclusive, é definido que esse momento é sempre destinado ao prazer, sem a preocupação com
a questão formal da leitura (BRASIL, 2012b). Em todas as propostas de leitura, a Literatura,
novamente, não é tratada em sua especificidade, uma vez que a proposta, muito semelhante ao
Profa, insere o título da obra e sua respectiva autoria como proposição para o início dos
encontros, sem qualquer menção a essa obra durante o momento de formação. A literatura tem
entrada nos programas de formação, contudo é tratada apenas como uma espécie de enfeite,
algo lateral e fugaz nos encontros formativos.
Como hipóteses, supúnhamos que as incongruências relacionadas à leitura literária podem ser
encontradas também nas diretrizes de organismos internacionais que, por sua vez, se articulam
aos documentos de programas nacionais de formação de professores/as alfabetizadores/as.
Suspeitamos também que esses programas trazem à tona um (remodelado) conceito de leitura
literária restrito ao lúdico, ao deleite à maneira de um eco. Por fim, admitimos como hipótese
que esses programas mantêm alguns vícios quanto às concepções de leitura influenciados pelo
Letramento Literário e, por conseguinte, quanto às concepções de sujeito (leitores/as) e de
escola.
Em primeiro lugar, os organismos internacionais, tais como a Unesco, citado nesta pesquisa em
Delors et al (1998), induzem algumas ações nos programas oficiais brasileiros. Essa assertiva
está povoada das vozes de Stieg (2012), Loose (2016), Gontijo (2016), Dias (2019) e Endlich
(2019). Por meio de análise documental, vimos que os pilares da pedagogia das competências,
profundamente submissos à perspectiva neoliberal, estão materializados não só no documento
da Unesco quanto nos documentos do Profa, do Pro-Letramento e do Pnaic. No caso específico
desta pesquisa, pensamos que essa proximidade “conceitual” de leitura literária entre a Unesco
os programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as se dá pela defesa das
habilidades e competências, concepção essa que esvazia a leitura literária de seu sentido
político.
Falta intimidade com a literatura nos documentos oficiais. Assim, em segundo lugar,
observamos que todos os programas fazem menção ao texto literário, porém, majoritariamente,
cativos à ideia de introdução aos momentos de formação, sem qualquer proposta consistente de
reflexão sobre o texto lido. A leitura literária foi tomada, assim, como pretexto para socialização
nos encontros, como motivo para observância de alguns aspectos da língua. Em todos os
170
programas, a concepção de uma leitura atrelada ao prazer fugaz foi a voz gritante. Restringe-se
a leitura literária à ludicidade, ao divertimento, ao deleite, porém o faz por meio de um modelo
pragmático. Em outras palavras: até o deleite é cuidadosamente controlado. Por último, embora
não haja a manifestação de uma defesa literal do termo Letramento Literário nos documentos
analisados, o Profa, o Pró-Letramento e o Pnaic resguardam proximidades quanto ao trabalho
com a Literatura. Conforme anunciado no capítulo 4, concluímos que a proposta do Letramento
Literário não rompe com um modelo pragmático de ensino. Pensamos, nesse sentido, que há
uma concepção implícita de sujeito leitor e de escola nos programas, em que ambos são
atrelados a uma formação primada pelo imediatismo.
Geraldi (2013, p. 27) afirma que a educação, em uma perspectiva bakhtiniana, há de ser uma
atividade essencialmente estética, realizada eticamente. Com a crítica ora apresentada, de
maneira alguma queremos manter um discurso beligerante ou invalidar a importância de uma
formação continuada; ao mesmo tempo, não queremos anular a responsabilidade
governamental na oferta dessas formações. Talvez o nosso incômodo se dê, sobretudo, por ver
fissuras respaldadas. Pela escrita desta tese, assistimos, em pouco tempo (menos de vinte anos),
o enterro de três programas governamentais e o cenário que se avizinha não é dos melhores.
Defendemos, na contramão do que foi posto, do que hoje está imposto, a completa ausência de
perseguição ao saber elaborado, aos/as professores/as, às artes e às humanidades, em geral.
Defendemos que os/as professores/as deste país tenham um salário digno, com condições
objetivas de trabalho e planos de carreira igualmente dignos. Defendemos que os/as docentes
deste país tenham tempo de planejamento de aulas e tenham tempo para acesso à arte, à
possibilidade de ler literatura. Defendemos que as formações continuadas de professores/as
alfabetizadores/as, aqueles/as que serão os/as primeiros/as a se dedicarem ao ensino da língua
materna, pautem-se em um modelo de educação laica, de qualidade, em que o ensino não se
restrinja a acentuar visões mecanicistas da língua. E defendemos o respeito à Literatura e àquilo
que ela representa para o mundo, para a sociedade, para escola, para nós.
Bakhtin (2011) define uma obra de arte “[...] não como objeto de um conhecimento puramente
teórico, desprovido de significação de acontecimento, de peso axiológico, mas como
acontecimento artístico vivo_ momento significativo de um acontecimento único e singular do
existir” (BAKHTIN, 2011, p. 175). Nesse sentido, de igual modo, não queremos invalidar o
prazer, o deleite que é propiciado com a leitura literária. A leitura de literatura nos permite, até
mesmo, o prazer. Todavia, reiteramos que não compactuamos com discursos, sobretudo em
programas governamentais de alcance federal de formação de professores/as, que reafirmem
171
uma visão de leitura literária exclusivamente lúdica, sem formalidade, utilitarista, descontraída
e divertida, pois esses são enunciados envolvidos profundamente com a perspectiva neoliberal,
que atropelam o aspecto eminentemente político da dimensão estético-formativa dos sujeitos
condutor da nossa vida em sociedade. A leitura literária chancelada pelos programas
governamentais oferece uma alegria volátil, um deleite fugaz, passageiro, descompromissado,
nocivo. Oferece uma visão fragmentada e retira a vida do acontecimento artístico.
Snyders (1993, p. 18) pondera a nocividade de um discurso antiescolar, que reitera
continuadamente a tristeza na escola, o desestímulo, o fracasso. Por outro lado, convém
lembrar, o conceito de alegria proposto pelo autor não se constitui em um entretenimento fugaz,
em uma abstração da realidade. A alegria na escola não é sinônimo de descompromisso, de
ausência de cumprimento de regras e de tarefas. É nesse sentido que reitera-se a premência de
uma renovação da escola, a perpassar seu elemento fulcral enquanto instituição de ensino: a
presença do conhecimento elaborado, do obrigatório e das relações humanas neles imbricados.
Para Snyders (1993), a alegria centra-se na compreensão, por meio do conhecimento socio-
historicamente elaborado, da complexidade dessa própria realidade, com seus respectivos
problemas, estranhamentos e idiossincrasias.
Pensamos que é importante conhecermos o que, de forma assídua, tem sido aprovado na
perspectiva oficial de formação de professores/as alfabetizadores/as. Qualquer documento é
sempre contextualizado, é sempre histórico, social e, portanto, está sujeito a respostas, a
problematizações. Diante do exposto, com a constatação da tríade tropeço (Profa), trapaça (Pró-
Letramento) e deleite (Pnaic), defendemos a tese de que, ao se conceber a leitura literária de
modo reducionista e superficial, chancelada por organismos internacionais e políticas públicas
educacionais, silenciam-se os contextos ideológicos, políticos, éticos, estéticos, históricos,
culturais, próprios do texto literário. Dessa maneira, o aparente modo lúdico e inofensivo com
o qual é engendrada a leitura literária nesses programas, mesmo que sob o epíteto de
contribuição para formação de leitores/as, bem como de rejeição ao analfabetismo, confirmam,
paradoxalmente, a palidez da própria refutação e, desse modo, colaboram para consolidar, ainda
mais, a precariedade das políticas oficiais de governo para o campo da educação brasileira.
Schwarz (2014), no ensaio “As ideias fora do lugar”, afirma que: “Ao longo de sua reprodução
social, incansavelmente Brasil põe e repõe ideias europeias, sempre em sentido impróprio. É
nesta qualidade que elas serão matéria e problema para a literatura” (SCHWARZ, 2014, p. 62).
No célebre trabalho, Schwarz (2014), a partir da análise de textos machadianos, mostra a
172
contradição de um país atravessado pelo trabalho e pelo sangue escravocrata e que, ao mesmo
tempo, procurava nos moldes liberais europeus ideias indescartáveis e, concomitantemente,
impossíveis de serem aplicadas em sua plenitude. Ele ainda assevera que “O escravismo
desmente as ideias liberais” (SCHWARZ, 2014, p. 58). Resguardadas as devidas proporções, o
uso pragmático do deleite desmente a leitura literária. Nos parece, assim, que, no século XXI,
com relação à educação e mais especificamente com relação à leitura literária, as ideias ainda
“permanecem fora do lugar”. De acordo com estudos como os de Becalli (2007), Antunes
(2015), Resende (2015) e Costa (2017) e, de igual modo, após as nossas análises, podemos
inferir que esses programas conservam muitas proximidades, ao tomar a leitura literária com
fins utilitaristas e esvaziada de seu sentido político, afim unicamente ao discurso monofônico
(BAKHTIN, 2015) ligado à ideia de leitura por prazer descompromissado. Ou seja, analisamos
os documentos de formação de professores/as e vimos que, por mais que haja uma tentativa de
se aproximar de ideais inovadoras com relação ao ensino, inclusive com a proposição do termo
Letramento (do inglês, literacy), a estrutura educacional permanece pouco alterada.
Mais recentemente, o decreto 9.765/2019 foi promulgado, documento que instituí a Política
Nacional de Alfabetização (BRASIL, 2019a). Ao olharmos com cautela essa cartilha (BRASIL,
2019c), vimos que a situação se agrava: institui-se termos como “literacia”, que, sob uma
roupagem mais nefasta, acentua a ideia do binômio alfabetização e letramento, enfatiza e
defende com robustez o método fônico, conserva o ideário neoliberal das “habilidades” e
“competências”, despreza o trabalho docente de mediação, vilipendia o texto literário e corrói
os delineamentos de uma educação democrática, de qualidade, laica e socialmente referenciada.
Em outras palavras, a cada programa de alfabetização, são anunciados os mesmos problemas
(analfabetismo, lamentáveis resultados de avaliações de larga escala, necessidade de formação
de professores/as) e modo de suspostamente resolvê-los fincam-se em ideias da moda,
supostamente inovadoras. São feitos pequenos ajustes, porém, a roupa ainda continua velha e
rota.
De acordo com Brait (2005), Bakhtin, na análise da língua, atribuiu atenção especial à
Literatura, “[...] enquanto gênero discursivo privilegiado no que diz respeito à representação da
complexa natureza dialógica da linguagem” (BRAIT, 2005, p. 96). Dessa maneira,
compreendemos que a leitura literária não pode se restringir a um pragmatismo e a um prazer
descompromissado. A Literatura, como forma privilegiada de compreensão da realidade, reúne
em um só espaço aqueles/as que, em meio a tantas calamidades, procuram o familiar e o
desconhecido, o abrigo e o desconforto. Lemos Literatura para participar do mistério e para
173
fugir dele. Lemos Literatura, porque, dialogicamente, ela tem muito a dizer do mundo, de nós.
Lemos Literatura porque sabemos que as respostas são provisórias e aceitamos o impasse, a
dúvida. Lemos Literatura para saber que este mundo não é o único possível.
No poema “Há tantos diálogos”, eu lírico propõe diálogos, inclusive com o silêncio. Durante
este trabalho, insistimos na tese de que a concepção de leitura literária referendada nos
documentos oficiais, influenciados por diretrizes de organismos internacionais, pauta-se no
silenciamento de vertentes que tomam o texto literário em sua complexidade: porque uma
objetivação humana, é histórico, social, político, contestatório, insubmisso, questionador...
Mas, mesmo com esse silenciamento, apostamos no diálogo e na literatura como formas de
humanização, de vivência de uma experiência estética que nos assegure o direito à
insubordinação, à rebeldia, à esperança, à poesia, o direito, enfim, a refutar mercadorização da
educação, a acreditar, quixotescamente, no crescimento de lírios e a lutar pela “agitação do mar
da história”.
174
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