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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I LUCINEIDE RIBEIRO DA SILVA A ESCOLA NO SISTEMA PRISIONAL SALVADOR 2011

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I

LUCINEIDE RIBEIRO DA SILVA

A ESCOLA NO SISTEMA PRISIONAL

SALVADOR 2011

LUCINEIDE RIBEIRO DA SILVA

A ESCOLA NO SISTEMA PRISIONAL

Monografia apresentada ao curso de Pedagogia – Gestão e Coordenação do Trabalho Escolar, Departamento de Educação, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como pré-requisito parcial para aquisição do grau de Licenciado em Pedagogia.

Orientadora: Profa Maria Alba Machado Guedes Mello

SALVADOR 2011

FICHA CATALOGRÁFICA : Sistema de Bibliotecas da UNEB

Silva, Lucineide Ribeiro da A escola no sistema prisional / Lucineide Ribeiro da Silva. – Salvador, 2011. 67f. Orientadora: Profª. Maria Alba Machado Guedes Mello. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2011.

Contém referências. 1. Prisioneiros - Educação - Brasil. 2.Prisioneiro e prisões. 3. Inclusão em educação. 4. Educação de adultos. I. Mello, Maria Alba Machado Guedes. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação.

CDD:365.660981

LUCINEIDE RIBEIRO DA SILVA

A ESCOLA NO SISTEMA PRISIONAL

Monografia apresentada ao curso de Pedagogia – Gestão e Coordenação do Trabalho Escolar, Departamento de Educação, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como pré-requisito parcial para aquisição do grau de Licenciado em Pedagogia.

Aprovada em 06 de Abril de 2011

Banca Examinadora

Maria Alba Guedes M. Mello – Orientadora: ________________________________ Doutoranda em Educação pela Universidade de Barcelona/Espanha. Professora adjunta da Universidade do Estado da Bahia. Maria de Fátima Mota Urpia:_____________________________________________ Mestra em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador. Professora da Universidade do Estado da Bahia. Maria das Graças Reis Barreto:__________________________________________ Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. Diretora da Escola Especial da Penitenciária Lemos Brito.

AGRADECIMENTOS A Deus, pela sua infinita misericórdia para com a minha vida. A Ele toda Honra,

Glória e Louvor.

A minha Orientadora Profª Maria Alba Guedes Machado Mello; Mestre nas Letras,

nas Histórias, em Ensinar, em Descomplicar.

Às professoras Fátima Urpia e Patrícia Magris, pelo altruísmo nos meus pedidos

de socorro.

A todos os funcionários, professores e educandos da Escola Especial Lemos

Brito, pelo acolhimento.

À generosidade e atenção de Reginaldo; o considero como co-orientador deste

trabalho.

A meus irmãos em Cristo... As suas orações me revestiram de força.

A meu esposo Hérlon... por sempre me enxergar e declarar melhor do que eu sou.

A minha mãe, pelos inúmeros “nãos” que me deu... Agora compreendo todos eles.

Durante essa trajetória tive o apoio dessas pessoas... E de outras que por algum

momento caminharam comigo, mas tomaram outros rumos. Confesso! O que recebi

e aprendi com elas foi infinitamente superior ao que dei.

Sou grata a Deus por todos vocês!

E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. João 8:32

RESUMO

O presente trabalho tem como tema “O papel da escola dentro do sistema prisional”. A pesquisa apoiou-se no pressuposto teórico da exclusão e suas implicações na vida do estudante preso. Discute as políticas públicas voltadas para essa população e seus principais desafios para a real efetivação do direito à educação. A Educação de Jovens e Adultos também se fez presente nas discussões pela similaridade dos sujeitos que acolhe dentro e fora das prisões. A pesquisa de campo realizada na Penitenciária permitiu conhecer, mesmo que limitadamente, a realidade da escola no sistema prisional e os questionários respondidos pelos estudantes e professores contribuíram positivamente na qualidade da pesquisa.

Palavras-chaves: Prisão – Exclusão – EJA – Leis.

ABSTRACT This work has the theme "The role of schools within the prison system. The research was supported by the theoretical assumption of exclusion and its implications for student life in prison. Discusses public policies aimed at this population and its main challenges to the proper enforcement of the right to education. The Youth and Adult Education was also present in the discussions by the similarity of the subjects who receives inside and outside of prisons. The field research conducted in the Penitentiary allowed to know, even limited, the realities of the school in the prison system and questionnaires answered by students and teachers contributed positively to the quality of research. Keywords: Jail - Foreclosure - EJA - Laws

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................... 09

2. CAPITULO I – A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO E OS

SUJEITOS DA EJA ................................................................................... 13

2.1 As Leis Educacionais: um desafio aos muros e grades das prisões . 17

2.2 Sujeitos da EJA e Sujeitos das Prisões: Semelhança não é

mera coincidência.................................................................................... 19

3. CAPÍTULO II – A EJA PRISIONAL: NO BRASIL E NA BAHIA ............... 28

3.1 EJA no BRASIL ........................................................................................ 28

3.2 EJA na BAHIA .......................................................................................... 32

4. CAPÍTULO III – CAMINHOS INCERTOS – CAMINHOS POSSÍVEIS ...... 38

4.1 A penitenciária no senso comum........................................................... 40

4.2 Ultrapassando os muros das prisões .................................................... 41

4.3 Caminhos Possíveis ................................................................................ 43

5. CAPITULO IV – A EJA NA ESCOLA ESPECIAL LEMOS BRITO ........... 49

5.1 A Escola vista pelos seus sujeitos......................................................... 49

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 61

7. REFERÊNCIAS ......................................................................................... 64

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1. INTRODUÇÃO

Esta monografia tem como objeto de estudo a escola dentro do sistema prisional e

suas implicações na vida do estudante preso. Foi necessário identificar as políticas

públicas voltadas para essa população e seus principais desafios para efetivação do

direito à educação nas penitenciárias brasileiras.

As questões abordadas na pesquisa permitirão que a comunidade acadêmica

conheça as particularidades da escola no sistema prisional para que, assim,

contribua na busca de soluções e alternativas que atendam àquela realidade. Tem

em vista ainda a discussão de processos para a reestruturação dos cursos e

currículos vigentes na formação de educandos da EJA assim como professores e

outros profissionais que se interessem pela temática. Almeja-se também, contribuir

nas discussões e desenvolvimento de políticas públicas para a educação brasileira,

especificamente para a Educação de Jovens e Adultos nas prisões.

O que motiva a presente reflexão é a questão da exclusão social no nosso país e o

sistema prisional é um dos refletores das mazelas sociais. Quem são esses presos

que superlotam as penitenciárias? Quais as suas histórias de vida, além daquelas

descritas nos processos judiciais? É ignorada que a população carcerária do país é

constituída principalmente de jovens, pobres, com baixa escolaridade,

desempregados ou no mercado informal, vivendo à margem da sociedade.

Nesse sentido, as deficiências existentes nas prisões são reflexos dos fatores

externos a ela e isso tem impactado na sua realidade e no seu cotidiano. As histórias

de vidas (semelhantes) de exclusão socioeconômica e cultural têm como resposta o

déficit de número de vagas, instalações físicas precárias, insuficiência de programas

de assistência jurídica, social e médica. Tal situação gera confrontos e violência que

são apresentados na mídia, de tal forma, que leva a sociedade civil a sentimentos de

insegurança e medo.

A precariedade de políticas públicas de combate às desigualdades sociais tem

colaborado para um círculo vicioso desse processo, pois a violência, a exclusão e as

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carências sociais não são frutos da prisão; apenas se agravaram com o

encarceramento desses sujeitos.

Estabelecer essa relação exclusão e prisão foi importante para fazer avançar a

reflexão no sentido de desmistificar o sujeito preso. A partir desse ponto, e com o

amparo das leis, a educação no sistema prisional é válida não pelo “benefício” que

ela pode trazer para as partes − presos e administradores − mas principalmente pela

efetivação de um direito de todo individuo seja ele privado de liberdade ou não.

Isto porque, esses “benefícios” estão atrelados ao bom comportamento do preso e a

sua adaptação ao sistema, desvinculados das condições sociais a que estão

submetidos e a escola, utilizada como um ideal apenas de inclusão, impossibilita o

avanço das discussões sobre os mecanismos de produção e reprodução das

classes sociais. Compreender e discutir os fatores que influenciam o processo de

escolarização da população é o caminho coerente para que as soluções não sejam

apenas a curto prazo.

Como a prisão é, em si, um resultado dos processos sociais de exclusão,

compreender a escola nesse itinerário educativo requer um nível de complexidade e

reflexão que um trabalho monográfico não poderia dar conta. Por isso, as hipóteses,

aqui apresentadas, são muito mais fruto das incertezas do papel da educação dentro

do sistema prisional, pois a condição social a que os presos estão expostos contribui

negativamente para a sua educação. Vale destacar que o mero cumprimento da lei

não garante a qualidade da educação e permanência do preso na escola, pois

questões estruturais, pedagógicas e de acesso, também estão sendo

negligenciadas. Assim, cabe refletir:

� A Escola no sistema prisional contribui para a qualidade de vida do

estudante?

� As Políticas Públicas existentes correspondem às necessidades dos

educandos nas prisões?

� A Educação de Jovens e Adultos, como modalidade educativa, adequa-se à

realidade dos sujeitos nas prisões?

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Mesmo sendo palco de debates educacionais ainda é evidente o descaso com a

educação no sistema prisional, pois a precária inserção dos presos nos sistema

educacional é uma forma de exclusão pouco discutida. Além disso, buscou-se no

desenvolvimento deste trabalho, discutir as contribuições da escola para a vida do

detento, conhecer os fatores que os levam a frequentar a escola na prisão e mapear

as políticas públicas que garantem a educação como um direito e não como

benesse ao preso.

A ida ao Complexo Penitenciário do Estado da Bahia, localizado no bairro de Mata

Escura, foi importante para confrontar verdades e clichês sobre o sistema prisional.

Conhecer os sujeitos envolvidos − educandos, professores, funcionários − e

participar, por algumas horas, do seu dia a dia, foi fundamental para compreender o

distanciamento entre o dito e o feito, e vislumbrar a superação do medo pelo

respeito, do impossível pelo possível.

Para dar conta dessas contradições foi necessário organizar esta pesquisa em

capítulos a fim de estabelecer um diálogo e compreensão com as questões

anteriormente apresentadas e divulgar formalmente o que foi realizado e os

resultados obtidos.

No Capítulo 1 busca-se destacar o papel da prisão na sociedade e as leis

específicas que abordam a Educação como direito. Também foi importante

evidenciar, neste capítulo, quem são os sujeitos da EJA fora e dentro e das prisões e

as semelhanças de suas trajetórias de vida.

No Capítulo 2 reflete-se sobre as políticas da EJA no Brasil e na Bahia, destacando-

se os avanços e retrocessos da legislação. São apresentados os números oficiais de

presos para demonstrar a realidade do público da EJA da prisão, além de enfatizar

questões como demanda, qualidade, entre outros.

O Capítulo 3 trata das questões metodológicas da pesquisa, apresentando os

caminhos percorridos e os caminhos permitidos pela investigação, com destaque

para a experiência vivida no Complexo Penitenciário da Bahia, especificamente na

Penitenciária Lemos Brito onde foram aplicados questionários aos professores e

educandos da Escola Especial Lemos Brito. As experiências acadêmicas da

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pesquisadora foram trazidas como questionamento a uma educação à margem da

lei e da realidade de seus sujeitos.

O Capítulo 4 proporciona uma reflexão sobre as respostas obtidas por meio de

questionários e também das observações de questões que são próprias da escola

na prisão. É uma reflexão que confronta o dito pelas leis e o possível de ser

realizado.

Com intuito de contribuir para o avanço da educação em prisões, concluo

apresentando a importância de efetivar a educação como um direito, como uma das

possibilidades de melhoria de vida do preso e, principalmente, de construir

perspectivas a longo e médio prazos, ou seja, quando cumprirem a sua pena e

retornarem ao convívio social.

Vale ressaltar ainda o conflito em registrar impressões que a teoria não dá conta e

não romantizar o preso como apenas uma vítima social. Entretanto, um olhar mais

atento perceberá que as mazelas trazidas pela extrema desigualdade social do país

contribuem expressivamente para o agravamento da violência. A intervenção do

Estado, por meio de políticas públicas, deve ser em defesa dos grupos que

historicamente foram e ainda são excluídos da sociedade.

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2. CAPITULO I – A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO E OS SUJEITOS DA

EJA

Neste capítulo discutiremos a educação no sistema prisional, as leis específicas para

área e seus desdobramentos que se constituem no contexto do desenvolvimento da

EJA prisional, objeto de estudo desta pesquisa.

Em um país com desigualdades sociais profundas a educação ganha um discurso

salvador camuflando outros anseios sociais. A Educação de Jovens e Adultos faz-se

presente nessa discussão, pois é ela que está inserida nas escolas das prisões

como a modalidade de ensino possível e que atende a realidade de vida dos

detentos. Todavia, a história da EJA nos permite compreender como esta

modalidade de ensino é colocada à margem da sociedade e dos incentivos do

Estado e, consequentemente, como está concebida nas prisões.

Assim, para compreender o papel da escola dentro do sistema prisional, é preciso

conhecer sobre a prisão e seus objetivos. Torna-se necessário ainda abordar

brevemente a história da prisão, suas funções e intenções para a vida do homem

preso. Vale ressaltar a importância de conhecer quem são os sujeitos encarcerados

e a EJA nesse itinerário.

Foucault (2006) destaca que a instituição prisional está, desde sua origem,

associada a um projeto de “transformação” de indivíduos. Os meios utilizados para

conseguir essa transformação são a vigilância e disciplina, ou seja, nessas

instituições, o aprisionamento não tem como intenção a exclusão do sujeito recluso,

mas, sobretudo, a sua inclusão em um sistema normalizador. Segundo Vieira

(2008):

A prisão é construída e constituída para ser um aparelho disciplinador, para produzir utilidade e docilidade mediante ações reeducativas sobre o condenado, para o exercício do poder de punir, mediante a supressão do tempo livre (bem jurídico mais geral das sociedades modernas) do indivíduo que comete um crime (VIEIRA, 2008, p.17).

Nessa perspectiva, a prisão limita-se, essencialmente, à contenção de pessoas por

meio de uma rotina rigorosa de controle sobre o seu tempo e movimentos. Estes

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devem enquadrar-se às normas e desapropriar-se rapidamente dos seus costumes

passados. São subtraídos de seus objetos pessoais – documentos, jóias, roupas – e

passam a ser reconhecidos por um número e vestem um uniforme que formaliza sua

situação atual. Assim, a prisão da maneira que é concebida, não reconhece os

internos como sujeitos. Onofre (2007) contribui afirmando que:

As prisões se caracterizam como teias de relações sociais que promovem violência e despersonalização dos indivíduos Sua arquitetura e as rotinas a que os sentenciados são submetidos demonstram, por sua vez, um desrespeito aos direitos de qualquer ser humano, à vida (ONOFRE, 2007, p.12).

Para Goffman (2010, p.17) a prisão é um exemplo de instituição total que pode ser

definida como: “Um local de residência e trabalho onde um grande número de

indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por

considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente

administrada”.

Dessa forma, a prisão constitui-se como sistema sociocultural próprio que possui

suas regras, normas, procedimentos, valores, punições, sanções e crenças. A

sobrevivência física, moral e intelectual dos encarcerados depende integralmente de

sua adaptação a esse sistema.

Já o senso comum considera a pessoas encarceradas como irrecuperáveis,

marginais de alta periculosidade, aqueles que transgrediram às leis, com atos de

violência contra a sociedade civilizada. Todavia, deve-se também questionar quem

são os sujeitos encarcerados e suas trajetórias de vida. Para Onofre (2007) esses

sujeitos são:

Parte da população dos empobrecidos, produzidos por modelos econômicos excludentes e privados dos seus direitos fundamentais de vida. Ideologicamente, como os “pobres”, aqueles são jogados em um conflito entre as necessidades básicas vitais e os centros de poder e decisão que as negam. São, com certeza, produtos da segregação e do desajuste social, da miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores humanitários. Por sua condição de presos, seu lugar na pirâmide social é reduzido à categoria de “marginais”, “bandidos”, duplamente excluídos, massacrados, odiados (ONOFRE, 2007, p.12).

Julião (2007) acrescenta complementando o posicionamento acima:

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O perfil dos presos reflete a parcela da sociedade que fica fora da vida econômica. É uma massa de jovens, do sexo masculino (96%), pobres (95%), não-brancos (afrodescendentes) e com pouca escolaridade. Acredita-se que 70% deles não chegaram a completar o Ensino Fundamental e 10% são analfabetos absolutos. Cerca de 60% têm entre 18 e 30 anos — idade economicamente ativa — e, em sua maioria, estavam desempregados quando foram presos e viviam nos bolsões de miséria das cidades (JULIÃO, 2007, p.23).

Assim, negar a história de vida do preso fortalece a exclusão social e a prisão é

utilizada como depósito dos resultados de suas mazelas sociais. Fator agravante

dessa situação é a ausência de políticas públicas eficazes nas áreas sociais que

estão intrinsecamente associadas à marginalização e criminalidade da população

pobre.

Diante dessa realidade, a perspectiva do preso para uma qualidade de vida e

reintegração social fica reduzida, senão, nula. Porém, cabe refletir sobre a ausência

do Estado no atendimento às necessidades básicas da sociedade em geral e não

poderia ser diferente para a população carcerária.

Pensar na educação escolar como tentativa de reintegrar o preso à sociedade faz

juz a um direito instituído por lei, pois, o Estado possui responsabilidade jurídica na

oferta de educação para todos que estão privados da liberdade. Todavia, a

educação no sistema penitenciário ainda é compreendida como um privilégio para o

preso.

É importante ressaltar, que a educação no sistema prisional é operacionalizada por

meio da modalidade EJA, que Vieira (2008, p.37) compreende como: “A educação

carcerária se realiza em um contexto de educação de jovens e adultos (EJA)”. Na

visão de Hora e Gomes (2007) a EJA:

É colocada à margem pela sociedade e, perante o Estado, sua visibilidade ainda é menor, não tendo um atendimento eficiente do sistema público, principalmente no que se refere a questões que tangem tanto ao acesso quanto à permanência nas escolas. Segundo, porque quando tratamos de EJA na educação prisional, estamos trabalhando com jovens e adultos encarcerados, o que os torna ainda mais marginalizados, mais longe do alcance de seus direitos. Se o acesso a uma educação eficiente já é de certa forma negado a jovens e adultos que estão fora da vida criminosa, como ficam então aqueles que pagam pelos seus delitos na cadeia? (HORA e GOMES, 2007, p.41).

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Os autores acreditam que a não efetivação do direito à EJA às pessoas “livres”

refletem como será aquela disponibilizada ao encarcerado. Entretanto, um olhar

mais atento perceberá as similaridades dos sujeitos da EJA e a realidade social da

população carcerária. Arroyo (2005) descreve que os educandos da EJA são:

pobres, desempregados, na economia informal, negros, nos limites da sobrevivência. São jovens e adultos populares. Fazem parte dos mesmos coletivos sociais, raciais, étnicos, culturais. O nome genérico educação de jovens e adultos oculta essas identidades coletivas (ARROYO, 2005, p.45).

São, portanto, trajetórias de vida semelhantes, pois são vítimas da exclusão social e

econômica e que vivem intensamente em situação de vulnerabilidade e pobreza.

Urpia (2009), por sua vez, afirma que:

Os jovens e adultos da EJA são aqueles que se igualam — apesar de serem diferentes no que diz respeito às questões de gênero, de etnia/raça, de geração — porque vivenciam experiências relativas à produção da existência ligadas à realização de atividades econômicas desvalorizadas socialmente. Atividades estas decorrentes da posição de consumidores e não daquela de instituidores de novas tecnologias, por exemplo. Importante, então, é trazer para o debate, além da diversidade, a existência da indissociabilidade entre a EJA e a temática de classe (URPIA, 2009, p.6).

Submetidos a essa realidade é impossível discutir educação prisional sem

questionar a situação de classe a que estão impostos. Os estudantes da escola na

prisão padecem de um mesmo estigma: são pobres e em desvantagem social,

segregados do processo econômico, logo, fazem parte do contingente populacional

dos “sem futuro”. Promover mudanças nas relações de poder das instituições, sejam

elas de ensino ou não, é antes de tudo, promover mudanças pessoais, isso implica

desfazer-se do papel da omissão, camuflada no discurso do não-conhecimento e

promover práticas que possibilitem a redução das desigualdades sociais.

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2.1 As Leis Educacionais: um desafio aos muros e grades das prisões

A educação nas prisões, para que se concretize como um direito, demanda um

conjunto de ações, tanto no âmbito do Estado como no da sociedade civil. Por outro

lado, o ambiente prisional exige, à primeira vista, ações que amenizem questões

como superlotação, higiene, violência. Por isso, pensar em educação na prisão é

antes pensar em um direito que não é efetivado na prática, permeado por outros

direitos que também não o são. A elaboração de leis e incentivos para educação de

jovens e adultos deve priorizar os grupos sociais mais vulneráveis, pois são esses

que superlotam as prisões de todo país.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN (9394) de 1996,

a Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou

continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Então,

esta modalidade, por causa de sua especificidade, deve estar presente em todos os

estabelecimentos penais implantados no país, pois de acordo com a Constituição

Federal é dever do Estado garantir a Educação Básica obrigatória e gratuita,

assegurada, inclusive, para todos aqueles que não tiverem acesso na idade própria.

A Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 (de Execuções Penais) criada a partir do tratado

da ONU sobre a Execução Penal no mundo e que define as condições em que o

sentenciado cumprirá sua pena, já garantia nos seus artigos 17 e 18 a assistência

educacional que compreende a instrução escolar e profissional, e o ensino de 1º

grau obrigatório, integrado ao sistema escolar da Unidade Federativa, respectiva.

Percebe-se que todas essas leis convergem para garantir o direito à educação ao

preso, todavia a sua efetivação esbarra em discussões e interpretações divergentes,

principalmente pela falta de clareza nas atribuições de responsabilidades. Destaca-

se, neste aspecto, a Lei 12.245 sancionada em 2010 que altera o art. 83 da Lei no

7.210, de 11 de julho de 1984 autorizando a instalação de salas de aulas nos

presídios. A LEP – Lei de Execução Penal garantiu a assistência educacional, mas

não tinha como efetivar isso. Vieira (2008) destaca a realidade da lei na prática, ao

dizer que:

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Embora a LEP assegure, garanta a educação no cárcere, não é essa a realidade das prisões. Poucos são aqueles que frequentam as escolas prisionais. É possível dizer que as escolas na prisão existem de direito, mas não de fato. Mesmo sendo um dos pilares dos programas de ressocialização do indivíduo encarcerado, a educação prisional não é tratada como essencial (VIEIRA, 2008, p.33).

Com a sanção da Lei 10.172 de 9 de janeiro 2001 que aprovou o Plano Nacional de

Educação com duração de dez anos, a educação prisional vislumbrou direitos

omitidos pelas leis anteriores. Nos objetivos e metas nº 17 para a EJA estão

determinadas a implantação em todas as unidades prisionais e nos

estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de

educação de jovens e adultos de nível fundamental, médio e profissional.

O avanço é que os presos também seriam contemplados com as metas de nº 5 e 14

que estabelecem programa nacional de fortalecimento, pelo Ministério da Educação,

de material didático-pedagógico adequado e programas de educação à distância,

respectivamente. Todavia, finda-se o prazo sem resultados oficiais de avaliação do

PNE, ou seja, se os objetivos e metas propostos foram alcançados e quais os

avanços e retrocessos da educação neste período de execução do referido Plano.

Os órgãos internacionais, entretanto, já haviam se manifestado a favor da

assistência educacional ao preso. O Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre

Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra, em

1955, estabeleceu Regras Mínimas para Tratamento de Prisioneiros, aprovada pelo

Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU). Na Regra

77, que trata sobre Educação e Recreio, fica estabelecido:

1. Serão tomadas medidas para melhorar a educação de todos os presos em condições de aproveitá-la, incluindo instrução religiosa nos países em que isso for possível. A educação de analfabetos e presos jovens será obrigatória, prestando-lhe a administração especial atenção.

2. Tanto quanto possível, a educação dos presos estará integrada ao sistema educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, a sua educação (ONU, 1955).

Destaca-se a importância da educação ofertada ao preso estar integrada ao sistema

educacional local, assim como a LEP ratifica em anos posteriores. Contudo, as

práticas educativas no interior das prisões ainda são incipientes. De acordo com

dados do Ministério da Justiça (MJ), a população carcerária brasileira está em torno

19

de 494.2371 presos, sendo que apenas 44.433 participam de alguma atividade

educativa. Os números evidenciam a pouca visibilidade que tem a escola em

comparação com aqueles que exercem alguma atividade laborativa que é de

aproximadamente 79.106 presos.

Mas a escolha do apenado pelo trabalho à escola justifica-se principalmente pela

possibilidade de remição da pena. A LEP, além de exigir que os presos exerçam

alguma atividade, garante uma contrapartida a esse benefício; ou seja, a cada três

dias trabalhados, o preso diminui um dia na sua pena. Acrescenta-se ainda a idéia

no imaginário popular que o preso só pode se reintegrar à sociedade por meio do

trabalho. Para Julião (2007) existem outras possibilidades:

Durante muitos anos, prevaleceu a idéia de que somente através da ocupação profissional do interno se conseguiria verdadeiramente a sua reinserção social. Tanto é que a Legislação Penal brasileira vigente só reconhece a remição de parte da pena através do trabalho. A partir de discussões implementadas por alguns criminologistas, passa a existir um movimento que tenta reconhecer que “a postulação de remição de pena pelo estudo também se mostra juridicamente possível”. Mesmo não estando prevista na Lei de Execuções Penais, através de um acordo tácito de interpretação da Lei de Execuções Penais - LEP, a prática da remição pelo ensino já vem sendo implementada em vários estados da Federação adotando, a exemplo do Rio de Janeiro, a base de um dia de pena por dezoito horas de estudo (JULIÃO, 2007, p.29).

Em alguns estados, de acordo com entendimento do jurista, é permitida a remição

de pena por estudo; todavia é necessário que isto não dependa da boa vontade e

compreensão de alguns, mas que se torne um direito de todos os presos que

estudam em qualquer unidade federativa.

2.2 Sujeitos da EJA e Sujeitos das Prisões: Semelhança não é mera

coincidência

Acredita-se que as leis são elaboradas em prol de um bem coletivo. Assim, temos a

idéia de que tudo que favoreça à convivência entre o maior número de pessoas é o

1 Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010

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melhor ou o mais democrático. O que não se sabe, ao certo, é se as leis são criadas

para expressar uma multiplicidade social e cultural ou para silenciá-las de uma vez

por todas. Assim, com o agravamento das tensões sociais, o Estado mobilizou-se na

implementação de leis eficazes na área social e a educação foi escolhida como o

campo propício para minimizar essas tensões. Isto porque, o analfabetismo no país

tomou proporções alarmantes e passou a ser considerado como a causa do atraso

econômico e social, além do número expressivo de desempregados.

Então, a partir da década de 1940, a educação de jovens e adultos ganhou

visibilidade e foram realizadas algumas campanhas educacionais para corrigir a

mazela trazida pelo analfabetismo, ou melhor, pelo homem analfabeto. Destacam-se

o Serviço de Educação de Adultos em 1947, a Campanha de Educação Rural em

1952, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo em 1958 e o mais

conhecido o Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL criado pela Lei nº

5379 de 15 de dezembro de 1967 que tinha como principal objetivo a promoção da

educação básica para jovens e adultos.

Entretanto, todas essas campanhas não estavam centradas nas necessidades dos

sujeitos envolvidos, mas na supervalorização da aquisição da língua falada e escrita

para o domínio das técnicas de produção e ampliação da base de votos, pois nesse

período analfabeto não votava. Outro fator importante a destacar são as exigências

internacionais, entre elas a da Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura – UNESCO, sendo o Brasil país integrante, da urgência de

alfabetizar adultos. Arroyo (2005) contribui afirmando que:

O campo da Educação de Jovens e Adultos tem uma longa história. Diríamos que é um campo ainda não consolidado nas áreas de pesquisa, de políticas públicas e diretrizes educacionais, da formação de educadores e intervenções pedagógicas. Um campo aberto a todo cultivo e onde vários agentes participam. De semeaduras e cultivos nem sempre bem definidos ao longo de sua tensa história (ARROYO, 2005, p.39).

Assim, a EJA, ao longo de sua história é marcada pelo improviso, por ações

compensatórias e principalmente voltada para as necessidades mais

mercadológicas do que a social. Entretanto, a Constituição de 1988 reconhece o

direito dos jovens e adultos ao ensino fundamental, estabelecendo a oferta de

ensino noturno regular, adequado às condições do educando. Esse direito foi

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reafirmado na LDBN (9.394/96) que estabelece as diretrizes e bases da educação

nacional, cujo artigo 4º afirma que é dever do Estado garantir ensino fundamental

obrigatório e gratuito, inclusive a sua oferta para todos aqueles que não tiveram

acesso na idade própria e ainda: “oferta de educação escolar regular para jovens e

adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e

disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de

acesso e permanência na escola.”

Cabe refletir, quem são os sujeitos que não tiveram acesso à educação na “idade

própria” e o porquê, pois segundo Paulo Freire, o problema do analfabetismo não é

o único nem o mais grave na nossa sociedade, e sim apenas uma consequência das

condições de miserabilidade da população analfabeta. Por conseguinte, o contexto

social a que o educando está subjugado exerce influência no seu percurso educativo

e permanência na escola. Britto (2008) expõe a questão da seguinte forma:

A razão principal desse fenômeno são as formas de organização do capitalismo, com intensa urbanização e de mecanização da atividade agrícola. A globalização da economia e a reestruturação produtiva, com base na acumulação flexível do capital, engendraram um processo produtivo em constante mudança, com a incorporação da ciência e da tecnologia em função da competitividade constitutiva do próprio sistema (BRITTO, 2008, p.53).

Por isso, garantir o direito de acesso à educação ao jovem e adulto trabalhador não

avaliza o direito aos bens culturais e sociais, pois as condições precárias de

sobrevivência, como por exemplo, a falta de emprego e renda, moradia, saúde,

lazer, não permitem a continuidade e permanência na escola. A concentração de

renda, tornando o pobre cada dia mais paupérrimo é o reflexo de um capitalismo que

não propicia a distribuição de renda, pelo contrário, fortalece as relações de

desigualdade social.

Esse jovem, adulto e trabalhador, de um modo geral, tende a ter experiências

semelhantes de aprendizagem relativas à condição social a que lhe é imposta. Seus

estigmas de fracassado e miserável os acompanham em sua vida social e escolar e

reiteram sua exclusão. Arroyo (2005, p.46) afirma que “esses jovens e adultos

repetem histórias longas de negação de direitos. Histórias coletivas. As mesmas de

seus pais, avós, de sua raça, gênero, etnia e classe social”. São trajetórias de vida

semelhantes e que se reproduzem ao longo se suas existências. Como indivíduos

22

pobres e em condições de sobrevivência, acreditam que a escola pode mudar sua

condição de vida.

Brandão (2008) destaca que a escola:

É uma instituição social e, como programa formalizado, é parte do aparato de que classes sociais ou grupos de controle do poder político lançam mão para realizar alguns dos seus interesses e objetivos políticos de domínio ocultos sob propostas de “democratização” através da educação (BRANDÃO, 2008, p.109).

Assim, a escola é vista como um instrumento de controle legitimando a ordem social

vigente.

Na tentativa de superar os ideais do currículo da educação básica, seja fundamental

ou média, a EJA tem avançado na luta pela efetivação do direito à educação que

supere a visão técnica de domínio da leitura e escrita. Essa luta tem permeado

também na discussão de outros direitos que estão intrínsecos a permanência do

jovem adulto trabalhador na escola, orientando-se pelos ideários da Educação

Popular defendida por Paulo Freire.

Vale ressaltar que a Educação Popular não pode ser apenas compreendida como a

educação das classes trabalhadoras, mas como um movimento de organização

social em oposição à ordem excludente do capitalismo. Nessa perspectiva, é

importante considerar a trajetória de vida do jovem adulto trabalhador (são sujeitos

sociais), sua forma de sobrevivência (vítimas da violência e exclusão social), seus

conhecimentos ao longo da vida (um ensino para além do trabalho).

Todos os questionamentos e exigências trazidas pela EJA não implicam sua

desarticulação do sistema de ensino. O que se busca é uma efetivação dos direitos

garantidos por lei a partir das características que lhe são próprias.

Outro aspecto importante é o educador da EJA e sua formação. Arroyo (2006) afirma

que assim como são indefinidas as políticas para EJA assim é a formação do

educador, ao salientar:

Em outros termos, podemos dizer que se não temos políticas fechadas de formação de educadores para EJA é porque ainda não temos também políticas muito definidas para a própria educação de jovens e adultos. Essas políticas precisam ser construídas, e será preciso muita iniciativa e capacidade criativa para o fazermos. Isso

23

vai exigir, no meu entender, muito diálogo, muita lucidez e, sobretudo, muita coragem dos cursos de Pedagogia para que se possa construir esse perfil (ARROYO, 2006, p.18).

Mediante esse realidade é um desafio para educação e para os cursos de formação

de educadores conhecerem as especificidades da EJA e dos seus sujeitos.

Especificidades que estão atreladas à história de vida, à realidade, à dinâmica social

e à vulnerabilidade a que estão expostos. E, ainda segundo Arroyo (2006):

Não é a história da construção de qualquer jovem, nem qualquer adulto. São jovens e adultos que têm uma trajetória muito específica, que vivenciam situações de opressão, exclusão, marginalização, condenados à sobrevivência, que buscam horizontes de liberdade e emancipação no trabalho e na educação (ARROYO, 2006, p.23).

Por outro lado, faz-se necessário considerar também a realidade e as limitações do

educador da EJA. Ele não possui materiais didáticos adequados, ele tem que driblar

a organização burocrática da escola, além da questão da violência dentro e fora da

sala de aula e a precariedade das estruturas físicas das escolas. Além da

inexistência de curso de formação inicial no campo da EJA.

Os cursos de Pedagogia e de outras licenciaturas priorizam a educação infantil e

fundamental abordando pouca ou quase nada de EJA, deixando uma lacuna na

formação inicial do professor. Por desconhecer a EJA, esse professor ao deparar-se

com a realidade da sala de aula perceberá que o jovem trabalhador é muito diferente

do ideal de aluno propagado pelas instituições formativas. Segundo Soares (2008):

Não temos ainda diretrizes e políticas públicas específicas para a formação do profissional da EJA. A própria identidade desse educador não está claramente definida, encontra-se em processo de construção. É muito raro encontrarmos um educador que esteja atuando somente na EJA. Comumente, deparamos com educadores que atuam, simultaneamente, no ensino fundamental regular diurno e na EJA no noturno. Outros, no ensino médio regular ou mesmo na educação infantil em um turno e na EJA no noturno. Acreditamos ser necessário que, ainda em sua formação inicial, o educador do aluno jovem e adulto tome consciência da atual situação da EJA, no que se refere à sua própria construção como política pública, como responsabilidade e como dever do Estado. Seria interessante ressaltar também que, no momento da graduação, o profissional da EJA receba formação em teorias pedagógicas sobre a juventude e a vida adulta, a fim de conhecer e perceber o seu aluno como sujeito de direitos, respeitando seus saberes e sua realidade (SOARES, 2008, p.63).

24

Percebe-se que a EJA deve atuar em diversas frentes. Formação inicial e

continuada de professores, elaboração de livros didáticos específicos para EJA,

reestruturação do tempo pedagógico, enfim, lutar pela efetivação da educação como

direito. Pois, de acordo com Urpia (2009):

A efetivação do direito à educação para todos os jovens e adultos reivindica um processo de lutas para sua consolidação; para isso, não é o bastante a sua instituição na Carta Magna, seus portadores precisarão exigi-lo. Trata-se da justiciabilidade, isto é, da possibilidade de cobrar um direito violado [...] (URPIA, 2009, p.39).

Atualmente, mesmo sendo palco de debates educacionais ainda é evidente o

descaso com a educação de jovens e adultos, que devido à falta de objetividade das

leis, as medidas em prol da EJA acabam desembocando em políticas públicas

emergenciais, assistencialistas e provisórias.

Todavia, o momento é propício para uma nova configuração da educação de jovens

e adultos. Após inúmeras campanhas e poucos avanços qualitativos é tempo de

exigir medidas mais consistentes e de âmbito nacional. Faz parte também desse

processo o reconhecimento da existência de problemas sócio-econômicos e da

urgência de algumas mudanças na ordem das relações sociais vigentes e que

perpassam na educação de jovens e adultos. Relações sociais de exploração e de

extrema desigualdade social que precisam ser superadas para que possibilite a

emancipação humana dos jovens adultos trabalhadores.

Diante do quadro apresentado é fácil compreender como se dá essa modalidade de

ensino dentro do sistema prisional, pois as características dos sujeitos da educação

de jovens e adultos e os sujeitos que superlotam as penitenciárias brasileiras são

semelhantes, quase coincidentes. Para Onofre (2007):

Os presos fazem parte da população dos empobrecidos, produzidos por modelos econômicos excludentes e privados dos seus direitos fundamentais de vida. Ideologicamente, como os “pobres”, aqueles são jogados em um conflito entre as necessidades básicas vitais e os centros de poder e decisão que as negam. São, com certeza, produtos da segregação e do desajuste social, da miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores humanitários. Por sua condição de presos, seu lugar na pirâmide social é reduzido à categoria de “marginais”, “bandidos”, duplamente excluídos, massacrados, odiados (ONOFRE, 2007, p.12).

25

São percursos de vidas análogas e que se entrelaçam nas mesmas dificuldades. Os

jovens e adultos das prisões correspondem, ainda, a um retrato social das mazelas

sociais do país. Embora não se possa pensar que os presos sejam apenas vítimas

sociais, independente do dolo praticado, são sujeitos de direitos.

De acordo com a de Lei de Execução Penal a assistência educacional é obrigatória

para o ensino do primeiro grau e compreenderá a formação profissional, já o

trabalho tem finalidade educativa e produtiva, é descrito como um dever social e

condição de dignidade humana e deve ser remunerado. Além disso, por meio do

trabalho o preso tem direito à remição da pena.

Para Julião (2007), é intencional a valorização do trabalho em detrimento do estudo,

pois:

Negando o ócio, portanto, o trabalho no sistema penitenciário caracteriza-se como a adição do castigo à produção de bens e serviços. Já que trabalho pressupõe produção, nada mais favorável para os agentes operadores da justiça do que utilizar o trabalho como instrumento de reinserção social, visto que estão diretamente dando a oportunidade a indivíduos improdutivos (delinquentes) de se tornarem produtivos (JULIÃO, 2007, p. 43).

Julião (2007, p.43) ainda acrescenta que “o ócio, historicamente, é privilégio dos

homens livres e o trabalho, principalmente o físico, dos escravos”. E afirma também

que “a maioria das atividades desenvolvidas no sistema penitenciário tem a simples

finalidade de tirar os internos do ócio, mesmo que nada venha lhe acrescentar”.

Diante dos obstáculos para se efetivar a educação como um direito e um bem social,

os sujeitos da EJA nas prisões ficam reféns de medidas e ações compensatórias,

silenciando, assim, as reivindicações necessárias para a área.

A evasão escolar contribui com a fragilidade da EJA prisional, sobre o que Urpia

(2009) destaca:

A evasão e a frequência intermitente são fenômenos comuns nessas escolas. A frequência à sala de aula é determinada pela trajetória de vida dos sujeitos — horários de trabalho, locomoção, doenças, desemprego, relações familiares, violência —, verificando-se, por exemplo, que, no espaço de uma semana, há aqueles que comparecem a um ou dois dias de aula, no máximo (URPIA, 2009, p.49).

26

A realidade de vida desses sujeitos não permite a assiduidade em sala de aula, pois

a sua vida adulta está atrelada basicamente à sobrevivência que lhe impõe outras

prioridades, como trabalho, compromissos financeiros, família etc. Como a maioria

estuda à noite, o esgotamento físico depois de um dia inteiro de trabalho, além da

questão da violência e o precário serviço público de transporte, também contribuem

para o afastamento desse educando da escola.

Poderíamos afirmar então que nas escolas das prisões a evasão é mínima, pois

questões de transportes, trabalho, contas a pagar não existem. Mas, Paiva (2007)

alerta que:

No cárcere, a forma como a evasão se apresenta não tem os motivos da vida como mola propulsora, e talvez quase se possa afirmar que fica mais fácil avaliar o quanto a escola pode estar inadequada para as necessidades e demandas dos sujeitos. Se, por um lado, a privação de liberdade poderia ser um contribuinte para garantir a presença dos alunos na escola, por outro não impede que se afastem, se o projeto pedagógico não levar em conta a realidade desses sujeitos e seus desejos nesse espaço diferenciado do mundo da prisão (PAIVA, 2007, p.43).

As escolas nas prisões também têm um alto índice de evasão: a falta de material

didático adequado, a precariedade das salas de aula, a questão da violência

contribuem para o desinteresse do detendo de ir à escola. Outro fator é a

possibilidade de exercer alguma atividade remunerada na prisão, pois mesmo não

usufruindo do dinheiro eles acreditam que estarão ajudando a família e ou

recompensado-a de alguma forma pelo mal que eles causaram. Como muitos

detentos cumprem pena distante da sua cidade de origem, esse dinheiro ajudará no

transporte dos familiares para os dias de visita.

A efetivação do direito à educação nas prisões exige propostas pedagógicas e

educativas adequadas à realidade dos seus sujeitos, contudo a guerra fria dos

muros das prisões impede que vá além da punição e a clausura como castigo. A

ressocialização almejada pelo Estado e pela sociedade civil se dá por meio do

trabalho e apenas utilizam a escola como ferramenta para operacionalizar isso.

Entretanto, Julião (2007) afirma que:

Se entendermos a educação como um direito, talvez não seja necessário aceitar a idéia da instrumentalização da educação nas prisões e transformá-la numa estratégia de ressocialização. Isto pode

27

ocorrer, e é bom que aconteça, mas não precisa ser a justificativa para a presença da educação nas prisões. Responsabilizar a educação pela ressocialização dos presos é exigir mais do que se deve da educação; a reinserção do preso na sociedade é dever do sistema penitenciário, como prevê a Lei de Execução Penal e depende de um tratamento penal concebido para que isto ocorra (JULIÃO, 2007, p. 18).

Pensar a educação como uma benesse para o detento é subjugar o seu direito, se

faz necessário reconhecer a população prisional como público da Educação de

Jovens e Adultos com suas especificidades. Também não é possível acreditar que

apenas a educação poderá resolver questões que estão intrinsecamente associadas

ao desajuste político, social e econômico. A não efetivação do direito a educação,

em qualquer esfera da sociedade, é apenas um reflexo desse desajuste.

28

3. CAPÍTULO II – A EJA PRISIONAL: NO BRASIL E NA BAHIA

Apesar da diversidade sociocultural no Brasil, os problemas no sistema prisional são

semelhantes. O alto índice de reincidência e a superlotação refletem uma crise no

sistema que repercute fora dos seus muros. Contudo, podemos afirmar que essa

crise não nasceu na prisão, apenas se agravou.

Pensar a educação como uma válvula de escape para os problemas do sistema

carcerário é mascarar a realidade de desigualdade e exclusão do nosso país. Por

outro lado é importante refletir sobre o papel da educação dentro deste sistema. O

enfrentamento seria primeiramente compreender a educação como um direito e que

a prisão está atrelada ao castigo.

Assim, neste capítulo será apresentada a situação da EJA no Brasil e na Bahia , na

perspectiva de que a educação não é privilégio e que a população prisional tem o

direito de beneficiar-se com as políticas oficiais para a Educação de Jovens e

Adultos, modalidade de ensino que melhor atende a realidade dos sujeitos das

prisões.

3.1 EJA no BRASIL

O cotidiano das prisões ainda é desconhecido pela sociedade em geral. A prisão

ganha destaque quando as mídias noticiam as rebeliões, as fugas, a violência e ou

denúncias de superlotação e maus tratos. Então, discutir educação nas prisões é

antes compreender que existe um sistema maior que regula e controla a vida do

preso impondo limites até mesmo aos seus direitos. Na opinião de Santiago e Brito

(2006):

Embora o arcabouço legal privilegie o papel da educação para a população carcerária, especialmente tendo em conta o caráter ressocializador da pena, e não apenas punitivo, a realidade nos presídios brasileiros está bem distante do que diz a lei. Infelizmente, o reconhecimento legal não tem sido acompanhado de medidas

29

efetivas para garantir a oferta sistemática de oportunidades educacionais nesses estabelecimentos (SANTIAGO E BRITO, 2006, p.301).

A escola, dentro dessa realidade, torna-se um espaço improdutivo, principalmente

porque não faz parte da dinâmica da prisão: ela está desarticulada da proposta

política e de segurança das instituições penais. A aplicabilidade das leis educativas

emperra em normas e muitas vezes na boa vontade dos funcionários dos presídios

que nem sempre veem com bons olhos a escola e o contato dos presos com outras

pessoas. O planejamento escolar fica engessado nos regulamentos dos presídios e

no entendimento dos dirigentes das instituições.

Segundo a legislação (Constituição Federal, LDB, LEP), todos os estabelecimentos

penais são obrigados a assegurar a educação gratuita a todos os apenados. De

acordo com a LDB, a EJA é destinada àqueles que não tiveram acesso ou

continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria, é

assegurada ainda oportunidades educacionais apropriadas, considerando as

características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho. A

Declaração de Hamburgo, resultado da V Conferência Internacional sobre Educação

de Adultos – Confintea, afirma que a EJA:

Engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas "adultas" pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade (Declaração de Hamburgo, 1997).

A VI Confintea, realizada na Cidade de Belém do Pará, reafirma no Marco de Ação

de Belém a definição da EJA apresentada na Declaração de Hamburgo e esclarece

que o grande desafio para as Confinteas é que as recomendações sugeridas sejam

implementadas nas políticas públicas da EJA.

A mobilização para discussões estão sendo promovidas em torno da educação

como um direito, mas ela está condicionada a vários outros aspectos para sua real

efetivação e ampliação; o que acontece com a educação no sistema prisional. Por

falta de clareza das atribuições e responsabilidades, como descrito nos capítulos

anteriores, a sua efetivação esbarra principalmente na falta de vontade política e na

falta de fiscalização e aplicação de penalidades ao não cumprimento da lei. O que

30

acontece na EJA nas prisões é um reflexo do que acontece com a EJA fora dos seus

muros.

Com base nos dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da

Justiça (DEPEN - MJ), o Brasil possui atualmente 494.2372 pessoas presas

distribuídas em 1795 estabelecimentos penais; destes, 26.266 são analfabetos e

186.163 tem o ensino fundamental incompleto, correspondendo a aproximadamente

43% da população carcerária do país. Apenas 44.433 estão envolvidos em atividade

educacional, englobando todos os níveis educacionais, inclusive os cursos técnicos.

Este cenário representa a pouca visibilidade que tem a escola dentro do sistema

prisional. Não se sabe ao certo o que acontece dentro das instituições prisionais,

mas os números denunciam. De acordo com Teixeira (2007):

O princípio fundamental que deve ser preservado e enfatizado é que a educação no sistema penitenciário não pode ser entendida como privilégio, benefício ou, muito menos, recompensa oferecida em troca de um bom comportamento. Educação é direito previsto na legislação brasileira. A pena de prisão é definida como sendo um recolhimento temporário suficiente ao preparo do indivíduo ao convívio social e não implica a perda de todos os direitos (TEIXEIRA, 2007, p. 15).

As Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação

de privação de liberdade nos estabelecimentos penais (Resolução nº02/2010 CNE)

homologada em 07 de maio de 2010 também enfatiza a educação como um direito

do preso e que não pode ficar emperrada nas questões burocráticas das instituições

penais e no desconhecimento e despreparo dos profissionais que atuam nas

prisões, quando afirma:

O direito à educação (que deve ser garantido) é visto e tratado como um benefício e até um privilégio. Inclusive muitos trabalhadores penitenciários acreditam que qualquer ação positiva para os presos significa premiar o comportamento criminoso. Em tal contexto pode-se observar duas lógicas opostas: a da educação que busca a emancipação e a promoção da pessoa e a da segurança que visa a manter a ordem e a disciplina por meio de um controle totalitário e violento subjugando os presos. São procedimentos nada educativos. A natureza do estabelecimento penal, como funciona hoje, é hegemonicamente mais punição do que recuperação do apenado. Em tal ambiente de pouco espaço para o exercício da individualidade e da reflexão, a educação fica minimizada em seu potencial de

2 Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010.

31

recuperação das pessoas encarceradas. Além disso, dificulta a prática educativa (Conselho Nacional de Educação, 2010, p.5).

Neste isolamento das partes – escola e prisão – o único prejudicado é o preso que

deseja estudar. A preocupação com a segurança sobrepõe-se ao direito, fazendo da

escola um espaço como outro qualquer e descontextualizado, comprometendo a

realização de seus objetivos.

Outro ponto que se deve destacar é o perfil dos presos que cumprem pena no país:

71,41%3 têm entre 18 a 34 anos; 56,35% são negros e ou pardos; e 42,20% são

oriundos dos municípios do interior dos estados. São semelhantes ao perfil descrito

por Arroyo (2005, p.47) do alunado da EJA: “por décadas esses jovens e adultos são

os mesmos, pobres, oprimidos, excluídos, vulneráveis, negros, das periferias e dos

campos. Os coletivos sociais e culturais a que pertencem são os mesmos”. A

exclusão social do preso e do educando da EJA confronta a educação pública, pois

as barreiras sociais impostas têm esvaziado as salas de aulas dentro e fora das

prisões. Haddad (2007) contribui afirmando que:

Nos casos em que a igualdade de acesso não é suficiente para garantir oportunidades escolares a todas as pessoas, o Estado deve intervir com políticas de inclusão em defesa dos grupos mais vulneráveis. Sabe-se que a falta destas políticas afeta principalmente as pessoas que historicamente foram excluídas do sistema, como negros, idosos, mulheres e camponeses, gerando situações de iniquidades no que diz respeito ao acesso e à permanência no sistema educacional (HADDAD, 2007, p.7).

As escolas, dentro e fora da prisão, que recebem jovens e adultos devem

compreender a diversidade de seus sujeitos e adotar medidas que atendam essa

realidade. Sejam através de horários das aulas, material didático, suas medidas

devem estimular a permanência do educando a continuar sua trajetória escolar e de

aprendizagem.

A escassez de políticas sociais que minimizem as desigualdades contribui para

superlotação das prisões, que por sua vez não conseguem dar conta de tanta

diversidade, ou melhor, carência em seu espaço. Mesmo diante das dificuldades, a

EJA tem sido implementada nos sistemas prisionais, porém a sua sustentação e

3 Dados calculados tendo como referência as informações do Ministério da Justiça- Departamento Penitenciário Nacional – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010.

32

desenvolvimento dependem de medidas que mexam com a dinâmica da prisão para

resoluções de questões que afetam diretamente o trabalho pedagógico como

higiene, saúde, violência, alimentação.

É um desafio, para os operadores da lei, otimizar as verbas da educação; definir

uma política educacional coerente e de longo prazo e mantê-la durante diferentes

governos, mas é necessário a participação da sociedade nesse processo, todavia o

Documento Base Nacional preparatório à VI CONFINTEA destaca:

A tutela do Estado em relação a internos penitenciários tem sido um aspecto muito questionado pela sociedade, quanto ao custo de manutenção de sujeitos privados de liberdade, por um lado, e pelas condições indignas de vida a que estes são submetidos, como uma “pena” complementar à condenação da justiça, por outro. A responsabilidade constitucional do Estado com a educação para todos não exclui ninguém, nem internos penitenciários, e especialmente estes, privados de escolhas, porque mantidos em cárcere (MEC, 2008, p.16).

A educação é um direito e o Estado e a sociedade civil devem garantir o acesso de

todos aos serviços essenciais independente da condição do indivíduo. A educação,

como parte importante para integração do preso à sociedade, deve ser efetivada de

maneira eficaz; deixá-la à revelia é negar, de forma silenciosa, esse direito.

3.2 EJA na Bahia

A população carcerária do Estado da Bahia é de aproximadamente 16.907 detentos4

distribuídos entre os 20 estabelecimentos penais. O órgão responsável pelo Sistema

Penitenciário é a Superintendência de Assuntos Penais - SAP, um órgão do regime

especial da administração direta, integrante da estrutura da Secretaria da Justiça,

Cidadania e Direitos Humanos – SJCDH, que tem por finalidade planejar, coordenar,

executar, supervisionar, controlar e avaliar, em harmonia com o Poder Judiciário, os

serviços penais do Estado.

4 Ministério da Justiça- Departamento Penitenciário Nacional – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010.

33

O Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado da Bahia, elaborado pela

Comissão de Monitoramento e Avaliação do Programa Nacional de Segurança

Pública com Cidadania - PRONASCI e o Departamento Penitenciário Nacional -

DEPEN, traçou em 2007 um diagnóstico da situação atual da Execução Penal no

Estado da Bahia. A meta 15 que trata da educação e profissionalização do preso

estabelecem entre suas etapas a ampliação da oferta de ensino nas Unidades

Prisionais, compra de equipamentos, construção de salas de aula e contratação de

professores. A Ação nº 2 do Plano Diretor tem como meta a implantação com

ampliação de turmas de ensino fundamental e médio, nas Unidades Prisionais da

Capital e do Interior do Estado. Seria pertinente a concretização dessa ação, pois de

acordo com a Tabela 1 o número de presos que possuem o ensino fundamental

incompleto corresponde a 44,3% e serviria de estimulo para que esses presos

frequentassem a escola a fim de concluir esta etapa.

De acordo com o Plano Diretor deste período (2007) a situação é descrita na tabela

abaixo:

Tabela 1. Quantidade de presos no Sistema Penitenciário de acordo com grau de instrução

ESCOLARIDADE MASCULINO FEMININO TOTAL Analfabeto 1.289 36 1.325 Alfabetizado 1.507 24 1.531 Ensino Fundamental Incompleto

3.478 173 3.651

Ensino Fundamental Completo 658 20 678 Ensino Médio Incompleto 530 18 548 Ensino Médio Completo 393 22 415 Ensino Superior Incompleto 34 07 41 Ensino Superior Completo 21 01 22 Ensino acima de Superior Completo

02 01 03

Não Informado 26 01 27 TOTAIS 7.938 303 8.241 Fonte: Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado da Bahia. Setembro 2007.

O destaque ficou na Ação nº 03 que tinha o Projeto Resgatando a Individualidade do

Interno que deveria ser desenvolvido a partir da identificação das necessidades dos

internos do sistema penitenciário.

34

Em 2010 o MJ e o DEPEN divulgaram os seguintes indicadores:

Tabela 2. Quantidade de presos no Sistema Penitenciário de acordo com grau de instrução

ESCOLARIDADE MASCULINO FEMININO TOTAL Analfabeto 1.144 51 1.195 Alfabetizado 1.279 64 1.343 Ensino Fundamental incompleto 4.204 213 4.417 Ensino Fundamental Completo 860 43 903 Ensino Médio Incompleto 711 27 738 Ensino Médio Completo 466 42 508 Ensino Superior Incompleto 46 10 56 Ensino Superior Completo 14 03 17 Ensino acima de Superior Completo

0 0 0

Não Informado 46 01 47 TOTAIS 8.770 454 9.224

Fonte: DEPEN/InfoPen. Referência junho2010.

Vale ressaltar, que a população carcerária na Bahia em 2007 era de 13.9195

detentos e em 2010 esse contingente cresceu aproximadamente 18%. Ainda com

base nos dados de 2010, outro ponto a destacar é a diferença entre o total de

detentos (16.907) e o total dos registrados, conforme grau de instrução (9.224).

Onde estão? O que fazem os 7.683 detentos? E por que não entraram nos

indicadores do MJ? A dúvida se agrava se compararmos com os 1.1826 detentos

que estão envolvidos em alguma atividade educacional.

O Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado da Bahia foi atualizado em

dezembro de 2009 com o monitoramento das metas estabelecidas pelo Plano.

Constatou-se que a 1ª Etapa da Ação nº 1 que corresponde à ampliação da oferta

de ensino nas Unidades Prisionais da Capital e do Interior do Estado, por meio da

construção de novas salas de aula, não foi alcançada, conforme quadro abaixo

extraído do Relatório de monitoramento do Plano Diretor / BA.

5 Ministério da Justiça- Departamento Penitenciário Nacional – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 12/2007. 6 Ministério da Justiça- Departamento Penitenciário Nacional – Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen). Referência 06/2010.

35

Quadro 1. Relatório de monitoramento das Ações do Plano Diretor do Estado da Bahia. Dezembro de 2009.

AÇÃO Nº 01: Implantação com ampliação de turmas de alfabetização, nas Unidades Prisionais da Capital e do Interior do Estado ETAPAS DA AÇÃO INÍCIO CONCLUSÃO 1ª ETAPA Ampliação da oferta de ensino nas Unidades Prisionais da Capital e do Interior do Estado, através da construção de novas salas de aula.

Março/2008 Março/2009

SITUAÇÃO AGOSTO/08: Não foi possível a construção de novas salas de aula* visto que a solicitação encaminhada ao Depen não foi aprovada, por conta do tamanho da área não ser compatível com as exigências do Depen. SITUAÇÃO DEZEMBRO/09: Em andamento – modificada Como não foi possível a construção de novas salas de aula, a SJCDH, a partir do segundo semestre de 2009, desenvolveu, em conjunto com a Secretaria de Educação, um projeto para a utilização das salas de aula existentes em horários alternativos. O Projeto piloto está sendo desenvolvido para o Complexo Penitenciário Lemos Brito, localizado no Complexo Penitenciário de Salvador e se propõe a utilizar o horário de 11:30 às 13:30h, a partir do ano de 2010. Como essa ação alternativa, tem o alcance restrito no resultado a ser alcançado de ampliação de vagas, em 2010 a SJCDH vai elaborar e apresentar um novo projeto de ampliação de salas de aula ao Depen. Área responsável enviará quantas turmas serão geradas.

Quadro retirado do Relatório de monitoramento das Ações do Plano Diretor do estado da Bahia. Dez.2009. * Grifo da autora.

Outra etapa da Ação nº 1 que também não alcançada foi a construção de um Projeto

Político-Pedagógico para a educação no sistema penitenciário. De acordo com o

Relatório de monitoramento o Projeto Político-Pedagógico está em fase de

elaboração na Escola Especial Lemos Brito, com a participação da SEC, por meio do

Instituto Anísio Teixeira e da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. O

Projeto Resgatando a Individualidade do Interno da Ação nº 03 teve alteração no

prazo para conclusão da sua 1º Etapa (deveria ser concluída em dezembro de 2009)

que era o levantamento do perfil de toda população prisional em todos os aspectos.

Esse trabalho estava previsto para começar, de acordo com o Relatório de

Monitoramento de janeiro de 2010 e, devido à impossibilidade de cobrir todo o

36

universo prisional, nesta etapa será realizada uma amostra de 3% das Unidades

Prisionais da capital.

A proposta da Secretaria da Educação do Estado da Bahia para EJA é “Educação

de Jovens e Adultos: aprendizagem ao longo da vida”. O Estado assume o

compromisso de assegurar o direito à Educação Básica para os sujeitos jovens e

adultos por meio de medidas que devem ser adotadas, entre elas:

1. Inserir a EJA no campo de Direitos Coletivos e de Responsabilidade Pública.

2. Assumir a Política de EJA na atual política do Estado, definida no documento Princípios e Eixos de Educação na Bahia.

3. Assegurar a EJA como oferta de educação pública de direitos para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas experiências de vida e de trabalho, garantindo as condições de acesso e permanência na EJA, como direito humano pleno que se efetiva ao longo da vida (SEC, 2009).

Apesar de não citar a Educação em ambientes privados de liberdade, a proposta

quando regulamentada, também deve beneficiar a educação no sistema prisional,

pois a EJA é a modalidade de ensino da escola na prisão e nela também destacam-

se os sujeitos da EJA referidos no documento citado:

No cenário educacional, configuram-se enquanto aqueles que não tiveram passagens anteriores pela escola ou, ainda, aqueles que não conseguiram acompanhar e/ou concluir a Educação Fundamental, evadindo da escola pela necessidade do trabalho ou por histórias margeadas pela exclusão por raça/etnia, gênero, questões geracionais, de opressão entre outras (SEC, 2009).

Mesmo com a existência da Escola Especial Lemos Brito no sistema prisional do

Estado da Bahia, a EJA prisional é um campo de incertezas. A formação

educacional para os detentos está inserida dentro de um sistema que a urgência é a

segurança. As aulas são suspensas por toda e qualquer tipo de suspeitas, além das

demandas existentes dentro do sistema como as visitas (nesse dia não tem aula) e

as revistas (normalmente levam o dia todo).

As Varas de Execuções do Estado adotam a remição de pena pelo estudo. De

acordo o art. 13, § 1º do Provimento CGJ nº14/2007 da Corregedoria Geral de

Justiça da Bahia, a cada 18 horas de atividade intelectual (estudo) é remido um dia

da pena. Todavia, diante da dinâmica do sistema prisional essas 18 horas de

37

estudos ficam em desvantagem se comparado ao trabalho. O Artigo 126 da LEP

garante um dia de pena por três de trabalho.

As ações isoladas dos Estados testificam a falta ou a ineficiência de políticas

públicas de âmbito nacional. Mesmo reconhecendo as especificidades que cada

estado possui é necessária uma lei que normatize e fiscalize as ações de cada um

deles. Um olhar mais atento perceberá que questões como superlotação, alto índice

de violência e estrutura físicas precárias são comuns nos sistemas prisionais de todo

país.

Os sujeitos que frequentam a escola na prisão na Bahia, ou em qualquer outro

estado, carregam consigo o estigma da exclusão. São na sua maioria analfabetos ou

possuem o ensino fundamental incompleto, negros, pobres, sem renda, sem

moradia fixa. Outro fator de destaque é o baixo índice de presos que se matriculam

e frequentam a escola em comparação à população carcerária geral e isto é

agravado principalmente pela falta de articulação das escolas com as

administrações das penitenciárias. Elas atuam com os mesmos sujeitos, mas com

ações isoladas. Espera-se que as Diretrizes Nacionais para Educação em Prisões,

aprovada em 2010, possibilite uma integração e comunicação de medidas que

rompam o isolamento das escolas nas prisões.

38

4. CAPÍTULO III – CAMINHOS INCERTOS – CAMINHOS POSSÍVEIS

A pesquisa, na visão de Gil (2002), “é um procedimento racional e sistemático que

tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos”. No

primeiro momento da pesquisa o intuito não era responder, mas conhecer o

problema e torná-lo evidente. A racionalidade e sistematização sugerida por Gil

(2002) não resistiu ao primeiro contato e as hipóteses e suposições caíram por terra,

pois eles não correspondiam à vivência de atuar na escola na prisão e a interação

com os seus sujeitos. Para o pesquisador, aquele que vai a campo, “foi um tiro no

escuro”, caminhos incertos, mas válidos. Para os críticos de plantão, loucura, utopia,

o risco não valeria a pena, literalmente.

Foi necessário um mergulho, procurar como se procura uma jóia perdida ou

roubada. Para os autores Marconi e Lakatos (2002, p.71) a pesquisa bibliográfica,

iria contribuir, pois reúne toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema

estudado e ainda fornecer subsídios necessários ao pesquisador para a construção

de uma discussão consistente entre os teóricos da temática. Ajuda também a

apresentar as visões convergentes e divergentes sobre o tema que permitirá uma

análise crítica do problema da pesquisa. Ao recorrer à bibliografia especializada

neste tema pude constatar, à medida que as minhas contradições cresciam, que as

opiniões eram semelhantes.

O livro “Educação escolar entre as grades”, uma coletânea de textos de

pesquisadores da área da educação escolar nas prisões, foi uma pérola encontrada

nessa caça ao tesouro e tornou–se um companheiro indispensável. Algumas teses,

dissertações e artigos foram importantes para confrontar os preconceitos, outras

funcionaram como chave correta do cadeado da dúvida; outras como um banho de

sol nas idéias a saber, Arroyo (2005), Urpia (2008), Vieira (2008) e Silva (2004).

Para Gil (2002, p.66) “fontes dessa natureza podem ser muito importantes para a

pesquisa, pois muitas delas são constituídas por relatórios de investigações

científicas originais ou acuradas revisões bibliográficas”.

39

A pesquisa documental foi necessária para levantar dados relevantes sobre o tema

e que, de acordo com Marconi e Lakatos (2002, p.62-63), possibilita ao pesquisador

um contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado

assunto; ainda segundo as autoras, a pesquisa documental também contribuirá na

coleta de dados, pois os documentos, escritos ou não, são fontes primárias de

pesquisa e que também darão uma base sólida. Com essa indicação, elegeu-se

como documentos pertinentes ao tema a legislação, especificamente a Lei de

Execução Penal (1984) que define as condições em que o sentenciado cumprirá sua

pena; a Lei de Diretrizes e Bases (1996) que estabelece as diretrizes para a

Educação no Brasil; e a Lei 10.172 (2001) que aprovou o Plano Nacional de

Educação, que subsidiaram esta pesquisa.

A dificuldade de avançar na compreensão e expressar uma opinião mais sólida

sobre o tema deve-se, em parte, à falta de clareza e objetividade da referida

legislação, com exceção da Lei de Execução Penal, especifica para o preso e que

abrange uma série de outras questões, sendo a escola mais um item dela. A LDB e

o PNE não abordam especificamente a educação prisional. Todavia, em 2010, foi

homologado o Parecer CNE/CEB nº 4/2010 que aprovou as Diretrizes Nacionais

para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de

liberdade nos estabelecimentos penais brasileiros, um marco normativo para história

da educação prisional.

Para responder às hipóteses de pesquisa foi fundamental realizar uma pesquisa de

campo que, na opinião de Oliveira (1999. p.124), “consiste na observação dos fatos

tal como ocorrem espontaneamente, na coleta de dados e no registro de variáveis

presumivelmente para posteriores analises”, permitindo assim, conhecer a realidade

in loco. A escuta sensível, do mesmo modo, teve que percorrer todo o trajeto da

pesquisa, na perspectiva de Barbier (1998), que diz:

A escuta sensível reconhece a aceitação incondicional de outrem. O ouvinte sensível, não julga, não mede, não compara. Entretanto, ele compreende, sem aderir ou se identificar às opiniões dos outros, ou ao que é dito ou feito. A escuta sensível pressupõe uma inversão de atenção. Antes de situar uma pessoa em seu lugar começa-se por reconhecê-la em seu ser (BARBIER, 1998, p.1).

40

Muitas vezes, essa escuta foi tomada pela indignação, pois quanto mais se dava a

aproximação com o espaço da escola na prisão, mas as incoerências entre o direito

e sua efetivação evidenciavam-se.

Devido à impossibilidade de permanência em alguns ambientes foram aplicados

questionários aos professores e educandos com o objetivo de conhecer as falas e

opiniões dos sujeitos envolvidos na realidade da educação do sistema prisional.

Para a análise dos dados coletados foi realizada uma tabulação que tornou mais

objetiva a percepção da realidade do campo pesquisado. Na perspectiva de Marconi

e Lakatos (2002)

Na análise, o pesquisador entra em mais detalhes sobre os dados decorrentes do trabalho [...], a fim de conseguir respostas às suas indagações, e procura estabelecer as relações necessárias entre os dados obtidos e as hipóteses formuladas. Estas são comprovadas ou refutadas, mediante a análise (MARCONI e LAKATOS 2002, p.35).

Os questionários foram aplicados a uma amostra do universo de educandos e

professores. Segundo Gil (2002, p.121) a amostra “é uma pequena parte dos

elementos que compõem o universo. Quando essa amostra é rigorosamente

selecionada, os resultados obtidos no levantamento tendem a aproximar-se bastante

dos que seriam obtidos caso fosse possível pesquisar todos os elementos do

universo.”

No caso específico desta pesquisa, não foi possível realizar escolhas, a quem e

quando entrevistar, devido à dinâmica da prisão os fatos aconteciam de forma não

sistemática.

4.1 A penitenciária no senso comum

As prisões caracterizam-se principalmente por ser uma instituição fechada. Sua

arquitetura, as normas e o rígido controle fazem parte do dia-a-dia daqueles que

trabalham, visitam e, sobretudo àqueles que são a razão de ser do local – os presos.

Para Foucault (1999):

41

A prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica (FOUCAULT, 1999, p. 214).

A punição é o diferencial do sistema prisional e Onofre (2007) afirma que os presos

são punidos com a prisão. A autora ainda revela:

As prisões se caracterizam como teias de relações sociais que promovem violência e despersonalização dos indivíduos. Sua arquitetura e as rotinas a que os sentenciados são submetidos demonstram, por sua vez, um desrespeito aos direitos de qualquer ser humano, à vida. Nesse âmbito, acentuam-se os contrastes entre a teoria e a prática, entre os propósitos das políticas públicas penitenciárias e as correspondentes práticas institucionais, delineando-se um grave obstáculo a qualquer proposta de reinserção social dos indivíduos condenados (ONOFRE, 2007, p.12).

A prisão, nesta perspectiva, funciona como um aparelho repressor e que não

consegue ir, além disso. A sociedade civil ausenta-se de qualquer responsabilidade,

pois se considera vítima. O desafio é fazer com que essa sociedade, que se

considera vítima, aproxime-se do ambiente prisional para conhecer a sua realidade,

a fim de atuar como agente fiscalizador sobre as ações repressoras do Estado.

Todavia, Graciano (2010, p.22) adverte que “alguns autores explicam a

insensibilidade social para com as horríveis condições das prisões brasileiras em

razão da classe social da população carcerária – são pessoas pobres, em sua

maioria negras e homens.”

4.2 Ultrapassando os muros das prisões

Esta pesquisa foi realizada na Escola Especial da Penitenciária Lemos Brito, situada

dentro do Complexo Penitenciário do Estado da Bahia, localizado à Rua Direta de

Mata Escura, s/n°. Por que complexo? Porque ela é constituída de várias unidades

prisionais dentro do seu espaço. Penitenciária Lemos Brito (PLB), que custodia

presos condenados, dando cumprimento às penas privativas de liberdade, em

regime fechado e com segurança máxima; Presídio Salvador, que custodia presos

42

provisórios no aguardo de julgamento; Conjunto Penal Feminino, custodia presas

provisórias e condenadas, dando cumprimento às penas privativas de liberdade, em

regime fechado e com segurança máxima; Cadeia Pública de Salvador, abriga réus

provisórios; Centro de Observação Penal, abriga os internos que pleiteiam

mudanças de regime e para tanto são submetidos a exame criminológico; Unidade

Especial Disciplinar, abriga réus provisórios e condenados em regime fechado. Em

frente ao Complexo Penitenciário, tem a Casa do Albergado e Egressos, que abriga

condenados ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto e da

pena de limitação de fim de semana.

Existem ainda na cidade de Salvador outras unidades prisionais: A Colônia Lafayete

Coutinho que custodia presos condenados a penas privativas de liberdade em

regime semi-aberto que fica no bairro de Castelo Branco; Hospital de Custódia e

Tratamento que recebe, sob regime de internação e por determinação judicial para

perícia, custódia e tratamento, indiciados, processados e sentenciados, suspeitos ou

comprovadamente portadores de doença mental ou de desenvolvimento mental

incompleto ou retardo, em regime fechado e com segurança máxima localizado no

bairro da Baixa do Fiscal.

Quem passa por fora do Complexo Penitenciário não tem noção desse aglomerado;

grande parte da população apenas tem conhecimento da Penitenciária Lemos Brito

como o único espaço de encarceramento. Cabe registrar que não encontrei

dificuldades para passar pelo portão principal. No primeiro dia, foram perguntas

clássicas de quem eu era e de onde era; percebi que o agente carcerário ficou

curioso para saber o porquê da pesquisa, mas não houve tempo nem espaço para

uma conversa.

Do portão principal do Complexo à Escola Especial da Penitenciária Lemos Brito

caminha-se, em média, um quilômetro. A escola fica dentro das unidades da

Penitenciária Lemos de Brito; Nesse percurso, antes de chegar à Escola, está o

Batalhão de Guardas da Polícia Militar e logo após a Administração da PLB, onde

fica a sala do Diretor e também outros setores. Em seguida, vem o refeitório dos

funcionários da PLB e depois, a alguns metros, a Escola.

43

A Penitenciária Lemos Brito é a maior unidade do Complexo Penitenciário e está

dividida em cinco Módulos. O Módulo I com 2557 presos, mas com capacidade para

128; Módulo II com 284, mas com capacidade para 261 presos; Módulo III com 264

presos, mas com capacidade para 261; Módulo IV (desativado) e o Módulo V com

419 presos, mas com capacidade para 382. São 1255 presos ao total, sendo 190

excedentes.

Como a Escola Especial Lemos Brito localiza-se no subsolo, é necessário passar por

uma área de Base onde ficam em média quatro agentes carcerários, pois é a Base

para acesso aos Módulos (I, II, III e V) e também local de revista das visitantes. Este

espaço possui uma cela provisória em que os internos ficam por pouco tempo até

que sejam conduzidos para o Módulo onde cumprirão pena ou transferência para

outra Unidade. Por causa dessa localização, a escola é pouco iluminada pelo sol e

tem a ventilação comprometida.

De acordo com informações fornecidas pela secretaria da Escola Especial Lemos

Brito, seu corpo de profissionais conta com 21 professores efetivos, 04 estagiários e

11 funcionários terceirizados que atuam na secretaria, copa e cozinha, e serviços

diversos.

4.3 Caminhos Possíveis

O Trabalho de Conclusão de Curso deveria ser uma culminância dos quatros anos

de vida acadêmica, uma resposta à sociedade, já que estamos em uma universidade

pública. Na reta final do curso a sensação é de um dever não cumprido das duas

partes – Universidade e Estudante; e o TCC é reflexo do pouco conhecimento

acumulado, da falta de crítica e de produção. Não posso negar os momentos de

reflexão, discussão, aprendizagem e os amigos e professores que admiro na

instituição e é isso que irei levar. Mas, poderíamos ir além, muito além da matriz

curricular, que engessou o curso e a maioria dos professores e estudantes.

7 Dados fornecidos pela Penitenciária Lemos Brito/Segurança. Referência 25/11/2010.

44

Poderíamos ir além dos horários, das cópias de partes de livros, dos feriados, dos

discursos, das crises, da falta de alguma coisa.

A dificuldade na escolha do tema fez-se presente nesse percurso, mas o itinerário do

ônibus me dava sinais sobre o que deveria pesquisar. O Complexo Penitenciário do

Estado da Bahia fica a 4,3km da UNEB e o ônibus que eu pegava para ir à UNEB

passava em frente e, pelo ônibus, dava para ver a Escola Professor Estácio de Lima,

que ficava logo na entrada da penitenciária. Era uma escola para filhos de presos do

Complexo Penitenciário, mas foi desativada.

Mesmo o Complexo Penitenciário do Estado e a UNEB serem próximas

territorialmente, não impediu seu distanciamento social. Não recordo de discussões

em sala (ou fora dela) sobre práticas de ensino na prisão. Meu interesse persistiu

após conhecer a Educação de Jovens e Adultos, não como modalidade de ensino,

mas pelos seus sujeitos. Insisto em afirmar: a similaridade dos sujeitos da EJA e das

prisões é o reflexo de uma sociedade excludente, pois são os mesmos: pobres, na

sua maioria negra, com baixa escolaridade, desempregados ou em subempregos e

quando trabalham com carteira assinada são mal remunerados.

Como discente da Universidade do Estado da Bahia, do curso de Pedagogia

desconhecia qualquer prática educativa formal existente no sistema prisional e no

primeiro momento de escolha do tema de estudo instigaram-me as questões sociais

de exclusão que o tema suscita. Após algumas breves pesquisas, vislumbrei uma

realidade ausente nas discussões acadêmicas.

Neste percurso de descoberta e superação, questionei-me o que fiz na graduação

em aproximadamente cinco anos. Então, fui aos arquivos, computador, cópias,

trabalhos. Pouca produção, pouca discussão, poucas lembranças. Na reta final,

percebi que tinha de refazer o percurso e tentar recuperar o tempo, melhor dizer, os

estudos perdidos. Perdidos em um feriado prolongado, na falta de energia elétrica,

humana e administrativa da Instituição. E por que não falar da falta de compromisso

com minha formação?

A demanda de leitura não é só pelo tema pesquisado, mas principalmente pela falta

de base, de teorias e autores que já deveríamos conhecer nessa reta final. Então,

45

algo que deveria ocorrer com mais tranquilidade é, na verdade, um acúmulo de

quatro anos de estudo não realizados, mas que se deve cumprir em poucos meses.

Ainda não sei explicar se essas faltas estão associadas ao turno, pois os estudantes

do noturno são carentes de tempo. O tempo da informação, elas chegavam com

atraso. O tempo dos funcionários, eles não tinha como administrar os três turnos e,

assim, um deles teria que ficar no prejuízo. O tempo dos professores, eles não tem

mais tempo, são 101 docentes no Departamento de Educação atualmente, mas

poucos se disponibilizam a lecionar no noturno. O tempo da higiene e limpeza, o

tempo da biblioteca e o mais cruel dos tempos, o pedagógico.

Uma falácia o tempo pedagógico! Primeiramente a programação das 18 horas para

início das aulas, que começavam às 18h30. Depois mudou para as 18h30, então

começa às 19h. O único horário que conciliava era o término: o conclame era às

21h30, mas o tempo institucional ditava às 22h, às vezes 22h20.

O curso de Pedagogia com Habilitação em Gestão e Coordenação do Trabalho

Escolar era novo para o corpo docente e a sensação em sala de aula era de

insatisfação. Vale ressaltar que o currículo dessa habilitação excluiu todas as

metodologias necessárias para a prática de ensino: a matriz curricular do curso está

focada na gestão e coordenação do trabalho escolar, sem o pressuposto de que a

Gestão é uma função docente, cuja formação básica deveria ser o trabalho

pedagógico em sala de aula. Então, o que aconteceu em sala foi que não se discutiu

as metodologias, pois não estavam no currículo, porque, tampouco, essa nova

habilitação propunha. No caminhar do curso, as aulas aconteciam restrita ao

conhecimento que aquele professor privilegiava, muitas vezes sem o cumprimento

do ementário do curso.

Percebo também, que a Universidade, sobretudo no noturno, não está preparada

para receber o estudante que trabalha, embora tenha sido idealizada para esse

público que quer trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Outro engano é acreditar que

a carga horária de aula do noturno é igual ao diurno embora tenha a mesma duração

que é quatro anos.

Estudante do noturno, preocupada com a educação dos trabalhadores, decidi

estudar a EJA prisional. Nessa trajetória, parti da convicção de que a educação,

46

independe da classe social do sujeito e do delito cometido, é um direito garantido por

diversas lei. Infelizmente, a sua efetivação depende da generosidade dos seus

executores. Assim, adentrar à prisão foi um desafio, um encontro com os estigmas e

preconceitos que pesam sobre a população carcerária. A minha busca foi tentar ver

além do senso comum que fica em torno do crime praticado que, muitas vezes,

determina os seus direitos, e compreender a educação como um direito e se suas

práticas influenciam a vida e o cotidiano do preso enquanto estudante.

O plano antes de chegar à prisão, campo de pesquisa, era entrevistar o maior

número possível de estudantes e professores e também funcionários. Programei

algumas observações em sala, por acreditar na pertinência do contato mais próximo

com os estudantes para preservar a fidedignidade dos fatos, no momento da minha

escrita.

Preferi os educandos do II Tempo Formativo, pois, de acordo com suas professoras,

já tinham domínio da leitura e escrita, e poderiam responder, sem dificuldade, o

questionário proposto. Porém, no decorrer da pesquisa, compreendi que a dinâmica

da Escola Especial Lemos Brito depende dos acontecimentos do dia e dos

comunicados da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos.

Escolhi os Módulos III e V da Penitenciária Lemos Brito - PLB para aplicação dos

questionários, mas nas duas tentativas ocorreram situações adversas. Na primeira

foi a falta de energia, circunstância em que ninguém entra ou sai do Módulo, pois os

corredores para chegar às celas ficam totalmente escuros. Em outro momento

ocorreu o “baculejo” − expressão usada dentro do Complexo para se referir as

revistas de celas e dos presos; este é um procedimento sem aviso prévio e que leva,

normalmente, o dia todo.

Passados esses momentos, marquei uma nova visita ao Módulo V, pois ele que tem

um número maior de internos: 4198 presos; destes, 1429 matricularam-se na escola,

mas apenas 65 frequentavam as aulas. Antes de adentrar ao Módulo V, tive que

solicitar a autorização do diretor da PLB e apresentar o questionário que iria aplicar

aos estudantes; questionada sobre a escolha do Módulo V, justifiquei pela

quantidade de estudantes que frequentavam as aulas e o Tempo Formativo dos 8 Dados fornecidos pela Penitenciária Lemos Brito/Segurança. Referência 25/11/2010. 9 Dados fornecidos pela secretaria da Escola Especial Lemos Brito – Referência 26/10/2010.

47

mesmos. O diretor autorizou minha entrada, mas não a minha permanência no

Módulo, pois afirmou que o referido local estava como uma movimentação estranha

e que minha permanência no local poderia incitar os presos.

Entrar no Módulo foi uma experiência marcante. Na recepção estavam quatro

Agentes Carcerários dos quais um solicitou minha carteira de identidade; aproveitei

o ensejo e apresentei o oficio assinado pelo diretor da PLB e informei que não

permaneceria com a professora até o final da aula, por determinação do diretor:

apenas entregaria os questionários e sairia do Módulo. Eles liberaram minha entrada

e aí começou uma nova história: pude compreender melhor a vida das professoras

que se dedicam a este espaço de trabalho.

Os Agentes Carcerários não acompanham as professoras e para chegar às salas de

aulas (celas) é preciso passar por duas rampas mal iluminadas. A recepção é feita

pelos estudantes, que ficam esperando no portão para carregar as pastas e

aproveitar para conversar pessoalmente com as professoras. O maior interesse

deles é saber notícias da rua e fazer queixa sobre a comida e as condições de

permanência na prisão.

Apresentei-me como estudante da UNEB e o objetivo da minha pesquisa; esclareci

que ninguém era obrigado a responder o questionário, pois percebi que, na sua

condição de preso, eles se sentem no dever de fazer tudo o que se pede e também

acreditam que a aceitação passiva das atividades proposta acrescentará algum

beneficio futuro.

Eles afirmaram que estavam acostumados a responder questionários, que várias

pessoas iam lá fazer o mesmo. Após a entrega dos questionários, retirei-me do

Módulo. A professora se comprometeu a recolher os questionários e me entregar.

Obtive o retorno de 18 questionários no total de 23 distribuídos.

Com os demais funcionários (Apoio Administrativo e Serviços Diversos) não houve

tempo hábil para aplicação de questionários, todavia as conversas informais foram

constantes e importantes para conhecer o dia a dia da escola na prisão.

Em casa, ao ler as respostas dos estudantes e professores, o sentimento foi de uma

pesquisa inacabada e incompleta. A prisão possui uma diversidade que exige do

48

pesquisador tempo, pois o campo para pesquisa é vasto mesmo que delimitado. Foi

impossível vivenciar a dinâmica do sistema prisional sem refletir sobre a exclusão. É

muita falta para administrar: “falta” de espaço, falta de luz, falta de alimento, falta de

higiene, falta de funcionários, falta de professores, se contrapondo ao excesso de

tempo dos detentos.

49

5. CAPITULO IV – A EJA NA ESCOLA ESPECIAL LEMOS BRITO

O presente capítulo apresenta a análise dos resultados da pesquisa realizada na

Escola Especial Lemos Brito durante o período de 16 a 30 de novembro de 2010

que consistiu na aplicação de questionários a professores e educandos no sentido

de conhecer a realidade da escola na prisão e a visão que cada sujeito tinha do

espaço escolar.

5.1 A escola vista pelos seus sujeitos

A Escola Especial Lemos Brito possui 25 professores e 475 educandos da EJA

frequentando as aulas no período de realização da pesquisa. Não foi possível aplicar

questionários a todos, nem tampouco definir uma amostra com critérios específicos,

pois devido ao tempo disponibilizado à pesquisa e ao cotidiano da penitenciária,

(baculejo, constante falta de energia), não foi possível selecionar uma amostra

cientificamente balizada. Portanto, esta pesquisa tem uma amostra aleatória, mas os

resultados obtidos permitiram conhecer e refletir sobre o tema pesquisado. Para Gil

(1999, p.100) a amostra é um: “Subconjunto do universo ou da população, por meio

do qual se estabelecem ou se estimam as características desse universo ou

população”.

Assim, foram aplicados questionários a 09 professores e a 17 jovens da Escola

Especial Lemos Brito. As perguntas elaboradas buscaram conhecer a visão do

professor e do educando sobre o papel da escola no sistema prisional e sua

importância na vida do educando encarcerado. Colocamos o tempo de vivência que

os pesquisados possuíam no sistema prisional como uma variável fixa da tabulação

dos dados, por considerar que o tempo de prisão e a idade determinam a

singularidade da vivência do educando no ambiente prisional e influenciam seu olhar

sobre a escola.

A fim de resguardar a identidade dos entrevistados, não foi solicitada a identificação

dos respondentes nos questionários. Essa estratégia foi utilizada para que todos se

50

sentissem mais à vontade nas suas colocações, preservando assim a fidedignidade

das respostas.

Em geral, tanto os educandos quanto os professores responderam a maioria das

perguntas. Todavia, nos questionários dos educandos foi percebida a dificuldade

que os mesmos tem em expressar o seu conhecimento sobre o funcionamento da

escola. O questionamento é se esses estudantes não responderam por de fato

desconhecerem a escola que estudam. Já alguns professores não souberam elencar

as dificuldades percebidas no seu cotidiano, 22,22% afirmaram que não sentem

qualquer tipo de dificuldade no seu cotidiano escolar. Outro destaque é que

nenhuma das respostas dos professores, principalmente quando questionados sobre

a importância da escola, abordaram a educação como um direito.

As respostas tabuladas aqui apresentadas permitem ao leitor conhecer a realidade

escolar do sistema prisional e de seus sujeitos, que, no caso desta pesquisa, ficou

restrita a educandos e professores.

Apresentamos a seguir como ficou a amostra de respondentes que equivale a 3,5%

dos jovens e adultos que frequentam a Escola Especial Lemos Brito.

Tabela 3 – Identificação do universo dos Educandos entrevistados

Fonte: Pesquisa de campo. Salvador, 29.11.2010

A maioria dos estudantes está presa há mais de dois anos e possui o ensino

fundamental incompleto. Chama a atenção também a idade, cuja concentração está

na faixa etária da população economicamente ativa. Segundo Julião (2010, p. 88):

Idade Escolaridade

Tempo de Prisão Totais

18 a 25 26 a 35 + 35 1º seg 2º seg Médio S/R

- 1 ano 04 03 01 04

2 a 3 anos 07 03 02 02 04 01 02

4 a 6 anos 05 02 03 05

+ 7 anos 01 01 01

Total 17 08 05 04 01 13 01 02

51

“Hoje se prende, ao contrário de outros momentos, um enorme contingente de

jovens que não poderiam ser reincidentes, pois ainda não houve tempo para serem

libertados e cometerem novo delito.”

Então, percebe-se que os jovens estão, cada vez mais cedo, envolvidos em alguma

atividade ilícita e, consequentemente, fora do ambiente escolar. Eles registraram no

questionário que a vida escolar anterior à prisão foi marcada pelo desinteresse e

que, por causa das más amizades, deixavam de frequentar a escola; outros têm

depoimentos positivos em relação à escolaridade anterior à prisão, mas não revelam

o motivo da interrupção da sua vida escolar.

Como não fez parte do questionário saber os motivos que levaram esses jovens a

abandonarem a escola e irem para a criminalidade, não podemos aprofundar esta

questão.

Tabela 4 – Relação dos Presos com seus Familiares Recebe Visita Frequência das visitas Tempo de Prisão Totais

Sim Não Semanal Diversos S/R

- 1 ano 04 02 02 01 01 02

2 a 3 anos 07 05 02 01 02 04

4 a 6 anos 05 03 02 01 02 02

+ 7 anos 01 01 01

Total 17 10 07 03 05 09

Fonte: Pesquisa de campo. Salvador, 29.11.2010

Os dias de visita na Penitenciária Lemos Brito são sexta, sábado e domingo. A sexta

é reservada para visita íntima e neste dia não há aula. Queríamos saber se esse

estudante mantinha vínculos familiares, pois acreditamos que isso é um fator que

estimula a estudar e permanecer na escola. Como se pode constatar na tabela

acima, a proporção dos que recebem visita é maior do que a dos que não recebem,

embora não seja uma diferença muito grande. Mesmo dentre aqueles que

declararam que recebem visitas, alguns não responderam com que frequência

recebem. Vale também destacar o motivo alegado por aqueles que não recebem

52

visitas: referem-se principalmente ao fato de seus familiares residirem no interior do

Estado e não terem condições de arcar com transporte.

Tabela 5 – Vida Escolar dos Educandos na Prisão Motivo para frequentar a escola

Contribuição da escola

Destaque da escola

Tempo de Prisão

Totais

A B C D a b c d S/R X Y W Z S/R

- 1 ano 04 01 01 02 03 01 02 02

2 a 3 anos

07 01 03 02 01 03 01 01 02 01 02 02 02

4 a 6 anos

05 04 01 04 01 02 01 02

+ 7 anos

01 01 01 01

Total 17 01 05 07 04 07 01 05 01 03 01 04 01 06 05

Fonte: Pesquisa de campo. Salvador, 29.11.2010

Apesar da diversidade de respostas da Tabela 5, o motivo que o preso frequenta a

escola se converge para a resposta “mais conhecimento e aprendizagem”. “Ocupar

o tempo” também se destacou nas respostas. O que nos causou surpresa, pois

acreditavámos que iria prevalecer a redução de pena como principal motivo de

frequentar a escola, principalmente para aqueles que têm menos de um ano de

prisão. Estes, conforme registrado, almejam um futuro e veem na escola uma

Legenda: A – Redução de pena B – Ocupar a mente e tempo C – Mais conhecimento / aprendizagem D – Por Gosto / Bom / Professores

a – Abrir a mente / conhecimentos b – Conhecer os direitos e se atualizar c – Pensar no futuro / Ter projetos d – Ler e escrever

X – Escola como Família /Companheirismo Y – Respeitar e compreender as pessoas W – Dedicação dos professores Z – Lidar com situações do cotidiano / Ler e escrever S/R – Sem resposta

53

perspectiva de melhoria de vida. Analisando as respostas, pudemos perceber que o

ambiente escolar é também um momento de descontração, companheirismo e

reflexão para os educandos. Eles também referem-se às boas práticas dos

professores como um diferencial para permanecer em sala.

Tabela 6 – Perspectiva dos Educandos quanto à Escola Continuidade dos estudos

Desejo de mudança na escola

Tempo de Prisão

Totais

Sim Não S/R A B C D S/R

- 1 ano 04 03 01 04

2 a 3 anos 07 06 01 03 03 01

4 a 6 anos 05 05 02 01 01 01

+ 7 anos 01 01 01

Total 17 15 01 01 05 04 01 02 05

Fonte: Pesquisa de campo. Salvador, 29.11.2010

Legenda A – Mais professores e avanço nos estudos B – Benefícios para quem estuda C – Mais espaço e tempo de aula D – Cursos profissionalizantes S/R – Sem resposta

Conforme registrado na Tabela 6, os educandos desejam dar continuidade aos

estudos e esperam que a escola disponibilize mais professores. Analisando

cuidadosamente as respostas podemos compreender que eles associam a

quantidade de professores ao avanço nos estudos, ou seja, com novos professores

eles poderiam avançar para as séries subsequentes, a saber, o ensino médio. Os

educandos também afirmaram que gostariam de ter benefícios como alimentação

reforçada, e que a contagem de redução de pena para quem estuda fosse igual a de

quem trabalha. Outra questão pertinente, mas não trazida nas tabelas

apresentadas, é sobre o conhecimento dos educandos sobre a escola que estudam;

eles registraram o conhecimento comum a todos referentes aos dias e horários das

54

aulas e quem são os professores. Outros enfatizaram que sabem muito pouco da

escola, mas acreditam que ela precisa melhorar e dar mais atenção aos alunos.

As perguntas e respostas foram apresentadas nas quatro tabelas acima, porém vale

destacar algumas ponderações registradas nos questionários e que não foi possível

enquadrar em tabelas. Perguntados sobre a sua rotina na prisão a maioria dos

educandos destacou como ruim. Independente da escola, existe uma questão de

sobrevivência que permeia seus hábitos. Eles são punidos diariamente com uma

alimentação deficiente, com a sujeira constante, a precária estrutura física das celas.

Mesmo separado da sociedade, o comércio dentro da penitenciária é intenso. Uma

atividade comum é remunerar a lavagem de roupas, por outros presos. Essa

atividade faz a circulação da moeda simbólica do local, ou seja, troca de favores.

Quando o valor monetário é concreto, os presos ajudam à família a custear o

transporte, pois, como já foi dito, grande parte das famílias dos mesmos mora no

interior do Estado ou precisa pegar duas conduções para chegar à Penitenciária. É

bastante evidente nos questionários a condição de pobreza dos seus familiares.

Destaca-se também na análise dos dados o diferencial da relação com os familiares;

os presos que recebem visita mais constante dos familiares têm uma melhor

perspectiva de vida: são esperançosos quanto a sua saída e demonstram

arrependimento pelo delito cometido, principalmente pelo fato de estar fazendo o

familiar sofrer.

A escola, além de um espaço de aprendizagem, é também um lugar de refúgio. Eles

se sentem fora da prisão quanto estão no espaço escolar. Mesmo com limitação do

material didático (às vezes faltam coisas simples como lápis, caderno, caneta), tudo

o que as professores trazem soam como novidade para eles. Os educandos também

destacaram o respeito, gratidão e admiração que eles têm pelos professores. Isso

está de acordo com o que diz Vieira (2008, p. 23): “O espaço da escola prisional

torna-se, para aquelas pessoas privadas de liberdade, um local de possibilidade de

rompimento com o ‘aprisionamento’, um espaço de intervenção social em que o

professor investe, além de suas habilidades profissionais, o que é como pessoa”.

Como fuga da realidade prisional e para ocupar o tempo eles também mencionam a

participação em atividades esportivas, como o futebol, futsal e a capoeira. Às vezes

55

a ausência de respostas demonstravam o medo, insatisfação e frustração do

educando com a sua realidade e seu cotidiano, principalmente quando questionado

sobre sua rotina na prisão, a visita de familiares e sobre as mudanças que achavam

necessárias à escola.

Como pesquisadora, naquele espaço, a sensação de insegurança era constante, os

olhares me seguiam, os medos também. Tentei me desprender do papel da vítima

de que apenas eu estava insegura e como medo. Mas, o que pensar daqueles

estudantes que me receberam e se propuseram a responder ao questionário? Eles

não tiveram medo? As suas respostas não foram mascaradas por esse medo?

Como não foi possível permanecer na sala de aula e acompanhar o preenchimento

dos questionários algumas respostas foram silenciadas, talvez pela falta de

compreensão à pergunta. A vontade de ouvi-los frustrou-se na restrição de encontrar

suas falas apenas na leitura dos questionários. Como afirmou Leme (2007) sobre a

dinâmica do sistema prisional:

As grades e os portões nos advertem que nesse espaço deveremos ser submissos, a arquitetura se impõem fazendo de nós pequenos fragmentos; devemos ser pacientes e aguardar as ordens dos funcionários. Adentrar um presídio é saber que teremos nossas vontades e nossos desejos reprimidos. Só avançamos quando é permitido. Só teremos acesso a espaços que não delatem os segredos das prisões. Passo a passo, encontramos locais “menos agressivos”. No pátio é fácil nos depararmos com pessoas praticando algum tipo de atividade física ou realizando alguma tarefa referente à sua sobrevivência, às suas necessidades diárias. Assim, é possível “ocupar o tempo”, a pena “parece” passar mais rápido, o ócio – pior castigo de quem se encontra preso – é deixado de lado. O importante como dizem os presos, é ocupar a mente (LEME, 2007 p.141-142).

Os questionários aplicados aos professores continham 13 perguntas e foi utilizado

na tabulação das respostas com a variável fixa “o tempo de docência dos

professores”. A eleição desta variável teve como objetivo verificar a experiência em

docência que os professores tinham especificamente na escola prisional.

É importante informar que, mesmo considerando o tempo de docência com variável

fixa, em um dos questionários entregues, o professor não registrou seu tempo de

56

docência e como não houve obrigatoriedade na identificação ficou inviável resgatar

essa informação.

Tabela 7 - Identificação dos Docentes

Fonte: Pesquisa de campo. Salvador, 29.11.2010

Foi importante para a pesquisa saber o vínculo profissional dos professores e suas

experiências na EJA. Observou-se que 78% dos professores não tinham

experiências anteriores na EJA. Em algumas falas e escritas percebe-se que além

de não compreender o ambiente em que atua como professor, ele não teve uma

formação específica para lidar com esse público. A sua maioria atuava como

diretores, como professores no ensino fundamental e médio e acaba reproduzindo

ações e práticas das escolas em que lecionava ou leciona. Vieira (2008) acredita

que isso se dar principalmente porque:

Muitos cursos de formação baseiam-se, ainda hoje, em uma visão prescritiva da profissão, relegando a segundo plano uma análise precisa da realidade das atividades pedagógicas desenvolvidas no espaço escolar, descrevendo as condições e limitações do trabalho real dos professores. Em vista disso, os profissionais quando se deparam com realidades especificas não se sentem preparados para enfrentá-las, pois não há um reconhecimento entre os saberes adquiridos na formação com os saberes e competências necessários à resolução de problemas advindos das situações de trabalho (VIEIRA, 2008 p. 46).

Mesmo contanto com a “boa vontade” de alguns professores, a realidade da

educação no sistema prisional é marcada também pelos entraves da administração

do presídio.

Vínculo Empregatício Trabalhos anteriores

Atuação na EJA

Tempo de Docência na escola

Totais

Estatutário Outros Rede Pública

Rede Privada

Sim Não

6 meses a 2 anos

03 02 01 02 01 03

3 a 5 anos 03 03 03 02 01 + 6 anos 02 02 02 02 S/R 01 01 01 01

Total 09 08 01 07 02 02 07

57

O intuito dessas perguntas foi conhecer porque aqueles professores estavam

atuando na escola da prisão. Lendo as respostas pudemos constatar as

contradições existentes. A remoção e perda de cargos em outras escolas

predominaram como sendo o motivo da ida para escola na prisão. Acreditamos que

no decorrer da atuação eles reconheceram a importância do seu trabalho e

passaram a ter um novo olhar sobre o seu local de trabalho e os sujeitos envolvidos.

Para Paiva (2007) atuar na escola da prisão está muito além do cumprimento de

carga horária de professores e transferências de mão de obra.

Professores que estão em escolas de presídios nem sempre fizeram esta escolha, porém aspectos procedimentais do sistema educacional os levaram até lá. Escolhas não feitas, mas impostas, podem ser desastrosas quando se trata de docentes para condições tão especiais. Não basta ao sistema, nesse caso, adotar a regra geral de lotação docente nas unidades escolares, mas adotar diferenciações que possam acolher professores motivados para o trabalho em locais diferenciados. A prática pedagógica em condições adversas e ameaçadoras pode significar um desafio para muitos, impelidos a compreender as razões do cárcere e contribuir com processos de aprendizado para sujeitos privados da liberdade e do saber sistematizado. (PAIVA, 2007, p.46)

Acreditamos que os professores, coordenação escolar e a Secretarias de Educação

devem estabelecer um diálogo no momento da seleção de professores que irão

atuar nas prisões. Essa escolha não deve acontecer de forma aleatória, pois as

Motivação para o trabalho

Como foi a ida para a escola na Prisão Tempo

de Docência

na escola

Total

Pessoais

Desafio

Importância

do trabalho

Remoção

Perda de

cargo

Outros

6 meses a 2 anos

03 02 01 02 01

3 a 5 anos

03 01 02 01 02

+ 6 anos 02 01 01 02

S/R 01 01 01

Total 09 04 01 04 03 02 04

Tabela 8 – Motivos para Trabalhar na EJA prisional

Fonte: Pesquisa de campo. Salvador, 29.11.2010

58

consequências, tanto para o professor quanto para o aluno podem ser desastrosas

como destacou a autora.

Tabela 9 - Participação e Dificuldades dos Professores

Participação nas decisões

da escola

Dificuldade no cotidiano escolar Tempo de

Docência na escola

Totais

Sim Não Sim Não

6 meses a 2 anos

03 02 01 01 02

3 a 5 anos 03 02 01 01 02

+ 6 anos 02 02 02

S/R 01 01 01

Total 09 07 02 03 06 Fonte: Pesquisa de campo. Salvador, 29.11.2010

Os professores destacaram como participação nas decisões nas Atividades de

Coordenação que ocorrem às sextas-feiras, dia que não há aula na PLB por causa

da visita íntima. Mesmo prevalecendo a afirmativa de que não encontram

dificuldades no cotidiano escolar, alguns professores registraram que a limitação do

material didático como a utilização de tesouras, vidros, livros adequados dificultam o

bom desenvolvimento das atividades. Destaca-se também as aulas de capoeira,

cultos religiosos, faxinas, que sempre ocorrem no mesmo horário das aulas, sem

contar os dias em que ocorre o “baculejo”, em que as aulas também são suspensas.

Durante as visitas foi verificado outro fator que impede a realização das aulas. Por

duas vezes numa mesma semana faltou energia em um dos Módulos e aulas foram

suspensas, pois as rampas que dão acesso as salas de aulas ficam totalmente

escuras. Percebemos, com isso, que o tempo real de estudo é muito pequeno, o que

nos leva a insistir na urgência de uma reformulação nas práticas educativas e no

tempo pedagógico destas escolas.

59

Tabela 10 – Motivação do preso

Tempo de

Docência na

Escola

Totais

Re

miç

ão

de

pe

na

Me

ren

da

Op

ort

un

ida

de

/ P

or

go

sto

Ou

tro

s

6 meses a 2 anos

03 01 01 01

3 a 5 anos

03 03

+ 6 anos 02 01 01

S/R 01 01

Total 09 04 01 02 02 Fonte: Pesquisa de campo. Salvador, 29.11.2010

Para a maioria dos professores, os jovens e adultos da prisão frequentam a escola

para poder ter direito a redução de pena. Todavia, essa mesma pergunta feita aos

educandos (Tabela 5) verificou-se que esse não é o principal motivo. Ou os

professores não reconhecem a real necessidade do estudante da prisão ou estes

não responderam de forma fidedigna a pergunta.

É importante destacar que qualquer trabalho educativo deve partir do conhecimento

dos sujeitos nele envolvidos. A escola com suas práticas, rotinas e propostas

pedagógicas preestabelecidas podem ser responsáveis pelo afastamento dos

educandos, desiludidos pela inadequação da oferta em relação aos seus anseios.

É contraditório pensar em escola no ambiente prisional, porque a prisão está

associada, no imaginário popular, a castigo. Como compreender a escola nesse

espaço? Pois o cotidiano da Penitenciária está centrado na disciplina e manutenção

da ordem da instituição.

Verificou-se com os questionários que a escola é considerada como algo positivo

dentro da prisão e que a boa relação entre professores e educandos favorece a

aprendizagem e a permanência do preso na escola. Todavia, nenhuma das partes

abordou a educação como um direito assistido a todos. De acordo com Teixeira

(2007, p. 15) “A pena de prisão é definida como sendo um recolhimento temporário

60

suficiente ao preparo do indivíduo ao convívio social e não implica a perda de todos

os direitos.”

Em algumas respostas, de ambas as partes, imperaram o romantismo, o

assistencialismo ou a falta de conhecimento da educação como um direito de todos.

O poder das normas e das grades se sobrepõe a escola e sua atuação.

61

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os caminhos possíveis desta pesquisa permitiram evidenciar a necessidade de

aprofundar a reflexão sobre o sério problema da exclusão social existente no país e

é uma falácia afirmar que a educação conseguirá solucionar isso. Pois, a falta de

escolas ou a inserção precária dos estudantes no sistema educativo também se

caracteriza como uma forma de exclusão. O que diferencia o processo excludente

da educação de outros é que ela está engajada no discurso de inclusão: Escola para

todos, como direito de todos, mas não feita por todos.

Ao tentar responder a perguntar desta pesquisa – Qual o papel da escola dentro do

sistema prisional - deparamos com realidades que apenas se agravaram com o

encarceramento, pois a miserabilidade do apenado o acompanha em toda a sua

trajetória.

Esses fatores externos ao sistema prisional – falta de renda, moradia, cor da pele,

tem impactado na exclusão e influenciam o processo de escolarização da população

carcerária. Destacaram-se também no decorrer da pesquisa que estruturas físicas

precárias, falta de material didático e a inadequação da oferta são fatores que

contribuem positivamente para a não permanência do apenado na escola.

A ausência de políticas públicas eficazes no combate às desigualdades sociais e o

distanciamento da sociedade civil como agente fiscalizador também foram

percebidas neste percurso. Outra ausência sentida foi da atuação das

Universidades, principalmente as públicas, no ambiente prisional. Essas atuações

acontecem em forma de pesquisa dos docentes em conclusão a alguma atividade

acadêmica. E o retorno é incerto depois da conclusão desses trabalhos.

Compreendemos que na nossa ação de pesquisadores os únicos favorecidos somos

nós mesmos e acabamos por contribuir com esse círculo vicioso da exclusão, onde

os mais fortes subjugam os mais fracos. Os conceitos pré-concebidos e os estigmas

do sistema prisional fortalecem em nós a idéia que somos sempre as vítimas e por

isso não precisamos conhecê-lo.

Quanto às hipóteses da pesquisa compreendemos que são todas incipientes na

realidade prisional. É impossível falar em qualidade de vida sem antes tratar de

questões de higiene, limpeza, alimentação entre outras questões; as políticas

públicas existentes não foram organizadas para minimizar as desigualdades, mas

para administrar a pobreza e silenciá-la; a Educação de Jovens e Adultos já é

62

estigmatizada fora dos muros das prisões, então é vergonhoso afirmar que ela se

adequa a realidade dos sujeitos encarcerados.

É complexo compreender o papel da escola nesta realidade. E ao ouvir os

estudantes e professores por meio dos questionários pudemos constatar que a

escola é concebida como um espaço para “ocupar o tempo e a mente” e como forma

de barganhar algum benefício.

A rotina da prisão também interfere nas atividades pedagógicas da escola e no seu

funcionamento. As sextas-feiras não há aula por causa da visita, então a escola

aproveita esse tempo e realiza o AC. Mas, e nos dias de “baculejo” e falta de

energia, como repor essas aulas?

Então, é necessário criar estratégias que permitam condições de acesso e

permanência dos estudantes encarcerados à escola e os ajustes institucionais −

Escola e Administração Penitenciária − devem ser estabelecidos a fim de garantir

não só o direito à educação, mas a sua real efetivação.

Quanto aos docentes, suas condições não são muito melhores que a dos seus

educandos. Os recursos disponíveis são insuficientes, a precária estrutura física e

de material didático fazem parte do seu cotidiano. Todavia, é importante destacar

que esses professores atuam com coragem, desafiando os seus medos e

preconceitos. Eles são deixados à própria sorte em sala de aula, contando com a

boa vontade de seus educandos. Conversando com algumas dessas professores

eles afirmaram que não tinham medo de estar em sala de aula, mas que tem plena

consciência do risco inerente do local. O objetivo da rígida segurança é subordinar a

vontade e corpo dos presos às normas e regras do sistema.

Diante de uma realidade tão complexa, fomos muitas vezes tomados pela

impotência, pois mesmo delimitando o tema para pesquisa as questões saltavam

aos olhos em cada descoberta e vivência. É preciso ir além das aparências, além do

que está escrito, do que é feito e dito, mas as estruturas rígidas, a realidade social e

os prazos estabelecidos impedem o pesquisador avançar a fim de libertar conceitos.

No momento da escrita, sentimos falta de informações que somente com o contato

mais próximo, ou seja, ouvindo os educandos face a face poderíamos satisfazer e

garantir a fidedignidade das informações. Assim também como ouvir e entrevistar os

agentes carcerários, os funcionários da escola, os presos que não estudam, são

lacunas encontradas que correspondem ao pouco tempo disponibilizado para

pesquisa e alguns empecilhos encontrados no percurso.

63

Todavia, a necessidade de dar voz à realidade prisional e às condições de

miserabilidade do preso permearam o desenvolvimento da pesquisa para que de

alguma forma, possa fomentar discussões na sociedade civil, nos movimentos

sociais, políticos e acadêmicos, para que seja promovida à modernização das leis e

dos mecanismos de controle, assim como a democratização e efetivação da

educação dentro e fora das prisões.

64

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