Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os...

40
Textos para Discussão 81 RETORNO DOS NOVOS INVESTIMENTOS PRIVADOS EM CONTEXTOS DE INCERTEZA: UMA PROPOSTA DE MUDANÇA DO MECANISMO DE CONCESSÃO DE RODOVIAS NO BRASIL Economista do Convênio BNDES-PNUD, da Gerência de Políticas Regulatórias ([email protected]), e gerente do Departamento Econômico do BNDES ([email protected]). Na elaboração deste trabalho os autores se beneficiaram das contribuições de Sheila Najberg, que participou das conversas preliminares que geraram o artigo. Cabem também agradecimentos a Armando Castelar Pinheiro, Bruno Freire, Eduardo Mendes da Fonseca, Eriksom Teixeira Lima, Helena Caetano de Araújo, Maurício Mesquita Moreira, Maurício Serrão Piccinini e Newton Rabelo de Castro, cujos comentários permitiram enriquecer a versão final do trabalho. Naturalmente, porém, eles ficam isentos de eventuais imprecisões. José Claudio Linhares Pires Fabio Giambiagi * Rio de Janeiro, julho - 2000 *

Transcript of Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os...

Page 1: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

Textos para Discussão

81

RETORNO DOS NOVOSINVESTIMENTOS

PRIVADOS EMCONTEXTOS

DE INCERTEZA:UMA PROPOSTA DE

MUDANÇA DOMECANISMO DECONCESSÃO DE

RODOVIAS NO BRASIL

Economista do Convênio BNDES-PNUD, da Gerência dePolíticas Regulatórias ([email protected]), e gerente do

Departamento Econômico do BNDES ([email protected]).Na elaboração deste trabalho os autores se beneficiaram

das contribuições de Sheila Najberg, que participou dasconversas preliminares que geraram o artigo.

Cabem também agradecimentos a Armando Castelar Pinheiro,Bruno Freire, Eduardo Mendes da Fonseca, Eriksom Teixeira Lima,

Helena Caetano de Araújo, Maurício Mesquita Moreira,Maurício Serrão Piccinini e Newton Rabelo de Castro,

cujos comentários permitiram enriquecer a versão final do trabalho.Naturalmente, porém, eles ficam isentos de eventuais imprecisões.

José Claudio Linhares PiresFabio Giambiagi

*

Rio de Janeiro, julho - 2000

*

Page 2: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

Sumário

Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2. Problemas Relacionados a Concessões e Licitações . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2.1. As Assimetrias e os Custos Regulatórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82.2. A Identificação e a Dificuldade de Distribuição de Riscos . . . . . . . . 9 2.2.1. A Definição dos Riscos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92.3. Os Modelos de Licitação de Concessão e de Regulação Tarifária . . . 12

3. A Experiência Internacional de Concessões de Rodovias . . . . . . . . . . . . . 14

3.1. Modelos de Concessão de Rodovias e de Regulação Tarifária . . . . . . 143.2. O Caso dos Países Desenvolvidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163.3. O Caso dos Países em Desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

4. O Regime de Concessões no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

5. A Proposta de Endogenização do Prazo das Concessões de Rodovias no5. Caso Brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

5.1. A Necessidade da Busca de Alternativas de Repartição de Riscos . . 245.2. O Modelo de Endogenização e sua Aplicação no Caso Brasileiro . . . 25 5.2.1. A Necessidade de Ajustes Legais para Aplicação no Caso 5.2.1. Brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265.3. As Vantagens do Modelo: uma Demonstração Quantitativa. . . . . . . 285.4. Algumas Qualificações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

6. Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

Page 3: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

Resumo

A necessidade de restaurar e expandir a malha rodoviáriabrasileira impulsionou, nos últimos cinco anos, a privatizaçãodas rodovias por meio do mecanismo de concessão. Em geral, estatem sido feita estabelecendo-se um prazo fixo para sua vigência,com a tarifa máxima sendo fixada pelo poder concedente. Em quepese a necessidade dos investimentos privados, os impactos doscustos das tarifas sobre a circulação de mercadorias e o bem-estarda população em geral têm gerado a busca de modelos alternati-vos de concessão de rodovias. O objetivo deste artigo é sugerir aadoção da proposta de endogenização do prazo dos contratos deconcessão, de forma que a firma vitoriosa na licitação seja a queapresentar o menor valor presente das receitas de pedágio. Se-gundo esse modelo, a concessão se expirará quando a receitarealizada se igualar à receita esperada pela concessionária, per-mitindo ao poder concedente relicitar a concessão, com tarifasmais baixas, antecipando o benefício de redução das tarifas antesdo prazo previsto no modelo atual. Essa proposta tem o mérito deser particularmente importante para os novos projetos, nos quaisa grande incerteza acerca do comportamento das variáveis rele-vantes para a estimativa de receitas pode gerar lucros extraordi-nários para as concessionárias, no caso de a demanda esperadaser subestimada.

Texto para Discussão nº 81 5

Page 4: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

6 Texto para Discussão nº 81

Page 5: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

1. Introdução

A restauração e a expansão da malha rodoviária sãofundamentais para viabilizar a inserção competitiva do Brasil naeconomia globalizada e propiciar o bem-estar de seus cidadãos.Na busca da forma mais adequada de financiamento dos inves-timentos necessários, em razão da restrição financeira do Estado,o país iniciou há cinco anos o programa de privatização dasrodovias.

O modelo adotado foi o de concessão onerosa, na qual aconcessionária adquire o direito de exploração da rodovia por umprazo fixo estipulado pelo poder concedente. As licitações podemconsiderar, ainda, critérios de menor tarifa, sendo que os contra-tos de concessão estabelecem mecanismos de correção inflacio-nária para a preservação do equilíbrio econômico-financeiro daconcessão, além de obrigações mínimas de qualidade e de manu-tenção das estradas.

Embora a privatização possa viabilizar os investimentosnecessários, o processo tem trazido à tona polêmicas em torno docusto dos pedágios, o que gerou, em alguns estados, a reduçãodos reajustes previstos e, em termos nacionais, protestos decaminhoneiros. Considerando-se, por um lado, a necessidade deregras regulatórias claras e estáveis a fim de reduzir as incertezaspara a iniciativa privada e, por outro, a importância de reduçãodo valor dos pedágios, este artigo faz a proposta de adoção deoutro modelo nas novas concessões, a saber, a endogenização doprazo da concessão, proposta feita originalmente no Chile porEngel, Fischer e Galetovic (1996a, 1996b).

Esse modelo se caracteriza por tornar o prazo de concessãoelástico; ou seja, a concessão se expira quando é atingido o valorpresente esperado pela concessionária, permitindo ao poder con-cedente fazer uma nova licitação e antecipar os benefícios paraos usuários na forma de redução de tarifas. A endogenização setorna particularmente importante para os projetos novos (gree-field), nos quais as chances de haver erros de previsão sãomaiores do que nas concessões existentes, pela ausência dehistórico estatístico de variáveis importantes para a previsão doretorno do empreendimento. Adicionalmente, essa proposta cons-titui uma solução mais adequada tanto para a diminuição dosriscos de mercado, quanto para a redução dos custos regulató-rios.

O trabalho divide-se em seis seções. Após esta introdução,discutem-se os principais problemas relacionados a concessõese licitações em geral e, logo depois, comenta-se a experiênciainternacional em torno da concessão de rodovias, em particular.A quarta seção descreve resumidamente a história recente dasconcessões de rodovias no Brasil. A quinta seção apresenta o

Texto para Discussão nº 81 7

Page 6: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

modelo construído para o Chile pelos autores mencionados e aproposição para sua implantação no caso brasileiro e faz algumasqualificações. Por último, sintetizam-se as conclusões do artigo.

2. Problemas Relacionados a Concessões e Licitações

Na situação de um único provedor de um determinadoserviço de infra-estrutura – como é o caso, por exemplo, daexploração dos serviços de construção, recuperação, operação emanutenção de uma rodovia mediante a cobrança de pedágios –,a regulação assume o papel crucial de garantir, por meio demecanismos administrativos (licitação, tarifas, contratos de con-cessão etc.), a eficiência do empreendimento, o equilíbrio econô-mico-financeiro da concessão e a extração da renda de monopólioem prol dos usuários ou do poder concedente.

2.1. As Assimetrias e os Custos Regulatórios

A tarefa regulatória se reveste de grande complexidade,tendo em vista as incertezas provenientes da imprevisibilidade docomportamento de variáveis macro e microeconômicas e da as-simetria de informações em favor das concessionárias, que fazemcom que o comportamento das firmas seja de difícil, custosa ecomplexa monitoração por parte dos reguladores.

Em particular, a elaboração das condições de contratos deconcessão é eivada do fenômeno da informação assimétrica, queenvolve duas dimensões principais: uma exógena e outra en-dógena às firmas, correspondentes, respectivamente, à “seleçãoadversa” e ao “risco moral”.

A “seleção adversa” é provocada pelo fato de o regulador nãoter o mesmo nível de informações que a firma regulada a respeitode fatores exógenos que afetam a eficiência da firma (parâmetrostecnológicos, comportamento da demanda etc.). O “risco moral” éprovocado pelo fato de somente a firma ter conhecimento do resul-tado de determinados movimentos intrinsecamente endógenos, taiscomo custos e resultado de medidas administrativas, o que gera apossibilidade de manipulação desses dados pelas firmas, obje-tivando, por exemplo, obter vantagens na revisão dos contratose/ou na estipulação de metas regulatórias.

Por isso, embora fundamental, a regulação normativa dogoverno não está imune à imperfeição. O nó górdio da açãoregulatória reside, principalmente, nos conflitos de interesseentre os agentes envolvidos (regulador, firmas, governo e usuá-rios). Esses interesses divergentes, aliados às incertezas do am-biente decisório, às assimetrias de informação e às repetidas

8 Texto para Discussão nº 81

Page 7: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

interações administrativas do regulador e do regulado, podemgerar riscos de captura do órgão regulador, que poderia, assim,passar a confundir o interesse geral com o interesse da firmaregulada [Berg e Tschirhart (1988)].

O sucesso da atividade regulatória, portanto, está direta-mente relacionado ao estabelecimento de um ambiente institu-cional adequado. Tal ambiente teria de ser composto por agênciasreguladoras independentes, que permitiriam a arbitragem efi-ciente dos conflitos inerentes à sua atividade, e por mecanismosregulatórios eficazes na distribuição dos riscos entre as diferentespartes envolvidas, em especial, com critérios de licitação trans-parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, ofuncionamento eficiente e o equilíbrio econômico-financeiro daconcessionária.1

2.2. A Identificação e a Dificuldade de Distribuição2.2. dos Riscos

Segundo a escola dos custos de transação,2 o ambienteeconômico se caracteriza por ser complexo e incerto, impos-sibilitando a previsão de eventos futuros à realização de umatransação. Por essa razão, os contratos realizados podem darorigem a ações oportunistas, com as partes podendo ocultar oumanipular informações para obter vantagens, gerando elevadoscustos ex ante (negociação de salvaguardas e contrapartidas) eex post (monitoramento, renegociação e adaptação às novascircunstâncias) [Williamson(1985)].

Para atenuar esses problemas, a distribuição dos riscos daatividade concedida representa o aspecto crucial na modelagemdo contrato de concessão, visto que, em linhas gerais, a atividadeeconômica fica sujeita a riscos provocados por eventos de dis-tintas naturezas que podem influenciar a lucratividade ou o fluxode caixa da concessão [Arndt (1998)].

2.2.1. A Definição dos Riscos

Para que se distribuam da melhor forma os riscos envolvi-dos entre as partes, torna-se necessária a compreensão dos tiposde risco quando da elaboração dos contratos de concessão. Com

Texto para Discussão nº 81 9

1 Muito embora a licitação seja um mecanismo de introdução de concorrência para a entrada em ummercado monopolista, não está afastado o risco de haver colusão entre os participantes de umprocesso licitatório quando vários concorrentes desenvolvem uma estratégia conjunta para venceras licitações [Williamson (1985)]. Nesse caso, o mais adequado pode ser o estabelecimento delicitações simultâneas.

2 Os custos de transação podem ser entendidos como os dispêndios de recursos econômicos paraplanejar, adaptar e monitorar as interações dos agentes, de forma a garantir que estas ocorramsatisfatoriamente para as partes envolvidas.

Page 8: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

esse objetivo, é adotada a seguinte tipologia de riscos contratuais,aqui aplicada para o caso específico das concessões de rodovias:3

os riscos mercadológicos; os operacionais (referentes a custos deconstrução, operação e/ou manutenção); e os provocados pormodificações nas regras do jogo.

Os riscos mercadológicos, provocados por dificuldades deprevisões de demanda, podem ser originários de riscos de tráfegoe de congestionamento. Os riscos de tráfego estão associados àimprevisibilidade do comportamento de fatores macroeconômicos– crescimento da economia, por exemplo – e microeconômicos,tais como uma alteração na distribuição de tráfego entre rodoviasprovocada por taxas de crescimento heterogêneas em distintaszonas geográficas ou pela existência de vias complementares ousubstitutas. Já os riscos de congestionamento são provocados porimpactos imprevistos sobre a demanda, considerando que o valordo tempo gasto pelos usuários está relacionado ao valor dopedágio e da demanda.

A dificuldade de prever o comportamento futuro de variá-veis relevantes para o cálculo da rentabilidade econômica de umprojeto será tanto maior quanto (i) menor o âmbito geográficoafetado e (ii) maior o grau de novidade do empreendimento e/ouas possibilidades de mudança do ambiente no qual o empreen-dimento está inserido. Em relação a (i), por exemplo, em geral é maisdifícil prever qual será a taxa de crescimento futuro do tráfegorodoviário em um estado específico do que no país como um todo.Da mesma forma, em relação a (ii), é mais fácil prever o fluxo detráfego rodoviário em uma estrada entre dois pólos urbanos jásaturados do que o fluxo entre dois pólos que poderão sofrer grandestransformações durante o período de vigência de uma determinadaconcessão. O mais difícil de tudo é prever a demanda por um serviçoem uma área totalmente nova ou sobre a qual não se dispõe de umhistórico estatístico que permita estimar com certa precisão aevolução futura da variável em questão.4,5

10 Texto para Discussão nº 81

3 Essa tipologia é válida para todas as concessões, mas, visando facilitar o enfoque do problema, estetrabalho faz uma aplicação para o caso das rodovias (tráfego, custos de manutenção da malha viária etc.)

4 É evidente, por exemplo, que em 1996 era mais difícil estimar o fluxo de veículos que transitaria apartir de 1997 pela Linha Amarela do que pela Linha Vermelha, ambas no Rio de Janeiro. A diferençaé que, enquanto esta tinha sido inaugurada vários anos antes e podia-se estimar o seu fluxo deveículos com certo grau de conhecimento, a primeira seria inaugurada só em 1997, de modo que o fluxode veículos que transitaria por ela era uma incógnita em relação à qual a variância das previsões erasubstancial. Outro exemplo ilustra a incerteza que marca o início da operação de um serviço novo.Trata-se da polêmica envolvendo a estimação do número de pessoas que transitariam no High SpeedSurface Transport (HSST), projetado para circular entre a Barra da Tijuca e o Centro da cidade. Segundodois diferentes especialistas em transportes consultados, o fluxo diário seria de 100 mil pessoas,conforme um deles, e de 200 mil, conforme o outro (Jornal do Brasil, 12 de setembro de 1996).

5 Cabe destacar que, mesmo em casos em que há um histórico da variável a ser estimada, apossibilidade de erro de previsão pode ser não-desprezível, principalmente porque, na presença deuma concessão com cobrança de pedágio, por exemplo, ignora-se qual será a elasticidade-preço dademanda. Uma mostra disso foi dada pela subestimação do tráfego rodoviário na concessão da PonteRio–Niterói. Nas palavras do diretor de operações da empresa concessionária que administra a ponte,no primeiro dia de vigência do pedágio “passaram 52 mil carros na pista, quando se esperava umfluxo de 40 mil” (Jornal do Brasil, 19 de agosto de 1996). Nos últimos anos, no entanto, assim comoem outras rodovias federais privatizadas, a demanda realizada tem ficado abaixo do previsto pelaconcessionária [Ministério dos Transportes (1999)].

Page 9: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

É de se esperar, portanto, que, diante da incerteza exis-tente ao fazer o lance numa licitação, o empresário trabalhe comum fator de desconto mais alto. Esse recurso será adotado paraacomodar o risco de que o comportamento efetivo da demandaseja inferior à estimativa feita pela firma para calcular o valorpresente de suas receitas. No caso de um erro por superes-timação, isso significa que a tarifa inicial da concessão trará perdade rentabilidade, enquanto, em caso de subestimação, a conces-sionária vencedora do leilão não sofrerá nenhuma penalidade porisso. Deve-se frisar que mesmo a concorrência na disputa paraganhar a própria concessão não implica uma melhor estimativada previsão de demanda pelo serviço se todos os concorrentestiverem graus similares de aversão ao risco, pois a tendência éque todos sejam conservadores ao estimar a demanda, em funçãodo risco envolvido no negócio.6

É conveniente que a concessionária assuma parte dosriscos de demanda, para que não lhe seja indiferente construirelefantes brancos. Vale registrar, inclusive, que as chances deisso ocorrer são maiores quando o Estado outorga garantias dereceita mínima, visando reduzir os riscos de novos empreen-dimentos, pois maiores serão os incentivos para que a iniciativaprivada concorde em fazer os investimentos mesmo com sinaispouco otimistas sobre o comportamento da demanda. Além disso,esse recurso dá margens para ações discricionárias na avaliaçãoe administração de riscos por parte do Estado, seja por riscos deseleção adversa ou mesmo por restrições de ordem política eeconômica.

Os riscos operacionais, provocados por dificuldade de pre-visão de custos de construção, operação e manutenção, provêmda possibilidade de os valores efetivamente realizados diferiremdo fluxo de caixa projetado no orçamento inicial, envolvendo otempo e o custo de construção e os aspectos ambientais, arqueo-lógicos, de desapropriação etc. Na teoria do direito administrativo,esses fenômenos são denominados “interferências imprevistas”,sobrepondo-se ao contrato. Embora o desejável é que tais riscossejam absorvidos pela concessionária para estimular a eficiênciaprodutiva, os aspectos de imprevisibilidade envolvidos tambémgeram, assim como os riscos de mercado, a reivindicação derecomposição de aspectos do contrato de concessão. O fun-damento jurídico para a recomposição de preços e dilação deprazos é que, na comum intenção das partes, na celebração docontrato, não foram cogitadas as dificuldades nem computadosos custos extraordinários que a nova situação impõe [Meirelles(1994, p. 224)].

Texto para Discussão nº 81 11

6 A questão central aqui é a assimetria de riscos envolvidos na tomada de decisão poder levar aconcessionária a subestimar a demanda futura pelo serviço, para ter um maior grau de segurançade que a rentabilidade do empreendimento não seja inferior à esperada.

Page 10: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

Por fim, os riscos de modificação das “regras do jogo” sãoaqueles provocados por fatos supervenientes, classificados emtrês categorias: a) força maior e caso fortuito; b) fatos dopríncipe; c) fatos de administração [Meirelles (1994), Di Pietro(1996)]. A primeira categoria é representada por aqueles even-tos humanos (força maior) ou naturais (caso fortuito) que, porsua imprevisibilidade e inevitabilidade, criam para o contratadoimpossibilidade intransponível de normal execução do contra-to, tais como greves, bloqueios de estrada ou fenômenos danatureza (tufões, inundações etc.). Os “fatos do príncipe” sãocompostos de todos os atos do Estado, de caráter geral,imprevistos e imprevisíveis, que oneram substancialmente aexecução do contrato de concessão.7 Por fim, os fatos deadministração relacionam-se aos atos da administração públi-ca que afetem diretamente o contrato, como, por exemplo,quando o Estado não providencia as desapropriações neces-sárias para a execução da atividade concedida. Vale registrarque, enquanto o fato administrativo ocorre no âmbito do con-trato, o fato do príncipe acontece quando o Estado pratica atogeral que repercute diretamente sobre o contrato.

2.3. Os Modelos de Licitação de Concessão e de2.3. Regulação Tarifária

O processo licitatório tem o objetivo de reproduzir ascondições de concorrência por meio da competição pela entradano mercado, permitindo que, dessa forma, as rendas de mono-pólio sejam dissipadas e os usuários possam se beneficiar detarifas mais baixas do serviço oferecido em regime de monopólionatural. Tradicionalmente, é possível identificar quatro mode-los básicos de licitação de concessão de monopólios naturais:a disputa pela menor tarifa; a disputa pelo menor prazo daconcessão; o maior valor de outorga; e a combinação dos trêscritérios anteriores.

Adicionalmente, após a definição da tarifa inicial noprocesso licitatório, existe a possibilidade do emprego de regi-mes tarifários, dos quais existem dois métodos mais conhe-cidos: a tarifação com base no custo de serviço (regulação dataxa interna de retorno) ou o estabelecimento de preço-teto(price cap).

A tarifação pelo custo do serviço era o regime tradicional-mente utilizado para a regulação tarifária dos setores de mono-pólio natural. Por esse critério, os preços devem remunerar oscustos totais e conter uma margem que proporcione uma taxa

12 Texto para Discussão nº 81

7 São exemplos de fatos do príncipe o congelamento de preços embutido em um plano de estabilizaçãoeconômica ou uma modificação tributária. Pode-se incluir nessa classificação o risco-país, ressaltadopor Garcia (1995): trata-se dos riscos, a que são suscetíveis os investidores estrangeiros, de eventuaismoratórias unilateriais que impeçam a remessa de lucros para o exterior.

Page 11: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

interna de retorno atrativa ao investidor. Assim, o preço final aoconsumidor deve ser obtido pela igualdade da receita bruta coma receita requerida para remunerar todos os custos de produção(custos fixos, incluída a taxa de remuneração da concessionária,mais custos variáveis).

O mecanismo de tarifação conhecido como price cap cons-titui-se na definição de um preço-teto para os valores cobradospela concessionária, corrigidos de acordo com a evolução de umíndice de preços ao consumidor, o retail price index (RPI), menosum percentual equivalente a um fator X de produtividade, paraum período prefixado de anos. Esse mecanismo pode envolver,também, um fator Y de repasse de custos para os usuários,formando a seguinte equação: RPI – X + Y.

O objetivo do regulador, ao implementar a fórmula tari-fária RPI – X, é eliminar os riscos e custos da ação reguladora,dispensando, entre outras coisas, os controles que neces-sitarem de informações custosas, como no caso do critério pelataxa interna de retorno. Dessa forma, a adoção do price capcontribuiria para reduzir o risco de captura das agências regu-ladoras (ao não expô-las a uma situação de assimetria deinformações) e para incentivar a ação eficiente das conces-sionárias, uma vez que, com preços fixos, elas poderiam apro-priar-se da redução de custos que viesse a ocorrer entre osperíodos revisionais.

Em termos genéricos, no que se refere à qualidade doserviço, verificou-se que o método price cap, ao induzir a reduçãode custos através do fator X, não assegura, endogenamente, oaprimoramento do atendimento ao usuário. Ao contrário, a sujei-ção a um preço-teto médio faz com que a firma apresente umatendência ao subinvestimento para a melhoria da qualidade dosserviços, já que esse esforço representaria uma elevação do seunível de custos.8 Isso gerou a necessidade do estabelecimento depadrões gerais que devem ser seguidos pela concessionária parao atendimento aos consumidores.

Independentemente do critério de licitação adotado oumesmo do regime tarifário empregado, as concessões requeremuma tarefa contínua de monitoramento, enforcement e renegocia-ção dos contratos, em virtude da baixa eficácia para reproduzircondições competitivas em mercados com elevados ativos es-pecíficos e pequeno número de concorrentes potenciais.

Texto para Discussão nº 81 13

8 Vale registrar que, paradoxalmente, a regulação da taxa de retorno pode trazer incentivos aoinvestimento em melhoria da qualidade por parte da firma regulada, sempre que a taxa de retornofor maior que o custo de oportunidade do capital. A razão disso é que esses custos serão incluídosno custo do serviço e comporão o investimento remunerado da firma. Para um aprofundamento dadiscussão desse trade-off, ver Pires e Piccinini (1998).

Page 12: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

3. A Experiência Internacional de Concessão de Rodovias

3.1. Modelos de Concessão de Rodovias

Existem poucos estudos analíticos da experiência interna-cional de tarifação de rodovias [De Palma e Lindesey (1997)]. Noentanto, podem-se perceber diferentes enfoques entre os paísesdesenvolvidos e os não-desenvolvidos. Enquanto nos primeirosobserva-se uma agenda que tenta levar em conta a necessidadede gerenciamento de demanda e de controle do tráfego, gerandoa introdução de tarifas time of day pricing, nos países em desen-volvimento a ênfase é na atração de capitais privados para arealização das obras de infra-estrutura rodoviária.

Além disso, a experiência internacional mostra uma diver-sidade muito grande na forma de concessão de exploração derodovias [Gomes-Ibáñez e Meyer (1993)]. Há exemplos de gover-nos que assumem integralmente a responsabilidade de construire manter as estradas, enquanto há países onde a participação dosetor privado é significativa.

Podem-se detectar quatro funções e motivações básicaspara a cobrança de pedágios em rodovias [World Bank (1998)]: a)construção de um fundo único de autofinanciamento para aexpansão do sistema viário; b) a auto-suficiência na cobertura decustos de operação e manutenção da rodovia já existente; c) acobertura dos custos de construção e recuperação de rodovias; ed) a possibilidade de internalização de externalidades, tais comodisciplinar o uso da rodovia para evitar congestionamentos.

A busca de fontes novas e estáveis de autofinanciamentopara a ampliação do sistema rodoviário nacional implica a gera-ção de excedentes – que compõem um fundo único, geralmenteadministrado pelo Estado – para a aplicação em novos empreen-dimentos. O objetivo é evitar o financiamento da expansão damalha rodoviária por meio de impostos e garantir a estabilidadeda fonte de recursos e a vinculação da arrecadação aos inves-timentos. Por exemplo, na Noruega e na Espanha, a receitaproveniente de pedágios representa, respectivamente, 32% e 46%do orçamento de construção das estradas [World Bank (1998)].

A auto-suficiência de custos de manutenção e operaçãovisa conciliar a busca do bom estado da malha rodoviária com acobrança contínua de pedágios de baixo valor.9 No entanto,quando ocorre a participação privada, em especial quando o nívelde tráfego é baixo, o governo é obrigado a conceder subsídios parasustentar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Esses

14 Texto para Discussão nº 81

9 Como será visto mais adiante, essa tem sido a recente motivação do governo brasileiro para atransferência da malha rodoviária para a iniciativa privada.

Page 13: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

subsídios, também denominados de shadow price, são definidospelo estabelecimento, por parte do governo, de um nível depedágio para garantir o retorno financeiro da concessão, sendopaga, à concessionária, a diferença entre o valor ideal e o valorefetivamente arrecadado pelo pedágio. Exemplos nesse sentidopodem ser encontrados no caso do Reino Unido, da Holanda e daAmérica Latina. Seu objetivo é reduzir o impacto social do pedá-gio, mas os efeitos negativos são a não-internalização dos custosde congestionamento e de deslocamento do usuário, os elevadoscustos de transação (acompanhamento do nível de receitas,custos e volume de tráfego) e o baixo incentivo à eficiênciaprodutiva da concessionária.

A cobrança de pedágios para cobrir custos de construçãoou de recuperação das rodovias é uma das principais motivaçõesda experiência internacional. A forma mais propagada de conces-são de rodovias tem sido pelo sistema Build-Operate-Transfer(BOT), pelo qual, mediante uma concessão em geral de 25 a 30anos, a empresa privada adquire o direito de construir e mantera rodovia, cobrando pedágios que lhe permitam obter o retornoeconômico do empreendimento. Após esse prazo, a concessão érevertida para o Estado.10 Existem diversas experiências sendorealizadas na Ásia, em especial para projetos envolvendo cor-redores de alto tráfego, nos quais são reduzidos os riscos deimprevisibilidade de demanda.

A possibilidade de internalização das externalidades pormeio da cobrança de pedágios é justificada com o argumento deque a rodovia tem impactos positivos (integração social e regionaletc.) e negativos (impactos ambientais, congestionamentos detráfego etc.). Com o pedágio, é possível internalizar determinadosefeitos negativos do uso de rodovias, tais como os riscos decongestionamento. Na Holanda, por exemplo, a política tarifáriadas rodovias tem o objetivo explícito de direcionar os usuáriospara a utilização de outros meios de transporte, de forma afacilitar as condições de tráfego nos horários de rush. Nesse caso,o sistema de tarifação é bastante sofisticado, verificando-se aadoção de tarifas horossazonais ou por dia de semana parareduzir o tráfego nos horários de pico, como no caso da França.Muitas vezes, o sistema de pedágio é adotado por áreas, sendo opreço estipulado diretamente proporcional à proximidade dasregiões urbanas centrais, como no caso da Noruega, para enco-rajar o transporte coletivo, acompanhado de descontos parautilitários (Hungria, Estados Unidos, Holanda etc.).

Deve-se ressaltar também que, na experiência internacio-nal, foram consagrados dois sistemas básicos de pedágios [Minis-tério dos Transportes (1999)]: a) sistema aberto, caracterizado

Texto para Discussão nº 81 15

10 Um sistema bastante similar ao BOT é o Recuperate-Operate-Transfer (ROT), no qual a conces-sionária, após recuperar a rodovia, opera a malha viária por um período estabelecido em contrato,no fim do qual a rodovia é revertida para o Estado.

Page 14: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

pela cobrança de uma taxa fixa por categoria de veículo, quandode sua passagem por barreiras de arrecadação; e b) sistemafechado, composto pela cobrança de uma taxa em função dadistância percorrida entre os pontos de entrada e saída darodovia.

O sistema fechado, bastante comum nos Estados Unidose na Europa, somente é aplicável em rodovias com grandesvolumes de tráfego e acesso controlado e limitado a um númerode pontos selecionados, nos quais se torna possível a identificaçãodo veículo na entrada para posterior pagamento na saída darodovia. Dessa forma, pode-se cobrar de cada usuário exatamenteo custo por ele incorrido na manutenção e operação do sistemarodoviário. O sistema aberto, aplicável no Brasil, aparece comouma alternativa para os casos em que existe a proliferação depontos de acesso às rodovias, inviabilizando o sistema fechado.No sistema aberto, a única possibilidade teórica de se imputar ocusto real incorrido por cada usuário seria o da instalação degrande número de praças de pedágio para que, por meio de tarifasmódicas, fosse possível fazer com que todos os usuários con-tribuíssem para a manutenção do sistema. No entanto, os eleva-dos custos de implantação e operação de praças de pedágios,aliados aos inconvenientes e problemas de congestionamentoprovocados por paradas freqüentes, fazem com que sejam busca-das alternativas que conciliem essas dificuldades.11

3.2. O Caso dos Países Desenvolvidos

A França é um dos países com maior experiência emcobrança de pedágios em rodovias sob regime de concessão tantopública quanto privada. Durante os anos 70, houve um processode falências e encampações pelo Estado. Inicialmente, o financia-mento das rodovias era feito por meio de taxações de combus-tíveis, mas o uso concorrente inviabilizou essa solução. Opedágio, adotado posteriormente, deveria ser extinto após a co-bertura de custos das novas construções, o que acabou nãoocorrendo. Historicamente, as regras de reajuste dos pedágiosforam utilizadas para o controle da inflação e do déficit público,obrigando o Tesouro a efetuar repasses para as concessionárias[Gomes-Ibáñez e Meyer (1993)].

As auto-estradas francesas são operadas por oito compa-nhias, sendo apenas uma privada. As demais são sociedades deeconomias mistas nas quais, por lei, o governo deve ter maioria;na realidade, tais empresas são estatais nacionais ou estaduais.Na década de 70, metade dessas empresas pertencia ao setorprivado nacional, mas riscos mercadológicos impactaram decisi-vamente o equilíbrio-econômico financeiro das concessões.

16 Texto para Discussão nº 81

11 No caso brasileiro, o sistema de cobrança de pedágio representa cerca de 10% da receita total dasconcessionárias [Ministério dos Transportes (1999)].

Page 15: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

O choque no preço do petróleo, nos anos 70, e a crise econômicaque se seguiu induziram a um menor crescimento econômico queteve como reflexo a redução do tráfego. Adicionalmente, houveum impacto negativo provocado pela absorção, pelas conces-sionárias, dos riscos provocados por modificação nas regras dojogo decorrente, em especial, de fatos da administração. Exemplonesse sentido foi a utilização do pedágio pelo governo francêscomo instrumento de controle da inflação, o que afetou o equilí-brio econômico-financeiro das concessões, fazendo com que trêsdelas fossem reabsorvidas pelo governo e apenas uma empresaprivada permanecesse explorando rodovias.

Nos anos 90, pôde-se verificar uma retomada do interesseda iniciativa privada por essas concessões, sendo o maior óbice,no entanto, a ausência de um órgão regulador independente, poiso Ministério das Finanças da França – órgão responsável pelosreajustes tarifários –, sistematicamente, tem definido reajustesmenores do que a inflação, dando ênfase ao controle da rentabi-lidade dos projetos por meio do estabelecimento de tarifas combase no custo do serviço.

No caso da Espanha, cerca de metade das auto-estradasfoi construída nos anos 60 e 70 por consórcios privados. Noentanto, de forma similar ao caso francês, o regime de concessõessofreu o impacto da obrigatoriedade, criada pelo governo, deobtenção de 45% dos financiamentos por meio de recursos exter-nos, em face de problemas na balança de pagamentos do país. Odesdobramento foi a complementação, por parte do Estado, dosrecursos necessários, além da assunção dos riscos cambiais, oque não evitou a encampação estatal de três desses consórciosem 1982, por insolvência financeira.

Costas e Bel (1999) fazem uma avaliação bastante críticado processo de privatização espanhol, apontando com um dosprincipais problemas o fato de o Estado ter assumido passivoscontingentes, seja a título de renúncia tributária ou por garantiasde “receita mínima” ou cambiais estipuladas nos contratos deconcessão.12

No caso dos Estados Unidos, existem rodovias nas quaiso controle tarifário é feito pela iniciativa privada, enquanto emoutras esse controle é feito pelos governos estaduais. O regimetarifário empregado varia entre a regulação da taxa interna deretorno e o sistema price cap.

Na tradição norte-americana, a definição da taxa de retor-no é resultado de processos judiciais de definição arbitral de um“justo valor”, envolvendo um longo e assimétrico processo de

Texto para Discussão nº 81 17

12 Segundo os autores, somente a título de seguro cambial, o Estado espanhol efetuou uma soma dequase US$ 2,5 bilhões entre 1967 e 1996, o equivalente a 65% do total dos investimentos privadosnas rodovias onde se cobra pedágio.

Page 16: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

barganha nas audiências públicas. Tais processos reúnem es-pecialistas e representantes dos consumidores para a definição,pelo regulador, do “custo verdadeiro” e da “taxa de retornojusta”.13 Essas definições criam, inclusive, jurisprudências, o queaumenta a importância de que esses processos sejam bem con-duzidos. Entretanto, toda essa discussão requer longo tempo denegociação, impactando a agilidade administrativa.

3.3. O Caso dos Países em Desenvolvimento

Entre os países em desenvolvimento, a experiência mexi-cana, iniciada em 1989, é caracterizada pela licitação, por partedo governo federal, de rodovias incluídas em planos de expansãoda malha rodoviária. O critério de escolha do vencedor da licitaçãoé o do menor prazo de exploração da concessão, tendo em vistaque o governo estipula a tarifa em função de estimativas de fluxode tráfego e de custos de manutenção, operação e construção. Omodelo mexicano prevê a possibilidade de renegociação de prazosdas concessões no caso de ocorrerem erros nas projeções.

A experiência mostrou dois aspectos principais. O pri-meiro é que esse mecanismo incentiva o setor privado a realizarobras a custos mais elevados para buscar vantagens quandoda negociação da extensão do prazo. O segundo aspecto é queo mecanismo de definição do vencedor pelo critério do menorprazo gerou situações de renegociações do valor do pedágiopara cobertura do equilíbrio econômico-financeiro do contrato,não sendo rara a situação de estradas vazias em razão dastarifas elevadas.

Já o caso chileno é caracterizado pela licitação pela menortarifa, durante prazo fixo de 20 anos, muito embora, concomitan-temente, seja possível se verificar a aplicação do modelo mexica-no, com a variável de ajuste sendo o prazo de concessão ou aponderação com outros critérios (serviços adicionais, nível deinvestimentos etc.).

A experiência de concessão privada de rodovias no Chileintensificou-se a partir de 1991, com a aprovação de uma novalei de concessões marcada pela complexidade dos mecanismosutilizados para a escolha da firma vencedora, visto que o processode licitação envolve diversas variáveis (subsídio anual ou paga-mento de receita mínima pelo Estado, valor da tarifa, termos dalicitação, grau de risco de construção assumido pela conces-sionária, serviços adicionais etc.).

18 Texto para Discussão nº 81

13 A definição do “justo valor” está longe de ser o resultado de um cálculo exato e, normalmente,refere-se a uma média ponderada do valor histórico e de reprodução dos ativos. As discussões sãocaracterizadas por elevada subjetividade com relação aos retornos esperados e grande dificuldadepara se encontrar uma base comparativa.

Page 17: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

Em 1998, foi utilizado pela primeira vez um novo modelo,que será aprofundado nas seções posteriores deste trabalho e noqual o prazo de concessão passa a ser endógeno, ou seja, expiraquando as receitas de pedágio atingem o valor proposto pela firmano processo licitatório. A vencedora foi a empresa que apresentouo menor valor presente para as receitas de pedágio (VPRP), muitoembora também fizesse parte dos critérios de escolha a neces-sidade, requerida pela concessionária, de garantias mínimas detráfego (receitas de pedágio) [Engel, Fischer, Galetovic (2000)].14

Na avaliação do processo chileno, observa-se que a novalegislação deu mais agilidade ao processo licitatório, em especialno que se refere à expropriação e ao estabelecimento de arbitra-gem de conflitos. Entretanto, a ausência de um órgão reguladorcom autonomia do Estado para renegociar termos contratuais eefetuar as eventuais arbitragens de conflitos e de um marcoregulatório geral para as rodovias fez com que existisse grandedose de discricionariedade na definição caso a caso dos mecanis-mos de concessão de rodovias, assim como na definição deeventuais subsídios por parte do governo.

Na Argentina, a experiência de privatização de rodovias foimarcada pela adoção do mecanismo price cap de tarifação maisum prazo fixo de concessão. O processo foi iniciado em 1989, coma licitação simultânea de 12 concessões de vias intermunicipais,a serem exploradas por um prazo de 12 anos. O critério-chave devitória nos leilões foi o maior valor de outorga, muito emboratambém tenha sido considerada uma série de critérios de quali-ficação técnica e de compromissos de investimento por parte doconsórcio, sujeitos a diferentes pontuações. Mediante o direito decobrança de pedágios, a concessionária adquiriu a obrigatorieda-de de cumprimento de programa de manutenção, reabilitação emelhorias nas rodovias concedidas, além do estabelecimento decronograma de aprimoramento da qualidade dos serviços.15,16

Desse primeiro round de licitações argentinas, pode-sedestacar a avaliação de que o principal problema foi a intervençãodo governo federal quando resolveu suspender os contratos erenegociá-los: a cláusula de indexação gerou um reajuste de maisde 50%; diversas concessionárias iniciaram o processo de tarifa-ção antes de terminarem as obras iniciais estabelecidas emcontrato; e, por fim, a iniciativa das concessionárias de adotar

Texto para Discussão nº 81 19

14 Trata-se da concessão para BOT de 130 km de rodovia, no trajeto Santiago–Valparaíso–Viña del Mar,licitado em fevereiro de 1998. Posteriormente, o mecanismo foi novamente adotado para a construçãoda Rodovia Costanera Norte, sem que aparecessem interessados. Segundo Engel, Fischer e Galetovic(2000), esse resultado significa uma seleção negativa do empreendimento pelo mercado. Em outraspalavras, no caso específico em questão, a iniciativa privada identificou o projeto como um elefantebranco.

15 Antes da cobrança de pedágios, foi estabelecido um requerimento mínimo de investimentos, porparte da concessionária, na recuperação das rodovias.

16 Foram definidos níveis de qualidade dos serviços (estado de pavimentação), medidos por indicadoresde níveis de atendimento (escala de 0 a 10): a) 6,4 durante os três primeiros anos; b) 8 nos sete anosposteriores; e c) 7,5 nos dois últimos anos da concessão.

Page 18: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

diversos pontos de cobrança para capturar o tráfego em vias livresalternativas gerou uma onda de protestos e forte pressão para aredução dos pedágios [Estache e Carbajo (1996)].

O processo de renegociação dos contratos resultou naredefinição dos termos das concessões e na alteração das “regrasdo jogo”. As tarifas foram reduzidas em cerca de 50% mas, emcompensação, o governo suspendeu a obrigatoriedade de paga-mento da outorga e, adicionalmente, garantiu um subsídio anual,a ser distribuído para as concessionárias de acordo com o tráfegoem cada uma das rodovias administradas por elas.17 Além disso,foram redefinidas as metas de modernização das rodovias, assimcomo a localização dos postos de cobrança de pedágios.

Em 1992, o governou implementou o segundo round deconcessões de rodovias, dessa feita para a construção de três viasexpressas para acessos estratégicos à Grande Buenos Aires. Asprincipais características desse segundo round eram as seguin-tes: a) simplificação dos termos de licitação para apenas umaúnica variável, a de menor tarifa; b) estabelecimento, nos contra-tos de concessão, de uma clara delimitação de riscos entregoverno e concessionárias (suspensão de garantias de receitas esubsídios, responsabilidade de desapropriações transferidas paraas concessionárias etc.); e c) obrigatoriedade de construção, porparte das concessionárias, de vias de acesso paralelas não-tari-fadas.

O principal problema apresentado nessa segunda fase foique, inicialmente, as concessões sofreram os impactos dos riscosmacroeconômicos (efeito-tequila e da conseqüente recessão em1995), o que impactou negativamente os programas de inves-timentos e, portanto, o início da cobrança de pedágios. Pos-teriormente, no entanto, a retomada do crescimento econômicopermitiu um aumento substancial das receitas das concessio-nárias e a melhoria do estado geral das rodovias (manutenção epavimentação). No entanto, o governo continuou a prática desubsídios como alternativa ao aumento dos pedágios e o ritmodos investimentos não ocorreu no ritmo esperado nos contratosiniciais de concessão (antes da renegociação).18

Em termos gerais, entre as principais lições da experiênciainternacional destacam-se as seguintes:

a) a importância de critérios simples e transparentes delicitação para que não se dê margem à discricionariedade do poderconcedente e nem criar conflitos na harmonização de múltiplosobjetivos;

20 Texto para Discussão nº 81

17 O número de rodovias em mau estado de manutenção se reduziu de 30% para 25% entre 1989 e1993.

18 Os subsídios do governo aumentaram de U$ 23 milhões para US$ 65 milhões entre 1991 e 1995.

Page 19: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

b) o estabelecimento de contratos de concessão com cri-térios adequados de repartição de riscos entre os agentes en-volvidos, com cláusulas que assegurem, ao mesmo tempo,flexibilidade para a adaptação às circunstâncias e para a trans-ferência de ganhos de eficiência das concessionárias para osusuários;19

c) a imprescindibilidade da definição de regras do jogoestáveis e bem definidas, bem como da constituição de agência(s)reguladora(s) independente(s), com elevados graus de coordena-ção entre elas, com a missão de arbitrar os diferentes interessesenvolvidos.20

4. O Regime de Concessões no Brasil

O governo brasileiro iniciou, através do Programa de Con-cessão de Rodovias Federais, de responsabilidade do Departa-mento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), um processode concessões de rodovias para a iniciativa privada.21 O vencedorda licitação tem sido escolhido pelo critério de menor tarifa depedágio, com prazos prefixados (em geral entre 20 e 25 anos).Adicionalmente, vêm sendo exigidos da concessionária um planode investimentos que, na maioria dos casos, deve ser parcialmen-te cumprido em tempo prévio ao início da cobrança de pedágio,bem como a observância de critérios de segurança da rodovia.

Inicialmente, foram definidas duas etapas do programa. Aprimeira teve início em 1995 e foi concluída com a privatizaçãoda Ponte–Rio Niterói e das Rodovias Presidente Dutra (Rio–SãoPaulo), Rio–Petrópolis–Juiz de Fora, Rio–Teresópolis–Além Paraí-ba e Osório–Porto Alegre–Acesso Guaíba (Tabela 1). A etaparepresentou a transferência de 856,4 km de estradas à iniciativaprivada na modalidade ROT, discutida anteriormente.22

Texto para Discussão nº 81 21

19 A correta definição dos critérios de seleção dos vencedores da licitação é muito importante. Comovisto anteriormente, no caso do México, por exemplo, onde o método exclusivo foi o menor tempo deconcessão, houve a necessidade da elevação do pedágio para cobertura do equilíbrio econômico-financeiro definido inicialmente no contrato de concessão.

20 No caso argentino, a pouca coordenação entre as agências estaduais e a federal (Dirección Nacionalde Viabilidad – DNV) gerou decisões ineficientes e falta de planejamento. A reforma rodoviáriatransferiu o gerenciamento e o controle das rodovias para as províncias sem que elas tivessemorganismos regulatórios que agissem com coordenação e planejamento entre si, além de não terempessoal capacitado ou recursos adequados para exercer a missão regulatória de fiscalização daqualidade das rodovias [Estache e Carbajo (1996)].

21 Esse programa, inicialmente conhecido como Procrofe, foi criado pela Portaria Ministerial nº 10/93,posteriormente modificada pelas Portarias 246/94, 824/94 e 214/95. Essa portaria deu origem aum grupo de trabalho cujos objetivos eram o de estudar a possibilidade de conceder à iniciativaprivada a exploração de cerca de 30% dos 52.000 km de rodovias pavimentadas da malha rodoviáriafederal e o de estabelecer os procedimentos para a licitação dessas concessões.

22 Os investimentos totais dessa fase foram de R$ 871 milhões, sendo R$ 354 milhões representadospor financiamentos do BNDES [Piccinini (1996)].

Page 20: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

A segunda etapa, ainda não concluída, é constituída pelaprivatização de 10.379 km, considerados de alta rentabilidade,na modalidade ROT (e eventual expansão). Desse total, referen-te a 34 segmentos rodoviários, 6.209 km foram definidos comoprioritários (21 segmentos), sendo que 5.244 km deveriam serlicitados com o apoio do Banco Mundial e 965 km na forma delicitação direta pelo DNER, que também deveriam ser inicial-mente recuperados por esse órgão e somente então transferi-dos para o setor privado na modalidade de conservação eoperação.23

Com a aprovação da Lei 9.277/96, que regulamenta atransferência das rodovias federais para os estados, a extensãodas rodovias federais incluídas no Programa de Concessão am-pliou-se para 15.507,2 km, incluídos os montantes das etapasanteriores. Desse total, 7.096,3 km serão concedidos diretamenteà iniciativa privada pelo DNER,24 enquanto 7.554,5 km inserem-se nos trechos de rodovias que serão delegados aos estados,Distrito Federal e municípios para serem inseridos nos ProgramasEstaduais de Concessão, pelo prazo de até 25 anos, renováveispor igual período, mediante a cobrança de pedágios.25

A previsão inicial do programa era que, até o ano 2000,esses trechos seriam transferidos para a iniciativa privada. Noentanto, o setor se ressentiu da falta de constituição de um órgão

Tabela 1Concessões Executadas Diretamente pelo DNER

Trecho Rodoviário Extensão(km)

Prazo Tarifa Básica*(R$/km)

Nº de Praçasde Pedágio

Taxa Internade Retorno

Concessionária Início

Rio–Juiz de Fora 179,7 25 0,047 03 16,48 Concer 31/10/95

Ponte Rio–Niterói 13,2 20 0,049 01** 16,63*** Ponte 17/08/96

Presidente Dutra 406,8 25 0,032 05** 17,91*** Nova Dutra 01/08/96

Rio–Teresópolis–AlémParaíba

144,4 25 0,042 05 23,29 CRT 02/09/96

Osório–PortoAlegre–Acesso Guaíba

112,3 20 0,029 03** 23,99*** Concepa 26/10/97

Total 856,4 – – – – – –

Obs.: (*) Tarifas alteradas em função da greve dos caminhoneiros; (**) praças de pedágio unidirecionais; (***) taxasnão-alavancadas.Fonte: Ministério dos Transportes (1999).

22 Texto para Discussão nº 81

23 Para uma relação completa de todas essas rodovias, ver Piccinini e Nascimento (1996).24 Os 20 trechos (7.096 km) a serem licitados diretamente pelo DNER já foram aprovados pelo Conselho

Nacional de Desestatização, mas se encontram suspensos (13 trechos com extensão de 4.946,7 km)ou em fase de preparação (os outros sete trechos). A relação completa desses trechos pode ser obtidaem Ministério dos Transportes (1999).

25 Além disso, os estados acrescentaram mais 3.083 km de rodovias a serem concedidas à iniciativaprivada, sendo que diversas delas já foram privatizadas, tais como as Rodovias SC-401, interligandoFlorianópolis a Canavieiras, Anhangüera–Bandeirantes em São Paulo e RJ-124, de acesso à Regiãodos Lagos no estado do Rio de Janeiro, esta com a construção de nova estrada entre Araruama eSão Pedro da Aldeia.

Page 21: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

regulador e da não-definição de um critério geral para o es-tabelecimento de tarifas, tendo em vista, inclusive, que diversosestados têm implementado programas de privatização sem quehaja harmonização entre critérios tarifários e de acompanha-mento das concessões.26 Além disso, as obras de recuperação damalha rodoviária em poder dos estados, visando à posteriorprivatização,27 ainda não foram concluídas. De acordo com oprograma, o gasto público nessas obras deverá ser recuperado,mediante indenização, no ato de concessão para a iniciativaprivada.

Em virtude da preocupação com o impacto das tarifassobre os usuários, o governo federal resolveu alterar o modeloimplementado no programa de concessão. As principais modifi-cações foram as seguintes: a) será feito o repasse, para a iniciativaprivada, das rodovias em processo de recuperação, sem que sejaexigida indenização, por parte da concessionária, dos inves-timentos na recuperação de rodovia;28 b) o critério de licitaçãoserá exclusivamente o de menor tarifa, passando a ser dispensadoo valor de outorga na disputa da licitação; e c) as concessionáriasprivadas serão responsáveis apenas pelas obras de conservaçãoe manutenção.29

O objetivo do governo é permitir a oferta de tarifas depedágio mais baixas aos usuários, com o preço-teto (R$ 4 a cada100 km) sendo reduzido em 11,1% em relação à tarifa médiacobrada nas rodovias federais já privatizadas (R$ 4,5 a cada 100km). Segundo análise do Ministério dos Transportes, o valor dopedágio deveria ser de R$ 8 ou R$ 7 caso a União exigisse,respectivamente, a indenização pelos investimentos feitos ou aquitação de empréstimos obtidos pelo governo no exterior [Folhade S.Paulo (19.4.2000)].

Texto para Discussão nº 81 23

26 Existe uma diversidade de métodos aplicados nos estados, embora em todos eles a tarifa inicial tenhasido preestabelecida pelo poder concedente. Enquanto em São Paulo as concessionárias vencedorasdos leilões foram as que ofereceram a maior oferta pela concessão, no Paraná e no Rio Grande doSul as vencedoras foram aquelas que propuseram o maior programa de conservação de rodovias[Castro (2000)]. O fato de diversos governos estaduais terem interrompido os reajustes tarifáriosprevistos nos contratos de concessão levou o governo federal a suspender temporariamente oprocesso de transferência das rodovias federais para o âmbito dos estados.

27 É relevante destacar que, apesar de ser de responsabilidade dos estados a manutenção dostrechos a eles delegados, no período entre a delegação e a transferência dos trechos àsconcessionárias nenhum estado consignou recursos para isso em seu orçamento [Ministério dosTransportes (1999)].

28 Essa decisão será implementada na privatização das Rodovias Fernão Dias (São Paulo–BeloHorizonte) e Régis Bittencourt (São Paulo–Curitiba), nas quais foram gastos quase US$ 3 bilhões –entre recursos da União, dos estados e de financiamentos externos – em obras de duplicação erecuperação das pistas.

29 Outra mudança observada nos novos contratos de concessão é a maior flexibilização dos critériosde segurança da rodovia. Desde que a concessionária cumpra o tempo mínimo de 15 minutos parao atendimento em caso de acidente, fica ao livre arbítrio da concessionária o número de médicos deplantão e ambulâncias.

Page 22: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

5. A Proposta de Endogenização do Prazo das5. Concessões de Rodovias no Caso Brasileiro

5.1. A Necessidade da Busca de Alternativas de5.1. Repartição de Riscos

Tanto a experiência internacional quanto a brasileira têmdemonstrado as dificuldades de os contratos de concessão garan-tirem a adequada distribuição de riscos, devido à sua imprevisi-bilidade. Em decorrência, dentre as diversas imperfeiçõesregulatórias, pode-se verificar a possibilidade de ocorrência dachamada “maldição do vencedor”,30 em que a firma que ganha aconcessão não é a mais eficiente, mas sim aquela que realiza aprojeção mais otimista de alguma variável incerta (fluxo de veí-culos, custo de construção etc.). Por conseqüência, a tendência éque ocorram renegociações para evitar riscos de quebra, emcondições menos transparentes do que na licitação e, portanto,com maiores custos regulatórios.31 Além disso, uma empresa quetenha maior facilidade ou especialização em negociações poderáestar sendo vitoriosa por critérios que não o de maior eficiênciaprodutiva.

Outras alternativas, tais como a redução, pelo Estado, dorisco da concessionária por meio da outorga de garantias míni-mas de tráfego para que as firmas possam encontrar financia-mento para projetos, não têm sido adequadas. Mesmo sendocomum a exigência, em contrapartida, de que a concessionáriareparta lucros excedentes eventuais, essa alternativa gera anecessidade de controle de custos, incorrendo no clássico proble-ma de assimetrias regulatórias.

Incorre em risco similar a solução encontrada por algunsgovernos de efetuar os investimentos em expansão e/ou recupe-ração, transferindo para a iniciativa privada apenas a obrigato-riedade de manutenção das rodovias. Os custos de oportunidadedos recursos aplicados pela União são elevados, sobrecarregamo contribuinte e poderiam ser minimizados com a adoção demecanismos de concessão no qual a concessionária fosse es-timulada a reduzir custos de construção e/ou recuperação.

Outro problema bastante acentuado nos mecanismos tra-dicionais é o dos elevados custos de transação para a renegocia-ção de cláusulas contratuais, incluindo, muitas vezes, sériasdificuldades de modificação do contrato quando da eventualnecessidade de novas obras não-previstas inicialmente.

24 Texto para Discussão nº 81

30 O conceito de “maldição do vencedor” foi criado por Capen, Clapp e Campbell (1971), que, analisandoo processo de licitação em uma série de indústrias, observaram que as empresas ganhadoras deconcessões não eram as mais eficientes, apenas as mais otimistas.

31 Riscos de captura, moral hazard etc.

Page 23: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

Por fim, a incerteza acerca de uma operação inteiramentenova pode gerar lucros extraordinários para a concessionária, dedifícil reversão antes do prazo revisional ou mesmo do término daconcessão. Esse é o caso, por exemplo, da anunciada construçãode uma ponte sobre o Rio da Prata, unindo as cidades de BuenosAires e Colônia (Uruguai), com 45 km de extensão e cuja es-timativa de trânsito é de 5 mil veículos/dia. Entre outros benefí-cios, com a maior facilidade de acesso, somente para a cidadeuruguaia, traria um crescimento anual de 13% no número deturistas, que passaria de 200 mil turistas/ano, em 1999, para 1,5milhão de turistas/ano, em 2015 [Gazeta Mercantil, 2.12.1999].Caso, porém, essa previsão esteja subestimada e o crescimentomédio do número de turistas efetivo seja de 15% a.a. no mesmoperíodo, o fluxo de turistas seria de quase 1,9 milhão/ano em2015, fazendo com que, para uma determinada tarifa e semcustos adicionais, seja configurado um lucro extraordinário paraa concessionária privada que estiver operando a ponte.

Por essa razão, os itens seguintes discutem as vantagensda adoção do modelo de endogenização do prazo das concessõesde rodovias, como uma alternativa para reduzir o valor dospedágios e diminuir os riscos e os custos regulatórios.32

5.2. O Modelo de Endogenização e sua Aplicação no5.2. Caso Brasileiro

O modelo de endogenização, como citado anteriormente,foi proposto por Engel, Fischer e Galetovic e já vem sendo adotadopioneiramente na concessão de rodovias no Chile:33

“(...) la principal diferencia con los mecanismos [tradiciona-les] (...) consiste en que el plazo de la concesión es variable. Elmecanismo de licitación propuesto es el siguiente:

x El regulador fija el peaje máximo que puede cobrar elconcesionario.

x Gana la concesión aquella empresa que solicita el menorvalor presente de ingresos por peajes.

x La concesión termina cuando el valor presente de losingresos por peajes es igual a la suma solicitada por ellicitante ganador” [Engel, Fischer e Galetovic (1996b,p. 25, grifos nossos)].

O prazo de concessão de rodovias, por essa proposta,portanto, seria explicitamente passível de alteração, para mais ou

Texto para Discussão nº 81 25

32 Os autores se beneficiaram do artigo de Werneck (1997), primeiro a levantar a discussão sobre omodelo de endogenização no Brasil.

33 A experiência chilena com o modelo de endogenização é citada sucintamente na Seção 3.3 destetrabalho. Para uma discussão mais aprofundada, ver Engel, Fisher e Galetovic (2000).

Page 24: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

para menos, em função da diferença entre as taxas de expansãoda demanda previstas pela concessionária e as taxas efetivamenteverificadas. Os candidatos seriam obrigados a definir o valor datarifa e explicitar as hipóteses de demanda assumidas, que se-riam posteriormente cotejadas com as observadas. A tarifa vigen-te seria a menor entre a tarifa máxima estabelecida pelo órgãoconcedente e a tarifa proposta pelo vencedor. A tarifa contratual,constante ao longo de toda a concessão, seria aquela definida naproposta vencedora e poderia estar sujeita a regras de reajusteinflacionário similares às atualmente praticadas no Brasil.34

Essa proposta consiste no estabelecimento, nas regras doedital da concorrência, da taxa de retorno do empreendimento aser adotada nos cálculos, da tarifa de referência e do prazomáximo de concessão. Isso posto, a licitação da concessão teriacomo vencedor, preenchidos determinados requisitos de qualida-de, comprovação de qualificação e dimensão econômica doslicitantes, o candidato que solicitasse a menor tarifa, que refletiriao menor valor presente de receita de pedágio necessária para queoperasse a concessão a fim de obter a taxa de retorno esperadapela firma.

Evidentemente, a concessionária vencedora seria obrigadaa explicitar as previsões quanto à demanda futura pelo serviço,previsão essa a ser cotejada depois para endogenizar o prazo deconcessão. Nessa proposta, caberia ao governo – ou, em caso dedelegação do poder público, ao órgão regulador correspondente –acompanhar a evolução do quantum da variável em questão, demodo a, automaticamente, ajustar a duração da concessão àrealidade efetivamente verificada vis-à-vis a prevista.

5.2.1. A Necessidade de Ajustes Legais para5.2.1. Aplicação no Caso Brasileiro

No direito brasileiro, o estabelecimento de prazos delimi-tadores do início e do término é fundamental para a legalidade docontrato. Conforme a Constituição da República, a concessão e apermissão de serviços públicos possuem natureza contratual, oque torna essencial a existência de cláusula que indique os prazosdo início e da conclusão desses contratos. Além disso, a Lei deLicitações veda a existência de contrato com prazo de vigênciaindeterminado. Por fim, as cláusulas essenciais, previstas na Leide Concessões, entre as quais se incluem o prazo, não podem

26 Texto para Discussão nº 81

34 A proposta de endogenização é aplicável, em tese, para qualquer setor de infra-estrutura No entanto,o modelo é mais adequado para os setores que se caracterizam por serem estritamente monopóliosnaturais, como no caso das rodovias. Esse modelo não é adequado para setores nos quais aconcessionária controla diversos pontos da cadeia produtiva, competitivos e não-competitivos,fornecendo serviços de acesso a eventuais concorrentes, como é o caso do setor portuário. Nessecaso específico, a concessionária poderá, inclusive, reduzir a demanda para eliminar concorrentes,pois a elasticidade do prazo a protege de eventuais prejuízos com a redução de demanda. Paramaiores detalhes dessa discussão, ver Engel, Fischer e Galetovic (2000).

Page 25: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

faltar nos contratos, sob pena de nulidade, pela impossibilidadede se definirem o objeto e os direitos e obrigações das partes.35,36

Já no que se refere às formas de extinção, a Lei deConcessões prevê diversas hipóteses. Para a abordagem desteartigo, no entanto, interessa uma rápida análise dos incisosreferentes à extinção natural e à encampação da concessão pelopoder concedente, já que os demais são inadequados para har-monizar com a lei a possibilidade de antecipação do termo finalda concessão embutida na proposta de endogenização.37

A previsão de extinção natural (reversão) representa umagarantia contratual da concessionária de, em condições normais,manter a concessão até o término do prazo previsto no edital delicitação e no contrato de concessão. Por outro lado, a extinçãomediante a encampação da concessão pelo poder concedentedecorre da faculdade inerente ao poder concedente de, em razãode conveniência e oportunidade, extinguir a concessão a qualquertempo por motivo de interesse público.

Todavia, o problema da atual legislação é que, para efetuara encampação das concessões, é necessária a publicação de leiautorizativa específica para cada uma delas, além da préviaindenização da concessionária pelas parcelas dos investimentosvinculados aos bens reversíveis utilizados para garantir a conti-nuidade e atualidade do serviço concedido e que não foramamortizados ou depreciados.38

Em princípio, as exigências de relevante interesse público ede prévia indenização da concessionária para a encampação daconcessão não apresentam dificuldades de cumprimento, já queestão bem equacionadas com os próprios pressupostos da en-dogenização, restando apenas o atendimento da exigência de leiautorizativa para a encampação, pois é obrigatório que essa lei sejaespecífica para cada encampação promovida pelo poder concedente.

Portanto, para que a implementação da proposta de en-dogenização do prazo de concessões de rodovias seja aplicada noBrasil, torna-se necessária a modificação da legislação que regulaa matéria, considerando-se a incompatibilidade da Lei de Conces-sões, na sua forma atual, com a proposta de endogenização,

Texto para Discussão nº 81 27

35 Os artigos referidos são 175 da Constituição Federal, 18, I, e 23, I, da Lei 8.987/95 (Lei deConcessões), e 55, IV, da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações).

36 Anteriormente, havia a adoção da concessão em caráter precário, que seria aquela concedida sema característica da determinação temporal inicialmente aprazada e que se furtava, então, de umaqualidade que lhe é essencial, o que não é mais considerado válido para novas concessões a seremcontratadas no sistema jurídico-normativo brasileiro [Rocha (1996)].

37 As demais formas de extinção da concessão, previstas nos artigos 35 e seguintes da Lei deConcessões, são as seguintes: a) caducidade, por diversas faltas cometidas pela concessionária queimpliquem a inexecução total ou parcial do contrato; b) rescisão, que poderá ser amigável entre as partes,desde que resguardado o interesse da administração pública, ou por iniciativa da concessionáriamediante ação judicial, caso o poder concedente descumpra as normas contratuais; c) anulação, noscasos de ilegalidade desde o procedimento licitatório; e d) falência ou extinção da empresa.

38 Trata-se do artigo 37 combinado com o artigo 36 da mencionada lei.

Page 26: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

especialmente no que se refere ao prazo e à forma de extinção dasconcessões e permissões de serviço público.

Assim, a legislação específica para a concessão de rodoviasseria modificada de forma que a VPRP fosse o critério de escolhada empresa vencedora da licitação e que o prazo máximo deconcessão fosse dilatado em relação aos prazos atualmente ado-tados. O objetivo é, por um lado, conciliar a necessidade debeneficiar os usuários com uma redução das tarifas no caso de ademanda realizada for maior do que a demanda prevista pelaconcessionária no ato da licitação e, por outro, reduzir os riscos dedemanda da firma com um aumento do prazo máximo de explo-ração da rodovia (possivelmente de 20 a 25 anos para 30 anos).

5.3. As Vantagens do Modelo: uma Demonstração5.3. Quantitativa

O pressuposto básico da proposta de endogenização é aeqüidade, porque ela prioriza a transferência, para os usuários,do lucro extraordinário (lucro sem causa) ocorrido durante operíodo da concessão. Como a concessão será revertida para oEstado, que a relicita com tarifas menores antes do prazo previsto,então, no caso de o valor presente das receitas de pedágiocalculado pela concessionária ser atingido antes do prazo, aproposta de endogenização dissipa a renda de monopólio, trans-ferindo-a para os usuários (ou para o Estado).

A endogenização é a forma possível de se efetuar essatransferência, pois, devido aos longos prazos contratuais e àsincertezas inerentes à exploração das atividades, a concessio-nária tende a subestimar as previsões de receita e de demandaquando disputa uma licitação.

De fato, o valor de um empreendimento pode ser calculadocomo o valor presente (VP) do fluxo de caixa esperado que ele irágerar, descontado a uma certa taxa de retorno (i). Considerando,para facilitar, a ausência de custos variáveis e, portanto, enten-dendo o lucro como sendo igual à receita e sendo essa uma funçãode um parâmetro de preço e outro de quantidade, VP pode serconsiderado como sendo igual a39

VP = P.Q1/(1+i)+P.Q2/(1+i)2+...+P.QJ/(1+i)J (1)

28 Texto para Discussão nº 81

39 Para não dar, à formalização feita, um grau de sofisticação que iria além dos objetivos desta seção,foram adotadas as hipóteses de ausência de dois aspectos que merecem ser destacados. O primeirosão os custos variáveis, que são pouco relevantes diante do peso dos custos fixos. O segundo, oimpacto de riscos na ótica do financiador, com a endogenização do contrato de concessão e dos seusrespectivos efeitos sobre as expectativas de retorno da concessionária. Eventualmente, no entanto,isso não invalida a argumentação qualitativa sobre esses aspectos nas seções posteriores. Alémdisso, a hipótese de não considerar os custos variáveis é reforçada pelas conclusões de Rangel (2000),que trabalha com o modelo incluindo tais custos e chega aos mesmos resultados.

Page 27: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

em que P é o preço – por hipótese, constante – do serviço vendido;Q é a quantidade desse serviço – por exemplo, o número deveículos que trafega por dia em uma estrada; e J é o número deanos do empreendimento. No caso do nosso trabalho, J é o períodode concessão inicialmente previsto (em anos). Os subíndicesexpressam os anos respectivos.

Sendo

Qj = Q1.(1+q)j–1; j t 1 (2)

em que q é a taxa de crescimento prevista (média anual) doquantum da variável correspondente, pode-se substituir (2) em(1), redefinindo esta como

VP = P.Q1/(1+i)+P.Q1.(1+q)/(1+i)2 +... +P.Q1.(1+q)J–1/(1+i)J (3)

Lembrando a fórmula do cálculo da soma de uma progres-são geométrica (SPG), dada por

SPG = b.(1–kJ)/(1–k) (4)

em que b é o primeiro termo da soma da progressão, J é o númerode membros e k é a razão. Por analogia, pode-se entender (3) comosendo uma SPG de J elementos cujo primeiro termo é [P.Q1/(1+i)]e cuja razão é [(1+q)/(1+i)]. Substituindo em (4), tem-se então VPnovamente redefinido, após alguns algebrismos, como

VP = [P.Q1/(i–q)].[(1+i)J–(1+q)]J/(1+i)J; q z i (5a)

e

VP = J.P.Q1/(1+i); q = i (5b)

Caso se admita que o valor do empreendimento seja umdado igual a X, definido, por exemplo, pelo organismo concedenteem função de parâmetros internacionais, de projetos similaresfeitos no passado recente e/ou de algum estudo feito por firmade consultoria especializada, então,

VP = X (6)

e o preço da tarifa do serviço a ser prestado pela empresa quereceber a concessão por um período de – em princípio – J anos,substituindo (6) em (5a) ou (5b) e invertendo, é

P = (X/Q1).(i–q).(1+i)J/[(1+i)J–(1+q)]; q z i (7a)

e

P = (X/Q1).(1+i)/J; q = i (7b)

Texto para Discussão nº 81 29

Page 28: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

Definido P por (7a) ou (7b) e iniciado o empreendimento,há dois parâmetros fundamentais que são incertos. O primeiro éo valor inicial Q1 e o segundo, a taxa de crescimento do mesmo(q). Isso porque, ex post, é praticamente impossível que a previsãose revele perfeita. O valor efetivo da quantidade inicial a servendida será então dado pela multiplicação de Q1 por um fatormultiplicativo a – que pode ser inferior, igual ou superior àunidade –, enquanto a taxa de crescimento efetiva – ou seja,observada, em contraste com a prevista – do quantum da variávelcorrespondente entre j=1 e J será x. Em caso de perfeita previsão,por definição, tem-se a=1 e q=x. Se, entretanto, az1 e/ou qzx,então a taxa de retorno efetiva do investimento, mantido o seuvalor presente – mas, calculado com uma taxa de retorno diferente–, será r, com rzi e, por analogia com (5a) e (5b), ex post

VP = [P.a.Q1/(r–x)].[(1+r)J–(1+x)]J/(1+r)J; x z r (8a)

e

VP = J.P.a.Q1/(1+r); x = r (8b)

em que Q1 é o quantum previsto para o período inicial.

Dados os valores de a, i, q, x e J, isso define quatrosituações possíveis, em função do valor de (r), as quais, apósalgum algebrismo, podem ser resumidas da seguinte forma:40

a) qzi e xzr, igualando (5a) e (8a), conforme

[1/(i–q)].[(1+i)J–(1+q)]J/(1+i)J = [a/(r–x)].[(1+r)J–(1+x)J/(1+r)J (9a)

b) qzi e x=r, igualando (5a) e (8b), conforme

[1/(i–q)].[(1+i)J–(1+q)J]/(1+i)J = J.a/(1+r) (9b)

c) q=i e xzr, igualando (5b) e (8a), conforme

J/(1+i) = [a/(r–x)].[(1+r)J–(1+x)J]/(1+r)J (9c)

e

d) q=i e x=r, igualando (5b) e (8b), conforme

r = a.(1+i)–1 (9d)

Para cada uma dessas situações (a) a (d), há uma soluçãoimplícita para r que iguala os dois lados da equação. Tais valores

30 Texto para Discussão nº 81

40 Em outras palavras, a igualdade entre os valores de VP nos dois lados da equação está associada àcircunstância de que, em (3), substituindo Q1 por (a.Q1), q por x e i por r, se az1 e/ou no numeradora taxa de crescimento efetiva da variável-chave (x) for diferente da prevista (q), o fato tem comocontrapartida uma diferença compensatória entre a taxa de retorno efetiva do investimento (r)vis-à-vis a esperada (i).

Page 29: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

serão calculados na Seção 6, em função de algumas hipótesesreferentes aos valores dos demais parâmetros. Na prática, porém,como o conjunto de possibilidades de combinação de hipótesesde q, x e i e do resultado de r é vasto, a possibilidade de que setenha x estritamente igual a r ou q estritamente igual a i éremotíssima, o que, nas simulações a serem feitas, descartando(9b) a (9d), nos deixará apenas com a equação (9a). Cabe destacarque a solução implícita de r que iguala os dois lados da equaçãoem (9a), para dados valores de i e J, é uma função direta de a ede (x–q).41

Em outras palavras, para um preço dado da tarifa doserviço, quanto maiores a subestimativa (i) da quantidade inicialprevista do serviço a ser vendida em relação à efetivamenteobservada e a subestimativa (ii) da sua taxa de crescimento apartir do período inicial, maior será o fluxo de caixa efetivo daempresa em relação ao previsto e maior a taxa de retorno efetivaem relação à esperada.

Como o preço P é definido no ato de concessão e como éprovável ocorrer um erro na previsão referente ao valor inicial daquantidade do serviço objeto da concessão e/ou ao valor da taxade crescimento dessa variável, o fluxo de caixa efetivo serádiferente do esperado e, portanto, a taxa de retorno efetiva ex postdo empreendimento r irá divergir da taxa de retorno esperada exante i.

Caso se queira anular essa distorção, ou seja, garantir aexogenização da taxa de retorno esperado, com a fixação de r=i,restam as seguintes alternativas: (i) a endogenização do preço Pou (ii) a endogenização do número de anos da concessão N, quepoderá ser ou não igual ao prazo J inicialmente previsto.

A primeira alternativa mantém o fluxo de caixa de cadaano igual ao previsto apenas ajustando-se o valor de P de formasimetricamente inversa às eventuais diferenças entre a taxa decrescimento efetiva (x) das quantidades vendidas do serviço e ataxa de crescimento (q) inicialmente prevista nos cálculos. Noentanto, essa alternativa deve ser descartada, em face da invia-bilidade técnica e política de se estabelecer um modelo de conces-são no qual haveria ajustes tarifários de forma a que fossenecessária a majoração de pedágios, no caso de superestimaçãode demanda, ou até mesmo a gratuidade do pedágio, no casocontrário, durante a vigência do período de concessão.

A segunda alternativa, por sua vez, implica endogenizar oano N, no qual o valor presente do retorno acumulado até a data– respeitada a taxa de retorno i – iguala o valor presente doempreendimento no período de concessão, em (3), para dados

Texto para Discussão nº 81 31

41 Ver nota de rodapé anterior.

Page 30: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

valores de i, q e J. Em outras palavras, isso significa encontraruma solução implícita para N, dados x e a, tal que

¦a.[�1�x�j 1

N

j�1 e �1�i�] j ¦[�1�q�j�1

j 1

J

e �1�i�] j (10)

Para o cálculo dos resultados da taxa de retorno ex post rem (9a) e do número endógeno de anos da concessão, N, em (10),é fundamental definir previamente os valores da taxa de retornoesperada ex ante (i) e do período J de concessão, para um preçodo serviço dado. Nos exercícios comentados a seguir, trabalhou-se, em todos os casos, com valores próximos aos utilizados noBrasil na atualidade: rentabilidade anual de i=15% e período deconcessão J=25 anos.

Adicionalmente, trabalhou-se com valores da taxa de cres-cimento do quantum q do serviço variando de 5% a 10% ao ano ecom valores de a entre 0,9 e 1,4%. Isso posto, diferentes hipótesesacerca do valor efetivo da taxa x de variação do quantum verificadageram diferentes resultados de r. Os resultados da solução implí-cita de r em (9a) encontram-se nas Tabelas 2 a 4. Naturalmente,quando a=1 e x=q, por (10), tem-se r=i.

Os casos extremos de cada tabela encontram-se nas pon-tas da diagonal com derivada positiva. Isto é, quanto maior for adiferença entre a taxa de crescimento efetiva e a taxa prevista doquantum – o que é representado através de um deslocamento navertical, para baixo, nas tabelas –, maior vai ser a rentabilidadeda concessão comparativamente à esperada, de 15%. Inversa-mente, quanto menor for esse crescimento efetivo vis-à-vis oprevisto – expresso por via de um deslocamento na horizontalpara a direita, nas tabelas –, menor vai ser a rentabilidade daconcessionária em relação ao retorno que esperava ter. Os doiscasos polares de todas as situações específicas retratadas nastabelas são dados pelos resultados do canto superior direito daTabela 2 e pelo resultado do canto inferior esquerdo da Tabela 4.No primeiro caso, um quantum inicial equivalente a 90% doesperado e um crescimento desse quantum, nos 25 anos seguin-tes, de 5%, em vez dos 10% esperados, reduzem a rentabilidadeanual do empresário dos 15% a.a. esperados para 9,2%. Já nosegundo caso, um valor inicial do quantum 10% superior aoesperado, acompanhado de um crescimento correspondente aodobro em relação aos 5% esperados, aumenta a rentabilidadepara 21,2%.

Por sua vez, a Tabela 5 apresenta os resultados implícitosde (10) do número de anos N que deveriam ter as concessões, parao caso específico de a=1,0, se esse número de anos fosse en-dógeno, dada uma concessão inicialmente prevista de 25 anos,em função dos mesmos fenômenos que explicam a diferença entrei e r. O valor de N indica em quantos anos o valor presente do

32 Texto para Discussão nº 81

Page 31: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

fluxo de caixa efetivo, descontado à mesma taxa de retornoesperada i, iguala o valor presente acumulado, de 0 até J=25, dofluxo de caixa esperado, descontado à mesma taxa i. Na Tabela5, as células indicadas com x representam situações nas quaisnão há solução implícita para N, ou seja, o valor presente do fluxo

Tabela 2Resultados de r, para Diferentes Valores de q e x (%)

a=0,9 Valores de q (%)

5 6 7 8 9 10

Valoresde x (%)

5 13,6 12,7 11,8 10,9 10,1 9,2

6 14,6 13,7 12,8 11,9 11,0 10,1

7 15,6 14,7 13,8 12,9 12,0 11,1

8 16,5 15,6 14,7 13,8 12,9 12,0

9 17,5 16,6 15,7 14,8 13,9 13,0

10 18,5 17,5 16,6 15,7 14,8 13,9

q = taxa de crescimento esperado da demanda;x = taxa de crescimento efetivo da demanda.

Tabela 3Resultados de r, para Diferentes Valores de q e x (%)

a=1,0 Valores de q (%)

5 6 7 8 9 10

Valoresde x (%)

5 15,0 14,0 13,1 12,1 11,2 10,3

6 16,0 15,0 14,0 13,1 12,1 11,2

7 16,9 16,0 15,0 14,1 13,1 12,2

8 17,9 16,9 16,0 15,0 14,1 13,1

9 18,9 17,9 16,9 16,0 15,0 14,1

10 19,8 18,9 17,9 16,9 16,0 15,0

q = taxa de crescimento esperado da demanda;x = taxa de crescimento efetivo da demanda.

Tabela 4Resultados de r, para Diferentes Valores de q e x (%)

a=1,1 Valores de q (%)

5 6 7 8 9 10

Valoresde x (%)

5 16,3 15,3 14,3 13,3 12,3 11,3

6 17,3 16,3 15,2 14,3 13,2 12,2

7 18,3 17,2 16,2 15,2 14,2 13,2

8 19,2 18,2 17,2 16,1 15,1 14,1

9 20,2 19,2 18,1 17,1 16,1 15,1

10 21,2 20,1 19,1 18,1 17,1 16,0

q = taxa de crescimento esperado da demanda;x = taxa de crescimento efetivo da demanda.

Texto para Discussão nº 81 33

Page 32: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

de caixa acumulado nunca chegará a se igualar ao esperado,mesmo que N tenda ao infinito. Na mesma Tabela 5, com a=1,0,evidentemente, N=J, na diagonal positivamente inclinada, quan-do x=q. Acima dessa linha, nos casos em que há solução, N>25e, abaixo dela, N<25.

Note-se que, mesmo sem erro de previsão em relação aoquantum inicial do serviço objeto da concessão, isto é, com a=1,0,uma subestimação de apenas dois pontos percentuais da taxa decrescimento da demanda, se o prazo da concessão pudesse serendógeno, teria um potencial para diminuir a duração dessaconcessão em seis ou sete anos.

5.4. Algumas Qualificações

O objetivo desta seção é fazer algumas ponderações arespeito das vantagens com a adoção do novo modelo, à luz doque pode ser oferecido, em termos de bem-estar para os usuáriose redução dos riscos regulatórios, pelos mecanismos licitatóriostradicionalmente adotados na experiência internacional de con-cessão de rodovias.

Poder-se-ia argumentar que a proposta de endogenizaçãoaumenta os custos financeiros da concessionária, em virtude davariabilidade do prazo de concessão, e não contribui para aredução do risco da concessionária, visto que a concessão conti-nua tendo prazo finito. Da mesma forma, o novo modelo poderialimitar a rentabilidade máxima da concessionária pelo ajuste doprazo de término da concessão quando se atinge a VPRP, o quepode representar um desincentivo à eficiência (ao contrário doque ocorre no regime price cap). Por fim, outra desvantagem seriao fato de o novo modelo desencorajar a concessionária a reduzira oferta de outros serviços acessórios na rodovia (hotelaria,restaurantes, assistência técnica etc.), pois esses serviços eleva-

Tabela 5Valores de N, para Diferentes Valores de q e x (%)

a=1,0 Valores de q (%)

5 6 7 8 9 10

Valoresde x (%)

5 25 38 x x x x

6 21 25 35 x x x

7 18 21 25 33 58 x

8 16 18 21 25 32 45

9 15 17 19 22 25 31

10 14 15 17 19 22 25

q = taxa de crescimento esperado da demanda;x = taxa de crescimento efetivo da demanda.

34 Texto para Discussão nº 81

Page 33: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

riam a demanda na rodovia e, por conseguinte, reduziriam o prazode concessão do contrato.

Em relação ao possível aumento dos custos financeiros,deve-se dizer que estes podem ser neutralizados com o recurso ainstrumentos financeiros de prazos variáveis e com a possibili-dade de securitização, mercado esse que precisa ser desenvolvidono Brasil.42 Adicionalmente, por um lado, como a aplicação domodelo no caso brasileiro implica a ampliação, para 30 anos, doprazo máximo da concessão, isso contribuirá para reduzir osriscos de mercado da concessionária. Por outro lado, no caso desubestimação de previsão de demanda, a empresa não teránenhum prejuízo, tendo, ao contrário, o retorno esperado de seuinvestimento em prazo mais curto.

Já no que se refere a um possível desincentivo à eficiênciaprodutiva por parte da concessionária – qualquer redução de custosrepresentará uma redução do prazo de concessão –, como o controleregulatório ocorrerá pelo lado da demanda, esse desincentivo só seaplica para o esforço que impacte positivamente a curva de deman-da (melhoria da qualidade das estradas e da coleta de pedágio, porexemplo). Para atenuar esse problema, devem ser estabelecidos noscontratos de concessão mecanismos complementares de controlede qualidade dos serviços, adicionais aos requisitos mínimos. Deve-se registrar que tal fenômeno é similar ao que ocorre no regime pricecap, no qual, como discutido em itens anteriores, existe um trade-offentre preço e qualidade dos serviços. Uma alternativa seria es-tabelecer, nas próprias regras do edital, a limitação da endoge-nização do prazo de concessão a um prazo mínimo, no casode atendimento de determinadas melhorias técnico-operacionaisnas condições de fornecimento do serviço.

Doutra forma, independentemente do fato de a concessãovir a ter um prazo mínimo de anos, não faz sentido econômicoimaginar que a concessionária abdicará do direito monopolistade explorar outras receitas ao longo desse período, o que pode,inclusive, mais do que compensá-la diante de uma eventualredução inicial do prazo da concessão.43

No que se refere às vantagens em relação aos modelos deconcessão que adotam prazo fixo, tarifa mínima ou combinação

Texto para Discussão nº 81 35

42 Deve-se ressaltar que a securitização é um mecanismo que contribuirá em muito para reduzir osriscos das concessionárias. No entanto, o aprofundamento dessa relevante questão foge ao objetocentral deste trabalho. Para uma discussão sobre a importância da criação de mecanismos deproteção de risco soberano (alta da taxa de juros, por exemplo), ver Garcia (1995).

43 Pelos atuais contratos de concessão das rodovias federais brasileiras, tudo o que as concessionáriasarrecadarem com serviços complementares (fora das praças de pedágio) deve ser revertido emredução das tarifas de pedágio [Bent (2000)]. No novo modelo proposto neste artigo, o desejável éque a concessionária seja livre para se apropriar de todas as receitas provenientes de serviços queaumentem a demanda de veículos. O objetivo é não desestimular o esforço de melhoria das condiçõesdas rodovias, conciliando-o com o aumento do bem-estar da sociedade por meio de um pedágioefetivo menor (quanto maior a expectativa do empresário em obter outras receitas, menor poderáser o seu VPRP) ou por uma eventual redução do prazo de concessão no caso de o VPRP ser atingidoantes do prazo mínimo estipulado em razão de um acréscimo inesperado da demanda.

Page 34: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

entre esses dois critérios, é importante ressaltar os seguintesaspectos. A endogenização é melhor do que a adoção do modelolicitatório pelo menor prazo em razão das evidências do casomexicano, no qual a imprevisibilidade da demanda ocasionoumajoração tarifária para a recomposição do equilíbrio econômicodos contratos. Tal majoração, por sua vez, gerou a subutilizaçãodas malhas viárias que cobram pedágio.

Já no que tange ao modelo de disputa por menor tarifa,deve-se recorrer, como exemplo, ao caso argentino, no qual asincertezas de demanda geraram a necessidade de renegociação doscontratos. Essas renegociações, por serem bilaterais, são menostransparentes do que os processos licitatórios e incorrem em riscosregulatórios provocados por assimetrias de informação quanto acustos e à demanda. Além disso, esse método, por embutir umataxa de desconto muito elevada em razão das incertezas quando dafixação das tarifas, acaba gerando tarifas iniciais muito altas ou achamada “maldição do ganhador”, em especial quando existeuma especialização muito grande do licitante em relação à ativi-dade de renegociação com o poder concedente.

Por sua vez, a endogenização também é melhor do que omodelo licitatório que combine a menor tarifa e o prazo nadisputa, tendo em vista o exemplo chileno. Nele, a complexidadelicitatória e o grau de discricionariedade na análise da propostavencedora, em razão da necessidade de ponderação entre essesitens, contribuíram para elevar os riscos regulatórios, ao ferir oprincípio da certeza da lei de licitações, que requer regras gerais,claras e transparentes.

A opção alternativa de aplicação do método tarifário deregulação do custo de serviço, no qual a taxa de retorno seriaestabelecida pelo regulador, traz as desvantagens já observadasgeneralizadamente na experiência internacional de regulação deserviços públicos: assimetrias regulatórias em favor das firmassobre custos e receitas, riscos de captura e os custos regulatórioselevados para tentar neutralizar esses problemas. Tais aspectosseriam minimizados com a endogenização, visto que o controleregulatório se limitaria ao volume de tráfego e ao enforcement demecanismos complementares constantes dos contratos de con-cessão. Já o price cap, embora os custos regulatórios sejamsimilares à endogenização, na hipótese de o regulador aplicar umfator x>0, tem a vantagem de antecipar o benefício dos usuáriosno caso de a demanda realizada superar a demanda esperada,sendo indiferente no caso contrário.44

Adotando-se o modelo de endogenização do prazo, em casode divergência entre as hipóteses e a realidade referente à deman-

36 Texto para Discussão nº 81

44 No entanto, é importante frisar que, nessa situação de a demanda esperada não se realizar,possivelmente referente a investimentos em áreas de demanda escassa (ou elefantes brancos),dificilmente o regulador teria condições de estipular um fator X diferente de zero. Nesse caso, aspropostas de price cap e de endogenização seriam indiferentes.

Page 35: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

da do serviço, o ajuste pelo prazo de concessão pode antecipar obenefício do usuário, no caso de a demanda ultrapassar asprevisões, mediante uma nova licitação com uma tarifa base maisreduzida. Adicionalmente, permite ao regulador incorporar maiscedo os efeitos do aprendizado às novas concorrências, combenefícios de longo prazo para a sociedade como um todo, emrelação à qualidade dos serviços, à abrangência da prestação etc.

6. Considerações Finais

O processo de concessão da exploração de rodovias para ainiciativa privada mediante a cobrança de pedágios é bastantegeneralizado no contexto internacional. Embora as motivaçõespossam ser diferenciadas entre os países, a constituição demodelos de concessão que garantam a adequada repartição deriscos entre as conflitantes partes envolvidas (Estado, conces-sionária e usuários) é muito dificultada pelo contexto de incerte-zas em que se insere a exploração de atividades em prazos muitolongos e de assimetrias regulatórias em favor das concessionárias.

A adoção da proposta de licitação da exploração de rodo-vias pelo menor VPRP traz inúmeras vantagens para a sociedade,ao minimizar esses riscos, especialmente para os investimentosem novas rodovias:

a) Reduz a necessidade de garantias financeiras por partedo Estado, tendo em vista que eventuais discrepâncias entre ademanda realizada e a prevista são ajustadas pelo prazo daconcessão.

b) Possibilita que o usuário das estradas se beneficie deuma redução do valor dos pedágios antes do prazo final previstopara a concessão, no caso de a demanda realizada superar asestimativas de VPRP realizadas pela concessionária no ato daconcessão.

c) Diminui o risco de demanda do empresário em relaçãoao modelo atual, pois dilata o prazo máximo da concessão dosatuais 20 a 25 anos para 30 anos.

d) Reduz a probabilidade de renegociação do contrato,porque as variáveis ex ante (que são conhecidas) são incorporadasno VPRP, enquanto as variáveis ex post (desconhecidas) sãoajustadas pelo prazo. Por decorrência, há uma redução dos riscosde ocorrência da “maldição do ganhador” e dos custos de transa-ção.

e) Introduz maior flexibilidade de resposta a situaçõesimprevistas, em razão da possibilidade de ajuste do prazo das

Texto para Discussão nº 81 37

Page 36: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

concessões, facilitando as renegociações e todos os problemasdela decorrentes (ação discricionária, captura etc.).

f) Reduz os custos regulatórios porque, dentre outrascoisas, não é necessário que o regulador acompanhe os custosefetivos da concessionária, o que ocorreria, por exemplo, caso aopção fosse pela regulação da taxa interna de retorno. Os custosregulatórios se concentram no acompanhamento do fluxo deveículos para o acompanhamento do VPRP, o que deve ser feitomediante a instalação de equipamentos adequadamente manti-dos e instalados e com a fiscalização do cumprimento dos meca-nismos complementares de qualidade do serviço.

A existência de amplo número de rodovias ainda nãotransferidas para a iniciativa privada no Brasil abre a pos-sibilidade de o país generalizar um mecanismo que reduz os riscosregulatórios, permite ao Estado dar outra destinação a recursospreviamente aplicados na restauração e/ou expansão da malhaainda não-privatizada e adotar um mecanismo simples e trans-parente de concessão. Esta proposta poderá contribuir decisiva-mente para a inauguração de um modelo regulatório de rodoviasconsistente e estável, sendo desejável que seja acompanhado daimplementação de agência reguladora independente para a eficazarbitragem de conflitos inerentes a essa atividade econômica,reduzindo, também, por conseqüência, a percepção de risco porparte dos eventuais licitantes.

Os esforços do governo federal em reduzir o impacto dastarifas nas futuras concessões de rodovias são bastante com-preensíveis, haja vista o impacto das tarifas no custo de vida e,em particular, no custo das mercadorias transportadas pelamalha rodoviária. A adoção da proposta de endogenização do prazode concessões, a partir da definição da tarifa no processo licitatóriopelo critério de menor preço, traz a vantagem de conciliar essa justapreocupação de desoneração das finanças públicas com a induçãoà utilização mais eficiente dos recursos por parte da iniciativaprivada e com a redução dos custos regulatórios.

Cabe destacar, nesse sentido, que a proposta de endoge-nização vai além do esquema que se pretende implementar noBrasil a partir de agora, baseado na entrega da concessão pelamenor tarifa, sem necessidade de pagamento pela concessão. Aquestão-chave ainda não resolvida é que, havendo incerteza sobreo fluxo futuro de veículos, a nova modalidade mantém o prazo deconcessão exógeno, podendo permitir à concessionária lucrosextraordinários se a demanda pelo uso da rodovia for superior àprevista, em especial no caso de novas estradas.

A proposta deste artigo – a de aplicação do modelo propostopor Engel, Fischer e Galetovic, de licitação pelo menor valorpresente das receitas de pedágio –, flexibiliza o prazo de concessãoe pode, além de minimizar o risco da concessionária em virtude

38 Texto para Discussão nº 81

Page 37: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

da dilatação dos atuais prazos máximos de concessão de rodovias,permitir que os usuários se beneficiem mais rapidamente de umaredução das tarifas, antecipando o prazo final da concessão nocaso de uma demanda intensa pela rodovia comportar a reduçãodo preço da tarifa.

Referências Bibliográficas

ARNDT, R. Risk allocation in the Melbourne City Link Project.The Journal of Project Finance. Fall 1998.

BENT – Boletim Executivo de Notícias de Transporte, nº 409, anoIX, março, 2000.

BERG, S. e TSCHIRHART, J. Natural monopoly regulation: princi-ples and Practice. Cambridge: Cambridge University Press,1988.

CAPEN, E., CLAPP, R. e Campbell, W. Competitive bidding in highrisk situations. Journal of Petroleum Technology, nº 23, p.641-53. 1971.

CASTRO, N. Privatização do setor de transportes no Brasil. InPinheiro, A. C. e FUKASAKU, K. (orgs.). A privatização no Brasil– O caso dos serviços de utilidade pública. Rio de Janeiro:BNDES/OCDE, 2000.

COSTAS, A. e Bel, G. Privatización de servicios públicos: riesgosregulatorios e impuestos ocultos. El caso de Espanha. XISeminário Regional de Política Fiscal. Cepal, janeiro, 1999.

DE PALMA, A. e LINDESEY, R. Private toll roads: a dynamicequilibrium analysis. Amsterdam: Free University of Ams-terdam, 1997, mimeo.

DI PIETRO, M. Parcerias na administração pública. Concessão,permissão, franquia, terceirização e outras formas. São Paulo:Atlas, 1996.

ENGEL, Eduardo, FISCHER, Ronald e GALETOVIC, Alexander. Anew mechanism to auction highway franchises. Serie Econo-mía. Santiago: Centro de Economía Aplicada, Universidad deChile, nº 13, novembro, 1996a.

__________. Licitación de carreteras en Chile. Estudios Publicos.Chile, Verano, nº 61, p. 5-37, 1996b.

__________. Franchicsing of infrastructure concessions in Chile: apolicy report. CEA/ DII- Chile, April, 2000.

ESTACHE, A. e CARBAJO, J. Designing toll road concessions –Lessons from Argentina. Private Sector Develement Depart-ment. The World Bank Grupo, Note nº 99, December, 1996.

Texto para Discussão nº 81 39

Page 38: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

GARCIA, M. G. O financiamento à infra-estrutura e a retomada docrescimento econômico sustentado. Rio de Janeiro: BNDES,AP/DEPEC, junho, 1995 (Textos para Discussão, 27).

GOMES-IBÁNEZ, J. e MEYER, J. Going private: the internationalexperience with transport privatization. Washington, D.C.: TheBrookings Institution, 1993.

MEIRELLES, H. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Ma-lheiros,1994.

MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. Relatório trimestral de acompa-nhamento das concessões de rodovias federais, nº 7, julho-agosto-setembro, 1999.

PICCININI, M. A infra-estrutura nas diferentes esferas do setorprivado e a participação da iniciativa privada. Revista doBNDES. Rio de Janeiro: BNDES, dezembro, 1996.

PICCININI, M. e NASCIMENTO, C. Programa de Concessão deRodovias Federais (Procrofe). Nota Técnica AP/DEPEC, nº 16.Rio de Janeiro: BNDES, setembro, 1996.

PIRES, J. C. L. e PICCININI, M. Mecanismos de regulação tarifáriano setor elétrico. Revista do BNDES. Rio de Janeiro: BNDES,Junho, 1998.

RANGEL, L. F. A experiência brasileira de privatizações rodoviá-rias e o leilão por menor valor presente das receitas. Tese deMestrado. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Economia,2000.

ROCHA, C. L. Estudo sobre concessão e permissão de serviçopúblico no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1996.

WERNECK, R. Idéias Inovadoras sobre privatização de rodovias.O Estado de São Paulo, 5-4-97.

WILLIAMSON, O. The economics institutions of capitalism. NewYork: New York Free Press, 1985.

WORLD BANK. Toll roads and concessions. www.world-bank.org/html/fdp/transport/roads/toll _rds.htm, 1998.

40 Texto para Discussão nº 81

Page 39: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

TEXTOS PARA DISCUSSÃO do BNDES

62 BNDES: PAPEL, DESEMPENHO E DESAFIOS PARA O FUTURO – Ana Cláudia Além –dezembro/97

63 O INVESTIMENTO EM INFRA-ESTRUTURA E A RETOMADA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO

SUSTENTADO – Francisco José Zagari Rigolon e Maurício Serrão Piccinini –dezembro/97

64 MECANISMOS DE REGULAÇÃO TARIFÁRIA DO SETOR ELÉTRICO: A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

E O CASO BRASILEIRO – José Claudio Linhares Pires e Maurício Serrão Piccinini –julho/98

65 O DESEMPENHO DO BNDES NO PERÍODO RECENTE E AS METAS DA POLÍTICA ECONÔMICA –Ana Cláudia Além – julho/98

66 OPÇÕES REAIS E ANÁLISE DE PROJETOS – Francisco José Zagari Rigolon – março/99

67 ESTRANGEIROS EM UMA ECONOMIA ABERTA: IMPACTOS SOBRE PRODUTIVIDADE,CONCENTRAÇÃO E COMÉRCIO EXTERIOR – Maurício Mesquita Moreira – março/99

68 SISTEMA FINANCEIRO BRASILEIRO: REESTRUTURAÇÃO RECENTE, COMPARAÇÕES

INTERNACIONAIS E VULNERABILIDADE À CRISE CAMBIAL – Fernando Pimentel Puga –março/99

69 A RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS E O REGIME FISCAL DOS ESTADOS – Francisco Rigolon eFabio Giambiagi – julho/99

70 O AJUSTE FISCAL DE MÉDIO PRAZO: O QUE VAI ACONTECER QUANDO AS RECEITAS

EXTRAORDINÁRIAS ACABAREM? – Francisco Rigolon e Fabio Giambiagi – agosto/99

71 POLÍTICAS REGULATÓRIAS NO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES: A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

E O CASO BRASILEIRO – José Claudio Linhares Pires – setembro/99

72 MODELO DE GERAÇÃO DE EMPREGO: METODOLOGIA E RESULTADOS – Sheila Najberg eMarcelo Ikeda – outubro/99

73 POLÍTICAS REGULATÓRIAS NO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA: A EXPERIÊNCIA DOS ESTADOS

UNIDOS E DA UNIÃO EUROPÉIA – José Claudio Linhares Pires – outubro/99

74 PERSPECTIVAS PARA A ECONOMIA BRASILEIRA: 1999/2006 – Fabio Giambiagi –dezembro/99

75 EXPERIÊNCIAS DE APOIO ÀS MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS NOS ESTADOS UNIDOS,

NA ITÁLIA E EM TAIWAN – Fernando Puga – fevereiro/2000

76 DESAFIOS DA REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO – José ClaudioLinhares Pires – março/2000

77 A CRISE BRASILEIRA DE 1998/1999: ORIGENS E CONSEQÜÊNCIAS – André Averbug eFabio Giambiagi – maio/2000

THE BRAZILIAN CRISIS OF 1998-1999: ORIGINS AND CONSEQUENCES – André Averbugand Fabio Giambiagi – May/2000

78 PREVIDÊNCIA SOCIAL E SALÁRIO MÍNIMO: O QUE SE PODE FAZER, RESPEITANDO A RESTRIÇÃO

ORÇAMENTÁRIA? – Marcelo Neri e Fabio Giambiagi – junho/2000

79 CRIAÇÃO E FECHAMENTO DE FIRMAS NO BRASIL: DEZ. 1995/DEZ. 1997 – Sheila Najberg,Fernando Pimentel Puga e Paulo André de Souza de Oliveira – maio/2000

80 O PERFIL DOS EXPORTADORES BRASILEIROS DE MANUFATURADOS NOS ANOS 90: QUAIS AS

IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA – Armando Castelar Pinheiro e Maurício MesquitaMoreira – julho/1999

Page 40: Textos para Discussªo 81...parentes e contratos de concessão que distribuam adequada-mente os riscos envolvidos e garantam, ao mesmo tempo, o funcionamento eficiente e o equilíbrio

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e SocialAv. República do Chile, 100CEP 20139-900 – Rio de Janeiro – RJTel.: (0XX21) 277-7447Fax: (0XX21) 240-3862

FINAME – Agência Especial de Financiamento IndustrialAv. República do Chile, 100 – 17º andarCEP 20139-900 – Rio de Janeiro – RJTel.: (0XX21) 277-7447Fax: (0XX21) 220-5874

BNDESPAR – BNDES Participações S.A.Av. República do Chile, 100 – 20º andarCEP 20139-900 – Rio de Janeiro – RJTel.: (0XX21) 277-7447Fax: (0XX21) 220-6909

Escritórios

BrasíliaSetor Bancário Sul – Quadra 1 – Bloco EEd. BNDES – 13º andarCEP 70076-900 – Brasília – DFTel.: (0XX61) 322-6251Fax: (0XX61) 225-5510

São PauloAv. Paulista, 460 – 13º andarCEP 01310-904 – São Paulo – SPTel.: (0XX11) 251-5055Fax: (0XX11) 251-5917

RecifeRua Antonio Lumack do Monte, 96 – 6º andarCEP 51020-350 – Recife – PETel.: (0XX81) 465-7222Fax: (0XX81) 465-7861

BelémAv. Presidente Vargas, 800 – 17º andarCEP 66017-000 – Belém – PATel.: (0XX91) 242-7966Fax: (0XX91) 224-5953

Internethttp://www.bndes.gov.br