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Revista de Endodontia Pesquisa e Ensino On Line - Ano 4, Número 8, Julho/Dezembro, 2008. 1 ISSN 1980-7473 - http://www.ufsm.br/endodontiaonline TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PARA FRATURA CORONORRADICULAR – RELATO DE CASO CLÍNICO MULTIDISCIPLINARY TREATMENT FOR CROWN-ROOT FRACTURE – CASE REPORT Maria Gabriela Pereira de Carvalho a Cláudia Medianeira Londero Pagliarin b Fabiana Vargas Ferreira c Jessye Melgarejo do Amaral Giordani d Luiz Augusto Wentz d  Milene Francisca Bratschke d Resumo Os traumas dento-alveolares são comumente ocasionados por injúrias, tais como acidentes automobilísticos, lutas, quedas, atividades físicas atingindo crianças, adolescentes e adultos. As fraturas usualmente ocorrem nos dentes ântero-superiores e geralmente denotam alterações estéticas, funcionais e fonéticas. O propósito deste artigo é descrever o tratamento multidisciplinar para dentes anteriores resultantes de traumatismo alvéolo-dentário, enfatizando a importância da integração entre as diversas áreas da Odontologia. PALAVRAS CHAVE: Trauma dental, fratura coronorradicular, terapêutica multidisciplinar Abstract Dentoalveolar traumas are commonly caused by injuries such as; vehicle accidents, fighting, falling and physical activities in children, adolescents and adults. Fractures usually occur in the maxillary anterior teeth and subsequently lead to esthetic, functional and phonetic problems. The purpose of the paper is to describe a multidisciplinary treatment approach to anterior teeth resulting by dental trauma, emphasizing the importance of the integration among the several areas of the Dentistry. KEY WORDS: Dental trauma, crown-root fracture, multidisciplinary therapy a Professora Associada da Disciplina de Endodontia do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria, RS. b Professora Assistente da Disciplina de Endodontia do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria, RS. c Cirurgião-Dentista graduada na Universidade Federal de Santa Maria, RS / Bolsista FIEX d Cirurgião-Dentista graduados na Universidade Federal de Santa Maria, RS Tratamento multidisciplinar para fratura coronorradicular – relato de caso clínico

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Revista de Endodontia Pesquisa e Ensino On Line ­ Ano 4, Número 8, Julho/Dezembro, 2008.  1ISSN 1980­7473 ­ http://www.ufsm.br/endodontiaonline

TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PARA FRATURA 

CORONORRADICULAR – RELATO DE CASO CLÍNICO 

MULTIDISCIPLINARY TREATMENT FOR 

CROWN­ROOT FRACTURE – CASE REPORT

Maria Gabriela Pereira de Carvalhoa

Cláudia Medianeira Londero Pagliarinb

Fabiana Vargas Ferreirac

Jessye Melgarejo do Amaral Giordanid

Luiz Augusto Wentzd 

Milene Francisca Bratschked

Resumo

Os traumas dento­alveolares são comumente ocasionados por injúrias, tais como acidentes automobilísticos,  lutas,  quedas, atividades físicas atingindo crianças, adolescentes e adultos.  As fraturas usualmente ocorrem nos  dentes ântero­superiores e geralmente denotam alterações estéticas, funcionais e fonéticas. O propósito deste artigo é  descrever   o   tratamento   multidisciplinar   para   dentes   anteriores   resultantes   de   traumatismo   alvéolo­dentário,  enfatizando a importância da integração entre as diversas áreas da Odontologia.

PALAVRAS CHAVE: Trauma dental, fratura coronorradicular, terapêutica multidisciplinar

Abstract

Dentoalveolar traumas are commonly caused by injuries such as; vehicle accidents, fighting, falling and  physical activities in children, adolescents and adults. Fractures usually occur in the maxillary anterior teeth and  subsequently lead to esthetic, functional and phonetic problems.  The   purpose   of   the   paper   is   to   describe   a  multidisciplinary treatment approach to anterior teeth resulting by dental trauma, emphasizing the importance of  the integration among the several areas of the Dentistry.

KEY WORDS: Dental trauma, crown­root fracture, multidisciplinary therapy

a Professora Associada da Disciplina de Endodontia do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria,

RS.b Professora Assistente da Disciplina de Endodontia do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria,

RS.c Cirurgião-Dentista graduada na Universidade Federal de Santa Maria, RS / Bolsista FIEXd Cirurgião-Dentista graduados na Universidade Federal de Santa Maria, RS

Tratamento multidisciplinar para fratura coronorradicular – relato de caso clínico

Revista de Endodontia Pesquisa e Ensino On Line ­ Ano 4, Número 8, Julho/Dezembro, 2008.  2ISSN 1980­7473 ­ http://www.ufsm.br/endodontiaonline

Introdução

As   injúrias   dentais   traumáticas   (TDI)   são situações   de   urgência   odontológica   que   impõem   ao profissional um atendimento rápido, porém minucioso. Apesar   da   presteza   no   primeiro   atendimento,   na maioria das vezes é necessário o acompanhamento do paciente   por   um   longo   período.   As   injúrias   dentais podem estar associadas a fraturas ósseas, injúrias aos tecidos moles e de sustentação, lesões da face e outras partes do corpo. Os traumas dentários, principalmente aqueles   que   envolvem   os   dentes   anteriores, influenciam   a   função   e   a   estética   do   indivíduo, afetando   seu   comportamento.   O   trauma   dentário   é uma ocorrência que além da Dentística e Endodontia pode envolver outras especialidades odontológicas tais como   Cirurgia,   Periodontia,   Prótese   e   Ortodontia. Desta   forma   pode­se   concluir   que   o   tratamento   é complexo   e   o   prognóstico   muitas   vezes   duvidoso (Müller20;   Peixoto   e   colaboradores22;   Vasconcellos   e colaboradores27).   Esta   lesão   comumente   acarreta seqüelas   funcionais,   estéticas,   psicológicas, odontológicas   e   sociais,   requerendo   ações multidisciplinares   (Costa   e   colaboradores11;   Melo18; Meurer e colaboradores19).

Para   se   chegar   a   um  diagnóstico   correto,   o Cirurgião­Dentista   precisa   realizar   um   adequado exame   clinico,   documentação   escrita,   radiográfica   e, em   alguns   casos,   também   fotográfica   para   eliminar dúvidas e encaminhar a um correto tratamento. Deve­se   seguir   um   protocolo,   com   o   intuito   de   tornar   a avaliação   mais   rápida   e   confiável   (Kramer   e Feldens16).

O   protocolo   da   disciplina   de   Endodontia   da Universidade   Federal   de   Santa   Maria   foi   elaborado sob a orientação do professor Andreasen. Alterações e melhorias foram realizadas no período de 1994 a 1997, após aprovação em reunião foi adotado no ano de 1998 até   o   presente   momento   pela   referida   disciplina (Carvalho   e   colaboradores5;   Carvalho   e colaboradores9).

O   primeiro   passo   é   um   exame   geral   das condições   crânio­maxilo­faciais,   pois   através   dele, podemos identificar suspeitas de sérios problemas de ordem   geral   e/ou   neurológicos.   Depois   disso,   um levantamento completo do trauma necessita ser feito para auxiliar no diagnóstico e no plano de tratamento. Há três fatores que são de fundamental importância durante   este   questionamento:   quando,   onde   e   como 

ocorreu   o   acidente.   O   “quando”   significa   o   tempo decorrido   entre   o   traumatismo   e   o   primeiro atendimento, influenciando na escolha do tratamento e no resultado final. O local “onde” ocorreu o acidente é importante,   pois   ele   indica   a   possibilidade   de contaminação   e   necessidade   de   uma   profilaxia complementar.   O   “como”   representa   a   natureza   do acidente e a localização das possíveis zonas de lesão (Andreasen2). A história médica pregressa do paciente deve   ser   questionada,   ressaltando  a   importância   da imunização   antitetânica.   A   alta   prevalência   de traumas dento­alveolares associadas às lacerações dos tecidos moles adjacentes pode propiciar uma porta de entrada para uma possível contaminação que não deve ser negligenciada. A necessidade de imunização ativa antitetânica   depende   do   tipo   e   das   condições   do ferimento, assim como da história prévia de vacinação (Meurer e colaboradores19). 

Quanto ao exame clinico, este deve ser o mais detalhado e cuidadoso possível  em busca de edemas, hematomas,   cortes,   abrasões,   contusões,   perdas   de substância   tecidual   ou   fraturas   (Melo18).   Ele   deve incluir  primeiro  os  exames  dos   ferimentos  do  tecido mole. Quando presentes, sua penetrabilidade deve ser determinada,   com   ênfase   na   possível   presença   de corpos estranhos nestas feridas. Lacerações gengivais estão   freqüentemente   associadas   com   dentes deslocados e o sangramento da gengiva marginal não­dilacerada   indica   danos   ao   ligamento   periodontal. Depois   disso,   os   tecidos   dentários   duros   são examinados  para detectar  a presença de  infrações  e fraturas. De acordo com Andreasen2, alguns testes são fundamentais, como o teste de mobilidade, indicando presença   de   deslocamentos   dentários;   de   percussão, indicando ocorrência de anquilose e  de sensibilidade elétrica da polpa. Depois de concluído o exame clinico, uma   tomada   radiográfica   da   área   lesada   deve   ser realizada.   Juntando­se   as   informações   dos   dois exames,   pode­se   fazer   o   diagnóstico   e   o   plano   de tratamento do caso.

A   classificação   dos   diversos   traumatismos proposta   por   Andreasen1  baseia­se   em   aspectos anatômicos   e   no   sistema   adotado   pela   Organização Mundial   da   Saúde   (OMS).   As   lesões   dividem­se naquelas que atingem os tecidos duros do dente e a polpa; àquelas que envolvem os tecidos de sustentação do   dente   e   às   de   estruturas   ósseas   de   suporte.   As lesões que envolvem os tecidos duros dos dentes e a 

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polpa   são:   fratura   coronária   somente   do   esmalte (N.502.50);   fratura   coronária   envolvendo   esmalte   e dentina   sem   exposição   pulpar   (N.502.51);   fratura coronária envolvendo esmalte e dentina com exposição pulpar   (N.502.52);   fratura   coronário­radicular envolvendo esmalte, dentina e cemento sem exposição pulpar   (N.502.54);   fratura   coronário­radicular   com exposição   pulpar   (N.502.54)   e   fratura   radicular envolvendo cemento, dentina e polpa (N.502.53).

A disciplina de Endodontia da Universidade Federal de Santa Maria adota a seguinte classificação: lesões traumáticas dos tecidos duros do dente e polpa; dos tecidos de sustentação do dente e das estruturas ósseas   de   suporte.   Sendo   que   as   lesões   podem apresentar alterações imediatas e tardias baseados na OMS – Application of the international classification of diseases and stomatology (OMS). Porém, para fins de didática, a existência de lesões que ocorrem após os traumas recebe o nome de imediatas, já as que levam tempo para se manifestar são as tardias.  As tardias comumente são caracterizadas por alteração na cor da coroa;   calcificações,   alteração   no   periápice,   necrose pulpar   e   interrupção   da   rizogênese   (Carvalho   e colaboradores9; Peixoto e colaboradores22). 

As fraturas coronorradiculares com exposição pulpar   geralmente   apresentam   sérios   problemas   no tratamento devido à natureza complexa da lesão, que além de atingir  a   câmara pulpar,   atinge   também a raiz.   A   maioria   destas   fraturas   decorre   de   impacto horizontal e a linha de fratura normalmente é única, mas fraturas múltiplas podem ocorrer (Andreasen2)

O   diagnóstico   clínico   da   fratura   torna­se evidente pela mobilidade do fragmento coronário, cuja movimentação   resulta   em   muita   dor   devido   ao envolvimento   direto   da   polpa   e   do   periodonto.   O diagnóstico radiográfico é mais difícil, já que a linha de fratura   se   encontra,  normalmente,  paralela  ao   feixe central do raio­x (Melo18).

O objetivo deste artigo é  relatar um caso de fratura   coronorradicular,   destacando­se   o   caráter multi   e   interdisciplinar   entre   as   diversas especialidades da Odontologia.

Relato do caso

A   paciente   C.P.N,   10   anos   de   idade,   sexo feminino,   procurou   atendimento   na   Clínica   de Endodontia do Curso de Odontologia da Universidade Federal   de   Santa   Maria,   queixando­se   de   dor   pois 

havia fraturado os dois incisivos centrais superiores há mais de 3 dias brincando na escola. O atendimento de urgência foi realizado pelo cirurgião­dentista da escola que removeu a polpa coronária  do dente  21 e  selou provisoriamente   os   dois   remanescentes   dentários.   A continuidade   do   atendimento   foi   realizada   nas dependências  da   clínica  de  Endodontia  do  Curso  de Odontologia da UFSM. 

No exame clínico, constatou­se a presença de fragmentos coronários com mobilidade nos dente 11 e 21   e   relato   de   sensibilidade   acentuada   com   a movimentação   destes   (Fig.   1).   Ambos   os remanescentes dentários apresentavam uma coloração acinzentada e   teste  de vitalidade  pulpar  positivo.  O tecido gengival da área encontrava­se edemaciado em decorrência   da   impossibilidade   de   higienização   pela paciente.

Figura 1 . Fratura cororradicular (esmalte, dentina, cemento com exposição pulpar)

A tomada radiográfica da região em diferentes ângulos  verticais   confirmou o diagnóstico  de  fratura coronorradicular com exposição pulpar nos dentes 11 e 21. Observando­se a radiografia, notou­se que a linha de fratura do dente 11 estava ao nível do terço médio 

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da raiz, enquanto o diagnóstico radiográfico do dente 21   foi   impreciso,   pela   dificuldade   em   determinar   a extensão   lingual   da   fratura.   Uma   outra   importante informação   radiográfica   foi   quanto   à   apicigênese incompleta   dos   dois   elementos,   complicando   ainda mais o prognóstico do caso (Fig. 2). 

Figura 2 . Aspecto radiográfico em diferentes  angulagens da fratura coronorradicular

Devido à gravidade do caso e analisando todos os dados obtidos, elaborou­se um plano de tratamento. Optou­se   primeiramente   por   manter   os   fragmentos dentários para facilitar a terapêutica endodôntica e a realização de trocas de hidróxido de cálcio, induzindo a apicificação.   Depois   de   concluída   a   obturação   dos canais, o próximo passo foi a remoção dos fragmentos coronários e aplicação de tração ortodôntica das raízes através   de   pinos   intra­canais,   a   fim   de   expor   a superfície da fratura para posterior correção gengival e reconstrução das coroas com resina composta.

A   terapêutica   endodôntica   envolveu   as seguintes   etapas:   na   primeira   sessão,   executou­se   a remoção do material selador, colagem dos fragmentos, que  apresentavam   mobilidade   com  resina   composta, irrigação  do  conduto  com hipoclorito  de  sódio  a  1%, odontometria,   extirpação  pulpar,   curativo  com pasta Calen e selamento provisório (Fig. 3).  

Após   sete   dias   concluiu­se   o   preparo   do conduto,   limitando­o   ao   amplo   diâmetro   do   canal   e troca   do   curativo   intra­canal.   O   terceiro acompanhamento   ocorreu   15   dias   após   a   segunda sessão, com nova limpeza do conduto e troca da pasta Calen .   Usou­se   um   tampão   de   MTA   conforme  preconizado   por   Lage­Marques   e   colaboradores17,   os quais afirmam que o MTA pode ser empregado como 

uma   proposta   de   rápida   solução,   diminuindo significativamente  o   tempo da terapia  e  seus riscos, como a  fratura. Os elementos dentários  foram então obturados   com   cones   de   guta   percha   e   cimento obturador   Endofill   pela   técnica   da   obturação  controlada (Fig. 4).

Figura 3 . Isolamento absoluto adaptado ao tipo de lesão, odontometria e preparo dos condutos radiculares

Figura 4 . Conometria e obturação com plug de MTA (agregado trióxido mineral)

O   próximo   passo   foi   a   remoção   dos   vários fragmentos   coronários   do   dente   11   e   do   fragmento palatino   do   dente   21,   o   que   permitiu   a   observação clinica   do   nível   subgengival   das   fraturas.   Através 

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disso,   conseguiu­se   avaliar   a   extensão   palatina   da fratura   do   dente   21   que,   ao   contrário   do   que   se pensava, mostrou­se mais profunda que a do dente 11. Com o auxilio de uma sonda milimetrada, verificou­se a necessidade de extrusão da raiz  do dente 11 de 5 milímetros   e   do   dente   21   de,   aproximadamente,   7 milímetros.  A  extrusão  dentária   constitui­se   em um método   empregado   para   reposicionar   o   elemento dentário.

Os   tratamentos   endodôntico   e   ortodôntico foram   combinados   eficazmente   em   beneficio   do paciente e dos dentes fraturados (Fig. 5, 6). Sendo que, a   fase   endodôntica   pode   ser   executada   com   sucesso antes, durante ou após o tratamento ortodôntico.

Figura 5 . Acompanhamento endodôntico através de radiografias periapicais da tração ortodôntica

Figura 6 . Controle pós­operatório do tratamento endodôntico (restauração estética realizada pela Disciplina de Dentística do Curso de Odontologia da UFSM)

Discussão

A   fratura   coronorradicular   é   um   tipo   de traumatismo   geralmente   associado   a   um   impacto horizontal.   Compreende   30   a   50%   das   injúrias   aos tecidos duros dentários, sendo que 80% destas fraturas apresentam envolvimento pulpar. A linha de fratura é única, podendo ocorrer fraturas múltiplas, iniciando­se freqüentemente   a   partir   da   fratura   primária   e   a determinação da profundidade e a extensão gengival desta fratura são de extrema importância, por isso, é imprescindível um correto e minucioso exame clínico e radiográfico   (Andreasen2;  Soares  e  Goldberg24).  Além disto,   esta   lesão   comumente   acarreta   seqüelas funcionais, estéticas e psicológicas, requerendo, muitas vezes,  de  uma  intervenção  multidisciplinar   (Costa  e colaboradores11;   Pagliarin   e   colaboradores21).   Ainda, por se tratar de um dente ântero­superior, envolvido na   função   e   estética   e   geralmente,   o   tratamento endodôntico não oferece dificuldades, uma vez que se trata de um dente com canal amplo e de fácil acesso (Carvalho e Pagliarin10; Durand e colaboradores12).

O   procedimento   inicial,   neste   tipo   de   lesão traumática,   é   a   contenção   do   fragmento   móvel   aos dentes   adjacentes   usando­se   resina   composta   ou cimento   de   ionômero   de   vidro   (Vasconcellos   e colaboradores27). No entanto, é  comum estas fraturas estenderem­se subgengivalmente e comprometerem o espaço   biológico,   por   isso,   faz­se   necessário   o reposicionamento   da   extensão   cervical   da   fratura acima do nível  biológico e  isso se efetua mediante o emprego da extrusão ortodôntica. 

Quanto ao medicamento intracanal, a escolha foi  pelo  hidróxido  de cálcio,  uma vez  que  apresenta propriedade   antisséptica,   resultante   de   seu   elevado pH,   sendo   indicado   em   casos   de   polpa   necrosada (Soares   e   Goldberg24).   Somado   a   isso,   segundo Carvalho e colaboradores4, nos tratamentos de dentes não vitais, o hidróxido de cálcio é  o mais empregado pelas entidades de ensino sob esta condição. 

Quanto ao período entre as trocas da pasta de hidróxido   de   cálcio,   não   há   consenso   na   literatura. Após   compilação   entre   vários   autores   (Estrela   e Bammann13; Gomes e colaboradores14; Gomes15; Soares e   colaboradores23;   Soares   e   Goldberg24;   Tronstad   e colaboradores26),   entende­se   que   é   necessário padronizar o período dessas trocas que poderão variar de   acordo   com   alguns   fatores,   tais   como   a sintomatologia,   controle   radiográfico   e   presença   de 

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exsudato. No caso do paciente apresentar um aumento de sensibilidade antes do período se completar, a troca deverá   ser   antecipada.   Quando   existe   presença   de exsudato na primeira sessão, o período para a próxima troca   deve   ser   diminuído.   Para   Carvalho   e colaboradores8,   é   imprescindível   que   se   avaliem   as radiografias   logo   após   o   preenchimento   do   conduto assim como antes da troca para poder comparar o grau de   radiopacidade   entre  as  duas   radiografias,   isto   é, observar se ocorreu reabsorção do hidróxido de cálcio. Os indicadores da necessidade das trocas periódicas do curativo no interior do conduto são a solubilidade da pasta,   a   formação   do   carbonato   de   cálcio   que   é insolúvel, a redução do estimulo da formação de tecido duro e a redução do nível alcalino do meio. 

Quanto   ao   uso   do   MTA   (agregado   trióxido mineral), trata­se de um material biocompatível com aplicações   efetivas   nas   clínicas   de   Endodontia, Periodontia   e   Cirurgia   oral   (Carvalho   e colaboradores7). Dentre as propriedades apresentadas por  este  material,  destacam­se  vedamento  marginal, biocompatibilidade e indução do reparo por deposição de cemento (Carvalho e colaboradores8).  A utilização do MTA encontra subsídios nos estudos realizados por (Bernabé  e colaboradores3; Cabrales e colaboradores4; Lage­Marques   e   colaboradores17;   Torabinejad   e colaboradores25),   nos   quais,   o   MTA   é   empregado porque permite o retorno do elemento dental as suas funções  mais   rapidamente  e   com resultados   clínicos satisfatórios;   funciona como tampão apical  nos  casos de   rizogênese   incompleta,   pois   induz  ao   fechamento apical e sem ocasionar reação inflamatória e funciona como indutor de barreira dentinária quando utilizado em   tratamento   conservador   diretamente   depositado sobre a polpa.

Considerações Finais

Os   traumatismos   dento­alveolares   são acontecimentos   corriqueiros   na  prática   do   cirurgião­dentista,  por   isso,   torna­se   fundamental  e   imperioso que os profissionais saibam lidar com estas situações, na   maioria   das   vezes,   estressantes   para   o   paciente e/ou familiares bem como agir com cautela e precisão diante de casos, como o da fratura coronorradicular. 

A fratura coronorradicular apresenta­se como uma lesão relativamente comum, ocasionando, muitas vezes,   complicações   de   ordem   fisiológica,   estética   e psico­emocional. Por isso, o conhecimento das técnicas 

de manipulação das injúrias traumáticas e dos tecidos moles é imprescindível para a realização de um correto diagnóstico   bem   como   um   plano   de   tratamento, associando   o   acompanhamento   para   propiciar condições plenas de recuperação para o paciente. 

Portanto,   para   qualquer   tipo   de   injúria traumática,   o   tempo  decorrido   entre   o   acidente   e   a realização   do   tratamento   é   de   extrema   importância para que haja uma reduzida ocorrência de seqüelas, como   necrose   pulpar,   alteração   de   cor   da   coroa dentária, reabsorção óssea e radicular e até mesmo a perda de elementos dentários. 

Assim   como,   é   importante   ressaltar   a necessidade de atenção e  assistência   interdisciplinar no   manejo   de   injúrias   dentais   traumáticas,   como   a fratura   coronorradicular   para   que   se   obtenha recuperação do paciente. 

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