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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MARIANA PASSOS RAMALHETE A LEITURA LITERÁRIA EM PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DO INÍCIO DO SÉCULO XXI (2001-2018): O TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE Vitória 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

MARIANA PASSOS RAMALHETE

A LEITURA LITERÁRIA EM PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE

FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DO INÍCIO DO

SÉCULO XXI (2001-2018): O TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE

Vitória

2019

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MARIANA PASSOS RAMALHETE

A LEITURA LITERÁRIA EM PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE

FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES DO INÍCIO DO

SÉCULO XXI (2001-2018): O TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação do Centro de

Educação da Universidade Federal do

Espírito Santo, como requisito parcial para

obtenção do grau de Doutora em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cleonara Maria

Schwartz.

Vitória

2019

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DEDICATÓRIA

Para meus pais, Glória Passos e Luiz

Ramalhete: cobertores, ombros e amores,

nos dias frios, nos dias todos.

Para Robson, com todo amor e gratidão,

porque não poderia ser diferente. A esse

grande ser humano, a quem amar e mudar

as coisas lhe interessa mais.

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AGRADECIMENTOS

Minha mãe Glória, quando eu era pequena, quando saía comigo e com minhas irmãs,

Marina e Luiza, para irmos à “cidade” (Centro de Vitória), sempre que passávamos em

frente à Ufes, de dentro do ônibus, ela dizia: “um dia vocês vão estudar aí!”. E apontava

para o campus. A cena se repetiu anos após anos, até que a “profecia de minha mãe” fosse

triplamente cumprida.

Entre graduações, eventos, cursos de aperfeiçoamento, mestrado e doutorado, eu estou na

Ufes há 15 anos. E é da professora Claudia Gontijo, uma frase que me marcou muito, a

respeito da nossa função enquanto professoras/es. Ela disse mais ou menos assim: nós

temos a obrigação de zelar por uma educação pública, de qualidade, para sermos

coerentes com a classe que mantém esta instituição de pé, apesar de grande parte dessa

mesma classe não ter acesso a ela (universidade).

Eu sempre penso quais seriam as chances de gente igual a mim, filha da classe

trabalhadora, teria, se quisesse permanecer em uma universidade federal por tanto tempo

e ter acesso uma formação sólida, consistente e de qualidade, se as vagas não fossem

expandidas e, sobretudo, se a instituição não fosse pública e gratuita. Sendo assim, meus

agradecimentos são direcionados a esta instituição que me acolheu, um espaço que me

ajuda a ser o que sou, a pensar nos outros, no mundo, na minha pequenez, dia após dia.

A Ufes, minha imensa gratidão.

Agradeço também, e muitíssimo, a minha amada família Ramalhete: Glória, Luiz,

Marina, Luiza e Matias. A meus pais pelo incentivo, pelo altruísmo, pelo esforço amiúde,

pelo zelo e amor. As minhas irmãs, pelo exemplo e amizade. A Matias, que, em seus

primeiros passos e primeiras palavras, não me deixa esquecer da poesia da vida e da luta

por mundos possíveis.

A Robson, meu amor, meu companheiro, pelas longas conversas e leituras, pelo olhar

sempre afetuoso e cúmplice, pelo café sempre quentinho, pelo zelo e pela inesgotável

utopia.

A Nola, minha querida, meu amor, pelo companheirismo em todas as etapas da escrita

desta tese, independente das horas, do lugar e das condições.

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A Samira Sten, minha amiga, minha irmã que a Ufes me permitiu conhecer, conviver e a

admirar. Minha gratidão pelo compartilhamento de risadas, de sonhos, de medos, de

lágrimas, de café. Agradeço muitíssimo a essa pessoa que tantas vezes ficou absorta em

nossos encontros. Porque se perde nas horas, lendo.

A minha amiga Tatiana Moreira, pouso confiável, alegre e seguro, inclusive na defesa.

Às queridas Luciana Ferreira, Camille Nascimento, Jamille Ghil, Priscila Gevigi, Nanine

Passos e Larissa Molina, pela costumeira amizade e parceria.

À família Loureiro, pelo imenso acolhimento. Minha gratidão, sobretudo a Lau Silveira,

pelo exemplo de força e por toda gentileza vindo dos aromas, dos gostos, de suas mãos.

Aos professores da Emef Prezideu Amorim, sobretudo a Rosimere Rodrigues e

Aguinaldo Rocha, seres humanos incríveis que me deram a força e o tempo necessários

para estudar, quando eu mais precisei.

A Cleonara M. Schwartz, minha orientadora, com grande admiração! Obrigada pelo

exemplo, pela força, pela perspicácia e por acreditar que esta tese era imaginável e

possível.

À banca avaliadora desta tese, com especial atenção às professoras Cláudia Gontijo e Ana

Crélia Dias, pela leitura atenta, acurada e pelos poréns e sugestões que me lembram da

minha incompletude.

A Maria Amélia Dalvi, com carinho, pela sua leitura criteriosa e presente nas duas

qualificações e, agora, na tese por completo.

A Luciana Ucelli, porque tanto me incentivou e que, de onde estiver, vai ficar feliz por

mais esta conquista.

A Orlando Pessanha (in memorian) e a Dona Hilda Pessanha, hoje com 90 anos. Pelos

empréstimos e doação de livros, desde a infância.

Ao Grupo de Pesquisa Literatura e Educação pelo compromisso de juntos/as, mantermos

acesos os estudos, as práticas e a luta por uma educação literária.

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Ao Nepefil, pela cumplicidade e pela parceria nas discussões.

Ao Nepales, especialmente a Gisele De Nadai, Davi De Nadai, Ericler Gutierrez, Lara

Rosado, Nayara Santos e Janaina Antunes, pelo fornecimento de materiais de estudo e

companheirismo na leitura dos textos.

Aos profissionais do prédio pelo cuidado com cada livro meu encomendado.

Aos/as meus/minhas alunos/as e aos /as professores/as que tive ao longo da jornada, pelo

aprendizado. Sempre.

À turma 13 do Doutorado do PPGE pela parceria e pelos diálogos nestes anos.

À Capes, pela concessão da bolsa, ajuda indispensável no período inicial de estudos.

Ao Ifes, pela aprovação de 6 meses licença para estudos, período exíguo, mas

fundamental para aprofundamento da pesquisa.

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... Escolhe teu diálogo

e tua melhor palavra

ou

teu melhor silêncio

Mesmo no silêncio e com o silêncio

Dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade

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RESUMO

Este trabalho se insere em um projeto de investigação maior, intitulado A política de

ensino da Língua Portuguesa no Brasil nos anos 2000, coordenado pela Profª. Drª.

Cleonara Maria Schwartz, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Analisa as

concepções de leitura literária referendadas pelos programas federais de formação de

professores alfabetizadores do início do século XXI, a saber: Profa (2001 a 2002), Pró-

Letramento (2005, 2008 e 2010 a 2012) e Pnaic (2012 a 2018). Categoriza-se

metodologicamente como uma pesquisa bibliográfico-documental e detém-se ao relatório

da Unesco, Educação: um tesouro a descobrir, e ao exame dos documentos dos

programas referidos. Está fundamentado no arcabouço teórico de Bakhtin e seu Círculo,

sobretudo nas obras Bakhtin (2016; 2017) e Volóchinov (2013; 2017). Privilegia as

categorias conceituais de dialogismo, enunciado e polifonia para analisar o corpus.

Pondera sobre os constructos epistemológicos do Letramento Literário e seus respectivos

desdobramentos no trabalho com a leitura literária. Defende a tese de que, ao se conceber

a leitura literária de modo reducionista e superficial, chancelada por organismos

internacionais e políticas públicas educacionais, silenciam-se os contextos ideológicos,

políticos, éticos, estéticos, históricos, culturais, próprios do texto literário. Dessa maneira,

o aparente modo lúdico e inofensivo com o qual é engendrada a leitura literária nesses

programas, mesmo que sob o epíteto de contribuição para formação de leitores/as, bem

como de rejeição ao analfabetismo, confirmam, paradoxalmente, a palidez da própria

refutação e, desse modo, colaboram para consolidar, ainda mais, a precariedade das

políticas oficiais de governo para o campo da educação brasileira.

Palavras-chave: Alfabetização; Formação de professores alfabetizadores; Leitura

Literária; Política Educacional.

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ABSTRACT

This work is part of a larger research project entitled The Portuguese Language Teaching

Policy in Brazil in the 2000s, coordinated by Professor Dr. Cleonara Maria Schwartz,

from the Federal University of Espírito Santo (Ufes). It analyzes the concepts of literary

reading endorsed by the federal literacy teacher training programs of the early 21st

century, namely: Profa (2001 to 2002), Pro-Literacy (2005, 2008 and 2010 to 2012) and

Pnaic (2012 to 2018). This is categorized methodologically as a bibliographic-

documentary research on UNESCO´s report, Education: a treasure to discover, and

examinates documents of the referred programs. It is based on the theoretical framework

of Bakhtin and his Circle, especially in Bakhtin (2016; 2017) and Volóchinov (2013;

2017). It privileges the conceptual categories of dialogism, utterance and polyphony to

analyze the research corpus. It ponders on the epistemological constructs of Literary

Literacy and their respective developments in the work with literary reading. It defends

the thesis that, when conceiving the literary reading in a reductionist and superficial way,

approved by international organisms and educational public politics, the ideological,

political, ethical, aesthetic, historical, cultural contexts, proper of the literary text, are

silenced. Thus, the seemingly playful and harmless way in which literary reading is

engendered in these programs, even if under the heading of contributing to readers’

formation, as well as rejection of illiteracy, paradoxically confirm the paleness of the

refutation itself. In this way, they collaborate to further consolidate the precariousness of

official government policies for the Brazilian education field.

Keywords: Literacy; Training of Literacy Teachers; Literary Reading; Educational

Policy.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Unesco - Educação, um tesouro a descobrir .................................................115

Figura 2 – Sumário- primeira parte - Educação, um tesouro a descobrir ......................116

Figura 3 - Sumário- segunda parte - Educação, um tesouro a descobrir .......................116

Figura 4 - Profa: capa do guia do formador, módulo1 ..................................................122

Figura 5- Profa: capa do guia do formador, módulo 2 ..................................................123

Figura 6 - Profa: capa do guia do formador, módulo 3 .................................................124

Figura 7 - Pró-Letramento: capa do material de Alfabetização e Linguagem...............137

Figura 8 - Pró-Letramento: autoria dos fascículos .......................................................138

Figura 9 - Capa do Caderno de Apresentação do Pnaic ................................................149

Figura 10 - Caderno do Pnaic - Ano 1, Unidade 1 ........................................................152

Figura 11 - Caderno do Pnaic - Ano 1, Unidade 8 ........................................................153

Figura 12 - Caderno do Pnaic - Ano 2, Unidade 1 ........................................................155

Figura 13 - Caderno do Pnaic - Ano 2, Unidade 8 ........................................................157

Figura 14 - Caderno do Pnaic - Ano 3, Unidade 1 ........................................................158

Figura 15 - Caderno do Pnaic - Ano 3, Unidade 8 ........................................................160

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LISTA DE QUADROS E TABELAS

Quadro 1 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre concepções de leitura e sobre

leitura literária..................................................................................................................34

Quadro 2 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre programas governamentais de

formação de professores/as alfabetizadores/as ................................................................45

Quadro 3 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre leitura deleite.....................57

Quadro 4 - Profa: finalidades do texto literário .............................................................125

Quadro 5 - Profa: Síntese das Recorrências de "Ler Para..." .........................................126

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LISTA DE SIGLAS

Anped – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

BNCC - Base Nacional Comum Curricular

Ceale - Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita

ES – Espírito Santo

FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

GFM1 – Guia do Formador, Módulo 1

GFM2 – Guia do Formador, Módulo 2

GFM3 – Guia do Formador, Módulo 3

MEC – Ministério da Educação

PCN’s Parâmetros Curriculares Nacionais

Pnaic - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

PNA - Política Nacional de Alfabetização

PNE - Plano Nacional de Educação

PNBE - Programa Nacional Biblioteca da Escola

PNLD - Programa Nacional do Livro Didático

PNLL - Plano Nacional do Livro e Leitura

PPE - Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe

Praler - Programa de Apoio à Leitura e Escrita

Profa - Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

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Proler - Programa Nacional de Incentivo à Leitura

Unicamp - Universidade Estadual de Campinas

UEPG - Universidade Estadual de Ponta Grossa

Ufal- Universidade Federal de Alagoas

Ufes – Universidade Federal do Espírito Santo

UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

UFPE - Universidade Federal de Pernambuco

UNB - Universidade de Brasília

Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

Unioeste - Universidade Estadual do Oeste do Paraná

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................... 16

1. A EMERGÊNCIA DO TEMA DE ESTUDO: LEITURA, QUESTÕES,

CONFLITOS E RESSONÂNCIAS .............................................................................. 23

2. ENTRE O SONHO E A AUDÁCIA: A REVISÃO DE LITERATURA ............ 33

2.1 CONCEPÇÕES DE LEITURA E LEITURA LITERÁRIA ............................34

2.2 PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE FORMAÇÃO DE

PROFESSORES/AS ALFABETIZADORES/AS .......................................................44

2.3 A LEITURA DELEITE ....................................................................................56

2.4 PALAVRAS: QUE ESTRANHA POTÊNCIA A VOSSA! .............................69

3. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO: SEM TEMER O VENTO E A

VERTIGEM .................................................................................................................... 74

3.1 DIALOGISMO, ENUNCIADO E POLIFONIA ..............................................76

3.2 PERCURSO METODOLÓGICO .....................................................................85

4. O LETRAMENTO LITERÁRIO: CONTRAPALAVRAS................................ 90

4.1 O LETRAMENTO ...........................................................................................91

4.2 O LETRAMENTO LITERÁRIO .....................................................................95

5. A LEITURA LITERÁRIA NOS PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS: O

TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE ............................................................... 110

5.1 A UNESCO ..........................................................................................................114

5.1 O PROFA ........................................................................................................121

5.2 O PRÓ-LETRAMENTO .....................................................................................136

5.3 O PNAIC .........................................................................................................148

5.4 O TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE .................................................162

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 167

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 174

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

[...] Perguntam-me: onde estão os lírios?

E a metafísica coberta de papoulas?

E a chuva que com frequência golpeava

suas palavras enchendo-as

de frestas e pássaros?

Vou lhes contar tudo o que me passa.

Pablo Neruda

Esta tese foi escrita entre os anos de 2016 a 2019, um momento emblemático da história

brasileira que pôs em evidência a agonia de uma frágil e sufocada democracia. Em 2016, um

golpe civil-midiático-parlamentar, gestado no ventre do ultraconservadorismo, destituiu, sob

falsas alegações de crime de responsabilidade, Dilma Vana Rousseff, presidenta legitimamente

eleita, e abriu espaço para uma série de vilanias. A partir de então, convivemos com um

retrocesso que sabota, dia a dia, os limites da constituição, do bom senso, da ética. Dada à

natureza deste trabalho, nos reservaremos a alguns registros do que se tem feito “apenas” no

campo da educação em nível nacional.

Em 2016, a emenda constitucional 95/2016, caracterizada substancialmente por uma política de

austeridade, estabeleceu um novo regime fiscal (BRASIL, 2016) e congelou os investimentos

em educação por vinte anos. No final de 2017, foi publicada a Resolução CNE/CP nº 2, que

institui a BNCC-Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017d), documento assentado na

visão neoliberal de educação (GERALDI, 2015), que lista o que deve ser aprendido pelo/a

aluno/a em sua vida escolar. Criada anteriormente como medida provisória e promulgada em

fevereiro de 2017, a Reforma do Ensino Médio, regulamentada pela Lei 13.415/2017 (BRASIL,

2017a), em linhas gerais, flexibiliza o currículo dos/as estudantes e é convergente ao

alinhamento da formação ao regime de acumulação flexível (KUENZER, 2017).

Institucionalizada sem um amplo debate com a comunidade acadêmico-escolar, essa reforma

foi alvo de críticas em todo país e milhares de estudantes ocuparam sob protesto as escolas

(KUENZER, 2017; TATEMOTO, 2017). Por deixar clara a visão mercadológica do governo

em relação à educação e limitar o acesso da classe trabalhadora ao conhecimento elaborado, o

Novo Ensino Médio, atrelado à BNCC, atrelado à reforma trabalhista (BRASIL, 2017b), que

legaliza o trabalho intermitente, a terceirização de atividades primárias que atingem também a

carreira do magistério, a jornada de 12 (doze) horas laborais, e, também, atrelado à reforma da

previdência, deixa claro que parte considerável da política brasileira tem representando

interesses alheios aos da classe trabalhadora e, afinada às políticas internacionais, colabora com

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a manutenção de uma estrutura econômica produtora de severas desigualdades. As atividades

do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), política pública de distribuição de livros

de literatura, pesquisa e referência, que já estavam pausadas desde 2014 (MOREIRA, 2017),

foram de vez interrompidas em 2017, para dar lugar mais tarde, via Decreto nº 9.099/2017

(BRASIL, 2017c), com uma série de questionáveis mudanças, ao PNLD-Literário.

Em 2018, propostas assentadas na inconstitucionalidade, advindas do movimento “Escola sem

Partido”, sob a alegação de que professores/as exercem doutrinação em sala de aula, alastram-

se no Brasil, tornando-se, além de um atentado à liberdade de expressão e de cátedra

(FRIGOTTO, 2016), uma bandeira eleitoreira para inúmeros candidatos país afora. Ainda que

a proposta não tenha sido oficializada legalmente em âmbito federal, em defesa do livre

pensamento, a ideia de perseguição é a ordem: incita-se o ódio pela filmagem, gravação e a

denúncia deliberada de professores/as (BASILIO, 2017). Em 2018, além da hostilidade ao

legado de Paulo Freire acirrada desde 2015 (HADDAD, 2019), encerram-se as atividades do

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).

No governo atual, os ataques frontais à educação solidificam-se à medida que o exercício de

cargos importantes é feito exatamente por aqueles que querem sepultá-la. A gestão de Ricardo

Vélez Rodríguez foi marcada, em linhas gerais, pela ofensa a brasileiros/as, comparando-os a

canibais (FOLHA DE SÃO PAULO, 2019); pelo combate aos chamados “marxismo cultural”

e “ideologia de gênero” (SALDAÑA, 2019); pela defesa do homeschooling e da interferência

religiosa na educação (RONZANI, 2019); pela publicização de um completo desconhecimento

de políticas educacionais da área da alfabetização vislumbradas desde a defesa do método

fônico (MORENO, 2019) ao descontrole acerca das medidas avaliativas na área da

alfabetização (MARIZ; FERREIRA, 2019); pela extinção da Secadi (Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Social), que tinha como foco ações e

políticas que valorizassem a diversidade e a inclusão, atuando especificamente nos seguintes

âmbitos: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação

Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola, Educação para as relações Étnico-Raciais e

Educação em Direitos Humanos (MEC, 2018); e pelo revisionismo histórico acerca da Ditadura

Militar brasileira (EL PAÍS, 2019).

Demitido em pouco mais de 90 dias de governo, Vélez foi substituído no dia 08 de abril de

2019 por Abraham Bragança de V. Weintraub, até então secretário-executivo da Casa Civil.

Sua gestão tem sido balizada pela incitação popular ao desprezo pelo saber elaborado, a aversão

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à área das Humanidades pela tentativa, por exemplo, de extinção das faculdades de Sociologia

e Filosofia (BASILIO, 2019a) e à perseguição aos/às professores/as (BOGHOSSIAN, 2019) e

às instituições federais de educação. Em pouco tempo de governo, o atual ministro anunciou a

revisão do PNE-Plano Nacional de Educação (MUGNATTO, 2019), o que se caracteriza como

uma forja para o descumprimento referido plano, que inclui o destino de 10% do PIB brasileiro

à educação. Congelou verbas destinadas à educação básica e às universidades (ANDES, 2019),

confinando instituições, erigidas pelo tripé do ensino, da pesquisa e da extensão, que, em muitos

estados, ofertam atendimento de saúde à população por meio de hospitais universitários, ao

funcionamento com o pouco, com a escassez, com falta. Atrelada a essa asfixia, além do corte

de bolsas para pesquisa em todo o país (PINHO; SALDAÑA; GENTILE, 2019), medida que

esfacela a produção científico-tecnológica brasileira, e da extinção do programa “Idioma sem

Fronteiras” (REVISTA FÓRUM, 2019), foi lançado o programa “Future-se”, que sob a

alegação de consulta pública e modernização das universidades (MEC, 2019b; MIGUEL,

2019), é a marca das garras da privatização.

No mesmo governo, houve, em abril de 2019, por meio de decreto, a instituição da Política

Nacional de Alfabetização (PNA), sistematizada em cartilha quatro meses depois. Trata-se de

uma ação governamental que prioriza o método fônico e restringe as práticas de escrita e de

leitura à codificação e decodificação (BRASIL, 2019a; BRASIL, 2019c). Em julho do mesmo

ano, houve a extinção do Conselho1 Consultivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (BRASIL,

2019b). Além de ser uma prática antidemocrátrica, tal ação altera o Decreto nº 7.559/2011, que

dispõe sobre o PNLL-Plano Nacional do Livro e Leitura (BRASIL, 2011), e acaba com a

representatividade de instâncias que corroboram com o planejamento de estratégias para o

incentivo à leitura no país.

Circunscritas em outros âmbitos do governo, propostas como “Pátria Voluntária”, que fomenta

o trabalho voluntário inclusive na área educacional (GARCIA, 2019), mostra que a aflição de

Neruda (2006), ao contar o que se passa no poema “Explico Algumas Coisas”, é comungada

por nós. No Brasil, pouco temos o que falar sobre lírios.

Mesmo sem a configuração de todo o cenário apresentado, já corroborávamos com Freire

(1983) acerca da impossibilidade de neutralidade na educação. Zilberman (1999), por sua vez,

1Segundo Andrade (2019), até julho de 2019, 17 Conselhos tiveram a representatividade solapada. Antes da

extinção, esses 17 colegiados somavam 201 vagas com membros das mais variadas instâncias sociais que

colaboravam na elaboração e implementação de políticas públicas. Os decretos reduziram quase pela metade a

participação social, perfazendo um total de 104 vagas.

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assegura que a “[...] a leitura, quando inserida no processo social, renuncia a qualquer tipo de

neutralidade. Traz embutida uma orientação democrática que [...] se dilata ou se contrai de

acordo com os propósitos dos grupos que recorrem a ela como parte de seus projetos de ação”

(ZILBERMAN, 1999, p. 43). Leitura. Essa palavra tantas vezes significada, estudada,

proferida. Compreender, então, como o Estado a direciona, não neutramente, nos programas

governamentais é de suma importância, considerando as atribuições de sentido, a constituição

de um público leitor e as relações inextricáveis entre mercado, oferta de livros, políticas

públicas e formação de professores/as.

Dessa forma, em uma modesta tentativa de aprofundamento de estudo sobre alguns aspectos da

leitura no Brasil em nível de mestrado, foi possível compreender melhor diversas questões

envolvidas nos programas governamentais de leitura e os possíveis interesses mercadológicos

que circundam a leitura literária com foco específico às literaturas infantil e juvenil. Em outras

palavras, ao concentrar esforços em temas inerentes à linha tênue entre as áreas de Letras e

Educação, propondo um entrecruzamento de vozes e distanciando-se da construção de barreiras

limítrofes entre essas duas áreas, por meio da análise das relações entre PNBE (Programa

Nacional Biblioteca da Escola) e os prêmios literários Jabuti e FNLIJ (Fundação Nacional do

Livro Infantil e Juvenil) acerca da escolha de livros, foi possível dialogar criticamente acerca

de uma concepção salvacionista e redentora da escola, da literatura e da leitura (RAMALHETE,

2015).

Dalvi (2018), em estudo sobre políticas públicas de educação literária, assevera a premência de

uma educação literária que não seja ensimesmada. Para a autora, educação literária, de fato, não

se faz em consonância com políticas públicas que admitem a conservação de privilégios e a

concentração de renda nas mãos de muito poucos. Ao ponderar sobre a distribuição de riqueza

no mundo, demonstrou que, no Brasil, são os mais pobres que essencialmente arcam as políticas

públicas com impostos e, contraditoriamente, na maioria das vezes, estão alijados do usufruto

delas. A autora registrou uma série de dados que, comparados ao desempenho brasileiro nos

rankings internacionais, ao confronto da distribuição de riqueza e às respectivas condições de

vida a que a maior parte da população está submetida, sustenta o questionamento de discursos

políticos sobre a suposta prioridade dada à educação.

Assim, com um olhar mais cauteloso sobre concepções de escola, de literatura, de leitura, de

leitura literária, é com desconfiança que certos discursos são observados. E é por isso mesmo

que esta proposta se configura em uma forma de dar continuidade à pesquisa iniciada em nível

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de mestrado. Ou seja, diante de um repertório de oferta de livros e considerando que os/as

professores/as alfabetizadores/as são os/as primeiros/as dedicados/as ao ensino da língua

materna, a pesquisa que aqui se pretende levar a cabo, em nível de doutorado, volta-se aos

programas governamentais dessa área, a partir do ano 2000, especificamente o Programa de

Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), Pró-Letramento e o Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).

Considerando a abrangência dessas políticas educacionais2, suas significativas ações e a

necessidade de se manter aceso o diálogo sobre leitura, um questionamento se formula: quais

são os pilares que sustentam as concepções de leitura literária em programas federais voltados

para a formação de professores/as alfabetizadores/as? Valendo-se de uma pesquisa qualitativa,

de procedimento bibliográfico-documental, o objetivo central desta pesquisa é, portanto,

compreender como estão fundamentadas as concepções de leitura literária referendadas pelos

programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as (2001 a 2018), visando a

conhecer as possíveis intencionalidades dessas concepções nos documentos oficiais.

Especificamente, este intento se propõe a analisar quais são aspectos que circundam essas

concepções de leitura, de modo a perscrutar se estas atendem aos pressupostos de uma educação

literária ou visam apenas a sustentar e a reproduzir um contexto meramente mercadológico.

Ambiciona-se, ainda, compreender qual é a proposta desses programas, ao inserir tais

concepções em seus documentos3 (cadernos, guias, fascículos, dentre outros) e se há uma

possível aproximação dessas concepções às propostas da Unesco (Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Por fim, anseia-se investigar como estão

estruturadas as propostas de trabalho com os textos literários contemplados nesses programas

e, assim, propalar se e/ou como as perspectivas do Letramento Literário estão engendradas nos

referidos documentos de formação de professores/as.

Esta pesquisa, inserida em um projeto de investigação maior, intitulado A política de ensino da

Língua Portuguesa no Brasil nos anos 2000 e coordenado pela Profª. Drª. Cleonara Maria

2 Políticas educacionais, neste estudo, são compreendidas da seguinte forma: “Num sentido mais prático, quando

nos referimos à política educacional, estamos tratando de ideias e de ações. E, sobretudo, de ações governamentais,

reconhecendo que “a análise de política pública é, por definição, estudar o governo em ação” (SOUZA, 2003, grifo

meu). As políticas educacionais, destarte, expressam a multiplicidade e a diversidade da política educacional em

um dado momento histórico. Dizem respeito a áreas específicas de intervenção, daí porque se fala em políticas de

educação infantil, educação básica, educação superior, etc. Cada uma delas, por sua vez, pode se desdobrar em

outras (VIEIRA, 2007, p. 56). 3 Documento, neste contexto, é entendido, em linhas gerais, como uma fonte de dados. Segundo Gil (2002, p. 46),

“há que se considerar que os documentos constituem fonte rica e estável de dados. Como os documentos subsistem

ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica”.

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Schwartz, se justifica, então, a) por ser uma análise de programas de formação de professores/as

de abrangência nacional; e, especificamente porque, até o momento, não foi encontrada

pesquisa semelhante, fundamentada nos mesmos referenciais teóricos e nos procedimentos

metodológicos; b) pela necessidade de mostrar com mais agudeza alguns aspectos intrínsecos

à escolha de obras literárias em programas de formação de professores/as alfabetizadores/as.

Justifica-se, ainda, pela emergência de se mostrar que as políticas ora contempladas nesta

pesquisa são engendradas por sujeitos, instâncias, em um contexto histórico-social delimitado,

e, por esses motivos, possuem intencionalidades assaz balizadas. Em outras palavras, se é

prudente afirmar que as materialidades dos documentos evidenciam relações de forças, cujos

traços supostamente bem-intencionados são severamente questionados neste percurso, nosso

intento justifica-se, por fim, pela possibilidade de desvelar as tramas que também legitimam,

de certo modo, os resultados desconfortáveis de pesquisas acerca dos desempenhos de leitura

dos/as estudantes brasileiros/as.

Além desta introdução e das considerações finais, este trabalho está estruturado da seguinte

forma: o primeiro capítulo concentrar-se-á nos enunciados sobre a leitura referendados por

alguns autores, em diferentes contextos históricos, e como essa prática foi analisada na

Enciclopédia Einaudi, que, no tocante ao verbete “leitura”, constitui-se uma espécie de

inventário acerca das diferentes nuances que abrangem a temática. O capítulo destina-se não

apenas a observar traços definidores, mas a identificar vulnerabilidades e fissuras que permitam

uma formulação mais consistente de nosso problema, sempre com os olhos fitados à leitura

literária. Salientamos que, desta maneira, pretendemos delinear melhor a emergência do objeto

de estudo e as razões que nos motivaram a pesquisar esta temática específica.

O segundo momento será dedicado à revisão de literatura, que permitirá sinalizar alguns

caminhos em articulação à produção acadêmico-científica mais recente, no que concerne às

concepções de leitura, à leitura literária e aos programas governamentais. O objetivo desse

capítulo é mostrar como se tem ponderado sobre a leitura e sobre a leitura literária no Brasil e

o papel dos programas de formação neste processo. Indicaremos, paralelamente, o que os

estudos têm priorizado, se há outros estudos (além do nosso) que focalizam tais demandas, bem

como tentaremos anunciar um possível ineditismo desta proposta.

O terceiro capítulo, quadro teórico-metodológico, a fim de compreender e responder a algumas

indagações propostas neste trabalho, será erigido a partir da concepção bakhtiniana de

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linguagem, fundamentado nas produções do Círculo de Bakhtin4. Embora saibamos que a obra

do Círculo de Bakhtin não é desarticulada e que todas as concepções estão permeadas por uma

concepção dialógica de linguagem, neste trabalho, concentraremos nossos esforços nas

categorias conceituais de enunciado, dialogismo e polifonia. Esses conceitos foram

privilegiados para análise dos dados, por permitirem uma compreensão mais acurada de

determinados fenômenos, por considerarem a historicidade dos sujeitos, as vozes alheias, bem

como por se afastarem de visões reducionistas da linguagem.

Os estudos sobre o Letramento ganharam ampla aceitação no Brasil, a ponto de se alastrarem

para outros campos de estudos além da alfabetização e de se tornarem perspectiva oficial do

Estado. O quarto capítulo, então, faz um pouso nas premissas do Letramento Literário. Trata-

se de um momento que se destina a conhecer como estas se fundamentam e quais as possíveis

implicações nos documentos a serem analisados. Em outras palavras, interessa-nos, também,

compreender em que medida essa vertente se articula às concepções de leitura literária.

O quinto capítulo, antes de trazer à baila o corpus e suas respectivas análises, fará uma discussão

sobre as concepções de literárias no Profa, no Pró-Letramento e no Pnaic, com foco naquilo que

mais é recorrente: a leitura para o deleite. Bakhtin é assertivo ao afirmar: “Qualquer que seja o

objeto do discurso do falante, ele não se torna objeto do discurso em um enunciado pela primeira

vez, e um determinado falante não é o primeiro a falar sobre ele” (BAKHTIN, 2016, p. 61). Em

outra obra, acrescenta: “[...] Esses dois momentos (a inteiração do repetível e a descoberta do

novo) devem estar fundidos indissoluvelmente no ato vivo da compreensão: porque a não

repetitividade do todo está refletida também em cada elemento repetível [...]” (BAKHTIN,

2017b, p. 37). Em outras palavras, sabemos que esse conceito não é novo. No entanto, ao ser

imerso nos documentos oficiais do século XXI, atrelado à leitura literária, considerando que

somos seres da e na história, desconfiamos. Na novidade, há, intencionalmente, a repetição.

4 Este trabalho privilegiará as obras do Círculo de Bakhtin em traduções provenientes diretamente do russo. As

questões de autoria, para fins de citação, acompanham as descrições dos circunscritas nos livros.

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1. A EMERGÊNCIA DO TEMA DE ESTUDO: LEITURA, QUESTÕES,

CONFLITOS E RESSONÂNCIAS

Deus te livre, caro leitor, de uma ideia fixa.

Brás Cubas (Machado de Assis)

Leitura é um vocábulo extremamente polissêmico, com muitas acepções e aplicações.

Etimologicamente, tem sua origem, segundo Portella (1984), na palavra legere e teria a mesma

raiz da palavra escolher e colher. É admissível afirmar, pois, que a leitura se aproxima de

sentidos como decifração, escolhas. Por causa dessa proximidade entre vocábulos, muitos

argumentos são erigidos. Um deles repousa na premissa de que o/a leitor/a, circunscrito em

contextos histórico-sociais bem delimitados, é quem dá sentido ao texto.

Afora as nuances próprias dos aspectos supracitados, há outras maneiras de se falar sobre leitura

e leitura de literatura, especificamente. Lispector (1998), por exemplo, a define como felicidade

clandestina. Calvino (1993) chegou a afirmar que é melhor ler os clássicos que não lê-los. O

narrador borgeano, antes de se livrar do livro de areia, diante da infinidade de possibilidades, o

chamou de “tesouro” (BORGES, 2009, p. 104). Prado (2004) considera os livros como parte da

casa e que neles há vida pulsante. Essas várias tematizações atribuem à relação com a leitura

e/ou com os livros as noções de prazer, satisfação, intimidade, descoberta e deslumbramento,

por exemplo. Sendo a prática de leitura e os livros já contemplados em inúmeros romances,

poemas, defendidos por escritores dos mais variados contextos, e sendo essa mesma prática

uma “bandeira” levantada por parte dos/as professores/as e, de modo geral, por parte da

sociedade, por que, ainda, em pleno século XXI, essa “ideia fixa”? Por que falar de leitura

literária em solo brasileiro não é uma mera obrigação acadêmica, mas, antes, uma necessidade?

De um modo geral, a educação brasileira resguarda uma má fama no que concerne aos

resultados dos modestos desempenhos de estudantes em avaliação de larga escala,

especificamente quando se tematiza a leitura. Afora as críticas dessas avaliações, que vão desde

ao rechaçamento dos discrepantes contextos das instituições de ensino por parte do governo e

dos distintos caminhos e tempos para aprendizagem dos/as alunos/as, resultados como os do

Pisa 2018, por exemplo, em que se registra que cerca de 50% dos/as estudantes brasileiros/as

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estão abaixo do nível básico de proficiência de leitura (INEP, 2019), refletem a cristalização

das disparidades sociais no Brasil.

Essa constatação sobremaneira incômoda é uma das motivações deste trabalho. Logo, ao tentar

compreender melhor algumas concepções de leitura e, sobretudo, de leitura literária, foi

necessário, inicialmente, recorrer a uma espécie de compilação de algumas nuances que

cerceiam a temática, tratadas na Enciclopédia Einaudi. Nessa pesquisa, segundo Barthes e

Compagnon5 (1987, p. 184), “A palavra ‘leitura’ não remete para um conceito, e sim para um

conjunto de práticas difusas”. Esses dois pensadores reuniram em uma enciclopédia alguns

sentidos atribuídos à leitura ao longo do tempo, estudaram-na sob ótica de um prisma,

contemplando: a) as práticas; b) o objeto; c) a operação; d) o fenômeno; e) o desejo; f) o sentido;

g) o intertexto; e h) a leitura hoje.

Conforme os autores, inicialmente a leitura era uma prática que estava vinculada à economia.

As primeiras sociedades agrícolas, para reunir colheitas e armazená-las de modo preciso,

necessitavam de algo que pudesse valer o registro. Ler, por conseguinte, era uma técnica de

decodificação (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 184). Para além da técnica, a leitura

poderia ser uma prática social restrita às esferas do poder e da religião e, também, estava ligada

a uma forma de gestualidade, já que implica o envolvimento do corpo.

Mesmo na sociedade moderna, pessoas que leem são consideradas cultas, sábias. Tal discurso

tão massificado remonta às antigas sociedades, pois ler era uma forma de sabedoria, com vieses

aparentemente opostos: “[...] ou se lhe opõe a vida triunfante do corpo, do sexo, ou ela é

depreciada como uma última demonstração da vaidade humana” (BARTHES; COMPAGNON,

1987, p. 185). A leitura também pode ser configurada como uma atividade voluntária para

instrução moral, ou, ainda, como um

[...] método intelectual destinado a organizar um saber, um texto, e a restituir-lhe

todas as vibrações de sentido contidas na sua letra, de que a primeira leitura é,

precisamente, garante. [...] Ler adquire três auréolas prestigiosas (pouco importa que

talvez sejam contraditórias): a da ciência (exatidão, rigor), a da razão

(desmistificação), a do gosto (conformidade com o Belo) (BARTHES;

COMPAGNON, 1987, p. 186).

5 Resguardadas as devidas distâncias epistemológicas entre os estudiosos listados e Mikhail Bakhtin, entendemos

que a abordagem da leitura na Enciclopédia Einaudi foi interessante e necessária, uma vez que evidencia as várias

facetas implicadas no ato da leitura.

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Quanto à segunda vertente, a qual os autores denominam de “objeto”, distinguem-se os dois

níveis de leitura: o da leitura imediata e a leitura que visa a compreensão de sentidos do texto

(BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 187-188). Quanto aos “sentidos”, os autores ainda

ponderam acerca da forte influência do contexto histórico, visto que a leitura mobiliza “[...]

uma massa heteróclita de determinações (históricas, teológicas, psicológicas, institucionais); já

não é uma operação, e sim uma actividade (mental, cultural, religiosa, estética, ideológica,

etc.)” (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 188). No que concerne à “operação”, os autores

destacam o estatuto científico da língua.

No caso do “fenômeno”, uma constatação tão corriqueira é revelada: “Uma vez realizada a

aprendizagem, nenhuma atividade é, aparentemente, mais simples, mais automática que a

leitura: leio como ando, como respiro, ou seja, sem nunca me interromper para me perguntar

como leio, para me olhar, para me ouvir, para considerar o ato que realizo” (BARTHES;

COMPAGNON, 1987, p. 191). É advertido que a fenomenologia é um acesso à leitura, mas

não esgota os outros e chamam atenção para a assertiva de que “A leitura é sempre um recomeço

[...]” (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 193).

Outro aspecto interessante repousa no “desejo”. Essa ponderação encontra-se marcada por dois

traços em especial: a leitura de transgressão, a exemplo de Dom Quixote, e a leitura como um

gesto do corpo, que, “[...] ao mesmo tempo, instala e perverte a sua ordem” (BARTHES;

COMPAGNON, 1987, p. 198). Quanto ao “sentido”, os autores asseguram que quaisquer

concepções de sentido perpassam um determinado modelo de leitura: “[...] É por isso que a

leitura é sempre um ato, o ato da produção do sentido: investe o texto, fá-lo dar sentido. [...] E

a leitura, enquanto ato, nunca é inocente, o que não significa que seja culpada, mas que a

verdade do texto é a da sua leitura”6 (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 198).

Em um tom jocoso, Machado (2011, p. 99) afirmou que “Temos vontade de conversar com os

livros que lemos”. Ao tratar de intertexto, Barthes e Compagnon (1987) muito nos fazem

lembrar o artigo da referida escritora brasileira, afinal, para eles, “[...] se leitura e escrita

6 Ainda que esta não seja a discussão privilegiada nesta tese, gostaríamos de ratificar que discordamos da assertiva

de que a verdade de um texto se dá apenas pela sua leitura. Para tanto, arraigamo-nos em dois estudos: a) Todorov

(2008, p. 95-96) assegura que a prescrição da ideia de verdade não é um triunfo cognitivo apenas do totalitarismo,

mas ameaça também os governos democráticos, tendo em vista que, segundo essa perspectiva, a reescrita da

história fica sujeita às necessidades do momento; b) Bakhtin (2017a, p. 54-55) pondera que a verdade é autônoma,

absoluta e eterna. Para o filosofo, esse último aspecto não pode ser contraposto a nossa temporalidade e a validade

de uma asserção teórica independe de ela ser conhecida ou não por alguém. Portanto, o fato da hermenêutica ser

imprescindível para certos fenômenos não significa que a interpretação determina a existência objetiva destes. Em

outras palavras, embora o sentido não seja monolítico, nem todas as leituras são possíveis.

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coincidem no ato de citar, é talvez porque toda a leitura, toda a escrita participam da citação.

Toda a leitura: enquanto é já gesto de apropriação. E toda a escrita: enquanto é sempre reescrita,

deslocação coerente imposta ao que já lá está” (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 203).

Ao explicitarem questões d’A leitura hoje, os autores afirmam que o número de leitores/as é

maior que o dos/as escritores/as e trazem uma constatação inquietante: a de que muitos/as

leitores/as não podem “[...] aceder à escrita” dadas as razões econômicas impostas pelo voraz

mercado editorial. Por fim, eles observam:

Aqui ocorre, portanto, um paradoxo do leitor: admite-se, regra geral, que ler é

descodificar: as letras, as palavras, os sentidos, as estruturas e isso é incontestável;

mas acumulando as descodificações, porque a leitura é, de direito, infinita, tudo

incorre numa inversão dialética: finalmente, não descodifica, sobrecodifica, não

decifra, produz, acumula linguagens, deixa-se incansavelmente atravessar por elas; é

essa a travessia (BARTHES; COMPAGNON, 1987, p. 204)

Diante dessas sucintas explanações, percebemos que as muitas abordagens de leitura possuem

relação direta com contexto histórico. Com clareza, os autores sustentam que o ato de leitura

não é algo apenas relacionado à visão reducionista e mecânica da decodificação. Pode-se, então,

questionar, a partir de um contexto brasileiro severamente marcado por um recrudescimento

das políticas neoliberais e de acirramento das diferenças sociais, a perversidade de certos

discursos que repousam, de modo aparentemente incólume, nos berços de algumas pesquisas

educacionais.

De modo específico sobre a leitura literária, na obra Andar entre Livros, Colomer (2007)

pondera que “andar entre livros” é uma condição imperiosa da educação literária. Distingue

“incentivo à leitura” e “ensinar a ler” e tece críticas direcionadas a aparente configuração

secundária que se dá à leitura literária, quando se lamenta que os/as alunos/as não leem. Em

outras palavras, a autora salienta que, em geral, as queixas pelos índices de leitura se dão, muito

mais, por uma visão utilitarista da leitura, destinada ao domínio da escrita e a preocupação se

esses índices podem ser mais um empecilho à ascensão social, do que propriamente à formação

do/a leitor/a de Literatura.

No artigo Leitura e Conhecimento, Aguiar (2007) assinala a especificidade da leitura literária.

No trabalho em questão, a importância de outras leituras na produção de conhecimento não é

rechaçada, porém, sublinha-se a abrangência do papel social do texto literário. Segundo a

autora, enquanto textos informativos, por exemplo, tratam de casos particulares, a Literatura se

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concentra na totalidade do real, pois, ao representar o particular, tem um alcance mais amplo

da complexidade humana.

Silva (2013a), em A Leitura Literária como Experiência, a partir da análise da obra Infância,

de Graciliano Ramos, ressalta a importância da leitura literária para a formação do/a leitor/a.

Tomando o conceito de experiência a partir da óptica benjaminiana, a autora destaca a

necessidade de as práticas de leitura contemplarem os clássicos nacionais, por seu notável valor

social e histórico e, também, porque é partir dessa prática que se pode fomentar o exercício da

memória.

O trabalho de Paulino (2008), Algumas especificidades da leitura literária, inicialmente,

arraigado nos estudos de Soares (2008), defende o caráter multifacetado da leitura, uma vez que

há muitos modos de leitura e uma diversidade de gêneros discursivos admitidos pela Literatura.

Por causa dessa heterogeneidade de modos e gêneros, recorre ao termo letramento, menciona

os resultados dos/as estudantes finlandeses e salienta como aspecto notável ao sucesso desses

sujeitos: leitura a contento de textos informativos. Reforça a importância de se ler esse gênero

discursivo, dada a condução de opiniões pelos veículos comunicativos, mas alerta para o fato

de que, segundo a autora, “[...] a leitura crítica de mundo ligada à leitura de textos escritos não

depende tanto do gênero destes como das competências e habilidades desenvolvidas pelos

leitores” (PAULINO, 2008, p. 3-4, grifo nosso).

Ainda que não tenha ficado muito claro se a autora defende uma priorização de textos

informacionais na escola, observamos em seu texto, à moda de uma pecha, a defesa dos

conceitos de competências e habilidades, afins aos estudos de Macedo (2005) e, mais

especificamente, de Perrenoud (1999). Ambos os autores, epistemologicamente vincados pelos

estudos de Donald Schön, defendem esses dois conceitos afinados com uma doutrina

neotecnicista amplamente divulgada no Brasil (DUARTE, 2003). Embora uma discussão mais

aprofundada desses termos não seja escopo deste trabalho, cabe ressaltar que ambos tiveram

suas origens no contexto empresarial, sobretudo na década de 1990, com objetivo primeiro de

atender a demandas imediatas do ambiente laboral. Na área educacional, a discussão do

professor reflexivo, a busca pela celeridade na resolução de conflitos e outras incongruências

contribuíram para uma depreciação do conhecimento científico, teórico e acadêmico

(DUARTE, 2001; 2003). Dessa maneira, é com estranheza que observamos o termo habilidade

no mesmo contexto que contempla a discussão sobre leitura literária.

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Barthes e Compagnon (1987, p. 198) asseveram que o ato da leitura não é inocente. Desse

modo, é matéria de estranhamento a correspondência imediata de uma leitura crítica de mundo

a tal perspectiva. Há uma série de fatores imbricados, quando se estudam questões inerentes à

leitura. Todavia, ignorar as condições econômicas, as relações de classe, as desigualdades

sociais, por exemplo, parece-nos reducionista demais, num país tão díspare como o Brasil.

Trata-se de uma abordagem perigosa, tendo em vista a proximidade com os anseios

empresariais no âmbito da educação, e, também, por esvaziar o debate político, ao mesmo

tempo em que fragiliza a dimensão social da leitura.

Adiante, a autora faz uma ponderação acerca de questões estéticas atreladas ao que ela

denomina de “espaços concretos de resistência”, defende seu posicionamento anterior,

fundamentada, sobretudo, nos estudos de Gatti (1997) agenciados pela Unesco, quanto à

consideração do individual e social, mais especificamente: “habilidades cognitivas” e

“competências sociais”. Em outras palavras, esses dois termos, de acordo com Paulino (2008),

devem ser considerados à luz dos processos histórico-sociais. Assim,

[...] se as disposições podem ser enfraquecidas ou reforçadas, se são históricas, não se

pode reduzir previamente a potencialidade de leitura literária a certos indivíduos,

excluindo outros. Ela pode ser encarada como situação nova e não interiorizada como

‘pessoal’ por muitos indivíduos pobres, o que exigiria poderosas estratégias de

socialização que a incluíssem. Em suma, tornar relevante a competência social de

leitura literária depende de prioridades políticas e econômicas, capazes de influenciar

opiniões e comportamentos coletivos. Resta saber se tal posicionamento caracteriza o

contexto brasileiro contemporâneo. Essa é uma outra questão (PAULINO, 2008, p.

9).

Para nós, entretanto, essa (relações políticas, econômicas) é a questão. Afinal, o afastamento

desse aspecto das discussões parece configurar um sinal de que as marcas do neoliberalismo

continuam pungentes em certos estudos. Além disso, convém salientar que os mecanismos de

exclusão, muitas vezes travestidos de uma roupagem inofensiva, trazem sérias consequências

às políticas educacionais, tais como a solidificação de concepções reducionistas de leitura.

Paulino (2008), por fim, ressalta:

Não se trata, pois, mais de separarmos indivíduos e sociedade, no que diz respeito aos

níveis políticos, cognitivos, estéticos e afetivos, mas de repensarmos as vias em que

se movem as competências, como, por exemplo, objetivos e modos do próprio ato de

ler literariamente textos literários, em sala de aula ou em outros espaços

socioculturais, para que se evitem os constantes congestionamentos dos poderes

(PAULINO, 2008, p. 11).

Como pode ser visto, a leitura, novamente, está atrelada ao nível das “competências”. De

maneira alguma nossa abordagem tem um caráter belicista ou visa a esgotar afoitamente todas

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as questões contempladas no estudo de Paulino (2008). Todavia, ignorar questões sobremaneira

importantes como as de ordem econômica e política na área educacional e, mais

especificamente, ao contexto da leitura, foco deste estudo, nos parece um equívoco, tendo em

vista, por exemplo, a relação distribuição de renda e investimento em educação, já denunciada

por Dalvi (2018).

Paulino e Cosson (2009), em “Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da

escola”, abordam as questões literárias no âmbito do Letramento. Inicialmente, os autores

apresentam alguns dados já expostos na pesquisa de Paulino (2008), sobre o teste do Pisa

(Programa de Avaliação Internacional dos Alunos da OCDE) que apontam a Finlândia como o

país que está no primeiro lugar do ranking em relação à leitura. Apresentam, de igual modo, a

realidade estadunidense, em que declínio dos índices de leitura literária tende a majorar a passos

largos. Ao apontar a realidade brasileira, os pesquisadores expõem uma faceta já muitíssimo

conhecida: “No Brasil, os índices de testes nacionais e internacionais mostram que a

proficiência de leitura dos estudantes brasileiros encontra-se abaixo do esperado em um país

que vem exibindo elevação em suas posições econômicas e internacionais” (PAULINO;

COSSON, 2009, p. 62).

Em virtude dessa embaraçosa constatação na realidade educacional brasileira, em pleno século

XXI, Paulino e Cosson (2009) reconhecem algumas iniciativas, governamentais ou não, que

visam a promover a leitura. Eles mencionam, por exemplo, o PNBE, as ações da empresa

Energias do Brasil e da Fundação Victor Civita (fundação pertencente ao grupo Abril). E ainda

ponderam:

Tão ou mais antiga que a própria noção ocidental de literatura, a ideia de que a leitura

de obras literárias cumpre um papel importante no desenvolvimento do ser humano,

quer no sentido estrito de favorecer o trato com a escrita, quer no mais amplo de educar

os sentidos e favorecer o entendimento das relações sociais, está na base dessas

preocupações e iniciativas. É assim com o interesse pela leitura de entretenimento que

se acredita ajudar os jovens finlandeses a desenvolver suas habilidades gerais de

leitura. É assim com a preocupação dos americanos com o declínio da leitura literária

entre seus jovens. É assim com a disposição de favorecer o hábito da leitura, sobretudo

entre crianças e jovens, da maioria dos programas brasileiros. É, assim, também, com

a ideia que move e sustenta o que concebemos como letramento literário (PAULINO;

COSSON, 2009, p. 63, grifo nosso).

Apesar da aparente coerência, relativa ao “papel” da leitura literária, tal ponderação foi

arrefecida, quando se observa mais detidamente a inserção do termo “habilidades gerais de

leitura”. Além disso, Paulino e Cosson (2009) conceituam e dividem concisamente, em dois

eixos, as origens do termo letramento: a) habilidades e competências; e b) práticas sociais.

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Defendem a necessidade de multiletramentos, pois, segundo eles, arraigados desígnios da

Unesco, os letramentos acompanham as mais variadas práticas sociais. Desse modo, sustentam

que:

Em síntese, partindo das simples prática individual ligada à habilidade de ler e

escrever, letramento, letramentos e multiletramentos referem-se hoje a competências

complexas voltadas para o processo de construção de sentidos, entendendo que é

próprio desse processo social capacitar “os aprendizes a fazer sentido de e ativamente

se engajar com o seu mundo, aumentando, portanto, sua capacidade de influenciá-lo”

(Lonsdale e McCurry, 2004, p. 9). É nessa base comum de fazer sentido do mundo e

de leitura crítica da sociedade que o letramento literário se inscreve e é dessa forma

que nos interessa focalizá-lo neste estudo (PAULINO; COSSON, 2009, p. 66, grifo

nosso).

Como pode ser observado, a contemplação de iniciativas empresariais na promoção da leitura

e o entendimento dos autores acerca de algumas nuances da leitura possuem uma coerência.

Uma nefasta coerência. Considerando que essas perspectivas foram e são amplamente

divulgadas no contexto educacional, tendo ressonâncias, inclusive, em documentos oficiais,

como é o caso da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), pode-se afirmar que esse

processo, muitas vezes revestido de boas intenções, chancelado por instituições com prestígio,

ainda comprometem severamente a solidificação de caminhos outros na contramão dessa

abordagem em relação à leitura literária.

Em meio a uma numerosa quantidade de produções, pinçar somente algumas (BARTHES e

COMPAGNON, 1987; COLOMER, 2007; AGUIAR, 2007; PAULINO, 2008; PAULINO e

COSSON, 2009; SILVA, 2013a) para serem contempladas neste trabalho não foi tarefa simples.

Contudo, a partir da leitura delas, foi possível se questionar: até que ponto certas concepções

epistemológicas sobre a leitura literária podem ganhar reverberações nos documentos oficiais

de formação de professores/as?

Sabemos que a escola não é a única instituição destinada à formação de leitores/as, mas que é

sobre os ombros dela que recaem grandes responsabilidades para que tal intento seja

concretizado, apesar da imoralidade salarial docente e das precárias condições laborais. E,

diante do que foi concisamente exposto, começavam, então, alguns lampejos virem à tona. Com

objetivo de compreender como estão fundamentadas as concepções de leitura literária

referendadas pelos programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as, com

um recorte temporal restrito ao início deste século, fomos, de maneira breve, à procura de

documentos oficiais, a fim de encontrar algum sinal, indício, que possam dar respaldo a nossa

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“ideia fixa”. Pesquisamos, então, alguns documentos norteadores dos programas de formação

de professores/as alfabetizadores/as, seguindo o critério cronológico de implementação.

Ao lermos os Guias de Formação 1, 2 e 3 do Profa (BRASIL, 2001a; 2001b e 2001c), uma

incansável recorrência do termo “Ler para” chama a atenção. Trata-se de uma espécie de seção,

dentro as atividades permanentes de leitura compartilhada. Sempre com recorrência a termos

da ordem do lúdico, várias são as atribuições para a leitura literária: ler para “se divertir”,

“pensar”, “se emocionar”, “saborear”, “apreciar”, “refletir”, “conhecer”, “se encantar”,

“relembrar”, “surpreender”, “se emocionar”, “se deleitar”, “se arrepiar”...

No Fascículo 1 do Guia do Pró-Letramento, há um excerto destinado a abordar as capacidades

linguísticas de alfabetização. Trata-se de uma seção que, valendo-se de quadros-síntese, expõe

as “capacidades” essenciais para o processo de alfabetização, a partir da contemplação de quatro

eixos: Eixo da compreensão e valorização da cultura escrita; Eixo da apropriação do sistema de

escrita; Eixo da leitura; Eixo da produção de textos escritos; Eixo do desenvolvimento da

oralidade. O eixo da leitura é o que nos interessa neste trabalho. Além da definição da

concepção de leitura nos quadros, que perpassam por “capacidades”, “conhecimentos” e

“atitudes”, de igual modo, nos interessa o aparecimento do termo leitura-deleite7 (LEAL et al.,

2012, p. 14), visto que a finalidade é a familiarização com os textos literários e a diversão que

lhe é atribuída.

Ao observar com maior prudência 24 (vinte e quatro) cadernos de formação de professores/as

do Pnaic produzidos no ano de 2012, sendo 8 (oito) cadernos distribuídos por cada ano, Ano 1,

Ano 2 e Ano 3, foi verificado que, em todos eles, há uma referência nítida ao seguinte termo:

“leitura deleite”. Tal momento, apesar das várias repetições em todos os cadernos e anos

mencionados, inclusive em depoimentos de profissionais, estão dispostos nesses cadernos,

somente com uma indicação circunscrita na seção “Sugestões de Atividades para Leitura”. O

que nos inquietou é a forma como o momento “leitura deleite” está localizado nos cadernos de

formações de professores/as, pois não há uma explicação aprofundada do que seja o termo e/ou

alguma orientação mais consistente.

Em uma cadência: ao encontrarmos algumas vulnerabilidades em certos estudos, como os

supracitados neste trabalho, ao conhecermos a concepção de leitura da Unesco, que perpassam

7 O significado da palavra deleite no dicionário define-se desta maneira: “gozo íntimo e suave” e “prazer intenso,

pleno e delícia” (FERREIRA, 2004, p. 290). O termo será tratado com maior atenção no capítulo 5 desta tese.

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também pelo “deleite” (BAMBERGER, 1975), e, por fim, ao avaliarmos o documento

Educação: um tesouro a descobrir, Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre

Educação para o século XXI, que apregoa os quatro pilares da educação (capítulo 4) e traz

orientações sobre o papel da formação de professores/as (capítulo 7), tínhamos o combustível

necessário para um melhor delineamento da proposta. Desse modo, uma carta foi posta na mesa:

a concepção de leitura literária da Unesco e dos documentos brasileiros (Profa, Pró-Letramento

e Pnaic) não podem ser entendidas de modo inocente.

É em meio a este imbróglio que foram concebidas as hipóteses deste trabalho: a primeira (H1)

delas supõe que as incongruências relacionadas à leitura literária podem ser encontradas

também nas diretrizes de organismos internacionais que, por sua vez, se articulam aos

documentos de programas nacionais de formação de professores/as alfabetizadores/as. A

segunda hipótese (H2) sustentada é que esses programas trazem à tona um (remodelado)

conceito de leitura literária restrito ao lúdico, ao deleite à maneira de um eco (o termo deleite

foi tratado por vários estudiosos ao longo do tempo). Por fim, supõe-se (H3) que esses

programas mantêm alguns vícios quanto às concepções de leitura influenciados pelo

Letramento Literário e, por conseguinte, quanto às concepções de sujeito (leitores/as) e de

escola. Portanto, este trabalho defende a tese de que, ao se conceber a leitura literária de modo

reducionista e superficial, chancelada por organismos internacionais e políticas públicas

educacionais, silenciam-se os contextos ideológicos, políticos, éticos, estéticos, históricos,

culturais, próprios do texto literário.

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2. ENTRE O SONHO E A AUDÁCIA: A REVISÃO DE LITERATURA

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

Todo o sentido da vida

principia à vossa porta;

o mel do amor cristaliza

seu perfume em vossa rosa;

sois o sonho e sois a audácia,

calúnia, fúria, derrota...

Cecília Meirelles

Severino (2007) afirma que uma tese de doutorado exige uma contribuição original a respeito

da temática pesquisada e um progresso para área científica em que se situa. Em outras palavras,

“Quaisquer que sejam as técnicas de pesquisa aplicadas, a tese visa a demonstrar argumentando

e trazer uma contribuição nova relativa ao tema abordado” (SEVERINO, 2007, p. 221). Diante

da afirmação do autor, elaborar um trabalho, em meio a uma constelação de pesquisas

interessantes sobre leitura e leitura literária e, ainda, apresentar uma novidade, é um intento que,

no limiar do “sonho” e da “audácia”, ultrapassa uma mera formalidade acadêmica.

Com objetivo de procurar novas linhas de investigação, conhecer outros caminhos

metodológicos e verificar lacunas que pudessem ser apontadas em nossa pesquisa, pois não

somos um adão bíblico, selecionamos alguns trabalhos acadêmicos para auxílio. O escopo é

compreender como algumas pesquisas abordam as concepções de leitura, a leitura literária, os

programas de formação de professores/as alfabetizadores/as, em anos mais recentes (2007 a

2017), a partir de trabalhos filtrados na consulta ao banco de dissertações e teses da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

O critério para seleção dos textos primou pela busca no banco de teses e dissertações da Capes,

pois entendemos que esta é uma importante instância, uma vez que os programas de pós-

graduação estão vinculados a ela. Primou-se pelos gêneros teses e dissertações, pois tratam-se

de trabalhos que passaram pela apreciação de uma banca avaliadora. Além disso, primou-se

por pesquisas inseridas em Programas de Pós-Graduação em Educação e em Letras, tendo em

vista que os objetivos deste trabalho são mais recorrentes nessas áreas. As teses e dissertações

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presentes nesta revisão de literatura foram eleitas, considerando os objetivos desta pesquisa, o

crivo temporal e a proximidade temática e teórico-metodológica. Nesses termos e considerando

os descritores “concepções de leitura” e “leitura literária”, foram encontrados cinco trabalhos;

no caso dos programas governamentais de formação de professores/as alfabetizadores/as:

“Profa”, “Pró-Letramento” e “Pnaic”, foram elencados, de igual modo, cinco trabalhos; e, por

fim, com o descritor “leitura deleite”, foram listados nove trabalhos.

Como poderá ser verificado, este capítulo foi construído a partir do agrupamento de pesquisas

por afinidade de assuntos/verbetes (concepções de leitura; leitura literária; programas

governamentais de formação de professores/as alfabetizadores/as, a saber: Profa; Pró-

Letramento; Pnaic; e leitura deleite8). Para se ter uma visualização geral da pesquisa, fizemos,

antes das discussões, uma sistematização em quadros, com uma distinção dos aspectos

relacionados à natureza de cada trabalho e um breve resumo de cada um deles. Em seguida,

discutimos as pesquisas e, ao final, apresentamos alguns pontos relevantes encontrados durante

as leituras. Nessa abordagem, incluiremos nossas impressões e aspectos que nos propomos a

avançar mais neste trabalho.

2.1 CONCEPÇÕES DE LEITURA E LEITURA LITERÁRIA

Neste item, discutiremos as pesquisas que tratam questões atinentes à leitura e à leitura literária.

Os trabalhos elencados versam sobre essas questões, dentro das discussões na área das políticas

públicas, dos documentos oficiais e da formação de professores/as. As pesquisas privilegiadas

para discussão estão assim dispostas:

Quadro 1 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre concepções de leitura e sobre leitura literária

Tipo de

Trabalho Título Autoras Breve Resumo

Dissertação

Ufes, 2007

Representações e práticas

de incentivo à leitura no

Espírito Santo, no período

de 1997 a 2005

Eunice

Negris

Lima

Analisa as representações de professores/as e

bibliotecários/as do ES concernentes às práticas

consideradas promotoras da leitura, em consonância

com as práticas e as políticas públicas de incentivo à

leitura implantadas pelo Governo Federal.

Tese

Ufes, 2012

A leitura literária em

espaços não escolares e a

universidade: diálogos

possíveis para novas

Letícia

Queiroz

de

Carvalho

Discorre sobre a importância da leitura literária na

formação de professores/as, especificamente no que

diz respeito às relações entre a universidade espaços

não escolares.

8 Tratamos nesta tese como sinônimos os termos: “leitura deleite”, “leitura-deleite” e “leitura para deleite”.

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questões na formação de

professores

Dissertação

Unioeste,

2016

A Ideologia do Capital

nas Políticas Públicas de

Incentivo à Leitura: uma

análise da política de

incentivo à leitura do

município de Francisco

Beltrão-PR (2005-2015)

Keissiane

Michelotti

Geittenes

de Ávila

Identifica e analisa as contradições das políticas

públicas de incentivo à leitura. Evidencia que certas

políticas possuem como estratégia uma concepção

salvacionista de leitura, que se inserem no contexto

neoliberal, em que o Estado reduz o seu papel e

delega aos indivíduos a responsabilidade pelos

problemas estruturais da sociedade.

Dissertação

Ufes, 2016

Literatura nos Anos

Iniciais no Ensino

Fundamental: documentos

oficiais e discursos

docentes do município de

Serra/ES

Lorena

Bezerra

Vieira

Em um diálogo com docentes dos primeiros anos do

ensino fundamental, simultaneamente à análise de

documentos oficiais, discute as possibilidades de

reconhecimento da literatura nessa etapa de ensino

em específico.

Dissertação

Ufes, 2016

A Leitura nos Anos Finais

do Ensino Fundamental:

um diálogo com

professores e as atividades

de leitura registradas em

cadernos escolares

Sandrina

Wandel-

Rei de

Moraes

Por meio de um estudo de caso em quatro escolas da

rede municipal de ensino de Pinheiros (ES),

investigam-se as concepções de linguagem e leitura

em correlação com as práticas dos/as professores/as

dos anos finais do ensino fundamental.

Fonte: LIMA, 2007; CARVALHO, 2012; ÁVILA, 216; VIEIRA, 2016 e MORAES, 2016.

Eunice Negris Lima, na dissertação intitulada Representações e práticas de incentivo à leitura

no Espírito Santo, no período de 1997 a 2005, investigou as representações de professores/as e

bibliotecários/as do Espírito Santo sobre práticas consideradas incentivadoras e/ou promotoras

da leitura e da formação do/a leitor/a, a partir da análise das ações do Proler. A pesquisa

contemplou a análise das apropriações desses profissionais em relação aos programas de

incentivo à leitura, bem como os princípios metodológicos que regem o trabalho. Perscrutaram-

se, ainda, quais são as práticas de leitura mais privilegiadas por esses profissionais, bem como

os tipos de ações.

Num recorte temporal de 1997 a 2005, o estudo priorizou a análise de projetos/relatórios

enviados por professores/as e bibliotecários/as capixabas ao concurso Os melhores programas

de incentivo à leitura junto a crianças e jovens de todo o Brasil, no período de 1997 a 2005, a

fim de compreender as articulações entre essas representações e a política pública de incentivo

à leitura do Proler. O diálogo com as fontes documentais deu-se a partir dos princípios da

História Cultural, privilegiando o historiador Roger Chartier como interlocutor.

Salienta-se que Lima (2007) debruçou-se sobre as minúcias do programa: analisou sua

abrangência, suas diretrizes, suas reverberações no Espírito Santo, os discursos legitimados

pelas autoridades do Proler, por meio da leitura atenta de editoriais do Folha Proler, as

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estratégias, ações e representações de leitura perpassadas na formação do/a leitor/a, o modelo

de política pública que subsidia o programa, bem como a concepção de leitura que o

fundamenta. É nesse último aspecto que nosso interesse maior se concentra.

Antes de desvelar a concepção de leitura do Proler mais detidamente, Lima (2007) traz um

diálogo com outros trabalhos, que evidenciam a permanência de conflitos que pouco cooperam

para uma sólida formação de leitores/as. Tratam-se de concepções muito atreladas ao texto

como pretexto para o ensino de regras gramaticais, ou a posicionamentos ingênuos que atribuem

ao professor o papel uníssono na formação de leitores/as (ou seja, correlaciona-se o fracasso

escolar à necessidade de formação de professores/as).

Outra questão contemplada pela autora é uma faceta de certas políticas públicas de leitura: ao

reduzir a leitura apenas à dimensão do prazer descompromissado, visão amplamente divulgada

e acastelada pelo aparato midiático, camuflam-se outras facetas relevantes, tais como disciplina

e trabalho. Desse modo, esse discurso nada ingênuo distancia a leitura do âmbito político e, por

sua vez, secundariza-se uma reflexão crítica. Com base nessas ponderações, salienta-se que o

estudo levado a cabo por Lima (2007) acerca das concepções de leitura é relevante não só para

demonstrar as intencionalidades governamentais em um contexto histórico específico, mas

para, por meio da análise dos documentos, trazer à baila o que tem “[...] sustentado políticas

públicas de incentivo à leitura, o modelo de leitor que se tem procurado formar [...]” (LIMA,

2007, p. 84).

Ao analisar um fragmento documento do programa, Lima (2007) argumenta que

O documento nos revela que a criação de uma sociedade leitora é de responsabilidade

não só do Estado, mas também dos parceiros imbuídos da tarefa de estimular a leitura

em espaços diversificados; contribuir financeiramente para a promoção da leitura;

promover convênios; divulgar o programa; formar o gosto de ler; dinamizar os acervos

e seus usos (YUNES, 1992). Nessa sistemática adotada pela política do PROLER, o

Estado atribui responsabilidades aos parceiros para execução do programa,

deslocando os deveres do Estado para os parceiros. Segundo Lima (2005), a política

de parcerias revela um ideário de Estado mínimo, delimitando suas ações num

movimento de partilhar com os parceiros a responsabilidade na condução dessa

política em todo o País (LIMA, 2007, p. 99).

A autora chama atenção para um aspecto muito interessante: à primeira vista, a defesa de

convênios entre o Estado e outras instâncias parece ser um caminho razoável na formação de

leitores/as. No entanto, ao delegar essa responsabilidade, revela-se o aspecto iníquo da

influência do Estado mínimo, quem tem como premissa fundamental dar relevo às mãos do

mercado nas instâncias sociais. Além disso, outro ponto criticado é o “perverso” discurso

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estatal. A leitura é vista como um valor e fator imprescindível para as mudanças sociais, mas

poucos são os sujeitos que, de fato, têm acesso a ela (LIMA, 2007).

Nesse sentido, fica evidente uma representação de política de promoção da leitura

para a formação do leitor que estabelece característica distintiva – apesar da crença

produzida pelo discurso do Poder Público Federal de direitos de todos.

Como podemos observar, o discurso do PROLER propaga a crença no valor da leitura

voltado para a formação do leitor para o exercício da cidadania sem mencionar a

formação do leitor para a participação na política (LIMA, 2007, p. 101-102).

Diante das afirmações da autora, parece que há dois problemas: o primeiro é a não efetivação

de um direito para todos e, segundo, a não menção da leitura como fator que fomenta a

participação política. Ora, se a leitura é vista dessa maneira, pouco se pode esperar que os

cidadãos cobrem do Estado a real efetivação de um direito. Quanto à concepção de leitura e

suas respectivas reverberações relacionadas ao perfil de leitor/a, a pesquisadora observa

enfaticamente:

Dessa forma, podemos depreender a concepção de leitura como um ato prazeroso, o

que demonstra que fez parte das representações de leitura que sustentaram a política

de formação do leitor a ideia de que formar o leitor é transformar os indivíduos em

sujeitos que lêem por prazer. Portanto uma representação do brasileiro como alguém

que não tem acesso a práticas de leitura que propiciem o prazer de ler. [...]

Nesse sentido, nota-se que o brasileiro é concebido, pela política do PROLER, como

um sujeito que não gosta de ler e por isso é preciso ser convencido da necessidade de

ler pelos benefícios que a leitura oferece, possibilitando transformar sua realidade e a

sociedade. Compreendemos, a partir de Perrotti (1990), Silva (1986) e Britto (2003),

que essa forma de conceber a leitura, que perpassa a política de formação do leitor

implementada pelo PROLER, está baseada na concepção salvacionista de leitura que

vislumbra o esforço da promoção, da sedução, do incentivo para convencer a

população de que a leitura salva o indivíduo de sua situação marginalizada (LIMA,

2007, p. 103-107, grifo nosso).

Lima (2007) toca em um ponto fulcral nas discussões acerca da leitura: embora se defenda que

o ato da leitura perpasse pelo prazer, isso não significa que outros aspectos imbricados nesse

ato tenham que ser silenciados. Além disso, ao se apregoar com tamanha insistência o prazer

da leitura, à representação de brasileiro/a cabe, apenas, a constatação de que este é o sujeito que

não possui gosto pela leitura, logo, precisa ser seduzido. No lastro da sedução, persistem

discursos tais como “ler é bom”, “quem lê viaja”, e, nesse sentido, é preciso que haja esforços

de convencimento. Desse modo, é com criticidade que a autora questiona o caráter salvacionista

da leitura. Permeados por esse posicionamento e na máxima freireana, de que “Se a educação

sozinha, não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” (FREIRE, 2000, p.

67), admitimos que a leitura e literatura,

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[...] por si só, mesmo que possibilitem o exercício da humanização de que fala

Candido (1988) não são suficientes para a resolução de certos conflitos inerentes ao

homem. Mas especificamente, a educação, sozinha, não resolverá as vilanias, os

conflitos e as desigualdades que vemos e lemos todos os dias neste país

(RAMALHETE, 2015, p. 143).

Lima (2007, p. 160), por sua vez, apresenta outras concepções de leitura presentes nos

documentos, que vão desde a leitura em voz alta, de modo a garantir a compreensão, ao

engajamento (LIMA, 2007, p. 221). Quanto ao contexto capixaba, expõe-se:

Dessa forma, compreendemos que permeiam o imaginário pedagógico de

profissionais capixabas representações de práticas incentivadoras da leitura

respaldadas por uma concepção de leitura como “busca de informação”, pois o texto

lido, como demonstrado nos exemplos, é visto como repositório de mensagens e

informações (LIMA, 2007, p. 203).

Ainda que cada contexto seja possível e passível de subversão, a afirmativa de uma concepção

de leitura ainda restrita à busca de informação preocupa. No entanto, pensamos que esse

posicionamento, embora insuficiente, não pode ser vociferado em um tom lesivo de críticas

direcionadas aos/as professores/as apenas, tendo em vista a constatação de fissuras e

incongruências epistemológicas chanceladas pelo programa governamental em questão. Desse

modo, ressaltamos que o estudo de Lima (2007) foi sobremaneira importante para construirmos

este trabalho, por se tratar não só de uma pesquisa consistente acerca do Proler, mas por

descortinar alguns clichês que circundam a leitura, suas concepções hegemônicas (leitura como

sedução, como estratégia salvacionista, como busca de informação, dentre outros), bem como

suas reverberações no modo de se conceber o/a leitor/a. Ficou claro, de igual modo, que é

preciso ter cautela na análise de certas iniciativas governamentais, que são feitas por sujeitos

que são históricos, sociais, com desígnios bem definidos.

Feitas as ponderações sobre as concepções de leitura, nos debruçaremos nas discussões acerca

da importância da leitura literária, no trabalho A leitura literária em espaços não escolares e a

universidade: diálogos possíveis para novas questões na formação de professores, de Letícia

Queiroz de Carvalho. Valendo-se metodologicamente da observação participante e da pesquisa-

ação, a partir dos referenciais teóricos tais como Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin e Paulo

Freire, Carvalho (2012) parte do princípio da natureza social da literatura e defende a

necessidade uma reformulação curricular, especificamente no que concerne aos estágios

supervisionados, de modo a pautarem-se na integração e atuação do professor de literatura em

quaisquer espaços sociais, para que haja uma participação cultural mais consciente e

responsável.

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Resguardadas as devidas proporções, uma vez que a pesquisa de Carvalho (2012) se debruça

na formação inicial dos graduandos em Letras, o trabalho da autora nos interessou por causa de

algumas ponderações acerca da prática docente e da leitura literária. Uma delas é a afirmação

de que “[...] é inconcebível pensar a prática docente como uma profissão meramente técnica,

principalmente no campo da educação literária [...]” (CARVALHO, 2012, p. 25). Trata-se de

uma assertiva interessante frente aos impulsos neotecnicistas já denunciados no trabalho de

Duarte (2003) e também porque

A literatura deveria ser muito mais que um componente curricular em uma escola.

Quando pensamos ou falamos em literatura, adentramos um universo em que as

peculiaridades estilísticas, linguísticas e de representação nos permitem perceber a

força da criatividade e uma evidente intenção estética, seja em sua estrutura, seja em

suas estratégias de linguagem ou em sua constituição ideológica [...] (CARVALHO,

2012, p. 26).

A afirmação de Carvalho (2012), quanto à necessidade de a literatura extrapolar os limites dos

componentes curriculares escolares é bem-vinda, diante de um contexto que tende a diluir essa

disciplina apenas como mais um dos componentes curriculares de língua portuguesa9. Convém

salientar que a autora, mesmo que defenda a atuação da literatura fora do espaço escolar, não

relativiza a importância desta enquanto disciplina a ser ensinada nos espaços formais de ensino.

Além disso, seu trabalho contribui para esta tese, uma vez marca o viés social da leitura e da

literatura, ao reconhecer duplamente: a) a leitura como elemento de (re)construção da realidade,

em uma relação de alteridade (CARVALHO, 2012, p. 92); e b) a literatura como possibilidade

de contribuir para que os sujeitos reconheçam um determinado quadro social e, desse modo,

movimentem-se para transformá-lo (CARVALHO, 2012, p. 99). “Desse modo, a visão de

literatura que permeia nossas aulas precisa se distanciar de modelos e padrões impostos por

grades curriculares para estender-se à própria vida e aos diálogos que ela pode nos proporcionar

em contato com os livros” (CARVALHO, 2012, p. 100).

A dissertação de Keissiane Michelotti Geittenes de Ávila, intitulada A Ideologia do Capital nas

Políticas Públicas de Incentivo à Leitura: uma análise da política de incentivo à leitura do

município de Francisco Beltrão-PR (2005-2015), é uma pesquisa que analisa duas políticas

públicas, a saber: Proler e o PNLL. Particularmente, nos interessa não só pela profícua análise

de ambos os documentos, valendo-se do materialismo histórico-dialético (base fundamental da

9 Em 2017, a organização curricular do ensino médio nas escolas estaduais do Mato Grosso do Sul excluiu da

grade a disciplina de literatura, de modo que esta seja incorporada à disciplina de língua portuguesa (VACCARI,

2017).

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arquitetura teórica bakhtiniana), mas por desvelar a cristalização da ideologia do capital nessas

políticas e descortinar as concepções de leitura nela imbricadas.

Além disso, Ávila (2016) analisou alguns documentos da Unesco e mostrou as facetas de um

Estado neoliberal que, ao delegar aos indivíduos os problemas estruturais da sociedade,

conjecturaram as políticas de leitura como estratégia salvacionista (perspectiva já criticada por

Lima (2007)) e redentora para as classes populares, mascarando, de tal modo, os objetivos da

pedagogia da hegemonia, bem como os interesses na manutenção da ordem (desigual) vigente.

Quanto a esses desdobramentos, a autora considera que:

Abordar políticas públicas, em especial, as designadas para a promoção da leitura e

formação do leitor, requer uma reflexão analítica sobre as intervenções estatais, cujo

foco são processos de aquisição de livros, com viés salvacionista e idealizado. Além

disso, implica considerar que as políticas são implementadas com base nos interesses

estatais e sociais, por isso, representam a cultura, os valores e as representações com

caráter ideológico (ÁVILA, 2016, p. 23).

Ao discutir as nuances da leitura e o contexto social, Ávila (2016) denuncia, ainda, o

descompromisso estatal com a escola, ao mesmo tempo em que atribui à leitura uma função

salvacionista. Ao coadunar com os estudos de Copes (2007)10, ratifica o “discurso fetichizante”

dessa prática e admite que, nessa lógica, as políticas de leitura, muitas vezes reduzidas à

distribuição de livros, prestam tributo à lógica do capital. Dessa forma, sinaliza que “[...] a

intenção de formar leitores exige uma superação desse caráter emergencial e assistencialista e

um investimento na formação continuada dos professores mediadores de leitura” (ÁVILA,

2016, p. 30). Quanto ao Proler, considera:

O Programa Nacional de Incentivo à leitura – PROLER, no caderno “Concepções e

diretrizes”, já sinaliza um eixo temático: leitura para o exercício da cidadania. Sua

prática é tomada como um requisito para a participação social e na sociedade é

“responsabilidade de todos”. Este discurso advindo do Estado que coloca o ser

humano como responsável sob o olhar aparentemente democrático, apaga as

diferenças sociais em que não são “todos” que têm as mesmas oportunidades de acesso

aos bens sociais. [...] Parece-nos que o documento traz um panorama de denúncia

tanto da cidadania como um conceito separado das condições sociais do sujeito, assim

como de uma concepção ingênua de leitura (ÁVILA, 2016, p. 100-101).

No tocante às críticas direcionadas à Unesco, sobretudo a respeito do enunciado “educação ao

longo da vida”, Ávila (2016) é categórica: denuncia um projeto assentado na aclimatação, na

imobilidade, na resignação, que, sob a vestimenta de um discurso de paz e de incerteza quanto

10 A pesquisa de Regina Janiaki Copes analisou o projeto governamental Literatura em Minha Casa, vinculado ao

já erradicado Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Buscou compreender como se dá a implementação

de tal projeto, por meio da análise de conteúdos das entrevistas com gestores, pedagogos, professores e

responsáveis pelas bibliotecas das escolas municipais e estaduais da cidade paranaense de Ponta Grossa.

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ao futuro, prevê a formação de indivíduos adaptados (ÁVILA, 2016, p. 111). Concordamos

com as críticas de Ávila (2016) em relação ao projeto da Unesco “educação ao longo da vida”,

uma vez que este cristaliza as ações mercadológicas na educação e, ao mesmo, tempo oferece

ao trabalhador a ilusão de inserção na sociedade do conhecimento, à medida que os espaços

formativos diluem-se em vários locais: em casa, ou nos locais de trabalho, por exemplo. Assim:

“De fato, a ideia propagada em torno da leitura como forma de inclusão social carrega

implicações éticas e políticas, pois, paradoxalmente, carregam a concepção de que é preciso

incluir por meio da leitura sem modificar o modo de produção social” (ÁVILA, 2016, p. 120).

O discurso da inclusão admite que há exclusão. Isto é, se a leitura não está acessível a todos, se

há no país um déficit de leitura, é preciso, então, formar o gosto, o hábito de ler. Mesmo que se

reconheça essa fissura, tal discurso, ao não denunciar a raiz dessa igualdade ainda que de modo

breve, e, concomitantemente, ao apregoar a leitura como um bem em si, condicionado à

determinação do interesse individual, para a redução da desigualdade, é superficial, raso e

contestável.

Ávila (2016, p. 164) é ainda mais incisiva na questão da formação dos/as leitores/as, pois,

segundo ela, a abordagem de uma mudança apenas com a leitura em si, de modo uníssono, além

de ser reducionista, retira de pauta o debate mais amplo que são as desigualdades e as relações

de exploração pelo trabalho. Essa visão da autora não pode ser confundida com um desprezo

pela leitura, pois, “É exatamente nesse nível crítico que recusamos a visão ingênua da leitura

como alavanca de transformação e igualmente o desprezo por ela, como se existisse educação

sem leitura. Pensar sobre as dimensões acima citadas é saber que não há neutralidade nas

práticas leitoras” (ÁVILA, 2016, p. 165).

O trabalho de Ávila (2016) é muito inquietante, porque analisa os documentos governamentais

desvelando suas facetas mais nocivas e incongruentes. Porém, mesmo que, à primeira vista,

suas análises não mostrem uma saída imediata, é com destreza que se anuncia:

Entretanto, consideramos que o processo ideológico constitui um processo de

contradição, pois é marcado por relações dialéticas e movimentos que integram sua

própria superação. Além disso, a totalidade e a transformação do real permitem a

compreensão das transformações da sociedade (ÁVILA, 2016, p. 178).

A educação resguarda duas facetas: ainda que ela seja atrelada a um contexto de extrema

desigualdade, que haja algumas concepções triviais e levianas, ela pode ser um instrumento de

resistência, que passa pela consciência das contradições. Logo, compreendemos que a educação

e, mais especificamente, as políticas de incentivo à leitura podem fomentar e desenvolver um

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discurso na contramão da ideologia do capital, rechaçando “[...] o vínculo que relaciona as

várias formas de discurso às condições sociais que o engendram e tornando manifestas as

causações reais, denunciando as explicações que apelam para causações que o são apenas na

aparência” (SEVERINO, 1986, p. 97 apud ÁVILA, 2016, p. 178).

Lorena Bezerra Vieira, no trabalho Literatura nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental:

Documentos Oficiais e Discursos Docentes do Município de Serra/ES, discorre, por meio da

análise dos discursos dos/as docentes dos primeiros anos do ensino fundamental,

simultaneamente à análise de documentos oficiais, as possibilidades de reconhecimento da

literatura nessa etapa de ensino em específico. Pautada nos estudos de Antonio Candido,

Bakhtin, Chartier e Leahy-Dios, assevera que tanto os documentos analisados quanto os

discursos são marcados social e historicamente e, nesse sentido, a educação literária pode ter

origem nas práticas pedagógicas de leitura e na formação de leitores/as.

Mais especificamente, Vieira (2016) analisa como a literatura é contemplada em documentos

oficiais que balizam o currículo, em que medida os/as professores/as compreendem e dialogam

com esses documentos e, concomitantemente, quais são as práticas de educação literária

presentes nesses discursos contemplados na pesquisa. As análises comprovaram que a

concepção de literatura/leitura literária não está muito bem delimitada nos documentos oficiais,

já que se propõe uma diluição: os textos literários “[...] são pautados juntamente com outros

gêneros textuais (VIEIRA, 2016, p. 144). Ou seja, não se faz uma distinção de textos literários

e não literários.

No caso dos/as professores/as, pondera “[...] que o entendimento do que é literatura e da

importância do trabalho com o texto literário nos anos iniciais está alinhavado entre a concepção

de boniteza do literário, da magia e da fabulação com as práticas de leitura, na perspectiva de

alfabetizar, de ser um leitor” (VIEIRA, 2016, p. 144). Pouco se vislumbra nesses discursos uma

concepção mais crítica e combativa da literatura. A autora ainda é incisiva, e é basicamente

neste aspecto que nosso interesse sobre o trabalho recai, ao afirmar a necessidade da

democratização do acesso à leitura literária (como possibilidade emancipatória) e a premência

de políticas públicas que reconheçam tanto o caráter da literatura como experiência estética e a

leitura literária como prática social. Para tanto, é preciso que se reconheça a especificidade do

texto literário, extrapolando as questões curriculares reducionistas.

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A leitura nos anos finais do ensino fundamental: um diálogo com os professores e as atividades

de leitura registradas em cadernos escolares, de autoria de Sandrina Wandel Rei de Moraes, é

um trabalho que, ancorado no arcabouço teórico bakhtiniano e de Roger Chartier, investiga, por

meio de um estudo de caso em quatro escolas da rede municipal de ensino de Pinheiros (ES),

concepções de linguagem e leitura em correlação com as práticas dos/as professores/as dos anos

finais do ensino fundamental.

Moraes (2016) faz um trabalho cuidadoso: após atenta revisão de literatura, elabora um estudo

de como as práticas de leitura são abordadas em outros textos científicos, esclarece o referencial

teórico-metodológico trabalhado, para, enfim, efetuar as análises dos dados. Os resultados

apontaram, em linhas gerais: a) visões de linguagem que ora a conjecturam como meio de

comunicação ora como expressão do pensamento; b) e práticas de leitura que raras as vezes

tomam o texto em no viés da interação, como produtor de sentidos. Quanto às concepções de

leitura, ponto que nos interessa mais de perto, as análises perpassam pela concepção de leitura

como decodificação, compreensão e interação social. Quanto às análises dos cadernos dos/as

alunos/as, os resultados mostram uma coerência com as constatações anteriormente feitas. Em

síntese, os estudos evidenciam que a maioria das estratégias de leitura ainda se vale de uma

concepção de linguagem restrita à expressão do pensamento e/ou objeto de comunicação, sendo

rarefeitas as práticas leitura com a presença da produção de sentido e da interação.

A despeito dessas constatações, Moraes (2016, p. 242, grifo nosso) pondera que “[...] é preciso

[...] atentar para os processos de formação dos profissionais que trabalham com o ensino da

língua materna nos anos finais, as que são oferecidas pelo MEC e as do próprio município: em

quais pressupostos teóricos essas formações são pensadas?”. Nesse sentido, o trabalho de

Moraes (2016) foi relevante tanto por compreendermos as várias vertentes que englobam o

trabalho com a língua portuguesa nos finais do ensino fundamental, mas, também, para

compreendermos o quão inquietantes são as perpetuações de certas práticas docentes.

Por outro lado, longe de fazer um discurso culpabilizador acerca da prática dos/as

professores/as, a pesquisa enfatiza a necessidade de uma formação consistente. Bakhtin (2016,

p. 60) salienta que “Qualquer que seja objeto do discurso do falante, ele não se torna objeto do

discurso em um enunciado pela primeira vez, e um determinado falante não é o primeiro falante

sobre ele”. Talvez, esta tese se configure a uma espécie de eco à ênfase de Moraes (2016) quanto

à formação de docentes e, sobretudo, quanto à indagação anteriormente citada.

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Retomando os trabalhos citados neste tópico, pensamos que, em certa medida, os estudos de

Lima (2007) se aproximam da pesquisa de Ávila (2016), pois ambas rechaçam uma visão

salvacionista da leitura e criticam a leitura apenas restrita à ludicidade. Desse modo, embora o

prazer11 seja um dos fatores imbricados na leitura literária, tal ato não pode caracterizar-se como

algo ensimesmado, pois, como experiência humana, a “Leitura não é uma experiência solitária,

mas solidária. Ler é inserir-se no caudaloso rio da múltipla e instável experiência humana,

humanizando-se: toda palavra exige contrapalavras” (DALVI, 2012, p. 22).

A partir dos estudos de Ávila (2016), pode-se pensar nas artimanhas de um Estado que,

subserviente aos ditames mercadológicos, reduzem as políticas públicas de leitura a um arauto

redentor das desigualdades sociais, focalizando o indivíduo como único responsável por suas

próprias mazelas. Mesmo assim, ainda que a escola e a leitura sejam feitas de instrumentos para

perpetuação de uma ideologia neoliberal, por meio da contradição, é por elas, também, que se

possível desconstruir esse cenário, resistir.

Mesmo que os estudos de Carvalho (2012), Vieira (2016) e Moraes (2016) não tratem

especificamente de programas de professores/as alfabetizadores/as, as pesquisas das referidas

autoras foram importantes para, lembrarmos, nesta tese, consoante Carvalho (2012), que a

literatura tem um viés social e não pode estar circunscrita apenas aos muros limítrofes das

instituições educacionais. A leitura das pesquisas nos lega mais um alerta. Afinal, ao se reduzir

as políticas públicas de formação de leitores/as apenas à óptica livresca, diluir o texto literário

em documentos oficiais como se este não tivesse uma especificidade, delegar aos cidadãos uma

maior responsabilidade por sua formação e inserir no âmbito social propostas de trabalho que

embaciam o caráter político da leitura, compromete-se o direito à literatura, conforme assinalou

Candido (1988).

2.2 PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS

ALFABETIZADORES/AS

Após as ponderações sobre as concepções de leitura e sobre a leitura literária, nossa atenção,

neste momento, será direcionada aos programas governamentais de professores/as

11 Trataremos desse assunto com mais profundidade adiante.

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alfabetizadores/as, a saber: Profa, Pró-Letramento e Pnaic. Salientamos, de antemão, que diante

de tantas pesquisas relacionadas aos programas, sobretudo em relação ao Pnaic, que

contemplam temáticas atinentes à gestão escolar, à educação especial, às relações de identidade,

ao aprendizado de matemática, por exemplo, foi necessário estabelecer alguns critérios para a

escolha das pesquisas a serem discutidas nesta tese. A prioridade se deu para as pesquisas

documentais que se debruçam nas análises desses programas, com foco principal circunscrito

às questões inerentes à leitura, ou à leitura literária, ou às questões de linguagem, excetuando-

se trabalhos que contemplam ações localizadas12.

As pesquisas contempladas nesta seção, organizadas por ordem cronológica, estão dispostas,

conforme descrito no quadro a seguir.

Quadro 2 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre programas governamentais de formação de

professores/as alfabetizadores/as

Tipo de

Trabalho Título Autoras Breve Resumo

Dissertação

Ufes, 2007

O Ensino da Leitura no

Programa de Formação

de Professores

Alfabetizadores (Profa)

Fernanda

Zanetti

Becalli

Por meio de uma análise documental, pautado na

concepção bakhtiniana da linguagem, o trabalho

discute as concepções de leitura e de texto legitimadas

pelo Profa. Constata que tais concepções estão

fincadas na dimensão psicolinguística do processo de

ensino e aprendizagem da leitura. O texto reduz-se a

um mero pretexto para a abordagem gramatical das

relações letras e sons.

Tese

Ufes, 2015 Um olhar sobre o Pró-

Letramento

Janaína

Silva

Costa

Antunes

O trabalho debate, por meio de uma concepção

bakhtiniana da linguagem, os conceitos de

alfabetização e de letramento que ancoram o Pró-

Letramento. Constata que o programa dá mais ênfase

à escrita, entretanto, os constructos teóricos que

norteiam o conceito de alfabetização são diversos.

Além disso, mostra que o currículo proposto pelo

programa se aproxima do currículo por competências,

arrefecendo, desse modo, as possibilidades de uma

educação emancipatória.

Tese

Unesp,

2015

Análises dos

pressupostos de

linguagem nos cadernos

de formação em língua

portuguesa do Pacto

Nacional pela

Alfabetização na Idade

Certa – PNAIC

Valéria

Aparecida

Dias

Lacerda de

Resende

À luz de uma concepção bakhtiniana da linguagem,

analisa os Cadernos de Formação de Língua

Portuguesa do Pnaic e conclui que estes se

fundamentam numa restrita concepção da língua, ou

seja, ela é reduzida a um conjunto de signos. Dessa

maneira, a formação de professores/as fica

circunscrita a uma espécie de receita e a possibilidade

contrapalavra das crianças para a efetiva apropriação

da linguagem escrita é afastada.

12 Chamamos de trabalhos que contemplam as ações localizadas as pesquisas que se debruçaram em fenômenos

municipais, em ações escolares, dentre outras.

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Tese

Ufes, 2017

Cadernos de formação

do Pnaic em Língua

Portuguesa: concepções

de Alfabetização e de

Letramento

Kaira W.

Couto

Costa

Pautada na concepção bakhtiniana de linguagem e dos

estudos de base histórico-cultural, a tese analisa os

conceitos de Alfabetização e de Letramento que

balizam a formação de professores/as

alfabetizadores/as inseridos no Pnaic. Constatou-se

que, embora o programa apregoe a indissociabilidade

dessas práticas, há uma separação entre elas, ao dar

relevo à Alfabetização como uma prática restrita à

aquisição do código escrito.

Dissertação

Unimep,

2017

A Concepção de

Linguagem do Pnaic e

Implicações

Metodológicas para o

Ensino da Linguagem

Escrita: um estudo a

partir da Psicologia

Histórico-Cultural

Patricia

Maria

Guarnieri

Ramos

A pesquisa toma como objeto de estudo Pnaic e

analisa a concepção de desenvolvimento humano, de

linguagem, de linguagem escrita e as implicações

metodológicas presentes no caderno de apresentação

e nos cadernos de formação de professores/as

correspondentes ao 3º ano do Ensino Fundamental.

Fonte: BECALLI, 2007; ANTUNES, 2015; COSTA, 2017; RAMOS, 2017.

Antes de dialogarmos com os estudos de Fernanda Zanetti Becalli, na dissertação defendida em

2007, O Ensino da Leitura no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa),

é necessário conhecermos, ainda que de modo bem sucinto, em que consiste o programa. Com

apenas dois anos de duração (2001-2002), o Profa foi

[...] um curso de aprofundamento, destinado a professores e formadores, que se orienta

pelo objetivo de desenvolver as competências profissionais necessárias a todo

professor que ensina a ler e escrever. Por intermédio deste projeto serão oferecidos

meios para criar um contexto favorável para a construção de competências

profissionais e conhecimentos necessários a todo professor que alfabetiza. Que

condições são essas? Um grupo de formação permanente, um modelo de trabalho

pautado no respeito aos saberes do grupo e em metodologias de resolução de

problemas, materiais escritos e videográficos especialmente preparados para o curso

e uma programação de conteúdos que privilegia aqueles que são nucleares na

formação dos alfabetizadores (BRASIL, 2001c, p. 5).

Trata-se de um programa que, segundo seu próprio documento de apresentação, evoca a

produção de conhecimentos específicos na área da didática, pois, tendo em vista a “mudança

de paradigma na alfabetização”, declara que o conhecimento em psicologia da aprendizagem,

psicolinguística ou sociolinguística não se mostrou satisfatório, por si só, para promover a

transformação na prática escolar. O tempo de institucionalização oficial do programa foi de

2001 a 2002. Segundo Becalli (2007, p. 37), por se tratar de um curto período de existência,

considerar o projeto como capaz de melhorar o desempenho de alunos/as é um equívoco.

A partir dessa apresentação, é possível dialogar com o trabalho de Becalli (2007) mais

claramente. Trata-se de uma pesquisa que investigou os estudos construtivistas no ensino da

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leitura do Profa, chancelados pelo MEC. O trabalho se debruçou nos fundamentos teóricos e

metodológicos que sustentam tal abordagem, de modo a indagar se eles contribuem para a

formação da criticidade nos sujeitos leitores.

Inicialmente, Becalli (2007) descreve a consternação de um grupo de professores/as

alfabetizadores/as que buscava no Profa uma espécie de salvação para o fracasso de seus/suas

alunos/as, ao mesmo tempo em que desenvolviam o trabalho com a leitura de modo tradicional,

isto é, o privilégio da abordagem das relações letras e sons. Tal constatação vai ao encontro das

críticas feitas por Schwartz (2006), ao discutir em sua pesquisa, feita com crianças, as visões

utilitaristas de leitura. A partir de traçado histórico, a autora discorre sobre os fundamentos

teóricos e metodológicos do ensino da leitura no Brasil. Em linhas gerais, Becalli (2007)

assegura que o percurso da Colônia à Primeira República privilegiou os métodos sintéticos e

analíticos de alfabetização, mas que, ao reduzir a linguagem somente ao âmbito do fisicamente

observável e do sensorial, constituem-se em uma abordagem associacionista: “Dessa forma, os

alunos se apropriavam da linguagem por meio da pura imitação que requeria capacidade de

associação mecânica, passiva e repetitiva” (BECALLI, 2007, p. 52). Já no período que

compreendeu a Era Vargas ao Regime Militar, Becalli (2007) demonstra que houve interseção

entre os métodos de alfabetização:

A partir do exposto, foi possível constatar que, no período de 1929 a 1985, os métodos

de ensino (sintéticos, analíticos e ecléticos) que compreendiam a leitura como uma

atividade de decodificação e o texto como um conjunto de elementos gramaticais

permaneceram balizando o modelo de ensino da leitura nas classes de alfabetização.

No entanto também podemos observar, com as reflexões de Freire (1993), o início de

um movimento fundador do “novo” que, ao buscar a ruptura com o passado,

denunciou a situação desfavorável que perpassava a leitura no País e construiu novos

sentidos para o ato de ler, com o intuito de promover a mudança social (BECALLI,

2007, p. 59).

Como pode ser visto, a predominância de métodos de alfabetização, com um viés mecanicista,

focado nas relações fonéticas e fonológicas, cristalizou-se no Brasil no período

supramencionado. O método freireano de alfabetização, conforme a autora, consiste não só em

uma inovação, mas um caminho na contramão de concepções hegemônicas e inertes de

alfabetização.

Em relação ao período pós-ditadura militar até os dias atuais, Becalli (2007) discute a ampla

aceitação dos estudos de Ferreiro e Teberosky (1999), que, arraigadas fortemente nas premissas

da psicogenética piagetiana, tratam da alfabetização a partir da idealização de sujeitos, em

situações experimentais devidamente controladas. Por outro lado, por meio da discussão de uma

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abordagem histórico-cultural, é possível conjecturar a linguagem irmanada às relações sociais,

como atividade constitutiva dos sujeitos. Desse modo, completa:

[...] que os princípios basilares da abordagem associacionista e da psicogenética

atenderam aos interesses das classes dominantes, uma vez que ambas não

contribuíram de uma maneira efetiva para a formação de leitores críticos. Essas

constatações, portanto, evidenciam a importância de estudos que focalizem a

alfabetização e o ensino de leitura a partir de uma abordagem historicizadora que, de

fato, não obscureça as “[...] reais condições escolares e histórico-sociais que

impediram e impedem o acesso igualitário aos conhecimentos em sociedades que se

desenvolveram/desenvolvem às custas das desigualdades e da exploração”

(GONTIJO, 2005, p. 62-63)” (BECALLI, 2007, p. 73).

A autora também se debruça na abordagem histórico-cultural da linguagem, apontando uma

série de fatores a serem considerados na alfabetização. No tocante à leitura, cerne de nossas

atenções neste percurso, é importante destacar que:

A leitura, nesse contexto, configura-se como uma prática em que os sujeitos, por

alguma finalidade, dialogam com outros sujeitos por meio dos textos que circulam na

sociedade. É nesse processo dialógico que produzem sentidos para o que lêem,

assumindo uma ativa posição responsiva diante dos textos. No entanto, para que as

crianças aprendam a se relacionar dialogicamente com os textos, é fundamental que o

professor, além de ensinar as relações entre sons e letras, ensine-as a comparar

informações de mais de um texto e relacioná-las com suas vivências, a indagar os

textos, a compreender o que está explícito e também o que está subentendido no texto,

a construir inferências, a antecipar conteúdos, a identificar informações, a reconstruir

as ideias do texto, a compreender as funções dos textos bem como as situações em

que são usados pelas pessoas e com que intenções (BECALLI, 2007, p. 20).

A visão de Becalli (2007) se mostra coerente, tendo em vista que a leitura é um processo de

produção de sentidos. Tal premissa vai de encontro às concepções de leitura do Profa, visto que

“[...] as vozes que sustentam o modelo de ensino da leitura do PROFA estão respaldadas nos

pressupostos teóricos do construtivismo e nos pressupostos metodológicos da resolução de

situações-problema” (BECALLI, 2007, p. 184). Segundo a autora, a concepção de leitura no

programa não se constitui em uma atividade de produção de sentidos, mas de recuperação do

significado proposto pelo autor no momento da escrita. Desse modo,

Apesar de a concepção de leitura do PROFA estar balizada por diferentes abordagens

de ensino da leitura – modelo psicolingüístico e modelo interacionista de leitura –, as

interações do leitor com o texto lido continuam sendo concebidas a partir de uma

perspectiva piagetiana em que o sujeito psicologicamente idealizado recupera, por

meio das marcas textuais deixadas pelo autor no momento da escritura, o único sentido

possível circunscrito no próprio texto (BECALLI, 2007, p. 191).

Diante da análise supracitada, podemos inferir que o Profa, ao ancorar-se na base

epistemológica piagetiana, privilegiando o fator biológico, independente dos contextos

históricos e sociais, trata a leitura não como produção de sentidos, mas como uma atividade

realizada pela interação entre sujeito e objeto: “o PROFA postula que o simples contato da

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criança com a linguagem escrita, numa relação direta, natural e espontânea, possibilita, por si

só, a aprendizagem da leitura” (BECALLI, 2007, p. 201). Como se vê, trata-se de um

distanciamento de uma visão mais coerente da leitura, tendo em vista que esta é um ato político,

uma prática social historicizada, com a interação presente na relação autor, texto e leitor

(BECALLI, 2007, p. 191).

Corroboramos com a visão de Becalli (2007, p. 196-197), ao refutar a limitadora abordagem

construtivista no ensino da leitura do Profa, tendo em vista a urgente necessidade de um trabalho

formativo que contribua com reflexões que insiram o/a aluno/a e o próprio professor como

sujeitos históricos, que experenciam mudanças e contradições. Sujeitos que interagem

dialogicamente com o social, constituindo e sendo constituídos por ele. Por fim, os estudos de

Becalli (2007) contribuem, muito, para a nossa pesquisa, ao evidenciarem que as concepções

de alfabetização pautadas nos estudos piagetianos, tão largamente difundidas, reverberam em

documentos oficiais de formação de professores/as. Mas, se por um lado, o trabalho da autora

é de denúncia, de não conformidade com tal concepção, por outro, há uma defesa da leitura não

como um ato preso aos fatores orgânicos, ou de ordem biológica: é preciso levar em conta a

historicidade dos sujeitos e os contextos sociais de produção da existência humana.

Outro programa governamental de formação de professores/as alfabetizadores/as é o Pró-

Letramento, implantado em março de 200513, realizado pelo MEC em parceria com

universidades e sistemas de ensino, que, valendo-se da modalidade semipresencial, consiste na

formação continuada de docentes, visando à melhoria da aprendizagem da leitura, escrita e

matemática para alunos/as do Ensino Fundamental I. Além disso, o Pró-Letramento tem como

objetivos:

[...] propor situações que incentivem a reflexão e a construção do conhecimento como

processo contínuo de formação docente;

13 O programa teve atuação intermitente e só foi encerrado em 2012, com a implementação do Pnaic. Segundo o

Documento Norteador do Programa (apud ANTUNES, 2015, p. 276-283) “Iniciado em 2005, o programa foi

implantado nos estados de RN, CE, MA. Já em 2006, incluiu-se os estados da BA, PI, SC, PE, SE, RJ, SP, PB e

AL. No ano de 2007 a expansão do programa foi para os Estados de AC, AP, RO, RR. Nesse ano, o programa

acrescentou uma nova etapa: a do revezamento, quando o professor que cursou matemática tem a oportunidade de

cursar também alfabetização. Iniciou-se, também, o revezamento nos estados onde o curso já havia finalizado. No

ano de 2008, foi realizada a expansão para todo o país, incluído os estados de AM, ES, GO, MG, MS, PA, PR, RS,

TO. Em 2009, o DF e MT iniciaram as suas formações. [...] A partir de 2010 o número de IES parceiras na execução

do Programa foi ampliado, passando a contar com 21 IES que se dividem no atendimento pelos diferentes estados

[...]”.

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• desenvolver conhecimentos que possibilitem a compreensão da matemática e

da linguagem e de seus processos de ensino e aprendizagem;

• contribuir para que se desenvolva nas escolas uma cultura de formação

continuada;

• desencadear ações de formação continuada em rede, envolvendo

Universidades, Secretarias de Educação e Escolas Públicas dos Sistemas de Ensino

(BRASIL, 2012a, p. 7).

Com a finalidade de compreender os conceitos de alfabetização e de letramento que ancoram o

Pró-Letramento, o trabalho de autoria de Janaina Silva Costa Antunes, intitulado Um Olhar

sobre o Pró-Letramento, analisou mais detidamente os documentos do currículo e da avaliação

diagnóstica inseridos no programa. Com base em uma atenta análise dos documentos (currículo

e avaliação da aprendizagem), sustenta que, ainda que o programa apresente a alfabetização e

o letramento como processos indissociáveis, o documento é contraproducente, pois dá relevo a

fatores relacionados ao sistema de escrita: “[...] o “alfabetizar letrando” não se concretiza no

currículo e avaliação propostos pelo programa, quando a aquisição do código (alfabetização) é

priorizada” (ANTUNES, 2015, p. 79).

A pesquisa de Antunes (2015) se estruturou da seguinte forma: primeiramente, anuncia-se a

perspectiva bakhtiniana de linguagem como norteador teórico. Em seguida, analisam-se as

bases teóricas da qual o programa é uma espécie de porta-voz, para, então, serem discutidos os

conceitos de alfabetização e letramento. Após uma revisão de literatura, comprova-se que este

se limita ao domínio do código (codificação e decodificação) e aquele à capacidade de utilizá-

lo (o código) em situações sociais.

Antunes (2015) analisa documentos, tais como currículo e avaliação da aprendizagem, de modo

a evidenciar, com mais consistência, que o programa privilegia como conceito de alfabetização

o domínio dos códigos. A análise é feita separadamente em eixos, que são a “compreensão e

valorização da cultura escrita”, a “apropriação do sistema de escrita”, a “leitura”, a “produção

de textos escritos” e o “desenvolvimento da oralidade”. Dada a evidente necessidade de recorte,

nossa atenção será direcionada apenas ao terceiro eixo: “leitura”. Quanto a isso, é afirmado:

Percebemos, no texto, certo distanciamento entre os processos de alfabetização e

letramento, quando a leitura é apresentada como atividade que engloba as capacidades

necessárias à alfabetização até aquelas que habilitam o aluno à participação nas

práticas sociais, ou seja, o letramento. Esse distanciamento nos remete à nossa tese,

pois esse fato parece desconstruir, de certa forma, o que o material concebe como

norteador: a indissociabilidade entre alfabetização e letramento (ANTUNES, 2015, p.

13).

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A partir do olhar de Antunes (2015), inferimos que a leitura, no programa, é condição necessária

para a consolidação da alfabetização e do letramento. Há,

[...] portanto, aproximações entre a concepção de leitura adotada nos PCNs e a trazida

no Pró-Letramento, especialmente no que diz respeito à ideia de que a leitura é um

processo de compreensão de significados. Não negamos que a leitura/reconhecimento

das palavras seja uma importante etapa no processo de compreensão ativa e responsiva

da leitura, mas não a única, pois, se o fosse, a compreensão levaria o leitor somente à

reprodução do que foi dito (ANTUNES, 2015, p. 132).

Há uma lógica na análise, pois a leitura nos constitui: sendo um ato que remete tanto ao sujeito

como a uma coletividade, imersa no universo do sensível, do labor, trata-se de um movimento

constante de alteridade, de aprendizagem. Desse modo, se a leitura compreende também fatores

históricos, sociais e culturais, ela é muito mais que um instrumento de comunicação ou

reconhecimento de palavras.

Antunes (2015, p. 136) ainda questiona os princípios gerais para a leitura apregoados pelo Pró-

Letramento, dada a não passividade do/a leitor/a; mas é adiante que sua afirmação se torna mais

contundente: “[...] acreditamos que a leitura não pode ser limitadora. A diversidade textual

aliada à mediação pedagógica do professor é o que proporcionará a formação de leitores e não,

decifradores” (ANTUNES, 2015, p. 139). Comungamos da assertiva da autora e acrescentamos

que o ensino da leitura implica mediação e uma diversidade discursiva, incluindo, claro, os

textos literários.

Em meio a algumas divergências epistemológicas e metodológicas questionadas por Antunes

(2015), um aparente consenso parece soar:

Finalmente, o quadro que trata do eixo Leitura demonstra ao leitor que se espera que

a criança consiga: desenvolver atitudes favoráveis à leitura; decifrar, ler com fluência

e compreender textos; identificar as finalidades, antecipando conteúdos, confirmando

ou não hipóteses sobre eles; fazer inferências para ampliar a compreensão; conseguir

uma compreensão global do texto e avaliá-lo. Assim, pensamos que as crianças são

capazes de desenvolver o que é proposto pelo programa, mas elas podem ir além,

porque, “[...] lendo a palavra do outro, posso descobrir nela outras formas de pensar

que, contrapostas às minhas, poderão me levar à construção de novas formas e assim

sucessivamente” (GERALDI, 2003, p. 171). A leitura é, portanto, uma oportunidade

de expressar nossas réplicas à palavra do outro (BAKHTIN, 2009) (ANTUNES, 2015,

p. 142).

“A palavra do outro coloca diante do indivíduo a tarefa especial de compreendê-la [...]”

(BAKHTIN, 2017b, p. 38). Numa tentativa de compreensão após a leitura do trabalho de

Antunes (2015), e até mesmo de réplica, pensamos que a leitura, enquanto processo resultante

de um dado contexto histórico-social, deve ocupar posição central no ensino e lugar

peremptório nas pesquisas acadêmicas. Sob tal afirmação repousa a premissa discursivo-

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dialógica, essencial para a compreensão do elo autor-texto-leitor. Mesmo com todas as

limitações do sistema educacional brasileiro, o que se busca é a emancipação de sujeitos. E esse

processo emancipatório não pode furtar-se da leitura literária.

Antes de dialogarmos com o trabalho de Valéria Aparecida Dias Lacerda de Resende, uma

apresentação do Pnaic se faz necessária. Loose (2016) pondera que documentos tais como o

Educação para Todos apontam para a necessidade de se estabelecer metas, direcionadas

sobretudo ao campo da alfabetização, leitura e escrita. Tais objetivos demandam uma série de

ações governamentais, compromissos entre estados e municípios e é dentro desse contexto que

o Pnaic se insere. Criado em 2012, Pnaic “[...] é um compromisso formal assumido pelos

governos federal, do Distrito Federal, dos estados e municípios de assegurar que todas as

crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino

fundamental” (MEC, 2012). Trata-se de um programa recente, mas com um objetivo ambicioso.

As ações do Pacto estão estruturadas em quatro eixos de atuação: a) formação continuada para

professores/as alfabetizadores/as e orientadores/as do estudo; b) materiais didáticos e obras

literárias, ora distribuídas pelo PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), ora pelo

PNLD (Programa Nacional do Livro Didático); c) Avaliações sistemáticas, que contemplam

desde as avaliações processuais às de larga escala, como a Provinha Brasil, por exemplo; d)

Gestão, mobilização e controle social.

Com base nesses apontamentos, apresentamos a tese de Resende (2015), intitulado Análises dos

Pressupostos de Linguagem nos Cadernos de Formação em Língua Portuguesa do Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC. Trata-se de um trabalho analítico dos

cadernos de formação do Pnaic, visando a identificar as concepções de linguagem, de

alfabetização e de escrita nesses documentos. Essa pesquisa nos interessou, pois, além de

analisar os cadernos, pautou-se numa crítica ao Letramento, citando, inclusive, trabalhos de

estudiosas vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal

do Espírito Santo (PPGE-Ufes), tais como as professoras doutoras Claudia Maria Mendes

Gontijo e Cleonara Schwartz.

Primeiramente, Resende (2015) traça uma contextualização de seu trabalho, evidencia objetivos

e metodologias, à luz das análises dos cadernos de formação. Em seguida, privilegia quatro

estudos sobre a linguagem, pautando-se em um diálogo com os estudos de Ferdinand de

Saussure, Mikhail Bakhtin, Jean Piaget e Lev Vygotsky. Essa sequenciação de autores é

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interessante, pois mostra os caminhos trilhados pela autora, que optou pela feitura de um

contraponto entre os teóricos mencionados.

A abordagem primeira dos estudos saussureanos no trabalho de Resende (2015) foi fundamental

para que os/as leitores/as entendam a concepção de linguagem bakhtiniana, que, dentre outros,

critica uma visão que restringe a linguagem a um sistema fechado de regras. Os estudos de

piagetianos foram também discutidos e correlacionados aos estudos de Ferreiro e Teberosky

(1999), deixando claro “[...] que esses elementos conceituais de Ferreiro/Piaget irão compor o

diálogo com os pressupostos de linguagem explicitados nos Cadernos de Formação em Língua

Portuguesa dos Anos 1, 2 e 3, das Unidades 1 do PNAIC” (RESENDE, 2015, p. 77). Por fim,

a perspectiva de Vygotsky foi inserida para evidenciar uma nuance discursiva e interativa de

linguagem, ressaltando, em alguns momentos, a proximidade com o pensamento de Mikhail

Bakhtin.

Resende (2015) critica o posicionamento hegemônico em relação ao letramento e aponta a

necessidade da alfabetização se aproximar mais de uma concepção dialógica da linguagem,

vislumbrada, inclusive, na formação de professores/as e suas consequentes propostas de ensino.

Ao criticar a insistência do entrelaçamento entre essas duas perspectivas, que perpassam os três

programas governamentais que serão analisados neste trabalho, a autora desvenda uma

realidade incômoda de “[...] muitas das ilusões, em relação à formação do professor-

alfabetizador” (RESENDE, 2015, p. 85).

Quanto às concepções de linguagem, alfabetização e escrita, a pesquisa evidencia que tais

fatores estão ligados, respectivamente, às questões gramaticais, ao domínio do código e ao que

autora chama de “princípio da normatividade” (RESENDE, 2015, p. 111), já que a escrita,

também, concede mais ênfase às questões ortográficas. Dessa forma,

O processo de aprendizagem da escrita fica restrito à relação interna das unidades das

palavras, no reconhecimento de sons e grafias, sílabas, pronúncias, encontros

consonantais, palavras, elementos considerados como condição para a aquisição da

leitura e da escrita. (RESENDE, 2015, p. 125).

Por fim, essa normatividade, ou seja, o privilégio por uma abordagem puramente linguística,

impede a ocorrência de relações dialógicas no ensino de língua materna, uma vez que a

apropriação da linguagem escrita, a partir da produção de sentidos e da mediação do professor,

é olvidada.

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O trabalho Cadernos de formação do Pnaic em Língua Portuguesa: concepções de

Alfabetização e de Letramento, de Kaira W. Couto Costa, destina-se a compreender os

conceitos de alfabetização e de letramento que sustentam o Pnaic. Por meio de uma análise dos

cadernos de formação do Pnaic, fundamentando-se teoricamente nos estudos de Mikhail

Bakhtin e seu círculo, sustenta a tese de que, embora os documentos expressem a

indissociabilidade entre a alfabetização e letramento, tal fato não se materializa, uma vez que é

enfatizada a alfabetização como aquisição do código escrito. Tal constatação, além de dialogar

com os estudos de Resende (2015), dialoga com estudos de Becalli (2017) e Antunes (2015).

Embora sejam programas governamentais sejam distintos, as concepções, as constatações e as

incongruências se repetem.

O trabalho contempla a revisão de literatura, o referencial teórico-metodológico, bem como um

capítulo destinado a discutir e compreender os termos alfabetização e letramento. Apresenta,

em seguida, o corpus analítico, para que sejam descortinados, por fim, esses conceitos no Pnaic

2013. Costa (2017, p. 136), além de tecer críticas quanto aos preceitos construtivistas que

balizam o programa, direciona uma crítica ao pragmatismo do programa, ao depositar apenas

na prática docente o caminho para a melhoria do ensino, sem mencionar a necessidade premente

de valorização dessa categoria profissional e outros aspectos correlacionados ao fazer

pedagógico.

Após as análises, quanto à concepção de alfabetização, Costa (2017) esclarece que as

orientações didáticas se pautam no sistema de escrita alfabética. Assim, as atividades são

carreadas por uma visão utilitarista do texto como pretexto para o ensino do sistema de escrita.

Ao centralizar-se nos gêneros discursivos de modo haurido, essas produções destinam-se a

atender um caráter imediatista: “Nessa direção, o discurso presentificado nos textos conceitua

a alfabetização como uma técnica, uma competência linguística que possibilitará,

posteriormente, aos sujeitos o acesso a práticas de letramento” (COSTA, 2017, p. 136).

O último trabalho deste eixo a ser apresentado é A Concepção de Linguagem do Pnaic e

Implicações Metodológicas para o Ensino da Linguagem Escrita: um estudo a partir da

Psicologia Histórico-Cultural, de Patrícia Maria Guarnieri Ramos. Trata-se de uma pesquisa

importante, pois além de se aproximar das análises já citadas neste item, problematiza a

concepção construtivista que baliza os documentos oficiais e políticas públicas de alfabetização.

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A dissertação analisa os cadernos de formação de professores/as do 3º ano do Ensino

Fundamental e o caderno de apresentação do Pnaic, de modo a perscrutar as concepções de

desenvolvimento humano, de linguagem, de linguagem escrita e as implicações metodológicas

presentes nesse programa. Fundamenta-se teórico-metodologicamente nos estudos da

Psicologia Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica, ambas fundamentadas na

filosofia marxiana. Como método de investigação, assume o materialismo histórico e dialético

(RAMOS, 2017).

A autora salienta o caráter social e histórico do desenvolvimento e ressalta os processos de

ensino e de aprendizagem como elementos fundamentais para o desenvolvimento de funções

psíquicas culturais. A linguagem é compreendida como função psicológica superior, não restrita

à adaptação do indivíduo ao meio. Ao contrário, é instrumento de transformação do homem e

de sua cultura (RAMOS, 2017).

O trabalho de Ramos (2017) estrutura-se da seguinte forma: inicialmente, é traçado um breve

percurso formativo da pesquisadora, em seguida, discutem-se os índices de analfabetismo no

Brasil. Os capítulos que seguem delimitam o histórico da alfabetização no Brasil, os principais

aspectos concernentes à Psicologia Histórico-Cultural, com ênfase às implicações

metodológicas na alfabetização. Discute-se, também, em que consiste o Pnaic. Sobre esse

aspecto, cabe um olhar mais acurado. Após atenta análise do caderno de apresentação, que põe

em xeque a formação inicial do professor, ao afirmar que “Na formação inicial tem-se

enfatizado mais a teoria e na continuada, a prática” (BRASIL, 2012, p. 11), uma crítica é tecida,

ao serem descortinados os fundamentos do saber-fazer-fazendo e da pedagogia do aprender a

aprender. Logo, ao apregoar uma desvalorização da formação inicial, nota-se um afinamento

aos ditames neoliberais e rejeitam-se “[...] questões teóricas e metodológicas essenciais à

formação do professor e, de certa forma, isentando os cursos de Pedagogia de enfrentarem tais

questões, de tal modo que há um afastamento da concepção transformadora da vida social e

individual” (RAMOS, 2017, p. 86).

Bakhtin (2017, p. 67) pondera que “Um texto só tem vida contatando com outro texto

(contexto). Só no ponto desse contato de textos eclode a luz que ilumina retrospetiva e

prospectivamente, fazendo dado texto comungar no diálogo”. As conclusões erigidas por

Ramos (2017), após análises dos cadernos de formação, confluem-se à pesquisa de Costa

(2017): ambas salientam o caráter duvidoso do “alfabetizar letrando”, tendo em vista o seu

flagrante pragmatismo e descompromisso com uma visão contra-hegemônica de sociedade.

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Nesse sentido, a autora salienta um “museu de grandes novidades”, pois o programa, ao fincar-

se epistemologicamente nos estudos piagetianos e nos postulados de Ferreiro e Teberosky

(1999), constitui-se em “[...] uma reedição de antigos pressupostos e contribuirá para a

permanência dos mesmos resultados que temos contabilizado nas últimas décadas” (RAMOS,

2017, p. 116).

A contribuição de Ramos (2017) para esta tese se verifica na necessidade de mantermos uma

visão não ingênua do programa. Além disso, é profícuo, de igual modo, na denúncia da

hegemonia da concepção construtivista e o quanto este aspecto contribui para distanciar

professores/as de uma formação consistente e os/as alunos/as da rede pública brasileira de um

ensino efetivo da linguagem, que é histórica, social e contribui decisivamente para o

desenvolvimento do pensamento humano em suas formas superiores (RAMOS, 2017).

“As relações dialógicas são relações (de sentidos) entre toda espécie de enunciados na

comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2017b, p. 92). É possível afirmar, portanto, que os

estudos de Becalli (2007), Antunes (2015), Resende (2015), Costa (2017) e Ramos (2017)

formam um coro. Regidas pela concepção bakhtiniana da linguagem, todos os trabalhos,

embora se debrucem sob objetos de análises distintos, sinalizam que certas concepções, mesmo

que, com novas roupagens, reduzem, muitíssimo, o trabalho com o ensino de língua materna.

Embora saibamos que os documentos ora analisados pertençam a programas governamentais e

que esses docentes não são sujeitos passivos, ou seja, que não recebem os materiais de modo

inquestionável e que há a possibilidade de rasura, de reivenção, as críticas das autoras não

podem passar incólumes.

2.3 A LEITURA DELEITE

Após as ponderações sobre as concepções de leitura, sobre a leitura literária, e sobre os

programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as, discutiremos os trabalhos que,

de algum modo, trataram questão da leitura para deleite. Essa discussão foi necessária, pois,

como já afirmado no primeiro capítulo, todos os programas têm uma concepção de leitura

literária restrita ao universo do lúdico: ler para se deleitar, ler para apreciar, ler para se divertir,

dentre outros. Curiosamente, todas as pesquisas elencadas nesta tese que contêm esse verbete

são dissertações de Programas de Pós-Graduação em Educação e a maioria delas foi defendida

em 2016. Deduzimos que essa coincidência se dá porque tomam como corpus privilegiado

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documentos e/ou os discursos de professoras alfabetizadoras do Pnaic, programa

governamental implementado a partir do ano de 2012.

Salientamos, de início, que de todos os trabalhos mencionados nesta seção, apenas o primeiro

possui a questão da leitura deleite como objeto uníssono de investigação14, conforme pode ser

observado no breve resumo no quadro 3. Todavia, conhecer como essa temática foi conduzida

em pesquisas recentes é importante para se evitar repetições, constrangimentos e para se ter

uma ideia mais consistente sobre o que se tem dialogado acerca do tema. As pesquisas estão

dispostas conforme o quadro 3 e, de modo geral, contemplam esse tema em cotejo com as

discussões inerentes à formação de professores/as, à formação de leitores/as, às práticas

docentes, a partir das orientações dos documentos oficiais.

Advertimos que este momento será dedicado à discussão, à moda de um funil, tão somente da

abordagem da leitura deleite nestes trabalhos.

Quadro 3 - Trabalhos que contemplam as discussões sobre leitura deleite

14 Como questão central de investigação, a “leitura deleite” pode ser encontrada, por exemplo, em artigos a seguir

mencionados. Todos eles, de alguma forma, ao analisar esse aspecto no Pnaic, dão ainda mais solidez à leitura

literária apregoada nesse programa. Lovato e Maciel (2017), em trabalho que se caracteriza por ser um

desdobramento da pesquisa de mestrado de Lovato (2016), endossam a visão do Pnaic do que é leitura literária,

ou seja, a leitura deleite restringe-se ao prazer; Borba, Pereira e Zamperetti (2017) apontam resultados satisfatórios

em relação à formação dos professores e reforçam a leitura deleite limitada a um momento de prazer e fruição da

leitura. Souza, Silva e Ariosi (2016), embora considerem que a leitura não possa se restringir ao deleite e que esta

consiste em a) “[...] um espaço para autonomia e autoria do professor e favorece o respeito aos interesses e

necessidades linguísticas e culturais dos alunos [...]” (p. 71); b) “[...] que é uma “estratégia interessante” (p. 72), a

perspectiva adotada pelas autoras evidencia uma benevolência à leitura atrelada à ludicidade (p. 77). Além disso,

ainda que a o artigo analise de modo mais consistente a proposta no Pnaic, a citação: “[...] o professor é quem

organiza a forma de propiciar aprendizado ou deleite às crianças” (SOUZA, SILVA e ARIOSI, 2016, p. 72) mostra,

ainda, uma aparente dicotomia, ao colocar “aprendizado” e “deleite” em pólos opostos. Por fim, Ferreira (2018)

assegura que a leitura deleite constitui-se, por estar atrelada ao prazer, em uma estratégia que pode enriquecer o

trabalho com a leitura, bem como promover a criação de espaços que agucem a potencialidade dos/as leitores/as.

Tipo de

Trabalho Título Autoras Breve Resumo

Dissertação

Ufal, 2017

Práticas de “Leitura

Deleite’ nos Anos

Iniciais: contributos do

Pnaic na/para mediação

docente

Simone de

Souza Silva

A pesquisa se atém à influência da leitura deleite

na formação de estudantes dos anos iniciais do

ensino fundamental de uma escola pública em

Maceió-AL. Conclui que a leitura deleite

proposta pelo Pnaic tem-se constituído em uma

aliada na formação de professores/as e de

crianças.

Dissertação

UFMG,

2016

O Pacto Nacional Pela

Alfabetização Na Idade

Certa – (Pnaic/2013) e os

Professores do

Município de Castelo –

ES

Regilane

Gava Lovato

Trata-se de uma pesquisa que analisou, por meio

de análise de documentos, entrevista

semiestruturada e observações dos

planejamentos semanais, as práticas e saberes

docentes, do município de Castelo - ES, após

formação recebida pelo Pnaic em 2013.

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58

Fonte: LOVATO, 2016; LOOSE, 2016; BASTOS, 2016; SILVA, 2016a; FRAMBACH, 2016; SILVA, 2016b;

BARROS, 2015, SILVA (2013).

Práticas de “Leitura Deleite’ nos Anos Iniciais: contributos do Pnaic na/para mediação

docente, de Simone de Souza Silva, é o único trabalho a ser mencionado nesta revisão de

Dissertação

Ufes, 2016

Apropriações de

Concepções de Leitura

do Pacto Nacional Pela

Alfabetização na Idade

Certa (Pnaic)

Celina

Loose

A dissertação investiga a proposta de trabalho

com a leitura no Pnaic e suas apropriações e

busca compreender as concepções de leitura

legitimadas programa, bem como as

apropriações dessas concepções de leitura pela

IES formadora.

Dissertação

UFMT,

2016

Práticas de

Alfabetizadoras em

Formação pelo Pnaic:

estudo do Uso dos

Acervos de Leitura

Regiane

Pradela da S.

Bastos

Partindo de uma análise documental inspirada na

concepção bakhtiniana de linguagem, a pesquisa

visa a compreender as práticas pedagógicas de

professoras do ciclo de alfabetização, que

participaram da formação Pnaic, diante da oferta

de livros distribuída pelo programa.

Dissertação

UFC, 2016

Formação do Leitor:

desafio à prática docente

e à avaliação da

aprendizagem

Olivia

Coelho da

Silva

Visando a discutir a formação de leitores/as, a

pesquisa investigou como dá o trabalho de

professoras do 1º ao 3º anos do ensino

fundamental, da Secretaria Municipal de

Fortaleza – SME.

Dissertação

UFRJ, 2016

Entre Urdiduras e

Tramas: tecendo

reflexões sobre leitura,

literatura e

(trans)formação

continuada de

professores

alfabetizadores

Fernanda de

Araújo

Frambach

O trabalho objetivou identificar e analisar as

possíveis contribuições do Pnaic no que diz

respeito ao letramento literário no contexto

escolar, especificamente no município de Niterói

(RJ). Além de uma análise documental, o

trabalho analisou o discurso de professoras

formadoras do programa e ratifica a necessidade

de a literatura ser, efetivamente, um direito.

Dissertação

UFG, 2016

Estratégias de Leitura

nos Anos Iniciais do

Ensino Fundamental I

Fernanda

Siqueira

Silva

Esta dissertação, com inspiração etnográfica,

contemplou um estudo sobre as estratégias de

leitura utilizadas por professoras do 3º e do 5º ano

do Ensino Fundamental I, da Rede Municipal de

Educação de Corumbaíba (GO).

Dissertação

Uesc, 2015

A Experiência Formativa

com Leitura de

Professoras-

Alfabetizadoras

Participantes do Pacto

Nacional pela

Alfabetização na Idade

Certa – Pnaic

Jamile de

Andrade

Barros

Trata-se de um trabalho que tinha como intuito

compreender as experiências formativas do

professor-alfabetizador do Pnaic e como estas

reverberam em seu trabalho com a leitura em

classes de 1º ano do Ensino Fundamental.

Dissertação

UFPE, 2013

Cotidiano Escolar: como

professores

alfabetizadores

organizam seu trabalho

pedagógico?

Sandra

Cristina

Oliveira da

Silva

Por meio de observações e entrevistas, a

dissertação analisou como algumas professoras

de duas cidades pernambucanas, que lecionam

no 1º ano do ciclo de alfabetização, organizaram

seu trabalho pedagógico para ensino da escrita.

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literatura que possui a leitura deleite como objeto central de estudo e que insere as crianças

como sujeitos da pesquisa. A dissertação inicia-se com a sistematização das características

desse programa governamental com especial destaque à leitura deleite. Silva (2017) pondera

que a leitura deleite constitui-se em “modo privilegiado de ler literatura”, visto que fomenta o

apreço à beleza do texto, sem a obrigação de querer utilizá-lo para outros fins que não os

estéticos (SILVA, 2017, p. 28). Em seguida, a pesquisadora pondera acerca do caráter benéfico

da leitura oralizada e em performance, como presentificador do deleite no corpo do/a

mediador/a de leitura literária.

A partir de uma junção de procedimentos de coleta de dados, que contemplam a observação das

aulas, questionários, entrevistas semiestruturadas e análise documental dos cadernos do Pnaic

do ano de 2013, a autora ratifica a necessidade de leitura por prazer na escola e salienta os

seguintes aspectos, após a análise do corpus: a) a formação de professores/as pelo Pnaic tem

implicações na prática docente, uma vez que essa concepção de leitura atrelada ao deleite é

levada para a sala de aula; b) o relato de experiência e saberes dos/as leitores/as em formação,

a partir do “encantamento” literário; e, por fim, c) a necessidade de se formar leitores/as a partir

do envolvimento com o “contexto literário” (momento com autor/a do livro, atividades pós-

leitura, vivência da teatralidade, dentre outros).

O trabalho de Regilane Gava Lovato, O Pacto Nacional Pela Alfabetização Na Idade Certa –

(Pnaic/2013) e os Professores do Município de Castelo – ES, é iniciado com uma espécie de

memorial que relata a trajetória da pesquisadora até a constituição do problema de pesquisa. No

primeiro capítulo, é apresentado um heterogêneo referencial teórico-metodológico, bem como

os caminhos percorridos para a coleta de dados. Em seguida, é feita uma análise comparativa

entre o Pnaic, Pró-Letramento e Profa, com o foco mais voltado ao âmbito da organização

desses programas. O terceiro capítulo é dedicado a um estudo mais aprofundado do Pnaic,

concedendo ênfase aos eixos e aos processos de alfabetização e letramento imbricados a eles,

bem como é dedicado a ressalvas acerca da formação do Pnaic oferecida pela Ufes15 (LOVATO,

2016, p. 69-84). O quarto capítulo, cerne de nossa atenção maior, é constituído pela análise dos

saberes docentes sob a ótica das sequências didáticas e da leitura deleite.

15 Com base na transcrição da fala de professoras que participavam da formação, as críticas direcionadas à Ufes

contemplam, sobretudo, a ênfase da universidade nas questões teóricas. Segundo a autora, os momentos de

formação com os/as professores/as no município de Castelo-ES almejavam, por outro lado, as questões de ordem

prática. Mesmo solidárias às aflições docentes quanto à emergência na resolução de problemas na área da

alfabetização, concordamos com Loureiro (2007) de que o espírito pragmático instaura uma racionalidade repetível

na relação sujeito e objeto, teoria e prática e, desse modo, contribui para o fenômeno da aversão à teoria.

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Lovato (2016), antes, tem o cuidado de expor as falas das professoras entrevistadas, em que foi

possível observar uma importância dada à leitura deleite, bem como a atribuição desta à função

de se iniciar a alguma conversa ou dar ludicidade a alguma atividade proposta. A autora pontua

a inserção da leitura deleite nos cadernos, sem que haja uma reflexão teórica consistente do que

vem a ser o tema:

Ainda que a leitura deleite seja uma proposta pedagógica que o PNAIC sugere, nos

Cadernos de Formação não verificamos uma discussão aprofundada sobre essa

atividade permanente. Constatamos que o termo é apenas mencionado como atividade

a ser desenvolvida em sala de aula e relatos de professoras de como colocam em ação

essa proposta (LOVATO, 2016, p. 140).

E relembra, porém sem fazer uma discussão aprofundada, que: “A leitura deleite já havia sido

sugerida aos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental em formação continuada do

Pró-letramento que ocorreu anteriormente ao PNAIC” (LOVATO, 2016, p. 139).

As discussões erguidas por Lovato (2016), em muitos momentos, são guiadas pela análise das

falas das professoras. Uma delas, entretanto, nos chamou atenção. Nas palavras de uma

professora entrevistada, “a ‘leitura deleite’ é o gosto pela leitura sem se cobrar nada [...]”; a

autora, ao comentar essa fala, pondera:

Além da leitura somente com o objetivo de apreciar uma obra literária, o professor

alfabetizador pode solicitar aos alunos a interpretação oral e escrita e, também, uma

atividade conjugada com a sequência didática e o projeto pedagógico, ao introduzir

uma atividade e durante aquelas que compõem essas modalidades de trabalho

pedagógico (LOVATO, 2016, p. 141).

Na mesma vertente, comenta as falas das professoras, que ressaltam que leitura deleite é uma

prática costumeira, está atrelada ao prazer, sem muita cobrança, e que é interessante fazê-la em

voz alta e/ou protocolada (leitura dos livros por partes16) como uma estratégia de chamar a

atenção dos/as alunos/as (LOVATO, 2016, p. 141; 147). E ainda explica a inclusão do deleite

irmanado à leitura literária, tendo como justificativa a carência de acesso às obras literárias

pelas crianças fora do espaço escolar:

Considerando a importância da literatura na formação de leitores e, diante do fato de

que grande parte das crianças só tem acesso às obras literárias na escola, na maioria

das vezes, pela leitura que o professor faz na sala ou por incentivo do próprio docente,

é que o PNAIC propôs a leitura deleite (LOVATO, 2016, p. 141).

Lovato (2016) discorre sobre o conceito de leitura literária, abraçando a definição de Paulino

(2014), ao afirmar que, por meio da leitura, se estabelece uma interação prazerosa. Ressalta,

16 A definição da leitura protocolada como sinônimo de leitura por partes é feita por Lovato (2016, p. 141).

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mais uma vez, o caráter benéfico da leitura deleite, tendo em vista a possibilidade de maior

contato com obras literárias e de fomentar o gosto pela leitura; por fim, conclui:

Sem querermos ser pretensiosos, talvez, possamos dizer que a ―leitura deleite,

sugerida pelo PNAIC, se pareça um pouco com a definição de leitura literária proposta

por Paulino (2014), já que o prazer pela leitura é uma condição tanto para a ―leitura

deleite, como para a leitura literária. É importante destacar que, através do PNAIC,

foram disponibilizadas diversas obras literárias, com a finalidade de trabalhar a

leitura, a oralidade, a escrita, a interpretação, a apreensão de novos conhecimentos

pelos alunos e, tão importante quanto os demais, proporcionar o gosto pela leitura.

[...]

Além disso, a formação do PNAIC, ao propor a leitura deleite, permitiu que tanto

alunos como professores tivessem um contato maior com obras literárias, algumas

conhecidas, outras tantas a serem apreciadas (LOVATO, 2016, p. 144; 149).

Os excertos ora expostos nos permitem inferir que Lovato (2016) possui a mesma compreensão

de leitura literária defendida pelo Pnaic: leitura por prazer, leitura para apreciação, leitura para

deleite. Tal postura é chancelada, inclusive, em Lovato e Maciel (2016).

O trabalho intitulado Apropriações de Concepções de Leitura do Pacto Nacional Pela

Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), de Celina Loose, faz um estudo descritivo do Pnaic. A

autora inicia sua discussão marcando seu referencial teórico, que é a concepção bakhtiniana da

linguagem, inserindo suas ponderações acerca da leitura nessa perspectiva. A dissertação ainda

abarca as facetas da implementação do programa em âmbito nacional e no contexto espírito-

santense.

Há, ainda, um olhar crítico no que concerne à concepção de leitura proposta pelo programa, que

se insere dentro do binômio da alfabetização e do letramento, junção já criticada por Becalli

(2007), Antunes (2015) e Resende (2015), por exemplo. Quanto à defesa de uma contemplação

de uma heterogeneidade de gêneros textuais no ensino da leitura, Loose (2016) concorda com

essa ampla abordagem, mas é incisiva ao pontuar que tal fato não pode ser um fator limitador

no ensino de leitura: é preciso um redimensionamento das concepções de sujeito, que passam

pela não passividade e, de igual forma, o redimensionamento do modo de conceber texto e de

leitor. Na opinião da autora, “[...] para a formação de leitores críticos e participativos, é preciso

investir numa formação de professor alfabetizador por meio de uma concepção dialógica de

linguagem, que compreenda a leitura como uma prática social [...]” (LOOSE, 2016, p. 131).

Quanto à inserção da temática da leitura deleite, Loose (2016) afirma:

Portanto, observamos a partir das estratégias e atividades sugeridas que o programa

não traz grandes inovações em relação às estratégias e atividades propostas para o

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trabalho de leitura, porém precisamos considerar que faz um resgate da “leitura

deleite”, com o objetivo de o aluno desfrutar o prazer do texto, sem exigir resultados,

talvez como forma de contribuir e agregar elementos aos momentos de contação de

história para as turmas de alfabetização [...] (LOOSE, 2016, p. 106).

Esse resgate de que fala Loose (2016) é proveniente, conforme mencionado, do Pró-Letramento

e do Profa. Apesar de fazer uma crítica quanto às estratégias de atividades sugeridas nos

documentos do Pnaic, a autora é tímida quanto aos comentários em relação à temática do

deleite. Essa timidez se justifica, talvez, porque este não foi o objetivo do estudo de Loose

(2016), mas não podemos deixar de perceber uma proximidade da opinião dela com aquela

defendida pelo Pacto.

A pesquisa de Regiane Pradela da S. Bastos, intitulada Práticas de Alfabetizadoras em

Formação pelo Pnaic: estudo do uso dos acervos de leitura, é iniciada com a apresentação de

programas governamentais, a saber: Profa, Pró-Letramento, Praler e Pnaic. Após a

contextualização, no segundo capítulo, situam-se os campos de atuação das professoras, bem

como a circulação de obras, a partir do Pnaic. É nesse segundo capítulo que se situa a discussão

sobre a leitura deleite. Bastos (2016) afirma:

Quando um texto está na sala de aula, como parte de um processo pedagógico, ele já

está inevitavelmente, escolarizado, pois passa a fazer parte do processo de

ensino/aprendizagem organizado que justifica a existência da instituição escolar”

(PAULINO, 2015, p. 2-3). Mesmo quando as professoras proporcionaram a leitura

deleite, tinham objetivos didáticos: formar um leitor literário, ampliar o universo de

referências culturais, apresentar um texto como forma de cultura escrita, trabalhar a

oralidade, a leitura, a criatividade, a criticidade, entre outros. Porém, durante esses

momentos as crianças puderam sentir prazer, se deleitaram ao ler ou ouvir uma

história, um poema, sem pensarem, necessariamente, em obrigações de responder

tarefas, mesmo que depois tivessem que realizar atividades com o texto, enfim, se

entregaram ao deleite da leitura (BASTOS, 2016, p. 100).

A análise da autora merece uma ponderação. A conjunção adversativa “porém” não pode passar

despercebida. Ela relata o deleite emanado pelas crianças, diante do contato com o texto

literário, a despeito da intenção primeira das professoras que era a didatização das obras. Essa

fala é preocupante, pois indicia que o cumprimento de tarefas é, necessariamente, um fardo,

bem como admite, pelo olhar das professoras, a utilização da literatura como um pretexto para

o ensino da gramática.

Bastos (2016, p. 100-104) analisa a recorrência desse momento nas aulas das professoras

analisadas e ressalta as peculiaridades de cada uma delas. Divulga, ainda, o processo de

sedução, entusiasmo e apreciação das crianças pelas histórias contadas, conjecturando esses

momentos à “libertação de emoções e sentimentos”. Denuncia o caráter utilitarista do deleite,

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que, muitas vezes, fica restrito a eventos e festividades escolares. A autora alerta que esse

momento precisa ser constante e, para tanto, defende as sequências didáticas como caminhos

possíveis, a fim de que, por meio da literatura, se “[...] cumpra uma função reflexiva, voltada

ao prazer estético” (BASTOS, 2016, p. 106).

A dissertação Formação do Leitor: desafio à prática docente e à avaliação da aprendizagem,

de Olívia Coelho da Silva, não possui um capítulo específico sobre a leitura deleite. Esse

momento e/ou a ausência dele são analisados em sua pesquisa por meio da observação da prática

de professoras alfabetizadoras. Uma dessas análises chamou nossa atenção:

Na situação acima descrita, foi possível observar que a professora A promoveu espaço

para o deleite literário, momento em que permitiu às crianças a livre escolha do livro

a ser lido. Essa situação contemplou um dos objetivos da leitura: o de ler por prazer.

A leitura por prazer é uma escolha muito pessoal, desse modo, as crianças são

estimuladas a realizar escolhas de suas preferências. Momentos como esse devem ser

observados pela professora para perceber o interesse da leitura dos alunos e, assim,

planejar momentos de leitura que sejam significativos e prazerosos (SILVA, 2016a,

p. 60).

Mais uma vez, o que se vê é uma defesa da leitura deleite apenas reduzida ao prazer, muito

próxima do entretenimento. Quando se coloca a literatura reduzida à livre escolha das crianças,

por um lado, pode-se imaginar que isso seria um incentivo à autonomia. Não obstante, essa

conduta obscurece uma das principais funções do professor: ser o mediador do processo de

ensino e da aprendizagem.

Entre Urdiduras e Tramas: tecendo reflexões sobre leitura, literatura e (trans)formação

continuada de professores alfabetizadores, de autoria de Fernanda de Araújo Frambach, revela-

se, até o momento, como o estudo mais consistente em relação à temática do deleite, ainda que

se defenda o letramento literário17. Valendo-se da metáfora dos fios, urdiduras e tramas, a autora

situa pesquisa no campo da alfabetização, da leitura literária e na formação de professores/as,

para, em seguida, contemplar um estudo sobre os programas governamentais de formação de

professores/as, abarcando, inclusive, a contextualização do Profa e do Pró-Letramento. O

terceiro capítulo é dedicado à revisão de literatura e, posteriormente, apresenta-se a metodologia

escolhida, que perpassa a análise documental e entrevista a professoras alfabetizadoras do

município de Niterói-RJ. Antes de se analisar as falas das entrevistadas transcritas no sexto

capítulo, no quinto são feitas as discussões sobre a leitura literária no Pnaic. É justamente aqui

(quinto capítulo) que recai nosso interesse maior.

17 Adiante, esse assunto será discutido com mais profundidade.

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Inicialmente, há uma concordância com os documentos do Pnaic, ao tratar o deleite como uma

estratégia de formação, que deve ser compreendida, dada à sua indicação nos materiais e nas

políticas de formação docente (FRAMBACH, 2016, p. 112). Essa compreensão da autora passa

por uma série de críticas. A primeira delas assim é exposta:

Inicio essa reflexão trazendo o significado etimológico da palavra deleite como

“regalo”, “prazer suave e prolongado”. Ao adotar essa terminologia, a proposta do

programa enfatiza que a leitura pode ser encarada como um instrumento de simples

diversão e distração, como simples entretenimento, conforme o enunciado: “É ler para

se divertir, sentir prazer, para refletir sobre a vida” (BRASIL, 2012d, p. 29). Ressalta-

se a utilização do termo “sempre” no trecho “O momento da leitura deleite é sempre

de prazer”, excluindo qualquer possibilidade de outras vivências a partir da leitura.

Para intensificar ainda mais o discurso, propõe que esta pode servir também para

“situações em que se conversa sobre os textos”, mas ressalta que “esse momento

também é de prazer”, eliminando assim a possibilidade de construção de sentidos que

não sejam agradáveis. [...] (FRAMBACH, 2016, p. 112).

Frambach (2016, p. 113) advoga o lugar da leitura literária como direito, devido ao seu potencial

humanizador, que inclui os momentos de formação docente. No entanto, mesmo reconhecendo

a legitimidade dessa intenção, argumenta a necessidade de uma compreensão mais profunda da

proposta, tendo em vista a concepção de leitura como fruição que o termo, segundo ela, parece

encerrar.

De acordo com Frambach (2016), da forma como a literatura está inserida no Pnaic, indiciando

que reflexão e prazer são aspectos opostos e excludentes, o programa deixa uma brecha grave.

Pensamos, nessa lógica, que esse distanciamento, além de endossar um clichê em relação à

leitura (o/a leitor/a lúdico/a, viajante, escapista da realidade), fomenta o questionamento de

posturas persistentes no trabalho superficial do texto literário e a discussão acerca da

subserviência de determinadas instâncias ao mercado. Em outras palavras, nos parece que há

uma fissura, considerando programa prevê a distribuição de livros literários e a finalidade

proposta pelo Pnaic restringe-se tão somente ao prazer descompromissado.

Como os anseios do Pnaic em relação à leitura literária são notoriamente limitados ao lúdico e

ao regalo, a autora tenta compreender esse movimento por meio de uma abordagem histórica,

amparando-se, entretanto, apenas nos estudos de Compagnon (2009). Conforme Frambach

(2016),

A reivindicação do prazer, que autores defendiam a partir do conceito de leitura como

fruição, poderia indicar a preocupação com a necessidade de se preservar um lugar

diferenciado para a literatura, distinto dos discursos da ciência e da utilidade. [...]

Compagnon (2009), ao discutir sobre a literatura, sua utilidade e pertinência, aborda

três explicações de sua potência: como detentora de um poder de carthasis; como

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instrumento de libertação do indivíduo e contestação do poder dominante; e como

responsável por consertar a língua, impondo a correção da linguagem. [...] Destas três

explicações abordadas por Compagnon, que já coexistiram e ainda se refletem no

ensino da literatura, a que interessa a esta discussão é a primeira mencionada.

Para o autor francês, esta primeira explicação remete à definição clássica de Platão de

mimesis, traduzida hoje por representação ou ficção em detrimento de imitação, que

argumenta que o homem aprende por meio da literatura entendida como ficção. Neste

paradigma, segundo a teoria do dulce et utile, a literatura instrui deleitando e portanto,

pode servir para ensinar os bons costumes, instruindo ao mesmo tempo em que diverte

(FRAMBACH, 2016, p. 113-114).

Neste momento, cabe uma retificação quanto ao comentário de Frambach (2016), acerca de

Platão. A rigor, consoante Compagnon (2009, p. 31), a definição de mimesis se dá em

Aristóteles, contra Platão, e não o contrário. A despeito do equívoco, longa citação da autora

foi necessária para ponderarmos sobre outros dois aspectos: a) de início, conjectura-se que a

questão do prazer, tão enfatizada na leitura literária do Pnaic, está relacionada a uma tentativa

de balizamento, de estabelecer fronteiras entre o texto literário e os demais gêneros. Indo além,

e carreadas por esse pensamento, por ora, apenas18 questionamos se esse posicionamento do

Pnaic seria uma tentativa mal sucedida de se distanciar dos objetivos pragmáticos vindos, por

exemplo, da Escola Nova; e b) se este for o objetivo do Pnaic, será que instruir e deleitar são as

únicas facetas possíveis para o texto literário?

Quanto a essa última indagação, Frambach (2016, p. 114) dá pistas de que as possibilidades do

texto literário vão além, ao fomentar tensões, conflitos, questionamentos, por exemplo, e

assume a posição de que o deleite não é a única possibilidade:

Desta forma, argumento que essa estratégia de formação precisa ser discutida nos

encontros com os professores, a começar pelo termo Leitura Deleite que veicula uma

concepção de leitura apenas por prazer, desconsiderando a perspectiva humanizadora

da literatura. Convém ressaltar que não pretendo com essa reflexão insinuar que a

leitura não proporcione prazer, encantamento, alegria. A esse respeito, concordo com

Compagnon que declara que ‘A leitura pode divertir, mas como um jogo perigoso,

não um lazer anódino’ (2009, p. 53) (FRAMBACH, 2016, p. 114).

Zilberman (2003, p. 25) afirma que “Preservar as relações entre a literatura e a escola, ou o uso

do livro em sala de aula, decorre de ambas compartilharem um aspecto em comum: a natureza

formativa”. Partindo dessa premissa, de que a literatura e a instituição escolar contribuem para

a formação dos sujeitos, reafirmamos que confinar a literatura a um momento de “leitura

deleite” é, em nossa visão, algo inconsistente. Essa premissa unicamente lúdica corrói o viés

social da literatura já estudado por Carvalho (2012) e oblitera uma realidade em que grande

parte das crianças deste país só terá acesso ao texto literário a partir da escola pública e, que,

18 Esta questão será tratada posteriormente, após a análise documental mais acurada.

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portanto, esse acesso deve primar pelo trabalho com todas as nuances do texto literário,

enquanto manifestação estética, política e ética.

Por fim, ao analisar os Acervos Complementares do Pnaic, Frambach (2016, p. 123), além de

enfatizar sua opinião anterior acerca do deleite, observa outro desdobramento que ainda perdura

no ensino de língua materna que é a literatura usada como pretexto para o ensino, pautado,

sobretudo, na relação letras e sons, na decodificação. Tal fato pode ser explicado, porque o

Pnaic centraliza-se no binômio alfabetização e letramento.

Fernanda Siqueira Silva, na dissertação Estratégias de Leitura nos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental I, também não destina um capítulo exclusivo sobre a leitura deleite. Mais uma

vez, esse momento é analisado por meio da observação das práticas das professoras

alfabetizadoras19 e chama atenção a concepção da leitura literária reduzida meramente ao prazer

fugaz: “Na fala da Professora Ana (3º ano), ela menciona sobre algumas ações, dentre elas a

leitura deleite, que é ler pelo simples prazer de ler, o ato de se deleitar na leitura, que se constitui

como uma das propostas que são estabelecidas pelo PNAIC” (SILVA, 2016b, p. 60).

Ao citar os estudos de Abramovich (2008, apud SILVA, 2016b, p. 99), em que se faz uma

crítica às fichas de leitura, Silva (2016b) explicita que,

De acordo com a autora, o ensino com a literatura infantil foi implementado nas

instituições escolares, esperando – se que todos os alunos iriam ter o domínio da

leitura, no entanto, pelo fato dessa leitura vir na maioria das vezes, acompanhada de

atividades a serem desenvolvidas e não apenas a realização da leitura por prazer, por

deleite, por encantamento, faz com que os alunos percam o interesse pela leitura. Foi

o que observamos, após a leitura dos livros eles se deparam com atividades como essa,

de preenchimento de uma ficha literária, que não possibilita ao aluno desenvolver toda

a sua capacidade de raciocínio crítico, não o levando a refletir sobre a história lida

(SILVA, 2016b, p. 99).

O que se verifica, nesse excerto, é, novamente, a crítica aos métodos de ensino de literatura que

se valem do cumprimento de atividades em detrimento de uma leitura descompromissada, como

se o prazer e a realização de tarefas fossem aspectos dissociáveis. E a realização de tarefas fosse

sempre um fardo.

Em A Experiência Formativa com Leitura de Professoras-Alfabetizadoras Participantes do

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – Pnaic, de autoria de Jamile de Andrade

19 Causa-nos espanto a recorrência do discurso de uma professora transcrito por SILVA (2016b, p. 59, 61, 73). Ao

se manter um viés missionário, o momento de leitura para deleite é rasurado, para dar lugar à oração e à discussão

do “evangelho” em sala de aula de uma escola pública, um espaço que é (supostamente) laico. Esse aspecto não

foi problematizado por Silva (2016b).

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Barros, observamos que a questão da leitura para deleite é abordada ora por meio da análise do

relato das professoras, que manifestam, em muitos casos, uma leitura “[...] com tal prazer que

contagiava os alunos, que ficavam muito atentos [...]” (BARROS, 2015, p. 80), ora pela

observação dos documentos do Pnaic.

O movimento de análise de Barros (2015) é cambiante, pois não torna clara sua opinião da

acerca da temática. Em um primeiro momento, ela concorda com o posicionamento de que o

prazer e questões formais de leitura são elementos dissociáveis: “A leitura deleite proporciona

o contato com a leitura literária, sem se preocupar com as questões formais da leitura. É um

momento de prazer e de ampliação dos saberes; [...]” (BARROS, 2015, p. 31). A autora ainda

alerta quanto à categorização desse momento enquanto uma das modalidades de leitura, e não

de tipologia textual (BARROS, 2015, p. 50).

Contudo, adiante, há uma leve crítica à concepção de leitura deleite do Pnaic, o que, de certo

modo, contradiz ao que ela afirma no excerto anteriormente mencionado:

Iniciamos com a leitura deleite que, de modo geral, é concebida como a leitura de

textos literários. Trata-se de uma leitura associada à ideia equivocada, embora

corriqueira, de que todo texto literário é fonte de entretenimento. Além disso, está

também associada à concepção de que sua leitura implica numa reflexão sobre a vida

(BARROS, 2015, p. 50).

A despeito da crítica, a autora ainda categoriza a leitura deleite como estratégia formativa

(BARROS, 2015, p. 98), mostrando uma proximidade com os postulados defendidos por Brasil

(2012). Por outro lado, Barros (2015, p. 51) chama a atenção sobre a definição da leitura deleite

exposta no documento do Pnaic, atrelada sempre ao prazer, mas, na visão da autora, é preciso

que não se restrinja o deleite ao universo literário e que, para que haja o desenvolvimento pelo

gosto da leitura, é preciso compreender a multiplicidade de sentidos dos textos, em suas práticas

sociais. A despeito desse comentário, Barros (2015) advoga em defesa dessa leitura por prazer,

pois, segundo a autora, é por meio dela que se é possível, até de modo não planejado, o

arvorecimento de debates e conflitos: “Nas sessões de formação observadas aparecem, como

momento de prazer, e se desdobram, muitas vezes, em debates e conflitos não planejados, pois

o leitor nem sempre terá o controle daquilo que é lido [...]” (BARROS, 2015, p. 121).

O estudo de Sandra Cristina Oliveira da Silva, na dissertação Cotidiano Escolar: como

professores alfabetizadores organizam seu trabalho pedagógico? é o último a ser trazido para

debate neste capítulo. Chamamos atenção para o fato de que a pesquisa é pioneira, visto que foi

publicada em 2013, um ano após a implementação do Pnaic.

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Silva (2013b, p. 51) menciona que o professor atualmente tem várias possibilidades de trabalho,

diante de uma variedade de livros e de finalidades textuais. O deleite seria uma dessas

finalidades. De modo semelhante ao que faz Lovato (2016), Bastos (2016), Barros (2016), Silva

(2016a) e Silva (2016b), Silva (2013b), ao longo do trabalho, analisa as falas de duas

professoras e há uma contagem da utilização da leitura deleite em sala de aula. Diante de alguns

relatos, vale a menção este fragmento:

Em treze aulas a docente realizou a leitura deleite, utilizando os seguintes gêneros:

poemas, músicas, histórias, histórias bíblicas, fábulas e lendas. Consideramos a

leitura deleite importante, por possibilitar o contato com os diferentes gêneros textuais

e por ser uma das práticas que favorecem o desenvolvimento de estratégias de

compreensão leitora (SILVA, 2013b, p. 83, grifo nosso).

Gostaríamos não só destacar a opinião da autora em defesa da leitura deleite, mas a utilização

da evangelização como um introito desse momento, ou como uma acolhida, tal qual

apresentado, na sua dissertação, também nas páginas 46, 82, 87, 88, 90, 107 e nos estudos de

Silva (2016b). Em ambos os casos, infelizmente, as autoras não problematizaram essa questão.

Enfatizamos o nosso desconforto a respeito da discussão, ainda que breve, desse aspecto, tendo

em vista que não participamos das transcrições desses dados, nem estávamos presentes quando

eles foram colhidos. Entretanto, pautando-se na premissa de que “[...] Toda compreensão da

fala viva, do enunciado vivo, é de natureza ativamente responsiva [...]” (BAKHTIN, 2016, p.

25) e considerando a legitimidade de cada uma das transcrições, a conduta das docentes parece

conceber o cristianismo como uma espécie de panaceia na escola, o que, em certa medida, tem

respaldo no senso comum de grande parte da população brasileira. Ainda assim, é preciso

salientar, respeitosamente, que, diante do crescimento exacerbado do conservadorismo no

Brasil, e, mais especificamente no contexto educacional, vislumbrado no recolhimento de livros

literários (BRASIL, 2017e) e solidificação do movimento de Escola Sem Partido e congêneres,

a inobservância ao caráter laico do Estado assegurado pela Constituição de 1988 não pode ser

vista com naturalidade.

No caso da leitura deleite, como não há um direcionamento nos documentos do Pnaic com uma

definição clara do tema, ou do que venha a ser, de modo consistente, a leitura literária, abre-se

espaço para atividades que passam ao largo da leitura e respectiva discussão profícua do texto

literário. Se já há uma redução da literatura ao deleite no Pnaic, pensamos que reside aí, pelo

menos, dois problemas. E, a partir de Candido (1988), afirmamos que, ao se fazer a substituição

da abordagem do texto literário por outras atividades religiosas, independente de quaisquer

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filiações, o direito à literatura é comprimido e a possibilidade de fabulação e de humanização

dos seres humanos fica renegado.

Silva (2013b) discute também a leitura deleite inserida no eixo “leitura” proposto pelo Pnaic e

defende “[...] que a leitura, na escola, pode e até deve ser por prazer, mas vale ressaltar que ela

não se resume apenas a esse ato de fruição” (SILVA, 2013b, p. 93). Adverte para a necessidade

de uma sistematicidade as atividades da leitura deleite, porque, segundo ela, diante de um leitor

experiente (o professor), é possível que os/as alunos/as comecem a utilizar as estratégias de

leitura (SILVA, 2013b, p. 158). Por fim, ressalta:

De acordo com Brandão e Rosa (2011), é importante conversar com as crianças sobre

os textos lidos em sala de aula, pois o ato de conversar possibilita o engajamento do

ouvinte na leitura, auxiliando na produção de significados do que se lê ou escuta.

Acreditamos que os momentos da leitura deleite são atividades relevantes que

precisam estar presentes em todas as salas de aulas, principalmente nas turmas que

compõem o ciclo de alfabetização (SILVA, 2013b, p. 95-96).

Fiorin (2009, p. 55) afirma que a atitude responsiva ativa se inscreve social e historicamente e

é a última operação do processo de leitura. Ao compreender a leitura dialogicamente,

ratificamos, desse modo, que esse engajamento não se dá apenas pela escuta, pois o sujeito-

leitor não é apenas um “ouvinte” de leitura. Defendemos a premissa da leitura como produtora

de sentidos, não reduzida ao âmbito dos significados.

Bakhtin (2017, p. 36) é quem nos adverte que “É impossível uma interpretação sem avaliação”.

Afirma, outrossim, que, na relação com o outro, não permanecemos iguais, saímos sempre

enriquecidos (BAKHTIN, 2017). Desse modo, conscientemente admitimos que a leitura dos

trabalhos mencionados neste capítulo proporcionou um enriquecimento, não só por

conhecermos posições de outros estudos, pela possibilidade de descrevê-los, refutá-los ou

concordar com eles, mas também a constatação de que esta pesquisa tem uma responsabilidade

ética de trazer novas reflexões, sem desconsiderar o que foi feito até aqui.

2.4 PALAVRAS: QUE ESTRANHA POTÊNCIA A VOSSA!

Bakhtin (2017) afirma que “A palavra do outro coloca diante do indivíduo a tarefa especial de

compreendê-la [...]” (BAKHTIN, 2017b, p. 38). É numa tentativa de compreensão da palavra

do outro, com base nos trabalhos mencionados neste projeto, estabeleceremos, então, alguns

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direcionamentos. Por meio dos estudos de Lima (2007), foi possível questionar o discurso

redentor e salvacionista da leitura, como alternativa à resolução das mazelas sociais. Com essa

estratégia, programas são criados a defender esse discurso, mas esses mesmos programas não

tocam na origem do problema, ou seja, afugentam-se de expor, de modo consistente, as raízes

de tantos entraves no ensino e aprendizagem da leitura no Brasil, persistidos, em pleno século

XXI. De modo mais claro, o conhecimento sobre as condições objetivas, que impedem que os

desafios concernentes à leitura sejam superados, é cuidadosamente obscurecido nesses

documentos.

Carvalho (2012) defende uma abordagem social da leitura literária, uma concepção mais ampla,

que extrapola os espaços formais de educação, possibilitando que muitas outras vozes e

contextos perpassem a realidade educacional. Ávila (2016), por sua vez, parece fazer um

caminho semelhante ao de Lima (2007). Com lucidez e veemência, a autora não invalida as

possibilidades de a leitura promover uma reflexão sobre os processos que fabricam a miséria

humana, a exclusão, mas questiona e recusa uma visão ingênua da educação e da leitura,

confinadas ao salvacionismo. O trabalho de Ávila (2016) assume uma postura contra-

hegemônica, contraideológica, admite fragilidades no sistema educacional, ao mesmo tempo

que prevê o ensino da leitura como fator indispensável à emancipação, à apropriação dos

conhecimentos pela classe trabalhadora. A contradição da leitura reside nisto: “[...] ao mesmo

tempo em que serve ao capital e seus mecanismos de adaptação, é propulsora do acesso ao

conhecimento e formadora de uma consciência política e argumentativa (ÁVILA, 2016, p. 181).

Vieira (2016) alerta quanto às fragilidades contidas em documentos oficiais, no que concerne a

não diferenciação do texto literário dos demais gêneros. Moraes (2016) denuncia a permanência

de práticas reducionistas no ensino de língua portuguesa. Com ambos os trabalhos,

concentradas em diferentes etapas do ensino fundamental, percebemos a necessidade de uma

formação continuada sólida, consistente, contra-hegemônica.

Conhecer os trabalhos de Becalli (2007), Antunes (2015), Resende (2015), Costa (2017) e

Ramos (2017) possibilitou, com nitidez, observar mais detidamente a cristalização de certas

concepções de alfabetização, leitura, escrita, mesmo que elas não toquem na questão da leitura

literária com profundidade no corpus analisado. Permitiu, de igual forma, percebermos que,

mesmo com a defesa da indissociabilidade da alfabetização e do letramento, estas práticas

acabam sendo dissociadas quando a alfabetização é vista sob o viés da codificação e

decodificação de palavras.

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Na contramão de proposições hegemônicas, não passividade: rebeldia, contrapalavras. As

pesquisas supracitadas defendem uma concepção dialógica da linguagem, a constituição de

crianças como sujeitos do discurso e ponderam: a) “[...] o texto não é um produto pronto e

fechado que carrega um único significado possível definido previamente pelo autor no

momento da escritura, uma vez que seus sentidos são produzidos no encontro do autor com o

leitor por meio do texto” (BECALLI, 2007, p. 188); b) “Constatamos que o currículo proposto

pelo programa se aproxima do currículo por competências, que tende a não possibilitar o

desenvolvimento do potencial crítico dos alunos [...]” (ANTUNES, 2015, p. 215); c) “[...] o

confronto da realidade do processo de apropriação da língua escrita pelas crianças denuncia a

fragilidade epistemológica dos conceitos presentes nesses programas que não consideram a

participação ativa dos aprendizes na busca de sentidos para a aprendizagem da língua escrita”

(RESENDE, 2015, p. 84); d) “[...]mesmo destacando a importância da leitura e dos textos nas

práticas de ensino, essas são apresentadas nos cadernos de maneira fragmentadas, esvaziando

os aspectos sociais e históricos dos sujeitos, bem como o sentido político da alfabetização”

(COSTA, 2017, p.170) ; e) “o construtivismo é, sim, o discurso que sustenta a naturalização do

ensino da linguagem escrita e que implica numa formação de professor alfabetizador reprodutor

de recurso e procedimentos técnicos [...] (RAMOS, 2017, p. 120)”.

No caso da abordagem da leitura deleite, de acordo com as pesquisas elencadas nesta tese, há o

privilégio de estudo em cinco frentes: a) o diálogo dessa questão por meio das falas de

professoras analisadas é contemplado as pesquisas de Barros (2015), Bastos (2016), Frambach

(2016), Lovato (2016), Silva (2013b), Silva (2016a) e Silva (2016b); b) a análise da leitura

literária no Pnaic, a partir de uma coleta de dados mais ampla (questionários, entrevistas

semiestruturadas, roda de conversas e análise documental), e em defesa da leitura para deleite

é visto em Silva (2017); c) a menção de certas similitudes no trato da leitura em outros

programas governamentais como Profa e/ou no Pró-Letramento é feita por Lovato (2016),

Bastos (2016) e Frambach (2016); d) a defesa da leitura por prazer, tal qual apregoam os

documentos do Pnaic, pode ser vista em Lovato (2016), Bastos (2016), Silva (2016a) e Silva

(2016b); e) por fim, há os estudos que lançam uma crítica à leitura literária diminuída ao

regozijo, ao prazer; de modo tímido, as pesquisas de Loose (2016) Barros (2015) e Silva (2013)

assim o fazem, e, mais consistentemente, a dissertação de Frambach (2016).

Bakhtin (2017, p. 36) admite que “O intérprete não pode excluir a possibilidade de mudança e

até de renúncia aos seus pontos de vista e posições já prontos”. Severino (2007), por sua vez,

pontua que as contribuições alheias são um inter-relacionamento enriquecedor:

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Este inter-relacionamento é dialético na medida em que ele nega, ao mesmo tempo

que afirma, a relevância da contribuição alheia. Esta só é válida quando incrementa a

instauração de autonomia de pensamento do pesquisador. É reconhecendo e

assumindo, mas simultaneamente negando e superando o legado do outro, que o

pensamento autônomo se constitui (SEVERINO, 2007, p. 215, grifo do autor).

Bakhtin (2015), antes de elaborar o conceito de romance polifônico, faz uma espécie de revisão

de literatura, apontando as potências e as fragilidades de cada estudo anteriormente erigido

sobre o assunto. Os autores por ele mencionados não são vistos oponentes, mas, de certo modo,

contribuintes para o próprio estudo do autor. Por isso, a inserção dos estudos nesta revisão de

literatura permite algumas elucubrações. Torna-se fundamental, então, ratificar que a leitura é

um compromisso que não só se restringe na oferta e indicação de livros, mas, também se dá na

mediação do professor. Por outro lado, a fim de que haja uma mediação, uma formação inicial

e continuada de professores/as necessita de ser consistente e não pretexto para dar ainda mais

solidez, visibilidade às relações mercadológicas e a certos disparates acadêmicos.

Até pelo fato da aproximação teórica, alguns trabalhos mencionados nesta revisão de literatura

lançaram severas críticas ao que se tem perpetuado no cenário educacional brasileiro e, de modo

mais detido, na leitura, apesar do reconhecimento de alguns avanços. E é em meio a tantas

inquietações que se faz necessário novamente recorrer à emergência do nosso objeto de estudo

e expor: ainda que concordemos com certos posicionamentos ora expostos, há indícios de

originalidade na proposta que aqui se alvitra, pois nenhum desses trabalhos focalizou suas

atenções de modo exclusivo e aprofundado às concepções de leitura literária, da maneira

empenhada nesta pesquisa.

Mais especificamente, a partir do norteamento teórico-metodológico ora proposto, a) nenhum

deles se deteve unicamente à leitura literária e à recorrência do termo “leitura deleite” nos

documentos oficiais dos três programas de professores/as alfabetizadores/as e nos documentos

da Unesco; no máximo, há a menção, pois todos concentram seus esforços nos documentos do

Pnaic. Além disso, nenhum deles se põe a analisar a fundo o aparente modo lúdico como é

tratada a leitura literária nos três programas e as contradições inerentes a essa visão; b) nenhum

deles trata das possíveis aproximações e afastamentos do conceito de deleite ao longo da

história; c) nenhum dos trabalhos se lança a estudar as possíveis relações entre as concepções

de leitura literária dos programas e os constructos teórico-metodológicos do Letramento

Literário; e d) tampouco conjecturam concepções de sujeito-leitor e de escola que parece ser

chancelada nesses programas.

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Bakhtin (2017, p. 19) aponta a necessidade de ousadia científica e investigatória sem qual não

conseguiremos descer às profundezas ou nos colocarmos nas alturas. Bianchetti (2012), ao

destacar os desafios de escrever dissertações e teses, comenta: “[...] E desafios, para serem

enfrentados exigem conhecimento, exercício, persistência [...] (BIANCHETTI, 2012, p. 179).

Com uma finalidade mnemônica, retomamos aqui o objetivo primeiro deste trabalho:

compreender como estão fundamentadas as concepções de leitura literária referendadas pelos

programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as (2001 a 2018). Na

tentativa de contribuir com as pesquisas educacionais, aceitamos que a empreitada é um desafio

e, por isso, lançamo-nos de modo consciente: “Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência,

a vossa!”.

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3. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO: SEM TEMER O VENTO E A

VERTIGEM

Se um viajante numa noite de inverno, fora do povoado de

Malbork, debruçando-se na borda da costa escarpada, sem

temer o vento e a vertigem, olha para baixo onde a sombra

se adensa numa rede de linhas que se entrelaçam, numa rede

de linhas que se entrecruzam no tapete de folhas iluminadas

pela lua ao redor de uma cova vazia. ‘Que história espera

seu fim lá embaixo?’, ele pergunta, ansioso por ouvir o

relato.

Ítalo Calvino

Em Se um viajante numa noite de inverno, Calvino (1999) descreve vários perfis de leitores/as,

a partir da relação de cada um deles com os livros. No capítulo 2, o autor destaca: “Vamos, não

perca tempo, você já tem um bom argumento para iniciar a conversa, um terreno comum, pense

um instante, pode exibir suas leituras amplas e variadas, vá em frente, o que está esperando?”

(CALVINO, 1999, p. 17). Os convites do escritor, nas cadeiras da perturbação para dar corpo

a este capítulo, encontram guarida. Não podemos perder tempo. Já temos um bom argumento

para iniciar a conversa: a leitura literária. O terreno comum: as áreas de Letras e Educação. As

leituras amplas e variadas: Ítalo Calvino, Antonio Joaquim Severino, Antonio Carlos Gil, Ana

Zandwais, Carlos Alberto Faraco, Mikhail Bakhtin... Continuemos.

Pode soar estranho, à primeira vista, que, ao discutir questões atinentes à leitura literária em um

programa governamental, detenhamos nossa atenção aos estudos de um autor que não se ateve

à educação escolar, embora tenha dedicado grande parte de sua vida ao magistério (GERALDI,

2013). No entanto, pensamos, consoante aos estudos de Geraldi (2013) que Bakhtin assentou

seus estudos no princípio da alteridade, a partir de suas reflexões sobre a linguagem, a ética e a

literatura, por exemplo, e que tais reflexões dizem muito aos educadores até hoje.

Assim, de modo a contextualizar algumas bases do pensamento bakhtiniano e, em certa medida,

até para ser coerente com os estudos do autor, mesmo que o que vamos mencionar esteja

explícito no título da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, cabe fazer algumas incursões,

trazendo a lume os estudos de Zandwais (2014). Seu artigo, intitulado Contribuições de teorias

de vertente marxista para os estudos da linguagem, assim é iniciado:

Se nos reportarmos às bases de fundação dos estudos da linguagem de vertente

marxista, para além de Karl Marx (1986), que preconiza a linguagem como: a) o

espaço onde as práticas sociais adquirem valores simbólicos, sendo a linguagem

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configurada pela condição de ter-se inaugurado a partir da necessidade de interação

laboral para fins de produção; b) a consciência prática real que permite aos homens

simbolizar as experiências vividas, transformando suas relações com os objetos e

transformando-se, ao mesmo tempo; podemos constatar, através de um percurso

retrospectivo, que alguns dos fundamentos mais importantes sobre as condições

materiais do funcionamento da linguagem, de sua essência, de suas relações com os

domínios histórico e dialético remontam ao contexto soviético. [...]

Partindo do pressuposto marxista de que a linguagem não é independente da realidade

material, mas, ao mesmo tempo, necessita extrapolá-la, ultrapassar os fins imediatos

aos quais ela serve, como meio de interação, como facilitadora da produção, meio de

acesso às trocas de toda ordem, Bakhtin/Volochinov em ‘Marxismo e Filosofia da

Linguagem’ (MFL:1986) e V.Volochinov em ‘Chto Takoe Yazik’ (2009) irão tratar

das condições em que a linguagem, para tornar-se um objeto simbólico, precisa ser

explicada em termos de suas relações de mediação (ZANDWAIS, 2014, p. 51-52).

Para compreendermos melhor o que a autora pondera, é necessário relembrar, à moda de um

sobrevoo, o que Volóchinov (2017) trata em dois capítulos específicos situados na primeira

parte da obra: a) Ciência das Ideologias e Filosofia da Linguagem; e b) O Problema da Relação

entre a Base e a Superestrutura. Nesses dois capítulos, fica claro um estudo que, assentando

nas bases do materialismo, trata a linguagem como reveladora de interesses contraditórios, bem

como se debruça na íntima relação entre língua e ideologia, tornando possível delimitar a

palavra como elemento principal e constitutivo da arena social, lugar em que se travam lutas de

classe. Portanto,

É preciso destacar que, segundo Bakhtin/Volochinov (1986:36), a palavra seria o

signo mais indicativo do trabalho ideológico em virtude de seu funcionamento

dialético. Sendo o material semiótico de expressão de todos e ao mesmo tempo um

signo neutro, ela somente converte-se em signo ideológico ao incorporar os valores

contraditórios dos que a utilizam, refletindo e refratando a ordem do real de formas

distintas e até mesmo paradoxais (ZANDWAIS, 2014, p. 52).

Parece razoável, então, afirmar que os sentidos refletem e refratam diferentes contextos, em

virtude dos interesses que permeiam as classes. De fato, a compreensão de que há a produção e

o enraizamento de certos valores simbólicos, em detrimento de outros, é extremamente

importante, tendo em vista as próprias condições de refração ideológica dos sujeitos:

A palavra é o fenômeno ideológico par excellence. Toda sua realidade toda da palavra

é integralmente absorvida na sua função de ser signo. Não há nada na palavra que

permaneça indiferente a essa função e que não seja gerado por ela. A palavra é o

médium mais apurado e sensível da comunicação social (VOLÓCHINOV, 2017, p.

98-99, grifo do autor).

Com os olhos fitados nessa constatação, assumimos, de antemão, um posicionamento de

desconfiança, ao analisarmos a recorrência do termos inseridos no campo do deleite, atrelados

à leitura literária nos documentos do Profa, do Pró-Letramento e Pnaic, pois pensamos que essa

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concepção advém de uma concepção de mundo. De modo mais específico, se a palavra não se

restringe a um psiquismo puramente individual ou às regras gramaticais, ela faz parte de um

processo de interação, dialógico, situado social e historicamente. Volóhinov (2017, p. 205)

frisa, ainda, que a palavra é uma ponte lançada, “[...] é um ato bilateral. Ela é determinada tanto

por aquele de quem ela procede quanto por aquele para quem se dirige”. Pensando mais

detidamente em nosso objeto de estudo, parece razoável afirmar que esses documentos refletem

intencionalmente os posicionamentos das instituições que o elaboraram, dentro de um contexto

histórico específico e em consonância com certo auditório social.

Visamos a analisar esses materiais, de modo a não nos enganarmos por uma suposta

neutralidade ou ingenuidade, mas observá-los enquanto síntese de múltiplas relações e produtos

constitutivos de diálogos carregados de valores sociais. Para tanto, é preciso considerar que “A

introdução do método sociológico em todas as profundezas e nuances das estruturas ideológicas

“imanentes” é possível apenas com base em uma filosofia da linguagem a ser desenvolvida pelo

próprio marxismo na qualidade de uma filosofia do signo ideológico” (VOLÓCHINOV, 2017,

p. 102, grifo do autor).

Feitas as ressalvas, passemos, então, à apresentação dos conceitos que serão guias para nossas

análises.

3.1 DIALOGISMO, ENUNCIADO E POLIFONIA

Os conceitos bakhtinianos de dialogismo, enunciado e polifonia estão fortemente imbricados.

Abordá-los separadamente pode ser um erro. A palavra diálogo, tão corriqueira nas relações

pessoais, pode ser definida, em linhas gerais, como uma forma de conversa entre pessoas, entre

personagens, ou uma conversação face a face. Faraco (2009) adverte, entretanto, que os

membros do Círculo de Bakhtin não são teóricos do diálogo nesse sentido, pois não os interessa

analisar “[...] a maneira como se dá a troca de turnos entre participantes de uma conversa”

(FARACO, 2009, p. 61). Distanciando-se de analisar o diálogo de uma forma composicional,

Bakhtin “[...] se ocupa não com o diálogo em si, mas com o que ocorre nele, isto é, com o

complexo de forças que nele atua e condiciona a forma e as significações do que é dito ali”

(FARACO, 2009, p. 61).

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O que é objeto de análise, “[...] o discurso verbal impresso participa de uma espécie de discussão

ideológica em grande escala: responde, refuta ou confirma algo, antecipa as respostas e críticas

possíveis, busca apoio e assim por diante” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 219). Dessa maneira, é

preciso ressaltar que o diálogo face a face, por exemplo, só passa a interessar quando inserido

em um dos muitos eventos que se manifestam nas relações dialógicas, num sentido mais amplo

e muito mais complexo.

Para que não haja equívocos, é preciso pôr em relevo que, normalmente, a palavra “diálogo”

está remetida também à resolução de conflitos, ao entendimento, enfim, à harmonia. Ao

reafirmamos as bases marxistas nos alicerces teóricos de Bakhtin e seu Círculo, inferimos que

não é este o objetivo do filósofo. Nas relações dialógicas, mostram-se tanto situações de

discórdia e concórdia, de dissenso e consenso, convergência e divergência, embate, titubeio,

recusa, aceite... Na esteira desse pensamento, torna-se plausível reafirmar que o dialogismo

pressupõe espaços de tensão, de luta entre os enunciados, que não apenas se relacionam

mutuamente, “mas se tensionam nas relações dialógicas” (FARACO, 2009, p. 69).

É em Problemas da Poética de Dostoiévski que Bakhtin (2013), sobretudo no capítulo 5,

apresenta com mais destreza o conceito de dialogismo. Essa obra, segundo Paulo Bezerra, no

prefácio do livro, constitui “[...] uma autêntica revolução na teoria do romance como gênero

específico e produto de uma poética histórica”. Quanto ao conceito, Brait (1999, p. 11) afirma

que este “[...] desempenha papel fundamental no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin,

funcionando como célula geradora dos diversos aspectos que singularizam e mantêm vivo o

pensamento desse produtivo teórico” (BRAIT, 1999, p. 11). Fiorin (1999) completa que

“Bakhtin, durante toda a sua vida, foi fiel ao desenvolvimento de um conceito: dialogismo. Sua

preocupação básica foi a de que o discurso não se constrói sobre o mesmo, mas se elabora em

vista do outro” (FIORIN, 1999, p. 29). Barros (1999), por sua vez, arremata: “Em resumo,

Bakhtin concebe o dialogismo como princípio constitutivo da linguagem e a condição do

sentido do discurso” (BARROS, 1999, p. 2).

Para o filósofo russo, não há relações dialógicas da língua, enquanto ela for reduzida apenas ao

objeto da Linguística, desconexa da realidade: “Mas é precisamente esse ângulo dialógico que

não pode ser estabelecido por meio de critérios genuinamente linguísticos, porque as relações

dialógicas, embora pertençam ao campo do discurso, não pertencem a um campo puramente

linguístico do seu estudo” (BAKHTIN, 2015, p. 208). Grosso modo, não há, na visão do autor,

relações dialógicas se as palavras ficarem adstritas aos morfemas, ao estado de dicionário, a um

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emaranhado de sentenças. Para que o dialogismo ocorra, então, é preciso que o material

linguístico (os enunciados) esteja contemplado dentro da esfera do discurso, dentro das relações

sociais. É apenas nessa conjuntura que é possível responder, refutar, confirmar, antecipar,

confrontar posições, lançar questionamentos, rejeitar ou aceitar a palavra do outro.

Faraco (2009, p. 66) aponta, ainda, que “As relações dialógicas são, portanto, relações entre

índices sociais de valor [...] não mais como unidade da língua, mas como unidade da interação

social”. Logo, deve-se afugentar de uma análise rigorosamente linguística, pois ela “abstrai

consequentemente as relações propriamente dialógicas [...]” (BAKHTIN, 2013, p. 209).

Ancorar-se nessa visão de linguagem implica, desse modo, ver a língua não como um complexo

de relações entre palavras, desconexas de seu contexto, mas vê-las na interação entre sujeitos:

Assim, as relações dialógicas são extralinguísticas. Ao mesmo tempo, porém, não

podem ser separadas do campo do discurso, ou seja, da língua enquanto fenômeno

integral concreto. A linguagem só vive na comunicação dialógica daqueles que a

usam. É precisamente essa comunicação dialógica que constitui o verdadeiro campo

da vida da linguagem. Toda a vida da linguagem, seja qual for o seu campo de

emprego (a linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística, etc.), está

impregnada de relações dialógicas (BAKHTIN, 2015, p. 209).

Assim, a tentativa de reduzir a linguagem a um simples canteiro de exploração da linguística,

desconexa do sentido ideológico, das relações sociais, não só faz um afago ao discurso

monológico, mas desconsidera e abstrai a vida que a ela está intrínseca. Os apontamentos do

autor coerentes, à medida que nem palavra supostamente isolada é esquecida:

As relações dialógicas são possíveis não apenas entre enunciações integrais

(relativamente), mas o enfoque dialógico é possível a qualquer parte significante do

enunciado, inclusive a uma palavra isolada, caso esta não seja interpretada como

palavra impessoal da língua, mas como signo da posição semântica de um outro, como

representante do enunciado de um outro, ou seja, se ouvimos nela a voz do outro. Por

isso, as relações dialógicas podem penetrar no âmago do enunciado, inclusive no

íntimo de uma palavra isolada se nela se chocam dialogicamente duas vozes (o

microdiálogo de que já tivemos oportunidade de falar) (BAKHTIN, 2015, p. 211).

Diante dessas considerações, pensamos que o dialogismo se circunscreve nas relações

estabelecidas entre os sujeitos, entre o eu e o outro, em processos de interação. As relações

dialógicas não são exclusivas a determinados enunciados, pois cada palavra proferida é sempre

réplica, resposta de palavras alheias não, sendo, portanto, pertencente a uma única voz. Toda

palavra precisa ser compreendida em seu sentido vivo e não apartada da história. Desse modo,

se pensarmos, por exemplo, naquilo que é objeto deste estudo (a leitura literária), devemos,

primeiramente, revisitar um pouco do contexto histórico do qual ela está inserida. O conceito

de dialogismo será basilar para análise dos documentos, porque, ao inserirmos nossas análises,

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impressões, observações, recusas, concordâncias e discordâncias, entendemos que nossas

(contra)palavras introduzem mais um elo nessa desmedida corrente discursiva.

Brait e Melo (2010, p. 65) ponderam que as noções de enunciado e enunciação possuem um

papel fulcral na concepção de linguagem bakhtiniana, pelo fato de que a concepção de

linguagem é analisada do ponto de vista social, histórico e cultural, que envolve a tríade sujeito,

discurso e a comunicação efetiva. Há, nesse sentido, um estreito vínculo com o signo

ideológico, dialogismo, polifonia e demais elementos do processo enunciativo-discursivo.

Salientam que tal conceito não se encontra pronto e acabado em uma determinada obra, já que

os sentidos vão sendo tecidos em outras noções paulatinamente construídas.

Consoante as autoras, o enunciado materializa o processo interativo, haja vista que contempla

os elementos verbais e não verbais e, concomitantemente, situam-se em contexto histórico

maior, tanto no que diz respeito a aspectos que pregressos a um determinado enunciado, quanto

ao que ele projeta futuramente (BRAIT; MELO, 2010, p. 67). É na metáfora do elo que repousa

a noção de “enunciado”, outro conceito basilar para a compreensão da concepção de linguagem

de Bakhtin. A linguagem, de tal modo, além de estar relacionada intensamente à esfera das

atividades humanas, vincula-se aos contextos históricos, sociais, culturais e considera sempre

os sujeitos envolvidos (o lugar de onde se fala, o que se fala, para quem se fala, por que se fala...

ou escreve... quem responde, por que responde, em quais circunstâncias responde, de que

maneira responde...):

[...] Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão

multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a

unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em formas de

enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse

ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições

específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático)

e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e

gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos

esses três elementos _ o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional_

estão indissoluvelmente ligados no conjunto do enunciado e são igualmente

determinados pela especificidade de um campo da comunicação (BAKHTIN, 2016,

p. 12, grifo do autor).

São relações de sentido que se estabelecem entre enunciados. Nesse perspectiva, podemos

afirmar que os documentos que serão analisados configuram-se como um dos modos de

utilização da língua e, conforme afirmação de Bakhtin (2016), os enunciados refletem

condições específicas de produção, dentro de um todo. Essa totalidade diz respeito a um

contexto mais amplo e não só por um olhar adstrito aos recursos linguísticos na construção dos

enunciados. Para Bakhtin (2017), não pode haver isolamento do enunciado:

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Ele sempre pressupõe enunciados que o antecederam e o sucedem. Nenhum enunciado

pode ser o primeiro ou o último. Ele é apenas o elo na cadeia e fora dessa cadeia não

pode ser estudado. Entre os enunciados existem relações que não podem ser definidas

em categorias nem mecânicas nem linguísticas. Não há analogias com eles

(BAKHTIN, 2017, p. 26-27).

Compreendendo um enunciado como um elo em uma cadeia mais ampla de enunciados, ele

sempre será produzido em um determinado contexto, com determinadas intenções e está

integrado a enunciados antecedentes e posteriores, impossibilitando, dessa maneira, uma

categorização rígida e estanque, como o último ou o primeiro elo dentro dessa cadeia. Para

Bakhtin (2017), o enunciado tem natureza social, discursiva e não meramente é orquestrado por

normas linguísticas inertes. Fora da cadeia, torna-se uma abstração e, desse modo, não pode ser

analisado consistentemente, pois, desse modo, se remove dele o que há de mais relevante: a

vida. Ainda, é preciso considerar que:

Todo enunciado - da réplica sucinta (monovocal) do diálogo cotidiano ao grande

romance ou o tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um

fim absoluto20: antes de seu início, os enunciados de outros; depois de seu término, os

enunciados responsivos de outros (ou ao menos uma compreensão ativamente

responsiva). O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real,

delimitada com precisão pela alternância dos sujeitos do discurso e que termina com

a transmissão da palavra do outro, por mais silencioso que seja o “dixi” percebido

pelos ouvintes [como sinal] de que o falante concluiu a sua fala (BAKHTIN, 2016, p.

29).

O autor acrescenta que o enunciado, compreendido como unidade da comunicação discursiva,

possui duas peculiaridades que lhes são constitutivas. A primeira delas é a alternância de

sujeitos do discurso e a segunda assenta-se na “conclusibilidade” (BAKHTIN, 2016, p. 35).

Trata-se de dois elementos que não podem ser analisados separadamente. Para o filósofo, a

alternância de sujeitos do discurso se articula à segunda peculiaridade, uma vez que o falante

disse tudo o que queria dizer sob determinadas condições, em um momento específico. Nessa

perspectiva, todo enunciado implica alternância, implica um fim provisório, momentâneo,

temporário. Quando se encerra um enunciado, em um determinado momento, abre-se espaço

para a formulação de outros enunciados. Consciente do risco da ampliação da análise, é

exequível assegurar que esse “fim” de que fala o filósofo russo, pode, de algum modo, se

articular, a uma finalidade (objetivo, propósito) absoluta, pois, como sujeitos históricos e sociais

que somos, nossos enunciados não estão isentos de intencionalidades, soltos ao léu. Além do

mais, enfatizamos a contumácia do autor na afirmação de que os enunciados sempre precedem

de algum ponto, o que nos mune de dados não só para ponderarmos sobre as relações de

20 A obra Estética da Criação Verbal resguarda a mesma tradução: “Todo enunciado - da réplica sucinta

(monovocal) do diálogo cotidiano ao grande romance ou o tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio

absoluto e um fim absoluto20: antes de seu início, os enunciados de outros [...]; (BAKHTIN, 2011, p. 275).

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alteridade, como afirmar que os enunciados, nessa perspectiva, inserem-se dentro de um

princípio dialógico da linguagem.

Os enunciados manifestam a verdadeira essência desta que é a interação verbal

(VOLÓCHINOV, 2017). “Todo ato criativo individual, todo enunciado é individual e único,

porém em todo enunciado há elementos idênticos aos dos outros enunciados de um dado grupo

discursivo” [...] (VOLÓCHINOV, 2017, p. 155). Sendo o enunciado um produto da interação,

ele é único, porque expressa um dado contexto histórico e social que lhe deu origem. Além

disso, é importante salientar que, em um mesmo contexto, coexistem diferentes sentidos para

um enunciado. O que torna um enunciado único, irrepetível e singular é o sujeito. A palavra,

desse modo, possui contornos biunívocos; ou seja, podemos expressar um mesmo enunciado

várias vezes, mas jamais ele produzirá os mesmos sentidos, porque as situações, os momentos

serão outros, enfim, os contextos são irrepetíveis. Mais especificamente,

Por conseguinte, o tema do enunciado é definido não apenas pelas formas linguísticas

que o constituem _ palavras, formas morfológicas e sintáticas, sons, entonação_, mas

também pelos aspectos extraverbais da situação. Sem esses aspectos situacionais, o

enunciado torna-se incompreensível, assim como aconteceria se ele estivesse

desprovido de suas palavras mais importantes. O tema do enunciado é tão concreto

quanto o momento histórico ao qual ele pertence. O enunciado só possui um tema ao

ser considerado um fenômeno histórico em toda a sua plenitude concreta, É isso que

constitui o tema do enunciado (VOLÓCHINOV, 2017, p. 228, grifo do autor).

É impossível reproduzir fielmente a situação na qual o enunciado foi materializado

primeiramente. E, cabe sublinhar, que esta condição de não repetição, é sempre concreta,

porque não está desconexa do contexto ao qual está vinculada. Todos os enunciados são plenos

de palavras alheias: “Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom

valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos” (BAKHTIN, 2016, p. 54). Logo,

ainda que haja uma repetição sistemática da palavra “deleite”, ou de enunciados situados nesse

campo semântico, imersos na concepção de leitura literária dos documentos da Unesco, do

Profa, do Pró-Letramento e do Pnaic, há que se descobrir aspectos outros que, embora

discretamente, os diferenciem. Há que se desvelar o tom valorativo, em que se encontra a

reelaboração.

Um enunciado sempre responde a outro enunciado. Como um elo, provoca réplicas, estas, por

sua vez, suscitaram novos enunciados. Bakhtin (2016) ainda afirma que

Os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um si mesmos; uns

conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros. Esses reflexos mútuos

lhes determinam o caráter. Todo enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros

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enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera da comunicação

discursiva (BAKHTIN, 2016, p. 57).

Considerando que essas repetições acenam, inexoravelmente, às relações históricas com os

primeiros enunciados, é neste ponto fulcral dos fundamentos bakhtinianos expostos nesta

pesquisa que incorre nossa atenção: “nenhuma palavra é nossa, mas traz em si a perspectiva de

outra voz” (BARROS, 1999, p. 3). Assim, o conceito de enunciado será importante neste

trabalho, pois, a partir do corpus ora selecionado para análise documental, conjecturaremos

cada documento também como um eco de enunciados precedentes, com finalidades bem

específicas.

Na obra Problemas da poética de Dostoievski, Bakhtin se concentra na relação entre

Dostoievski e suas personagens. Qual, por exemplo, é o ponto que une os medos, as dúvidas, a

culpa, as agruras de Raskolnikov em Crime e Castigo e as crises epiléticas, os momentos de

sanidade e as benevolências de Príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin, em O Idiota? Segundo

Bakhtin (2015): as vozes simultaneamente conflitantes.

Considerado pelo filósofo como um dos maiores inovadores no campo da forma artística

(BAKHTIN, 2015, p. 1), Dostoiévski, mais que um escritor, pode ser interpretado como um

orquestrador de vozes de personagens que tem pleno conforto para a contestação, a rebeldia, o

desacato, o contraponto. No plano discursivo, vários gêneros intercambiam-se, relacionam-se,

confluem-se. É essa pluralidade de consciências que constitui a contribuição dostoievskiana

para a literatura moderna, aspecto que, segundo Bakhtin (2015), não foi captado pelos críticos

da época:

Mas a consciência dos críticos e estudiosos continua até hoje escravizada pela

ideologia dos heróis de Dostoiévski. A vontade artística do escritor não é objeto de

uma nítida tomada de consciência teórica. Parece que todo aquele que penetra no

labirinto do romance polifônico não consegue encontrar a saída e, obstaculizado por

vozes particulares, não percebe o todo. Amiúde não percebe sequer os contornos

confusos do todo; o ouvido não capta, de maneira nenhuma, os princípios artísticos

da combinação de vozes. Cada um interpreta a seu modo a última palavra de

Dostoiévski, mas todos a interpretam como uma palavra, uma voz, uma ênfase, e nisto

reside justamente um erro fundamental. A unidade do romance polifônico, que

transcende a palavra, a voz e a ênfase, permanece oculta (BAKHTIN, 2015, p. 51).

Como pode ser visto, é errôneo tratar o romance de modo unívoco. Talvez, o objetivo para as

análises não seja encontrar a saída decisiva para esse labirinto, mas, antes, refletir sobre os

caminhos, os meandros, as fragilidades, a força, de cada personagem de modo a compreender

o todo. Confessamos, de antemão, a nossa dificuldade nesta tese em dialogar com o conceito

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de polifonia, pois a elaboração deste foi feita a partir da análise do texto literário. Todavia, se o

conceito se vale também do embate, é nesse confronto que é possível perceber as contradições.

Cumpre alertar que, embora próximos, o conceito de polifonia e dialogismo resguardam

diferenças, sutilezas. Compreendemos o dialogismo, na perspectiva bakhtiniana, como o

princípio constitutivo da linguagem e como textos polifônicos aqueles que permitem o

reconhecimento de múltiplas vozes. Os textos monofônicos, por sua vez, encobrem, aquietam

as vozes que os constituem.

Bakhtin (2015) discute nessa obra duas modalidades de romance: o monológico e o polifônico:

“À categoria de monológico estão associados o conceito de monologismo, autoritarismo,

acabamento; à categoria de polifônico, os conceitos de realidade em formação,

inconclusibilidade, não acabamento, dialogismo, polifonia” (BEZERRA, 2010, p. 191). No

monologismo, há uma centralização criativa e, consequentemente, a multiplicidade de vozes é

cuidadosamente controlada.

Barros (1999) compreende, quanto a essa categoria bakhtiniana, que “[...] Os textos são

dialógicos porque resultam do embate de muitas formas sociais, podem, no entanto, produzir

efeitos de polifonia quando essas vozes ou algumas delas deixam-se escutar, ou de monofonia,

quando o diálogo é mascarado e uma voz, apenas, faz-se ouvir” (BARROS, 1999, p. 6). Bezerra

(2010, p. 192) pondera que, nessa visão, o outro nunca é outra consciência, ao contrário, é

reduzido a mero objeto da consciência de um “eu” que a tudo governa, induz e vigia. Há um

modelo a ser seguido, em que o homem e o mundo são meramente representados.

Bezerra (2010, p. 192-193) salienta que essas concepções, monologismo e dialogismo, não

forma abstrações desconexas do contexto. Não são desprovidas, portanto, de conteúdo social,

cultural, ideológico e histórico. Salienta também que o capitalismo reduz indivíduos a condição

de objetos, solidifica o processo de reificação e provoca a estratificação social, mantém a

desigualdade e acirra os conflitos sociais, gerando vozes e consciências avessas e resistentes a

tal subjugo. Desse modo, o modo de produção capitalista cria as condições objetivas para o

surgimento do romance polifônico:

A própria época tornou possível o romance polifônico. Dostoiévski foi subjetivamente

um partícipe dessa contraditória multiplicidade de planos do seu tempo, mudou de

estância, passou de uma a outra e neste sentido os planos que existiam na vida social

objetiva eram para ele etapas da sua trajetória vital e sua formação espiritual. Essa

experiência individual era profunda, mas Dostoiévski não lhe atribuiu expressão

monológica imediata em sua obra. Essa experiência apenas o ajudou a entender com

mais profundidade as amplas contradições que existem extensivamente entre os

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homens e não entre as ideias numa consciência. Deste modo, as contradições objetivas

da época determinaram a obra de Dostoiévski não no plano da erradicação individual

dessas contradições na história espiritual do escritor, mas no plano da visão objetiva

dessas contradições como forças coexistentes, simultâneas (é verdade que de um

ângulo de visão aprofundado pela vivência pessoal) (BAKHTIN, 2015, p. 30).

Bakhtin (2015, p. 4) assevera que “Dostoiévski não cria escravos mudos (como Zeus) mas

pessoas livres, capazes de colocar-se lado a lado com seu criador, de discordar dele e até rebelar-

se contra ele”. Tal assertiva permite-nos inferir que as personagens dostoiévskianos não são

subservientes, passivos à consciência do autor, mas sujeitos de sua própria consciência. As

personagens, nesse sentido, não estão estanques: agem e possuem direitos de fala equânimes.

“A multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de

vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de

Dostoiévski” (BAKHTIN, 2015, p. 4, grifo do autor).

Na visão de Bezerra (2010, p. 194), a polifonia pode ser caracterizada, nesse sentido, como o

elemento que resguarda o posicionamento do autor enquanto regente do grande coro de vozes

que está envolvida no processo dialógico. Porém, diferente de um mero titereiro, esse hábil

regente é dotado de um ativismo especial que permite à sua criação manifestar-se

autonomamente e desvelem no homem um outro “eu para si” infinito e inacabável (BEZERRA,

2010, p. 194). Com cautela, é necessário advertimos que não se trata de uma afasia do autor:

O autor é profundamente ativo, mas seu ativismo tem um caráter “dialógico especial,

está diretamente vinculado “à consciência ativa e isônoma do outro”, um ativismo

que “interroga, provoca, responde, concorda, discorda”, enfim, um ativismo que

estabelece uma relação dialógica entre a consciência criadora e a consciência recriada,

e esta participa do diálogo com plenos direitos à interlocução com outras vozes,

inclusive com a voz do autor, mantendo-se imiscível e preservando suas

peculiaridades de falante. (BEZERRA, 2010, p. 199).

Entender o conceito de polifonia, que é o contrário da homofonia ou monofonia, para este

trabalho será fundamental, de modo a investigarmos nos documentos selecionados para o

procedimento analítico, se há, na concepção de leitura literária, o aparecimento de muitas vozes

ou o emudecimento de delas.

Os conceitos de dialogismo, enunciado e polifonia nortearão as análises, por considerarmos o

documento da Unesco, os guias do Profa, os fascículos do Pró-Letramento e os cadernos do

Pnaic, como documentos oficiais, gêneros discursivos, organizados sob a forma de enunciados,

que, situados historicamente e direcionados a certo auditório social, estão repletos de conteúdo

ideológico, de emissão valorativa, de relações dialógicas, de vida. Diante do exposto, pensamos

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que é na tensão entre as vozes múltiplas, abundantes que se pode dar maior concreticidade às

respostas (provisórias) aos questionamentos formulados nesta tese.

3.2 PERCURSO METODOLÓGICO

De acordo com Souza e Albuquerque (2012), pensar sobre a construção de uma epistemologia

das Ciências Humanas, a partir da filosofia da linguagem assentada nos estudos de Bakhtin e o

Círculo, exige, de antemão, do pesquisador, o conhecimento do que é o objeto e o indivíduo a

ser estudado, permitindo, desse modo, caracterizar elementos, reconhecer nuances,

especificidades, contornos, avanços e limites. Conhecer, nessa premissa, significa, inclusive,

confrontar-se com o outro e aceitar que a serenidade de nossas certezas e convicções aquietadas

pode ser, às vezes, de modo não singelo, despertada.

Amorim (2002), também ao tratar de pesquisas em Ciências Humanas a partir da perspectiva

bakhtiniana, anuncia que formação implica transgressão. Um trabalho acadêmico para ser

coerente aos postulados do autor precisa levar em consideração que um texto é lugar de

produção e de conhecimentos, pois a escrita acadêmica não se restringe a uma simples

transcrição destes. Segundo a autora, a leitura crítica dos textos em Ciências Humanas, deve

considerar o que ela chama de “teoria de vozes”. É só nessa visão que será possível vislumbrar

as vozes que se deixam ouvir, em que lugares, como e por que se deixam ouvir, e por que tantas

outras estão ausentes.

Compreender como estão fundamentadas as concepções de leitura literária em programas

governamentais de professores/as alfabetizadores/as não é algo simples. Volóchinov (2017) põe

enfaticamente em relevo a distinção de compreensão e reconhecimento. Para ele, esses dois

conceitos se distanciam, pois, enquanto o primeiro diz respeito à tarefa de compreender em um

contexto histórico concreto, de modo a salientar o que há de novidade, o segundo pode se

relacionar, por exemplo, às nossas atitudes primeiras quando nos confrontamos com uma forma

de língua parcamente conhecida. Consoante ao autor, o aspecto constitutivo da compreensão se

volta à orientação da palavra em um dado contexto, em dada situação e não dentro de uma

existência imóvel (VOLÓCHINOV, 2017, p. 177-179).

Bakhtin (2017, p. 72) afirma que “Independentemente de quais sejam os objetivos de uma

pesquisa, só o texto pode ser o ponto de partida”. Até neste momento, nossa trajetória percorreu

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a consolidação da emergência do objeto de estudo, a partir da contextualização do problema;

citou outras pesquisas que, em diálogo com os estudos feitos em nível de mestrado,

possibilitaram ter uma visão mais cuidadosa e ampla do nosso intento; e, também, trouxe parte

dos estudos de Bakhtin e o Círculo como referencial sustentador de nossas análises. Desse

modo, fazer pesquisa, consoante Severino (2007) independente das distinções que a

categorizam cientificamente, exige “[...] um trabalho de pesquisa e de reflexão que seja pessoal,

autônomo, criativo e rigoroso” (p. 214). Trata-se de uma tarefa que exige rigor, e quanto à

escolha do tema,

Deve ser realmente uma problemática vivenciada pelo pesquisador, ela deve lhe dizer

respeito. Não, obviamente, num nível puramente sentimental, mas no nível da

avaliação da relevância e da significação dos problemas abordados para o próprio

pesquisador, em vista de sua relação com o universo que o envolve. A escolha de um

tema de pesquisa, bem como sua realização, necessariamente é um ato político

(SEVERINO, 2007, p. 214).

Fazer pesquisa não é a mostra de um elenco de autores à moda de uma colcha de retalhos mal

cerzida: “[...] A pesquisa é desenvolvida mediante o concurso dos conhecimentos disponíveis

e a utilização cuidadosa de métodos, técnicas e outros procedimentos científicos” (GIL, 2002,

p. 17). Como se vê, um trabalho acadêmico se dá por métodos, técnicas e fundamentos

epistemológicos. Mas há várias maneiras de se fazer pesquisa, que, claro, independente da

abordagem e dos procedimentos, implicam necessariamente uma coerência epistemológica.

O posicionamento que se assume neste trabalho é de não hierarquização entre as abordagens.

Compreende-se que as pesquisas qualitativas respondem às indagações formadas no problema

de pesquisa de maneira muito peculiar, já que abarcam um processo mais amplo dos fenômenos

e das relações sociais que não podem ser reduzidos aos dados numéricos. Esta proposta, então,

em termos de categorização metodológica quanto à abordagem, caracteriza-se por ser uma

pesquisa qualitativa.

Há vários procedimentos de pesquisa. Por ora, dados à necessidade de recorte e aos objetivos

deste trabalho, nossa atenção será concentrada em apenas dois deles: pesquisa bibliográfica e a

pesquisa documental:

A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir registro disponível, decorrente

de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc.

Utilizam-se dados de categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e

devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados.

O pesquisador trabalha a partir de contribuições dos autores dos estudos analíticos

constantes dos textos.

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No caso da pesquisa documental, tem-se como fonte documentos no sentido amplo,

ou seja, não só de documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de

documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. Nestes

casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são

ainda matéria prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação

e análise (SEVERINO, 2007, p. 122-123).

A opção por essas categorizações metodológicas é indispensável, pois proporcionam uma visão

mais acurada acerca do tema proposto. Considerando as definições supracitadas, pensa-se que

toda pesquisa é bibliográfica, uma vez que se sustenta a partir de outros estudos analíticos

disponíveis. Entretanto, por considerar que os materiais da Unesco, do Profa, do Pró-

Letramento e do Pnaic, tais como cadernos de formação, guias, fascículos, dentre outros, são

documentos que emergem de um determinado contexto e, portanto, nos munem de dados sobre

esse mesmo contexto, este estudo caracteriza-se por ser uma pesquisa bibliográfico-

documental.

Le Goff (1990) pondera que um documento é uma produção consciente ou inconsciente da

história, o que significa que ele sobrevive a épocas futuras. Para o autor, documento consiste

naquilo que permanece: é monumento. É resultado, por conseguinte, de uma produção social

que quer criar uma imagem de si mesma. Se é montagem, pode-se demoli-lo. Volóchinov

(2017), por sua vez, afirma que “Todo enunciado, mesmo que seja escrito e finalizado, responde

a algo e orienta-se para uma resposta. Ele é apenas um elo na cadeia ininterrupta de discursos

verbais” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 184). Compreendemos, diante dessas afirmações, que o

corpus documental constitui textos e, desse modo, enunciados. Enunciados são produzidos por

sujeitos em determinadas circunstâncias para responder a demandas e instituir determinadas

práticas. Eles respondem e, ao mesmo tempo, estão voltados para o futuro; materializam

discursos e esses discursos são povoados por diferentes vozes. Analisá-los, por conseguinte,

requer a recuperação das condições de produção dos textos, a partir, por exemplo, de algumas

indagações: os textos foram produzidos em que determinado momento da educação? Eles foram

elaborados para responder a quais demandas? Quais relações são estabelecidas com outros

textos? Quais as possíveis reverberações desses documentos?

Neste capítulo, delimitamos as categorias de dialogismo, enunciado e polifonia, e como essas

noções serão contempladas em nossa análise. Com a finalidade de delimitação mais específica

do nosso corpus, primeiramente, será necessário, no capítulo posterior, dialogarmos sobre o

conceito de Letramento Literário, pois entrever a autoria, as instâncias legitimadoras e o

contexto social em que se inserem os enunciados dos documentos oficiais, em cotejo com

referencial teórico, é fundamental para ouvirmos as vozes ecoantes. Para Volóchinov (2017), a

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língua é um fenômeno vivo, sempre atrelada ao contexto, dentro das relações sociais; isto é, “A

palavra está sempre repleta de conteúdo e de significação ideológica ou cotidiana

(VOLÓCHINOV, 2017, p. 181, grifo do autor). Se compreendermos fenômeno ideológico da

palavra, compreendemos a não neutralidade de quaisquer perspectivas teóricas, de compreensão

de mundo, de sujeito, de política, de história, de políticas educacionais e, em nosso caso

específico, de concepção de leitura literária.

No quinto capítulo, após situarmos o conceito de deleite, será analisado um documento da

Unesco, concentrando esforços maiores naqueles em capítulos que ponderam sobre os pilares

da educação e discutem a formação de professores/as. Conhecer esse documento com maior

profundidade foi necessário, tendo em vista que essa instância possui representação de diversos

países e suas decisões implicam ações locais, como bem já delimitou Stieg (2012), Loose

(2016), Gontijo (2016). Em seguida, nosso olhar será voltado à análise dos documentos dos

programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as, tendo em vista as múltiplas

vozes que povoam esses documentos. Em outras palavras, interessa-nos pensar nas questões de

autoria dos documentos, de quais instituições pertencem, e por que certos discursos são mais

proeminentes que outros.

Adotando o critério cronológico de implementação, esse capítulo discutirá primeiramente o

Profa, a partir exame dos Guias de Formação, acompanhados das Coletâneas de Texto (Módulo

1, 2 e 3), pois esses documentos sinalizam alguns indícios acerca do trabalho com a leitura

literária. Nosso foco nesses materiais são apenas as atividades que contêm as propostas de

encaminhamento ao professor, em que o termo “ler para”, acrescido de indicações de textos

literários dos mais distintos gêneros, aparecem mais recorrentemente.

Sequencialmente, nos dedicaremos aos fascículos do Pró-Letramento, com olhar específico nos

documentos de Alfabetização e Linguagem, pois são nesses materiais que privilegiam o

trabalho com a leitura. Em relação ao Pnaic, primeiro serão analisados os documentos

intitulados Apresentação, A Formação de Professores no Pacto Nacional pela Alfabetização

na Idade Certa e Avaliação no Ciclo de Alfabetização: reflexões e sugestões, porque eles

contêm alguns enunciados que fazem definições do que vem a ser a leitura deleite, de acordo

com os critérios do programa. Em seguida, serão objeto de investigação os cadernos de

formação, dos anos 1, 2 e 3, todos produzidos no ano de 2012, com foco específico nas

Sugestões de Atividades.

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No caso dos três programas, Profa, Pró-Letramento e Pnaic, além dos aspectos listados, nosso

olhar será envolto aos caminhos que são percorridos de modo a atender os objetivos listados

nos documentos dos programas, ainda que esses caminhos sejam sobremaneira tortuosos e

incongruentes. Volóchinov (2017, p. 207) chama a atenção para orientação social da vivência.

Segundo o autor, o contexto social determinará os possíveis ouvintes; interessa-nos, desse

modo, evocar as concepções de sujeito, por meio do conhecimento dos destinatários potenciais

desses programas de formação: os/as professores/as.

Convém salientar, mais uma vez, que as recorrências de uma leitura atrelada ao deleite, à

diversão, estão majoritariamente atreladas ao texto literário, o que nos permite inferir, por ora,

que o deleite, segundo esses documentos, é a finalidade principal da leitura de textos literários.

Dessa maneira, sem temer o vento e a vertigem, admitimos que essa empreitada é complexa e é

por esse motivo que apresentamos a concepção bakhtiniana da linguagem, com especial atenção

para os conceitos de dialogismo, enunciado e polifonia, bases privilegiadas para as análises dos

documentos.

Encerramos este capítulo a partir da compreensão da natureza social da linguagem, imersa na

obra de Volóchinov (2013). Para o autor, “[...] a linguagem não é um dom divino, nem um

presente da natureza. É o produto da atividade humana coletiva e reflete em todos os seus

elementos tanto a organização econômica como a sociopolítica da sociedade que a gerou

(VOLÓCHINOV, 2013, p. 141, grifo do autor). Tal assertiva está afinada às críticas

direcionadas ao subjetivismo idealista e ao objetivismo abstrato proferidas por Volóchinov

(2017), e, antes disso, aos postulados de Marx (1859) na afirmação taxativa de que “Não é a

consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que

determina a sua consciência”. Retomando a citação no contexto das Ciências Humanas e, mais

especificamente no campo da Educação, salientamos a necessidade de uma compreensão

dialógica dos documentos, pois estes, sob o ponto de vista discursivo, poderão desvelar

concepções de sujeito, de educação, de professor, de ensino e, claro, consoante aos objetivos

maiores desta tese, de leitura literária.

Finalmente, retomamos a pergunta feita por Ítalo Calvino epigrafada neste capítulo: que história

espera seu fim lá embaixo? Desconcertadamente, admitimos que não sabemos.

Ainda.

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4. O LETRAMENTO LITERÁRIO: CONTRAPALAVRAS

[...] abrir a fresta da cortina

para uma alvorada estrangeira,

abrir a boca apesar do bafo

desse medo indigesto,

exercitar a inadequação, sabendo-nos

ridículas como missas em latim.

Adriana Lisboa

Bakhtin (2017, p. 66) admite que “Compreender um objeto significa compreender meu dever

em relação a ele (a orientação que preciso assumir em relação a ele), [...]: o que pressupõe

minha participação responsável, e não a minha abstração”. Cotejando esse pensamento ao

contexto desta pesquisa, essa participação de que fala o autor reivindica igualmente uma postura

responsável, responsiva e menos contemplativa dos fenômenos ora estudados. Em um esforço

de compreendermos como estão fundamentadas as concepções de leitura literária referendadas

pelos programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as (2001 a 2018), faz-

se necessário um olhar atento aos constructos epistemológicos que sustentam o Letramento

Literário. Antes, faremos um breve pouso em um campo muito frequentado no Brasil: o

Letramento.

Fazemos uso do verbo “compreender” pautadas na perspectiva bakhtiniana de linguagem. A

compreensão de enunciados produzidos na vigência do Projeto Principal de Educação para a

América Latina e o Caribe (PPE) significa dialogar com as ideias de um outro sobre um

determinado assunto, produzindo respostas a elas. Nesse caso específico, significa entender os

pontos de vista sobre a alfabetização de crianças, assumidos pela Unesco e pelos diferentes

autores incluídos nos documentos que estarão sob nosso foco de atenção (quais as suas

concepções de sujeito, de texto, de língua etc.). Esse movimento implica uma postura ativa do

investigador, produzindo contrapalavras num diálogo ininterrupto.

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4.1 O LETRAMENTO

Autoras tais como Kleiman (2003) e Soares (2009) asseguram que o termo Letramento foi

cunhado no Brasil em 1986 por Mary Kato, na produção intitulada No mundo da escrita: uma

perspectiva psicolinguística. Mais especificamente, o conceito apareceu vinculado à linguagem

oral: “[...] a norma-padrão, ou língua falada culta, é consequência do letramento, motivo por

que, indiretamente, é função da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada

institucionalmente aceita” (KATO, 1999, p. 7). Gontijo e Schwartz (2011, p. 172-173)

ponderam que o termo se insere na comunidade acadêmica com a valorização de normas, sem

considerar a língua como um fenômeno histórico. Acrescentam, ainda, que não há uma

concepção única de Letramento, contudo, parece que há, mesmo assim, um consenso distintivo:

a alfabetização está ligada à aprendizagem do código escrito e o termo letramento refere-se às

práticas sociais de uso da leitura e da escrita.

O conceito de Letramento difundido por Magda Soares ajudou a torná-lo uma perspectiva

oficial (apropriado por políticas públicas) de Estado no campo da alfabetização. De acordo com

a referida autora, na década de 1980 foram propalados alguns conceitos acerca da alfabetização,

sintetizados por ela como “parcialmente verdadeiros” (SOARES, 2003, p. 16). Tais conceitos

se debruçam na caracterização da Alfabetização como um processo mecânico, ou seja, é

reduzido apenas à compreensão dos códigos do alfabeto. Soares (2005) acrescenta a essa prática

o Letramento e defende a indissociabilidade desse conceito da Alfabetização.

Para a autora, esse vínculo entre Alfabetização e Letramento torna-se relevante, uma vez que o

indivíduo pode ter domínio dos códigos do alfabeto, contudo, faz-se necessária a inserção destes

no contexto social. Assim, tais postulados ganham terrenos férteis no Brasil e a Alfabetização

continua sendo um processo de codificação (escrita) e decodificação (leitura) de letras e

palavras, na qual o sujeito pode ser letrado em determinadas áreas e outras não. A alfabetização

é entendida, pois, como um “[...] processo de aquisição e apropriação do sistema da escrita,

alfabético e ortográfico” (SOARES, 2005, p.16) e o letramento, na visão da autora, é “[...] um

estado ou condição que adquire um grupo social ou indivíduo, como consequência de ter-se

apropriado da escrita e de suas práticas sociais” (SOARES, 1999, p. 38).

De igual modo, Zappone (2015) aproxima o conceito de alfabetização à codificação (escrita) e

decodificação (leitura). Ela pondera que esse processo é uma tecnologia, diferente em cada

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suporte de texto: “Escrever em um papel implica uma tecnologia de escrita ao passo que

escrever em um teclado de computador envolve, certamente, outra tecnologia (ZAPPONE,

2015, p. 2). Com uma postura semelhante, Kleiman (2003) define o “[...] letramento como um

conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto

tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos” (KLEIMAN, 2003, p.19). Já

Gontijo (2005), por sua vez, anuncia processo de alfabetização como algo mais abrangente,

complexo, multifacetado:

[...] ao meu ver, a questão central está na necessidade de construção de um conceito

aberto; portanto, capaz de abranger as diferentes práticas de produção de textos orais

e escritos e as diferentes possibilidades de leituras produzidas e reproduzidas pelos

diversos grupos sociais e a dimensão linguística da alfabetização. Nesse sentido, a

alfabetização deve ser vista como prática sociocultural em que se desenvolvem as

capacidades de produção de textos orais e escritos, de leitura e a compreensão entre

as relações entre sons e letras (GONTIJO, 2005, p. 66-67).

Gontijo (2005), para formular um conceito coerente de alfabetização, critica posicionamentos

muito reducionistas e respeito do tema. Embora, como vimos nos excertos supracitados, uma

compreensão da alfabetização a partir da etimologia da palavra, “aquisição do alfabeto”, a

autora questiona essa definição, uma vez que ela, por si só, não abrange e não conceitua

corretamente a prática e, por conseguinte, não abarca todas as nuances que o tema requer. Em

discordância de Soares (2003), Gontijo (2005) assevera que o conceito de Letramento é

equivocado, uma vez que a Alfabetização é um processo único e abrangente, que produz

sentidos, não restrita aos cerceamentos da fonética e da fonologia. Envolvem-se também as

nuances sociais, culturais, psicológicas, cognitivas, educacionais, dentre outras, além de ser

processo interacional, que possibilita descobertas, relações, ou seja, deve ser satisfatório e

suficiente para compreender:

[...] as diferentes práticas de produção de textos orais e escritos e as diferentes

possibilidades de leitura produzidas e reproduzidas pelos diversos grupos sociais e a

dimensão linguística da alfabetização. Nesse sentido, a alfabetização deve ser vista

como prática sociocultural em que se desenvolvem as capacidades de produção de

textos orais e escritos, de leitura e compreensão das relações entre sons e letras

(GONTIJO, 2005, p. 66).

Na esteira do pensamento de Gontijo (2005), muitas outras produções endereçam diatribes ao

Letramento. É o caso da obra Alfabetização e Letramento: o que muda quando muda o nome?.

Organizado por Edwiges Zaccur, trata-se de um marco, uma vez que o livro reúne os estudos

de diversos/as pesquisadores/as brasileiros/as que assumem estar na contramão de um

pensamento tão hegemônico a ponto de “invisibilizar o pensamento divergente” (ZACCUR,

2011, p. 9).

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O Letramento é analisado, por exemplo, a) como um retrocesso conceitual e como uma tentativa

de esvaziar o caráter político da alfabetização e da educação, por meio de uma sedutora

armadilha lançada a incautos (GADOTTI, 2011 p. 12); b) como uma postura apaziguadora,

pois, apesar no discurso de inovação, o letramento não rompe com sérios problemas

epistemológicos, no que diz respeito ao método fônico e ao construtivismo, ao conciliar tanto a

visão do grupo de trabalho do MEC como a visão dos construtivistas, perpetuando uma postura

hegemônica de pensamento (GONTIJO; SCHWARTZ, 2011, p. 41); c) como um conceito que

reduz e simplifica o processo de alfabetização, que é plural, complexo, que contempla

dimensões políticas, sociais, culturais, epistemológicas, dentre outras, além de ser um conceito

dialógico, ao articular processos individuais e sociais (PÉREZ; ARAÚJO, 2011, p. 143); e d) e

como uma possibilidade de acentuar a supervalorização dos fragmentos da língua (letras,

sílabas, palavras e frases), de forma descontextualizada, o que pode fomentar o ressurgimento

de velhos métodos de alfabetização (GONTIJO; SCHWARTZ, 2011, p. 178).

Em postura semelhante, Gontijo (2014), com sua “leitura rebelde” (DALVI, 2016) de políticas

mundiais e de movimentos nacionais de alfabetização, afirma que o Letramento tem ganhado

um terreno fértil de exploração e tem balizado astutamente as políticas oficiais. Ela não ignora

os “aspectos funcionais da alfabetização”, mas alerta que estes não podem rechaçar o caráter

político dessa prática (GONTIJO, 2014, p. 132). Salienta, ainda, a aparente incongruência na

relação de indissociabilidade entre os termos e, ao mesmo tempo, o tratamento dado a cada um

separadamente. Critica o binômio: a inobservância às pesquisas nacionais que salientam a

especificidade da alfabetização e o obscurecimento proposital de pesquisas que defendem a

necessidade de investimentos na superação de problemas da alfabetização.

Cumpre salientar, ainda, para além daqueles trabalhos mencionados na revisão de literatura, a

existência de muitas outras pesquisas que caminham na contramão da hegemonia do

Letramento. Esse é o caso da tese de Alcântara (2014), que, pautada em um referencial

bakhtiniano de linguagem, se debruçou em guias d(e) livros didáticos. Ela destaca que os livros

ora analisados privilegiam as relações letras e sons e sons e letras e, uma vez que não

contemplam o texto como unidade de ensino, entraves são impostos à compreensão dos/as

estudantes. A autora ainda enfatiza que o termo Letramento veio “[...] para mais confundir e

menos clarificar o processo de alfabetização pelos professores, pois com o suposto intuito de

aproximar a sala de aula do mundo cotidiano e possibilitar aos estudantes o que se toma por

letramento, houve a diversificação dos gêneros discursivos nos livros didáticos”

(ALCÂNTARA, 2014, p. 244-245).

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Siquara (2016), com um recorte histórico restrito aos anos 1990, estuda as mudanças teórico-

metodológicas no campo da Alfabetização. Ancorada nos estudos de Bakhtin e de seu Círculo

e sob análise arguta das apreciações de professores/as alfabetizadores/as sobre essas mudanças

e sobre a implementação do bloco único, questiona o Letramento, a desseriação e o

construtivismo; afirma que tais propostas não foram suficientes para vencer os problemas de

alfabetização no município de Vitória (ES) e enfatiza a importância do professor na mediação

do ensino e aprendizagem.

Cornélio (2015) centraliza seus estudos nos manuais didáticos. Pautada em uma perspectiva

bakhtiniana da linguagem, investigou como o letramento está inserido nas propostas dos livros

didáticos de alfabetização dos anos de 2007 e 2010. As análises evidenciaram que há mudanças

e permanências: a autora sinaliza o aparecimento do texto como ponto de partida, todavia, pode-

se destacar a conservação da supremacia do método silábico de alfabetização.

O trabalho de Rizzo (2015), também tomando os estudos bakhtinianos como referencial teórico,

contempla atentas análises de cadernos utilizados por crianças em fase de alfabetização entre

os anos de 1991 e 2011. Desse modo, a autora critica a hegemonia no ensino das relações letras

e sons e sons e letras, a partir de uma concepção de língua estanque: a utilização do texto se dá,

sobretudo, como pretexto para o ensino dessas relações.

Valendo do estudo de caso como procedimento metodológico e vincada aos estudos de Bakhtin

e seu Círculo como referencial teórico, Côco (2014) critica o discurso de que as avaliações

externas têm produzido melhorias na qualidade da educação. No caso específico do programa

analisado e seus impactos no município de Serra (ES), evidenciou que, em função da hegemonia

do Letramento, difundem-se concepções limitadas de alfabetização, linguagem e avaliação;

além disso, ao desconsiderar uma dimensão discursiva da linguagem, reduz o processo de

apropriação da língua materna a uma dimensão estanque da linguística.

Costa (2013), a partir de um estudo de caso, e baseada na abordagem bakhtiniana de linguagem,

nas contribuições vigotskianas sobre a relação de desenvolvimento e aprendizagem, defende

que a apropriação da linguagem escrita no processo de alfabetização se dá pela produção de

textos e não somente pelo domínio das habilidades de ler e escrever. Ao pôr em relevo o

processo autoral das crianças, rompe com uma visão adultocêntrica de escrita e desvela as

questões de alteridade nesse processo.

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As concepções de alfabetização, leitura e escrita da Provinha Brasil no período 2008-2012

foram o objeto de estudo de Endlich (2014). A partir do referencial bakhtiniano de linguagem

e do conceito de alfabetização de Gontijo (2008; 2014), desvela que a Provinha Brasil foi criada

como resposta às demandas de avaliação da alfabetização provenientes de organismos

internacionais. A alfabetização, a leitura e a escrita, pautadas nesse campo do Letramento, são

reduzidas à codificação e decodificação, e, segundo a autora, essa avaliação subtrai as

potencialidades políticas e transformadoras inerentes ao aprendizado da língua materna.

Em um movimento similar, Ferreira (2014) estuda as concepções alfabetização, leitura e escrita,

mas se detém aos documentos do Projeto Trilhas. Suas análises, fundamentadas nos estudos

bakhtinianos de linguagem e no conceito de alfabetização de Gontijo (2005), denunciam a

redução da alfabetização a um processo de assimilação do código escrito, a escrita e a leitura,

respectivamente, como processos de codificação e decodificação.

Mesmo com críticas semelhantes às supracitadas, o Letramento adquiriu tanta robustez que,

atualmente, podemos vislumbrá-la para além do campo da alfabetização. É o caso dos termos

Letramento Científico (BRASIL, 2010a), Letramento Matemático (BRASIL, 2010b),

Letramento Digital (RIBEIRO; COSCARELLI, 2013), Multiletramentos (ROJO, 2010) dentre

outros. No entanto, salientamos que os trabalhos ora mencionados colocam as cartas na mesa,

ao evidenciarem que a nossa escrita, empenho, esforço, tempo e trabalho têm nos servido para

externar a nossa rebeldia e desacato em face da realidade. Não é na resignação que os trabalhos

se constituem, mas na resistência.

4.2 O LETRAMENTO LITERÁRIO21

Tendo em vista o objeto e o tema de estudo aqui propostos, nossa atenção concentrar-se-á, neste

momento, no Letramento Literário. Barbosa (2011) afirma que o letramento literário volta sua

atenção para o processo de escolarização da literatura e de formação de leitores/as, bem como

para as especificidades da leitura do texto literário. Define o termo como condição daquele que,

além de ser capaz de ler e compreender os gêneros literários, leem literatura por gosto e/ou por

21 Este estudo privilegiará as publicações inerentes ao Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por entendermos o pioneirismo na abordagem do termo

Letramento Literário.

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escolha, prática associada ao prazer estético. Zappone (2008a) adverte que o letramento

circunscrito no ambiente escolar é apenas um dentre vários outros letramentos. Admite que

prática semelhante ocorre com o letramento literário, uma vez que os indivíduos podem

relacionar-se com o texto de ficção por meio de várias outras práticas, em contextos diferentes

e com objetivos diferentes; é o caso da internet, das novelas televisivas e do cinema, por

exemplo. Propõe, em outro estudo, a noção de letramento literário associada às práticas sociais

que se valem da escrita literária (ZAPPONE, 2008b).

Segundo Rosa (2011, p. 192-194), o Letramento Literário foi apresentado pela professora Graça

Paulino, em 1999, à Anped, mas essa expressão foi grafada pela primeira vez em 1997, em um

estudo denominado O jogo do Livro Infantil. Anos mais tarde, em 2010, os textos da referida

professora, muitos deles em formato de manuscritos, foram reunidos por outros pesquisadores

em um livro. A primeira definição, circunscrita tanto na apresentação de 1999, como no

documento de 2010, assim define o letramento literário: “[...] o letramento literário, como

outros tipos de letramento, continua sendo uma apropriação pessoal de práticas de

leitura/escrita, que não se reduzem à escola, embora passem por ela” (PAULINO, 2010, apud

ROSA, 2011, p. 193).

Para que possamos entender melhor o contexto em que foi gestado o conceito, talvez seja

conveniente neste momento um breve desvio. Saviani (2013)22 pondera que, no período de 1969

a 2001, houve uma supremacia da concepção pedagógica produtivista. De 1991 a 2001,

consoante o autor, pode-se constatar a hegemonia neoprodutivista e suas respectivas variantes:

neoescolanovismo, neoconstrutivismo, neotecnicismo. Saviani (2013, p. 427- 428) assegura que

o início dos anos 1990 foi marcado por mudanças na área cultural, tecnológica e, especialmente,

no que tange ao âmbito econômico-político, tornou-se mais evidente o que se chama de

neoliberalismo. Marcado por uma agenda que engloba severos ajustes fiscais, privatização de

empresas e serviços públicos, crítica à democracia, tais práticas rapidamente foram

incorporadas às políticas de países latino-americanos. Nessa nova configuração, as ideias

pedagógicas acentuam um discurso de fracasso da escola pública e da ineficiência estatal na

busca de um bem comum. Advoga-se a favor da iniciativa privada orquestrada hábil e

nocivamente pelas leis do mercado.

22 Maciel; Shigunov Neto (2004) fazem uma análise do mesmo período. No entanto, por entendermos que Saviani

(2013) estuda o período mais esmiuçadamente, optamos por privilegiar a obra História das Ideias Pedagógicas no

Brasil neste momento.

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Esse período é analisado por Saviani (2013, p. 431-442) em quatro instâncias: 1) as bases

econômico-pedagógicas: reconversão produtiva, neoprodutivismo e a “pedagogia da exclusão”;

2) as bases didático-pedagógicas: o “aprender a aprender” e sua dispersão pelos diferentes

espaços sociais (neoescolanovismo); 3) as bases psicopedagógicas: a reorientação das

atividades construtivas da criança (neoconstrutivismo) e a “pedagogia das competências”; e 4)

as bases pedagógico-administrativas: reorganização das escolas e redefinição do papel do

Estado (neotecniscimo); “qualidade total” e “pedagogia corporativa”.

No caso do neoprodutivismo, abriu-se espaço para o modelo toyotista, que prima pela busca de

empregados polivalentes, flexíveis, produtivos e que disputem diariamente sua posição dentro

do espaço empresarial. Nessa nova configuração, surge um discurso de valorização da escola

como instituição formadora de mão de obra. Em uma lógica econômica, individualista e

excludente, cabe, agora, ao indivíduo uma autorresponsabilidade por sua formação. Em outras

palavras, é o indivíduo que terá que ser capaz de empreender escolhas, de modo a manter-se

competitivamente no mercado de trabalho. Como a ossatura dessa nova ordem erige-se

duplamente na exclusão, ou seja: a) pelo reconhecimento de que não há emprego para todos e

b) porque o processo tecnológico está em contínuo avanço e, assim, milhões de trabalhadores

serão excluídos das atividades laborais, o autor chama esse processo da “pedagogia da

exclusão”, que ensina a necessidade estar preparado, de realizar sucessivos cursos e, caso o

desemprego ainda persista, essa pedagogia ensina que ainda há a terceirização, a informalidade,

o voluntariado (SAVIANI, 2013, p. 429-431).

O lema “aprender a aprender” é tratado criticamente por Saviani (2013, p. 431-434). Segundo

o autor, na Escola Nova, esse tema circundava-se ao universo das relações das crianças entre

os pares e entre os adultos. Em uma nova roupagem, essa vertente coaduna-se à necessidade

constante de atualização tendo em vista a manutenção da empregabilidade. Trata-se de uma

concepção, que, de acordo com os estudos do autor, espraiaram-se em documentos da Unesco

e em documentos oficiais brasileiros, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s),

e em outras diversas instâncias, que incluem organizações não governamentais, entidades

religiosas, dentre outras.

Saviani (2013, p. 434-437) assegura que o neoconstrutivismo tem laços estreitos com o

neoescolanovismo, pois ambos comungam da matriz teórica piagetiana. Afirma que, ao final

da década de 1990, o construtivismo ganhou bastante notoriedade, sendo, inclusive, abarcado

em documentos oficiais, como é o caso dos PCN’s, por exemplo. Explica que no Brasil houve

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uma reconfiguração do construtivismo, advinda de sua inserção em diferentes correntes

pedagógicas e de sua considerável amplitude no campo educacional e, que, nesse sentido, é

mais adequada a nomenclatura neoconstrutivismo. É nesse contexto que se abrem os flancos

para a notoriedade da teoria do professor reflexivo, centrado nos saberes docentes e na

pragmática da vida cotidiana. Surge, irmanada a esse contexto, a pedagogia das competências,

em uma busca incessante à manutenção da ordem por meio de atendimento a objetivos

delimitados. Saviani (2013) alerta, ainda, que, regidas pelas mãos do mercado, tanto a

pedagogia das competências quanto a pedagogia do aprender a aprender visam a ajustar,

adaptar, moldar indivíduos às condições (não garantidas) de sobrevivência.

Saviani (2013, p. 437-441) pontua que houve um movimento muito grande para a solidificação

da pedagogia das competências nas escolas e nas empresas, de modo a tornar os indivíduos

mais adaptáveis e mais flexíveis às novas demandas do mercado. O neotecnicismo, desse modo,

é preconizado não mais por enrijecido processo de controle, mas pela flexibilidade, conforme

os delineamentos toyotistas. Tal premissa não pode ser confundida, em nenhum momento,

como despreocupação. Ao contrário, o controle é feito por um processo avaliativo, a fim de se

garantir eficiência e produtividade. No âmbito educacional, tal postulado torna-se ainda mais

visível, quando parte dos recursos, por exemplo, chegam a determinadas instituições de acordo

com seu desempenho, de acordo com resultados satisfatórios em avaliações de larga escala.

Nesse contexto, aqueles que ensinam são reduzidos a prestadores de serviços, aqueles que

aprendem a clientes e a educação como produto a ser produzido com qualidade variável.

Por fim, o autor conclui, respaldado nos estudos de Kuenzer (2005), que esses movimentos

geram a lesiva dupla: “exclusão includente” e “inclusão excludente”. Na primeira, exclui-se

inicialmente o trabalhador do emprego formal, para, posteriormente, incluí-lo na informalidade

ou na readmissão ao emprego formal, de modo mais precário e degradante. Na segunda, o/a

professor/a novamente é vítima; no contexto escolar, inclui-se o/a estudante em cursos de

diferentes níveis de modalidade, de modo a satisfazer a voracidade de metas impostas, todavia,

não se assegura, apesar dos anos de permanência na escola, uma aprendizagem efetiva. São

produzidos, cadencialmente, os excluídos do mercado de trabalho e da participação ativa da

vida em sociedade (SAVIANI, 2013, p. 442; 450).

Os estudos de Maciel e Shigunov Neto (2004) também denunciam as artimanhas de políticas

neoliberais ao vislumbrarem a educação como mercadoria. Saviani (2013, p. 450-451), ao final

de seu estudo, avalia o caráter prejudicial do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-

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2002), sob o comando de Paulo Renato Costa Souza no Ministério da Educação. Lamenta que

os primeiros anos do governo Lula, apesar da inovação e da ligação com movimentos sociais,

vislumbraram poucas mudanças em termos de políticas econômicas, sociais e educacionais. Foi

nesse contexto, entretanto, que se mantiveram análises críticas e focos de resistência quanto a

essas mesmas políticas.

Feitas as ponderações quanto às ideias pedagógicas preponderantes de 1991 ao início dos anos

2000, contexto em que o Letramento Literário foi publicizado, é necessário retomarmos nosso

caminho principal. Arraigada nos estudos de Soares (200923), Paulino (2001) assim conceitua-

o:

Usamos hoje a expressão letramento literário para designar parte do letramento como

um todo, fato social caracterizado por Magda Soares como inserção do sujeito no

universo da escrita, através de práticas de recepção/produção dos diversos tipos de

textos escritos que circulam em sociedades letradas como a nossa. Sendo um desses

tipos de textos o literário, relacionado ao trabalho estético da língua, à proposta de

pacto ficcional e à recepção não-pragmática, um cidadão literariamente letrado seria

aquele que cultivasse e assumisse como parte de sua vida a leitura desses textos,

preservando seu caráter estético, aceitando o pacto proposto e resgatando objetivos

culturais em sentido mais amplo, e não objetivos funcionais ou imediatos para seu ato

de ler (PAULINO, 2001, p. 117).

Mais tarde, apresenta o Letramento Literário “[...] como práticas de leitura sem finalidades

pragmáticas, envolvendo gêneros como poemas, contos, crônicas ou romances e realizadas por

escolhas mais personalizadas (PAULINO, 2004, p. 68). Nas definições ora supracitadas,

parece-nos que há um cuidado de entrelaçar o letramento literário a uma vertente maior que é a

do Letramento. Ele distingue-se dos outros letramentos, pois toma como objeto o texto literário

e suas especificidades e, ao mesmo tempo, mantém um discurso de afastamento de possíveis

funções pragmáticas muitas vezes atribuídas à Literatura no contexto escolar.

A tese de doutoramento de Marta Passos Pinheiro, orientada pela Profa. Dra. Maria das Graças

Rodrigues Paulino, defendida em 2006 e intitulada Letramento literário na escola: um estudo

de práticas de leitura literária na formação da “comunidade de leitores”, dedica-se a estudar,

em um viés comparativo de países lusófonos (Brasil e Portugal), as práticas de leitura literária

escolarizadas. Reitera que a escola é uma formadora de uma “comunidade de leitores” e, muitas

vezes, por meio dos livros didáticos, veicula valores e guia práticas. A literatura, sob esse viés,

fica reduzida ao universo do sensível, como uma maneira de disciplinar, moralizar e adocicar

pessoas. A pesquisa denuncia que até as possibilidades de leitura que extrapolam o espaço da

23 A primeira edição de Letramento: um tema em três gêneros foi publicada em 1998.

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sala de aula ainda estão sob a influência dos livros didáticos, revelando alto grau de

dependência. A autora, além disso, balizada pelos estudos de Magda Soares e Graça Paulino,

tece críticas ao uso pragmático do texto literário, que tem como objetivo conduzir

comportamentos, e concebe o letramento literário como uma possibilidade de escape a essa

proposta (PINHEIRO, 2006).

Cosson (2015), no artigo intitulado Letramento Literário: uma localização necessária, admite

que o termo letramento é palco de inúmeras disputas e polissemia conceitual, fazendo

indispensável um maior esclarecimento sobre o tema. Afugentando-se de afirmações sobre qual

dos letramentos é o mais satisfatório, Cosson (2015) entende o termo a partir de uma tríplice

vertente: letramento no singular, o letramento no plural e o caso do conceito pluralizado de

múltiplos letramentos.

Em linhas gerais, a primeira concepção enfatiza as “habilidades” de ler e escrever e atribui à

escrita um papel fundamental na formação da cultura e na evolução humana. Na segunda

concepção, há um deslocamento dessas habilidades e a atenção volta-se à capacidade de

comunicação e à “competência” da produção de sentidos. A terceira concepção diz respeito a

um letramento adjetivado. Consoante o autor, trata-se de uma postura necessária, a fim de que

o conceito seja operacionalizável, de modo que seja incluso nas propostas curriculares e

políticas educacionais mais proficuamente. Tomando como modelo a área de saúde, o autor

assinala que há distinções epistemológicas no letramento interativo em saúde e no letramento

crítico em saúde, por exemplo (COSSON, 2015, p. 176-181).

A exposição de todo esse preâmbulo foi necessária para que o autor localizasse o letramento

literário em meio a essas três vertentes. Dentro da primeira concepção, o letramento literário é

aquele que se faz com o texto literário, com foco no desenvolvimento das “habilidades de leitura

e escrita” (COSSON, 2015, p. 181). Na segunda concepção, segundo o autor, a literatura perde

um pouco de sua especificidade, já que, nesse letramento literário, predominam-se os usos da

leitura em suas relações sociais, minorando-se o aspecto individual da experiência literária

(COSSON, 2015, p. 182). A terceira concepção de entendimento do texto literário, por fim,

além de estar circunscrita no referido artigo, se encontra em produção anterior de autoria

Paulino e Cosson (2009, p. 67): “[...] processo de apropriação da literatura enquanto construção

literária de sentidos”. O letramento literário expande-se, pois, para fora de um conjunto de

textos, parte-se de um repertório cultural, de modo a constituir uma forma literária de

“construção de sentidos”. Nessa concepção, ainda que o espaço escolar seja privilegiado, a

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associação da literatura com a escrita é ultrapassada, posto que dá relevo à habilidade de ler

textos literários com o objetivo de verificar questões ideológicas, culturais, identitárias, dentre

outros (COSSON, 2015, p. 182-183, grifo nosso).

Cosson (2015) pondera que o entendimento de Mirian Zappone sobre o letramento literário

situa-se na segunda perspectiva. Zappone (2015, p. 3), baseada nos estudos de Brian V. Street,

acentua que o Letramento diz respeito a uma visão mais ampla de práticas sociais e não somente

aquelas atreladas à escrita como defende Kleiman (2004). Define-o, ainda, como “[...] um

conjunto de práticas sociais. Como práticas sociais, podemos compreender todas as ações que

fazemos em grupo, ações como, por exemplo, fazer compras, participar de uma missa ou culto,

ir a uma reunião de escola de filhos etc.” (ZAPPONE, 2015, p. 3) e ressalva que as práticas de

Letramento na escola, vincadas ao estruturalismo, enfatizam sobremaneira o texto escrito,

considerando-o de forma autônoma, afastado de seu contexto de produção. Por esse motivo e

por privilegiar atividades de escrita com base no texto, avalia que o modelo escolar de

Letramento é um modelo autônomo (ZAPPONE, 2015, p. 3).

Zappone (2015, p. 5) afirma que “O Letramento literário pode ser compreendido como o

conjunto de práticas sociais que usam a escrita literária, compreendida como aquela cuja

especificidade maior seria seu traço de ficcionalidade”. Embora não fique claro que há uma

distinção entre texto ficcional e texto literário, a autora ainda salienta o caráter histórico do

termo, pois essa prática é realizada por grupos com identidades sociais distintas, balizadas por

suas relações com a escrita e, também, a associação deste aos diferentes domínios da vida, uma

vez que implica a leitura de textos não canônicos, as atividades de escrita e as adaptações às

telas cinematográficas, por exemplo (ZAPPONE, 2015, p. 5-6).

Assevera que não existe apenas um modelo de letramento. Quando os sentidos dos textos forem

determinados prioritariamente pela organização textual, quando o texto literário for usado como

um mero pretexto para o ensino acartilhado da língua e/ou destinado a fins moralizantes e

didatizantes, essa prática configura-se como o letramento literário autônomo: “[...] centrado na

autonomia do texto, considerando sua compreensão ou a construção de seus sentidos como uma

simples consequência da descodificação das palavras do texto” (ZAPPONE, 2015, p. 10). O

modelo ideológico de Letramento é concebido a partir do entendimento de que há contextos e

instituições distintas. Em outras palavras, as práticas de letramento literário, ainda que se

valham de um mesmo texto, não são as mesmas e vinculam-se aos aspectos culturais, bem como

às relações de poder (ZAPPONE, 2015, p. 4).

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Zappone (2015), assim como Pinheiro (2006), censura uma visão mecanicista e pragmática no

tratamento do texto literário. Todavia, parece-nos legítimo questionar se essa mecanização de

que fala a autora é coerente com a mesma concepção que conceitua a alfabetização como uma

prática articuladora do par codificação/decodificação. Volóchinov (2017, p. 255), ao tratar do

discurso alheio, pondera que o erro principal dos estudiosos foi isolar quase que completamente

o discurso alheio de seu contexto de transmissão. Desse modo, entendemos que estudos que

endossam a leitura como uma prática de decodificação recaem também sobre esse erro. No caso

específico da leitura literária, tendem a reforçar movimentos superficiais, que tomam o texto

literário, por exemplo, como uma manifestação do beletrismo e/ou instrumento de realização

de alguma tarefa imediata (como análises puramente gramaticais), até mesmo aquelas que

avigoram uma dimensão essencialmente emotiva da Literatura.

A obra Letramento Literário: teoria e prática, de Rildo Cosson, destinada, sobretudo a

professores/as, trata dos constructos epistemológicos das práticas inerentes ao Letramento

Literário. Como o próprio título da obra indica, a produção divide-se em duas partes: a primeira

delas concentra-se na discussão sobre aspectos que circundam a Literatura e a Educação,

abarcando, inclusive questões inerentes à escolarização da leitura. No segundo momento, o

autor propõe uma série de alternativas para o trabalho com o texto literário, de modo a

sistematizá-los em sequências. Uma das definições do termo está assim esboçada:

Ser leitor de literatura na escola é mais que fruir um livro de ficção ou se deliciar com

as palavras exatas da poesia. É também posicionar-se diante da obra literária,

identificando e questionando protocolos de leitura, afirmando ou retificando valores

culturais, elaborando e expandindo sentidos. Esse aprendizado crítico da leitura

literária, que não se faz sem o encontro pessoal com o texto enquanto princípio de

toda experiência estética, é o que temos denominado aqui de letramento literário

(COSSON, 2016, p. 120).

O autor, para a estruturação do livro, recobra alguns pontos do Letramento. Oriundo do inglês

literacy, trata-se de um termo recente na língua portuguesa, uma vez que foi explicitado por

Magda Soares em 1998. Segundo Cosson (2016), o Letramento dá visibilidade a um fenômeno

até então ocultado pelos índices de analfabetismo e configura-se não como uma habilidade de

escrita e leitura, mas sim como uma apropriação da escrita em suas respectivas práticas sociais.

O autor ainda complementa que há vários níveis de Letramento, sendo que podemos transitar,

entre os níveis superficiais e sofisticados, a depender do contexto e de necessidades individuais.

Quanto isso, Geraldi (2014) pondera que tal posicionamento é problemático, pois ignora que o

grande entrave do ensino advém das marcantes disparidades sociais, responsáveis pela

distribuição desigual dos bens culturais. Além disso, é preciso considerar que a admissibilidade

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de vários níveis de letramento pode ser coerente com as bases de flexibilidade e de competição,

pilares do neoprodutivismo na educação, como bem apontou Saviani (2013).

Um dos pesquisadores a sistematizar os estudos de Graça Paulino (ROSA, 2011), assim define

o letramento literário:

Escolhemos denominar a proposta de letramento literário para assinalar sua inserção

em uma concepção maior de uso da escrita, uma concepção que fosse além das

práticas escolares usuais [...] O letramento literário, conforme o concebemos, possui

uma configuração especial. Pela própria condição de existência da escrita literária,

[...] o processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas

uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, mas também, e sobretudo, uma

forma de assegurar seu efetivo domínio. Daí sua importância na escola, ou melhor,

sua importância em qualquer processo de letramento, seja aquele oferecido pela

escola, seja aquele que se encontra difuso na sociedade (COSSON, 2016, p. 11-12).

Como pode ser observado, a concepção do letramento literário defendida por Cosson (2016)

circunscreve-se, sobretudo, ao âmbito da escrita e o respectivo uso social dos textos literários,

quer sejam na escola ou fora dela. O autor concebe o texto literário como um modo especial de

escrita e, assim, o letramento literário se dá pela entrada no mundo da escrita a partir dela

mesma. Cosson (2016, p. 23) assevera que sendo o letramento uma prática social, é

responsabilidade da escola também e salienta que há um nó a ser desatado rumo à descoberta

de como escolarizar a literatura sem retirar dela seu poder de humanização. O autor lembra que

o letramento literário se faz necessário e é fundamental para o processo educativo, uma vez que

este propicia uma fuga de uma leitura simples (COSSON, 2016, p. 29-30).

São elencados três modos de compreender a leitura: antecipação, decifração e interpretação.

A primeira delas consiste, segundo o autor, nas várias etapas que o leitor realiza antes de iniciar

a leitura e, nesse caso, os objetivos de leitura são fundamentais. A segunda etapa diz respeito à

capacidade de o leitor decifrar um texto de acordo com o repertório lexical e sua a

familiarização com as palavras. O terceiro modo diz respeito à inferência e à capacidade de

relacionar o texto lido com o conhecimento de mundo. A interpretação é balizada pela cultura

e depende, triplamente, das convenções que regulam a leitura, do que escreveu o autor e dos

conhecimentos prévios do leitor. “Interpretar24 é dialogar com o texto tendo como limite o

24 Dadas as sucessivas ocorrências do termo “interpretação” nos estudos de Cosson (2016), é preciso registrar que

a interpretação, na acepção bakhtiniana, é assim erigida: “A interpretação como correlacionamento com outros

textos e reapreciação em um novo contexto (no meu, no atual, no futuro). O contexto antecipável do futuro: a

sensação de que estou dando um novo passo (saí do lugar) (BAKHTIN, 2017b, p. 67). Como pode ser observado,

Bakhtin (2017) toma a interpretação em seu sentido mais amplo, pois trata-se de olhar o texto em uma postura

dialógica constante, que passa não só em correlacionar textos a outros textos, mas em reapreciá-los e conjecturá-

los em movimentos prospectivos e retrospectivos.

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contexto [...] contexto é [...] aquilo que está no texto, que vem com ele, e aquilo que uma

comunidade de leitores julga como próprio da leitura (COSSON, 2016, p. 40-41).

Cosson (2016, p. 47) acrescenta que construção de uma comunidade de leitores é um princípio

do letramento literário (COSSON, 2016, p. 47). Para que tal intento seja possível e para que

haja um letramento literário na escola, uma sequência básica é proposta, a envolver as seguintes

etapas: Motivação, Introdução, Leitura e Interpretação (COSSON, 2016, p. 52-69). A primeira

etapa diz respeito às estratégias que visam a preparar o leitor para receber o texto. Trata-se de

um momento, que, segundo o autor, não pode durar mais que uma aula e pode valer-se,

conjuntamente ou não, de atividades de leitura, escrita e oralidade. A segunda etapa concentra-

se na apresentação do leitor e da obra. A leitura do texto propriamente deve ser feita e o

professor deve sempre atentar-se ao nível de dificuldade dos alunos, bem como a extensão do

texto, para que a leitura não fique enfadonha. A última etapa corresponde “[...] ao ato de

construção de sentido em uma determinada comunidade” (COSSON, 2016, p. 65). O autor

adverte que a interpretação dentro de uma comunidade de leitores feita da escola é distinta de

qualquer outro lugar, tendo em vista a possibilidade de ampliação de sentidos, de

compartilhamento de interpretações e do registro da leitura.

É também conjecturado “[...] o letramento literário enquanto prática de leitura” (COSSON,

2017, p. 9). Nessa perspectiva, a da prática, é que a sequenciação supracitada é expandida pelo

autor. A essa prática, ele denomina como Sequência Expandida, com etapas que compreendem

a Motivação, Introdução, Leitura, Primeira Interpretação, Contextualização, Contextualização

Teórica, Contextualização Histórica, Contextualização Estilística, Contextualização Poética,

Contextualização Crítica, Contextualização Presentificadora, Contextualização Temática,

Segunda Interpretação, Expansão (COSSON, 2016, p. 75-103). Como vimos, a motivação

caracteriza-se como uma atividade de preparação, a segunda etapa as estratégias para que o/a

aluno/a tenha noções básicas do autor e da obra. Na terceira etapa, é salientado que a prioridade

de leitura dos textos deve ser dada àquelas feitas extraclasse. A primeira interpretação destina-

se a uma apreensão geral da obra e o reconhecimento dos impactos do texto.

A contextualização consiste no movimento de ler a obra dentro do seu contexto. O autor adverte,

entretanto, que não se trata de estudar as obras atreladas às escolas literárias e seus respectivos

contextos históricos de modo estanque. Uma solução para esse problema seria, por exemplo, o

desmembramento da contextualização em 7 (sete) tipos, que podem ser ampliados divididos ou

reconfigurados e que jamais podem ser concebidos como elementos externos ao texto: 1) a

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teórica busca tornar clarividentes os conceitos encenados nas obras; 2) a histórica diz respeito

ao contexto em que a obra foi elaborada e/ou o seu período de publicação; 3) a estilística centra-

se nos estilos de época, buscando analisar o entrelaçamento da obra com o período; 4) a poética

corresponde à estruturação da obra; 5) a crítica que corresponde ao conhecimento de uma

revisão crítica do que já foi publicado sobre a obra e/ou autor e/ou temas abordados; 6) a

presentificadora que destina-se a relacionar a obra a questões atuais, do presente; e, por fim, a

7) Temática, que é a externalização do tema da obra para outras pessoas.

A penúltima etapa, a segunda interpretação, consiste em uma leitura mais acurada de um dos

aspectos da obra. Por fim, a expansão, define-se como um momento de ultrapassagem do texto

para outros textos. Logo após a descrição da sequência expandida, assim como na sequência

básica, o autor registra um relato de experiência e encerra-o a sua felicidade por ver naquele

exemplo o reconhecimento da própria turma em ser como uma comunidade de leitores, já que

a construção desta é objetivo maior do letramento literário na escola (COSSON, 2016, p. 113).

Por fim, ele enfatiza:

Mais importante que a simples oposição entre quantidade e qualidade é a competência

de leitura que o aluno desenvolve dentro do campo literário, levando-o a aprimorar a

capacidade de interpretar e a sensibilidade de ler em um texto a tecedura da cultura. É

essa competência que se objetiva no letramento literário (COSSON, 2016, p. 104,

grifo nosso). [...]

A proposta que foi delineada nos pressupostos e nas práticas ao longo dos capítulos

tem como centro a formação de um leitor cuja competência ultrapasse a mera

decodificação dos textos, de um leitor que se apropria de forma autônoma das obras e

do próprio processo da leitura, de um leitor literário, enfim (COSSON, 2016, p. 120,

grifo nosso).

A recorrência o termo competência mais uma vez precisa ser problematizada neste trabalho,

uma vez que este faz parte da agenda neoliberal (Saviani, 2013). Saviani (2013, p. 437) afirma

que, na teoria construtivista, as competências vão identificar-se aos esquemas adaptativos

construídos pelos sujeitos na interação com o ambiente, em um processo, segundo a teoria

piagetiana, denominado equilibração e acomodação. No neoconstrutivismo, afasta-se a ideia de

processo adaptativo e acolhem-se os ideais do neopragmatismo. As competências surgem

assimiladas aos mecanismos adaptativos do ser humano ao meio, permitindo, desse modo, que

os indivíduos se ajustem às condições impostas.

Após leitura do excerto definidor de competência de leitura, podem-se observar, ao menos, três

problemas: a) quantificação, à moda de uma linha de produção, do desempenho dos/as

alunos/as; b) redução da leitura literária à capacidade de interpretação e à conexão do texto aos

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aspectos culturais e, por fim, c) apropriação de forma autônoma das obras, perspectiva

duplamente perversa, uma vez que afasta o professor do papel de mediador do ensino e da

aprendizagem e é coerente aos ditames da pedagogia das competências, que ensina indivíduos

a se adequarem ao meio, ainda que este meio seja árduo.

Publicado em 2017, Círculos de Leitura e Letramento Literário, apresenta, de igual modo, o

funcionamento de círculos de leitura. No caso do letramento literário, centro de nossas atenções,

o autor assim concebe-o:

Interessa acentuar que, ao tomar o letramento literário como processo, estamos

tratando de um fenômeno dinâmico, que não se encerra em um saber ou prática

delimitada a um momento específico. Por ser apropriação, permite que seja

individualizado ao mesmo tempo em que demanda interação social, pois só podemos

tornar próprio o que nos é alheio. Apropriação que não é apenas de um texto, qualquer

que seja a sua configuração, mas sim de um modo singular de construir sentidos: o

literário (COSSON, 2017, p. 25, grifo nosso).

Essa singularidade na construção de sentidos de que fala o autor advém tanto da interação com

o texto literário, quanto das experiências de mundo. O autor define leitura como produção de

sentidos e como experiência que compartilhamos dentro de uma comunidade de leitores25:

“Entendida dessa forma, a leitura é uma competência individual e social, um processo de

produção de sentidos que envolve quatro elementos: o leitor, o autor, o texto e o contexto”

(COSSON, 2017, p. 36, grifo nosso).

Tal qual em Cosson (2016), a leitura literária é alvo de traços esquemáticos, uma vez que ela é

sistematizada pelo autor em 12 (doze) modos distintos de ler, a partir do contexto, do texto e do

intertexto. Cada uma dessas três instâncias possui subdivisões. Os que se valem do contexto:

a) contexto-autor; b) contexto-leitor, c) contexto-texto, d) contexto-intertexto; aqueles que são

inerentes ao texto: a) texto-autor; b) texto-leitor; c) texto-contexto; d) texto-intertexto; e, por

25 Cosson (2017, p. 137-138) comenta que a noção comunidade de leitores é tratada em vários estudos sobre a

literatura. Segundo o autor, o termo foi inicialmente cunhado por Stanley Fish, estudioso que entende que o

conceito é balizado por convenções. Nesse olhar, um texto é poema não porque exista uma organização textual

que o delimite, mas porque tanto a categorização como os sentidos são assegurados por convenções de uma

comunidade interpretativa que determinam o que é o texto e como ele deve ser lido. Cosson (2017, p. 138) também

contempla os estudos de Roger Chartier, ao assegurar que, para o historiador francês, as comunidades de leitores

como uma forma de interação social, para além das convenções. Cosson (2017, p. 138-139), por fim, sugere mais

uma definição: “[...] uma comunidade de leitores é definida pelos leitores enquanto indivíduos que, reunidos em

conjunto, interagem entre si e se identificam em seus interesses e objetivos em torno da leitura, assim como por

um repertório que permite a esses indivíduos compartilharem objetos, tradições culturais, regras e modos de ler.

Desse modo, embora o processamento físico do texto seja essencialmente individual, a leitura como um todo é

sempre social porque não há leitor que não faça parte de uma comunidade de leitura, ainda que nem sempre seja

reconhecida como tal”.

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fim, os modos de ler atrelados ao intertexto: a) intertexto-autor; b) intertexto-leitor; c)

intertexto-texto; d) intertexto- contexto (COSSON, 2017, p. 72-80).

As estratégias de leitura são cuidadosamente dispostas na sequência, consoante os estudos de

Girotto e Souza (2010), que prevê cinco passos: ativação do conhecimento prévio (inserção do

texto em um contexto), conexão (fixação de relações pessoais com o texto), inferência (reunir

pistas e indícios para interpretação do texto), visualização (construção de imagens mentais para

maior compreensão do texto), sumarização (diz respeito à reunião de elementos mais

importantes do texto) (COSSON, 2017, p. 117-118).

Feitas as ponderações e ressalvas quanto ao Letramento Literário, gostaríamos, para encerrar

este capítulo, registrar algumas impressões. Como o termo foi publicizado em menos de duas

décadas, e não encontramos nenhuma pesquisa que teça comentários semelhantes ao que será

assentado neste trabalho, ressaltamos o nosso incômodo ao tocar nessa tinta fresca. No entanto,

é em Volóchinov (2017, p. 232) que encontramos certo respaldo, afinal [...] “Em cada palavra

de um enunciado compreendido, acrescentamos como que uma camada de nossas palavras

responsivas”.

Entendemos que, quer seja dentro da escola, ou fora dela, é imprescindível, bem-vinda,

importante e salutar a formação de uma comunidade de leitores. Todavia, esta não pode ser o

objetivo maior da leitura literária, pois entendemos, consoante Todorov (2009) que:

A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente

deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos

cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela

seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação do

mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir

de dentro. [...] Como a filosofia e as ciências humanas, a literatura é pensamento e

conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos. A realidade que a

literatura aspira compreender é, simplesmente (mas, ao mesmo tempo, nada é assim

tão complexo), a experiência humana (TODOROV, 2009, p. 76-77).

Concordamos com o pesquisador búlgaro, a literatura não pode tudo sozinha, mas pode muito.

Nesse sentido, questionamos o letramento literário, pois é, na formação de cidadãos críticos,

combativos, emancipados, reflexivos, rebeldes, sensíveis, enfim, mais humanos, é que podemos

compreender melhor o mundo que nos cerca. Além disso, cogitamos que essa proeminência à

formação da comunidade de leitores deve-se, também, ao fato de justificar a permanência da

literatura na escola, por outro lado, essa mesma ênfase, do modo como está posto, comprime as

nuances estética, artística e subversiva do texto literário. Ou seja, a literatura é ofertada, mas

não com intuito de emancipação do sujeito.

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Todorov (2009) assevera o perigo na qual a Literatura está sujeita, ao colocá-la em um lugar

periférico do processo educacional. Em outras palavras, o autor adverte quanto aos perigos de

um ensino de Literatura fundamentado não por meio do texto literário, mas a partir de sínteses

da teoria e da crítica literária, circunspecto pela periodização de escolas literárias e suas

respectivas características. Em postura semelhante, Hidalgo e Mello (2014) apontam o

imperativo de uma revisão de paradigmas que assuma o texto literário em sua intensa relação

com a vida, visando a suplantar um modelo de ensino situado na transmissão da teoria e da

história literária. Desse modo, reconhecemos que a proposta do Letramento Literário, que se

faz a partir do contato com próprio texto literário, nesse sentido, avança, pois, até o momento,

não vislumbramos um trabalho com a Literatura nos moldes periféricos denunciados por

Todorov (2009). No entanto, é preciso advertir que “A Literatura não nasce no vazio [...]”

(TODOROV, 2009, p. 22) e, assim, uma obra literária está imersa em um campo mais amplo,

que contempla também questões atinentes à materialidade da obra, às nuances e cerceios

editoriais, por exemplo.

Após a leitura atenta de cada uma das etapas do letramento literário proposto por Cosson (2016)

e não ignorando os delineamentos conceituais a respeito do tema, expostos pelo próprio autor

(COSSON, 2015; 2016; 2017), por Paulino (2001; 2004; 2010), Pinheiro (2006), Paulino e

Cosson (2009) e Zappone (2015), parece-nos que há uma fragilidade epistemológica no termo,

pois, ainda que haja um discurso que rejeite com veemência os usos pragmáticos da literatura,

ao se propor um esquadrinhamento da leitura literária em etapas, tal rejeição se esvai, soçobra.

Além disso, à maneira de uma linha de produção, guiada recorrentemente por objetivos, metas,

planos, execuções e check list, sob a observância das análises de Saviani (2013), pensamos que

há uma proposta administrada, fragmentada de educação, que visa a ajustar, a moldar o ensino

de literatura, como se fosse possível, por exemplo, iniciar o contato com o texto literário, dentro

da escola ou fora dela, apenas pela motivação.

Além disso, a pesquisa de De Nadai (2013) mostra mais fissuras na construção dessas

sequências, pois, ao concentrar esforços na análise de práticas de leitura em turmas do quinto

ano do Ensino Fundamental, a partir de um estudo de caso de cunho comparativo, a autora

demonstra as muitas práticas de leituras, ainda que não estritamente literárias, feitas

clandestinamente, ou seja à revelia dos cerceamentos da sala de aula e dos sistemas de avaliação

de larga escala. Dessa maneira, constatou que a aferição de notas, por meio de certas

recorrências avaliativas, não abarca as especificidades inerentes às práticas leitoras.

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Muito se falou nos termos competências e habilidades atrelados à leitura literária no Letramento

Literário. Como se viu, esses termos estão coerentes aos cerceios neoliberais, uma vez que

fomentam, em uma sociedade marcada pela desigualdade, uma relação passiva entre sujeitos

com o ambiente. Contribuem para distanciar sujeitos de uma postura questionadora, tão fulcral

para o processo democrático.

Em Os gêneros do Discurso, Bakhtin (2016) assim inicia sua obra: “Todos os diversos campos

da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem” (BAKHTIN, 2016, p. 11). Se

entendermos a Literatura nesse contexto, ao se demarcar a leitura literária por meio de

sucessivas etapas, o acesso a essa linguagem será de modo vigiado, controlado. Parece-nos que

o professor, nessa perspectiva, é afastado de seu trabalho, que requer planejamento, propósito,

e torna-se um mero condutor e/ou guia de atividades sequenciadas. Alijado, portanto, de seu

papel de mediador.

Ainda com os olhos fitados na premissa de que “As relações de acordo-desacordo, afirmação-

complemento, pergunta-resposta, etc. são relações puramente dialógicas, mas não são,

evidentemente, relações entre palavras, orações ou outros elementos de uma enunciação, mas

relações entre enunciações completas” (BAKHTIN, 2015, p. 215-216), pensamos que

manifestar-se favorável ou contrariamente a uma determinada perspectiva faz parte de uma

cadeia muito mais complexa que a simples emissão de julgamento valorativo de um

emaranhado de palavras. É nessa premissa que talvez repouse o nosso sentimento, que é o de

procurar a fresta da cortina, de abrir a boca, apesar do medo indigesto e da inadequação, como

já disse a poeta Adriana Lisboa. Desse modo, registramos, já com as mãos cheias de tinta, que

a proposta do Letramento Literário parece contribuir para um arrefecimento da autonomia, por

meio de um enredamento, de um enlace do trabalho docente.

Encerramos capítulo que objetivou investigar bases epistemológicas e possíveis

desdobramentos metodológicos do Letramento Literário, concluindo que essa terminologia

pouco rompe com uma visão funcional de leitura, de sujeito-leitor formado para adaptar-se ao

meio e, portanto, pouco contribui a uma educação literária consistente. Interessa-nos observar,

no próximo capítulo, se essa perspectiva está e/ou como está materializada nos documentos de

formação de professores/as e se, inclusive, influi na concepção de leitura literária chanceladas

pelos programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as, aqueles/as que

contribuem para a base da formação de leitores/as.

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5. A LEITURA LITERÁRIA NOS PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS: O

TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE

Afinal, um livro...

... serve para quê?

Chloé Legeay

O capítulo XLVII de Dom Quixote de La Mancha narra o enjaulamento do “Cavaleiro da Triste

Figura”, trama arquitetada de modo astuto pelo cura e pelo barbeiro, com intuito de dissuadir o

nobre fidalgo de seguir com suas “loucuras”. O cônego, por sua vez, ao tomar conhecimento

dos motivos da prisão da personagem, atribui aos romances de cavalaria a motivação para os

desvarios e propaga o caráter prejudicial destes para a república, porque, segundo a autoridade

religiosa, são todos iguais: como fábulas milésias, restringem-se apenas ao deleite e não à

instrução. Em defesa das fábulas apologais, o cônego ainda critica os romances de cavalaria, ao

externar a sua incompreensão de como estes são lidos, uma vez que não possuem beleza, ao

narrar, por exemplo, os feitos bravios de uma personagem que, sozinho e a mão, derrota

milhares de combatentes. Em uma longa e eloquente argumentação, salienta que é cônscio que

os autores não têm compromisso com a verdade, mas adverte que a beleza de uma obra será

maior quanto mais esta se aproximar do possível, do real. No fim do capítulo, ratifica:

[...] que consiga o fim melhor a que se aspira nesses escritos, que é ensinar e deleitar

juntamente, como já disse; porque a solta contextura destes livros dá lugar a que o

autor possa mostrar-se épico, lírico, trágico, cômico, com todas as partes que encerram

em si as dulcíssimas e agradáveis ciências da poesia e da oratória – que a epopéia

tanto pode escrever-se em prosa como em verso (CERVANTES, 2005, p. 848).

Embora a autoridade religiosa tenha confessado, no capítulo posterior, o início da escrita de tal

romance, seu discurso, com afagos do cura, questiona contraditória e severamente uma

literatura que sirva de modo estrito ao deleite, já que esta se desvia da realidade. De acordo com

o cônego, é na correlação entre ensino e deleite que deve residir o propósito maior desses

“escritos”, argumento que rescende a máxima horaciana, situada na obra A Poética Clássica:

Os poetas desejam ser úteis, ou deleitar, ou dizer coisas ao mesmo tempo agradáveis

e proveitosas a vida. [...] Não se distanciem da realidade as ficções que visam ao

prazer; não pretenda a fábula que se creia tudo quanto ela invente, nem extraia vivo

do estômago da Lârnia um menino que ela tinha almoçado. [...] Arrebata todos os

sufrágios quem mistura o útil e o agradável, deleitando e ao mesmo tempo instruindo

o leitor; esse livro, sim, rende lucros aos Sósias; esse transpõe os mares e dilata a longa

permanência do escritor de nomeada (HORÁCIO, 2005, p. 65).

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O poeta e filósofo romano, assentando no dulce et utile, enfatiza que os poetas devem perseguir

essa dupla finalidade, em um intercalo entre hedonismo e orientações de ensino. É preciso

salientar que tal premissa, segundo Horácio (2005), não diz respeito apenas ao cunho estético

do texto, mas, também, à fórmula que poderia outorgar lucro aos livreiros e, de modo

simultâneo, instaurar a permanência do autor no tempo.

Muito antes de Horácio, é no décimo diálogo de A República, de Platão, que encontramos o

tratamento da arte poética, a condenar o caráter mimético poesia:

Aqui está o que tínhamos a dizer, ao lembrarmos de novo a poesia, por,

justificadamente, excluirmos da cidade uma arte dessa espécie. Era a razão que a isso

nos impelia. Acrescentemos ainda, para ela não nos acusar de uma tal ou qual dureza

e rusticidade, que é antigo o diferendo entre a filosofia e a poesia (PLATÃO, 2001, p.

473 (607b)).

De acordo com Pereira (2001), em uma de suas notas no livro, a poesia era o principal meio de

transmissão de conhecimentos. Ao citar outros estudos sobre o tema, Pereira (2001, p. 19)

observa, ainda, que tal ataque pode ser articular tanto ao elemento lúdico da poesia, tanto à

necessidade de instaurar a filosofia como cerne da teoria e da prática educativa. Aristóteles

(2005), discípulo de Platão, comenta que “[...] o Poeta, porém, deleitando-nos com os outros

encantos, escamoteia-nos a absurdeza” (PLATÃO, 2005, p. 48). Nessa passagem, o filósofo

defende a necessidade de esmero com a linguagem, de modo a evitar atavios e não ofuscar os

pensamentos, e julga aceitável a verossimilhança, desde que elas não sejam irracionais.

Teixeira (2003, p. 57-61) afirma que Bertolt Brecht atribui ao teatro a dupla tarefa de instruir e

deleitar, tornando audível, desse modo, o eco dos preceitos horacianos. A autora adverte que o

Renascimento buscou uma volta aos ideais da Antiguidade Clássica e bebe nas fontes de

Horácio a ideia da educação por meio da arte. Ela cita exemplos, tais como o do bispo Minturno,

que na obra De Poeta, aponta uma tripla finalidade para a poesia: instruir, deleitar e emocionar.

Lodovico Castelvetro, segundo a estudiosa, defende o deleite e a recreação como objetivos

únicos da poesia negando sua função didática e emocional. Jean Vauquelin retoma a fórmula

horaciana, com especial destaque à instrução, para que sejam mostrados, na educação, as

virtudes e os vícios (TEXEIRA, 2013).

Compagnon (2009, p. 31-33) adverte que, de Horácio a Quintiliano e ao Classicismo francês,

repete-se a premissa de que a literatura instrui deleitando. O autor francês demonstra que La

Fontaine, ao tratar das fábulas, salvaguardava o caráter instrutivo e deleitoso destas. De igual

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modo, Antoine François Prévost defende o par instruir e divertir, além de assegurar que toda

obra de arte possui um tratado da moral.

Kant (1993, p. 55), em Crítica da Faculdade do Juízo, apregoa que o belo é desinteressado,

objeto de contemplação: “Gosto é a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de

representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse.

O objeto de tal complacência chama-se belo”. Trata-se, segundo César (1997, p. 191), de uma

visão de prazer estético proporcionado pelo distanciamento entre espectador e objeto, livre, pois,

dos sentimentos de posse e do apego. Em Teoria Estética, o Adorno (1970), por sua vez, assevera

que “Tornado irreconhecível, o deleite disfarça-se no desinteresse kantiano (ADORNO, 1970, p.

24). Em outras palavras, a análise adorniana, sob o escrutínio da crítica à indústria cultural, a arte

perdeu seu fim, numa sociedade em que a subjuga de acordo com os interesses de uma

determinada camada social.

Adorno (1970, p. 24-27) pondera que a arte deve estar livre das amarras e dos cerceios capitalistas

e estar destituída do prazer, pois, quanto maior é a compreensão sobre uma obra, tanto menor é

o prazer. Para ele, o prazer fugaz e a diversão podem intensificar-se ao ponto do inebriamento.

Afirma que o conceito mesquinho de deleite é um compromisso infeliz, uma léria, e deve ser

eliminado se for conjecturado enquanto elemento uníssono de contribuição da obra de arte. Além

disso, ressalta: “O que é facilitado pelo facto de que, numa época de superprodução, o seu valor

de uso se torna também problemático e se submete finalmente ao deleite secundário do prestígio,

da moda e do próprio caráter de mercadoria: paródia da aparência estética” (ADORNO, 1970, p.

28). Compreendemos, que, segundo autor, nessa perspectiva regida unicamente pelo deleite, a

arte surge como mais uma mercadoria a ser explorada, objeto de prestígio, de galanteio, de

cristalização dos ditames capitalistas e os indivíduos assim submetidos tornam-se presa fácil,

condescendentes a uma visão meramente hedonista, contemplativa, passiva, falsa e distratora da

arte.

Bourdieu (1968, p. 64526), em Éléments d'une théorie sociologique de la perception artistique,

de certa forma, também critica uma arte reduzida ao deleite. O sociólogo assinala a distinção de

duas formas de prazer estético, embora entre uma e outra coexistam várias gradações. Uma delas

diz respeito à percepção estética reduzida à compreensão pelos sentidos, ou seja, de modo a

26 Bourdieu (1969, p. 645, grifo do autor): “[...] On peut donc distinguer, par abstraction, deux formes opposées et

extrêmes du plaisir esthétique, séparées par toutes les gradations intermédiaires: la jouissance, qui accompagne la

perception esthétique réduite à la simple aisthesis, et la délectation, que procure la dégustation savante etqui

suppose, comm e condition nécessaire mais non süffisante, le déchiffrement adéquat”.

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colocar a razão em plano secundário e, de outro lado, o deleite que se caracteriza como uma

degustação erudita, mais sofisticada, necessária, porém, por si só, insuficiente e insatisfatório

para a compreensão da arte.

O livro intitulado La Promocion de la Lectura, publicado em 1975 com incentivo e chancela da

Unesco, por Richard Bamberger, escritor austríaco, é a última obra a ser mencionada neste

momento. Direcionada sobretudo aos/às responsáveis, professores/as e a bibliotecários/as, o

autor se põe a refletir sobre aspectos que circundam a formação do leitor, bem como a

responsabilidade destes para que tal intento seja concretizado. A produção contempla desde

traços comparativos das “habilidades leitoras” das crianças e adultos até a explanação de ideias

e conselhos de como fomentar o hábito de leitura na infância. Chama atenção no documento a

recorrência da palavra interesse atrelada às práticas de leitura, com ênfase a ações muito

localizadas. Bamberger (1975, p. 34) salienta que é importante que grande parte do material de

leitura interesse e deleite os alunos/as de modo a se formar permanentemente o hábito de ler.

Além disso, no tocante ao trabalho com a biblioteca, investe-se, mais uma vez, no suposto caráter

descompromissado e ocioso da leitura: “Muitos professores também acreditam que, na coleção

de livros de cada turma, será conveniente incluir livros que sirvam exclusivamente para o prazer

da leitura, o que atrairá mais facilmente os alunos à leitura desinteressada e não obrigatória”

(BAMBERGER, 1975, p. 90)27.

Bamberger (1975, p. 38-3928) arrola uma série de conclusões, que segundo ele, são pontos de

divergência entre vários autores. A primeira delas se volta ao deleite proporcionado por

27 “Muchos maestros opinan también que en la colección de libros con que cuente cada clase convendrá incluir libros

que sirvan puramente para deleitarse leyendo, los cuales atraerán más fácilmente a los estudiantes a la lectura

desinteresada y no obligatoria” (BAMBERGER, 1975, p. 90). 28 a) La primera motivación para leer es, sencillamente, el placer de practicar con las recien adquiridas habilidades

lectoras, el deleite que producen la recién descubierta actividad intelectual y el dominio de una destreza mecánica.

Si el maestro responde a esta motivación dando facilidades, proporcionando materiales de lectura apropiados a la

edad de los componentes del grupo e incrementando luego gradualmente la dificultad de los libros que vayan

leyendo, los niños llegarán a ser de ordinario buenos lectores. AI buen lector le gusta leer. b) La tendencia a usar

y ejercitar actitudes intelectivo-espirituales como la fantasía, el pensamiento, la voluntad, la simpatía, la capacidad

identificadora, etc. Resultado: desarrollo de aptitudes, expansión del yo. c) La necesidad de relacionarse con el

mundo, de enriquecer la propia mentalidad y de tener experiencias intelectuales. Resultado: la formación de una

filosofía de la vida, la comprensión del mundo que nos rodea. d) Estas motivaciones y estos intereses íntimos, por

lo común no conscientemente percibidos por el niño, corresponden a determinadas maneras de vivir y resumir éste

su experiencia: agrado de encontrarse con cosas y gentes que le son familiares (libros de ambiente y costumbres)

o, por el contrario, desconocidas y novedosas (libros de viajes y aventuras); ansias de escapar de la realidad y vivir

en un mundo de fantasía (cuentos de hadas, historias fantásticas, libros de utopías); necesidad de autoafirmarse,

búsqueda de ideales (biografías); afán de formación, de buenos consejos, de conocimientos provechosos (literatura

de noficción); ganas de distraerse y divertirse, necesidad de entretenimiento y esparcimiento (libros de deportes,

de caza, de curiosidades, etc.). (BAMBERGER, 1975, p. 38-39).

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descobertas recentes de habilidades leitoras. Segundo o autor, o professor pode estimular tal

comportamento oferecendo atividades e livros com graus de dificuldades apropriados a cada

idade. A segunda diz respeito às atitudes de ordens subjetivas, individuais na expansão da

fantasia, da simpatia e da expansão do eu. A terceira discute a compreensão do mundo que nos

cerca pela via das experiências intelectuais e, por fim, ainda em um olhar endógeno da leitura, é

salientado o caráter de escapismo, de fuga da realidade para as mais diversas finalidades, dentre

elas a vivência no mundo da fantasia, a diversão e o entretenimento.

Como pode ser observado brevemente, são amplos os estudos que se dedicam a pensar a arte, a

literatura enquanto objeto de deleite, o que nos leva a salientar que “Todo monumento continua

a obra dos antecessores, polemiza com eles, espera por uma compreensão ativa e responsiva,

antecipando-a etc. Todo monumento é uma parte real e indissolúvel ou da ciência, ou da literatura

ou da vida política” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 184). Desse modo, entendendo metaforicamente

que os documentos ora analisados são monumentos que, de certa maneira e guardadas as devidas

proporções, continuam a obra dos antecessores, nos dedicaremos a seguir à análise dos materiais,

com vistas à defesa da seguinte tese: ao se conceber a leitura literária de modo reducionista e

superficial, chancelada por organismos internacionais e políticas públicas educacionais,

silenciam-se os contextos ideológicos, políticos, éticos, estéticos, históricos, culturais, próprios

do texto literário.

5.1 A UNESCO

Criada em 1945 com objetivo de manter a paz e a segurança no mundo, a Unesco é uma agência

especializada das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura. No Brasil, preocupa-se em

somar esforços com o governo brasileiro e com a sociedade civil em torno de objetivos comuns

para o desenvolvimento do país, afinados aos objetivos instituídos pelos Estados-membros da

Unesco e das Nações Unidas. De acordo com a própria organização, a “Unesco exerce liderança

global e regional na educação, reforça os sistemas de educação em todo o mundo e responde aos

desafios globais por meio da educação, com a igualdade de gênero como princípio subjacente”

(UNESCO, [20-0?A] UNESCO, [20-0?B]; UNESCO, 2017).

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Nesta etapa do trabalho, nos deteremos a um documento em especial, Educação: um tesouro a

descobrir, relatório da comissão internacional da Unesco, presidida por Jacques Delors, conforme

a figura 1.

Fonte: Delors et al, 1998.

A escolha desse documento em especial se deu: a) por sua ampla divulgação e aceitação em solo

brasileiro (SILVA e SILVA, 2012; BASSO e BEZERRA NETO, 2015; SINDEAUX; BEZERRA;

LOUREIRO, 2018); e b) porque sua publicação no Brasil, no ano de 1998, insere-se em um

contexto de políticas neoliberais do governo Fernando Henrique Cardoso, como bem já apontou

Saviani (2013) e Maciel; Shigunov Neto (2004), como um projeto governamental nocivo, de modo

a inserir o país, ainda mais, nos “[...] moldes ditados pelo capitalismo mundializado” (DUARTE,

2001)29. Diante do exposto, atentando-se aos objetivos essenciais desta pesquisa, interessam-nos,

particularmente, os capítulos 4 e 7, circunscritos, respectivamente, na segunda e na terceira parte

do documento, com os seguintes títulos: “Os quatro pilares da educação” e “Os professores em

busca de novas perspectivas”. Esses capítulos do sumário podem ser mais bem visualizados nas

figuras 2 e 3.

29 Por entendermos que a obra de Duarte (2001), intitulada Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às

apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana consitui-se em uma produção consistente e notável

relativa à critica à mercadorização da educação, privilegiamos esse estudo para análise do documento Educação:

um tesouro a descobrir.

Figura 1 - Unesco - Educação, um tesouro a descobrir

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Fonte: Delors et al, 1998.

Fonte: Delors et al, 1998.

Figura 2 – Sumário- primeira parte - Educação, um tesouro a descobrir

Figura 3 - Sumário- segunda parte - Educação, um tesouro a descobrir

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Delors et al. (1998, p. 89) ponderam que, diante de tantas inovações e transformações no

mundo, é preciso um redimensionamento da educação, que funciona, metaforicamente, como

uma bússola a permitir que as pessoas naveguem pelo mundo. Para tanto, advoga pela

necessidade do levantamento de quatro pilares da educação, desdobramentos do lema “aprender

a aprender” (DUARTE, 2001, p. 76), quais sejam: “Aprender a conhecer”, “Aprender a fazer”,

“Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros” e “Aprender a ser”. O primeiro pilar

constitui-se no domínio dos próprios instrumentos do conhecimento como meio e fim da vida

humana. Em outras palavras, o meio diz respeito à compreensão de cada um sobre o mundo que

o cerca, pelo menos na medida em que tal premissa é necessária para se viver dignamente,

comunicar e atender aos anseios do meio laboral. E o fim aposta que seu fundamento se assenta

no “[...] o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir (Delors et al., 1998, p. 92).

Esse pilar ainda sustenta a premissa do inacabamento do processo de aprendizagem, o que

justifica sua maior aproximação às experiências do trabalho, já que este, conforme o

documento, se torna cada vez menos rotineiro. Os autores colocam vigas, no bojo desse

pensamento, na defesa da “educação primária”, base para educação ao logo de toda vida,

sobretudo no trabalho. Em outras palavras, a partir dos estudos de Duarte (2001),

compreendemos que aprender a conhecer corrobora com a ideia de aprender a adaptar-se. Como

poder ser observado, além de estar claro o silenciamento de vozes que proferem o caráter social

da formação, parece ficar evidente, de igual modo, uma visão de educação da qual não

compactuamos: instrumentalizadora, pragmática, imediatista e subserviente ao mercado.

Admite-se, em seguida, na indissociabilidade das práticas “aprender a conhecer” e “aprender a

fazer”. O segundo pilar, eivado de um tom insistente na necessidade de adequação e adaptação à

nova realidade mundial, pode ser resumido como a capacidade de poder agir sobre o meio que

nos cerca. É nesse pilar que se observa a noção de competência, após a descrição quase

galanteadora sobre as exigências cada vez mais intensas do mundo do trabalho. Sobre a

capacidade pessoal do trabalhador, levanta-se uma bandeira individualista e culpabilizadora, ao

incutir a ideia de uma autoformação com vistas à melhor comunicação, trabalho em equipe,

gestão e resolução de conflitos, dentre outros. Esse pilar defende a importância do setor de

serviços e o reconhecimento de atividades não formais, sobretudo em países desenvolvidos.

Insere a aprendizagem nesse contexto, não como possibilitadora de mudanças, mas de atividade

a qual o fim também se destina às atividades informais (DELORS et al., 1998, p. 96).

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O terceiro pilar vincula-se à competência de cooperação com os demais indivíduos nas atividades

humanas. Ao trazer um discurso alarmante sobre a violência, o documento enfatiza a necessidade

de estabelecer uma cultura de paz, de descoberta do outro. Na escola, tal premissa decorre, por

exemplo, da aceitação da cultura alheia, que não deve ir contrária ao reconhecimento do outro.

Nota-se, claramente, nesse discurso, uma tentativa de formação de cidadãos cordatos, planificados,

servis: “[...] busca-se difundir uma mentalidade de convivência pacífica, por meio da qual as

desigualdades seriam identificadas com as diferenças, no intuito de enfraquecer qualquer clamor

por uma sociedade menos injusta e desigual (DUARTE, 2001, p. 75).

O último pilar para uma educação ao longo da vida, “aprender a ser”, é “[...] via essencial que

integra as três precedentes (DELORS et al.., 1998, p. 90). Trata-se da premissa que visa a

desenvolver a “autonomia”, a capacidade de “discernimento” e de “responsabilidade pessoal”, o

que coaduna, mais uma vez, às críticas propostas por Duarte (2001). Afinal, configura-se uma

visão de educação convergente com os propósitos neoliberais, cujo fim é a formação de indivíduos

responsáveis por sua própria formação, a afastar, desse modo, o papel do Estado, e dispostos a

serem flexíveis e a aprenderem qualquer coisa, aceitar qualquer coisa, guiados por uma hábil

bússola: o mercado.

No sétimo capítulo, é depositada nos ombros dos/as professores/as, sob o epíteto de agentes de

mudança, a responsabilidade pela formação de indivíduos que construirão o futuro. O documento

é veloz na defesa da motivação, das competências e das habilidades pessoais, para que tal intento

seja levado a cabo. Enfatiza que a formação de professores/as deve ser aquilatada nos moldes das

propostas do relatório. Adiante, há a alegação de que cabe ao/a professor/a uma postura devota e,

ao mesmo tempo, afastada, a fim de se resguardar certa distância da escola e o meio, de modo que

o/a aluno/a consiga, por si, exercer seu senso crítico, aprendizagem e pesquisa autônomas

(DELORS et al.., 1998, p. 153-157). O trabalho do/a professor/a não é visto assentado no pilar da

mediação, mas, antes, como um apresentador de problemas a serem solucionados.

O documento ainda estabelece vias para melhorar a qualidade e a formação dos professores/as:

recrutamento, formação inicial, formação contínua, formação pedagógica, controle, gestão,

participação de agentes exteriores à escola e meios de ensino (DELORS et al.., 1998, p. 159-161).

Em nenhuma dessas vertentes, foi detalhada que a valorização do professor perpassa, de modo

elementar e inegociável, pela decência salarial e das condições de trabalho. Ao contrário, no

tocante à formação continuada, por exemplo, defende-se uma formação já dentro do horário de

trabalho, a distância, de modo a não comprometer a ordem estabelecida.

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Além disso, uma recomendação extremamente danosa, sustentada pelos quatro pilares já

anteriormente discutidos e, portanto, compromissada em seu âmago com a perspectiva neoliberal,

erige-se: “Os professores deveriam também ter a possibilidade de exercer outras profissões, fora

do contexto escolar, a fim de se familiarizarem com outros aspectos do mundo do trabalho, como

a vida das empresas que, muitas vezes, conhecem mal” (DELORS et al.., 1998, p. 163). Duarte

(2001, p. 79) salienta que “[...] vemos nesse tipo de discurso apenas um reflexo do ambiente

político cultural da atualidade, impregnado pelo pragmatismo neoliberal e do seu aliado, o

irracionalismo pós-moderno”. Desse modo, o professor, na visão da Unesco, além de um ser

alienado e multifuncional, é um “ ‘acompanhante’, [...] aquele que ajuda os seus alunos a encontrar,

organizar e gerir o saber, guiando mas não modelando os espíritos, e demonstrando grande firmeza

quanto aos valores fundamentais que devem orientar toda a vida” (DELORS et al.., 1998, p. 155).

Em estudo recente, Dias (2019) indagou-se a respeito da elaboração dos acordos concernentes à

alfabetização de crianças, pactuados durante o PPE — desenvolvido entre 1980 e 2000, pela

Unesco. Mesmo não tendo o objetivo se aproximar-se às questões que envolvem a leitura literária,

Dias (2019) ponderou, após as análises documentais, que há a prevalência de uma determinada

linha discursiva, uma fabricação de consensos. Trata-se, segundo a autora, de uma trama, que,

travestida de um aparato de consenso, democrático, enrijece algumas concepções em detrimento

de outras e auxilia na estruturação de propostas oficiais de alfabetização no Brasil. Ela ainda

adverte que o consenso maior repousa na preocupação a respeito da reprovação escolar. Entretanto,

essa retórica reincidente era vislumbrada nos documentos da Unesco de forma limitada; ou seja,

era cerceada à gama de conhecimento necessária para que se garantisse a preparação adequada

para o mercado de trabalho, a segurança da competitividade frente ao mercado internacional e o

consequente progresso econômico das nações. Assim, segundo a análise de Dias (2019), o

conhecimento era tratado dentro da perspectiva da pedagogia das competências, imerso no viés

individualista do “aprender a aprender”, tendo a leitura e a escrita comprimidas ao exercício papéis

fundamentais para o entendimento de certos fenômenos e para a comunicação.

A pesquisa de Endlich (2019) visou a compreender discursos da Unesco em prol da avaliação da

alfabetização, no período 1980-2012, e como esses discursos dialogaram com o desenvolvimento

das avaliações padronizadas de alfabetização de crianças no Brasil. A autora afirma que a

concepção da Unesco a respeito da educação equivale a um investimento financeiro. A

alfabetização, por sua vez, é esvaziada de seu potencial crítico e é vincada ao acúmulo de

competências necessárias para a formação de um cidadão desejado ao mercado de trabalho,

vislumbrando a leitura e a escrita como algo prático, imediatista e funcional. Endlich (2019) ainda

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tece críticas que se aproximam dos estudos de Duarte (2001). De acordo com a autora, por meio

dos documentos analisados, a Unesco defende um modelo de educação compromissado com a

ideologia neoliberal, que, dentre outras práticas, defende a descentralização administrativa, a

competitividade acirrada por avaliações de larga escala e a formação individualista, baseada na

pedagogia das competências, que almeja formar cidadãos flexíveis e adaptáveis a uma sociedade

desigual.

A referência ao documento da Unesco e aos estudos de Dias (2019) e Endlich (2019) foram

basilares para compreendermos melhor qual é a massa que sustenta os pilares da educação ao longo

da vida: o neoliberalismo. De modo mais particular, foi importante para compreendermos, com os

olhos fitados às ponderações de Duarte (2001), Maciel; Shigunov Neto (2004), Saviani (2013) e

Ávila (2016), melhor nosso problema de pesquisa e encaminhar as análises de modo a comprovar

a primeira hipótese levantada.

Compreendemos, assim, que “Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá sua festa

de renovação. Questão do grande tempo” (BAKHTIN, 2017, p. 79). Se não podemos decretar

certidão de óbito para os sentidos, para os enunciados, por ora, pensamos que os princípios do

papel do professor no relatório da Unesco coadunam-se à perspectiva do Letramento Literário,

pois, nos moldes apresentados e discutidos no capítulo anterior, observam-se um pragmatismo

atrelado à leitura e à escrita e a redução do trabalho do professor ao exercício sufocante de um

gestor do saber.

Além disso, pensamos que os pilares de educação, agenciadas pela pedagogia das competências,

refletem no trabalho com a leitura literária, de modo a inseri-la como mais uma das competências

para a educação ao longo da vida. No tocante ao quarto pilar, o aprender juntos pode se articular

às propostas de uma formação de comunidade de leitores nos arquétipos do letramento literário,

uma vez que, pela via da convivência, do compartilhamento de saberes gerados pelo texto literário,

pouco se vislumbra, nesse ínterim, a formação indivíduos não imiscuídos com quaisquer

argumentos que os integrem em uma plateia placidamente observadora de um banquete celebrado

por poucos.

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121

5.1 O PROFA

De acordo com o documento de apresentação, criado em 2001, sob supervisão da professora Telma

Weizs, o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), sustentado em bases

piagetianas, é um curso de aprofundamento, destinado a professores/as e formadores/as, com

objetivo de desenvolver as competências profissionais necessárias a todo professor que alfabetiza.

Apesar de ter durado apenas 2 anos, o documento salienta que seu objetivo é a formação de um

grupo permanente, com um modelo de trabalho ancorado nos saberes do grupo e em metodologias

de resolução de problemas (BRASIL, 2001a, p. 4).

Volóchinov (2013, p. 143) pondera que, para além da transmissão do signo, a comunicação verbal

possui outra condição que é a compreensão do signo e a respectiva resposta a ele. Julgamos

prudente, no bojo desse pensamento, relembrar de antemão que o surgimento do programa se deu

em um contexto em que premissas de ordem mercadológica pairavam _ e até hoje pairam_ sobre

a educação. Essa metodologia de resolução de problemas é um eco do relatório Educação: um

tesouro a descobrir e manifesta-se como resposta favorável não só aos delineamentos do relatório,

mas respondem cômoda e docilmente às premissas neoliberais.

Mais do que ver ecos entre ambos enunciados, é conveniente indagar os motivos para que tais ecos

se materializem em um documento de formação de professores/as. Pensamos que, ao proceder de

tal modo, é assegurado um caráter pragmático da educação, com vistas a uma formação de

professores/as esvaziada de um propósito emancipatório. A proposta parece instituir um tom

conciliatório: reconhece-se a necessidade de formação de professores/as, dados aos índices de

“fracasso escolar” (BRASIL, 2001a, p. 9), mas essa formação é auferida em moldes que pouco

cooperam para o abalo sistemático desses mesmos índices.

Lembramos que o objetivo principal desta tese é analisar as concepções de leitura literária

referendadas pelos programas federais de formação de professores/as alfabetizadores/as. Desse

modo, seguiremos, neste momento, à etapa de análise dos Módulos 1, 2 e 3 do Profa. A capa do

Módulo 1 do Guia do Formador do Profa é disposta conforme figura 4.

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Figura 4 - Profa: capa do guia do formador, módulo1

Fonte: Brasil, 2001a.

O referido documento está organizado da seguinte maneira: no início, apresenta-se o

programa, delimitando seus objetivos e bases conceituais. Em seguida, é registrada uma carta

aos “colegas” formadores, em que se explicitam de modo mais detido as concepções do

programa, sua organização, além de trazer à discussão as premissas de filosofia da educação

do estadunidense John Dewey30, na defesa de uma ação reflexiva. Em um terceiro momento,

passa-se à apresentação das competências profissionais requeridas para tal contexto, que

transitam entre o autodesenvolvimento, o reconhecimento de uma imagem positiva de si

mesmo, o planejamento de atividades desafiadoras de alfabetização à responsabilização pelos

resultados obtidos em relação às aprendizagens dos/as alunos/as (BRASIL, 2001a, p. 9-10).

Posteriormente, realiza-se a descrição da estrutura do programa, em três módulos. Em linhas

gerais, o primeiro módulo objetiva demonstrar que a alfabetização se centra em um processo

de construção conceitual, que se dá pela reflexão sobre as características do funcionamento

da escrita. O segundo módulo contempla situações didáticas de alfabetização, por meio dos

diferentes usos da linguagem. Por fim, o terceiro módulo continua com as situações didáticas,

porém, expõe como cerne da discussão o conjunto de competências que os/as professores/as

precisam desenvolver.

Logo após a seção inicial, o material divide-se em dois componentes: a parte 1 reúne as

30 Saviani (2013), conforme já pontuado, assegura que de 1991 a 2001 houve uma hegemonia de uma concepção

educacional neoprodutivista. e suas respectivas variantes: neoescolanovismo, neoconstrutivismo, neotecnicismo.

O Profa tem início em 2001 e respalda-se também nos estudos de John Dewey, um dos inspiradores do movimento

da Escola Nova, no Brasil.

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123

“Orientações para o Uso do Guia do Formador”, a parte 2 dispõe as “Unidades do Curso” e a

parte 3, intitulada “Apontamentos”, concentra anexos e algumas orientações quanto ao

funcionamento do programa. É a partir da unidade 2 que nossa análise seguirá. Tal unidade

possui os seguintes momentos: a) listagem de objetivos e conteúdos a serem estudados; b)

quadro-síntese, com a delimitação do tempo de cada etapa da unidade (o tempo de leitura

compartilhada é de 10 minutos); e c) descrição das sete atividades.

O módulo 2 do Profa, conforme a capa do material impresso na figura 531 a seguir apresentada,

estrutura-se da seguinte forma: primeiramente, é apresentada uma carta aos/às professores/as na

qual se retoma o que já foi feito no módulo 1 e se anuncia o que será feito no módulo 2. Salienta-

se que as propostas didáticas serão o foco principal, ou seja, a prática será priorizada. Em seguida,

na Parte I, são apresentadas algumas orientações sobre o módulo, com detalhamento da carga

horária, as expectativas de aprendizagem, bem como a caracterização dos materiais, por exemplo.

Na Parte II, encontra-se a organização do trabalho pedagógico e na Parte III são listados os

anexos e os apontamentos, em que são sugeridas atividades com assuntos diversos estruturados

em unidades. Nossa atenção, nesse módulo, incorrerá na segunda parte, pois é nela que se

concentra o trabalho com a leitura literária, tal qual no módulo 1, com o momento de leitura

compartilhada.

Fonte: BECALLI, 2007.

31 Por causa da ausência da capa no arquivo digital do módulo 2, optamos por ilustrá-lo a partir do trabalho de

Becalli (2007).

Figura 5- Profa: capa do guia do formador, módulo 2

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124

O último documento do Profa a ser analisado é o Módulo 3, conforme capa do material impresso

na figura 632 a seguir é apresentada. Tal qual no módulo 2, primeiramente, uma carta

direcionada aos docentes é exposta, ressaltando a importância de formação de professores/as,

não só para o desenvolvimento profissional, mas para a formação de outros grupos de trabalho.

Também é salientada a importância da avaliação, assim como a necessidade de continuidade

das ações aprendidas no curso.

Fonte: BECALLI, 2007.

Na Parte I, são centralizadas algumas orientações sobre o programa, os meios de propagação

dos resultados da formação, as expectativas de aprendizagem, bem como o conteúdo das

unidades do terceiro módulo. Em estrutura idêntica ao módulo 2, nas partes 2 e 3,

respectivamente, recupera-se a organização do trabalho pedagógico e são listados os anexos e

os apontamentos, com sugestões de atividades dispostas em unidades. A análise, nesse módulo,

também recairá na segunda parte, pois é nela que se aplica o trabalho com a leitura literária. No

entanto, advertirmos que o Módulo 3, por concentrar muitas orientações atinentes ao campo da

alfabetização, sobretudo no que diz respeito às questões ortográficas, é o módulo que menos

oferece sugestões de trabalho com o texto literário.

32 Por causa da ausência da capa no arquivo digital do módulo 3, optamos por ilustrá-lo a partir do trabalho de

Becalli (2007).

Figura 6 - Profa: capa do guia do formador, módulo 3

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Pelos motivos já delimitados nesta pesquisa, nosso foco de atenção concentrar-se-á nas

propostas de encaminhamento, inseridas dentro de um momento intitulado “Leitura

Compartilhada”. Tanto nos módulos 1, 2 e 3, na segunda parte, há constantemente a menção à

leitura de textos com finalidades específicas, sempre com verbos no infinitivo. Para melhor

visualização, reunimos essas finalidades, conforme descrição no quadro 4.

Quadro 4 - Profa: finalidades do texto literário

Profa: finalidades do texto literário

Módulo 1 Módulo 2 Módulo 3

Ler

Para...

Finalidade para a leitura

literária /

Recorrência

Ler

Para...

Finalidade para a leitura

literária /

Recorrência

Ler

Para...

Finalidade para a

leitura literária /

Recorrência

Se emocionar 6 Apreciar 8 Apreciar 9

Se divertir 5 Se emocionar 7 Conhecer 6

Apreciar 4 Se divertir 4 Se informar 5

Refletir 4 Refletir 4 Se divertir 5

Saborear 3 Se arrepiar 3 Refletir 4

Conhecer melhor 3 Pensar 2 Cantar 2

Se arrepiar 2 Conhecer 2 Se Identificar 1

Se encantar 1 Saborear 1 Rir e Cantar 1

Se informar 1 Se encantar 1 Se Encantar 1

Conhecer 1 Relembrar 1 Cantar e Apreciar 1

Se surpreender 1 Surpreender 1 Se emocionar 1

Brincar com as

palavras 1 Se deleitar 1 Pensar 1

Pensar 1 Apreciar literatura de

cordel 1 Sonhar 1

Cantar 1 Ficar sabendo 1 Ficar Sabendo 1

Rir 1 Conhecer melhor 1 Se Surpreender 1

Intrigar 1 Apreciar a linguagem 1

Total de atividades: 14

Total de finalidades: 40

Total de atividades: 12

Total de finalidades: 36

Lamentar 1

Total de atividades: 14

Total de finalidades: 40

Fonte: Quadro elaborado pela autora, a partir dos dados em Brasil, 2001a, 2001b, 2001c.

O módulo 1 apresenta 12 sugestões de atividades, cada uma delas apresentando 3 finalidades

para a leitura literária, perfazendo um total de 36 recorrências. O módulo 2 apresenta 14

sugestões de atividades. Nesse módulo, a primeira sugestão apresenta 1 finalidade para a leitura

literária; as outras 13 sugestões apresentam 3 finalidades, perfazendo um total de 40

recorrências. O módulo 3, de igual modo, apresenta 14 sugestões de atividades. Nesse módulo,

a primeira sugestão apresenta 1 finalidade para a leitura literária; as outras 13 sugestões

apresentam 3 finalidades, perfazendo um total de 40 recorrências.

Todas as atividades com o texto estão sistematizadas de maneira muito semelhante. O que muda

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são os textos literários. Se reunirmos todas as recorrências, sem a discriminação dos módulos,

podemos observar que esses desígnios estão dispostos conforme disposto no quadro 5.

Quadro 5 - Profa: Síntese das Recorrências de "Ler Para..."

Profa: Módulos 1, 2 e 3

Ler

pa

ra..

.

Finalidade Recorrências Finalidade Recorrências

Apreciar 21 Ficar Sabendo 2

Se Divertir 14 Brincar com as Palavras

1

Se Emocionar 14 Rir 1

Refletir 12 Intrigar 1

Conhecer 9 Cantar e Apreciar 1

Se Informar 6 Relembrar 1

Se Arrepiar 5 Se Deleitar 1

Saborear 4 Apreciar Literatura de Cordel

1

Conhecer Melhor 4 Apreciar a Linguagem

1

Pensar 4 Lamentar 1

Se Encantar 3 Sonhar 1

Se Surpreender / Surpreender

3 Rir e Cantar 1

Cantar 3 Se Identificar 1

Total de recorrências: 116

Fonte: Quadro elaborado pela autora, a partir dos dados em Brasil, 2001a, 2001b, 2001c.

Como pode ser visto, nos quadros 4 e 5, os módulos 1, 2 e 3 possuem 41 propostas de atividade.

Dessas propostas, há 116 recorrências de finalidades atribuídas à leitura literária, todas elas com

verbos no infinitivo (26). Dessas finalidades, as três sugestões que possuem maior reincidência

são ler para “apreciar” (21), ler para “se divertir” (14), ler para “se emocionar” (14), perfazendo

um total de 42,2%.

Para que tenhamos uma noção mais acurada dos dados, uma sistematização se faz necessária,

conforme delimitado no gráfico 1.

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Fonte: Gráfico elaborado pela autora, a partir dos dados em Brasil, 2001a, 2001b, 2001c.

Por causa da impossibilidade, neste momento, de fazermos a análise de todas as finalidades,

optamos por seguir o critério da maior recorrência. Ou seja, por entendermos que as finalidades,

materializadas insistentemente nos enunciados “ler para apreciar”, “ler para se divertir” e “ler

para se emocionar” apresentam maior destaque, e por avaliarmos que muitas das outras

finalidades, de algum modo, estão no mesmo campo semântico dessas três, as atividades que

contemplarem alguma dessas recorrências serão alvo de nossa atenção. Mais especificamente,

como todas as atividades são quase idênticas, elencaremos uma proposta de encaminhamento

de cada módulo para o diálogo.

Embora tenhamos observado que há algumas sugestões de trabalho com textos que não o

literário, como é o caso de “Ambição e ética”, de Stephen Kanitz (no módulo 2), cada proposta

possui, em geral, três sugestões para o trabalho com texto literário. Desse modo, apresentaremos

nossas observações a partir de uma proposta de encaminhamento de cada módulo.

A atividade 1 da Unidade 2, circunscrita no primeiro módulo do Profa, está estruturada

conforme excerto abaixo:

Leitura Compartilhada feita pelo formador (± 10 min)

Importante

Ler em voz alta exige preparação, ensaio e conhecimento minucioso do

texto a ser lido.

A adequação do tom de voz, o ritmo de leitura, a pronúncia das palavras

e o envolvimento com o texto merecem destaque especial nessa

atividade dedicada à Leitura Compartilhada. Portanto, a sugestão é que

Gráfico 1 - Profa: Síntese das Recorrências do "Ler Para..."

0

5

10

15

20

25

Profa: Módulos 1, 2 e 3

Ler para...

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128

o formador se prepare com antecedência, a fim de que sua leitura seja

envolvente e convidativa.

Proposta de Encaminhamento

1. Escolher, entre os títulos sugeridos a seguir, aquele que considerar

mais apropriado para ler aos professores.

Ler para...

... saborear: "Cem anos de perdão", de Clarice Lispector (Coletânea de

Textos M1U2T1).

... apreciar: "Memória de livros", de João Ubaldo Ribeiro (Coletânea

de Textos M1U2T2).

... se encantar: "Finá de ato", de autor desconhecido (Coletânea de

Textos, M1U2T3). (BRASIL, 2001a, p. 40, grifo do autor).

Com o risco da superficialidade demasiada e, ao mesmo tempo, à esquiva de uma análise

morosa, o conto “Cem Anos de Perdão”, inserido no livro Felicidade Clandestina, de Clarice

Lispector, narra a façanha de uma menina que, apaixonada por rosas, decide roubá-las, com

anuência de uma amiga, a despeito da insegurança que se incorre com a prática delituosa. Para

entendimento um pouco mais detido do conto, talvez seja necessário rememorarmos o ditado

popular: “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”, mote do título do texto. Convém

advertir, de igual modo, que é narrado no início do texto o vislumbre das meninas diante de

casas majestosas. Um desses pequenos castelos, cujos(as) donos(as) por certo não provinham

da classe popular, foi local em que se encontrava a rosa, destinada ao primeiro roubo. Não

arrependida, a menina relata o sentimento de posse e descreve que passa a roubar não só rosas,

mas expande a prática para as pitangas, mesmo que tal exercício seja feito próximo a uma igreja

presbiteriana.

Talvez essa descrição em particular se articule a uma crítica aos olhares cerceadores de tal

instituição. A menção à cor vermelha, das rosas e das pitangas, não pode passar despercebida,

uma vez que o produto do roubo advém, como já dissemos, de uma propriedade suntuosa.

Portanto, reduzir o texto de Lispector (1998) a apenas ao saboreio não nos parece uma atitude

prudente, tendo em vista uma possível crítica direcionada à propriedade privada.

Em Memória de Livros, conto de João Ubaldo Ribeiro, é narrado em tom saudosista, a memória

de uma infância marcada pela proibição de leitura de certos livros e as recorrentes peripécias e

subversão dessa mesma proibição. O autor narra que esse período de sua vida fora marcado

pelas leituras compulsórias e livres, e salienta que não sabe ao certo se a censura paterna era,

na verdade, um incentivo para uma leitura furtiva dos grandes clássicos literários.

É de se apreciar, mesmo, a descrição do autor sobre seu envolvimento com os livros, contudo,

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a leitura do conto não pode parar em um ponto meramente contemplativo. O texto mostra como

as crianças ainda estão inseridas em uma perspectiva adultocêntrica de escolha da leitura

destinada a elas, como bem já estudou Hunt (2010), Zilberman (1980). Além disso, é preciso

salientar que o narrador integra o sistema literário brasileiro (CANDIDO, 1999; 2000) com uma

vasta obra, o que nos remete a pensar na importância da leitura literária na constituição de

escritores, na formação de pessoas que saibam atribuir um tom jocoso às experiências das

crianças, como em Vida e Paixão de Pandonar, O Cruel; ou, por exemplo, em direcionar uma

ácida crítica à religião vislumbrada no conto O Santo que não acreditava em Deus; na formação

de cidadãos críticos, reflexivos, emancipados, não conformistas, inquietos, questionadores,

enfim, leitores.

De autoria desconhecida, o poema Finá de ato celebra a tradição popular, a oralidade de parte

dos sujeitos brasileiros. Delineia, pelo olhar feminino, o rompimento de uma relação e a

posterior conciliação como final do ato (remete a uma encenação teatral); narra sentimentos

como a saudade, a dor de uma separação, o orgulho, a mágoa, que independem da classe social

ou da comunidade linguística: são sentimentos aparentemente comuns a quaisquer seres

humanos.

O encantamento com aspectos de ordem emocional, mais uma vez, não pode ser o “final do

ato” desse texto literário: o poema é construído com rimas, com antítese, com metáforas e

comparações, por exemplo. Todas essas vertentes refletem um trabalho com a linguagem,

aspectos de ordem também racional e não puramente emotiva. Dessa maneira, a leitura literária

concebida pelo Profa não resguarda a polifonia no texto tal qual delineou Bakhtin (2015). Ao

contrário, arraigando-se em uma premissa monofônica, põe em cena apenas uma voz que faz

coro à política neoliberal: do prazer descompromissado.

Na unidade 6 do Módulo 2, a primeira atividade está assim descrita:

Atividade 1

Leitura Compartilhada (± 10 min)

Proposta de Encaminhamento

1. Escolher um dos textos sugeridos abaixo e ler para os professores.

Ler para...

...refletir: “Não sabia que era preciso”, de José Saramago (Coletânea de Textos

M2U6T1).

...se emocionar: “Hoje de madrugada”, de Raduan Nassar (Coletânea de Textos

M2U6T2).

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...apreciar: “Retrato em branco e preto”, de Tom Jobim (Coletânea de Textos

M2U6T3). (BRASIL, 2001b, p. 60, grifo do autor).

“Não sabia que era preciso” é uma crônica que está inserida no livro intitulado A Bagagem do

Viajante, de José Saramago. Trata-se de uma obra que reúne textos publicados, pela primeira

vez, em jornais portugueses entre os anos de 1969 e 1972. Inicialmente, o narrador faz uma

breve reflexão sobre a noção de verdade, a fim de trazer um anúncio de uma verdade não crível.

Conta a história de um doente em um sanatório que tinha dores severas nos pés e, por

conseguinte, dificuldades para andar. Nos parágrafos seguintes, o autor mostra a degradação da

condição humana, ao evidenciar que o motivo das dores seria a ausência de consciência, por

parte da personagem, de que era preciso cortar as unhas.

A crônica é um gênero fronteiriço. No limiar do jornalismo e da literatura, trata de simplezas

quotidianas, pequenos acontecimentos, leves fantasias e, por isso, não é lugar de torneios ou

justas literárias (SARAMAGO, 2014). A crônica em questão é breve (conta apenas com oito

parágrafos), porém, além da reflexão e do estranhamento, fomenta imaginarmos quantas outras

situações de degradação humana são repetidas mundo afora, diuturnamente, por inocência, por

inobservância, por negação de direitos, por não saber que era preciso.

“Hoje de madrugada” é um conto de Raduan Nassar, publicado no livro Menina a Caminho.

Narra a história íntima de um casal, cujo foco situa-se na insistente solicitação de uma mulher

pela atenção sexual e afetiva de seu marido. Raiado o dia, o narrador-protagonista conta um

fato acontecido durante a madrugada. Sua mulher (assim como o marido, não é nomeada) entra

silenciosamente em seu quarto de trabalho e insta-lhe atenção, irrompendo-se, assim, a “paz”

da madrugada. Assim como o rogo da esposa, a recusa e a relutância do marido se dão por

gestos, por movimentos e não por palavras. O conflito posto, então, circunda-se em um

movimento de súplica (da mulher) e de rejeição (do homem).

O conto tematiza os moldes estabelecidos por um modelo patriarcal de relação. Nos parece que

há na narrativa um jogo dúbio: se por um lado, é a mulher quem se insinua para o marido,

ferindo, portanto, alguns princípios do patriarcalismo, que prevê a submissão do gênero

feminino à espera do homem; por outro, observa-se que sua conduta reproduz a exata medida

do que se espera das relações familiares calcadas em um modelo patriarcal, ao reivindicar

atenção por meio de um comportamento sedutor.

Ao refletir sobre a temática afim ao conto, é preciso lembrar o que Beauvoir (1970, p. 17)

assegura: “[...] a condição subordinada da mulher era desejada no céu e proveitosa à terra”

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131

(BEAUVOIR, 1970, p. 17). A autora pondera que o “eterno feminino” impõe, além de um

discurso de fragilidade da mulher, uma posição de vassalagem diante de seu suserano: o

homem. Mais do que um discurso restrito ao ambiente familiar, o subjugo da mulher é muito

proveitoso aos moldes capitalistas, quer seja na confinação da mulher ao ambiente doméstico,

ao trabalho gratuito, quer seja no enrijecimento de um ideário conservador. O Profa sugere que

“Hoje de madrugada” seja lido “para se emocionar”. No entanto, gostaríamos de registrar que,

mais que emoção, o conto trata das pequenas vilanias e crueldades alcançadas pelo o machismo,

pelo patriarcalismo. Pelo texto literário, acompanhamos uma mulher que, em vão, suplica

atenção, mas temos acompanhado também, por exemplo, a luta de mulheres por igualdade de

direitos, igualdade salarial, pela inviolabilidade de seus corpos.

Por fim, no módulo 3, especificamente na terceira parte da unidade 2, a primeira atividade está

assim descrita conforme exposto a seguir.

Atividade 1

Leitura Compartilhada (± 10 min)

Proposta de Encaminhamento

1. Escolher um dos textos sugeridos abaixo e ler para os professores.

Ler para...

...se divertir: “A mulher do vizinho”, de Fernando Sabino (Coletânea de Textos

M3U2T11).

...apreciar: “Poemas de Adélia Prado”, de Raduan Nassar (Coletânea de Textos

M3U2T12).

...refletir: “A verdade e mentira”, de Diléa Frate (Coletânea de Textos M3U6T13).

(BRASIL, 2001b, p. 60, grifo do autor).

“A mulher do vizinho”, de Fernando Sabino, é um conto que trata de uma situação

aparentemente corriqueira. Na história, um general sente-se incomodado com a brincadeira de

crianças que, às vezes, deixam uma bola de meia cair em seu carro. O general, inconformado

com vizinho, manda o delegado intimá-lo. O vizinho, um sueco, acompanhado de sua esposa,

ouve todas as afrontas do delegado, que vão desde a citação de que o Brasil é regido por leis ao

confronto sobre a nacionalidade estrangeira do homem. Ao final do discurso, a mulher indaga

e acua o delegado, informa ao profissional os seus traços de parentescos com muitas autoridades

militares e adverte-o que tal evento na delegacia se configurara como uma importunação.

Schwarz (2019, p. 65) assevera que, diante de um passado escravocrata e autoritário, para os

setores vulneráveis da sociedade, as regras democráticas permanecem, em muitos casos,

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suspensa no país, tendo em vista o controle dos mandonismos locais. Candido (1970), em seu

ensaio Dialética da Malandragem, a partir de uma análise do romance Memórias de um

Sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, afirmou que no Brasil vive-se uma

“dialética da ordem e da desordem”, onde tudo viraria, simultaneamente, lícito e ilícito, justo e

injusto. Nesse sentido, talvez o conto não tematize algo necessariamente divertido. O texto trata

de um problema fulcral do Brasil: o patrimonialismo, marcado pela a ausência de limites entre

o público e o privado e a consequente busca por regalias.

Schwarz (2000, p. 56) pontua que o favor pessoal está em primeiro plano na estrutura social do

Brasil. Em nossa perspectiva, a atitude autoritária do general, ao outorgar à delegacia um fato

corriqueiro como objeto de trabalho, a conduta da mulher do vizinho ao intimidar o delegado e

o comportamento do delegado diante dos fatos corroboram para demonstrar um Brasil já

criticado também por Bosi (1992) e de Da Matta (1979), por exemplo. Para este autor, os

brasileiros, em geral, possuem dificuldades de manter relações sociais pautadas no coletivo e

na igualdade de direitos e deveres. Com esse fenômeno, muito característico de um país

atravessado por uma colonização exploradora, são comuns as tentativas de diferenciação em

que o familiarismo e o personalismo sejam preponderantes, usados como arma de barganha,

como mecanismo de intimidação e de se obter vantagens e privilégios.

A segunda opção de trabalho com o texto literário conta com dois poemas de Adélia Prado,

conforme descrição a seguir:

Ensinamento

Minha mãe achava estudo

a coisa mais fina do mundo.

Não é.

A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,

ela falou comigo:

"Coitado, até essa hora no serviço pesado".

Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.

Não me falou em amor.

Essa palavra de luxo.

Casamento

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como ‘este foi difícil’

‘prateou no ar dando rabanadas’

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e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva (BRASIL, 2001c, p. 181).

No poema “Ensinamento”, há uma visão de que o amor é artigo de luxo, logo: privilégio para

poucos. Vê-se, em uma atitude corriqueira, em um lar da classe trabalhadora, no exemplo de

uma mãe, que, à noite, deixa comida preparada para o pai que estava até tarde em suas

atividades laborais, um ensinamento sobre o amor. Afinal, pouco adianta uma infinidade de

estudos, segundo infere-se do discurso da filha, se o que há de mais fino no mundo é o

sentimento. A mãe que não tinha estudo ensinou que o amor também repousa no aconchego,

no cuidado, na casa organizada para a recepção de quem trabalhou “no serviço pesado” até

tarde da noite. Em “Casamento”, o eu lírico versa sobre uma cena de cumplicidade conjugal,

ao retratar uma cena em que um casal se une na cozinha para limpar peixes. Salgueiro (2018),

ao fazer uma análise sobre o poema, afirma que a metáfora dos peixes funciona bem no poema,

ao evocar uma ressonância bíblica, bem como indicia uma ideia de pureza e proliferação.

Após a leitura dos textos, não sem estranhamento, observamos que a proposta do Profa toma os

dois poemas da escritora Adélia Prado como objeto de apreciação. Nos dois poemas, erigidos,

ambos, em apenas uma estrofe (de 10 e 16 versos, respectivamente), o universo conjugal é

tratado de maneira harmoniosa, sem sobressaltos. Nos dois poemas, há, aparentemente, o retrato

de duas mulheres circunscritas de forma resignada ao ambiente doméstico, ao matrimônio. No

entanto, talvez seja no aceite à provocação dos versos iniciais de “Casamento”, em que a

perspectiva feminista (crítica do poder patriarcal que subjuga e confina mulheres à lógica da

submissão) é espetada, que incorre nossa ressalva. A mãe, no primeiro poema, achava a coisa

mais fina do mundo o “estudo”: um direito, uma das possibilidades que pode conceder às

mulheres o direito à escolha, se querem ou não, acordarem a qualquer horário para limparem

peixes.

Por fim, sugere-se a leitura para reflexão o texto de Diléa Frate, intitulado “A verdade e a

mentira”. Trata-se de uma breve crônica em que tanto a verdade como a mentira possuem

comportamentos humanos e, desse modo, discute-se o valor de cada uma delas na sociedade.

Sabemos que a relativização e a ausência da verdade tornam inviáveis a justiça social, a

democracia. No campo da justiça, por exemplo, a diferenciação e a observância desses dois

conceitos têm severas implicações. Afinal, se não há um conceito balizado de verdade, se a

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verdade, fundamentada em evidências, em provas, tornou-se, para muitos, irrelevante, como

proceder de forma justa e imparcial em um determinado julgamento?

Como pode ser verificado nas propostas de encaminhamento, o formador deve escolher um dos

títulos a serem lidos. Pensamos que tal sugestão se justifica pelo pouco tempo destinado à leitura

literária (mais ou menos 10 minutos) e ratificamos que, nas propostas que se seguem, não há

qualquer menção de articulação desses textos e, tampouco, não está previsto nenhum momento

de reflexão sobre eles. É necessário estabelecer tal ressalva, porque os textos literários

supramencionados possuem, conforme os documentos, finalidades pouco afins a uma reflexão

crítica consistente.

Embora as ponderações a seguir não sejam objeto principal de reflexão desta tese, cerca de 80%

das indicações de autoria de textos são do gênero masculino, o que reflete, no âmbito de um

programa governamental, a desigualdade de gênero. Ressaltamos, também, que, em nenhuma

coletânea de textos do Profa, há, ao final dos documentos, um campo específico para as

referências bibliográficas. Em outras palavras, como grande parte dos textos sugeridos para as

atividades são curtos, o leitor tem a possibilidade reduzida, por meio das coletâneas, de saber,

a contento, a origem das produções, pois estas estão dispostas apenas em notas de rodapé.

Muitos textos, tais como “A bordo de Rui Barbosa”, de Chico Buarque e “O amor”, de Caetano

Veloso e Ney Costa Santos (coletânea do módulo 3), possuem referenciação incompleta. Isso

talvez aconteça como uma estratégia para economizar páginas, uma vez que a autoria já foi

ligeiramente indicada nas atividades. Por outro lado, os aspectos supracitados parecem denotar

um descompromisso com questões de materialidade da obra e de todo um sistema que a

circunda. Aparta-se, desse modo, a relação livro e leitores/as.

Interessa salientar que o Módulo 1 conta, ainda, com a premissa “ler para aprender” (atividade

8), no entanto, dentro da atividade 1, não foi verificada a inserção do texto literário com tal

finalidade. Na atividade 8, uma pergunta é formulada: “Como é possível aprender a ler, lendo?

Participando de situações didáticas em que é preciso ler e pensar sobre como a escrita

convencional funciona” (BRASIL, 2001a, p. 201). Trata-se, em outras palavras, de o/a

professor/a lançar situações, problemas, para que as crianças resolvam, formulem suas

hipóteses e, dessa maneira, construam seu aprendizado. No caso do texto literário, conforme

descrito em Brasil (2001a, p. 202), um poema é lançado somente coma função utilitarista e

mecanicista de identificação de palavras solicitadas pela professora; tal premissa não pode

passar despercebida, pois, além de estar afinada aos delineamentos dos pilares do “aprender a

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aprender”, restringem o texto literário a uma espécie de caça-palavras.

No Módulo 2, o Profa possui um item que visa a discutir questões inerentes ao objetivo de

“Potencializar a autonomia e possibilitar que os alunos aprendam a aprender” (BRASIL, 2001b,

p. 119). O final da seção está assim pontuado:

Haverá que promover o trabalho independente através de situações em que possam se

atualizar e utilizar autonomamente os conhecimentos construídos, assegurando a

atividade construtiva do aluno e sua autonomia, a fim de que possa aprender por si

mesmo. Frente aos entraves que se apresentam ao aprender, é possível recorrer à ajuda

externa. Mas só na medida em que os meninos e meninas forem capazes de se dar

conta dos próprios erros e de buscar os recursos necessários para superá-los,

poderemos falar de aprender a aprender, o que quer dizer que para aprender a aprender

eles também devem aprender a se dar conta do que sabem e do que não sabem e a

saber o que podem fazer quando encontram um obstáculo. Será necessário ensinar-

lhes que, quando aprendem, devem levar em conta o conteúdo de aprendizagem, assim

como a maneira de se organizar e atuar para aprender (BRASIL, 2001b, p. 119).

Bakhtin (2016, p. 135) esclarece que um enunciado não apenas se limita por sua relação com

o possível discurso do outro; mas, em todo o seu curso, ele mantém uma ligação com esse

discurso, reflete-o. Compreendendo, segundo o autor, que um enunciado consiste em uma

unidade real da comunicação discursiva, um elo da complexa corrente organizada por outros

enunciados precedentes, pensamos que o enunciado em questão precisa ser situado, uma vez

que não pode ser compreendido separado das relações sociais que o suscitaram. Nesse sentido,

convém relembrar que o “aprender a aprender” é um dos pilares da educação agenciadas pela

pedagogia das competências, defendidas pela Unesco. Logo, há uma afinidade entre discursos

de organismos educacionais e o Profa.

Consoante os estudos de Duarte (2001, p. 56), na perspectiva do “aprender a aprender”,

aprender algo como resultado de um processo de transmissão por outra pessoa não produziria

a autonomia, ao passo que aprender sozinho seria algo que contribuiria para o aumento da

autonomia do indivíduo. Baseando-se em Duarte (2001), salientamos que não estamos criando

obstáculos à premissa de que o/a estudante deva ter autonomia, liberdade e iniciativa na

realização de algumas tarefas. No entanto, nossa discordância reside justamente quando se é

dado mais valor ao aprendizado que se adquire sozinho, apartando o/a estudante do

conhecimento, da mediação e das relações sociais que os envolvem. Além disso, é preciso

relembrar que o Profa se ancora nos saberes do grupo e em metodologias de resolução de

problemas (BRASIL, 2001a, p. 4), o que, além de preterir a teoria, foca o ensino nas práticas

imediatistas e às orientações mercadológicas.

A partir das considerações elencadas sobre a atividade do Profa, é preciso considerar que “[...]

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o signo é criado por uma função ideológica específica e inseparável a ela” (VOLÓCHINOV,

2017, p. 99). Eagleton (2006), por sua vez, discorre que, na Era Vitoriana, a literatura foi

utilizada como instrumento de manipulação das massas, a orientar um sentimento pluralista de

reconhecimento do ponto de vista dos senhores, de modo que sejam internalizados os aspectos

moralísticos da burguesia e a reverenciá-la por seus feitos. A leitura literária era analisada, nesse

sentido, como “[...] uma atividade essencialmente solitária, contemplativa, sufocaria nelas

qualquer tendência subversiva de ação política coletiva” (EAGLETON, 2006, p. 38).

Pensamos que o conjunto (saborear, apreciar, se emocionar, se divertir, dentre outros), embora

aparentemente inofensivo, fixa-se só na aparência. Se é Volóchinov (2017, p. 200) quem nos

alerta para a natureza social do enunciado, pensamos que o Profa tropeça. Afinal, ainda que o

programa supostamente traga a possibilidade de leitura do texto literário, inclusive com uma

variedade de gêneros (poemas, contos, crônicas) e com a disponibilização de todos eles em

material específico, tal possibilidade esbarra a) em um tempo muito exíguo para leitura 10 min);

b) em um caráter pragmático para uso do texto, apenas aproveitado como um breve preâmbulo

dos encontros; e, com isso, c) silencia, oculta muitas vozes ao atribuir apenas aos verbos do

campo semântico do prazer a finalidade principal de leitura literária. Portanto, quando o Profa,

afinado à perspectiva individualista do “aprender a aprender” reduz a leitura literária apenas ao

âmbito do subjetivo, individual, emotivo, temperamental, contemplativo, ele silencia as

vertentes objetivas, de cunho racional, próprias do texto literário, e abafa as possibilidades de

uma leitura subversiva, insubmissa, reflexiva e questionadora.

5.2 O PRÓ-LETRAMENTO

De acordo com o documento Guia Geral, o Pró-Letramento: Mobilização pela Qualidade da

Educação é um programa de formação continuada de professores/as, na modalidade

semipresencial, que visa à melhoria da qualidade de aprendizagem de leitura, escrita e

matemática nos anos ou séries iniciais do ensino fundamental. Criado em 2005, realizado pelo

MEC em parceria com universidades formadoras e com adesão dos estados e municípios, é

destinado aos/às professores/as de escolas públicas atuantes nos anos iniciais do ensino

fundamental (BRASIL, 2012a, p. 2).

Com a finalidade de analisarmos a concepção literária chancelada pelo programa, vamos nos

ater ao material que trata da “Alfabetização e Linguagem”, na edição de 2012, conforme a figura

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7. Essa versão foi privilegiada para análise, pois se trata de uma edição revista e atualizada.

Antunes (2015), com finalidade distinta a nossa, também se debruçou na edição de 2012, mas

salienta que não houve alterações significativas entre as edições pregressas. Segundo a autora,

a revisão à qual se faz menção se relaciona, sobretudo, ao Novo Acordo Ortográfico de Língua

Portuguesa (ANTUNES, 2015, p. 24).

Fonte: BRASIL, 2012a

O documento compila 9 (nove) fascículos33 e assim se organiza: Fascículo 1 - Capacidades

Linguísticas: Alfabetização e Letramento; Fascículo 2 - Alfabetização e Letramento: Questões

sobre Avaliação, ambos sob autoria de Batista et al. (2012); Fascículo 3 - A Organização do

Tempo Pedagógico e o Planejamento do Ensino, de Guedes-Pinto et al. (2012); Fascículo 4 -

Organização e Uso da Biblioteca Escolar e das Salas de Leitura, de Vieira et al (2012);

Fascículo 5 - O Lúdico na Sala de Aula: Projetos e Jogos, de Leal et al. (2012); Fascículo 6 - O

Livro Didático em Sala de Aula: Algumas Reflexões, de Morais et al. (2012); Fascículo 7 -

Modos de Falar/Modos de Escrever, de Bortoni-Ricardo e Bortone (2012); Fascículo

Complementar, de Ferreira (2012) e Fascículo do Tutor - Formação de Professores:

Fundamentos para o Trabalho de Tutoria, de Nadal e Ribas (2012). A certificação é emitida

33 De acordo com o Guia Geral de 2007, “Cada fascículo será estudado em três encontros de quatro horas

semanais”. A duração do curso previa um total de 120 horas, contemplando tanto as atividades individuais, como

os estudos de “Alfabetização e Linguagem” e “Matemática” (BRASIL, 2007, p. 6-7).

Figura 7 - Pró-Letramento: capa do material de Alfabetização e Linguagem

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pelas universidades formadoras (BRASIL, 2012a). A autoria de professores e professoras de

várias instituições do país pode ser mais bem visualizado na figura 8:

Fonte: BRASIL, 2012b

Respectivamente, a filiação institucional dos autores dos fascículos é assim disposta: fascículos

1 e 2, UFMG; fascículos 3 e 4, Unicamp; fascículo 5, UFPE; fascículos 6, UFPE em parceria

com a UFMG; fascículos 7, UNB; fascículos complementar e do tutor, UEPG. Conforme foi

possível observar, nosso percurso teve em mira que o programa resguarda uma concepção

eclética de Letramento (ANTUNES, 2015) e abarca diferentes vozes na materialização dos

documentos. Por esse motivo (pela multiplicidade autoral e de filiação institucional), nosso

olhar não foi direcionado, inicialmente, a um fascículo em específico, pois, gostaríamos de

conhecer o material como um todo e, posteriormente, proceder à análise de concepções de

leitura literária. Ressaltamos, entretanto, que o fascículo 2, o fascículo 6 e o fascículo do tutor

por tratarem, respectivamente, de seções que versam sobre alguns aspectos teóricos e práticos

atinentes ao processo de avaliação nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, sobre o

uso/escolha do livro didático na alfabetização e sobre os fundamentos de trabalho da tutoria,

Figura 8 - Pró-Letramento: autoria dos fascículos

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não serão objeto de análise. Assim, nosso olhar percorrerá os fascículos 1, 3, 4, 5, 7 e o fascículo

complementar.

O fascículo 1, Capacidades Linguísticas: Alfabetização e Letramento, possui uma introdução,

em que se esclarecem a estrutura e os objetivos do texto proposto. Em seguida, o documento é

dividido em duas unidades, que, respectivamente, contemplam os Pressupostos da

aprendizagem e do ensino da alfabetização e As capacidades linguísticas da alfabetização. É

na segunda unidade que nosso interesse se aguçou, haja vista uma listagem dessas capacidades,

em eixos assim distribuídos: a) compreensão e valorização da cultura escrita; b) apropriação do

sistema de escrita; c) leitura; d) produção de textos escritos; e e) desenvolvimento da oralidade.

A análise concentrará esforços no terceiro eixo.

De antemão, a leitura é concebida como uma atividade que coaduna os processamentos

individual e social:

[...] trata de uma atividade que depende de processamento individual, mas se insere

num contexto social e envolve disposições atitudinais, capacidades relativas à

decifração do código escrito e capacidades relativas à compreensão, à produção de

sentido. A abordagem dada à leitura, aqui, abrange, portanto, desde capacidades

necessárias ao processo de alfabetização até aquelas que habilitam o aluno à

participação ativa nas práticas sociais letradas, ou seja, aquelas que contribuem para

o seu letramento (BATISTA et al., 2012, p. 39).

Bakhtin (2015, p. 209) chama a atenção para a natureza dialógica do discurso. Nesse sentindo,

ratificamos a premissa de que nenhum enunciado pode ser analisado apenas do ponto de vista

linguístico. Além disso, “Todo enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados

com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva” (BAKHTIN,

2016, p. 57). Desse modo, pensamos que a concepção de leitura ora defendida carece de

atenção, sobretudo por causa de termos tais como “disposições atidudinais” e “capacidades

relativas à compreensão”. Zabala (1998, p. 41- 48) descreve três categorias atinentes à prática

educativa: os objetivos conceituais, procedimentais e atitudinais. Resumidamente, o primeiro

deles aposta na construção de capacidades visando a operar símbolos, ideias, de modo a permitir

uma organização da realidade. Os procedimentais restringem-se ao fomento à construção

pelos/as alunos/as de instrumentos que os auxiliem a colocar em prática as metas dos conteúdos

atitudinais, que, por sua vez, se articulam à capacidade do indivíduo a transitar nessa realidade,

juntamente com os outros.

Parece-nos que a visão de leitura apontada por Batista et al. (2012) se aproxima à perspectiva

da Unesco, em específico a partir de Delors et al. (1998). Respectivamente, os objetivos

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conceituais, procedimentais e atitudinais articulam-se aos pilares: a) aprender a conhecer

(conceitual) que está atrelado à premissa de se adquirir os instrumentos para a efetivação da

compreensão; b) aprender a fazer (procedimental) que remonta à ideia de se agir sobre o meio;

e c) atitudinal (aprender a viver juntos) que apregoa a participação uns com os outros nas mais

diversas atividades humanas. Batista et al. (2012), ao situarem a leitura ao contexto da

decifração e do Letramento em seus usos sociais, deixam evidente, sobretudo, o terceiro pilar.

Duarte (2001, p. 75), por sua vez, tece severas críticas a esses pilares, uma vez que, na visão do

autor, todos eles juntos, camuflados de discursos amistosos de aceitação das diferenças, de

convivência pacífica no cotidiano, corroboram para a aquiescência de uma sociedade injusta e

excludente, abrandando, assim, o clamor por uma sociedade menos desigual.

Após a definição, o documento expõe um quadro com as capacidades, os conhecimentos e as

atitudes inerentes à leitura. Pondera a necessidade de desenvolvimento de atitudes e disposições

favoráveis a essa prática, que perpassa desde os conhecimentos de leitura, os quais só são

aferidos quando o leitor entende a função de um determinado texto, e lança orientações quanto

à necessidade da socialização da leitura em espaços tais como bibliotecas, livraria, por exemplo

(BATISTA et al., 2012, p. 39-41).

Os autores ainda sinalizam a necessidade de desenvolver capacidades de decifração, que

passam por atitudes de decodificação e reconhecimento de palavras; defendem que é preciso

desenvolver, também, a fluência em leitura, a partir de um trabalho que envolva a redução de

informações visuais no texto, o uso de um vocabulário mais conhecido, aguçar o conhecimento

prévio do/a aluno/a e ler em voz alta. A compreensão do texto é outro elemento abarcado nesse

fascículo; as bases da discussão perpassam o reconhecimento, a inferência e capacidade de ler

uma narrativa, por exemplo, e saber identificar “quem fez o que, quando, como, onde e por

quê” (BATISTA et al., 2012, p. 41-46).

“[...] No silêncio nada ecoa (ou algo não ecoa), no mutismo ninguém fala”, afirma Bakhtin

(2017, p. 23, grifo do autor). No fascículo analisado, a resposta é o silêncio. Como pode ser

observado, parece haver um pragmatismo na leitura, atribuindo ao sujeito um caráter passivo,

apenas identificador de informações. Nesse sentido, se quisermos responder à indagação maior

deste trabalho, que é compreender as concepções de leitura literária referendadas pelos

programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as e, nesta etapa específica da

pesquisa, do programa Pró-Letramento, pensamos que, pela observância apenas do fascículo 1,

essa concepção é extremamente superficial. Respondendo dialogicamente às conclusões

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chegadas por Vieira et al (2012), inferimos que, no referido documento, o texto literário está

diluído como só mais um gênero discursivo entre muitos outros, sem um diálogo consistente e

específico, aspectos fulcrais para o trabalho com uma linguagem plurissignificativa como a

Literatura requer.

O fascículo 3, A Organização do Tempo Pedagógico e o Planejamento do Ensino, é dividido

em três unidades, além da introdução e da síntese. Para atendermos aos objetivos deste trabalho,

nos concentraremos na unidade 1, intitulada “Os tempos da leitura na sala de aula”. Essa

unidade contempla a descrição de dois relatos de professoras sobre a organização de uma rotina

de leitura em sala de aula. Em seguida, contempla uma breve e interessante questão que é a

organização de um tempo para leitura e como esse tempo se dá, considerando tantos afazeres e

exigências próprias da rotina escolar. Em seguida, acrescentam:

Sabemos que a leitura como fruição ainda é vista, na escola, como um tempo

desperdiçado, já que o objetivo predominante da leitura é instrutivo, ligando-se à

realização de tarefas e de exercícios. Isso acontece porque o modo como entendemos

o tempo na escola e fora dela, apesar de nos parecer natural, está diretamente ligado

às condições históricas (GUEDES-PINTO et al, 2012, p. 10).

A seguir, as autoras, além de mencionarem a evolução da concepção do tempo ao longo da

história, resumem o modelo de organização escolar de Comenius. Explicam que, em tal modelo,

a prática da leitura sem uma aplicação direta, como o é, segundo as autoras, a leitura fruição, é

vista como desperdício de tempo (GUEDES-PINTO et al, 2012, p. 11). Em seguida, afirmam:

“Para evitarmos esse tipo de julgamento, escolhemos as histórias mais curtas, limitamos o

tempo dedicado a atividades de fruição, acreditando, de modo ingênuo, que em quaisquer

condições garantimos o aprendizado da leitura e da escrita a nossos alunos” (GUEDES-PINTO

et al, 2012, p. 11).

Como pode ser visto, a concepção da leitura como fruição, na unidade 3, foi tratada com mais

intensidade. O termo específico “leitura para fruição” não foi contemplado nas finalidades da

leitura no Profa, embora a expressão “Ler textos literários por prazer e fruição” (BRASIL,

2001a, p. 210) estivesse presente no primeiro módulo do Guia do Formador. De acordo com

Michaelis (2019), a palavra fruição tem sua raiz etimológica no latim fruitio.onis e significa,

dentre outros, o “ato de desfrutar (de) alguma coisa de forma prazerosa, obtendo alegria e

satisfação (física, emocional, estética, intelectual etc.”). Orbeg (2009, p. 73) acrescenta que a

palavra fruição, além de estar atrelada ao prazer, também se relaciona com a palavra “fruto”,

algo que contém em sua essência a ideia de semente, de algo a se transformar. A esse

significado, a autora vincula a leitura literária por fruição à ideia de cultivo, algo que

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demandaria tempo, mediação. Em posição semelhante à de Guedes-Pinto et al (2012), Orbeg

(2009) ainda faz uma crítica ao tempo acelerado, haja vista que este desagrega e desvincula; a

arte por fruição, por sua vez, integra o homem consigo mesmo e com seus semelhantes. Por

isso, a afirmação sobre o privilégio de textos literários mais sintéticos, a fim de se evitar

julgamentos acerca do desperdício de tempo, traz consigo uma incongruência.

O termo leitura como fruição defendida pelo Pró-Letramento parece carregar a ideia de leitura

por prazer descompromissado. É preciso salientar a nossa consciência acerca de um certo

pragmatismo em alguns modelos escolares, em que os afazeres, as cobranças, as avaliações de

larga escala, as metas... tendem a sufocar o tempo dedicado à leitura literária. Pensamos que

essa constatação é crivada de um paradoxo, tendo em vista a produção incessante de arte e a

escassez de tempo e de condições materiais para usufruí-la. No entanto, é preciso insistir que a

leitura literária na escola não resume à leitura de fruição de textos curtos.

Fascículo 4, Organização e Uso da Biblioteca Escolar e das Salas de Leitura, é dividido, além

da introdução e da síntese, em três unidades. Todo o texto é construído em um constante diálogo

com o/a docente em formação e, também, são inseridos vários relatos para a construção dos

apontamentos. A unidade 1 contempla reflexões acerca da organização e do uso da biblioteca.

A unidade 2 trata das práticas de leitura em sala de aula e, para tanto, são utilizados exemplos

de textos literários para a construção da argumentação. Paralelamente, é reconhecida a

desigualdade no Brasil e, nesse sentido, reitera-se a importância do espaço da biblioteca: “Dada

a situação socioeconômica do nosso país, ter uma biblioteca em casa, ter uma casa repleta de

livros é algo impensável para a maioria dos nossos alunos, para a maioria dos leitores

brasileiros. A escola, então, é a grande biblioteca para muitos deles” (VIEIRA et al, 2008, p.

21).

Nessa unidade, ainda, são evocados o conto “Felicidade Clandestina”, de Clarice Lispector e

uma memória de João Ubaldo Ribeiro, como exemplos de formação de leitores/as. As

atividades que se seguem circundam-se nas reflexões sobre práticas de leitura na escola. As

autoras ainda ressaltam que a leitura deve ser uma prática cotidiana, tanto entre alunos/as, como

entre professores/as. Especificamente, na seção “E na sala de aula, como ficam a leitura e a

escrita?”, são mostradas algumas ideias de como a leitura pode ser trabalhada em sala de aula,

com o foco na socialização das leituras, sobretudo. No entanto, VIEIRA et al (2012, p. 31)

alertam para a ausência de uma “receita” acerca do trabalho com leitura, tendo em vista a

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complexidade da prática e a heterogeneidade inerente às turmas. Mesmo assim, listam práticas

como “a hora do conto” e sugerem alguns textos a serem trabalhados.

Em seguida, analisam dois relatos, de uma aluna universitária e de uma professora, em relação

as suas memórias literárias na escola. Um relato específico mostra a frustração de uma menina

diante da intervenção de uma bibliotecária. Segundo o relato, a profissional concedeu um

volume mais modesto para a leitura, ao invés da versão original de Cinco semanas num balão,

de Júlio Verne, prática que acarretou um desapontamento na jovem leitora. A análise do relato

teve o seguinte comentário: “Se o profissional da biblioteca não tivesse reparado na quantidade

de páginas do livro, a garota tentaria lê-lo. Este depoimento mostra que muitas vezes a

intervenção do adulto pode atrapalhar a livre fruição do texto; pois, se a criança estiver

motivada, interessada pela história, não vai se importar com o seu tamanho”. (VIEIRA et al,

2012, p. 21). A unidade 3, por fim, contempla as práticas de leitura e escrita por meio do

dicionário. Embora o comentário não seja taxativo acerca de práticas mediadoras (“pode

atrapalhar”), foi taxativo ao afirmar que a criança não vai se importar com o tamanho do livro,

o que nem sempre acontece.

Embora o fascículo 4 não mostre, às escâncaras, a concepção de leitura literária, há alguns

elementos, indícios que merecem a menção. Em primeiro lugar, todo o texto é construído a

partir de relatos e a partir de exemplos de outros textos literários. Em todas as propostas, há um

esforço no que concerne à socialização da leitura: ler em grupo, ler em voz alta, hora da leitura,

dentre outros. Observamos, de igual modo, que há uma espécie de sistematização das práticas

leitoras em vários momentos (nas páginas 23, 27, 30 e 31). A seguir, transcrevemos uma delas:

Leia bastante para seus alunos e procure envolvê-los com um ritmo adequado, uma

entonação caprichada e compatível com o gênero textual, usando todos os recursos

possíveis para cativar seus ouvintes. Além de você, o aluno também precisa ler para

os colegas. Depois de ouvir você ou o colega ler em voz alta, para que essa leitura

faça sentido na vida dos alunos, seria interessante todos comentarem sobre o que

ouviram, que sentido aquilo teve para cada um. Se houver diferenças de interpretação,

é interessante discutir os argumentos, com a sua mediação, para negociar os sentidos

do texto. Um mesmo texto pode ser entendido de diversas maneiras por diferentes

leitores, mas há limites para a liberdade de interpretação. Como já dissemos, a

interpretação de um texto depende dos conhecimentos prévios que o leitor aciona

durante a leitura; portanto, a interpretação será incorreta se faltar o conhecimento de

alguns componentes exigidos pelo texto (VIEIRA et al, 2012, p. 30).

O fascículo 4 não menciona a expressão “Letramento Literário” em nenhum momento. Apenas,

na primeira página, retoma o conceito de Letramento já dialogado no fascículo 1, entendido

como “[...] resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como o resultado

da ação de usar essas habilidades em práticas sociais: [...] (VIEIRA et al, 2012, p. 11). Mesmo

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com a consciência de que o documento direciona-se a um programa de formação de

professores/as e, nesse sentido, uma listagem de sugestões seja comum, observamos que há

certa proximidade com o conteúdo do fascículo 4 às práticas do Letramento Literário, uma vez

que há um esforço contínuo na leitura compartilhada, na leitura em grupo, na leitura em voz

alta, dentre outros aspectos, práticas essas que, no documento, muito se assemelham aos

propósitos da comunidade de leitores, tal qual delineada dentro do Letramento Literário

defendidos por Cosson (2015, 2016 e 2017) e por Paulino (2001, 2004 e 2010). Nesse sentido,

inferimos que a concepção de leitura literária defendida no fascículo 4 parece se aproximar de

uma prática que concerne ao indivíduo o uso dos conhecimentos adquiridos para utilização nas

práticas sociais.

O fascículo 5, O Lúdico na Sala de Aula: Projetos e Jogos, também contempla uma introdução,

em que são demonstradas as finalidades do fascículo, que trata da busca por elementos lúdicos

que auxiliem os/as alunos/as na apropriação do Sistema de Escrita Alfabética. O material é

dividido em 3 unidades, que englobam a abordagem de um almanaque para crianças, as

brincadeiras e os jogos que auxiliam no objetivo do fascículo. Mais uma vez, o silêncio se

mostra incomodamente audível, pois não percebemos uma abordagem específica do texto

literário. Todavia, na unidade 1, após a apresentação de um projeto desenvolvido por uma

professora da rede municipal pernambucana (o almanaque), um enunciado nos chamou a

atenção. Primeiramente, o projeto da professora foi disposto em quadros, à maneira de um

roteiro, e cada passo foi comentado pelos autores. Após algumas discussões especificamente

sobre o gênero quadrinhos, chamados no documento de “leitura livre”, observamos o seguinte

comentário:

Percebemos que a produção dos gêneros foi sempre precedida por atividades de

leitura, inclusive de leitura-deleite, nas quais os alunos puderam familiarizar-se com

os textos, divertir-se com eles e também refletir sobre como eles funcionam nas

interações diárias, para que servem, como se organizam (LEAL et al., 2012, p. 14,

grifo nosso).

A leitura-deleite merece ser problematizada neste momento. Em uma sociedade de tantos

afazeres, o discurso de fruição casual, fortuita, na escola, pode parecer sedutor. Todavia, a

centralização da leitura cativa às interações diárias, a um contentamento efêmero e a uma

suposta liberdade, em detrimento trabalho consistente, é superficial e comprime o ensino à

relação texto e leitor/a. Afinal, ao aproximar e (muitas vezes) limitar a leitura ao âmbito do

cotidiano e, sobretudo, à diversão, oculta-se a importância da mediação, da educação escolar,

da leitura, e camufla-se todo um trabalho que é necessário para que os processos de ensino e

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aprendizagem na escola sejam erigidos. Em hipótese alguma defende-se neste trabalho que a

escola seja o local da tristeza e do tédio, porém, considerando toda intencionalidade do ato

educativo (SAVIANI, 2003, p. 13), defender uma leitura por pura diversão é mais que um erro:

em se tratando de escola pública, é um erro pernicioso.

O fascículo 7, Modos de Falar/Modos de Escrever, é dividido em três unidades, além da

introdução. Reflete, inicialmente, sobre a língua oral e escrita e como esses fatores devem ser

considerados na produção de textos coletivos. Em seguida, é feito um diálogo sobre variação

linguística, com foco específico na linguagem oral. A terceira unidade concentra nossa atenção,

pois trata especialmente da leitura de histórias infantis em sala de aula. Nesse momento, assim

como os demais fascículos, é analisado um relato de uma professora, que trabalhou com o

gênero fábula. Bortoni-Ricardo e Bortoni (2012, p. 31) enfatizam que o trabalho da professora

teve como foco a leitura por prazer. As autoras definem que o ato da leitura compreende quatro

dimensões: a) do “contexto”, que contempla os eixos intencionalidade, refletida nas intenções

do produtor do texto, e informatividade, que consiste nas informações novas ou nas informações

já conhecidas inseridas em um texto; b) do “texto”, em que os elementos de coesão e coerência

se fazem presentes; c) do “infratexto”, que diz respeito à capacidade inferencial; e d) o

“intertexto”, característica que faz um texto estar em correlação com outros (BORTONI-

RICARDO e BORTONI, 2012, 31-36). Na visão das autoras, a leitura como construção de

sentido consiste no ponto de partida para o trabalho eficiente e significativo, rumo a formar

leitores competentes (BORTONI-RICARDO e BORTONI, 2012, 31-36).

Embora o fascículo 7 faça menção ao texto literário, não observamos uma discussão acerca de

uma concepção de leitura literária. Na verdade, o que foi exposto advém de uma certa

concepção da linguística, assemelha-se a uma sequência didática, é próxima aos traçados do

Letramento Literário e não considera as peculiaridades do texto literário.

Também dividido em três unidades, além da introdução e da conclusão, o Fascículo

Complementar trata de aspectos concernentes ao processo de ensino e aprendizagem da língua

escrita, nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Pautando-se em relatos de docentes,

contempla, também, questões em relação a formação do/a aluno/a, enquanto leitor/a e

produtor/a de textos. A Unidade 2, por concentrar a leitura de modo mais específico, será objeto

de atenção. Essa unidade abarca questões, tais como: estratégias de leitura, finalidades da

leitura, a leitura como processo compartilhado de produção de sentido e as articulações da

leitura com oralidade (Ferreira, 2012, p. 6).

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Ferreira (2012, p. 21) inicia a unidade com o anúncio do letramento, que, de acordo com a

autora, implica a participação dos indivíduos em práticas sociais de leitura e escrita. A

pesquisadora pondera que a leitura, na concepção sociointeracionista de linguagem, é entendida

como um processo de produção de sentido que se constitui a partir de interações sociais. E

defende, ainda, a necessidade da construção de “habilidades”, por meio de estratégias de leitura,

que contemplam os seguintes momentos: a) antecipação ou previsão, em que se é possível fazer

suposições; b) inferência, que pauta-se da capacidade de fazer deduções; c) verificação,

momento em que se é possível confrontar a veracidade, ou não, das deduções realizadas no

transcorrer da leitura (FERREIRA, 2012, p. 23).

A segunda seção da unidade inicia com a pergunta: “Ler para quê?”. Embora tal indagação não

seja claramente respondida, conforme a autora, a leitura supõe certa experiência textual, como

a familiaridade com diferentes gêneros discursivos, de forma que se perceba as diferenças e

peculiaridades entre eles (FERREIRA, 2012, p. 25). Em seguida, a autora afirma que a leitura

é um processo compartilhado de produção de sentido. Reflete, a partir da observância de um

poema, sobre questões de sonoridade, musicalidade e recursos linguísticos, elementos que

contribuem, consoante a pesquisadora, para o sentido do texto analisado. Traz, ainda, uma

reflexão sobre o uso da leitura como prática social articulada com a oralidade (FERREIRA,

2012, p. 25-29).

Na síntese da unidade, a leitura é reiterada como uma “competência”, que deve caminhar de

mãos dadas com a produção escrita. Além disso, a autora enfatiza que a leitura deve ser

experenciada nas dimensões dialógica e discursiva e é um ato social, em que autores/as e

leitores/as atuam em um processo interativo no qual o primeiro escreve para ser entendido pelo

segundo. E que esse processo depende tanto da habilidade do autor no registro de suas ideias,

quanto da habilidade do/a leitor/a na captação de tudo aquilo que o autor colocou e insinuou no

texto oralidade (FERREIRA, 2012, p. 30).

O fascículo complementar possui um avanço, uma vez que materializa em seu discurso a leitura

como um ato social. No entanto, parece que esse documento ainda conserva uma visão do/a

autor/a como emissor/a e leitor/a como receptor/a, visão esta que se distancia de uma concepção

linguagem que tem como elemento constitutivo a interação verbal (VOLÓCHINOV, 2017) e,

de igual modo, permanece na ênfase na relação sujeito-texto, sem qualquer forma de mediação

consistente. Também observamos que, ainda que o fascículo faça menção ao texto literário, a

sua especificidade é pouco tratada.

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O documento do Pró-Letramento não possui nenhum fascículo específico sobre leitura literária.

Por ser erigido em vários fascículos distintos, com autorias distintas, a partir de localidades e

matrizes epistemológicas distintas, esse programa governamental não carrega uma concepção

uníssona, clara e precisa do que vem a ser a leitura literária. Também não há um

aprofundamento teórico em nenhum dos fascículos com relação a essa temática. Mesmo assim,

considerando que grande parte deles utiliza exemplos de textos literários, quer sejam nos

relatos, quer sejam nas proposições de trabalho com os/as estudantes, é possível fazermos

algumas ilações: nos fascículos 1, 6 , 7 e complementar, a leitura literária não é vista na sua

especificidade; nos fascículos 4, 6 , 7 e complementar, há uma sistematização de propostas de

trabalho com o texto literário que se aproximam nos delineamentos já postos pelo Letramento

Literário, embora esse termo não esteja materializado nesses documentos; nos fascículos 3 e 5,

a leitura literária assemelha-se à ideia de leitura por prazer efêmero, por diversão, bem próxima

à concepção de leitura por deleite proposta pelo Profa e pelo Pnaic.

Nossas considerações aproximam-se daquelas já apontadas por Antunes (2015). Segundo a

autora, o Pró-Letramento apresenta múltiplas autorias nos fascículos, configurando uma

equipotência de vozes. Essas mesmas vozes são convergentes, pois, ancoradas em diferentes

perspectivas acerca de um mesmo termo, o Letramento, ocultam uma vertente alienante e

induzem o/a professor/a a se identificar, de algum modo, com as ideias materializadas nesse

programa governamental (ANTUNES, 2015).

Os fascículos do Pró-Letramento valem-se dos termos “competências” e “habilidades”,

conceitos esses de cariz neotecnicista (DUARTE, 2003), para consolidar o que se entendia por

leitura. Nos fascículos do Pró-Letramento, além de dispor de uma autoria heterogênea, eclética,

há uma contínua necessidade de se ouvir o/a docente, prática essa vislumbrada nos muitos

relatos dispostos ao longo do documento. Os fascículos também conversam entre si. Isso quer

dizer, por exemplo, que o fascículo 7 faz menção ao 4, o fascículo 3 ao 5 e assim por diante.

Bakhtin (2016) alerta que todo enunciado é prenhe de reposta, o que nos permite inferir que até

mesmo o silêncio é uma resposta. Assim, se considerarmos o objeto de análise, um documento

oficial direcionado aos/às professores/as alfabetizadores/as, os/as primeiros/as que se dedicam

ao ensino da língua materna, a não contemplação, com especificidade, do texto literário e a

consequente especificidade demandada por sua leitura, pensamos que, nos silêncios, no calar

de vozes, no pragmatismo da leitura, na redução da literatura ao prazer momentâneo, na não

oferta de mais uma vertente do trabalho humano, no descaso com uma manifestação artística

importante para a formação de cidadãos críticos e emancipados, há, pois, uma trapaça.

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Por estarmos, nesta tese, com olhos fitados em documentos de programas de formação de

professores/as alfabetizadores/as a investigar a concepção de leitura literária por eles

chancelada, faz-se necessário advertir que não estamos tratando a palavra “trapaça” no sentido

barthesiano. É do estudioso francês a célebre frase:

“Mas a nós, que não somos nem cavaleiros da fé nem super-homens, só resta, por

assim dizer, trapacear com a língua, trapacear a língua. Essa trapaça salutar, essa

esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor

de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura”

(BARTHES, 1977, p. 17).

Na obra Aula, discurso proferido na aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária do

Collège de France, em 7 de janeiro de 1977, Barthes (1977) tece uma crítica ao caráter fascista

da língua e o respectivo desempenho de toda linguagem, pois, segundo o autor, ela nos “obriga

a dizer”. Nessa visão, poder e servidão estão inevitavelmente imbricados e o espaço de

liberdade, localizado fora da linguagem, situa-se na ordem do objetivamente impossível. Para

ele, em tom irônico, e em uma tentativa de fuga à sujeição imposta pela língua, a literatura é

uma trapaça salutar: por essa linguagem tão particular é que se é concebível alçar o escape.

Em nosso trabalho, o sentido de trapaça não apresenta uma conotação salutar. Ao contrário, no

Pró-Letramento, a leitura literária é solapada, a Literatura é vista como mais uma entre tantos

gêneros. Nas menções ao texto literário, o tratamento prioritário se dá a sedimentar a ideia do

texto como pretexto e a enfatizar o binômio codificação/decodificação. Sustentada na haste do

“alfabetizar letrando”, a trapaça está materializada: oferta-se uma formação de professores/as

alfabetizadores/as, os/as primeiros/as dedicados/as ao ensino da língua, e, portanto, os/as

primeiros/as a abrirem os campos para a formação de leitor literário, mas silenciam-se,

cuidadosamente, as especificidades demandandas pelo texto literário.

5.3 O PNAIC

De acordo com o Caderno de Apresentação, cuja capa está disponível na figura 9, o Pnaic “é

um acordo formal assumido pelo governo federal, estados, municípios e entidades para firmar

o compromisso de alfabetizar crianças até, no máximo, 8 anos de idade, ao final do ciclo de

alfabetização (BRASIL, 2012b, p. 5). Foi coordenado por profissionais da UFPE,

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especificamente pelos integrantes do Centro de Estudo em Educação e Linguagem (Ceel)34

dessa instituição.

Fonte: Brasil, 2012c

O Pnaic, um programa governamental deveras abrangente e ambicioso, iniciou seus trabalhos

em 2012 e, em maio de 2018, no momento da escrita desta tese, teve todas as suas atividades

encerradas. Além da formação de professores/as para atender a tal finalidade, o programa previa

o envio de livros de literatura infantil para as escolas, além daqueles enviados às instituições

pelo antigo PNBE. Desse modo, é com lamento e indignação que vivenciamos a extinção de

mais um programa governamental, não obstante a todo dinheiro público, esperança, tempo e

trabalho nele investidos. Na oposição a uma perspectiva neoliberal, e mesmo apesar de nossas

críticas e poréns a determinadas concepções teórico-metodológicas vincadas a essas políticas

34 Criado em 2004, o Ceel é um núcleo de pesquisa e extensão da UFPE que, por meio da oferta de formação

continuada de professores/as de Língua Portuguesa, bem como o desenvolvimento de pesquisas em áreas

relacionadas ao ensino da língua materna, visa à melhoria da Educação Básica. É composto por uma equipe

interinstitucional de docentes e alunos envolvidos com formação e pesquisa na área de Educação, Linguagem e

Ensino de Língua Materna. Atua na Rede Nacional de Formação Continuada de Professores do MEC e dos

programas Brasil Alfabetizado e Programa Nacional do Livro Didático. Trabalha na organização e promoção de

cursos, planejamento e organização de propostas curriculares, avaliações de rede, produção de livros, vídeos e

jogos didáticos, além de prestar assessoria a secretarias de educação e participar de programas de avaliação e

produção de material didático e eventos científicos. Disponível em: <

http://www.portalceel.com.br/apresentacao/>. Acesso em 03 set 2018.

Figura 9 - Capa do Caderno de Apresentação do Pnaic

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públicas, afirmamos que o Estado tem sim o compromisso de zelar pela educação, vislumbrada,

inclusive, em uma formação sólida (e indelével) de professores/as.

Iniciando as análises, no caderno de apresentação do ano de 2012, observamos o anúncio de

atividades que são permanentes nas unidades dos cadernos de formação:

1. leitura para deleite: leitura de textos literários, com conversa sobre os textos

lidos, incluindo algumas obras de literatura infantil, com o intuito de evidenciar a

importância desse tipo de atividade; 2. tarefas de casa e escola e retomada, em cada encontro, do que foi proposto no

encontro anterior, com socialização das atividades realizadas; 3. planejamento de atividades a serem realizadas nas aulas seguintes ao encontro;

4. estudo dirigido de textos, para aprofundamento de saberes sobre os conteúdos

e estratégias didáticas (BRASIL, 2012b, p. 32).

A atividade de “leitura para deleite” (com a finalidade do deleite) constitui nosso interesse

principal, pela referência clara à leitura literária. No caderno de formação, há uma explicação

em que consiste, precisamente, essa atividade:

Leitura Deleite

Essa estratégia é muito importante nos processos de formação de

professores alfabetizadores, pois favorece o contato do professor com

textos literários diversos. O momento da leitura deleite é sempre de

prazer e reflexão sobre o que é lido, sem se preocupar com a questão

formal da leitura. É ler para se divertir, sentir prazer, para refletir sobre

a vida. Tal prática, no entanto, não exclui as situações em que se

conversa sobre os textos, pois esse momento também é de prazer, além

de ser de ampliação de saberes (BRASIL, 2012b, p. 29, grifo nosso).

Bakhtin (2016) assegura que é uma tarefa impossível definir a posição de um enunciado sem

correlacioná-la com outras posições. Para ele, todo o enunciado é “[...] uma resposta aos

enunciados precedentes de um determinado campo (aqui concebemos a palavra “resposta” no

sentido mais amplo): ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como

conhecidos, de certo modo os leva em conta” (BAKHTIN, 2016, p. 57, grifo do autor). Desse

modo, a concepção de leitura literária defendida pelo programa merece ser problematizada,

pois, em um primeiro olhar, parece ser cúmplice de uma visão da Unesco sobre leitura literária

e continua a obra de Bamberger (1975), na defesa por uma leitura descompromissada.

Conceituada como uma estratégia e, simultaneamente, um momento, visa ao contato do

professor com o texto literário, desvencilhado de uma formalidade e atrelado, de caráter

peremptório, ao prazer e à diversão. “De modo algum o processo de compreensão deve ser

confundido com o processo de reconhecimento”, acentua Volóchinov (2017, p. 178);

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analogamente, advertimos, que “contato” e “conversar sobre” não são sinônimos de uma

relação íntima, de reflexão acurada e consistente. Zanchetta Junior (2007) alerta que esse tipo

de atividade não implica qualquer estratégia sistematizada. Logo, ao pensarmos sobre uma

sociedade regida por tantos afazeres e desgostos, defender a bandeira do prazer a todo custo

parece ser um conforto. No entanto, se há no Brasil, ainda, o enraizamento de visões que

afirmam o suposto ócio do servidor público, quando um programa governamental chancela,

aceita, torna benquista e induz uma leitura literária meramente por prazer volúvel, no momento

de uma formação, desconfiamos.

Segundo Saviani (2003), o objeto da educação diz respeito, duplamente, “[...] à identificação

dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para

que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas

mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 2003, p. 13). Pensamos que a lógica do

prazer no Pnaic embarca em uma visão imprudente de que professores/as e alunos/as estão na

escola unicamente para se divertir, furtando-se da premissa de que aos/às professores/as cabe

um trabalho que contribua efetivamente para a humanização dos alunos/as, também pela via da

leitura literária. Mas esse trabalho, para ser concretizado, não prescinde de uma formação

sólida.

O ato educativo, sendo histórico e intencional, prevê que a leitura literária seja feita, inclusive,

por obrigação. Pois, se não fosse assim, qual a chance de um/a aluno/a de escola pública

proveniente da classe trabalhadora ter a possibilidade de uma experiência estética por meio da

Literatura? Advertimos, portanto, que não compactuamos com discursos que reafirmem uma

visão de leitura literária unicamente lúdica, sem formalidade, descompromissada, utilitarista e

divertida, pois esses são enunciados envolvidos profundamente com a perspectiva neoliberal,

que sufocam o aspecto eminentemente político que conduz a nossa vida em sociedade.

De acordo com Brasil (2015), em 2013, a ênfase do Pnaic recaiu na formação em Língua

Portuguesa e, em 2014, em Matemática. Em 2015, a formação foi ampliada para as demais

áreas do conhecimento. Salientamos que em todos os cadernos de formação, quer sejam os de

língua portuguesa (documentos de 2012- anos 1, 2 e 3), quer sejam os de matemática

(documentos elaborados em 2014), quer sejam os de temáticas interdisciplinares (documentos

de 2015), há a estratégia de leitura deleite no trabalho com o texto literário. Em todas essas

ocorrências, é feita a menção a livros infantis, os mesmos que serão posteriormente

direcionados às escolas. Embora em cada momento descrito resguarde singelas diferenças nas

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etapas anteriores ou posteriores à leitura para deleite, todos eles tratam de igual forma o texto

literário. Para imprimirmos maior fidedignidade às análises e aos objetivos desta pesquisa,

concentraremos nossa atenção cadernos de formação de língua portuguesa. Os cadernos são

divididos em Ano 1, Ano 2 e Ano 3. Cada ano possui 8 unidades, perfazendo um total,

considerando os cadernos de apresentação, educação especial e de formação, 27 cadernos.

Confessamos nossa dificuldade ao estabelecer o critério da recorrência no caso do Pnaic para

análise da concepção de leitura literária, tendo em vista o número vasto de cadernos. Por outro

lado, como já dito, considerando que os cadernos atribuem à leitura literária uma única

finalidade, o deleite, optamos por analisar, nesta tese, a primeira e a última atividade de cada

ano, pois, dessa forma, é possível ter uma visão mais concreta das propostas.

O primeiro a ser contemplado é a Unidade 01, Ano 1, que trata do Currículo na Alfabetização:

concepções e princípios, consoante exposto na figura 10. O caderno conta com as seções:

Iniciando a conversa, que faz um preâmbulo do que será tratado; Aprofundando o tema, a

contemplar os princípios do currículo na alfabetização; Compartilhando, seção que abarca os

direitos de aprendizagem e sugestões de registros de aprendizagem; e, por fim, Aprendendo

Mais, item que insere propostas de leitura e de atividades para os encontros.

Fonte: Brasil, 2012c

Figura 10 - Caderno do Pnaic - Ano 1, Unidade 1

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São nessas atividades para os encontros dos grupos de professores/as que se debruça nossa

atenção. O documento sugere que:

1º momento (4 horas)

1– Fazer dinâmica de apresentação do grupo; discutir sobre as expectativas e os

conhecimentos e opiniões acerca do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa.

2– Discutir sobre as informações gerais do Programa / explorar o material.

3 – Fazer contrato didático.

4 – Ler texto para deleite: João das letras, de Regina Rennó.

5 – Ler a seção “Iniciando a conversa”.

6– Ler o texto 1 (Currículo no ciclo de alfabetização: princípios gerais); discutir sobre

quais são as implicações da adoção de um currículo inclusivo.

7- Resgatar as memórias de alfabetização dos integrantes da turma, identificando se

foram vivenciadas experiências na perspectiva do currículo inclusivo (BRASIL,

2012c, p. 45, grifo nosso).

A Unidade 8 do Ano 1, intitulada Organização do Trabalho Docente para Promoção da

Aprendizagem possui quatro seções. Primeiramente, é feita uma apresentação; em seguida, é

feita uma reflexão sobre a importância da avaliação e seus respectivos registros; depois, passa-

se à análise dos depoimentos das docentes e, por fim, encerra-se a unidade com sugestões de

leitura, foco de nossa atenção.

Fonte: Brasil, 2012d

Figura 11 - Caderno do Pnaic - Ano 1, Unidade 8

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Nas sugestões de leitura, uma das atividades é assim delineada:

2º momento (4 horas)

1 – Ler texto para deleite: “A menina, o cofrinho e a vovó”, de Cora Coralina, ilustrada

por Claudia Scatamacchia, da Gaudi Editorial Ltda.

2 - Discutir as questões dos textos da seção Aprendendo mais da unidade 7.

3 - Socializar os quadros de monitoramento de atividades sugeridos na seção

Compartilhando da unidade 7, discutindo sobre os tipos de atividades que mais se

repetiram entre os professores e os que foram pouco frequentes.

4 - Ler, em grande grupo, os depoimentos das professoras Sheila Cristina e Ana Lúcia,

sobre “progressão ou repetição de atividades”, da seção Compartilhando, e verificar

se as opiniões das docentes se assemelham às opiniões discutidas no grupo.

5 - Ler, em grande grupo, o texto “Avaliação e organização do trabalho docente: a

importância do registro” e listar as ideias que surgirem durante a leitura que possam

ajudar na organização do próximo ano.

6- Ler o depoimento da professora Ana Lúcia (O papel dos Registros da ação didática)

e socializar os modos de organização dos materiais didáticos e registros de

planejamentos e atividades realizados na escola.

7- Orientar os professores a elaborar relatos de aula a serem apresentados no

Seminário de Encerramento (no Portal, são disponibilizadas sugestões de organização

do Seminário).

8 - Preencher a avaliação do curso (BRASIL, 2012d, p. 30, grifo dos autores).

Observamos um eco nessas atividades sequenciadas do Pnaic. Tal qual circunscrito nos

documentos do Profa, nas Unidades 1 e 8 do ano 1, há a menção a um texto literário, como uma

espécie de adorno, porém não se observa nenhuma reflexão ou quaisquer articulações

planejadas, consistentes, do texto, ao menos, com os momentos anteriores e posteriores da

atividade.

Publicado em 2010, o livro infantil João das Letras, de Regina Rennó, relata a vida de João,

que tendo seu trabalho incompreendido e subvalorizado por outras personagens, ao atribuí-lo

como desimportante e/ou objeto de ócio, persegue com esmero a manutenção de seu ofício de

escritor. A obra narra, pela via da metalinguagem, o quão indispensável é o respeito pelo

trabalho alheio e o quão árdua e necessária é a tarefa de um escritor, que ultrapassa os limites

da técnica e da sensibilidade, e que precisa, obviamente, como qualquer outra profissão, ser

remunerada.

A temática do trabalho também está presente na oitava unidade do ano 1. No livro A menina, o

cofrinho e a vovó, Cora Coralina narra a história de uma senhora que vivia sozinha e precisava

se sustentar. Para tanto, decidiu realizar o trabalho de doceira, ofício que havia aprendido com

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outras mulheres de sua família. No entanto, mesmo diante de muito trabalho e dedicação, a avó

se viu impotente, diante da inexistência de uma geladeira para conservar os alimentos. Ela se

arrisca a comprar uma geladeira financiada; sua neta, ao vê-la em dificuldades, em meio a

tachos, açucar e falta de lenha, decide quebrar seu cofrinho e, assim, ajudar a avó a arcar com

as despesas oriundas das prestações.

Desse modo, atrelar a obra de Rennó (2010) ao puro deleite descompromissado é incoerente

com a própria história da vida de João. No caso específico da obra de Coralina (2009), pelo

livro tratar de temáticas tais como generosidade entre mulheres, gratidão, necessidade de

trabalho na velhice, desigualdade social (ausência de eletrodomésticos básicos em casa), a

incoerência é dupla.

A primeira unidade do ano 02 intitula-se Currículo no Ciclo de Alfabetização: consolidação e

monitoramento do processo de ensino e de aprendizagem. O caderno, conforme disposto na

figura 12, possui 2 seções, além da seção “Iniciando a Conversa” e “Sugestões de Leitura”. Na

primeira seção, o documento versa sobre o currículo na alfabetização com o foco em assegurar

o direito de aprendizagem da criança. Em seguida, contempla-se assuntos tais como a escrita e

a avaliação na alfabetização.

Fonte: Brasil, 2012e

Figura 12 - Caderno do Pnaic - Ano 2, Unidade 1

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A proposta listada a seguir circunscreve-se na seção final, no item Sugestões de Leitura.

1º momento (4 horas)

1- Fazer dinâmica de apresentação do grupo; discutir sobre as expectativas e os

conhecimentos e opiniões sobre o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa.

2- Discutir sobre as informações gerais do Programa / explorar o material.

3- Fazer contrato didático.

4- Ler texto para deleite: Clact... clact... clact... de Liliana & Michele Lacocca.

5- Ler a seção “Iniciando a conversa”.

6- Ler o texto 1 (Currículo no ciclo de alfabetização: ampliando o direito de

aprendizagem a todas as crianças); discutir com base na seguinte questão: que

ações/atitudes são necessárias para que o ciclo de alfabetização se organize

pautado pelos princípios da inclusão, continuidade e progressão? Tais

ações/atitudes foram comuns nas experiências vivenciadas pelo grupo em seus

tempos de estudante? Têm sido comuns em suas experiências como professoras?

7- Analisar atividades do livro didático de alfabetização relacionando-as aos

quadros de direitos de aprendizagem da seção Compartilhando. (BRASIL, 2012e,

p. 45).

Há, na proposta, ao menos dois aspectos destoantes. A sugestão de leitura do livro insere-se no

quarto item e não no primeiro. Apesar disso, não há muita diferença em termos metodológicos:

ou seja, não há nenhuma proposta explícita em que as discussões por ele demandadas sejam

discorridas, ponderadas. Em segundo lugar, ao observarmos com mais cautela a obra Clact...

Clat... Clat..., vê-se que há, nela, um esforço didático muito grande, ao se trabalhar, por meio

da história de uma tesoura insatisfeita com a desorganização, questões de cores primárias e

secundárias, localização espacial (esquerda e direita) e, de igual modo, as figuras geométricas.

As outras duas propostas de leitura para deleite inseridas nessa unidade contemplam os livros

Adedonha: o Jogo das Palavras, de Arlene Holanda, Você Sabia? Nomes Populares Dos

Animais da Fauna Brasileira de A a Z, cuja autoria de Zuleika de Felice Murrie. O primeiro é

um livro paradidático, com uma lista de palavras em ordem alfabética e suas respectivas

representações imagéticas; o segundo lista, em ordem alfabética, os nomes dos animais. Nesse

sentido, podemos inferir que a unidade 01 do ano 02 contempla como leitura para deleite três

proposições cuja finalidade se debruça no ensino de cores, de formas geométricas, de

localização espacial, de palavras do cotidiano e palavras dos animais. Como a unidade propõe

um “monitoramento do processo de ensino e de aprendizagem das crianças”, pensamos que as

temáticas dos livros são inseridas por esse motivo, uma vez que no binômio alfabetização e

letramento, a alfabetização privilegiaria as relações letras e sons. Em nenhuma das propostas

há uma explicação mais detida acerca de cada temática, o que nos faz inferir que o Pnaic toma

como leitura deleite também os livros pedagógicos. Diante disso, nos parece que há uma

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incongruência na inserção dessas produções. De acordo com Brasil (2012b, p. 32), a leitura

deleite é o momento de leitura de textos literários. Os livros apresentados têm marcadamente

um tom pedagógico, didático.

A Unidade 08 do ano 02, cuja capa está materializada na figura 13, assim intitula-se: Reflexões

Sobre a Prática do Professor no Ciclo de Alfabetização: progressão e continuidade das

aprendizagens para a construção dos conhecimentos por todas as crianças. Assim como a

unidade 01, além das seções “Iniciando a Conversa” e “Aprendendo Mais”, o caderno

contempla mais dois momentos, cujas temáticas debruçam-se sobre a progressão da

aprendizagem dos/as alunos/as e sobre as práticas pedagógicas, analisadas a partir de temáticas

tais como diversidade, livro didático, circunscritas em relatos de docentes.

Fonte: Brasil, 2012f

Nesse caderno, uma das sugestões para o momento de formação está proposta da seguinte

maneira.

1- Ler texto para deleite: “Alice no país da poesia” de Elias José.

2- Ler o texto 2 (Reflexão sobre a prática do professor alfabetizador: o registro

das experiências docentes na dimensão formativa e organizativa dos saberes); discutir,

com base nos depoimentos, relatos e pesquisas apresentadas, a importância dessas

duas dimensões para o exercício da docência.

3- Ler, em pequenos grupos, os relatos 1 e 2, apresentados na seção

Compartilhando, e socializar, no grande grupo, o relato lido e a importância da adoção

dessas práticas para a organização didática e pedagógica da prática docente no ciclo

Figura 13 - Caderno do Pnaic - Ano 2, Unidade 8

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de alfabetização.

4- Analisar os quadros de monitoramento de atividades sugeridos na unidade 7;

discutir sobre as contribuições, ou não, para a reflexão sobre a própria prática;

comparar o que foi registrado em relação às atividades realizadas e os resultados das

crianças registrados no quadro de perfil da turma.

5- Discutir os encaminhamentos para apresentação das experiências no Seminário

de Encerramento.

6- Preencher a avaliação do curso (BRASIL, 2012f, p. 46).

A perspectiva bakhtiniana da linguagem (Bakhtin, 2015; Volóchinov, 2017) nos permite

afirmar que o autor constrói seu enunciado em diálogo com enunciados precedentes. A notável

obra de Elias José, Alice no país da poesia, estruturada em gênero poético, é iniciada quando

Alice descobre o mundo das palavras, enquanto vivia no “país das maravilhas”. Por isso, Alice

no país da poesia, não pode ser lida, refletida a contento, se não levarmos em consideração, em

seus mais de trinta poemas, as figuras de linguagem, as rimas, a plurissignificação e o esforço

contínuo de diálogo com outros clássicos da literatura: Alice no país das maravilhas, de Lewis

Carroll; Dom Quixote, de Miguel de Cervantes e Peter Pan, de James Matthew Barrie, por

exemplo. Todos esses aspectos são olvidados na ausência de sistematização e na redução da

proposta ao deleite.

A unidade 01 do ano 03, intitulada Currículo Inclusivo: o direito de ser alfabetizado, também

é estruturada em quatro seções, sendo que os itens 2 e 3 aprofundam mais o aspecto da inclusão

na alfabetização. Nesse caderno, reiteram-se as discussões sobre os direitos de aprendizagem,

bem como contemplam-se questões específicas de currículo atinentes ao terceiro ano do ensino

fundamental.

Fonte: Brasil, 2012g

Figura 14 - Caderno do Pnaic - Ano 3, Unidade 1

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Uma das sugestões de trabalho com o texto literário é assim descrito:

1º momento (4 horas)

1 – Fazer dinâmica de apresentação do grupo; discutir sobre as expectativas e os

conhecimentos e opiniões sobre o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa.

2 – Discutir sobre as informações gerais do Programa / explorar o material.

3 – Fazer contrato didático.

4 – Ler texto para deleite: Abrindo caminho, de Ana Maria Machado. São Paulo:

Ática, 2006.

5 – Ler a seção “Iniciando a conversa”.

6 – Ler o texto 1 (Ponto de partida: currículo no ciclo de alfabetização); discutir sobre

a questão: que ações/atitudes são necessárias para que o ciclo de alfabetização se

organize pautado pelos princípios da inclusão? Tais ações/atitudes foram comuns nas

experiências vivenciadas pelo grupo em seus tempos de estudante? Têm sido comuns

em suas experiências como professoras?

7 - Analisar livros didáticos; selecionar algumas atividades e relacionar aos direitos

de aprendizagem descritos nos quadros da seção Compartilhando. (Livro didático)

(BRASIL, 2012g, p. 46)

A proposta o texto para deleite está incluído no quarto item. O livro em questão Abrindo

Caminho, de Ana Maria Machado, também é uma conversa com outros textos. A partir da

intertextualidade com a canção Águas de Março, de Tom Jobim; com o poema No meio do

caminho, de Carlos Drummond de Andrade; com as obras Divina Comédia, de Dante Alighieri

e Mistérios no Mar do Oceano, de Ana Maria Machado; e, também, a partir de menções a

Alberto Santos Dumont e à biografia Marco Polo, a autora estrutura uma narrativa poética, em

que são expostos não só a história das invenções humanas, a importância do diálogo no

estabelecimento de relações, mas sobretudo, a influência de certas pessoas que, cada uma a seu

modo, nos abriram caminhos para enxergar a vida: por meio da arte, da história, da tecnologia,

da criatividade. Nenhuma dessas dimensões foi contemplada na proposta.

Ao final do livro, o eu lírico assegura que “Não há distância para os pássaros nem para quem

cisma em ousar” (MACHADO, 2010, p. 24). Em nossa análise, pensamos que o encurtamento

de distâncias e a superação de obstáculos não são concretizados apenas por ousadia, por

coragem, insistência e vontade própria do indivíduo. Há uma série de fatores, de cunho

histórico, econômico e social que estão imbricados. Nem essa ressalva foi contemplada na

proposta.

Por fim, a unidade 08 do ano 03, cuja capa está disposta na figura 15, intitula-se Progressão

Escolar e Avaliação: o registro e a garantia de continuidade das aprendizagens no ciclo de

alfabetização. Versa, sobretudo, sobre a importância de se manterem vivos os registros de

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aprendizagem dos/as alunos/as, de modo a possibilitar um planejamento mais consistente e a

efetivar os direitos de aprendizagem destes.

Fonte: Brasil, 2012h

Uma das proposições de trabalho com o texto literário se dá conforme descrito abaixo:

2º momento (4 horas)

1 – Ler texto para deleite: “A princesinha medrosa” de Odilon Morais.

2 – Socializar as formas que utiliza para registrar o planejamento, prática e avaliação

do trabalho docente, listando-as.

3 – Ler o texto 2 (O registro das situações de ensino e de aprendizagem: significados

construídos com a análise da prática no ciclo de alfabetização); discutir as estratégias

de registro das professoras Ana Lúcia e Sheila, traçando um paralelo em relação à

listagem elaborada pelo grupo sobre as formas de registro que se utilizam.

4 – Ler, em pequenos grupos, os relatos apresentados na seção Compartilhando e

discutir a importância da adoção dessas práticas.

5 - Discutir os encaminhamentos para apresentação das experiências no Seminário de

Encerramento.

6 - Preencher a avaliação do curso (BRASIL, 2012h, p. 46)

A última proposta analisada insere o texto literário logo em sua introdução. Trata-se da obra de

Moraes (2008), A princesinha medrosa. No livro em questão, laureado em 2003 pelo prêmio

Figura 15 - Caderno do Pnaic - Ano 3, Unidade 8

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Fnlij em duas categorias (criança e ilustração), um sentimento humano é tratado: o medo. A

narrativa contempla a história de uma princesinha. Pela temática e pelo diminutivo no nome da

personagem, a primeira impressão é que a obra contemplará a história de princesa frágil,

delicada. A narrativa conta que a princesa tinha medo de escuro, de ficar sozinha e da pobreza

e tentava ludibriar cada um deles. Em um dos passeios matinais, a personagem se perdeu de sua

comitiva e defrontou-se com um garoto que, em pleno dia, estava a contar estrelas. Tomando

as estrelas por companhia, o medo da princesinha foi, aos poucos, se esvaindo, o que lhe

permitiu viver a vida de maneira mais plena, altruísta. De igual modo, uma narrativa muito

sensível, é utilizada com uma finalidade pragmática.

Diante da exposição das seis propostas do Pnaic, vemos a contemplação de temáticas variadas.

Vemos, de igual modo, ao longo da observância de todos os cadernos do Pnaic, que, em relação

à leitura literária, o programa cumpre fidedignamente o que promete: a ausência de preocupação

“com as questões formais de leitura” (BRASIL, 2012b, p. 29). A Literatura trata, pela

plurissignificação, pelo sentido conotativo, pela sofisticação da linguagem, pela ausência de

tom doutrinário, panfletário, da complexidade humana. A Literatura vai tratar do medo, da

solidão, do amor, do ódio, da inveja, da traição, da saudade, da vingança, da sede de poder, da

desigualdade social, da (in)fidelidade, da falta de tempo, dos (des)encontros, da vida, da

morte.... Todorov (2009) pondera que a literatura amplia o nosso universo e acrescenta:

Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais,

depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de

interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona

sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e

mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às

pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser

humano (TODOROV, 2009, p. 23-24).

Não queremos, neste trabalho, impor à leitura literária toda a responsabilidade de reflexão sobre

a educação, sobre seres humanos, enfim, sobre a vida. Também não atribuímos à Literatura

uma postura redentora, salvacionista, ingênua de que apenas com a leitura dela a situação do

analfabetismo estaria resolvida, por exemplo. No entanto, concordamos com Todorov (2009)

acerca da infinitude de possibilidades de interação e de enriquecimento, afinal somos seres

inacabados, inconclusos, carentes do olhar do outro (BAKHTIN, 2011). Da maneira como esse

programa propõe o trabalho com o texto literário, a Literatura está mutilada (CANDIDO, 1988).

Como acentuou o filósofo búlgaro, a literatura nos amplia a capacidade de olhar o mundo, está

longe de ser um entretenimento: porque um trabalho humano, nos amplia a possibilidade de

responder melhor ao processo de humanização. Talvez seja esta a resposta para a pergunta

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epigrafada no início deste capítulo. Negar essas vertentes em um momento formativo, reduzir

a leitura literária a um deleite fundamentado na ausência de sistematização é, mais uma vez,

silenciar o caráter ético, estético e político do texto literário.

5.4 O TROPEÇO, A TRAPAÇA E O DELEITE

A perspectiva bakhtiniana de linguagem considera que o enunciado não pode ser reconhecido

como um fenômeno individual e, tampouco, explicado a partir das condições psicoindividuais,

psíquicas ou psicofisiológicas do indivíduo falante (VOLÓCHINOV, 2017, p. 200). A partir de

uma síntese dialética, compreende-se que o enunciado não se circunscreve exclusivamente a

partir do sujeito, mas também deste não pode abdicar. Dessa maneira, é preciso destacar que

A orientação dialógica do discurso é, evidentemente, um fenômeno próprio de

qualquer discurso. É diretriz natural de qualquer discurso vivo. Em todas as suas vias

no sentido do objeto, em todas as orientações, o discurso depara com a palavra do

outro e não pode deixar de entrar numa interação viva e tensa com ele. Só o Adão

mítico, que chegou com sua palavra primeira ao mundo virginal ainda não

precondicionado, o Adão solitário conseguiu evitar efetivamente até o fim essa

orientação dialógica mútua com a palavra do outro no objeto. Isto não é dado à palavra

histórica concreta do homem: pode abstrair-se da palavra do outro, mas apenas em

termos convencionais e só até certo grau (BAKHTIN, 2015, p. 51).

De acordo com Bakhtin (2015), a língua em sua totalidade tem a propriedade de ser dialógica.

Em outras palavras, todos os enunciados são perpassados pela palavra do outro, considerando

que, o enunciador, ao constituir seu discurso, leva em conta o discurso de outrem, pois o

enunciado inexiste fora das relações dialógicas. Mais especificamente: o que se conhece, como

se conhece, para que se conhece, em que medida se conhece, necessariamente, são perpassados

pelo olhar, pela avaliação, pela elucidação do discurso alheio. Ancorando-se nessas premissas,

convém relembrar o que anunciamos no início deste trabalho como hipóteses em articulação às

conclusões chegadas nas análises do corpus.

Em primeiro lugar, supomos que as incongruências relacionadas à leitura literária podem ser

encontradas também nas diretrizes de organismos internacionais que, por sua vez, se articulam

aos documentos de programas nacionais de formação de professores/as alfabetizadores/as. A

partir da análise do corpus, a saber, guia do formador, fascículos e cadernos de formação,

observamos as relações dialógicas adentrarem no âmago do enunciado, conforme já delineou

Bakhtin (2015, p. 211). Dessa maneira, pensamos que a Unesco, uma vez pautada na pedagogia

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das competências, fomenta uma concepção de leitura literária atrelada ao prazer fortuito. Em se

tratando do papel do professor, seus princípios aproximam-se à perspectiva do Letramento

Literário, uma vez que o pragmatismo atrelado à leitura e à escrita e a redução do trabalho

docente em sua atividade intencional de mediação do conhecimento elaborado é dirimida. De

igual modo, pensamos que as premissas da pedagogia das competências, por estar imiscuída

em uma visão neoliberal de ensino, rechaça a especificidade do texto literário e a importância

deste para a formação humana.

A concepção de leitura literária defendida pelo Profa está diretamente ligada a uma visão de

leitura atrelada deleite, ao divertimento, ao descompromisso. Ainda que os termos utilizados

sejam variados (ler para se divertir, ler para apreciar, ler para se deleitar), todos eles convergem

para apenas uma vertente: a leitura por prazer fugaz. Bakhtin (2015), ao tratar do conceito de

polifonia, pondera que as vozes e consciências independentes são parte inerente ao romance,

estruturado, por sua vez, na pluralidade de vozes independentes e imiscíveis. Respeitando-se o

objeto de estudo e resguardadas as devidas proporções, podemos afirmar que, o Profa, com

relação à concepção de leitura literária, erige-se sob um discurso monofônico em que a

Literatura, independentemente de seu gênero (poema, conto, crônica...) é utilizada apenas como

um rápido introito aos momentos de formação e está sempre atrelada a mesma função.

O guia de formação do professor, no Pró-Letramento, é estruturado em diversos fascículos, com

autorias muito distintas. Todos eles trazem em comum, contudo, a reflexão sobre determinadas

temáticas, não a partir de um aprofundamento teórico consistente, mas a partir de relatos de

professores/as e, com maior ou menor nitidez, abraçam a perspectiva do Letramento. Quanto a

isso, é preciso relembrar o que nos advertiu Moraes (2001). Segundo a autora, incorre sob as

pesquisas educacionais um fenômeno chamado recuo da teoria, em que a teoria é ofuscada por

causa do foco dado aos relatos, às narrativas e à prática imediata, acarretando, desse modo, não

apenas um ceticismo epistemológico, mas, também, ético e político. Loureiro (2007) pondera

que o pragmatismo instaura a racionalidade do sempre mesmo na relação teoria e prática e

alimenta o fenômeno da “aversão à teoria”.

Embora o texto literário seja utilizado em vários momentos, o fator preponderante recaiu na

utilização deste para uma reflexão da língua. Nessa espécie de caldeirão epistemológico no Pró-

Letramento, a leitura literária ora é completamente esquecida, ora é sistematizada em esquemas

que não consideram a sua especificidade, ora é vislumbrada sob a perspectiva do divertimento.

O Pnaic, programa mais longevo entre os três, mantém uma proposta semelhante à do Profa, ao

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tratar a leitura literária como um introito à formação docente e, assim como o Pró-Letramento,

mune-se dos relatos dos/as professores/as para o desenvolvimento das propostas. Diferencia-

se dos outros programas por dar um foco aos livros de literatura infantil, mas, ainda sim, a

leitura literária está atrelada ao deleite, ao divertimento.

Os programas dialogam entre si, pois possuem, no tocante à leitura literária, concepções

semelhantes. Essas constatações nos levam a confirmar a segunda hipótese apresentada, em que

afirmamos que os programas governamentais Profa, Pró-Letramento e Pnaic trazem à tona um

(remodelado) conceito de leitura literária restrito ao lúdico, ao deleite à maneira de um eco.

Analisamos as concepções de leitura literária chanceladas por três programas deste século, no

Brasil. Em todos eles, perpassa a ideia de que a leitura literária necessariamente implica o prazer

descompromissado, a diversão, o deleite. Em todos eles, parece viva a ideia de que o texto

literário é tão somente pretexto para as reflexões com a língua, para a introdução de atividades

formativas e para a descontração, para o prazer fugaz e pueril. No entanto, esse remodelamento

repousa, a) no caso do Profa: na utilização de termos distintos, cujos significados se aproximam

semanticamente, o que, para um/a leitor/a desavisado/a, pode parecer uma multiplicidade de

concepções; b) no caso do Pró-Letramento: embora a ideia não esteja presente em todos os

fascículos, o reforço da concepção da leitura literária para o prazer vem pela chancela e pelo

comentário dos relatos dos/as professores/as; c) no caso no Pnaic, por fim: por se ter uma ideia

muito superficial de que a literatura infantil está atrelada somente ao lúdico, à brincadeira, à

simples fruição, à reprodução do cotidiano, a ideia da leitura deleite aí se sustenta.

“Parece-me apropriado dizer que suscitar perguntas é tarefa de uma educação que se vê e age

como resposta responsável, que assume sua responsabilidade absoluta, incondicional, pelo

outro” (KRAMER, 2013, p. 45). Diante disso, a questão que se coloca é: quem se deleita com

propostas de formação de professores/as que não contemplam uma discussão mais profícua,

profunda e amiúde sobre a leitura literária? Pensamos que atrelar a leitura ao deleite não pode

ser entendida como um movimento pueril, desimportante. Pensamos, de igual modo, que o

termo carrega uma conotação nociva, pois ele não só reduz a leitura literária ao prazer

descompromissado, descontraído, à fuga da realidade, mas ataca a própria função do trabalho

educativo, um ato intencional, planejado que visa à humanização (Saviani, 2013).

Por fim, conjecturamos que esses programas mantêm alguns vícios quanto às concepções de

leitura influenciados pelo Letramento Literário e, por conseguinte, quanto às concepções de

sujeito (leitores/as) e de escola. Confessamos que não há, em nenhum dos documentos, a defesa

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explícita do termo letramento literário. No entanto, nos parece que, por meio da sistematização

de atividades, de uma ênfase à motivação, à leitura compartilhada (uma das vertentes das

comunidades de leitores) e, sobretudo, a um pragmatismo da leitura literária, utilizada com

atividades fins de ensino da língua ou de introdução aos momentos de formação, o Letramento

Literário se faz presente. Até o deleite está imbuído também nesse pragmatismo. Ao/à leitor/a

e à escola são atribuídas uma passividade considerável, uma vez que ambos são conjecturados

nesse sistema (Unesco, Letramento Literário, Pró-Letramento, Profa e Pnaic), como agentes

para endossar as nocivas perspectivas das “habilidades” e das “competências”.

Todos os programas ancoram-se na perspectiva do Letramento, conforme já apontaram os

estudos de Becalli (2007), Antunes (2015), Resende (2015) e Costa (2017). E todos eles, em

maior ou menor intensidade, comprimem as práticas literárias ao cotidiano, à imediaticidade.

A Literatura, no entanto, excede o cotidiano. Geraldi (2013) alerta que a educação,

fundamentada em uma atividade estética, implica considerar os acabamentos provisórios de um

futuro almejado. “Sem futuro, somente se faz educação para o presente, para o mercado, para o

consumo, para o emprego” (GERALDI, 2013, p. 27). Aproximando tal assertiva ao nosso

objetivo de estudo, se não há um compromisso com a educação ética _e estética_, em que a

Literatura se insere, a leitura literária ficará restrita à resolução de problemas, ao imediato, ao

apressado, ao dia a dia, ao teor mercadológico.

“A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais

compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” afirmou Candido (1988,

p. 180). Dalvi (2019) acrescenta que, talvez privilegiadamente, esse processo se dá por meio de

seu ensino. “Se não faz isso, coopera para que a barbárie se repita. E a gente nem vai mais

entender a diferença entre tragédia e farsa” (DALVI, 2019). Nessa medida, a nossa crítica

repousa justamente na redução da concepção da leitura literária a uma única voz, pois tal prática

não considera as relações de poder inerentes à sociedade, as possibilidades de transformação e

de reflexão a partir da experiência estética. Consideramos que esse discurso monofônico dos

programas, com relação à leitura literária, é preocupante, quando levamos em consideração que

a rotina laboral dos/as professores/as deste país pouco contribui para a dedicação à experiência

estética, se levarmos em consideração que os/as estudantes deste país só terão acesso a bens

culturais, como o caso da literatura, mediado pela escola pública.

Defendemos e almejamos uma sociedade democrática e essa luta perpassa, necessariamente, o

respeito, a dignidade, a distribuição igualitária de renda e o acesso à arte, em toda sua

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complexidade, inclusive em momentos de formação de professores/as. Mas, como toda

realidade está repleta de contradições, é preciso reiterar o que já nos advertiu Bakhtin (2016, p.

54). Segundo o autor, todos os enunciados são plenos das palavras dos outros, em grau variado

de alteridade e relevância. Essas palavras alheias trazem seu tom valorativo que, em nossa boca,

são reacentuadas, reelaboradas e assimiladas novamente. O sujeito, ao elaborar um enunciado,

sempre irá imprimir sua singularidade. Em todos os programas, mesmo que haja uma concepção

superficial da leitura literária, o texto literário se faz presente em todos eles. No Pnaic, de modo

ainda mais peculiar, já que o programa ofertou livros de literatura às escolas públicas. Nesse

sentido, ainda que se façam presentes ecos de outras vozes de matriz neoliberal nos documentos,

ainda que a leitura literária seja reduzida a uma perspectiva instrumental, pragmática,

descompromissada, o sujeito dialógico, que jamais é totalmente passivo, assimila, ressignifica

e reacentua seu dizer, as suas práticas, de maneira particular. É nessa contradição, na

possibilidade de rasura, de trabalho educativo, de insubmissão, de questionamento, que

fundamentamos nosso pensamento.

Portanto, diante dessas considerações e da confirmação das hipóteses, afirmamos a tese de que,

ao se conceber a leitura literária de modo reducionista e superficial, chancelada por organismos

internacionais e políticas públicas educacionais, silenciam-se os contextos ideológicos,

políticos, éticos, estéticos, históricos, culturais, próprios do texto literário. Está posto, assim, o

silenciamento: pelo tropeço, pela trapaça e pelo deleite.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] Não estamos alegres,

é certo,

mas também por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história

é agitado.

As ameaças

e as guerras

havemos de atravessá-las,

rompê-las ao meio,

cortando-as

como uma quilha corta

as ondas.

Vladimir Maiakóvski

Para responder ao enunciado, pondera Bakhtin (2016, p. 35), é necessária alguma

conclusibilidade. Arraigando-se, então, na necessidade do debate e da alternância dos sujeitos

do discurso e conscientes da importância do olhar do outro, do consenso, do dissenso, do

acordo, dos poréns e da provisoriedade de qualquer ponto final, nos propomos a tecer, neste

momento, algumas considerações “finais”.

Retomando os objetivos deste trabalho, tentamos compreender como estão fundamentadas as

concepções de leitura literária referendadas pelos programas federais de formação de

professores/as alfabetizadores/as do início do século XXI (2001 a 2018), visando a conhecer as

possíveis intencionalidades dessas concepções nos documentos oficiais. Nosso percurso

contemplou a problematização, a contextualização e a emergência do objeto de estudo, em que

foi possível expormos com mais cautela alguns imbróglios acerca da concepção de leitura

literária chanceladas pelos documentos do Profa, do Pró-Letramento e do Pnaic e, ao mesmo

tempo, formularmos algumas hipóteses. Em um segundo momento, recorremos à revisão de

literatura, que nos possibilitou, além de termos uma visão mais aguçada e consistente acerca do

objeto de estudo a partir da contribuição alheia, permitiu, de igual forma, anunciarmos um

possível ineditismo desta proposta.

Em seguida, concentramos nossos esforços na exposição mais detida da perspectiva teórica que

ampara este trabalho, atentando, peculiarmente aos conceitos de “dialogismo”, “polifonia” e

“enunciado”, circunscritos nos estudos do Círculo de Bakhtin. Compreendemos, nesta tese, em

linhas gerais, o dialogismo como princípio constitutivo da linguagem; o enunciado, de caráter

fundamentalmente dialógico, como unidade real da comunicação verbal (VOLÓCHINOV,

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2017); e polifonia como a manifestação da multiplicidade de vozes conscientes e equipolentes

(BAKHTIN, 2015). No quarto capítulo, versamos sobre o Letramento Literário, em diálogo

com a análise do contexto em que tal proposta foi difundida, e expusemos nossos

questionamentos acerca de uma perspectiva que tem sido tão aceita no Brasil. No último

capítulo, nos propusemos a fazer a análise dos documentos, à luz da perspectiva bakhtiniana da

linguagem.

A análise documental priorizou a observância dois capítulos da proposta Educação, um tesouro

a descobrir e, em ordem cronológica de implementação, cada programa governamental. Sobre

o documento da Unesco, mostramos a nocividade de uma perspectiva educacional vincada à

pedagogia das competências que confina o ensino e a aprendizagem ao sabor mercadológico,

no desígnio de formar cidadãos flexíveis e adaptáveis a uma sociedade desigual. A leitura

literária, nessa visão, seria só mais uma competência.

Especificamente quanto ao Profa, pensamos que o conjunto de finalidades atrelado à leitura

literária (ler para saborear, apreciar, se emocionar, dentre outros), embora aparentemente

inocente, fixa-se só na aparência. Em nossa análise, o Profa tropeça. Afinal, ainda que o

programa supostamente traga a possibilidade de leitura do texto literário, tal possibilidade

esbarra a) em um tempo escasso para sua leitura (em torno de 10 min); b) caráter pragmático e

puramente contemplativo para uso do texto, apenas aproveitando-o como um preâmbulo dos

encontros formativos, e, com isso, c) silencia muitas vozes, ao atribuir apenas uma finalidade

de leitura.

Em se tratando do Pró-Letramento, tomamos como objeto de análise os fascículos circunscritos

no caderno de alfabetização e linguagem. Cada fascículo possui assuntos distintos, com autorias

e matrizes teórico-metodológicas distintas, o que tornou complexa uma análise uníssona. No

entanto, o que se verificou foi o uso do texto literário apenas para introdução de comentários

para justificativa do ensino da língua. Não houve nenhuma menção, em nenhum fascículo, sobre

as especificidades inerentes à leitura literária. Especialmente nos fascículos 3 e 5, a leitura

literária coaduna-se à ideia de leitura por prazer, por diversão, bem afinada à concepção de

leitura por deleite proposta pelo Profa e pelo Pnaic. De igual modo, há um silenciamento, pois,

mesmo que esse programa permita a autoria de vozes múltiplas nos fascículos, isso não significa

uma proposição menos pragmática ou mais consistente de leitura literária. Há um leque de

opções, mas esse leque nos parece ensimesmado. Eis a trapaça.

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Por fim, no caso do Pnaic, último programa a ser instituído, há uma sinalização maior do que é

entendido como trabalho com leitura, resguardado no momento de leitura para deleite.

Inclusive, é definido que esse momento é sempre destinado ao prazer, sem a preocupação com

a questão formal da leitura (BRASIL, 2012b). Em todas as propostas de leitura, a Literatura,

novamente, não é tratada em sua especificidade, uma vez que a proposta, muito semelhante ao

Profa, insere o título da obra e sua respectiva autoria como proposição para o início dos

encontros, sem qualquer menção a essa obra durante o momento de formação. A literatura tem

entrada nos programas de formação, contudo é tratada apenas como uma espécie de enfeite,

algo lateral e fugaz nos encontros formativos.

Como hipóteses, supúnhamos que as incongruências relacionadas à leitura literária podem ser

encontradas também nas diretrizes de organismos internacionais que, por sua vez, se articulam

aos documentos de programas nacionais de formação de professores/as alfabetizadores/as.

Suspeitamos também que esses programas trazem à tona um (remodelado) conceito de leitura

literária restrito ao lúdico, ao deleite à maneira de um eco. Por fim, admitimos como hipótese

que esses programas mantêm alguns vícios quanto às concepções de leitura influenciados pelo

Letramento Literário e, por conseguinte, quanto às concepções de sujeito (leitores/as) e de

escola.

Em primeiro lugar, os organismos internacionais, tais como a Unesco, citado nesta pesquisa em

Delors et al (1998), induzem algumas ações nos programas oficiais brasileiros. Essa assertiva

está povoada das vozes de Stieg (2012), Loose (2016), Gontijo (2016), Dias (2019) e Endlich

(2019). Por meio de análise documental, vimos que os pilares da pedagogia das competências,

profundamente submissos à perspectiva neoliberal, estão materializados não só no documento

da Unesco quanto nos documentos do Profa, do Pro-Letramento e do Pnaic. No caso específico

desta pesquisa, pensamos que essa proximidade “conceitual” de leitura literária entre a Unesco

os programas governamentais de professores/as alfabetizadores/as se dá pela defesa das

habilidades e competências, concepção essa que esvazia a leitura literária de seu sentido

político.

Falta intimidade com a literatura nos documentos oficiais. Assim, em segundo lugar,

observamos que todos os programas fazem menção ao texto literário, porém, majoritariamente,

cativos à ideia de introdução aos momentos de formação, sem qualquer proposta consistente de

reflexão sobre o texto lido. A leitura literária foi tomada, assim, como pretexto para socialização

nos encontros, como motivo para observância de alguns aspectos da língua. Em todos os

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programas, a concepção de uma leitura atrelada ao prazer fugaz foi a voz gritante. Restringe-se

a leitura literária à ludicidade, ao divertimento, ao deleite, porém o faz por meio de um modelo

pragmático. Em outras palavras: até o deleite é cuidadosamente controlado. Por último, embora

não haja a manifestação de uma defesa literal do termo Letramento Literário nos documentos

analisados, o Profa, o Pró-Letramento e o Pnaic resguardam proximidades quanto ao trabalho

com a Literatura. Conforme anunciado no capítulo 4, concluímos que a proposta do Letramento

Literário não rompe com um modelo pragmático de ensino. Pensamos, nesse sentido, que há

uma concepção implícita de sujeito leitor e de escola nos programas, em que ambos são

atrelados a uma formação primada pelo imediatismo.

Geraldi (2013, p. 27) afirma que a educação, em uma perspectiva bakhtiniana, há de ser uma

atividade essencialmente estética, realizada eticamente. Com a crítica ora apresentada, de

maneira alguma queremos manter um discurso beligerante ou invalidar a importância de uma

formação continuada; ao mesmo tempo, não queremos anular a responsabilidade

governamental na oferta dessas formações. Talvez o nosso incômodo se dê, sobretudo, por ver

fissuras respaldadas. Pela escrita desta tese, assistimos, em pouco tempo (menos de vinte anos),

o enterro de três programas governamentais e o cenário que se avizinha não é dos melhores.

Defendemos, na contramão do que foi posto, do que hoje está imposto, a completa ausência de

perseguição ao saber elaborado, aos/as professores/as, às artes e às humanidades, em geral.

Defendemos que os/as professores/as deste país tenham um salário digno, com condições

objetivas de trabalho e planos de carreira igualmente dignos. Defendemos que os/as docentes

deste país tenham tempo de planejamento de aulas e tenham tempo para acesso à arte, à

possibilidade de ler literatura. Defendemos que as formações continuadas de professores/as

alfabetizadores/as, aqueles/as que serão os/as primeiros/as a se dedicarem ao ensino da língua

materna, pautem-se em um modelo de educação laica, de qualidade, em que o ensino não se

restrinja a acentuar visões mecanicistas da língua. E defendemos o respeito à Literatura e àquilo

que ela representa para o mundo, para a sociedade, para escola, para nós.

Bakhtin (2011) define uma obra de arte “[...] não como objeto de um conhecimento puramente

teórico, desprovido de significação de acontecimento, de peso axiológico, mas como

acontecimento artístico vivo_ momento significativo de um acontecimento único e singular do

existir” (BAKHTIN, 2011, p. 175). Nesse sentido, de igual modo, não queremos invalidar o

prazer, o deleite que é propiciado com a leitura literária. A leitura de literatura nos permite, até

mesmo, o prazer. Todavia, reiteramos que não compactuamos com discursos, sobretudo em

programas governamentais de alcance federal de formação de professores/as, que reafirmem

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uma visão de leitura literária exclusivamente lúdica, sem formalidade, utilitarista, descontraída

e divertida, pois esses são enunciados envolvidos profundamente com a perspectiva neoliberal,

que atropelam o aspecto eminentemente político da dimensão estético-formativa dos sujeitos

condutor da nossa vida em sociedade. A leitura literária chancelada pelos programas

governamentais oferece uma alegria volátil, um deleite fugaz, passageiro, descompromissado,

nocivo. Oferece uma visão fragmentada e retira a vida do acontecimento artístico.

Snyders (1993, p. 18) pondera a nocividade de um discurso antiescolar, que reitera

continuadamente a tristeza na escola, o desestímulo, o fracasso. Por outro lado, convém

lembrar, o conceito de alegria proposto pelo autor não se constitui em um entretenimento fugaz,

em uma abstração da realidade. A alegria na escola não é sinônimo de descompromisso, de

ausência de cumprimento de regras e de tarefas. É nesse sentido que reitera-se a premência de

uma renovação da escola, a perpassar seu elemento fulcral enquanto instituição de ensino: a

presença do conhecimento elaborado, do obrigatório e das relações humanas neles imbricados.

Para Snyders (1993), a alegria centra-se na compreensão, por meio do conhecimento socio-

historicamente elaborado, da complexidade dessa própria realidade, com seus respectivos

problemas, estranhamentos e idiossincrasias.

Pensamos que é importante conhecermos o que, de forma assídua, tem sido aprovado na

perspectiva oficial de formação de professores/as alfabetizadores/as. Qualquer documento é

sempre contextualizado, é sempre histórico, social e, portanto, está sujeito a respostas, a

problematizações. Diante do exposto, com a constatação da tríade tropeço (Profa), trapaça (Pró-

Letramento) e deleite (Pnaic), defendemos a tese de que, ao se conceber a leitura literária de

modo reducionista e superficial, chancelada por organismos internacionais e políticas públicas

educacionais, silenciam-se os contextos ideológicos, políticos, éticos, estéticos, históricos,

culturais, próprios do texto literário. Dessa maneira, o aparente modo lúdico e inofensivo com

o qual é engendrada a leitura literária nesses programas, mesmo que sob o epíteto de

contribuição para formação de leitores/as, bem como de rejeição ao analfabetismo, confirmam,

paradoxalmente, a palidez da própria refutação e, desse modo, colaboram para consolidar, ainda

mais, a precariedade das políticas oficiais de governo para o campo da educação brasileira.

Schwarz (2014), no ensaio “As ideias fora do lugar”, afirma que: “Ao longo de sua reprodução

social, incansavelmente Brasil põe e repõe ideias europeias, sempre em sentido impróprio. É

nesta qualidade que elas serão matéria e problema para a literatura” (SCHWARZ, 2014, p. 62).

No célebre trabalho, Schwarz (2014), a partir da análise de textos machadianos, mostra a

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contradição de um país atravessado pelo trabalho e pelo sangue escravocrata e que, ao mesmo

tempo, procurava nos moldes liberais europeus ideias indescartáveis e, concomitantemente,

impossíveis de serem aplicadas em sua plenitude. Ele ainda assevera que “O escravismo

desmente as ideias liberais” (SCHWARZ, 2014, p. 58). Resguardadas as devidas proporções, o

uso pragmático do deleite desmente a leitura literária. Nos parece, assim, que, no século XXI,

com relação à educação e mais especificamente com relação à leitura literária, as ideias ainda

“permanecem fora do lugar”. De acordo com estudos como os de Becalli (2007), Antunes

(2015), Resende (2015) e Costa (2017) e, de igual modo, após as nossas análises, podemos

inferir que esses programas conservam muitas proximidades, ao tomar a leitura literária com

fins utilitaristas e esvaziada de seu sentido político, afim unicamente ao discurso monofônico

(BAKHTIN, 2015) ligado à ideia de leitura por prazer descompromissado. Ou seja, analisamos

os documentos de formação de professores/as e vimos que, por mais que haja uma tentativa de

se aproximar de ideais inovadoras com relação ao ensino, inclusive com a proposição do termo

Letramento (do inglês, literacy), a estrutura educacional permanece pouco alterada.

Mais recentemente, o decreto 9.765/2019 foi promulgado, documento que instituí a Política

Nacional de Alfabetização (BRASIL, 2019a). Ao olharmos com cautela essa cartilha (BRASIL,

2019c), vimos que a situação se agrava: institui-se termos como “literacia”, que, sob uma

roupagem mais nefasta, acentua a ideia do binômio alfabetização e letramento, enfatiza e

defende com robustez o método fônico, conserva o ideário neoliberal das “habilidades” e

“competências”, despreza o trabalho docente de mediação, vilipendia o texto literário e corrói

os delineamentos de uma educação democrática, de qualidade, laica e socialmente referenciada.

Em outras palavras, a cada programa de alfabetização, são anunciados os mesmos problemas

(analfabetismo, lamentáveis resultados de avaliações de larga escala, necessidade de formação

de professores/as) e modo de suspostamente resolvê-los fincam-se em ideias da moda,

supostamente inovadoras. São feitos pequenos ajustes, porém, a roupa ainda continua velha e

rota.

De acordo com Brait (2005), Bakhtin, na análise da língua, atribuiu atenção especial à

Literatura, “[...] enquanto gênero discursivo privilegiado no que diz respeito à representação da

complexa natureza dialógica da linguagem” (BRAIT, 2005, p. 96). Dessa maneira,

compreendemos que a leitura literária não pode se restringir a um pragmatismo e a um prazer

descompromissado. A Literatura, como forma privilegiada de compreensão da realidade, reúne

em um só espaço aqueles/as que, em meio a tantas calamidades, procuram o familiar e o

desconhecido, o abrigo e o desconforto. Lemos Literatura para participar do mistério e para

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fugir dele. Lemos Literatura, porque, dialogicamente, ela tem muito a dizer do mundo, de nós.

Lemos Literatura porque sabemos que as respostas são provisórias e aceitamos o impasse, a

dúvida. Lemos Literatura para saber que este mundo não é o único possível.

No poema “Há tantos diálogos”, eu lírico propõe diálogos, inclusive com o silêncio. Durante

este trabalho, insistimos na tese de que a concepção de leitura literária referendada nos

documentos oficiais, influenciados por diretrizes de organismos internacionais, pauta-se no

silenciamento de vertentes que tomam o texto literário em sua complexidade: porque uma

objetivação humana, é histórico, social, político, contestatório, insubmisso, questionador...

Mas, mesmo com esse silenciamento, apostamos no diálogo e na literatura como formas de

humanização, de vivência de uma experiência estética que nos assegure o direito à

insubordinação, à rebeldia, à esperança, à poesia, o direito, enfim, a refutar mercadorização da

educação, a acreditar, quixotescamente, no crescimento de lírios e a lutar pela “agitação do mar

da história”.

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