UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA … · 2014-12-17 · lenguajear dentro de la biología del...

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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA CAMPUS DE JOAÇABA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO ELSON CESAR FACIN LINGUAJEAR: IMPLICAÇÕES EM PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E FORMATIVOS Joaçaba ▪ (SC) 2014 e-mail para contato « [email protected] »

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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA

CAMPUS DE JOAÇABA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

ELSON CESAR FACIN

LINGUAJEAR: IMPLICAÇÕES EM PROCESSOS

DE APRENDIZAGEM E FORMATIVOS

Joaçaba ▪ (SC) 2014

e-mail para contato « [email protected] »

ELSON CESAR FACIN

LINGUAJEAR: IMPLICAÇÕES EM PROCESSOS

DE APRENDIZAGEM E FORMATIVOS

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado em Educação da Universidade

do Oeste de Santa Catarina – Campus de

Joaçaba – como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em

Educação.

Orientador: Profº. Dr. Roque Strieder

Joaçaba ▪ (SC) 2014

F141l Facin, Elson Cesar

Linguajear: implicações em processos de aprendizagem e

formativos. / Elson Cesar Facin. UNOESC, 2014.

98 f.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Oeste de

Santa Catarina. Programa de Mestrado em Educação,

Joaçaba,SC,2014.

Bibliografia: f. 84 – 88.

1. Ensino - Aprendizagem. 2. Conhecimento. I. Título

CDD- 372.28

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Alvarito Baratieri – CRB-14º/273

DEDICATÓRIA

AGRADECIMENTOS

Ainda bem lá no início, antes mesmo de eu

participar do processo de seleção do mestrado,

precisei contar com a compreensão e ajuda de

algumas muitas pessoas... E durante os meus

estudos não foi diferente.

Que a memória não me tenha falhado... Familiares, amigos, colegas,

aprendentes, professores, orientadores... muitíssimo obrigado!

ASSUNTA CATARINA BAZZO FACCIN CLARIMUNDO ANTÔNIO FACCIN

JOÃO NILSON PEREIRA DE ALENCAR ALCIDES ANTONIO FACIN GELTRUDES LUCIA FACIN

VILSON SARTORI MÔNICA FACCIN SARTORI LUCIMAR FACIN SABRINA FACIN THIBES

HEITOR SARTORI FERNANDO FACIN EMANUELA MARTINI FACIN

CLAUDEMIR ELCIO LOHMANN MARIA CLARA MARTINI FACIN CATARINA MARTINI FACIN

ADRIANA FACIN LOHMANN VICTOR ARTHUR LOHMANN “BILY” ▪ “SCOOBY”

ARLENE MARIA FERRI ELCIRA MARGARETH PINTO

ROQUE STRIEDER IVANA DE FÁTIMA SILVA MACHADO JANETE ZANATTA

JUÇARA EDITH STEFANES

ALISSON GARÇOA DE JESUS BRUNA EDUARDA DA CRUZ VANIA MARIA ALVES

ANA LAURA KATCHOR CARLA FATIMA DE OLIVEIRA GISELLE THAIS NERES CORSO

CAMILA PINHEIRO BORGES DANIEL BONETTI DE SOUZA

CHAIANE LETICIA TEIXEIRA DIANA DANIELA DA SILVA

GABRIELA IANK GARCIA DOS ANJOS DOUGLAS MANTOVANI

GUILHERME BOGONI MASCARELLO FABIOLA DA SILVA XAVIER

GUSTAVO HERNANY AMPOLINI FRANCIELE VOSS

JOAO GABRIEL FACHINELLO GABRIEL RODRIGUES PEGORARO

JOAO VICTOR HUGEN GUILHERME PISSOLI LEVANDOSKI

JOAO VITOR RUSKY MIGUELAO GUILHERME SANTANNA PARIZOTTO

KAMILY DACAZ GUILHERME TERMANN STEFANES

KEMILY RAQUEL LEITE ISABELA SAVARIS DOS SANTOS

LEONARDO NERES CORSO JACQUELINE MINELLA

LETICIA PEREIRA DUARTE KARINA KUHL

LISANDRA DALA LASTA LUANA RAMOS

LUANA LETICIA DOS SANTOS BERNARDINI LUCAS DOS SANTOS LEMOS

MARIA EDUARDA BISSANI MAIKY DA ROSA DA SILVA

MATHEUS MOLIN THAYNA DE OLIVEIRA

PATRICIA SCHUMANN VITTOR HENRIQUE DA SILVA

RAMON LUCAS FERRANDIN WILLIAN MATHEUS COSTENARO LEILA NOVELLO

WENDER LUCAS DE PAULA MARILENA ZANOELLO DETONI

WILLIAN ALEX BETTONI ELTON LUIZ NARDI

ORTENILA SOPELSA MARILDA PASQUAL SCHNEIDER

PAULINO EIDT LUIZ CARLOS LUCKMANN

CLENIO LAGO LEDA SCHEIBE MARIA TERESA CERON TREVISOL

LUIZA HELENA DALPIAZ MAURÍCIO JOÃO FARINON

LUIZ CARLOS BOMBASSARO

5

INGO BURCKHARDT

VALCÍRIA LICKS

GUSTAVO SIDNEI DE OLIVEIRA FOUNTOURA ANDRÉ DOS SANTOS

CLEUSA MORANDINI

THIAGO VENDRAME

ALETEONIR JOSÉ TOMASONI JÚNIOR ALINE SARTOREL

CAMILA REGINA ROSTIROLA

CASSIANE KNEBEL

DANIELI VIECELI DANIELE GALVÃO RODRIGUES

DURLEI MARIA BERNARDON REBELATTO

GABRIELA FRIZZO PATRÍCIO GEORGETE FERRONATO

JOSÉ GILVANE LAUER

JULIANA AMPESE LAZZAROTTI DIAS JULIO CESAR POZO DA FONSECA

KELLI REGINA GONSALVES DOS SANTOS ASSUNÇÃO LIZETE CAMARA HUBLER

LUIZ CARLOS CAMARGO

MAGDA CRISTIANE DETSCH DA SILVA

PAULA CRISTINA KLAHOLD RODRIGUES DOS REIS RENATO FRANKE

ROBERTA APARECIDA MARTINEZ

SANDRA CRISTIANE ENGEL VILA REAL SÉRGIO CORDEIRO RIGHI

SIRLANDA MARIA RODRIGUES PASINATO SUELI PERAZZOLI TRINDADE

TIAGO JOSÉ TEODORO

PREFEITURA MUNICIPAL DE JOAÇABA

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

CENTRO EDUCACIONAL ROBERTO TROMPOWSKY

que

somos? O que é

humano? Habitualmente pensamos no

humano, no ser humano, como um ser racional,

e frequentemente declaramos em nos-

so discurso que

o que distingue

o ser humano

dos outros

animais é seu

ser

racional.

[...] Dizer

que a razão

caracteriza o

humano é um

antolho, porque

nos deixa cegos

frente à emoção,

que fica desvalorizada

como algo animal ou como algo que nega o racional.

HUMBERTO MATURANA ▪ Emoções e

linguagem na Educação e na política

"Umuntu ngumuntu ngabantu", which literally means

that a person is a person through other people. http://www.guardian.co.uk/theguardian/2006/sep/29/ features11.g2

Eu vos pergunto: – Qual é o peso da luz? [...] Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas – mas eu também?! Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim.

CLARICELISPECTOR ▪ A hora da estrela

TUDO QUE CESSA é morte, e a morte é nossa Se é para nós que cessa. Aquele arbusto Fenece, e vai com ele Parte da minha vida. Em tudo quanto olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo, Nem distingue a memória Do que vi do que fui.

RICARDOREIS ▪ heterônimo de

FERNANDOPESSOA

RESUMO

Vinculada ao curso de Mestrado em Educação da Universidade do Oeste de Santa

Catarina – Unoesc – e guiada a partir da linha de pesquisa processos educativos, a

presente produção nasceu gestada e nutrida por importantes ideias do neurobiólogo

chileno Humberto Maturana Romesín. Ideias deste autor sobre o vivo e sua congruência

com o meio como a autopoiese, a biologia do conhecimento, a biologia do amor e,

especialmente, o linguajear são trazidas a partir de uma pesquisa bibliográfica para

reflexões a respeito dos processos de aprendizagem, formativos e de ensino. Essa

produção acadêmica surgiu da inquietação a respeito de como o linguajear poderia

contribuir para dinamizar processos de ensino e aprendizagem e a pesquisa bibliográfica

foi elaborada a partir de Maturana & Varela (1995, 1997), Maturana (2005, 2006),

Maturana & Verden-Zöller (2011b), Montagu (1988), Restrepo (2001), Waal (2010), além

de outros. No seu desenvolvimento, a pesquisa bibliográfica e a presente produção foram

orientadas à satisfação de três questões: compreender o linguajear no âmbito da biologia

do amor e da biologia do conhecimento, investigar possíveis contribuições do linguajear

como estratégia em processos de aprendizagem e formativos e refletir sobre as

possibilidades, no âmbito dos espaços educacionais, de o linguajear fecundar práticas

educativas mais afinadas às ideias do neurobiólogo Humberto Maturana. O curso de

reflexões desenvolvido nessa produção aponta para salutares viveres mais humanizados

no quefazer pedagógico ao se considerar as ideias que fundamentaram a pesquisa e

essa produção. Alguns exemplos desses viveres mais salutares nos espaços

pedagógicos apontados são: o linguajear como importante elemento modulador de falas

e condutas no dinamismo do conhecer, o tocar afetivo como fator de desenvolvimento

físico e psicológico do ser e a biologia do amor como promotora, por meio das ideias de

aceitação e validação do outro, de um fluxo recíproco entre educador e aprendente(s)

nos processos do conhecer.

Unitermos: Educação; Autopoiese; A Biologia do Conhecimento; Linguajear; A Biologia

do Amor.

ABSTRACT

This thesis is linked to the Master in Education course at Universidade do Oeste de Santa

Catarina – Unoesc – and guided from the line of research educational processes. It was

born gestated and nourished by important ideas of the Chilean neurobiologist Humberto

Maturana Romesín. The ideas of this author about the living and its congruence with the

environment as the autopoiesis, the biology of cognition, biology of love and especially the

languaging are brought from a literature research for reflections on the learning, human

development and teaching processes. This thesis arose from concerns about how the

languaging could help to stimulate teaching and learning processes and the literature

research was elaborated from Maturana and Varela (1995, 1997), Maturana (2005, 2006),

Maturana & Verden-Zöller (2011b), Montagu (1988), Restrepo (2001), Waal (2010),

among others. In its development, the literature research and the present thesis were

oriented to satisfying three issues: to understand the languaging within the biology of love

and the biology of cognition context, to investigate possible languaging contributions as a

strategy in learning and human development processes and to reflect on the possibilities

in the context of the educational spaces, of the languaging to fertilize educational

practices more in line to neurobiologist Humberto Maturana ideas. The course of

reflections developed in this thesis points to healthy living more humanized in pedagogical

making when considering the ideas that motivated this research and this thesis. Some

examples of these healthiest living in the mentioned educational spaces are: the

languaging as an important modulator element of speeches and conducts in the

dynamism of knowing, the affective touch as physical and psychological development

factor of the being and the biology of love as a promoter, through the acceptance and

validation ideas of the other, of a reciprocal flow between educator and learner(s) in the

processes of knowing.

Keywords: Education; Autopoiesis; Biology of Cognition; Languaging; Biology of Love.

RESUMEN

Vinculada al curso de Maestría en Educación de la Universidade do Oeste de Santa

Catarina - Unoesc - y guiada desde la línea de la investigación los procesos educativos,

esta producción nació gestada y alimentada por las ideas importantes del neurobiólogo

chileno Humberto Maturana Romesín. Las ideas de este autor sobre la vida y su

congruencia con el medio como autopoiesis, la biología del conocimiento, la biología del

amor y sobre todo el lenguajear son llevados de una búsqueda en la literatura para la

reflexión sobre los procesos de aprendizaje, formación y enseñanza. Esta disertación

surgió de la preocupación por la forma en que el lenguajear podría ayudar a agilizar los

procesos de enseñanza y aprendizaje y la literatura se extrajo de Maturana & Varela

(1995, 1997), Maturana (2005, 2006), Maturana & Verden-Zöller (2011b), Montagu

(1988), Restrepo (2001), Waal (2010), entre otros. En su desarrollo, la literatura y la

producción actual se orientaron a satisfacer tres cuestiones: la comprensión del

lenguajear dentro de la biología del amor y la biologia del conocimiento, para investigar

las posibles contribuciones del lenguajear como una estrategia para los procesos de

aprendizaje y de formación y reflexionar sobre posibilidades dentro de los espacios

educativos del lenguajear fertilizan las prácticas educativas más en sintonía con las ideas

del neurobiólogo Humberto Maturana. El percurso reflexivo desarrollado en esta

producción es dirigido hacia exposiciones más saludables e humanizadas en la práctica

pedagógica cuando se lleva en consideración las ideas que fundamentaran la

investigación y esta producción. Algunos ejemplos de estos enseñanza más sana que

vive en las áreas mencionadas son: lenguajear como un importante elemento modulador

de líneas y tuberías en el dinamismo del conocimiento, juego afectivo como factor de

desarrollo físico y psicológico del ser y la biología del amor como un promotor, a través

de las ideas de la aceptación y validación de la otra, un flujo recíproco entre el educador y

el alumno(s) en los procesos de conocimiento.

Palabras clave: Educación; Autopoiesis; La Biología del Conocimiento; Lenguajear; La

Biología del Amor.

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES PRIMEIRAS .............................................................................. 14

SEÇÃO I

LITERATURA (RE)VISITADA: CORPO, AFETO, EMOÇÃO, EDUCAÇÃO ............ 26

2.1 Analfabetismo afetivo .......................................................................................... 26

2.2 Carícia linguageira para com o conhecimento .................................................... 31

2.3 Mãos e dedos benditos ....................................................................................... 34

2.4 Pedagogia do tato: um (leve) roçar reflexivo... .................................................... 39

2.5 Resgate histórico: teorias da aprendizagem, modelos epistemológicos .............. 42

2.6 Dinamismo cíclico e autorreferencialidade no ser/existir: a autopoiese (o fazer- se a si mesmo) .................................................................................................... 47

2.7 Tênue entrelaçar de olhares entre modelos epistemológicos tradicionais e a teoria da autopoiese ........................................................................................... 53

SEÇÃO II

A BIOLOGIA DO CONHECIMENTO E A BIOLOGIA DO AMOR ABRAÇANDO O SER E O VIVER PEDAGÓGICO ........................................................................... 58

3.1 Passeio breve pelo mundo de Humberto Maturana ............................................ 58

3.2 Nas asas da Biologia do Conhecimento .............................................................. 60

3.3 No abraço da Biologia do Amor ........................................................................... 66

3.4 Mirando o linguajear com uma perspectiva fomentadora nos processos de en- sino e aprendizagem e também formativos ........................................................ 73

SEÇÃO III

SINTETIZANDO APONTAMENTOS ......................................................................... 79

4.1 Em afinidade com ideias apresentadas nessa produção ..................................... 79

4.2 Em afinidade com minhas vivências .................................................................... 82

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 84

APÊNDICES .............................................................................................................. 89

APÊNDICE 1: “Não vemos que não vemos” ............................................................. 90

APÊNDICE 2: A “Árvore Maturana” .......................................................................... 91

APÊNDICE 3: O cordeirinho e o contato materno ..................................................... 92

APÊNDICE 4: Formiga e mancha de tinta ................................................................ 93

APÊNDICE 5: A minha formiga ................................................................................. 94

APÊNDICE 6: A gatinha aqui de casa ....................................................................... 95

APÊNDICE 7: Bily ..................................................................................................... 96

11

APÊNDICE 8: A linguagem: exemplo para reconhecimento de coordenações consensuais de coordenações consensuais de ações ........................ 97

APÊNDICE 9: “Receita pra lavar palavra suja” – Viviane Mosé .................................. 98

Notas O que quero agora é convidar leitor, leitora, para um cum versare inicial. Cum versare, conforme Maturana (2003, p. 167), é um “dar voltas juntos” (com o outro); um passear na linguagem. Então, meu convite aqui neste território das notas é para um breve passeio na linguagem com o desejo meu de falar sobre algumas peculiaridades – se assim posso chamá-las – a respeito desta minha produção.

LINGUAJEAR A matéria física (visual e sonora), bem como as dimensões semânticas das palavras representam universos de possibilidades de concretizações, materializações, realiza-ções... Assim, a escolha consciente, fortuita, determinada, inconsciente... de uma ou de outras delas, creio, paira igualmente neste universo de possibilidades no aguardo de um convite nosso para concrematerializar-se... Assim, dentre as possibilidades de o neologismo “linguajear”, do espanhol “lenguajear” – Maturana (1993, p. 09), Maturana (2001, p. 12) – materializar-se na língua portuguesa como “linguajar”, conforme edições brasileiras das ideias de Humberto Maturana [favor conferir, por exemplo, Maturana (2006, p. 178), Maturana (2005, p. 21), Maturana (1998, p. 80)], eu desejei utilizar nesta minha produção acadêmica a grafia “linguajear”. Minha escolha visa a primeiramente manter um distanciamento do significado que conotamos à palavra “linguajar” na língua portuguesa: “falar muito; tagarelar...”; e também para resguardar espaço em relação a outro significado desta mesma palavra: “modo falar de características regionais; dialetos...” Assim, amparado numa edição de Maturana na língua portuguesa que muito me agradou, resolvi abrir presença em meu texto para a existência da grafia “linguajear” – Maturana (2011B, p. 09). Ainda, quero registrar buscas (25.out.2014) dos vocábulos “linguajar”, “linguajear”, “linguagear” e “maturana” (com ou sem combinações) num motor de pesquisa na internet em páginas brasileiras que trouxeram como resultados os seguintes dados: a) “linguajar”: Aproximadamente 631.000 resultados (0,11

segundos); b) “linguajear”: Aproximadamente 738 resultados (0,12

13

segundos); c) “linguagear”: Aproximadamente 586 resultados (0,11

segundos); d) “linguajar”+“maturana”: Aproximadamente 3.590

resultados (0,36 segundos); e) “linguajear”+“maturana”: Aproximadamente 623

resultados (0,36 segundos); f) “linguagear”+“maturana”: Aproximadamente 370

resultados (0,35 segundos).

“Transgressão”, preciso confessar que esta foi a primeira palavra que me encontrou numa conversa com um amigo quando lhe mostrei um esboço do leiaute que eu gostaria de dar a esta minha produção, já que, visivelmente (e visualmente) se percebe um não caminhar dela (tão) de mãos dadas com as normas técnicas que regem as orientações para apresentação e publicação de trabalhos acadêmicos, científicos... Se me for possível manter a originalidade formal de minha produção, esta nota que a acompanha tentará justificar o leiaute adotado: a) tentativa de tornar mais agradável a leitura desta produção,

bem como ser um convite à sua leitura; b) busca para exibir a escrita como (quase, se não) uma

extensão do corpo e do pensamento do autor, por isso os “arabescos” e “volteios gráficos” próximos (talvez) à feição de gesticulações da oralidade da fala;

c) esforço para dar uma aparência mais dinâmica às dimensões da palavra grafada, procurando modular as ideias e reflexões aqui apresentadas às expectativas da leitora, do leitor.

d) por fim, proponho um convite à reflexão: quando escolhemos um alimento, comer uma fatia de bolo, por exemplo, nossa escolha por uma ou outra fatia dele seguiria motivada pelo fato de ser bolo e ter o sabor que nos agrada ou levaríamos em consideração também a maneira como a fatia se nos fosse apresentada?

ORGANIZAÇÃO

FORMAL

(LEIAUTE) DESTA

PRODUÇÃO

FIO DE TOM

NARRATIVO QUE

AUXILIA A

URDIRA DESTA

PRODUÇÃO

CIENTÍFICA

A leitora ou o leitor que me acompanhar no passeio de reflexões que faço nas linhas tecidas da presente produção notará facilmente a presença de meada formada por tom narrativo: mescla de história(s) de vida com relato(s) de experiências vivificadas. Quero justificar a adoção deste proceder primeiramente porque meu convite neste texto todo é para um cum versare, depois, porque considero que a dimensão das reflexões que trago para bailar com o universo da Educação assim convidam.

1

O viver a docência e a discência é um existir humano que antes de convergir para

um sentido estritamente formal de educação espraia-se na dimensão do comungar a

existência, do viver as relações sociais, do compartilhar-se e ser compartilhado. Porque,

a aprendizagem humana tem o amor como princípio epistemológico, como fundamento:

nós nos construímos humanos pela cooperação e não pela competição. O amor é a

emoção humana que faz com que a socialização aconteça (MATURANA, 2011B), com que a

Sociedade Humana exista. “O ser humano não vive só. A história da humanidade mostra

que o amor está sempre associado à sobrevivência. Sobrevive na cooperação. Se a mãe

não acolhe o bebê, ele perece. É o acolhimento que permite a existência” 1

.

Dessa maneira, o menor delineamento que seja da compreensão dos processos

de ensino e aprendizagem refuta qualquer visão que deixe de considerar esta dimensão

primeira de (com/re)partir, do relacionar-se. E, conforme pretendo2 investigar e criar

reflexões nesses meus estudos, o elemento humanizador desse processo

(com/re)partilhado está intensamente relacionado ao linguajear (entrelaçamento da

linguagem nas dimensões: emoção e ação) – conceito cunhado pelo neurobiólogo

chileno Humberto Maturana Romesín.

Para Maturana, nosso (con)viver humano na linguagem, na dinâmica do processo

comunicativo nosso de todo instante, é definido como linguajear. Conforme explicita

Augusto de Franco (2001, p. 24), esse neologismo “faz referência ao ato de estar na

linguagem, sem associar tal ato à fala, como ocorre quando empregamos a palavra

‘falar’”. O linguajear representa, antes, um estar-se na linguagem dentro de um fluxo de

“coordenações de coordenações comportamentais consensuais” (MATURANA, 2011B).

Na atualidade de reflexões sobre o vasto campo educacional, não me parece – e

não só a mim, mas a muitos estudiosos também – mais adequado conceber a educação

apenas como um processo humano que envolva os tradicionais três elementos:

educador-conhecimento-aprendente numa relação estritamente objetiva em que o

conhecimento é tratado como um elemento (quase) material distante e que não guarda

1 Humberto Maturana em entrevista à revista Bons Fluídos, edição 160 – julho/2012. Disponível em

http://casa.abril.com.br/materia/entrevista-humberto-maturana-e-a-importancia-do-amor. Acesso em: 07 de abr. 2014.

2 Meu texto se constrói com a conjugação verbal guiada na primeira pessoal do singular. Porém, o uso do

“eu” não implica produção desvinculada de um “nós” (orientador, colaboradores...), nem reflete pretensão de autoria/produção individuais; minha escolha por esta opção de voz é apenas um recurso de estilo.

15

nenhuma afinidade subjetiva com seu transmissor/mediador. Minhas ideias

compartilhadas nesta produção se afinam às de Barcelos (2006, p. 584) “defendo neste

texto, um olhar sobre a aprendizagem que privilegie a liberdade imaginativa; a

amorosidade na relação pedagógica; o cuidado de si, como pressuposto para a

aprendizagem de qualquer conhecimento; o reconhecimento do outro como legítimo na

sua diferença e em seu modo de ser e de estar no mundo...” Além disso, importa

destacar que o saber acadêmico está entrelaçado à emoção: “é impossível desconhecer

o papel da emoção como moduladora e estabilizadora dos processos de aprendizagem,

nem deixar de pensar na aventura pedagógica como uma busca afetiva de figuras de

conhecimento, compromisso passional que busca com afã afundar sua pegada na grade

intelectiva” (RESTREPO, 2001, p. 15).

A temática debruçada sobre a educação a respeito da qual me proponho a

investigar e refletir não é empreitada nova e tão original, mas o caminho a que me

disponho a seguir guarda menos rotas já trilhadas que os caminhos até então

construídos.

E como falar de educação é também falar de vida, de história de vida, apresento a

seguir um pouco do meu caminho vivi(construí)do até o meu despertar para este meu

presente estudo acadêmico e, quiçá, além...

O sonho de chegar ao curso de estudos em nível de mestrado para mim sempre

esteve muito distante; talvez nem se configurasse mesmo em sonho. Eu o tinha mais

como um leve delineio na vasta seara probabilística do futuro... Então, um dia – como

numa boa história de contos de fada de “era uma vez” – eu vislumbrei este sonho mais

próximo de mim na leitura da Clarice Lispector: «A hora da estrela». No quase final de

minha leitura eu me encontrei ao lado da Macabéa – a protagonista do livro da Clarice –

me encontrei num compartilhamento de suas angústias frente à vida; quase dei-lhe a

mão por simpatia, por amparo... Foi assim: eu encontro a moça saindo de uma visita a

uma cartomante (de sessão paga pela colega de trabalho como forma de compensar o

seu ‘roubo’ do namorado da amiga). Macabéa, na sessão com a cartomante, fica

deslumbrada com as previsões feitas pela sibila; resolve, então, tomar as rédeas guias de

seu futuro: ela mesma a partir daquele momento será a responsável por se conduzir na

sua existência; ela resolve acreditar em si, e acredita ser capaz de se responsabilizar

pela direção da sua vida, sonhando e realizando... Desta forma, estava eu no universo de

sonhos da Macabéa (de mãos dadas com ela na perspectiva de concretização de seu

futuro) quando recebi um e-mail da Universidade divulgando o seu curso de mestrado...

Foi muito curioso... Estimulado pela leitura da literatura que eu degustava, fui motivado a

16

acreditar em mim, em minha possibilidade de crescimento... Foi então que empreendi

esforços para a participação do processo seletivo do Curso de Mestrado em Educação...

Agora, em minha caminhada de crescimento, sou aqui... e com perspectivas

futuras tão mais venturosas que as da pobrezinha da Macabéa...

Ainda seguindo a linha do meu recordar(-me) de história de vida, recomponho

aqui levemente os primórdios de minha vida estudantil. Meus estudos primeiros foram em

escola pública de interior de município pequeno (na época): Ouro – SC. Não eram

estudos na modalidade de escola multisseriada, mas nem por isso escola avantajada de

bairro, de cidade, por exemplo...

Rememorando esses meus tempos idos de primeiras letras, primeiros cálculos,

primeiras experiências frente a uma educação formal, não são muitos os guardados em

minha memória que posso dizê-los belos de recordação; guardo uns poucos, raros

punhados... por exemplo, minha primeira ida à escola e o meu deslumbramento com um

relógio despertador sobre um armário cuja perna articulável do jogador num desenho

movimentava-se para-cima-para-baixo em ação de chutar uma bola desenhada... outra

lembrança boa é de um mimo recebido da minha primeira professora alfabetizadora: uma

camiseta tendo um elefantinho estampado, a querida professora Maria Luzia Vitorazzi, e

um elogio dela de eu ser um aluno com potencial... recordo-me também de um livro: «O

segredo da ilha» com dedicatória, ganho no final da quarta série (a antiga organização do

ensino fundamental desses anos iniciais); a professora Terezinha D’Agostini... fui abrir o

livro ainda comigo: – “Elson, Parabéns! Continue sempre esforçado e otimista; você vai

vencer na vida. Prof. Tere”. Obrigado, Prof. Tere, será que venço?... Que é vencer? Para

vencer é preciso estar em luta?... Ah, querida profe, então, simplesmente vivamos sem

vencer, sem perder... Gracias a la vida que me ha dado tanto / Me ha dado la risa y me

ha dado el llanto3... De outro tanto, a escola, contudo, se me configurava na época como

meu meio social – selvagem e agressivo, ainda por cima! E, no tempo dos anos 1980,

distante de haver reflexão em nossas escolas sobre o fenômeno conhecido na atualidade

por bullying... Em casa, a estrutura patriarcal comandada por meu avô (pobrezinho, não

julgo meu avô) estabelecia rígida hierarquia que fazia os laços afetivos ficarem flácidos,

invisíveis... as manifestações expressivas de ternura nem nada de vingarem em tão

agreste estrutura familiar... A adolescência também não se fez em profícuo vivenvificar...

assim, fiz-me o que era o mais fácil: refugiei-me em mim, de mim, de outros, das

pessoas... Por tudo isso, engraçada uma contradição minha: acabei enveredando para a

área das Ciências Humanas... Meu primeiro vestibular – era preciso alçar voo de casa,

sair do ninho – teve como opção principal Ciências Biológicas... A escola em minha vida

3 Versos da canção «Gracias a la vida» da cantora chilena Violeta Parra (1917-1967).

17

primeira, creio, com seus livros de ciências, deixou-me esse gosto por experiências

(‘científicas’), pela Ciência... mas não vingou essa minha primeira opção: houve vagas

disponíveis apenas para minha segunda opção do vestibular: Letras. Ainda bem!, porque

meu temperamento fraco frente ao perecimento de animais, ainda que de causa natural,

não me fariam dissecar um sapo nem mesmo se ele fosse de silicone!... Acolhido no

curso de Letras, em universidade particular, empreendi – o que julgo serem – duros

esforços para sustentar as mensalidades do curso... e, entre pausas nos estudos e

dificuldades financeiras, alcancei o término da formação superior... E tudo na vida se nos

é aprendizagem: dificuldades, ganhos, perdas, conquistas... E “[...] Tudo vale a pena / se

a alma não é pequena!” 4

Atualmente, minha caminhada na educação, nesse meu viver ‘profissional’

educador, soma um pouco além de dezesseis anos. E uma importante etapa de

crescimento pessoal e cognitivo se me irradiou (e continua a sê-lo) com o presente curso

de mestrado.

A entrada no curso de mestrado se me apresentou permeada de expectativas e

tensões... mas um estímulo importante e fator decisivo para eu estar no curso foi a

primeira aula da qual participei: «Epistemologia e Educação» com o professor Dr. Roque

Strieder. O professor Roque me encantou com as suas reflexões sobre o mundo, sobre o

ser humano, a ciência, as ciências, a Educação... e acima de tudo com seu enaltecimento

da Vida como dimensão suprema da grande rede de seres e matéria da qual somos

parte. E iniciado nesse proceder epistemológico de conceber a realidade a partir de uma

objetividade não mais sem, mas com parênteses5 (MATURANA, 2001, p. 31), já não consigo

interagir com o mundo à minha volta sem considerar as múltiplas faces do que se me

apresenta, do que vejo, ou melhor, do que penso que vejo...

Já neste ponto de meu texto, e a partir do que relatei, sinto-me obrigado a revelar

que mudei meu objeto de estudo apresentado como parte do processo de seleção do

mestrado. Meu tema primeiro estava relacionado à aquisição de uma consciência

ortográfica mais acurada da língua num contexto pedagógico escolar; contudo, a partir

das aulas do professor Roque e das leituras feitas – especialmente textos do

4 Versos do poema “Mar Portuguez” de Fernando Pessoa in BARBOSA, Frederico (sel. e org.). Fernando

Pessoa – Poemas escolhidos. Zero Hora / Klick Editora, 1998. p. 153. 5 A realidade vista a partir do olhar da ‘objetividade sem parênteses’, conforme Maturana (2006), caracteriza-

se por se apresentar como a única explicação válida (e soberana). O observador tem acesso privilegiado a ela e, portanto, ela é a única forma de a realidade ser concebida: “É assim que ela é, é assim que deve ser aceita.” Já no caminho do olhar de uma realidade da ‘objetividade entre parênteses’, uma afirmação cognitiva se torna válida apenas no contexto das coerências que a validam. Assim, a realidade não é acessível ao observador de forma privilegiada, já que ele não consegue distinguir na experiência entre ilusão e percepção. Sendo assim, há muitas realidades. “Há tantas realidades – todas diferentes, mas igualmente legítimas – quantos domínios de coerências operacionais explicativas, quantos modos de reformular a experiência, quantos domínios cognitivos pudermos trazer à mão” (MATURANA, 2006, p. 38).

18

neurobiólogo chileno Humberto Maturana – fui fisgado por uma nova proposta de estudo

lançada pelo professor como uma truta que não consegue fazer distinção entre o que é

real e ilusão6.

Da isca mordida, surgiram-me, como já relatei no início dessas minhas

considerações, reflexões sobre possíveis contribuições do linguajear em processos de

aprendizagem e formativos. Para Maturana (2011B, p. 262) “quando, numa conversação,

muda a emoção7

, muda também o fluxo das coordenações de coordenações

comportamentais consensuais”. Cada componente curricular na escola em seu universo

‘linguajeante’ carrega o aprendente para um domínio de ações com numerosos tipos de

emoções; e mais, o agir ‘linguajeante’ pedagógico de cada educador também é força a

atuar sobre o fenômeno da aprendizagem. Então, como os processos de aprendizagem e

formativos podem se beneficiar a partir das ideias de Maturana a cerca da linguagem

humana? E, também, como podem se beneficiar desse viver, desse agir, desse nosso

ser(mos) humanos na linguagem?

Maturana (1998, p. 80), enuncia que a linguagem “como fenômeno biológico

consiste em um fluir de interações recorrentes que constituem um sistema de

coordenações condutais consensuais”. Mas o que é uma coordenação de coordenação

condutual (comportamental) consensual? Bem, como humanos que somos e afeiçoados

pelo universo mágico das histórias – que fascínio exerce(ram/m/rão) em nossas vidas os

contos de fadas, as piadas, as narrativas, as parábolas bíblicas... – cabe aqui, para

melhor compreensão dessa expressão, uma pequena história colhida em Andrade, Silva

& Passos (2007):

Imaginemos uma situação de caça em que o animal caçado (touro enfurecido) é muito mais forte do que o caçador (hominídeo). Visto assim, a única maneira do caçador obter sucesso nessa difícil empreitada é através de um “chamamento”, da formação de um coletivo. No entanto, esse coletivo só terá sucesso se as ações individuais estiverem, relativamente, coordenadas. [...] a todo o instante, nós, seres humanos, coordenamos as nossas condutas com as de outra pessoa. Se essa observação for um pouco mais aguçada veremos que, a todo o momento, novas coordenações são geradas sobre as primeiras e, assim, sucessivamente. A esse processo recursivo de coordenar uma ação sobre outra, já coordenada – como se déssemos uma volta sobre a volta – pode ser denominado “coordenação de coordenação”. Há de se fazer agora um comentário importante para o entendimento da unidade básica da linguagem, qual seja: uma coordenação de coordenação

6 Uma brincadeira com meu orientador a partir de reflexão de Maturana: a incapacidade de os seres vivos

distinguirem entre ilusão e percepção na experiência (MATURANA, 2006, p. 26). Ainda bem que ‘mordi’ a isca! 7 “As emoções não são o que correntemente chamamos de sentimento. Do ponto de vista biológico, o que

conotamos quando falamos de emoções são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos” (MATURANA, 2005, p. 15). Uma circunstância de sala de aula, o professor enunciando: "Hoje haverá prova!” Situação A: ele está muito nervoso; Situação B: ele está muito alegre. A racionalidade da afirmação é a mesma, mas o domínio de emoções (e consequentemente de ações) é diferente.

19

de ação entre dois indivíduos só ocorre se houver, em ambos, uma vontade, um desejo e a partir daí um consenso. Como toda ação humana é conduta, chega-se, com isso, à unidade básica da linguagem: uma coordenação de coordenação condutual consen-sual (MATURANA, 1997). [...] [Retornando à empreitada de caça ao touro], para se obter sucesso nessa empreitada arriscada, aqueles caçadores de outrora já deveriam estar imersos em alguma rede linguística, mesmo que rudimentar, na qual gestos, disposições corporais, grunhidos ou mesmo algum tipo mais elaborado de som, se tornaram palavras no devir, ou seja, na recursividade do próprio processo. A partir desta reflexão, podemos imaginar pequenas conversações, gestuais ou sonoras, do tipo: – Oi! / – Olá! (coordenação); – Veja o touro! / – Onde? / – Atrás! (coordenação de coordenação) – Vamos correr! / – Não, vamos pegá-lo (conduta consensual).

(ANDRADE, SILVA & PASSOS, 2007, p. 183)

A partir do que escrevi até este ponto e pensando na linguagem (o linguajear – na

teoria de Maturana) como sendo a essência no relacionar-se, no ser e no constituir-se

humano, meu questionamento motriz para esse trabalho de pesquisa toma o seguinte

refinamento: quais possibilidades – no âmbito da Biologia do Amor8 e da Biologia do

Conhecimento9 – de o linguajear trazer contribuições em processos de aprendizagem e

formativos?

Em consonância com o questionamento anterior, surge meu objetivo geral no

trabalho de pesquisa ao qual me dediquei a empreender: investigar implicações junto a

processos de aprendizagem e formativos nos territórios escolares a partir do linguajear

concebido no âmbito da Biologia do Amor e da Biologia do Conhecimento.

A partir das ideias irradiadas do meu objetivo geral, meu caminhar no estudo a

que me propus realizar segue amparado em três guias – meus objetivos específicos; os

quais são:

8 Biologia do Amor: as reflexões do neurobiólogo Humberto Maturana sobre o viver humano na linguagem

são potencializadas a partir de suas considerações sobre a importância das emoções na evolução de todos

os seres vivos. Porque as emoções nos seres vivos “...definem o curso de seus fazeres: onde estão, para

onde vão, onde buscam alimentos, onde se reproduzem, onde criam seus filhotes, onde depositam seus

ovos etc. Bem, com os seres humanos ocorre exatamente a mesma coisa. O emocionar, o fluxo das

emoções, vai definindo o lugar em que vão acontecer as coisas que fazem no conviver. Então, se uma

pessoa se move, por exemplo, a partir da frustração, isso vai definir continuamente o espaço relacional na

qual se encontra e o curso que vai ter seu viver. Se vive a partir da confiança, vai seguir um curso distinto.

Assim, portanto, o que guia o fluxo do viver individual são as emoções e na constituição evolutiva também.

É o emocionar que se conserva de uma geração a outra na aprendizagem das crianças.” (MATURANA,

Humberto. Entrevista. Disponível em http://www.humanitates.ucb.br/2/entrevista.htm. Acesso em: 28 abr. 2013.) 9 Biologia do Conhecimento: conjunto de ideias de Humberto Maturana que permite ultrapassar a premissa

básica do pensamento ocidental no qual são postos em oposição o biológico ao não-biológico ou social, ou

cultural. O ser humano constitui-se no entreleçamento do racional com o emocional. E “Maturana funda o

social numa emoção em particular, o amor, por ser esta a emoção que permite a aceitação do outro como

legítimo outro na convivência.” (Aurora Rabelo, 2005, p. 8, prefaciando o livro «Emoções e linguagem na

educação e na política» de Humberto Maturana.)

20

1. Conhecer e compreender o significado do linguajear no âmbito da Biologia do Amor e da Biologia do Conhecimento.

2. Investigar as contribuições possíveis do linguajear como estratégia em processos de aprendizagem e formativos.

3. Tecer reflexões no âmbito dos espaços educacionais que possam contribuir para fecundar práticas educativas mais afinadas com a Biologia do Amor e com as ideias do neurobiólogo Humberto Maturana.

Meus estudos aqui sistematizados, inicialmente, a partir de meu primeiro objetivo

específico (a compreensão do linguajear no âmbito Biologia do Amor e da Biologia do

Conhecimento) partiram de uma pesquisa bibliográfica, uma vez que, conforme Oliveira

(2007, p. 69), esse tipo de pesquisa tem por finalidade levar o pesquisador a “entrar em

contato direto com obras, artigos ou documentos que tratem do tema em estudo”. Após

ampliar minha compreensão sobre essa dimensão teórica, meus estudos e reflexões

seguiram direcionados a um acoplamento com as práticas educativas vivenciadas por

mim e também práticas pedagógicas conhecidas através da literatura educacional,

relatos ou experiências.

*•*•*

Convido agora o(a) leitor(a) a me dar a mão e seguir comigo por esta produção.

Nossa caminhada se inicia com a visualização (próxima página) de duas fotos do

neurobiólogo chileno Humberto Maturana num evento em 2006 na cidade de Campinas

(SP) – pequena forma encontrada por mim para reverenciar o autor principal no qual está

enraizado este meu trabalho acadêmico.

Nas páginas logo a seguir, o(a) leitor(a) encontrará uma pequena historinha sobre

uma experiência pessoal minha na tentativa de cultivo de uma plantinha conhecida

localmente como “barriga-de-sapo”. E por que trago essa narrativa? Primeiro, porque

conforme mesmo Maturana, nossas explicações advêm de nossa(s) experiência(s) de

vivência na linguagem – no linguajear; mas meu objetivo maior com a narrativa é iniciar a

caminhada com o(a) leitor(a) a partir de reflexões de Humberto Maturana em relação à

sua afirmação que o meio não pode especificar o que acontece a um sistema vivo; o

meio, segundo Maturana (2002), pode ser apenas um perturbador, um desencadeador de

mudanças que são permitidas pela estrutura (peculiar) do vivo, de cada ser vivo.

Meu caminhar rumando ao primeiro capítulo desta produção – e se ainda tenho a

companhia do(a) leitor(a) – é convite a um aperto de mãos, um tapinha no ombro, um

toque no braço... é convite a pensar no poder miraculoso de um abraço, a refletir sobre o

poder supremo do toque! É também convite para reflexões a respeito do poder do

entrelaçamento de corpo, afeto e emoções na seara educacional. “A pessoa não amada,

de qualquer idade, tem probabilidade de ser uma entidade bioquímica muito diferente da

21

que foi adequadamente amada” (MONTAGU, 1988, p. 197). E chegando quase ao final do

primeiro capítulo, o(a) leitor(a) encontrará – encontraremos se ainda me acompanha –

um pequeno resgate histórico das teorias da aprendizagem e seus respectivos modelos

epistemológicos. Então, na sequência, eu reservo especial espaço no primeiro capítulo

para a teoria de Maturana denominada autopoiese – o ser vivo como uma “máquina” que

se constrói a si mesma no ciclo biológico de seu existir – relacionada a modelos

epistemológicos consagrados de se pensar a educação.

Continuarei eu com a companhia do(a) leitor(a) no Capítulo 3? Se sim, nossos

passos e atenção serão guiados para conhecer brevemente a trajetória de vida e

formação de Humberto Maturana enquanto cientista e pesquisador, bem como o seu

mover e a sua incursão no quefazer de reflexões e perspectivas de conceber o ser vivo,

assim como a relação do vivo com o meio, com o outro. Dessa forma, o capítulo também

apresenta uma síntese das ideias de Maturana que cobrem o espectro conceitual e

ponderativo sobre a Biologia do Conhecimento e a Biologia do Amor e o Linguajear.

Então, chegando ao final do passeio iniciado com o(a) leitor(a) neste trabalho

(será que ainda nos fazemos companhia?), sento-me sob a sombra de frondosa Árvore

Maturana e me ponho a refletir sobre quão

nutritivos e saborosos podem ser os frutos dela

na dieta alimentar educacional com seu cardápio

cognitivo e de formação humana.

Peço licença para deixar meu abraço.

*•*•*

Singela reverência a Humberto Maturana:

...e uma foto...

Nós seres humanos gostamos do lúdico, do imaginável, do inimaginável, do

fictício, do irreal – no seu real nosso de fazê-lo existir – concretizado, metaforizado,

(con)fabulado... nós seres humanos gostamos de histórias, não é assim?... Por isso:

A história da (minha) barriga-de-sapo

Maturana (2002) diz que “...o meio não pode especificar o que acontece num

sistema vivo – ele pode apenas desencadear em sua estrutura mudanças determinadas

por sua estrutura.”10

E isso é verdade, não é mesmo? O frio não é capaz (até onde me

conheço) de me fazer chorar de comoção ao vê-lo chegar no inverno, mesmo que eu

goste do inverno. Mas um pôr do sol em final de tarde avermelhada de outono... talvez

exerça em mim força capaz para... O que me acontece depende da minha estrutura de

ser vivo (física e minha história de vida, incluindo nesta, o meu psicológico). E na seara

educacional? Também não ocorre de semelhante forma?...

Pois bem, essas reflexões me fizeram de alguma maneira pensar em uma

experiência que tive recentemente: a tentativa de trazer para frutificar no quintal de casa

e ‘perpetuar’ um cipozinho da minha infância, a barriga-de-sapo.

10

MATURANA (2002, p. 67).

23

E o que me aconteceu, a partir das leituras de Maturana, foi relacionar o cultivo

dessa plantinha com o nosso viver de educadores em compartilhamento de vida com

nossos aprendentes... e também com nossos semelhantes, com o mundo, com a vida...

Peço licença para contar o acontecido.

*•*•*

Quando eu tinha por volta de meus dez, onze anos, e vivendo minha vida de

criança numa comunidade do interior, eu adorava comer a frutinha barriga-de-sapo que

crescia entre os pés de milho na roça e amadurecia entre os meses de fevereiro a abril. E

ainda é assim atualmente aqui onde moro; agora na cidade...

Já sou bem distante do tempo de minha infância e não perto da casa onde eu

morava com minha família; já somos todos na cidade, inclusive meus avós paternos...

Há uns três anos, minha mãe descobriu um pé de barriga-de-sapo num passeio

público de chão de terra numa pequena rua de um bairro próximo de onde moramos. A

barriga-de-sapo também compôs história na infância dela. Minha mãe descobriu a

frutinha e mexeu comigo, dizendo que havia encontrado um pezinho de barriga-de-sapo,

inclusive me mostrou um dia em que passamos por lá os frutos maduros, abertos, como é

de característica da plantinha... Eu não hesitei em colher uma daquelas frutinhas quando

vi – e descobri-me na mão quatro sementes – destas, duas dei de presente a um amigo,

duas plantei em um vaso em casa... não germinaram... umas, nem outras...

Resolvido que estava em não desistir de ter um pezinho de barriga-de-sapo,

naquele ano, mais adiante, já em começo de novembro, quando as plantinhas

começaram a germinar novamente naquela rua, eu passei lá numa noite de leve chuva e

peguei duas mudinhas que estavam junto à rua... Plantei no quintal de casa; mas os

bichinhos... bem, os bichinhos... uma das mudinhas, nem com talinho ficou... Já a outra...

fez flores, flores... mas essas muitas flores que a plantinha faz não são senão para atrair

insetos polinizadores, elas não frutificam. As que se transformaram em frutos quando

polinizadas demoraram a surgir e foram escassas no pezinho. Então, infelizmente chegou

o inverno. A barriga-de-sapo iniciou o seu ciclo natural de definhamento... não conseguiu

dar continuidade à sua linhagem... [Suspiro.] Fez ela tudo o que sua estrutura permitia

fazer com as mudanças desencadeadas pelo meio...

No ano passado, no mês de novembro, empreendi nova tentativa de cultivar o

cipó no quintal de casa. Eu pensava: “Não é justo! O cipozinho crescendo lá numa terra

de passeio público, onde era para ser uma calçada e está frutificando, e aqui no quintal

de casa, nada!” Comecei, então, a passar regularmente pela rua onde as plantinhas

costumavam crescer. Quando eu descobri o primeiro pezinho esticando seu bracinho

verde para o ar, não tive dúvidas: colhi a mudinha e trouxe-a para plantar em casa.

24

Plantei-a num vaso, tomei cuidado com bichinhos, água, clima... Enquanto isso, na terra

do passeio público, outros e outros pés de barriga-de-sapo cresciam em volta e

agarradas a um pé de vergamota. Então, um dia, caminhando por lá, surpreendi-me:

assassinaram o pé de vergamota; deixaram galhos e galhos cortados, inclusive o tronco,

cobrindo todo o chão; e mais outros galhos; entulho... Sufocados ficaram todos os pés de

barriga-de-sapo... Se o pezinho aqui de casa não fizesse frutos... então... bem...

O pé de barriga-de-sapo aqui de casa por sua vez, crescia, fazia folhas, ramos,

gavinhas... agarrando-se aqui e ali... passou a dar flores e flores, mas nenhuma delas

ainda era o tipo de flor apropriada para frutificar... Março se aproximava; abril tomando

caminho... o outono no encalço... Desanimei: “Se esse pezinho de barriga-de-sapo aqui

de casa não frutificasse, não haveria mais outros pés, porque o terreno onde eles

nasciam e frutificavam fora coberto, estava coberto...” Meados de fevereiro, creio, fizeram

limpeza do passeio; remoção de galhos, dos entulhos... O sol e o céu deram olhares

generosos ao solo novamente... A natureza é surpreendente; a vida, mais!... Semanas

depois, sementes e sementes adormecidas na terra – que deveriam aguardar um novo

ciclo anual – resolveram germinar, mesmo que não fosse mais a época adequada para

elas se colocarem em verdes ramos e folhas... Então, eu aproveitei aquele germinar

abundante e trouxe mais um pezinho para casa. E, atualmente, neste começo de

setembro, com um inverno bem menos frio, com um clima atípico, o pé de barriga-de-

sapo último que eu trouxe, ainda está verde. Ele não pereceu. Mas, infelizmente, até o

momento, não frutificou, assim como os outros pezinhos que ficaram lá na rua onde

nasceram... Abaixo, resolvi trazer para registro as fotos do pezinho aqui de casa e dos

outros semelhantes seus lá no passeio de terra – neste início de setembro.

25

E cá, neste quase fim de história, preciso revelar que aquele pezinho que eu havia

pego no começo de novembro do ano passado fez frutos neste ano aqui em casa. A foto

dele é a que principia esta história. E a seguir, a foto de algumas suas quatro sementes

que aguardam para ir à terra...

Onde quero eu chegar com esta história narrada? E com qual proposta?

Primeiramente, quero convidar leitor(a) a refletir que, como eu disse, conforme

Maturana (2002), o meio não pode especificar o que acontece a um sistema vivo, mas

pode em acoplamento com este desencadear mudanças que somente a estrutura do ser

vivo permita que aconteçam. O pezinho de barriga-de-sapo aqui em casa ou os outros lá

no chão de terra do passeio já deveriam, se levarmos em consideração o ciclo de vida

deles e as características da estação, ter-se entregue à perda de sua vitalidade, mas...

Também, nós educadores, necessitamos ter em mente que não podemos

especificar o que acontece aos nossos aprendentes, não podemos especificar o que

apr(e)endam, mas podemos desencadear positivas experiências em nossas práticas

educacionais para que a vida de cada um deles se desenvolva, seja vivida da maneira

mais saudável e frutífera possível em acoplamento com os espaços escolares e com os

âmbitos afetivos, sociais e cognitivos...

*•*•* Ainda em tempo, a plantinha que trago por barriga-de-sapo, nome registrado aqui

em saudações às memórias da minha infância, é conhecida como melão-de-são-caetano

(momordica)11

.

11

“Trepadeira monoica (Momordica charantia) da família das cucurbitáceas, de folhas suborbiculares, com

cinco ou sete lobos ovado-oblongos, flores solitárias, unissexuais, e bagas comestíveis, que se abrem como cápsulas, com sementes vermelhas e oleaginosas; caramelo [Nativa de regiões tropicais, é cultivada pelos frutos, por vários usos medicinais e especialmente para extração de substância com efeitos semelhantes aos da insulina.]” – Fonte: Dicionário Houaiss Eletrônico – versão 1.0.

2

A escola, autêntica herdeira da tradição audiovisual, funciona de tal maneira que a criança, para assistir à aula, bastar-lhe-ia ter um par de olhos, seus ouvidos e suas mãos, excluindo para sua comodidade os outros sentidos e o resto do corpo. (RESTREPO,

2001, p. 32)

O ambiente pedagógico tem de ser lugar de fascinação e inventividade. Não inibir, mas propiciar aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos. [...] Porque a aprendizagem é antes de mais nada um processo corporal. Todo conhecimento tem uma inscrição corporal. Que ela venha acompanhada de sensação de prazer não é, de modo algum um aspecto secundário. (ASSMANN, 2001, p. 29)

[...] a formação humana está sempre ligada às relações ainda que cada um, na sua dimensão de autonomia, precise ser autor de seu próprio sucesso. O ambiente educacional, portanto, precisa ser um ambiente que facilite as relações. (PELLANDA, 2009, p. 53)

As conexões corporais vêm primeiro – a racionalização vem depois. (WAAL, 2010, p. 108)

2.1 nalfabetismo afetivo

Meu ponto inicial nestas minhas reflexões primeiras parte da abordagem de uma

dimensão no viver humano importantíssimo: a dimensão afetiva.

Eu fiquei muito surpreso quando vi pela primeira vez, no referencial teórico que li

para meu crescimento em relação a esse meu estudo, aparecer a expressão

“analfabetismo afetivo”. O termo – transportado do âmbito do letramento (educacional) –

constitui-se num neologismo que, até então, me era desconhecido. Além disso, fiquei

muito incomodado ao constatar que, de fato, tenho, temos – sociedade humana em geral

– deficiência(s) em relação à nossa ‘aprendizagem’ afetiva, nossa alfabetização afetiva.

Ricos, pobres, famosos, pessoas simples, pessoas graduadas... o iletramento no afeto

nem, também, se limita a origens étnicas, a crenças... Nossas modernas sociedades

‘civilizadas’ são áridas em relação à dimensão afetiva, em relação ao afeto.

27

Para me avalizar (infelizmente) estas palavras anteriores, valho-me de Assmann e

Mo Sung (2000), que destacam que nós humanos estamos lentos na aquisição de

sensibilidade “humana”. Para estes autores, “[...] historicamente, o cultivo da

sensibilidade humana é efetivamente bastante recente. [...] muitas brutalidades

arrepiantes do século XX foram praticadas por gente que se considerava ‘normal’ (por

exemplo, as barbaridades do Holocausto e as das guerras e guerrilhas).”12

E a ausência de uma vida em sociedade guiada pelo afeto – sem a aceitação e o

reconhecimento legítimos da presença e existência do outro – nos leva para essa

convivência desumana de exploração e violência com a qual nos deparamos todo dia

estampada na televisão, internet, jornais impressos, revistas... violência revelada

cotidianamente na face, no corpo e na alma de nosso próximo...

Seria essa nossa limitação afetiva reflexo de nosso viver em uma sociedade

patriarcal?...

Para Maturana (2011B), é próprio da nossa (atual) vivência em uma sociedade

patriarcal13

que nós vivamos em hierarquia(s) e, por essa razão, que nós tenhamos a

obediência como guia de nossas vidas; que sejamos guiados pelo agir comportamental

que nos faz valorar mais alguns de nós em depreciação a outros (tantos)...

Em nossas modernas sociedades, nós vivemos num viver hierárquico que nos

amputa e nos tolhe a possibilidade de uma convivência com/em afeto, porque nesse tipo

de viver em que existimos, com desprezo ao afeto, impera a obediência – conduta que

embota o sentimento afetivo e a valorização do outro. É de Maturana (2011B) o alerta:

“Em nossa sociedade patriarcal, repito, vivemos na desconfiança da autonomia dos

outros.”14

Vivemos uma cultura centrada na dominação e na submissão, na desconfiança e no controle, na desonestidade, no comércio e na ganância, na apropriação e na manipulação mútua... e a menos que nosso emocionar mude, tudo o que irá mudar em nossas vidas será o modo pelo qual continuaremos a viver em guerras, na ganância, na desconfiança, na desonestidade, e no abuso de outros e da natureza. (MATURANA, 2006, p. 197)

Ainda, de acordo com Maturana (2011B), na sociedade patriarcal na qual vivemos,

nós estamos sempre prontos a tratar todas as relações humanas que vivenciamos a

partir de um paradigma que possui por referência a hierarquia. Como, então, podemos

saudavelmente dar guarida em nossos peitos e almas para o afeto capaz de humanizar

12

ASSMANN & MO SUNG (2000, p. 236). 13

Uma configuração da maioria de nossas sociedades modernas. São sociedades moldadas (e emolduradas)

por uma cultura em que o viver é guiado pelo pensamento linear, num contexto de apropriação e controle, orientado primariamente para a obtenção de algum resultado particular, em desprezo às interações básicas da existência humana.

14 MATURANA (2011B, p. 38).

28

nossas relações e vivências?

Pensando e estendendo essa reflexão sobre o cultivo do afeto em nosso dia a dia

de convivência com o próximo ao universo escolar: quais são os danos que a ausência

de afetividade em nosso viver causa em nossas práticas pedagógicas nos espaços

escolares? E que prejuízos a criação e mediação do conhecimento entre educador e

aprendentes sofrem com a ausência de uma pedagogia “saudavelmente afetiva”?

O afeto está em nossa relação com o saber, está em nossa relação com o

próximo, na relação com nosso semelhante, com a natureza, está na relação conosco

mesmos. Reconhecer o afeto e aceitá-lo como sentimento fomentador do humano, da

nossa existência humana é saber-se legitimamente Humano.

A constituição do humano está entrelaçada ao afeto. Para Restrepo (2001), “o que

nos caracteriza e diferencia da inteligência artificial é a capacidade de emocionar-nos, de

reconstruir o mundo e o conhecimento a partir dos laços afetivos que nos impactam.”15

Ora, creio que não é novidade para nenhum dos educadores – ou para grande parte

deles, de nós – esta estreita relação guardada entre afeto e conhecimento. Ainda mais

que não nos faltam teóricos clássicos na Educação abordando mesmo a importância da

afetividade no fazer pedagógico. Henri Wallon, por exemplo, nos mostra que o

aprendente tem muito mais que “cabeça” no espaço da sala de aula. O aprendente

também possui corpo; e corpo, este, frise-se, rico em sensorialidades e emoções.

E sobre o entrelaçamento entre emoções, pensamentos, conhecimentos, é fértil

trazer para cá a reflexão a seguir colhida em Assmann & Mo Sung (2000):

Tudo o que aprendemos é influenciado e organizado também por emoções e "configurações" emocionais que envolvem expectativa, preferências, prejulgamentos pessoais, autoestima e a necessidade/carência de interação social. As emoções e os pensamentos são um processo tão inseparável que dão literalmente forma uns aos outros. As emoções colorem o sentido. (ASSMANN & MO SUNG, 2000, p. 251)

E, ainda assim, custa-nos – e para quantos de nós educadores? – aceitar que o

conhecimento não se limita apenas às instâncias de natureza intelectiva, à

intelectualidade. Mais ainda, a quantos educadores custa(-nos) aceitar que há conjuntos

de peculiaridades individuais nos ambientes e espaços pedagógicos de aprendizagem.

O saber tem sabor de sensorialidades, de singularidades.

Restrepo (2001) nos apresenta uma advertência em relação à cultura escolar

presente na maioria das instituições de ensino: a escola “sente uma profunda aversão à

sensoralidade e à singularidade”16

. E, de acordo com este autor, isso é visível a partir da

15

RESTREPO (2001, p. 18). 16

RESTREPO (2001, p. 32).

29

postura que a escola adota para tratar do chamado ‘problema de aprendizagem’; porque

quando alguma sensibilidade singular se choca com a viciosa prática escolar –

preocupada na perpetuação de si mesma – o resultado desse encontro não é outro

senão o fracasso acadêmico.

A escola se mostra resistente a aceitar que a cognição é cruzada pela paixão, por tensões heterônomas, a tal ponto que são as emoções e não as cadeias argumentativas que atuam como provocadoras ou estabilizadoras das redes sinápticas, impondo-lhes fechamentos prematuros ou mantendo uma plasticidade resistente à sedimentação. (RESTREPO, 2001, p. 33)

Creio ser também importante trazer aqui para reflexão um outro aspecto da

natureza do afeto em relação à escola: o esfacelamento do universo fabuloso criado na

imaginação de tantas e tantas crianças de nossa sociedade (de nossas sociedades) a

respeito da instituição escola. São criações de belíssimos cenários de contos de fadas e

magia que pouco a pouco com o avanço na idade e nos dias de escola vão-se

desmanchando, desfazendo-se, olvidando-se no pensamento infantil a ponto de

representar no final dos anos iniciais do ensino fundamental e começo dos anos finais o

desencanto quase por completo pelo universo escolar; é a morte de todo o afetivo

individual de empatia criado em relação à escola. Lamentavelmente, é a instituição

escolar com suas práticas e posturas pedagógicas seculares (nem parece exagero usar

este termo) tornando inválida a dimensão afetiva de seus aprendizes... Ainda assim, para

algum consolo, talvez que sejam guardadas no mundo de lembranças de cada um em

particular as belas imagens e recordações pueris criadas em relação à escola, em

relação ao universo escolar; e que sejam essas recordações elevadas à categoria de

ajudantes17

(nossos) no viver futuro de nossa existência.

Eu me pergunto: e qual a razão de ser dessa trágica desunião da correlação entre

o saber (saboroso) e o afeto? Arrisco-me em presumir que a origem talvez seja a

implacável crença de que conhecimento e afeto não guardam afinidade (grande e

intensa) entre si. Então, os educadores procuram adotar uma postura de impossível

‘laicidade afetiva’ no desempenho de suas funções pedagógicas e vão triturando as

imagens de escola terna e acolhedora formadas nas mentes de seus pupilos. E, ainda,

esses mesmos educadores incorrem em contradição: acaso não foram eles mesmos que

se apaixonaram pelo conhecimento que tentam levar até as mentes e almas de seus

aprendizes?...

Pobres crianças órfãs de suas pueris idealizações do universo escolar... que

amparo e consolo terão adiante na continuidade de sua vida acadêmica quando forem

17

Uma alusão aos ‘entes bons’ do texto “Os ajudantes” de Giorgio Agamben (2007).

30

adolescentes, jovens, adultos estudantes..., já que afeto e conhecimento se lhes são

mostrados como incompatíveis, inconciliáveis? Pobres seres no mundo, ladeados por

uma escola que lhes amputa as dimensões sensoriais (de tato, de gosto, de cheiro, de

afeto...) e imersos numa sociedade de laços afetivos carcomidos que vê o sentimento

afeto especialmente como um atributo de persuasão ornando despejosamente suas

propagandas de consumo...

O que me propus com as ideias apresentadas até aqui foi a promoção de uma

reflexão em torno dos pares: conhecimento & afetividade, social humano & afetivo. Mais

à frente em meu texto (Capítulo 3), meu empenho será mostrar a importância do

linguajear (a teoria do chileno Humberto Maturana) irradiada na seara educacional,

sugerindo sua grande relevância para as instâncias pedagógicas e educativas. E, a partir

da teoria do linguajear, como tornar o cultivo da educação mais fértil e produtivo com

frutos mais sadios e nutritivos (e saborosos!)?...

Que importância há em sala de aula o sincronismo das disposições corporais

dinâmicas18

– as emoções – do educador e do aprendente para o sucesso da

aprendizagem, para a construção e ampliação do conhecimento?

O toque da mão, a carícia com a palavra, o afago com o olhar... nos são vitais; a

razão é que somos seres amorosos. “Nosotros, los seres humanos, somos seres

biológicamente amorosos como un rasgo de nuestra historia evolutiva, de manera que sin

amor no podríamos sobrevivir.”19

Estou ciente de que a originalidade das minhas reflexões neste trabalho não me

avaliza em autoria primeira a respeito destas reflexões, mas o caminho que tomo nesses

escritos é tentativa de fomentar senda nova no pensar pedagógico que tento propor.

Acredito que para fecho desta seção, sadia reflexão pode emanar a partir da

seguinte denúncia de Restrepo (2001):

Sabemos do A, do B e do C; sabemos do 1, do 2 e do 8; sabemos somar, multiplicar e dividir, mas nada sabemos de nossa vida afetiva, razão pela qual continuamos exibindo grande entorpecimento em nossas relações com os outros, campo em que qualquer uma das culturas chamadas exóticas ou primitivas nos supera de longe. (RESTREPO, 2001, p. 19)

E em nossas vidas cotidianas (modernas e civilizadas) – no âmbito pessoal,

social, profissional, educacional... – quais reflexões emanadas desta denúncia ser-nos-ão

(mais) fecundas para uma vida mais afetiva, mais sentimentalmente (com/re)partilhada?

18

MATURANA (2011B, p. 238). 19

Nascemos amorosos (Humberto Maturana). Disponível em http://aufop.blogspot.com.br/2012/06/como-es-

que-amamos-de-donde-viene.html. Acesso em: 24 fev. 2014.

31

2.2 arícia linguageira para com o conhecimento

A fala e a linguagem tocam, acariciam; têm de fato o poder do tato, do toque. E

para cada um de nós crianças, adolescentes, jovens e adultos – que possuem seus

canais de sentidos livres de alguma limitação – certamente a palavra sonora que mais

têm o poder de nos tocar é mesmo nosso próprio nome – marca indelével de cada um de

nós e que nos compõe a personalidade; “Ter nome é ter um contorno de pessoa que

possa caber...” 20

Quem nunca de nós estava alheio ao que se passava ao redor quando

alguém pronunciou nosso nome e nos arrebatou a atenção? E isso, inclusive nos

espaços e instâncias escolares na relação educador/aprendente!...

Ao conversar tocamo-nos uns aos outros, ao fazê-lo desencadeamos mudanças em nossa fisiologia. (MATURANA &

VERDEN-ZÖLLER, 2011B, p. 238)

A partir das minhas linhas introdutórias redigidas anteriormente, eu peço licença

para uma pequena digressão: o relato de um fato atual por mim vivenciado que possui

caráter de ilustração para o que acabo de dizer no parágrafo introdutório deste segmento;

refere-se à qualidade do nome pessoal como um atributo tatuado à nossa personalidade

com alta capacidade evocativa de nossa atenção e, para além, refletir sobre a natureza

tátil da palavra.

Recentemente eu participava de uma aula em um curso de informática; e eu ainda

estava contrariado com meu professor devido a um incidente em uma das aulas

anteriores na qual discordei a respeito do resultado (nota) de uma avaliação escrita que

procurava atestar meu conhecimento sobre conteúdos vistos no curso. É possível que o

professor nem tenha percebido meu aborrecimento com “a prova” ou com a nota obtida,

porque eu não lhe mencionei meu descontentamento em relação a elas. O fato

acontecido, creio que posso recontá-lo assim: no desenvolvimento de uma aula, o

professor atribuiu uma nota ao meu conhecimento – e também aos demais colegas meus

– a partir de uma “prova” que pela razão de sua natureza e metodologia, para mim, não

significou valor algum, uma vez que ela não me servia de parâmetro para atestar minhas

habilidades e conhecimento nesses meus estudos, práticas em informática. Além de que,

a referida prova causou mesmo mal-estar geral na classe, entre meus colegas. Então,

para minha surpresa, a reação que tive diante do meu resultado obtido na prova foi o

esboço de um sentimento de “apagamento” da presença do professor durante o restante

20

MOSÉ, Viviane. Toda palavra. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 48.

32

da referida aula. E, pior, minha frustração foi se estendendo por algumas aulas seguintes

com sentimento de aversão ao professor. Novamente, isso me chamou a atenção, me

deixou incomodado, mas sem forças de extinguir o rancor por mim criado... Já tenho

alguns anos de docência e, infelizmente, coleciono em relação a meus aprendentes

incidentes semelhantes a este motivados por notas/avaliações; posso dizer que já

vivenciei isso muitas vezes entre mim e meus aprendentes... e eu nunca refleti

cuidadosamente sobre essa violência psicológica que fui responsável por causar...

Mas, o que quero justificar com esse relato pessoal é a minha fala a respeito do

quase toque físico das palavras, da linguagem em situações de, por exemplo,

ensino/aprendizagem nos ambientes e espaços pedagógicos, escolares.

Aconteceu-me, então, durante uma das aulas recentes de informática do curso

que participo, que o professor atendeu às dúvidas de umas colegas que estavam

próximas a mim e justificou uma de suas falas a minhas colegas citando positivamente

meu nome; ele disse a elas que eu havia feito adequamente a atividade, que eu

procurava encontrar caminhos para resolver as atividades propostas... Eu não participava

da conversa, e a menção ao meu nome foi em tom de voz discreto. Entretanto, ao ouvir a

referência a mim, recordo-me de que me senti muitíssimo bem; foi como ter sido tocado

com um aperto de mão caloroso, um quase abraço. O curioso é que este toque das

palavras a partir dessa experiência me fez validar novamente o professor do curso como

professor, derrubando o muro da indiferença que eu vinha erguendo e preservando entre

nós em razão do antigo incidente da nota da prova. Julguei muito curiosa esta reação que

tive como também a atitude de desmantelamento do muro por mim construído; o meu

resgate saudável nas aulas do curso foi motivado pela vocalização de meu nome... Fiquei

pensando sobre esse meu vivenciar...

Desnecessário é dizer que transpus essa experiência para a minha vida pessoal,

para minha prática pedagógica e fiquei refletindo sobre mim frente a uma classe de

aprendentes no espaço escolar, na sala de aula... Refletindo sobre meus costumeiros

desacertos nestes mesmos moldes que vivenciei na aula do curso de informática e que

meus aprendentes (tanto?) protagonizaram comigo...

Em relação a esta minha experiência como aprendente na aula de informática,

penso que, primeiro: a avaliação e circunstâncias em que ela foi realizada me fizeram

anular a presença do professor; e o mal-estar gerado com isso foi bem intenso; a

comprovação foi que passei a nutrir uma não-empatia pelo professor no decorrer das

aulas seguintes. Contudo, segundo: em uma das aulas posteriores, a citação positiva de

meu nome pelo professor – mesmo que não em fala direcionada a mim – foi liame capaz

de atar novamente os laços de empatia entre mim e ele (ou mais especificamente liame a

33

atar a partir de mim, porque ele, como eu disse, talvez nem me tenha percebido chateado

consigo em relação à nota que me atribuiu naquela ‘fatídica’ avaliação).

E a qual síntese o que foi dito até aqui pode conduzir? Acredito que conduz à

conclusão que há um poder de toque na sonoridade da palavra; que há um poder de

toque quase físico que emana da pele, do corpo de cada palavra.

Ademais, a linguagem tem a ver com o toque, o tocar-se e a sensualidade, e assim se mostra no que dizemos. Por exemplo, quando falamos da forma de um discurso, usamos expressões táteis como “acariciou-me com sua voz”, “feriu-me com suas palavras”, ou “tocou-me profundamente com o que disse”. (MATURANA & VERDEN-ZÖLLER, 2011B, p. 238)

Desta maneira, a partir da natureza e dimensão tátil da palavra, creio que a escola

não pode se esquecer desta importante dimensão da linguagem em sua tarefa de

formação humana para o conhecimento: a natureza viva da linguagem e que é revestida

de poder sensibilizador e também revestida de emoções. Linguagem que tem o poder de

acolhimento, de cura... também de causar enfermidades; que possui poder de morte,

mas, ainda mais forte, poder de vida, de ressurreição: “Lázaro, vem para fora!”21

O poder revestido na palavra é certamente mais um reforço de que a escola e os

educadores não podem querer entronar o conhecimento no universo do cientificismo com

pedestal da razão e quererem dar ao conhecimento a forma única de ser/acontecer por

meio da razão, com valorização apenas da intelectualidade.

As palavras nos enfeitiçam facilmente. Os humanos somos seres simbolizadores. Existimos não apenas porque nos alimentamos, mas porque estamos imersos em significações. Sem isso não sobreviveríamos enquanto animais simbolizadores. Ora, assim como o alimento pode ser pouco e ruim, ou abundante e bom, também os fluxos comunicativos podem criar bem-estar ou mal-estar. (ASSMANN & MO SUNG, 2000, p. 285)

E que os educadores possamos ter em mente e conseguirmos levar para as

instâncias educativas sempre o melhor e mais nutritivo alimento linguajeante na

construção e ampliação das estruturas cognitivas de nossos aprendentes. Porque

conhecimento é compartilhamento de ideias, de afeições. “Não é possível continuarmos

pensando o técnico como sede do saber, porque o conhecimento não está aqui nem ali,

nem no sujeito nem no objeto, mas num lugar intermediário, lugar da interação e da

construção conjunta.”22

Creio também que seja necessário lembrar-se sempre, a cada dia, em cada aula,

em cada momento de aprendizagem na relação educador/aprendente que conhecimento

21

BÍBLIA, SÃO JOÃO, 11: 43. 22

RESTREPO (2001, p. 85).

34

não acontece no ser apenas durante a aula e amparado unicamente pela sua disposição

intelectual; a via tanto valorizada pela escola. Neste processo de construirmos a

realidade subjetivamente em nós, os sentidos (todos) são essenciais e não apenas como

simples “janelas” para o mundo. “São muito mais do que isso, porque nossos sentidos

participam ativamente não apenas na recepção de informação desde o meio ambiente,

mas também na construção da realidade percebida” (ASSMANN & MO SUNG, 2000, p. 246).

Por fim, ocorreu-me enquanto refletia e escrevia sobre a palavra, em relação à

sua importância nas nossas vidas de seres simbolizadores (conforme Assmann & Mo

Sung, 2000); quanto destas minhas reflexões e divagações aqui materializadas seriam

possíveis se eu não contasse com o manejo das letras escritas ou sonoras?... Ou, se eu

precisasse lidar com alguma limitação comunicativa: cegueira, mudez...?

2.3 ãos e dedos benditos

Eis que um leproso aproximou-se e prostrou-se diante dele, dizendo: “Senhor, se queres, podes curar-me”. / Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: “Eu quero, sê curado.” No mesmo instante, a lepra desapareceu. (BÍBLIA, SÃO MATEUS, 8: 2–3)

The act of touch fulfills the basic human need to feel safe, comfortable and loved. Touch is also an intrinsic factor in child development, but despite touch’s importance, in recent years “touching” has been tabooed in the American school system

because of fears of sexual and physical abuse23

. (FIELD, 2004, p. ix)

Sem dúvida alguma o cérebro necessita do abraço para seu desenvolvimento e as mais importantes estruturas cognitivas dependem deste alimento afetivo para alcançar um adequado nível de competência. Não devemos esquecer, como assinalou há vários anos Leontiev, que o cérebro é um autêntico órgão social, necessitando de estímulos ambientais para seu desenvolvimento. Sem matriz afetiva, o cérebro não pode alcançar seus mais altos picos na aventura do conhecimento. (RESTREPO, 2001, p. 49)

As ideias e reflexões que eu fui apresentando até aqui me convidam a trazer outra

importante reflexão para o universo educacional e para minha produção neste trabalho: a

importância do toque físico no processo de desenvolvimento de aprendizagens, do cultivo

e aprimoramento de conhecimentos.

23

“O ato de tocar preenche a necessidade humana básica de sentir segurança, conforto e amor. O toque

também é um fator intrínseco no desenvolvimento da criança, porém, apesar da sua importância, nos últimos anos, o ‘tocar’ tem sido tabu no sistema escolar americano por medo de abusos sexual e físico.” – Tradução livre.

35

Inúmeras pesquisas realizadas recentemente com seres humanos ou outros seres

vivos (mamíferos) – em diferentes etapas de suas vidas – têm demonstrado e ratificado o

poder do toque, seja ele como fonte de estímulo, comunicação ou desenvolvimento do

corpo ou da mente.

Pesquisas realizadas com roedores, por exemplo, demonstraram a importância do

lamber materno na sua prole para o desenvolvimento de um sistema imunológico mais

forte nos filhotes, bem como para a manutenção de um comportamento mais calmo e

resiliente diante de fatores de estresse na fase adulta de desenvolvimento24

.

Em seres humanos, por sua vez, pesquisa dirigida pela psicóloga Tiffany Field

descobriu que bebês recém-nascidos prematuros que receberam sessões de terapia de

toque ganharam mais peso que bebês prematuros que receberam tratamento “médico

padrão”, além disso, os bebês estimulados demonstraram um amadurecimento nervoso

antecipado em relação aos bebês privados desse tipo de sessão de terapia25

.

Na realidade, quanto mais sabemos a respeito dos efeitos da estimulação cutânea, mais descobrimos o quanto é profundamente significativa para um desenvolvimento saudável. Por exemplo, num dos primeiros estudos desse tipo, constatou-se que a estimulação cutânea em bebês recém-nascidos exerce uma influência altamente benéfica sobre seu sistema imunológico, o que tem importantes consequências para a resistência contra doenças infecciosas e outras. (MONTAGU, 1988, p. 43)

Ainda, outros exemplos da importância do toque em nossa vida para

aprimoramento de nosso desenvolvimento físico e psicológico estão presentes em

pesquisas e estudos realizados pelos psicólogos Sidney M. Jourard e Nicolas Guéguen.

O primeiro, como exemplo, ainda na década de 1960 em seus estudos sobre a

importância do toque no desenvolvimento humano, esteve visitando cafés em diferentes

partes do mundo e observou o número de vezes – no intervalo de uma hora – que as

pessoas que compartilhavam um café tocavam-se entre si. Sua observação trouxe

resultados como: em Londres, a quantidade de toques foi 0; em Gainesville (Flórida), 2;

em Paris, 110; e em San Juan (Porto Rico), mais de 180 vezes26

.

Já Guéguen (2002), por sua vez, nos apresenta um exemplo de benefícios do

toque mais próximo do universo escolar. Um estudo deste psicólogo revelou, a partir de

24

CHAMPAGNE, Frances A.; FRANCIS, Darlene D.; MAR, Adam & MEANEY, Michael J. Variations in

maternal care in the rat as a mediating influence for the effects of environment on development. Physiology & Behavior 79 (2003), pp. 359–371. Disponível em «http://www.researchgate.net/profile/ Darlene_Francis/publication/10584606_Variations_in_maternal_care_in_the_rat_as_a_mediating_influence_for_the_effe

cts_of_environment_on_development/file/9fcfd5082d633c651f.pdf». Acesso em: 03 mar. 2014. 25

GOLEMAN, Daniel. The experience of touch: research points to a critical role. In The New York Times

Disponível em «http://www.nytimes.com/1988/02/02/science/the-experience-of-touch-research-points-to-a-critical-

role.html». Acesso em: 04 mar. 2014. 26

O estudo foi publicado no artigo: JOURARD, S. M. An exploratory study of body accessibility. Britsh

Journal of Social and Clinical Psychology 5, 1966, pp. 221-231.

36

um experimento de observação da correção de exercícios estatísticos em sala de aula

que, quando o professor tocou os alunos no antebraço durante a correção dos referidos

exercícios, houvera um aumento na taxa de voluntariado ao ser proposta, mais tarde,

durante a aula, a realização de uma atividade de correção de atividades na lousa27

.

Nascemos biologicamente prematuros, inacabados e carentes, e por isso totalmente dependentes do carinho acolhedor, mas também abertos a mundos por descobrir e a aprendizagens flexíveis. (ASSMANN, 2000, p. 231)

Um tapinha nas costas, um aperto de mãos, uma carícia ou roçar de braço...

gestos que tendemos costumeiramente a classificar como acidentais, corriqueiros e

comuns são, na verdade, mostra de grandiosos estímulos para nosso corpo e mente.

Que bem o digam as mamães que há séculos, milênios, instintivamente, conseguem com

seu toque poderoso acalmar os bebês em choro, embalá-los e levá-los à terra dos

sonhos... e, também, curá-los e salvá-los!

Mas, não somente são os ‘pequenos’ os grandes beneficiados com os efeitos do

toque, nós, adultos, também somos favorecidos – e tatilmente bem o sabemos. E é válido

reforçar que a energia positiva do toque é via de mão dupla, mutuamente benéfica,

saudável: para o doador, para quem a recebe. Estudos da doutora Tiffany Field28

mostraram que crianças com leucemia que tiveram sessões de massagens diárias

realizadas por seus pais apresentaram aumento de glóbulos brancos, enquanto que os

pais revelaram uma diminuição de seu humor de natureza depressiva. Em outro estudo

da mesma psicóloga, idosos voluntários realizaram massagens em bebês. Desta vez, a

descoberta, semanas depois, foi que os idosos experimentaram melhorias na qualidade

de seu bom humor. Eles estavam com menos ansiedade ou depressão e apresentaram

diminuição dos níveis de hormônios do estresse, além de estarem sociavelmente mais

sadios.

Outros exemplos dos aspectos positivos do toque no comportamento adulto são

encontrados em Guéguen (2002). O psicólogo, discorrendo em seu artigo sobre os

efeitos do toque, destaca, por exemplo, uma generosidade maior do cliente ante o toque

da garçonete no momento da gorjeta; e também a aceitação maior de prova de um novo

produto em uma loja pelo freguês a partir de um estímulo tátil do vendedor; ou, ainda,

que o toque nos entrevistados em uma pesquisa de rua aumentou a taxa de aceitação de

uma outra investigação posterior. Assim, por que seria a educação a apresentar exceção

em relação aos benefícios do toque? Por certo que aqui nosso questionamento e

27

O estudo foi publicado no artigo: GUÉGUEN, Nicolas. Encouragement non-verbal à participer en cours:

l'effet dutoucher. Psychologie & Èducation nº. 51, 2002, pp. 95-107. 28

FIELD (2008, p. 02).

37

sugestão de uma “educação mais tátil” se encontram dentro dos limites sadios de contato

físico, salvaguardando e protegendo a criança, o aprendente de todo e qualquer toque

malévolo, degenerativo, criminoso.

Outros dados de pesquisas em relação aos benefícios do toque, de acordo com

Field (2008), são patentes e estão relacionados à redução da dor, da ansiedade, da

depressão e de comportamentos agressivos... ainda, na promoção da função imunológica

e da cura... também, na diminuição da frequência cardíaca e pressão arterial... bem

como, no melhoramento do fluxo de ar nos asmáticos... E todos esses são benefícios

para nossas vidas que não apresentam efeito colateral qualquer de droga alguma!

José Ângelo Gaiarsa (1988) apresentando a edição brasileira do livro «Touching –

The human significance of the skin»29

destaca que estamos tão doentes em nossas

modernas sociedades porque nos falta proximidade, nos falta tato, viver o “com tato”:

[...] não trocamos carícias nem gostamos que toquem em nós. Quanto mais civilizados, mais asséptico, mais distante e mais frio. Só palavras. Pouca mímica. Nenhum contato. Por isso foi tão fácil inventar robôs. Estamos cercados o tempo todo daquilo que mais desejamos e ninguém ousa se apropriar – tocar, abraçar, acariciar – olhos nos olhos... (MONTAGU, 1988, p. 13)

Um aspecto instigante destacado por Gaiarsa na sequência de seu texto de

apresentação do livro de Montagu (1988) está no alerta-questionamento: não será

justamente a falta/carência de toque que anda a nos fazer caminhar em passos largos

em tantas direções destrutivas, em direção à perda de nós mesmos? Para Gaiarsa, a

falta salutar do tocar, do acariciar, do abraçar nos leva a não estarmos unidos em ações

comuns de defesa da Vida30

de todos nós.

Um reforço a mais sobre os benefícios do contato físico para diminuição da

violência – um endosso às reflexões de Gaiarsa – é ainda algumas outras declarações da

pesquisadora norte-americana Tiffany Field. Conforme Seligman (2002), ela declara que:

[...] a falta de contato físico nos Estados Unidos é um dos responsáveis por eventos como o tiroteio no estado do Colorado – que resultou em 15 mortos em 1999, depois que dois jovens abriram fogo contra colegas e professores na escola Columbine. “Diferentemente dos brasileiros e dos outros latino-americanos, somos menos propensos ao contato físico”, diz Tiffany. “Se as pessoas se tocassem mais, esse tipo de violência diminuiria.” (SELIGMAN, 2002, s/p)

E quanto de “território” fecundo de toque temos em nosso corpo: a extensão toda

de nossa pele31

? E queremos, porventura, guardar esse imenso território sob sete

29

MONTAGU, Ashley. Tocar: o significado humano da pele. São Paulo: Summus,1988. 30

Ênfase atribuída por mim. 31

“Ela representa perto de 12% do peso total do corpo e é, de longe, o maior sistema de órgãos que expomos

38

chaves para nosso (con)tato e deleite tão somente?

Conforme Montagu (1988, p. 15), nossa pele é o maior órgão, extensamente

envolvido no crescimento e desenvolvimento do organismo, e não somente em nível

físico, mas comportamental também. “A pele, como uma roupagem contínua e flexível,

envolve-nos por completo. É o mais antigo e sensível de nossos órgãos, nosso primeiro

meio de comunicação, nosso mais eficiente protetor. O corpo todo é recoberto pela

pele.” 32

Importa destacar, também, que nossa pele é quem nos institui o limite entre o

interno e externo de nós, quem nos individualiza na natureza, no mundo. Ainda, de

acordo com Montagu, a pele é o primeiro sistema sensorial a se tornar funcional em

todas as espécies pesquisadas até o momento (1988): humana, animal, aves.

Mesmo refreados ao contado físico, ao “tato social”, nós podemos notar a

importância que atribuímos à nossa pele com expressões (metafóricas ou não) utilizadas

em nossa língua. A palavra, “toque”, por exemplo, pode nos guiar rumo a esta

composição de exemplos de usos: “toque feminino”, “toque individual”, “toque

profissional”, “toque de mestre”, “toque de mágica”, “toque de requinte”, ”toque de

elegância”, “toque de sabedoria”, “toque de carinho”, “toque de beleza”, “toque de ouro”,

“toque de sabor”, “toque de caixa”, “toque de classe”, “toque de luz”, “toque de poesia”,

“toque de amor” 33

...

Igualmente importante (e curioso) é destacar o uso metafórico da palavra “tato”

em referência a (1) tino, tirocínio; ou (2) sensibilidade; ou, ainda, (3) habilidade, vocação;

temos, assim, um deslocamento para o campo semântico intelectual e não físico. Meus

exemplos para ilustrar: “Com muito tato ela pôde resolver o problema.”, “Seu tato em

relação às nossas necessidades era grande.”, “É um homem de grande tato político.”

E apesar de tudo isso: da nossa veneração à pele, inclusive com criação de

expressões metafóricas, negligenciamo-la:

Embora a pele tenha ocupado constantemente o primeiro plano da consciência humana, é estranho que tenha eliciado tão pouca atenção. A maioria das pessoas considera a pele como algo que não merece atenção específica exceto quando queima e descasca, ou fica coberta de espinhas, ou transpira desagradavelmente. Quando pensamos nela em outros momentos, temos uma vaga sensação de espanto diante de um

ao mundo; de seus 2.500 centímetros quadrados aproximados, no recém-nascido, passa para perto de 19.000 (ou aproximadamente 19 pés quadrados) no macho adulto (com peso de cerca de 4.5 quilos) e contém mais ou menos 5 milhões de células sensoriais. A espessura da pele varia de 1/10 de milímetro a 3 ou 4 milímetros. Em geral é mais grossa nas palmas das mãos e nas solas dos pés e normalmente mais espessa nas superfícies extensoras que nas flexoras; é mais fina nas pálpebras, que devem ser leves e flexíveis.” (MONTAGU, 1988, p. 21)

32 MONTAGU (1988, p. 21).

33 Minha lista não apresenta nenhuma ordem específica, exceto aquela em que as locuções me foram

surgindo à mente ou apresentadas por um buscador na internet.

39

revestimento tão estético e eficiente de nossas partes internas, à prova de água, de poeira e milagrosamente – até ficarmos velhos – sempre do tamanho certo. (MONTAGU, 1988, p. 30)

E que a magia do toque nos seja mais abundante no cotidiano de nossas (duras)

vidas de civilidade(?) moderna e que possamos com(re)partilhar mais nossa pele:

Touch comes more naturally to some people than others. You can make a conscious effort to bring more touch into your daily life – and more happiness to yourself and those around you. Give your kids hugs when they leave for school in the morning and when they come home. Hold your partner's hand when you take a walk, exchange back rubs and don't forget good-night kisses. Pet your

dog or cat.34

(FIELD, 2009, p. 02)

Quantas dores um abraço pode curar?...

2.4 edagogia do tato: um (leve) roçar reflexivo...

Para aceder à fertilidade cognitiva da abdução, é necessário superar a visão parcial que confina o processo de conhecimento à utilização dos exteroceptores – olhos e ouvidos – desconhecendo a importância do tato e dos sentidos cinestésicos – propriocepção e vestibular – no processo de conhecimento. (RESTREPO, 2001, p. 47)

“Como o Gustavo estava próximo e com o livro que lhe presenteei nas mãos, eu

fui pego de surpresa com um abraço dele de agradecimento assim que ele recebeu o

livro de mim...”

Preciso confessar que fiquei meio desconcertado com a agradabilíssima surpresa

de um abraço (inusitado?) de agradecimento pelo livro que dei de presente a um

aprendente meu da escola em que sou educador.

E eu precisava presenteá-lo com o livro... e eu precisava do abraço...

Eu precisava presentear o Gustavo, porque o livro que lhe dei é de um autor do

qual ele gosta muito e tem empreendido esforços homéricos para emprestar os livros

deste autor na biblioteca da escola... Eu precisava do abraço, porque assim passei a

acreditar ainda mais no propósito das reflexões que faço, principalmente nesta seção,

sobre a pedagogia do afeto, sobre como é salutar o contato físico nos espaços

34

“O tocar se apresenta mais naturalmente para algumas pessoas do que para outras. Você pode fazer um

esforço consciente para trazer mais toque para sua vida diária – e mais felicidade para si e para aqueles ao seu redor. Dê às suas crianças abraços quando elas saírem para a escola de manhã e quando voltarem para casa. Segure a mão do seu parceiro quando vocês derem um passeio, troquem massagens nas costas e não se esqueçam de beijos de boa noite. Afague seu cão ou gato.” – Tradução livre.

40

pedagógicos e, também, porque eu necessitava dar menos valor à cultura disseminada

em nossa sociedade em relação ao refreio na demonstração de afeto pelo gênero

masculino e, no meu caso, além disso, educador.

O Gustavo é um aprendente meu de sétimo ano do ensino fundamental. E creio

que, em nome da ética do afeto, posso ser avalizado para identificar nesta produção o

nome real do meu aprendente sem receio de que esse registro possa lhe ser, de alguma

maneira, danoso. Afinal, ele é um aprendente real, o abraço que recebi dele foi real, o

tema sobre o qual trato aqui nesta seção é real. Acredito que era necessário eu registrar

este fato ocorrido comigo, porque o abraço recebido, como falei, diz respeito à natureza

de reflexões sobre as quais quero falar nesta seção.

A natureza de reflexões que apresento nesta seção, então, é para que

educadores e educadoras consideremos mais a importância (e a presença) do tato (toque

físico e, ou linguístico35

) na construção, desenvolvimento, fixação, aprimoramento de

saberes, de conhecimentos; de formação do humano. Meu propósito é que consideremos

mais a presença do tato em nosso fazer pedagógico com nossos aprendentes por meio,

por exemplo, de um tocar leve no braço, no antebraço; de um tapinha nas costas, no

ombro; de um afago na cabeça; de um aperto de mãos; de um pegar de mãos para

auxiliar na condução da escrita, do traçado de letra, do colorir de um desenho. Além

disso, como outros exemplos deste compartilhar tátil na seara pedagógica, proponho que

nos permitamos o segurar (saudável) de apoio de mãos e braços de nossos aprendentes

para auxiliar na execução de algum movimento físico; o carregar de nossos pequenos

aprendentes (dos anos primeiros de escola) no colo; o abraçar acolhedor saudando as

graças de um bom novo dia...

Na criança a mielinização do sistema nervoso está ligada à estimulação tátil por parte da mãe ou dos adultos e à atividade lúdica que coloca o corpo em contato com outros corpos, facilitando assim experiências de tato-pressão e manejo coordenado dos diferentes segmentos corporais. (RESTREPO, 2001,

p. 48)

Assim, o que proponho é uma reflexão e ao mesmo tempo uma (re)inserção e

uma (re)consideração do contato físico saudável nos espaços pedagógicos, procurando

minimizar (um pouco) o fantasma negativo da cultura do politicamente correto que –

dependendo do caso – faz avaliar todo e qualquer toque no âmbito escolar como sendo

degenerativo, malévolo, danoso. Também proponho que motivemos nossos aprendentes

a permitir o acontecer maior da presença do contato físico saudável em suas vidas. Por

35

Sob a ótica de estarmos na linguagem – o linguajear na concepção de Humberto Maturana (1998) – com

sua dimensão tátil: “Ao conversar tocamo-nos uns aos outros, ao fazê-lo desencadeamos mudanças em nossa fisiologia” (MATURANA & VERDEN-ZÖLLER, 2011B, p. 238).

41

que não estimulá-los a saudar colegas com apertos de mão ou com abraços? Não

acredito que estas minhas considerações sejam apenas mais algumas reflexões de

ordem utópica. Não. Não é assim que vejo. Eu não considero apenas uma utópica

reflexão, porque eu acredito na natureza bendita do toque, na natureza de vida que o

contato físico faz emanar.

Infelizmente, ambientes como o criadouro de bebês existiram, e tudo o que podemos dizer é que eles eram mortíferos! Isso ficou evidente quando os psicólogos estudaram os órfãos mantidos em berços separados por lençóis brancos, privados de estimulação

visual e de contato corporal. Seguindo as recomendações dos cientistas, os adultos nunca haviam falado com ternura a essas crianças, e jamais fizeram cócegas nelas ou as carregaram no colo. Os bebês pareciam zumbis, com rostos imóveis e olhos arregalados e sem expressão. (WAAL, 2010, p. 27) [Os destaques

realizados são de minha autoria.]

Eu reitero, contudo, a necessidade de se proteger, salvaguardar, como já disse

anteriormente em meu texto, a criança, o aprendente de todo e qualquer toque

assassino, nefando, deplorável, pejoso. Que nós educadores e educadoras, a partir de

nossa formação, de nossas formações (no âmbito pedagógico, social, humano)

possamos ser (tidos como) responsáveis e idôneos em nosso quefazer educativo no que

se refere ao tocar humano. E creio, ainda, que uma forma de valorizarmos mais e

tornarmos o tocar mais presente nos espaços educativos (e menos recriminado por conta

de uma postura crítica erigida a partir de um comportamento de ordem do politicamente

correto) seja a promoção de reflexões sobre a importância do toque para a formação

humana junto a educadores e educadoras. Acredito, também, que estas reflexões

possam ocorrer nos espaços de formação docente tais como cursos de graduação,

capacitações, reuniões pedagógicas... Por que não oferecer aos educadores (em

formação ou formados) acesso e contato com textos, estudos e vivências que digam

respeito à natureza salutar do tocar para o desenvolvimento humano? Por que não

oferecer aos educadores momentos de reflexão para que (com)partilhem suas

experiências a respeito da importância do toque em suas vidas enquanto pais, mães,

filhos, casais, amigos...?

Por fim, eu quero ousar sugerir a partir de ideias de outra ordem de Waal (2010)

que a ocorrência saudável do tocar no âmbito das práticas pedagógicas também pode

contribuir para criar uma cultura de maior sensibilidade às experiências táteis para com o

outro, uma vez que para este autor muita coisa que ocorre em relação ao nosso corpo

raramente chega a nos fazer pensar a respeito, por exemplo, a introjeção de estados de

espírito do outro. Será que não é o caso de considerarmos também que os aprendentes

que vivenciem nos processos de ensino e aprendizagem saudáveis experiências táteis

42

sejam capazes de replicar essas experiências em outros viveres seus que não, talvez,

apenas àqueles de sala de aula?

Muita coisa ocorre em um nível corporal no qual raramente pensamos. Ouvimos uma pessoa contar uma história triste e inconscientemente deixamos cair os ombros, inclinamos a cabeça para o lado como o nosso interlocutor, imitamos suas sobrancelhas franzidas e assim por diante. Essas mudanças corporais produzem em nós o mesmo estado de desalento que percebemos no outro. Não é a nossa mente que penetra na da outra pessoa, é o nosso corpo que mapeia o do outro. O mesmo se aplica às emoções felizes. Lembro-me um dia de sair de um restaurante certa manhã tentando descobrir por que eu estava assobiando alegremente. O que havia provocado em mim um estado de espírito tão animado? Eu me sentara perto de dois homens que, obviamente, eram velhos amigos e não se encontravam havia muito tempo. Esses homens tinham rido e contado histórias divertidas, dando tapinhas nas costas um do outro. Isso deve ter levantado o meu estado de ânimo, embora eu não os conhecesse e não tivesse participado da conversa entre eles. (WAAL, 2010, p. 22)

Assim, a partir deste compartilhar de experiência acima, proponho também

relevarmos a possibilidade (e capacidade) de o corpo de nossos aprendentes (assim

como o nosso próprio) estar apto, estar propenso, estar biologicamente capacitado e

disposto a mapear posturas e condutas do outro num fluir mimético. E se o mimetismo

realizado pelo corpo for a partir de saudáveis condutas, certamente teremos o fomento de

espaços mais salutares de encontro e (con)vivência humanos.

2.5 esgate histórico: teorias da aprendizagem, modelos

epistemológicos

Uma criança que cresce no respeito por si mesma pode aprender qualquer coisa e adquirir qualquer habilidade se o desejar. (MATURANA & REZEPKA, 2000, p. 12)

Eu não sei ao certo se o caminho que escolho neste segmento do presente

capítulo é o mais adequado; contudo, pareceu-me ser necessário trazer para meu texto

um breve histórico das teorias da aprendizagem tradicionais além dos respectivos

modelos epistemológicos para, a partir disso, apresentar a autopoiese36

(do grego poiesis

[produção] + auto autoprodução). A autopoiese é vista como uma dinâmica constitutiva

36

“A palavra surgiu pela primeira vez na literatura internacional em 1974, num artigo publicado por Varela,

Maturana e Uribe, para definir os seres vivos como sistemas que produzem continuamente a si mesmos.” MARIOTTI (1999, p. 1).

43

(e ‘construtora’) do ser vivo e, por assim ser, está presente na sua capacidade de

conhecer e aprender, bem como de criar condições de conhecimentos e de

aprendizagens.

O resgate histórico das ideias consagradas dos principais modelos

epistemológicos, pedagógicos bem como das teorias da aprendizagem ligadas a eles que

apresento aqui tem como ponto de partida a síntese na tabela a seguir:

Modelo epistemológico Modelo pedagógico Teorias da aprendizagem

a) Empirismo

S O (sujeito) (objeto)

a) Pedagogia diretiva

A P (aluno) (professor)

a) Teoria comportamental/ Behaviorista

E —— R —— Reforço (estímulo) (resposta)

b) Apriorismo (inatismo)

S O (sujeito) (objeto)

b) Pedagogia não-diretiva

A P (aluno) (professor)

b) Gestalt/Humanista (Köhler, Rogers / Teoria figura/fundo)

c) Construtivismo

S O

(sujeito) (objeto)

c) Pedagogia relacional

A P

(aluno) (professor)

c) Construtivismo; histórico-cultural

S O S O

(centrada na ação) (centrada na linguagem)

Observação: as setas na tabela acima Tabela de autoria da Profa. Dra. Maria Teresa Ceron Trevisol37

indicam a origem e o destino das ações.

Seguindo em linhas gerais com uma ideia de síntese, apresento algumas

ponderações sobre os modelos epistemológicos relacionados aos modelos pedagógicos

e às teorias da aprendizagem conforme tabela acima.

2.5.1 Empirismo

Eu inicio compondo uma breve síntese sobre o empirismo.

Na epistemologia empirista a fonte do conhecimento humano está no experimento

em função do meio físico com mediação dos sentidos. São os sentidos a porta de entrada

para a impressão do conhecimento no sujeito – uma “tábua rasa”, “folha de papel em

branco”.

A partir do desenvolvimento da teoria comportamental (behaviorismo), a

aprendizagem é entendida como uma modificação no comportamento provocada pelo

“agente que ensina”, utilizando estímulos reforçadores adequados sobre o “sujeito” que

“aprende”. Desta forma, a pedagogia para os empiristas é diretiva, ou seja, o aprendizado

do aluno acontece somente se o professor ensina. Assim sendo, há a crença numa

37

In TREVISOL, Maria Teresa C. Teoria e prática educativa. Aula proferida na Unoesc, Joaçaba, 25 de nov.

2013.

44

transferência de conhecimento. Na prática de ensino, então, para a pedagogia diretiva,

entra em jogo o mecanismo de estímulo resposta (Reforço). Desta maneira, o

professor “repassa o conhecimento” (treino/repetição/reprodução) e utiliza o reforço como

um condicionante para aumentar a probabilidade de emissão da resposta desejada em

situações futuras.

São nomes importantes relacionados ao desenvolvimento do comportamentalismo

iniciado com Watson: o do fisiólogo russo Pavlov (1849-1936), do psicólogo norte-

americano J. B. Watson (1878-1958) e o nome do psicólogo norte-americano Skinner

(1904-1990).

2.5.2 Apriorismo (inatismo)

O segundo modelo epistemológico do quadro apresentado, o apriorismo, por sua

vez, representa uma oposição à epistemologia empirista, pois, considera que o indivíduo

em seu nascimento já traz consigo determinadas as condições de conhecimento e

aprendizagem. Essas condições se manifestarão imediatamente (inatismo) ou

progressivamente ao longo do processo geral de maturação do ser. Um ponto importante

ressaltado neste modelo epistemológico é que a atividade de conhecimento é exclusiva

do sujeito, o meio não tem participação; quer dizer, a origem do conhecimento está no

próprio sujeito.

Na concepção apriorista, a partir da teoria da forma ou da Gestalt (conhecimento

visto das partes para o todo), o conhecimento é visto como algo inerente ao sujeito e que

necessita ser despertado. Uma vez que o raciocínio é visto como inato; o ensino teria a

função de expandir o que já por si está na constituição hereditária. Cumpre ao professor

na sua atividade pedagógica estimular o aluno para que o conhecimento surja, aflore, se

efetive.

A pedagogia apriorista, como destacada no quadro anterior, é não-diretiva. Por

conseguinte, ao professor é conferida a tarefa de ser um auxiliar, um facilitador para o

aluno. Sendo assim, a intervenção do professor em relação ao processo de aprender é a

mínima possível.

Nome importante relacionado à teoria da Gestalt é o do psicólogo alemão Köhler

(1887-1967), e em relação à pedagogia não-diretiva tem-se o nome do psicólogo norte-

americano Carl Rogers (1902-1987).

2.5.3 Construtivismo

No terceiro modelo epistemológico apresentado no quadro anterior – o

construtivismo – a relação entre sujeito (S) e objeto (O) é “recíproca”; ou seja, o

conhecimento será constituído na (e pela) interação entre sujeito e objeto.

45

Um dos principais nomes ligados à teoria construtivista é o do epistemólogo suíço

Jean Piaget que desenvolveu a teoria da epistemologia genética. Para ele, a inteligência

se caracteriza no principal meio de adaptação do ser humano porque possibilita a

construção de estruturas mentais para serem aplicadas a estruturas do meio (o que,

também, possibilita a elaboração de novas estruturas). De acordo com Piaget, na

interação entre sujeito e objeto (SO) na construção do conhecimento há dois

processos envolvidos: a assimilação – transformação objetiva do mundo em que o sujeito

realiza ações para poder interpretar e internalizar o objeto em suas estruturas cognitivas;

e a acomodação – alteração das estruturas cognitivas do sujeito para poder compreender

o objeto; essa é uma transformação em si mesmo. Segundo Piaget, são esses dois

processos os responsáveis pelo processo de desenvolvimento cognitivo do sujeito (ser

humano).

Dessa interação entre sujeito/objeto, a teoria de Piaget considera que o sujeito se

constrói por meio de sua própria ação, relacionando-se num tempo e espaço com meio

social, econômico e cultural. Assim sendo, o sujeito é considerado “um sujeito histórico,

cultural, social, político. Para Piaget, as estruturas não estão pré-formadas no sujeito,

este as constrói na medida das necessidades e das situações. A experiência não é uma

recepção passiva, é um processo ativo” (PONTES, REGO & SILVA JR., 2006, p. 68).

Do modelo epistemológico construtivista emanam (ou dele se aproximam) as

teorias cognitivistas: a) verbal significativa (Ausubel); b) construtivismo (Piaget); c) sócio-

contrutivista/histórico-cultural (Vygotsky).

A seguir, apresento uma breve abordagem sobre cada uma dessas teorias.

2.5.3.1 Verbal significativa

Para o psicólogo norte-americano, David Ausubel (1918-2008), a aprendizagem

está ligada a conceitos e, em se tratando de aprendizagem escolar, por exemplo, o

conhecimento prévio do aluno é a chave para a aprendizagem significativa.

Segundo as ideias de Ausubel, uma nova informação se relaciona com um

aspecto relevante da estrutura de conhecimento (estruturada em forma de conceitos) que

o indivíduo possui. Nesse processo de formação de conhecimento, são fatores

importantes para que a aprendizagem ocorra: material potencialmente significativo e

disposição para aprender.

No processo de aprender relacionado à escola, Ausubel considera importante o

professor trabalhar com organizadores prévios (“pontes cognitivas” que têm como papel

ligar o conhecimento desconhecido ao que o aprendiz já sabe). Ao professor é reservada

a função de programar, sequenciar os conteúdos e, ao aluno, uma atitude ativa de

46

descobridor, envolvido no processo de construção de seu conhecimento entre o que ele

já possui internalizado e o que lhe é novo.

2.5.3.2 Construtivismo

Jean Piaget (1896-1980) não foi um pedagogo, mas – entre outros títulos – um

biólogo que se dedicou a observar com rigor o processo de aquisição do conhecimento

no ser humano, particularmente na criança. Ele marcou a educação ao mostrar que a

criança não pensa como o humano adulto, mas vai construindo seu próprio aprendizado

(em etapas).

Piaget se ocupou da observação do comportamento infantil atento às concepções

da criança em relação ao tempo, ao espaço, à causalidade física, ao movimento e à

velocidade. O campo de estudo criado por este cientista ficou conhecido como

epistemologia genética – uma teoria do conhecimento que é centrada no

desenvolvimento natural da criança. Piaget enuncia que o conhecimento na criança se dá

por descobertas – que ela própria faz. O conhecimento resulta da interação do sujeito e o

meio – através de uma ação (física e lógico-matemática).

Levando Piaget para a sala de aula, temos o professor como responsável pelo

desequilíbrio da estrutura de pensamento do aluno. O professor deve provocar a busca

pelo conhecimento.

2.5.3.3 Socioconstrutivista/histórico-cultural

A teoria que nasce das reflexões do psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-

1934) – teoria da aprendizagem caracterizada como sócio-construtivista/histórico-cultural.

Vygotskty atribuiu um papel preponderante às relações sociais no processo de

desenvolvimento intelectual. Para ele, a aprendizagem (enquanto construção do

conhecimento) tem grande ênfase no social, nos processos interpessoais (em oposição

às ideias fundamentais de Piaget que atribuem ênfase aos processos internos; contudo,

apesar disso, não são atribuídos antagonismos e oposições às reflexões dos dois).

Na compreensão de Vygotsky, o homem se constrói como um ser que está em

contato com a sociedade. Portanto, a formação se dará através de uma relação dialética

entre homem e sociedade – o homem modifica o ambiente e é modificado por ele.

Um outro conceito-chave na teoria de Vygotsky diz respeito à mediação: uso de

instrumentos técnicos utilizados na relação do indivíduo com o mundo; instrumentos

agrícolas que transformam a natureza, por exemplo, e, a linguagem – instrumento

utilizado no relacionamento social e que carrega consigo conceitos consolidados da

cultura à qual o indivíduo pertence.

Em relação à educação, é importante frisar que o professor é concebido como um

47

mediador – todo aprendizado é necessariamente mediado – como o responsável por

planejar intervenções (na relação do aluno com o conhecimento). Ao aluno, por sua vez,

compete uma postura ativa frente ao conhecimento enquanto se desenvolve aprendendo

e aprende se desenvolvendo. Nesse processo, a linguagem possui uma valoração

importantíssima.

Ainda, em relação à teoria de Vygotsky aplicada à sala de aula, é necessário

destacar o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) – que se refere à

distância de desenvolvimento real do aluno e aquilo que ele tem potencial para aprender;

potencial que é demonstrado pela capacidade de desenvolver uma competência com a

ajuda de alguém mais experiente (um colega, um adulto, o professor, por exemplo).

2.6 inamismo cíclico e autorreferencialidade no ser/existir: a

autopoiese (o fazer-se a si mesmo)

[Teoria da autopoiese] é uma explicação do que é o viver e, ao mesmo tempo, uma explicação da fenomenologia observada no constante vir-a-ser dos seres vivos no domínio de sua existência. Enquanto uma reflexão sobre o conhecer, sobre o conhecimento, é uma epistemologia. Enquanto uma reflexão sobre nossa experiência com outros na linguagem, é também uma reflexão sobre as relações humanas em geral, e sobre a linguagem e a cognição em particular. (MAGRO & PAREDES IN MATURANA, 2006, p. 13)

Minha seção imediatamente anterior a esta trouxe um abreviado resgate histórico

de algumas das principais teorias da aprendizagem bem como os

respectivos modelos epistemológicos que as sustentam. Na atual

seção, meu empreendimento é fazer o olhar e a mente do(a)

meu(minha) leitor(a) se voltarem para uma outra paisagem da

geografia cognitiva: a autopoiese. AUTO, do grego autós, ,ó:

(eu) mesmo, (tu) mesmo, (ela/ele) mesmo... e POIESE: do grego

poí sis,e s: criação. Autopoiese é uma palavra (gráfica e

etimologicamente poética para designar o autofazer-se dos seres vivos) cunhada por

Humberto Maturana. Conforme Maturana (2002), esta palavra nasceu-lhe a partir de sua

reflexão a respeito da unidade fundamental do “funcionamento” dos seres vivos: a célula

(ainda na década de 1960; o nascimento do vocábulo “autopoiese” deu-se mais tarde,

início da década de 1970). A reflexão inicial de Maturana surge do funcionamento da

célula, através de seus processos metabólicos, a célula se faz. Além de que, ela faz

48

(constitui) o ser vivo e vive em constante funcionamento para se manter e manter o ser

vivo ao qual ela dá existência. Assim sendo, temos a autocircularidade e o autofazer-se

do processo de existir do vivo; portanto, a sua autopoiese (‘autofazimento’). Um processo

que ao mesmo tempo em que dá existência contínua ao vivo, também o diferencia do

meio através da geração de uma fronteira de identificação:

Um ser vivo ocorre e consiste na dinâmica de realização de uma rede de transformações e de produções moleculares, de maneira tal que todas as moléculas produzidas e transformadas no operar dessa rede fazem parte da rede, de maneira que com suas interações: a) geram a rede de produções e de transformações que as produziu ou transformou; b) dão origem aos limites e extensão da rede como parte de seu operar como rede, de maneira que esta fica dinamicamente fechada sobre si mesma, conformando um ente molecular separado que surge independente do meio molecular que o contém por seu próprio operar molecular; e c) configuram um fluxo de moléculas que ao incorporarem-se na dinâmica da rede são partes ou componentes dela, e ao deixarem de participar na dinâmica da rede deixam de ser componentes e passam a fazer parte do meio. (MATURANA &

VARELA, 1997, p. 15)

A seguir, uma representação gráfica38

para o conceito da autopoiese:

_________________________________________________

A circularidade dos processos biológicos

Em sua primeira versão (Figura A), o esquema indica que ácidos nucleicos participam da formação de proteínas que, por sua vez, participam da formação de ácidos nucleicos. Mais tarde, Humberto Maturana transformou este esquema na representação da célula ou do ser vivo por uma seta circularmente voltada sobre si mesma (Figura B).

O conceito da autopoiese é fundamental para a Biologia do Conhecimento (teoria

de Humberto Maturana que abordarei adiante – Capítulo 3, página 60) porque este

conceito vai dar sustentação importante a esta sua teoria do conhecer, especialmente no

que se refere à função do cérebro39

(o sistema nervoso): um sistema fechado de

funcionamento em sua circularidade existencial; o mesmo que nos acontece a nós seres

humanos (ou gatos, cachorros, peixes, plantas...): sistemas fechados com funcionamento

circular. O significado de funcionamento circular fechado é que a organização

38

Esta representação (com sua legenda) foi colhida em MATURANA, MAGRO, GRACIANO & VAZ, 2002. p. 32. 39

O uso da palavra cérebro nas linhas que seguem neste meu texto tem como propósito representar o

sistema nervoso e não apenas o cérebro em si.

A

ácidos nucleicos proteínas

B

N

49

autopoiética dos seres vivos é “operacionalmente fechada à informação ou a instruções

do meio, com o qual todo ser vivo está em permanente congruência e mútua

modulação.”40

Assim, o cérebro (sistema nervoso) na sua tarefa cotidiana de viver sua vida de

sistema nervoso, não faz outra coisa a não ser responder aos processos de acoplamento

(processo de interação com o meio) estando seu ‘funcionar’ circunscrito à sua

capacidade fechada de operação. Ou seja, o cérebro, a partir do acoplamento com o

meio, não faz outra coisa senão reagir41

conforme seu existir de cérebro dentro de sua

existência de circularidade, inclusive dentro dos limites de reações que sua estrutura lhe

permite.

O sistema nervoso é um sistema fechado, uma rede fechada de componentes que interagem uns com os outros, e nos quais a dinâmica de estados é uma contínua mudança de relações de atividade que geram relações de atividade na mesma rede. Que relações de atividade e que mudanças de relações de atividade ocorrem? Aquelas que são determinadas pela estrutura do sistema nervoso. (MATURANA, 2002, p. 66)

Assim, por exemplo, não é dado ao cérebro a capacidade de se petrificar por

estupor ante ao acoplamento a uma situação de susto e permanecer (física,

quimicamente) rígido, inerte; porque o petrificar-se não é possibilitado à sua estrutura.

Mas pode acontecer petrificação ao chumbo – que tenha sido resfriado, por exemplo,

após seu aquecimento; não que este metal tenha propriedades animadas de assustar-se,

não é isso. O que proponho com esse exemplo de “petrificar-se” é ilustrar que a cada

uma das estruturas particulares (individuais) de tudo o que ‘conhecemos’ na vida – seres

animados ou não – como cadeiras, lápis, folhas de papel, cachorros, células, laranjas...

bichos, plantas, pessoas... e cérebros e sistemas nervosos, é-lhes permitido modificar(-

se) a forma (a sua estrutura) – sem que haja alteração da sua organização que os fazem

ser cadeira, lápis, folha de papel... pessoa... e cérebro – especificamente conforme a

‘natureza’ de propriedades de cada um. Portanto, (in)felizmente, não pode nosso cérebro

sair em voo aberto céu afora buscando a pessoa amada ante o acoplamento dele (nosso)

40

MAGRO & PAREDES IN MATURANA, 2006, pp. 14-15. 41

As palavras “reagir”/“reação” são utilizadas aqui no texto por uma questão de comodidade etimológica.

Note-se que nas palavras de Humberto Maturana: “O sistema nervoso é um sistema fechado, uma rede fechada de componentes que interagem uns com os outros, e nos quais a dinâmica de estados é uma contínua mudança de relações de atividade que geram relações de atividade na mesma rede.” – MATURANA, 2002, p. 66). Para Maturana, o observador (no exercício da linguagem) é que responsável pela conotação de ideia de reação à dinâmica de funcionamento do cérebro, do sistema nervoso: “Um organismo, ou ser vivo, é um sistema dinâmico. Quer dizer, um organismo ou um ser vivo é um sistema que enquanto mantém sua organização está em contínua mudança de estado. Um observador que vê o organismo ou o ser vivo como unidade interatuando em um meio não vê suas mudanças de estado, somente vê suas mudanças de posição ou de forma no meio como reação às perturbações deste, ou como reações de sua própria dinâmica interna.” (MATURANA, 1998, p. 34).

50

a uma situação de saudade... mas pode nosso cérebro estruturalmente desencadear

controle sobre as asas nossas de Ícaro – se as tivermos – para nos fazer alçar voo ao

encontro da pessoa saudosa que amamos.42

Tendo em vista minha explanação a respeito de as reações do cérebro (sistema

nervoso) só poderem ser aquelas que a estrutura de seu funcionamento circular permitir

ocorrer, cabe a mim, ainda, discorrer sobre o acoplamento do cérebro com o meio;

acoplamento este que é um processo com mútua modificação: cérebro meio.

Imaginemos que a primeira imagem da figura a seguir represente o cérebro em

seu acoplamento com uma situação de afeto (meio), mas poderia ser qualquer outra

situação: de aprendizagem, de toque no organismo no qual o cérebro integra, de um

estímulo sonoro... Num primeiro momento (A) temos que o meio desencadeia uma

reação no cérebro (reação esta que só pode estar dentro do universo de capacidades de

reações do cérebro). Mas, também, num segundo momento (B), a reação do cérebro

mediante ao estímulo do seu acoplamento com o meio desencadeia (influencia) uma

reação no meio. Assim, cérebro e meio nunca são (nunca serão) os mesmos depois

deste acoplamento, depois de um acoplamento. E creio que poderíamos oportunamente

usar como reforço, aqui, o dito atribuído a Heráclito: “não é possível entrar duas vezes no

mesmo rio”, ou a variação, “nenhum homem pode se banhar duas vezes na mesma

água”. Assim, em analogia, o ser e o meio são águas modificadas (transformadas)

mutuamente após seu acoplamento.

__________________________________________________

Fonte: Concepção do autor desta produção a partir das ideias e teoria de Humberto Maturana.

E expandindo um pouco mais a representação gráfica anterior, conforme

concepção presente em Maturana (2002, p. 42), teremos: o sistema nervoso, o indivíduo

e o meio (a circunstância) – aqui, na imagem, sistematizando o processo de deriva

natural (processo de contínuo acoplamento estrutural em que ser vivo e circunstância se

modificam, se constituem enquanto suas histórias de ‘viver’).

42

As ideias de “circularidade”, “modificação da estrutura”, “conservação da organização” são todas de autoria

de Humberto Maturana (2002, pp. 32-35 e pp. 56-97).

sistema nervoso (fechado em si mesmo)

A

N

meio

B

N

51

__________________________________________________

Fonte: MATURANA, MAGRO, GRACIANO & VAZ, 2002. p. 42

E sobre esta relação de (con)vivência de mútuas modificações entre ser/meio,

Maturana explicita:

Organismo e meio vão mudando juntos, uma vez que se desliza na vida em congruência com o meio. De modo que não é acidental o fato de que um sistema tenha determinada configuração estrutural em suas circunstâncias: é o resultado de uma ontogenia, de uma história individual, com conservação de organização e adaptação. (MATURANA, 2006, p. 80)

E a autopoiese, o que tem a ver com a Educação, em que/com o que se afina?

Onde se acopla esta ideia na seara educacional?

Minha sugestão é que justamente pensemos a prática educativa em referência à

afirmação de Maturana (2002) que o meio não pode especificar o que acontece a um

sistema vivo; mas, ele pode sim, desencadear mudanças e estas mudanças só poderão

acontecer conforme a estrutura do ser. Não posso esperar que ao plantar um pé de

ameixa do inverno e com meus estímulos e cuidados eu possa colher, por exemplo,

melões-de-são-caetano! Nos espaços escolares, no quefazer cognitivo com meus, com

nossos aprendentes não será, não o é diferente: como querer que eles me(nos)

formalizem respostas e conhecimentos que suas estruturas (de seres vivos, de

pensamentos) ainda não estão (ou não desejam estar, conforme mesmo vontades

pessoais) aptas ao que eu(nós) enquanto educador(es) julgo(amos) deveria ser o

comportamento adequado que eu(nós) gostaria(íamos) de observar neles? Além disso,

acredito que a autopoiese pode ser vista como uma filosofia de vida (senão como um

modelo epistemológico); o ser vivo visto com o olhar de sistema fechado que desliza sua

existência em acoplamento com o meio. “Viver é deslizar na realização de um nicho43

.”44

43

Creio que seja adequado que compreendamos aqui, nicho próximo ao significado: “Porção restrita de um

habitat onde vigem condições necessárias para a existência de um organismo ou espécie.” – Fonte: Dicionário Houaiss Eletrônico – versão 1.0.

44 MATURANA (2002, p. 87).

52

Por fim, acredito também ser necessário destacar que fomos nós – humanos – em

nosso existir linguajeante e recorrente com o outro que inventamos e definimos o

“educar” para o processo nosso de aprendizagem. E um aforismo de Maturana (2002) é

apropriado para se trazer aqui para reflexão: “tudo o que é dito, é dito por um observador”

que pode ser ele, ou ela mesma; além de que, é dito na linguagem. Assim, supomos que

a partir de hoje criássemos a descrição e denominação de uma nova conduta humana

frente ao nosso viver, chamando esta conduta de “poiesiação” a partir de nossas ações

de “poiesiar”. Tudo o que dissermos sobre a conduta nova que foi nomeada é dita por

nós, com nosso olhar, e explicada por nós a partir de nosso olhar, estando em exercício

de nosso linguajear. Para completar essa minha ideia apresentada, façamos uma

digressão imaginosa: suponhamos que recebêssemos a visita de um ser de outro planeta

(um outro olhar observador diferente do nosso); como seria descrita e nomeada a

conduta por nós nomeada de “poiesiação”?... Assim, o que conotamos como “educação”,

“aprendizagem”, “educar”, “aprender”... e seus respectivos processos são conceituações

e descrições criadas e feitas a partir de nosso olhar como observadores (e na

linguagem). E se sob o ponto de vista da Vida, no existir autopoiético do ser vivo, a isso

que conotamos “aprender” seja um “desaprender”, seja a ruptura de um viver harmônico

e simbiótico com o meio?... É caso para se pensar?... ;) 45

*•*•*

Ocorreu-me também – e eu já havia dado por finalizado o registro das ideias do

parágrafo acima – que ao ver um vídeo disponível na internet46

de um cachorro

dançando: o olhar nosso frente aos movimentos do cachorro é que ele esteja dançando.

Fazemos isso a partir de nosso olhar (humano) de observador. E para o olhar canino, o

que está ele fazendo? Dançando? Qual é a conotação que ele – enquanto cachorro, com

seu olhar e seu operar na “linguagem canina” – dá para esses seus movimentos?...

45

E sobre isso de nosso olhar nos conotar uma coisa ou outra, note-se que no final deste parágrafo aparece

um emoticon. É intencional; e de forma alguma desrespeito à feição científica deste trabalho. Peço desculpas, eu não consegui me refrear na tentação de colocá-lo (ou não desejei...) E esses dois caracteres tipográficos podem ser tidos apenas por falha na digitação, não? Ou então, outra coisa... E ainda, para mim, também uma homenagem à minha colega de curso no mestrado SANDRA CRISTIANE ENGEL VILA REAL; uma referência à sua exposição de pinturas cultuando a pareidolia. :D

46 O vídeo chama-se «Cachorro dançando hip-hop no sofá // Dog dancing hip-hop on the couch (ORIGINAL)»

e está disponível no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=f5Wbx-aqtYk – acesso em 03 set. 2014

53

2.7 ênue entrelaçar de olhares entre modelos epistemológicos

tradicionais e a teoria da autopoiese

Nossas divergências, nossas discussões, uma vez distinguida a experiência que desejamos explicar, se referem às explicações: “— Observem, existem crianças que morrem de fome! — Ah! Que horror!, Isto se explica porque...”, e o que fala apresenta uma proposição explicativa econômica. O outro diz: “— Não, o que ocorre é que...”, e propõe uma explicação sociológica. Temos duas proposições explicativas diferentes e brigamos. Onde? Por quê? Brigamos por causa da experiência de sabermos de crianças que morrem de fome? Não! A menos que juntemos o fenômeno que desejamos explicar com a explicação que propomos, como quando dizemos “Observem, existem crianças que morrem de fome porque o governo não oferece possibilidades de trabalho”. Mas se não fazemos esta fusão e aceitamos explicar como “as crianças morrem de fome”, começamos a discutir a explicação, e se não concordamos, brigamos por causa dela e nos esquecemos das crianças. Percebem? O problema está na explicação. (MATURANA, 2005, p. 57)

Não, não quero parecer irresponsável, nem descompromissado com meu objeto

de estudo ou com as reflexões e proposições que eu faço sobre os processos de ensino

e aprendizagem fomentadas a partir de, principalmente, ideias do neurobiólogo Humberto

Maturana e filtradas pelo meu olhar; mas, eu gostaria de não precisar gerar comparações

diretas entre a autopoiese e as epistemologias tradicionais por não desejar incorrer,

penso, naquilo que Maturana define como sendo uma manifestação da “objetividade sem

parênteses” (MATURANA, 2006, p. 32) – ou seja, um acesso à verdade como se ela fosse

transcendente e, por conseguinte, a única verdade. Feita esta ressalva, então, peço para

que este emparelhar dos pensares epistemológicos que faço adiante me seja tomado

com uma comparação rumo a um espaço de reflexões. E aqui, se me for lícito, recorro a

um empréstimo das palavras de Maturana (2006, p. 75): “Eu sou maravilhosamente

irresponsável sobre o que vocês escutam, mas sou totalmente responsável sobre que eu

digo.”

E por que penso assim, igualmente?

Porque concordo com Maturana que a cada um de nós, “sistemas determinados

estruturalmente” (MATURANA, 2006, p. 57), acontece algo nas interações com o outro que

diz respeito a nós mesmos, e não ao outro. O que cada um escuta tem a ver consigo

mesmo, com o seu escutar peculiar. E mais, cada um de nós se move em um “certo

domínio de coerências operacionais” (MATURANA, 2006, p. 58), isso implica em considerar

54

que o que é válido para mim enquanto verdade, enquanto explicação, enquanto

justificativa, enquanto realidade pode não o ser para o outro. Entretanto, ainda assim, isto

não implica uma negação do outro, porque se o desejarmos, se quisermos o estar juntos,

podemos converter a divergência em crescimento. Conforme Maturana (2006, p. 58), “a

divergência se converte numa oportunidade para a criação de um novo domínio de

realidade, também de maneira responsável.”

Dessa forma, as proposições as quais me aventuro a fazer adiante são feitas a

partir da minha maneira (particular e responsável) de escutar a realidade e é a partir

desta minha maneira particular que eu faço as distinções que faço. E como aceitei o

convite para escutar as ideias e reflexões de Humberto Maturana sobre o ser vivo, sobre

a realidade, sobre o conhecimento, e as julguei válidas para reflexões na seara

educacional no meu domínio de coerências operacionais – assim como ocorreu, ocorre a

outros pesquisadores e estudiosos – formalizo mais uma vez aqui o convite para um cum

versare47

. Desta vez o passeio que proponho é pelo entrelaçamento das teorias

epistemológicas (apresentadas anteriormente na tabela da página 43) com a

epistemologia de Humberto Maturana: a autopoiese.

Eu acredito que pela relevância dada ao acoplamento entre ser vivo e meio

(circunstância), ambos em congruência, deslizando na vida e com uma história individual

de conservação de organização e adaptação (MATURANA, 2006, p. 58), podemos considerar

que a epistemologia de Maturana se aproxima tão mais das ideias do construtivismo do

que do empirismo ou do apriorismo (inatismo), porque organismo e meio se modificam

mutuamente (Maturana, 2002) no processo de deriva natural48

. E adiante quero falar um

pouco mais sobre esta aproximação – que julgo tênue – entre construtivismo e

autopoiese.

Assim, creio, um aspecto importante de divergência entre a tríade empirismo(1),

apriorismo(2) e autopoiese(3) refere-se ao fato de como os dois primeiros pensares

epistemológicos consideram o conhecimento: como algo que possa ser adquirido, algo

externo ao ser vivo – no empirismo; e como algo que é inerente ao ser, bastando apenas

ser-lhe despertado – no apriorismo. Para a teoria da autopoiese, o conhecimento é visto

como sendo uma adequação de comportamento ao meio: “Falamos em conhecimento

toda vez que observamos um comportamento efetivo (ou adequado) num contexto

47

Eu não pude resistir à força da ideia do conversar (cum + versare) – ‘dar voltas com’, por isso, eu a trouxe

para essa frase. “A palavra conversar vem da união de duas raízes latinas: cum, que quer dizer ‘com’, e versare que quer dizer ‘dar voltas com’ o outro. [...] O que ocorre no ‘dar voltas juntos’ dos que conversam, e o que acontece aí, com as emoções, a linguagem e a razão?” (MATURANA, 2002, p. 167).

48 Conforme Maturana (2006, p. 81), “A palavra deriva faz referência ao seguinte: faz referência a um curso

que se produz, momento a momento, nas interações do sistema e suas circunstâncias.” [Destaque presente no original.]

55

assinalado. Ou seja, num domínio que definimos com uma pergunta (explícita ou

implícita) que formulamos como observadores” (MATURANA, 2011A, p. 195).

Outro aspecto de distinção entre empirismo, apriorismo e autopoiese se refere à

concepção do ser que aprende. Conforme já indicado em páginas anteriores, o

empirismo credita aos sentidos a porta de entrada do conhecimento, o qual será inscrito

no ser cognoscente (uma “folha de papel em branco”), desta maneira, o conhecimento é

visto como algo externo e a concepção de pedagogia emanada do empirismo –

pedagogia diretiva – considera o educador como um “agente que ensina” a um sujeito

que “aprende”. Já em relação ao apriorismo, o ser cognoscente, visto como possuidor do

conhecimento, necessita ter o conhecimento despertado; e é reservado ao educador –

pedagogia não-diretiva – o papel de estimulador para que o conhecimento surja, aflore,

se concretize. A teoria da autopoiese, por sua vez, vislumbra o processo do conhecer

como um mútuo acoplamento entre ser e meio, portanto, não temos um ser que aprende

(conforme concepções do empirismo e do apriorismo).

Na reflexão sobre o conhecer, compreendi que o organismo é um sistema que opera com conservação da organização, como um sistema fechado, como uma rede de produções de componentes no qual os componentes produzem o sistema circular que os produz. Eu tinha que envolver o sistema nervoso nisso – é o que faço no artigo para o congresso de Antropologia – ao mostrar que é na conservação dessa condição fechada do organismo, tendo o sistema nervoso como um sistema fechado, que o conhecer surge

como um operar adequado à circunstância, de modo que essas duas condições – a organização e a adaptação à circunstância – se conservem. (MATURANA, 2002, pp. 35-36) [Ênfase atribuída por mim.]

E a partir disso, creio, para a autopoiese, podemos evocar o processo de ensino e

aprendizagem nos espaços pedagógicos sendo fecundados pelo acoplamento dinâmico

do ser, do estar e do existir entre educador e aprendente.

O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência. O educar ocorre, portanto, todo o tempo e de maneira

recíproca. (MATURANA, 2005, p. 29) [O destaque dado é responsabilidade

de meu olhar.]

Em síntese, então, neste emparelhar reflexivo de epistemologias (empirismo /

apriorismo / autopoiese), creio que é possível apontar como pontos importantes de

divergência as concepções de como o conhecimento e o sujeito cognoscente são

concebidos no âmbito de cada uma dessas teorias epistemológicas.

Minha proposição, agora, por sua vez, é trazer uma conversa entre o

construtivismo de Jean Piaget e a autopoiese; eu fomento esta conversação entre as

56

duas epistemologias apoiado principalmente nas reflexões de Pellanda (2009).

Para início, as palavras mesmas de Maturana (2002) em entrevista à Dra. Cristina

Magro:

Há certas coincidências entre o que eu digo e o que o Piaget disse. Mas Piaget fala, por exemplo, em etapas do desenvolvimento. Eu não digo que há etapas no desenvolvimento, mas que há processos que têm que se dar para que algo aconteça, e

assim sucessivamente. E que normalmente, em nossa cultura, certas coisas se dão de uma certa maneira. Mas em outras culturas não se dão da mesma forma. Há certas culturas em que as reflexões sobre o fazer não se dão. As crianças não são chamadas a olhar o que fizeram. São convidadas de outras maneiras. (MATURANA, 2002, p. 344) [Destaques atribuídos por mim.]

Creio ser válido ressaltar, mesmo que em quase uma repetição no meu texto, o

distanciamento do construtivismo em relação ao empirismo e ao apriorismo, porque o

construtivismo percebe o processo de “[...] desenvolvimento de um sujeito epistêmico, no

qual há a emergência de novos elementos que vão configurar estruturas cognitivas cada

vez mais complexas” (PELLANDA, 2009, p. 55). Talvez isso faça referência direta ao construir

do construtivismo.

Na relação que pretendo estabelecer entre construtivismo e autopoiese, por sua

vez, a exigência é o nosso olhar voltar-se, conforme Pellanda (2009), para uma

acentuada “dicotomia sujeito/objeto” estabelecida pelo construtivismo:

Uma forte dicotomia sujeito/objeto, a previsão de etapas de desenvolvimento previsíveis, uma dependência de captação externa para a construção da realidade e a busca de estabilizações seriam elementos presentes em muitos dos chamados construtivismos. É exatamente por esses motivos é que Maturana reluta em se apresentar como um construtivista ainda que podemos inferir de sua teoria uma necessidade de um “construtivismo radical” no sentido em que tudo é construído pelo sujeito onto-espitêmico. (PELLANDA, 2009, p. 56)

A direção de reflexão para a qual quero apontar o olhar por meio destas linhas a

seguir está orientada, conforme Pellanda (2009), a pontos de divergência entre o

construtivismo de Piaget e as ideias de Maturana (e também de divergência em relação

ao movimento de pensamento definido como Movimento de Auto-Organização – MAO49

,

no qual o pensamento de Maturana também se insere). Estes pontos de divergência

49

“O Movimento da Auto-organização (MAO) se fundou em finais dos anos 70 e início dos anos 80 do século

passado, na sequência de similitudes lógicas e formais encontradas pelo epistemólogo francês Jean-Pierre Dupuy entre teorias científicas de áreas de saber tão diversas como a Termodinâmica (Teoria das Estruturas Dissipativas, de Ilya Prigogine), a Cibernética (Teoria da Ordem pelo Ruído, de von Foerster) ou a Biologia (Teoria da Autopoiesis, de Maturana e Varela e Teoria da Complexidade, de Atlan), passando pela Política, a Geografia, a Antropologia ou a Teologia. Estas similitudes permitiram detetar regularidades abstratas entre o mundo físico e o orgânico, que Bateson (considerado por muitos como ‘pai’ deste movimento) designou por ‘metapadrão’ ” (FEIO & OLIVEIRA, 2010, p. 226).

57

entre construtivismo e as ideias do MAO que listo inviabilizariam a inclusão de Maturana

(da sua epistemologia) na linha de pensamento construtivista.

O primeiro ponto de divergência se refere ao fato de Piaget trabalhar com a ideia

de representação de uma realidade externa (ao ser vivo), ideia de captação externa, além

de ele também dar privilégio ao pensamento lógico. Conforme apontam as reflexões que

fiz anteriormente sobre a autopoiese (seção 2.6, p. 47), a maneira de se conceber o vivo

e o conhecimento não se afinam ao construtivismo piagetiano.

O segundo ponto em que há divergência entre o construtivismo e a autopoiese diz

respeito ao pensamento de Piaget sobre a cognição de sujeitos isolados, ainda que

atribua destaque importante à questão da cooperação. “Na perspectiva autopoiética, o

modelo é sempre a rede e, por isso, isolados, os sujeitos se despotencializam ficando

mais expostos à entropia” [no caso, perda da energia cognitiva] (PELLANDA, 2009, p. 59).

Ainda, um terceiro ponto de discordância entre construtivistas e a autopoiese, a

partir de Pellanda (2009), que julgo importante destacar faz referência ao equilíbrio ou às

estabilizações apontadas por Piaget, especialmente “no último estágio, o do pensamento

hipotético-dedutivo, é a busca de uma estabilização” (PELLANDA, 2009, p. 59). Para

Maturana – conforme reforcei em meu texto nas inúmeras passagens sobre a autopoiese

– o ser e o meio em congruência estão em constantes mudanças no processo de deriva

natural (página 50 e página 54).

3

[...] quero fazer algumas reflexões sobre a linguagem, as

emoções e a ética, e, ao fazê-lo, falar de minha experiência e entendimento como biólogo. Por que falar como biólogo e não como psicólogo ou sociólogo? Falarei como biólogo, porque foi no estudo da fenomenologia da percepção como um fenômeno biológico que me encontrei no espaço de reflexões sobre a linguagem, sobre o conhecimento e sobre o social. Não cheguei ao que vou dizer primeiramente interessado ou imerso no estudo do social ou da linguagem, mas cheguei aí secundariamente, a partir da biologia. Isto implica que aceitei, como problemas legítimos para serem considerados por um biólogo, temas e perguntas que, para outros efeitos, seria possível dizer que não me pertencem. (MATURANA,

2005, p. 36) – [Os grifos pertencem ao texto original].

50

3.1 asseio breve pelo mundo de Humberto Maturana

Humberto Maturana Romesín é um neurobiólogo

chileno nascido em 1928. Estudou medicina na

Universidade de Chile e continuou sua formação

acadêmica em anatomia e neurofisiologia na

University College London, Londres. Seu

doutorado deu-se em Biologia no final da década de

1959 pela Harvard University, Estados Unidos, bem como

sua titulação em ph.D.

Em parceria com o cientista Jerome Ysroel Lettvin no MIT

(Massachusetts Institute of Technology), E.U.A, Maturana

registrou pela primeira vez a atividade de uma célula de um órgão sensorial estudando a

visão nas rãs (o resultado do estudo foi publicado no artigo What the Frog’s Eye Tells the

Frog’s Brain, 1959).

50

A figura da “Árvore Maturana” é uma montagem criada por mim a partir da gravura original de uma árvore

disponível em http://officeimg.vo.msecnd.net/en-us/images/MC900441822.wmf – acesso em 03 set. 2014.

59

No início da década de 1960, ao retornar para o Chile, Maturana tornou-se

professor adjunto na Escuela de Medicina de la Universidad de Chile. E mais tarde, em

1965, fundou o Instituto de Ciencias e a Facultad de Ciencias de la Universidad de Chile.

Já no começo da década de 1970, numa sistematização mais acurada de suas

ideias, juntamente com seu ex-aluno Francisco Varela – um companheiro de estudos e

pesquisas, Maturana criou e aprimorou o conceito de autopoiese; conceito este que

explica “como se dá o fechamento dos sistemas vivos em redes circulares de produções

moleculares, em que as moléculas produzidas com suas interações constituem a mesma

rede que as produziu e especificam seus limites”51

; entretanto, apesar deste fechamento,

os sistemas vivos se mantêm abertos ao fluxo de energia e matéria enquanto sistemas

moleculares.

Para Maturana, os seres vivos são “máquinas” que se distinguem umas das

outras pela sua capacidade de se autoproduzir – e cada ser vivo é um universo de

possibilidades de realizações em si mesmo e também a partir da interação com o

meio.”52

As ideias de Maturana a respeito do funcionamento circular (fechado53

) dos seres

vivos são a gênese de sua epistemologia. E traçadas a partir de como se define e se

explica o fenômeno do conhecer no ser vivo; essas suas ideias dão origem à Biologia do

Conhecimento.

Além da Biologia do Conhecimento e também a partir dela, Humberto Maturana

faz reflexões importantes a respeito da emoção que funda o espaço social no

relacionamento humano: o amor – emoção esta definida como a aceitação do outro. “Do

ponto de vista biológico, o amor é a disposição corporal sob a qual uma pessoa realiza as

ações que constituem o outro como um legítimo outro em coexistência” (MATURANA,

2011B). Essas proposições de Maturana centradas no caráter biológico das emoções

humanas constituem as bases da sua teoria conhecida como Biologia do Amor. Além de

que, para o autor, as emoções também são o fundamento de nossa capacidade racional;

as emoções subjazem nosso espectro humano de ações, de racionalidade. Para

Maturana, nosso mover humano na emoção cria espaços de interação com o outro;

espaços que possuem como mediador e elemento de acoplamento a linguagem.

Conforme o neurobiólogo, é a linguagem que constitui o humano, é ela que nos torna

verdadeiramente humanos – assim conforme esse jeito de nós nos definirmos humanos.

Desta forma, nós seres humanos existimos na linguagem. Porque estar na linguagem, é

51

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Humberto_Maturana – acesso em 06 set. 2014. 52

A ideia sobre cada ser vivo se constituir num universo nasceu de “Cada pessoa é um universo.”, fala de

um amigo em uma conversa a respeito do comportamento e da biologia humanos. 53

“Não se trata de uma contraposição a ‘aberto’, no sentido de relações com o meio, mas fechadas são as

macro condições dessa relação. Fechado quer dizer que o sistema mesmo é dotado de mecanismos de autosustentação, protosustentação e retrosustentação.” (VIEIRA, 2004, s/p.)

60

estar em um fluxo recorrente de “coordenações de coordenações comportamentais

consensuais” (MATURANA, 2011B). E esse fluir recorrente na linguagem no âmbito da

existência humana se configura para Maturana como sendo o linguajear –

entrelaçamento da linguagem nas dimensões da emoção e da ação no viver existencial

humano compartilhado.

Na sua formação, pesquisas e estudos, além da Biologia, Maturana se interessou

por Filosofia, Antropologia, Anatomia, Genética e Cardiologia; e seu interesse

fundamental ficou centrado no humano. Em particular, seus estudos sobre o sistema

nervoso e os fenômenos da percepção conduziram-no à conclusão que “não é o externo

o que determina a experiência. O sistema nervoso funciona com correlações internas”

(MATURANA, 2006, p. 24). Ou seja, o meio funciona apenas como um desencadeador das

mudanças estruturais internas do sistema nervoso; o meio não as determina.

Como extensão dessa proposição de Maturana em relação ao sistema nervoso,

temos essa sua compreensão levada ao âmbito do social humano, como já apontado: a

Biologia do Amor e o linguajear.

Atualmente, procurando desenvolver e difundir suas ideias acerca do ser e do

viver humanos centrados no amor – em afinidade com a Biologia do Conhecimento e com

a Biologia do Amor, Maturana mantém com colaboradores a Escuela Matríztica –

organização que ajudou a fundar junto com a professora Ximena Paz Dávila Yáñez.

Conforme declaração presente no site desta organização, a Escuela Matríztica busca

investigar, pesquisar e desenvolver projetos que visem a gerar consciência de um fazer

(de um existir) ético, responsável e sustentável centrado nas pessoas como núcleo de

todo o seu trabalho (e ações).

3.2 as asas da Biologia do Conhecimento

[No] experimento do ponto cego54

, o fascinante é que não vemos

que não vemos. (MATURANA & VARELA, 2011A, p. 25) [Destaques já no

original.]

Meu convite nesta seção é para um conversar, um cum versare, um dar voltas na

linguagem num passeio na mirada de um novo modo de ver o que vemos (ou achamos,

ou cremos que vemos). Meu convite nesta seção é para um passeio pelas ideias de

Humberto Maturana a cerca do conhecer (do nosso, do humano conhecer), porque,

invariavelmente, em nosso fazer pedagógico moderno, a educação está simbioticamente

associada ao conhecimento.

54

Nosso olho humano apresenta uma falha, um ponto que não possui sensibilidade à luz, é a zona da retina

de onde sai o nervo óptico. O ‘brinquedo’ para se perceber isso de “não vermos que não vemos” pode ser o experimento da página 90 na seção Apêndices desta produção.

61

Meu ponto de partida é em relação às ideias de Maturana sobre o conhecimento.

Para este autor um aspecto importante se refere ao conhecimento ser concebido em

íntimo relacionar-se com a linguagem: [...] proponho que, ao estarmos imersos na linguagem como um sistema de coordenações de coordenações de ações consensuais, nós, seres humanos, produzimos um mundo objetivo utilizando nossas próprias mudanças de estado, como descritores que especificam os objetos que constituem esse mundo. (MATURANA, 2002, p. 78)

E em relação às ideias de Maturana sobre o conhecer, sobre o conhecimento,

temos a Biologia do Conhecer, que também é um sinônimo para a Teoria da Autopoiese

– e costuma ser assim apresentada por alguns estudiosos, autores, pesquisadores que

se dedicam ao estudo das ideias deste autor. Nesta produção, contudo, por uma escolha

baseada na minha compreensão e também em razão da organização de meu texto, eu

utilizei uma cisão: apresentei a autopoiese – focando a ideia de autoprodução do ser,

num processo cíclico, fechado do existir – seção 2.7, página 53. E aqui, na presente

seção, meu empenho é para apresentar a Biologia do Conhecer (do Conhecimento) com

um olhar voltado mais para o fenômeno do conhecimento, para o fenômeno do conhecer.

Para iniciar minha conversa sobre o fenômeno do conhecer (e também do ver),

proponho – a partir da concepção de Maturana do operar fechado do sistema nervoso, do

sistema vivo concebido como autofazedor de si mesmo – um (novo) olhar sobre o que é

isso de o sistema nervoso estar em acoplamento com o meio, de reagir55

às interações

com o meio:

Mas o sistema nervoso (ou organismo) não foi projetado por ninguém: é o resultado da deriva filogenética de unidades centradas em sua própria dinâmica de estados. Assim, o adequado é reconhecê-lo como uma unidade definida por suas relações internas, nas quais as interações só atuam modulando sua dinâmica estrutural, isto é, como uma unidade dotada de clausura operacional. Dito de outro modo: o sistema nervoso não “capta informações” do meio, como frequentemente se diz. Ao contrário, ele constrói um mundo, ao especificar quais configurações do meio são perturbações e que mudanças estas desencadeiam no organismo. (MATURANA & VARELA, 2011A, p. 188)

[Ênfase atribuída por mim.]

Assim, por exemplo, ‘eu’ enquanto organismo autopoiético com meu sistema ner-

voso que vive em seu mundo de clausura operacional, que mudanças em ‘meu’ estado

orgânico/psíquico podem ser desencadeadas pela seguinte perturbação visual:

(Puxa, é pena, a imagem ficou meio borrada... Se forçarmos a vista talvez con-

sigamos fazer distinção mais acurada dela... Ou, então, seja melhor uma página limpa.)

55

Por favor, seja compreendido aqui o uso do verbo “reagir” conforme ressalva na nota 41 da página 49.

62

Agora, aqui, creio, fica-nos mais fácil um dar-se conta das perturbações desenca-

deadas pela imagem que eu desejava apresentar – mais nítida nesta página. Mas

será esta nova imagem apresentada mais significativa para cada um de nós que a

percebe em relação àquela sobre a qual fiz a brincadeira de borrão na página anterior?

Será a presente imagem mais desencadeadora de mudanças nos estados do nosso

operar do sistema nervoso? É caso para se pensar – (e é caso também para se refletir

sobre o que é isso de lidarmos com o conhecimento em relação às significâncias

particulares nos contextos de espaços pedagógicos.) Para mim, por exemplo, a

visualização da imagem desta formiga – mais nítida acima – traz-me à memória saudosa

e curiosa lembrança daquela que vinha recentemente acompanhando-me a existência

nos meus estudos e ócios em seguidas manhãs diárias numa das janelas de casa... O

relógio sugeria proximidade do tempo com as onze horas e ela56

aparecia no seu passeio

(ou labuta? ou matulagem?...57

) cotidiano no batente da janela e na parede. Hoje não a

vi. Nem ontem... Que tempo médio de vida é a existência dela/delas? Seis a dez

semanas?... Será a formiga que conheci solitária no seu viver ou ela compõe

sociedade?... E sobre formigas e sociedade(s), convido o(a) leitor(a) a dar uma espiadela

no início da próxima seção, mas para adiantar algo, digo que o teor da seção adiante

possui relação com o amor – emoção que nos fomenta o estar/o ser/o viver em

sociedade(s). E o que chamamos de seres sociais? Para esta pergunta, proponho aqui

uma ligeira reflexão motivada a partir das palavras de Maturana sobre os insetos sociais

– já que fiz acima provocação com a formiga. Propõe Maturana (2006, p.87): “Chamamos

de insetos sociais aqueles que vivem em comunidade, compartilham alimentos,

alimentam-se mutuamente, não se atacam entre si e, continuamente, constituem espaços

de convivência e se aceitam na convivência. Como isto começa na história evolutiva?”

Bem, a resposta de Maturana a esta pergunta pode (nos) surpreender, mas eu reservo a

resposta para a próxima seção.

Retomando as ideias de Maturana sobre o fenômeno do conhecer – e a partir

deste fenômeno, o fenômeno do ver – é seguro que este autor inaugura um novo jeito

(em relação às visões tradicionais) de concebermos estes dois fenômenos – o ver e o

conhecer. Além de que, as ideias de Maturana irradiadas no campo do pensamento

56

Numa atitude ousada, peço licença para trazer registro da “minha” formiga no Apêndice 5, página 94. 57

E quero lembrar, em congruência com as ideias de Maturana, que esta caracterização que faço sobre o

aparecimento da formiga: de ela estar trabalhando, passeando, explorando... é feita a partir do meu olhar como humano e do meu olhar estando eu na linguagem – além de que, o faço também a partir da minha ontogenia, da minha história de vida.

63

humano, também vão produzir um outro modo de lidar(mos) com nosso fazer cognitivo e

também com a forma tradicional do pensamento ocidental de conceber – conforme

Rabelo (2005) – as ideias que fazemos a respeito do biológico, do não-biológico ou do

social, ou cultural.

A concepção de Maturana do vivo, dos seres humanos como sistemas fechados operacionalmente, autopoiéticos e estruturalmente determinados, inutilizou as velhas dualidades: indivíduo x sociedade, natureza x cultura, razão x emoção, objetivo x subjetivo. Ao mostrar que “emoções são fenômenos próprios do reino animal”, onde nós, humanos, também nos encontramos, e que o chamado “humano” se constitui justamente no entrelaçamento do racional com o emocional, na linguagem, fez desabar o imperialismo da razão. (AURORA RABELO IN MATURANA, 2005,

p. 08)

Assim, eu começo destacando abaixo importante reflexão de Humberto Maturana

que faz referência sobre um dos nossos sentidos tão valorizado em nosso existir

cotidiano de seres humanos nas experiências de acoplamento que temos com o meio. Eu

inicio com considerações de Maturana sobre o nosso sistema de visão, sobre como este

autor percebe o ato de vermos.

Para os biólogos que pensam como eu, sugiro que deveríamos pensar sobre esse tema, ver seria operar em um domínio de correlações sensoefetoras no qual as células sensoriais do organismo envolvidas nas interações estruturais ortogonais ao domínio de estados do sistema nervoso seriam, no meio, células fotossensíveis, e no qual as diferentes dimensões perceptivas (tais como forma, matiz ou movimento) seriam maneiras e circunstâncias diferentes de gerar tais correlações sensoefetoras, enquanto o organismo permanece em acoplamento estrutural no domínio de existência das células sensoriais envolvidas. (MATURANA, 2002, p. 102) [Grifo atribuído por mim.]

O convite para uma nova mirada sobre o ato de ver é dirigido inicialmente para os

biólogos; contudo mesmo que, talvez, esta formação não nos acompanhe, é igualmente

válida e importante para nós (e educadores) a reflexão proposta. É válida, porque, a partir

dela, podemos refletir sobre a condição de cada um de nós seres vivos que funciona

também a partir do fenômeno do ver. É válida para nós porque lidamos com o conhecer

em nosso fazer pedagógico; e a visão, de modo geral, é muito valorizada por nós nesse

processo nosso de conhecer.

Dessa maneira, a partir da natureza de ser do ver, precisamos considerar que nós

vemos a partir de nós, ou seja, nós vemos a partir de nossa estrutura fisicobiológica de

humanos e também a partir do que somos (e conforme nosso humano estar na

linguagem). Assim, se sou um sapo, se sou um cachorro, se sou uma mosca... verei o

balanço de um galhinho em flor de ipê-amarelo de maneira diferente (diferenciada,

própria, peculiar) conforme minha organização de ser vivo. Se sou um ser humano,

64

também verei o balanço do galhinho de maneira diferente. E ainda que eu seja um

humano, assim mesmo, em relação aos outros seres humanos terei uma visão diferente

do mesmo galhinho – visão esta constituída não apenas a partir do funcionamento do

‘meu’ sistema de visão, do ‘meu’ operar de sistema nervoso, mas também influenciada

pela ‘minha’ história de vida (‘minha’ ontogenia).

Eu penso que desconsiderarmos essas características no processo de

fomentação do nosso conhecimento e percepção do mundo (e percepção de nós),

desconsiderarmos essas peculiaridades a respeito de nosso modo de ver é ficarmos

presos às visões tradicionais a respeito de como nós seres humanos somos frente à

nossa natureza cognitiva e existencial. Eu penso, também, que valorizarmos (apenas) as

visões tradicionais sobre o conhecer e o ver implica em ignorarmos todos os esforços e

reflexões feitos a cerca de nossa multidimensionalidade de sermos, de existirmos. Além

disso, acredito que não considerarmos essas reflexões – que trago sobre o ver e o

conhecer fomentadas por Maturana – nos processos de ensino e aprendizagem é

reduzirmos de forma simplista o nosso relacionamento com esses mesmos processos, é

reduzirmos a (nossa) natureza humana de ser, de pensar, de conhecer, com valorização

de ideias e visões que convergem para uma concepção em que funcionamos de maneira

algorítmica, determinista, mecanicista.

E sobre o conhecer? E sobre o conhecimento?

Para apresentar as ideias de Humberto Maturana sobre esses fenômenos, quero

começar apresentando as ideias do autor sobre como se estabelece a relação entre nós

e o externo a nós, entre nós e o meio e, por extensão, como se dá a relação nossa com o

conhecer:

Nós, seres vivos, somos sistemas determinados em nossa estrutura. Isso quer dizer que somos sistemas tais que, quando algo externo incide sobre nós, o que acontece conosco depende de nós, de nossa estrutura nesse momento, e não de algo externo. (MATURANA, 2005, p. 27)

A partir dessa proposição de Maturana, eu sugiro questionamentos: como

(melhor) tratar o conhecimento em nosso fazer pedagógico? Como considerá-lo nas

imbricações das exigências legais (regradas em notas, normas, avaliações,

procedimentos...) que regulam os sistemas de ensino e o fazer pedagógico?

Para mim, a reposta não é outra senão a adoção de uma nova postura

pedagógica pelo educador, pelos educadores frente ao conhecimento, frente à

organização dos processos de ensino e aprendizagem. E eu tento justificar brevemente

este meu posicionamento. Primeiro, conforme mesmo registrado na seção 3.4 página 73,

65

o linguajear é força capaz de promover mudanças em nossas vidas58

. Ou seja, o meu

falar e agir a partir do que eu linguajeio são capazes de promover mudanças. Assim, a

abertura de espaços para reflexão sobre nova(s) forma(s) de conceber o conhecimento

no emaranhado de regras e normas do fazer pedagógico e também a manutenção de um

vívido conversar sobre as reflexões geradas certamente promoverão ações de mudança.

Eu acredito nisso!

Depois, um segundo ponto de reflexão para justificar meu posicionamento

adotado tem a ver com aquilo que o educador julga como explicação válida para o

fenômeno do conhecimento de seus aprendentes no existir do sistema regrado

educacional. Ou seja, em minhas rotinas pedagógicas de fomentar o conhecimento, eu

mesmo defino o que é válido como resposta às questões de avaliação formalizadas aos

aprendentes, portanto, cabe a mim considerar o que será pertinente validar nelas. E tudo

isso, sugiro, evidente, responsavelmente sem perder de vista as reflexões de Maturana

sobre o conhecer, sobre o conhecimento.

Seguindo com as reflexões sobre o conhecer, as ideias de Maturana sintetizadas

na Biologia do Conhecimento referem-se à tentativa de dar conta do observador no

fenômeno do conhecer. Para o autor, na geração do conhecimento é necessário

considerar-se a participação do observador funcionando a partir de sua dinâmica interna

e de seu relacionamento com o meio. Assim, aquela visão tradicional de pirâmide59

envolvendo os três elementos observador-‘objeto’-‘meio’ é incapaz de satisfazer a nova

concepção (circular) proposta por Maturana para se enxergar o processo de conhecer.

A seguir, eu me aventuro numa representação gráfica para tentar ilustrar essas

ideias e incluo o elemento “linguagem” na concepção circular de Maturana para a

natureza do conhecer:

_________________________

Fonte: concepção do autor desta produção.

58

Conforme Maturana (2006), nós somos aquilo sobre o qual conversamos e também nós nos transformamos

a partir daquilo sobre o qual conversamos. 59

“[...] um triângulo formado pelo experimentador-observador, no vértice superior, pelo organismo do macaco,

num vértice da base e, no outro, pelo ambiente circundante ao macaco” (MATURANA, 1995, p. 31). O “organismo do macaco” mencionado no exemplo de Maturana refere-se ao objeto a ser “conhecido”, e pode ser ele um ‘objeto’ de qualquer natureza.

66

Assim, conforme ponderações que já fui fazendo em diversas seções desta

produção, “tudo o que é dito, é dito por um observador” (MATURANA, 2002, p. 34) e este o

faz na linguagem. Dessa forma, para Maturana, o conhecimento é visto como inerente ao

processo de vida do ser vivo, portanto: “conhecer é viver, e viver é conhecer” (MATURANA,

2002, p. 42). E enquanto esta dinâmica se fizer presente na vida do ser, enquanto o ser

vivo estiver em congruência com sua circunstância permanecerá em vida, não havendo

mais congruência, ele morre. “Ou seja, quando acaba seu conhecimento, morre. É um

conjunto que é uma unidade em sua circunstância. Mas ele é como é, segundo sua

história com sua circunstância. E sua circunstância é como é, segundo a história de sua

dinâmica”60

(MATURANA, 2002, p. 42).

Por fim, acredito que sejam importantes as reflexões sobre o conhecimento

apresentadas aqui e irradiadas sobre as concepções tradicionais do conhecer na

pedagogia. Porque, a partir das ideias de Maturana sobre o fenômeno do conhecer,

considerando-se “[...] que todo conhecer é uma ação da parte daquele que conhece.

Todo conhecer depende da estrutura daquele que conhece” (MATURANA, 1995, p. 68) e

também considerando-se o relacionar direto do conhecimento às nossas atividades nos

espaços pedagógicos, acredito que nosso quefazer com o conhecimento, e que diz

respeito sobre como nós humanos – a partir de nossa estrutura, de nossa organização

estrutural – lidamos com a natureza de ser do conhecimento, deve estar aberto a

considerar nossa pluridimensionalidade de ser, de existir, de viver – de conhecer.

3.3 o abraço da Biologia do Amor

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.

(I CORÍNTIOS 13:1)61

Minha sugestão a partir desta minha produção acadêmica é que as ideias e

reflexões, que a teoria de Humberto Maturana sobre nós seres humanos (‘máquinas’

autopoiéticas ‘construídas’ na emoção do amor e que realizam o seu existir no linguajear

– no fluir cotidiano da linguagem entrelaçado com as emoções) possam nos abraçar as

nossas práticas pedagógicas (e também o nosso viver) e contribuir para fomentar outras

60

A gravura apresentada na página 51 traz uma ilustração da dinâmica: ser vivo em congruência com a

circunstância. 61

Fonte: https://www.bibliaonline.com.br/acf/1co/13 – acesso em 19 out. 2014.

67

produtivas experiências nos processos de ensino e aprendizagem, que possam também

contribuir para uma vida nossa mais sadia e emocionalmente mais viçosa.

E em que consiste este fomentar proposto por mim? Bem, tendo as ideias de

Humberto Maturana como irradiadoras para positivas condutas pedagógicas,

metaforicamente falando, a fomentação por mim proposta consiste em tornar os

processos de ensino e aprendizagem e também formativos mais saborosos e frutíferos

(tanto para aprendentes quanto para educadores); que os frutos – produzidos, colhidos –

possam ser nutritivos alimentos para as presentes e futuras gerações de humanos,

plantas, animais, seres... e que as sementes do fazer pedagógico com dedicação

amorosa sejam boas sementes no prosseguimento da maravilhosa odisseia (nossa)

da/na/pela vida.

Como início de conversa sobre a Biologia do Amor, um pouco de biologia. A origem antropológica do Homo sapiens não se deu através da competição, mas sim através da cooperação, e a cooperação só pode se dar como uma atividade espontânea através da aceitação mútua, isto é, através do amor. (MATURANA, 2002, p. 185)

Nós humanos somos seres constituídos para vivermos em sociedades. E o que

nos faz convergir para a convivência social é a emoção do amor. Contudo, conforme

Maturana (2002), o que é especialmente humano no amor, não é o amor em si, mas o

que nós fazemos no amor enquanto seres humanos. E somos o tempo todo sociais em

nossas relações entre nós seres humanos? Por certo que não, infelizmente. Um exemplo

disso é o trabalho (assalariado). As relações de trabalho presentes em nossas

(insaciáveis) sociedades de consumo não constituem espaços em que esteja instituída a

legitimidade do outro. O patrão em seu reinar de dono da produção e sobre os meios de

produção não deseja cultivar laços ‘sociais’ com seus empregados. Se lhe coubesse

andar com um slogan afixado no peito, talvez o dito popular “amigos, amigos, negócios à

parte” ganharia rica escrita em filigrana no paletó. E assim o é, que se o empregado

chegar ao seu patrão e lhe disser que precisa faltar ao expediente porque a esposa anda

tendo gasto com remédios, que não está bem de saúde e precisa ir ao médico e gostaria

que não houvesse desconto na paga mensal pela ausência, o patrão, provavelmente,

rebateria com justificativa que há custos e que “máquina parada não produz”. Entretanto,

não podemos descrer que, também, o patrão num gesto de sensibilidade e bondade

venha a concordar com o pedido do empregado. Então, de acordo com Maturana:

Os seres humanos não somos o tempo todo sociais; somente o somos na dinâmica das relações de aceitação mútua. Sem ações de aceitação mútua não somos sociais. Entretanto, na biologia humana o social é tão fundamental que aparece o tempo todo e por toda parte. (MATURANA, 2005, p. 71)

68

Ainda, de acordo com Maturana (2006), o início da vida social – para além do

humano, inclusive – se dá a partir da predisposição biológica que as fêmeas (ou, e

machos) têm no cuidado com sua prole ainda em desenvolvimento (as formigas com

seus ovos, por exemplo, em algum momento põem-nos e ficam próximas a eles

cuidando, tocando, chupando-os porque eles têm secreções deliciosas...). E o cuidado se

estende, depois – com as peculiaridades de cada espécie – para além do seu

nascimento. De acordo com as ideias de Maturana, o que se conserva na história

evolutiva da espécie são as interações recorrentes com os “ovos” (ou fetos/crias se

quisermos uma referência mais próxima a nós humanos). Mas, se a fêmea ou macho

come os ovos, não há interação recorrente, não acontece nada, porque não há um

espaço de convivência. O mesmo ocorre, por exemplo, se as larvas dos ovos eclodidos

forem comidas: não houve a abertura de um espaço de presença do outro junto a si

(junto à fêmea/ao macho). Assim, “A essa disposição corporal que torna isso possível

aplico a palavra amor, como no espaço humano” (MATURANA, 2006, p. 87).

Além do mais, tudo isso nos permite perceber que o amor ou, se não quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro

junto a nós na convivência é o fundamento biológico do fenômeno social. Sem amor, sem aceitação do outro junto a nós, não há socialização, e sem esta não há humanidade. Qualquer coisa que destrua ou limite a aceitação do outro, desde a competição até a posse da verdade, passando pela certeza ideológica, destrói ou limita o acontecimento do fenômeno social. Portanto, destrói também o ser humano, porque elimina o processo biológico que o gera. Não nos enganemos. Não estamos moralizando nem fazendo aqui uma prédica do amor. Só estamos destacando o fato de que biologicamente, sem amor, sem aceitação do outro, não há fenômeno social. [...] Descartar o amor como fundamento biológico do social, bem como as implicações éticas dessa dinâmica, seria desconhecer tudo o que nossa história de seres vivos de mais de três bilhões e meio de anos nos diz e nos legou. (MATURANA &

VARELA, 2011A, pp. 269-270) [Os destaques assim o são no original.]

Humberto Maturana, neurobiólogo chileno, escolheu um caminho de reflexão

sobre o vivo, em particular o humano, que é pouco usual entre as pessoas ligadas às

ciências biológicas (pela natureza tradicional de reflexões que se costuma fazer nessa

área). Contudo, suas reflexões ganham vívida relevância na criação de novas

perspectivas para se mirar a realidade na qual edificamos nosso existir e também em

relação aos processos educativos idealizados por nossa espécie. E neste espaço é que

se configura o meu propósito: trazer as ideias e reflexões de Maturana para um cum

69

versare62

com a Pedagogia, com a Educação.

Creio que um ponto importante de diálogo que podemos possibilitar entre a

Biologia do Amor e a seara educacional é a linguagem ligada aos espaços (de emoções

e ações) criados no ambiente educacional.

Maturana não percebe a linguagem como uma estrutura cerebral (como

tradicionalmente concebida); para ele, a linguagem se configura num construto a partir

das relações do ser humano com os outros. “Reconheço também que a linguagem não

se dá no corpo como um conjunto de regras, mas sim no fluir em coordenações

consensuais de condutas” (MATURANA, 2005, p. 27).

Dessa forma, a linguagem, o estar na linguagem – também no que se refere aos

espaços pedagógicos – é muito além do que apenas estar em interação comunicativa

com o intuito de gerar aprendizagens. Estar na linguagem nos espaços pedagógicos é

criar espaços de convivência nos quais a congruência aprendente e educador possibilite

mútua transformação validada num espaço de aceitação recíproca do outro (dos outros)

enquanto ser(es) legítimo(s). Estar na linguagem em espaços pedagógicos é estar num

fluir congruente de coordenações consensuais de condutas.

Vieira (2004), falando sobre essa maneira de Maturana conceber a linguagem,

ressalta a sua importância no espaço educativo:

[...] a linguagem como relação possui uma singular importância nos processos educativos. Estes, por sua vez, deixam de ser atividades depositadoras de informações passando a constituir-se em exercício de conversa. Entendo, assim, a conversa como forma inclusiva e extensiva do diálogo. (VIEIRA, 2004, s/p.)

Maturana (1995) também atribui ao processo de aprendizagem – e aqui como

referência a um processo intrínseco e permanente na vida do ser, e não apenas a

espaços pedagógicos – como um processo de formação para a congruência na vida

social. Nossa maneira individual e coletiva de ser, de viver, a natureza de nossas ideias e

ações, o espectro de nossas condutas, os espaços emocionais nos quais nos movemos,

o humano em que nos tornamos... esses são resultados de nossa ontogenia (de nossa

história de vida individual) vivida na emoção do amor e iniciada ainda no momento em

que fomos gerados enquanto seres vivos.

Porque o processo de aprendizagem, para os seres sociais, é tudo. Não nascemos nem amando nem odiando ninguém em particular. Como então aprendemos isso? Como o ser humano é capaz de odiar com tanta virulência, a ponto de destruir os outros,

62

Neologismo de MATURANA (2002, p. 167); favor conferir nota de rodapé 47, p. 54.

70

mesmo à custa de sua própria destruição na tentativa? (ele começa a aprender isso já em sua própria família). (MATURANA &

VARELA, 1995, p. 15)

Assim, nosso viver na linguagem nos processos educativos com nossos

aprendentes, muito mais com nossos aprendentes crianças, nos obriga a carregar uma

responsabilidade imensa frente à natureza, frente à natureza humana, frente à vida!

Nosso quefazer educativo nos obriga, também, a proporcionar espaços de vivências a

nossos aprendentes que possibilitem a eles se reconhecerem a si mesmos, se

encontrarem consigo mesmos, aceitarem-se. “Vivamos nosso educar de modo que a

criança aprenda a aceitar-se e a respeitar-se, ao ser aceita e respeitada em seu ser,

porque assim aprenderá a aceitar e a respeitar os outros” (MATURANA, 2005, p. 30).

Além de o educador ter (além de nós termos) em mente esta importante

configuração dos espaços educativos (espaços de formação e reconhecimento do eu e

do outro pelos aprendentes), é imprescindível que o educador também reconheça(mos)

um fluxo constituinte do ser humano: a simbiose das dimensões emocional e racional. “O

humano se constitui no entrelaçamento do emocional com o racional. O racional se

constitui nas coerências operacionais dos sistemas argumentativos que construímos na

linguagem, para defender ou justificar nossas ações” (MATURANA, 2005, p. 18).

_________________________

Fonte: concepção do autor desta produção.

Mas nosso mover por diferentes domínios de ações se dá a partir das nossas

emoções. São elas que nos fazem crescer em sociedade e orientar nossas escolhas

de/na vida: ter um trabalho em específico, possuir uma crença (divina ou não) particular,

ser membro de uma determinada sociedade, pleitear candidatura numa eleição, constituir

família... e também viver nossa dimensão social humana. “Biologicamente, as emoções

são disposições corporais que determinam ou especificam domínios de ações. [...] As

emoções são um fenômeno próprio do reino animal. Todos nós, os animais, as temos”

(MATURANA, 2005, p. 18). Baratas, abelhas, peixes, ovelhas, cavalos, lobos, cachorros... as

têm.

71

Eu quero contar agora ao(à) leitor(a) um exemplo colhido de minha vivência sobre

isso de as emoções especificarem nossos domínios de ações, e a partir da narrativa,

projetar reflexões sobre nosso fazer pedagógico nos espaços educativos. O protagonista

da narrativa será o cachorro de casa – o Bily; ele tem acompanhado nossa família

(humana) no deslizar em congruência com a vida por quase doze anos, já.

Bem, com seu tempo de vida e algumas experiências de trauma, o Bily passou a

ter verdadeiro pânico por foguetes – o estrondo é-lhe muito agressivo; daí a estender

esse comportamento de temor também a trovões e relâmpagos foi um estalo. O

pobrezinho chega a tremer todo o corpo quando acontece de trovões e relâmpagos

ganharem o céu em comportamento de chuva. E acalmá-lo é tarefa infecunda. Então,

recentemente, por ocasião da realização do torneio mundial de futebol, quando a seleção

do País entrou em campo para um dos jogos, o barulho dos foguetes esparramou-se

pelos ares. Tentando afugentar do pensamento do Bily o mal-estar desencadeado pelos

foguetes, eu ofereci a ele um pouco de ração úmida (de sachê) – que é verdadeira paixão

para ele – além disso, fiz festinha; ele nem fez conta para meu teatro nem para a ração

que tanto adora. Isso me fez recordar de Maturana e também do seu exemplo da barata

que foi pega de surpresa (pelo dono da casa) no chão da cozinha à noite e recebida com

um grito63

... O domínio de ações em que o Bily estava quando ofereci o petisco do qual

ele muito gosta era tal que ele não podia fazer outra coisa a não ser querer que cessasse

aquela agressiva experiência com estrondos de foguetes; e comer não era parte das

ações nas quais ele poderia se mover naquele momento emocional; porque se fosse uma

ocasião em que não houvesse estrondo de foguetes, ele teria feito a maior algazarra e

desejado com muita vontade comer o petisco ou outro alimento (pinhão, por exemplo,

que ele adora e recusou comer hoje por causa dos trovões)...

É inevitável, como eu disse acima, estender também reflexão sobre as emoções,

sobre a nossa disposição corporal em determinado domínio de ações, quando estamos,

por exemplo, num espaço educativo. Que condições tenho eu, aprendente, de deslizar

em congruência com meu educador de língua portuguesa em sala de aula, por exemplo,

quando este chega tempestuoso e trazendo consigo tempo fechado? Quais são os

domínios de ações que com estas condições climáticas em sala de aula me serão

permitidos que eu me mova (e sem me molhar)? E nestes domínios de ações nos quais

eu me movo, quais deles serão positivos para meu processo de formação educacional,

63

MATURANA, 2005, p. 16.

72

intelectual? Ou melhor, haverá domínios positivos para este meu processo de formação

educacional, intelectual nessa configuração de estados em que me encontro? E para a

minha formação humana?...

Maturana pauta-se por uma noção da biologia em que as emoções possuem um papel fundamental no desenvolvimento do sistema biótico. Acentuando o papel das emoções no viver humano, foi descobrindo o operar do sistema na construção do conhecimento como ação biológica. Propõe a emoção como o grande referencial do agir humano. (VIEIRA, 2004, s/p.)

Quero contar agora uma nova historinha para ilustração e criação de algumas

outras reflexões. Tomo como base um exemplo de Maturana (2005, p. 65): a história do

gato. E onde quero chegar com minha narrativa? Pretendo ir ao encontro da sala de aula,

dos espaços pedagógicos, dos espaços educativos. Assim, meu intento é refletir que se

nós não possibilitarmos – enquanto educadores – a existência de um espaço de

interação irradiado pela emoção de aceitação do outro, pela emoção de legitimidade

(existencial) do outro, então, nós não teremos interações recorrentes nos espaços

pedagógicos enriquecidas com o gérmen do conhecer, do aprender. E por que não? Ora,

porque a não aceitação do outro não irá permitir o surgimento de um espaço de

congruências; e não havendo congruências, não haverá a existência de uma história de

interações recorrentes...

Vamos à minha historinha...

Foi no final do ano passado; descobri em certo dia de dezembro uma gata com

dois gatinhos na vizinhança aqui de casa. A gata e seus dois filhotes viviam soltos pelos

terrenos vizinhos e, ao que tudo parecia ser, sem casa a lhes pertencer, a lhes dar

guarida. Então, tocado, eu resolvi entrar em contato com uma amiga – membro de uma

associação de amparo aos animais – e ela me conseguiu a castração da gata e dos dois

gatinhos. Por favor, não me seja condenado o procedimento de castração; nós não

queríamos novas gerações de gatos vivendo abandonadas; ainda mais que os três

revelavam um comportamento muito arisco em relação à vida doméstica e à proximidade

humana. Então, depois da castração, minha amiga ficou com os dois filhotes em sua

casa para tentar adoção e a gata-mãe voltou a viver aqui na vizinhança sob meus

cuidados. Assim, começamos, eu e gatinha, a nos permitir o surgimento e a criação de

um espaço de aceitação mútua e em congruência existencial... Já tem quase um ano que

venho dando-lhe ração, pedacinhos de carne, além de conversa... (Hoje ela se permitiu a

troca de algumas palavras comigo além de seu costumeiro bufar de alerta!) É verdade

73

que ainda nem posso pensar em tocar-lhe a cabeça, acariciar-lhe o pelo, mas a distância

(física e afetiva) entre nós tem diminuído... E por quê? Porque eu e ela nos permitimos a

aceitação um ao outro num espaço de convivência e de interações recorrentes...

Assim, por analogia, em nossos espaços pedagógicos e educativos temos

semelhante acontecer: a necessidade de criação de espaços de aceitação mútua e de

recorrências. Creio que o educador precisa preparar o lavradio pedagógico, deixá-lo

fecundo para o germinar de infindos espaços de mútua aceitação e ricos em interações

recorrentes: educador aprendentes. E para Maturana (2005), o amor é o sentimento

fertilizador deste campo:

Para que haja história de interações recorrentes, tem que haver uma emoção que constitua as condutas que resultam em interações recorrentes. Se esta emoção não se dá, não há história de interações recorrentes, mas somente encontros casuais e separações. (MATURANA, 2005, 66.) [O destaque já o é no original.]

Talvez o desafio maior para educadores, educadoras nos horizontes pedagógicos

nos seja mesmo a criação de espaços de respeito e aceitação do outro. Porque, a partir

da presença da validação do outro, o conhecimento já está inerente ao ser, à vida.

3.4 irando o linguajear com uma perspectiva fomentadora nos processos de ensino e aprendizagem e também formativos

Os seres humanos somos o que conversamos, e é assim que a cultura e a história se encarnam em nosso presente. (MATURANA,

2005, p. 91) [Ênfase dada por mim.]

E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, [...]. (BÍBLIA, SÃO JOÃO,

1: 14)

Creio que a ideia do linguajear proposta por Humberto Maturana tem uma forte

expressão visual (e sonoramente tátil) se a pensarmos como uma dança, um bailar64

emocionlinguístico65

.

E em que consiste esta ideia do linguajear? Bueno, como já apresentei em outras

64

Numa amistosa conversa (conversação) entre meu orientador Prof. Dr. Roque Strieder e o examinador

deste meu trabalho Prof. Dr. Luiz Carlos Bombassaro, nos momentos que antecediam a participação do professor Luiz Carlos na mesa-redonda «Multidisciplinaridade, educação e diversidade» do IV Colóquio Internacional de Educação promovido pelo Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Unoesc, colhi a ideia do “bailar” (gestos, fala, emoção) numa das falas do professor Luiz Carlos. Meus agradecimentos a ele por esta contribuição.

65 O neologismo criado aqui tem como ideia representar emoção + linguagem, o entrelaçamento destas duas

dimensões, em situações de fala, de conversa, de linguajeação (o estar-se operando na linguagem).

74

seções deste trabalho, o linguajear – Maturana (2002) – é “neologismo que faz referência

ao ato de estar na linguagem sem associar tal ato à fala, como aconteceria com a

palavra falar.”66

O linguajear portanto, para além do código linguístico, envolve

disposições emotivas e corpogestuais. Mais ainda, envolve um sincronismo quase de

67

Outra importante dimensão sobre o linguajear que o neurobiólogo Humberto

Maturana constrói reflexões está ligada ao poder de transformação que ele possui: nós

somos o que conversamos e também nos transformamos a partir do que conversamos; a

partir dos domínios linguísticos e domínios de ações nos quais nos movemos. Eu tento

me fazer melhor compreender recorrendo a Maturana (2002, p. 168):

Ao mesmo tempo, como nos encontros corporais os participantes na linguagem desencadeiam mutuamente mudanças estruturais que modulam suas respectivas dinâmicas estruturais, essas

66

Nota explicativa de rodapé presente em MATURANA, 2002, p. 168. 67

Acredito que a história de caça ao touro que eu reproduzi nas páginas 14 e 15 deste trabalho é uma ótima

maneira de ilustrar este encadeamento e sobreposições de coordenações consensuais de condutas.

75

mudanças estruturais seguem, por sua vez, cursos contingentes ao curso que seguem as interações recorrentes dos participantes no linguajar. Dito de outro modo, as palavras constituem operações no domínio de existência, como seres vivos, dos que participam na linguagem, de tal modo que o fluir de suas mudanças corporais, posturas e emoções tem a ver com o conteúdo de seu linguajar [linguajear]. Em suma, o que fazemos

em nosso linguajar [linguajear] tem consequências em nossa dinâmica corporal, e o que acontece em nossa dinâmica corporal

tem consequências em nosso linguajar. (MATURANA, 2002, p. 168)

[Destaques e inserções realizados por mim.]

E sobre este poder de transformação que o linguajear pode operar na dinâmica

(nossa) corporal e no próprio curso de nosso estar na linguagem, permita-se que eu

apresente como exemplo a história de passagem do regime militar para o regime

democrático na pátria-mãe de Humberto Maturana – a partir das palavras dele próprio:

Penso que o que aconteceu em relação ao plebiscito de 1988 mostra exatamente o que [eu] disse sobre a linguagem como um operar em coordenações de coordenações de ações. [...] Começou-se a falar de leis eleitorais, de leis de partidos políticos, de procedimentos eleitorais. Ou seja, gerou-se uma trama de conversações para a democracia que constituiu uma rede de ações. O que aconteceu em 5 de outubro de 1988, dia do Plebiscito Presidencial, com certeza não reflete o desejo de Pinochet, mas ocorreu. Ocorreu porque o governo não pôde detê-lo! Ocorreu porque a rede de conversações, a rede de coordenações de ações gerada no processo dos discursos e debates sobre a democracia e a legalidade democrática constituiu uma trama de ações que não pôde ser evitada, porque não existe o espaço de conversações no qual as ações que a evitassem pudessem surgir. Não! Esta não é uma reflexão superficial a posteriori! As conversações, como um entrelaçamento do emocionar e do linguajar [linguajear] em que vivemos, constituem e configuram o mundo em que vivemos como um mundo de ações possíveis na concretude de nossa transformação corporal ao viver nelas. (MATURANA, 2006, p. 168) [Destaques presentes no original.]

Ou seja, neste exemplo de Maturana, uma palavra-semente sobre democracia

surgiu e a partir dela, e do terreno cultivado emocionalmente e pelas ações por meio do

linguajear, fez-se o seu germinar, o seu crescimento, o seu desenvolvimento e a sua

frutificação...

Meu convite a partir das ideias que acabei de apresentar, mirando o universo dos

processos de ensino e aprendizagem, é para que pensemos e reflitamos, então, o

linguajear nos espaços pedagógicos. Meu convite se inicia propondo para que pensemos

a respeito da importância de os educadores considerarmos nossas disposições corporais

(físicas, psíquicas e emocionais) – e também linguísticas – frente aos processos de

formação e educação nos espaços escolares. Indago: para onde nossa emoção

entrelaçada à nossa fala nos espaços de escola levará a emoção e a ação de quem está

76

sincronizado conosco (ou deixa de estar) nas suas coordenações consensuais de

condutas? E que poder incomensurável o estar(mos) consciente(s) a respeito do

linguajear terá sobre nós e os/nossos aprendentes? Mais ainda, que poder de

(trans/de)formação cada educador com seu discurso educativo e suas disposições

corporais nos diversos componentes curriculares: na matemática, na ciência, na língua

portuguesa, na língua estrangeira, na história... possui frente aos seus aprendentes?

Creio também, nos ambientes educativos, ser oportuno que consideremos a

reflexão sobre a importância de nossa conversação pedagógica (a partir do nosso

linguajear) – junto com nossas disposições corporais – ser avalizada como um elemento

de formação humana para o (nosso) viver humano na linguagem. Ou seja, a ‘minha’ fala

e o ‘meu’ agir na fala enquanto educador nos espaços pedagógicos é relevante também

para a formação de meus aprendentes (na sua dimensão da fala, na sua dimensão do

agir e ser na fala). Acredito, dessa maneira, ser importante relevar o nosso estar na

linguagem no âmbito pedagógico para além da (só, talvez) preocupação com a

transmissão e fomentação do conhecimento, de conhecimento científico. O nosso viver

na linguagem – enquanto seres humanos sociais e frutos biológicos do amor – nos

demanda que tenhamos em mente que a conversação, a rede de conversações, na qual

nos movemos tem o poder de formação para o viver na linguagem (como humanos e em

sociedade).

Eu percebo esta demanda em relação à importância de o linguajear ser

considerado nos espaços de interação e vivência humana a partir de Maturana (2006).

Então, irradio reflexão para a seara educacional, para o fazer pedagógico, para as

(nossas) práticas de ensino e aprendizagem:

Como mamíferos, somos animais que aprendemos a coordenar o fluxo de nossas emoções e comportamentos consensualmente, ao vivermos juntos. Como animais linguajantes, vivendo juntos também aprendemos a viver em coordenações consensuais de coordenações consensuais de ações. (MATURANA, 2006, p. 132)

Ora, se o viver na escola, nos espaços escolares, não é um autêntico “viver

juntos” (mesmo que às vezes sem validação da legitimidade do outro), então, que

espaços outros o serão tão profícuos para nossa formação humana linguajeante68

?

Acredito ainda que outra importante dimensão do linguajear – e aqui pensada no

âmbito socioeducativo dos espaços escolares – refere-se à capacidade, ao poder de

transformação das palavras, ao poder de operar que elas podem guardar em si

68

Naturalmente que eu não faço aqui exclusão dos espaços familiares ou dos encontros/convívios sociais,

ou mesmo de espaços delineados pelos laços de trabalho em relação à formação humana linguajeante. E a propósito, sobre a palavra “linguajeante”, a preferência desta grafia à “linguajante” se deve ao fato de eu ter escolhido usar em meu texto a palavra “linguajear”.

77

(conforme reflexões feitas em páginas anteriores desta produção)69

. Uma palavra regada

com luz, com esperança, com ternura pode produzir que frutos?... Uma palavra afagada

com carinho, com doçura pode dar guarida a quem?... Uma palavra esquecida de

cuidados, de atenção pode ser dissaborosa, tóxica para quantos?...

E por falar (e escrever) sobre elas, as palavras, um pouco delas entrelaçadas em

emoção; um pouco delas em convescote poético:

[...]Muito valioso na arte de lavar [palavras] é saber reconhecer uma palavra limpa. Para isso conviva com a palavra durante alguns dias. Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pelas expressões dos seus sentidos. À noite permita que se deite, não a seu lado mas sobre seu corpo. Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade. Se puder suportar a convivência, até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa. Uma palavra limpa é uma palavra possível. (MOSÉ, 2006, pp. 28-29)

As reflexões e ideias apresentadas por mim até o momento nesta seção me

obrigam a conclamar educadores – em nome do poder da palavra e do poder de

estarmos na linguagem, em nome das ideias e reflexões de Humberto Maturana – para

que acolhamos esta dimensão humana, o linguajear, e a volvamos para os espaços

educativos. Que aproveitemos esta mirada sobre a linguagem humana fomentada pelo

neurobiólogo chileno Humberto Maturana para (res)significarmos nossas vivências

educativas. E mais, para que junto com o linguajear também possamos exercer a nossa

lida educativa abraçados pela Biologia do Conhecimento (o existir do ser vivo enquanto

um sistema fechado autopoiético que está ligado ao seu conhecimento) e pela Biologia

do Amor (o constituir-se do ser humano fundado na emoção do amor; e estando o

emocional em entrelaçamento com o racional).

O convite de Maturana a partir de suas ideias é convite à reflexão(ões). A

proposição dele é de um novo caminho para nós nos percebermos em acoplamento com

a vida. É a proposição de um convite para que enxerguemos o mundo a partir de nossa

existência de seres vivos validados pelo (nosso) estar na linguagem e não como um viver

humano exógeno à nossa constituição de seres linguajeantes:

[...] um caminho no qual podemos revalorizar o corpo, revalorizar as emoções, e afinal fazer uma filosofia que leve em conta o ser humano como ser humano, e não como uma ficção transcendental

69

Por exemplo, o aflorar democrático no Chile conforme Humberto Maturana (p. 75 do presente trabalho).

78

sob a suposição de que é possível o acesso a uma realidade independente [de nós]. (MATURANA, 2006, p. 60)

Ainda, também, penso ser importante ressaltar que nós mesmos – seres humanos

– de acordo com as ideias de Maturana, fazemos o que fazemos, vivemos como vivemos,

somos o que (e como) somos a partir de distinções que fazemos na linguagem:

[...] aquilo que o observador vê como o conteúdo de um processo de linguajar é uma distinção na linguagem, que um observador faz, das relações de um processo de linguajar numa rede de linguajar. [...] nós, seres humanos, existimos como observadores na linguagem, e quaisquer distinções que façamos são operações na linguagem, em conformidade com circunstâncias que surgiram em nós na linguagem. (MATURANA, 2006, p. 131)

E encadeada a essa reflexão quero apresentar uma outra que diz respeito à

natureza das coisas que fazemos enquanto seres humanos70

. Aquilo que concebemos

como educação, como fazer educação surge e se dá “apenas no contexto da

coexistência humana” (Maturana, 2006, p. 133). E aqui me valho das palavras de

Humberto Maturana – nas quais ele faz referência à ciência, mas que é uma reflexão

análoga à educação.

A ciência é uma atividade humana. Portanto, qualquer ação que nós cientistas realizamos ao fazer ciência tem validade e significado, como qualquer outra atividade humana, apenas no contexto de coexistência humana no qual surge. Todas as atividades humanas são operações na linguagem, e como tais elas ocorrem como coordenações de coordenações consensuais de ações que acontecem em domínios de ações especificados e definidos por uma emoção fundamental [na ciência, por exemplo, a emoção é o desejo, a paixão de explicar]. (MATURANA, 2006, pp.

132-3)

E que nós – os que escolheram o caminho do quefazer educacional – possamos

nos valer da emoção que nos move a ser o que somos, a estar onde estamos – a

emoção de ensinar – e a partir dela e das proposições e pensares de Humberto Maturana

Romesín (trans)formemos nova educação. É verdade que (talvez) essas minhas palavras

assumam feições utópicas, mas, como registrou o poeta: “menor que meu sonho / não

posso ser” 71

. Por (quase) fim, preciso reconhecer e declarar que minha produção é

revestida visivelmente por uma pele sensitiva hidratada com emoção; as palavras se me

revelam. Também é verdade que “Como seres humanos abertos a mundos futuros,

precisamos de um horizonte de sonhos mais dilatado que as realizações previsíveis num

futuro de curto ou médio alcance” (ASSMANN & MO SUNG, 2000, p. 241). Que as reflexões

que fiz (nos) sejam fecundas e nutritivas. Meu abraço.

70

Sobre esta ideia fiz algumas ponderações nas páginas 49-50, 52 e 63-64 desse trabalho. 71

Versos do poema «O poema do andarilho» de Lindolf Bell. Disponível em http://www.lindolfbell.com.br/poemas/

poema10.php – acesso em 11 nov. 2014.

4

Tudo o que é dito, é dito por um observador a outro observador, que pode ser ele ou ela mesma [e por ela ou ele própria(o) atribuído significado à realidade por si observada]. (MATURANA, 2002,

p. 128)

O conhecimento não se reduz à percepção sensual, mas jamais existe sem ela. (ASSMANN & MO SUNG, 2000, p. 266)

4.1 m afinidade com ideias apresentadas nessa produção

Decerto que destoo (novamente) escapulindo dos enlaces das regras exigidas

pela norma ao dar esta feição peculiar à minha síntese de apontamentos. Contudo, peço

licença e permissão; não me seja tomada esta necessidade da minha natureza como

transgressão. Eu posso, respeitosamente, solicitar ser visto com um olhar que me veja a

minha necessidade de liberdade de criação como inerente ao meu ser, inerente ao meu

existir humano na linguagem? A linguagem “é nossa forma particular de sermos humanos

e estarmos no fazer humano” (MATURANA, 1995, p. 69). Minhas desculpas pela ousadia em

relação à forma de apresentar esta produção, receio que eu e minha ontogenia somos

fracos na tentativa de dominar as demandas nossas (outras) na congruência com o

meio...

*•*•*

Em minha produção me propus a trazer reflexões sobre o linguajear (teoria do

neurobiólogo chileno Humberto Maturana Romesín) e procurei espraiar este conceito no

âmbito dos espaços educacionais: aprendizagem, formação, ensino... E como destaquei

no caminho de ideias percorrido nessa produção, o linguajear é um neologismo cunhado

por Maturana que faz referência ao ato de estar na linguagem sem necessariamente

associar este ato à fala – como costumeiramente fazemos quando falamos de linguagem.

O linguajear, portanto, envolve o código linguístico língua, mas também envolve nossas

80

disposições corporais; há na ideia do linguajear um entrelaçamento entre estas nossas

duas dimensões: fala e disposições corporais. E quando estamos linguajeando com o

outro (e, por ventura, conosco mesmos), nosso operar linguístico assume uma postura de

encadeamento, uma sincronização de nossas disposições corporais – o que Maturana

especifica como sendo “coordenações consensuais de coordenações consensuais de

ações”. Além disso, sobre a linguagem, este autor considera que nós nos constituímos

humanos a partir da linguagem, porque não há nada sobre o qual (nós humanos)

possamos fazer referência fora de nós que não seja por meio da (nossa) linguagem.

Então, tendo eu partido do ponto que defini como motivador para minha pesquisa,

quase seja, investigar implicações junto a processos de aprendizagem e formativos nos

territórios escolares a partir do linguajear e considerando o linguajear no âmbito da

Biologia do Amor e da Biologia do Conhecimento – teorias de Humberto Maturana –

julguei pertinente tecer algumas reflexões (Capítulo 2) sobre a afetividade, o tato, as

teorias clássicas da aprendizagem e a autopoiese.

Em relação à afetividade (nossa) nos espaços pedagógicos e mesmo em nosso

convívio pessoal, eu procurei acolhimento e leituras principalmente no autor colombiano

Luis Carlos Restrepo. Minhas reflexões associadas às reflexões deste autor procuraram

demonstrar a importância de considerarmos (mais) a afetividade nos espaços

pedagógicos e também em nossas vidas (modernas). Este curso de pesquisa que escolhi

foi motivado pelas ideias de Maturana sobre o amor – uma emoção que é responsável

por possibilitar a nós humanos o convívio em sociedades, já que esta emoção nos

capacita a validar o outro como legítimo outro na convivência.

No que se refere ao tato, à (grande) importância do toque em nossas vidas e em

nosso quefazer pedagógico, fui buscar uma mão para falar a respeito, principalmente em

reflexões do antropólogo Ashley Montagu e da pesquisadora Tiffany Field. Além disso, o

próprio Humberto Maturana em associação com a psicóloga Gerda Verden-Zöller fala a

respeito. (Há um episódio narrado por Maturana em relação à importância do toque físico

nos mamíferos que julguei muito curioso; eu o chamei de “O cordeirinho e o contato

materno” na reprodução trazida no Apêndice 3, página 92 dessa produção).

No Capítulo 2 eu também apresentei uma síntese dos clássicos modelos

epistemológicos e respectivas teorias pedagógicas amparadas nesses modelos para, a

partir desses elementos, apresentar e relacioná-los à ideia da autopoiese – teoria de

Humberto Maturana que faz menção ao existir fechado e cíclico do ser vivo. Para

Maturana, o ser vivo se produz (a vida sua) numa ação contínua de autofazimento a partir

de sua unidade básica, a célula. Além disso, a teoria da autopoiese também apresenta

reflexões sobre o meio não ter o poder de determinar o que ocorre ao ser quando ambos

81

estão em congruência; mas o meio pode, sim, constituir-se em desencadeador de

mudanças no ser. Contudo, as mudanças desencadeadas são aquelas que são possíveis

a partir da estrutura peculiar do próprio ser.

Adiante, em outra instância da presente produção, já no Capítulo 3, julguei

relevante trazer para a constituição do meu texto um pouco da vida, da história de vida e

formação pessoal de Humberto Maturana para destacar nesse seu mover suas principais

reflexões sobre o vivo.

Meu Capítulo 3, portanto, contempla a apresentação de reflexões importantes de

Maturana sobre o ser vivo. A primeira dessas reflexões diz respeito à Biologia do

Conhecimento – reflexão que nos possibilita ampliar nossas ideias e concepções sobre

os fenômenos do ver e do conhecer. Eu procuro fomentar questionamentos e

proposições, então, sobre as (nossas) práticas pedagógicas em íntimo relacionar-se com

o conhecimento, com o fenômeno do conhecer. O que é isso de dizer que vemos? O que

é isso de dizer que conhecemos? O que é isso de dizer que nossos aprendentes

aprendem?

Também tem espaço neste respectivo capítulo a Biologia do Amor – teoria que diz

respeito à emoção que fomenta o viver social, por exemplo, entre (nós) humanos.

Maturana atribui à emoção amor (diferente da ideia de sentimento que conotamos ao

substantivo amor) a responsabilidade de promover a constituição de espaços de vivência

em sociedades. Além disso, o autor também reserva ao processo de aceitação do outro,

de validação do outro a abertura de espaços profícuos para o acontecer do processo do

conhecimento.

Para finalizar as reflexões do Capítulo 3, minha produção procura apresentar uma

mirada do linguajear irradiado nas práticas pedagógicas e de formação. Meu empenho na

escrita da última seção desse capítulo foi para apresentar reflexões sobre a necessidade

de os educadores considerarmos o linguajear no âmbito dos (nossos) fazeres

pedagógicos. Assim, meu convite de reflexão foi para percebermos como nossas

emoções associadas à fala, e também como nossas posturas e condutas linguísticas

podem ser fecundas, estéreis e, até, venéficas para a fomentação do conhecimento ou

mesmo para o processo de formação do humano. Porque, como destaca Assmann

(2000), da mesma forma que o alimento pode ser bom ou ruim, abundante ou não,

nossos fluxos comunicativos (com o outro) podem criar bem-estar ou mal-estar. Dessa

forma, a última sessão da minha produção propõe a importância de os educadores

considerarmos as ideias de Humberto Maturana a respeito da linguagem – o linguajear –

para aprimorarmos nosso ser, estar e fazer em nossas vivências educativas com nossos

aprendentes.

82

4.2 m afinidade com minhas vivências

Eu caminhava pela rua quando avistei o André na calçada do outro lado. Não sei

se ele me tinha visto. Então, quando passei para a outra calçada, ele mexeu comigo: “E

aí, ‘pofessor’?”... Os caminhos meu e do André constituíram proximidades e conexão há

uns dez anos numa sala de aula. Na época, ele já era um aprendente que estava em

distorção idade/série como consideram as políticas públicas educacionais.

Eu e o André nos encontramos raras vezes pelas ruas da cidade. Ele já está um

rapaz bem feito – pelo tempo, pela vida – é gente simplíssima, e creio que mora num

bairro de casa mais humilde do que ele mesmo. André é um engraxate. Desses

engraxates do passado nosso que andavam com caixa de engraxar às costas; a dele, me

surpreendi, foi adaptada a uma dessas estruturas de metal de mala de viagem com

pequenas rodinhas e cabo para puxar...

André continuou a mexer comigo pondo um sotaque brincalhão de espanhol na

sua fala – o ‘pofessor’ dele dirigido a mim no início de nossa conversa já era brincadeira.

E eu, claro, entrei na prosa com ele e deixei o meu português bem à vontade:

– Professor, tão mudando tudo na língua! – Ué, André, como assim? Tu não fala portugueis? Eu acho que não tão mudando nada, não! O que vale, André, na minha opinião, é a língua que a gente fala, essa que a gente tá usando. – Tão mudando, sim, porque se a gente não falá como tá lá no livro, a gente reprova!...

Pus-me a refletir sobre essa minha conversa com o André. Ele é um rapaz que

não (con)seguiu (ir) adiante com os estudos. Contou-me que não terminou o ensino

fundamental, que quase morreu devido a uma experiência com o álcool, que frequenta

um grupo de apoio... Então, sinto-me responsabilizado a refletir a partir deste meu

encontro com o André. De que vale o português do livro para o André, para os Andrés

que nos encontram (que nós encontramos) nos espaços pedagógicos? De que vale o

português do livro para nós (educadores)? De que vale a ideia que o conhecimento possa

ser (re)passado ao(s) aprendente(s) e a partir desta ideia guiarmos todo nosso ser, fazer

e estar pedagógico?

Então, eu concluí que o encontro com este meu aprendente de tempos passados

precisava se constituir em auxílio e também se constituir em motivador para as reflexões

83

que eu poderia fazer aqui neste segmento reflexivo da minha produção. Porque eu

propus a partir da minha escrita fazermos nós, educadores, esforços para concebermos

outras maneiras de vermos o ver, outras maneiras de vermos o conhecer, o

conhecimento, outras maneiras de vermos nossa relação de educadores com nossos

aprendentes. E as minhas proposições feitas foram amparadas em ideias e reflexões

principalmente do neurobiólogo chileno Humberto Maturana Romesín.

Então, ainda em relação ao linguajear – objeto maior de reflexão de minha

produção – preciso destacar que eu mesmo, na interAÇÃO e no cum versare com os

textos e escritos de Maturana, Verden-Zöller, Assmann, Montagu, Restrepo, Waal e

outros, fui me transFORMANDO. E julguei muito curioso isso de eu me (trans)formar a

partir das leituras feitas, porque essa dinâmica me fez lembrar das observações de

Humberto Maturana (2006) a respeito das palavras na fala, a respeito do linguajear:

quando conversamos nos transformamos (mutuamente). E posso dizer que foi muito

importante para minha (trans)formação pessoal e também em relação à minha atividade

de docência esse meu cum versare com os autores com os quais tive contato. Em minha

compreensão, a partir de leituras, estudos e reflexões realizados, considero que os

educadores precisamos estar conscientes do poder da linguagem – pela significação que

o termo congrega sobre si – em nossas vidas, especialmente e também em nossos

movermo-nos pedagógicos. Nós temos o aforismo popular que “a fé (re)move

montanhas”; a linguagem, creio, por sua vez, tem o poder de edificá-las... e não só

montanhas! A linguagem, ainda, tem poder de criar mundos, transformá-los, ligá-los. Ela

tem o poder de ser ponte, ser pedestal... A linguagem na ação – o linguajear – tem o

poder constitutivo de ser tessitura, ser morada nossa do habitar humano, ser-nos as

feições e corpo; modo de ser...

[...] o homem e a vida são as condições de possibilidade de significado e dos mundos em que vivemos. Que conhecer, fazer e viver não são coisas separáveis, e que a realidade e nossa identidade transitória são parceiros de uma dança construtiva. (VARELA IN MATURANA & VARELA, 1997, p. 60)

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SÃO JOÃO. Português. In: Bíblia sagrada. Tradução de Padre João José Pedreira

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SÃO MATEUS. Português. In: Bíblia sagrada. Tradução de Padre João José

Pedreira de Castro. São Paulo: Ave Maria, 1959. p. 1314. Bíblia. N. T.

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SHATTUCK, Roger. A Explosão do conhecimento: ciência e tecnologia. In:

SHATTUCK, Roger. Conhecimento proibido. São Paulo: Companhia das

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VIEIRA, Adriano J. H. Humberto Maturana e o espaço relacional da

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WAAL, Frans de. A era da empatia: lições da natureza para uma sociedade mais

gentil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. pp. 09-102.

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pêndice 1 |———————————————————————————————————

A experiência sugerida aqui é para mostrar que nossos olhos apresentam uma

falha física, mas que o funcionamento deles associados é tão perfeito e sincronizado que

nos “cega” ocultando-nos a falha de seu funcionamento. Assim, não percebemos que não

vemos.

A experiência consiste em: 1) tapar o olho esquerdo, por exemplo, e fixar o olhar

do olho direito no sinal “+”; 2) a folha deverá estar a aproximadamente 50 cm distante do

olho; 3) talvez seja necessário algum ajuste na distância entre esta folha com os

símbolos impressos e o olho – o que poderá ser feito com a aproximação ou

distanciamento da folha – porque o que se espera é o “desaparecimento” do círculo

escuro do nosso campo de visão. E note-se que o círculo não é um pontinho qualquer.

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pêndice 2 |———————————————————————————————————

A figura “Árvore Maturana” é uma montagem criada por

mim a partir da gravura original de uma árvore disponível em

http://officeimg.vo.msecnd.net/en-us/images/MC900441822.wmf

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pêndice 3 |———————————————————————————————————

cordeirinho e o contato materno Apresento a seguir o relato sobre a importância do toque tátil (lambidas maternas)

e do brincar (em cordeiros).

Posso seguir a reflexão de Maturana e sugerir esta mesma importância do toque

para os mamíferos? Para nós humanos? E por que não, também a partir do relato abaixo

sugerir a importância do amor materno/paterno no desenvolvimento biologicamente

saudável da criança?

Para Maturana (2006, p. 97), “Literalmente, somos filhos do amor. Mais ainda: eu

diria que 99% das patologias humanas são patologias do amor. E é por isso que, no

desenvolvimento da criança, o amor – e o amor é aceitação do outro na convivência – é

fundamental.”

A ‘história’ do cordeirinho recém-nascido privado momentaneamente do contato

materno:

Se separarmos de sua mãe, por poucas horas, um cordeirinho recém-nascido, e em seguida o devolvermos, veremos que o pequeno animal se desenvolve de um modo aparentemente normal. Ele cresce, caminha, segue a mãe e não revela nada de diferente, até que observamos suas interações com outros filhotes de carneiro. Esses animais gostam de brincar correndo e dando marradas uns nos outros. Já o cordeirinho que separamos da mãe por algumas horas não procede assim. Não aprende a brincar; permanece afastado e solitário. O que aconteceu? Não podemos dar uma resposta detalhada, mas sabemos – por tudo o que vimos até agora neste livro – que a dinâmica dos estados do sistema nervoso depende de sua estrutura. Portanto, também sabemos que o fato desse animal se comportar de maneira diferente revela que seu sistema nervoso é diferente do dos outros, como resultado da privação materna transitória. Com efeito, durante as primeiras horas após o nascimento dos cordeirinhos, as mães os lambem continuamente, passando a língua por todo o seu corpo. Ao separar um deles de sua mãe, impedimos essa interação e tudo o que ela implica em termos de estimulação tátil, visual e, provavelmente, contatos químicos de vários tipos. Essas interações se revelam no experimento como decisivas para uma transformação estrutural do sistema nervoso, que tem consequências aparentemente muito além do simples lamber, como é o caso do brincar. (MATURANA & VARELA, 2011A, p. 142)

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pêndice 4 |———————————————————————————————————

Formiga e mancha de tinta (adaptadas)

A imagem original da “mancha de tinta” está disponível no seguinte endereço: http://www.cleaner-carpet-and-upholstery.com/ink-stain-removal.html Acesso em 17 set. 2014.

A imagem original da “formiga” está disponível em: http://officeimg.vo.msecnd.net/en-us/images/MC900346891.wmf Acesso em 17 set. 2014.

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pêndice 5 |———————————————————————————————————

A minha formiga

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pêndice 6 |———————————————————————————————————

A gatinha aqui de casa

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pêndice 7 |———————————————————————————————————

Bily

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pêndice 8 |———————————————————————————————————

linguagem:

exemplo para reconhecimento de coordenações

consensuais de coordenações consensuais de ações

Fiquei pensando a partir de meus estudos e leituras das ideias do neurobiólogo

chileno Humberto Maturana... E a partir dessas minhas reflexões, ocorreu-me

acrescentar a esse trabalho um exemplo ‘prático’ para as pessoas que desejarem

conhecer mais e também se familiarizar com a ideia do linguajear. Na banca de

qualificação do presente trabalho eu utilizei um vídeo (sem o som das falas) como forma

de ilustração da ideia do linguajear; mas, aqui, nesse contexto escrito, apresento um

exemplo colhido em Maturana (2006):

Se vemos duas pessoas a uma distância tão grande que não podemos ouvi-las, e queremos, posteriormente, poder afirmar se elas estavam ou não falando uma com a outra, observamos o curso de suas interações, procurando coordenações consensuais

de coordenações consensuais de ações sob formas facilmente reconhecíveis como pedidos e promessas, indicações para ações,

resposta a perguntas, ou queixas. Em outras palavras, quando buscamos determinar se duas ou mais pessoas estão ou não interagindo na linguagem, não apenas procuramos suas coordenações consensuais de ações, mas também uma dinâmica de recursão em suas coordenações consensuais de ações. Isto é, procuramos a ocorrência de coordenações consensuais de coordenações consensuais de ações como operações num domínio aprendido e não instintivo de coordenações de ações. (MATURANA, 2006, p. 130) [Destaques atribuídos por mim.]

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pêndice 9 |———————————————————————————————————

eceita pra lavar palavra suja* Viviane Mosé

Mergulhar a palavra suja em água sanitária. Depois de dois dias de molho quarar ao sol do meio-dia. Algumas palavras, quando alvejadas ao sol, Adquirem consistência de certeza, por exemplo, a palavra vida. Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas e desgastadas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente. São poucas as que ainda permanecem sujas depois de submetidas a esses cuidados, mas existem aquelas. Dizem que limão e sal tira as manchas mais difíceis. Mas todas as tentativas de lavar a piedade foram sempre em vão. Mas nunca vi palavra tão suja como perda. Perda e morte, à medida que são alvejadas, soltam um líquido corrosivo – que atende pelo nome de amargura – Capaz de esvaziar o vigor da língua. Nesse caso o aconselho é mantê-las sempre de molho, em um amaciante de boa qualidade. Agora se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar. O perigo aqui é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras. A culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha. Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo. Desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade. Já a palavra força cai bem em qualquer mistura. Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido. A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva produz uma oleosidade que conserva a cor e a intensidade dos sons. Muito valioso na arte de lavar é saber reconhecer uma palavra limpa. Para isso conviva com a palavra durante alguns dias. Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pelas expressões dos seus sentidos. À noite permita que se deite, não a seu lado mas sobre seu corpo. Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade. Se puder suportar a convivência, até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa. Uma palavra limpa é uma palavra possível.

*In MOSÉ, Viviane. Toda palavra. Rio de Janeiro: Record, 2006. pp. 27-29.