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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE CIRURGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIAS MÉDICO-
CIRÚRGICAS
PAULO WAGNER LINHARES LIMA FILHO
ANÁLISE DE ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS E NEUROQUÍMICAS
EM RATAS SUBMETIDAS AO MODELO EXPERIMENTAL DE
ENDOMETRIOSE INDUZIDA POR TRANSPLANTE AUTÓLOGO DE
TECIDO UTERINO
FORTALEZA - CEARÁ
2018
PAULO WAGNER LINHARES LIMA FILHO
ANÁLISE DE ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS E NEUROQUÍMICAS
EM RATAS SUBMETIDAS AO MODELO EXPERIMENTAL DE
ENDOMETRIOSE INDUZIDA POR TRANSPLANTE AUTÓLOGO DE
TECIDO UTERINO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências
Médico-Cirúrgicas, do Departamento de
Cirurgia da Faculdade de Medicina, da
Universidade Federal do Ceará, como
requisito parcial para obtenção do título
de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Francisco das
Chagas Medeiros.
Co-Orientadora: Prof.ª Dr.ª Danielle
Silveira Macêdo.
Área de Concentração: Metabolismo,
Fisiologia e Biologia celular no estresse.
FORTALEZA - CEARÁ
2018
PAULO WAGNER LINHARES LIMA FILHO
AVALIAÇÃO COMPORTAMENTAL E NEUROQUÍMICA DE RATAS (RATTUS
NORVEGICUS LINHAGEM WISTAR) SUBMETIDAS AO MODELO
EXPERIMENTAL DE ENDOMETRIOSE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências
Médico-Cirúrgicas, do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre.
Dissertação aprovada em: _____/_____/______
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. Francisco das Chagas Medeiros – Orientador
Universidade Federal do Ceará
_________________________________________________
Prof. Dra. Danielle Macêdo Gaspar – Co-orientadora
Universidade Federal do Ceará
__________________________________________________
Prof. Dra. Maria Angelina da Silva Medeiros – Examinador
Universidade de Fortaleza
AGRADECIMENTOS
Ao DEUS, autor da vida, pelas graças derramadas todos os dias em minha
vida, pela sabedoria a mim concedida para que eu possa distinguir o melhor caminho
a ser seguido. A Ele, toda honra e toda glória!
Ao meu orientador, Prof. Dr. Francisco das Chagas Medeiros, pela paciência e
pelos ensinamentos que me proporcionaram amadurecimento profissional e belo
exemplo de dedicação ao saber.
Ao Adriano José Maia Chaves Filho, pelo apoio, por ideias compactuadas,
suporte técnico, compartilhamento nas pesquisas e por ser presente. Sua participação
foi fundamental para concretização deste trabalho.
À Danielle Silveira Macêdo responsável pelo Laboratório de
Neuropsicofarmacologia - Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos
(NPDM), meu muito obrigado, pela preciosa ajuda.
Agradeço aos membros da banca examinadora, que, com suas experiências e
visões profissionais, agregaram valor com sugestões de correções e melhorias para o
trabalho realizado.
A todos os professores do Mestrado em Ciências Médico-Cirúrgica, da
Universidade Federal do Ceará, pelas sábias reflexões que nos ajudaram a
compreender melhor a realidade.
A todos os funcionários do Mestrado em Ciências Médico-Cirúrgica, da
Universidade Federal do Ceará, que, através da realização de seus trabalhos,
colaboraram de forma significativa na realização dessa Dissertação, em especial ao
“seu Bento”.
A todos os colegas do Mestrado em Ciências Médico-Cirúrgica, da
Universidade Federal do Ceará, pela consideração e amizade.
A todos aqueles que, direta e indiretamente, vivenciaram o processo de
produção deste trabalho, o meu reconhecimento e amizade.
Dedico,
à minha esposa Karine Germanowicz, que
sempre me concedeu total apoio em todas
as horas.
“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como
o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de
profetizar e conheça todos os mistérios e toda ciência; ainda que eu tenha tamanha
fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor nada serei”.
(1 Co 13, 1-2)
RESUMO
A endometriose é uma doença ginecológica crônica e progressiva que afeta cerca de
10% das mulheres em idade reprodutiva. Altos índices de depressão, ansiedad e e
estresse emocional são frequentemente encontrados nessas pacientes. No entanto,
pouco se sabe sobre os mecanismos subjacentes ao desenvolvimento e
estabelecimento da endometriose e de suas comorbidades psiquiátricas. Os modelos
animais fornecem uma ferramenta útil para estudar a sequência temporal e as vias
biológicas envolvidas nesta doença, bem como nos estados comórbidos, como as
alterações neuropsiquiátricas. No presente estudo, objetivou-se avaliar as principais
alterações comportamentais e à sensibilização à dor no modelo animal de
endometriose peritoneal. Também, foram avaliados os níveis de marcadores de dano
oxidativo e neurotrofinas hipocampais. Para isso, ratas Wistar fêmeas adultas foram
submetidas ao modelo de endometriose peritoneal induzido pelo transplante autólogo
de tecido uterino. As ratas foram avaliadas semanalmente durante três semanas para
o desenvolvimento de comportamentos tipo-ansiedade e tipo-depressivo, bem como
alterações de sensibilização periférica e visceral à dor. Após os testes, os animais foram
sacrificados e realizou-se a dissecação de hipocampo, córtex pré-frontal e corpo estriado. Os
resultados demonstraram que a administração de reserpina induziu um quadro
comportamental de depressão-like, pelo aumento do tempo de imobilidade dos animais tanto
no teste de suspensão de cauda quanto no nado forçado, sem alterar a atividade locomotora
dos animais, essa ação foi revertida pela associação com sitagliptina, principalmente na maior
dose (6 mg/kg). Reserpina apresentou efeitos oxidantes demonstrados pelo aumento de
malondialdeído, SOD e MPO e redução de GSH nas áreas cerebrais estudadas. Foram
mensurados os níveis séricos de corticosterona, e, no hipocampo, os marcadores de
estresse oxidativo - concentração de glutationa (GSH) reduzida, níveis de
peroxidação lipídica e atividade da enzima mieloperoxidase (MPO) - bem como a
expressão da neurotrofina fator cerebral derivado do cérebro (BDNF). De acordo
com nossos resultados, as principais alterações comportamentais iniciaram -se 2
semanas após a indução do modelo. De fato, as ratas com endometriose no 14º dia de
avaliação apresentaram alterações tipo-ansiedade no teste do campo aberto e do
labirinto em cruz elevado, bem como no 14º dia também houve alteração tipo-
depressiva, foram identificadas alterações tipo-depressivas no teste do nado forçado.
As ratas com endometriose apresentaram redução simultânea do limiar de
sensibilidade periférica à dor a partir da segunda semana de indução, além de
aumento dos níveis séricos de corticosterona em resposta a um evento estressor
agudo. No hipocampo, dissecado nos dias 7, 14 e 21 do procedimento cirúrgico, o
modelo de endometriose peritoneal causou um acentuado aumento do dano oxidativo,
demonstrado pela diminuição das concentrações GSH, aumento da peroxidação
lipídica e aumento da atividade da enzima MPO. Também foi induzida uma redução
tempo-dependente dos níveis de BDNF no hipocampo das ratas submetidas ao
modelo de endometriose. A maioria dessas alterações oxidativas e neuroquímicas
ocorreu de acordo com o tempo, sendo mais evidentes na terceira semana de indução,
quando também ocorreram as principais alterações comportamentais. Portanto, este
estudo demonstra que o presente modelo de endometriose mimetiza vários sintomas
neuropsiquiátricos evidenciados no âmbito clínico das pacientes com endometriose.
Também, nossos achados advogam para a participação de um desequilíbrio do estado
oxidativo e do suporte trófico hipocampal para o surgimento dessas alterações. Com
isso, o presente modelo constitui uma ferramenta valiosa para investigar novas
estratégias terapêuticas, tanto para os sintomas álgicos relacionados à endometriose
como para suas comorbidades neuropsiquiátricas.
Palavras-chave: Endometriose. Depressão. Ansiedade. Hipocampo.
ABSTRACT
Endometriosis is a chronic and progressive gynecological disease that affects about
10% of women of reproductive age. High rates of depression, anxiety and emotional
stress are often found in these patients. However, little is known about the
mechanisms underlying the development and establishment of endometriosis and its
psychiatric comorbidities. Animal models provide a useful tool for studying the
temporal sequence and biological pathways involved in this disease, as well as in
comorbid states, such as neuropsychiatric disorders. Therefore, in the present study,
we aimed to evaluate the main behavioral changes and pain sensitization in the
animal model of peritoneal endometriosis. Also, levels of markers of oxidative
damage and hippocampal neurotrophins were evaluated. For this, adult female
Wistar rats were submitted to the model of peritoneal endometriosis induced by
autologous uterine tissue transplantation. The rats were evaluated weekly for three
weeks for the development of anxiety-type and depressive-type behaviors, as well as
changes in peripheral and visceral sensitization to pain. The results demonstrated that
the administration of reserpine induced a depression-like behavioral pattern, by increasing
the immobility time of the animals in both the tail suspension test and forced swimming,
without altering the locomotor activity of the animals. associated with sitagliptin, especially
at the highest dose (6 mg / kg). Serum levels of corticosterone were measured and, in
the hippocampus, the markers of oxidative stress - reduced glutathione concentration
(GSH), levels of lipid peroxidation and myeloperoxidase activity (MPO) - as well as
neurotrophin brain factor expression brain (BDNF). According to our results, the
major behavioral changes started 2 weeks after the induction of the model. In fact,
the rats with endometriosis on the 14th day of evaluation presented type-anxiety
changes in the open field test and the high cross labyrinth, but only on the 21st day,
type-depressive changes were identified in the forced swimming test. Rats with
endometriosis presented a simultaneous reduction in the peripheral sensory pain
threshold from the second week of induction, in addition to an increase in serum
corticosterone levels in response to an acute stressor event. In the hippocampus,
dissected on days 7, 14 and 21 of the surgical procedure, the per itoneal
endometriosis model caused a marked increase in oxidative damage, demonstrated
by the decrease in GSH concentrations, increase of lipid peroxidation and increase
of MPO enzyme activity. A time-dependent reduction of BDNF levels in the
hippocampus of rats submitted to the endometriosis model was also induced.
Interestingly, most of these oxidative and neurochemical changes occurred in a time -
related manner, being more evident in the third week of induction of the model, when
also the main behavioral changes occurred. Therefore, this study demonstrates that
the present model of endometriosis mimics several neuropsychiatric symptoms
evidenced in the clinical setting of patients with endometriosis. Also, our findings
advocate for the participation of an imbalance of the oxidative state and
hippocampal trophic support for the appearance of these alterations. Thus, the
present model constitutes a valuable tool to investigate new therapeutic strategies
for both the endometriosis-related pain symptoms and its neuropsychiatric
comorbidities.
Keywords: Endometriosis. Depression. Anxiety. Hippocampus
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 -
Figura 2 -
Figura 3 –
Figura 4 –
Figura 5 –
Figura 6 –
Figura 7 –
Figura 8 –
Figura 9 –
Figura 10 –
Figura 11 –
Incisão da pele da parede abdominal............................................
Túnel para implante do fragmento uterino....................................
Cavidade peritoneal aberta...........................................................
Identificação do hemi-útero esquerdo...........................................
Exérese do hemi-útero esquerdo...................................................
Abertura longitudinal do hemi-útero esquerdo..............................
Fragmento de 4x4mm de área do hemi-útero esquerdo da rata.......
Momento do implante no subcutâneo............................................
Aspecto final da cirurgia..............................................................
Teste do campo aberto................................... ..............................
Teste do nado forçado..................................................................
40
40
40
40
41
41
41
41
41
43
45
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 -
Gráfico 2 -
Gráfico 3 -
Gráfico 4 -
Gráfico 5 -
Gráfico 6 -
Gráfico 7 -
Gráfico 8 -
Gráfico 9 -
Gráfico 10 -
Gráfico 11 -
Gráfico 12 -
Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo no
número de entradas no quadrante central no teste do campo
aberto durante 5 minutos..........................................................
Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo na
permanência no quadrante central no teste do campo aberto
durante 5 minutos....................................................................
Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo no
número de cruzamentos no teste do campo aberto durante 5
minutos....................................................................................
Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo no
número de levantamentos no teste do campo aberto durante 5
minutos....................................................................................
Efeito da cirurgia de indução de endometriose no percentual de
tempo nos braços abertos (A), no percentual de entradas nos
braços abertos (B) e no número total de entradas (C)................
Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo na
duração de imobilidade no teste do nado forçado durante 5
minutos.................................................... ................................
Efeito do modelo de endometriose no limiar de latência para
dor (em segundos) no decorrer de 3 semanas............................
Efeito do modelo de endometriose no número de contorções
abdominais no decorrer de 3 semanas.......................................
Efeito do modelo de endometriose nos níveis séricos de
corticosterona no decorrer de 3 semanas...................................
Efeito do modelo de endometriose nos níveis malondialdeído
(MDA) no Hipocampo no decorrer de 3 semanas......................
Efeito do modelo de endometriose nos níveis de glutationa
(GSH) reduzida no Hipocampo no decorrer de 3 semanas..........
Efeito do modelo de endometriose nos níveis de atividade da
enzima Mieloperoxidase (MPO) no Hipocampo no decorrer de
3 semanas................................................................................
53
53
54
55
57
59
60
61
62
63
64
65
Gráfico 13 -
Efeito do modelo de endometriose nos níveis da proteína
BDNF (E) no hipocampo..........................................................
66
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANOVA - Análise da Variância
BSA - Albumina Bovina Sérica
COBEA - Colégio Brasileiro de Experimentação Animal
CEE - Célula do Estroma Endometrial
DTNB - Ditiobisnitrobenzoato
ER - Receptores de Estrogênio
EUA - Estados Unidos da América
FAMED - Faculdade de Medicina
FO - Falso Operados
GnRH - Gonadotropin-Releasing Hormone
HPA - Hipotálamo-Hipófise-Adrenal
KCl - Cloreto de Potássio
MDA - Malondialdeído
MPO - Mieloperoxidase
OTR - Receptor de Oxitocina
PR - Receptor de Progesterona
QV - Qualidade de Vida
RM - Ressonância Magnética
SCM - Célula Muscular Lisa
SF - Short Form Health Survey
TBARS - Ácido Tiobarbitúrico
TCDD - Tetrachlorodibenzo-p-dioxin
UFC - Universidade Fedeeral do Ceará
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 16
1.1 ASPETOS EPIDEMIOLÓGICOS.................................................................. 16
1.1.1 Idade............................................................................................................ 17
1.1.2 Redução da taxa de fecundidade............................................................... 17
1.1.3 Ritmo circadiano......................................................................................... 17
1.1.4 Toxinas e poluentes ambientais................................................................. 18
1.1.5 Autoimunidade............................................................................................ 18
1.2 ASPECTOS CLÍNICOS-DIAGNÓSTICOS................................................... 19
2 FISIOPATOLOGIA......................................................................................... 21
2.1 TEORIA DO FLUXO MENSTRUAL RETRÓGRADO................................ 21
2.2 TEORIA DA METAPLASIA CELÔMICA.................................................... 22
2.3 TEORIA DA METÁSTASE LINFOVASCULAR......................................... 23
2.4 TEORIA DO RESTO EMBRIONÁRIO......................................................... 23
2.5 TEORIA DAS CÉLULAS MUSCULARES LISAS...................................... 24
2.6 MECANISMOS CELULARES ENVOLVIDOS NA PATOGÊNESE
DA ENDOMETRIOSE......................................................................................... 24
2.6.1 Proliferação e apoptose............................................................................. 24
3 ENDOMETRIOSE E SAÚDE MENTAL..................................................... 26
3.1 IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA..................................................... 26
3.2 IMPACTO NAS RELAÇÕES ÍNTIMAS E VIDA SEXUAL...................... 27
3.3 IMPACTO NA EDUCAÇÃO E VIDA PROFISSIONAL............................ 28
4 RELAÇÃO ENTRE ENDOMETRIOSE E TRANSTORNOS
PSIQUIÁTRICOS............................................................................................. 30
5 POSSÍVEIS MECANISMOS ASSOCIADOS ÀS COMORBIDADES
PSIQUIÁTRICAS DA ENDOMETRIOSE.................................................... 34
1
6
1
6
1
7
1
7
1
7
1
8
1
8
1
9
2
1
2
1
2
2
2
3
2
3
2
4
2
4
2
4
6 OBJETIVOS.................................................................................................. 38
6.1 GERAL......................................................................................................... 38
6.2 ESPECÍFICOS.............................................................................................. 38
7 MATERIAL E MÉTODOS.......................................................................... 39
7.1 ANIMAIS..................................................................................................... 39
7.2 MODELO CIRÚRGICO DE ENDOMETRIOSE........................................ 39
7.3 DESENHO EXPERIMENTAL.................................................................... 42
7.4 ANÁLISE COMPORTAMENTAL............................................................. 43
7.4.1 Teste de campo aberto............................................................................ 43
7.4.2 Teste de labirinto em cruz elevado........................................................ 43
7.4.3 Teste do nado forçado............................................................................. 44
7.4.4 Teste da placa quente.............................................................................. 45
7.4.5 Contorções abdominais induzidas por ácido acético........................... 45
7.5 EXTRAÇÃO CIRÚRGICA DO HIPOCAMPO.......................................... 46
7.6 DETERMINAÇÃO DOS NÍVEIS SÉRICOS DE CORTICOSTERONA.. 46
7.7 DETERMINAÇÃO DOS MARCADORES OXIDATIVO........................ 47
7.7.1 Determinação dos níveis de peroxidação lipídica................................ 47
7.7.2 Determinação das concentrações de glutationa reduzida................... 47
7.7.3 Determinação da atividade da enzima mieloperoxidase..................... 48
7.8 DETERMINAÇÃO DOS NÍVEIS HIPOCAMPAIS DE BDNF................ 48
7.8.1 Preparação do extrato total de proteínas............................................. 48
7.8.2 Método Bradford para dosagem de proteína....................................... 49
7.8.3 Eletroforese em gel de SDS-PAGE e eletrotransferência.................... 49
7.9 DESTINO DOS ANIMAIS APÓS O EXPERIMENTO............................. 50
7.10 ANÁLISE ESTATÍSTICA........................................................................ 50
8 RESULTADOS.............................................................................................. 52
8.1 ALTERAÇÕES TIPO-ANSIEDADE NAS RATAS A PARTIR
2
6
2
6
2
7
2
8
3
0
3
4
3
8
3
8
3
8
3
9
3
9
3
9
4
2
4
3
DA SEGUNDA SEMANA................................................................................ 52
8.1.1 Teste de campo aberto............................................................................ 52
8.1.2 Teste de labirinto em cruz elevado........................................................ 55
8.2 ALTERAÇÕES TIPO-DEPRESSIVAS A PARTIR DA
TERCEIRA SEMANA...................................................................................... 58
8.2.1 Teste do nado forçado............................................................................. 58
8.3 DIMINUIÇÃO PROGRESSIVA DA SENSIBILIDADE À DOR
NAS RATAS...................................................................................................... 59
8.3.1 Sensibilidade térmica periférica: teste de placa quente................;..... 59
8.3.2 Sensibilidade visceral: contorções abdominais induzidas por
ácido acético...................................................................................................... 60
8.4 AUMENTO NOS NÍVEIS SÉRICOS DE CORTICOSTERONA NA
TERCEIRA SEMANA PÓS-INDUÇÃO........................................................... 61
8.5 ALTERAÇÕES PRÓ-OXIDATIVAS NO HIPOCAMPO DAS
RATAS............................................................................................................... 62
8.5.1 Peroxidação lipídica................................................................................ 62
8.5.2 GSH reduzida.......................................................................................... 63
8.5.3 Atividade da enzima mieloperoxidase.................................................. 64
8.6 REDUÇÃO PROGRESSIVA DE BDNF NO HIPOCAMPO.................... 65
9 DISCUSSÃO................................................................................................. 67
10 CONCLUSÕES ......................................................................................... 75
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 76
ANEXO A – Certificado de aprovação do projeto...................................... 88
4
3
4
3
4
4
4
5
4
5
4
6
4
6
4
7
4
7
4
7
4
8
4
8
4
8
4
9
4
9
5
0
5
0
5
2
5
2
5
2
5
5
5
8
5
8
5
9
5
9
6
0
6
1
16
1 INTRODUÇÃO
A endometriose é uma doença que apresenta queixas clínicas relacionadas com
frequência da dor pélvica e infertilidade, geralmente diagnosticada na 4ª década da
vida das pacientes, devendo sempre ser questionada para orientar a hipótese
diagnóstica (ANDRADE et al., 2016).
1.1 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
Endometriose é definida pela presença de glândulas e estroma endometriais
fora do útero. Essa doença foi descrita há mais de um século, quando Russel (1899
apud TEIXEIRA, 2012, p.23) escreveu em seu pioneiro manuscrito: “No estudo
microscópico do ovário, ficamos surpresos em encontrar áreas nas quais há um exato
protótipo das glândulas uterinas e da matriz extracelular interglandular” .
Durante décadas, a endometriose foi descrita como um achado incidental em
cirurgias laparoscópicas para outras causas ginecológicas. Somente após o
desenvolvimento do endoscópio, no final da década de 1960, as lesões de
endometriose começaram a ser reconhecidas como uma observação frequente em
mulheres com queixa de dor pélvica e infertilidade (MOWERS et al., 2015).
Apesar de ser considerada uma condição ginecológica benigna, a endometriose
pode cursar com sintomas severos, como dor pélvica crônica, dor durante a
menstruação, dor durante a cópula e dismenorreia. Ela é a terceira causa mais
frequente de internações ginecológicas, nos Estados Unidos da América (EUA), e
uma das principais causas de infertilidade em mulheres jovens (BUTRICK, 2003).
A prevalência exata da endometriose é difícil especificar, especialmente em
países como o Brasil, onde carecem de dados epidemiológicos de abordagem
universal e atualizados. Entretanto, nos EUA, a prevalência dessa doença varia
grandemente, conforme a população amostral avaliada. Por exemplo, entre mulheres
assintomáticas, estima-se em cerca de 1% a prevalência da endometriose, entretanto,
em mulheres portadoras de dor crônica pélvica, essa prevalência atinge valores tão
altos quanto 60% da população (SOUSA et al., 2016).
Em uma revisão sistemática recente envolvendo mais de 15 ensaios clínicos,
Janssen et al. (2013) demonstraram prevalências tão altas quanto 62% em
17
adolescentes com queixas de dor pélvica crônica e dismenorreia.
Nas últimas décadas, têm sido reconhecidos importantes fatores de risco para
o desenvolvimento e agravamento da endometriose, como listados abaixo:
1.1.1 Idade
Como uma patologia hormônio-responsiva, a endometriose é
predominantemente diagnosticada em mulheres em idade reprodutiva. Ela é
raramente encontrada em meninas pré-púberas, com incidência de 0,05% em
pacientes sintomáticas dessa faixa etária. As mulheres mais acometidas por essa
doença encontram-se entre 35-44 anos, com uma prevalência de 0,4% e risco relativo
de 6,3%, mesmo na ausência de sintomas (ANDRADE et al., 2016).
Entretanto, a endometriose também pode acometer mulheres em idades mais
avançadas, como no período pós-menopausa (com uma incidência estimada em
2,55% em pacientes sintomáticas). Portanto, em parte, o crescimento na prevalência
dessa doença tem sido atribuído ao envelhecimento global da população (ANDRADE
et al., 2016).
1.1.2 Redução da taxa de fecundidade
A queda drástica das taxas de fecundidade como resultado direto do estilo de
vida da mulher contemporânea tem contribuído sobremaneira para o aumento das
taxas de endometriose. Isso pode ser uma explicação, pois, na ausência de gestações,
o endométrio prolifera continuamente e descama sob o controle do ciclo menstrual
(ESHRE CAPRI WORKSHOP GROUP; COLLINS; CROSIGNANI, 2007).
1.1.3 Ritmo circadiano
O ciclo menstrual e o endométrio são, ambos, fortemente responsivos às
variações dos níveis sistêmicos de estrógenos. O ritmo circadiano parece ser um
importante fator regulador da secreção e manutenção dos níveis circulantes de
estrógenos em mulheres com idade reprodutiva. Nesse ínterim, o trabalho noturno
tem sido associado a alterações marcantes da secreção de estrógenos e,
18
consequentemente, a irregularidades menstruais e ao aumento do risco de
endometriose. Recentemente, foi demonstrado que qualquer trabalho no turno em
geral aumenta o risco de endometriose em 50% (LOPES et al., 2011 apud COSTA;
MEJIA, 2018).
1.1.4 Toxinas e poluentes ambientais
Diversas toxinas ambientais possuem impacto reconhecido sobre as funções
reprodutivas, imunes e endócrinas. Nesse contexto, 2,3,7,8-Tetrachlorodibenzo-p-
dioxin (TCDD) e os compostos bifenílicos são poluentes industriais produzidos em
grande escala globalmente, principalmente pela indústria elétrica e de automóveis
(FONTENELE et al., 2010).
Esses compostos em especial as dioxinas são liberados no ar e podem se
acumular no ambiente. As pessoas podem se expor a eles diretamente como também
pela ingestão de produtos contaminados, uma vez que esses compostos são capazes
de se acumular no tecido adiposo de animais. Por exemplo, nos EUA, 93% de toda a
exposição humana, as dioxinas têm sido atribuídas a alimentos contaminados.
Consistentes evidências apontam que esses poluentes são capazes de comprometer a
atividade dos estrógenos, em alguns casos, causando um efeito pró-estrogênico
seguido de um efeito antiestrogênico (CORREIA; FONTOURA, 2015).
Esse impacto é ainda maior quando afeta fases importantes do
desenvolvimento, como o período gestacional. Nas últimas décadas, uma associação
clara tem sido estabelecida entre a exposição a esses poluentes e o desenvolvimento
de endometriose. De fato, animais de experimentação desenvolvem lesões
endometrióticas ectópicas após exposição a dioxinas. Além disso, no campo clínico,
diversos estudos globalmente têm vinculado o risco aumentado de endometriose a
níveis séricos elevados de dioxinas (BELLELIS; PODGAEC; ABRÃO, 2011).
1.1.5 Autoimunidade
O desenvolvimento de um estado inflamatório local é reconhecido na
fisiopatologia da endometriose, o que sugere a participação importante do sistema
imune. Um mecanismo sugerido é que focos endometrióticos ectópicos se
19
desenvolvam por um escape do sistema imune, que se mostra ineficaz no combate a
essas lesões. Outra hipótese não excludente é a participação de mecanismos
autoimunes. Foi demonstrado que em pacientes com endometriose existem alterações
imunes, como ativação policlonal de linfócitos B, anormalidades na função de
linfócitos T e dano a vários órgãos (PORFÍRIO et al., 2017).
1.2 ASPECTOS CLÍNICO-DIAGNÓSTICOS
O quadro clínico da paciente com endometriose é bastante variável. A paciente
pode ser assintomática, referir apenas infertilidade ou ter sintomas como
dismenorreia severa, dispareunia profunda, dor pélvica crônica, dor ovulatória,
sintomas urinários ou evacuatórios perimenstruais e fadiga crônica (NÁCUL;
SPRITZER, 2010).
As lesões endometrióticas usualmente têm sido classificadas de acordo com
sua extensão e morfologia em grandes subdefinições. Nesse ínterim, a primeira
subdefinição é de endometriose sútil. É caraterizada pela presença de implantes
muito pequenos e, por vezes, não pigmentados, formando lesões polipóides,
vesículas, ou lesões em chama. Algumas dessas lesões são microscópicas e originam
a hipótese de que lesões dessa dimensão podem estar presentes em um espectro muito
maior de pacientes, causando alterações funcionais importantes. Por exemplo, foi
demonstrado que lesões pequenas não pigmentadas são morfologicamente muito
ativas e podem liberar ativamente mediadores inflamatórios e endócrinos nos fluidos
peritoneais, o que poderia justificar a dor, e, por vezes, o aumento das taxas de
infertilidade (LOPES, 2007).
Esses achados têm levado à proposição de se julgar a severidade da
endometriose pela atividade das lesões mais do que sua extensão. Apesar do termo
suave, essas lesões contêm glândulas e estroma endometriais, e se encaixam
completamente na definição de endometriose. Persiste como grande desafio o
reconhecimento dessas lesões, uma vez que necessitam de atenção e treinamento de
profissionais cirurgiões, afora os problemas técnicos inerentes ao processamento e
detecção de lesões de pequeno tamanho em biópsias (KAMERGORODSKY, 2007).
A ultrassonografia transvaginal para o diagnóstico de endometriose de bexiga
também tem sido relatada como método eficaz, com sensibilidade de 71,4% e
20
especificidade de 100% (ZOMER et al., 2013).
A urografia excretora poderá evidenciar estreitamentos ureterais, sendo esta
um complemento para a endometriose vesical ou ureteral, tendo como sugestão a
ultrassonografia. Pode-se fazer uma avaliação de dilatações do sistema coletor renal
através da urorressonância como um método alternativo. A ressonância magnética
(RM) pode avaliar, com melhor precisão, alterações sugestivas de doença do septo
retovaginal, ligamentos uterossacros ou do retossigmoide podem ser confirmadas por
ecoendoscopia retal ou RM. Apesar dos exames de imagem disponíveis apresentarem
boa acurácia no diagnóstico da endometriose, a videolaparoscopia com biópsia das
lesões para análise anatomopatológica ainda é o padrão-ouro no diagnóstico dessa
condição, a presença de massas ovarianas com diagnóstico duvidoso (MENDONÇA;
OLIVEIRA, 2012).
Pode-se confirmar por ecoendoscopia retal ou RM doença do septo
retovaginal, ligamentos uterossacros ou do retossigmoide. A videolaparoscopia com
biópsia das lesões para análise anatomopatológica ainda é o padrão no diagnóstico
dessa condição. Os exames de imagem disponíveis apresentam também boa acurácia
no diagnóstico da endometriose (NACUL; SPRITZER, 2010).
21
2 FISIOPATOLOGIA
Apesar dos avanços no entendimento da fisiopatologia da endometriose, uma
teoria unificante para essa doença continua como um ponto pouco esclarecido. De
fato, várias teorias têm surgido a partir de evidências relacionadas à patogênese da
endometriose e elas podem ser genericamente categorizadas: a) naquelas que
suportam que os implantes endometrióticos se originam do endométrio uterino; e, b)
naquelas que defendem que os implantes derivam de tecidos distantes do útero. Além
disso, o papel de fatores genéticos e fatores predisponentes ambientais estão sendo
melhor compreendidos e considerados no contexto da reprogramação das células do
trato reprodutivo feminino (SANTOS et al., 2012).
2.1 TEORIA DO FLUXO MENSTRUAL RETRÓGRADO
Proposta por Sampson, em 1920, essa teoria propõe que as lesões ectópicas de
endometriose originam-se do fluxo menstrual retrógrado que acontece regularmente
nos ciclos menstruais. Esses fluidos conteriam células tronco endometriais anormais
que teriam capacidade de implantação e angiogênese para formar novos focos quando
expostos à cavidade peritoneal. Essa teoria é suportada pelo fato de que cerca de 75 -
90% das mulheres experienciam algum grau de fluxo retrógrado durante os períodos
peri-menstrual do ciclo (SILVA et al., 2013; PODGAEC, 2014).
Outras evidências que corroboram com essa teoria são os estudos envolvendo
obstrução dos tratos de drenagem / saída do aparelho genital feminino. Nesse
contexto, em mulheres jovens com obstrução congênita, como septo uterino ou
estenose cervical, a prevalência de endometriose é mais elevada. De forma
semelhante, a obstrução iatrogênica do fluxo uterino em modelos murinos resulta no
desenvolvimento de lesões endometrióticas peritoneais. Essas evidências advogam
que mesmo o comprometimento leve do fluxo anterógrado fisiológico da
menstruação pode favorecer sobremaneira a formação de focos ectópicos (VISCOMI
et al., 2004).
A localização anatômica dos implantes também reforça essa teoria. A
localização mais frequente de implantes endometrióticos é no compartimento
posterior da pelvis e na hemipelvis esquerda. A propensidade para a implantação de
22
lesões na porção posterior da pelvis advém que nessa região tende a haver um maior
acúmulo de fluido menstrual a favor da gravidade. Também a posição retrovertida d o
útero facilita esse acúmulo. Da mesma forma, agindo como um obstáculo para a
drenagem do fluido menstrual da trompa uterina esquerda, o cólon sigmóide promove
a estase do fluido favorecendo a geração de implantes na hemipelve esquerda
(CARAÇA et al., 2011; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
Recentemente, achados de um modelo murino de endometrioses têm fornecido
evidências adicionais para a teoria do fluxo retrógrado. Nesse estudo, a ativação do
oncogene K-ras em células endometrióticas translocadas para o peritônio foi capaz de
induzir focos endometrióticos típicos. Por outro lado, a mesma ativação do gene K-
ras em células peritoneais não induziu sua diferenciação para células endometrióticas
nem a formação subsequente de implantes. Portanto, esses achados experimentais
favorecem a hipótese da origem dos implantes ser o endométrio uterino (CARAÇA et
al., 2011; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
Embora a teoria do fluxo retrógrado seja consideravelmente atrativa e
explique parte da distribuição e desenvolvimento dos focos endometrióticos,
condições adicionais são necessárias para o estabelecimento dos implantes. Escape
do sistema imune, adesão ao epitélio peritoneal, invasão do epitélio e formação de
suporte neurovascular são condições necessárias para que o implante se origine e
continue a crescer após o fluxo retrógrado menstrual. Portanto, outros fatores
predisponentes parecem determinar dentre as mulheres que apresentam esse processo
tão comum de fluxo retrógrado as quais desenvolveram endometriose (ZANATTA et
al., 2010).
2.2 TEORIA DA METAPLASIA CELÔMICA
Embora a menstruação retrógrada seja o mecanismo mais amplamente aceito,
ela não pode explicar casos raros de endometriose na ausência de útero funcional. A
teoria da metaplasia celômica propõe que a endometriose se desenvolve como
resultado da transformação de células mesoteliais nas células do ovário para células
de glândula endometriótica. De fato, as inclusões mesoteliais foram associadas à
endometriose nos ovários, trompas de falópio e parede pélvica. Casos raros de
endometriose descritos entre homens, meninas puberais e endometriose distante na
23
cavidade torácica apoiam esta teoria particular. Além disso, um modelo experimental
in vitro de endometriose humana demonstrou que lesões ectópicas podem resultar da
metaplasia do epitélio da superfície ovariana (CACCIATORI; MEDEIROS, 2015).
2.3 TEORIA DA METÁSTASE LINFOVASCULAR
A teoria da disseminação linfática e hematogênica tem sido considerada , para
explicar a ocorrência remota de implantes endometrióticos. De acordo com essa
teoria, as células endometriais esfoliadas são varridas para a drenagem venosa do
útero, com posterior deposição possível em qualquer parte do corpo. A presença de
implantes em locais distantes da pélvis, como na cavidade torácica e pulmões, assim
como a detecção de tecido endometrial nos vasos uterinos de pacientes com
adenomiose favorecem a proposição dessa teoria. Portanto, apesar de ser um
mecanismo plausível, principalmente para focos distantes, as metástases
linfovasculares não parecem ser o mecanismo primário da endometriose, mas que
ocorrem no decorrer dos processos fisiopatológicos que culminam na doença
(ANTON, 2015; CACCIATORI; MEDEIROS, 2015).
2.4 TEORIA DO RESTO EMBRIONÁRIO
Durante a embriogênese, algumas células endometriais que devem crescer no
útero se desenvolvem no abdômen. Essas células seriam, então, ativadas na
puberdade sob os efeitos tróficos do estrogênio e da progesterona. A embriogênese é
controlada e dirigida por um sistema fetal sofisticado, mas ainda incompleto. Este
sistema de controle de desenvolvimento fetal pode ser o análogo fetal do sistema
imunológico do adulto. Anormalidades do sistema de controle do desenvolvimento
fetal podem ser preservadas na vida adulta, dando origem a anormalidades
detectáveis do sistema imunológico do adulto. O grau de anormalidade residual do
sistema imunológico do adulto pode controlar a agressividade da endometriose que
se desenvolve, de modo que alguns pacientes podem desenvolver doenças invasivas
ou adesões, enquanto outros não (SANTOS et al., 2012; CACCIATORI; MEDEIROS,
2015).
24
2.5 TEORIA DAS CÉLULAS MUSCULARES LISAS
As células do estroma endometrial (CEEs) são o tipo de célula mais prevalente
nas lesões endometrióticas. No entanto, células musculares lisas (SMCs) também são
frequentemente encontradas e foram relatadas em endometriose peritoneal, ovariana
e infiltrante profunda. As SMCs peritoneais expressam receptores de oxitocina
(OTRs), receptores de estrogênio (ERs) e receptores de progesterona (PRs), que são
componentes necessários das células do miométrio uterino. Em contrapartida, a
capacidade das SMC de produzir contrações não foi demonstrada. É plausível que as
contrações de SM peritoneais possam estimular os nociceptores peritoneais levando à
geração de dor associada à endometriose. No entanto, se estes SMCs são derivados
de células-tronco basais ou células epiteliais coelomic reativadas ainda não está claro
(BRITO et al., 2012).
2.6 MECANISMOS CELULARES ENVOLVIDOS NA PATOGÊNESE DA
ENDOMETRIOSE
A endometriose tem sido entendida como uma doença do crescimento
descontrolado e aberrante do tecido endometrial. No entanto, os mecanismos
celulares e moleculares que são interrompidos nesta doença ainda não estão
definidos. As vias de sinalização celular envolvidas podem ser divididas naquelas
envolvidas na proliferação e apoptose, adesão e invasão, angiogênese e função imune
(SANTOS, 2014).
2.6.1 Proliferação e apoptose
Os mecanismos que regulam a proliferação celular endometrial são
principalmente controlados por interações entre os esteróides sexuais e seus
receptores. É bem conhecido que as alterações nas moléculas do ciclo celular, como a
ciclina e quinases dependentes de ciclina, são controlados por hormônios esteróides,
e estão alterados na patogênese da endometriose. Por exemplo, um fator de
transcrição envolvido no controle do ciclo celular e apoptose é regulado pela
progesterona e sua expressão é significativamente reduzida no tecido endometrial de
mulheres com endometriose (CARVALHO et al., 2004).
25
Outra proteína reguladora do ciclo celular, ErbB-2 (TOB1) também é
conhecida por ter regulação negativa em mulheres com endometriose, o que parece
estar relacionada com a via de sinalização regulada pela interleucina (IL) -1β
(SUBTIL; TORGAL; DIAS, 2016).
26
3 ENDOMETRIOSE E SAÚDE MENTAL
A endometriose deve ter como tratamento uma abordagem mais ampla e que
não contemple apenas as queixas ginecológicas, mas que aborde a mulher
procurando-se diagnosticar e tratar distúrbios ligados à saúde mental.
3.1 IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA
A endometriose é uma das principais causas de incapacidade e qualidade de
vida prejudicada em mulheres em idade fértil. Além de sua natureza crônica e
progressiva, seu impacto na fertilidade e nas relações conjugais, o at raso no
autoreconhecimento dos sintomas e diagnóstico e os frequentes erros no cuidado
médico dessa condição tornam o impacto psicossocial da endometriose um ponto de
relevante importância no contexto da promoção e prevenção de saúde. Além disso, a
endometriose tem sido associada a importantes custos econômicos diretos e indiretos
à sociedade, em uma perspectiva próxima a outras doenças crônicas prevalentes,
como o diabetes, que se estendem do impacto na saúde do indivíduo a custos
elevados nos serviços de saúde à sociedade, como absenteísmo e perda de anos
produtivos de vida (NASCIMENTO, 2017).
Nesse sentido, existem pelo menos 17 estudos na literatura que demonstram o
impacto da endometriose em índices de qualidade de vida e funcionalidade nas
atividades cotidianas. Esses trabalhos, majoritariamente, utilizaram instrumentos
gerais de avaliação da qualidade de vida (QV), como o Short Form Health Survey-36
e-12 (SF-36 e SF-12), mais que instrumentos específicos para endometriose. Em
consenso, foi reportado que mulheres com endometriose apresentam índices
reduzidos de QV, em comparação com mulheres sem endometriose, e na parcela de
mulheres com sintoma mais severos foi identificado uma percepção do atual estado
de saúde pior que a morte (BERNUIT; EBERT; HALIS, 2011; TRIPOLI et al., 2011;
SIMÕES; HASHIMOTO, 2012).
Ademais, a endometriose também exerce efeito negativo nas atividades
domésticas e familiares. Por exemplo, Fourquet et al. (2010) e Bernuit et al. (2011)
reportaram que 23% e 71% das mulheres com endometriose experienciam déficits em
atividades como cozinhar, fazer compras, limpeza, jardinagem e cuidado dos filhos.
27
Mulheres com endometriose também apresentam menores índices de energia e
vitalidade.
Fourquet et al. (2010) identificaram que 23% das pacientes com endometriose
em seu grupo amostral reportam níveis reduzidos de energia e fadiga . Mulheres com
endometriose apresentam níveis importantemente reduzidos de escores de vitalidade
no SF-36. Impacto negativo nos níveis de exercício e atividades desportivas também
foi relatado.
Comprometimento na vida social também é um fator marcante nas mulheres
com endometrioses. Mulheres com endometrioses e dor pélvica crônica apresentam
níveis reduzidos de habilidades sociais com controles saudáveis e se expõem menos a
situações sociais devido à dor, fadiga, necessidade de acesso ao toillete, ou
preocupação em relação ao início dos sintomas (NAVARRO; BARCELOS; SILVA,
2006).
Além disso, o impacto psicossocial da endometriose é dinâmico, sofrendo
alterações em diferentes estágios da vida, segundo evidências recentes. Nesse
contexto, um estudo retrospectivo seguiu mulheres com endometriose por 15 anos e
identificaram que a maioria das mulheres que não possuem queixas álgicas as
experienciam pós-diagnóstico e que o perfil dos sintomas se modifica após a
menopausa na maioria dessas mulheres. De fato, 96,9% das pacientes relataram
ausência de dor pélvica após a menopausa, comparado com apenas 19% em mulheres
no período fértil. Apesar disso, pós-menopausa prevalecem os sintomas urinários e
intestinais (BOTÃO, 2016).
3.2 IMPACTO NAS RELAÇÕES ÍNTIMAS E VIDA SEXUAL
Em relação à dispareunia, um largo e multicêntrico estudo reportou que cerca
de 25% das pacientes com endometriose possuem queixas de dispareunia no
momento do diagnóstico. Entretanto, em estudos menores, essas estimativas podem
ser tão altas quanto 50-100% das pacientes (sexualmente ativas) (BELLELIS et al.,
2010).
Além disso, Tripoli et al. (2011) descreveram que 69% das pacientes
experienciam dor por horas e até mesmo dias após o intercurso sexual. Diversas
respostas comportamentais têm sido associadas à dispareunia, como interrupção do
28
intercurso sexual, mudança de posições, redução da duração, mas, consensualmente,
a maioria das mulheres que se refere à dispareunia, subsequentemente, evitam ou
limitam sua atividade sexual. Isso tem sido associado a um importantes sentimento
de culpa e autodepreciação entre as pacientes, como também dificuldades na relação
com seus parceiro(a)s.
No contexto dos serviços de saúde, essa é uma questão muitas vezes
negligenciada. Pesquisas qualitativas demonstram que muitas pacientes referem que a
saúde sexual é uma questão não abordada pelos profissionais de saúde. Apesar disso,
cerca de 47% das mulheres com endometriose referem-se procurar os serviços de
saúde por queixas de dispareunia (MARINO, 2016).
No âmbito conjugal, diversos estudos relataram que as mulheres com
endometriose apresentaram impacto negativo em seus relacionamentos, e, por vezes,
aumento dos términos. Foram avaliadas 78 pacientes com endometriose e reportaram
que 50 (51%) relataram problemas conjugais pontuais relacionados aos sintomas da
doença, 22 reportaram problemas constantes relacionados à endometriose e 6
experienciaram términos atribuídos aos sintomas da endometriose. Por outro lado,
também tem sido relatado que o parceiro conjugal pode ser uma fonte de suporte e
fator importante para boas taxas de sucesso nas medidas terapêuticas implementadas
(TRIPOLI et al., 2011).
3.3 IMPACTO NA EDUCAÇÃO E VIDA PROFISSIONAL
Poucos estudos têm tentado delinear o impacto da endometriose na vida
educacional das mulheres. Nesse sentido, enquanto alguns autores relatam que a
endometriose afeta de forma contundente a educação das pacientes acometidas,
levando a menores taxas de términos de curso e abandonos, outros apontam que
apenas uma minoria das pacientes sofre esse impacto (BERNUIT et al., 2011;
FOURQUET et al., 2011).
Mais comumente, os trabalhos têm se focado na relação da endometriose com
a vida laboral das mulheres acometidas. Tem sido proposto que as pacientes percam
cerca de 7,41 horas por semana na vigência de seus sintomas e tenham uma perca de
cerca de 13% do seu tempo total de trabalho. De forma semelhante, foi demonstrado
que as pacientes com endometriose sofram um impacto importante na sua efetividade
29
no trabalho, mais do que absenteísmo, que pode ser quantificado em uma perda de
cerca de 10,8 horas semanalmente (NNOAHAM et al., 2011).
Muitos trabalhos sugerem que os sintomas da endometriose, em especial, os
relacionados à dor pélvica, comprometam a produtividade do trabalho. Cerca de 23%
a 66% das mulheres acometidas referem-se a limitações na sua habilidade de
executar atividades relacionadas ao trabalho devido às queixas álgicas. Esses achados
são acompanhados por uma redução na qualidade do trabalho, que pode ser
evidenciado por uma redução geral da efetividade de cerca de 65% (FOURQUET et
al., 2010).
Além disso, o custo total da perda de produtividade é estimado em 6 .298
dólares por ano por mulher com endometriose, o dobro dos custos diretos com
serviços de saúde. Uma questão que tem sido foco de discussão é da adequação do
ambiente de trabalho a essa condição. Nesse contexto, muitas mulheres não sentem
confiança de informar aos seus empregadores sobre sua condição de saúde, por
razões presumíveis de acesso ao trabalho, bem como pelas dificuldades de discutir
essas questões com empregadores, muitas vezes, homens (SIMÕES; HASHIMOTO,
2012).
Simões e Hashimoto (2012) reportaram diferentes padrões de resposta de
empregadores, por exemplo, alguns foram compreensivos, empáticos e procuraram
fazer ajustes no ambiente de trabalho para a condição das mulheres acometidas,
enquanto outros agiram de forma a negligenciar ou desacreditar nos sintomas das
pacientes.
30
4 RELAÇÃO ENTRE ENDOMETRIOSE E TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS
A endometriose tem sido extensivamente associada com altas prevalências de
sintomas psiquiátricos como depressão, ansiedade, e comprometimento geral da
funcionalidade e qualidade de vida. Quadros psiquiátricos podem influenciar na
percepção da endometriose, tendo em vista que podem complicar a experiência dos
sintomas dolorosos, como também podem repercutir no sucesso das medidas
terapêuticas propostas (LAGANÀ et al., 2015).
Nesse ínterim, depressão e ansiedade são quadros psiquiátricos comumente
associados à endometriose. Por exemplo, Smorgick et al. (2013) relataram uma alta
força de associação entre essas condições e a presença de endometriose em mulheres
jovens (r = 0.41, P < 0.001).
Outro estudo importante relatou que em uma amostra de 104 pacientes com
endometriose pélvica, cerca de 64% apresentavam sintomas depressivos moderados a
severos e cerca de 36% apresentavam sintomas ansiosos severos. Nessa amostra,
interessantemente, a idade foi um fator que se correlacionou de forma importante
com o surgimento de sintomas depressivos nas pacientes com endometriose, o que
não aconteceu para os sintomas ansiosos. Mulheres com endometriose apresentaram
altos níveis de ansiedade e introversão do que mulheres com outras condições
ginecológicas (SILVA; MEDEIROS; MARQUI, 2016).
Outro fator que tem sido fortemente relacionado a sintomas depressivos em
pacientes com endometriose é a presença de dor pélvica crônica. De fato, a
prevalência de depressão é maior em mulheres que tem dor crônica pélvica do que
em mulheres sem sintomas álgicos (BAPTISTA; CARNEIRO, 2011).
Baptista e Carneiro (2011) relataram que 26,86% e 38% das mulheres com
endometrioses respectivamente sem e com sintomas de dor pélvica fechavam c ritério
para depressão. Não só isso, sintomas somáticos e tendência à catastrofização foram
relacionados à intensidade da dor em mulheres que experienciam dor pélvica crônica.
Portanto, alguns pesquisadores acreditam que não seria a endometriose per si
responsável pelas taxas de sintomas depressivos, mas a experiência da dor crônica.
De fato, nenhuma diferença no nível de sintomas depressivos ou quadros
afetivos foram encontrados quando comparadas mulheres com dor pélvica crônica
31
associada à endometriose e dor pélvica associada a outras condições somáticas.
Foram comparadas pacientes com endometriose com pacientes portadoras de outra
forma de dor crônica (cefaleia do tipo migraine) e encontraram que as primeiras
apresentavam percepção mais sensibilizada da dor e da carga estressora diária,
sugerindo que fatores relacionados à dor especificamente tenham implicações
importantes para o desenvolvimento de quadros psiquiátricos (JIA et al., 2013).
Outro aspecto importante é a relação entre endometriose e transtorno afetivo
bipolar. Dois estudos têm apontado associação positivas entre as duas condições. O
transtorno afetivo bipolar é caracterizado por alternâncias cíclicas entre quadros de
humor, mania (humor elevado) e depressão (rebaixamento do humor). Nesse
contexto, relação semelhante também tem sido estabelecida com fator dor pélvica.
Mulheres com endometriose acompanhada de dor pélvica crônica foram
significativamente mais propensas a receberem o diagnóstico de transtorno bipolar,
do que mulheres com endometriose sem queixas de dor pélvica (LORENÇATTO et
al., 2002).
De forma interessante, Lorençatto et al. (2002) encontraram em seu estudo
ausência de associação entre endometriose e esse transtorno. Entretanto, quando
avaliado seu grupo amostral, mais da metade das pacientes com endometriose
encontravam-se sem queixas álgicas. Portanto, esses achados sugerem que a
associação entre endometriose e transtorno bipolar esteja fortemente relacionada à
vivência da dor pélvica crônica.
No manejo dessas pacientes, os sintomas da endometriose são frequentemente
confundidos com somatização ou dor menstrual normal. Isso muitas vezes faz com
que o diagnóstico da endometriose seja negligenciado e atrasado anos a fio após o
início dos primeiros sintomas. A média entre o início dos primeiros sintomas e o
diagnóstico definitivo da doença varia entre 3,5 a 12 anos. Isso permite que as
pacientes sejam submetidas à dor prolongada, insatisfação sexual, perda de
produtividade e redução da autoestima, o que aumenta o risco de quadros
psiquiátricos, como transtornos afetivos. Outro aspecto importante, é que apesar da
terapêutica instituída, seja ela clínica ou cirúrgica, há uma grande taxa de
permanência dos sintomas pélvicos álgicos, o que sugere que possíveis mecanismos
inflamatórios, nociceptivos e neuropáticos, de origem central e periférica, possam
estar envolvidos na gênese desses sintomas (SILVA; MEDEIROS; MARQUI, 2016).
32
Além da dor pélvica crônica, outros fatores elencados que contribuem para a
emergência de quadros psiquiátricos são a infertilidade e a disfunção sexual.
Também tem sido proposto que a endometriose e os transtornos de humor possam
fazer parte de um espectro de doenças autoimunes em algumas pacientes. Apesar
disso, o conhecimento atual da relação entre endometriose e transtornos psiquiátricos
tem sido limitado pela heterogeneidade metodológica na literatura existente e no
número reduzido de estudos controlados. Outro aspecto importante é que o
diagnóstico de endometriose só é definitivamente confirmado com abordagens
cirúrgicas, o que dificulta a confirmação de controles saudáveis para inclusão nos
estudos (SILVA; MEDEIROS; MARQUI, 2016).
Pelo fato de a endometriose ser uma doença estrógeno-dependente,
tradicionalmente, são empregados tratamentos para redução da atividade estrogênica.
Infelizmente, medidas que suprimem a produção de estrógenos pelos ovários
possuem efeitos variáveis e muitas vezes insuficientes para o controle da dor nessas
pacientes. Não apenas isso, muitas das medidas terapêuticas empregadas na
endometriose têm sido associadas à emergência de sintomas adversos
neuropsiquiátricos. Têm sido reportados sintomas, como abstinência sexual e humor
deprimido. Uma história prévia de depressão, sintomas afetivos pré-menstruais, e
transtornos ansiosos aumentam consideravelmente o risco de sintomas adversos
psiquiátricos pós-uso de contraceptivos orais (PODGAEC, 2014).
Além dos contraceptivos orais, agonistas de Gonadotropin-Releasing
Hormone (GnRH) também têm sido utilizados para o tratamento das lesões
endometrióticas e sintomas associados. Entretanto, esses fármacos também podem
causar sintomas como labilidade emocional e depressão. Os sintomas adversos
psiquiátricos associados aos agonistas de GnRH têm sido associados à redução nos
níveis plasmáticos de estrógenos e testosterona. Nos últimos anos, tem sido indicado
o tratamento combinado com antidepressivos ao iniciar fármacos dessa classe, a fim
de reduzir a incidência de transtornos psiquiátricos nessas pacientes (CARDOSO et
al., 2011).
Ademais, quadros afetivos não corretamente tratados podem influenciar a
capacidade dos pacientes de lidar com a dor e comprometer mais ainda seu
funcionamento diário. Desse modo, muitos pesquisadores têm sugerido o tratamento
adjuntivo com antidepressivos para o tratamento da dor pélvica crônica na
33
endometriose, independentemente do tratamento instituído. Apesar disso,
considerando a associação positiva entre endometriose e transtorno afetivo bipolar, a
correta avaliação dessa condição deve ser realizada antes da prescrição de
antidepressivos, sob o risco de induzir quadros maníacos (NOGUEIRA; REIS; POLI
NETO, 2006).
Embora os achados sejam relativamente esparsos e por vezes conflitantes, no
conjunto, parece ser consistente a relação positiva entre endometriose e risco
aumentado de sintomas e transtornos psiquiátricos, em especial quadros afetivos. Até
evidências mais definitivas, é sugerido que mulheres com endometriose, em especial,
aquelas com dor pélvica crônica, sejam avaliadas rotineiramente para a presença de
sintomas psiquiátricos. Também é importante, após o início do tratamento para
endometriose, que sintomas adversos neuropsiquiátricos sejam averiguados, tendo
em vista o potencial de algumas drogas os induzirem (NOGUEIRA et al., 2006).
34
5 POSSÍVEIS MECANISMOS ASSOCIADOS ÀS COMORBIDADES
PSIQUIÁTRICAS DA ENDOMETRIOSE
Apesar de, nas últimas décadas, importantes avanços no entendimento da
fisiopatologia da endometriose tenham ocorrido, os mecanismos subjacentes à
relação entre endometriose e quadros psiquiátricos comórbidos permanecem como
ponto a ser esclarecido. Alguns estudos recentes têm fornecido evidências de
possíveis vias e marcadores envolvidos, os quais serão discutidos adiante (SILVA et
al., 2015).
Inicialmente, partindo do pressuposto de que mulheres com endometriose
comumente experienciam situações de dor crônica e problemas de autoestima,
associados, por exemplo, à dispareunia, redução da fertilidade, dismenorreia, esses
fatores podem ser considerados estressores crônicos. Não apenas isso, eles também
podem ser considerados incontroláveis. Tomando isso como evidência, eles podem
causar alterações estruturais, funcionais e neurogênicas no cérebro que se aproximam
de indivíduos submetidos a eventos estressores crônicos e que culminam com
quadros de transtornos de humor (MARQUI, 2014).
Nesse contexto, é largamente conhecido que eventos estressores crônicos
causam uma disfunção do eixo de resposta ao estresse: o eixo hipotálamo -hipófise-
adrenal (HPA), levando a uma hipersecreção de corticóides e a uma perda do
controle de inibição retrógrada desse eixo. Pacientes com transtornos afetivos, como
depressão unipolar ou bipolar e síndromes ansiosas, usualmente apresentam
alterações dessa natureza (MONSIVAIS et al., 2016).
Donatti et al. (2017) avaliaram medições repetidas do cortisol sérico (8h-12-
16h) em 93 pacientes com endometriose e sua percepção da dor e do estresse. Eles
encontraram que as mulheres com sintomas de dor pélvica moderada a severa
apresentam altos níveis de percepção do estresse, bem como redução de
funcionalidade e alterações do ritmo de cortisol diário. Essas evidências, portanto,
sugerem fortemente que em pacientes com endometriose, sobretudo naquelas com
quadros mais severos há uma importante desregulação do eixo de resposta ao
estresse, o que pode participar dos mecanismos indutores dos quadros psiquiátricos
associados.
35
No campo pré-clínico, as ratas com implantes endometriais no peritônio
desenvolviam endometriose após serem submetidos a um protocolo de estresse
crônico (14 dias) por exposição a um predador. Esses animais de forma relacionada
apresentavam importantes alterações do eixo HPA e níveis elevados de
corticosterona sérica (MEDEIROS, 2005).
Outro achado interessante do estudo de Medeiros (2005) foi relacionado ao
sistema de catecolaminas endógenas. O sistema catecolaminérgico, noradrenalina e
dopamina compõem e são integrados com o eixo HPA na resposta a eventos
estressores. Eles mediam as reações de luta ou fuga perante situações de risco
eminente.
Existem consideráveis evidências que mostram um hiperativação do sistema
de transmissão catecolaminérgico, em especial noradrenérgico, em áreas límbicas,
como amígdala, ínsula, e hipocampo, em transtornos afetivos, como síndromes
ansiosas, bem como bloqueadores dos receptores desses neurotransmissores parecem
desempenhar importante efeito ansiolítico (SEROVA et al., 2010).
No estudo de Gama (2015), foi pioneiramente demonstrado que ratas que
desenvolviam endometriose e eram submetidos a estresse crônico apresentavam um
aumento da expressão dos receptores β2 adrenérgicos e D2- dopaminérgicos nas
lesões ectópicas endometriais, bem como alterações epigenéticas nas subregiões CA1
e giro denteado do hipocampo. Portanto, esse estudo foi pioneiro ao demonstrar que ,
em animais submetidos a estresse crônico, o desenvolvimento de lesões
endometrióticas é relacionado a uma ativação catecolaminérgica que estimula a
angiogênese e crescimento das lesões, bem como é acompanhado por alterações
epigenéticas em áreas reguladoras do humor, como o hipocampo.
Previamente, foi demonstrado que mulheres com endometriose e dor crônica
pélvica apresentavam reduções regionais do volume da substância cinzenta em
regiões cerebrais envolvidas com a integração dos sinais dolorosos, como tá lamo,
giro cingulado, putamen e ínsula. Estudos recentes têm focado na avaliação da
conectividade de áreas cerebrais relevantes para o processo de percepção da dor e
emoções (GAMA, 2015).
Nesse contexto, um estudo conduzido por Beissner et al. (2016) avaliou a
conectividade cerebral por ressonância magnética funcional de 67 pacientes com
36
endometriose associada a sintomas pélvicos severos. Esses pesquisadores focaram no
hipocampo anterior por ser essa área, além da memória, participante dos circuitos
integradores da imaginação, emoções, ansiedade e especialmente estar envolvida na
transição da dor aguda para crônica. Outro aspecto importante é que o hipocampo
anterior é um substrato neural importante para o comportamento de ansiedade e que
essa área regula a atividade do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HPA), por meio
de suas conexões com núcleos hipotalâmicos, como o núcleo periventricular. Nesse
estudo, esses pesquisadores identificaram que as pacientes com endometriose
apresentavam um aumento da conectividade do hipocampo anterior com o núcleo
septal.
Esse núcleo recebe e emite projeções para o bulbo olfatório, amigdala,
hipocampo, hipotálamo, habênula e tálamo, e parece ser fundamental para os
circuitos de resposta ao prazer. Interessantemente, esses pacientes quando
submetidos às sessões de psicoterapia e estimulação somatosensorial apresentam
melhora dos níveis de ansiedade e normalização do hipersinal da conectividade
hipocampo anterior-septal (BEISSNER et al., 2016).
Nesse ínterim, outro elegante estudo foi conduzido por Donatti et al., (2017)
aonde investigaram as alterações de conectividade e os níveis dos neurotransmissores
glutamato e glutamina em diferentes regiões cerebrais de 17 pacientes com
endometriose e dor pélvica severa e 13 pacientes com endometriose sem dor pélvica,
em relação aos controles saudáveis. Eles encontraram que as pacientes com dor
pélvica severa apresentavam um aumento da conectividade entre a região da ínsula
anterior e córtex prefrontal medial, além do aumento das taxas de
glutamina/glutamato na ínsula anterior. Interessamente, esses achados
neurobiológicos apresentaram forte correlação com os parâmetros clínicos de
ansiedade, (r=0.61, p=0.02), depressão (r=0.60, p=0.03), e percepção da intensidade
da dor (r=0.55, p=0.05).
Em síndromes dolorosas crônicas, importantes alterações estruturais e
funcionais têm sido descritas nas regiões cerebrais reguladoras da dor. A ínsula é
uma região cerebral envolvida na integração dos sinais de natureza sensorial
(interoceptiva), afetiva e cogntiva, tendo assim sua importância destacada em estudos
com síndromes dolorosas crônicas. Além disso, a ínsula juntamente aos circuitos
hipocampais parecem ser as regiões mais consistentemente ativadas durante a
37
transição da dor aguda para a crônica. Níveis elevados de aminoácidos
neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, e redução de neurotransmissores
inibitórios tem sido descritos na ínsula anterior em pacientes com quadros álgicos,
como fibromialgia (DONATTI et al., 2017).
Portanto, um estudo recente indica pioneiramente que nos pacientes com
endometriose o desenvolvimento de quadros psiquiátricos do humor e de dor crônica
podem estar fortemente relacionados às alterações funcionais e neuroquímicas no
hipocampo (BEISSNER et al, 2017).
Além disso, tendo em vista o papel da neurogêndese hipocampal na
fisiopatologia dos transtornos de humor e do efeito de fármacos antidepressivos . Os
mecanimos subjacentes a essa neurotransmissão disfuncional ainda precisam ser
melhor esclarecidos e a participação de possíveis fatores, como a produção de
radicais livres e estresse oxidativo e neuroinflamação, necessitam serem
demonstrados no desenvolvimento das alterações psiquiátricas que acompanham a
endometriose (LEE; KIM, 2010).
38
6 OBJETIVOS
No presente capítulo, serão abordados os objetivos da pesquisa.
6.1 GERAL
Avaliar alterações comportamentais e neuroquímicas tempo-dependentes em
ratas adultas submetidas ao modelo de endometriose peritoneal induzido pelo
transplante autólogo de tecidos uterinos.
6.2 ESPECÍFICOS
- Analisar o efeito do tempo no desenvolvimento de alterações
comportamentais relacionadas à ansiedade e depressão em ratas
submetidas ao modelo de endometriose induzida;
- Entender o efeito do tempo no desenvolvimento de alterações de
sensibilização periférica e visceral à dor em ratas submetidas ao modelo de
endometriose induzida;
- Estudar o efeito do tempo no desenvolvimento de alterações sobre os
níveis séricos de corticosterona em ratas submetidas ao modelo de
endometriose induzida;
- Aferir o efeito do tempo no desenvolvimento de alterações sobre os níveis
de marcadores de estresse oxidativo – glutationa reduzida (GSH),
peroxidação lipídica, atividade da enzima MPO – no hipocampo em ratas
submetidas ao modelo de endometriose induzida;
- Determinar o efeito do tempo no desenvolvimento de alterações sobre os
níveis de expressão da neurotrofina fator cerebral derivado do cérebro no
hipocampo em ratas submetidas ao modelo de endometriose induzida.
39
7 MATERIAL E MÉTODOS
No presente capítulo, abordaremos aspectos relacionados aos materiais e
métodos utilizados na presente pesquisa.
7.1 ANIMAIS
Ratos Wistar fêmeas adultos (9-10 semanas de idade, com peso entre 150-180
gramas), fornecidas pelo Biotério Central da Universidade Federal do Ceará (UFC)
foram utilizadas nos experimentos. Os animais (total de 60 ratas) foram alojados em
três por caixa de policarbonato padrão (42 x 20,5 x 20 cm), em condições ambientais
padrões (22 ± 1 ° C, umidade de 60 ± 5%; ciclo de luz de 12 horas claro/escuro com
livre à agua e ração padrão (FRI-LAB Rato II, FRI-Ribe). Todos os procedimentos
experimentais foram realizados entre 8:00 e 14:00. Este protocolo de pesquisa foi
aprovado pelo Comitê Local de Ética em Pesquisa Animal da Universidade Federal
do Ceará (sob número 35/2017) - Anexo A e foi conduzido de acordo com o Guia do
NIH para o Cuidado e Uso de Animais de Laboratório (NIH, 2011) e o Colégio
Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).
7.2 MODELO CIRÚRGICO DE ENDOMETRIOSE
O modelo de transplante autólogo da endometriose foi realizado de acordo
com o método previamente descrito em ratas (VERNON; WILSON, 1985).
Resumidamente, os animais foram anestesiados com uma mistura de cloridrato
de cetamina e xilazina (80 e 60 mg / kg, intraperitonealmente, respectivamente). Uma
resposta anestésica adequada foi avaliada pela ausência de reatividade ao estímulo d e
pinçamento da cauda. Em seguida, uma pequena incisão na linha média (cerca de 1
cm) acima da abertura vaginal foi feita. Posteriormente, a área ao redor da incisão foi
cuidadosamente dissecada, em movimentos lentos com tesoura, de modo a destacar
suficientemente a pele da parede abdominal. Usando uma pequena pinça, foi
localizado o corno uterino esquerdo, e uma pequena incisão medial foi feit a com
cuidado para não causar danos a outras estruturas pélvico-abdominais. Suavemente, o
corno uterino foi puxado para cima e com dois fragmentos de sutura de fio de seda
40
trançado (6-8 cm/cada) foram ligados firmemente às junções útero-tubular e utero-
cervicais esquerdas. Após alguns minutos de ligadura, a secção uterina entre as
ligações foi cortada e colocada em placa de Petri estéril com 500 μl de PBS contendo
penicilina (100 U / ml) e estreptomicina (100 μg / ml). Três secções iguais foram
obtidas a partir do corno uterino extraído utilizando uma pinça de biópsia (Miltex 33-
31, York, PA). Em seguida, as amostras uterinas foram suturadas ao peritônio
parietal usando suturas Vicryl 4.0. O abdômen dos animais foi então fechado com fio
absorvível 5.0 e a pele foi fechada com sutura não absorvível 4.0. As ratas alocadas
no grupo falso-operado (F.O.) foram tratadas de forma idêntica as ratas nos quais foi
induzido o modelo de endometriose, com exceção de apenas a sutura isolada ter sido
colocada no peritônio desses animais.
Figura 1 – Incisão da pele da parede abdominal.
Incisão longitudinal da pele da parede
abdominal, suprapública de 2,5cm de
extensão, iniciando-se a 0,5cm do bordo
superior do pube.
Fonte: Pereira (2013, p.37).
Figura 2 – Túnel para implante do
fragmento uterino.
Túnel entre a metade direita da incisão e a
parede abdominal anterior até a fossa ilíaca
direita do rato (seta).
Fonte: Pereira (2013, p.37).
Figura 3 – Cavidade peritoneal aberta.
Identificação do útero após abertura da
cavidade peritoneal.
Fonte: Pereira (2013, p.38).
Figura 4 – Identificação do hemi-útero
esquerdo.
Exposição do útero para identificação do
hemi-útero esquerdo (seta).
Fonte: Pereira (2013, p.38).
41
Figura 9 – Aspecto final da cirurgia.
Figura 5 – Exérese do hemi-útero
esquerdo.
Ligadura dos pedículos vasculares para
exérese do hemi-útero esquerdo.
Fonte: Pereira (2013, p.39).
Figura 6 – Abertura longitudinal do
hemi-útero esquerdo.
Abertura longitudinal do hemi-útero esquerdo
para confecção de fragmento de 4x4mm de
área.
Fonte: Pereira (2013, p.39).
Figura 7 – Fragmento de 4x4mm de área
do hemi-útero esquerdo da rata.
Fragmento de 4x4mm de área a ser implantado
no subcutâneo da região inguinal direita da
rata.
Fonte: Pereira (2013, p.40).
Figura 8 – Momento do implante no
subcutâneo.
Fragmento de 4x4mm de área sendo
implantado no subcutâneo da região inguinal
direita da rata.
Fonte: Pereira (2013, p.40).
Aspecto final da cirurgia após sutura contínua
da parede abdominal em dois planos.
Fonte: Pereira (2013, p.41).
42
7.3 DESENHO EXPERIMENTAL
As ratas foram divididas randomicamente entre os grupos endometriose e F.O.
Após o procedimento cirúrgico, os animais foram mantidos em repouso em suas
gaiolas até o 7º, 14º e 21º dias, após a cirurgia, quando foram submetidas aos testes
comportamentais por dois observadores independentes cegados para a divisão entre
os grupos. Também, para evitar a re-exposição dos animais ao mesmo teste
comportamental, eles foram divididos igualmente em três subgrupos diferentes (com
endometriose e grupos falso-operados) para cada avaliação temporal (no 7º, 14º e 21º
dia). Os testes comportamentais foram, então, organizados em sequência do menos
para o mais estressante descrito por (PAYLOR et al., 2006).
A endometriose foi confirmada no momento do sacrifício através da
identificação de lesões ectópicas na cavidade abdominal. Adicionalmente, após a
decapitação, foram colhidas amostras de sangue do tronco cervical (cerca de 1 ml
para cada rata) em microtubos. Posteriormente, o hipocampo bilateralmente dos
animais foi dissecado e armazenado imediatamente em freezer -70°C até os ensaios
neuroquímicos.
Diagrama 1: Delineamento experimental do estudo.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
43
7.4 ANÁLISE COMPORTAMENTAL
No presente subcapítulo, serão abordadas questões relacionadas com a análise
comportamental.
7.4.1 Teste de campo aberto
A atividade locomotora e o comportamento exploratório foram medidos em
uma área de campo aberto, que consiste em um aparato de acrílico quadrado (40 x 40
cm, paredes com 40 cm de altura) dividido em nove quadrados, com base no modelo
descrito em outro lugar (ARCHER, 1973).
Sob a luz vermelha (28 lx no centro), cada rata foi colocada em um canto da
área e observada por 5 min após 1 minuto de habituação. Entre duas ratas, o aparelho
foi limpo com solução de etanol a 20%. Os parâmetros registrados durante o teste
foram: o número de cruzamentos de animais com quatro patas (locomoção
espontânea), o número de levantamentos (comportamento exploratório vertical),
entradas no quadrante central e o tempo gasto no quadrante central (em segundos).
Figura 10: Teste do campo aberto.
Fonte: Disponível em: <http://www.google.com.br/figuras.> Acesso em: 12 nov. 2017.
7.4.2 Teste de labirinto em cruz elevado
O aparelho labirinto em cruz elevado, descrito por Lister (1987), consiste em
44
dois braços abertos (50x10 cm, paredes de 40 cm de altura) e dois braços fechados
(50x10cm, paredes de 40 cm de altura) conectados por um quadrante central (10x10
cm) e elevado a uma altura de 50 cm. O rato foi colocado no centro do aparelho de
frente para um dos braços abertos e permitido explorar durante 5 min sob condições
de luz vermelha (28 lx no centro). Para cada animal, foi considerado ter entrado em
um braço quando todos os quatro membros estavam dentro desse braço. Cada rat a foi
testada uma vez e, entre duas delas, o aparelho foi limpo com solução de etanol a
20%. Os parâmetros comportamentais observados durante o teste foram o número de
entradas em braços abertos e fechados e o tempo gasto em cada uma dessas seções.
Estes dados foram utilizados para calcular o número de entradas totais, a % de
entradas nos braços abertas (isto é, entradas abertas / entradas totais × 100) e a % de
tempo nos braços abertos (isto é, tempo em braços abertos / duração total × 100).
7.4.3 Teste do nado forçado
O teste de natação forçada foi realizado durante 2 dias, como descrito
anteriormente (PORSOLT; LePICHON; JALFRE, 1977). No primeiro dia, na sessão
de pré-natação, as ratas foram colocadas individualmente por 15 min em um cilindro
de acrílico (40 cm de altura, 22 cm de diâmetro) contendo 20 cm de água mantida a
23 ± 1º C. Vinte e quatro horas depois, as ratas foram submetidas a sessão de teste.
Elas foram novamente colocadas em cilindros cheios de água, e a duração da
imobilidade foi registrada por 5 min. O tempo de imobilidade foi definido como o
tempo gasto pela rata na ausência de comportamentos ativos, orientados para a fuga,
como nadar, saltar, criar, cheirar ou mergulhar, fazendo apenas os movimentos
necessários para manter a cabeça acima da água (BORSINI; MELI, 1988).
45
Figura 11: Teste do nado forçado.
Fonte: Disponível em: <http://www.google.com.br/figuras.> Acesso em: 12 nov. 2017.
7.4.4 Teste da placa quente
O teste da placa quente é um teste amplamente utilizado para avaliar o limiar
da dor aos estímulos térmicos em roedores (BANNON; MALMBERG, 2007;
CARVALHO et al., 2018).
Para isso, foi usado com um medidor de placa quente comercialmente
disponível, consistindo de um cilindro de acrílico transparente colocado em uma
placa de aquecimento. As ratas foram colocadas para andar na chapa (53,0 ± 1℃) por
até 45s (latência máxima permitida; para evitar danos nos tecidos). A latência para
pular, lamber a pata ou lamber a pata traseira foi registrada, até o máximo de 45s (se
o animal não emitisse tal resposta). Cada animal foi testado apenas uma vez em cada
sessão.
7.4.5 Contorções abdominais induzidas por ácido acético
O modelo de dor visceral induzida por ácido acético foi conduzido conforme
descrito por Koster et al. (1959) e repetidamente reproduzido (LEWTER et al., 2017;
CARVALHO et al., 2018).
Resumidamente, as ratas foram habituadas em gaiolas individuais durante 1
46
hora. Em seguida, receberam uma injecção intraperitoneal (i.p.) de ácido acético a
0,6% - 1 ml. O número de contorções induzidas por ácido foi observado durante 20
minutos, começando 5 minutos após a administração. A contorção foi definida como
uma contração do abdome após um alongamento dos membros posteriores. O número
de contorções foi classificado cumulativamente por um observador experiente. Para
não estender o sofrimento dos animais, imediatamente, ao final dos 20 minutos de
duração do teste, os animais foram rapidamente sacrificados.
7.5 EXTRAÇÃO CIRÚRGICA DO HIPOCAMPO
Imediatamente após a realização dos testes comportamentais e retirada de
sangue para avaliação laboratorial, os animais foram sacrificados por decapitação em
guilhotina. Após isso, alocados em gelo fresco, os cérebros dos animais foram
removidos do crânio, e a área cerebral, o hipocampo, foi microdissecada. Para a
retirada do hipocampo, a porção anterior dos lobos frontais (em torno de 1,5mm a
partir do bulbo olfatório) foi removida por meio de uma secção bilateral com o
auxílio de uma tesoura de microdissecção (MACHADO, 1985 apud LIMA, 2011).
Após a retirada do hipocampo acompanhando a fissura sagital mediana, a
camada cortical cerebral foi rebatida das meninges com o auxílio de uma pinça reta
de microdissecação, a qual, progredindo delicada e tangencialmente aos v entrículos
laterais, divulsionou-se o córtex em toda a sua extensão fronto-occipital. Após isso,
foi possível expor a região hipocampal (HC). O hipocampo foi isolado das estruturas
circunjacentes por divulsionamento com uma tesoura de microdissecação, sendo a
retirada orientada pelo diâmetro da porção tuberosa visível desses núcleos. As
amostras foram então mantidas em freezer -70ºC até a data das análises moleculares.
7.6 DETERMINAÇÃO DOS NÍVEIS SÉRICOS DE CORTICOSTERONA
A determinação da corticosterona foi realizada de acordo com o método de
fluorescência descrito anteriormente por (MATTINGLY, 1962; BUTTE et al., 1978).
Resumidamente, as amostras de sangue fresco foram centrifugadas (1700 xg,
10 min, 4°C) para separar o soro. Os corticosteróides livres de soro foram extraídos
47
por reação de diclorometano, sob rotação moderada (33 rpm, 20 minutos, 4°C). A
fase orgânica foi recolhida e incubada com reagente de fluorescência (7 volumes de
ácido sulfúrico a 3 volumes de álcool etílico purificado) durante 13 minutos,
protegido da luz e aquecendo a 4°C. A fluorescência foi medida em CytationTM 3
Plate Reader (Biotek, EUA) usando os comprimentos de onda de 470 µm para
excitação e 540 µm para emissão. A corticosterona sérica foi expressa em µg de
corticosterona / ml de soro utilizando uma curva padrão de corticosterona variando
de 100 a 0,5 µg de corticosterona / ml de soro.
7.7 DETERMINAÇÃO DE MARCADORES OXIDATIVOS
Nesta seção, abordaremos aspectos relacionados à determinação de
marcadores oxidativos.
7.7.1 Determinação dos níveis de peroxidação lipídica
O grau de peroxidação lipídica nas amostras hipocampais foi medido através
da determinação dos níveis de substâncias reativas do ácido tiobarbitúrico (TBARS),
conforme o método de Draper e Hadley (1990), seguindo o protocolo: foram
preparados homogenatos das áreas cerebrais a 10% em solução de cloreto de potássio
(KCl) 1,15%, 0,25 µL do homogeneizado será misturado a 1 mL de solução de ácido
tricloroacético a 10% e acrescido de 1 mL de solução de ácido tiobarbitúrico 0,6%.
Após a agitação, essa mistura foi mantida em um banho de água fervente (95-100°C)
por 15 minutos, adicionado o n-butanol (2:1 v/v), a seguir resfriada em banho de gelo
por alguns minutos e, posteriormente, centrifugada (800xg, 5 minutos).
Após o resfriamento, a peroxidação lipídica foi determinada por absorbância a
535 nm e foi expressa como mmol tecido malonaldeído (MDA)/mg de proteína
(OHKAWA et al., 1979).
7.7.2 Determinação das concentrações de glutationa reduzida
As concentrações de glutationa reduzida foram avaliadas para estimar defesas
endógenas contra o estresse oxidativo. O método é baseado na reação de reagente de
48
Ellman (DTNB), com grupos tiol livres. Foram preparados homogenatos das áreas
cerebrais a 10% em EDTA 0,02M, retirados 400µL desse homogenato e adicionados
a 320µL de água destilada e mais 80µL de ácido tricloroacético a 50%. O material
foi agitado e centrifugado a 3000 rpm por 15 minutos. Em seguida, recolhido 400µL
do sobrenadante e acrescidos 800µL de tampão Tris-HCl 0,4M, pH 8,9 e mais 20µl
de DTNB 0,01M e após 1 minuto da reação foi feita a leitura da coloração em 412nm
através de espectrofotômetro. A concentração de glutationa reduzida foi expressa em
nanogramas de GSH/g de tecido, tendo por base uma curva padrão (SEDLAK;
HANUS, 1982).
7.7.3 Determinação da atividade da enzima mieloperoxidase
A mieloperoxidase (MPO) é uma enzima presente nos grânulos de neutrófilos.
Essa enzima é utilizada como indicador de processo inflamatório, mais
especificamente, como marcador de migração de neutrófilos dos tecidos. Nesse
ensaio, imediatamente após a decapitação, as amostras hipocampais foram
homogeneizadas (50 mg/ml) em uma solução de brometo de hexadeciltrimetilamônio
0,5% (HTAB) em tampão fosfato 50 mM, ph 6,0. Em seguida, os homogenatos foram
centrifugados (14000 rpm, 4°C) por 2 minutos. Foram retirados 30µL do
sobrenadante da amostra e adicionados a placa de 96 poços juntamente com 200µL
da solução contendo 0,167 mg/ml de hidrocloreto de θ-dianisidina e 0,0005% de
peróxido de hidrogênio. A absorbância foi medida nos tempos 0 e 3 minutos com
comprimento de onda de 460mn (BRADLEY et al., 1982).
7.8 DETERMINAÇÃO DOS NÍVEIS HIPOCAMPAIS DE BDNF
Nesta seção, serão abordados assuntos relacionados com a determinação dos
níveis hipocampais de BDNF.
7.8.1 Preparação do extrato total de proteínas
Os tecidos hipocampais foram homogeneizados manualmente em 2 mL de
tampão de lise RIPA 01X (25 mM Tris-HCl pH 7,6; 150 mM NaCl; 5 mM EDTA; 1%
49
NP-40; 1% triton-X-100; 1% deoxicolato de sódio; 0,1% SDS) e inibidor de protease
(Sigma Aldrich, EUA, 1µL de inibidor de protease: 100µL de RIPA) usando um
pistão de vidro (Potter). Os homogenatos foram centrifugados a 12000 rpm por 10
minutos, sendo os sobrenadantes, contendo o extrato de proteínas de todos os
compartimentos celulares, coletados. Os pellets residuais foram descartados. A
concentração de proteínas foi determinada pelo método de Bradford descrito a seguir.
Todos os procedimentos foram realizados com as amostras imersas em gelo, e em
condições de boa refrigeração e condicionamento.
7.8.2 Método Bradford para dosagem de proteína
A concentração de proteínas totais na amostra foi determinada pelo emprego
de reagente de Bradford (Bio-Rad Protein Assay – Dye Reagent Concentrate -
BioRad Laboratories, Hercules, CA, USA). A ligação à proteína ocorre quando a
absorção máxima da solução ácida Coomassie Brilliant Blue G-250 muda de 465 para
595 nm. Foram pipetados 160 µL de amostra e 40 µL de solução de Bradford nas
placas e a leitura foi feita por espectrofotômetro (595 nm), utilizando-se uma curva
de calibração de albumina bovina sérica (BSA) de 0,2 a 1,0 mg / mL.
7.8.3 Eletroforese em gel de SDS-PAGE e eletrotransferência
Inicialmente, preparou-se 50 µg de proteína referente a cada amostra,
adicionando tampão da amostra (BioRad, EUA 65,8 mM Tris-HCl, pH 6,8; 26,3%
glicerol; 2,1% SDS; 0,01% azul de bromofenol) e β-mecaptoetanol (BioRad, EUA),
vortexando por 10s, aquecendo no banho maria (95°C, 5 min) e centrifugando (10000
rpm, 4°C, 30s). Em seguida, realizou-se a eletroforese vertical de proteínas em gel de
poliacrilamida-SDS (SDS-PAGE) a 60V nos primeiros 15 min para deposição das
amostras no fundo do poço e 120V para o restante da corrida, onde foi utilizado o gel
a 10% e tampão de corrida (25 mM Tris; 192 mM glicina; 1% SDS). Foi usado o
Precision Plus Protein™ Kaleidoscope™ (Biorad, EUA) como padrão de peso
molecular de proteínas. Após a corrida, efetuou-se a transferência por eletroforese
das proteínas do gel para a membrana de PVDF (BioRad, EUA, Fluoreto de
polivinilideno) a 100V por duas horas em tampão de transferência (25mM Tris;
192mM glicina; 20% metanol). Após esta etapa, as membranas foram bloqueadas por
50
uma hora em agitação constante, para reduzir as ligações inespecíficas, com 5% BSA
(Sigma-Aldrich, EUA) diluído em tampão salina Tris-HCl suplementado com Tween
20 (TBST- 20 mM Tris pH 7,5; 150 mM NaCl; 0,1% Tween 20).
Em seguida, realizou-se a lavagem das membranas com TBST, sendo três
lavagens por 10 minutos cada. Na etapa seguinte, as membranas foram incubadas,
overnight a 4°C sob agitação constante, com o anticorpo primário mouse rabbit anti-
BDNF monoclonal IgG (1:1000, ANT-010, Alomone Labs, Israel) diluído em 1% de
BSA em TBS-T. Após esta etapa, realizaram-se três lavagens de 10 min cada com
TBS-T. As membranas foram incubadas com o anticorpo secundário HRP-goat anti-
rabbit IgG (1:2000, Invitrogen, USA) por duas horas em temperatura ambiente.
Decorrido este tempo, as membranas foram lavadas 4 vezes, duração de 10 minutos
cada, com TBS-T. Enfim, adicionou-se o reagente de quimioluminescência (BioRad,
EUA, Clarity western ECL blotting substrate) e as membranas foram agitadas por 5
minutos. As imagens das bandas foram capturadas por um sistema de ChemiDoc MP
System (Biorad, EUA). A densidade das bandas foi mensurada por meio do software
ImageLab Biorad (Biorad, EUA).
7.9 DESTINO DOS ANIMAIS APÓS O EXPERIMENTO
Após a decapitação e extração cerebral para análise neuroquímica, os animais
foram devolvidos ao Biotério Setorial DFF da Faculdade de Medicina (FAMED). As
carcaças foram entregues ao Biotério Setorial DFF-FAMED.
7.10 ANÁLISE ESTATÍSTICA
Todos os dados foram apresentados como média ± erro padrão da média
(SEM), e comparados por análise de variância regular de duas vias (ANOVA),
seguida pelo teste de Tukey (para os dados paramétricos) e Fisher LSD (para os
dados não-paramétricos) como teste post hoc (análise comparações múltiplas). Na
análise ANOVA, os fatores utilizados foram “endometriose” (grupos endometriose e
F.O.) e “tempo” (7º, 14º e 21º dia pós-indução do modelo). O nível de significância
foi estabelecido em P <0,05. O programa estatístico utilizado para realizar a análise
51
foi o GraphPad Prism versão 7.0 para Windows, GraphPad Software (San Diego, CA,
EUA).
52
8 RESULTADOS
No presente capítulo, apresentaremos os resultados das análises.
8.1 ALTERAÇÕES TIPO-ANSIEDADE NAS RATAS A PARTIR DA SEGUNDA
SEMANA
O modelo de endometriose causou alterações tipo-ansiedade nas ratas a partir
da segunda semana pós-indução do modelo.
8.1.1 Teste de campo aberto
Em relação às entradas no centro, a análise ANOVA revelou efeito
significativo do fator “endometriose” isoladamente [F (1, 51) = 4,12, P = 0,0476]. A
interação entre os fatores [F (2, 51) = 1,179, P = 0,3158] ou o fator “tempo”
isoladamente [F (2, 51) = 3,093, P = 0,0540] não alcançaram significância estatística.
No teste de comparações múltiplas, foi possível observar uma redução desse
parâmetro no grupo endometriose em relação a seu controle pareado no dia 21 após a
cirurgia (P <0,05). Também, foi notável uma redução significativa do tempo
dependente desse parâmetro quando comparado o grupo endometriose no dia 21 com
o dia 7 após a cirurgia (P <0,05) (Gráfico 1).
Finalmente, no parâmetro tempo gasto no centro, a análise ANOVA
demonstrou um forte efeito significativo para o fator “endometriose” isoladamente [F
(1, 44) = 22,89, P <0,0001]. A interação [F (2, 44) = 1,543, P = 0,2250] ou o fator
“tempo” [F (2, 44) = 0,5618, P = 0,5742] isoladamente não tiveram efeito
significativo. No teste post hoc, observamos uma tendência à redução desse
parâmetro em todos os cortes temporais testados no grupo endometriose em relação
aos controles F.O., porém obteve significância estatística apenas no 14º (P <0,01) e
no 21º pós-operatório (P <0,05) (Gráfico 2).
53
Gráfico 1 - Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo no número de
entradas no quadrante central no teste do campo aberto durante 5 minutos.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
Barras representam médias ± SEM (n = 8 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via, seguido pelo teste post hoc de Fisher LSD. * P
<0,05, ** P <0,01.
Gráfico 2 - Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo na permanência
no quadrante central no teste do campo aberto durante 5 minutos.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
Barras representam médias ± SEM (n = 8 animais / grupo). Os dados fo ram
54
analisados usando ANOVA dupla via, seguido pelo teste post hoc de Fisher LSD. * P
<0,05, ** P <0,01.
Em relação ao número de cruzamentos, nossa análise ANOVA não revelou
efeito significativo da interação ou de cada fator isoladamente [interação: F (2, 62) =
0,2109; P = 0,8104; “Tempo”: F (2, 62) = 0,2934; P = 0,7468; “endometriose”: F (1,
62) = 0,2853, P = 0,5952]. Além disso, não houve di ferença significativa na análise
de comparação múltipla entre os grupos analisados (Gráfico 3).
Da mesma forma, no número de levantamentos, nossa análise ANOVA não
revelou nenhum efeito significativo da interação ou fatores isoladamente: [interação:
(2, 54) = 0,2227, P = 0,8011; “Tempo”: (2, 54) = 0,7573; P = 0,4738; “Modelo de
endometriose”: F (1, 62) = 0,2853, P = 0,9452]. O teste de comparação múltipla
também não mostrou diferença significativa entre os grupos (Gráfico 4).
Gráfico 3 – Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo no número de
cruzamentos no teste do campo aberto durante 5 minutos.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
Barras representam médias ± SEM (n = 8 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via seguido pelo teste post hoc de Tukey.
55
Gráfico 4 - Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo no número de
levantamentos no teste do campo aberto durante 5 minutos.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
Barras representam médias ± SEM (n = 8 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via seguido pelo teste post hoc de Tukey.
8.1.2 Teste de labirinto em cruz elevado
Na porcentagem de tempo em braços abertos, a análise ANOVA revelou um
efeito significativo de cada fator isoladamente, bem como sua interação [interação: F
(2, 29) = 3.458, P = 0,0450; “endometriose”: F (1, 29) = 25,15, P <0,0001, “tempo”:
F (2, 29) = 10,28, P = 0,0004]. Na análise de comparações múltiplas, notamos uma
diminuição significativa neste tempo no grupo da endometriose tanto no 14º dia (P
<0,001) como no 21º dia de avaliação (P <0,001) em comparação com os respectivos
controles F.O. Além disso, observa-se uma redução relacionada ao tempo nesse
parâmetro ao comparar os grupos: 7º dia (Média: 21,72%) versus 14º (Média: 6,4%),
7º dia (Média: 21,72%) versus 21º dia (Média: 3,25%) (P <0,001), e 14º versus 21
dias (P <0,001) (Gráfico 5 A).
Semelhantemente, no percentual de entradas nos braços abertos, a análise
ANOVA mostrou efeito significativo de cada fator isoladamente e sua interação
[interação: F (2,28) = 5,159, P = 0,0124; “endometriose” : F (1 28) = 31,61, P
56
<0,0001; “Tempo”: F (2, 28) = 14,13, P <0,0001]. No teste de comparações
múltiplas, observamos uma diminuição significativa neste parâmetro no grupo
endometriose tanto no 14º quanto (P <0,05) no 21º dia (P <0,001) em comparação
com seus respectivos controles F.O. Comparando diferentes intervalos de tempo,
observamos uma diminuição progressiva desta porcentagem no grupo de
endometriose da seguinte forma: 7º dia (Média: 34,02%) versus 14º (Média:
21,39%), 7º dia (Média: 34,02%) versus 21º dia (Média: 3,70%) (P <0,001), e 14º
(Média: 21,39%) versus 21 dias (P <0,001) (Gráfico 5 B).
Em relação ao total de entradas, um parâmetro relacionado locomoção to tal
dentro do aparato, apesar de evidente um efeito significativo do fator “endometriose”
isoladamente [F (1, 29) = 4,513, P = 0,0423], não houveram diferenças significativas
entre os grupos no teste de comparações múltiplas (Gráfico 5 C).
57
Gráfico 5 - Efeito da cirurgia de indução de endometriose no percentual de
tempo nos braços abertos (A), no percentual de entradas nos braços abertos (B)
e no número total de entradas (C).
Fonte: Elaborado pelo pesquisador
Barras representam médias ± SEM (n = 8 animais / grupo). Os dados foram
58
analisados usando ANOVA dupla via seguido por LSD de Fisher como teste post hoc
para a porcentagem de entradas de braços abertos e tempo nos braços abertos. Para o
total de entradas, o teste de Tukey como teste post hoc foi realizado. P <0,05, ** P
<0,01, *** P <0,001, **** P <0,0001.
8.2 ALTERAÇÕES TIPO-DEPRESSIVAS A PARTIR DA TERCEIRA SEMANA
O modelo de endometriose causou alterações tipo-depressivas nas ratas a
partir da terceira semana pós-indução do modelo.
8.2.1 Teste do nado forçado
Em relação ao tempo total de imobilidade, a análise ANOVA revelou apenas
um efeito significativo do fator “endometriose” isoladamente [F (1, 51) = 25,17, P
<0,0001]. Nem a interação [F (2, 51) = 2.432, P = 0,0980] ou o fa tor “tempo” [F (2,
51) = 1,112, P = 0,3366] alcançaram significância estatística. No teste de
comparações múltiplas, é notável um aumento acentuado na imobilidade no grupo
endometriose comparado ao controle F.O no 14º (P <0,05) e 21º dia de avaliação (P
<0,01). (Gráfico 6).
59
Gráfico 6 - Efeito do modelo de endometriose ao longo do tempo na duração de
imobilidade no teste do nado forçado durante 5 minutos.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
Barras representam médias ± SEM (n = 8 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via seguido por teste post hoc de Tukey. * P <0,05,
** P <0,01.
8.3 DIMINUIÇÃO PROGRESSIVA DA SENSIBILIDADE À DOR NAS RATAS
O modelo de endometriose diminui progressivamente o limiar de sensibilidade
à dor nas ratas.
8.3.1 Sensibilidade térmica periférica: teste de placa quente
Neste teste, a análise ANOVA mostrou que, isoladamente, ambos os fatores
apresentam efeito significativo, porém sua interação não “endometriose”: [F (1, 28) =
29,19, P <0,0001; “tempo”: F (2, 28) = 5,499, P = 0,0097; “Interação”: F (2, 28) =
2,844, P = 0,0751]. No teste de comparações múltiplas, obtivemos uma redução
significativa na latência para a reação dolorosa no grupo endometriose no 14º (P
<0,01) e no 21º dia (P <0,01) de avaliação em comparação com os respectivos
controles F.O. Também, encontramos uma redução progressiva desse parâmetro no
60
grupo endometriose em diferentes avaliações temporais: 7º versus 21º dia (P <0,05)
(Gráfico 7).
Gráfico 7 - Efeito do modelo de endometriose no limiar de latência para dor (em
segundos) no decorrer de 3 semanas.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
Barras representam médias ± SEM (n = 8 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via seguido por teste post hoc de Tukey. * P <0,05,
** P <0,01.
8.3.2 Sensibilidade visceral: contorções abdominais induzidas por ácido acético
Em relação ao número de contorções induzidas por ácido acético, a ANOVA
mostrou que tanto a interação como cada fator isoladamente atingiram um efeito
significativo neste parâmetro: [interação: F (2, 30) = 3.582, P = 0,0403; “tempo”: F
(2, 30) = 7,216, P = 0,0028; “endometriose”: F (1, 30) = 43,12, P <0,0001]. No teste
post hoc, observamos um aumento significativo no número de contorções nas ratas
do grupo endometriose em todos os cortes temporais avaliados: 7º dia (P <0,001), 14º
dia (P <0,05) e 21º dia (P <0,05) em relação a seus respectivos controles.
Adicionalmente, no curso temporal do modelo, ocorreu redução significativa no
número de contorções nos grupos endometriose entre o 7º e o 14º dia de avaliação (P
61
<0,05), que, no entanto, voltou a aumentar entre o 14º e o 21º dia pós -cirurgia (não
significativo) (Gráfico 8).
Gráfico 8 – Efeito do modelo de endometriose no número de contorções
abdominais no decorrer de 3 semanas.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
Barras representam médias ± SEM (n = 8 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via seguido por teste post hoc de Tukey. * P <0,05,
** P <0,01, *** P <0,001.
8.4 AUMENTO NOS NÍVEIS SÉRICOS DE CORTICOSTERONA NA TERCEIRA
SEMANA PÓS-INDUÇÃO
O modelo de endometriose causou um aumento acentuado nos níveis séricos
de corticosterona na terceira semana pós-indução.
Em relação aos níveis séricos de corticosterona, observamos, na análise
ANOVA, um efeito principal do fator “endometriose” isoladamente [“endometriose”:
F (1, 33) = 17,65, P = 0,0002; “Tempo”: F (2, 33) = 0,6149, P = 0,5468; interação: F
(2, 33) = 2,184, P = 0,1286]. O teste de comparações múltiplas mostrou um aumento
62
significativo nos níveis de corticosterona no grupo endometriose em comparação com
os controles F.O. no 21º dia de avaliação (P <0,01). Uma tendência não significativa
de aumentar também foi observada nos outros cortes temporais de avaliação no grupo
com endometriose em comparação com seus respectivos controles (Gráfico 9).
Gráfico 9 - Efeito do modelo de endometriose nos níveis séricos de
corticosterona no decorrer de 3 semanas.
7 d ia s 1 4 d ia s 2 1 d ia s
0
2
4
6
8
C o rt ic o s te r o n e s e ru m
Co
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of
se
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m)
F .O .
E n d o m e tr io s e* *
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
Barras representam médias ± SEM (n = 6-7 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via seguido por teste post hoc de Tukey. ** P
<0,01.
8.5 ALTERAÇÕES PRÓ-OXIDATIVAS NO HIPOCAMPO DAS RATAS
O modelo de endometriose promoveu várias alterações pró-oxidativas no
hipocampo das ratas.
8.5.1 Peroxidação lipídica
Na peroxidação lipídica, a ANOVA mostrou um único efeito significativo do
fator “endometriose” isoladamente [F (1, 27) = 18,2, P = 0,0002]. Nem os fatores
63
interação nem o fator “tempo” alcançaram significância estatística [interação: F (2,
27) = 2,325, P = 0,1170; “Tempo”: F (2, 27) = 0,905; P = 0,4165]. No teste post hoc,
observamos um aumento significativo nos níveis de MDA nos animais do grupo
endometriose em comparação com controles F.O. no 14° (P <0,05) e 21° dia de
avaliação (P <0,05). Nenhuma diferença significativa adicional pôde ser notada entre
os grupos (Gráfico 10).
Gráfico 10 - Efeito do modelo de endometriose nos níveis malondialdeído (MDA)
no Hipocampo no decorrer de 3 semanas.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador
Barras representam médias ± SEM (n = 6-7 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via seguido por teste post hoc de Tukey. * P <0,05.
8.5.2 GSH reduzida
Nossa análise revelou um efeito principal significativo do fator
“endometriose” isoladamente. Nem o fator “tempo” ou interação entre os fatores
alcançaram significância estatística [“endometriose”: F (1, 28) = 6.703, P = 0,0151;
“Tempo”: F (2, 28) = 0,307, P = 0,7381; interação: F (2, 28) = 3,072, P = 0,0622]. O
teste de comparação múltipla demonstrou uma redução significativa nos níveis de
GSH nas ratas do grupo endometriose em comparação com o grupo F.O. apenas no
64
21º dia de avaliação (P <0,05). Nenhuma diferença significativa adicional pode ser
notada entre os grupos (Gráfico 11).
Gráfico 11 - Efeito do modelo de endometriose nos níveis de glutationa (GSH)
reduzida no Hipocampo no decorrer de 3 semanas.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador.
Barras representam médias ± SEM (n = 6-7 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via seguido por teste post hoc de Tukey. * P <0,05.
8.5.3 Atividade da enzima mieloperoxidase
Na atividade da MPO, a análise de ANOVA mostrou que apenas a interação
entre os fatores alcançou efeito estatístico [F (2, 34) = 3.912, P = 0,0296]. Nenhum
dos fatores isoladamente teve um efeito significativo [“endometriose”: F (1, 34) =
2,7, P = 0,1096; “Tempo”: F (2, 34) = 2,089, P = 0,1394]. O teste de comparação
múltipla demonstrou um aumento significativo nesta atividade enzimática no grupo
endometriose em comparação com controles no 21º dia pós-cirurgia (P <0,05).
Curiosamente, um aumento significativo também foi notável no grupo de
endometriose, comparando o 21º dia com o 7º dia de avaliação (P <0,05) (Gráfico
12).
65
Gráfico 12 - Efeito do modelo de endometriose nos níveis de atividade da enzima
Mieloperoxidase (MPO) no Hipocampo no decorrer de 3 semanas.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
Barras representam médias ± SEM (n = 6-7 animais / grupo). Os dados foram
analisados usando ANOVA dupla via seguido por teste post hoc de Tukey. * P <0,05.
,
8.6 REDUÇÃO PROGRESSIVA DE BDNF NO HIPOCAMPO
O modelo de endometriose reduziu progressivamente a expressão de BDNF no
hipocampo.
Quanto aos níveis de expressão de BDNF, foi notado apenas um efeito
significativo da interação entre os fatores [F (2, 17) = 3.873, P = 0,0411]. Nenhum
dos fatores isoladamente teve efeito significativo [“endometriose”: F (1, 17) = 2,668,
P = 0,1208; “Tempo”: F (2, 17) = 2,507, P = 0,1111]. No teste de comparações
múltiplas, observamos uma diminuição significativa nos níveis de BDNF no grupo da
endometriose no 21º dia em comparação com o mesmo grupo no 7º e 14 º dia de
avaliação (P <0,01). Observou-se também uma diminuição acentuada nos níveis de
BDNF no grupo da endometriose em comparação com a F.O. controles no 21º dia
66
(MD: 0,5772 ou 62,64%) (P <0,01). (Gráfico 13).
Gráfico 13 - Efeito do modelo de endometriose nos níveis da proteína BDNF (E)
no hipocampo.
Fonte: Elaborado pelo pesquisador/2018.
As ratas foram submetidas a endometriose cirurgicamente induzida ou cirurgia
simulada (cirurgia de controle). As determinações neuroquímicas foram conduzidas
no hipocampo de animais dissecados no 7º, 14º e 21º dias após a indução. Barras
representam médias ± SEM (n = 4 animais / grupo). Os dados foram analisados
usando ANOVA dupla via seguido por teste post hoc de Fisher LSD para a análise
dos níveis de BDNF. ** P <0,01.
,
67
9 DISCUSSÃO
No presente estudo, foi realizada uma análise pioneira na literatura baseado na
relação entre alterações comportamentais decorrente da endometriose com alterações
oxidativas/neurotróficas centrais, ampla e semanal, de ratas submetidas ao modelo de
endometriose induzido por auto-transplante peritoneal de tecidos uterinos. Aqui, as
ratas com endometriose exibiram importantes alterações comportamentais
relacionadas ao tempo e à sensibilidade à dor. É importante ressaltar que a
endometriose causou alterações do tipo-ansiosas e de sensibilização à dor desde o 14º
dia de avaliação, mas apenas no 21º dia um espectro completo de alterações
semelhantes à depressão foram induzidas. Além disso, a endometriose aumentou os
níveis séricos de corticosterona e induziu marcantes alterações pró-oxidativas no
hipocampo.
Esses achados foram seguidos por uma redução relacionada ao tempo
(progressiva) na expressão do BDNF no hipocampo que atingiu os níveis mais baixos
no 21º dia pós-indução. Portanto, este estudo fornece dados de que o presente modelo
mimetiza aspectos importantes dos sintomas neuropsiquiátricos vistos nas pacientes
com endometriose, e pode representar uma ferramenta importante para estudar a base
fisiopatológica desses sintomas, bem como para testar novos tratamentos potenciais.
A endometriose é uma condição ginecológica enigmática. Apesar de poder
apresentar prevalência estimada em até 17% da população feminina, não há cura
disponível e o manejo médico enfoca, principalmente, o alívio dos sintomas
(BURNEY; GIUDICE, 2012).
Além disso, a endometriose é um distúrbio severamente incapacitante. Afeta
negativamente os aspectos sociais e psicológicos da vida das mulheres acometidas.
De fato, mulheres com endometriose apresentaram escores de qualidade de vida (QV)
reduzidos por meio de diversos instrumentos de avaliação e prejuízo em suas
atividades diárias (como dormir, comer, movimentar e cuidar de si). A endometriose
também tem sido fortemente associada à baixa qualidade de vida sexual e relações
íntimas (POPE et al., 2015; PLUCHINO et al., 2016; CULLEY et al., 2017).
68
Alguns estudos também apontam para o impacto considerável dos sintomas da
endometriose na educação e na carreira profissional dessas pacientes. Levando isso
em consideração, não é de surpreender que as pacientes com endometriose tenham
taxas consideravelmente mais altas de comorbidades neuropsiquiátricas e problemas
de saúde mental (FOURQUET et al., 2010; NNOAHAM et al., 2011; POPE et al.,
2015; LAGANA et al, 2017).
Apesar do valor dos modelos animais para estudar a fisiopatologia da
endometriose e as novas estratégias de tratamento, poucos estudos avaliaram
consistentemente a presença de sintomas neuropsiquiátricos e seus mecanismos
biológicos correlatos nesses modelos (TIRADO-GONZÁLEZ et al., 2010).
Nesse contexto, Li et al. (2018) relataram recentemente que camundongas
submetidas a um modelo similar de endometriose ao ser realizado nesse estudo
apresentaram alterações tipo-ansiosas no teste de campo aberto em 2 semanas de
indução e aumentaram a imobilidade no teste da suspensão na cauda a partir de 4
semanas. Esses achados foram seguidos por alterações importantes na eletrofisiologia
e expressão gênica de áreas cerebrais relacionadas à regulação do humor, como
ínsula, amígdala e hipocampo.
Aqui, primeiramente, realizamos uma ampla avaliação comportamental de
ratas submetidas a um modelo semelhante de endometriose peritoneal. Neste
contexto, observamos que as ratas submetidas ao modelo de endometriose
demostraram comportamento tipo-ansioso, como demonstrado nos testes OFT e EPM.
Essas alterações iniciaram a partir da 2ª semana após a cirurgia de indução e foram
mantidas até o 21º dia de modelo. Além disso, na terceira semana do modelo, as ratas
com endometriose desenvolveram outras alterações comportamentais que se
assemelham a sintomas depressivos como demonstrado no teste do nado forçado.
Algumas discrepâncias aparentes entre as nossas e as descober tas anteriores
poderiam estar associadas às diferentes espécies de roedores utilizadas, uma vez que
é relatado que ratas são mais vulneráveis a desenvolver comportamento tipo-
depressivo em condições estressantes (KOOLHAAS et al., 1997; WILLNER, 2017;
LI et al., 2018).
Além disso, além de realizarmos uma avaliação comportamental mais ampla,
existem algumas diferenças intrínsecas nos testes comportamentais usados aqui e
69
neste estudo anterior que também poderiam contribuir para essas discrepâncias, por
exemplo, o teste de natação forçada parece ser mais sensível para avaliar os sintomas
tipo-depressivos do que o teste de suspensão da cauda (CHATTERJEE; JAISWAL;
PALIT, 2012).
Vale ressaltar que a dor, notadamente, a dismenorreia, a dispareunia e a dor
pélvica crônica, são características centrais e destrutivas da endometriose, tendo
forte impacto negativo no estado de saúde mental dessas pacientes (CARVALHO et
al., 2015).
Alguns estudos relatam que a experiência da dor mais do que a própria
endometriose é decisiva para o sofrimento emocional e o surgimento de sintomas
neuropsiquiátricos (SOUZA et al., 2011).
Entretanto, é difícil separar esses aspectos (dor e endometriose em si), uma
vez que ambos se influenciam mutuamente e poderiam compartilhar mecanismos
comuns, como mecanismos neurais e imune-oxidativos, para o desenvolvimento de
alterações comportamentais. Além disso, os sintomas neuropsiquiátricos e os
próprios traços de personalidade poderiam influenciar significativamente a percepção
e o limiar da dor nesses pacientes. Portanto, mais estudos são necessários para se
traçar relações causativas (CUEVAS et al., 2012; WALKER et al., 2014; FACCHIN
et al., 2016).
No presente estudo, avaliamos a percepção da dor nas ratas através de dois
testes diferentes para sensibilidade visceral e periférica, respectivamente, no
desenvolvimento do modelo de endometriose. É interessante mecionar que, na
endometriose, ambos os processos de sensibilização periférica e central são
relatados. Nessa condição, inicialmente o sistema nociceptivo periférico é
sensibilizado pela presença de lesão tecidual ou inflamação, resultando em
diminuição do limiar de dor e aumento do estímulo sensorial amplificado ao SNC.
No entanto, com esses estímulos dolorosos contínuos, as ações centrais podem
tornar-se independentes de quaisquer insumos periféricos devido a adaptações de
longo prazo do funcionamento do SNC no processo denominado sensibilização
central (LATREMOLIERE; WOOLF, 2009; AS-SANIE et al., 2013).
Em nossos resultados, observamos que as ratas com endometriose
apresentaram um aumento da sensibilidade visceral em todos os intervalos de tempo
70
avaliados, mas especialmente no 7º dia após a indução do modelo. Esse achado está
de acordo com o intenso ambiente pró-inflamatório em torno das lesões endometriais
e dos órgãos peritoneais, já demonstrados estar presente no início do
desenvolvimento dos implantes neste modelo (PELCH et al., 2012).
Por sua vez, o aumento da sensibilidade térmica só se tornou aparente após a
segunda semana, defendendo um processo contínuo de sensibilização central no
desenvolvimento do modelo. Nossos achados estão de acordo com estudos anteriores
mostrando diminuição do limiar de dor térmica e mecânica em camundongos e ratas
em um modelo semelhante de endometriose, e com os achados de Li et al. (2018)
mostrando que as principais mudanças na sensibilidade térmica começaram em 2
semanas após a cirurgia de indução (LIU; LIU; GUO, 2012; SIMSEK et al., 2014).
O cortisol, em humanos, e a corticosterona, em roedores, é o ponto final
hormonal do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e um regulador primário da
resposta do corpo a condições estressantes. Foi hipotetizado que o estresse induzido
pela endometriose seja capaz de induzir uma desregulação da resposta do eixo HPA.
De fato, tanto hipo quanto hipercortisolismo foram descritos em várias condições de
dor crônica, incluindo a endometriose. Os resultados dos estudos que examinam os
níveis de cortisol em indivíduos deprimidos são variados, mas indivíduos
severamente deprimidos mostraram níveis elevados de cortisol matinal e um alto
padrão de secreção de cortisol diário (HOLSBOER, 2000; GUR et al., 2004; LIMA et
al., 2006; CARROLL et al., 2007; TARIVERDIAN et al., 2010; CUEVAS et al.,
2012; DIENES et al., 2013; HANNIBAL; BISHOP, 2014; KELLER et al., 2017).
A secreção de cortisol em resposta a um evento estressor psicossocial mais do
que o cortisol basal tem sido usado para prever eficientemente a reatividade do eixo
HPA. Evidências convincentes demonstraram que os indivíduos deprimidos e de alto
risco para depressão apresentam níveis mais elevados de cortisol durante a
recuperação de um estressor social. Em modelos de roedores, é possível submeter
animais a um estressor agudo típico, como natação forçada ou estresse de contenção.
Vários estudos mostraram que animais cronicamente estressados têm uma alta
resposta de corticosterona sérica a eventos estressores do que controles saudáveis
(BURKE et al., 2005; COX et al., 2011; O’MAHONY et al., 2011; DIENES et al.,
2013).
Aqui, mostramos que as ratas do grupo endometriose apresentaram uma
71
resposta aumentada de corticosterona frente a um estressor agudo no 21º dia de
avaliação, apontando para um estado hiper-reativo do eixo HPA quando esses
animais manifestam as principais alterações de tipo-depressivas. Curiosamente, esses
achados estão de acordo com um trabalho anterior que, apesar de não avaliar
diretamente os níveis de corticosterona séricos, mostrou que o modelo de
endometriose peritoneal causou uma redução acentuada na expressão do fator
liberador de corticotropina (CRH) no hipocampo de ratos, um marcador de ruptura da
alça de retroalimentação do eixo HPA (CUEVAS et al., 2012).
O estresse oxidativo ocorre quando o equilíbrio entre a produção de ROS e as
defesas antioxidantes é interrompido. Evidências consideráveis sustentam o papel do
estresse oxidativo e ROS no desenvolvimento da endometriose. De fato, mais de 20
diferentes biomarcadores de estresse oxidativo, como ânions / radicais livres,
atividade enzimática, peroxidação lipídica, marcadores de danos no DNA e
carbonilação de proteínas, mostraram-se marcadamente elevados no soro de pacientes
com endometriose em relação a controles saudáveis. Esses achados sugerem que a
endometriose está associada a um estado de estresse oxidativo sistêmico. No entanto,
nenhum estudo até o presente momento avaliou o estado oxidativo cerebral de
pacientes com endometriose (através de medições de marcadores oxidativos no líquor
ou amostras post-mortem de cérebro dessas pacientes) ou de animais submetidos a
modelos de endometriose (NGÔ et al., 2009; AGARWAL et al., 2012; SCUTIERO et
al., 2017).
O hipocampo, além da memória, é uma área anatômica central envolvida na
regulação do humor e da ansiedade. Além disso, o hipocampo é uma das principais
regiões reguladoras da transição da dor aguda para a crônica. O estresse oxidativo no
hipocampo é um achado biológico bem estabelecido na fisiopatologia da depressão,
como demonstrado por vários modelos pré-clínicos e em estudos clínicos com
amostras post-mortem de pacientes. Recentemente, foi demonstrado que pacientes
com endometriose apresentavam conectividade anormal no hipocampo anterior e em
suas comunicações para o córtex somatossensorial e fronto-insular, áreas importantes
para o processamento de estímulos ansiosos e dolorosos. Esses pesquisadores
também demonstraram uma forte correlação positiva entre os achados no hipocampo
e a presença de sintomas de depressão / ansiedade nesses pacientes (BANNERMAN
et al., 2004; CHE et al., 2010; MORETTI et al., 2012; MUTSO et al., 2014; RÉUS et
72
al., 2015; BEISSNER et al., 2017).
Aqui, nós mostramos que a endometriose causou um desequilíbrio acentuado
no estado oxidativo hipocampal das ratas. Isso foi demonstrado pela diminuição dos
níveis de GSH concomitante ao aumento dos níveis de peroxidação lipídica.
Curiosamente, as principais alterações oxidativas ocorreram no 21º dia de avaliação,
quando as principais alterações afetivas e relacionadas à dor também estão presentes.
Neste contexto, o GSH reduzido é o principal agente tiol intracelular e
representa o mecanismo primário de defesa antioxidante contra ROS e eletrófilos em
células de mamíferos. A glutationa desempenha uma participação estratégica na
ativação e controle da morte da célula, uma vez que quando as concentrações de GSH
são criticamente reduzidas, a membrana mitocondrial torna-se altamente sensível à
permeabilização e à liberação de proteínas pró-apoptóticas para ativar mecanismos
de morte celular (RIBAS et al., 2014; SONG et al., 2014).
Além disso, entre os marcadores de dano oxidativo celular, a peroxidação
lipídica tem uma relevância especial. Lípidos peroxidados, como o malondialdeído,
são produzidos quando o hidroperóxido lipídico (peroxidação lipídica em estágio
inicial) não é reduzido pelas defesas antioxidantes endógenas, como o GSH, e
continua reagindo para formar lipídios peroxidados em estágio avançado. Esses
lipídios podem não apenas exacerbar o dano oxidativo atingindo diretamente outras
biomoléculas, mas também comprometem a sinalização lipídica e a neurotransmissão
monoaminérgica (CHALON, 2006; OTAKI et al., 2010; SULTANA et al., 2013;
BAKUNINA; PARIANTE; ZUNSZAIN, 2015).
No campo de pesquisa sobre depressão, vários estudos relatam aumento dos
marcadores de peroxidação lipídica e níveis reduzidos de GSH no soro de pacientes
depressivos. Uma meta-análise recente incluindo aproximadamente 857 pacientes
com MDD e 782 controles demonstrou uma correlação positiva entre a severidade
dos sintomas depressivos e os níveis de peroxidação lipídica. Além disso, em
consonância com nossos achados, vários estudos mostraram níveis aumentados de
peroxidação lipídica e diminuição dos níveis de GSH em áreas de regulação do
humor, como o hipocampo, em modelos de depressão, como o estresse crônico
imprevisível comportamento tipo-depressivo induzido por lipopolissacarídeo (Tomaz
et al., 2014) e bulbectomia olfatória (TÚNEZ et al., 2010; BLACK et al., 2015;
MAZEREEUW et al., 2015; RÉUS et al., 2015).
73
O estresse oxidativo e a inflamação são processos fisiopatológicos
intimamente relacionados. A MPO é uma enzima chave do sistema imune inato que é
ativada em células fagocíticas em condições inflamatórias . A MPO gera radicais
oxidantes fortes, em especial, o ácido hipocloroso (HOCl), que pode modificar
covalentemente lípidos e proteínas. Em consonância com esta evidência, estudos
importantes relataram um aumento da atividade e expressão de MPO no soro de
pacientes depressivos (VACCARINO et al., 2008; ARNHOLD; FLEMMIG, 2010;
PATTISON; DAVIES; HAWKINS, 2012; TALAROWSKA; SZEMRAJ; GAŁECKI,
2015; BISWAS, 2016).
Esses achados foram reproduzidos em estudos experimentais mostrando
aumento da atividade da MPO no cérebro de animais submetidos a modelos de
depressão. No presente estudo, portanto, demonstramos que o modelo de
endometriose promoveu um aumento na atividade da MPO no hipocampo das ratas,
atingindo os níveis mais elevados no 21º dia pós-indução. Em conjunto, nossos
achados defendem a indução de um microambiente inflamatório-oxidativo no
hipocampo das ratas submetidos ao modelo de endometriose, o que poderia
representar um potencial mecanismo subjacente para o surgimento das alterações
afetivas e de sensibilização à dor aqui observadas (MAES et al., 2011; MELLO et al.,
2018).
Finalmente, os fatores neurotróficos são reguladores fundamentais da
neurogênese e da plasticidade sináptica. Nesse contexto, o BDNF é um importante
fator neurotrófico, cuja expressão é estritamente regulada pela atividade sináptica .
Evidências convincentes relatam que o estresse crônico impacta a expressão e
sinalização de BDNF no hipocampo de roedores, e que esse efeito pode ser revertido
pelo tratamento com vários agentes antidepressivos (XU et al., 2000; MURAKAMI
et al., 2005; LEE; KIM, 2010; BAJ et al.,2012).
De acordo com o nosso conhecimento, nenhum estudo investigou diretamente
os níveis de BDNF no cérebro de ratas em modelo de endometriose, bem como sua
possível associação com o surgimento de alterações neuropsiquiátricas relacionadas à
endometriose. Aqui, nós demonstramos, pioneiramente, que as ratas com implantes
endometriais demostraram uma redução progressiva nos níveis de BDNF no
hipocampo no curso temporal do modelo. Considerando em conjunto, esse resultado
está de acordo com os outros achados imuno-oxidativos observados aqui, permitindo-
74
nos propor que um ambiente oxidativo / degenerativo se desenvolve no hipocampo de
ratas após a indução do modelo de endometriose.
Nesse contexto, uma interação interessante entre o BDNF e o estresse
oxidativo foi recentemente descrita. De fato, Bouvier et al. (2017) demonstraram que
o BDNF controlava constitutivamente a translocação nuclear do fator mestre de
transcrição Nrf2 sensível ao redox, que regulam a expressão de várias defesas
antioxidantes. Não só isso, esses autores mostraram que o estado persistente de
estresse oxidativo observado em animais vulneráveis ao estresse foi devido à
diminuição das concentrações de BDNF no hipocampo.
Portanto, podemos propor que o comprometimento induzido pela endometriose
na expressão de BDNF no hipocampo representa um mecanismo central subjacente
ao surgimento das mudanças comportamentais e pró-oxidativas que seguem este
modelo. Entretanto, mais dados são necessários para firmar associações causativas
neste modelo.
75
10 CONCLUSÕES
Os resultados obtidos deste experimento nos permitiram retirar as seguintes
conclusões:
1. Observou-se que o modelo experimental de endometriose causou
importantes alterações comportamentais, como é possível notar pelo aumento do
comportamento tipo ansiedade a partir da segunda semana de indução e marcantes
alterações tipo depressivas a partir da terceira semana do modelo.
2. O modelo experimental de endometriose pelo método proposto promoveu
um aumento marcante da sensibilidade visceral, especialmente nos primeiros dias
que sucederam a cirurgia (7 dias após), e periférica a partir do 14º de indução.
3. O modelo experimental de endometriose foi capaz de aumentar
significativamente as concentrações séricas de corticosterona frente a um evento
estressor agudo a partir da 3ª semana pós-cirurgia, advogando para um estado de
hiper-reatividade do eixo HPA.
4. O modelo experimental de endometriose impactou significativamente os
marcadores de estresse oxidativo - níveis de peroxidação lipídica, concentrações de
GSH reduzida e atividade da MPO - no hipocampo dos animais em todos os cortes
temporais, mas, principalmente, na 3ª de indução.
5. O modelo experimental de endometriose induziu uma redução progressiva
dos níveis de expressão da neurotrofina BDNF no grupo endometriose, ao se
comparar a 1ª com a 3ª semana de avaliação, indicando o desenvolvimento de
alterações tempo-dependentes no presente modelo de endometriose.
Portanto, nossos achados trazem uma nova evidência relevante para o campo,
por caracterizar o comportamento tipo depressivo e ansioso de ratas submetidas ao
presente modelo de endometriose, bem como mostrar seus efeitos sobre o estado
oxidativo hipocampal e os níveis de expressão de BDNF. Além disso, este estudo
abre perspectivas para o uso desse modelo animal como uma plataforma útil para
testar potenciais novos candidatos para o tratamento tanto da endometriose quanto
dos sintomas neuropsiquiátricos relacionados.
76
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ANEXO A – Certificado de Aprovação do Projeto.