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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO PEDAGÓGICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ISABEL MATOS NUNES POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO DA BARRA: UM ESTUDO DE CASO Vitória - ES 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO PEDAGÓGICO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ISABEL MATOS NUNES

POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR NO

MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO DA BARRA:

UM ESTUDO DE CASO

Vitória - ES

2009

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ISABEL MATOS NUNES

POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR NO

MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO DA BARRA:

UM ESTUDO DE CASO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase na linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas. Orientador: Profª Drª. Maria Aparecida Santos Correa Barreto.

VITÓRIA – ES

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Nunes, Isabel Matos, 1967- N972p Políticas de educação especial e inclusão escolar no

município de Conceição da Barra : um estudo de caso / Isabel Matos Nunes. – 2009.

198 f. : il. Orientadora: Maria Aparecida Santos Corrêa Barreto. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito

Santo, Centro de Educação. 1. Cidadania. 2. Educação especial. 3. Inclusão escolar. 4.

Deficientes. I. Barreto, Maria Aparecida Santos Corrêa. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

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ISABEL MATOS NUNES

POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR NO

MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO DA BARRA:

UM ESTUDO DE CASO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase na linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dra. Maria Aparecida dos Santos Correa Barreto – Orientadora Universidade Federal do Espírito Santo

Profª Drª Denise Meyreles de Jesus Universidade Federal do Espírito Santo

Profª Drª Vânia Carvalho de Araújo Universidade Federal do Espírito Santo

Profª Drª Kátia Regina Moreno Caiado Pontifícia Universidade Católica de Campinas

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DEDICATÓRIA

Juan e Ramon,

pelo tempo que estive ausente em momentos importantes na vida de vocês...

Nathália,

filha querida, razão da minha luta pelo direito e dignidade das pessoas com

deficiência...

Amo vocês!

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AGRADECIMENTOS

Ninguém caminha sem aprender a caminhar,

sem aprender a fazer o caminho caminhando,

sem aprender a refazer, a retocar o sonho

por causa do qual a gente se pôs a caminhar.

(PAULO FREIRE)

Residir a uma distância de 260 km da UFES se constituiu em uma ousada

caminhada para a conclusão do mestrado. Foi uma grande vitória!

Primeiramente, agradeço a DEUS pela força e proteção que me concedeu nesse

percurso.

Nessa caminhada, contei com muitas pessoas que marcaram minha vida, pelo jeito

de ser e pelas lições que me ensinaram. Seria impossível falar de cada uma delas,

porque posso correr o risco de deixar de citar nome de alguém. Entretanto, pontuarei

aqueles que foram mais próximos na produção deste trabalho.

À Professora Maria Aparecida dos Santos Correa Barreto, mais que orientadora, foi

amiga, irmã e muitas vezes mãe, proporcionando-me apoio e aconchego. Agradeço

suas orientações, realizadas com muito carinho; por me ensinar a caminhar pelo

conhecimento científico, no decorrer da pesquisa.

Aos professores do mestrado, com os quais dividi muitos momentos de dúvidas,

angústias e aprendizado no decorrer do curso, e que e, em muito, contribuíram para

o meu crescimento.

Às amigas Glória Ponzo, Sulamar, Vanda e Adriana, por terem sido mais que

“amigas do mestrado”, mas verdadeiras companheiras de “viagem” participantes

das minhas angústias e dificuldades;

Ao meu esposo João Luiz, pela companhia e estímulo constantes.

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Às minhas irmãs Eliana e Elenita, por terem assumido meus filhos, principalmente a

Nathália, nas minhas ausências de casa.

À Graça, amiga, irmã, companheira de trabalho, pelo incentivo e apoio nas minhas

ausências da escola.

Ao meu amigo Carlos Zanon, companheiro de luta em favor da inclusão escolar.

Além do carinho e afeto, as trocas e reflexões que fizemos, contribuíram para a

construção deste trabalho.

Aos funcionários, alunos e pais da Escola Especial Esperança, que me

proporcionaram o diálogo com a própria vida.

Aos professores, supervisora e diretora da Escola Municipal “Maria Gilder”, que

abriram as portas do cotidiano da escola para a realização da coleta de dados.

A Alécia que, enquanto Secretária de Educação, me apoiou nas viagens e contribuiu

para este trabalho, abrindo as portas da Secretaria para a pesquisa;

À Banca Examinadora, em especial à Prof. Denise Meyreles e à Prof. Vânia

Carvalho de Araújo que muito contribuíram com minhas reflexões e ajustes do

projeto de qualificação.

À Prof. Kátia Caiado, meu respeito e admiração pelo seu trabalho.

Meus sinceros agradecimentos!

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“A travessia de um oceano implica singrar novos e desconhecidos mares. À frente, o estranho, o que ainda vai se revelar, o novo, a liberdade do vento marítimo e da imensidão do mar. Por outro lado, o medo, o desconhecido, as tempestades, as dificuldades, a diversidade a se enfrentar: novos costumes, outra luminosidade na paisagem, outro clima, outra visão de mundo, uma nova linguagem de vida. Para trás fica o velho, conhecido e vivido, ficam os costumes e a cultura incorporados ao longo de uma existência sem se dar conta de sua atuação. Fica a certeza do sentir-se parte integrante da terra, do ar, das fragrâncias, daquela gente enfim. Mas carrega-se no peito o entusiasmo e a ousadia próprios das travessias. Carrega-se, sobretudo, a vontade da mudança ao longo deste trajeto distinto” (Prof. Mariza Santos Miranda).

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RESUMO

Investiga as políticas públicas de educação para as pessoas com deficiências, no

município de Conceição da Barra/ES, buscando entender como as políticas

instituídas reverberam no cotidiano da escola regular e especial. A analise das

políticas de inclusão escolar do município tem o objetivo de problematizar como têm

evoluído as políticas de inclusão de sujeitos com deficiência na rede municipal,

particularmente no que se refere à gestão de implementação de serviço de apoio e

formação continuada dos professores. As ações e estratégias que vêm sendo

adotadas nas políticas de inclusão escolar, buscando compreender as concepções

de inclusão escolar e de sujeitos com necessidades especiais, que perpassam nas

ações e serviços, contextualiza a realidade sócioeconômica e geopolítica da rede

municipal de educação de Conceição da Barra, pontuando as questões da educação

inclusiva na prática da escola regular e especial. Como base teórica para pensar

essas questões no âmbito da política educacional, estão utilizados os conceitos de

direitos humanos e cidadania, de Norberto Bobbio (2004) e T. H. Marshall (1967),

conjugando entre o processo de internacionalização dos direitos humanos e a

concepção de cidadania que permeiam no processo de inclusão educacional das

pessoas com deficiências, delineando sobre a construção dos conceitos de direitos

humanos e de cidadania fundamentados nos estudos dos autores já citados e, por

fim, buscou-se pensar a questão da inclusão/exclusão pela via do direito como

construção histórica e refletir sobre o papel da educação para a efetivação e

construção de novos direitos para as pessoas com deficiência. Nesse sentido,

contextualiza as políticas públicas, as práticas institucionais e institucionalizadas,

como um movimento da práxis do tecido educacional na perspectiva inclusiva,

concluindo que o sistema municipal de ensino e a escola especializada podem

somar esforços, conhecimentos, vivências e movimentos, como uma das formas de

garantir os direitos das pessoas com deficiências, podendo ainda, significar a

garantia do direito à educação. Sendo necessário para tanto, reinventar ou

transformar o papel do Estado, das suas instituições educacionais, diante dos novos

paradigmas da educação especial na perspectiva inclusiva.

PALAVRAS CHAVE: cidadania. educação especial. inclusão escolar. pessoa com

deficiência.

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ABSTRACT

Investigating public education policies for people with disabilities in Conceição da

Barra, a county in the State of Espírito Santo, Brazil, ES, looking for understanding

how the imposed policies reverberate in the daily of regular and special schools. The

analysis of the policies of school inclusion of that city aims at problematizing how

increased the inclusive policies of individuals with disabilities in public schools,

especially about the management of implementation of support service and ever

training teachers. The actions and strategies that have been adopted about school

inclusion policies, trying to understand the concepts of school inclusion and of

individuals with special needs, that underlie the actions and services, expresses the

socioeconomical and geopolitical realities of the education organisms of Conceicao

da Barra, pointing out the questions of inclusive education in the practice of regular

and special schools. As theoretical basis for thinking about these questions in the

field of educational policy, they are used the concepts of human rights and

citizenship by Norberto Bobbio (2004) and T. H. Marshall (1967), combining between

the process of internationalization of human rights and the conception of citizenship

that underlie the process of educational inclusion of disabled people, outlining the

concepts of human rights and citizenship based on studies of the authors listed

above and finally, they were thought the questions of inclusion and exclusion by

means of right as a historical construction and also reflect on the role of education for

the realization and construction of new rights for disabled people. In that sense, they

are contextualized the public policies, the institutional and institutionalized practices

as movements of the praxis of the educational tissue in the inclusive perspective,

concluding that the system of municipal education and specialized school can both

combine efforts, knowledge, experiences and movements, as one of ways to ensure

the rights of persons with disabilities. It may also mean the guarantee of the right to

education. To happen this way it may be necessary to reinvent or to transform the

role of the state, of its educational institutions, before the new paradigm of the special

education in the inclusive perspective.

KEY WORDS: citizenship. special education. school inclusion. disabled people.

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 01 – Vista da cidade antiga.......................................................................74

Fotografia 02 - Praça em frente à igreja católica.......................................................76

Fotografia 03 – Fachada da escola ―Maria Gilder‖ ,,,,,,,,,........................................114

Fotografia 04 - Alunos no pátio da escola ―Maria Gilder‖ ........................................116

Fotografia 05 - Entrada da Oficina ―Mão na Massa‖ e auditório...............................145

Fotografia 06 - Rampa de acesso ao auditório da escola Especializada.................146

Fotografia 07 - Sala de aula de educação infantil ...................................................149

Fotografia 08 - Oficina de Artesanato.......................................................................150

Fotografia 09 - Sala de aula – Ensino Fundamental Especial.................................150

Fotografia 10 - Piscina para hidroterapia e educação física....................................152

Fotografia 11 - Sala de fisioterapia...........................................................................153

Fotografia 12- Crianças do ensino fundamental regular, em atendimento na escola

especial....................................................................................................................156

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LISTA DE SIGLAS

APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

SEMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura

MEC – Ministério da Educação e Cultura

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

CENESP - Centro Nacional de Educação Especial

CNE - Conselho Nacional de Educação

BPC – Benefício de Prestação Continuada

PME – Plano Municipal de Educação

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PACOVI – Programa Arte com Vida

CME – Conselho Municipal de Educação

PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental

PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura.

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para Infância

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SUMÁRIO

1 PRIMEIRAS INQUIETAÇÕES................................................................................14

2 CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONTORNOS

CONCEITUAIS E LEGAIS.........................................................................................22

2.1 Cidadania e o Direito à Educação........................................................................27

2.2 A Política de Educação Inclusiva como Direito Afirmado....................................33

2.3 Da institucionalização à Inclusão.........................................................................40

2.3.1 A Filosofia de Pestalozzi..................................................................................49

2.3.2 Helena Antipoff: resgatando sua contribuição para a educação especial.......52

2.4 A Escola Especial na política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva.....................................................................................................57

3 O PERCURSO METODOLÓGICO: CONSTRUINDO AS MARGENS DO

CONHECIMENTO CIENTIFICO.................................................................................63

3.1 Contextualizando a pesquisa de campo...............................................................67

3.2 Procedimentos de coleta e análise dos dados.....................................................69

4 CONCEIÇÃO DA BARRA – O LÓCUS DA PESQUISA .......................................74

4.1 Aspectos geográficos ..........................................................................................78

4.2 A educação no município ....................................................................................81

5 A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA REDE

MUNICIPAL................................................................................................................97

5.1 A coordenação da Educação Inclusiva..............................................................106

5.2 A Escola Regular e a Política de Educação Inclusiva........................................114

5.3 A formação de Professores............................................................................... 131

6 A ESCOLA ESPECIALIZADA EM TEMPOS DE INCLUSÃO..............................144

6.1 Uma História a ser contada: o processo de inclusão de Adriana.......................161

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................166

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8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................175

APÊNDICES.............................................................................................................181 APENDICE A - Número de Professores regentes de classe de Conceição da Barra – ES..........................................................................................................................182 APÊNDICE B - Organograma.................................................................................183 APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...............................184

APÊNDICE D - Entrevista com o Diretor da Escola Especial.................................185 APÊNDICE E - Entrevista com o Diretor da Escola Regular....................................18 APÊNDICE F - Entrevista com o professor da Escola Especial............................189 APÊNDICE G - Entrevista com o professor da e escola regular..............................191 APENDICE H – Entrevista com a Secretária Municipal de Educação.....................193

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1 PRIMEIRAS INQUIETAÇÕES

Pela lente do amor Uma grande angular

Vejo ao lado, acima e atrás Pela lente do amor

Sou capaz de enxergar Toda moça em todo rapaz

Pela lente do amor

Vejo tudo crescer Vejo a vida mil vezes melhor

Pela lente do amor Até vejo você

Numa estrela da Ursa Maior

Abrir o ângulo, fechar o foco sobre a vida Transcender, pela lente do amor

Sair do, encontrar um beco sem saída Transcender, pela lente do amor

Do amor

Gilberto Gil

A música ―Lentes do Amor‖ de Gilberto Gil me remete a pensar, neste início de

produção sobre as formas do olhar de cada pessoa. A lente do amor é aquela

angular que me faz enxergar o mundo de uma forma melhor e me conduz a

encontrar, quem sabe, caminhos menos pedregosos e sinuosos, mas é o que me

leva a transcender, pois a lente do amor tem o poder de ―abrir o ângulo ou fechar o

foco sobre a vida‖.

A forma como lanço o olhar sobre a política de educação especial na perspectiva da

inclusão escolar, no município de Conceição da Barra, contempla minhas vivências

e experiências no percurso que venho desenvolvendo, enquanto cidadã, profissional

de uma instituição especializada e pesquisadora na área, bem como, minha

trajetória de estudos desenvolvido no mestrado, percurso que ora passo a descrever

neste trabalho.

A música de Gil, parafraseada acima, fala do amor que considero fundamental em

toda obra humana, sobretudo nesta em que estou envolvida, a escrita deste texto

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que é carregada de emoções, pensamentos, leituras e experiências que trago das

minhas vivências. Escrever é uma obra de arte, um desafio, provoca dor, ao mesmo

tempo que me dá o prazer da descoberta e da satisfação pela produção.

Neste processo inicial, tive momentos de solidão, de enclausuramento, de discussão

com amigos e profissionais, como também, busquei na memória as lembranças do

meu percurso profissional e pessoal que me trouxe até aqui, o que me inquieta e me

leva a pesquisar a área, quais caminhos percorri e quais lentes me fizeram

enveredar pelos caminhos da educação inclusiva.

Paixão, persistência e otimismo são palavras que fazem parte da minha vida e da

minha trajetória profissional e acadêmica. Essas palavras também se interligam na

escolha pelo tema, pois a educação das pessoas com deficiência sempre

acompanhou minhas inquietações. As memórias da profissão são ―marcas‖

importantes que falam da mulher, da mãe, da pesquisadora, da pessoa, e do lugar

que estou falando, descortino meu jeito de pensar, de sentir e de perceber o mundo.

Dessa forma, as razões e o desejo, que sustentam o presente objeto de

investigação, fundiram-se com o meu percurso profissional e pessoal, mediante as

reflexões que venho tecendo em outros processos de pesquisa e trabalho, de

quando lecionei há mais de quinze anos como professora de matemática para

adolescentes, nas 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental. Nessa época, convivi com

vários desafios na escola, entre eles, as dificuldades das crianças para aprenderem

matemática e entendi, então, que minha formação não dava conta para responder

as muitas questões do cotidiano, sobretudo quanto à aprendizagem dos alunos.

Senti necessidade de ir além e ingressei no curso de Pedagogia. Ao concluir o

curso, estava grávida de uma criança que nasceu com encefalopatia grave,

necessitando de vários cuidados médicos e de acompanhamento especializado. Os

cuidados e atenção dedicados à minha filha me levaram a ter interesse pela área da

educação especial e me instigaram a buscar e pesquisar o assunto não apenas

como mãe, mas como profissional.

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O fato de ter um filho com deficiência coloca aos olhos das pessoas uma nova lente.

Primeiro, passei a enxergar tantas outras crianças com deficiências1, que antes,

pareciam não existir ou se existissem eram de outro mundo; segundo, fui

sobressaltada pelo preconceito, a discriminação da sociedade que também me

olhava com outras ―lentes‖; e terceiro, os sentimentos provocados pelas minhas

próprias visões, a dor, a solidão o desespero.

É necessário encontrar uma nova lente, aquela que a música de Gil parafraseia, a

―lente do amor‖. E assim, passei a buscar formas de reagir e de superar não apenas

os sentimentos, as frustrações, mas, sobretudo, reagir e defender os direitos das

pessoas com deficiência, não enxergando só o meu ―problema‖, mas o da

coletividade, pois o meu passou a ser o de tantas outras crianças excluídas das

possibilidades de ter direitos. A luta pelo direito de ser diferente ou de ter uma filha

diferente nesta sociedade, que valoriza e prega a igualdade de direitos.

Abro um parêntese: o que seria falar de igualdades de direitos em uma sociedade

tão desigual? A pergunta parece retórica, pois falar de direitos significa falar de

dilemas cruciais da humanidade. Dilemas que emergem da convergência

problemática de uma longa história de desigualdades e exclusões. Dentre esses

dilemas, o que mais me inquieta é a questão do direito ao bem estar social das

pessoas com deficiência, posto que essa discussão emerge nas margens das

igualdades e das diferenças. Conforme Telles afirma:

Para além das garantias formais inscritas na lei, os direitos estruturam uma linguagem pública que baliza os critérios pelos quais os dramas da existência são problematizados em suas exigências de equidade e justiça. Isso significa um certo modo de tipificar a ordem de suas causalidades e definir as responsabilidades envolvidas, de figurar diferenças e desigualdades, e de conceber a ordem das equivalências que os princípios de igualdade e de justiça supõem, porém, como problema irredutível à equação jurídica da lei, pois pertinente ao terreno conflituoso e problemático da vida social (TELLES, 1996, p. 04).

1 Utilizo durante o trabalho ora o termo ―crianças com deficiência‖, ora ―pessoas com deficiência‖,

pautada no texto da ―Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva da inclusão‖, que considera alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade.

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Nesse terreno conflituoso da vida social existe, um abismo entre o discurso da

igualdade de direito e a realidade vivida, pois igualdade não existe na realidade dos

fatos, e balizar critérios de justiça e injustiça torna-se redundante e na maioria das

vezes, injusto. Por isso, parto da ideia que justiça e equidade social devem que ter

pesos e medidas diferenciados, ou seja, para ser justa, não necessariamente tenho

que igualar os direitos, mas garantir que cada um seja atendido de acordo com as

suas necessidades.

Essas reflexões estão na base teórica deste trabalho, as quais serão tecidas com

outros autores no corpo do texto e com os conhecimentos que venho sistematizando

ao longo da trajetória da pesquisa.

Retomando minhas reflexões sobre a trajetória pessoal e profissional de construção

do objeto de pesquisa, movida pelo fato de ter uma filha com deficiência e a busca

pelo direito ao seu bem-estar social, esbarrei numa questão de fundamental

importância, a educação especial. Nesse percurso, conheci a Associação Pestalozzi

de Conceição da Barra, onde matriculei minha filha e lá comecei a trabalhar como

ajudante da professora de estimulação precoce (2002), como possibilidade de

acompanhar seu desenvolvimento e aproximar-me desse campo de conhecimento: a

educação especial.

A escolha pela instituição especializada naquele momento era o possível caminho

na área de educação especial, no município de Conceição da Barra. No início,

passei pelo estranhamento da instituição especializada, parecia diferente, um mundo

de pessoas diferentes, pais diferentes, professores e outros profissionais também

diferentes. Fui invadida por uma sensação de temor, insegurança, era um mundo

novo que se abria para mim, e tão familiar para tantos outros que já conheciam o

trabalho da instituição.

No entanto, nesse processo de construção de um novo olhar, percebi que poderia

transformar todos esses sentimentos por meio da vivência, buscando a superação e

aprendendo a conviver com as diferenças e com as possibilidades. Uma vez que já

fazia parte do quadro funcional da instituição, comecei a me envolver com as

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questões da formação dos professores, na modalidade de educação especial, pois

estava em busca de informações e conhecimentos nessa área. Em 2003, fui

convidada a assumir a coordenação pedagógica da escola especial e, assim, tive

condições de organizar em nível local, as capacitações para os professores daquela

instituição.

As inquietações sobre possíveis respostas para as questões que se fazem no

cotidiano da escola especializada como, por exemplo, a definição do ―lugar‖ da

pessoa com deficiência, levou-me a direcionar o trabalho da instituição para a

perspectiva da educação inclusiva, já que esse debate estava intenso, no momento,

fomentado pelas diretrizes da APAE educadora. Também iniciei, na escola, o

acompanhamento dos alunos com deficiência incluídos na rede regular de ensino.

As dificuldades e reclamações dos professores eram muitas, já que a equipe da

Secretaria Municipal de Educação não se envolvia com a questão. Por isso,

incentivei esse debate entre os professores da rede regular, e aproveitava os cursos

de capacitação em alfabetização2, que o município oferecia, para problematizar

essas questões.

Assim, os debates com os professores no espaço de formação levaram-me a

questionar o direito à educação das pessoas com necessidades educacionais por

deficiência. Se a educação é um direito de todos, direito esse garantido

constitucionalmente, por que a escola (na fala dos professores) se diz tão

despreparada para receber a criança com deficiência? Por que a educação da

pessoa com deficiência foi construída em rede paralela à escola comum? Essas

questões históricas tornam-se necessárias para entender a organização da

educação especial e comum no Brasil.

A partir dessa vivência e dessas reflexões nos grupos de formação, entendi que as

medidas governamentais para pessoas excluídas, apesar de muitas vezes

adequadas em seu discurso, não conseguem na, prática, reverter ou ao menos

2 Fui coordenadora de um grupo de formação de professores alfabetizadores, organizado pela

Secretaria Municipal e RIED - Rede Interdisciplinar de Educação – Aracruz Celulose.

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minimizar, a situação de exclusão, sobretudo quanto à educação das pessoas com

deficiências.

Continuando a trajetória acadêmica, em 2005 ingressei em um curso de

especialização em Infância e Educação Inclusiva na Universidade Federal do

Espírito Santo, quando desenvolvi o trabalho intitulado ―Diferentes olhares sobre a

inclusão no contexto de uma escola especializada: desafios limites e possibilidades‖,

com o objetivo de des (velar) a concepção de inclusão dos profissionais, pais e

alunos da escola especializada. No percurso profissional, trabalhei na coordenação

da educação inclusiva no município no ano de 2006 e coordenei também o curso de

―Saberes e Práticas da Inclusão‖ em 2007, promovido pela SEMEC, em parceria

com o MEC. O curso impulsionou o debate no município, e no ano seguinte, a

Secretaria passou a acompanhar os alunos com necessidades educacionais

especiais, matriculados nas escolas da rede municipal. A SEMEC organizou uma

equipe, ainda que pequena, composta por um pedagogo e um psicólogo para

acompanhar as crianças que apresentassem dificuldades nas escolas.

A inclusão escolar, especificamente no Brasil, tem sido compreendida pelos órgãos

públicos e pela sociedade em geral, como responsabilidade de pessoas, instituições

especializadas e políticas de educação direcionadas especificamente às pessoas

com deficiências. Essa concepção dificulta muito, sobretudo nas cidades do interior,

que os órgãos públicos assumam a responsabilidade de fato pelo direito à educação

para todos.

Como coordenadora do grupo saberes e práticas da inclusão, me deparei com um

universo muito rico de reflexões de discussões sobre a questão do direito à

educação e aos desafios da educação inclusiva. Os professores tinham muita

necessidade de conhecimento e clamavam por respostas para as questões do

cotidiano, como se fosse possível resolver todos os problemas, mas para quem

convive, sabe que a inclusão de alunos com necessidades especiais na rede comum

gera desafios diários, para os quais, muitas vezes, ainda não há respostas. As

inquietações geradas por essa coordenação de grupo no município me instigaram a

problematizar a política de educação inclusiva no município e a levantar outras

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questões como: Qual concepção de educação especial e inclusão escolar perpassa

nas práticas dos profissionais das escolas especial e regular? Quem são os sujeitos

da educação especial no município? Qual é a política de educação especial e

inclusão escolar instituída no município? Como é organizada a formação de

professores na perspectiva da inclusão educacional? Quais as possibilidades de

articulação entre a escola especial e comum no município?

Originando-se nessas problematizações, o objetivo deste trabalho se constituiu, em

analisar as políticas de educação especial na perspectiva da inclusão escolar no

município de Conceição da Barra, a partir dos sujeitos que a pratica, utilizando como

metodologia o estudo de caso do tipo etnográfico, tendo como objetivos específicos

na produção teórica, que serviram como ―lentes‖ para as discussões e análises dos

dados:

Identificar na literatura os referenciais teóricos e legais que norteiam o debate

contemporâneo acerca dos conceitos de cidadania, direitos humanos e

educação inclusiva;

Contextualizar a realidade sócioeconômica e geopolítica da rede municipal de

educação de Conceição da Barra, pontuando as questões da educação

inclusiva na prática;

Contextualizar a Escola Especializada baseando-se no recorte histórico da

institucionalização no Brasil e sua organização local.

Compreender a organização da política de Educação Especial da rede

municipal, relacionado-a às questões da formação do professor, aos sujeitos

atendidos pela educação especial, aos serviços de apoio e às relações

estabelecidas entre a escola comum e a escola especial.

Concordo com Paulo Freire (1993, p.14), quando afirma que é preciso ―pensar a

prática enquanto a melhor maneira de aperfeiçoar a prática. Pensar a prática através

do que se vai reconhecendo a teoria nela embutida.‖ Vivendo essa tensão entre

teoria e prática é que me proponho, neste trabalho, contribuir para as discussões e

reflexões da área e pontuar possibilidades de transformação e superação dos

desafios, referentes à inclusão escolar.

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Introduzindo o estudo, situo minhas ―inquietações‖, o meu envolvimento pessoal,

acadêmico e profissional no objeto de estudo, problematizando as questões que

ancoram minhas escolhas.

No segundo momento, intitulado de Cidadania, Direitos Humanos e Educação

Inclusiva: Contornos Conceituais e Legais, elaborei uma reflexão sobre o conceito

de cidadania relacionando-o com o direito à Educação, à política de educação

inclusiva - do global ao local - fazendo um breve histórico da institucionalização da

educação especial para construir as margens conceituais da educação Inclusiva.

O percurso metodológico, onde construo as margens do conhecimento cientifico que

ancoram o desenvolvimento da pesquisa, apresento, no terceiro momento, no qual

descrevo a escolha metodológica pelo estudo de caso do tipo etnográfico, o local da

pesquisa de campo, a caracterização dos sujeitos, bem como, os procedimentos

para análise e interpretação dos dados. Aprofundo, no quinto capítulo, os aspectos

históricos e geográficos do lócus da pesquisa de campo, dos quais também

descrevo aspectos relevantes da organização da educação na rede municipal.

Dedico o quinto e sexto capítulos à apresentação, e à análise dos dados sobre a

política de educação inclusiva na rede municipal e à configuração da educação

especial no município. Nesse momento, trago citações das falas dos sujeitos

envolvidos na pesquisa, minhas próprias vivências e a análise dos documentos que

ancoram a política educacional na perspectiva da educação inclusiva na rede

municipal. Discuto também, como a formação dos professores, os serviços de apoio

para a inclusão de alunos com deficiência, na rede, a coordenação municipal da

educação inclusiva, o financiamento da educação especial, entre outros. As

reflexões são ancoradas em trabalhos já desenvolvidos sobre as questões.

Com essa pesquisa, espero contribuir em outros trabalhos com essa temática, e

sobretudo para a organização da educação especial na perspectiva inclusiva nos

municípios do Espírito Santo, defendendo a ideia de que todas as crianças tem o

direito à educação de qualidade, mesmo sendo necessário, reinventar ou

transformar os espaços educacionais.

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2 CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:

CONTORNOS CONCEITUAIS E LEGAIS

O contorno legal indica os direitos, os deveres, as proibições, as possibilidades e os limites de atuação, enfim: regras. Tudo isso possui enorme impacto no cotidiano das pessoas, mesmo que nem sempre elas estejam conscientes de todas as suas implicações e conseqüências. (CURY, 2002)

Nesta parte do trabalho, tecerei algumas delimitações em torno dos conceitos de

direitos humanos e cidadania, utilizando a base teórica de Norberto Bobbio (2004) e

T. H. Marshall (1967), com o objetivo de trazer, partindo de um contorno legal, uma

aproximação entre o processo de internacionalização dos direitos humanos e a

concepção de cidadania que permeiam no processo de inclusão educacional das

pessoas com necessidades educacionais especiais, causadas por deficiência.

Observo que, nos últimos anos, se tem falado muito em cidadania. Nos discursos

políticos e educacionais permeiam frases como ―formação para a cidadania‖,

―construção da cidadania‖, ―exercício da cidadania‖, entre outros, como meta ou

missão das instituições. Todos falam em cidadania independente de qual lugar

estejam falando, de segmentos públicos ou privados, se da direita ou da esquerda,

enfim, a utilização do termo ―cidadania‖ vem, sempre, perdendo ou ganhando

diferentes sentidos.

As escolas, de modo geral, estão se preocupando com a ―preparação do individuo

para a cidadania‖. É comum nos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas

brasileiras: ―preparar para o desenvolvimento pleno da cidadania‖. Enfim, a palavra

cidadania vem sendo usada nas mais diversas formas e enfoques possíveis, ao

sabor dos interesses de diferentes grupos.

Assim, delinearei sobre a construção dos conceitos de direitos humanos e cidadania,

baseando-me nos estudos dos autores já citados, pensando a questão da

inclusão/exclusão pela via do direito como construção histórica e refletindo sobre o

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papel da educação para efetivação e construção de novos direitos para as pessoas

com deficiência. Celso Lafer, na apresentação do livro ―A era dos direitos‖, de

Norberto Bobbio, destaca:

Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia, sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. (BOBBIO, 2004, p. 06)

Essas aproximações constituem-se em andaimes que fornecem um apoio para

análise das ações empreendidas na rede municipal de ensino de Conceição da

Barra, como também o debate dos direitos à educação das pessoas com deficiência

na sociedade contemporânea.

Recorrendo aos escritos do italiano Norberto Bobbio que, em sua obra ―A era dos

direitos‖ discute a razão absoluta dos direitos do homem e parte do pressuposto de

que ―os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser

perseguidos e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles

(por toda a parte e em igual medida) reconhecida‖; (BOBBIO, 2004, p. 36). Conclui o

autor que, através dos fundamentos, é possível justificar as escolhas feitas, e este é

o meio adequado para se obter um mais amplo reconhecimento filosófico e teórico

dos direitos humanos.

O autor critica a existência de um fundamento absoluto dos direitos humanos, e

afirma ser infundada e ilusória a ideia dos jusnaturalistas que estabelecem os

direitos humanos como direitos naturais. A teoria dos direitos naturais ou

jusnaturalismo advoga que os direitos naturais, que nascem com os indivíduos e são

imanentes à natureza humana enquanto tal, independentemente da constituição de

qualquer comunidade política.

Considerando que as declarações nascem como teorias filosóficas, além de

contestar a questão dos princípios dos direitos humanos como direitos naturais,

BOBBIO (2004) questiona os direitos inatos defendidos por Kant como o direito de

liberdade, sendo uma ilusão, considerando infundada toda busca por fundamento

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absoluto, recorrendo assim, nas ideias dos mais renomados filósofos da história, ao

questionamento sobre os fundamentos dos direitos.

O jusnaturalismo moderno, inaugurado por John Locke, defende ―a idéia de que o

homem enquanto tal, tem direitos por natureza, que ninguém (nem mesmo o estado)

lhe pode subtrair, e que ele mesmo pode alienar (mesmo que em caso de

necessidade, ele os aliene, a transferência não é válida)‖ (BOBBIO, 2004, p. 48). E o

que seria a natureza humana? O autor levanta várias questões quanto à busca

desse fundamento.

O autor também discorda da ideia de que ―todos os homens são livres e iguais por

natureza‖, pois a ―liberdade e igualdade dos homens não são fatos, mas um ideal a

perseguir, não são existência, mas um valor, não são um ser, mas um dever.‖

(BOBBIO, 2004, pág. 49). Essa questão fica muito clara, quando o tema é

relacionado às pessoas com deficiência. Como falar de liberdade e igualdade,

quando a educação especial foi construída em uma rede paralela à comum? A

sociedade construiu a ideia de que nem todos podem frequentar a escola e que

deveria haver escola para aqueles de capacidade inferior ou não se enquadrarem

nos padrões da normalidade, como mostram os estudos de Mazzota (2001) e

JANUZZI (2006).

Bobbio, discutindo a questão relativa à busca do fundamento dos direitos do homem,

enfrenta a questão relativa à conceituação de tais direitos, concluindo que não se

conseguiu, até o presente momento, apresentar uma conceituação, efetivamente,

satisfatória (BOBBIO, 2004, p. 37). Afirma o autor italiano ser muito vaga a

expressão ―direitos do homem‖, e a maioria das definições são tautológicas, ou seja,

não dizem nada mais do que meramente veiculam, como: ―Direitos do homem são

os que cabem ao homem enquanto homem‖ (ibidem).

Outro grupo de conceituações parte da definição sobre o estatuto desejado ou

proposto para esses direitos, e não sobre o seu conteúdo, como, por exemplo:

―Direitos do homem são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os

homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado.‖ (BOBBIO, 2004, p. 37)

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Num terceiro grupo de conceituações, mostram-se aquelas as quais se acrescentam

termos avaliativos para fazer referência ao conteúdo, como: ―Direitos do homem são

aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da

pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc., etc.‖ Quanto a esta

última categoria, BOBBIO (2004) ainda acrescenta a seguinte crítica:

[...] E aqui nasce uma nova dificuldade: os termos avaliativos são interpretados de modo diverso, conforme a ideologia assumida pelo intérprete; com efeito, é objeto de muitas polêmicas apaixonantes, mas insolúveis, saber o que se entende por aperfeiçoamento da pessoa humana ou por desenvolvimento da civilização. (ibidem, p. 38)

A crítica levantada por Bobbio vai ao encontro, exatamente, do teor das

―conceituações‖ já definidas, e estas acabam por ―encaixarem-se‖ em uma das três

categorias destacadas pelo autor. Portanto, ante a maior profundidade da

argumentação, observo que não se pode estabelecer uma noção precisa do

conceito dos direitos do homem, sendo que tal impossibilidade influirá diretamente,

também, na definição dos fundamentos dos direitos do homem, bem como na

eleição de quais seriam tais direitos fundamentais.

Fortalecido nessas e em outras discussões, sobre os fundamentos dos direitos

humanos, o autor afirma que os direitos do homem são direitos históricos por mais

fundamentais que sejam. ―São direitos históricos porque nascidos em certas

circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra

velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma

vez por todas‖. (BOBBIO, 2004, p. 51/52)

Nessa mesma direção, GOBETTE (2005) faz uma análise histórica da convergência

do Estado e do Direito, fundamentado nas ideias de Norberto Bobbio, e citando o

autor, destaca que os direitos apareceram vinculados ao surgimento do estado

moderno, disparando um processo que Bobbio et al. (2002) identificam como a

―estatização do Direito e da juridificação do Estado‖, ou seja, um Estado limitado

pelo Direito, ―cujos poderes agem no âmbito do Direito e cuja legitimidade depende

do fato da sua ação de desenvolver dentro dos limites de regras preconstituídas‖.

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Isso significa que os direitos do homem se modificaram e continuam a se modificar

com a mudança das condições históricas, ou seja, dos acontecimentos e dos

interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos

mesmos, das transformações técnicas, etc. A cada dia que passa, a cada ano os

problemas sociais tornam-se mais complexos e de difíceis soluções, o que vem a

demandar o surgimento de outros direitos, de acordo com o momento atual.

Fazendo a análise dessa historicidade dos direitos à luz dos escritos de Bobbio

(1992), GOBETTE (2005) complementa:

Com a mudança das condições históricas, os direitos que são considerados fundamentais numa época podem não ser, pelo menos com a mesma intensidade, em outras. Os direitos sociais, por exemplo, não eram mencionados nas declarações dos séculos XVIII, e aparecem de forma bastante enfática nas declarações atuais. (p. 27)

Nesse sentido, com fundamento nos estudos de Bobbio (1992), nota-se que os

direitos apresentam uma historicidade relativa, uma vez que acompanham os

carecimentos de cada momento histórico, emergindo das lutas por emancipação e

transformação das condições de vida social e individual. Assim, os direitos ditos

humanos são produtos da civilização humana e, como históricos, são suscetíveis de

transformação e ampliação.

Um exemplo da historicidade dos direitos defendidos pelo autor é o movimento

social das pessoas com deficiência, o qual foi conquistando espaço nas diversas

instâncias de convivência social, como no trabalho, no lazer, na educação, levando a

sociedade a incorporar práticas antes impensadas, e a reconhecer as necessidades

humanas nas suas diferentes condições, mesmo considerando que muito ainda há a

ser feito para a efetivação desses direitos.

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2.1 Cidadania e o Direito à Educação

A cidadania tem assumido, historicamente, várias formas em função dos diferentes

contextos culturais. O conceito de cidadania, enquanto direito a ter direitos, tem-se

prestado a diversas interpretações. Entre elas, tornou-se clássica a concepção de

Marshall (1967) que, analisando o caso inglês e sem pretensão de universalidade,

generalizou a noção de cidadania e de seus elementos constitutivos.

Marshall (1967) analisa o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra, e é referência

para muitos outros trabalhos que tratam dessa questão. Para o autor, a cidadania

seria composta dos direitos civis e políticos - direitos de primeira geração - e dos

direitos sociais - direitos de segunda geração. Os direitos civis, conquistados no

século XVIII, correspondem aos direitos individuais de liberdade, de pensamento, de

liberdade de imprensa, assim como, direito de ir e vir, direito de propriedade, de

segurança e outros. São os direitos que embasam a concepção liberal clássica. Já

os direitos políticos, alcançados no século XIX, dizem respeito: à liberdade de

associação e reunião, de organização política e sindical; à participação política e

eleitoral, ao sufrágio universal, dentre tantos outros. São também chamados direitos

individuais exercidos, coletivamente e acabaram incorporando-se à tradição liberal.

Os direitos de segunda geração, os direitos sociais, econômicos ou de crédito foram

conquistados no século XX, com início nas lutas do movimento operário e sindical.

São os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, à aposentadoria, ao seguro-

desemprego, enfim, à garantia de acesso aos meios de vida e bem-estar social. Tais

direitos tornam reais os direitos formais.

Assim sendo, Araújo (2007), em trabalho no qual analisa o marco explicativo de

Marshall para o desenvolvimento da cidadania, paralelamente com o direito à

educação, observa que:

[...] a descrição das etapas de desenvolvimento dos direitos de cidadania acaba obscurecendo a coexistência das idéias de responsabilidade e de igualdade social na ―etapa‖ dos direitos civis e políticos, como se essas noções fossem praticamente inexistentes no Estado liberal e exclusivas do Estado providência.[...] não enfatizam o problema da possibilidade ou da impossibilidade de conciliação entre a igualdade formal defendida pela democracia e a desigualdade das

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divisões de classe advinda do capitalismo [...] (ARAUJO, 2007, p. 06 - 07).

Existe uma tensão interna entre os diversos direitos que compõem o conceito de

cidadania (liberdade x igualdade), e que a perspectiva evolucionista do direito não

daria conta de discutir. Enquanto os direitos de primeira geração - civis e políticos -

exigiriam, para sua plena realização, um Estado mínimo, os direitos de segunda

geração - direitos sociais -, demandariam uma presença mais forte do Estado para

serem realizados.

Considera Araújo (2007), que o modelo de Marshall induz à ideia de que existe um

caminho, uma via para a cidadania, e essa indução acaba desconsiderando a

possibilidade de existência de diferentes formulações dos elementos da cidadania

para os diferentes povos, sociedades e nações.

Na concepção do autor, a cidadania está associada à igualdade de oportunidades e

de condições, sendo assim, o exercício da cidadania minimiza desigualdades

sociais. Trazendo essa concepção para a educação, o autor esclarece que o direito

à educação das crianças está diretamente relacionado com a cidadania, mesmo que

elas não sejam visualizadas com o status de cidadãs:

A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em mente, sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva (MARSHALL, 1967, p. 73).

Logo, o grande desafio para a educação, de acordo com Marshall, é tornar as

crianças ―futuras cidadãs‖; isso implica em dizer que crianças não são cidadãs e

também não são pessoas de direitos, mas estão em formação3. Com certeza, essas

questões dariam uma grande discussão, mas não é o objetivo neste trabalho. É

apenas uma consideração com o propósito de analisar, nessa perspectiva, se as

3 Essa ideia hoje se contrapõe aos estudos de Sarmento e Pinto (1999), Kramer (1993), dentre tantos

outros.

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crianças estão em formação da cidadania, ainda não atingiram a plenitude como

cidadãs, e as pessoas consideradas com deficiência? Haveria um tempo para o

exercício de sua cidadania? Caber-lhes-ia o status de cidadãs? É o que vamos

discutir adiante.

Cidadania, na verdade, se reflete em igualdade de oportunidades, na/no educação,

saúde, segurança, habitação, emprego, lazer, entre outros. É ter igualdade de

oportunidades na sociedade. Isso tudo somado resulta em cidadania, mais do que

isso, resulta em dignidade humana.

Para Marshall, a história da educação apresenta semelhanças com a história da

legislação industrial. O século XIX foi o período em que foram lançadas as

fundações dos direitos sociais, porém, os princípios dos direitos sociais como parte

integrante do status da cidadania ou foi negado, ou admitido definitivamente.

Analisando a questão do direito à educação no Brasil,

[...]se o direito à educação tem como pressuposto que a escolarização é indispensável para o usufruto dos demais direitos de cidadania, no Brasil, com esses direitos adaptados a diagramas (representações) baseados nos privilégios e nas desigualdades, o caráter emancipador e igualitário do direito à educação foi mitigado pelo próprio sistema normativo, ou seja, o direito à educação se viu restringido até mesmo enquanto programa (intenção). (ARAUJO, 2007, p. 12)

A autora me leva a refletir que, se o Estado vem negligenciando o direito à educação

de modo geral, essa negligência se faz muito mais presente ao me referir às

pessoas com algum comprometimento motor, mental ou sensorial. Isso fica muito

claro nos estudos de Januzzi (2006), Mazzota (2001), entre outros, que vêm sendo

desenvolvidos na perspectiva da inclusão educacional. Neste sentido, faço a

reflexão: a inclusão é um direito social, é uma obrigação ou uma política de

regulação social?

Essas reflexões também me fazem questionar, o que é ser cidadão hoje para a

pessoa que carrega a marca da deficiência? Onde está o direito à liberdade neste

país onde a grande parte dos locais não foi adaptada para pessoas com mobilidade

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reduzida? E a liberdade de pensamento das pessoas acometidas pela deficiência

mental, numa sociedade impregnada de preconceito? E o direito à educação?

Historicamente, conforme estudos de Mazzota (2001), as pessoas com deficiência

foram marcadas pela negação desses direitos, acredito pelo fato de também não

serem consideradas como cidadãs, pois sendo ―a educação um pré-requisito

necessário à liberdade civil‖, os direitos civis se destinavam às pessoas inteligentes

e de bom senso que aprendessem a ler e escrever. Ou seja, nessa categoria

definitivamente, não se ―encaixavam‖ as pessoas com deficiência, porquanto eram

vistas como desprovidas de intelectual humano e não acreditavam em possibilidades

de aprendizagem, muito menos de se tornarem ―úteis ao estado‖.

Januzzi (2006) descreve e interpreta de forma apropriada como se organizou a

educação escolar formal, intencional ao alunado com limitações físicas, fisiológicas

[...] desde os primórdios de nossa colonização as diferenças individuais mais evidentes foram inspirando acolhimento, em locais às vezes mais, às vezes menos educativos, quer em hospitais junto aos doentes, quer em asilos com outros ―desvalidos‖ (crianças abandonadas, órfãos, pobres) (...), nos anos de 1850, no Império foram organizadas oficialmente duas instituições escolares especializadas. (...) enquanto a educação popular permanecia sob a responsabilidade das províncias desde o Ato Adicional de 1834, o governo da Corte, numa sociedade agrária, iletrada, assumia educar uma minoria de cegos e surdos, movido, provavelmente, por forças ligadas ao poder político, sensibilizadas com esse alunado por diversos motivos, inclusive vínculos familiares. [...] (pág. 67 ).

A autora mostra que o engajamento político da sociedade civil com a educação das

pessoas com deficiência foi silenciado por muitos anos, e só a partir de interesses

pessoais, vínculos familiares se começou a pensar no atendimento a esse grupo.

Apesar de o governo já ter admitido, na 1ª Constituição (1824), a educação para

todos, as pessoas com deficiência continuaram esquecidas, ou seja, não faziam (e

não fazem) parte desse ―todos‖, e as primeiras iniciativas foram de organizações da

sociedade civil (liderados por familiares e amigos) através de associações ou

entidades filantrópicas especializadas.

Portanto, faço a seguinte reflexão: onde esteve /está a responsabilidade direta do

estado com essa parcela de cidadãos? Será que são, realmente, considerados

cidadãos? Existe relação entre o conceito de cidadania e o conceito de inclusão

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social? De acordo com a perspectiva clássica, o autor T. H. Marshall diz que a

educação das crianças está diretamente relacionada com à cidadania. E em se

tratando de crianças com necessidades especiais por deficiências? Elas têm as

mesmas condições e oportunidades de exercer a cidadania? Atualmente, não é

difícil constatar as violações cotidianas aos direitos, um exemplo claro, é o

desrespeito ao direito de ir e vir, de pessoas com deficiência física, pois ainda são

poucas as iniciativas de construção de rampas, adaptações em prédios, calçadas

públicas, banheiros públicos, ônibus adaptados e diversas outras adaptações que

são essenciais a esse direito.

Entendo que a negação desses direitos simboliza a negação da condição de

cidadãos, ou mesmo de pessoas humanas. Quando impeço o direito à educação, ao

lazer, ao transporte, à saúde, ao trabalho, dentre outros direitos da pessoa, sendo

deficiente ou não, direitos esses que são fundamentais ao cidadão, está também

sendo negado o direito de ser gente, ser cidadão.

Bobbio (2004), como já foi referido (p. 24 e 25), mostra que não se trata apenas de

enveredar numa busca do fundamento absoluto, ou mesmo, de discussões

acadêmicas em torno dos fundamentos dos direitos humanos. A efetivação dos

direitos do homem mostra, sem dúvida, o grande passo a ser dado, sem o qual,

qualquer discussão assume um caráter meramente retórico. O autor ainda destaca

que: ―O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto

o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas

político.‖(p. 43 )

Acredito, então, que a educação para a cidadania deva contemplar em seu seio a

luta pela dignidade humana, ou seja, a luta pelos direitos humanos. Telles (1999)

contribui para essa reflexão compreendendo por cidadão o indivíduo que

[...] se eleva em dignidade e direito por sobre as instituições e estruturas, por sobre o próprio Estado, que, sob licença, o governa. Cidadão é todo homem e toda mulher sem discriminação etária, igualado pela condição humana, de onde emana todo o poder político, que somente no seu interesse se justifica.[...] (TELLES, 1999, p. 09)

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Pensando no discurso da educação que pretende a preparação do cidadão, acredito

que, para atingir seu objetivo proclamado, é necessário sobretudo, assimilar o

conceito de cidadão como algo universal: não só os alunos devem se constituir

como cidadãos, mas é muito necessário que os professores e todos os envolvidos

com a educação se constituam como cidadãos. A cidadania precisa ser vivenciada

por todos os sujeitos envolvidos com a educação.

Destarte, Dutra (2006) contribui para essa reflexão, ao abordar sobre as políticas

públicas de inclusão e o papel da educação especial,

[...] o que se torna fundamental na abordagem das políticas públicas pensadas a partir dos pressupostos éticos da inclusão social é o princípio democrático da educação enquanto exercício de cidadania.[...] Entende-se que a cidadania se efetiva mediante a ação concreta do Estado na garantia dos direitos e a ação dos indivíduos na sociedade,destacando-se que essa abordagem não tem relação com políticas de assistencialismo que ainda tem permeado alguma conceitos acerca da educação especial. A cidadania como conceito histórico, apresenta a perspectiva das mudanças sociais, que estão atualmente no alicerce do movimento de inclusão que pressupõe o acesso à educação articulado com a questão da qualidade do processo educacional. [...] (DUTRA, 2006, 70).

Portanto, a busca da proteção e efetivação dos direitos do homem, é o grande

desafio que os governos e cada pessoa, na condição de seres humanos, tem para

se empenhar, cada qual contribuindo, levantando questões, dialogando e lutando

para alcançar esse desafio, ou seja, o Estado tem que garantir os direitos para que

se efetive a cidadania, mas é preciso o envolvimento da sociedade na efetivação

dos direitos. Nesse sentido, a educação tem muito a contribuir nessa conquista,

pois, a efetivação dos direitos humanos está diretamente, atrelada ao conhecimento

dos direitos. E é, justamente, assim que a educação pode contribuir, tanto para a

construção de novos direitos como para a efetivação dos direitos para todos os

cidadãos.

É com esse olhar que trago essa base teórica na discussão da configuração da

educação especial e inclusiva do município, concluindo que não é possível pensar e

fazer políticas públicas educacionais sem ter claros os conceitos de direitos

humanos, cidadania e educação inclusiva (que apresento adiante), subjacentes a

essas políticas.

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2.2 A Política de Educação Inclusiva como Direito Afirmado

Neste subitem, pretendo refletir sobre a produção da política de educação inclusiva

do contexto macro, pressupondo ser a começar pelos discursos implícitos nessa

produção global que a política vem assumindo as formas concretas, reverberando

em ações no cotidiano das escolas.

A década de noventa foi marcada por um amplo debate internacional e reformas

estruturais e educacionais no país, inspiradas por organismos internacionais e

caracterizadas pelo discurso da educação para todos, pela focalização de

investimentos no ensino fundamental e pela descentralização de ações, recursos e

responsabilidades (CEPAL, 1992). Todos esses acordos internacionais interferiram e

incentivaram, diretamente, a chamada ―educação inclusiva‖ e a ―inclusão

educacional‖, no Brasil, imbricadas no debate maior da inclusão social.

A Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien (Tailândia),

em 1990, sob orientação do UNICEF/PNUD, expressa e reforça a importância e

obrigatoriedade da educação básica. A proposta originada dessa Conferência está

voltada para a ideia de "satisfação das necessidades básicas de aprendizagem" cuja

realização exige a integração da educação às demais políticas sociais.

A proposição apresentada pela Unesco (1990) na Declaração Mundial de Educação

para todos, de ―satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem‖ ganhou força

com a representação de vários organismos internacionais. Na organização da

Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na Tailândia, em 1990,

houve a participação de organismos transnacionais, como BIRD, PNUD, UNICEF,

UNESCO, e a magnitude do evento evidenciou-se pela inclusão de 155 nações e

150 entidades não governamentais. Sobre a massiva presença mundial e a

participação de importantes organismos internacionais, é mister salientar que o

Banco Mundial declarou-se como o principal patrocinador da Conferência de

Educação para Todos, além de se ter colocado como atual coordenador da

cooperação técnica internacional à educação (BIRD, 1990-a). (FONSECA, 1998).

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Após a Conferência Mundial, foram realizadas Importantes conferências sobre

educação, de âmbito internacional e nacional, a primeira na China (1993), seguida

da Conferência de Cúpula de Nova Delli (Índia), realizada no período de 13 a 16 de

dezembro do mesmo ano (1993), a Conferência de Aman (Jordânia), de 1996 e a

Conferência de Islamabad (Paquistão), em 1997. O Brasil realizou a sua

Conferência Nacional de Educação para Todos em Brasília, de 29 de agosto a 2 de

setembro de 1994 de onde resultou um ―Acordo Nacional‖ assinado, entre outras

entidades, pelo MEC, pela UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de

Educação), pelo CONSED (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e pela

CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação.

A Conferência de Nova Delli deu continuidade ao debate sobre a proposta de

educação para todos, iniciada em 1990. Participaram os nove países mais populosos

do mundo: Brasil, México, China, Índia, Paquistão, Bangladesh, Egito, Nigéria,

Indonésia. Dessa Conferência, resultou a definição de metas humanitárias como a

universalização de oportunidades para crianças, jovens e adultos, e com qualidade e

equidade, estabeleceu duas vertentes importantes: a primeira diz respeito à ênfase no

nível primário de ensino; a segunda enfatiza a importância da escolaridade feminina

para sua participação crescente no mercado de trabalho (BIRD, 1990-b;

BIRD/PNUD/UNESCO/UNICEF, 1990).

Dessas Conferências, o Banco Mundial (1995) assegurou a educação básica como

estratégia primordial de redução da pobreza, por aumentar a produtividade dos

pobres, reduzir a fecundidade e melhorar os índices relacionados à saúde. Nesse

cenário da discussão sobre políticas educacionais, no que tange à América Latina,

Garcia (2007), destaca a proposta da Comissão Econômica das Nações Unidas para

América Latina e Caribe (CEPAL), ao estabelecer o binômio cidadania e

competitividade, atribuindo à escola básica o compromisso de acesso aos ―códigos da

modernidade‖.

Dentre os debates internacionais impulsionadores das políticas inclusivas, ainda

destaco a declaração que resulta da Convenção Interamericana para a Eliminação

de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de

Deficiência, realizada na Guatemala (1999), cujo propósito foi de ―promover e

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assegurar o desfrute pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades

fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito

pela sua inerente dignidade.” Tal documento contribuiu para as políticas de inclusão

na perspectiva da remoção de barreiras arquitetônicas e atitudinais e para a ideia de

acessibilidade, além de trazer toda uma gama de informações referentes aos

conceitos de discriminação e deficiência.

Enfim, a Educação Inclusiva tornou-se política preferencial no Brasil, a fim de

atender às pessoas com necessidades educacionais especiais, conforme já dito,

especificamente, a partir da segunda metade da década de 90, com a difusão da

Declaração de Salamanca, da qual o Brasil é um dos signatários. Considerada uma

das mais importantes referências internacionais no campo da Educação Especial, é

o documento resultante da ―Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais

Especiais: Acesso e Qualidade‖, promovida pela Organização das Nações Unidas

para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e pelo Governo da Espanha, da qual

participaram cerca de 90 países e inúmeras organizações internacionais. Entre

outros pontos, a Declaração propõe que ―crianças e jovens com necessidades

educacionais especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a eles devem

se adequar (...)‖, já que tais escolas ―constituem os meios mais capazes para

combater as atitudes discriminatórias (...), construindo uma sociedade inclusiva e

atingindo a Educação para Todos (...)‖ (UNESCO, 1994, p. 8-9, grifo nosso).

Em âmbito federal, diversas leis e diretrizes institucionais passaram a estabelecer o

direito social de pessoas com necessidades especiais serem incluídas na rede

regular de ensino. Por exemplo, a Constituição Federal de 1988, no inciso III do

artigo 208, estabelece que o atendimento educacional especializado aos portadores

de deficiências deve se dar ―preferencialmente na rede regular de ensino‖. Já a

Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 2008), em suas diretrizes, destaca

que:

A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular.

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O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela. (BRASIL, 2008, p.16)

Esses princípios estão afirmados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

– LDB (Lei nº 9.394/96) e nas Diretrizes Nacionais para Educação Especial na

Educação Básica (CNE/CEB, 2001). Outra referência importante é a Política

Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (1999) e o Plano

Nacional de Educação (Lei nº 10.172/01) que dispõem sobre a organização dos

sistemas de ensino e a formação de professores visando à inclusão educacional.

Ratificam a obrigatoriedade da matrícula de todos os alunos na rede regular,

cabendo às escolas se organizarem para o atendimento às pessoas com

necessidades especiais, apontando as condições necessárias para uma educação

de qualidade.

Vale destacar que, em consonância com a Declaração de Salamanca, as Diretrizes

Curriculares Nacionais para Educação Especial (MEC/SEESP, 1998) explicitam que

a escola regular deve adotar uma nova postura, propondo, no projeto político-

pedagógico, no currículo, na metodologia de ensino, na avaliação e nas estratégias

de ensino, ações que favoreçam a inclusão social e as práticas educativas

diferenciadas. O pressuposto adjacente a essa diretriz, que numa escola inclusiva, a

diversidade é valorizada em detrimento da homogeneidade, oferecendo a todos os

alunos maiores oportunidades de aprendizagem.

Tomando também, como referência a Constituição de 1988, que registrou o direito

público subjetivo à educação de todos os brasileiros, inclusive daqueles com algum

tipo de deficiência, estes preferencialmente, junto à rede regular de ensino, a

questão das políticas públicas a eles destinadas tornou-se mais presente em

diferentes espaços da legislação educacional da União dos Estados e dos

Municípios. As novas constituições estaduais e as leis orgânicas municipais

reproduziram ou ampliaram as referências à educação especial. Insta registrar o que

a Lei Orgânica do Município preconiza no art. 196:

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―Cabe ao município, suplementarmente, promover o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente na rede oficial de ensino‖. (LOM, 1990- p. 85)

Embora a educação seja um direito humano, fundamental e tenha a escola comum

como via principal, direito fundamentado na Carta Magna e na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação (BRASIL 1996), além de ser um direito de todas as pessoas, é

dever do Estado, é obrigatória conforme preconiza o art. 308, inciso I, da

Constituição Federal. Portanto, pergunto novamente: a educação não seria uma

obrigação também para os sujeitos acometidos pela marca da deficiência? Se negá-

lo seria o mesmo que negar a condição de cidadania a essas pessoas? Qual a

concepção de estado, de direito que está por trás do discurso de uma política

educacional que se vale das instituições filantrópicas para assumir o papel que seria

legalmente seu?

Nas várias reformas educacionais ocorridas desde a Constituição Federal de 1988,

os documentos oficiais legais e complementares de normatização ou de orientação à

política educacional preveem que aos alunos com necessidades educacionais

especiais sejam garantidos a educação e o atendimento educacional especializado,

preferencialmente, na rede regular de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional de 1996 ―embora priorizando o atendimento integrado às classes

comuns do ensino regular, (...) prevê a manutenção das classes, escolas ou serviços

especializados para atender aos alunos que deles necessitarem, em

complementação ou substituição ao atendimento educacional nas classes comuns.‖

(art. 58, § 1º).

Outra referência importante é a Política Nacional para a Integração da Pessoa

Portadora de Deficiência (1999) e o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/01).

Estes e outros documentos dispõem sobre a organização dos sistemas de ensino e

sobre a formação de professores, visando à inclusão educacional. Ratificam a

obrigatoriedade da matrícula na rede regular de todos os alunos, cabendo às

escolas se organizarem para o atendimento aos alunos com necessidades

especiais, e apontam as condições necessárias para uma educação de qualidade.

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Garcia (2007) me chama a atenção para o fato de que os documentos referidos

acima têm em comum discursos que defendem práticas inclusivas no campo

educacional como promotoras de inclusão social, mas numa perspectiva que não

questiona o atual sistema social, ao contrário, propõe reparos sociais para aqueles

que necessitam deles. Dessa forma, não questionam a organização escolar da

educação básica, como direito de todos os alunos com ou sem deficiência.

Pensando, especificamente, na política educacional brasileira recente, Garcia (2007)

faz uma análise e registra duas expressões na educação básica, pensadas a partir

de estruturas diferentes no âmbito do MEC, em duas secretarias: a secretaria de

Educação continuada, alfabetização e Diversidade – SECAD e a Secretaria de

Educação Especial – SEESP. Essas secretarias expressam as políticas adotadas,

originadas nas proposições de organismos internacionais para serem

implementadas no âmbito dos municípios.

A SECAD trabalha com a ideia de ―inclusão educacional‖, centrada fortemente na

perspectiva da diversidade cultural, cujos objetivos estão voltados para o

atendimento educacional da diversidade da população brasileira e da redução das

desigualdades educacionais. A Secad foi criada em julho de 2004 e está organizada

em quatro departamentos: 1) educação de jovens e adultos; 2) educação para a

diversidade e cidadania; 3) desenvolvimento e articulação institucional; e 4)

avaliação e informações educacionais (MEC, 2009). A SEESP, Secretaria de

Educação Especial desenvolve programas, projetos e ações, a fim de implementar,

no país a Política Nacional de Educação Especial.

Dentre as ações desenvolvidas pela SEESP está o apoio técnico e financeiro aos

sistemas públicos de ensino para a oferta e garantia de atendimento educacional

especializado, complementar à escolarização. Para apoiar os sistemas de ensino, a

secretaria desenvolve programas de formação continuada para professores na

educação especial - presencial e a distância -, programa de implantação de salas de

recursos multifuncionais, programa escola acessível (adequação de prédios

escolares para acessibilidade), programa BPC na Escola e programa Educação

Inclusiva: direito à diversidade, que forma gestores e educadores para o

desenvolvimento de sistemas educacionais inclusivos.

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Contribuindo nessa direção, as análises de Garcia (2007), também destacam que a

noção de ―educação inclusiva‖ adotada pela SEESP tem como ênfase os serviços

especializados aos alunos com necessidades educacionais especiais. A questão fica

clara também nos objetivos da Secretaria, que apresentei acima.

O Decreto 6571/08 dispõe sobre o atendimento educacional especializado e

considera o ―atendimento educacional especializado o conjunto de atividades,

recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado

de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular‖.

Isso significa que o atendimento educacional especializado pode ser pensado como

apoio, como complemento e/ou suplemento à escola comum, mas não pode ser

substitutivo.

Embora não seja o objetivo deste trabalho analisar os conteúdos dos documentos e

programas aqui exposto, saliento a análise realizada por Garcia (2007), denominada

―Políticas Inclusivas na educação: do Global ao Local‖, que destaca alguns pontos

importantes nesse debate, entre eles:

[...] No exercício discursivo e político da inclusão, observa-se a incorporação ou rearranjo de novos/velhos conceitos que apóiam a manutenção de concepções já conhecidas e consagradas como incapazes de apoiar processos satisfatórios de escolarização de alunos com deficiências com sentidos relacionados a acesso, permanência e possibilidade de sucesso escolar no que se refere ao desenvolvimento de interações que promovam o desenvolvimento humano e que necessariamente envolvem a apropriação dos conhecimentos historicamente organizados e considerados como conhecimento escolar. [...] (GARCIA, 2007, p. 13)

Esse ponto levantado pela autora me remete a uma breve reflexão sobre os

princípios que estão subjacentes ao conceito de inclusão, e para dar continuidade ao

trabalho, torna-se necessário neste ponto, colocar o leitor em consonância com a

construção do conceito de inclusão, os princípios que estão subjacentes a esse

conceito e a minha própria escolha conceitual.

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2.3 Da institucionalização à Inclusão

Teço um breve recorte, baseado em uma leitura histórica da institucionalização das

pessoas em situação de deficiência, analisando a configuração histórica do

atendimento especializado no Brasil, destacando os aspectos que serviram de base

para a constituição dos conceitos de inclusão. A história nos revela que desde as

comunidades primitivas, existiram pessoas com limitações das mais diversas e que,

na vivência social, surgiram novas formas de limitações constituídas pelo meio. A

preocupação com o direito à educação das pessoas, em situação de deficiência

demorou a acontecer, e a discussão vai percorrer longo, moroso e tortuoso caminho.

Conforme estudos de Jannuzzi (2006), as tentativas de institucionalização das

crianças consideradas deficientes aconteceram de maneira tímida, no conjunto das

concretizações possíveis das ideias liberais que tiveram divulgação, no Brasil, no fim

do século XVIII e começo do XIX. Essas ideias estavam presentes junto a outros

movimentos, que reuniram diferentes profissionais, como médicos, advogados,

professores, soldados e outros, que acentuaram, sobretudo, ao acontecer a

Independência do Brasil. Porém, a institucionalização das crianças consideradas

deficientes tem o seu início marcado em setembro de 1854, quando o imperador D.

Pedro II fundou o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, na cidade do Rio de Janeiro,

hoje denominado Instituto Benjamin Constant. Outra iniciativa do imperador D. Pedro

II, no ano de 1857, foi a criação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos que,

posteriormente, passou a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos.

Naquela época, a educação era um direito de poucos, apesar de já ter sido discutida

na assembleia constituinte de 1824, continuava sendo relegada ao esquecimento

(JANUZZI, 2006, P. 6). Poucas foram as instituições que surgiram com a

preocupação da educação das crianças com deficiência. E entre as primeiras, está

também a Santa Casa de Misericórdia, em São Paulo, que seguindo a tradição

europeia, transmitida por Portugal, atendia pobres e doentes em situação de

abandono. Distribuía esmola aos pobres, dotes às órfãs e oferecia local para

sepultamento, mediante pagamento.

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Os trabalhos de Jannuzzi (2006), Rizzini (1995) retratam que o abandono das

pessoas com deficiência se constituiu, paralelamente ao abandono da infância.

[...] Pode-se supor que muitas dessas crianças traziam defeitos físicos ou mentais, porquanto as crônicas da época revelavam que eram abandonadas em lugares assediados por bichos que muitas vezes as mutilavam ou matavam. O abandono da infância tem sido procedimento antigo entre nós, tanto que, já no final do século XVI, há pedido de providências ao rei de Portugal feito pelo governador da província do Rio de Janeiro: ―contra os atos desumanos de se abandonar crianças pelas ruas, onde eram comidas por cães, mortas de frio, fome e sede‖ (JANUZZI, 2006, p. 9)

Ademais, Rizzini (1995) ressalta que as primeiras medidas efetivas dos poderes

públicos com relação à infância pobre surgiram na segunda metade do século XIX,

destinadas à proteção das crianças que vagavam pelas ruas, pobres e indigentes. A

assistência pública no país tem início com um modelo de atendimento caritativo,

criado, exclusivamente, para os menores ―os asilos‖.

A assistência oficial durante esse período segue a tradição das práticas caritativas, constituindo-se a partir da criação de instituições do tipo internato. Com o objetivo de recolher e educar os ―menores abandonados e viciosos‖, surgem os institutos, os reformatórios e as escolas premunitórias e correcionais. (RIZZINI, 1995, p. 246)

Nesse trecho, fica claro o caráter segregacionista das instituições, o qual repreendia

os menores pelas condições sociais que viviam caracterizados, na época pela

orfandade e pobreza, e o sentido de reabilitação ou ―enquadramento ao modelo

instituído socialmente‖.

Com o propósito de ser um projeto ―correcional, industrial e agrícola‖, o objetivo das

instituições era tornar os menores eficientes socialmente. Concomitante, outros

estados também instituíram modelos de assistência à infância, em forma de

internatos. A educação especial também se estruturou desse modo, segundo

modelos assistencialistas e segregativos e pela segmentação das deficiências, fato

que contribuiu para que a formação escolar e a vida social das crianças e jovens

com deficiência ainda aconteçam, na maioria dos casos, em um mundo à parte.

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Aparentemente, o processo de institucionalização no Brasil segue o mesmo

percurso, seja relacionado aos menores desvalidos, seja aos portadores de

deficiências. Em ambos, espelha o caráter assistencialista, que perpassa toda a

história da educação especial. As instituições funcionavam como uma forma de favor

aos abastardos, oferecia abrigo e proteção, já que não possuíam condições

pessoais para exercerem sua cidadania. Isso contribuiu para que a deficiência

permanecesse no âmbito da caridade pública, privada e filantrópica, não permitindo

que os portadores de deficiência fossem vistos como pessoas de direitos.

Januzzi (2006) destaca que a história dos deficientes vem desenvolvendo através de

tentativas práticas, muitas vezes, criações deles próprios para vencer os desafios

com que se defrontam nos diversos tempos e lugares; pela observação e esforço

cotidiano de pessoas empenhadas em ajudá-los a sobreviver e ainda pela aplicação

de conhecimentos auferidos nas diversas ciências. Isso é observado em diversas

histórias como é o caso de Louis Braille (1809-1852), francês, cego aos três anos de

idade, foi quem desenvolveu o sistema de escrita que recebeu seu nome; a

educação dos surdos que também foi inventada e desenvolvida, começando pelas

necessidades dos sujeitos surdos.

A área da medicina teve grande influência na história da deficiência, à procura de

resposta aos desafios apresentados pelos casos de deficiências mais graves,

resistentes ao tratamento clínico, outras áreas do conhecimento se juntaram à

medicina, como, a psicologia, a pedagogia, entre outros (JANUZZI, 2006). No início

do século XX, o Brasil viveu um período caracterizado pelas ideias médico-

pedagógicas, com ênfase nas práticas diagnósticas psicopedagógicas e

pedagógicas clínicas. Muitos nomes se destacaram nesta época como Piaget,

Pestalozzi, Bruner, entre outros.

Na década de 20, os conhecimentos psicopedagógicos são influenciados pelo

movimento escola-novista que se caracterizava pela implantação de escolas que

tentavam superar o que chamavam de tradicionalismo. O ideário da Escola Nova

permitiu ainda a penetração da psicologia da educação, e o uso dos testes de

inteligência para identificar os portadores de déficits mentais.

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É nesse contexto que vai despertando a atenção para essa parcela diferente da

sociedade, porém com um sentido de normalização da diferença, influenciada pelo

progresso da medicina, da psicologia e da pedagogia. Como proposta de

atendimento terapêutico ao deficiente mental, surgiram as Sociedades Pestalozzi de

Minas Gerais (Belo Horizonte, 1932), do Brasil (Rio de Janeiro, 1954), incentivadas

com a chegada ao Brasil em 1929, de Helena Antipoff (médica-pedagoga). A

educação dos ―retardados‖ devia se pautar nos procedimentos da medicina,

incorporando os processos de reabilitação:

[...] Se o trabalho pedagógico, numa classe de alunos normais, pode ser comparado, no terreno da medicina, ao higienista – o trabalho nas classes especiais tem sua analogia no do terapeuta e algumas vezes no do cirurgião (ANTIPOFF, H. apud, JANUZZI, 1985, p. 84)

Após 1930, a reforma Francisco Campos facilitou a comparação dos

estabelecimentos público e privado pela prescrição do currículo mínimo, em âmbito

Nacional e extinção dos exames que a condicionava. Desde então, foi assegurada a

distribuição de verbas públicas para as organizações escolares, comunitárias,

confessionais ou filantrópicas que obedecessem à legislação.

E talvez devido a este aspecto caritativo que induz à prestação de serviços gratuitos à população carente, as instituições filantrópicas têm ocupado espaços que deveriam ser preenchidos pelo setor público tanto na área da educação quanto na da saúde. Fixando como seus objetivos atingirem os mais lesados, têm se expandido principalmente no campo pedagógico;[...] (JANUZZI, 1997. p.184)

Ainda segundo Januzzi (1997), neste período, houve uma parcial simbiose entre o

público e o privado, por permitir que o privado exercesse influência sobre o público

em função da política pública na área. A Reforma Francisco Campos promoveu o

estabelecimento do privado no campo educacional, facilitando a expansão das

Sociedades Pestalozzi, às quais acrescentaram as da Associação de Pais e amigos

dos Excepcionais (APAEs), em 1950.

Basicamente, na década de 70, surgiu a ideia de normalização e integração escolar,

que se tornou ideologia dominante para a prestação de serviços educacionais. Tal

proposta trouxe o desenvolvimento de vários tipos de ações que visavam a integrar

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―os excepcionais‖, com a finalidade de usar meios tão normativos para se promover

e/ou manter características, experiências e comportamentos pessoais tão normais

quanto possível. (MENDES, 2002)

Considerando que as escolas nasceram, como fenômeno urbano, limitadas à

burguesia e vinculada às questões eclesiásticas, burocráticas ou militares, as

pessoas em situação de deficiência estiveram excluídas do direito à educação. E a

Educação Especial nasceu com ênfase no ensino especial, individualizado,

segregado, numa sociedade em que a educação formal era direito de poucos.

Segundo Bueno (1993), o processo de institucionalização da educação especial em

nível nacional, do modo como se desenvolveu em nosso país, carregou muito mais o

assistencialismo que perpassa toda a política social do país e, em última instância,

nega a cidadania para grande parcela da população.

[...] a educação especial que nasce sob a bandeira da ampliação de oportunidades educacionais aos que fogem da normalidade, na medida em que não desvela os determinantes sócio-econômico – culturais que subjazem às dificuldades de integração do aluno diferente, na escola e na sociedade, serve de instrumento para a legitimação de sua segregação (p.99).

Embora existindo um predomínio da ideia de que as pessoas ―diferentes‖ tinham o

direito de conviver, de se integrar socialmente com as demais pessoas, acreditava-

se que deveriam ser preparadas em função de suas peculiaridades, para assumirem

seus papéis na sociedade. Porém, no âmbito da educação de crianças e jovens em

situação de deficiência, o termo ―integração‖ significou na prática, a mera colocação

de pessoas com deficiência, juntamente com as pessoas não-deficientes, no mesmo

espaço.

Mendes (2002), afirma que:

se o processo de Integração Escolar dos indivíduos com necessidades educacionais especiais tivesse sido melhor sucedido, o termo teria hoje outro significado, e não seria necessário recorrer a novos termos, construir significado e inaugurar novos paradigmas, com o intuito de fundamentar uma nova reforma nas práticas educacionais. (p.10)

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Não há como negar que as intenções de integração escolar resultaram, na maioria

das vezes, em práticas quase permanentes de segregação total ou parcial, o que

acabou gerando reações mais intensas, objetivando buscar novas formas de serem

asseguradas a presença e a participação da comunidade, a promoção de

habilidades e a imagem social das pessoas em situação de deficiência. Conforme

Mendes afirma na citação acima, o paradigma que hoje emerge é o resultado de

várias tentativas de integração mal sucedidas, por isso é necessário recorrer a

outras possibilidades de inclusão escolar e não mais de integração.

Com o movimento de inclusão escolar impulsionado pelos organismos internacionais

e pelo envolvimento das próprias pessoas com deficiências, o conceito de

integração foi se tornando ultrapassado e a proposta mais ―moderna‖, em países

ditos do primeiro mundo e trazida para o Brasil, segundo Glat (1998), é a da escola

inclusiva, o movimento pela inclusão total.

Desde então, o conceito de inclusão vem passando por diferentes sentidos ao longo

da história e sendo utilizado por diferentes vertentes, seja na educação, na saúde,

na ação social, entre outras áreas. Atualmente, existe uma epidemia de utilização do

conceito de ―inclusão‖. A palavra ―inclusão‖ está na mídia, nos discursos dos

políticos e dos professores, nos documentos municipais, estaduais e federais, nas

organizações governamentais e não governamentais, em abordagens diversas, de

acordo com o contexto.

O conceito de inclusão foi elaborado em um movimento histórico que teve suas

origens nas lutas das pessoas com deficiência por acesso à educação. Tem,

portanto, nas suas bases, a história da educação especial. Tal história geralmente é

descrita como um processo evolutivo que atravessa um período de segregação,

passa por esforços integrativos e deságua no movimento inclusivista (MENDES

(2006). Cada um desses momentos pode ser caracterizado, tendo como referência

três aspectos: o lugar do indivíduo e da sociedade, o foco adotado pelo campo

científico e as práticas decorrentes. Ainda não compartilhando de uma visão linear

desse processo, é importante descrever brevemente cada um desses momentos.

Historicamente, não há como traçar linhas descontínuas entre a segregação da

pessoa com deficiência, o projeto de integração escolar e o da educação inclusiva.

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Nessa evolução conceitual, as práticas segregacionistas iniciais buscavam educar o

deficiente entre seus iguais, afastando-os do restante da sociedade. A deficiência

era tida como própria do indivíduo, e a ciência empenhava-se em caracterizar e em

categorizar os distúrbios, partindo de um modelo médico da deficiência, amparado

na categorização, na prevenção e na busca de cura. "A segregação", diz Mendes

(2006, p. 387-388), "era baseada na crença de que eles [crianças e jovens com

deficiência] seriam mais bem atendidos em suas necessidades educacionais se

ensinados em ambientes separados".

As críticas a tais concepções e práticas evoluíram para uma visão integracionista:

Segundo Mendes (2006), um dos argumentos que fundamentou as práticas

integradoras foi a base empírica dos achados da pesquisa educacional.

Primeiramente, a ciência produziu formas de ensinar pessoas que, por muito tempo,

não foram sequer consideradas educáveis. Posteriormente, a ciência passou a

produzir evidências que culminaram numa grande insatisfação, em relação à

natureza segregadora e marginalizante dos ambientes de ensino especial, nas

instituições residenciais, escolas e classes especiais.

Desde então, a constatação de que eles poderiam aprender não era mais suficiente,

e passou a ser uma preocupação adicional para a pesquisa investigar ―o que‖, ―para

que‖ e ―onde‖ eles poderiam aprender. Adicionalmente, a meta de desenvolver a

independência ou autonomia impulsionou a preocupação com a qualidade de vida e

com contextos culturais mais normalizantes, a fim de maximizar as possibilidades de

desenvolvimento interpessoal e de inserção social futura.

Além disso, autores como MENDES (2006), JANUZZI (2006) e outros destacam a

contribuição de ações políticas de: diferentes grupos organizados; pessoas com

deficiências; pais; e profissionais, que passaram a exercer forte pressão no intuito de

garantir direitos fundamentais e evitar discriminações e reforçar o movimento pela

integração.

No movimento de integração, os esforços pedagógicos concentraram-se em

adequar a pessoa com deficiência, aproximando-a, ao máximo, dos padrões da

escola comum. No campo prático, abriram-se espaços na escola regular, para a

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presença de pessoas com deficiência, geralmente, agrupadas em classes especiais.

Mesmo quando participando da sala regular, no entanto, o que se pretende destacar

é que, numa visão integracionista, a presença dos alunos com deficiência não

modifica a lógica de funcionamento da escola.

É, justamente, a crítica a essa concepção que está na base da lógica inclusiva: a

atuação conjunta de pessoas, que vivem diferentemente, o acesso ao

conhecimento, deveria contagiar o coletivo, levando a criança a ter uma relação de

pertencimento na escola, abrindo novas experiências curriculares, flexibilizando os

currículos existentes e a estrutura de séries; enfim, o espaço escolar deveria se

modificar, criando novas lógicas no interior da escola e nas relações educativas

como um todo, em função das especificidades dos alunos.

Segundo Mendes (2006), a difusão das ideias inclusivas adotadas no Brasil como

linha política e a decorrente decisão de matricular, na escola regular, os alunos com

deficiência trouxeram à luz o fato de que concepções e práticas segregacionistas,

integracionistas e inclusivistas convivem e se enfrentam no cotidiano das escolas. A

autora ainda afirma que se pode atribuir tal situação ao fato de que as propostas de

inclusão foram trazidas de outros países, com histórias diferenciadas de

atendimento à deficiência, muitas vezes ignorando o trajeto real da educação

especial no Brasil.

Mendes (2006) ainda destaca que, na história da educação especial, em todos os

tempos, sempre houve adeptos das propostas integracionistas. Entretanto, elas

emergem como ideologia hegemônica, justamente em momentos históricos nos

quais a exclusão social se intensifica. E afirma:

O movimento pela normalização e integração social, por exemplo, surgiu concomitantemente à depressão econômica decorrente da crise do petróleo, por volta da década de 1970, e serviu para fechar instituições e reduzir gastos. A atual proposta de inclusão emergiu no final da década de 1980, quando o modelo econômico vigente passou a atingir níveis insuportáveis de exclusão social. Portanto, os determinantes econômicos têm servido como poderosos propulsores do movimento de inclusão, e têm transformado movimentos sociais legítimos de resistência em justificativas veladas para cortar gastos dos programas sociais, diminuindo assim o papel do Estado nas políticas sociais. (p. 40)

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Nesse sentido, a autora considera que o conceito de inclusão escolar é ambíguo,

porque ele assume o significado dentro de contextos históricos determinados que

lhe dê definição. Conclui-se que cada comunidade deve buscar a melhor forma de

definir e fazer a sua própria política de inclusão escolar, respeitando as bases

históricas, legais, filosóficas, políticas e econômicas do contexto no qual ela se

efetivará.

Diante de tais considerações, enfatizo que a inclusão de sujeitos com deficiência em

classes regulares do ensino é um processo que ultrapassa os contextos escolares,

uma vez que o conceito de inclusão está associado a um todo maior que é o

contexto político, histórico e cultural do meio em que a pessoa vive. Além do mais,

esse processo implica em modificações estruturais das políticas e das práticas

educativas.

Pensar o processo de inclusão da pessoa com deficiência na escola, no trabalho, no

lazer, nos serviços de saúde significa que a sociedade deve adaptar-se às

necessidades da pessoa, para que essa possa desenvolver-se em todos os

aspectos da vida. Entendo que se a educação é importante como fator de

transformação para todos os indivíduos, uma educação de qualidade que atenda as

suas necessidades, torna-se ainda mais crucial para todas as pessoas com

deficiência. Mitller (2003) coloca com muita propriedade que, ―[...] a rua de acesso à

inclusão não tem um fim porque ela é, em sua essência, mais um processo do que

um destino. A inclusão representa, de fato, ma mudança na mente e nos valores

para as escolas e para a sociedade como um todo‖. (p.23)

Isto posto, pensar o conceito de inclusão escolar em termos de políticas

educacionais é pensar a partir do pressuposto de que a educação é um direito de

todos os cidadãos, direito de todos os alunos a uma educação de qualidade, sem

nenhum tipo de preconceito ou discriminação.

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2.3.1 A Filosofia de Pestalozzi

Ao abordar sobre o nascimento da Sociedade Pestalozzi no Brasil, descrevo

brevemente sobre as idéias de Johan Heinrich Pestalozzi, buscando, como

referência, as publicações da Instituição – FENASP – Federação Nacional das

Sociedades Pestalozzi, e Meirieu (2002).

Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) nasceu em Zurique, Suíça. Perdeu o pai

cedo e foi criado pela mãe e pelo avô, que o estimulou pela carreira religiosa. Como

não tinha o dom da oratória, ele se dedicou ao trabalho social e pedagógico.

Oposicionista, filiado à Sociedade Helvética (jovens patriotas), que propugnava

pelos direitos dos camponeses suíços e desiludido com a política e a corrupção na

cidade, tomou o caminho da educação, e da educação no campo, com a fundação

da escola agrícola e profissional em Neuhof também denominada ―a nova fazenda‖.

(Fontes, 1999)

Com uma metodologia de trabalho fundamentada no amor, na liberdade e na

obediência, Pestalozzi queria promover a felicidade do povo. Porém, logo começou

a chegar a Neuhof (a nova fazenda) pequenos indigentes que costumavam percorrer

os campos, ociosos, pedindo e furtando. Pestalozzi, insatisfeito com a situação, os

levou a trabalhar na terra, cuidando de sua formação. Isso trouxe vários problemas

para o Pedagogo e sua família. O que era para ser felicidade, tornou-se um

pesadelo, o que Meirieu (2002) descreve:

[...] Pesadelo porque Pestalozzi quer criar em Neuhof uma verdadeira coletividade economicamente autônoma e formativa para todos os seus membros: as exigências a que tem a responder são múltiplas e contraditórias... a rentabilidade, que impõe uma direção e orientações administrativas muito rígidas, e a educação para a liberdade, que impõe total liberdade para que cada um tome as iniciativas que desejar e o mínimo possível de restrições... os interesses das famílias que querem que os filhos mandem dinheiro para casa, perpetuando, assim , um sistema de exploração que Pestalozzi condena, e o interesse educativo das crianças, que exigiria uma ruptura com seu ambiente... a autonomia necessária à ―aprendizagem da vida‖ e os limites impostos pela simples ―sobrevivência‖. (Meirieu, p. 140)

Isso mostra a grandiosidade das idéias e do trabalho de Pestalozzi. Trata-se de uma

obra fundamental para compreensão da educação alicerçada nas tensões e

contradições, entre a vontade de fazer e as possibilidades da realidade. Ele

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pretendia libertar as crianças e os jovens da grosseria de seu ambiente, que as

―aviltou anteriormente e as reduziu ao estado selvagem‖. (MEIRIEU, 2002)

Sobre o pensamento educacional de Pestalozzi, Meirieu (2002), destaca pontos da

obra de Pestalozzi que são atuais para a educação contemporânea, como os

argumentos em favor da ―pedagogia da liberdade‖ e de uma ―pedagogia da

obediência‖.

Sem obediência nenhuma educação é possível, pois, mesmo nas circunstâncias mais favoráveis, não se deve deixar a criança à mercê de sua vontade um só instante. Há centenas de casos gritantes em que a liberdade total da criança significa a morte. Há certas aptidões e certos hábitos necessários à vida em sociedade que é impossível formar sem restringir a liberdade. (PESTALOZZI, apud MEIRIEU, 2002)

O autor contribui para compreensão das tensões emanadas do método de

Pestalozzi, entre elas a questão da ―vontade‖ e da ―resistência‖:

―Trabalhar a resistência‖ significa então, para ele, aceitar que o outro seja o que ele é e não uma imagem ilusória ou o produto de uma elaboração ideológica; é substituir uma representação da infância pela realidade concreta da criança e tentar ―fazer com‖. No entanto, ―trabalhar a resistência‖ também é ―resistir a essa resistência‖, não abrir mão de nada daquilo que se acredita ser justo e necessário para o desenvolvimento da criança e para a elaboração do vínculo social... é iniciar a história com ela, engajar-se verdadeiramente na educação. (MEIRIEU, 2002, p.142)

Pestalozzi se recusa a ver a resistência e a má vontade de uma criança perdida que

a autoridade de um educador poderia quebrar sem dificuldade. E segundo Meirieu, é

nisso que ele se torna o verdadeiro pedagogo – ―ele trabalha essa resistência‖, sem

impor regras que apenas provocariam a rejeição, mas sem para isso renunciar às

suas próprias exigências quando as considera absolutamente essenciais

exatamente para formar essa ―vontade‖.

As idéias de Pestalozzi Influenciaram profundamente a educação e foi um grande

adepto da educação pública. Quando ainda era estudante, Pestalozzi foi levado pelo

sentimento de que a educação podia elevar os homens. Ninguém acreditou mais

que Pestalozzi na educação para aperfeiçoar o indivíduo e a sociedade. As diversas

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abordagens à sua obra enfatizam o amor como traço marcante em seu próprio

caráter e não apenas em sua Pedagogia.

As concepções pedagógicas de Pestalozzi repousam na ideia de que a fonte de

todos os conhecimentos se acha na intuição e foi com este princípio que Pestalozzi

sustentou o seu trabalho de assistência educacional e filosófica e pelo qual recebeu

o título de "Pai dos Pobres", gravado, posteriormente, em seu túmulo. A sua obra

consagrada na prática é documento vivo do acervo de suas teorias, e o documento

irrefutável dessa consagração é a obra dos seus continuadores espalhada pelo

mundo inteiro.

Seguidores de sua obra alertam que para se compreender a metodologia de

Pestalozzi, se devem seguir três aspectos básicos de orientação: 1 – a cabeça, 2 – a

mão, 3 – o coração. Segundo seus escritos, essas três partes do corpo humano são

fundamentais para o desenvolvimento da personalidade humana. Elas estão

relacionadas aos aspectos da razão (cabeça), do trabalho (mão) e do sentimento

(coração), que ao serem transferidas para a educação, corresponderiam

respectivamente, à educação intelectual, à educação prática e à educação moral-

religiosa.

Em palestra proferida no VIII Congresso Nacional da FENASP, Lizair Guarino4, faz

alusão à obra de Pestalozzi, destacando que o pedagogo tinha um imenso

compromisso social. Toda sua ação educacional compreendia uma atitude cívica,

buscando também, na participação em grupamentos político-partidários, defender as

pessoas socialmente carentes. ―E Pestalozzi deixa claro aquilo que entende por uma

educação em liberdade, uma educação onde o amor seja o seu guia. ‘Deixem que

nos tornemos homens, a fim de que possamos nos tornar cidadãos e formar

estados‘.‖

A filosofia da obra de Pestalozzi era voltada para o amor ao próximo, a sensibilidade

e a crença em modificar as pessoas através dos mais puros sentimentos. Guarino

(1996, p. 89) destaca da obra de Pestalozzi:

[...] Acreditamos semear um grão para alimentar os infelizes que nos cercam, e plantamos uma árvore cujos ramos se estendem pelo mapa

4 Presidente da Sociedade Pestalozzi do Brasil.

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inteiro, convidando todos os povos da terra sem exceção a se abrigar sob sua sombra. Não é a minha obra, mas a obra de Deus [...]

Observando a minha obra, reconheço que ninguém seria mais incapaz do que eu pra dirigi-la... No entanto, venci... Pelo amor a minha obra. Este amor tem força divina quando é verdadeiro e não teme a sua cruz.

De manhã à noite, e todo o instante do dia, meus meninos deviam ver em meu rosto e adivinhar em meus lábios que meu coração só batia por eles, que sua felicidade era a minha, que sua alegria era a minha.

Pestalozzi teve vários seguidores como Fhriedic Froebel, Denizart Rivail Helena

Antipoff, entre outros. Grande mulher e discípula da filosofia do amor, do coração e

da sensibilidade pregada por Pestalozzi, Antipoff, consagra as ideias de Pestalozzi

aqui no Brasil e torna-se uma pioneira da psicologia educacional e grande

contribuidora da educação em Minas Gerais e fundadora da Sociedade Pestalozzi

no Rio de Janeiro.

2.3.2 Helena Antipoff: resgatando sua contribuição para a Educação Especial

Na busca de desvelar a contribuição da educadora e psicóloga Antipof, na história

da Educação Especial e no advento das Sociedade Pestalozzi no Brasil, percebi que

existem poucas bibliografias sobre o assunto e que na História da educação especial

existe essa lacuna. Encontrei uma dissertação de Mestrado de Maria Helena Dias

intitulada, Helena antipoff: Pensamento e Ação Pedagógica à Luz de uma Reflexão

Crítica (1995), defendida na UNICAMP, e outro estudo intitulado Helena Antipoff:

razão e sensibilidade na psicologia e na educação, publicado na revista eletrônica

Scielo, nos chamados estudos avançados, pela autora Regina Helena de Freitas

Campos, sendo, pois, a partir desses trabalhos e das publicações da FENASP –

Federação Nacional das Pestalozzis que fundamento as ideias aqui colocadas.

A psicóloga e educadora Helena Antipoff nasceu em Grodno na Rússia em 1882.

Em 1908, mudou-se para França e, no Laboratório de Psicologia da Universidade de

Paris, ―iniciou sua formação científica, tendo participado dos ensaios de

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padronização dos testes de nível mental de crianças, então elaborados por Alfred

Binet e Théodule Simon‖ (DIAS, 1995, p. 09).

Ainda na França, conheceu Edouard Claparède da Universidade de Genebra, que a

convidou para fazer parte do Instituto Jean-Jacques Rousseau, cuja finalidade era

ser ―ao mesmo tempo uma escola das ciências da educação e um laboratório de

pesquisas‖, onde obteve o diploma de Psicóloga, com especialização em Psicologia

da Educação. (DIAS, 1995, p. 09)

Segundo Dias (1995), Antipoff iniciou sua experiência profissional na Maison des

Petits, escola de aplicação anexa ao Instituto Jean Jacques Rousseau, ―um meio

educativo onde se pudesse fazer a verificação prática das melhorias e reformas

sugeridas por um conhecimento mais aprofundado da psicologia infantil‖. Situada em

meio a jardins e pomares, a instituição ―não tem nada de construção escolar. As

crianças entram e saem como querem, segundo as necessidades de ocupação‖ e

―se deseja que as crianças queiram tudo o que fazem. Deseja-se que elas atuem e

não sejam atuadas‖.

Ao retornar à Rússia, em 1916, a educadora trabalhou com as crianças órfãs,

vítimas da Primeira Guerra e da Revolução Russa. Em São Petersburgo, trabalhou

no Centro-Médico Pedagógico, estudando as crianças abandonadas e classificando-

as para serem encaminhadas, de acordo com seu caráter, para instituições

pedagógicas e jurídicas (ANTIPOFF, H., 1992a, p.39). Atuou também no Laboratório

de Psicologia Experimental e no Reformatório de Menores, ficando encarregada da

educação de cento e cinquenta adolescentes. Em 1922, transferiu-se para Viatka,

onde trabalhou com ―adolescentes difíceis‖ na Estação Médico-Pedagógica e

organizou um Laboratório de Psicologia (ANTIPOFF, D., 1975, p.81, apud, Campos

2003).

De volta a Genebra em 1925, trabalhou como assistente de Claparède, assumindo o

cargo de professora de Psicologia da Criança. Nesse período, desenvolveu intensa

produtividade científica e sua fama ultrapassou as fronteiras dos países de língua

francesa, sendo convidada pelo governo de Minas Gerais para auxiliar na

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implantação da Reforma de Ensino que estava sendo empreendida naquele Estado,

a partir de 1927.

Foi ainda na condição de assistente de Claparède, em Genebra, que Antipoff

recebeu o convite para lecionar na Escola de Aperfeiçoamento de Professores de

Minas Gerais, por dois anos, a partir de 1929. Veio para o Brasil, deixando o filho de

dez anos aos cuidados da professora Marguerite Soubeyran, aluna do Instituto

Rousseau que acabava de abrir uma escola-modelo em Dieulefit, no sul da França

(Campos, 2003).

Ao chegar ao Brasil, em 6 de agosto de 1929, Antipoff foi recebida pelos psicólogos

Lourenço Filho e Noemy Silveira, vindos de São Paulo, especialmente, para recebê-

la. A agenda incluiu visitas à Escola Normal Modelo onde Lourenço Filho era

responsável pela cadeira de Psicologia Educacional e a outras escolas e institutos,

onde os novos conhecimentos da psicologia despertavam grande interesse (Campos

2003).

Antipoff seguiu para Belo Horizonte, a fim de assumir suas novas funções como

professora na recém-criada Escola de Aperfeiçoamento, visando à formação de

educadores comprometidos com os novos métodos educativos, inspirados na

Psicologia. As alunas da Escola eram normalistas que já trabalhavam no sistema de

ensino público do Estado, selecionadas por mérito. A Escola de Aperfeiçoamento foi,

no Brasil, a primeira experiência, de implantação de instituição de ensino superior na

área da Educação, e funcionou por duas décadas, tendo-se tornado instituição

modelo na formação de educadores no país. Foi ali que o trabalho de Antipoff, como

pesquisadora, encontrou ambiente adequado para florescer.

Como psicóloga, seu trabalho seguiu duas linhas, de um lado como professora na

Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico, organizadora do Laboratório de Psicologia

e do museu da criança em que preparou recursos humanos aptos para a atuação,

de acordo com os princípios da Escola Ativa e, de outro, guiada pelo seu interesse

pela questão dos excepcionais e, por sua postura diante da prática pedagógica e da

formação da infância, dedicou-se a uma série de trabalhos de caráter privado, como

a criação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais e da Escola de Excepcionais da

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Fazenda do Rosário, entidades que se caracterizaram pela preocupação com a

educação dos subdotados, com o problema do menor abandonado e com a

educação rural. (Dias, 1995, p. 20)

Segundo Campos (2003), foi nessa época que Antipoff introduziu no léxico da

psicologia o termo excepcional (em vez de retardado), para se referir às crianças

cujos resultados nos testes se afastavam da zona de normalidade, o que se

justificava, a seu ver, por evitar a estigmatização e, também, por possibilitar a

reversão do distúrbio, por meio de medidas psicopedagógicas adequadas. Na

opinião da educadora:

[...] o nível baixo nos testes de inteligência para muitas crianças de meio social inferior e crescidas fora da escola não prognostica absolutamente o futuro atraso nos estudos, pois nesta idade o organismo ainda está bem plástico e o cérebro capaz de assimilar com grande rapidez e eficiência os produtos da cultura intelectual (ANTIPOFF, E CUNHA, 1932, p. 16-17, apud, CAMPOS, 2003)

A Sociedade Pestalozzi, portanto, visava a atuar sobre diversos focos de exclusão

social provocados, fosse por problemas de miséria e abandono, fosse por questões

de deficiência mental no sentido estrito. Em todos os casos, tratava-se de procurar

resguardar os direitos das crianças em situação de risco social. O consultório

médico-pedagógico para crianças deficientes ou problemáticas, instalado pela

Sociedade, em 1934, passou a atender regularmente essas "crianças-problema", e

tornou-se o embrião do futuro Instituto Pestalozzi de Minas Gerais.

Em 1940, a Sociedade Pestalozzi, ainda sob a liderança de Antipoff, instalou a

Escola da Fazenda do Rosário5, em propriedade rural localizada no município de

Ibirité, Minas Gerais, com a finalidade de educar e reeducar crianças excepcionais

ou abandonadas, utilizando os métodos da Escola Ativa. Nos anos subsequentes ao

início da Fazenda do Rosário, a psicóloga liderou então extensa obra educativa, nas

áreas de educação especial, educação rural, criatividade e superdotação, tendo

participado, ativamente, na formação de várias gerações de psicólogos e

educadores.

5 Instituição criada pela educadora Helena Antipoff em 1940, para receber, em regime de internato,

crianças ―excepcionais‖ de Belo Horizonte. Para maior aprofundamento, Heulalia Rafante faz uma análise da instituição, nesse período.

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Estudos sobre Educação Especial no Brasil (JANUZZI, 1987; CAMPOS, 1997/2002,

e outros) mostram que os princípios teóricos e metodológicos preconizados e

praticados pela educadora russa, nos anos de 1930-1940, tiveram influência no

desenvolvimento dessa área educacional que começou a se desenhar de forma

mais organizada na década de 1970. Um desses estudos foi realizado por Maria

Imaculada Campos (1997), no seu trabalho de mestrado, desenvolvido na

Universidade de Campinas. Numa pesquisa que buscou compreender o processo de

sustentação da Escola Especial numa prática segregativa, na década de 1990, a

autora analisou o Instituto Pestalozzi, a partir da observação, durante o segundo

semestre de 1995 e o primeiro semestre de 1996, constatando que todos os alunos

eram submetidos a testes, sendo que todos os encaminhados eram classificados

como ―deficientes mentais‖, e que era por meio dessa classificação que se

determinava a prática pedagógica, havendo, por parte dos professores, práticas

arraigadas e uma tendência à reprodução (CAMPOS, 1997, p. 56-8).

Após uma breve análise dos princípios e ações de Antipoff, em Minas Gerais, na

década de 1930, a referida autora defende que, naquele momento, se instituía a

Educação Especial em Minas Gerais e muito pouco se alterou desde então,

constituindo um sistema que mantém a segregação, traduzido na ―submissão dos

profissionais a certas significações de deficiência, educação, aprendizagem,

desenvolvimento, fórmulas eficazes de selecionar os alunos (...)‖ (CAMPOS, 1997,

p. 111). A autora, então, concluiu que essa submissão estaria relacionada aos

valores implementados pela educadora Helena Antipoff, na década de 1930.

Esse estudo também registrou a influência da educadora na organização de ações

governamentais, na área da Educação Especial, como a Campanha Nacional de

Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais – CADEME6 – na década de 1960 e

a criação do Centro Nacional de Educação Especial – CENESP – na década de

1970.

6 CADEME – Decreto № 48.961 de 22 de setembro de 1960; CENESP – Decreto № 72.425 de 03 de

agosto de 1973 (CAMPOS, 1997, p. 104).

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2.4 A Escola Especial e a Política Nacional de Educação Especial

na Perspectiva da Educação Inclusiva

Pai, por que é que as coisas têm contornos? Têm, não sei. A que tipo de coisas te referes? Quero dizer, quando desenho coisas, por que é que têm linhas que as delimitam? Bem, e se fossem outras coisas... um rebanho ou uma conversa... Essas coisas também têm contornos? Não sejas assim, pai. Não posso desenhar uma conversa. Quero dizer coisas. Está bem. Eu estava só a tentar saber o que é que tu querias dizer. Isto é, se ‗damos contornos às coisas quando as desenhamos‘, ou se ‗as coisas têm contornos quer as desenhemos ou não‘. (BATESON, 1989, apud, BAPTISTA, 2008)

Aproprio-me da citação de BAPTISTA (2008), que traz esse pensamento de Bateson

(1989), ao refletir sobre a Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva da

educação inclusiva, porquanto considero importante voltar o olhar para esses

contornos, em relação à educação especial/política nacional, com base em um texto

da política nacional. Refletindo um pouco mais, me pergunto: será que são os

documentos oficiais que delimitam nossas ações ou são nossas ações de delineiam

os documentos? Quando falamos em política, falamos de documentos oficiais ou de

nossas práticas? Como o debate nacional das políticas públicas para a educação

tem ―contornado‖ (desenhado, delineado) a educação especial no Brasil? Como

estão as instituições especializadas no contorno desse debate? Essas são algumas

reflexões que pretendo fazer fundamentada no documento intitulado ―Políticas

Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva‖, com o

objetivo de trazer à tona alguns pensamentos já demarcados, e ao olhar para a

realidade no município de Conceição da Barra, vislumbrar as margens além dos

contornos dessa política.

No ano de 2007, houve um intenso debate acerca da Política Nacional de Educação

Especial, em função de uma proposição dos gestores da educação brasileira, a fim

de rever os princípios orientadores dessa área específica. O documento intitulado

Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva foi

encomendo do MEC – Ministério da Educação, o qual nomeou um grupo de trabalho

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pela portaria nº 555/2007. Nesse debate, a sociedade participou por meio da web do

Ministério da Educação, e em janeiro de 2008, foi finalizado e entregue.

Essa reflexão tem como base o documento já citado e logo após, outras leituras

surgiram no meio acadêmico. Em primeiro lugar, faço um recorte das principais

idéias contidas no documento, pensando nas possibilidades de uma política

municipal para a educação especial e inclusão escolar, a partir das relações entre as

escolas especializadas e as escolas regulares.

O documento é fundamentado nos princípios de que ―o movimento mundial pela

inclusão é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em

defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando,

sem nenhum tipo de discriminação‖ (BRASIL, 2008, p. 05). Reconhece as

dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino e evidencia a necessidade de

confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-las, relativas a

valores que conjuguem igualdade e diferenças indissociáveis.

Segundo Baptista (2008), a importância de uma Política Nacional de Educação

Especial é associada ao seu caráter ―orientador‖ dos sistemas, ainda que,

isoladamente, esse texto não tenha força de lei. Portanto, seus efeitos (assim como

as reações a esses efeitos) devem ser pensados no plano de uma perspectiva, de

um futuro a ser construído com base nesses princípios.

O objetivo da política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva é:

Assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, co participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade. Acessibilidade arquitetônica nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação, e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p.14)

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Existe uma amplitude na proposição dos objetivos do documento, o que, segundo

Baptista (2008), instaura um processo de debate sobre o tema, exigindo

posicionamento dos setores implicados. O debate pauta-se, como tem sido usual, no

estabelecimento de possíveis fronteiras. Entre elas, pensar qual é o espaço escolar

adequado para os alunos com deficiência, com altas habilidades e com transtornos

globais de desenvolvimento? Como pensar a formação de professores? Como

prover todos os tipos de acessibilidade, os quais são direitos da pessoa com

deficiência? Essas questões fazem parte do universo de outros documentos legais,

mas que ainda não foram superados.

Uma questão de grande peso nas discussões da Educação Especial e Inclusão

Escolar no Brasil, que o documento traz de forma bem clara e concisa, é a definição

dos sujeitos da educação especial. Discussão que a nosso ver é um dos grandes

entraves para que saibamos, realmente, a clientela da educação especial, pois a

falta de clareza fazia/faz com que um grande número de alunos se constituísse/se

constituiu como ―sujeitos da educação especial‖ ou, ao contrário, essa falta de

clareza, também em algumas situações, escamoteava esses sujeitos.

De acordo com o documento da Política Nacional de Educação Especial na

perspectiva da Educação Inclusiva, a

[...] educação especial para a constituir a proposta pedagógica da escola, definindo como seu público alvo os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação‖.(...) Alunos com deficiência são aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade.(...) Alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo.(...) Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas:intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. (...) Transtornos funcionais específicos: dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros.(BRASIL, 2008, p. 15)

Fica claro nas diretrizes expostas no documento que a educação especial é uma

modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o

atendimento educacional especializado, disponibiliza os serviços e recursos próprios

desse atendimento e orienta os alunos e seus professores quanto a sua utilização

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nas turmas comuns do ensino regular. O atendimento educacional especializado não

é substitutivo à escolarização, mas complementa e/ou suplementa a formação dos

alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela.

Em todas as etapas e modalidades da educação básica, o atendimento educacional

especializado é organizado para apoiar o desenvolvimento dos alunos, constituindo

oferta obrigatória dos sistemas de ensino e deve ser realizado no turno inverso ao

da classe comum, na própria escola ou centro especializado.

Embora a legislação brasileira, conforme apresentei nos capítulos anteriores, possa

ser considerada bastante avançada, a promulgação de leis e diretrizes políticas ou

pedagógicas não garantem, necessariamente, as condições para o seu devido

cumprimento. Existem inúmeras barreiras que impedem que a Educação Inclusiva

se torne realidade no cotidiano das nossas escolas. Algumas são bastante

significativas e têm sido, exaustivamente, apontadas na literatura, como, por

exemplo, o despreparo dos professores, o número excessivo de alunos nas salas de

aula, a precária ou inexistente acessibilidade física das escolas, e a rigidez curricular

e das práticas avaliativas.

Além desses aspectos, um outro fator que deve ser considerado nesse debate, é

que a implantação da proposta de educação inclusiva na maioria dos municípios

brasileiros, está na responsabilidade das instituições especializadas. Em estudo que

analisou o panorama da Educação Inclusiva no Brasil, sob diferentes ângulos, Glat,

Ferreira, Oliveira e Senna (2003) identificaram que,

A maioria das experiências recolhidas indica que a experiência brasileira de inclusão é, de modo geral, iniciativa e competência da educação especial, a qual se encarrega do suporte e da coordenação de todas as ações concernentes ao aluno, incluindo-se o seu encaminhamento para classe regular, o planejamento da prática pedagógica, o apoio aos professores do ensino regular e a conscientização da comunidade escolar (p. 60).

É interessante observar que, apesar dessa realidade, alguns autores insistem em

pontuar, direta ou indiretamente, uma dicotomia entre Educação Inclusiva e

Educação Especial, como se o advento de uma modalidade representasse a

descontinuidade da outra (GLAT & PLETSCH, 2004; PLETSCH & FONTES, 2006).

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Entretanto, segundo Glat (2006), este é um conceito equivocado, pois a Educação

Inclusiva não pode prescindir da Educação Especial, tanto por razões pragmáticas

quanto conceituais. Primeiro porque é inviável, em curto e médio prazo, se

reestruturar todo o sistema atual de formação de educadores para que todos os

professores fossem habilitados a trabalhar também com alunos com necessidades

especiais, por deficiência.

E em segundo lugar, a Educação Especial constituiu um arcabouço consistente de

conhecimentos teóricos e práticos, estratégias, metodologias, recursos para auxiliar

a promoção da aprendizagem de alunos com deficiências e outros

comprometimentos. A experiência, tanto brasileira, quanto internacional, vem

mostrando que, sem tal suporte, dificilmente a proposta de Educação Inclusiva pode

ser implementada com sucesso (MITTLER, 2003; GLAT & PLETSCH, 2004;

PLETSCH & FONTES, 2006).

Indo mais além, sob essa perspectiva, o paradigma que emerge desse debate,

Educação Inclusiva não representa uma ruptura no modelo de atendimento a

pessoas com deficiências ou outras condições de aprendizagem e de

desenvolvimento especiais. Mas sim, o desenvolvimento de um processo de

transformação das concepções teóricas e das práticas da Educação Especial, as

quais vêm, historicamente, acompanhando os movimentos sociais e políticos em

prol dos direitos das pessoas com deficiências e das minorias excluídas, em geral.

É, nesse sentido, que se descortina o novo campo de atuação da Educação

Especial. Não visando a importar métodos e técnicas especializados para a classe

regular, mas sim, tornando-se um sistema de suporte permanente e efetivo para os

alunos com deficiências, que frequentam a escola regular, bem como para seus

professores. Conforme mencionado, a Educação Especial não deve ser concebida

como um sistema educacional paralelo ou segregado, mas como ―um conjunto de

medidas que a escola regular põe a serviço de uma resposta adaptada à diversidade

dos alunos‖ (GLAT & OLIVEIRA, 2003, p. 2 ).

As políticas nacionais indicam a perspectiva de valorizar o espaço das escolas

especiais como um espaço que poderá atuar, para além do atendimento educacional

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especializado, ocupar-se de ações como a formação e a assessoria de outros

profissionais. Isso significa uma aposta na potencialidade das instituições. Esse

desafio exigirá que as escolas especiais e seus profissionais sejam capazes de

utilizar seu conhecimento acumulado em perspectiva diferente daquela usual que é

centrada no atendimento. Isso demanda uma ressignificação de suas práticas.

Nesse sentido, as instituições de educação especial, no atual modelo escolar

brasileiro têm um grande desafio que as impulsiona a repensar a estruturas, a

missão, a política e as práticas pedagógicas.

A seguir, apresento o percurso metodológico que utilizei na pesquisa de campo, bem

como as bases teóricas e filosóficas da abordagem qualitativa, definida como estudo

de caso do tipo ―etnográfico‖, sendo o estudo que mais se aproximou das

possibilidades práticas e teóricas da pesquisa de campo.

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3 O PERCURSO METODOLÓGICO: CONSTRUINDO MARGENS

PARA O CONHECIMENTO.

―O caminho se faz ao andar. Para dar respostas a essas perguntas é necessário indagar e investigar. Refletir e constatar. Escrever e esperar. Esperar que o pensamento amadureça e esperar as respostas de outros. Nunca o Silencio‖. (VIÑAO, 2001, p.14)

Neste capítulo, demarco ―as margens‖ da pesquisa na epistemologia metodológica.

Segundo Esteban (2003), a opção por estudar o cotidiano está demarcada pela

necessidade de incorporar à compreensão da realidade social suas margens, em

que interagem sujeitos tratados na dinâmica social como insignificantes, do mesmo

modo apreendidos pela ciência.

Após alguns meses na ―deriva‖ (ESTEBAN 2003), momento de extrema importância

para traçar os caminhos desta pesquisa, indagar, analisar os riscos e compreender

que as incertezas farão parte da trajetória, decidi, pelo estudo de caso do ―tipo

etnográfico‖ (ANDRÉ, 1995), uma vez que oferece subsídios e procedimentos

metodológicos que permitem produzir os conhecimentos pretendidos neste estudo.

A escolha da metodologia deu-se pelo fato de residir há mais de 20 anos no

município de Conceição da Barra, dedicando-me à área da educação durante todo

esse tempo e atual e especificamente, há 08 anos estar trabalhando na

coordenação pedagógica da Escola Especializada – Pestalozzi. Isso configura um

dos requisitos do Estudo de Caso do tipo etnográfico que segundo André (1995),

exige ―uma longa permanência do pesquisador em campo‖.

A etnografia é um tipo de investigação que surgiu a partir de estudos antropológicos

que têm, por finalidade, pesquisar a sociedade e sua cultura. Os etnógrafos realizam

um trabalho descritivo, destacando os componentes culturais, os hábitos, os

comportamentos, as linguagens e os significados que os sujeitos de determinada

sociedade dão a esses componentes. No entanto, segundo André (2005), o que os

pesquisadores da área da educação têm feito são estudos do ―tipo etnográfico e não

etnografia no seu sentido estrito‖(ANDRÉ, 2005, p. 28).

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André (1995) também ressalta ser característica de um estudo de caso do tipo

etnográfico, o interesse pelo conhecimento de uma instância popular – seja uma

instituição, pessoa ou programa específico – em sua complexidade e em sua

totalidade, e por ser dedutivo e indutivo. Ou seja, ―a preocupação com o processo

envolve, por um lado, a descrição do contexto e da população em estudo e, por

outro lado, a tentativa de verificar como evoluiu o evento, projeto ou programa

estudado‖ (ANDRÉ, 1995, p. 51).

Uma das vantagens do estudo de caso etnográfico – ressalta a mesma autora, é a

possibilidade de fornecer uma visão profunda e, ao mesmo tempo ampla e integrada

de uma unidade social complexa, composta de múltiplas variáveis e sua capacidade

de retratar situações vivas do dia a dia escolar, sem prejuízo de sua complexidade e

de sua dinâmica natural.

A autora destaca, também, várias características inerentes ao trabalho do tipo

etnográfico em educação: em primeiro lugar, fazer o uso de técnicas,

tradicionalmente, utilizadas na etnografia, ou seja, ―a observação participante, a

entrevista intensiva e a análise de documentos‖; em segundo, ―[...] o pesquisador é o

instrumento principal na coleta e na análise dos dados‖; em terceiro, a ênfase deve

ser dada no ―processo, naquilo que está ocorrendo, e não no produto ou nos

resultados finais‖; a quarta característica é o ―pesquisador deve tentar apreender e

retratar essa visão pessoal dos participantes‖ e a quinta característica ―[...] a

pesquisa etnográfica envolve um trabalho de campo‖ (ANDRÉ, 2005, p. 28).

Embora seja uma das mais tradicionais premissas das ciências sociais a

necessidade de um distanciamento do pesquisador, que garanta condições de

objetividade, característica do positivismo, concordo com Velho (2004) ao afirmar

que essa necessidade contribui para a reflexão do pesquisador, enquanto

instrumento da coleta e análise dos dados, sendo inevitável um envolvimento com o

objeto de estudo e de que isso não constitui um ―defeito ou imperfeição‖,

acrescentando:

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[...] para se conhecer certas áreas ou dimensões de uma sociedade é necessário um contato, uma vivência durante um período de tempo razoavelmente longo, pois existem aspectos de uma cultura e de uma sociedade que não são explicados, que não aparecem à superfície e que exigem um esforço maior, mais detalhado e aprofundado de observação e empatia.[...] (Velho, 2004, p.123)

Velho (2004) contribui para minha reflexão, no sentido de que, ao residir no

município e trabalhar na educação, percebo e vejo as coisas que acontecem e como

acontecem de uma forma muito familiar. Na Escola Especializada – Pestalozzi,

convivo com professores que trabalham tanto na escola especial quanto na escola

regular, com aqueles que trabalham apenas na escola especial, e ainda os que

trabalham apenas na escola regular. Participo como membro da diretoria da

Associação Pestalozzi, convivendo com o grupo da diretoria e encontro, diariamente,

com os pais dos alunos, daqueles que estão matriculados somente na escola

especial e daqueles matriculados nas duas redes, regular e especial. Convivo,

também, com os alunos de diferentes idades, considerados com alguma

―necessidade especial‖, nas áreas motora, sensorial ou mental. Nessa convivência,

há uma familiaridade entre nós, mas o meu conhecimento a respeito de suas vidas,

hábitos, crenças, valores é altamente diferenciado. Alguns eu conheço com uma

maior proximidade, outros não. O fato de conhecê-los, não me dá o lugar de

conhecedor do ponto de vista e visão de mundo dessas pessoas, mas a

possibilidade de ―pôr-me no lugar do outro‖ (Velho, 2004, p. 127), dando-me a

capacidade de relativizar e/ou transcender o meu lugar.

Portanto, Velho (2004) chama a atenção para o fato de que, ainda consciente de

que esse trabalho se trata de uma interpretação e que por mais que eu tente e

procure reunir dados ―verdadeiros‖ e ―objetivos‖ sobre a vida desse universo, a

minha subjetividade está presente em todo o trabalho.

Assim sendo, tenho consciência da complexidade do caminho metodológico que

escolhi e compartilho com ANDRÉ, (2005), que diz que o estudo de caso,

[...] deve ser um retrato vivo da situação a ser investigada, o pesquisador tem, assim, uma certa obrigação de apresentar as interpretações diferentes que diferentes grupos ou indivíduos têm sobre uma mesma situação e deve fazê-lo de tal forma que possibilite uma variedade de interpretações por parte do leitor.[...] (ANDRÉ, 2005, p. 55)

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Sarmento (2003), participa desse entendimento, quando destaca que a opção pelo

estudo de caso numa estratégia investigativa não significa a escolha de um

paradigma de investigação. Mas a adoção de um paradigma investigativo pode

propor o estudo de caso – em particular o estudo de caso etnográfico – como

formato apropriado à interpretação da ação no contexto organizacional da escola.

No entanto, pretendo ir além, neste trabalho, a investigação será dada através das

margens da política de educação especial/inclusão escolar, no município de

Conceição da Barra.

Conforme já dito, uma característica importante da etnografia é o contato direto que

o pesquisador estabelece com o objeto ou com a situação em questão. Nesse

contato é preciso considerar que o profissional traz consigo uma experiência de vida

marcada por valores e crenças, o que torna o seu trabalho de pesquisa deveras

difícil. Difícil, pois, muitas vezes, o pesquisador se depara com situações que

contrariam seus princípios, valores, expectativas e, faz com que sejam deixadas

para trás certezas que, historicamente, fizeram parte de sua vida. Assim, conforme

destaca André (1995), o pesquisador precisa estar ciente de que seus valores,

crenças e vivências afetam a construção do objeto de investigação, por isso tem que

estar constantemente (des)construindo e (re)construindo seus próprios valores.

Da mesma maneira, como ―instrumento humano‖ (ANDRÉ 1995), o profissional em

sua busca pode cometer erros, envolver-se demais em certas situações ou com

certas pessoas. No entanto, foi de extrema importância no processo, saber lidar com

os sujeitos e os processos pelos quais transitamos, bem como lidar com os

antagonismos e retrocessos da política educacional, descrita nos próximos

capítulos.

Nessa perspectiva, Velho (2004) contribui com muita propriedade para a

compreensão dessa relação do pesquisador com os sujeitos e os processos aos

quais está inserido:

[...] O meu conhecimento pode estar seriamente comprometido pela rotina, hábitos, estereótipos. Logo, posso ter um mapa mas não compreendo necessariamente os princípios e mecanismos que o organizam. O processo de descoberta e análise do que é familiar pode, sem dúvida, envolver dificuldades diferentes do que em relação ao que é exótico. [...]

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O pesquisador traz consigo uma história de vida e pré-noções acerca da realidade a

ser observada. Portanto, é necessário que ele desenvolva, no decorrer dos estudos,

uma atitude de estranhamento em relação ao objeto de pesquisa, o que Da Matta

(1999), também ―já situou com propriedade a trajetória antropológica de transformar

o ‗exótico‘ em familiar e o familiar em ‗exótico‘‖ (DA MATA, apud,VELHO, 2004,

p.124).

Simultaneamente, ―ser um estranho e familiar‖, neste trabalho, significa que a

abordagem etnográfica procurou privilegiar o estudo das políticas de educação

especial do município, sua construção e organização de maneira mais global,

considerando a complexidade do real, envolvendo os sujeitos investigados,

revelando ações significativas, de maneira a impulsionar o diálogo entre teoria e

prática no transcurso da pesquisa. Em conseqüência a este estudo etnográfico, foi

feita uma análise da configuração da política educacional do município e como esta

vem interferindo nas ações dos sujeitos inseridos nesta organização.

3.1 Contextualizando a pesquisa de campo

A pesquisa de campo aconteceu, conforme já dito, no município de Conceição da

Barra, onde foi estudada a configuração da política municipal de educação especial

e inclusão escolar e para melhor captura e análise desse movimento, o lócus da

investigação se deu, simultaneamente em 03 (três) espaços diferentes:

I - Secretaria Municipal de Educação – neste espaço observei as ações advindas

desta instância na perspectiva da educação inclusiva, com base em documentos e

ações implementadas na prática;

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II – A Escola regular7, aqui denominada pelo nome fictício de Escola ―Maria Gilder‖,

onde permaneci nos últimos 06 (seis) meses, e 02 (dois) dias por semana,

conversando, observando e realizando a coleta de dados e acompanhando o

trabalho de educação inclusiva. Apesar de conhecer a escola, ter trabalhado por

mais de 15 (quinze) anos nessa instituição e constantemente fazer visitas, como

pedagoga da Escola Especializada, para acompanhar os alunos que frequentam o

ensino comum, foi muito diferente esse contato mais prolongado e com o olhar da

pesquisa. A diretora ouviu, atentamente os objetivos da pesquisa e se colocou

aberta ao trabalho. Encaminhou-me à supervisora, pois eu deveria organizar o plano

de trabalho com ela e também coletar outras informações de que necessitava.

Ficou combinado que eu participaria dos planejamentos, das reuniões com os

professores, das atividades sociais da escola e que, semanalmente, conversaríamos

sobre assuntos relacionados à inclusão escolar, com temas direcionados pelos

professores. Pois, a maior angústia deles é de a Secretaria de Educação Municipal

não promover formação continuada para os profissionais da educação e não dar

apoio aos professores que têm alunos em situação de deficiência em sala.

III – A Escola Especial – foi a base do trabalho que desenvolvo na instituição

especializada do município, que aqui denomino de Escola Especial Crescer (nome

fictício). A escolha dessa instituição se deu pelo fato de ela ser a única especializada

no município e também por trabalhar na instituição, passando grande parte do meu

tempo em contato com o cotidiano da escola.

Os participantes da pesquisa foram os professores, supervisor e diretor, pais, e

alunos matriculados simultaneamente, na escola ―Maria Gilder‖ e na escola especial

―Crescer‖. Para melhor visualização dos sujeitos, serão distribuídos de acordo com

os espaços apresentados:

I – Secretária Municipal de Educação (gestão 2005/2008), Coordenadora da

Educação Inclusiva do Município na mesma gestão.

7 No capítulo V faço a descrição mais detalhada desse cenário.

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II – Professores de 1ª a 4ª séries, alunos que freqüentam a escola especial,

supervisora, diretora e coordenadora da escola ―Maria Gilder‖.

III – Professores, diretora e pais dos alunos da Escola Especializada.

3.2 Procedimentos de coleta e análise dos dados

O planejamento das etapas de coleta de dados e levantamento de materiais para a

pesquisa foi de extrema importância para a organização do pensamento, em torno

da questão. Nessa fase, tive a oportunidade de observar, de maneira mais intensiva,

o objeto, e tive contato maior com situações em que se configurava a política de

educação especial e inclusiva no município. Para tanto, o estudo desenvolveu-se

com observação participante, entrevistas semiestruturadas e análise documental.

Portanto, o principal método para coleta de dados na etnografia ou em pesquisas

com essa abordagem caracteriza-se pela observação do ambiente investigado,

sendo o próprio pesquisador o principal agente. A observação é considerada

participante, porque o pesquisador sempre interage, em maior ou menor grau, com a

realidade que procura conhecer. Dessa forma, como explica André (1995), ao

mesmo tempo em que o pesquisador se envolve com os sujeitos observados, deve

também desenvolver um distanciamento – estranhamento, de modo a não

influenciar o quadro de relações e comportamentos já estabelecidos. E Velho (2004)

me diria que devo transformar o que é familiar em ―exótico‖, ou seja, confrontar

intelectualmente, e mesmo emocionalmente, diferentes versões e interpretações

existentes a respeito dos fatos e situações.

A observação participante foi realizada e descrita no diário de campo, após cada dia

de pesquisa e, simultaneamente, nos três cenários descritos acima. O olhar atento e

investigativo para o município, onde resido, há mais de 20 anos foi um exercício de

reviver na memória acontecimentos marcantes sobre a educação municipal e sobre

meu próprio processo de formação.

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André (1995, p. 18) assevera para a indicação da observação participante na

pesquisa etnográfica e sua importância na coleta de dados:

A natureza da observação participante é indicada pelo termo mesmo, pois o método envolve participação ativa com aqueles que são observados. O pesquisador está consciente de que o que está sendo visto é a execução de um entre vários conjuntos de possibilidades humanamente disponíveis para organizar a interação social que está sendo observada. Assim, a observação etnográfica é inerentemente crítica, mas não dá como dada nenhuma realidade costumeira onde o observador participante tenta continuamente ser simultaneamente um estranho e um familiar no ambiente do campo.

SARMENTO (2003) assinala que ―[...] não há modo de realizar a observação dos

contextos de ação que não seja participante‖. Segundo o autor, o nível da

participação pode variar, de acordo com a inserção do pesquisador que pode ser

como um simples observador (com um mínimo de interferência) ou como sujeito de

ação, cuja interferência é significativa. Sarmento (2003) chama a atenção para

algumas questões que envolvem a observação participante:

a) a presença de um pesquisador na escola introduz um cenário de complexificações;[..] b) a observação pode ser interpretada pelos professores e por outros atores educativos como a avaliação das práticas, fato que afeta as condições colaborativas da investigação. [...]

Além disso, as ações organizacionais, pedagógicas e as entrevistas podem assumir

a perspectiva do investigador. O autor se refere à conturbada presença do

pesquisador em campo que, por mais natural que se possa suceder, causa muita

estranheza aos sujeitos, no momento, investigado, como também ela lhes causa

insegurança, medo e receio. A presença de um estranho é interpretada como se

fosse alguém que estivesse vigiando e avaliando o trabalho de quem está em

campo.

Para superar essas dificuldades, Sarmento (2003) sugere a vivência de um processo

de ―familiarização‖ significando afirmar que a inserção do investigante deve ocorrer

de forma mais natural possível, a ponto de tornar-se mais um integrante do grupo.

Assim refletindo, busquei vivenciar a observação participante por meio de um

processo de ―familiarização‖, procurando me aproximar das pessoas e participar das

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atividades desenvolvidas pela escola, o que possibilitou vivenciar o movimento de

uma forma mais natural possível.

Segundo Ludke e André (1986), a entrevista, juntamente, com a observação,

representa um dos principais instrumentos da coleta de dados da pesquisa

qualitativa. Sua principal vantagem, para as autoras, é o fato de esse instrumento

permitir captar, de maneira rápida e coerente, a informação que se deseja.

Realizei as entrevistas por meio de roteiros semiestruturados, gravadas em áudio,

com sujeitos pesquisados (Secretárias Municipais de Educação – anterior e atual;

Diretoras das escolas especial e comum; Coordenadoras Pedagógicas; pais,

crianças, professoras de classes regulares que tinham alunos com matrícula na

escola especial e professores da escola especial).

No caso da entrevista semiestruturada, as perguntas foram formuladas previamente,

obedecendo a um roteiro baseado nas seguintes questões: a política de educação

especial e inclusão escolar instituída do município; a concepção de educação

especial dos professores; a organização e o funcionamento da escola especializada

no município; a formação de professores na perspectiva da inclusão educacional; os

sujeitos considerados alunos da educação especial; e as possibilidades de

articulação entre a escola especial e comum, no município.

Sobre as entrevistas semiestruturadas, ainda cabe salientar que o pesquisador pode

adicionar outras perguntas surgidas no decorrer da entrevista. De acordo com

Triviños (1987, p. 146), a entrevista semiestruturada:

[...] Parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa.

Neste estudo, as entrevistas semiestruturadas foram gravadas em áudio e

transcritas para posterior análise. Defini as questões centrais, expostas acima,

baseando-me nos objetivos já elencados, os quais foram de extrema importância

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para a sistematização e análise dos dados. Conforme Triviños, a partindo das

questões centrais, os questionamentos fluem de acordo com as respostas dadas,

enriquecem o conteúdo prévio proposto, suscitam outras questões e,

consequentemente, outros relatos.

A busca por indícios documentais que mostrassem possíveis movimentos de

implementação de uma política que assegurasse o direito das crianças, em situação

de deficiência, na rede municipal, levou-me também a analisar, a Lei Orgânica

Municipal, os documentos na Secretaria Municipal de Educação sobre o trabalho de

educação inclusiva, o Plano Municipal de Educação e relatórios da Coordenação da

Educação Especial.

A análise documental ―pode-se constituir numa técnica valiosa de abordagem de

dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras

técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema‖ (LÜDKE e

ANDRÉ, 1986, p.38). A seleção e coleta dos documentos para análise foram

realizadas na Secretaria Municipal de Educação, na escola especializada e na

escola comum e serviram de base a esta pesquisa; além disso, outros dados foram

coletados através da pesquisa virtual (dados do MEC e IBGE) e in loco, na

Secretaria de Cultura (dados históricos e geográficos).

Destarte, para análise e melhor interpretação dos dados, dividi o trabalho de campo

nos 03 (três) capítulos precedentes, apenas como organização didática. No entanto,

o conteúdo está imbricado e não deve ser considerado de forma linear, mas deve

ser considerado de modo inseparável, do ponto de vista teórico e empírico, pois o

objeto de estudo são movimentos que ocorrem, simultaneamente, interferindo um no

outro, reciprocamente.

Diante do pressuposto de que não existe entrada neutra em campo, os dados foram

analisados e apoiados no intimo diálogo com autores como BOBBIO (2004),

TELLES (1999), GARCIA (2007), JANUZZI (2004), ARAÚJO (2007), BUENO (1993),

BAPTISTA (2008), entre outros autores que dão subsídios para entender os

objetivos propostos e analisar os dados coletados. Vale ressaltar que sempre

entramos vinculados às relações estabelecidas entre as pessoas que se relacionam

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na dinâmica entrelaçada no/do cotidiano, ou vinculados a uma instituição

especializada, fortemente marcada pela sua controvertida história. E, em específico,

o meu entre lugar, vinculado à Associação Pestalozzi de Conceição da Barra, o

lugar de referência da educação especial. Os conflitos e dilemas nesse exercício são

constantes no fazer-me, paralelamente, pesquisador e sujeito.

A metodologia apresentada é a base para a investigação da política de educação

especial na perspectiva inclusiva, no município de Conceição da Barra e tem como

objetivos específicos.

Identificar na literatura os referenciais teóricos e legais que norteiam o debate

contemporâneo acerca dos conceitos de cidadania, direitos humanos e

educação inclusiva;

Contextualizar a realidade sócioeconômica e geopolítica da rede municipal

de educação de Conceição da Barra, pontuando as questões da educação

inclusiva na prática;

Contextualizar a Escola Especializada baseando-se no recorte histórico da

institucionalização no Brasil e sua organização local.

Compreender a organização da política de Educação Especial da rede

municipal, relacionado-a às questões da formação do professor, aos sujeitos

atendidos pela educação especial, aos serviços de apoio e às relações

estabelecidas entre a escola comum e a escola especial.

No capítulo seguinte, apresento o ―lócus da pesquisa‖, abordando sobre os aspectos

históricos, políticos, geográficos e educacionais do município de Conceição da

Barra, na tentativa de associar teoria e prática, utilizando a tríade sugerida por André

(2005), na pesquisa etnográfica: análise documental, observação participante e

entrevistas semiestruturadas, simultaneamente. Trago neste próximo capítulo, a

análise do Plano Municipal de Educação e de outros documentos coletados na

Secretaria de Educação.

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4. CONCEIÇÃO DA BARRA – O LOCUS DA PESQUISA

―[...] Terra amada Conceição da Barra Terra de paz que ao bem da guarida,

E à virgem Maria é consagrada! Salve terra por Deus escolhida,

Teu passado repousa em bonança, No presente floresce o labor,

Teu futuro é risonha esperança, De progresso, de glória e de Amor![...]

(HINO MUNICIPAL, Letra: Manuel Duarte da Cunha, Música: Sgt. Almir de Souza Santos

Fonte: Arquivo Municipal Figura 1 – Foto da cidade

Conceição da Barra é um dos mais antigos municípios do Espírito Santo e, como

todo núcleo primitivo, nasceu em razão de seu porto. Segundo os documentos

oficiais da Secretaria Municipal de Turismo, sua fundação é datada de 1554, quando

os portugueses organizaram expedições para afastar os índios das

circunvizinhanças de Vila Velha, local onde se estabelecera o donatário Vasco

Fernandes Coutinho. Vindos do mar, os portugueses aportaram ao norte da foz de

um grande rio, chamado pelos índios de Kiri Kerê, hoje denominado Cricaré ou Rio

São Mateus. Receosos do ataque dos índios, os europeus permaneceram no litoral.

Entretanto, os indígenas que habitavam a região, pertenciam à tribo Guaianá, de

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índole pacífica e, juntamente com os náufragos de um navio espanhol, ajudaram os

portugueses a penetrarem no território, dando início ao núcleo populacional.

Em consequência da situação geográfica, o novo núcleo foi denominado Barra. O

povoado logo prosperou, tornando intenso tráfego de navios procedentes da Bahia e

de Pernambuco. Em 1596, o povoado da Barra recebeu a visita ilustre de Padre

José de Anchieta. Anchieta visitou também a povoação fundada no vale do Cricaré,

no dia 21 de setembro do mesmo ano e, como era costume denominar as terras e

os acidentes geográficos com nome de santo do dia, o padre trocou o nome do rio

para São Mateus, e deu à povoação o mesmo nome. E com essa troca de nomes, o

povoado da Barra passou a chamar-se Barra de São Mateus.

Com o tráfico de escravos, os fazendeiros estabelecidos na região começaram a

investir nesse tipo de comércio, ocasionado pelas diversas fazendas existentes. Um

bom exemplo foi a fazenda do Barão de Timbuy, no sertão de Itaúnas. Esse

comércio, comum em todo o país, fez com que a região norte capixaba concentrasse

o maior número de negros escravos do estado. Os negros que ainda hoje são

predominantes na região eram, geralmente, fugitivos do sul da Bahia e das fazendas

vizinhas que adentravam por terra, através de caminhos que eles mesmos faziam no

meio do mato para se aquilombar.8 (DALL‘ORTO, 2008).

Em 11 de agosto de 1831, Barra de São Mateus foi instituída paróquia sob a

invocação de Nossa Senhora da Conceição, cuja imagem era venerada numa

rústica capelinha erguida nos primórdios da colonização. Foi elevada à categoria de

vila por resolução do conselho do governo, no dia 02 de abril de 1833. A solenidade

da instalação da cidade deu-se em 06 de outubro do mesmo ano, ficando esse dia

estabelecido por lei, para se comemorar o município que recebeu a denominação de

Conceição da Barra, sendo o primeiro nome uma homenagem à Padroeira e, o

segundo, lembrando o primeiro nome que os portugueses deram à povoação.

No dia 10 de junho de 1892, foi criada a comarca do município que teve como Juiz

de Direito o Dr. Carlos Gonçalves, suprimida em 1900 e restabelecida em 1951.

Segundo o poema de Padre Anchieta, onde descreve a ―Batalha do Cricaré‖, foi nas

8 Sobre os quilombos, ver: Aguiar, Maciel de, Série: HISTÓRIA DOS VENCIDOS, Editora Brasil

Cultura, Centro Cultural Porto de São Mateus, 1996.

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águas desse rio, que Fernão de Sá, ferido, perdeu a vida, quando lutava pela

expulsão dos europeus.9

Figura 2 - Praça em frente à igreja católica

Um grande impulso no desenvolvimento econômico do município aconteceu com a

chegada das empresas Companhia Industrial de Madeiras da Barra de São Mateus,

Cimbarra e da Martins Silva & Cia extratora de madeiras, na primeira metade do

século XX. A área do município foi regulamentada em 1885, pela Lei Municipal n.º

13, em 07 de janeiro do mesmo ano. No ano de 1911, o município era composto de

dois distritos: o da sede e o de Itaúnas. Um terceiro distrito apareceu na divisão

administrativa de 1933, o de Barreado, que perdurou até 1936.

De acordo com os registros da Secretaria de Turismo, através de trabalhos não

publicados, o município foi elevado a Vila em 1831, Vila de Barra de São Mateus,

que passou a tomar parte na vida política em 1833. Realizaram-se eleições para

escolha de vereadores e entre os eleitos foi escolhido para presidente da câmara o

vereador Padre Manoel dos Santos Pereira, a quem cabia a responsabilidade de

administrar o município e era denominado intendente. O município cedeu parte do

seu território para a formação dos municípios de: Mucurici em 1953, Pinheiros em

9 Sobre a Batalha do Cricaré, ver: DALL‘ORTO, Marco Antonio Campo, Rio Cricaré e a História

Cultural do seu povo, Vitória, 2009. Programa de Pós-Graduação em história da UFES - PPGHIS

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1964, Pedro Canário em 1983. Em 1922, houve eleições para o primeiro prefeito,

sendo eleito Astrogildo Carneiro Setúbal, apresentado pelo influente político

Bernadino de Oliveira Filho. Setúbal governou até 1927, ao ser eleito Manuel

Antônio de Oliveira, este não cumpriu todo seu mandato, devido à revolução de

1930. De 1930 a 1947, não houve eleições. Nesse período, os Governadores eram

nomeados pelo presidente da república e os prefeitos pelo governador e recebiam o

nome de interventores.

Com o fim do Estado Novo, em 02 de dezembro de 1947, houve eleição para

prefeito e vereadores, sendo, eleito prefeito Bento Daher que administrou até 31 de

janeiro 1951. Outros prefeitos: Ítalo Benso -1951/1955; Bento Daher -1955/1959;

Edward Abreu do Nascimento - 1959/1963; Mário Vello Silvares - 1963/1967 (foi

eleito, mas nem chegou a ser empossado por seu estado de saúde não permitir,

sendo substituído por Edgard Cabral da Silva que renunciou antes de terminar seu

mandato, assumindo o presidente da câmara Gastão Kock da Cunha); José Luiz da

Costa - 1967/1971; Bento Daher - 1971/1973; Gentil Lopes da Cunha - 1973/1977;

Humberto de Oliveira Serra - 1977/1983; Aluisio Feu Smiderle - 1983 administrou

por apenas 45 dias, falecendo em consequência de um acidente de trânsito,

assumindo a gestão, seu vice, Oribes Storch, que administrou até 1988; Humberto

de Oliveira Serra 1989/1992, renunciou antes de terminar seu mandato, assumindo

João Alves dos Santos, o vice; Mateus Vasconcelos - 1993/1996; Nélio Ribeiro

Nogueira - 1997/2000, foi afastado pela câmara 3 meses antes de terminar seu

mandato e, com a renúncia do vice prefeito Sebastião Farias que iria disputar

eleição, assumiu o presidente da câmara Edmundo Thomaz Soares Norberto;

Francisco Carlos Donato Júnior (2001/2004) e Manuel Pereira da Fonseca, também

conhecido como ―Manoel Pé de Boi‖ (2005/2008).

Em outubro de 2008, houve eleição para prefeito, tendo disputado as eleições o

atual prefeito Manuel Pereira da Fonseca, o ex-prefeito Francisco Carlos Donato

Júnior e o empresário Jorge Donati. Foi eleito o empresário Jorge Donati, conhecido

como ―Jorginho‖ (atual prefeito), com uma diferença de 800 votos para o prefeito

anterior, tendo como vice-prefeita a Sra. Adélia Augusta de Matos Marchiori, nome

conhecido no meio educacional por ter sido Secretária de Educação, por 03 (três)

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mandatos consecutivos de 1989 a 2001. Atualmente, a vice-prefeita acumula o

cargo de Secretária de Educação e também de Superintendente Geral da Prefeitura.

Esses dados, brevemente expostos, que têm o objetivo de ilustrar a conturbada

política do município de Conceição da Barra, refletem em problemas sociais,

ambientais, educacionais, entre outros, e mostra a dinâmica da vida no município.

4.1 Aspectos Geográficos

O município de Conceição da Barra está situado ao Norte do Espírito Santo e

estende-se por uma área de 1.188 km². Possui acesso pela BR 101 Norte, e

distância de 256 km da capital do Estado, Vitória. Limita-se ao Norte com o Estado

da Bahia, ao Sul com o município de São Mateus, a Leste com o Oceano Atlântico e

a Oeste com os municípios de Pedro Canário e Pinheiros.10

A população aproximada é de 26.230, de acordo com o IBGE – contagem feita em

2007 - está dividida entre a Sede, distrito de Braço do Rio, incluindo Sayonara e

Cobraice que possuem população equivalente, em número à população da Sede, e

Vila de Itaúnas com, aproximadamente, 1050 pessoas.

O município tem experimentado um processo de urbanização comparado ao que

acontece em todo o Brasil, predominando a população urbana sobre a rural e com

projeção de permanência desses índices até 2020.

2005 2010 2015 2020

Urban.

Rural Total Urban.

Rural Total Urban.

Rural Total Urban.

Rural Total

21.823

7.412

29.234

24.651

7.656

32.307

27.845

7.908

35.754

31.454

8.169

39623

Quadro 01 – Projeção de crescimento da população – pág. 36 - Rel Técnico PDM

10

Fonte: SIM – Serviço de Informação Municipal – Prefeitura Municipal de Conceição da Barra (dados

coletados em novembro de 2008)

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Com IDH geral medido em 2000 de 0,688, sua comparação com 1991 sugere um

alteração favorável no município, comportamento semelhante ao estado do ES ,

porém permanecendo abaixo da média do Estado, conforme tabela abaixo:

Município / Estado I D H

1991 2000

Conceição da Barra 0,584 0,688

Espírito Santo 0,690 0,765

Quadro 2 - IDH – Atlas Desenvolvimento Humano do Brasil 2003

Para melhor situar o leitor e ilustrar a localização do município, o mapa mostra

Conceição da Barra, em relação ao estado do Espírito Santo e ao Brasil.

A riqueza e a diversidade dos aspectos geográficos do município, são fontes de

inspiração para muitos poetas. Esses aspectos são ilustrados neste poema de

Maciel de Aguiar11, que com muita propriedade e criatividade, expressa a beleza

geográfica desta terra cheia de magia e encantos:

“Conceição da Barra nasceu de um beijo.

Veio o Cricaré das bandas de Minas, Engolindo glebas

11

Historiador e escritor capixaba. Autor de ―Os anos de Chumbo‖ e ―História dos Vencidos‖, duas de suas mais extensas e importantes obras.

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E restingas, matas frondosas, e pastarias, Vales e labirintos, açudes e pradarias,

Encontram-se num namoro eterno Com a praia do Atlântico

Que se espraia pelo remanso Eterno da Bugia.

E nesse idílio de águas cristalinas e barrentas, Com o vai-e-vem dos balsedos

Flutuantes se entrelaçando Nas raízes nuas e cravadas

Nas barrancas do Pontal do Sul, Houve um beijo

Com tamanho estampido, Feito bofetada de trovão,

Que ecoou por toda a face Da terra de Conceição,

Assustando arapongas e grumarás, Garças com plumagens como a alvura do leite

E comprimindo os guaiamuns Que mergulham em seus coldres de lama dos manguezais.(...)

Maciel de Aguiar, 08.12.70

O aumento da população na sede do município ocasionou uma degradação

ambiental, com os aterros aos mangues e retirada da mata ciliar na orla marítima.

Somado também a fatores geográficos mundiais (com o aquecimento global) tem

causado o assoreamento do rio Cricaré e devastação de áreas povoadas, como a

deteriorização da avenida beiramar e a eliminação quase completa do bairro Bugia.

Esse fenômeno vem interferindo de forma contundente no percurso político do

município, pois a miséria vivida por grande parte da população e a degradação

ambiental são alvos de políticos interesseiros e descompromissados com o

desenvolvimento do município, os quais aproveitam as dificuldades e a descrença

política da população para fundamentar promessas políticas que se arrastam por

anos sem se realizarem.

As características do município aqui referidas têm como objetivo, situar o leitor sobre

o lócus onde se produziu o fenômeno social investigado. Situar o contexto sócio-

histórico-cultural dessa complexa realidade, multifacetada e, extremamente,

marcada por contradições que refletem a presença do modelo capitalista nos

diversos modos de produção que se constroem no espaço-tempo investigado, que,

no caso, se refere à rede pública municipal de Conceição da Barra.

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4.2 A Educação no Município

Segundo o Plano Municipal de Educação (2008) e os dados do Censo Escolar

(2007), no município existem 37 estabelecimentos de ensino dos quais 13 são de

Educação Infantil, 20 de Educação Fundamental, 01 de Ensino Fundamental e

Médio, 01 de Ensino Médio e 01 de Educação Especial, totalizando 9.449 alunos. A

taxa de escolarização de 07 a 14 anos é de 94,4% da população. Atualmente, não

existem, no município, escolas particulares, e as escolas de ensino médio são

vinculadas ao Governo do Estado.

Consta no Plano Municipal de Educação que o ensino fundamental se encontra,

praticamente, universalizado em Conceição da Barra, e o documento ainda sugere

melhoria expressiva nos índices futuros, no que concerne à qualidade e à

quantidade do atendimento em Educação. No entanto, não esclarece em quais

pontos a necessidade dessa melhoria se faz mais presente, apenas cita que é

preciso melhorar a ―qualidade‖, e que a quantidade já está quase superada.

Educação infantil – atualmente, o município possui 13 instituições, sendo que

dessas, 7 atendem às crianças de zero a cinco anos, em período integral, são

consideradas creches e as outras 6 são de educação infantil, e atendem às crianças

de 3 a 5 anos, no período matutino e/ou vespertino, totalizando, em 2007, o

atendimento a 1442 crianças. As escolas que trabalham em período integral são

mantidas pela Secretaria Municipal de Educação, em parceria com a Sociedade

Estrela do Mar12. Matricularam 927 crianças em 2007, entre as quais 910 são

beneficiárias de convênio do Ministério do Desenvolvimento Social, recebendo

recursos da ordem de R$ 17,02/criança/mês (dezessete reais e dois centavos).

(PME 2008)

Observa-se que o município ainda não se estruturou para responder à demanda da

educação infantil, embora o Plano Municipal de Educação, elaborado em 2008,

12

Entidade filantrópica fundada em Conceição da Barra no ano de 1965, pelo Padre Mário Giani Stella.

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preveja, entre as metas, a expansão da oferta de Educação Infantil, adequando e

ampliando os prédios existentes para resolver um mínimo de 50% da demanda, uma

população de 0 a 5 anos ainda não assistida, assim como, a garantia de que todos

os professores de Educação Infantil tenham formação apropriada em nível superior,

o que ainda não é realidade no município.

No ano de 2007 e 2008, as creches funcionaram, em um período do dia, com

―monitoras‖ nas salas de aula. A maioria das monitoras era concursada no cargo de

―serviços gerais‖, mas tinham formação para o magistério, em nível médio. No

entanto, continuavam com o salário referente à função efetiva. O trabalho era

acompanhado por uma pedagoga responsável pela educação infantil, que visitava

as creches e acompanhava os planejamentos.

Ensino Fundamental - De acordo com o PME, o município possui uma taxa de

escolarização líquida de 94,9% (Censo 2000). Considera-se que cumpre os

preceitos da Constituição e da LDB e tem o ensino fundamental, praticamente,

universalizado. Possui uma rede física em bom estado, porém concentrada nos

centros urbanos da sede, Itaúnas, Braço do Rio e Sayonara, enquanto as periferias,

onde se concentra a maioria da população em idade escolar, têm poucas escolas

superlotadas e na zona rural, são atendidos somente alunos até à 4ª série,

obrigando os que desejam prosseguir os estudos a enfrentar a maratona do

transporte escolar, até à sede ou aos distritos.

Devido a essa inadequação, os alunos se movimentam para a sede dos centros

urbanos, gerando problemas e custos, tais como: um alto custo no transporte

escolar; falta de oportunidade do envolvimento do aluno e da sua família com a

escola da comunidade, como espaço público de convivência; dificuldade na

articulação da escola com a família. Esses problemas influenciam significativamente

nos resultados, pois os alunos estão inseridos em um contexto sociocultural, e a

escola em outro13. Apesar de ser um problema grave e evidente torna-se apenas um

13

Os alunos que residem em localidades remanescentes de quilombolas, em sítios ou chácaras no interior do município, para dar continuidade ao ensino médio, necessitam se deslocarem para a sede do município ou para os distritos. As dificuldades de acesso levam os alunos a desistirem no meio de percurso.

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dos fatores para os outros problemas do ensino fundamental de Conceição da Barra

que são:

a) O alto índice de reprovação, principalmente, na 1ª, 5ª e 6ª séries, de acordo

com o demonstrativo dos levantamentos anuais produzidos pela Secretaria

Municipal de Educação sobre os resultados dos anos 2003 a 2007. (PME – 2008).

2673 2685

3694

4031

383090,0%

89,5%

86,4%

85,8%

87,6%

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

4500

Aprovados

Matrículas

Aprovados 2377 2075 2338 2961 3682

Matrículas 2673 2685 3694 3830 4031

87,6% 85,8% 86,4% 89,5% 90,0%

2003 2004 2005 2006 2007

Fonte: Secretaria Municipal de Educação

b) baixa qualidade do aprendizado, de acordo com o IDEB – Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (que coloca o município na incômoda posição

dos 1293 com mais baixo IDEB do Brasil).14

Ensino Fundamental IDEB Observado Metas Projetadas

2005 2007 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021

Anos Iniciais 3,4 4,3 3,4 3,8 4,2 4,5 4,8 5,1 5,3 5,6

Anos Finais 4,0 4,1 4,0 4,2 4,4 4,8 5,2 5,5 5,7 5,9

Fonte: Prova Brasil e Censo Escolar

Por mais que a Secretaria Municipal de Educação se defenda, no sentido de estar

se esforçando na direção de melhorar a educação no município, os índices falam por 14

IDEBs observados em 2005-2007 e Metas para rede Municipal (PME).

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si e demonstram que há muito a se fazer pela qualidade da educação do município.

Outros problemas, que interferem de modo significativo para esses resultados, são

apontados no Plano Municipal de Educação (2008): a ausência de profissionais com

formação específica, nos anos finais do Ensino Fundamental, baixos salários,

currículos inadequados, prioridades a assuntos distantes da vivência dos alunos,

avaliações sem foco definido.

Na entrevista com a Secretária de Educação, realizada em dezembro de 2008,

foram levantadas questões sobre os problemas do Ensino Fundamental, em busca

pela qualidade da educação através de ações implementadas na Secretaria

Municipal:

[...] Ter certeza de onde estavam nossos problemas, eram onde: na formação do professor? Na educação infantil? Onde era exatamente? Então nos levou a saber que tínhamos um grande problema na alfabetização e era maior ainda na matemática. E isso nos fez que tivéssemos o reforço escolar, a criação do sistema municipal de ensino - foi aprovado em março de 2005 e implementado em que deu ao município a liberdade de construir políticas desde a educação infantil até o ensino fundamental numa maior rapidez, maior dinamismo e responsabilidade também das políticas municipais, em seguida, fazer duas avaliações na rede, uma mais no inicio do ano e outra no final, saber qual era o resultado dos alunos, ver onde era exatamente o problema que nós precisávamos atuar, e com isso toda a rede teve durante esse tempo, especificamente 2 anos e meio, seminário de apresentação de resultados, quando as melhores experiências eram socializadas com a rede de ensino fundamental e educação infantil, [...] é claro não significavam uma mudança de resultados de qualquer forma, não. Elas significavam um indicador para que fosse feito alguma coisa com a questão da aprendizagem, que chegassem perto do professor, para saber o que estava acontecendo, chegassem perto dos alunos dos pais, para ver se era a falta dos alunos, talvez a ausência de algum material, então isso veio acontecendo e nos deu um norte muito grande sobre o que fazer para a questão da aprendizagem que é o primeiro item do compromisso “todos pela educação” que é garantir a aprendizagem dos alunos. Pra isso todos os instrumentos como transporte escolar, onde teve aluno, onde precisou buscar, mesmo fazendo contrato emergencial, como tivemos que fazer por determinação pelo Ministério público, que aconteceu no mês de outubro [...]. (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO)

Ficou evidenciada, na fala da Secretária, a preocupação com os problemas da

qualidade da educação no município, e é interessante notar que houve, realmente,

um investimento para serem detectados os problemas e, através de uma avaliação

na rede municipal, ficou concluído que os entraves da qualidade estavam na

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alfabetização e na educação matemática, e desde então, foram feitos investimentos

nessas áreas.

Outra ação que, particularmente, considerei importante nessa gestão, foram as

―apresentações de resultados‖, também expostas pela Secretária, como forma de

verificar as dificuldades e estudar as possibilidades de melhorias em cada área. As

apresentações ocorriam ao final de cada bimestre; o diretor e supervisor de cada

escola eram convidados a fazer socialização dos resultados quantitativos e

qualitativos que tiveram durante o bimestre. Os encontros eram realizados em um

salão de reuniões da Secretaria de Educação, e lá eram discutidos os assuntos

pertinentes às avaliações, de acordo com diferentes níveis e modalidades de ensino.

Como participante também desse processo, sei que os problemas, em grande

maioria, não foram solucionados, mas considero a ação um grande avanço no

município, já que a ideia era buscar uma forma compartilhada de estudar, refletir e

encontrar respostas para os problemas educacionais do município. Com a transição

política municipal, essas e outras ações que haviam sido implementadas em 2008,

não foram continuadas em 2009, fator considerado prejudicial à educação.

Os problemas, as dificuldades sociais do município são muitos e interferem,

diretamente, nos resultados da educação, mesmo com a implementação de

programas de cunho social, que visam a garantir o acesso e a permanência dos

alunos na escola, tais como: PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil),

PACOVI, BOLSA FAMÍLIA, TRANSPORTE ESCOLAR, MERENDA ESCOLAR.

Principalmente, da região de Braço do Rio e adjacências, que possuem uma

população flutuante, na busca pelo emprego temporário, característica econômica

da região com suas usinas sucroalcoleiras, plantações e corte de cana de açúcar,

ainda não permitem que se visualizem os resultados, que se alcance a meta do

sucesso escolar. Devido a esses fatores, nessa região, é crescente o número de

prostituição infantil, o consumo e tráfico de drogas, a violência contra a mulher entre

outros problemas que são emergentes.

Diante desses problemas e tendo em vista a descentralização das políticas públicas

de educação e o estabelecimento de políticas locais correlatas, recentemente, o

município passou pelo processo de criação do Sistema Municipal de Ensino, como

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órgão executivo das políticas de educação básica, junto à Secretaria Municipal de

Educação, buscando promover maior independência da rede, na convivência com a

realidade de alunos e de famílias que passam pelo município, muitas vezes, sem

documentos de escolarização anterior, com baixíssima aprendizagem e alta

defasagem idade/série, e visando aos meios de solucionar os diversos problemas

existentes. Na entrevista citada, a Secretária aborda, com bastante ênfase, a criação

do Sistema Municipal de Ensino, no sentido de que irá contribuir para a solução dos

problemas existentes.

Para entender o que é o Sistema Municipal de Educação, lembro que a palavra

―sistema‖ é derivada do latim, e significa um ―conjunto de elementos, materiais ou

ideias, entre os quais possa encontrar alguma relação, método e processo‖, assim o

define o Dicionário da Língua Portuguesa15. A noção de Sistema pressupõe reunião

e ordenação, de acordo com um determinado fim, uma intenção, um objetivo. O

resultado dessa ação é o que podemos chamar de sistema. Sistema é, pois, um

todo organizado, articulado.

Gadotti (1993) afirma que para a organização de um sistema educacional ou o seu

desenvolvimento, duas condições básicas são necessárias: o conhecimento dos

problemas educacionais de uma dada realidade histórico-geográfica e uma teoria da

educação. Os sistemas educacionais municipais constituem-se hoje numa exigência

da complexificação da sociedade, da explosão descentralizadora atual e do

pluralismo político. Os últimos anos mostraram duas tendências universais

complementares: de um lado, a globalização da economia e dos meios de

comunicação (a interdependência global) e, de outro, o fortalecimento do poder

local.

A LDB, no Art. 11, estabelece que: ―os Municípios incumbir-se-ão de:

a) organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados (...)

15

Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1986.

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Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica.

O Sistema Municipal de Ensino compreende, de acordo com o Art.18 da LDB:

I- As instituições de ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal. II- As instituições de Educação Infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada, situada no município. III – Os órgãos municipais de educação;

No município de Conceição da Barra, solicitei à Presidenta do Conselho um histórico

sobre sua criação, já que o Sistema Municipal de ensino é um órgão norteador das

políticas públicas da Educação, e os municípios ainda estão em fase de organização

e regulamentação dos mesmos. A inspetora e presidente do Conselho informou o

seguinte:

O CME surgiu através da vontade do prefeito municipal e da secretária municipal de educação em alavancar todo o processo e colocar em prática a tão falada democratização do ensino que é uma das ações do Plano Nacional de Educação. No concurso Público de 1990 o município abriu vagas para inspetores chamando as cinco primeiras colocadas. E para implementar o Sistema Municipal de Ensino o município já contava no quadro do magistério com cinco inspetores efetivos. No ano de 2006 o prefeito sancionou a Lei Nº 3.305 de 06 de março de 2006 que institui e organiza o Sistema Municipal de Ensino de Conceição da Barra, Estado do Espírito Santo. Baixou a Portaria Nº 035 /2006 criando a Comissão Executiva para a implementação do Sistema Municipal de Ensino [...] (PRESIDENTA DO CME)

Informou, ainda, que

O Sistema Municipal de Ensino reger-se-á pela Lei Nº 3.305/06 de 06 de março de 2006 e pelos seguintes instrumentos legais: I- Constituição Federal de 1988. II- Lei de DB/EN Nº 9394/96. III- Constituição Estadual. IV- Lei Orgânica Municipal V- Legislação Federal, Estadual e Municipal aplicável ao Ensino. VI- Resoluções, Pareceres e Portarias do Conselho Nacional de Educação;

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Esses dados, despertam a atenção para o descompasso entre a política nacional e a

política local. Como o Sistema de Educação pode estar sendo implementado por

conta da vontade do Prefeito Municipal e da Secretária? O sistema não seria uma

prerrogativa da Legislação Nacional (LDB e Constituição Federal)? Parece que as

ações locais são desarticuladas, fragmentadas, o que torna a meu ver, uma

fragilidade na instituição de políticas locais.

Na sociedade brasileira, a proposta de municipalização das políticas públicas16 não

é apenas um assunto presente em debates nos dias atuais. Sua presença tem

permeado o contexto das discussões das políticas públicas, ao longo das últimas

décadas, na história da sociedade brasileira, manifestando-se no cenário nacional

desde os anos 80 e 90, evidenciando-se a partir de 1980, com o processo de

abertura política e de redemocratização do país, quando se intensificaram as

demandas por políticas sociais, inclusive para a educação especial.

Assim, o processo de definição de políticas públicas para uma sociedade reflete os

conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as

instituições do Estado e da sociedade como um todo.

Ensino Médio - os dados do ensino médio apresenta um descompasso em relação

ao ensino fundamental. Considerando a extensão territorial do município, é inegável

que a existência de 03 (três) unidades de ensino médio, sendo cada uma delas no

centro dos três principais núcleos urbano, Sede, Braço do Rio e Itaúnas, exclui um

grande contingente de estudantes, já que o município dispõe de 22 escolas de

ensino fundamental, das quais 11 são na zona rural. As três escolas de Ensino

Médio, no município, são de responsabilidade da rede Estadual de Ensino.

Ademais, outros dispositivos são apontados no Plano Municipal de Educação como

concorrentes para esse estrangulamento entre o Ensino Fundamental e o acesso ao

Ensino Médio, como por exemplo: currículos inadequados, distanciados da

realidade, materiais pedagógicos insuficientes e desconectados dos currículos.

16

―Políticas públicas são aqui entendidas como o ‗Estado em ação‘ (Gobert, Muller, 1987); é o Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade (HÖFLING, 2001, p. 31).

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Esses problemas provocam uma maior deficiência no processo educacional, geram

exclusão social, pois os alunos são, insuficientemente, preparados para competir e

assumir o mundo do trabalho e a prosseguir nos estudos, sendo possíveis

candidatos à má remuneração, subemprego, falta de condições para a

competitividade.

Para o Ministério da Educação17, a importância do nível médio como momento

adequado à apropriação de conteúdos básicos para a vivência em sociedade, de

continuidade de estudos ou de inserção no mercado de trabalho, não será pelo nível

médio, revestir-se de caráter propedêutico, nem também pela ênfase na quantidade

de conteúdos transmitidos. Mas, principalmente, pela articulação dos conhecimentos

ministrados no interior da escola com a realidade, na qual o educando está inserido.

Só assim, será possível desenvolver as competências fundamentais para a vivência

no mundo atual.

Em sendo o conhecimento o elemento primordial na atualidade, é fundamental que

os municípios se articulem com o Estado para propiciarem aos jovens melhores

condições de aprendizagem e inserção no mercado de trabalho e na sociedade.

Com a implantação do Ensino Médio não profissionalizante, o sistema público formal

de educação básica excluiu de vez os únicos cursos de habilitação profissional

existentes no município: Formação para o Magistério e Técnico em Contabilidade.

O atual Ensino Médio, que entrou com o propósito de forçar a procura por formação

profissional em nível superior, funcionou também como um fator de exclusão, pois

os alunos pertencentes às camadas sociais mais baixas têm dificuldades de acesso

a uma vaga nas universidades públicas, e ainda ficam sem formação profissional em

nível técnico, de acordo com o diagnóstico Plano Municipal de Educação (2008).

O município tem sua economia baseada na pesca, turismo, monocultura da cana e

do eucalipto, mas não oferece cursos técnicos nessas áreas. O trabalhador e o

estudante buscam aperfeiçoamento tecnológico em outros municípios, e a formação

17

Ver Resolução CNE/CEB n.º 1, de 3 de fevereiro de 2005, que atualiza as Diretrizes Curriculares

Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação para o Ensino Médio e para a Educação Profissional Técnica de nível médio às disposições do Decreto nº 5.154/2004.

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profissional se dá, basicamente, em cursos rápidos e essenciais, aprimorando

requisitos mínimos para que o trabalhador se insira no mercado de trabalho.

Os cursos oferecidos no âmbito estadual e regional, segundo o PME foram: PROFA,

curso técnico em educação ambiental e agronegócio, técnico em enfermagem,

técnico em secretariado, educação tributária, entre outros. A oferta tem sido

considerável, porém, ainda há carência em outras áreas de atuação profissional. Há

que se reconhecer que todos os profissionais precisam de formação inicial e

continuada, e somente nos últimos anos, a formação profissional em nível superior a

distância ganhou mais alternativas no município com cursos de graduação.

As metas do Plano Municipal de Educação, nessa área, estão voltadas para a

implantação de uma nova educação profissional no município e para a integração

das iniciativas. Tem como objetivo central generalizar as oportunidades de formação

para o trabalho, atingindo, de forma especial, os trabalhadores, envolvidos na pesca,

na agricultura e os estudantes.

Ensino Superior - O Município de Conceição da Barra não possui Instituição de

Ensino Superior presencial. No entanto, está localizado em uma microrregião onde

a cidade polo (São Mateus) tem um Polo Universitário pertencente a UFES, e duas

faculdades presenciais. O agravante para o ingresso no Ensino Superior gratuito, é a

competitividade do vestibular que ainda impede que os jovens do ensino público

ingressem na universidade pública. É, portanto, nas Intuições de Ensino Superior

privadas que se dão o acesso, desde que o aluno tenha condições financeiras para

a mensalidade e o transporte, e que disponha de tempo livre. Condições que a

maioria da população não tem, conforme enfatiza o diagnóstico pelo PME.

Formação continuada - O município possui programas de formação continuada, em

parceria com a Universidade Federal Espírito Santo, como o pró-letramento em

educação matemática, formação em educação afro-brasileira, e outras formações,

em parceria com empresas de atuação local, como é o caso do Projeto Formar

(PROFA), em parceria com a Aracruz Celulose. (Secretaria Municipal de Educação)

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Em 2001, foi implantado no Município o Curso de Pedagogia a distância, em

parceria com a UFES, com adesão de 101 alunos, todos professores efetivos do

município. O curso veio beneficiar profissionais da educação que buscam uma

qualificação em nível superior. Esse curso foi desenvolvido nas instalações do

Cre@ad (Centro Regional de Educação a Distância), no município de São Mateus,

na sede do CEUNES – Centro Universitário Norte do Espírito Santo.

Em 2005, foram também iniciados os cursos, na modalidade a distância, de

Administração, Normal Superior e Ciências Contábeis, em parceria com a UNITINS

– Universidade de Tocantins, ampliando sua oferta em cursos de Pós-graduação.

Em 2007, iniciaram-se cursos de Serviço Social, Análise de Sistema e Matemática.

Esses cursos funcionam nas dependências da EMEF ―João Bastos Bernardo Vieira‖,

que foram adaptadas para atender plenamente à demanda. Em 2006, também se

iniciou a oferta de cursos de especialização a distância pela mesma instituição de

ensino superior.

Outras instituições a distância têm oferecido cursos de formação inicial e continuada

para os professores do município, entre elas: a ULBRA - Universidade Luterana do

Brasil, também em parceria com a Prefeitura em 2007, iniciou o curso de Pedagogia,

na modalidade a distância com 3 turmas (2 na Sede e 1 em Braço do Rio),

atendendo a 70 alunos, no total; O IAPE – Instituto Avançado de Pesquisas

Educacionais; o Centro Universitário Leonardo Da Vinci, oferecendo cursos de Pós-

Graduação e Graduação em Pedagogia e, em 2008, com a oferta do curso de

Tecnologia e Gestão Ambiental.

Uma outra saída encontrada para atender à demanda de formação em nível

superior, foi o Sistema Universidade Aberta do Brasil - UAB –um programa do

Ministério da Educação, criado em 2005, que possui, como prioridade, a capacitação

de professores da educação básica. Seu objetivo é de estimular a articulação e a

integração de um sistema nacional de educação superior. Esse sistema é formado

por instituições públicas de ensino superior, que se comprometem a levar ensino

superior público de qualidade aos municípios brasileiros.

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Em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo, o município aderiu ao

sistema em 2007, criando um Polo de Apoio Presencial. Apesar de a prioridade do

programa ser a capacitação de professores da educação básica com a oferta de

cursos de licenciatura e de formação continuada, o Polo de Apoio Presencial de

Conceição da Barra até o momento só disponibilizou de curso superior na área de

Tecnologia em Sistemas de Informação e estão previstos para 2009 os cursos de

graduação em Ciências Contábeis, Química, Física, Filosofia e Artes Visuais e

especialização em Logística e Agronegócios.

Para auxiliar os estudantes no ingresso à Universidade, a prefeitura em parceria

com a Fundação Ceciliano Abel de Almeida – FCAA, aderiu, desde março de 2007,

ao Programa Universidade para Todos – PUPT, que consiste no oferecimento de

curso pré-vestibular gratuito. O PUPT atendeu em 2007, a 150 alunos da Sede e

Braço do Rio e, em 2008, foram atendidos 75 alunos na Sede.

Educação no campo e nas comunidades quilombolas – O Plano Municipal de

Educação já esclarece que, no meio rural, existem muitos fatores que dificultam o

cumprimento do que preconizam as leis brasileiras. Crianças que abandonam a

escola para trabalhar na lavoura, distância entre escola e moradia incompatível com

a presença diária, ausência de transporte escolar na totalidade dos locais, estradas

em péssimo estado de conservação, que inviabilizam a utilização do transporte

escolar, salas de aula em estado precário, inclusive com falta de materiais básicos.

Dificuldade de acesso em geral, para o profissional da educação, seja ele morador

distante do local de trabalho, ou perto, e nesse caso tem pouca participação nos

programas de formação, propostos pela SME, de acordo com o diagnóstico do PME

– 2008.

A inclusão de pessoas com deficiência na escola, quando moradoras na área rural,

constitui-se um desafio extra, pois as presenças de profissionais qualificados para

seu atendimento, são escassas. O atendimento a essa demanda é feito mediante o

transporte escolar que, precariamente, conduz os alunos (alguns) dos distritos de

Itaúnas, assentamentos e quilombos para a Associação Pestalozzi, localizada na

sede.

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O município de Conceição da Barra tem em sua extensão áreas rurais, onde os

grupos de habitantes possuem características, notadamente, de antigos quilombos,

formando comunidades quilombola18 que estão assim organizadas:

Comunidades reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares:

a) Comunidade de Angelim, composta por:

*Angelim 1, 2 e 3

*Angelim Disa - EMEF Córrego Dantas

*Córrego do Macuco

b) Comunidade São Domingos - EMEF Mário Florentino

c) Comunidade Linharinho - EMEF Linhares

d) Comunidades não reconhecidas:

- Coxi

- Roda Dágua - EMEF João Ribeiro Silvares (desativada)

- Santana Velha - EMEF Deolinda Lage

Dentre as comunidades existentes, apenas a Comunidade Coxi não possui escola,

nas demais, existem salas unidocentes de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.

As dificuldades educacionais pelas quais passam as áreas denominadas

quilombolas assemelham-se às da educação rural. A partir da 5ª série, os alunos

são transportados com recursos do município para núcleos urbanos onde são

atendidos em escolas de ensino fundamental e médio. Os alunos que dependem de

transporte escolar para a continuidade de seus estudos, sofrem um prejuízo

considerável, tanto por faltas e atrasos, devido às condições das estradas, quanto

pelo tempo de locomoção. O acesso à educação infantil fica bastante

comprometido, pois não há oferta de transporte escolar, nem escola local para esse

nível de ensino, de acordo com o diagnóstico do PME.

Educação de Jovens e Adultos - O Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001)

estabelece como um de seus objetivos a integração de ações do poder público que

18

Comunidades remanescentes de quilombos. Reconhecidas oficialmente pelo Estado brasileiro em

1988, principalmente com a afirmação de seus direitos territoriais por meio do Artigo 68 do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias da Constituição (ADCT).

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conduzam à redução do analfabetismo. No município, os déficits de atendimento no

ensino fundamental resultaram, ao longo dos anos, em um grande número de jovens

e adultos que não concluíram ou não tiveram acesso à escolaridade na idade

própria. Embora haja progresso com relação a essa questão, o número de

analfabetos é ainda expressivo.

Todos os indicadores apontam para a profunda desigualdade regional da oferta de

oportunidades educacionais e também a grande concentração de população

analfabeta ou, insuficientemente, escolarizada, nas camadas mais marginalizadas e

nas zonas rurais. O município possui 10 escolas com a modalidade de educação

para jovens e adultos, com a seguinte distribuição:

Quadro 1: Nº de atendimentos a educação de jovens e adultos no meio urbano e

rural:

Fonte: Secretaria Municipal de Educação (2008). Quadro 2: Programas de Alfabetização desenvolvidos no Município.

Fonte: Secretaria Municipal de Educação (2008).

Atendimento Meio Urbano

Meio Rural Total

Nº Escolas que ofertam EJA 04 06 10

Nº Turmas 24 12 36

Nº Alunos Atendidos 519 202 721

Programa Numero de turmas Numero de alunos atendidos

Brasil Alfabetizado 15 300

Alfabetização é um Direito 10 188

Total Geral 25 488

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Educação Especial - Embora desde a década de 50, tenham sido implementadas

no Brasil, as instituições de caráter filantrópico, como as Sociedades Pestalozzi e

APAE, voltadas para as pessoas com deficiência mental - no município, isso

aconteceu em 1990, ao ser fundada a Sociedade Pestalozzi de Conceição da Barra,

mantenedora da Escola Especial Esperança, que dá assistência educacional às

pessoas com deficiência mental. De acordo com o censo de 2007, a escola especial

atende a um número de 106 pessoas com diversas deficiências.

O município oferece a educação especial, mantendo o atendimento especializado,

em parceria19 com a Associação Pestalozzi de Conceição da Barra, mantenedora da

Escola Especial Esperança. A Secretaria Municipal de Educação realiza apoio

pedagógico itinerante nas escolas municipais, através da coordenação de Educação

Especial, que avalia os casos de alunos com necessidades educacionais especiais e

realiza os encaminhamentos para os diversos setores: psicologia, fonoaudiologia,

neurologia, fisioterapia etc., além de orientar os professores desses alunos.

Nota-se ainda que os prédios de educação pública não dispõem de acesso às

pessoas com mobilidade reduzida, assim como os recursos pedagógicos e humanos

ainda são ínfimos. Os objetivos e metas propostos no Plano Municipal de Educação

para os próximos dez anos preveem a organização, em todo o município e em

parceria com as áreas de saúde e assistência, de programas destinados a ampliar a

oferta de estimulação precoce (interação educativa adequada) para as crianças com

necessidades educacionais especiais, por deficiência locomotora, em instituições

especializadas ou regulares de educação infantil, pois no município inexiste esse

serviço. Assim como, são indispensáveis as ofertas de cursos sobre educação

inclusiva, para professores em exercício na educação infantil e ensino fundamental,

criação de salas de recursos, salas de apoio e outras alternativas pedagógicas

19 As políticas de parceria, implementadas principalmente, pela esfera municipal do Poder Público,

respondem, por sua vez, às necessidades de reorientação do papel do Estado na atualidade. Assim, ele transfere para as comunidades - intermediadas por organizações civis e, às vezes, com a iniciativa privada - atividades que deveriam ser de sua responsabilidade exclusiva, particularmente nas áreas sociais: moradia (mutirões), educação, prevenção à saúde, cultura, assistência social.

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recomendadas para o atendimento aos sujeitos que demandam apoios específicos.

Destacamos, ainda, as metas:

Implantar o ensino de Língua Brasileira de Sinais para alunos surdos, seus familiares e para o pessoal da unidade escolar.

Contratar professores especializados para acompanhamento dos alunos com necessidades educacionais especiais, incluídos na rede de ensino, de acordo com as especificidades de cada caso.

Definir, em conjunto com as entidades da área, nos dois primeiros anos de vigência deste plano, indicadores básicos de qualidade para o funcionamento de instituições de educação especial, pública e privada.

Assegurar o transporte escolar com adaptação aos alunos que apresentem dificuldades de locomoção.

Assegurar inclusão no projeto pedagógico nas unidades escolares, o acolhimento, a aceitação e o respectivo trabalho com as crianças que apresentam necessidades educacionais especiais.

Compor uma equipe técnica composta de pedagogo, psicólogo, fonoaudiólogo e assistente social para acompanhamento dos alunos com necessidades especiais incluídos na rede comum de ensino, assegurando atendimento especializado em parceria com a SMS.

Assegurar a continuidade do apoio técnico e financeiro às instituições privadas, sem fins lucrativos com atuação exclusiva em educação especial.

Construir um centro municipal de educação especial e inclusão social no Distrito de Braço do Rio, em parceria com a PESTALOZZI de Conceição da Barra. (PDE, 2008, p. )

Esses objetivos para a educação especial foram propostos pelos profissionais da

Associação Pestalozzi, junto com a equipe de educação inclusiva da Secretaria

Municipal de Educação. Todos os itens foram discutidos e analisados para constar

no PME. Cabe ressaltar que o Plano Municipal de Educação, que serviu de

documento base para esses dados, foi devidamente discutido, ora em grupo por

profissionais de cada área e ora no ―grupão‖ para sistematização das ideias.

Participamos de todo o processo, mais efetivamente do grupo da Educação

Especial, enquanto profissional da Educação Especial, no município e pesquisadora

na área.

Neste capitulo, apresentei os dados históricos, geográficos e educacionais do

município, a partir do Plano Municipal de Educação, elaborado no ano de 2008, e de

informações levantadas na Secretaria Municipal de Educação. No próximo capítulo,

abordo sobre os dados da pesquisa de campo, a começar pelos objetivos que

delineamos no início do percurso.

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5. A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA REDE MUNICIPAL

A coleta de dados deste trabalho foi realizada no final da gestão do Prefeito Manoel

Pereira da Fonseca, também conhecido como ―Manoel Pé de Boi‖, do PMDB –

Partido da Mobilização Democrática Brasileira. A Secretária de Educação que

assumiu nesse mandato, foi a atual Secretária do PT – Partido dos Trabalhadores,

ficando no cargo pelos quatro anos consecutivos. A Secretária é carismática,

bastante popular e benquista pela classe. É muito participativa e frequenta diversos

eventos na área da educação, como encontros da Undime, congressos, fóruns,

seminários e outros.

A Secretaria de Educação do município é composta por uma equipe pedagógica,

outra administrativa, pelos conselhos e pelo Sistema de Educação. A equipe

pedagógica é composta pela Gerência de educação e se ramifica por coordenações

de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos,

Educação Rural e Quilombolas, Educação Especial e equipe de projetos. As

coordenações de Educação Infantil e Ensino Fundamental são compostas de 2

coordenadores para cada nível e as modalidades de EJA, Educação Rural e

Educação Especial, apenas 01 coordenador para cada modalidade. É importante

salientar que essas coordenações são independentes e que não têm um projeto de

discussão das necessidades ou possibilidades de trabalho de cada uma, em

conjunto.

As escolas de Ensino Fundamental e Educação Infantil têm um diretor e, em sua

maioria, tem o conselho de escola e todas têm um supervisor20 por turno. As

coordenações da Secretaria de Educação acompanham os projetos desenvolvidos

nas escolas e, bimestralmente, acontece a ―apresentação de resultados‖, onde as

equipes de todas as escolas se encontram para apresentação dos avanços e

dificuldades de cada espaço. As apresentações priorizam os aspectos quantitativos

como notas dos alunos, presença, evasão e busca-se uma discussão para a solução

dos problemas apresentados.

20

Mantive o termo que o município ainda utiliza para o pedagogo das escolas: supervisor ou coordenador pedagógico.

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Ao abordar sobre a figuração da política de educação especial no município, busco

nas falas dos sujeitos envolvidos na pesquisa, como num jogo, organizar o ―quebra

cabeça‖ de como os representantes da educação especial e inclusiva, e gestores da

educação constituem na prática a Política Educacional. Para tanto, utilizo a

entrevista com a Secretária de Educação Municipal, no final do mandato

(2005/2008), a qual durante a entrevista, paulatinamente, vai desvelando a

configuração da Educação no município de acordo com as suas vivências.

O tema mais polêmico levantado nas discussões foi a política de educação especial

no município, marcado pelas expressões dos professores de revolta e insatisfação

com uma política que eles falavam ―não existir‖. Abaixo, apresento algumas falas

dos professores, tanto da escola regular como da escola especial, de como

concebem a política de educação inclusiva no município:

Então a gente se sente assim, sozinho, nadando, nadando e não sabe nem o rumo que vai tomar. Eu penso que o professor quando pega um aluno assim, é mais nesse sentido dele não saber o que fazer, e ai alguém pode pensar que é questão de má vontade, mas não é questão de má vontade, é questão dele se sentir só sem apoio. Por exemplo, uma criança que precisa do apoio de um psicólogo, o que fazer? A gente não tem o profissional. O que a gente faz? A gente recorre a Pestalozzi. (SUPERVISORA DA ESCOLA REGULAR) [...] Eu vejo que teria que estar montando um projeto, onde as pessoas que ficam lá, no caso na secretaria, a parte maior que está envolvida poderia estar tendo, se conscientizando da necessidade que tem todo município de estar incluindo mesmo, porque isso se chama inclusão, incluindo a todos, trazer elas aqui, levando a gente lá e vice e versa, mas tem que ter uma pessoa, não vou dizer assim, com mais capacidade, porque todos nós somos capazes, mas uma pessoa com mais disponibilidade, uma pessoa que fique mais atenta a essas coisas mais de perto, vendo a necessidade do trabalho da Mara é um trabalho bonito, com muito esforço, mas eu não vejo que é só ela sozinha que vai conseguir não, ele está tentando, mas tem que ser formada uma equipe, com eu disse antes, fazer um projeto, para que isso possa tem resultado. Porque ela faz uma coisa, mas como tem ditado ―uma andorinha não faz verão‖. (LUANA - professora da escola especial) [...] ―Uns dois anos, três anos para cá, eles, a gente sabe que a inclusão já vem acontecendo há muito tempo, mas a cada dia parece assim, que a inclusão parece que é uma coisa nova, mas eu digo assim melhorou bastante a preocupação deles, da escola regular com alguns alunos da escola especial” (DEBORA - professora da escola especial)

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As falas já apontam possibilidades de construção de um projeto que venha a atender

às necessidades da rede municipal. Conforme apresentamos, anteriormente, no

Brasil têm ocorrido investimentos em programas e projetos que visam a ―assegurar a

todos a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, sem

qualquer tipo de discriminação‖, principio contido na Constituição Federal de 1988, e

que ainda não se tornou realidade para milhares de crianças e adolescentes que

apresentam algum tipo de deficiência.

As professoras também apontam que não basta uma política de ―faz de conta‖,

como é o caso de ter apenas uma pessoa responsável pela educação inclusiva no

município. É preciso, realmente, ter bom senso e admitir as responsabilidades da

rede municipal, enquanto promotora desse direito, conforme situa Carvalho (2004):

[...] precisamos entender que escolas receptivas e responsivas, isto é, inclusivas, não dependem só e apenas dos seus gestores e educadores, pois as transformações que nela precisam ocorrer, urgentemente, estão intimamente atreladas às políticas públicas em geral, e dentre elas, às políticas sociais.(CARVALHO, 2004, P. 15)

Conforme salientamos sobre a conquista dos direitos sociais, diante da história e

dos textos legais, se levarmos em conta os textos legais, podemos considerar que a

educação das pessoas com deficiência encaminha-se para um futuro promissor. No

entanto, quando observamos a realidade da escola, dos professores e alunos,

verificamos que a lei, em tese, é uma garantia dos direitos humanos, não tem

assegurado nem proporcionado condições para tal.

Nesse sentido, Azevedo (1997) esclarece que estruturação e implementação das

políticas educativas constituem uma arquitetura em que se fazem presentes, dentre

outras dimensões: as soluções técnico-politicas escolhidas para operacionalizar,

internamente, os princípios ditados pelo espaço global; o conjunto de valores que

articulam as relações sociais; o nível de prioridade que se reserva à própria

educação, e às práticas de acomodação ou de resistência forjadas nas instituições

que as colocam em ação.

Para melhor compreensão da política municipal, foi fundamental a entrevista com a

Secretária de Educação. Essa entrevista foi marcada várias vezes, mas não

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acontecia, devido aos acontecimentos eventuais e aos compromissos que se faziam

urgentes na agenda da Secretária. Foi um período cheio de turbulências. O

município estava em plena campanha eleitoral, e a Secretária apoiava o prefeito

atual, que não foi eleito. Liguei várias vezes, enfim conseguimos na véspera de

Natal marcar um encontro que foi muito proveitoso. A entrevista foi muito natural,

aconteceu no período de uma manhã muito tranquila, quando já ecoava o espírito

Natalino. A eleição havia passado e não havia mais o que fazer. Embora com um

semblante triste e decepcionada com o resultado da eleição, a Secretária foi

receptiva, amiga e disponível para todas as informações possíveis. Talvez por isso,

foi tão rico esse encontro, pela tranquilidade, receptividade e pelo tempo que

tivemos.

Levei um roteiro com as perguntas semiestruturadas, mas à medida que ela ia

respondendo, outras iam surgindo, como num bate papo, mas sem fugir do foco,

meu objeto de estudo. Iniciamos, falando da Política de Educação Inclusiva no

município, e acredito que, pelo fato de a Secretária ser uma pessoa envolvida,

politicamente, com a educação, ela iniciou a partir de um discurso da educação para

todos, já que é através desse discurso hegemônico na sociedade que nasce a

prerrogativa da educação inclusiva:

[...] Então quando eu vejo o tema educação para todos, a gente percebe que realmente são todos, são os negros, são os excluídos de uma forma geral, as crianças que nunca tiveram chance, os filhos dos muito pobres, então a gente percebe que antes a educação era pra alguns que tinha acesso, os da elite [...] Então pra gente entender que a escola é pra todo mundo, que todo mundo tem o direito à educação com a mesma qualidade, eu acho que isso é uma mudança de visão, de paradigma mesmo da educação para todos, e ai inclui também e nos dá o verdadeiro objetivo de trabalhar com os alunos, crianças, jovens e adultos que tenham alguma deficiência, por que parte do principio que eles têm direito. Então se passa por esse principio do direito, que seja com dignidade, por isso nossa meta de atingir, de proporcionar a educação especial que seria ter os instrumentos básicos numa instituição de qualidade, que com isso vem outra discussão que precisa trabalhar...[...] (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO – Entrevista dia 23/12/2008)

Conforme afirma Azevedo (1997), ―os princípios são ditados pelo espaço global‖, e

já não é mais a fala da ―Secretária‖, mas o discurso de uma educação para todos,

imbricado no discurso local da Secretária de Educação. Analisando a citação da

gestora de educação municipal, os princípios da educação para todos estão

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presentificados em seu discurso, e ainda complementa que o direito à educação,

passa pela qualidade, inclusão escolar, mudança de visão, e de paradigma e reforça

a necessidade de se trabalhar para concretização dessas ações. Embora esses

princípios estejam cristalizados na fala da gestora: ―todo mundo tem o direito à

educação com a mesma qualidade”, nota-se no município, de acordo com dados

apresentados no capítulo anterior, que ainda não se fazem presentes na prática do

município. Contudo, a Secretária deixa claro que é uma ―meta a atingir‖, ou seja, por

mais que se conheça, que se fale e que existam os princípios da educação para

todos garantidos na legislação, não basta para que sejam transformados em ações

locais, ou seja, não basta a homologação de leis e decretos para garantir os direitos

a todos cidadãos, mas faz-se urgente que esses direitos sejam reverberados na

prática.

Segundo Garcia (2004), a ―educação para todos‖ pode ser pensada numa

perspectiva educacional que leve em conta objetivos comuns da educação,

considerando que todos terão uma educação com a mesma finalidade, aprenderão

as mesmas coisas, apesar de serem necessárias estratégias diferentes. Mas o que

é pensar a educação para todos, a partir de uma instituição de qualidade, como diz a

Secretária de Educação? De qual instituição ela fala? Como se traduz a educação

para todos? Quem delega essa função à escola especializada? É da perspectiva de

uma educação para todos no mesmo espaço da escola comum ou é oferecer os

serviços específicos estabelecidos pela escola especializada?

Mecanismos de apoio à educação inclusiva - sobre os mecanismos que o

município vem desenvolvendo e os investimentos na educação especial do

município, a gestora responde, referindo-se à qualidade do trabalho desenvolvido

pela Instituição Especializada no município, o que exime o município de qualquer

responsabilidade com essa modalidade de ensino, já que disponibiliza os

profissionais e dá o apoio ―necessário‖ à instituição responsável.

Então o que nós temos feito, é usar como sede, o apoio da instituição especializada que tem no município, que é a Pestalozzi e que a Secretaria de Educação e de saúde, vem disponibilizando os profissionais. Lá tem todos os profissionais atuando: professores, psicólogo, fonoaudiólogo, pedagogo, fisioterapeuta, assistente social, e a parte de apoio. Em dois locais, na sede e no Braço do Rio. Como a instituição é de boa qualidade, o atendimento é excelente. Tem consultório de fisioterapeuta, os equipamentos são adequados. Atendimento de fonoaudiologia. Então ela

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dá esse suporte de atendimentos aos alunos da escola regular. (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO – dezembro de 2008)

É um grande paradoxo, ao mesmo tempo que a Secretária defende o princípio do

direito à educação e a proposta da educação para todos, também defende o ―uso‖

da ―instituição de boa qualidade‖, paralela à educação comum, para o atendimento

das pessoas com deficiência, como único mecanismo da educação especial. O que

se entende é que se existe a instituição de educação especial, que já faz seu

trabalho, com os profissionais cedidos pelas Secretarias Municipais, por que se

preocupar com a educação inclusiva? É uma forma de defender a configuração que

já existe e se eximir de responsabilidades por não atender os preceitos legais

existentes no Brasil sobre a política de atendimento às pessoas com necessidades

educacionais especiais. O resultado disso está no diálogo com o professor do

município, como exposto abaixo:

Pesquisadora: Você recebe algum apoio do município para trabalhar com esses alunos incluídos?

Professor: Não, apoio diretamente não, apoio de material didático, de material de instrução para trabalhar com eles não recebo. Nós que temos que colaborar com a nossa prática que eu trabalhei um ano e meio na sociedade Pestalozzi, e na escola especial é diferente. A gente estudou, e aprendeu alguma coisa e procura ter essa visão de incluir eles. (OSMAR – Professor da Escola Regular)

A escola regular está recebendo os alunos com necessidades especiais, mas na

grande maioria sem qualquer apoio do município. A responsabilidade maior fica

sobre o professor em colaborar com sua prática. Em alguns casos, parece que o

professor está fazendo uma ―boa ação‖, um trabalho de solidariedade, e não

cumprindo sua função de educador e garantindo o direito da pessoa com

necessidades especiais.

Nas várias reformas educacionais ocorridas no país, nos últimos anos, conforme

abordamos no capítulo anterior, destaco a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, de 1996, quando o tema sobre necessidades educativas especiais esteve

presente, com a referência comum da responsabilidade do poder público e da

matrícula preferencial na rede regular de ensino, com os apoios especializados

necessários. A referência ao papel central da escola comum na educação dos

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alunos que apresentam necessidades educacionais especiais foi também assumida

pela adesão do Governo Brasileiro à Declaração de Salamanca, de 1994.

Contudo, apesar das diretrizes e documentos normativos de cunho federal, estadual

e até mesmo municipal, como é o caso da Lei Orgânica, citada no capítulo anterior,

a organização da educação especial no município ainda está, exclusivamente, a

cargo da entidade filantrópica (isso é claro nas falas e vivência dos professores do

município): ―então ela (instituição especializada) dá esse suporte de atendimentos

aos alunos da escola regular‖ (fala da Secretária), que mais parece uma

dependência dos serviços do que um suporte propriamente dito.

[...] Eu penso que há um descaso, e uma irresponsabilidade do município de não ter assumido isso ai. É válido um intercâmbio com a Pestalozzi, acho que pode ajudar muito, mas seria melhor se tivéssemos uma política voltada para isso. E a Pestalozzi ser mais um órgão para ajudar, para fortalecer e não ser a responsável pela inclusão, como está acontecendo[...]. (Entrevista com CLARA – supervisora da escola Maria Gilder) Porque precisamos formar uma equipe, uma equipe pra poder direcionar melhor o trabalho e não tem essa equipe formada, como especialista direcionando a necessidade de cada um nas instituições, seja regular ou especial [...] (Entrevista com Mara, coordenadora da educação inclusiva)

É interessante notar, na fala dos profissionais participantes desta pesquisa, o quanto

se faz necessário o estabelecimento de uma ação direcionada pelo município e

ainda não concebem a existência de uma política para a Educação Especial, mesmo

existindo o trabalho da Escola Especializada. Entendo que as ações desenvolvidas

pela Escola Especializada não se constituem como política educacional, mas é de

se esperar que a dita política aconteça, via município. Isso me faz lembrar das

palavras de Azevedo (2001) que a educação deve ser entendida como direito

público social.

Concordo com Azevedo (2001), ao afirmar que ao adotar uma perspectiva teórico-

crítica na abordagem do objeto ―políticas educativas‖, não deixo de enfrentar a

tensão decorrente da necessidade de uma postura objetiva nas práticas

investigativas, aliada a um comprometimento político com a luta pela construção de

alternativas sociais significativas, que resultem na emancipação e felicidade

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humanas. Por isso, é preciso que haja um enfrentamento dessa tensão. Nas

palavras de Oliveira (2001), no prefácio à 2ª edição, p. VII, evidencia-se que

―A política educacional definida como policy – programa de ação – é um fenômeno que se produz no contexto das relações de poder expressas na politics – política no sentido da dominação – e, portanto, no contexto das relações sociais que plasmam as assimetrias, a exclusão e as desigualdades que se configuram na sociedade e no nosso objeto.‖

Na prática, não é fácil manter essa objetividade, quando estamos inseridos com

tanta profundidade nesse contexto de tamanha contradição. Mas a minha pretensão

é contribuir para a construção de novos saberes sobre as políticas de educação

especial e inclusão escolar, a começar pelos sujeitos que estão colocando na prática

essas políticas.

Quando interrogados sobre a política municipal de educação inclusiva, os

professores sempre falam do que poderia ser: seria a organização (planejamento,

legislação, intervenção...) de um trabalho voltado para a inclusão das pessoas com

necessidades educacionais especiais na escola comum. Os sujeitos falam da

necessidade de ações, e é do entendimento dos professores de que a política são

as ações implementadas, pelo Estado21. Portanto, mesmo que no município estejam

sendo desenvolvidas algumas ações na área, essas ações não bastam para que se

diga que tem uma política de inclusão escolar. É necessário que o município assuma

a responsabilidade da educação especial e inclusão escolar como política pública.

[...] Não existe uma política direcionada no município para a educação inclusiva. Existe uma demanda grande, existe muita necessidade por parte de todos, mas não tem ainda uma política voltada para essa questão, existe um descaso, um descrédito, a gente luta sozinho, e a gente não sabe a quem recorrer, a quem procurar. Então eu acho que deveria ter na área de educação ou social, não sei em qual área, mas deveria ter um grupo de apoio para trabalhar essas questões, trabalhar com os professores e ter um grupo onde a gente pudesse ter apoio, assim, poder recorrer [...]. (CLARA - Supervisora da Escola ―Maria Gilder‖)

[...] ―Está sendo um grande desafio porque ainda o município não tem um grande compromisso com a inclusão. Porque precisamos formar uma equipe, uma equipe pra poder direcionar melhor o trabalho e não tem essa

21

Estado aqui entendido como ―um ordenamento jurídico destinado a exercer o poder soberano sobre um dado território, ao qual estão necessariamente subordinados os sujeitos a ele pertencentes‖. (BOBBIO, 1987)

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equipe formada, como um especialista direcionando a necessidade de cada um nas instituições. Um pouco do trabalho tem sido desenvolvido. Os professores no inicio sentiram assim desespero um grande desafio na vida deles, para receber esses alunos, mas com o encaminhamento com o andar na realidade do trabalho eles foram vendo que não é tão difícil, estar abraçando essa causa, mas esta sendo ainda um grande desafio para cada professor cada escola‖. (MARA – Coordenadora da Educação Inclusiva municipal)

Não é possível programar a Política de Educação Inclusiva no município, sem as

mínimas condições necessárias, no que diz respeito aos serviços de apoio. Na LDB

(BRASIL 1996), estão garantidos os apoios especializados e os serviços

disponibilizados aos alunos com necessidades educacionais especiais, matriculados

em classes comuns e na Resolução nº 02 (Diretrizes da Educação Especial na

Educação Básica), no Art. 2º, prevê serviços de apoio especializado, os quais

compreendem: professor especializado em educação especial; professores

intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis; atuação de professores e outros

profissionais itinerantes inter e institucionalmente; outros apoios necessários à

aprendizagem, à locomoção e à comunicação e a Sala de Recursos. Em caráter

extraordinário e transitório, para alguns poucos alunos, admite-se a manutenção de

serviços especializados, que incluem: classes especiais, escolas especiais, classes

hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar, em parceria com a saúde.

A política do município é a Mara, pois é ela que faz o trabalho como uma formiguinha. A gente sabe que ela sozinha não faz muito, mas é o único apoio que a gente tem. (NEUZA – Professora da Escola Regular - Novembro de 2008)

Como desenvolver a política de educação inclusiva, sob o princípio de educação de

qualidade para todos, em um município com 37 escolas, 9.449 alunos, e apenas uma

pessoa coordenando e desenvolvendo todo o trabalho? Humanamente é impossível

de se fazer um trabalho de inclusão dos sujeitos com deficiência ou com

necessidades educacionais especiais na escola comum, nessas condições.

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5.1 A Coordenação de Educação Inclusiva

O olhar sobre a coordenação de educação inclusiva no município deu-se

concomitante a meu trabalho na Instituição Especializada, onde a coordenadora

também atua. Na verdade, eu acompanhando esse trabalho de itinerância da

educação inclusiva nas escolas da rede, que realizo em conjunto com a

coordenadora, há alguns anos, através dos relatórios e das visitas. O

relacionamento profissional e a afinidade de ideias que construímos, ajudou muito

na coleta dos dados, tornando, o mais ―familiar‖ (Velho, 2004) possível, as

entrevistas, a disponibilidade dos relatórios e os dados do município.

A coordenadora é professora efetiva da Prefeitura Municipal e trabalha há mais de

10 anos na Instituição Especializada, sendo que, há dois anos assumiu a

coordenação municipal. Faz o atendimento aos alunos que apresentam

necessidades educacionais22, em toda a rede municipal. Como ainda não havia

definições dos dispositivos a serem implementados pela rede, a Coordenadora,

quando iniciou fez visitas às escolas e levantamento dos problemas e das demandas

da educação especial e, aos poucos, foi dando um ―rumo‖ ao que é denominado

―coordenação da educação inclusiva‖:

[...] a gente vai lá na escola, esse aluno que é muitas vezes taxado de sonso, não quer saber de nada, então a gente faz uma avaliação, um diagnóstico de escrita, um trabalho mesmo conversando com o aluno e a gente passa a perceber que esse aluno não é preguiçoso, ele precisa só de um acompanhamento, um direcionamento melhor com um especialista. E conversamos com a criança nesse primeiro momento depois a escola envia um bilhete para a mãe e ai marco outro horário e converso com a mãe sobre a possibilidade dessa criança ser atendida na Pestalozzi para fazer uma avaliação com o psicólogo, ou com a fono.[...]

Embora a coordenadora da educação inclusiva esteja vinculada profissionalmente à

Secretaria de Educação, as crianças são encaminhadas à instituição especializada,

pois o município não oferece outro serviço de apoio especializado. Seja qual for o

tipo de necessidade especial, por deficiência, que o aluno apresente, se é cego,

22

No inicio do trabalho de itinerância nas escolas, todos os alunos eram avaliados, de acordo com a demanda apresentada pelos professores. Esse trabalho foi denominado ―diagnóstico da educação inclusiva‖. Após o diagnóstico era definido se o aluno necessitava ser acompanhado ou não.

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surdo, físico, mental, TDAH, síndrome de down, entre outros, é lá na instituição

especializada que acontece o apoio.

Encaminhamentos dos alunos da Educação Inclusiva - O encaminhamento das

crianças acontece tanto da escola regular para a especial quanto da especial para a

regular. Se for é da regular para a especial, a coordenadora vai à escola, faz a

avaliação ou como ela prefere ―o diagnóstico‖, e se for o caso de criança que

necessita de atendimento, a criança é encaminhada à Associação Pestalozzi onde,

no horário inverso, é atendida na sala de recursos ou conforme o caso, recebe

atendimento de fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia ou terapia ocupacional. É

importante salientar que ―a possibilidade de atendimento‖, de que fala a

coordenadora, diz respeito ao fato da instituição especializada, também não ter

condições físicas e humanas de atender toda a demanda da rede. O que deveria ser

o serviço de apoio se tornou o único serviço especializado no município. Isso

acarreta uma lista de espera nos atendimentos clínicos e uma insatisfação dos

professores, em relação à rede municipal de educação, que transferiu para

instituição especializada tudo aquilo que não quer resolver, ou seja, medicaliza o

ensino.

Outra questão peculiar nos encaminhamentos para a Instituição Especializada é a

marca do ―lugar‖, definido, socialmente, como sendo ―a escola dos doidos, dos

mongolóides‖. Por mais que a sociedade tenha superado esses preconceitos, eles

ainda estão lá bem arraigados e é comum alguns pais e crianças resistirem ao

receberem uma orientação da coordenadora para ir à instituição especializada, por

não querer associar a sua imagem ao lugar ―daqueles que têm problema de cabeça‖

(fala de uma mãe).

―[...] Mas a gente depara também com alguns pais que ainda não conhecem o trabalho da Pestalozzi. Quando a gente fala, tem preconceito, quando a gente fala que a criança será atendida aqui na Pestalozzi, para ter um reforço um acompanhamento com um especialista eles falam “Ah meu filho não é doido, não tem problema de cabeça”. E alguns nem aceitam e as crianças não vêm e a gente tem que ficar tentando desenvolver esse desafio nas escolas mesmo, sem o acompanhamento do especialista porque eles têm muito preconceito e a gente vê que a criança precisa mesmo de um acompanhamento com um especialista. A gente encontra assim, várias escolas. Eu encontrei também esse tipo de dificuldade, desafio, pais que não aceitam ainda que o filho precise de um acompanhamento dos especialistas, do fono de psicólogo. Falam que

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psicólogo é para doido, que o filho não é doido, e é assim um desafio intenso que nós temos[...]‖. (MARA – Coordenadora da EI – outubro 2008)

Se o professor que é graduado em pedagogia, teve em sua grade curricular temas

sobre psicologia da educação, ética, educação especial e outros, ainda tem

preconceito, imagina a família que espera um filho perfeito? Ninguém prepara a

família para receber um filho com alguma deficiência, e ainda a sociedade joga a

culpa em cima dela. O problema não está na família que não aceita levar seu filho á

Pestalozzi, mas na Política do município que não garante o atendimento educacional

especializado a essa criança, na própria escola onde ela estuda.

Outra forma de encaminhamento de alunos, entre a escola regular e especial, que

acontece no município, tem o caminho inverso, isto é, encaminhamentos da escola

especial para a escola regular e estão sendo muito comuns atualmente, sobretudo,

com as crianças na fase pré-escolar. Mas também, ainda existem muitos entraves,

em vista da necessidade de apoios educacionais que uma criança dessa fase

necessita, como ao apresentar atraso no desenvolvimento motor e o município não

atender essas necessidades que a meu ver, são de direito, constitucionalmente,

garantidos. A falta da consolidação de dispositivos municipais para o atendimento à

pessoa com necessidades educacionais especiais, por deficiências, causa

insegurança e medo nas famílias que, por sua vez, preferem o atendimento na

instituição especializada:

A minha filha não pode ir para lá, ela tem que ficar aqui, na escola especial. Como ela vai ficar lá no meio daquele tanto de crianças, eles vão machuca ela. Ela não sabe se defender, não sabe usar o banheiro sozinha, ela é muito dependente. O que ela vai aprender lá?. Não. Eu não concordo dela ir pra lá. Quem sabe daqui mais um tempo? (LENA – mãe de uma criança da escola especializada)

Esse caso, como tantos outros, que acompanho na Pestalozzi, e creio existir

também em outras instituições espalhadas pelo Brasil, mostra como a política

interfere, diretamente, nos modos de pensar e agir das pessoas. A política demarca

o lugar daqueles que podem ou não ter direitos, no caso o direito à educação.

Novamente, Bobbio (2004), contribui para essa reflexão quando aborda sobre a

diferença entre o reconhecimento e a proteção dos direitos humanos:

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A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma função prática, que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais; mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e protegido. Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos ―sem-direitos‖. (BOBBIO, 2004, p. 05)

O autor chama a atenção para o fato do obscurecimento e ocultação dos direitos,

fato que é muito comum ao se tratar de direitos das pessoas com deficiências, que

poderia até colocar como parte da massa que o autor se refere dos ―sem direitos‖.

Já que grande parte dos direitos sociais garantidos não são reconhecidos.

Pois bem, a Constituição Federal, em seu art. 6º, consagra a educação como um

direito social. Sendo um direito social, tem por objetivo criar condições para que a

pessoa se desenvolva, a fim de que a pessoa se desenvolva e adquira o mínimo

necessário para viver em sociedade, mínimo esse destinado a todas as pessoas.

Assim, temos a educação como uma das condições de que a pessoa necessita para

ter uma vida digna, sobretudo no que se refere ao ensino publico fundamental

gratuito, nos estabelecimentos oficiais de ensino, que se traduz como direito público

subjetivo, como condição essencial para a existência digna. Abaixo, cito um pouco

mais da fala da coordenadora, Mara, que retrata a situação do direito à educação na

prática do município.

[...] esse ano tive a oportunidade de conseguir trazer para a Pestalozzi uma criança que é filho de pais alcoólatras e uma pobreza muito grande, e fui na casa dele visitar e pude observar que não é uma criança que tem desinteresse que é preguiçoso, mas uma criança que precisa de um grande acompanhamento do psicólogo. Ele tem sido acompanhado aqui na Pestalozzi com muito amor muito carinho e hoje tem desenvolvido bastante. Já melhorou muito, é outra criança. Na visita que fiz à professora da escola regular, a professora continuou falando que ele era muito desinteressado ai eu peguei o caderno dele aqui da escola e levei, para mostra a ela que aqui ele conseguia realizar muitas atividades, e ela ficou muito surpresa e ela ate falou assim: ―Poxa você ta escondendo o jogo”, aí, descobri que ela só trabalhava com letra manuscrita com ele e ele não consegue realmente fazer e nem conhece as letras manuscritas, ele ainda não conseguiu gravar aprender, ainda não conseguiu, mas a letra bastão a pálido ele tem desenvolvido atividade no caderno dele aqui na Pestalozzi. Ai eu orientei uma outra forma de trabalho com esse aluno, e ela passou a ter então um novo olhar com este aluno. Ela tem 28 alunos e disse: ―como eu vou fazer pra trabalhar com ele, eu não posso trabalhar diferente, diferenciado com ele‖. Eu respondi: você pode trabalhar a mesma atividade que você está

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desenvolvendo com os seus alunos, mas direcionando da maneira que ele sabe, escrevendo a letra bastão?

Esse é um dos muitos casos que a coordenadora tem para ilustrar a política

municipal de educação inclusiva. Casos de descaso com o direito ao acesso e

permanência com dignidade na escola. Não adianta fazer de conta que a criança

está na escola, é preciso que garanta seu direito de aprender de desenvolver, e

como já disse anteriormente, é um direito subjetivo constitucional, conforme consta

no parágrafo 1º, do Art. 208, da Carta Magna: ―o acesso ao ensino obrigatório e

gratuito é direito público subjetivo‖.

Grande parte dos alunos que a coordenadora acompanha na escola regular está

mais estritamente relacionada a problemas sociais, como filhos de pais alcoólatras,

filhos de presidiários, vítimas de violências domésticas, vítimas de abuso sexual

entre outros. Muitas dessas crianças apresentam sérias dificuldades no processo

educacional e não é levada em conta sua estrutura emocional para dar conta de

tantas questões que a própria vida lhes impõe. Essas crianças necessitam de um

tratamento diferenciado, uma atenção e uma metodologia de trabalho que atenda as

suas necessidades.

O trabalho da Mara é um trabalho bonito, com muito esforço, mas eu não vejo que é só ela sozinha que vai conseguir não, ela está tentando, mas tem que ser formada uma equipe, como eu disse antes, fazer um projeto, para que isso possa ter resultado. Porque ela faz uma coisa, mas como tem ditado “uma andorinha não faz verão”. (JULIA – Professora da escola especial - outubro de 2008)

Além de revelar as reais necessidades do município, essa fala nos provoca a várias

reflexões quanto ao reconhecimento dos direitos humanos: quando o direito à

educação estará, realmente, garantido nas políticas educacionais? O processo de

inclusão educacional pode estar na responsabilidade de apenas uma pessoa? Como

é possível pensar em inclusão sem os dispositivos legais consolidados na prática?

Assim, o falar de inclusão me faz pensar nos modos de exclusão, uma vez que se os

alunos estão nas escolas sem qualquer acompanhamento, ou se ―è uma pessoa

sozinha para realizar o trabalho de inclusão em todo o município, é contraditório

pensar em inclusão nessas condições, afinal, [...] a inclusão concreta deve servir de

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base para a superação de toda e qualquer dificuldade que se interponha à

construção de uma escola única e democrática‖ (BUENO, 2001, p. 27).

Em estudo que analisou o panorama da Educação Inclusiva no Brasil, sob diferentes

ângulos, Glat, Ferreira, Oliveira e Senna (2003) identificaram que, a maioria das

experiências recolhidas indica que a experiência brasileira de inclusão é, de modo

geral, iniciativa e competência da educação especial, a qual se encarrega do suporte

e da coordenação de todas as ações concernentes ao aluno, incluindo-se o seu

encaminhamento para a classe regular, o planejamento da prática pedagógica, o

apoio aos professores do ensino regular e a conscientização da comunidade

escolar. Experiência que se repete no município.

[...] No ano passado nós tivemos um apoio com um psicólogo indo em cada escola sendo dois dias da semana esse atendimento e alguns alunos sendo encaminhados para a Pestalozzi onde faziam terapia. [...] a gente sente assim quando eu chego nas escolas, pra estar fazendo essa visita é como se tivesse chegando assim a solução do problema, [...] e quando chego lá parece assim, me socorre! Então tem a orientação que a gente passa, justamente eu sendo funcionaria aqui da Pestalozzi eles acham que eu sei de tudo. E não é assim tanto que eu passo o direcionamento, e eles dizem: poxa isso é mais fácil do que eu imaginava[...]. (Mara – coordenadora da EI – outubro 2008)

A ideia que os professores da escola regular concebem, é que quem trabalha na

Instituição Especializada ―sabe tudo‖ ou que, no mínimo, tem conhecimento para

lidar com as questões mais complexas da educação especial. Aqueles que não

estão nesse grupo, não sabem ou não têm conhecimento sobre a questão, por isso

a coordenação só pode ficar a cargo de uma profissional experiente que trabalhe ou

já trabalhou em uma Instituição Especializada, ou seja, não há possibilidade de outra

pessoa assumir esse cargo de coordenação da educação especial sem uma

experiência na Instituição Especializada. Os professores da escola regular, também

ficam perdidos, pois segundo as entrevistas, eles não foram preparados para lidar

com as crianças que apresentam necessidades educacionais especiais. É

interessante pensar como essas questões tão microrrelacionadas a um município,

razoavelmente, pequeno podem ser refletidas de forma macro em outros municípios

ou regiões.

[...] Ai meu Deus, eu tenho aluno especial na minha sala, eu to ficando doida, eu já choro, eu esperneio, mas a ajuda não vem, sempre quando

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eu chamo ajuda ninguém vem! – Todo mundo fala a mesma coisa [...]. (VILMA – Professora da escola regular)

Atendimento educacional especializado: A citação acima me provoca várias

reflexões como, por exemplo: O que significa a ―ajuda‖ para a professora acima?

Não seriam os serviços de apoio especializados? Aqueles garantidos como direito

às pessoas com alguma necessidade educacional especial?

Com base nos pressupostos legais da Constituição Federal de 1988, art. 205, que

prevê o direito de todos à educação e artigo 208 que determina o atendimento

educacional especializado, a inclusão escolar, fundamentada na atenção à

diversidade, exige mudanças estruturais para os sistemas de educação.

Conforme previsto na Constituição Brasileira, os sistemas e as redes de ensino

deverão organizar o atendimento educacional especializado, definido como os

serviços prestados pela educação especial, para atender às necessidades especiais

dos alunos. Como por exemplo:

Língua Brasileira de Sinais – Libras, tradução e interpretação de Libras, ensino de Língua Portuguesa para surdos;

Sistema Braile; orientação e mobilidade, soroban, escrita cursiva;

Estimulação/intervenção precoce (favorecer o desenvolvimento cognitivo, sensório-motor, de linguagem e sócio-afetivo de crianças da faixa etária que vai do nascimento aos três anos de idade)

Interpretação de Libras digital, tadoma e outras alternativas de comunicação;

Literatura em formato digital e material didático que respeite os preceitos do desenho universal;

Tecnologias Assistivas e Ajudas Técnicas;

Atividades cognitivas que desenvolvam as funções mentais superiores;

Enriquecimento e aprofundamento curricular;

Atividades de vida autônoma e social.

(BRASIL, 2006, p. 77)

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O atendimento Educacional Especializado foi regulamentado pelo Decreto nº 6571

de setembro de 2008, que regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei nº

9394/96, e decreta que:

Art. 1o A União prestará apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos

de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma deste Decreto, com a finalidade de ampliar a oferta do atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede pública de ensino regular.

§ 1º Considera-se atendimento educacional especializado o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular.

§ 2o O atendimento educacional especializado deve integrar a

proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas. (BRASIL, 2008)

A materialização desses pressupostos legais impõe a ressignificação das práticas e

dos sentidos subjacentes à educação regular comum e à educação especial. Nesse

sentido, Alves (2006)23 organiza a concepção de atendimento educacional

especializado que deveria permear na escola regular e especial:

A educação regular, responsável pelo desenvolvimento da base nacional comum prevista na LDB e, consequentemente, pela escolarização dos alunos em todas as etapas e níveis de ensino, deve organizar-se de forma a ultrapassar os padrões tradicionais de ensino, promovendo uma educação que não exclui os alunos pelas suas limitações, mas que o inclui a partir de suas potencialidades. A educação especial, por sua vez converte-se em uma modalidade transversal e educação escolar que permeia todos os níveis, etapas e modalidades de educação, por meio da realização do atendimento educacional especializado, definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, orientando e colaborando com a educação regular comum, em benefício de todos os alunos. (ALVES, 2006, p. 75)

Pensando nas possibilidades concretas do município, concordo que a escola

especial deve colaborar com a escola regular, no sentido de colocar à disposição

recursos e serviços, em benefício de todos os alunos. No entanto, com o olhar

macro na política municipal, esse serviço não pode ser o único, pois não atende às

23

Coordenadora Geral de Articulação da Política de Inclusão da Secretaria de Educação Especial – MEC.

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necessidades da rede, e ao assumir a totalidade desse serviço, a escola especial

exime o município de suas reais responsabilidades de garantir esse direito.

A legislação municipal atende aos pressupostos colocados na Constituição Federal,

portanto, necessita da organização da rede municipal em atentar para essa

prerrogativa. Pensando nessa discrepância entre o que está posto nas leis e aquilo

que realmente, acontece na prática, recorro a Telles (1999) que, abordando sobre os

direitos sociais, constata a brutal defasagem entre os princípios igualitários da lei e a

realidade das desigualdades e exclusões:

[...]Falar dos direitos sociais seria falar de sua impotência em alterar a ordem do mundo, impotência que se arma no descompasso entre a grandiosidade dos ideais e a realidade bruta das discriminações, exclusões e violências que atingem maiorias.[...] (pag. 02)

Falar da impotência dos direitos sociais em alterar a ordem do mundo seria falar da

impotência da educação especial, enquanto existir dependente de uma rede paralela

entre a grandiosidade das ideias e as ―pulsões‖ geradas pelas discriminações e

exclusões das práticas impensadas e reprodutoras das desigualdades. Em outras

palavras, enquanto a Educação Especial não for tratada com prioridade pelas

políticas sociais, continuará sendo um subserviço por via paralela à escola regular.

5.2 A Escola Regular e a Política de Educação Inclusiva;

Fotografia 03 – Fachada da escola ―Maria Gilder‖

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A escola da rede municipal escolhida como campo de observação, denominei pelo

nome fictício ―Escola Maria Gilder‖, foi criada em 17 de Janeiro de 1980, no Governo

de Eurico Vieira Resende, tendo como secretário de educação Stelio Dias, sendo,

assim, vinculada ao governo Estadual. No primeiro ano de funcionamento em 1980,

a escola contava com 36 funcionários, 12 turmas de 1ª à 4ª série com 372 alunos e

11 turmas de 5ª à 8ª série com 390 alunos, totalizando 762 alunos. Em 12 de julho

de 2005, a escola foi municipalizada conforme convênio do ensino fundamental de

nº 151/2005, Governo do Estado do Espírito Santo - SEDU e município de

Conceição da Barra.

Conforme o Projeto Político da Escola, a escola possui 95 funcionários (diretor,

supervisor, inspetor, orientador, secretários, coordenadores, professores e auxiliares

de serviços gerais). Possui 27 (vinte e sete) turmas de 1ª à 8ª série com 610 alunos

do ensino fundamental e 6 (seis) turmas de EJA com 147 alunos, totalizando 757

alunos, de diferentes bairros do município.

O número de alunos totaliza 757, sendo no turno matutino, 334 alunos com 04

(quatro) turmas de 1ª a 4ª séries e 11 (onze) turmas de 5ª a 8ª séries; no turno

vespertino, 276 alunos com 10 (dez) turmas de 1ª a 4ª séries e 02 (duas) turmas de

5ª a 8ª séries;

Nas dependências da escola, funcionam, além das turmas acima discriminadas:

Sala de Leitura; Biblioteca Comunitária; Sala da Faculdade Unitins; Salas do Pré

Vestibular Universidade para Todos (PUPT); Sala de Recursos24; Salas de Projetos

como PROFA, Pró -Letramento de Matemática.

O número de funcionários totaliza 83, sendo 22 efetivos do Estado (após a

municipalização da escola, eles continuaram atuando nela, por não ter outra escola

Estadual de Ensino Fundamental na sede do município), 16 funcionários efetivos da

Prefeitura Municipal e 45 contratados, também pela Prefeitura Municipal. A

distribuição de funções dos servidores consta do organograma no anexo II.

24

Embora conste no Projeto Político da Escola o funcionamento da sala de recursos, e o MEC ter disponibilizado os recursos técnicos para o funcionamento, essa sala ainda não está em funcionamento.

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Conforme já dito o ano de construção, o edifício é bastante antigo, mais de 28 anos

e conserva as marcas da escola repressora e distante da vida cotidiana. A entrada

principal é, totalmente, fechada por grades, como um presídio. No portão fica

sempre um guarda que recebe as crianças ou os visitantes que chegam. Depois que

as crianças entram, o portão é fechado e não é mais permitida a entrada dos

possíveis atrasados.

A preocupação com a manutenção da ordem é visível, já que muitos dos alunos são

oriundos de locais com alto nível de violência, famílias desestruturadas, enfim de

uma situação social e econômica adversa. Abaixo, uma foto ilustrativa dos alunos no

pátio da escola.

Fotografia 04: alunos no pátio da escola ―Maria Gilder‖, assistindo a uma

apresentação cultural .

Essa preocupação leva a uma inquietação com os alunos que apresentam

problemas comportamentais, sobretudo, com os casos de indisciplina e violência. E

em especial existe uma preocupação com aquelas que apresentam deficiência que

são acompanhadas pela Instituição Especializada.

[...] É a parte social também que é um grande agravante no município, o pai usuário de droga, crianças com oito anos nove anos já usuário de crack

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então é não muito aqui na sede mas no interior no braço do rio a gente vê criança que fala que não vê a hora de ficar maior pra ta usando droga com mais freqüência, então assim é muito triste lamentável, ter esse índice no nosso município.[...] (MARA - Coordenadora da Educação Inclusiva)

[...] E ai a gente vê aquela necessidade do acompanhamento mais de perto, eu percebi mais nesse período que estou acompanhando os professores e os alunos, principalmente de 1ª a 4ª série, eu penso que na uma maior aceitação, porque quando o professor é único ele tem condição de está mais perto do aluno, ele aceitar mais o aluno, [...] o professor de 1ª a 4ª participa mais da vida do aluno, não só com a matéria, mas de querer saber como o aluno é, ele quer saber o que levou o aluno a ter aquela dificuldade, ele quer saber, ele se preocupa com o processo de aprendizagem do aluno, tendo ou não deficiência[...]‖ (SUPERVISORA DA ESCOLA REGULAR– Entrevista outubro de 2008)

Observa-se a preocupação dos professores com os alunos, sobretudo com aqueles

que apresentam dificuldades no processo de aprendizagem, no entanto o que mais

angustia é o sentimento de impotência diante dos problemas sociais que

desembocam na escola.

Fiquei nessa escola de julho a dezembro de 2008, numa frequência de duas vezes

na semana e, ao iniciar o trabalho de campo, como já conhecia a maioria dos

professores, a diretora e a supervisora, solicitei permissão para realizar parte da

pesquisa naquele local e me comprometi em realizar encontros sobre temas da

educação especial e apresentei a pesquisa, os objetivos, o referencial teórico e

como tinha definido o trabalho de campo. Percebi que eles necessitavam de um

momento para discutir tanto temas relacionados à questão da educação inclusiva,

como situações do cotidiano que eles enfrentavam. A diretora permitiu que os alunos

fossem dispensados uma hora mais cedo para que nos encontrássemos. Decidimos

que nos encontraríamos, quinzenalmente, para essas discussões e os temas seriam

sugeridos pelos professores, mas eu também levaria algum texto ou outras

discussões mais teóricas sobre os assuntos em questão.

Esses encontros aconteceram sempre com algumas dificuldades, porque tínhamos

uma situação adversa. Como naquela escola, as crianças são oriundas de diferentes

bairros, tanto nos das proximidades como nos mais distantes, havia necessidade de

contatar com a empresa de ônibus para pegar os alunos uma hora mais cedo, o que

era esquecido, pela supervisora ou pela coordenadora. Uma esperava pela outra, os

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professores sentiam-se frustrados, pois esperavam o encontro e algumas vezes não

acontecia porque o ônibus não tinha sido solicitado.

―Isso é uma falta de respeito com a gente. Vocês têm que resolver esse problema do ônibus. Toda semana é a mesma coisa, a gente se prepara para dispensar os alunos mais cedo e não acontece.‖ (MARGARIDA – Professora da Escola Regular)

Isso ocorreu nos dois primeiros meses de inserção no campo da escola. A partir de

setembro, a coordenadora assumiu esse compromisso e fazia sempre um ofício para

a empresa, solicitando o ônibus no horário do encontro. Esse momento era muito

proveitoso, acredito que para ambas as partes, professores e pesquisadora, porque

sempre aproveitavam para resolver problemas de alunos ou administrativos. Nós

dividíamos o tempo entre o que era suscitado no cotidiano e o que eu levava para as

discussões.

[...] Esses encontros que a gente ta tendo com você, já faz o professor ver a coisa de uma forma diferente, agora mesmo, sobre avaliação, então muita coisa que a gente não sabia, e conseguir aprender muito com você, conseguir ver, então a questão das leis e tudo, então está ajudando muito, a gente vê que não está sozinho. Eu lembro que a primeira vez que você chegou, no inicio eu senti eles meio assustados, mas agora estão mais tranquilos e sentem a falta nos dias que você não está aqui [...] (CLARA – Supervisora da Escola Regular)

Percebi que os professores gostavam muito dos encontros, conforme a supervisora

citada acima, eles já não se sentiam sozinhos, tinha alguém para discutir,

desabafar... E aproveitaram para falar de todos os problemas. Embora eu sempre

levasse uma pauta preparada com um assunto sobre educação inclusiva e especial,

que eles sugeriam, era comum aproveitarem o espaço para resolverem outras

questões que emergiam no cotidiano, como por exemplo: como organizar as filas de

entrada e cantar o Hino Nacional; orar, ou não, na hora da entrada; alunos

indisciplinados; encaminhamentos para o Conselho tutelar, entre outros. Era comum

também contarem os casos dos alunos com necessidades educativas especiais,

sobretudo aqueles acompanhados pela escola especial e pela coordenação da

educação inclusiva.

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Para a sistematização, organização e análise dos depoimentos colhidos junto aos

profissionais da escola regular ―Maria Gilder‖, da coordenadora da educação

inclusiva e dos professores da escola especial, relativos à política de educação

inclusiva, faço um diálogo com os mesmos, agrupados em sessões: a concepção de

educação inclusiva; a concepção de educação especial; os sujeitos da educação

especial.

Nas entrevistas realizadas com os profissionais da escola regular sobre a

concepção de educação especial ficou evidenciada a atribuição dada á Instituição

especializada, como a responsável pela educação especial no município. Esse dado

é relevante para pensarmos em tempos de inclusão, pois, esses mesmos

profissionais reafirmam ainda um discurso de integração para o atendimento

educacional do sujeito deficiente.

[...] Então vocês (Pestalozzi) ficam abraçando uma causa enorme, ajuda muito, mas eu penso que se fosse feito de uma outra maneira, certinha, com um grupo, uma política voltada para isso aí, com as pessoas com aquela responsabilidade, eu penso que daria mais resultados. (CLARA – Supervisora da Escola Regular).

[...] Pestalozzi é o ponto de referência da educação especial no município. (MARA – Coordenadora da Educação Inclusiva)

A Pestalozzi é a melhor escola que tem aqui na cidade. Lá os meninos têm todo o tipo de acompanhamento. Tem fono, tem fisioterapia, tem psicólogo para ajudar os alunos. Tem também muito material para os professores trabalharem. (VILMA - Professora da Escola Regular)

A Pestalozzi é para atender os alunos com deficiência. Antigamente, todo mundo falava que era a escola dos ―doidos‖, mas agora as pessoas pensam diferente, já veem a Pestalozzi de outra maneira, como escola mesmo, porque lá os alunos aprendem. (OSMAR – Professor da Escola regular)

A Pestalozzi é uma escola boa porque ajuda a gente a ler. (BRUNO – aluno da escola especial)

Assim, a escola especializada no município é tomada como a única referência de

atendimento especializado de educação especial e é considerada como uma escola

que atende às necessidades educacionais da pessoa com deficiência. Nesses

fragmentos de falas, pergunto-me: Qual o papel desses mesmos profissionais na

construção de uma política de atendimento da educação especial na perspectiva

inclusiva? Qual o papel, então, da escola regular nesse processo? Quais elementos

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favorecem a construção de discursos tão enfáticos sobre o papel da instituição

especializada como único lócus para atender a essa população?

Lembramos que a Educação Especial constituiu-se baseada em um modelo médico,

segundo o qual a deficiência era compreendida e tratada como uma doença crônica.

Nessa perspectiva, os deficientes, assim como os demais indivíduos que se

distanciavam do padrão reconhecido de ―normalidade‖, eram estigmatizados e

marginalizados na vida social. Assim, todo o atendimento prestado a essa clientela

era de natureza segregada, em escolas ou instituições especializadas. A concepção

de educação especial ficou clara na fala dos professores:

Eu acho que os alunos com síndromes, com deficiência visual ou auditiva devem ser atendidos nas escolas especiais. Aqui a gente não tem recurso para atender. Eles podem até vir pra escola regular, somos obrigados a aceitar, mas a gente não tem os recursos que a escola especial tem. Por isso, eu concordo que eles fiquem lá. (VILMA – professora da escola regular)

Tem uma diferença na escola especial principalmente, na parte de educação física, eu vejo mais apoio que aqui, pelo menos nessa parte lá a gente trabalha especifico com aqueles alunos. Então a gente está planejando pra aquilo pra todos pra incluir eles com os outros, e a grande parte que eu vejo aqui é o trabalho deles com a água, na natação, que dá um grande salto, principalmente a Adriana, na parte motora dela dá pra se fazer um trabalho muito mais específico na água do que no chão, e a musculatura dela vai desenvolver muito mais, porque na água não tem o impacto que tem no chão. Então a diferença que eu vejo é isso, e nós tivemos apoio da diretoria para material, com o horário para aquele aluno, aqui a gente se sente um pouco isolado por causa da falta de estrutura. (OSMAR – professor de educação física da escola regular)

A associação da ideia de deficiência com o modelo médico leva a crer que o aluno,

com necessidade especial, demanda atendimentos especializados que estão

distantes do alcance da escola regular. É preciso para esse aluno um aparato de

material, não necessariamente pedagógico, para superar as dificuldades associadas

à deficiência. A educação não é concebida pelos professores como um direito a

todos os cidadãos, independentemente de condições biológicas, sociais ou culturais.

A citação abaixo mostra o ponto de vista que os professores da escola regular têm

da escola especial e do trabalho da instituição especializada no município.

Entendem que o conhecimento da escola especial detém um conhecimento

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específico da área, e que eles, professores da escola regular, não são capacitados

para tal.

A gente sente assim quando eu chego às escolas, pra estar fazendo essa visita é como se tivesse chegando à solução do problema, e sendo que o desenvolvimento do trabalho está nas mãos dos professores de cada escola em cada ensino fundamental de 5ª à 8ª e também da educação infantil à 8ª serie. E quando chego lá parece assim, me socorre, então tem a orientação que a gente passa, justamente eu sendo funcionária aqui da Pestalozzi, eles acham que eu sei de tudo, e não é assim. Tanto que, quando eu passo o direcionamento, eles dizem: poxa isso é mais fácil do que eu imaginava. E quando alguns alunos especiais chegaram o ano passado, eles começaram a se proteger demais, a proteger essas crianças e estavam assim prejudicando e passei a orientá-los que devem ser tratados como os outros, eles conseguem, eles aprendem com um pouco mais de dificuldade do que os outros, mas eles conseguem fazer todas as atividades da grade curricular. (MARA – Coordenadora da Educação Inclusiva – outubro 2008)

Essa fala da coordenadora da Educação Inclusiva do município revela a imagem

que os professores têm da pessoa que trabalha na instituição especializada. Será

que os professores não sabem mesmo lidar com os alunos com necessidades

especiais? Ou eles estão despercebidos na sala de aula e só aparecem quando

Mara chega? Será que Mara tem mais conhecimento que os professores da escola

comum, ou o que ela faz é discutir e levar o professor a pensar sobre sua prática e

encontrar possibilidades? Mara é a solução dos problemas, porque ela ajuda os

professores, justamente, a pensar sobre os problemas e encontrar os possíveis

caminhos para resolvê-los.

A educação especial é percebida pelos professores como uma educação que deve

ser oferecida à parte, específica para algumas pessoas sem condições de estar

inserido na sociedade, sem possibilidades de diálogo com a educação inclusiva. No

diálogo abaixo, provoquei uma professora da escola especial, que se dizia a favor da

inclusão, e que concordava que todos deveriam estar na escola regular.

Pesquisadora: O que você acha de a gente pensar lá adiante a possibilidade de todos os nossos alunos daqui da escola especial estar lá na escola regular? Caso haja uma estrutura, uma organização de serviços para a implementação na prática? É a gente vê, mas também nós temos casos assim, mais sério, mais complexo, porque nós temos crianças que realmente hoje olhando pra aquela criança a gente vê que ela não vai conseguir ficar dentro de uma sala de aula, numa escola regular. Entendeu? Então eu acho assim, não

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todos, mas há crianças aqui se a gente for trabalhar consegue. Mas, não todos não. Eu não vejo que todos tenham condição de estar freqüentando outra escola a não ser a nossa escola especial. Porque também, por vários motivos, são crianças com várias dificuldades, tem crianças que têm várias dificuldades, não têm só uma, porque quando só têm uma deficiência, é até fácil, nós temos aqui o Wesley que tem só motora e é cadeirante, mas que acompanha tudo, e outros mais, nós temos o Davi que acompanha o trabalho na escola regular. (LUANA – Professora da escola especial)

Essa falta de clareza na concepção do que seja a educação especial e/ou inclusiva

perpassa nas falas da maioria dos profissionais que entrevistei. Existe uma

concordância geral de que todos os alunos devem estar incluídos nas escolas

regulares, mas sem se chegar a um ponto de divergência, pois existem aqueles que

não se adequariam à escola regular, ou vice-versa, a escola não se adequaria a

esses alunos. Como na citação acima ―Então eu acho assim, não todos, mas há

crianças aqui, se a gente for trabalhar consegue. Mas não todos não. Eu não vejo

que todos têm condição de estar frequentando outra escola a não ser a nossa

escola especial‖. E ainda tem aqueles alunos que precisam ser trabalhados pela

escola especial para conseguirem acompanhar a escola regular.

Concepção de inclusão – Paralelo à concepção de educação especial é importante

também destacar o que os professores pensam e vivem sobre a educação inclusiva

no município. Observo na fala dos professores, a falta de clareza sobre o que é

inclusão. Quando perguntei sobre o que é inclusão, os professores da escola regular

se referiram aos alunos com mau comportamento na escola, ou seja, aqueles alunos

que não param quietos ou que, segundo os professores, têm problemas familiares.

Enquanto os professores da escola especial acreditam que ainda não vivemos a

educação inclusiva. Conforme apontam as falas dos professores,

Na minha sala eu tenho o Henrique que eu acho que é especial. O Henrique é um aluno que vem todo dia sujo, parece que não tem família e não acompanha o conteúdo. Ele precisa de um acompanhamento psicológico lá na Pestalozzi, pra ver se toma jeito. Por que ele não me deixa dar aula. (ÁUREA - prof. da escola regular) Nas escolas às vezes, eu percebo isso. Então não é uma inclusão. A gente fala muito em inclusão e de repente não vive porque, de repente não é nem culpa delas, elas de repente não foram preparadas, porque é difícil, é difícil, e se ficar só uma turma, só uma salinha lá que seja da escola especial também não é uma inclusão. Então não funciona. Funciona assim, igual lá acho que na sala de Penha, que a Adriana junto com aqueles alunos, também não sei, mas é lá que ela fica, mas eu acho que deveria ser mais trabalhado. As professoras deveriam ter mais formação, que é difícil. Realmente, eles chamam a atenção dos alunos. Deveria ter palestra pros

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outros alunos porque, às vezes, um aluno daqui vai pra lá. (KARLA – Professora da Escola Especializada) ―Uns dois anos, três anos para cá, eles, a gente sabe que a inclusão já vem acontecendo há muito tempo, mas a cada dia parece assim, que a inclusão parece que é uma coisa nova, mas eu digo assim melhorou bastante a preocupação deles, da escola regular com alguns alunos da escola especial‖, mas infelizmente, a maioria ainda não entendeu realmente o

que é inclusão... [...] (DIANA– professora da Escola Especializada)

Quando a ideia de inclusão é descrita como um produto, algo acabado, surge mais

como uma questão de compreensão, algo no campo das idealizações. Duas falas

mostram isso claramente: "Então não é uma inclusão!‖; "infelizmente, a maioria

ainda não entendeu realmente o que é inclusão‖ [...] As práticas não inclusivas

assentam-se numa não aceitação da inclusão, aqui entendidas como uma falha do

entendimento. Nesse modo de operar do discurso, os saberes relativos à inclusão

são dados como já constituídos, devendo ser entendidos e aplicados pelos

profissionais da escola; não aparecem, portanto, como projeto a ser construído

politicamente.

Eu tenho uma aluna na parte da tarde, quarta série B, que é a Adriana, e tenho também um aluno no turno matutino, que é o Geison, na quinta série B. Adriana na parte motora, na parte de membro inferior, a dificuldade dela em especial na parte motora e o Geison na parte auditiva, os principais que eu vejo, porque outros alunos que estavam frequentando a escola não estão vindo, o Roberto evadiu não sei por que, os outros não estão frequentando mais. Agora pela educação física de aula escrita, na parte da manhã, o Geison participa, ele trabalha ele é da quinta série B e ele vem, mais no turno da tarde. Ele começou a freqüentar agora, ele não estava vindo, eu não sei qual é o problema que ele faltou tanto, mas agora ele começou a freqüentar, e ele se relaciona bem com os colegas e o que eu vejo mais a questão que eu vejo mais no atendimento a eles é a questão da infra-estrutura na escola. (OSMAR – Professor da Escola Regular)

Em nenhum momento das entrevistas, os professores mencionaram a inclusão

escolar como um direito humano, em que todos, sem exceção teriam que ter esse

direito, garantindo também sua aprendizagem e desenvolvimento, conforme os

princípios norteadores da inclusão. Os ideais de educação inclusiva vão muito além

de apenas garantir o espaço físico aos alunos com deficiência.

Os dados sugerem que o conhecimento dos professores sobre inclusão escolar é

pouco abrangente, enfocando apenas alguns aspectos do referido conceito,

tornando-se evidente que eles são desconhecedores dos princípios norteadores da

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educação inclusiva, conforme explicitado no capítulo anterior. As ambiguidades

aparentes nos relatos dos professores também mostram que os eles não têm,

totalmente, estabelecido o conceito de inclusão escolar, ora se aproximam de

integração, ora de inclusão.

Os sujeitos da educação especial - Essa é mais uma das grandes discussões que

emerge nas pesquisas sobre educação especial na perspectiva da inclusão. Quem

são os alunos sujeitos da educação especial?

Quando perguntei na escola quem seriam as crianças ditas com necessidades

educacionais especiais, as professoras responderam que eram aqueles alunos

problemáticos, aqueles oriundos de famílias desajustadas e que, por isso, também

eram desajustados. Todas as discussões, sobre esse assunto, eram desembocadas

nas famílias. Precisava encontrar um ―culpado‖ ou uma causa para ―eles não

aprenderem‖, e esses ―ditos cujos‖ eram os ―sujeitos que a educação especial teria

que dar conta‖, somados àqueles que, historicamente, já são da educação especial

por apresentarem alguma deficiência.

Eles devem ser incluídos para atingirem uma alta estima de igual para igual, porque como se diz, o que eu aprendi, todos nós temos uma pequena deficiência. Eu, por exemplo, tenho a deficiência visual, eu não enxergo de perto, eu tenho que colocar óculos, então é um aparelho que eu preciso usar e eles precisam para fazer esse intercâmbio. Mas a escola precisa dar uma infra-estrutura, porque a criança que está nessa fase é muito importante, mas eu vejo que eles têm que dar um apoio pra gente, ver o que o professor de educação física pode ajudar. Não tem essa parte do diálogo, eles têm que ver como está esse aluno, eles estão preocupados com a parte mais intelectual, com o aprendizado instrumental do português e da matemática e esquece da parte física que é essencial para eles. (MARA – Coordenadora da Educação Inclusiva)

Uma expressão das tentativas de superação desse modelo de compreensão e das

práticas relacionadas à educação especial é a proposição do conceito de

necessidades educacionais especiais. Essa conceituação teria, por finalidade, retirar

o foco dos diagnósticos de deficiência ou de alunos problemáticos e colocá-lo sobre

as necessidades de aprendizagem.

Segundo o Parecer CNE/CEB n. 17/2001:

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Em vez de focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza o ensino e a escola, bem como as formas e condições de aprendizagem; em vez de procurar, no aluno, a origem de um problema, define-se pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve proporcionar-lhe para que obtenha sucesso escolar; por fim, em vez de pressupor que o aluno deve ajustar-se a padrões de ―normalidade‖ para aprender, aponta para a escola o desafio de ajustar-se para atender à diversidade de seus alunos. (BRASIL, 2001b, p. 14).

Retomando o disposto no artigo 5o da Resolução que define quem são os alunos

com necessidades educacionais especiais, o Parecer contém uma reflexão acerca

da população, tradicionalmente, atendida pela educação especial:

alunos que apresentam deficiências (mental, visual, auditiva, física/motora e múltiplas); condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos, bem como de alunos que apresentam altas habilidades/superdotação. (BRASIL, 2001b, p. 19).

Essa definição também já estava presente no documento Política Nacional de

Educação Especial, como referente às necessidades educacionais especiais

(BRASIL, 1994). Essa categoria foi ampliada na Declaração de Salamanca:

[...] crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados. (UNESCO, 1994, p. 17).

O Parecer afirma o conceito de necessidades educacionais especiais como ―nova

abordagem‖, capaz de superar a tradicional por trabalhar na perspectiva da inclusão

(GARCIA, 2005). Nesse sentido, estaria havendo uma ampliação da ação da

educação especial que agora focaliza

[...] não apenas as dificuldades de aprendizagem relacionadas a condições, disfunções, limitações e deficiências, mas também aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica, considerando que, por dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são freqüentemente negligenciados ou mesmo excluídos dos apoios escolares. (BRASIL, 2001b, p. 19).

Segundo Garcia (2005), nessa perspectiva articulam-se representações que

identificam e ordenam relações, visando a um planejamento social, como no caso de

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classificações relacionadas a emprego/desemprego, ―de risco‖, etnia e minorias. A

categoria ―necessidades educacionais especiais‖ abarca, no campo educacional, as

manifestações de desenvolvimento humano identificadas como em situação de

―exclusão‖. Muito embora a educação venha sendo tratada como uma das esferas

principais de atuação de políticas de inclusão, pode-se perceber que tais políticas

apoiam-se em fundamentos que não superam a responsabilização do próprio

sujeito.

O texto atual da ―Política Nacional da Educação Especial, na perspectiva da

educação inclusiva - documento de 2008‖, contribuiu para esta análise ao se tratar

dos sujeitos da educação especial, no seguinte trecho:

[...] Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a constituir a proposta pedagógica da escola, definindo como seu público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos. [...] (BRASIL, 2008, p. 15)

O texto modifica o foco do atendimento especializado, a educação especial passa a

ser uma proposta pedagógica da escola e os alunos são definidos como ―alunos

com deficiência, transtorno global no desenvolvimento e altas habilidades‖, o que

pressupõe, novamente, um aspecto clínico aos alunos atendidos pela educação

especial.

O Financiamento da Educação Especial no Município – Mais uma questão

complexa que surge nas pesquisas sobre educação especial e/ou inclusiva. Quanto

vale a Educação Especial? Como é feita a distribuição dos recursos para a

educação especial/inclusão escolar? Neste item, vou discutir sobre o financiamento

da educação especial no município, a partir da análise de alguns documentos e das

entrevistas com a Secretaria Municipal de Educação, com professores do ensino

regular e com a escola especializada, nos quais observo quão difícil é tratar dessa

temática, por causa dos vários pesos - o peso ideológico e o peso quantitativo - do

valor por aluno, conforme a Secretária de Educação explica muito bem em sua fala.

[...]porque a criança portadora de necessidades educacionais especiais incluída na rede regular, não as que ficam na instituição Pestalozzi, eles tem

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na qualificação da Lei do fundeb, eles tem um percentual a mais na divisão do bolo do fundeb que é na base de 1.0, ele tem 1.3, 1.2, 1.25, que dá um ganho maior, isso é os alunos incluídos, não são os que estão na instituição Pestalozzi, mas também há permissão da aplicação dos recursos do fundo, até então, não há problema, até o momento de que tenhamos professores efetivos e que os professores possam receber através do fundo de 60 % . Mas os alunos incluídos tem essa margem um pouquinho maior de recursos que pode tá dando, não que vá no valor da matrícula ano... isso faz é óbvio com que esses recursos que compõem o recurso do fundeb, ele vem no fundeb normal. Você tem possibilidade de ceder professores, mas também tem a possibilidade de ter um pouquinho do recurso, não é muito, isso entra no geral, mas ao mesmo tempo você pode me dizer que tem um recurso para fazer a rampa que as escolas precisarem, adquirir os livros especiais que precisarem, e também fazer estudo de demandas, de uma forma geral possibilitar o apoio às práticas de inclusão. Por isso que foi colocado agora recentemente pelo governo federal, que a cada ano estabelece o valor. (Secretária de Educação – 23/12/2008)

Sobre a permissão para aplicação do fundo, também, na instituição especializada, a

Secretária se refere ao Decreto no 6.253, de 13 de novembro de 2007, que dispõe

sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, em que se lê no artigo 14:

Admitir-se-á, a partir de 1º de janeiro de 2008, para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o cômputo das matrículas efetivadas na educação especial oferecida por instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o poder executivo competente.

Em estudo sobre a aplicação dos recursos públicos nas Instituições filantrópicas de

Educação Especial, Caiado e Laplane (2008) fazem uma análise de documentos que

dispõe sobre a aplicação dos recursos e nos lembra de que, também, o Plano

Nacional de Educação (2001) propõe a construção de uma escola ―integradora,

inclusiva, aberta à diversidade dos alunos‖. As escolas especiais devem prestar

apoio aos programas de integração. O documento destaca a importância da

flexibilidade e diversidade necessárias para atender à variedade de necessidades

especiais existentes e as diferenças regionais, assim como prevê a criação de

escolas especiais e a celebração de convênios intermunicipais e com organizações

não governamentais, para garantir o atendimento. O Plano defende a parceria do

Poder Público com organizações filantrópicas da sociedade civil que contam com a

participação de pais, devido à eficiência dessas instituições. Prevê-se, no ensino

fundamental, a aplicação de 5 ou 6% dos recursos para a modalidade especial. Nos

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―Objetivos e Metas‖ (8.3), o documento destaca as parcerias com as áreas de saúde

e assistência, trabalho e organizações da sociedade civil.

[...] Nós temos um convênio direto, a Prefeitura, em si, tem um convenio direto, que dá algum apoio à Instituição Pestalozzi , direto da prefeitura com a escola especializada. Cerca de 15 a 20 professores cedidos, ao todo os profissionais devem dar em torno de 40 a 50 profissionais cedidos para a Pestalozzi, manutenção dos veículos, atendimento de todo o município, a distância, para virem à instituição especializada, isso na instituição especializada, algum material pedagógico (pouca coisa mesmo), o apoio à formação de parceria, da pestalozzi com o governo estadual, a gente faz todo o possível para acontecer, o apoio através do fundo da Infância e da Adolescência, que também a Pestalozzi é mantida junto, que a Prefeitura é gestora, mas através do FIA, tem toda uma regularidade necessária, tem o CONDECA para a manutenção desse fundo, e a instituição em si é uma instituição de qualidade, que busca muita parceria tanto com o governo estadual, quanto com o governo federal, através do PDDE, PAED, tanto na formação dos professores, até os nossos professores da rede tem essa oportunidade [...]. (Entrevista com a Secretária de Educação – 23/12/2008)

Conforme vimos na fala da Secretária de Educação, a parceria da Secretaria de

Educação com a instituição filantrópica envolve: formação de professores,

disponibilidade de profissionais, manutenção da entidade - no que diz respeito à

água e energia - manutenção do combustível para transporte das crianças e outras

necessidades da instituição, ―na medida do possível‖. Daí, podemos questionar uma

colocação da Secretária, a partir da minha observação participante neste processo.

Quanto à formação continuada, conforme já mencionamos, não é prioridade do

município para os professores da rede. No entanto, a instituição oferece anualmente

capacitação, voltada apenas para os professores que lá atuam, independentemente

de parceria com o município.

Na ocasião da entrevista, foi perguntado à Secretária como é feito o financiamento

da educação especial no município e se existe a fiscalização dos investimentos.

Observa-se na resposta acima citada, que a mesma esquivou-se da fiscalização,

acredito que devido à confiabilidade e à transparência configurada por essa entidade

no município. Daí, observa-se que os investimentos nesta área são aleatórios, sem

planejamento e muito menos fiscalização dos investimentos.

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Outra questão que chama atenção na entrevista com a Secretária, é o fato dos

escassos investimentos nas escolas regulares, já que a Legislação determina que as

pessoas com necessidades educacionais, por deficiência ou não, estejam,

preferencialmente, na rede regular, conforme abordamos.

Então, essa formação de convênios25

do município direto com o governo federal na questão da inclusão, nós tivemos uma sala de recursos instalada, a acessibilidade através do PDDE (construção de rampa em uma escola), Todo ano a gente coloca R$ 20.000,00 de dotação orçamentária para a Pestalozzi, bom o que a gente paga é os profissionais, a manutenção do veículo (combustível), energia, água, e mais alguma necessidade da instituição, na medida do possível a gente vai atendendo.

Os convênios acontecem entre as diferentes esferas do governo e entre as

instituições públicas e privadas. No caso do município, existem convênios da

prefeitura com o governo Federal e destes com a Pestalozzi, para arcar com o

financiamento da educação especial. No caso municipal em si, a Lei Orgânica

Municipal define no Art. 199, Parágrafo Único: ―O atendimento às pessoas

deficientes poderá ser oferecido mediante o estabelecimento de convênio com as

instituições especializadas e sob supervisão dos Poderes do Município‖.(p.85)

Entendo a complexidade dessa questão, até porque o financiamento da educação

especial é feito através de convênios entre as diferentes esferas governamental e

não governamental e está relacionado com outra questão muito mais ampla: como

se dão as parcerias entre o público e o privado? E para fazer esse percurso de

entendimento, Peroni (2006) me leva a pensar na necessidade de redefinição do

papel do Estado, principalmente, para as políticas sociais.

A proposta do Banco Mundial de transferir responsabilidades para a sociedade,

materializada no Brasil pelo Plano de Reforma do Estado, é parte do diagnóstico

neoliberal, partilhado pela Terceira Via, de que o Estado entrou em crise, tanto

porque gastou mais do que podia para se legitimar, pois tinha de atender às

demandas da população por políticas sociais, o que provocou a crise fiscal, quanto

porque, ao regulamentar a economia, atrapalhou o livre andamento do mercado. A

proposta de reforma administrativa entrou na agenda da sociedade brasileira como

25

Convênios são acordos firmados entre órgãos públicos ou entre órgãos públicos e privados para realização de atividades de interesse comum dos participantes.

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melhoria da eficiência, partindo da descentralização dos serviços, ―aproximando-os

da sociedade e do cidadão, retirando do estado atividades que possam ser melhor

executadas por entidades públicas apoiadas pelo Estado‖ (1997, BRASIL, MARE, p.

06).

Para Peroni (2006), conforme o diagnóstico neoliberal, o Estado entrou em crise,

tanto porque gastou mais do que podia para se legitimar, já que tinha que atender às

demandas da população por políticas sociais, o que provocou a crise fiscal,

porquanto, ao regulamentar a economia, atrapalhou o livre andamento do mercado.

As políticas sociais para a teoria neoliberal são um verdadeiro saque à propriedade

privada, pois além de distribuírem renda, atrapalham o livre andamento do mercado,

na medida em que os impostos oneram a produção.

O papel do Estado para com as políticas sociais é alterado, pois com este diagnóstico duas são as prescrições: racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que instituições democráticas são permeáveis às pressões e demandas da população, além de serem consideradas como improdutivas, pela lógica de mercado. Assim, a responsabilidade pela execução das políticas sociais deve ser repassada para a sociedade: para os neoliberais por meio da privatização (mercado), e para a Terceira Via pelo público não-estatal (sem fins lucrativos) ( PERONI, 2006, p. 14).

Nesse sentido, as estratégias de reforma do Estado no Brasil são: a privatização, a

publicização e a terceirização (Peroni, 2006, p.3), sendo que a terceirização,

conforme Bresser Pereira, é o processo de transferência para o setor privado dos

serviços auxiliares ou de apoio. A publicização consiste ―na transferência para o

setor público não estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta‖,

e publicização, no Plano da Reforma, significa ―transformar uma organização estatal

em uma organização de direito privado, pública, não-estatal‖ (PEREIRA, 1997, p.

08).

Telles (1996) também ao abordar sobre os Direitos Sociais, refere-se à vitória do

neoliberalismo e ao agravamento da situação social das maiorias, como tradução de

um estreitamento do horizonte de legitimidade dos direitos, e à falência dos serviços

públicos:

[...]a falência dos serviços públicos é mobilizada como prova de verdade de um discurso que opera com oposições simplificadores associando Estado,

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atraso e anacronismo, de um lado, , de outro, modernidade e mercado. Operação insidiosa que elide a questão da responsabilidade pública.‖ (p. 01)

Com a publicização, as políticas sociais foram consideradas serviços não exclusivos

do Estado e de propriedade pública não estatal ou privada. É uma alternativa do

neoliberalismo para ―encolher o estado‖, ou propor o ―estado mínimo‖ (PERONI,

2006), e a Terceira Via propõe reformar o Estado e repassar tarefas para a

sociedade civil, sem fins lucrativos.

Com o público não estatal, a propriedade é redefinida, deixa de ser estatal e passa a

ser pública de direito privado. Peroni (2006, p.12) verifica dois movimentos que

concretizam a passagem da execução das políticas sociais para o público não

estatal: ou através do público que passa a ser de direito privado ou o estado faz

parcerias com instituições do Terceiro Setor para a execução das políticas sociais.

Isso vem acontecendo através do repasse do dinheiro público para o privado, e

conforme verifica Peroni, tem se transformado na própria política pública,

principalmente nos casos em que o governo apenas repassa os recursos para as

ONGs, ou para as instituições privadas executarem as políticas sociais.

É o que vem acontecendo com o financiamento da Educação Especial no Brasil.

Historicamente, a educação especial foi considerada como responsabilidade da

sociedade civil e não como direito público estatal, e isso vem acompanhando o

percurso da educação especial.

5.3 Formação de professores

Diversas pesquisas vêm sendo realizadas, no sentido de entender a política de

formação de professores, na perspectiva da educação inclusiva apontada pela nova

legislação educacional (BUENO, et al., 2003; PRIETO 2004; GLAT; PLETSCH;

FONTES 2006). Todos os trabalhos na perspectiva de descrever e analisar a

implantação da política de formação de professores em municípios de diferentes

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regiões brasileiras. A realidade evidenciada nessas pesquisas mostrou que os

professores, de maneira geral, não estão preparados para receber, em sua sala de

aula, alunos especiais.

A tônica dos discursos referentes ao papel dos professores no processo de inclusão

escolar está direcionada a uma aparente incapacidade ou despreparo dos

profissionais para ―lidar‖ com necessidades educacionais especiais ou com

deficiências. Esta lacuna em termos de conhecimento pedagógico é clara na fala

das professoras:

[...] então o que eles mais reclamam é justamente de não estarem preparados, não terem formação para aquilo, não estudaram, não saber como lidar. Todos falam que não sabem como lidar, é mais a questão de não estarem preparados, com estudos, eles falam ―como é que eu vou trabalhar?‖ Não sabem uma técnica nova, não sabem como alfabetizar uma criança com necessidade auditiva, eu to falando porque precisa de chamar uma outra pessoa para aplicar uma prova, por que o professora não tem condição de aplicar, não sabe se comunicar, não sabe como adaptar, então eles reclamam demais, justamente por isso porque eles não tiveram uma formação para isso. ( CLARA - SUPERVISORA da escola regular)

A supervisora ressalta que, muito mais que a prática e experiência para trabalhar

com alunos com deficiência, é preciso ter conhecimentos técnicos e científicos a fim

de lidar com cada caso específico. Isso pressupõe, também, a negligência e a

fragilidade dos cursos de formação de professores na perspectiva da educação

inclusiva. As maiorias dos cursos acontecem aligeiradamente e apresentam uma

visão generalista da educação especial, não dando conta das especificidades dos

sujeitos concretos inseridos nesse contexto.

[...] e você sabe que mesmo fazendo aquela qualificação, eu particularmente, sou totalmente leiga, não sei lidar, não sei entender... Igual o menino que vai falar ou se expressar, eu fico totalmente perdida. Eu não sei saber o que ele quer. [...] Na faculdade, nós já tivemos um período, agora eu estou fazendo a complementação pedagógica, tem uma matéria de inclusão, tem até dos mudos, uma lição de mão que a gente estava tentando aprender. E é complicado, e eu acho que a convivência é o melhor fator do que os livros. (VERA - professora da escola regular)

Como apontado por Pletsch (2005), o fato é que, de maneira geral, as licenciaturas

não estão preparadas para desempenhar a função de formar professores com uma

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orientação inclusiva de atuação profissional. Isso é preocupante, pois os alunos bem

ou mal estão sendo incluídos e cada vez mais as salas de aula se diversificam,

embora, evidentemente, não no ritmo desejado. Em outras palavras, trata-se de uma

inclusão precarizada. Ou poderíamos até questionar se pode ser chamado de

inclusão ou integração. Como podemos chamar de inclusão a simples colocação do

aluno na escola, sem as mínimas condições para sua aprendizagem? Essa reflexão

fica evidenciada nas falas das professoras

[...] Preparar o professor pra isso, eu acho que é um dever, por que muitas vezes eles se nega, se nega entre aspas, porque ele não pode falar que não quer, ele se nega e tem resistência, mais por se sentir inseguro, porque ele não teve uma formação pra isso, não tem uma política voltada para isso, ele não estudou para isso, ele não sabe como lidar, a escola não tem como ajudá-lo, ele não tem nenhum especialista para ajudá-lo, então ele se sente sozinho, é ele e a criança, então eu penso que os entraves maiores estão ai, por falta de recursos e de não saber como trabalhar, porque muitos têm até boa vontade, mas isso ai é uma utopia, porque se ele tivesse trabalhando não com a educação inclusiva, mas trabalhando com os profissionais da Pestalozzi, e ele tem a necessidade de lidar com aquilo dali, até que vai, mas sendo que ele tem um ou dois alunos, e o ano que vem ele pode até não ter aluno, e ele deixar tudo, ter que pegar o mísero salário dele e pagar um curso fora, é querer demais[...] (ALDA – Professora da escola Regular).

Diante desse contexto, trago uma reflexão sobre a formação dos professores no

município de Conceição da Barra na perspectiva da inclusão escolar, apontando

caminhos, através de leituras e de documentos que tratam da questão, como uma

prerrogativa para a efetivação das políticas da inclusão no Brasil.

A única formação, que o município ofereceu nesta temática, fez parte do Programa

Educação Inclusiva: Direito à Diversidade (MEC 2003) e ―Educar na Diversidade

(MEC 2006), criados para promover a formação continuada de gestores e

educadores das redes estaduais e municipais de ensino para que sejam capazes de

oferecer educação especial na perspectiva da educação inclusiva:

O objetivo é que as redes atendam com qualidade e incluam nas classes comuns do ensino regular os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Atualmente, o programa está em funcionamento em 162 municípios-polo. Em parceria com o Ministério da Educação, esses municípios oferecem cursos, com duração de 40 horas, em que são formados os chamados multiplicadores. Após a formação recebida, eles se tornam aptos a formar outros gestores e educadores. De 2003 a 2007, a formação atendeu 94.695 profissionais da educação com a participação de 5.564 municípios (BRASIL, 2003)

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O projeto faz parte de um movimento mundial de desenvolvimento de sistemas

educacionais inclusivos, nos países integrantes do Mercosul26. A SEESP/MEC

disponibilizou o material didático Saberes e Práticas da Inclusão às secretarias de

educação interessadas em implementar a formação, tendo como finalidades:

• Incentivar a prática de formação continuada no interior dos sistemas educacionais;

• Fortalecer o papel das secretarias na construção de escolas que atendam a todos os alunos e à formação dos professores, evitando a fragmentação e a pulverização de ações educacionais;

• Apresentar alternativas de estudo sobre como atender às necessidades educacionais específicas dos alunos a grupos de professores e a especialistas em educação, de modo que possam servir de instrumentos para o desenvolvimento profissional desses educadores;

• Analisar as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação, norteadoras do trabalho nas escolas;

• Contribuir para o debate e a reflexão sobre o papel da escola e do professor na perspectiva do desenvolvimento de uma prática de transformação da ação pedagógica;

• Criar espaços de aprendizagem coletiva, incentivando a prática de encontros para estudar e trocar experiências e o trabalho em grupo nas escolas;

• Identificar as idéias nucleares presentes e fazer os ajustes locais necessários, atendendo às demandas identificadas no âmbito da comunidade, da própria escola e dos sistemas estaduais/municipais;

• Potencializar o uso de materiais produzidos pelo MEC/SEESP.

A coleção "Saberes e Práticas da Inclusão", material básico para a formação dos

professores numa perspectiva inclusiva, disponível pelo MEC/SEESP (2005),

abordou as seguintes temáticas:

. Caderno do Coordenador e do Formador de Grupo. . Recomendações para a construção de escolas inclusivas.

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Os paises integrantes do Mercosul são: Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai.

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. Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos. . Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência física/neuro-motora. . Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com altas habilidades / superdotação. . Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos e de alunos com baixa visão. . Avaliação para identificação das necessidades educacionais especiais. (MEC, 2005, Caderno do formador, P. 04)

Nesse contexto de formação direcionada pelo Ministério da Educação, o município

de Conceição da Barra fez parte, através do polo de Nova Venécia-ES, que vem

assumindo as formações para os professores multiplicadores dos municípios do

Norte do Estado. As primeiras oficinas para professores multiplicadores que

representantes do município participaram no município pólo de Nova Venécia,

aconteceram nos dias 23 a 25 de maio de 2006, com carga horária de 40 horas.

O município de Nova Venécia, como pólo da Educação Inclusiva do MEC, organizou

várias formações para os professores multiplicadores, da Educação Infantil e do

Ensino Fundamental. Os representantes da Educação Inclusiva de Conceição da

Barra - incluindo profissionais da Pestalozzi - participaram de todas as formações

oferecidas no Polo de Nova Venécia, no entanto, foi multiplicado com os professores

da rede, somente uma formação, o ―Saberes e Práticas da Inclusão‖, direcionada

aos professores do ensino fundamental. O curso aconteceu no ano de 2006 e

capacitou 206 professores da rede municipal, divididos em 07 grupos de, no

máximo, 30 pessoas. Esse período configurou-se, no município, como uma marca

importante no processo de formação de professores. As discussões culminaram em

reivindicações à Secretaria de Educação, cobrando do município os dispositivos

para a organização da educação especial e inclusão escolar.

Durante a pesquisa de campo, ao conversar com os professores sobre a formação

de cada um na perspectiva da educação inclusiva, eles sempre se remetiam ao

curso do Programa ―educar na diversidade‖, ou que não tinham formação para

receberem ―esses alunos‖, porque o curso ajudou a mudar o olhar, no entanto, a

formação não deu conta de responder a todas as questões da educação inclusiva.

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Eu entendo que trabalhar com aluno especial é convivência, é amor, é carinho é solidariedade. Porque não tem nada escrito como deve trabalhar. Pelo menos, até hoje eu não vi nada escrito do que tem que trabalhar, é a convivência mesmo, não tem nenhuma regra pronta em lugar nenhum. [...] E é complicado, e eu acho que a convivência é o melhor fator do que os livros. Porque você pode olhar a apostila mais de mil vezes, e na hora parece que você não sabe nada. Na hora você pode estudar, mas na hora você fica completamente perdido. Aí fica pensando: será que eu estou fazendo certo, será que eu estou agredindo ele, será que estou puxando demais, será que eu posso ir até aí, como é que faço? (VILMA – Professor da escola regular – outubro 2008)

Nota-se no discurso assistencialista que a convivência e a solidariedade são as

melhores formas de se trabalhar com a criança que apresenta alguma deficiência.

Fica patente a fragilidade das formações do professor que se vê ―obrigado‖ a buscar

uma formação, a mais generalista possível, para dar conta das adversidades que se

instalam em seu percurso profissional.

Entendo que amor, carinho, compreensão... O mínimo de afetividade a pessoa tem

que ter com qualquer ser humano, seja em qualquer profissão, mas é inconcebível

tratar a educação especial apenas por esses aspectos. É preciso ter conhecimento,

tanto o professor que trabalha na escola especial quanto aquele do ensino regular

que tem aluno com deficiência. Quanto maior o desafio no cotidiano em lidar com as

especificidades relacionadas aos sujeitos com deficiência, maior deve ser a

capacitação do professor para lidar com o processo de aprendizagem desse aluno.

Bueno (1999) já dizia que um dos grandes desafios que a educação inclusiva coloca

à formação de professores de educação especial, é o de conjugar três tipos de

necessidades, quais sejam:

―- o de oferecer formação como docente do ensino fundamental, quer seja no que tange à uma formação teórica sólida e a uma formação adequada no que se refere aos diferentes processos e procedimentos pedagógicos, que envolva tanto o ―saber‖ como o ―saber fazer‖;

- o de oferecer formação que possibilite analisar, acompanhar e contribuir para o aprimoramento dos processos regulares de escolarização, no sentido de que possam dar conta das mais diversas diferenças, entre elas a das crianças com necessidades educativas especiais; e o de oferecer formação específica sobre características comuns das crianças com necessidades educativas especiais, como expressões localizadas das relações contraditórias entre a sociedade em geral e as minorias; e

- oferecer formação sobre as características, necessidades e procedimentos pedagógicos específicos a cada uma das necessidades educativas

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especiais, para que estas possam também ser levadas em consideração pelos sistemas regulares de ensino e que possibilitem o atendimento direto à parcela dessa população que, por razões pessoais, educacionais ou sociais, não possam ser absorvidas pelo ensino regular.

Bueno (1999) apresenta vários desafios para a formação de professores que atuam

na educação especial que, como vimos anteriormente, o Ministério da Educação

vem implementando. As sugestões já fazem parte das prerrogativas legais e,

paulatinamente, estão acontecendo na prática, como os ―saberes e práticas da

inclusão‖, o ―educar na diversidade‖ e outras que o MEC vem oferecendo. O maior

desafio é associar essas formações à prática docente.

―[...] você sabe que mesmo fazendo aquela formação, eu particularmente sou totalmente leiga, não sei lidar, não sei entender... igual o menino que vai falar ou se expressar, eu fico totalmente perdida. Eu não sei saber o que ele quer. (Prof. Vilma –Escola ―Maria Gilder‖ – outubro 2008)

A formação à qual a professora se refere é o ―saberes e práticas da inclusão‖ (MEC

2005), mesmo tendo feito a formação, a professora se diz leiga no assunto. Nesse

sentido, concordamos com Bueno (1999), Barreto (2008) quando colocam que, com

relação à inclusão dos alunos no ensino regular, não se pode deixar de considerar:

deve fazer parte integrante de uma política de formação docente que efetive, de fato,

uma crescente qualificação dos professores do ensino fundamental e que se paute

no princípio da educação para todos e, dentro dela, da educação inclusiva. É

necessário que haja uma política que organize e direcione a formação do professor,

levando em conta as necessidades dos professores, a demanda do município e,

sobretudo, a prática docente articulada com a teoria. Para isso, é preciso que a

formação continuada faça parte das prioridades da política municipal.

A coordenadora municipal da educação Inclusiva, em sua fala mostra como o

município vem se organizando com a formação continuada dos profissionais da

educação e as prioridades colocadas pela Secretaria de Educação:

A formação dos professores desse ano [2008] não pôde ser realizada porque a secretaria achou melhor para educação está desenvolvendo um trabalho em cima da formação do pró- letramento em matemática, pois a média dos alunos em matemática está muito baixa, a nota está muito

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baixa dos alunos do município e achou melhor desenvolver o trabalho em cima da matemática e prometeu que em 2009 dará continuidade às diversidades. Alguns professores sentem a necessidade do curso da diversidade que foi feita em 2006, gostaram muito e perguntam sempre porque não teve essa continuidade e deve ser feito no ano que vem em 2009 a continuidade da diversidade eu como coordenadora que fui em 2006 no início os professores sempre falavam que era utopia, utopia, que isso não existe não tinha como funcionar, mas como em 2007 logo funcionou eles até depararam com os alunos especiais, em sala de aula, já tinham alguns, mas foram aumentando alguns professores ficaram desesperados, teve professor em uma escola que até desistiu. (MARA -

novembro de 2008)

Conforme afirmamos, para que aconteça na prática, a política tem que fazer parte

das prioridades, senão fica somente nas intenções. Embora os ―alunos especiais‖

estejam nas salas de aula comum, os professores sentindo-se ―desesperados‖ e

sentindo na pele a necessidade de conhecimentos na área, o município não deu

seguimento à formação continuada. Formação continuada ou pontual, somente para

―fazer de conta‖ e ficar bem diante da avaliação institucional? Na entrevista com a

Secretária de Educação do Município, ela justificou o fato de não ter dado

continuidade ao programa e falou da Política de formação de professores no

município, durante o trabalho na gestão 2005/2008:

[...] tivemos três formação continuada para o professor: duas do Projeto Formar com 03 módulos de 200 horas cada um, o de educação especial inclusiva, que foi um estudo bem teórico sobre a inclusão – um curso que teve adesão de bastante professores e em parceria com o governo federal nós temos em torno de 16 programas, isso através do plano de ações articulas – PAR, que foi assinado em fevereiro de 2008, que faz parte do compromisso ―todos pela educação‖. Apesar do ano eleitoral e da legislação específica não ter permitido que algumas coisas aconteçam, nós temos implementado um curso de formação, nós conseguimos.‖(Secretária de Educação – dezembro de 2008)

A minha pergunta à Secretária foi o porquê da capacitação não ter continuado no

município, mas ficou claro em suas palavras que a formação para a educação

especial não foi prioridade naquele momento. No entanto, outros programas de

formação foram implementados no município, sobretudo por ter o município o

compromisso ―todos pela educação‖27, com o Ministério da Educação.

27 O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação é a conjugação dos esforços da União,

Estados, Distrito Federal e Municípios, em regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica. Os sistemas municipais e estaduais que aderirem ao Compromisso seguirão 28 diretrizes pautadas em resultados de avaliação de qualidade e de rendimento dos estudantes.

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De acordo com a Resolução CME, nº 005/2007, que normatiza a Educação

municipal em conformidade com a Resolução CEM 1286/2006, publicada no Diário

Oficial de 29/05/2006, o capítulo para a Educação Especial, assegura:

Art. 140. As instituições de ensino, públicas e privadas, devem assegurar aos portadores de necessidades especiais: (...) II – professores com especialização em nível médio ou superior, para atendimento especializado bem como capacitação permanente a professores do ensino regular, visando à integração dos educandos com necessidades especiais nas classes comuns.

É contraditório o que a legislação municipal prevê e aquilo que realmente acontece

na prática do município. Como a formação continuada para os professores que

atuam com crianças com necessidades educacionais especiais ou com deficiência

não é prioridade, se está estabelecida na legislação, aprovada pelo Conselho

Municipal de Educação e prevê a formação permanente desses profissionais?

Com o objetivo de analisar as políticas atuais de educação especial/inclusão escolar

para a formação continuada dos professores, em onze municípios do Estado do

Espírito Santo, a pesquisa intitulada ―Desenho das Políticas Públicas Atuais de

Educação Especial/Inclusão Escolar de Formação de Professores no ES‖,

coordenado pela professora Dra. Maria Aparecida dos Santos Correa Barreto, vem

discutindo essas questões, a partir dos olhares e das vozes dos atores que estão

nas ações dessas políticas. Observou-se que os professores ainda insistem em

dizer que não estão preparados e que não têm muito claro o conceito de inclusão,

conforme analisa Barreto et al. (2008, p.15):

Pudemos perceber que a preocupação e insegurança dos professores que têm a perspectiva de trabalhar com a inclusão, ancoram-se no fato de não se sentirem preparados para isso. Esse despreparo pode ser decorrente do desconhecimento acerca do que é a inclusão; repete-se o discurso do acolhimento à diversidade, do respeito às diferenças.

Com base na pesquisa, ainda em andamento, verifica-se o distanciamento entre

teoria e prática. Conforme diz a autora, ―repete-se o discurso do acolhimento e

respeito às diferenças‖, mas o discurso não se consolida na prática. Outra questão

observada na pesquisa, são as inovações que se situam apenas no âmbito das

discussões, sem conhecer os anseios e necessidades dos professores, que

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deveriam indicar os pontos sensíveis, segundo seus pontos de vista. Portanto, seria

necessária, segundo a autora, a criação de espaços dinâmicos propícios à troca de

informações e de experiências entre os pares.

Outra questão relevante que a autora destaca de modo geral nas políticas de

formação de professores, no Estado do Espírito Santo, é que

[...] as políticas de educação especial instituídas se entrelaçam com os dispositivos de educação especial do município e são atravessados pelas concepções dos sujeitos da educação especial e, consequentemente, com a formação dos profissionais de educação para a diversidade (BARRETO, et all, 2008, p.16)

Frente a esse conjunto de problemas, vem ocorrendo todo um debate centrado na

formulação de propostas para sua resolução. Uma proposta que merece destaque é

aquela defendida por Bueno (1999), segundo a qual o modelo inclusionista requer a

formação de dois tipos de professores: a) os chamados generalistas, que seriam

responsáveis pelas classes regulares e capacitados com um mínimo de

conhecimento e prática sobre a diversidade do alunado; b) e os professores

especialistas, capacitados em diferentes necessidades educacionais especiais e

responsáveis para oferecer o necessário suporte, orientação e capacitação aos

professores do ensino regular, visando à inclusão, ou para atuar diretamente com

alunos em classes especiais, salas de recurso, etc. (Bueno, 1999; Glat, 2000; Glat &

Nogueira, 2002 e 2003; Glat & Pletsch, 2004; Mendes, 2002 e 2004).

Se por um lado, a educação inclusiva exige que o professor do ensino regular adquira formação para fazer frente a uma população que possui características peculiares, por outro, exige que o professor da educação especial amplie suas perspectivas, tradicionalmente centradas nessas características (BUENO, 1999, p.162)

De acordo com a proposta de Bueno, haveria a necessidade de se combinar o

trabalho do professor regular e a atuação do professor especializado, pois o

generalista teria o mínimo de conhecimento e prática com alunos especiais,

enquanto o especialista teria conhecimento aprofundado e prática sistemática, no

que concerne às necessidades educacionais específicas. A formação pedagógica do

especialista deveria ser de caráter geral, com aprofundamentos específicos que

permitiriam um atendimento especializado. Antes de tudo, seria um professor,

encarregado de auxiliar o professor do ensino regular.

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As linhas centrais da proposta de Bueno constam do Plano Nacional de Educação

(BRASIL, 2001) que aponta a integração entre professores da educação especial e

da educação regular como uma das ações necessárias para efetivação da educação

inclusiva. E acrescenta:

Art. 8º. As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes: I – professores das classes comuns e da educação especial capacitados e especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos; II – condições para reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva, com protagonismo dos professores, articulando experiência e conhecimento com as necessidades/possibilidades surgidas na relação pedagógica, inclusive por meio de colaboração com instituições de ensino superior e de pesquisa.

De acordo com a Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades

educativas especiais, ―[...] a capacitação de professores especializados deverá ser

reexaminada com vista a lhes permitir o trabalho em diferentes contextos e o

desempenho de um papel-chave nos programas relativos às necessidades

educativas especiais‖ (1994, p.38). Também prevê alocação de recursos para essa

finalidade, destacando que ―deverão ser também alocados recursos para os serviços

de apoio à formação de professores, a centros de recursos e a professores

encarregados da educação especial‖ (1994, p.47)

Nesse sentido, cabe às Secretarias Municipais e Estaduais e ao Ministério da

Educação e suas respectivas secretarias, a formação de pessoal docente, conforme

a Lei de Diretrizes e bases da Educação Especial na Educação Básica, ratificado na

Resolução nº 02/2001 – CNE/CEB que cita: ―aos professores que já estão

exercendo o magistério devem ser oferecidas oportunidades de formação

continuada, inclusive em nível de especialização, pelas instâncias educacionais da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios‖.

Em setembro de 2008, o Ministério da Educação lança o Decreto nº 6.571/08, que

dispõe sobre o atendimento educacional especializado, assegurando, no art. 3º, o

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apoio técnico e financeiro à formação continuada de professores, gestores e demais

profissionais da educação, na perspectiva da educação inclusiva.

Recentemente, em março de 2009, a Secretária de Educação Especial do Ministério

da Educação encaminha aos municípios orientações sobre o decreto acima

mencionado e as Diretrizes operacionais da Educação Especial para o Atendimento

Educacional Especializado na Educação Básica: orientação aos sistemas de ensino

para a matrícula dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento

e altas habilidades, nas escolas comuns de ensino regular; e a oferta do

atendimento educacional especializado. Constam desse documento as orientações

sobre a formação e atribuições dos professores do atendimento educacional

especializado:

a. Identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da educação especial;

b. Elaborar e executar plano de atendimento educacional especializado, avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade;

c. Organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala de recursos multifuncional;

d. Acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala de aula comum do ensino regular, bem como em outros ambientes da escola;

e. Estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais na elaboração de estratégias e na disponibilização de recursos de acessibilidade;

f. Orientar professores e famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno;

g. Ensinar e usar recursos de Tecnologia Assistiva, tais como: as tecnologias da informação e comunicação alternativa e aumentativa, a informática acessível, o soroban, os recursos ópticos e não ópticos, os softwares específicos, os códigos e linguagens, as atividades de orientação e mobilidade entre outros; de forma a ampliar habilidades funcionais dos alunos, promovendo autonomia, atividade e participação.

h. Estabelecer articulação com os professores da sala de aula comum, visando à disponibilização dos serviços, dos recursos pedagógicos e de acessibilidade e das estratégias que promovem a participação dos alunos nas atividades escolares.

i. Promover atividades e espaços de participação da família e a interface com os serviços setoriais da saúde, da assistência social, entre outros.

Conforme vemos, as habilidades e capacidades dos professores de educação

especial, apontadas nos documentos oficiais do Ministério da Educação, são

realmente muito amplas, e os estudos apontam que os cursos de formação inicial e

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continuada ainda não dão conta das demandas. Nesse tópico, apresentei a

configuração da formação continuada dos professores do município na perspectiva

da educação especial e inclusiva no município, dialogando com BUENO (1999),

BARRETO (2008), GLAT e PLESCH (2006), e os documentos oficiais que tratam da

formação do professor, relacionando teoria e prática, a partir da idéia de que dentre

os direitos das pessoas em ter qualidade, permanência e acessibilidade

educacional, está o direito do professor em receber a formação continuada,

oferecida pelo sistema educacional onde está inserido.

Pensando a formação do professor no município de Conceição da Barra, pode e

deve acontecer, mediante grupos de estudo, como aconteceu o curso de educar na

diversidade, citado anteriormente. É possível organizar grupos por escolas ou com

professores de diferentes escolas, os quais selecionariam os materiais de estudo,

orientados pela coordenação da educação inclusiva. Seria o espaço para ―estudos

de casos‖ e busca de possíveis soluções em conjunto, através do diálogo e da

partilha de experiências e conhecimentos.

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6. A ESCOLA ESPECIALIZADA EM TEMPOS DE INCLUSÃO

A educação de alunos com deficiências, distúrbios graves de aprendizagem,

comportamento, e outras condições que afetam o desenvolvimento e aprendizagem,

tradicionalmente tem se pautado em um modelo de atendimento especializado,

realizado pelas escolas especializadas. No entanto, nas últimas décadas, em função

de novas demandas e expectativas sociais, a educação dos alunos com deficiências

tem sido assumida paulatinamente pela escola comum. Conforme vimos

anteriormente, é o modelo conhecido como perspectiva Inclusiva.

A Educação Inclusiva preconiza que todos os alunos, independente de sua condição

orgânica, afetiva, sócioeconômica ou cultural, devem ser inseridos na escola regular,

com o mínimo possível de distorção idade-série. Entre os grupos, historicamente,

excluídos do sistema regular de ensino, destacam-se os sujeitos com deficiências

sensoriais (auditiva e visual), deficiência mental, transtornos severos de

comportamento ou condutas típicas (incluindo quadros de autismo e psicoses),

deficiências múltiplas (paralisia cerebral, surdocegueira, e outras condições) e altas

habilidades (superdotados) — antes atendidos, exclusivamente, pelas escolas

Especializadas.

Neste capítulo, faço uma breve reflexão sobre o papel da Educação Especial no

âmbito dessa política de educação inclusiva, a começar por uma abordagem sobre a

Instituição Especializada do município de Conceição da Barra, onde atuo e realizei

parte da pesquisa de campo, observando e colhendo os dados que apresentarei a

seguir.

A Educação Especial, no município, teve início com a fundação da Sociedade

Pestalozzi, no ano de 1991, quando um grupo de pessoas sensibilizadas com a

situação das pessoas com deficiências - sobretudo as crianças que não eram

aceitas no espaço escolar - resolveram se vincular ao movimento da fundação da

Sociedade Pestalozzi, que se presentificava no Brasil, desde a década de 50, em

prol da educação das pessoas com deficiência mental.

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Fotografia 05 - Entrada da Oficina ―Mão na Massa‖ e auditório.

A Sociedade Pestalozzi, atualmente denominada Associação Pestalozzi, iniciou com

apenas 10 crianças, em uma casa emprestada pela Paróquia e, paulatinamente, foi

conseguindo parcerias com o município e com a sociedade civil, através de

doações, e assim, foi ampliando e sistematizando o trabalho, que, desde o início,

teve o enfoque pedagógico, com a implantação da escola especializada, gerenciada

pela instituição. Na época da fundação (março de 1991), as crianças não eram

aceitas nas escolas comuns, apesar de já te sido deflagrado no Brasil vários

discursos em favor da educação inclusiva. Em sua maioria, as crianças ainda viviam

trancafiadas em seus lares, desprovidas das condições sociais e ambientais

mínimas para a vida em sociedade. Diga-se de passagem, que hoje ainda existem

muitas crianças com deficiência, que não são ao menos contadas, pois não existem

para a sociedade, principalmente nas áreas rurais.

De acordo com a Proposta Pedagógica da Entidade, atualizada em 2009, a

Associação Pestalozzi de Conceição da Barra tem a missão de "Contribuir para a

melhoria da qualidade de vida, através de ações que valorizem o ser humano" e a

Escola Especializada tem, como meta, a ―inclusão e participação das pessoas com

deficiências, através do seu reconhecimento, enquanto cidadãos e do atendimento

educacional e clínico de acordo com as potencialidades de cada pessoa‖.

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Consta também da proposta que a Associação Pestalozzi é uma organização não

governamental, a qual mantém a Escola Especial Esperança, atendendo,

atualmente, a 142 pessoas com deficiências física, mental, sensorial e múltipla. A

Escola Especial Esperança oferece o Ensino Fundamental, a Educação Infantil,

Educação de Jovens e Adultos e profissionalização, visando à inclusão de crianças

e adolescente no ensino regular e à inserção dos jovens no mercado de trabalho,

desenvolvendo também, programas especializados para pessoas com

comprometimentos mais severos (pessoas com paralisia cerebral, autismo e

síndromes).

O espaço físico da instituição foi programado com adaptações para cadeiras de

rodas, com rampas e corrimãos nos corredores. É um espaço bonito, amplo, bem

arejado, limpo e muito bem cuidado.

Fotografia 06 - Rampa de acesso ao auditório da escola Especializada

A equipe multiprofissional e administrativa tem 44 pessoas, as quais são

remuneradas através de parcerias com as Secretarias Estadual e Municipal de

Educação, Saúde e Ação Social. Os demais recursos para manutenção geral da

escola são provenientes de convênios com o Governo Federal, Estadual, Municipal,

empresas privadas e apoio da sociedade civil. A ―Escola Especial‖, mantida pela

Associação Pestalozzi tem um quadro de profissional formado por: diretor, secretário

escolar, auxiliar de secretaria, professores, supervisor escolar, fisioterapeuta,

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fonoaudiólogo, psicólogo, assistente social, motorista, vigilantes e auxiliares de

serviços gerais.

As pessoas com deficiências física, mental, sensorial e múltipla atendidas na

instituição são oriundas de famílias com baixo poder aquisitivo, sendo a maioria

residentes em locais com grande vulnerabilidade e risco social. De um modo geral, o

público alvo da instituição é caracterizado, destacando os seguintes aspectos:

pessoas desempregadas, relações familiares fragilizadas, carência econômica

familiar, baixo nível de escolaridade, inatividade da maioria das pessoas idosas e

deficientes, precárias relações com o meio onde vive e baixa auto-estima frente à

deficiência.

Economicamente, a renda de 70% dos familiares é inferior a um salário mínimo.

Dentre esses, aproximadamente, 20 % nem renda têm, sobrevivem com os

benefícios do Governo Federal (bolsa família, BPC – Benefício de Prestação

Continuada28 e outros), somado ao fato de que as famílias são numerosas, sendo a

renda distribuída em média para 6/8 pessoas, fatores que impossibilitam a

acessibilidade à educação, à cultura, à tecnologia, ao lazer, à saúde e ao trabalho.

A assessoria ao ensino regular de que trata a Proposta Pedagógica é realizada de

forma itinerante, por uma Pedagoga, que acompanha os alunos com matrícula

dupla: no ensino regular e na escola especial. Esses alunos frequentam a instituição

especializada pela manhã a e à tarde a escola regular. Mais adiante, apresento os

projetos e atividades que a escola especial desenvolve com esses alunos.

Dos 142 alunos matriculados na instituição especializada, 55 tem matricula dupla,

também na escola regular. Os critérios para esses alunos terem matrícula dupla, se

pautam em primeiro lugar, na vontade dos pais de que esses frequentem a escola

regular e em segundo, nas possibilidades que o município oferece para esses

alunos. Por exemplo, uma criança com deficiência mental severa que não dá conta

de ir ao banheiro sozinho, de se vestir, comer, não atende comandos, entre outras 28

É um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 e consiste no pagamento de 01 (um) salário mínimo mensal a pessoas com 65 anos de idade ou mais e a pessoas com deficiência incapacitante para a vida independente e para o trabalho. Em ambos os casos a renda per capita familiar seja inferior a ¼ do salário mínimo.

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limitações, necessita de um acompanhamento e cuidados para a vida diária, e as

escolas do município ainda não se sentem preparadas para essa criança. Por outro

lado, os pais não acreditam que a escola regular seja necessária para o

desenvolvimento de seus filhos nessas condições.

O Projeto Político Pedagógico da Escola Especializada prevê que, devido às suas

necessidades especiais, cada aluno é tido como um ser único, diferente, possuidor

de um ritmo exclusivo para aprendizagem que se completa, nesta escola, na

alfabetização. Nesse sentido, a organização das salas não se dá por níveis, mas por

idade cronológica dos alunos, e em sua maioria, por alunos que apresentem

deficiências física, mental, sensorial, múltiplas e espectro de autismo.

Segundo a Proposta e as informações obtidas na instituição, a administração da

escola atua em conjunto com sua mantenedora, a Sociedade Pestalozzi de

Conceição da Barra, a fim de promover maior produtividade do ensino, através de

viabilização da participação dos professores em cursos de aperfeiçoamento e da

procura pelo envolvimento de todos – família, comunidade, professores –, no

desenvolvimento de suas ações.

Atualmente, a escola vem recebendo a visita da inspeção da Superintendência de

Educação do Estado do Espírito Santo que acompanha e fiscaliza as ações e a

organização pedagógica da instituição. A organização das turmas, de acordo com o

Projeto Político da escola, é feita por idade cronológica dos alunos, conforme segue:

EDUCAÇÃO INFANTIL ESPECIAL:

Estimulação Precoce: Idade entre 0 a 3 anos.

1º Período Especial: idade 4/5 anos.

3º período Especial: Idade 5/6 anos.

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Fotografia 07 - Sala de aula de educação infantil

ENSINO FUNDAMENTAL ESPECIAL

Turma Especial I: idade 7/8 anos.

Turma Especial II: idade 8/9 anos.

Tuma Especial III: 9/10 anos.

Atendimento Educacional Especializado – Tuma I, II, III e IV (projeto de

Comunicação alternativa para autistas e paralisados cerebral)

Oficina Pedagógica – alunos acima de 18 anos.

Oficina de Artes - alunos acima de 18 anos.

Oficina Mão na Massa - alunos acima de 18 anos.

Projeto de Libras para alunos incluídos no ensino regular.

Projeto de Sala de Recursos para alunos incluídos no ensino regular.

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Fotografia 08 – Oficina de Artesanato

Fotografia 09 - Sala de aula – Ensino Fundamental Especial

Em termos de regulamentação, a Escola Especial foi autorizada a funcionar com

base na Resolução CEE 134/98, publicada no Diário Oficial de 08 de dezembro de

1998, com a seguinte redação:

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Art. 1º Autorizar o funcionamento da Escola Especial Esperança, situada na Rua 28, S/N, Bairro São Tiago, município de Conceição da Barra, neste Estado, mantida pela Sociedade Pestalozzi de Conceição da Barra, para ministrar a Educação Especial, na modalidade de Educação Infantil e Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries), a partir da publicação desta Resolução, convalidando os atos escolares praticados pela Escola. A partir de então, a Escola Especial Esperança ofereceu o ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, além do atendimento pedagógico especializado.

No ano de 2006, o Conselho Estadual de Educação proíbe as escolas

especializadas de oferecer a educação básica, conforme o Decreto CEE nº

1.286/2006, art. 143, passando assim a Escola Especial Esperança a funcionar em

conformidade com a resolução em vigor, apenas com a Educação Especializada e o

apoio técnico às Escolas Regulares do município, no processo de Inclusão Escolar

segundo o art. 142 da mesma Resolução e com os documentos legais em vigor

(Resolução nº 02 – Diretrizes Nacionais para a Educação Especial; Política Nacional

de Educação Especial na Perspectiva da Inclusão);

De acordo com a fiscalização e acompanhamento da Secretaria de Estado de

Educação, mediante a equipe de inspeção e da Associação Pestalozzi, a escola

Especial está funcionando em condições satisfatórias de higiene conservação e

organização. A escola possui sede própria, com as seguintes dependências:

BLOCO I – 5 salas de aula, 1 secretaria, 1 sala de professores com 2 banheiros, 2

banheiros para alunos (masculino e feminino), 1 refeitório, 1 cozinha, 2 despensas e

1 área de serviço.

BLOCO II – 3 salas equipadas para atendimento técnico (psicologia, fonoaudiologia

e serviço social), 1 sala de aula, 2 banheiros (masculino e feminino) com adaptações

para deficientes físicos, 1 piscina aquecida, 1 pátio calçado e 1 pátio de areia (onde

funciona o parquinho).

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Fotografia 10 - Piscina para hidroterapia e educação física.

BLOCO III – 1 sala de aula, 1 sala de oficina pedagógica, 1 sala de laboratório de

informática, 1 sala de Educação Física, 1 varanda.

BLOCO IV – 1 espaço para fábrica de biscoito, também denominada ―Oficina Mão

na Massa, 1 almoxarifado, 2 banheiros adaptados, 1 pátio com cobertura.

A oficina ―Mão na Massa‖ tem o objetivo de capacitar os jovens com deficiência

mental para o mercado de trabalho. A aprendizagem prática na oficina é integrada

ao trabalho pedagógico, atendendo as necessidades de contextualização dos

conteúdos pedagógicos. Sendo assim, a oficina é um recurso pedagógico

associando teoria e prática. De acordo com a proposta, são trabalhados assuntos

como: medida, quantidade, peso, volume, comprimento, espessura, higiene, saúde e

conhecimentos básicos para a inclusão desses alunos no mercado de trabalho.

BLOCO V - auditório ―Dom Noé Tamae‖, rampa de acesso ao auditório, Sala de

fisioterapia e dois banheiros.

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Fotografia 11 - Sala de fisioterapia

Conforme mostrado nas fotos, mesmo com poucos ambientes, o espaço da escola

especial é amplo, bem organizado e dispõe de muitos materiais pedagógicos

fundamentais para a estimulação do desenvolvimento das crianças.

Os objetivos da Escola Especial Esperança, descritos na proposta pedagógica,

estão em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Especial na Educação Básica, Educação Inclusiva, tendo como objetivo geral:

Promover a inclusão e participação social das pessoas com deficiências, através do reconhecimento enquanto cidadãos e do atendimento educacional e clínico de acordo com as potencialidades e limitações da clientela, possibilitando a conquista da máxima autonomia possível e a independência em relação aos outros indivíduos. (p. 13)

Os objetivos específicos também são de acordo com os documentos produzidos

pelo MEC - Atendimento Pedagógico Especializado para a deficiência mental, Portal

de Ajudas Técnicas do MEC, entres outras produções do MEC que embasam a

prática pedagógica na escola especializada, organizando-se, de tal modo que, na

prática, os alunos possam desenvolver as seguintes capacidades:

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Desfazer a crença de que as pessoas com deficiências não podem participar naturalmente da vida em comunidade;

Promover oportunidades para que a comunidade participe da vida da escola;

Oportunizar o desenvolvimento das aptidões profissionais de cada aluno, equipando a Escola com oficinas de trabalho;

Fortalecer o intercâmbio dos pais com a escola: proporcionando e incentivando o livre acesso dos pais à escola não só quando solicitados, mas sempre que julgarem necessários;

Promover cursos, palestras, etc, que ajudem os pais a terem cuidados e reconheçam as potencialidades de seus filhos;

Ampliar os meios e o alcance da Educação Especial no atendimento as crianças necessitadas de tratamento especial, priorizando à faixa de 0 a 6 anos;

Promover recursos humanos qualificados em observância aos padrões adequados de funcionamento da escola;

Incrementar recursos financeiros para a manutenção da Escola com maior independência possível;

Garantir a aplicabilidade dos recursos Federal, Estadual e Municipal, destinados à Educação especial;

Implantar pequenas oficinas cujos lucros possam ser revertidos para a Escola;

Desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações (Proposta Pedagógica, p. 13)

O art. 2º das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial propõe como objetivos

do atendimento educacional especializado:

I - prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular aos alunos referidos no art. 1º;

II - garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular;

III - fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e

IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis de ensino.

Desde que foi criada a Associação Pestalozzi no município, já se observava uma

transferência de responsabilidades da Educação Especial para a Instituição. Por sua

vez, apesar do enfoque segregador que, historicamente, acompanha as instituições

especializadas, a Pestalozzi de Conceição da Barra busca mudar os rumos,

acompanhando a política de inclusão proposta pelo Governo Federal. Em entrevista

com a Secretária de Educação, ela explanou sobre a necessidade de encontrar um

―norte‖ para a Educação Especial no município:

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Eu acho que é importante traçar um norte, qual é o perfil, qual é o verdadeiro objetivo da educação especial, traçar uma identidade da educação especial. Porque a educação especial vem passando por uma mudança de identidade, do tratamento da pessoa.(...) Eu vejo assim, as pessoas quando tem deficiência elas são tratadas com discriminação como se fossem diferentes e merecesse tratamento diferente, e talvez até discriminatório, excluído, então mudar, entender as pessoas...( Secretária de Educação – 23/12/2008)

Enquanto não encontra o ―norte‖, para a identidade da educação especial, o

município, via Escola Especializada, vem desenvolvendo as ações no sentido de

incluir as crianças em situação de deficiência, na rede comum de ensino. Na década

de 90, início de sua fundação, a Escola Especializada já fazia o acompanhamento

de alunos com deficiência mental leve, no ensino comum, com o apoio de um

profissional da área de psicologia que orientava e sensibilizava os professores a

aceitar os alunos oriundos da Pestalozzi.

O trabalho ainda era muito tímido e com enfoque na integração do aluno, pois os

professores não tinham preocupação em alfabetizar a criança; a prioridade era a

socialização. Alguns permaneciam na educação infantil até os dez anos de idade,

como foi o caso de dois alunos que acompanhei em 2001, quando iniciei meu

trabalho na Instituição. Os pais insistiam em mantê-los na educação infantil, pois,

segundo eles, os filhos não teriam condições cognitivas para acompanhar o ensino

fundamental.

O acompanhamento às crianças em situação de deficiência, incluídas nas escolas

do município foi, paulatinamente, se organizando a partir da Associação Pestalozzi,

através de encontros com os professores da rede, com os supervisores, visitas às

escolas e acompanhamento pedagógico aos alunos, no horário inverso ao da escola

comum. A instituição também oferecia (ainda oferece), quando necessário, o

acompanhamento de fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia e terapia ocupacional. A

equipe dispõe de uma assistente social que realiza o trabalho com a família das

crianças incluídas.

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Fotografia 12 - Crianças do ensino fundamental regular, em atendimento educacional

especializado na escola especial.

Desde 2007, após o curso de formação em educação inclusiva, o ―educar na

diversidade‖, houve uma grande insistência por parte dos professores da rede para

que a Secretaria Municipal contratasse uma equipe, a fim de realizar o apoio à

inclusão escolar, pois o trabalho se tornava cada vez mais amplo, e a equipe da

Pestalozzi não alcançava a abrangência das necessidades que o contexto exigia.

Houve a promessa da contratação e, inicialmente, uma pedagoga que trabalhava na

Escola Especializada foi disponibilizada para coordenar a Educação Especial no

município, e foi quem organizou o trabalho de itinerância29 nas escolas.

Em alguns meses, a Coordenadora contou com mais um membro para o trabalho,

um psicólogo foi contratado. A equipe tão esperada pelos professores da escola

regular, tornou-se uma dupla que de certa forma, já satisfazia os anseios dos

professores, pois muitas situações colocadas para a educação especial

necessitavam de intervenções psicológicas, como também os próprios professores

necessitavam de um apoio psicológico, de orientações e de como intervir em certos

momentos com as crianças.

29

A pedagoga vai às escolas para prestar o suporte necessário quanto à orientação aos professores e acompanhamento das crianças que apresentam necessidades educacionais especiais.

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No ano passado nós tivemos um apoio com um psicólogo indo em cada escola, sendo dois dias da semana esse atendimento e alguns alunos sendo encaminhados para a Pestalozzi onde fazia terapias com o outro psicólogo ou com a fono. (...) precisamos formar uma equipe, uma equipe pra poder direcionar melhor o trabalho e não tem essa equipe formada, com o especialista direcionando a necessidade de cada um nas instituições e um pouco trabalho tem sido desenvolvido. Os professores no inicio sentiram assim desespero um grande desafio na vida deles, para receber esses alunos, mas com o encaminhamento, com o andar na realidade do trabalho, eles foram, vendo que não é tão difícil, está abraçando essa causa, mas esta sendo ainda um grande desafio para cada professor cada escola (...) (MARA– Coordenadora da Educação Inclusiva)

O trabalho da dupla foi muito bom enquanto durou, no entanto, para decepção dos

professores, não durou muito. Logo, o Psicólogo também foi embora e, novamente,

a coordenadora ficou sozinha, fazendo o trabalho de uma ―formiguinha‖, aquele que

achava que deveria ser realizado por uma equipe, explícito na sua fala acima, o qual

justifica a necessidade de ter outros profissionais para realizar esse trabalho.

Conforme também relata, na entrevista, a pedagoga da escola regular, ―uma criança

que precisa do apoio de um psicólogo, o que fazer? A gente não tem o profissional.

O que a gente faz? A gente recorre à Pestalozzi‖.

Mesmo sem um trabalho mais eficaz e organizado pela Secretaria Municipal de

Educação, os professores da Pestalozzi acompanham os alunos que estudam na

escola regular, tentam realizar um diálogo com os professores da rede, e sentem a

necessidade de aprimorar e de reforçar esse trabalho que poderia ser colaborativo

entre a educação especial e regular.

Eu faço um acompanhamento, buscando o trabalho que está sendo realizado na outra escola, procurando os professores da escola regular deles, para ver em que ponto eu preciso estar atuando mais com os meus alunos, para que eles possam estar avançado igualmente aos outros, estar acompanhando a turma na igualdade e buscando reforço em outras áreas também, na leitura, na produção de texto, na tabuada, que eles acham que é um bicho-de-sete-cabeças, mas que não é, e quando eles começam a fazer, calcular algumas coisinhas, problemas, que eles acham que é problema, mas não é. Aí eles vão vendo que não é daquele jeito, porque quando você tem um tempo igual o que nós temos aqui, com menos criança, que nós podemos estar mais perto deles e nós podemos fazer um acompanhamento mais sério com eles, mas assim, amigável, talvez seja, por eles estarem pertinho da gente e a gente dá esse apoio, para eles se sentirem mais apoiados, por ser uma turma menos e a gente está procurando melhorar e a gente está conseguindo. Estão conseguindo avançar nos conteúdos e melhorar as notas lá nas escolas regulares. (LUANA – Professora da escola especial – turma de acompanhamento pedagógico especializado)

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Conforme exposto, a escola especializada no município é a referência de educação

especial, e mediante o trabalho da instituição, estão sendo realizadas tentativas de

organizar o trabalho de educação inclusiva, na rede municipal.

Os pais, cujos filhos freqüentam a escola especial, ainda resistem muito à matricula

deles na escola regular. Esse deve ser um trabalho de convencimento e que

também vem sendo feito pela escola especial. Na fala abaixo, a professora expõe

um pouco de sua experiência com os pais e sobre a reação deles em relação à

escola regular.

Os pais, realmente, têm medo de matricular seus filhos na escola regular. Porque eu conversei com a mãe de Adriano, ela virou pra mim e falou assim: ―ah não, Adriano lá?‖. Tipo assim, com medo de alguém bater nele, ou machucar, eu creio que os pais ainda ficam com receio. A mãe de Jéssica falou assim: ―não eu não aceito‖. Nossa ela não pode.‖ Mas, eu disse não, vai chegar uma época que ela vai pra lá. ―não lá eles não vão entender‖. Acho que têm medo da reação dos outros alunos. Então, eu vi assim, insegurança dos pais. Não sei nem como eles podem passar essa segurança pros pais. Porque inclusive ela falou assim ―A minha filha vai ficar lá fora, vai ficar jogada‖. Até num momento eu pensava assim também, de ficar lá no canto e tudo. Ai eu falei, mas não ela não vai ficar no canto, ela vai ter um professor que vai acompanhar ela lá na escola. ― não, não, enquanto ela puder e vocês tiverem aceitando aqui, ela vai ficar só aqui.‖ Ai eu não falei mais nada. Eu vejo insegurança nos pais. (KARLA- Professora dos alunos autistas – escola especial)

Em reunião com os pais dos alunos que frequentam o ensino regular, realizado na

escola especial, foi necessário explicar e justificar a importância desses alunos

estarem freqüentando a escola regular, pois mesmo esses que já estão na escola

regular, alguns pais ainda resistem, querendo que eles frequentem apenas a escola

especial. Na reunião, a coordenadora da educação inclusiva falou, partindo do

exemplo de Junior, aluno com deficiência mental moderada, que foi incluído na

escola da rede e vem sendo acompanhado pela equipe da escola especial.

Mara – Nós temos o Junhinho, que não acompanha os conteúdos da escola regular, a mãe dele está aqui, ela acompanha, mas o Junhinho está lá socializado, acompanhando as atividades de outra forma. Ele dá as opiniões dele sobre os assuntos que são discutidos na escola. E o mais importante é o que ele entendeu sobre um assunto, e ele dá a opinião dele. Eu acho isso muito importante.

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Mãe – Ele é muito responsável, chega da escola toma banho, pega a mochila e pega os cadernos para me mostrar o dever. Ontem à noite mesmo, ele chegou (...) e me entregou o bilhete da escola. Ele é muito responsável mesmo!! Mara – E esse acompanhamento que faço nas escolas, faço uma avaliação, converso com os professores e vejo que tipo de ajuda eles estão precisando e fico preocupada com aquele aluno que não consegue acompanhar a aprendizagem. Eu sei que cada um tem o seu ritmo, o seu tempo para aprender. É muito diferenciado, o jeito de cada um aprender, cada um tem uma motivação. Eu acho muito importante esse acompanhamento da escola regular, junto à Pestalozzi, com toda a equipe daqui. Às vezes, a criança tem um trauma e precisa de um acompanhamento psicológico, e ai a gente encaminha pra cá, outras vezes precisa de uma terapia com a fonoaudióloga... quer dizer, tem uma parceria com a Pestalozzi para tratar desses casos. Essa parceria é muito importante. Pai – A minha menina estava repetindo a primeira série, por dois anos. Não sabia nada. Depois que veio pra cá, pro reforço, ela aprendeu a ler, e melhorou muito. Agora, graças a Deus, o meu menino também está aqui. A mulher veio e matriculou, porque ele também não estava sabendo ler, lá no Astrogildo.

Depoimentos como os desse pai são frequentes nas reuniões. Os pais são gratos

por seus filhos estarem aprendendo na Instituição e não têm consciência de que o

direito à educação é fato a ser oferecido pelo Estado. A Instituição está realizando

um papel que seria do Estado e que, historicamente, foi deixado de lado e assumido

pelas instituições filantrópicas. É possível mudar essa realidade? Pode até ser. No

entanto, pelo que observei na prática da escola especializada e da escola comum,

faz-se necessário um diálogo entre as duas redes, para se conseguir assegurar que

a criança com deficiência seja, realmente, incluída nos processos educacionais da

escola comum.

Pela falta que há de um grupo para acompanhar esse trabalho, que é de responsabilidade da prefeitura, como a Semec, a Pestalozzi assumiu um papel que não é dela. Então, toda ajuda que a Pestalozzi dá é pouca, mas é a única que a gente tem, então acho que deve fortalecer esse intercâmbio com a Pestalozzi, mesmo acreditando que não é o papel dela, porque foge um pouco, fica um pouco restrito, mas vejo que a gente não tem muito o que fazer, então às vezes, eu vejo que a equipe de vocês (Pestalozzi) faz mais do que pode fazer, e também se angustiam como nós de não conseguir grande coisa. Eu penso que há um descaso, e uma irresponsabilidade do município de não ter assumido isso ai. (CLARA - Supervisora da Escola Regular)

Conforme já apresentamos anteriormente, a Secretaria de Educação Municípal

ainda não organizou uma política de atendimento às pessoas com deficiência, o que

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causa uma angústia nos profissionais da educação, haja vista necessitar de apoio e

ter que contar apenas com a colaboração da Pestalozzi. Nessa fala, a angústia da

supervisora que, apesar de reconhecer que é papel do município assumir o direito à

educação das pessoas com deficiência, ao mesmo tempo, propõe o fortalecimento

de intercâmbio com a Pestalozzi, em função do ―descaso‖ do município com a

educação especial. Isso fica claro, no diálogo abaixo com a coordenadora da

educação inclusiva do município.

Pesquisadora: você falou sobre a questão do planejamento para os alunos que estão, concomitante, na escola regular e na especial, como você acha que deve ser feito esse planejamento? Seria um trabalho colaborativo? Como? Mara - Eu acho que vai contribuir muito, acho que não é nem 90% é 100% do aprendizado dessas crianças, porque, muitas vezes os professores do ensino regular quer que todos os alunos acompanhem a grade curricular normal da mesma forma, e nós sabemos que ninguém aprende da mesma forma, mesmo os ditos ―normais‖ têm uma outra maneira também de aprender. Uns aprendem mais rápido outros mais lentos. Então eu vejo que esse encontro entre o professor aqui da Pestalozzi e o professor do ensino regular é importante porque eles passam a fazer um planejamento o mais próximo possível. Isso ajuda muito na aprendizagem dos alunos. O professor daqui da escola especial um mês vai lá fazer o planejamento e o professor de lá vem outro mês aqui na Pestalozzi pra conhecer o trabalho como que é desenvolvido esse trabalho. A falta de diálogo, leva muitas vezes o professor falar ―Ah, mas eu tenho tantos alunos é 25 28 alunos‖. E, às vezes, é o que nós temos aqui na Pestalozzi também professor que tem 15 alunos, 15 é o máximo que tem, que o professor de alfabetização tem e consegue desenvolver o trabalho bem, então elas podem desenvolver o trabalho lá também, então, essa troca de experiência vai ser muito válida.

A tentativa desse diálogo (entre a Escola Especial e a Escola Regular) foi realizada

durante o ano de 2008, mas sem a participação da Secretaria de Educação

Municipal. No entanto, os professores das escolas regulares questionavam a falta de

participação. Assumiam a importância desse diálogo, mas colocavam a necessidade

de articulação também com os responsáveis por cada área da Secretaria Municipal

de Educação. Sobre a importância desse diálogo entre a escola regular e a escola

especial, vou trazer a história de uma criança, que se destacava na escola regular,

como exemplo de uma aluna, com deficiência, lá incluída.

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6.1 Uma historia a ser contada: o processo de inclusão de Adriana

Durante o período de coleta de dados, algumas histórias dos sujeitos com

deficiência se repetiam com frequência nas entrevistas e nos encontros tanto com os

professores da escola comum como os da escola especializada. De forma breve,

passo a descrever uma dessas histórias, ilustrando a forma de organização do

trabalho de inclusão desenvolvido no município, trazendo, como pano de fundo, a

necessidade do diálogo entre a escola especializada e a escola regular, e na história

de Adriana, ilustro a forma de encaminhamento da escola especial para a escola

regular, no município.

A Adriana tem deficiência física, mas ela foi tão aceita, tão inserida, tão incluída, mesmo na escola que a gente até esquece que ela tem alguma necessidade, eu acho que os outros têm mais do que ela. Eu acho assim, engraçado que ela tem uma relação tão boa com os colegas, que ela aceita ajuda dos colegas, mas se for pra gente ajudar, ela não aceita, então é uma relação tão boa entre eles que eles ajudam ela em tudo, não sobra nada pra gente fazer, ela não dá trabalho nenhum. Ela faz educação física, joga vôlei, ela faz tudo, quando ta cansada ela senta, às vezes joga vôlei sentada, ela senta ali e fica brincando com os meninos, ela não deixa de participar de nada, devido à deficiência física dela, nada, nada. Muitas vezes ela participa mais que os outros. No inicio, ela foi motivo de curiosidade, todo mundo queria saber por que ela era assim, as crianças ficavam curiosas. (Supervisora da escola ―Maria Gilder‖)

A história de Adriana é uma das que se repetiam na maioria das conversas com os

professores, até porque a aluna, ―apesar da deficiência‖, como os professores se

expressavam, ―era inteligente‖, como se a deficiência física estivesse atrelada ao

déficit de aprendizagem. Ou como colocado pela supervisora acima, ―ela tem

deficiência, mas foi tão aceita, que a gente esquece que ela tem alguma

necessidade especial‖. Talvez, por causa da aparente deficiência física apresentada

pela aluna, ela era alvo de comentários e, na maioria das vezes, de elogios.

A matrícula de Adriana foi efetivada na Escola Especializada, em março de 2006,

encaminhada pela Clínica de Fisioterapia da Faculdade Salesiana pelo fato de a

mesma apresentar sequelas de paralisia infantil. No encaminhamento, constava:

―Encaminho a paciente A. L. V., 10 anos, portadora de Encefalopatia Crônica não Progressiva da Infância manifestada por Diparesia Espástica. (...) Paciente chegou apresentado flexão de quadril e joelhos com rotação

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interna, pé invertidos com arcos longitudinais desabados e hálux valgo. Sem queixas álgicas com dificuldade de articulação da fala, e marcha domiciliar com apoio.‖[...]

A família, representada pelo irmão de Adriana, explicou que a menina morava com o

irmão mais velho, desde que sua mãe veio a falecer. A menina culpa o pai pela

morte da mãe e não quis mais morar com o pai. Como o irmão mais velho se mudou

do município da Serra, onde residiam, para a cidade de São Paulo, Adriana veio

morar aqui em Conceição da Barra com o irmão mais novo e, por necessitar de

fisioterapia e fonoaudiologia, procurou a Pestalozzi.

Na instituição, foram realizadas entrevistas com o irmão e com a própria menina. A

entrevista social também mostrou outro fato intrigante: a menor é beneficiada pelo

BPC/LOAS, porém é o pai quem recebe o benefício, conforme ela própria fala ―ele

precisa mais do que eu, porque já tem outro filho e ele tá doente‖. Consta da

avaliação social feita pela Assistente Social da Escola Especializada:

―Adriana tem dificuldade no andar e na fala. Teve paralisia infantil na 1ª idade, é órfã de mãe, mora em C. B. com o irmão e família é segurada com o BPC/LOAS. O benefício assistencial é usado pelo pai que vive em companhia de uma outra companheira, na Serra/ES. Ela, depende totalmente do irmão‖.

O irmão que assumiu, financeiramente, a menor, é casado, já tem filho e recebe um

salário para o sustento da família. Com relação a essas questões sociais, a

Assistente Social fez as orientações com a família e continua acompanhando o

caso. Com relação à questão pedagógica, o irmão foi orientado a procurar uma

escola regular para Adriana. Ela não tem problema de atraso cognitivo, encontrava-

se na segunda-série, com 10 anos de idade, mas acredito que o atraso seria mais

por questões de faltas, devido às dificuldades de acessibilidade à escola. O pai

acreditava que ela não seria capaz de frequentar a escola por isso não a matriculou.

Ela não fez a pré escola e só foi para o ensino fundamental com 08 anos de idade.

Provavelmente se estivesse morando com o pai atualmente, ela não estaria na

escola.

Você não imagina como é meu pai, ele não liga pra nada, só quer o meu cartão, só pensa em dinheiro. Ele anda com meu cartão dentro da camisa e

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não deixa ninguém pegar. Todo mundo tem medo dele. Ele não liga pra mim, e nunca ligou. (ADRIANA – aluna da escola especial e regular)

Atualmente, Adriana frequenta tanto a escola especializada como a escola regular,

mesmo não tendo problemas de aprendizagem, mas necessita dos dispositivos que

a entidade põe a serviço da inclusão, como o transporte escolar e os atendimentos

de fisioterapia e fonoaudiologia. Adriana é uma adolescente muito inteligente,

expressa-se muito bem, embora tenha dificuldade na articulação dos sons da fala. A

fala dela é baixa e, para entendê-la, é preciso se aproximar, bem de perto. A marcha

também é bem comprometida, precisa de apoio para se locomover, é muito

esforçada em todos os aspectos. Em conversa com ela, pedi que falasse dos seus

sentimentos com a escola regular, e como se sente nesse trânsito entre escola

regular e especial.

Foi difícil acostumar na Escola de lá (escola regular), eles me perguntavam sempre o que eu tinha, e eu tinha que ficar me explicando, porque sou assim. Hoje em dia, eles ainda me perguntam, mas é menos do que no início. Outro dia me perguntaram se eu levei um tiro na perna, falaram é isso que dá mexer com drogas. E eu fico constrangida com essas coisas. Na aula de educação física, tem coisa que faço e coisa que não faço. Às vezes, eu tenho que insistir para participar, pois eles acham que eu não consigo fazer, mas eu acho que consigo, e ai eu tenho que vencer pela persistência. Parece que lá não é meu mundo. (ADRIANA – aluna da escola especial e regular)

Perguntei também pela escola Especializada, o que representa para ela? Como ela

se sente? E ela responde:

Não que eu não goste da Pestalozzi, eu gosto muito. Acho que aqui ajuda muito as crianças. Mas sinto que aqui não é meu mundo. Eu não tenho dificuldade para aprender. Eu só preciso de fisioterapia, eu não tenho necessidade de ficar aqui a tarde toda. Queria fazer outras coisas. Cansa ficar o dia todo na escola. De manha, tenho que ir ao João Bastos (Escola) e à tarde tenho que vir pra cá. Eu sei que preciso vim, eu preciso de fisioterapia. Mas queria vir somente para a fisioterapia.

Se analisar os aspectos de descaso e desrespeito que perpassa na história dessa

menina, não daria conta neste momento, mas quero destacar o caso por chamar

minha atenção, impressionar-me e angustiar-me, pois dá uma sensação de inércia

diante do fato. Concordo com a socióloga Vera Telles (1999), quando diz que:

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Falar dos direitos sociais seria falar de sua impotência em alterar a ordem do mundo, impotência que se arma no descompasso entre a grandiosidade dos ideais e a realidade bruta das discriminações, exclusões e violências que atingem maiorias.(p. 02)

Como falar em direitos sociais e cidadania diante de tal fato de violência aos direitos

de um ser humano, o qual fere a dignidade humana? Como é a sensação de uma

adolescente que sabe que está sendo lesada por seu próprio pai? Como a escola

pode lidar com essas questões? Ou é melhor que a escola as ignore?

Na história de Adriana, os dispositivos necessários para sua inclusão, acessibilidade

e permanência na escola municipal que, legalmente deveria ser ofertados pela

Secretaria Municipal de Educação, são efetivados na prática pela escola

especializada. No entanto, a escola especializada também tem suas limitações

quanto à articulação de alguns serviços, de saúde, de garantia de direitos, entre

outros, como os aspectos legais do BPC que foram apresentados acima, ainda não

superados.

O que me parece é que o poder público demonstra querer solucionar o problema da

exclusão das pessoas com deficiência, bem como os preconceitos e estigmas

socioculturais construídos, historicamente, mediante a promulgação de diversas leis,

com a participação da escola e dos professores e demais profissionais, mas isso na

prática ainda não acontece.

O cenário delineado com a história de Adriana remete-me ao país dos contrários

onde tudo acontece por oposição, contradizendo o que os documentos legais

defendem na base de uma escola inclusiva: a Declaração de Salamanca, a LDB

9394/96, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial. A lei diz

―criar condições‖, ―estabelecer critérios‖, contudo, ocorre o inverso, é permanente a

falta de condições e de critérios. Na verdade, a lei prescreve, mas não garante as

condições de usufruto dos direitos. No caso da educação, nem dos direitos dos

alunos nem dos professores.

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Com esse trabalho, aponto alguns caminhos, entre eles, o da colaboração entre as

duas redes, escola especializada e escola regular, para que, ao se darem as mãos,

possam contar outras histórias diferentes daquela de Adriana. Histórias sem

descaso, sem preconceitos ou discriminações. Histórias de vidas dignas de seres

humanos, cidadãos no sentido estrito da palavra.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Abrir o ângulo, fechar o foco sobre a vida Transcender, pela lente do amor

Sair do, encontrar um beco sem saída Transcender, pela lente do amor

Do amor

Gilberto Gil

Retomo um refrão da música ―Lente do Amor‖ para finalizar este trabalho, sem a

pretensão de esgotar o tema, mas com o objetivo de abrir o ângulo do olhar sobre as

políticas públicas de educação especial. Seja de qualquer ângulo, o olhar sobre os

direitos, os serviços de apoio, a formação do professor... Esse olhar deve

transcender, pelos ―becos‖, aparentemente, sem saídas, pois não dá para ficar inerte

diante das situações de desrespeito, de falta de dignidade, presentificadas na

política educacional, como apresentei no decorrer da dissertação. Muitas vezes me

senti num ―beco sem saída‖, parecia não encontrar um rumo para escrever, devido

às situações antagônicas com os quais convivi no cotidiano da coleta de dados, mas

que foram superadas por outra forma de olhar, o olhar despido de preconceito e de

pré-julgamento.

Desenvolver este estudo sobre a política de educação especial no município de

Conceição da Barra, não foi uma tarefa fácil de construir, pois levou-me a pensar a

educação do município num contexto mais complexo, profundamente, marcado por

contrastes, sendo necessário também pensar os princípios que fundamentam essa

realidade.

Dentre os desafios enfrentados, destaco, primeiro, a ausência de registros e

informações disponíveis na Secretaria de Educação sobre as ações da educação

especial nos anos anteriores, fundamentais para entender a trajetória da educação

especial no município. Segundo, o fato de ter minha trajetória profissional envolvida

na construção deste trabalho, o que complexificou a atitude de estranhamento, em

relação ao objeto de pesquisa.

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Identificar, na literatura, os referenciais teóricos e legais que norteiam o debate

contemporâneo, acerca dos conceitos de cidadania, direitos humanos e educação

inclusiva, levou-me a concluir que o que se torna fundamental na abordagem das

políticas públicas pensadas, partindo de pressupostos éticos da inclusão social, é o

princípio democrático da educação, enquanto exercício de cidadania.

Com base no diálogo com Bóbbio (2004), também destaquei no decorrer do estudo,

que a cidadania se efetiva, mediante a ação concreta do Estado na garantia dos

direitos e a ação dos indivíduos na sociedade, e que cidadania como conceito

histórico apresenta a perspectiva das mudanças sociais, que estão, atualmente, no

alicerce do movimento de inclusão, pressupondo o acesso à educação articulado

com a questão da qualidade do processo educacional.

No campo educacional, as perspectivas para a efetivação na prática dos direitos

humanos estão postas na lei, mas não estão, devidamente, traduzidas em ações

políticas, e por isso, na maioria das vezes, não chegam às escolas e, menos ainda,

às salas de aula. Exemplo disso é a própria educação inclusiva que vem sendo

discutida com maior ênfase desde a década de 80 e enfrenta resistências para ser

efetivada na prática. O número dos alunos com deficiência ainda não estão nas

escolas regulares; as escolas ainda não estão todas adaptadas; e os professores

ainda se sentem despreparados. Ou seja, as políticas públicas nessa área, não

foram, totalmente, efetivadas na prática, no entanto, encontra-se assegurada na

legislação.

Entendo que, desde os discursos implícitos na produção global, a política vem

assumindo as formas concretas, reverberando em ações no cotidiano das escolas,

dialoguei com vários documentos como as conferências nacionais e internacionais

(Declaração de Salamanca, Declaração Mundial de Educação para Todos, da

Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação

Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, entre outros) que promulgaram o

conceito de educação inclusiva e contribuiram para as políticas de inclusão na

perspectiva da remoção de barreiras arquitetônicas e atitudinais e à ideia de

acessibilidade, além de trazerem toda uma gama de informações a respeito dos

conceitos de discriminação e deficiência.

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As entrevistas realizadas durante a coleta de dados foram de suma importância para

o processo de conhecimento da realidade local, de forma mais contextualizada e

concreta possível. Destaco a entrevista da Secretária de Educação, que foi muito

receptiva com esse trabalho, pois mostrou, em sua fala, a sua visão da realidade da

educação especial, no município de Conceição da Barra, que se pauta ainda,

exclusivamente, no trabalho da escola especializada.

Embora o município já tendo passado pelo processo de criação do Sistema

Municipal de Ensino, como órgão executivo das políticas de educação básica, junto

à Secretaria Municipal de Educação, buscando promover maior independência da

rede na convivência com a os problemas da realidade local, os atores responsáveis

pelo Sistema não se manifestaram, em relação à questão da Inclusão Escolar da

pessoa com deficiência, no município, ou posso concluir a partir do levantamento de

dados, que a escolha foi feita por não fazer a política de educação inclusiva. Parece

que essa é uma questão à parte, a ser discutida pela escola especializada. O que

fere todos os documentos referendados neste trabalho normatizadores da educação

inclusiva.

É importante salientar que uma das grandes contradições, que acontece na política

educacional municipal, é o fato da educação inclusiva se constituir como área à

parte, sem interlocução com as demais áreas o que, além de contraditório, é uma

política excludente, porque não atende às prerrogativas legais para a construção de

um sistema integrado e inclusivo. A educação especial, em um sistema municipal de

ensino, deve perpassar todas as etapas e modalidades de educação, desde a

educação infantil ao ensino superior. Pensando por esse prisma, não dá para

transferir essa responsabilidade apenas para a escola especializada, tampouco ter

um setor na secretaria de educação sem diálogo com os outros setores da

educação.

Com base nos dados coletados, a implantação da política educacional de inclusão

do aluno com deficiência, na rede municipal do município de Conceição da Barra,

acontece sem que a instituição escolar tenha as devidas condições (financeiras,

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estruturais, pedagógico-didáticas); os profissionais são titulados (em sua maioria

graduados em Pedagogia), fizeram capacitação para atuarem com crianças com

deficiências, mas dizem não serem preparados para realizar a inclusão escolar.

Mantidas essas condições ambíguas, dificilmente, os objetivos registrados nos

documentos e nos textos legais serão concretizados.

Diante do exposto, reconheço ser objeto prioritário de investigação, no campo da

Educação Especial, a avaliação das condições reais de inclusão que são oferecidas

pelos sistemas educacionais, assim como o desenvolvimento de estratégias de

intervenção que facilite a implementação desta proposta. No entanto, concordo com

Glat (2008), quando alerta que este processo tem que ser compartilhado entre a

escola regular e a especial:

As conquistas no campo da Educação Especial como área de conhecimento, pesquisa e prática profissional têm muito a contribuir neste processo e é a partir do diálogo entre estes dois modelos de Educação que uma nova forma de se pensar a escola poderá surgir, capaz de atender às necessidades educacionais especiais de cada um de seus alunos, não somente daqueles com deficiência, condutas típicas ou altas habilidades, mas todos aqueles, atualmente, são marcados pelo ciclo da exclusão e do fracasso escolar.

Daí, o grande desafio: como constituir uma política municipal articulada que favoreça

a inclusão de todos os alunos no sistema educacional, garantindo assim os direitos à

cidadania? Fundamentado neste trabalho, destaco algumas possibilidades

construídas na coleta e, na análise dos dados desta pesquisa. Um ponto que foi

destacado e merece atenção, talvez pela marca da educação especial no município,

foi justamente a proposta de interlocução entre os professores da escola regular e

especial e da Secretaria de Educação do município.

É válido um intercâmbio com a Pestalozzi, acho que pode ajudar muito, mas seria melhor se tivéssemos uma política voltada para isso, ou seja que fosse também articulado com a Secretaria de Educação. Pois a Pestalozzi viria a ser mais um parceiro para ajudar, para fortalecer e não ser a responsável pela inclusão, como está acontecendo. (Supervisora da Escola Regular) Poderia ter mais encontros do professor do ensino regular com professor da Pestalozzi, principalmente nos planejamentos desenvolver esse trabalho por que seria grande importância para os alunos, seria crescimento pra eles e para os professores também. Os encontros entre o professor aqui da Pestalozzi e o professor do ensino regular para que eles passam a fazer um planejamento compartilhado, pra estar melhorando ou o professor daqui um

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mês vai lá fazer esse encontro lá na escola e a de lá vem outro mês aqui na Pestalozzi pra conhecer o trabalho, então essa troca de experiência seria muito válido. (MARA – professora da escola especial e coordenadora da educação inclusiva)

A falta de um direcionamento, na prática da educação inclusiva no município, leva os

professores do ensino regular a se sentirem não preparados para o desafio e

desejosos da necessidade de interlocução com a escola especializada. Essa busca

por uma interlocução entre as redes regular e especializada, articulada com a

Secretaria Municipal de Educação, foi por diversas vezes, durante as entrevistas,

colocado como proposta de organização de um serviço de educação especial no

município, com relação à dinâmica de acompanhamento dos alunos que freqüentam,

simultaneamente, a escola comum e a especializada, como também o envolvimento

do conjunto de profissionais das duas redes, no planejamento das ações

pedagógicas e na formação desses profissionais.

A proposição das Diretrizes Curriculares Nacionais na Educação básica (Resolução

nº 02/2001) ainda em vigor, sobre o papel das escolas especiais, no âmbito da

educação inclusiva, delegando, em caráter extraordinário, às escolas especiais, o

atendimento complementar à educação dos alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais de maneira articulada com outros setores:

Art. 10. Os alunos que apresentem necessidades educacionais especiais e requeiram atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social, recursos, ajudas e apoios intensos e contínuos, bem como adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não consiga prover, podem ser atendidos, em caráter extraordinário, em escolas especiais, públicas ou privadas, atendimento esse complementado, sempre que necessário e de maneira articulada, por serviços das áreas de Saúde, Trabalho e Assistência Social.

§ 1º As escolas especiais, públicas e privadas, devem cumprir as exigências legais similares às de qualquer escola quanto ao seu processo de credenciamento e autorização de funcionamento de cursos e posterior reconhecimento.

§ 2º Nas escolas especiais, os currículos devem ajustar-se às condições do educando e ao disposto no Capítulo II da LDBEN.

§ 3o A partir do desenvolvimento apresentado pelo aluno, a equipe

pedagógica da escola especial e a família devem decidir conjuntamente quanto à transferência do aluno para escola da rede regular de ensino, com base em avaliação pedagógica e na indicação, por parte do setor responsável pela educação especial do sistema de ensino, de escolas regulares em condição de realizar seu atendimento educacional.

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Pauta, na referida resolução, o caráter transitório e complementar da educação

especial, que tem também a responsabilidade de decidir junto à família e à escola

regular, quanto à transferência e à escola melhor indicada para atender às

necessidades especiais dos sujeitos. Tarefa que prescinde de um trabalho

colaborativo com os outros setores, inclusive, com a equipe municipal de educação

especial e a própria escola regular.

É oportuno destacar que o meu olhar, neste estudo, não abarcou toda a

complexidade posta pela educação especial e inclusão escolar no município. Por

mais que tenha tentado abrir o ângulo desse olhar, encontrei alguns ―becos‖, os

quais não compartilharam com os meus objetivos, como por exemplo, o que trago

como sugestão para futuras pesquisas: como vem ocorrendo a educação das

crianças com deficiências, remanescentes dos quilombolas que se constituem em

grande número na zona rural? Como favorecer a formação dos profissionais do

campo na perspectiva da educação inclusiva? O que é ser escola comum e escola

regular, diante dos novos paradigmas da educação inclusiva? Como é a prática

educacional na escola regular e especializada, e como articular essa prática? Como

pensar a formação de professores do ensino regular e especial, de modo a prepará-

los para atuar, efetivamente, em colaboração?

Conforme apresentado no decorrer deste trabalho, inexiste no município uma

política de educação especial, o que me instiga a ousar, nestes últimos parágrafos, e

pontuar algumas proposições para a educação especial numa perspectiva inclusiva,

especificamente para o município de Conceição da Barra.

O primeiro ponto que destaco, é que a política municipal deve ser pensada e

organizada a partir do diálogo com os diferentes setores que compõe o município.

Secretarias de Educação, Saúde, Ação Social e Instituição Especializada devem

definir ações e articular o trabalho de planejamento de ações que beneficiem a

educação inclusiva. Para tanto, penso ser necessário, também, ouvir os pais,

professores das redes, comum e especial, e principalmente os sujeitos a quem

serão destinados as ações da política de educação especial.

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Quanto aos dispositivos necessários para efetuar as ações da política municipal,

penso ser necessário organizar uma equipe multidisciplinar responsável pela

educação especial no município para apoiar o trabalho de inclusão nas escolas

regulares. Tendo em vista que a instituição especializada já desenvolve ações

colaborativas com as escolas regulares no município, pode ser interessante

aproveitar a experiência da instituição especializada e intensificar o trabalho

colaborativo entre o ensino comum e especial. Para tanto, sugiro a realização de

planejamentos coletivos e encontros de discussão e estudos de casos entre os

professores das instituições regular e especial.

Como dispositivo de apoio às especificidades tanto da rede urbana como da rural, é

relevante o desenvolvimento do trabalho de itinerância, para atendimentos

educacionais especializados em domicilio e em escolas onde não for possível a

instalação da sala multifuncional. Todos esses dispositivos e outros que se fizerem

necessários ao processo de inclusão educacional serão possíveis mediante o

fortalecimento do trabalho da Secretaria de Educação com a Instituição

Especializada e as escolas regulares, de modo colaborativo, onde cada qual assuma

responsabilidades e compromissos, considerando o direito à educação e à qualidade

de vida de todos os cidadãos.

No entanto, não basta os dispositivos e ações elaboradas pela Secretaria de

Educação e Instituição de educação especial, é necessário que todas as ações e

dispositivos implementados em favor da educação inclusiva no município, fomente a

transformação do espaço e tempo escolar, para que ocorram acessibilidade ao

currículo, ao espaço físico, aos bens culturais e ao lazer. O espaço escolar deve

promover atitudes de acolhimento as diferenças e garantir o direito a avaliações

diferenciadas e ao atendimento às necessidades específicas de cada aluno.

Quanto ao atendimento educacional especializado, conforme a legislação em vigor

(Decreto 6.571/08) deve ser oferecido, preferencialmente na escola regular, no

entanto, poderá também, ser oferecido na instituição especializada, o que contribui

para ampliar as possibilidades de atendimentos no município. Ou seja, a secretaria

de educação deve investir em salas multifuncionais, ou buscar esses recursos junto

ao Governo Federal, para que as escolas regulares possam garantir o atendimento

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especializado no contra turno, e a instituição especializada pode continuar, também

no contra turno, com os atendimentos aos casos de deficiência mental e outras mais

complexas que demandam de atendimentos voltados para a área de saúde,

assistência social e reabilitação física e sensorial.

Conforme já citei anteriormente, já existe uma sala de recursos na sede do

município, mas que não está em funcionamento. No entanto, faz-se necessário, o

funcionamento dessa sala de recursos, para atender os alunos com deficiência que

residem na sede do município, como também a implantação de outras salas

multifuncionais, que poderão ser adquiridas via MEC. Se faz necessário, professores

especialistas em libras, braile e outras especializações na área de educação

especial, para atendimento nas salas multifuncionais ou de recursos para o

atendimento educacional especializado.

O município via Secretaria de Educação deve promover curso de formação

continuada incentivando a capacitação dos professores em áreas específicas e

generalistas da educação especial, bem como oferecer seminários, fóruns e debates

na área. Como também, fomentar a pesquisa educacional e o acompanhamento de

todas as ações que forem efetivadas em favor da educação inclusiva.

As proposições acima apresentadas, são possibilidades para a organização da

educação especial no município de Conceição da Barra, no entanto, espero que

também possam gerar reflexões que auxiliem a quem se propuser compreender o

contexto da educação especial, como política pública.

Espero que este trabalho venha contribuir para a modificação do olhar sobre

educação inclusiva no município e que abra o ângulo para o olhar sobre a política de

outros municípios brasileiros. A marca da educação especial no município, exposta

neste trabalho, pode contribuir para a sistematização de outras pesquisas na área

de educação especial, no sentido de pensar a educação inclusiva como uma mola

propulsora ampliada para os três ângulos a Secretaria de Educação, a Escola

comum e a Escola Especializada, como co-responsáveis por promoverem políticas

capazes de garantir que todos os alunos, inclusive aqueles com deficiências, sejam

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incluídos no sistema educacional com qualidade no tocante à aprendizagem e à

acessibilidade, e que se mantenha a sua permanência.

Insta ressaltar que a proposta de inclusão escolar não pode ser tratada como se

estivesse desvinculada da luta pela melhoria e transformação da educação pública

como um todo. Assim, ―incluir‖ pessoas com deficiências, sejam de qualquer

natureza, em um sistema submetido à forte precarização, pode significar mais uma

forma de negar-lhes esse direito fundamental.

Ademais, nos é exigido repensar as políticas públicas, as práticas institucionais e

institucionalizadas como um movimento da práxis do tecido educacional, na

perspectiva inclusiva. O sistema municipal de ensino e a escola especializada

podem somar esforços, conhecimentos, vivências e movimentos, como uma das

formas que podem garantir os direitos das pessoas com deficiências, significando a

garantia do direito à educação, sendo necessário para tanto, reinventar ou

transformar o papel do Estado, das suas instituições educacionais e das escolas

especializadas, diante dos novos paradigmas da educação especial em torno da

perspectiva inclusiva.

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APÊNDICES

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APENDICE A - Número de Professores regentes de classe de Conceição da

Barra – ES30

TOTAL DE PROFESSORES

EFETIVOS: 123 CONTRATADOS: 241 TOTAL GERAL: 364

66% dos Professores que atuam em nível superior se formaram nos anos

de 2006 e 2007.

167 professores do município possuem nível superior.

197 professores do município não possuem nível superior.

101 professores se formaram em 2006 e 2007 no curso de Licenciatura

Plena em Pedagogia para séries iniciais do Ensino Fundamental na modalidade à

Distância, em parceria com a UFES/Prefeitura Municipal de Conceição da Barra-

ES, no CREAD.

A Instituição de acompanhamento da Educação é o SISTEMA NUNICIPAL

DE ENSINO através da Lei Municipal Número 3.305 de 06 de março de 2006

Conselho Municipal de Educação - Criação - Lei Nº 1.909/94 de 12 de

dezembro de 1994. Nomeação – Decreto Nº 3.644/05 de 26 de julho de 2005.

Conselho Escola – Criação Lei Nº 1.976/97 de 30 de maio de 1997.

Não existe Decreto de nomeação.

Conselho de acompanhamento do FUNDEB - Criação Lei Nº 2.378/07 de

23 de abril de 2007. Nomeação Portaria Nº 400/07 de 12 de Julho de 2007.

Conselho Municipal de Alimentação Escolar – Lei Nº 2092/2000 de 27 de

dezembro de 2000 – Lei Nº 2178/2001 e Portaria Nº 175/2006 de 31 de Agosto de

2006.

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FONTE: Plano Municipal de Educação 2008

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APÊNDICE B - ORGANOGRAMA

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

DIREÇÃO PEDAGOGICA CONSELHO DE ESCOLA

EQUIPE PEDAGOGICA SECRETARIA

ORIENTAÇÃO SUPERVISÃO INSPEÇÃO COORDENAÇÃO

PAIS CANTINA ALUNOS PROFESSORES

LIMPEZA E SEGURANÇA

SERVENTES E VIGIAS APOIO

PEDAGÓGICO

BIBLIOTECA

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APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Declaro, por meio deste termo, que concordei em ser entrevistado(a) e/ou participar na pesquisa de campo referente ao projeto/pesquisa intitulado POLITICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO DA BARRA: UM ESTUDO DE CASO, desenvolvida por Isabel Matos Nunes. Fui informada, ainda, de que a pesquisa é orientada pela Prof. Dra. Maria Aparecida dos Santos Correa Barreto, do Centro de Educação – Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informado(a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é investigar as políticas públicas de educação para as pessoas com deficiências, no município de Conceição da Barra/ES, buscando entender como as políticas instituídas reverberam no cotidiano da escola regular e especial. Fui também esclarecido(a) de que os usos das informações por mim oferecidas estão submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de [descrever o tipo de abordagem p. ex: entrevista semi-estruturada / observação /] [a ser gravada a partir da assinatura desta autorização]. O acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pela pesquisadora e/ou sua orientadora. Atesto recebimento de uma cópia assinada deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

Conceição da Barra, ____ de _________________ de _____

Assinatura do(a) participante: ______________________________ Assinatura do(a) pesquisador(a): ____________________________

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APÊNDICE D - Entrevista com o Diretor da Escola Especial:

1 Identificação: Nome:___________________________________________________________ Nome da Escola: __________________________________________________

2 Formação Profissional 2.1 Formação acadêmica: _________________________________________________________________ 2.2 Curso de aperfeiçoamento na área de Educação Especial: _________________________________________________________________ 2.3 Aperfeiçoamento na área de Gestão: _________________________________________________________________ 2.4 Participa de alguma capacitação atualmente?

3 O trabalho com os alunos especiais:

3.1 Como você avalia o trabalho da instituição especializada nesse contexto de inclusão? _________________________________________________________________ 3.2 Qual o objetivo da escola especial para os alunos que freqüentam tanto a rede regular quanto a escola especial? _________________________________________________________________ 3.3 Qual a relação que existe entre escola regular e especial? _________________________________________________________________ 3.4 O que poderia ser melhorado nessa relação?

4 Gestão: A política da Escola Especializada no Contexto da EI:

4.1 Quem financia a educação Especial?

4.2 Como são efetivados os convênios? _________________________________________________________________ 4.3 Existe fiscalização dos serviços prestados? Como é feita a fiscalização? _____________________________________________________________ 4.4 O que você tem a dizer sobre a Política de Educação Inclusiva que o município vem desenvolvendo?

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4.5 Você está satisfeita com o trabalho que a instituição vem promovendo? _________________________________________________________________ 4.6 Quem você considera sujeitos da educação especial?

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APÊNDICE E - Entrevista com o Diretor da Escola Regular: 1 Identificação: Escola Municipal: Nome:___________________________________________________________ 2 Formação Profissional: 2.1 Formação acadêmica: _________________________________________________________________

2.2 Já fez algum curso de aperfeiçoamento na área da educação especial? Em caso afirmativo, qual e há quanto tempo?

3 A política de educação especial/inclusiva: 3.1 Como a escola regular vem se preparando para receber os alunos com deficiências?

3.2 Quais serviços de apoio a escola vem recebendo das esferas municipal, estadual ou federal?

3.3 Em caso negativo, quais as necessidades?

3.4 Como percebe o trabalho da instituição especializada no município, nessa contribuição para se efetivar a inclusão dos alunos?

3.5 Como é a comunicação entre a escola especializada e a regular?

3.6 Qual o seu entendimento sobre inclusão educacional?

3.7 Você tem conhecimento da política de educação especial instituída no município, nos seus aspectos legais?

3.8 Você tem conhecimento do financiamento da educação especial no município?

3.9 Qual a sua sugestão para a efetivação de uma política de fato inclusiva? _________________________________________________________________

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3.10 O que você tem a dizer sobre a formação dos professores para a educação inclusiva?

3.11 Quem você considera os sujeitos da educação especial?

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APÊNDICE F - Entrevista com o professor da Escola Especial

1 Identificação: Nome:___________________________________________________________ Nome da Escola: _________________________________________________________________

2 Formação Profissional 2.1 Formação acadêmica: _________________________________________________________________ 2.2 Curso de aperfeiçoamento na área de Educação Especial: _________________________________________________________________ 2.4 Participa de alguma capacitação atualmente? _________________________________________________________________ 2.5 Há quanto tempo trabalha na instituição especializada?

3 O trabalho com os alunos especiais: 3.1 Qual o objetivo da escola especial para os alunos que freqüentam tanto a rede regular quanto a escola especial? _________________________________________________________________ 3.2 Qual a relação que existe entre escola regular e especial? _____________________________________________________________ 3.3 O que poderia ser melhorado nessa relação? _________________________________________________________________ 3.4 O que você tem a dizer sobre a política de educação inclusiva no município? _________________________________________________________________ 3.5 Você recebe apoio para trabalhar com os alunos da escola especial? Qual(is) tipos de apoio(s)? _________________________________________________________________ 3.6 Como é feito o planejamento das atividades para os alunos incluídos nas escolas regulares? _________________________________________________________________ 3.7 Você utiliza recursos diversificados em sala de aula? Quais? _________________________________________________________________ 3.8 Você tem à sua disposição recursos pedagógicos necessários para trabalhar

com os aluno?

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_________________________________________________________________ 4 Política da educação especial: 4.1 Quem você considera os sujeitos da educação especial? _________________________________________________________________ 4.2 Você conhece a legislação do seu município sobre a educação especial?

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APÊNDICE G - Entrevista com o professor da e escola regular

1 Identificação: Nome:___________________________________________________________ Nome da Escola: _________________________________________________________________

2 Formação Profissional 2.1 Formação acadêmica: _________________________________________________________________ 2.2 Curso de aperfeiçoamento na área de Educação Especial: _________________________________________________________________ 2.4 Participa de alguma capacitação atualmente? ________________________________________________________________ 2.5 Há quanto tempo trabalha na instituição especializada?

3 O trabalho com os alunos especiais:

3.1 Você tem conhecimento sobre a(s) deficiências de seu(s) aluno(s)? Em caso afirmativo, quem forneceu as informações? _________________________________________________________________ 3.2 Qual a relação que existe entre escola regular e especial? _________________________________________________________________ 3.3 O que poderia ser melhorado nessa relação? _________________________________________________________________ 3.4 O que você tem a dizer sobre a política de educação inclusiva no município? _________________________________________________________________ 3.5 Você recebe apoio para trabalhar com os alunos? Qual(s) tipos de apoio(s)? _________________________________________________________________ 3.6 Como é feito o planejamento das atividades para os alunos com alguma necessidade especial ou com deficiência? _________________________________________________________________ 3.7 Você utiliza recursos diversificados em sala de aula? Quais? 3.8 Você tem à sua disposição recursos pedagógicos necessários para trabalhar com os alunos? _________________________________________________________________

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3.8 Como foi sua primeira experiência com alunos que apresentam alguma deficiência? _________________________________________________________________ 4 Política da educação especial: 4.1 Quem você considera os sujeitos da educação especial? _____________________________________________________________ 4.2 Você conhece a legislação do seu município sobre a educação especial? _________________________________________________________________ 4.3 O que você entende por educação inclusiva? _________________________________________________________________ 4.3 Existe serviços de apoio à educação inclusiva no município? O que você

entende por serviços de apoio e como deveriam ser feitos?

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APENDICE H – Entrevista com a Secretária Municipal de Educação

1 Identificação: Nome:___________________________________________________________ Nome da Escola: ________________________________________________________________

2 Formação Profissional 2.1 Formação acadêmica: _________________________________________________________________ 2.2 Curso de aperfeiçoamento na área de Educação Especial: _________________________________________________________________ 2.3 Participa de alguma capacitação atualmente?

3 Política da educação especial: 3.1 Gestão: 3.1.1 - É possível "medir" a eficiência das políticas públicas adotadas no Brasil? Quais fontes de dados podem ser consideradas seguras para a avaliação das políticas adotadas no Brasil? E as de educação especial?

3.1.2 – E a Política municipal de educação especial na perspectiva da educação inclusiva? Como tem se efetivado? _________________________________________________________________ 3.1.3 - Qual a importância social e econômica de se conhecer os resultados das políticas públicas adotadas no Brasil?

3.1.4 - Quais os principais atores envolvidos na formulação e implementação de políticas públicas no município? Qual o papel e contribuição desses atores para melhorar a eficiência dessas políticas e como a participação popular direta na avaliação pode contribuir para melhorar o planejamento dessas políticas? ________________________________________________________________ 3.1.5 Como é realizado o financiamento da Educação Especial, no município?

3.1.6 Como são efetivados os convênios com as Entidades Filantrópicas? _________________________________________________________________

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3.1.7 Existe fiscalização dos serviços prestados? Como é realizada a fiscalização? _________________________________________________________________ 3.1.8 Como você descreve a Política de Educação Inclusiva que o município vem desenvolvendo? _________________________________________________________________ 3.1.9 Você está satisfeita com o trabalho que a instituição especializada vem promovendo? _________________________________________________________________ 3.1.10 Quem você considera sujeitos da educação especial? _________________________________________________________________ 3.1.11 Quais os serviços e/ou apoios o município coloca à disposição das escolas regulares? _________________________________________________________________ 3.1.12 Você tem conhecimento de como é feito o processo de matrícula de uma criança com deficiência na rede do município?

4 Formação de Professores:

4.1 O município promove ou já promoveu algum curso de formação para a educação especial/inclusiva? Em caso positivo, qual? _________________________________________________________________ 4.2 Você tem informação de quantos professores especializados tem na rede? _________________________________________________________________ 4.3 Caso o município já tenha oferecido capacitação em Educação Especial, como foi a adesão dos professores? Qual sua avaliação do trabalho que foi realizado? _________________________________________________________________