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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ EDUARDA MATTOS TONOLLI A “TESTEMUNHA SEM ROSTO” FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 São José 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

EDUARDA MATTOS TONOLLI

A “TESTEMUNHA SEM ROSTO” FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

São José

2008

EDUARDA MATTOS TONOLLI

A “TESTEMUNHA SEM ROSTO” FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos.

São José 2008

EDUARDA MATTOS TONOLLI

A “TESTEMUNHA SEM ROSTO” FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Processual Penal e Direito Constitucional.

São José, 13 de novembro de 2008.

Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. Esp. Marilene do Espírito Santo UNIVALI – Campus de São José

Membro 1

Prof. MSc. Rita de Cássia Pacheco UNIVALI – Campus de São José

Membro 2

Dedico este trabalho principalmente à minha família e amigos,

que com esforço e compreensão me auxiliaram para que eu pudesse concluir mais

uma etapa da minha vida.

AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que estiveram ao meu lado durante o meu caminhar, me

proporcionando apoio e enfrentando junto comigo todas as dificuldades encontradas

no decorrer do presente trabalho.

A minha família, meu porto seguro, pelo carinho e paciência durante esta jornada.

Ao meu orientador, Professor Rodrigo Mioto dos Santos, pelo auxílio e apoio durante

toda a pesquisa, fazendo com que eu acreditasse que conseguiria chegar ao fim

com êxito almejado.

E, principalmente, agradeço a Deus, por ter me dado forças e confiança para a

conclusão do meu ideal.

" Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder

com classe e vencer com ousadia, pois o triunfo pertence a quem se atreve...

A vida é muita para ser insignificante."

Charles Chaplin.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 13 de novembro de 2008.

Eduarda Mattos Tonolli.

RESUMO

O objetivo principal do presente trabalho é verificar a possibilidade (ou não) da aplicação da oitiva da “testemunha sem rosto” no ordenamento jurídico brasileiro, de modo com que o acusado não identifique a pessoa que está lhe imputando um fato criminoso. Verifica-se a importância e a necessidade de se proteger a testemunha ameaçada que pretende colaborar com a investigação criminal, conquanto não prejudique na defesa do réu. A fim de solucionar essa discutida questão, estuda minuciosamente os princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, devido processo legal e publicidade, os quais vão claramente de encontro com a também chamada “testemunha oculta”. Analisa a aplicação (correta ou não) do Provimento n. 14/2003 da Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina no que diz respeito a ocultação de dados pessoais da testemunha ameaçada nos autos do processo-crime acusatório. Apresenta o Programa de proteção – PROVITA, para os casos de testemunhas gravemente ameaçadas e compara com os Programas de proteção existentes em diversos ouros países, principalmente Portugal e Espanha. Estes, diferentemente da legislação brasileira, prevêem expressamente a permissão da oitiva de “testemunhas sem rosto” como prova no processo penal.

Palavras-chave: Testemunha sem rosto. Ampla Defesa. Devido Processo Legal; Contraditório. Provimento n.14.

ABSTRACT

The main objective of this paper is to verify if it is possible (or not) to apply the testimony of the “faceless witness” in the Brazilian legal system, in a way that would be impossible for the defendant to identify the person that is attributing one a criminal fact. The importance and necessity to protect the threatened witness that intends to collaborate to the criminal inquiry is verified, as long as it does not harm the defendant defense. In order to solve this debatable matter, the constitutional principles of legal defense, contradictory, due process of law and publicity are carefully studied in this paper, which clearly meets the also called “faceless witness”. It also analyses the enforcement (correctly or not) of the Protactor n. 14/2003 by Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina concerning the secretion of the threatened witness´ personal data in the record of the accusatory criminal proceeding. The Protection Program –PROVITA, is presented for the seriously threatened witness cases and it is compared to the protection programs of many other countries, specially Portugal and Spain. These countries, unlike the Brazilian legislation, allow to apply the testimony of the “faceless witness” as probation in the criminal procedure. Key-words: Faceless witness. Legal Defense. Due Process of Law. Contradictory. Protactor n. 14

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10

1 O SISTEMA BRASILEIRO DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS .................. 12

1.1 Os conceitos de vítima e testemunha......................................................................... 12

1.2 Lei Nº. 9.807/99 (Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas)..................................... 15

1.2.1 Contexto de surgimento....................................................................................... 17

1.2.2 Disposições protetivas ......................................................................................... 18

1.3. PROVITA .................................................................................................................. 23

1.4 O Provimento n.º 14 da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina 25

2. ARGUMENTOS CONSTITUCIONAIS CONTRÁRIOS À TESTEMUNHA SEM ROSTO . 31

2.1 Princípio do contraditório............................................................................................ 31

2.2 Princípio da Ampla Defesa ......................................................................................... 36

2.3 Princípio do devido processo legal ............................................................................. 41

2.4 Princípio da publicidade ............................................................................................. 48

3. A “TESTEMUNHA SEM ROSTO” FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.... 53

3.1 A “testemunha sem rosto” no Direito Comparado....................................................... 53

3.1.1 Portugal ............................................................................................................... 55

3.1.2 Espanha .............................................................................................................. 60

3.2 O Direito à segurança................................................................................................. 62

3.3 A “Testemunha sem rosto” frente à Constituição Federal de 1988 ............................. 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 74

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................... 76

10

INTRODUÇÃO

A escolha do presente tema surgiu através de uma constatação empírica

após ingressar como estagiária na 24ª Promotoria de Justiça da Capital, com

atribuições para atuar junto à 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital e nos

processos de competência do Tribunal do Júri.

Com essa experiência foi possível constatar que na maioria dos processos

envolvendo homicídios e tráfico de drogas nos morros da Capital, havia um enorme

temor por parte das testemunhas, as quais diversas vezes tentavam se esquivar da

intimação do oficial de justiça para não depor em juízo. Ou ainda, quando eram

encontradas e devidamente intimadas, no momento da audiência, negavam o que

tinham falado na fase inquisitorial perante a autoridade policial, tudo isso por

temerem as suas vidas e de seus familiares.

Importante, portanto, dar maior ênfase do que tem se dado atualmente no

tocante a proteção das testemunhas que pretendem colaborar com a investigação

criminal as quais muitas vezes não se sentem seguras para tanto.

Observou-se, ainda, a aplicação, por analogia, do Provimento n.º 14/2003 da

Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina, não só em relação a ocultação dos

dados pessoais da vítima ou testemunha nos autos do processo-crime, como

também em audiência de instrução e no Tribunal do Júri, conflitando supostamente

com importantes princípios constitucionais inerentes ao réu, são eles: contraditório,

ampla defesa, devido processo legal e publicidade.

Destarte, o desiderato primordial do presente trabalho é, após verificar de

um lado a necessidade de segurança dos depoentes ameaçados e de outro os

direitos constitucionais do réu, analisar a aplicação correta para o caso em concreto.

Tem-se também como objetivo trazer a conhecimento de todos os leitores a

existência do PROVITA, um Programa de Proteção a Vítimas e Testemunha

ameaçadas em decorrência de testemunho prestado no processo-crime, ainda que

este, no momento, seja alvo de inúmeras críticas. No entanto, acredita-se na

evolução do referido Programa de Proteção, ante a necessidade de se garantir a

segurança dessas testemunhas.

11

Para a presente pesquisa foi utilizado o método de abordagem dedutivo,

partindo-se de um raciocínio lógico geral através da interpretação da Constituição

Federal, Código de Processo Penal e Leis Processuais Penais, para um fenômeno

específico, a “testemunha sem rosto”. Ou seja, partiu-se de uma premissa de que

todo réu tem direito de conhecer as provas imputadas contra a sua pessoa e de

contestá-las. A aplicação da “testemunha sem rosto“ impede que o réu identifique a

pessoa que lhe acusa e da mesma forma, impede de contrariar esse importante

meio de prova.

As fontes empregadas no trabalho em tela envolvem toda a legislação

relacionada com o tema discutido, pesquisa bibliográfica em obras, textos, revistas e

artigos da internet.

O material encontrado durante toda a pesquisa foi sistematizado em 03

(três) capítulos relacionados entre si.

O capítulo inicial trata dos conceitos de vítima e testemunha. Em um

segundo momento, é apresentado o surgimento da Lei n. 9.807/99 (Lei de Proteção

a vítimas e testemunhas) e seus dispositivos legais, bem como o Programa de

Proteção as testemunhas (PROVITA). Por último, abordam-se os aspectos gerais do

modelo de amparo as testemunhas proposto pelo Provimento n. 14/2003 da

Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina, o qual estabelece medidas de

proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas por colaborarem com a investigação e

instrução criminal.

O segundo capítulo, por sua vez, versa sobre os princípios constitucionais

do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e publicidade, inerentes ao

réu, fazendo uma sucinta ligação com a “testemunha sem rosto”.

No terceiro e último capítulo do trabalho, preliminarmente, é feita uma

comparação da legislação brasileira com a legislação de outros países, mais

especificadamente com as de Portugal e Espanha, as quais demonstram a devida

regulamentação para a aplicação da “testemunha sem rosto”. Posteriormente, é

discutida, através de relatos de testemunhas, a necessidade de se garantir uma

proteção eficaz àquelas que correm risco de vida por colaborar com a Justiça. E por

último, discute-se a inconstitucionalidade da aplicação da “testemunha sem rosto” no

ordenamento jurídico brasileiro.

12

1 O SISTEMA BRASILEIRO DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E

TESTEMUNHAS

Inicialmente, neste primeiro capítulo, faz-se necessário esclarecer os

conceitos de vítima e testemunha e a importância destas como meio de prova no

Processo Penal.

Logo em seguida, será apresentada a Lei n.º 9.807/99 (Lei de Proteção a

vítimas e testemunhas) e seus dispositivos, bem como o Programa de Proteção as

testemunhas (PROVITA).

Por derradeiro, será analisado o Provimento n.º 14/2003, o qual foi criado

em 06 de outubro de 2003, pela Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de

Justiça de Santa Catarina, de autoria do Desembargador Doutor Alcides dos Santos

Aguiar, à época Corregedor- Geral, que estabelece medidas de proteção a vítimas e

testemunhas ameaçadas por colaborarem com a investigação e instrução criminal.

Será discutido no decorrer do trabalho, inclusive, o uso que tem sido feito do referido

Provimento.

1.1 Os conceitos de vítima e testemunha

Para NUCCI1, vítima (ou ofendido) é o sujeito passivo do delito, ou ainda, a

pessoa que teve o interesse ou bem jurídico protegido violado pela prática da

infração penal. De acordo com o artigo 201 do Código de Processo Penal2, a vítima

deverá ser ouvida sempre que possível para apresentar provas e indicar quem é ou

presuma ser autor do delito.

1 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 2 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. Parágrafo único. Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.”

13

No mesmo sentido, BONFIM3 define vítima como sendo o sujeito passivo da

infração penal. No entanto, a vítima não deve ser igualada, para efeitos legais, às

testemunhas, em razão de ser a prejudicada imediata do delito e possuir maior

interesse na condenação do réu. Por essa razão, não se exige do ofendido a

prestação de compromisso de dizer a verdade e, portanto, este jamais comete o

crime de falso testemunho, delito este previsto no artigo 342 do Código Penal4.

Por outro lado, no que diz respeito à testemunha, NUCCI5 conceitua como

sendo a pessoa que afirma a autoridade competente ter tomado conhecimento de

fato relevante para o processo, sob o compromisso de dizer a verdade.

Fernando CAPEZ6 leciona:

Em sentido lato, toda prova é uma testemunha, uma vez que atesta a existência do fato. Já em sentido estrito, testemunha é todo homem, estranho ao feito e eqüidistante das partes, chamado ao processo para falar sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das partes, capaz de depor, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes à causa.

Conforme o artigo 202 do Código de Processo Penal, “qualquer pessoa

poderá ser testemunha”, e, em regra geral, seu depoimento será prestado oralmente

e será permitida breve consulta a apontamentos (artigo 204 do Código de Processo

Penal).

O artigo 206 do Código de Processo Penal estabelece que a testemunha

não poderá se eximir da obrigação de depor, a não ser nos casos de ascendente ou

descendente, afim em linha reta, cônjuge, ainda que desquitado, irmão e pai, ou filho

adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou

integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

Para BOMFIN7, a testemunha não é considerada parte no processo, mas

sim, uma pessoa estranha que é chamada para descrever fatos relevantes que

3 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva: 2007. 4 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral [...].” 5 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 6 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 7 BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva: 2007.

14

tenha tomado conhecimento. O citado doutrinador, assim como os demais doutos

deste ramo, classifica as testemunhas da seguinte maneira: Diretas (aquelas que

presenciaram o fato); Indiretas (aquelas que tiveram conhecimento por intermédio de

terceiros); Próprias (conforme deponham ou não sobre fato objeto do processo);

Impróprias (cuja presença em determinados atos os torna legítimos); Numerárias

(arroladas pelas partes, dentro do número previsto em lei); Extranumerária (ou as

que são ouvidas sem prévio arrolamento, por ordem do magistrado, conforme o

artigo 209, caput, do Código de Processo Penal8, o qual prevê que o magistrado

poderá ouvir testemunhas não arroladas pelas partes, quando entender necessário);

Informantes (são aquelas que não prestam o compromisso de dizer a verdade);

Referidas (que de acordo com o artigo 209, parágrafo primeiro, do Código de

Processo Penal9, são as pessoas indicadas no depoimento prestado por outras

testemunhas).

Sobre o assunto, RANGEL10 define:

Testemunha é o indivíduo chamado a depor, demonstrando sua experiência pessoal sobre a existência, a natureza e as características de um fato, pois face estar de frente ao objeto (testis), guarda, na mente, sua imagem. A prova testemunhal é aquela feita por afirmação pessoal oral e, em alguns casos, expressamente previstos em lei, por escrito (cf. §1º do art. 221 do CPP). No sentido genérico do termo, podemos dizer que são provas testemunhais as produzidas por testemunhas, pelo ofendido e a confissão do acusado.

A prova testemunhal, conforme OLIVEIRA11, talvez seja a prova mais

utilizada no processo penal, ou seja, grande parte das ações penais depende de sua

produção. Porém, é de ser reconhecida a fragilidade deste meio de prova, pois no

plano do consciente e do inconsciente individual, a gravidade dos fatos e suas

circunstâncias, assim como outros fatores ligados à pessoa do acusado ou da vítima

e à própria formação moral, cultural e intelectual da testemunha, poderão influir no

espírito e no discernimento desta.

8 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.” 9 BRASIL. Código de Processe Penal. “Art. 209, §1º. Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.” 10 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2006. 11 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008.

15

Esse também é o posicionamento de MENDRONI12 quando menciona que:

A prova testemunhal é, no fundo, o processamento dos dados elaborados pela mente humana a partir da captação de determinados fatos através dos sentidos. O retrato de um fato (pela visão), em conjunto com o eventual ruído produzido (audição) e processados pela compreensão da situação formam em geral as circunstâncias relatadas pelas testemunhas aos Juízes, embora, raras vezes, tato, odor e paladar também possam refletir dados auxiliares importantes.

Verifica-se, portanto, que a prova testemunhal consiste em um importante e

necessário meio de prova no processo penal. Contudo, “torna-se clara adversária da

busca da verdade real na medida em que a testemunha sinta-se intimada e

temerosa de depor, com medo de retaliação por parte dos acusados. Já não se trata

de colher testemunho com eventual distorção de compreensão, mas imbuído de

temerosidade seguida de alteração proposital para distorcer os fatos de forma

favorável ao acusado e assim, via indireta, proteger-se ou ao menos sentir-se mais

protegido de eventual vingança”13.

Em razão disto, foi criada a Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas, a fim

de buscar mecanismos de proteção para que se obtenha um testemunho tranqüilo e

sem qualquer tipo de intimidação que possa influenciar na verdade dos fatos.

1.2 Lei Nº. 9.807/99 (Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas)

Com a violência dos dias atuais, observada através dos meios de

comunicação (televisão, rede mundial de computadores, rádio, jornal, revista), nada

mais adequado do que assegurar a integridade física e psicológica de pessoas que

pretendem voluntariamente colaborar com a investigação e instrução criminal. Isso

porque, a sociedade brasileira vive atemorizada com a criminalidade, quando na

grande maioria dos casos, o criminoso não é identificado pelo fato das testemunhas

e/ou vítimas temerem por suas vidas e de seus familiares caso delatem o

12 MENDRONI, Marcelo Batlouri. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007. 13 MENDRONI, Marcelo Batlouri. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

16

delinqüente. A conhecida “lei do silêncio” prevalece nas comunidades mais carentes,

onde todos têm conhecimento de quem é o infrator, porém aparentam não saber

para continuar vivendo “tranquilamente”.

O desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Doutor

Francisco César Pinheiro Rodrigues14 afirma:

O crime organizado distingue-se pela mais absoluta ausência de inibições éticas. Aliás, é essa ausência que confere ao crime inúmeras vantagens práticas sobre seu adversário, o Estado, pois este, processualmente, é armado por miríades de proibições e formalismos. A única “ética”, aprovada – e imposta sem discussão pelo criminoso – é a lei do silêncio, em favor dele mesmo: o compromisso de não revelar à polícia os segredos dos criminosos e suas transações irregulares. O resto – morte, chacinas, aleijão, falsificações, suborno, seqüestros, ameaças, etc. – é algo perfeitamente aceito pelo criminoso, até mesmo recomendado, se executado com as cautelas recomendáveis para cada caso. Juízes e promotores normalmente não são ameaçados – há poucas exceções em sentido contrário – porque se fossem aumentaria a pressão da lei, e os criminosos sabem que seria irrealizável o assassinato de todos os juízes e promotores do país. Mas como testemunhas comuns não existe tal obstáculo quantitativo. Assim, elas estão, no atual estágio do direito processual penal, quase desamparadas. Segundo o livro “O século do crime”, a que nos referiremos logo em seguida, John Gotti, chefe da “Famíglia Gambino”, de Nova Iorque, “escapou quatro vezes à condenação, mediante o assassinato de testemunhas-chave, para ser finalmente condenado graças ao depoimento do “arrependido” Sam Graviano”. (grifo acrescido).

A respeito, idêntico é o entendimento exposto por MIGUEL e PEQUENO15:

Na atual conjuntura, em que se busca consolidar os fundamentos da cidadania, exige-se medidas de proteção e assistência às vítimas e testemunhas, pois com o aumento do crime organizado, que campeia não só nos grandes centros, tem reinado a mais absoluta “Lei do Silêncio”, imposta pelos que detêm o poder no mundo do crime aos que assistem ou sofrem a violência. Estes silenciam, dominados pelo instinto de sobrevivência, pois aqueles que ousam desafiá-la são exterminados, como castigo ou para servirem de exemplo aos demais.

14 Disponível em: <http://www.ambito-uridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=561>. Acesso em 28.06.2008. 15 MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria Nascimento de Souza. Comentário à Lei de Proteção às vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores. Revista dos Tribunais. Volume 773, p. 425-443, março de 2000.

17

Portanto, ante a situação atual exposta acima, verificou-se a necessidade de

se elaborar uma lei que protegesse as vítimas e testemunhas ameaçadas por

colaborarem com a instrução criminal. Foi assim que no dia 14 de julho de 1999 foi

criada a Lei n.º 9.807/99 (Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas), a qual

estabelece normas para a organização e manutenção de programas especiais de

proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, estabelecendo um Programa Federal

de Assistência.

1.2.1 Contexto de surgimento

MIGUEL e PEQUENO16 esclarecem que no ano de 1994, no Governo de

Itamar Franco, foi criado o Projeto de Lei que impunha ao Governo Federal a

centralização dos programas de proteção, excluindo os Estados, espelhando-se no

modelo Italiano. Porém, este Projeto inicial não obteve êxito em razão do alto custo

financeiro e material. Já no ano de 1995, o Deputado Humberto Costa apresentou

outro Projeto, porém sucinto, objetivando apenas a proteção de testemunhas.

No ano de 1996, o Programa de Proteção Nacional de Direitos Humanos

propôs no capítulo que trata da “Luta contra a Impunidade” a meta de “apoiar a

criação nos Estados de programas de proteção de vítimas e testemunhas de crimes,

expostas à grave e atual perigo em virtude de colaboração ou declarações prestadas

em investigação ou processo penal17”.

Ainda no ano de 1996, o Ministério da Justiça assinou com o Governo do

Estado de Pernambuco um convênio criando o PROVITA, ou seja, “um programa de

proteção a vítimas e testemunhas baseado na idéia da reinserção social de pessoas

em situação de risco em novos espaços comunitários, de forma sigilosa e contando

16 MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria Nascimento de Souza. Comentário à Lei de Proteção às vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores. Revista dos Tribunais. Volume 773, p. 425-443, março de 2000. 17 Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/protecao/Id_prot_testemunha/>. Acesso em 12 de outubro de 2008.

18

com a efetiva participação da sociedade civil na construção de uma rede solidária de

proteção”18.

Em setembro de 1997, o Ministro da Justiça Íris Rezende elaborou um

Projeto de Lei o qual estabelecia Programas especiais de proteção a vítimas e

testemunhas ameaçadas e instituía o Programa Federal de assistência a vítimas e

testemunhas ameaçadas. No entanto, tal Projeto restringia sua aplicação a crimes

específicos. Foi assim que, a partir deste Projeto de Lei que foi criada, com algumas

modificações, a Lei n.º 9.807/99 (Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas)19.

A Lei n.º 9.807/99 (Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas), a qual

estabelece normas para a organização e manutenção de programas especiais de

proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, estabelecendo um Programa Federal

de Assistência, passou a vigorar a partir da data de sua publicação, ocorrida no dia

14 de julho do ano de 1999.

A referida Lei possui 21 (vinte e um) artigos, distribuídos em 02 (dois)

capítulos. O primeiro capítulo trata da proteção especial a vítimas e a testemunhas e

o segundo refere-se à proteção aos réus colaboradores.

1.2.2 Disposições protetivas

A proteção oferecida pela Lei deverá ser adotada quando a vítima e/ou

testemunha se sentirem coagidas ou ameaçadas em função de depoimentos que

devam prestar ou informações já prestadas. As medidas de proteção são atribuídas

à União, aos Estados e ao Distrito Federal (portanto, o Município está excluído) (art.

1º).

18 Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/protecao/Id_prot_testemunha/>. Acesso em 12 de outubro de 2008. 19 MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria Nascimento de Souza. Comentário à Lei de Proteção às vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores. Revista dos Tribunais. Volume 773, p. 425-443, março de 2000.

19

De acordo com o artigo 344 do Código Penal20, ocorre coação no curso do

processo quando a violência ou grave ameaça é utilizada contra vítima e/ou

testemunha, com a finalidade de favorecer interesse próprio ou alheio.

NUCCI21 ressalta que somente deverá ser concedida a referida proteção

àquelas testemunhas que realmente tenham algo a acrescentar ao processo.

Portanto, a testemunha que for arrolada para depor sobre fato pouco relevante, não

deverá ser protegida, e sim, caso sofra algum tipo de ameaça, é preferível que esta

seja dispensada de depor do que movimentar toda a máquina judiciária para lhe

garantir a proteção.

Importante destacar que a assistência concedida pelo programa somente

será permitida nos casos em que não seja possível prevenir ou reprimir a coação ou

grave ameaça pelos meios convencionais (art. 2º). Como por exemplo, nos caso de

constrangimento, poderá ser decretada a prisão preventiva, por conveniência da

instrução criminal, conforme prevê o artigo 312 do Código de Processo Penal22. E

ainda, o réu ou qualquer outra pessoa, pode ser indiciada, processada e presa

preventivamente pela prática do crime previsto no artigo 344 do Código Penal

(coação no curso do processo), associado a outro crime violento. 23

É o entendimento de OLIVEIRA24 quando defende que “a medida [proteção],

há de ser excepcional, bem como observadas as características e a gravidade de

cada caso concreto”.

A Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas também resguarda seus

parentes próximos, sob pena de se inviabilizar a colaboração na produção da prova.

20 BRASIL. Código Penal. “Art. 344. Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.” 21 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 22 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.” 23 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 24 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008.

20

A proteção protege não só o cônjuge, mas também o companheiro (art. 226, §3º, da

Constituição Federal25) (art. 2º, §1º).

As pessoas inseridas no programa deverão seguir determinadas regras e

necessitam possuir boa personalidade e bom comportamento. Deste modo, estão

excluídos do programa os condenados que estejam cumprindo pena, indiciados ou

acusados presos cautelarmente e indivíduos com conduta incompatível com as

normas estabelecidas pelo programa de proteção (art. 2º, §2º).

A proteção é uma opção para a testemunha que se sentir ameaçada. A

vítima, bem como a testemunha tem o dever de depor, porém, serão protegidas

apenas se desejarem, mesmo que estejam sendo ameaçadas por terceiros. No caso

de testemunha menor de 18 (dezoito) anos, cabe ao seu representante legal dar o

consentimento para o ingresso no programa (art. 2º, §3º).

Apenas o órgão do Ministério Público é consultado para a admissão ou

exclusão da vítima e/ou testemunha, nem mesmo o Magistrado ou a Autoridade

Policial serão ouvidos antes da aprovação, e sim somente comunicados. O que é

incompreensível para NUCCI26, o qual entende que o Juiz e Autoridade Policial

deveriam ser consultados antes da admissão no programa, mesmo porque, cada

programa é dirigido por um Conselho Deliberativo, onde em sua composição já

existe um membro do Ministério Público. (art. 3º e 4º).

Cabe a Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão fornecer

proteção provisória (art. 5º, §3º) ao futuro beneficiário, enquanto este aguarda a

decisão da inclusão no programa pelo conselho deliberativo.

Urge ressaltar que o único momento em que não é necessária a consulta

prévia do Ministério Público é em caso de urgência de proteção provisória (art. 5º,

§3º). Porém, logo após deverá haver um parecer ministerial sobre a existência das

condições básicas para o ingresso no programa.

O Conselho Deliberativo decidirá sobre o ingresso do protegido no programa

ou a sua exclusão e providências necessárias ao cumprimento deste. No entanto, as

deliberações do conselho serão tomadas por maioria absoluta de seus membros

(metade mais um) (art. 6º, caput e parágrafo único). Tal artigo, também gera

25 BRASIL. Constituição Federal. “Art. 226, §3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” 26 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

21

discordância para NUCCI27, o qual afirma que não existe razão para esse quorum e

acredita que o correto seria a maioria simples dos conselheiros presentes na reunião

e não a maioria absoluta. Mesmo porque a decisão deverá ser rápida e eficiente,

pois visa proteger uma pessoa ameaçada.

Outro ponto controverso discutido por NUCCI28 é quanto à disponibilidade

orçamentária referida artigo 6º, parágrafo único, parte final. O artigo deixa claro que

a efetivação do ingresso ao programa ficará sujeita à disponibilidade orçamentária.

Em outras palavras, mesmo que uma pessoa esteja sendo ameaçada gravemente, é

possível que a mesma não consiga ingresso ao programa por falta de verba, mesmo

cumprindo todos os requisitos necessários para a admissão.

A Lei estabelece nos incisos do artigo 7º as medidas aplicáveis isolada ou

cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade de cada

caso, ou seja: segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações;

escolta e segurança; transferência de residência; preservação da identidade,

imagem e dados pessoais; ajuda financeira mensal no caso de a pessoa protegida

estar impossibilitada de trabalhar; suspensão temporária das atividades funcionais;

apoio e assistência social, médica e psicológica; sigilo em relação aos atos

praticados em virtude da proteção concedida e; apoio do órgão executor do

programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o

comparecimento pessoal.

Na condição de titular exclusivo da ação penal e como fiscal da lei, cabe ao

Promotor de Justiça opinar no requerimento de alteração do nome completo do

protegido (art. 9, §2º) e no requerimento de retorno à situação anterior à alteração do

nome completo do protegido (art. 9, §5º).

A Lei estabelece que o procedimento terá rito sumaríssimo e correrá em

segredo de justiça, com prévia ouvida do Ministério Público (art. 9, §2º).

A exclusão da testemunha protegida pelo Programa poderá ocorrer a

qualquer tempo; ou por solicitação do próprio interessado como também por decisão

do Conselho Deliberativo no momento em que cessarem as razões que deram

27 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 28 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

22

ensejo à proteção como também nos casos de comportamento incompatível do

protegido (art. 10).

Deverá o Ministério Público se manifestar pela exclusão do protegido no

momento em que verificar que os motivos os quais ensejaram a proteção cessaram.

A sua manifestação deverá ser sempre fundamentada em um parecer. Portanto, não

basta apenas uma intimação ou pedido de consulta, ou seja, um efetivo parecer será

sempre obrigatório29.

A proteção oferecida pelo Programa terá duração máxima de 02 (dois) anos,

porém poderá ser prorrogada em casos excepcionais (art. 11), ou seja, nos casos

em que a ameaça persistir.

Por conseguinte, entende-se necessária a proteção a testemunha não só

durante o processo, como também com o fim deste, até que esta esteja afastada de

qualquer tipo de ameaça.

MENDRONI30 esclarece:

Importante é acentuar que existe a necessidade de se proteger a testemunha, e não somente “o testemunho”. Isso significa que não se podem restringir os atos especiais de proteção até o momento em que a testemunha acaba de prestar o seu depoimento para em seguida deixá-la sem ou com proteção diminuída. Os mecanismos devem manter relação de continuidade com a testemunha e com seus familiares até que se considere afastado o perigo.

Em relação às atribuições do Ministério Público impostas pela Lei n. º

9.807/99, o Promotor de Justiça, Dr. Paulo Antônio Locatelli, também Coordenador

do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público e integrante do

Conselho Deliberativo do PROVITA em Santa Catarina, enumera em seu artigo31:

Opinar a respeito da concessão da proteção e das medidas dela decorrentes,

quando da solicitação para a admissão no programa (art. 3º); opinar a respeito da

exclusão do protegido (art. 3º); solicitar o ingresso no programa da vítima e/ou

29 LOCATELLI, Paulo Antônio. O Ministério Público e a Proteção a Vítimas e Testemunhas. Disponível em: < http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=2241&conteudo=fixo_detalhe>. Acesso em: 12 de março de 2008. 30 MENDRONI, Marcelo Batlouri. Crime organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007. 31 LOCATELLI, Paulo Antônio. O Ministério Público e a Proteção a Vítimas e Testemunhas. Disponível em: < http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=2241&conteudo=fixo_detalhe>. Acesso em: 12 de março de 2008.

23

testemunha (art. 5º, inciso II); receber a comunicação da custódia provisória para o

protegido (art. 5º, §3º); requerer medidas cautelares, por solicitação do conselho

deliberativo (art. 8º).

1.3. PROVITA

O PROVITA (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas ameaçadas)

foi criado no Estado de Pernambuco, no ano de 1996, antes mesmo da elaboração

da Lei n.º 9.807/99 (Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas), através do Gabinete

de Assessoria Jurídica às organizações Populares (GAJOP)32.

O Gabinete de Assessoria Jurídica às organizações Populares (GAJOP)

juntamente com o Governo do Estado do Pernambuco, através da Secretaria

Nacional de Direitos Humanos/Ministério da Justiça, iniciou a implantação e o

desenvolvimento do PROVITA para outros diversos Estados33.

Trata-se de um programa de proteção baseado na inserção social de vítimas

e testemunhas, bem como seus familiares em novas comunidades, de forma

sigilosa. O referido programa conta com a participação da sociedade na firmação de

uma rede solidária de proteção.

O fundamento legal para a organização e manutenção do PROVITA

encontra-se na Lei Federal n.º 9.807/99 (Lei de proteção a vítimas e testemunhas) e

no Decreto n.º 3.518/2000.

Atualmente, o PROVITA já foi implantando em 16 (dezesseis) Estados

brasileiros, quais sejam: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás,

Maranhão, Matos Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro,

Santa Catarina34, Distrito Federal, São Paulo e Rio Grande do Sul35.

32 Disponível em <http://www.ssp.sc.gov.br/provita/historico.htm>. Acesso em: 21 de junho de 2008. 33 Disponível em <http://www.ssp.sc.gov.br/provita/historico.htm>. Acesso em: 21 de junho de 2008. 34 O PROVITA no Estado de Santa Catarina é desenvolvido pelo Centro de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos (CPPDH), o qual coordena as ações de proteção aos beneficiários em Santa Catarina. Em Santa Cataria o responsável pelo programa de proteção é a entidade SERTE, onde fazem parte do Conselho Deliberativo representantes da Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão, do Ministério Público, da Polícia Federal, da Polícia Civil, do Poder Judiciário, da OAB, da entidade gestora (SERTE) e da Polícia Militar. O Conselho Deliberativo é composto por autoridades ligadas à área da Justiça e Cidadania, da Segurança Pública, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e também da sociedade civil organizada, juntamente com a participação do

24

O Programa tem como principais objetivos: romper o ciclo da impunidade;

formar uma rede solidária de proteção e apoio a vítimas e testemunhas; propiciar o

exercício da cidadania por parte das testemunhas e vítimas sob ameaça do crime

organizado; assegurar a prova testemunhal como um instrumento de combate ao

crime organizado; assegurar os direitos fundamentais das vítimas e testemunhas

ameaçadas e; promover a reinserção social das vítimas e testemunhas ameaçadas,

assim como de seus familiares36.

A estrutura operacional do Programa de proteção é composta da seguinte

forma: Conselho deliberativo (instância decisória superior), ou seja, decide sobre o

ingresso e exclusão de pessoas que pretendem ingressar na rede de proteção e

demais providências de caráter geral; Órgão executor, que promove a articulação da

rede solidária de proteção e a contratação dos profissionais da equipe técnica;

Equipe Técnica, que é responsável pelo acompanhamento jurídico e psicossocial

dos beneficiários e pela apresentação de subsídios ao Conselho Deliberativo e;

Rede Solidária de Proteção, representada pela sociedade que promove a inserção

social dos beneficiários37.

Para a inclusão no programa, a testemunha deve estar sendo coagida ou

exposta a grave ameaça. O protegido deverá ainda, aceitar de forma espontânea e

formal as normas estabelecidas pelo programa e tem a obrigação de contribuir com

a Justiça para a apuração dos fatos e colaborar no combate ao crime organizado38.

O encaminhamento do futuro protegido ao PROVITA poderá ser por

iniciativa do Ministério Público, pela autoridade policial que conduz a investigação

criminal, pelo Juiz competente para a instrução do processo criminal, por órgãos

públicos e entidades de defesa dos direitos humanos ou ainda pelo próprio

interessado39.

Para a admissão no programa, deverá o Promotor de Justiça analisar as

seguintes condições colocadas pela Lei n.º 9.807/99: visão penal (analisa a

Ministério Público representado através do Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal. Por fim, a Equipe Multidisciplinar é composta por Advogado, Assistente Social e Psicólogo, tais profissionais realizam a triagem e o acompanhamento dos casos, selecionados de acordo com os critérios estabelecidos na Lei n.º 9.807/99 e no Decreto n. º 3.518/2000 (Disponível em <http://www.ssp.sc.gov.br/provita/provita.htm>. Acesso em 21 de junho de 2008). 35 Disponível em <http://www.gajop.org.br/provita/provita.htm>. Acesso em 21 de junho de 2008. 36 Disponível em <http://www.ssp.sc.gov.br/provita/objetivos.htm>. Acesso em 21de junho de 2008. 37 Disponível em <http://www.ssp.sc.gov.br/provita/estrutura.htm>. Acesso em 19 de junho de 2008. 38 Disponível em <http://www.ssp.sc.gov.br/provita/criterios.htm>. Acesso em 19 de junho de 2008. 39 Disponível em <http://www.ssp.sc.gov.br/provita/criterios.htm>. Acesso em 19 de junho de 2008.

25

importância e relevância da testemunha como prova); visão humanística (busca

resguardar a integridade da pessoa desde que avaliada a gravidade da ameaça ou

coação) e; visão técnico/administrativo (depois de confirmada a gravidade da coação

ou grave ameaça, deve ser demonstrada a impossibilidade de combatê-las por

meios convencionais)40.

Nos casos em que a pessoa não for aceita para ingressar no programa,

caberá à Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão adotar medidas

necessárias à preservação da integridade física da vítima ou testemunha41.

Conforme previsto na Lei n.º 9.807/99, estão excluídos de ingressarem no

programa os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados

sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades42.

Os recursos financeiros para a execução do programa têm origem nos

orçamentos da União e do Governo do Estado, mediante convênios. Além disso,

constituem recursos do programa as doações de pessoas físicas, jurídicas e

Entidades da Sociedade Civil, através da execução de projetos e/ou atividades de

captação de recursos43.

1.4 O Provimento n.º 14/2003 da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de

Santa Catarina

Com fulcro nos artigos 1º e 7º, incisos IV e VIII da Lei n.º 9.807/9944, foi

criado em 06 de outubro de 2003, pela Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de

40 LOCATELLI, Paulo Antônio. O Ministério Público e a Proteção a Vítimas e Testemunhas. Disponível em: < http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=2241&conteudo=fixo_detalhe>. Acesso em: 12 de março de 2008. 41 LOCATELLI, Paulo Antônio. O Ministério Público e a Proteção a Vítimas e Testemunhas. Disponível em: < http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=2241&conteudo=fixo_detalhe>. Acesso em: 12 de março de 2008. 42 Disponível em <http://www.ssp.sc.gov.br/provita/criterios.htm>. Acesso em 19 de junho de 2008. 43 Disponível em <http://www.ssp.sc.gov.br/provita/recursos.htm>. Acesso em 19 de junho de 2008. 44 BRASIL, Lei n.º 9.807, de 13 de julho de 1999, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.

26

Justiça de Santa Catarina, de autoria do Desembargador Doutor Alcides dos Santos

Aguiar, à época Corregedor-Geral, o Provimento n.º 14/2003, o qual estabelece

medidas de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas por colaborarem com a

investigação e instrução criminal45.

Os artigos mencionados prevêem:

Art. 1.º. As medidas de proteção requeridas por vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal serão prestadas pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das respectivas competências, na forma de programas especiais organizados com base nas disposições desta Lei. §1º. A União, os Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios, acordos, ajustes ou termos de parceria entre si ou com entidades não-governamentais objetivando a realização dos programas §2º. A supervisão e a fiscalização dos convênios, acordos, ajustes e termos de parceria de interesse da União ficarão a cardo do órgão do Ministério da Justiça com atribuições para a execução da política de direitos humanos. (...) Art. 7º. Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso: (...) IV – preservação da identidade, imagem e dados pessoais; (...) VIII – sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida; (...) (grifo acrescido).

Estão enquadradas no Provimento n.º 14/2003 da Corregedoria Geral de

Justiça de Santa Catarina, o qual contém 06 (seis) artigos, as vítimas e testemunhas

ameaçadas por contribuírem com a investigação criminal46.

O Provimento n.º 14/2003 da CGJ/SC será aplicado quando a testemunha

estiver sendo ameaçada em decorrência de testemunho que irá prestar ou em

45 Da mesma forma, foi criado o Provimento n.º 23/2000 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Provimento este inspirado na Lei n.º 9.807/99 e semelhante ao criado em Santa Catarina pelo Desembargador Alcides dos Santos Aguiar, Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, o Provimento n.º 14/2003. 46 Afim de não pairar qualquer dúvida a respeito, cumpre ressaltar que qualquer testemunha que esteja sendo ameaçada pode se valer das regras deste Provimento, não sendo necessário o ingresso no PROVITA.

27

decorrência de informações já concedidas, ou seja, quando houver qualquer tipo de

coação no curso do processo, que dificulte ou impeça o depoimento. Neste caso,

serão adotadas as condutas de preservação do sigilo previstas neste Provimento

(art. 1º).

Assim, os dados pessoais da testemunha não irão constar nos autos do

processo, porém, ficarão anotados em documentos distintos dos seus depoimentos

e serão depositados em pasta própria, no cartório, sob a guarda do Escrivão Policial

ou Judicial (art. 2º).

Os documentos (depoimento e dados pessoais) deverão ser remetidos,

quando concluso o inquérito policial, com destaque do seu caráter sigiloso, pela

Autoridade Policial ao Juiz competente. Ao chegar à distribuição, deverá o Escrivão

Judicial ser comunicado para a remessa imediata ao Juiz, o qual deverá analisar e

tomar a medida adequada (art. 2º, caput, §1º e §2º).

O Promotor de Justiça, assim como o Advogado, poderão ter acesso à

identificação da testemunha acobertada, desde que solicitado ao Magistrado, que

decidirá a respeito. Porém, ainda que seja admitido o manuseio destes documentos

sigilosos, não será permitida a cópia ou reprodução. (art. 2º, §3º e §4º).

As pastas deverão ser abertas e encerradas pelo Escrivão Judicial, contendo

no máximo 200 (duzentas) folhas numeradas e rubricadas. Após o termo de

encerramento, deverão ser lacradas e arquivadas, observadas as normas

constantes nos artigos 112 a 138 do Código de Norma da Corregedoria Geral de

Justiça, que se referem à eliminação de autos e documentos (art. 2º, §5º).

Em se tratando de mandado de intimação à testemunha amparada por este

Provimento, tal mandado deverá ser elaborado separadamente, a fim de que os

demais convocados a prestar depoimento, não tenham acesso às informações

sigilosas. Com o cumprimento do referido mandado, o Oficial de Justiça juntará aos

autos apenas a certidão do ato, sem a identificação do endereço da testemunha. O

mandado original, o qual contém o endereço da testemunha, deverá ser entregue

em mãos ao Escrivão Judicial, que arquivará na pasta juntamente com os dados

pessoais (art. 4º).

Destaca-se que o objetivo do mencionado Provimento é preservar os dados

pessoais e conseqüentemente a identificação das vítimas e testemunhas, a fim de

proteger a sua integridade física e moral, para que não venham a ser encontradas e

ameaçadas, visto que qualquer pessoa pode ter acesso aos autos no cartório. Desta

28

forma, um conhecido ou parente do acusado poderia por sua conta própria, localizar

a testemunha e ameaçá-la, impedindo que esta colabore com a investigação

criminal.

Portanto, o Provimento n.º 14/2003 da Corregedoria Geral de Justiça de

Santa Cataria, serve para evitar situações desnecessárias e constrangedoras, a fim

de resguardar a integridade física da testemunha e preservar a sua identificação.

Na ausência de texto legal tanto na Lei n.º 9.807/99 (Lei de Proteção a

Vítimas e Testemunhas), quanto no Provimento n.º 14 da Corregedoria Geral de

Justiça de Santa Catarina, vem sendo seguido o seguinte procedimento em relação

às audiências em que estiver presente uma testemunha protegida: em audiência de

instrução, assim como no Tribunal do Júri, caberá ao Magistrado aplicar a medida

mais correta para que seja preservado o anonimato da testemunha, a fim de que

esta consiga depor tranquilamente, sem sentir-se pressionada por alguma situação.

Como exemplo, utilização de capuz (bala clava), distorção da voz do depoente, a

colocação do depoente em sala anexa, o uso de biombo, ou qualquer outro tipo de

mecanismo que o Juiz entender necessário47.

Nessa mesma esteira de pensamento, o CCR - Centro de Apoio Operacional

Criminal do Ministério Público de Santa Catarina48 - propôs as seguintes

recomendações:

Nesse particular, torna-se imperioso a definição de como se dará a operacionalização da audiência de instrução, uma vez que há uma grande dificuldade de manutenção do sigilo da identidade do depoente. Deve-se garantir a não identificação da vítima/testemunha visando proteger a sua integridade física, utilizando-se das seguintes medidas: Audiência em separado das demais testemunhas arroladas no processo. Designação de Audiência em dia e horário diferenciado dos demais processos, inclusive em período diverso do expediente normal (...). No início da audiência, poderá o Promotor de Justiça requerer a utilização de capuz (balaclava); a colocação do depoente em sala anexa; o uso de biombo ou qualquer outro recurso que proporcione a preservação do anonimato de moto que este se sinta confortável e seguro a depor.

47 LOCATELLI, Paulo Antônio. O Ministério Público e a Proteção a Vítimas e Testemunhas. Disponível em: < http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=2241&conteudo=fixo_detalhe>. Acesso em: 12 de março de 2008. 48 Texto extraído da obra de CAETANO DA SILVA. André Ghiggi. A prova pessoal oculta e a defesa do réu no âmbito processual penal brasileiro. Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito à obtenção do grau de Especialista em Direito Processual Penal, Florianópolis, 2008.

29

Justamente nessa seara que se encontra o principal conflito, porquanto por

força dos princípios constitucionais previstos na Carta Magna e demais disposições

do Código de Processo Penal, os quais serão abordados em capítulo ulterior.

Por esse motivo, os acusados vêem alegando cerceamento de defesa às

garantias constitucionais do contraditório de da ampla defesa no momento da

audiência de instrução, ante a impossibilidade de argüir a contradita49.

Sobre o assunto, já se manifestou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado

de Santa Catarina, conforme se observa no voto exarado pelo Eminente

Desembargador Irineu João da Silva na Apelação Criminal n. 2006.004888-850:

Tampouco há que se falar em cerceamento de defesa, sob o fundamento que não foi oportunizada à defesa o conhecimento anterior dos nomes das testemunhas protegidas pelo Provimento 14/2003, da Corregedoria Geral do Estado de Santa Catarina, impossibilitando a contradita, uma vez que uma delas é inimiga dos réus e possui fica criminal. Consoante o disposto na Lei n.º 9.807/1999, que trata das normas de proteção às vítimas e testemunhas: Art. 7º. Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segunda a gravidade e as circunstâncias de cada caso: (...) IV – preservação da identidade, imagem e dados pessoais; (...) VIII – sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida. (...) Quis o legislador, por óbvio, criar mais um caso de reserva de lei restritiva, para, em nome do interesse público, restringir o princípio da publicidade e, por conseguinte, o do contraditório: “Ao lado dos direitos constitucionais submetidos às restrições diretamente constitucionais, encontram-se os direitos fundamentais sujeitos às restrições impostas através de lei infraconstitucional, naquelas situações em que a própria Constituição Federal, ao tratá-los, refere, expressamente, sobre a possibilidade de a limitação ocorrer veiculada através de uma norma de grau hierárquico inferior”. (...) Portanto, afastada a visão dogmática do princípio do contraditório, têm-se como válidos os depoimentos prestados pelas testemunhas, de acordo com o que prevê o Provimento 14/03, da Corregedoria-Geral de Justiça.

49 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 214. Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou argüir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou argüição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não Ihe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.” 50 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n.º 2006.0048888-8. Relator: Desembargador Irineu João da Silva. Órgão Julgador: 2ª Câmara Criminal. j. 09.05.2006. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em: 24 de julho de 2008.

30

Assim sendo, poderiam os princípios constitucionais ser dispensados para

em troca se garantir a segurança, de vítimas e testemunhas em tese, ameaçadas,

consideradas indispensáveis à instrução criminal? É exatamente esse ponto que

será discutido no próximo capítulo.

31

2. ARGUMENTOS CONSTITUCIONAIS CONTRÁRIOS À

TESTEMUNHA SEM ROSTO

Partindo da concepção de que “ninguém será privado da liberdade ou de

seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, inciso LIV, da CF), ao acusado

deve-se garantir a plenitude de defesa.

Assim sendo, neste segundo capítulo serão apresentados os princípios que

vão de encontro com a aplicação da oitiva das testemunhas ocultas ou também

chamadas de “testemunha sem rosto”.

Através do estudo dos princípios constitucionais inerentes ao réu, o presente

capítulo discute a possibilidade (ou não) da prova pessoal oculta frente ao direito de

defesa do acusado.

2.1 Princípio do contraditório

O direito ao contraditório está previsto no artigo 5º, inciso LV, da

Constituição Federal e estabelece que “aos litigantes, em processo judicial ou

administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (grifo acrescido).

O citado inciso significa, segundo NUCCI51, que em toda alegação fática ou

apresentação de prova realizada por qualquer uma das partes, o antagonista tem o

direito de se manifestar. Tal princípio busca um equilíbrio na relação estabelecida

entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à liberdade e à manutenção do

estado de inocência do acusado, ou seja, entre o Ministério Público e a defesa.

FERNANDES52 define o princípio do contraditório de uma forma simples,

contudo, auto-explicativa, quando afirma que “são elementos essenciais do

51 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. 52 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

32

contraditório a necessidade de informação e a possibilidade de reação”, e ainda,

conforme MENDES DE ALMEIDA53 o contraditório é “a ciência bilateral dos atos e

termos processuais e possibilidade de contrariá-los”.

Navegando no mesmo rumo, SAAD54 ensina:

O contraditório, por sua vez, na lição já clássica da Joaquim Canuto Mendes de Almeida, é a “ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”. Exige, pois, ação e reação da parte contrária, representando o contraditório “o complemento e o corretivo da ação da parte. Cada um dos contendores age no processo tendo em vista o próprio interesse”. No contraditório preexiste um conflito, que se deseja solucionar por via do contraditório, ou seja, o contraditório é o instrumento de solução do conflito que já está pré-resolvido na lei ou no sistema. Cuida-se de tese e antítese e de relação de oposição entre dois sujeitos parciais. A bilateralidade é, pois, exigência que leva ao método dialético de superação do conflito, por meio da função e da atividade de um sujeito imparcial.

O contraditório trata de um princípio aplicado para acusação, bem como

para a defesa. Ambas as partes têm o direito de tomar ciência dos atos do processo

e também podem manifestar-se antes de qualquer decisão jurisdicional. É a garantia

do réu de conhecer todo o teor da acusação que lhe é atribuída, com a possibilidade

de contrariá-la.

O princípio do contraditório é, portanto, um direito conferido às partes para

que elas participem efetivamente da formação da convicção do magistrado, posto

que em relação a este, as partes não são adversárias, e sim, colaboradoras

necessárias.

O artigo 479 do Código de Processo Penal é um exemplo de como o

princípio do contraditório é aplicado, inclusive, no Tribunal do Júri. O referido artigo

prevê o seguinte: “Durante o julgamento não será permitida a produção ou leitura de

documento que não tiver sido comunicado à parte contrária, com antecedência,

pelo menos, de 03 (três) dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou

qualquer escrito, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato constante no processo”.

(grifo acrescido).

53 MENDES DE ALMEIDA. Joaquim Canuto. Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. 54 SAAD, Marta. O Direito de Defesa no Inquérito Policial. v. 9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

33

Para BOMFIM55, existem 02 (duas) espécies de contraditório: o real e o

diferido. O contraditório real é aquele que se concretiza no momento da produção

probatória, como por exemplo, durante a oitiva das testemunhas em juízo, tendo em

vista a oportunidade da parte contrária de formular perguntas. Já o contraditório

diferido acontece após a produção da prova, ou seja, nas alegações finais, debates,

requerimentos e impugnações ulteriormente feitas pelas partes. Portanto, caso não

seja possível a realização do contraditório real em decorrência da natureza da ação

(ex: interceptação telefônica, busca e apreensão etc.), do procedimento (ex:

inquérito policial) ou do momento em que se realiza (ex: exame perinecroscópico em

um morto, sem que se tenha ainda determinada a natureza jurídica da morte e/ou

suspeita de autoria), as partes têm direito ao contraditório diferido.

O princípio do contraditório traz a igualdade das partes na relação jurídica

processual e garante a ambas o direito de tomar conhecimento de qualquer fato

ocorrido e de se manifestar. A doutrina moderna acredita na paridade de armas

entre as partes, em busca de uma efetiva igualdade processual.

Sobre a paridade de armas, Eugênio Pacelli de Oliveira56 tece os seguintes

comentários:

Da elaboração tradicional que colocava o princípio do contraditório como a garantia de participação no processo como meio de permitir a contribuição das partes para a formação do convencimento do juiz e, assim, para o provimento final almejado, a doutrina moderna caminha a passos largos no sentido de uma nova formulação do instituto, para nele incluir, também, o princípio da par conditio ou paridade de armas, na busca de uma efetiva igualdade processual. O contraditório, então, não só passaria a garantir o direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária aos interesses das partes e o direito à reação (contrariedade) de ambos – vistos, assim, como garantia de participação, mas também garantiria que a oportunidade da resposta pudesse realizar a mesma intensidade e extensão. Em outras palavras, o contraditório exigiria a garantia de participação em simétrica paridade.

Na mesma senda, é o entendimento de FERRAJOLI57:

55 BOMFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 56 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 6 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. 57 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

34

Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel contraditor seja admitido em todo Estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações.

O princípio ora discutido, portanto, decorre do princípio da igualdade

processual, posto que as partes se encontram em posição análoga perante o Estado

e também perante o Juiz, pois, se ouvida uma parte, deve ser dada à outra o direito

de manifestar-se logo em seguida. Por esse motivo, é conhecido, pelos doutos deste

ramo do direito, pelo binômio “ciência e participação”.

Para DUCLERC 58, o contraditório consiste na “existência de mecanismos

recíprocos de fiscalização e controle da atuação processual da parte contrária”.

O contraditório, como se vê, é um dos princípios mais importantes no

processo acusatório e, portanto, essencial para a validade do mesmo e, se violado,

é passível de nulidade absoluta quando acarretar prejuízo ao acusado59. O artigo

564, inciso III, alíneas c, e, f, g, h, l e o, do Código de Processo Penal60 dispõe sobre

as hipóteses em que ocorrerá nulidade devido à inobservância do referido princípio.

Quanto ao momento oportuno para argüir a nulidade, OLIVEIRA61 ilustra:

[...] Quando se tratar de violação do contraditório em relação à acusação, será necessária a argüição expressa da irregularidade no recurso, sob pena de preclusão, ainda que se cuide de nulidade absoluta. Nessa hipótese, excepcional, por certo, levam-se em consideração outras questões, ora ligadas ao controle do bom desempenho das funções públicas (o Ministério Público deve zelar,

58 DUCLERC, Elmir. Curso Básico de Direito Processual. 2 ed. vol. I. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. 59 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. 60 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (...) III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: (...) c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos; (...) e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa; f) a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri; g) a intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia; h) a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei; (...) l) a acusação e a defesa, na sessão de julgamento; (...)o) a intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso; (...). 61 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 9 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2008.

35

sempre, pela regularidade do processo, em todas as suas fases), ora ligadas à vedação da não-surpresa (no fundo, o próprio contraditório) para a defesa; esta, diante da ausência de impugnação da irregularidade no recurso da acusação, não teria como se manifestar sobre a mesma.

Sobre o assunto, a Súmula n. 707 do Supremo Tribunal Federal prevê:

“Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões

ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não suprindo a nomeação de

defensor dativo”.

Destarte, em concordância com o princípio do contraditório, conclui-se que

todo réu, tem o direito de conhecer todas as provas produzidas contra si e, portanto,

tem direito, inclusive, de identificar as testemunhas que vierem depor acerca dos

fatos que lhe são imputados.

Portanto, na condição de que o réu tem direito de apreciar toda alegação

feita contra a sua pessoa e de contrariá-la, seria correta a aplicação do Provimento

n. 14 da Corregedoria Geral de Santa Catarina em audiência de instrução?

Em um caso concreto, por exemplo, não seria possível se defender deste

meio de prova. Seria impossível contrariar uma testemunha que não se tem idéia de

quem seja e nem tem conhecimento de seus dados pessoais.

A propósito GOMES FILHO62 salienta que ainda que a testemunha seja

identificada pelo réu, só o simples fato de não se ter conhecimento de seu paradeiro

já estaria prejudicado o exercício do contraditório:

Mesmo no caso em que a testemunha esteja presente, sendo visualmente identificada, o desconhecimento de seus dados de qualificação poderá prejudicar o exercício do contraditório. Por exemplo, não será possível verificar eventual grau de parentesco com as partes do processo, o que poderia colocar sob suspeita seu depoimento. Além disso, ignorando-se sua identidade, sua residência e seu local de trabalho, fica-se privado de informações sem as quais podem restar impossibilitadas de verificação e confrontação de certas afirmações, como por exemplo, o haver a testemunha presenciado o delito quando ia para o trabalho, ou quando retornava para sua residência. (grifo acrescido).

62 GOMES FILHO, Antonio Magalhães; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivanhy. Prova e Sucedâneos de Prova no Processo Penal Brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 2007.

36

Assim sendo, por ser considerado um meio de prova no Processo Penal, a

grande maioria dos doutos deste ramo defendem que o contraditório deve ser

oportunizado ao réu no tocante às declarações das testemunhas e/ou vítimas.

2.2 Princípio da ampla defesa

Assim como o contraditório, o princípio da ampla defesa encontra

fundamento no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal e prevê: “aos litigantes,

em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (grifo

acrescido).

O artigo 93, inciso II, alínea d, da Carta Magna, também faz referência ao

princípio da ampla defesa e evidencia mais uma vez sua importância: “na apuração

da antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto

fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e

assegurada a ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação” (grifo

acrescido).

Como se não bastasse, a Convenção americana sobre os direitos humanos

estabelece em seu artigo 8º que a ampla defesa é uma garantia indispensável ao

réu:

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo do tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; (...)

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f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; (...)

BONFIM63 conceitua o princípio da ampla defesa como sendo o “direito das

partes de oferecer argumentos em seu favor e de demonstrá-los, nos limites em que

isso seja possível”. Ou ainda, conforme NUCCI,64 é o direito de se valer de amplos e

extensos métodos para se defender dos fatos que lhe são imputados.

Segundo a cátedra de GRECO FILHO65, são meios essenciais à ampla

defesa:

a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contra-prova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça; e e) poder recorrer da decisão desfavorável.

Já TUCCI66 define o princípio da ampla defesa como “três realidades

procedimentais, a saber: a) o direito à informação (nemo inauditos damnari potest);

bilateralidade da audiência (contraditoriedade); e c) o direito à prova legitimamente

obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade).”

A ampla defesa é um princípio inerente ao indivíduo e garante ao réu

prerrogativas que não acolhem a acusação, como por exemplo, o ajuizamento de

revisão criminal; a possibilidade do juiz desconstituir o advogado escolhido pelo

acusado (caso verifique a deficiência da defesa), etc.

Para BOMFIM67 “A defesa pode ser exercida por meio da defesa técnica e

também da autodefesa”. É chamada defesa técnica quando realizada por um

defensor (habilitado, constituído ou nomeado). Já a autodefesa (ou defesa pessoal)

é a garantia do réu de participar da formação da convicção do juiz (direito de

audiência) e de estar presente nos atos processuais (direito de presença). Ambas,

juntas, compõem a ampla defesa.

63 BOMFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 64 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. 65 GRECO FILHO, Vicente. Tutela Constitucional das Liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. 66 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e Processo Penal (estudo sistemático). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 67 BOMFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

38

Complementa FRANCO68 que:

O princípio constitucional da ampla defesa deve ser enfocado sob dois ângulos, que não se repelem, antes se completam: a) o da autodefesa ou defesa pessoal, desempenhada pelo próprio acusado na medida em que dá sua contribuição para a função defensiva; b) o da defesa técnica realizada pelo defensor que, na qualidade de técnico em direito, tem em tese conhecimento da maneira mais eficiente de exercitar aquela função.

Conforme o artigo 261 do Código de Processo Penal69 a defesa técnica é

imprescindível. O próprio artigo 5º, em seu inciso LVII, da Constituição Federal

esclarece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória”, portanto, nada mais necessário que o réu possua um

profissional habilitado (defesa técnica) para poder se defender dos fatos que lhe são

imputados.

A propósito, é o ensinamento de GRINOVER70:

No processo penal, entendem-se indispensáveis quer a defesa técnica, exercida por advogado, quer a autodefesa, com a possibilidade dada ao acusado de ser interrogado e de presenciar todos os atos instrutórios. Mas enquanto a defesa técnica é indispensável, até mesmo pelo acusado, a autodefesa é um direito disponível pelo réu, que pode optar pelo direito ao silêncio (art. 5º, inc. LXIII, CF).

Contudo, quando o réu não possuir condições de contratar um defensor, o

Estado tem o dever de lhe proporcionar assistência jurídica integral e gratuita (art.

5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal71), seja pessoal (autodefesa), ou técnica,

neste último caso, deve o juiz nomear um advogado dativo, ou público para assumir

a defesa do acusado.

68 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 69 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada”. 70 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As Nulidades do Processo Penal. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. 71 BRASIL. Constituição Federal. “Art. 5º, inciso LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

39

O artigo 263 do Código Penal prevê que “se o acusado não o tiver, ser-lhe-á

nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro

de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação”.

Cumpre ressaltar que a falta de defesa técnica é motivo de nulidade do ato

processual viciado ou, ainda, de todo o procedimento, posto que a presença do

defensor junto da autoridade judiciária ou policial no momento da produção da prova

é imprescindível, visto ser exigência constitucional e possuir expressa previsão no

artigo 185 do Código de Processo Penal. Portanto, o direito de defesa técnica é

indispensável para o regular e legítimo desenvolvimento do processo.

Não obstante, a ampla defesa não abrange tão somente a defesa técnica.

Além dessa, conforme exposto acima, existe a defesa pessoal do imputado. Esta se

manifesta pela resistência do réu à pretensão punitiva estatal.

Sobre a defesa pessoal ou também chamada de autodefesa, LOPES72

elucida:

A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de várias formas, mas encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância. Classificamos a autodefesa a partir de seu caráter exterior, como uma atividade positiva ou negativa. O interrogatório é o momento em que o sujeito passivo tem a oportunidade de atuar de forma efetiva – comissão –, expressando os motivos e as justificativas ou negativas de autoria ou de materialidade do fato que se lhe imputa.

Como exemplo de defesa pessoal ou autodefesa pode-se destacar o que

está assegurado no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, igualmente

previsto no artigo 186 do Código de Processo Penal, os quais permitem que o réu

permaneça calado.

Outro direito decorrente do princípio da ampla defesa é o da obrigatoriedade

de seguir a ordem natural do processo, a fim de que a defesa se manifeste após

qualquer manifestação do Ministério Público.

Cabe ressaltar a diferença do princípio da ampla defesa do princípio da

plenitude de defesa assegurada no rito do Tribunal do Júri, este último previsto no

artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea a, da Constituição Federal.

72 LOPES, Aury Junior. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005.

40

Conclui-se, portanto, que o princípio da ampla defesa juntamente com o

princípio do contraditório possibilitam ao réu apresentar qualquer reação à ação da

qual venha a ser acusado, com o intuito de esclarecer a verdade real, ou seja, é o

conhecimento e a comunicação dos atos processuais acusatórios, a fim de que

possa apresentar contrariedade para formar a convicção do juiz.

Assim sendo, nota-se que o princípio do contraditório é a exteriorização da

ampla defesa, e para maior entendimento no assunto, transcreve-se as palavras de

MORAES73:

O contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condição dialética do processo (par conditio), pois a todo o ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.

Conforme o explanado, indiscutível o direito do acusado de conhecer a

testemunha que o acusa, pois ele tem o direito de conhecer todas as provas

produzidas conta a sua pessoa.

Assim já se manifestou o Tribunal de Justiça de São Paulo74:

Provimento nº 32/2000 da Egrégia Corregedoria Geral de Justiça – Proteção de testemunhas ameaçadas ou com temor de represálias – Permissão somente de se omitir a qualificação e endereço nos autos, devendo ser remetidos em documento separado – Não cabimento de se omitir nome de testemunhas ou vítimas, para atendimento do princípio da ampla defesa – Inteligência do art. 3º do Provimento 32/2000 CGJ. (grifo acrescido).

Para completar, FERNANDES75 afirma que:

A presença do acusado no momento da produção da prova testemunhal é essencial, sendo exigência decorrente do princípio constitucional da ampla defesa. Estando em audiência, pode ele auxiliar o advogado nas reperguntas a serem dirigidas à testemunha ouvida.

73 MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. 74 BRASIL.Tribunal de Justiça de São Paulo. Habeas Corpus n. 376.330/5-00. Relator: Desembargador Damião Cogan. Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Criminal. j. 18 de abril de 2002. Disponível em: <www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 02 de novembro de 2008. 75 FERNANDES. Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

41

Deste modo, conforme já tratado no princípio do contraditório, mais uma vez

seria impossível alguém se defender amplamente se não tem conhecimento de

quem é a pessoa que lhe acusa.

2.3 Princípio do devido processo legal

O princípio do devido processo legal está fundamento no artigo 5º, inciso

LIV, da Carta Magna e prevê: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens

sem o devido processo legal”.

O referido princípio é considerado, segundo NUCCI76, “o aglutinador dos

inúmeros princípios processuais penais” e constitui a necessidade de obediência

àquilo que está previamente estabelecido em lei.

Neste sentido, importante trazer à baila o posicionamento de BONFIM77 no

que diz respeito ao princípio ora discutido:

A cláusula do devido processo legal estabelece a garantia do acusado de ser processado segundo a forma legalmente prevista, reconhecendo no processo penal, além de sua instrumentalidade, também sua natureza constitucional. O Estado está obrigado, na busca da satisfação de sua pretensão punitiva, a obedecer ao procedimento previamente fixado pelo legislador, vedada a supressão de qualquer fase ou ato processual ou o desrespeito à ordem do processo.

Igualmente, FRANCO e STOCO78, ao abordarem o tema, ponderam:

[...] Ao ente público (pouco importa se integrante do Executivo, Legislativo ou Judiciário) não é dado descumprir, violar ou deixar de prestar algo que a lei determine “devido” ao cidadão. Se o Estado assume para si o monopólio da função de julgar e aplicar pena, não pode deixar de cumprir esse mister segundo as regras de um atuar justo e predefinido em lei. No aspecto político, ainda, cabe observar que a palavra “devido” da cláusula “devido processo legal” indica que alguém deve e alguém é credor de um processo legítimo e

76 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. 77 BOMFIM. Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 78 FRANCO. Alberto Silva; STOCO, Rui. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

42

previamente previsto em lei e, pela origem histórica e aplicação juspolítica que sempre se fez dessa cláusula, resta inegável que é o Estado que deve a seus cidadãos um processo que seja legalmente previsto e, em última análise, justo para cada situação concreta.

O princípio do devido processo legal ou também conhecido como o princípio

do “due processo of law”, assegura que o que não está previsto em lei não poderá

ser aplicado, ou seja, deve-se respeitar o que está expressamente contido na

legislação.

Ocorre que, ao analisar os artigos referentes às testemunhas, observa-se

que o Código de Processo Penal Brasileiro não prevê expressamente a oitiva de

testemunhas ocultas e, portanto, não aceita tal forma de inquirição.

O artigo 203 do Código de Processo Penal determina que antes de prestar

suas declarações, a testemunha deverá identificar-se. Veja-se:

Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em qualquer grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade. (grifo acrescido).

Outro dispositivo contido no Código de Processo Penal que impossibilita a

aplicação da testemunha sem rosto é o artigo 187 o qual prevê que o magistrado

deverá indagar se o réu conhece as testemunhas do processo e se possui algo a

alegar contra elas.

Ora, em se tratando de testemunha oculta, impossível seria responder se

conhece ou não as testemunhas e muito menos se tem algo contra elas.

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. [...] §2º. Na segunda parte será perguntado sobre: [...] V- se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas; [...].

43

Além disso, o artigo 41 do mesmo diploma legal estabelece que deverá

constar na exordial acusatória o rol de testemunhas. Destarte, mais um dispositivo

que vai de encontro com o anonimato da testemunha:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-los, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. (grifo acrescido).

O fato de não constar na denúncia o nome da testemunha que acusa o réu é

causa de nulidade absoluta, conforme estabelece o artigo 564, inciso III, alínea “a”.

Isso porque a denúncia que não contém o rol de testemunhas a fim de que o réu

tome conhecimento de quem o acusa, não preenche as formalidades legais exigidas

no artigo 41 do Código de Processo Penal. É prerrogativa do acusado saber, ao

menos, o nome das testemunhas que o acusam.

O artigo 564, inciso III, alínea “a”, do Código de Processo Penal assim prevê:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: [...] III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: a) a denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de contravenções penais, a portaria ou o auto de prisão em flagrante. [...].

A jurisprudência do Estado de São Paulo assim já se posicionou79:

PROCESSO CRIME – Denúncia – Nulidade – Caracterização – Hipótese que não consta na inicial o nome das testemunhas arroladas – Errônea interpretação do Provimento nº 32/2000 da Corregedoria Geral da Justiça que permite tão-somente a omissão quanto à qualificação e endereço das testemunhas – afronta ao art. 187, §2º, V, do Código de Processo Penal – Processo nulo desde o recebimento da denúncia – Habeas Corpus – Ordem concedida.

Inclusive, a nova redação do artigo 217, caput, do Código de Processo

Penal, alterada pela Lei n. 11.690/08, demonstra que o legislador sequer cogitou

hipótese da existência da testemunha sem rosto ao estabelecer que:

79 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Habeas Corpus n. 460.440.3/4. Relator Denser de Sá. j. 14 de julho de 2004.

44

Art. 217. Se o juiz verificar que a presença o réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença de seu defensor. Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.

Ao analisar o artigo supracitado, verifica-se que, se o magistrado verificar

que a presença do réu na sala de audiência poderá interferir na verdade do

depoimento da testemunha, a oitiva se realizará através de videoconferência, e na

impossibilidade desta, o réu será retirado da sala. Em momento algum o legislador

deixa em aberto qualquer outra interpretação acerca da oitiva da testemunha sem

rosto.

A respeito, o Ministério Público de Santa Catarina80 esclarece:

O dispositivo não só alterou a regra de retirada do réu da audiência de oitiva de testemunhas, como instituiu a possibilidade de oitiva por videoconferência. Antes do advento da Lei n. 11.690/08, quando o juiz verificava que a presença do réu poderia influir no ânimo da testemunha, prejudicando a verdade do depoimento, poderia determinar a retirada do réu da sala de audiência, seguindo a inquirição com a presença do defensor. Agora, se a presença do réu causar humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha ou ofendido, prejudicando a verdade do depoimento, antes da retirada do réu, a primeira opção será a oitiva da testemunha ou ofendido por videoconferência (com discutida constitucionalidade). Somente na impossibilidade da realização desta é que o magistrado deve determinar a retirada do réu da sala de audiência (o que será a regra do nosso Estado), observando sempre o disposto no parágrafo único do art. 217, que determina o registro em ato da adoção das medidas referidas.

Segue a discussão em torno do novo texto do artigo 217, caput, do Código

de Processo Penal, alterado pela Lei n. 11.690/08:

80 Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Centro de Apoio Operacional Criminal (CCR). Lei n. 11. 690/2008. Alterações ao Código de Processo Penal. Sistema de Provas. Parecer n. 007/2008/CCR. Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br>. Acesso em: 15 de outubro de 2008.

45

Outra significativa novidade trazida pela Lei 11.690/08 é a possibilidade de ser inquirida a testemunha através de videoconferência, nas mesmas situações em que essa deve ser usada na oitiva do ofendido, ou seja, sempre que a presença do réu puder provocar humilhação, temor ou sério constrangimento, de modo a prejudicar a verdade do depoimento. Essa é a regra, e somente no caso de não ser possível a realização de videoconferência é que se procederá à retirada do acusado da sala de audiência, a fim de inquirir-se a testemunha, prosseguindo-se na presença do defensor. Dessa forma, o legislador prestigia o direito de defesa, priorizando a presença do réu durante a colheita das provas, somente excepcionando tal regra quando não for possível o uso dos recursos tecnológicos disponíveis. De todo modo, qualquer que seja a medida tomada, deverá, obviamente, constar do termo de registro dos atos da audiência. (grifo acrescido).81

Por outro lado, o Provimento n. 14/2003 da Corregedoria Geral de Justiça de

Santa Catarina, criado através da Lei n. 9.807/1999 (Lei de Proteção a Vítimas e

Testemunhas), autoriza em seu artigo 2º a omissão de dados pessoais da vítima ou

testemunha ameaçada:

Art. 2º. Os dados pessoais da vítima e/ou da testemunha deverão ser anotados em documentos distintos dos de seus depoimentos e depositados em pasta própria, sob a guarda do Escrivão Policial ou Judicial, no âmbito de suas atribuições.

De forma muito semelhante foi criado o Provimento n. 32 do Estado de São

Paulo, o qual dispõe em seu artigo 3º que para as testemunhas protegidas deve-se

omitir apenas a sua qualificação e endereço:

Art. 3º. As vítimas ou testemunhas coagidas ou submetidas a grave ameaça, em assim desejando, não terão quaisquer de seus endereços e dados de qualificação lançados nos termos de seus depoimentos. Aqueles ficarão anotados em impresso distinto, remetido pela Autoridade Policial ao Juiz competente juntamente com os autos do inquérito após edição do relatório. No Ofício de Justiça, será arquivada a comunicação em pasta própria, autuada com, no máximo, duzentas folhas, numeradas, sob responsabilidade do Escrivão.

81 Disponível em: <http://estudosjuridicos.wordpress.com/2008/08/05/lei-1169008-alteracoes-no-cpp-parte-ii/>. Acesso em: 17 de outubro de 2008.

46

Para GOMES FILHO82, o Provimento n. 32/2000 da Corregedoria Geral de

Justiça de São Paulo e conseqüentemente o Provimento n. 14 de Santa Catarina,

ferem os dispositivos do Código de Processo Penal acima analisados:

Cabe destacar, ainda, que no Estado de São Paulo, o Provimento 32, de 24.10.2000, da Corregedoria Geral de Justiça, autoriza a omissão “de endereços e dados de qualificação” das testemunhas ou vítimas ameaçadas ou atemorizadas (art. 3º), que ficarão arquivados em parta própria. [...] Mesmo assim, o referido provimento estabelece que o “acesso à pasta fica garantido ao Ministério Público e ao Defensor constituído ou nomeado nos autos, com controle de vistas, feito pelo Escrivão, declinando data (art. 5º). De qualquer forma, é de se observar que o provimento fere o disposto no Código de Processo Penal, que exige a qualificação das testemunhas, incluindo o endereço. A chamada “testemunha” sem rosto, que tem sido admitida em legislações de emergência em outros países, em nosso entender, afronta o devido processo legal e a ampla defesa. (grifo acrescido).

A jurisprudência do Estado de São Paulo entende que apenas deve-se omitir

a qualificação e o endereço da testemunha ameaçada, contudo o nome necessita

constar na denúncia a fim de possibilitar a ampla defesa.

A seguir transcreve-se a ementa83:

HABEAS CORPUS – ARTIGO 121, §2º, I E IV, DO CÓDIGO PENAL – PROVIMENTO 32/2000 DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA – OMISSÃO TÃO-SOMENTE DA QUALIFICAÇÃO E ENDEREÇO DA TESTEMUNHA – ATENDIMENTO AO DISPOSTO NO ARTIGO 187, §2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – CONSTRANGIMENTO ILEGAL DIANTE DO SIGILO QUANTO AO NOME COMPLETO DA TESTEMUNHA PROTEGIDA – OCORRÊNCIA – NULIDADE RECONHECIDA. ORDEM CONDEDIDA.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo é uníssona, conforme

se verifica na decisão do Habeas Corpus n. 376.330-3/5-0084, onde determinou que

82 FERNANDES, Antonio Scarance. Prova e Sucedâneos da Prova no Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 2007, n. 65. 83 BRASIL. Habeas Corpus n. 11499423/9-00. Comarca de São Paulo. Apelação Penal n. 052.00.0046.15-9. Juízo de origem: 1ª Vara do Tribunal do Júri. Órgão julgador: oitava Câmara de Direito Criminal. Relator: Maria Terezinha do Amaral. Data do julgado: 15 de abril de 2008. Disponível em: <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 28 de junho de 2008. 84 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. HC n. 376.330-3/5-00. Relator: Desembargador Damião Cogan. Órgão julgador: 5ª Câmara Criminal. Data do julgado: 18 de abril de 2002. Disponível em: <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 28 de junho de 2008.

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apenas o sigilo da qualificação da testemunha é admitido, e, decidiu ainda, que o réu

tem o direito de ter acesso ao menos ao nome das testemunhas, em observância ao

princípio da ampla defesa:

Provimento n° 32/2000 da Egrégia Corregedoria Geral de Justiça - Proteção de testemunhas ameaçadas ou com temor de represálias - Permissão tão-somente de se omitir a qualificação e endereço nos autos, devendo ser remetidos em documento separado – Não cabimento de se omitir nome de testemunhas ou vítimas, para atendimento do princípio da ampla defesa Inteligência do art. 3º do Provimento 32/2000 CGJ. (...) No presente caso a denúncia omitiu os nomes das testemunhas, constando apenas "testemunha protegida – Provimento 32/00 – fls.”, o que impede o exercício da ampla defesa. Trata-se de direito de qualquer acusado saber o nome das testemunhas que a ele imputam a prática de crime para, se for o caso, inclusive, contradita-las, nos termos do art. 214 do CPP. Caso tal não ocorra estar-se-á desobedecendo o princípio do "dues process of law", retroagindo à fase da Inquisição, onde proliferavam as denúncias acobertadas pelo anonimato e aqueles que respondiam ao Tribunal da Santa Inquisição, onde, só no dia em que iria ser feito publicamente o julgamento, após colheita de provas interrogatório, é que tomava ciência da acusação que contra ele pesava. Nos dias de hoje o que o bem elaborado Provimento 32/2000 da E. Corregedoria Geral de Justiça pretendeu autorizar foi, tão-só, a omissão "de endereços e dados de qualificação” das testemunhas ou vítimas ameaçadas ou atemorizadas, como esclarece o art. 3º do citado provimento. O art. 68 da Lei das Contravenções Penais menciona a infração de "recusa de dados sobre a própria identidade ou qualificação", fazendo distinção entre o nome da pessoa, que caracteriza sua identidade, e a qualificação, na qual se incluem estado, profissão, domicílio e residência. Correto, portanto, é a interpretação de que para as testemunhas resguardadas por tal Provimento deve-se omitir apenas sua qualificação e endereço, tornando público o nome da testemunha para possibilitar ampla defesa. Essa é a única interpretação que se pode dar ao referido Provimento, mesmo porque não pode ele ir contra o que determina o Código de Processo Penal, que lhe é superior hierarquicamente na pirâmide de Kelsen sobre a hierarquia das normas, mesmo porque o art. 41 do CPP ao mencionar os requisitos da denúncia esclarece que deve ela conter, "quando necessário, o rol das testemunhas". Considerando que a ilustre Magistrada mencionou que iria reinterrogar o paciente quando da oitiva de testemunhas, não é caso de anulação da ação penal posto que eventual prejuízo estará superado.Todavia é de bom alvitre que se abra vista ao Ministério Público de primeiro grau para que adite a denúncia a fim de nela constar o nome das testemunhas protegidas. Isso posto, não havendo constrangimento ilegal denega-se a ordem, com a recomendação de se abrir vista ao Ministério Público de primeiro grau para aditamento em que se consigne o nome das testemunhas protegidas.

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Por todo o exposto, conclui-se que a única interpretação aceitável do

Provimento n. 32/2000, do Estado de São Paulo, é que ao menos, o nome da

testemunha, ainda que protegida, deve ser público e, portanto, necessita constar na

exordial acusatória. Isso porque, o referido Provimento não permite a ocultação do

nome da testemunha e prevê apenas a omissão da qualificação e endereço,

diferentemente do Provimento n. 14/2003, do Estado de Santa Catarina, o qual

prevê expressamente que os dados pessoais da testemunha deverão ser guardados

em pasta própria separado dos autos.

2.4 Princípio da publicidade

O princípio da publicidade dos atos processuais está previsto no artigo 5º,

inciso LX, da Constituição Federal e estabelece: “A lei só poderá restringir a

publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social

o exigirem”. O mesmo artigo, inciso XXXIII, aponta que “todos têm direito a receber

dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo

ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,

ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do

Estado”.

Ainda, o artigo 93, inciso IX do mesmo diploma legal dispõe que: “todos os

julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas

as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em

determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em

casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não

prejudique o interesse público à informação”.

NUCCI85 define o princípio da publicidade dos atos processuais da seguinte

forma:

Quer dizer que os atos processuais devem ser realizados publicamente, à vista de quem queira acompanhá-los, sem segredos

85 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

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e sem sigilos. É justamente o que permite o controle social dos atos e decisões do Poder Público.

Para MIRABETE86, a publicidade dos atos processuais se divide em:

publicidade geral (publicidade popular), ou seja, publicidade plena, quando todos os

atos podem ser presenciados por qualquer pessoa e; publicidade especial, quando a

publicidade é restrita (publicidade para as partes) e, portanto, garante um número

reduzido de pessoas para o ato.

A publicidade pode ainda ser imediata e mediata. Segundo BOMFIM 87, a

publicidade imediata é quando as partes estão presentes e, portanto, têm contato

direto com os atos processuais e a publicidade mediata é, geralmente, resultante da

divulgação dos atos processuais por meios de comunicação.

Da mesma forma, são as palavras de MIRABETE88 quando explana:

Pode ela ser imediata, quando se pode tomar conhecimento dos atos diretamente, ou mediata, quando os atos processuais só se tornam públicos através de informe ou certidão sobre sua realização e conteúdo.

O artigo 792, caput, do Código de Processo Penal expressa claramente a

publicidade geral quando estabelece que: “as audiências, sessões e os atos

processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e

tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que

servir de porteiro, em dia e horas certos, ou previamente designados.

Já o artigo 792, §1º do mesmo diploma legal é um exemplo de publicidade

especial no momento em que permite a realização de audiência com a presença

apenas das partes interessadas no processo. O parágrafo prevê: “Se a publicidade

da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo,

inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal,

câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério

Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número

de pessoas que possam estar presentes.

86 MIRABETE. Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2007. 87 BONFIM. Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 88 MIRABETE. Julio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

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Em outros diversos momentos previstos no Código de Processo Penal,

também se verifica a aplicação do princípio da publicidade dos atos processuais na

forma especial (ou restrita), como por exemplo, na votação dos jurados na sessão

de julgamento no Tribunal do Júri; quando permite que o magistrado determine a

retirada do réu da audiência caso verifique que a sua presença poderá influenciar no

ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento (art. 217)

e; no momento em que estabelece o sigilo dos registros da reabilitação (art. 748).

Para alguns doutos neste ramo do direito, o princípio da publicidade dos atos

processuais, como o próprio nome já diz, é aplicado somente nos atos processuais,

e, portanto, não se estende na fase inquisitorial.

Nesse sentido, MUCCIO 89 leciona:

A publicidade não vigora no inquérito policial, pois, nele a autoridade assegurará o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (art. 20 CPP). No mais, como sabido, o inquérito é peça informativa, não fazendo parte do processo stricto sensu. A Constituição Federal só assegura a publicidade dos atos processuais; portanto, não se estende ao inquisitório. Hoje, contudo, tão logo efetivada a prisão em flagrante, o autor do delito é informado de seus direitos, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (art. 5º, LXII, da CF). O advogado da confiança do infrator pode estar, portanto, presente ao ato do inquérito policial.

Assim como Hidejalma Muccio, FERNANDES90, por sua vez, esclarece:

Só se exige a observância do contraditório, no processo penal, na fase processual, não na fase investigatória. É o que se extrai do art. 5.º, LV, da Constituição Federal. Ao mencionar o contraditório, impõe seja observado em processo judicial ou administrativo, não estando aí abrangido o inquérito policial, o qual constitui um conjunto de atos praticados por autoridade administrativa, não configuradores de um processo administrativo. Sequer o inquérito é procedimento, pois falta-lhe a característica essencial do procedimento, ou seja, a formação por atos que devam obedecer a uma seqüência predeterminada pela lei, em que, após a prática de um ato, passa-se à do seguinte até o último da série, numa ordem a ser necessariamente observada.

89 MUCCIO. Hidejalma. Curso de Processo Penal. v. 1. São Paulo: Editora EDIPRO, 2000. 90 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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Cabe ressaltar a posição contrária do STF (Supremo Tribunal Federal), o

qual já se pronunciou a favor da publicidade dos atos não só durante o processo,

como também no inquérito policial.

Colhe-se da jurisprudência91:

ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo oponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5º, LXIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76 Precedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte. (grifo acrescido)

Inclusive, conforme citado na referida jurisprudência, o art. 7º, inciso XIV, da

Lei n. 8906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil) assegura:

Art. 7º. São direitos do advogado: [...] XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. [...]

Como se não bastasse, o artigo 16 do Código de Processo Penal Militar

permite ao advogado o acesso aos autos do inquérito policial em que figura como

indiciado o seu cliente, quando estabelece que “o inquérito é sigiloso, mas seu

encarregado pode permitir que dele tome conhecimento o advogado do indiciado.

Ocorre que em determinados casos específicos, as diligências necessitam

ser sigilosas a fim de não comprometer o sucesso das investigações. Neste caso, o

91 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 88190. Relator Ministro Cezar Peluso. Data do julgado: 29 de agosto de 2006. Órgão Julgador: Segunda turma. Rio de Janeiro – RJ. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 15 de agosto de 2008.

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artigo 20 do Código de Processo Penal92 prevê que na fase inquisitorial, deve a

autoridade policial assegurar o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo

interesse da sociedade. No entanto, segundo FERNANDES93, esse sigilo não pode

impedir o acesso de advogados aos autos do inquérito policial, que lhes é

assegurado pelo art. 7º, inciso XIV, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

Portanto, após analisar detalhadamente os princípios constitucionais do

contraditório, ampla defesa, devido processo legal e publicidade, indubitável que a

aplicação da prova pessoal oculta prejudica a defesa do réu.

É incontestável e possui expressa previsão legal que todo réu tem direito de

conhecer e contrariar todas as provas contra si produzidas e, portanto, tais garantias

não podem ser restringidas.

92 BRASIL. Código de Processo Penal. “Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.” 93 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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3. A “TESTEMUNHA SEM ROSTO” FRENTE À CONSTITUIÇÃO

FEDERAL DE 1988

Neste terceiro e último capítulo será brevemente analisada as formas de

proteção as vítimas e testemunhas em outros países, inclusive no que concerne

especificadamente à aplicação da “testemunha sem rosto”. Tem-se como objetivo

principal comparar a legislação brasileira com as legislações dos demais países no

tocante à prova pessoal oculta.

Em um segundo momento, será discutido o dever do Estado de proporcionar

segurança a todos os cidadãos, principalmente nos casos em que o indivíduo sentir-

se que a sua integridade física encontra-se ameaçada.

Por fim, após o estudo dos princípios constitucionais tratados no capítulo

anterior, far-se-á uma ligação mais detalhada destes com a “testemunha sem rosto”

propriamente dita.

3.1 A “testemunha sem rosto” no Direito Comparado

Assim como o Brasil, diversos outros países também possuem Programas

de proteção a vítimas e testemunhas94. Porém, conforme poderá ser observado

94 A Proteção às testemunhas na Alemanha está prevista no §68 do StPO (Vernehmung zur Person) e estabelece que nos casos em a testemunha ou outra pessoa estejam em perigo pela informação do domicílio, é permitido declinar, ao invés do domicílio, o local de trabalho ou onde presta serviços, ou ainda, outro endereço que tenha residência. Ainda, nas condições mencionadas, pode o magistrado permitir à testemunha não indicar o seu endereço na sessão de julgamento. Por outro lado, caso haja temor em relação à vida, integridade física ou liberdade da testemunha ou de outra pessoa que estejam em perigo pela informação de identidade, domicílio, residência, pode-se permitir não informar seus dados pessoais, ou informá-lo acerca de dados anteriores. Na sessão de julgamento, portanto, deverá indicar, se lhe perguntarem, em que condições teve conhecimento dos fatos que declara. Os documentos com os dados pessoais da testemunha ficam sob custódia do Promotor de Justiça e não poderão ser juntado aos autos até que a ameaça de perigo cesse. Com a legislação alemã, é possível separar a testemunha das demais partes do processo, ou seja, as partes permanecem na sala de audiências (ou no tribunal) e a testemunha é interrogada através de uma linha de áudio/vídeo especialmente instalada. (MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007). No ano de 1970 foi criado o Programa de Proteção a Testemunhas nos Estados Unidos o qual é gerenciado pela agência federal U.S. Marshals Service. Desde este ano, mais de 6.800 (seis mil e oitocentas) testemunhas ingressaram no programa de proteção dos Estados Unidos. O Ministério

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neste item, a proteção às testemunhas nos outros países é extremamente mais

eficaz do que a proteção oferecida no nosso país. O governo brasileiro,

diferentemente dos governos norte-americano, italiano, entre outros, não investe o

necessário para fornecer a segurança devida às testemunhas que colaboram com a

investigação criminal. Por esse motivo, muitas pessoas preferem não testemunhar

em um processo-crime (ainda que obrigadas) e tentam de qualquer forma se

esquivar da Justiça a fim de não serem encontradas para depor.

Sobre o investimento nos programas de proteção às testemunhas em outros

países, Luiz Flávio Gomes95 leciona:

No âmbito internacional, países como a Itália e os Estados Unidos há anos já gerenciam programas de proteção. Na Itália, existe desde 1991 e nos Estados Unidos desde 1971. Nestes, as pessoas recebem novas identidades e documentos dados em segredo e contam com a proteção de uma polícia especial, a U.S. Marshals Service. Para manter esta estrutura, o governo norte-americano

Público Federal (U.S Attorney) que determina o ingresso da testemunha no programa na esfera federal, e no âmbito estadual é o Ministério Público Estadual (State Genneral Attorney) que decide. A mudança de domicílio da testemunha ameaçada consiste em sua remoção da área considerada de risco para outra área de maior proteção. O programa inclui, inclusive, o pagamento da moradia, seguro de saúde, treinamento de uma profissão e busca de emprego até o momento em que possa manter-se economicamente sozinha. Como se não bastasse, a testemunha inserida no programa de proteção conta com o serviço dos U.S Marshals o qual garante proteção 24 horas por dia e escolta para os depoimentos na Justiça. Tratando-se de um programa extremamente sigiloso, caso alguma testemunha coloque em risco à aplicação do programa, considerando o fato de sua eventual exposição, a Procuradoria Geral poderá desvelar a identidade e a localização da testemunha protegida. (MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007). Ainda, não é por menos que Programa de Proteção às Testemunhas dos Estados Unidos é considerado o melhor do mundo. Além de alugar casas mobiliadas para as testemunhas, pagar aulas de inglês para as testemunhas estrangeiras e confeccionar nova documentação, o Programa realiza cirurgias plásticas para o não reconhecimento da testemunha. (MEDEIROS, Alexandre. FORTES, Leandro. FREITAS. Ronald. CERQUEIRA, Patrícia. Sem Proteção. Revista Época, [S.I.]. Disponível em: < http://epoca.globo.com/edic/20000207/brasil1.htm>. Acesso em: 13 de outubro de 2008). No Chile, as medidas de proteção às testemunhas estão previstas na Lei n. 18.314, em face de condutas terroristas. A mencionada Lei permite que testemunhas, peritos, cônjuges, parentes e pessoas a eles ligadas, prestem suas declarações com reserva de suas identidades, assim como de seus endereços, e ainda, poderão ser ouvidos em locais diverso daquele onde se realizam as inquirições. (FERNANDES, Antonio Scarance. Prova e Sucedâneos da Prova no Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 2007, n. 65). Já na Argentina, o depoimento de testemunha protegida, ou seja, com a identidade não revelada, vale, tão-somente, para auxiliar na investigação. Destarte, a declaração de testemunha com a identidade reservada não tem valor de prova autônoma. (FERNANDES, Antonio Scarance. Prova e Sucedâneos da Prova no Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 2007, n. 65). 95GOMES, Luís Flávio. Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas: primeiras considerações. Repertório IOB de Jurisprudência: civil, processual penal e comercial, n. 18, set. 1999, p. 463 apud CAETANO DA SILVA. André Ghiggi. A Prova Pessoal Oculta e a Defesa do Réu no Âmbito Processual Penal Brasileiro. Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito à obtenção do grau de Especialista em Direito Processual Penal, Florianópolis, 2008.

55

gasta algo em torno de US$ 50 milhões por ano. Uma das críticas que se faz a este programa consiste no seu grau de sigilo: durante 14 anos, nem mesmo o Congresso pôde examiná-lo. Vários protegidos acabaram voltando ao crime e outros reclamam de abandono na nova vida. Quanto ao programa de proteção a testemunhas e colaboradores judiciais, na Itália, temos o seguinte: sua aplicação cabe ao Serviço Central de Proteção, órgão ligado ao Ministério do Interior. A maioria das pessoas protegidas são ex-mafiosos que decidiram colaborar com a Justiça. Eles recebem garantias como anonimato para si e para suas famílias, mudança de nome, de cidade, etc. O governo oferece-lhes uma casa para morar, salário e ajuda para recomeçar a vida, como novo trabalho e escola para os filhos, tudo em troca de suas informações. O governo italiano gasta com este programa algo em torno de U$ 100 milhões por ano.

Uma grande e importante diferença entre o sistema americano e o brasileiro,

por exemplo, é quanto cada testemunha recebe de ajuda financeira para a sua

subsistência. Segundo dados obtidos através da matéria “A desproteção às

testemunhas”, da Revista Época96, os Estados Unidos, a fim de evitar que a

testemunha protegida ponha em risco a própria vida ao procurar emprego, bem

como a eficiência do programa, fornece mais de R$ 10 (dez) mil reais por mês. Já no

Brasil, a testemunha recebe em média, uma ajuda de R$ 800 (oitocentos) reais,

excluindo gastos com moradia.

Além disso, nos países em que é aplicada a oitiva de “testemunhas sem

rosto”, diferentemente da legislação brasileira, prevêem expressamente em suas

legislações a permissão desse meio de prova, conforme será visto no próximo

item97.

3.1.1 Portugal

Em Portugal, a Lei n. 93, de 14 de julho de 199998 regula a aplicação de

medidas para a proteção das testemunhas no Processo Penal e, diferentemente da

96 MACHADO. Flavio. A Desproteção às Testemunhas. Revista Época, [S.I.], 30 de maio de 2008. Acesso em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI4957-15223-1,00-A+DESPROTECAO+AS+TESTEMUNHAS.html> Acesso em: 11 de outubro de 2008. 97 Por razões lingüísticas, optou-se trabalhar somente com Portugal e Espanha. 98 PORTUGAL. Lei n. 93, de 14 de julho de 1999. Dispõe sobre as medidas para a proteção das testemunhas no processo penal. Disponível em: <http://www.igf.min-

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Lei Brasileira, prevê expressamente em seus artigos a admissão do depoimento da

“testemunha sem rosto”.

A referida Lei é aplicável às testemunhas cujo depoimento no processo

penal possa trazer perigo a sua vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou

bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado. As medidas de proteção

podem ainda ser estendidas aos familiares da testemunha e outras pessoas que

lhes sejam próximas.

As principais medidas de proteção estão previstas na Lei Portuguesa são: a

ocultação da testemunha mediante a prestação de declarações ou depoimento com

ocultação da imagem ou distorção de voz (artigo 4°) ou mediante teleconferência

(artigo 5°), a reserva da identidade da testemunha (artigo 6°) reforço pontual da

segurança pessoal (artigo 20) e adoção de programa especial de segurança (artigo

21)99.

Transcrevem-se os artigos supracitados100:

Artigo 4.º Ocultação da testemunha. 1 - Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou da testemunha, o tribunal pode decidir que a prestação de declarações ou de depoimento que deva ter lugar em acto processual público ou sujeito a contraditório decorra com ocultação da imagem ou com distorção da voz, ou de ambas, de modo a evitar-se o reconhecimento da testemunha. 2 - A decisão deve fundar-se em factos ou e mencionará o âmbito da ocultação da sua imagem ou distorção de voz. (grifo acrescido). Artigo 5.º Teleconferência. 1 - Sempre que ponderosas razões de protecção o justifiquem, tratando-se da produção de prova de crime que deva ser julgado pelo tribunal colectivo ou pelo júri, é admissível o recurso à teleconferência, nos actos processuais referidos no n.º 1 do artigo anterior. 2 - A teleconferência pode ser efectuada com a distorção da imagem ou da voz, ou de ambas, de modo a evitar-se o reconhecimento da testemunha. (grifo acrescido).

Artigo 6.º Requerimento.

financas.pt/inflegal/bd_igf/bd_legis_geral/leg_geral_docs/LEI_093_99.htm>. Acesso em: 08 de setembro de 2008. 99 Texto A marcha do processo. Disponível em: <http://www.apmj.pt/Documentos/A%20Marcha%20do%20Processo%20ousar%20vencer.doc> Acesso em: 08 de setembro de 2008. 100 Por se tratar, na essência, da língua portuguesa, manteremos o texto em sua língua original.

57

1 - A utilização da teleconferência é decidida a requerimento do Ministério Público, do arguido ou da testemunha. 2 - O requerimento contém a indicação das circunstâncias concretas que justificam a medida e, se for caso disso, a distorção da imagem e do som. 3 - A decisão é precedida da audição dos sujeitos processuais não requerentes.

Artigo 19.º Audição de testemunhas e valor probatório. 1 – A testemunha a quem for concedida a medida de não revelação de identidade pode prestar depoimento ou declarações com recurso à ocultação de imagem ou à distorção da voz ou à teleconferência, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 5.º 2 – Nenhuma decisão condenatória poderá fundar-se, exclusiva-mente, ou de modo decisivo, no depoimento ou nas declarações produzidas por uma ou mais testemunhas cuja identidade não foi revelada. (grifo acrescido). Artigo 20.º Medidas pontuais de segurança. 1 - Sempre que ponderosas razões de segurança o justifiquem, estando em causa crime que deva ser julgado pelo tribunal colectivo ou pelo júri e sem prejuízo de outras medidas de protecção previstas neste diploma, a testemunha poderá beneficiar de medidas pontuais de segurança, nomeadamente das seguintes: a) Indicação, no processo, de residência diferente da residência habitual ou que não coincida com os lugares de domicílio previstos na lei civil; b) Ter assegurado transporte em viatura fornecida pelo Estado para poder intervir em acto processual; c) Dispor de compartimento, eventualmente vigiado e com segurança, nas instalações judiciárias ou policiais a que tenha de se deslocar e no qual possa permanecer sem a companhia de outros intervenientes no processo; d) Beneficiar de protecção policial, extensiva a familiares ou a outras pessoas que lhes sejam próximas; e) Usufruir na prisão de um regime que lhe permita estar isolada de outros reclusos e ser transportada em viatura diferente; f) Alteração do local físico de residência habitual. 2 - As medidas previstas no número anterior são ordenadas pelo Ministério Público, durante o inquérito, oficiosamente, a requerimento da testemunha ou do seu representante legal ou por proposta das autoridades de polícia criminal e, posteriormente ao inquérito, pelo juiz que presidir à fase em que o processo se encontra, a requerimento do Ministério Público. 3 - A autoridade judiciária realiza as diligências necessárias para avaliar a necessidade e adequação da medida no caso concreto. 4 - De três em três meses, a autoridade judiciária procede ao reexame da decisão, mantendo-a, modificando-a ou revogando as medidas aplicadas. 5 - A protecção policial referida na alínea d) do n.º 1 será, em regra, assegurada por corporação policial que não tenha tido intervenção relevante na investigação. [...]. Artigo 21.º Programa especial de segurança.

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A testemunha, o seu cônjuge, ascendentes, descendentes ou irmãos, a pessoa que com ela viva em condições análogas às dos cônjuges ou outras pessoas que lhe sejam próximas podem beneficiar de um programa especial de segurança durante a pendência do processo ou mesmo depois de este se encontrar findo, se estiverem reunidas cumulativamente as seguintes condições: a) O depoimento ou as declarações disserem respeito aos crimes referidos na alínea a) do artigo 16.º;b) Existir grave perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou para a liberdade; c) O depoimento ou as declarações constituírem um contributo que se presuma ou que se tenha revelado essencial para a descoberta da verdade.

Conforme se confere nos artigos acima mencionados, permite-se neste tipo

de regime de proteção à testemunha a ocultação da imagem e/ou distorção de voz,

a fim de que a testemunha não seja identificada. Admite-se, inclusive, a oitiva por

teleconferência.

A legislação portuguesa, sob o escólio de FERNANDES101:

“contempla quatro tipos de medidas especiais sobre a produção da prova testemunhal: ocultação, reserva do conhecimento da identidade da testemunha, medidas e programas especiais de segurança, medidas para as testemunhas especialmente vulneráveis”102.

Para que estas medidas possam ser decretadas é necessário fazer prova da

ocorrência de fatos ou circunstâncias que revelem existir uma intimação ou elevado

risco de intimidação da testemunha.

De acordo com o artigo 2º, b, da legislação portuguesa, entende por

intimidação, toda pressão ou ameaça, direta, indireta ou potencial que alguém

exerça sobre a testemunha com objetivo de condicionar o seu depoimento ou

declarações.

Cumpre ressaltar que todas essas medidas de proteção têm caráter

excepcional e estão sujeitas a uma apreciação judicial que se rege por critérios de

extrema necessidade e adequação.

E ainda, a não revelação da identidade da testemunha somente poderá ser

aceita nas condições previstas o artigo 16 da Lei:

101 FERNANDES, Antonio Scarance. Prova e Sucedâneos da Prova no Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 2007, n. 65. 102 A título de esclarecimento, as chamadas “testemunhas especialmente vulneráveis” são as crianças, idosos e doentes que irão depor contra pessoa da própria família ou do grupo social a que estejam subordinados.

59

Art. 16. A não revelação da identidade da testemunha pode ter lugar durante alguma ou em todas as fases do processo se estiverem reunidas cumulativamente as seguintes condições: a) O depoimento ou as declarações disserem respeito a crimes de tráfico de pessoas, de associação criminosa, de terrorismo, de terrorismo internacional ou de organizações terroristas ou, desde que puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a oito anos, a crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade das pessoas, contra a liberdade ou autodeterminação sexual, de corrupção ou cometidos por quem fizer parte de associação criminosa, no âmbito da finalidade ou actividade desta; b) A testemunha, seus familiares, a pessoa que com ela viva em condições análogas às dos cônjuges ou outras pessoas que lhes sejam próximas correrem um grave perigo de atentado contra a vida, a integridade física, a liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado; c) Não ser fundadamente posta em dúvida a credibilidade da testemunha; d) O depoimento ou as declarações constituírem um contributo probatório de relevo.

Por outro lado, ainda, percebe-se também a existência de ampla segurança

às testemunhas. Quanto às medidas de segurança, SCARANCE103 pondera:

Entre as medidas especiais de segurança, citam-se as seguintes: indicação de residência diferente; transporte em viatura especial; compartimento vigiado e protegido nas instalações judiciárias e policiais; proteção policial, estendida a familiares e pessoas próximas.

Ocorre que, ainda que aceito todos estes meios de proteção os quais

objetivam o anonimato da testemunha nos casos acima transcritos, a jurisprudência

do Tribunal Europeu não permite que a condenação do réu se fundamente única e

exclusivamente nas declarações de testemunhas anônimas104.

Conforme se verifica, a legislação portuguesa é extremamente cautelosa

quanto se trata da “testemunha sem rosto”. Isso porque, assim como a legislação

brasileira não permite a condenação tão-somente na confissão do réu, a lei de

Portugal estabelece que, ainda que admitida a oitiva da testemunha oculta, não

poderá a condenação se basear por si só neste único meio de prova.

103 FERNANDES, Antonio Scarance. Prova e Sucedâneos da Prova no Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 2007, n. 65. 104 FERNANDES, Antonio Scarance. Prova e Sucedâneos da Prova no Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 2007, n. 65.

60

Ou seja, para a “testemunha sem rosto” ser aceita como meio de prova no

processo, deve haver outros meios de prova a fim de corroborar e sustentar o

testemunho anônimo.

3.1.2 Espanha

No dia 23 de dezembro de 1994 entrou em vigor a Lei Orgânica n. 19 que

trata da Proteção a Testemunhas no Processo Penal. As disposições previstas nesta

Lei somente serão aplicáveis àquelas testemunhas (e familiares desta) que estejam

em elevado grau de risco ou perigo105:

Artículo 1. 1. Las medidas de protección previstas en esta Ley son aplicables a quienes en calidad de testigos o peritos intervengan en procesos penales. 2. Para que sean de aplicación las disposiciones de la presente Ley será necesario que la autoridad judicial aprecie racionalmente un peligro grave para la persona, libertad o bienes de quien pretenda ampararse en ella, su cónyuge o persona a quien se halle ligado por análoga relación de afectividad o sus ascendientes, descendientes o hermanos.106

Para essas testemunhas, segundo o artigo 2º da Lei Orgânica n. 19, o

magistrado poderá adotar as seguintes decisões107:

Artículo 2. Apreciada la circunstancia prevista en el artículo anterior, el Juez instructor acordará motivadamente, de oficio o a instancia de parte, cuando lo estime necesario en atención al grado de riesgo o peligro, las medidas necesarias para preservar la identidad de los testigos y

105 Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/base_datos/Penal/lo19-1994.html>. Acesso em: 25 de outubro de 2008. 106 Artigo 1. 1. As medidas de proteção previstas nesta Lei são aplicáveis a testemunhas e peritos envolvidos em processo criminal. 2. Para que sejam aplicadas as disposições presente nesta Lei será necessário que a autoridade judicial aprecie racionalmente um perigo grave para a pessoa, liberdade ou bens de quem pretende amparar-se a ela, seu cônjuge ou pessoa que esteja ligada por uma relação análoga de afetividade ou seus ascendentes, descendentes ou irmãos. (tradução livre). 107 Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/base_datos/Penal/lo19-1994.html>. Acesso em: 25 de outubro de 2008.

61

peritos, su domicilio, profesión y lugar de trabajo, sin perjuicio de la acción de contradicción que asiste a la defensa del procesado, pudiendo adoptar las siguientes decisiones: a. Que no consten en las diligencias que se practiquen su nombre, apellidos, domicilio, lugar de trabajo y profesión, ni cualquier otro dato que pudiera servir para la identificación de los mismos, pudiéndose utilizar para ésta un número o cualquier otra clave. b. Que comparezcan para la práctica de cualquier diligencia utilizando cualquier procedimiento que imposibilite su identificación visual normal. c. Que se fije como domicilio, a efectos de citaciones y notificaciones, la sede del órgano judicial interviniente, el cual las hará llegar reservadamente a su destinatario. (grifo acrescido).108

As medidas a serem tomadas para garantir a proteção da testemunha,

cônjuge, ascendentes, descendentes e irmãos foram perfeitamente elucidadas por

MENDRONI109:

1. não constar nas diligências qualquer dado a respeito da sua qualificação pessoal, substituindo-se por outra palavra “chave” qualquer. Em caso de requerimento da acusação ou da defesa, os dados lhes serão fornecidos pelo Juiz, respeitados os demais direitos da testemunha ou perito, previstos na própria lei; 2. que possam comparecer utilizando qualquer procedimento que impossibilite a sua identificação (na prática têm-se usado capacetes e óculos escuros); 3. que se fixe com seu domicílio a sede do Juízo, o qual fará chegar a ele qualquer intimação; 4. escolta policial para o Fórum; 5. em casos especiais, serão providenciados documentos com nova identidade e meios econômicos para que possa mudar de residência e de trabalho; 6. Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário cuidarão para que a testemunha não seja filmada ou fotografada, procedendo-se à apreensão de qualquer material destinado a esse fim, e posterior entrega à testemunha; 7. se a situação de perigo se mantiver mesmo após o término do processo, a lei permite continuar destinando proteção policial;

108 Artigo 2. Apreciada a circunstância prevista no artigo anterior, o juiz acordará motivadamente, de ofício ou a instancia da parte, quando considerar necessário com atenção ao grau de risco ou perigo, as medidas necessárias para preservar a identidade das testemunhas e peritos, seu endereço, profissão e lugar de trabalho, sem prejuízo da ação de contradição da defesa do processado, podendo adotar as seguintes decisões: a. que não constem nas diligências que se utilizem seu nome, sobrenome, endereço, lugar de trabalho e profissão nem qualquer outro dado que puder servir para a identificação dos mesmos, podendo-se utilizar para a mesma um número ou qualquer outro senha. b. que compareçam para a prática de qualquer diligência utilizando qualquer procedimento que impossibilita sua identificação visual normal. c. que se fixe como endereço, para efeitos de citações, e notificações, a sede do órgão judicial interveniente, que fará chegar reservadamente a seu destinatário (tradução livre). 109 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

62

8. em casos especiais, serão proporcionadas ainda condições financeiras para que, mesmo após o término do processo, seja viabilizada mudança de residência ou local de trabalho; 9. a proteção da lei tem alcance não somente a testemunhas mas também a peritos.

Nota-se, portanto, que é permitida a ocultação dos dados pessoais da

testemunha que estiver sob a proteção afim de não identificá-la. Admite-se ainda, a

sua oitiva de modo com que impossibilite na sua identificação, como por exemplo,

uso de artefatos (capacetes, óculos escuros).

Caso alguma das partes solicite que a testemunha ou perito revele a sua

identidade, cabe ao magistrado decidir sobre o pedido, porém, ainda, deve-se adotar

medidas que impeçam a visualização das testemunhas durante a audiência.110

3.2 O Direito à segurança

Segundo dados obtidos através da reportagem “Sob o Domínio do Medo” da

Revista Istoé111, publicada no dia 03 de setembro de 2008, 3.600 (três mil e

seiscentas) pessoas ligadas a testemunhas passaram pelo programa de proteção

entre os anos de 1998 e 2007; 1.500 (mil e quinhentas) testemunhas foram

beneficiadas e; 500 (quinhentas) testemunhas (até a data da publicação da

reportagem) estavam sob a guarda do programa.

Também por meio da reportagem supracitada, a qual possui como título

“Sob o domínio do medo”, verifica-se a importância da proteção das testemunhas

ameaçadas por colaborarem com a investigação criminal. Isso porque, “dez anos

depois de criado, o programa de proteção à vítima e à testemunha ameaçadas

coleciona fracassos e até mortes de pessoas sob a sua guarda”.

A “ex-protegida” Maria José (nome fictício) abandonou o Programa de Apoio

e Proteção a Testemunhas, Vítimas e Parentes das Vítimas (Provita) em Brasília e

retornou para o Rio de Janeiro após encontrar o seu filho adolescente morto na

110 FERNANDES, Antonio Scarance. Prova e Sucedâneos da Prova no Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 2007, n. 65. 111 GARCIA, Renato. Sob o Domínio do Medo. Revista Istoé, [S.I.], p. 44-45, 03 de setembro de 2008.

63

piscina do local onde estavam sob amparo. Para Maria José, seu filho foi

assassinado, uma vez que sabia nadar muito bem. Ambos estavam sob a referida

proteção porque um parente próximo havia testemunhado contra agentes da

Secretaria de Administração Penitenciária do Rio, acusados de torturar e matar no

ano de 2003 o comerciante Chan Kim Chang.

No mês de março de 2007, Andréia (nome fictício), que denunciou o

envolvimento de membros do MST de Rondônia com o crime organizado, foi

desligada do Provita, pois não havia conseguido emprego no Estado do Nordeste,

local onde estava sob a proteção. Porém, graças a Dinarte Pascoal Freitas, defensor

público da União, Andréia conseguiu voltar para o programa até conseguir meios de

se sustentar sem correr nenhum risco. Obviamente, a testemunha protegida não

conseguia emprego por não poder se identificar e não ter referências.

Ainda, infelizmente, no ano de 2002 ocorreram outras 02 (duas) mortes de

testemunhas que estavam inseridas no programa de proteção. No dia 06 de maio,

Márcia de Lima Nunes, conhecida como “a testemunha número 11”, com 19

(dezenove) anos de idade, foi encontrada morta por enforcamento no apartamento

em que estava hospedada pelo programa, em Porto Alegre. A testemunha havia

denunciado policiais por envolvimento na exploração sexual de crianças e

adolescentes no Rio Grande do Sul à CPI de Combate ao Crime Organizado.

Outro caso semelhante ocorreu no dia 10 de outubro com Karina Mousquer

Arndest, estudante paulista, com 26 (vinte e seis) anos de idade, também

encontrada morta por enforcamento no local onde deveria ser o seu porto seguro, ou

seja, em um hotel da região serrana do Rio escolhido pelo programa de proteção. A

testemunha havia denunciado um policial por tráfico de drogas, policial este que

após condenado a 09 (nove) anos de prisão, conseguiu fugir da cadeia quase 01

(um) mês antes da morte de Karina.

Ainda com todos esses dados, a Secretaria Especial de Direitos Humanos

da Presidência da República – SEDH nega que tenha ocorrido alguma morte de

pessoas inseridas no programa. A assessora de imprensa Carla Oliveira afirma:

“Oficialmente, não reconhecemos nenhuma morte de pessoas integradas ao

programa”. E prossegue: “Uma pessoa só é desligada quando não corre mais risco

nenhum. Mas tem gente que, mesmo assim, quer continuar no sistema. Então, ela é

desligada”.

64

Outra crítica quanto ao programa brasileiro de proteção às vítimas e

testemunhas, encontra-se na matéria “A desproteção às testemunhas”, da Revista

Época112, a qual descreve o drama de um homem que denunciou o crime

organizado e revela as falhas no programa que deveria proteger quem arrisca a vida

para ajudar a Justiça.

De acordo com a referida reportagem, existe atualmente em torno de 631

(seiscentas e trinta e uma) pessoas protegidas pelo Programa Nacional de Proteção

a Testemunhas ameaçadas no Brasil. Francisco (nome fictício) é uma dessas

pessoas que se encontram sob custódia. Ele perdeu a sua identidade entrando no

programa de proteção, juntamente com a sua família (esposa e dois filhos) no mês

de fevereiro de 2008, após denunciar os crimes cometidos pelos seus antigos

patrões. Francisco resolveu revelar à Justiça tudo o que sabia sobre as práticas

ilícitas dos empresários que conhecia e do envolvimento de políticos com grilagem

de terras e contrabando de agrotóxicos proibidos vindo da China. Em razão disso,

que Francisco decidiu deixar para trás sua casa, móveis, fotografias, amigos, enfim,

mais de 40 (quarenta) anos da sua vida.

Porém, Francisco e sua família demonstram-se insatisfeitos com o

programa. Ele diz que já passou fome para dar de comer aos seus dois filhos, pois

recebe R$ 40,00 (quarenta reais) diários para alimentar quatro pessoas, comprar

remédios, artigos de higiene pessoal e outras despesas do dia-a-dia. Reclama

ainda, que não recebe acompanhamento psicológico e nem mesmo perspectivas

profissionais e que a assistência médica e odontológica é a do Sistema Único de

Saúde (SUS). Indignado desabafa “Não quero luxo. Só quero o básico. Se um filho

meu tem febre, me mandam procurar um posto de saúde. Tudo bem. Mas que nome

darei lá?”, diz Francisco.

Ângela (nome fictício), mulher de Francisco, também revela o seu

descontentamento com o programa ao afirmar que “Se eu soubesse que o Programa

de Proteção às Testemunhas é assim, teria sumido com meus filhos antes de tudo

isso começar”.

O objetivo do programa é justamente proteger as testemunhas que

pretendem colaborar com a investigação criminal e oferecer total segurança a fim de

112 MACHADO, Flavio. A Desproteção às Testemunhas. Revista Época, [S.I.], 30 de maio de 2008. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI4957-15223-1,00-A+DESPROTECAO+AS+TESTEMUNHAS.html> Acesso em: 11 de outubro de 2008.

65

que não corra nenhum risco a sua integridade física. Porém, como se vê, não é o

que vem ocorrendo. “Francisco afirma que o programa é deficiente até em relação à

primeira necessidade dos protegidos: a segurança”.

Através dos relatos apresentados acima, apesar de não possuírem status

estatístico, e sim apenas alguns casos dentre outros, demonstram minimamente a

necessidade de programas e mecanismos de proteção tendentes a assegurar o

direito à segurança.

Conforme se extrai do artigo “Segurança Pública, polícia e violência policial e

Perspectivas diante do endurecimento penal” da Revista Brasileira de Ciências

Criminais113, nos últimos anos, intensificou-se o debate em torno da questão da

segurança pública no Brasil. Nas pesquisas de opinião, a falta de segurança tem

ocupado o 2º (segundo) lugar (depois do desemprego), nas principais preocupações

dos cidadãos brasileiros ante o aumento considerável dos índices de criminalidade,

sobretudo nos grandes centros urbanos.

O conceito de segurança é muito bem colocado por PINHO114 quando

ensina que trata da tranqüilidade do exercício dos direitos fundamentais. E ainda,

que não basta ao Estado somente criar e reconhecer os direitos aos indivíduos, ele

tem o dever de zelar pelos cidadãos, a fim de assegurar a todos o exercício, com a

devida tranqüilidade, do direito à vida, integridade física, liberdade, propriedade, etc.

A dignidade da pessoa humana encontra-se prevista no art. 1º, inciso III da

Constituição Federal e, portanto, é considerada como um dos princípios

fundamentais. O referido artigo estabelece o que segue:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...]. (grifo acrescido).

113 SOUZA, Luís Antônio Francisco de. Segurança Pública, polícia e violência policial. Perspectivas diante do endurecimento penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, 2004, n. 51. 114 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

66

No entendimento de CAETANO DA SILVA115:

“ao prever a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 1º, III), consectário lógico que os Constituintes não se olvidassem do tema segurança, porquanto esta se encontra, sem resquício de indagação, inserida naquele fundamento”.

Por essa razão que o direito à segurança também está previsto no artigo 5º,

caput, do mesmo Diploma Legal:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (grifo acrescido).

Como se não bastasse, novamente, o direito à segurança encontra-se no

bojo de outro artigo da Constituição Federal, ou seja, no caput do artigo 6º:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo acrescido).

Cumpre ressaltar sobre o duplo caráter de direito fundamental de 1ª e 2ª

gerações, o qual apesar da citação a seguir, pode ser defendido como possuindo um

caráter “uno”, pelo menos do ponto de vista de uma soma de esforços

argumentativos.

Quanto a isso, MAGALHÃES116 esclarece:

A classificação da segurança pública como direito social e, portanto, como Direitos Humanos, é incompatível com a existência de uma polícia cordial com a classe média e alta e uma polícia violenta com os mais pobres e com os trabalhadores. Nesse sentido então é que podemos classificar como direito social fundamental a segurança pública, à qual faz referência o art. 6º da Constituição Brasileira.

115 CAETANO DA SILVA. André Ghiggi. A Prova Pessoal Oculta e a Defesa do Réu no Âmbito Processual Penal Brasileiro. Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, como requisito à obtenção do grau de Especialista em Direito Processual Penal, Florianópolis, 2008. 116 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. 2 ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

67

Como já tivemos oportunidade de explicar, tanto o art. 6º como o art. 5º se referem à palavra “segurança”. Neste último, no Capítulo dos Direitos Individuais, segurança significa a proteção que a Constituição oferece ao indivíduo contra atentados à sua segurança física, moral e mental por parte do Estado. É um direito que a pessoa tem face do Estado ou contra o Estado. Por outro lado, no art. 6º da Constituição significa a segurança que o Estado tem o dever de oferecer a cada pessoa inserida no contexto social, contra atentados à sua segurança física, mental e moral e também, ao seu patrimônio, de forma secundária. Portanto, aí temos o Estado agindo a favor da sociedade, o que caracteriza um direito social.

Inclusive, ainda, quanto ao direito fundamental em apreço, o caput do artigo

144 da Carta Magna, no que diz respeito ao rol de atribuições do Poder Executivo,

estabelece:

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (grifo acrescido).

Portanto, incumbe ao Estado, através das suas instituições policiais, (Polícia

Federal, Polícia Civil e Polícia Militar), zelar pela pacífica convivência social e

transmitir absoluta segurança, na medida do possível, a fim de que permita com que

todos os indivíduos gozem de seus direitos sem temor.

RODRIGUES117 acrescenta:

Não esquecer que além da segurança física dos cidadãos — notadamente os mais prestantes, que testemunharam —, o Estado tem também a obrigação de defender a comunidade contra os malefícios sociais e econômicos causados pela criminalidade, principalmente a organizada. Esta suga a riqueza das nações e leva parcelas substanciais de sua população à um maior grau de miséria, de dependência de drogas, de guerras fomentadas pelos traficantes de armas, de vidas sem esperanças, transformadas em um fardo que só é alijado dos ombros no momento da morte. Cada milhão desviado dos cofres públicos e remetido ao Exterior representa um milhão a menos nas áreas de saúde, educação, saneamento básico e segurança.

117 RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Criminalidade e Proteção às Testemunhas. Breves Considerações sobre a Pena de Morte. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=561>. Acesso em: 02 de outubro de 2008.

68

O direito à segurança está previsto expressamente na Constituição Federal

e constitui em um importante direito fundamental, posto que todo o indivíduo

evidentemente busca proteger-se de riscos que possam ameaçar a sua integridade

física, bem como de seu patrimônio.

Nesse diapasão, o Procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, Doutor

Lenio Luiz Streck118 se posiciona:

Já não se pode falar, nessa altura, de um Estado com tarefas de guardião de “liberdades negativas”, pela simples razão – e nisto consistiu a superação da crise provocada pelo liberalismo – de que o Estado passou a ter a função de proteger a sociedade nesse duplo viés: não mais apenas a clássica função de proteger conta o arbítrio, mas também, a obrigatoriedade de concretizar os direitos prestacionais e, ao lado destes, a obrigação de proteger os indivíduos contra agressões provenientes de comportamentos delitivos, razão pela qual a segurança passa a fazer parte dos direitos fundamentais (art. 5º, caput, da Constituição do Brasil).

Assim sendo, o Estado, no âmbito de suas atividades, tem o dever de

proporcionar a devida proteção de todos os cidadãos, inclusive, no caso de

testemunhas que prestaram ou deverão prestar esclarecimentos sobre os fatos

investigados que tenha conhecimento.

Portanto, não é pelo fato de haver algum tipo de risco que será permitida a

oitiva da “testemunha sem rosto”, conforme será melhor tratado no item 3.3 deste

capítulo. O que é exigido nesse caso de perigo à integridade da testemunha é a

devida segurança por parte do Estado.

3.3 A “Testemunha sem rosto” frente à Constituição Federal de 1988

Para que pudesse ser aplicada a oitiva da “testemunha sem rosto”, seria

necessária uma regulamentação mais apropriada e, principalmente, uma Lei

118 STRECK, Lenio Luiz. O Dever de Proteção do Estado (SCHUTZPFLICHT): O lado esquecido dos direitos fundamentais ou “qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecentes”? Disponível em: <http://www.leniostreck.com.br/> Acesso em: 15 de outubro de 2008.

69

específica que disciplinasse tal procedimento, o qual não existe atualmente. A Lei,

neste caso, teria que especificar quando a testemunha poderia ser utilizada e

deveria ainda ser proposta como última opção, sempre em casos excepcionais.

Isso porque, a chamada “testemunha sem rosto”, atualmente, por não estar

prevista no ordenamento jurídico, viola os importantes princípios do contraditório,

ampla defesa e devido processo legal, previstos na Lex Suprema.

Em relação ao exercício do contraditório, este, assim como os demais

princípios, se daria por prejudicado. Isso porque, impossível seria o acusado

defender-se e argüir qualquer impedimento (suspeição ou inidoneidade) de uma

testemunha que nem mesmo tem conhecimento de quem se trata.

Conforme já discutido anteriormente, o princípio do contraditório deve ser

entendido como o direito de participar, de manter uma contraposição em relação à

acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos durante a instrução

processual.

Assim, segundo a cátedra de LOPES119:

[...] o contraditório é, essencialmente, o direito de ser informado e de participar no processo. É o conhecimento completo da acusação, o direito de saber o que está ocorrendo no processo, de ser comunicado de todos os atos processuais. Como regra, não pode haver segredo (antítese) para a defesa, sob pena de violação ao contraditório.

Quanto à necessidade de o acusado ter ciência de quem está lhe imputando

a prática de um crime, para que, querendo alegue a contradita, NUCCI120 esclarece:

Se a testemunha é amiga íntima do réu (circunstância que a envolve, comprometendo a sua imparcialidade) ou já foi condenada por falso testemunho (defeito que a torna indigna de fé), é natural que a parte deseje com que o julgador tome conhecimento de tais situações para não crer, integralmente, na narrativa.

Novamente, conforme texto de RODRIGUES121 verifica-se que:

119 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed . Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. 120 NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. 121 RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Criminalidade e Proteção às Testemunhas. Breves Considerações sobre a Pena de Morte. Disponível em: <http://www.ambito-

70

Os réus têm, claro, o direito de conhecer todas as provas produzidas contra eles. O contraditório é preceito constitucional e até mesmo pré-constitucional. Nenhuma nação, mesmo minimamente civilizada, deixa de reconhecer o direito de defesa. E, para se defender, o réu precisa, conhecer qual a acusação que pesa contra ele e quais as provas que a alicerçam. Somente conhecendo a prova é que poderá invalidá-la, com críticas pertinentes, ou produzindo contra-prova.

Da mesma forma, é o caso da testemunha que é inimiga do réu. É de

extrema importância que o magistrado tenha conhecimento desse fato, para analisar

o depoimento com a devida cautela.

Já o princípio da ampla defesa significa dizer que todo o acusado tem o

direito de conhecer todas as provas produzidas conta a sua pessoa. Portanto,

conclui-se que possui o direito de conhecer, inclusive, a testemunha, a qual é

considerada um meio de prova no processo penal, para que assim consiga

defender-se amplamente.

No mesmo sentido, o princípio do devido processo legal estaria sendo

violado com a aplicação da “testemunha sem rosto” simplesmente pelo fato de não

haver qualquer previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro permitindo tal forma

de inquirição.

Conforme observado, existe claramente uma absurda diferença entre as

regulamentações de Portugal e Espanha e no Brasil. Aquelas prevêem claramente a

permissão da oitiva de testemunha oculta.

Por último, tem-se o princípio da publicidade dos atos processuais. Este

princípio assegura que todos os atos processuais devem ser realizados

publicamente. Ora, se qualquer pessoa que não seja parte do processo, tem o

direito de acompanhar todos os atos processuais (exceto nos casos em que a

defesa da intimidade ou interesse social exigir restrição), a parte (réu e seu

defensor) a qual possui interesse maior no processo, também tem direito de

participar da audiência.

Evidentemente, que a testemunha que está sendo ameaçada deve ser

protegida e ainda, conforme visto no item acima discutido é dever do Estado

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=561>. Acesso em: 02 de outubro de 2008.

71

garantir-lhe total segurança a fim de lhe preservar a sua integridade física, uma vez

que esta é obrigada a depor.

No entanto, a proteção não pode prejudicar a defesa do réu. Com a

aplicação da “testemunha sem rosto” já estariam sendo, na mesma oportunidade,

violados os importantes princípios previstos na Constituição Federal da ampla

defesa, contraditório e devido processo legal, ao passo que, a integridade física da

testemunha e sua segurança não é imediatamente ofendida se ela depõe sem

proteção. Ou seja, não se pode agredir os direitos fundamentais simplesmente a

partir de suposições e possibilidades, caso contrário, ao invés de se afigurar uma

proteção a testemunha, torna-se uma agressão gratuita conta os direitos do réu.

A respeito, a doutrina Chilena esclarece122:

Cuando existieren indicios de hostigamientos, amenazas, o probable atentado, el fiscal podrá adoptar, sin intervención judicial, cualquier medida de protección del testigo que no implique privación ni restricción de los derechos garantizados constitucionalmente al imputado. Los fiscales no pueden adoptar medidas de protección del testigo que priven al imputado o a un tercero del ejercicio de los derechos que la Constitución asegura, o lo restrinjan o perturben, ni aún con autorización judicial previa, puesto que ésta sólo tiene por objeto permitir a los fiscales realizar diligencias con fines de investigación que puedan producir tales efectos, conforme al tenor de los artículos 9º y 236 del Código Procesal Penal.123

Todavia, justamente para os casos em que a integridade física do depoente

estiver realmente em perigo, é que existe o Programa de proteção as testemunhas.

Desta forma, se houvesse uma proteção extremamente eficaz ao ponto de

garantir total segurança à testemunha, como por exemplo, escolta policial na entrada

e saída do Fórum no dia do depoimento, assim como um local seguro para a

testemunha permanecer enquanto as ameaças persistirem, não seria necessária a

122 Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/spanish/mesicic2_chl_anexo_14_sp.doc>. Acesso em: 25 de outubro de 2008. 123 Quando existirem indícios de intimidação, ameaças ou provável ataque, o Ministério Público poderá adotar, sem intervenção judicial, qualquer medida de proteção de testemunhas que não impliquem restrição ou privação dos direitos garantidos constitucionalmente para os acusados. O Ministério Público não pode tomar medidas de proteção à testemunha que prive o acusado ou a um terceiro do exercício dos direitos que a Constituição assegura, ou restringir ou impedir, ou mesmo com prévia autorização judicial, uma vez que apenas visa permitir o Ministério Público realizar investigações para fins de investigação que podem produzir tais efeitos, de acordo com a redação dos artigos 9 º e 236 do Código de Processo Penal. (grifo acrescido). (tradução livre).

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discussão quanto à figura da “testemunha sem rosto”. Isso porque, na essência,

nem seria cogitada a hipótese de sua necessidade.

Por fim, a título de conhecimento, transcreve-se parte da proposta bem

intencionada de RODRIGUES124 para a solução desse conflito, ainda que em nada

resolva os problemas até então expostos:

A solução é atribuir a um advogado, indicado pela OAB — não pelos réus — a missão de ouvir e inquirir aquelas testemunhas de acusação — desconhecidas dos réus e que temem pelas suas vidas. Se uma testemunha souber de fato essencial e for desconhecida do réu — e também de seu patrono — ela seria ouvida na presença do juiz, do promotor e de um respeitável advogado criminalista, especialmente indicado pela OAB. Esse profissional seria bem remunerado pelo Estado porque, sem essa condição, criminalistas de grande competência não se prestariam a colaborar. Esse advogado, após estudar os autos do inquérito e do processo faria todas as perguntas benéficas ao acusado. Perguntas capazes de derrubar ou enfraquecer o depoimento daquela testemunha de acusação, mas redigidas, em suas respostas, com a obrigação de não constar do depoimento detalhes que depois poderiam levar o réu — ou seu advogado constituído —, a identificar o depoente. Assim, por exemplo, não se mencionará, no depoimento escrito, que “o depoente, que possui uma loja em frente do local em que a vítima foi baleada presenciou o crime...”, ou coisas equivalentes. A tarefa desse advogado, escolhido pela OAB, será a de defender o réu naquele depoimento, mostrando as eventuais contradições ou inverossimilhanças dessa específica prova oral, mas com a restrição de não poder ensejar ao réu, na redação das respostas, ou seu advogado constituído, a identificação da testemunha. Com relação às testemunhas de defesa, às vítimas e testemunhas de acusação que o réu já conheça — e sabe serem presenciais de seus atos criminosos— , obviamente serão elas inquiridas pelo advogado constituído do réu, porque aí não haverá identidade a preservar. O advogado de confiança da OAB, nesses casos, poderá estar presente, se quiser, mas como simples observador e para melhor conhecer o conjunto probatório. Igualmente, a prova pericial e documental será de pleno acesso ao réu e seu advogado nomeado, que redigirá também todas as alegações. Sugestão utópica? Talvez não. Tais depoimentos poderiam — a jurisprudência iria burilando sua utilidade — ter um peso ligeiramente menor no conjunto probatório. E se necessária a presença de um funcionário na sala, para datilografar o depoimento — funcionário que, em tese, poderia depois, ser ameaçado ou subornado pelo réu para identificar a testemunha — esta poderia usar um disfarce qualquer; um capuz, por exemplo. A lei, instituindo a “inovação”,

124 RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Criminalidade e Proteção às Testemunhas. Breves Considerações sobre a Pena de Morte. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=561>. Acesso em: 02 de outubro de 2008.

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estabeleceria que, se provado que o patrono indicado pela OAB traiu a confiança nele depositada — transmitindo ao réu, ou seu patrono de livre escolha, a identidade da “testemunha sigilosa” —, esse criminalista seria processado criminalmente, pagaria alta multa e seria suspenso, por vários anos, do exercício profissional.

A citada proposta torna-se completamente inviável simplesmente pelo fato

de ir novamente de encontro com os princípios constitucionais do contraditório e da

ampla defesa. Primeiramente, ressalta-se que o princípio do contraditório não

poderia ser plenamente exercido, pelas mesmas razões já apresentadas neste

capítulo, ou seja, o réu tem o direito de conhecer a pessoa que lhe atribui à prática

de um crime. Por outro lado, neste caso, o princípio da ampla defesa também estaria

sendo violado, pois, a ampla defesa significa, em primeiro lugar e acima de tudo, o

direito do réu ser defendido por alguém de sua confiança.

A aplicação do que está previsto no Provimento n. 14/2003 da Corregedoria

Geral de Justiça de Santa Catarina, no momento em que estabelece que os dados

pessoais da testemunha ameaçada deverão ficar sob sigilo, ou seja, fora dos autos,

é perfeitamente admissível, desde que o advogado do réu tenha livre acesso a

essas informações. Porém, por outro lado, a interpretação que se vem dando quanto

à aplicação da “testemunha sem rosto” em audiência de instrução e tribunal de júri,

por não estar prevista tal forma de inquirição em qualquer diploma legal e ainda

confrontar com os princípios constitucionais discutidos, conclui-se que é

inconstitucional.

Por derradeiro, conclui-se que a nossa Constituição Federal, assim como o

Código de Processo Penal brasileiro, não permitem a forma de inquirição das

“testemunhas sem rosto”, muito embora seja uma prática processual expressamente

permitida e aplicada em outros países.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os meios de comunicação demonstram o elevado índice de criminalidade

atual no país, o que muitas vezes foge do controle do próprio Estado. Por esse

motivo, a população vive temerosa com a ação dos criminosos, os quais evidenciam

tamanho grau de ousadia ao cometer determinados delitos.

Contudo, verifica-se a extrema importância de uma proteção especial às

vítimas e testemunhas ameaçadas por colaborarem com a investigação e instrução

criminal, em busca de um depoimento tranqüilo e acima de tudo, seguro.

Entende-se que a ocultação dos dados pessoais da vítima ou testemunha

ameaçada conforme prevê o Provimento n. 14/2003 da Corregedoria Geral de

Justiça de Santa Catarina é perfeitamente admissível. Entretanto, não se pode

restringir o acesso do advogado do réu a tais informações. O simples fato de não se

estampar nos autos do processo-crime a qualificação completa da testemunha já é

suficiente para lhe garantir o mínimo de proteção, sem ferir qualquer princípio

constitucional.

Obviamente, que tal medida não impede que o réu tome conhecimento

através de seu defensor de quem são as testemunhas arroladas pela acusação.

Porém essa medida evita que familiares e amigos do acusado, que hoje podem ter

acesso irrestrito à identificação da testemunha, bastando compulsar os autos do

processo, possam agir contra as pessoas arroladas na denúncia.

Da mesma forma que, nos casos em que o acusado permanecer ausente no

momento da oitiva da vítima ou testemunha, indispensavelmente o seu defensor

deverá acompanhar o depoimento e poderá passar informações para o seu cliente o

qual poderá identificá-la.

Portanto, pouco adianta a “testemunha sem rosto”. O réu querendo saber

quem é a testemunha que lhe acusa, poderá solicitar ao seu procurador o nome ou

qualquer outro dado da testemunha da acusação.

Frise-se, ainda, que o pedido de proteção previsto no Provimento n. 14/2003

carece de uma regulamentação mais específica, pois qualquer pessoa que seja

testemunha de um crime, independentemente da espécie ou natureza do delito,

75

pode requerer ser ouvida resguardada pelo referido Provimento, o que desvia a

finalidade deste e acarreta uma desordem no sistema de proteção.

Como por exemplo, em um crime de homicídio culposo digamos e que o réu

não se trata de um criminoso contumaz, ainda assim a vítima ou testemunha pode

se valer das regras do Provimento se desejar, mesmo não correndo nenhum tipo de

risco eminente e sim só por precaução, somente por preferir que seus dados não

apareçam no processo.

Por outro lado, a nova redação do artigo 217 do Código de Processo Penal

prevê a possibilidade da retirada do réu no momento da oitiva da testemunha nos

casos em que o juiz perceba humilhação, temor ou sério constrangimento à

testemunha somente na impossibilidade de inquirição por videoconferência.

Neste caso, deve o magistrado analisar cuidadosamente se realmente há a

necessidade da retirada do réu no momento da oitiva. É evidente que se perguntar

para qualquer vítima ou testemunha, se ela prefere depor sozinha ou na presença

do réu, na grande maioria dos casos, até mesmo em casos mais simples, em que a

testemunha não corre risco algum, a escolha, por medida de cautela, consistirá na

retirada do acusado do recinto.

Não se pode retirar o acusado da sala de audiência porque simplesmente

acredita-se que a testemunha irá depor melhor na sua ausência, pois dessa forma,

longe de se figurar uma proteção, impede gratuitamente o exercício do direito que o

réu possui, ou seja, de acompanhar toda a instrução criminal.

Conforme já demonstrado nos capítulos anteriores, não se pode restringir as

garantias da ampla defesa e do contraditório inerentes ao réu, o qual possui todo

direito de conhecer a pessoa que lhe imputa a prática de um delito e assim aventar

qualquer questionamento acerca da validade deste meio de prova.

No mesmo sentido, por não existir atualmente na legislação brasileira

qualquer regulamentação específica para a admissão da “testemunha sem rosto”, a

sua aplicação, no momento, fere com clareza o princípio constitucional do devido

processo legal.

Como se não bastasse, o princípio da publicidade prevê que todos os atos

processuais devem ser realizados publicamente (com algumas exceções). Mais um

motivo para que o réu, o qual é parte do processo, tenha direito de acompanhar e

participar da sua própria audiência.

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Portanto, entende-se que a única medida a ser tomada nos casos em que

realmente a testemunha teme pela sua integridade física, é o pedido de ingresso ao

Programa de Proteção as Testemunhas – PROVITA, o qual consiste na retirada da

testemunha de seu meio social até que a ameaça cesse. Estas, ao contrário do

Provimento n. 14/2003, tratam-se de situações mais específicas e de extrema

gravidade. Conforme tratado anteriormente, a vítima ou testemunha que desejar

ingressar no referido Programa, deve demonstrar a grave ameaça e passar por uma

série de etapas para que seja aceita.

Desta forma, havendo um Programa de Proteção eficiente e uma devida

proteção Estatal a fim de garantir total segurança às testemunhas ameaçadas, não

seria necessário sequer cogitar a hipótese de violação dos princípios constitucionais

estudados no presente trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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