Teoria urbana evolutiva aplicada à especialização...

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Teoria urbana evolutiva aplicada à especialização funcional. O caso da rua comercial Santa Ifigênia em São Paulo Evolutionary urban theory applied to functional specialization. Santa Ifigênia’s retail street as a study case Pablo Coquillat Mora, doutorando Universitat Politècnica de València (UPV), [email protected]

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Teoriaurbanaevolutivaaplicadaàespecializaçãofuncional.OcasodaruacomercialSantaIfigêniaemSãoPaulo

Evolutionaryurbantheoryappliedtofunctionalspecialization.SantaIfigênia’sretailstreetasastudycase

PabloCoquillatMora,doutorandoUniversitatPolitècnicadeValència(UPV),[email protected]

SESSÃO TEMÁT ICA 8 : TÉCNICAS E MÉTODOS PARA ANÁLISE URBANAE REGIONAL

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

RESUMO

O artigo apresenta uma nova abordagem para a análise e compreensão do fenômeno deespecialização de ruas comerciais, por meio da aplicação dos princípios teóricos evolutivos aoestudo urbano. A rua paulistana Santa Ifigênia, especializada no comércio varejista dos setoreseletro-eletrônicoseinformática,temservidocomosuportedateorianocampoprático.

PalavrasChave:TeoriaUrbanaEvolutiva,Comérciovarejista,SantaIfigênia

ABSTRACT

Thepaperpresents anewperspective to analyzeand comprehend the specializationprocessofretail streets, linkingusesandbuilding types through theapplicationof theoretical evolutionaryprinciples to urban study. The street Santa Ifigênia in São Paulo, specialized in electronic andcomputerretailproducts,isusedasastudycaseofthetheory.

Keywords:EvolutionaryUrbanTheory,Retail,SantaIfigênia

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INTRODUÇÃO

A formação de clusters comerciais de varejo no nível intraurbano tem ocupado historicamenteestudosnasmaisdiversas áreas, comoa sociologia, a geografiaouaeconomiaurbana. Poucascontribuições no âmbito arquitetônico ou urbanístico se aproximaram em profundidade àformulação do problema, de modo a entender os princípios pelos que se rege um fenômenoclássiconaformaçãodefunçõesurbanas.

A especialização comercial em vias urbanas pode considerar-se um fenômeno generalizável aqualquercidade.Oseixosdetrânsitointensosconstituíramhistoricamenteopçõesdelocalizaçãopreferenciaisparaaimplantaçãodeatividadeseconômicascomerciais.Devidoaessacondição,oslugares com boa acessibilidade asseguraram historicamente a consolidação de vias dominadaspela funçãocomercial,ora juntoà funçãoresidencial,oracomoutras funções,ousimplesmentenãomisturada.

Desdeestaperspectiva,apressãolocacionaldevidoaofluxodeterminavaumvínculoestreitocomaapariçãodeestabelecimentoscomerciaisdequalquertipo.Noentanto,essarelaçãolocalização-intensificaçãocomercialnãopodeser linealnemunívoca, jáqueascidadescontamcomgrandenúmero de casos de vias não privilegiadas por um trânsito muito intenso, nem localizadas emáreas de especial acessibilidade, e que porem mostram de igual modo um marcado carátercomercial; ou vice-versa, existem inúmeros eixos demobilidade intensa quenão alcançamumaproporçãosignificativadasedificaçõescomerciais.

Damesmaforma,nãoépossívelexplicarexclusivamentepelateorialocacionalaespecializaçãodesetores comerciais de vias ao longo do tempo, passando geralmente por um processo dediversificação inicial para uma posterior homogeneização comercial sobre a base de um setorprodutivo dominante. Como tampouco é possível entender, à luz de uma teoria locacional, oporque da preservação especial de certas tipologias prediais específicas, nem como estas, ou aprópriaurbanização,têmmudandoaolongodotempo.

Deve-se, portanto, revisar o arcabouço teórico que permita entender, em consequência, ofenômeno de especialização comercial tão repetido em todas as cidades, e especialmenterepresentativonacidadedeSãoPaulo.

Apropostadesteartigopassaporampliarocampodeaçãodasteoriasevolutivasàinterpretaçãourbana,traçandoumarelaçãoentreocomportamentodoscomérciosquemostramtendênciadeagregaçãoeseuvínculocomdeterminadassoluçõesarquitetônicastipológicas.Paraisso,deverãoevidenciar-se características evolutivas, tais como o path dependence, a irreversibilidade doprocesso, a competição tipológica, a consideração populacional, ou a adaptação como fator deordememúltimainstância.Mas,oprocessomaisimportante,derivarádaproduçãodevariaçõesouinovações,aseleçãodealgumadessasvariantes,eareproduçãoconsequentenapopulaçãodeedifícios.

Aaproximaçãoteóricapropostaderivadaconjecturadequeacidadee,emparticular,seutecidoconstitutivo,podemseradequadamenteinterpretadossobumaformulaçãoembaseaprincípiosteóricos evolutivos. A consideração dessa premissa não é em absoluto trivial, simbólica oumetafórica,mas vem caracterizada de toda uma conceptualização teórica dasmetodologias deestudo urbano. As conclusões obtidas através da análise e a observação de casos urbanosparticulares reafirmamos princípios que regem a transformação em termos evolutivos, e essespodem bem caracterizar tais fenômenos e dotar-nos de um instrumental de observação eteorizaçãosobreaorigem,ocrescimentoeatransformaçãodosusosdacidade.

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Para entender como funciona a teoria no terreno prático, faremos uma análise do processo deocupaçãocomercialdaruaSantaIfigêniaemSãoPaulo,especializadanosetordevarejodeeletro-eletrônicos e informática, constituindo hoje em dia o maior polo comercial de venda varejistanessessetoresdetodaAméricaLatina.

TEORIASSOBREAESPECIALIZAÇÃODOCOMÉRCIO

Quaissãoascondiçõesparaaemergênciadepoloscomerciaisemáreas locacionaisespecíficas?Existealgumaprefiguraçãourbanapositivaapriori?Buscaremosdar respostaaessasperguntasatravés da discussão de distintas teorias que se aproximam ao fenômeno de concentraçãocomercial urbano, singularmente distinto ao observado para clusters tecnológicos, embora comalgunsaspetosconcomitantes.

Asteorias locacionaisurbanas informamsobreatendênciageraldocomércioaseaglomerarnoespaço, formando diferentes polos ou sub-centros especializados. Essa aglomeração se deve adiferentes fatores como a redução dos custos de descolamento para o consumidor –segundoChristaller-,areduçãodoscustosdeprocuraeoriscodenãoencontraroproduto–segundoEpplie Benjamin-, ou a uma atração cumulativa –segundo, Nelson. Através de um processo deamplificaçãodetaisfenômenos,nessespolosocomérciotendeacrescerquantitativamentepeloefeitodasvantagenslocacionais(Maraschin,2009).

Fujita, Krugman e Mori (1999) abordam a concentração funcional sobre a ideia da auto-organização,analisandocomopodemsurgirestruturashierárquicaseorganizadasapartirdeummercadodescentralizadoe isotrópico.Nessa linhadepesquisa fazemreferênciaos trabalhosdeKrugmannaeconomianeoclássicaparaageografiaeconômica.ParaKrugman,ateorialocacionalé basicamente uma teoria microeconómica que explica a existência e persistência deaglomerações em termos de decisões racionais de agentes econômicos. Assume retornos deescala incrementais no nível de firmas, e competição imperfeita entre estas. Sua maiorcontribuição tem sido mostrar que a concentração acontece sem precisar assumir diferenciasregionais ou economias externas (Boschma; Frenken, 2005). Essa teoria se encaixa numamodelagembottom-up.

AaproximaçãoInstitucionalàgeografiaeconômicaapontaàexistênciapréviadediferencias,tantoregionais como institucionais, na emergência e consolidação de novos polos comerciais. Éinteressada pelos ‘lugares reais’ como unidades da análise, e pelas suas instituições, quecomandaram o processo de seleção de soluções de agentes com racionalidade limitada. Nessecaso, a teoria se encaixa melhor numa modelagem top-down, onde as instituições impõemrestriçõesecondiçõesdecimaprabaixo.

Nosso argumentodefendeumaposição intermedia entre ambas as teorias, pela qual contamoscom explicações alternativas para os conceitos fundamentais, incluindo as diferencias deaglomeraçãoecrescimentourbano.Umaaproximaçãoevolutivanamudançaurbanaexplicaráadistribuiçãoeavariaçãodesoluçõesarquitetônicaseurbanas.Estaráespecialmente interessadana análise da criação e difusão de novas soluções no espaço que reforcem positivamente oprocessodeconcentraçãoeespecialização,assimcomoosmecanismospelosquaisdeterminadassoluçõesse‘adaptam’.

Seguindoesseraciocínio,aemergênciadeaglomeraçõesespaciaisnãoseráanalisadaemtermosdetomadedecisõeslocacionaisracionais,comonateoriaeconômicaclássica,nemnostermosdo

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conjuntodeinstituiçõeslocaisespecíficas,comonateoriainstitucional,mascomooresultadodaconcentração espacial e histórica do ‘conhecimento’ sobre algum setor, e das soluçõescompetitivasvantajosasresidindoemsoluçõestipológicas-comerciais.

CONCEITOSDATEORIAEVOLUTIVAURBANA

Comojámencionamos,algunsestudossobreaformaçãodeclustersapontamapreexistênciaderequisitos geográficos singulares na emergência de centros produtivos e comerciais (Brenner;Mühlig, 2007). No entanto, no entorno urbano os requisitos se homogeneízam e distribuemconsideravelmente, e a emergência de vias especializadas mostra uma origem notavelmenteestocástica.DosresultadosanalisadosparaocasopaulistanodeSantaIfigênia,observa-sequeosimóveisconstruídosafinsdoséculoXIXcostumavamcompatibilizarcomércio,oficinaouarmazémem planta térrea, com moradia na primeira planta. Essa tipologia de sobrado dominava noambienteurbanorepublicano,masapenasemalgumasruasseintensificouafunçãocomercial.

Portanto, vale identificar dois processos na especialização comercial das vias: um primeiro deemergência das primeiras unidades comerciais, onde condições análogas de probabilidadescomerciaissãodistribuídasquasedemodoisotrópicoportodootecidourbano;umsegundo,deintensificação,ondecertasruasconsolidamsuafunçãocomercialpormeiodefeedbackpositivo,enquantooutraspermanecempoucoalteradasporessefenômeno

Segundo uma explicação com base em princípios evolutivos, consideraremos uma ecologia decomércioscomdiferentesatributos,competindopelasoportunidadesnomercado.Estesatributosvariarãodefirmaemfirma,edevidoaessavariação,mostrarãoassimetriascompetitivas.Aquelasqueofereçamvantagenscompetitivastenderãoacrescer,eareproduzirseumodelodesucesso–as‘rotinas’,empalavrasdeNelson&Winter(1982)-,apartirdaatraçãoporelasgerada.Medianteareplicaçãodasrotinaseassoluçõestipológicasporoutrasfirmas,dá-seumprocessodetrocaedifusão da informação que está na base do sucesso diferencial, e graças à aquisição dessainformação,asfirmasaprendem,adaptando-seaoambientedemercado.

Na visão de Dosi e Nelson (2010), a informação adquirida pelas firmas dos comércios procedeatravésdeestreitas trajetóriasdefinidasque formamuma sortedequadrodeação, guiandoasatividades pelas que as firmas exploram novas soluções, afetando sua habilidade para reagir atecnologias quemudamou a circunstâncias demercado. Emoutras palavras, as firmas buscamampliar o conhecimento em estreita proximidade com a base do conhecimento existente epassado,aqualforneceoportunidades,mastambémdeterminarestriçõesparaoutrasmelhoras.Esta condição implica que amudança é, frequentemente, cumulativa e localizada: as inovaçõescostumamserincrementais,melhorasqueocorrempoucoapouco.

Àmedidaquemaiscomérciosvãoacumulandovantagenscompetitivasexitosas,emumregimededemanda sustentado, os âmbitos locais onde tais firmas surgem tendem a atrair a novoscomerciantes, e a reproduzir omesmomodelo, em um processo de feedback positivo (Arthur,1994). Alcançadodeterminado limiar,movimentam-se as vantagens das economias de escala. Éimportante salientar que tais economias não existiam previamente, como muitos autoresdefensores da Teoria Econômica Institucional proclamam. A agrupação comercial formadainicialmentenãotemoimpulsosuficienteparaativareconomiasdeescala;estassurgememfasesposterioresdeconsolidaçãocomercial.Apartirdeentão,dão-setaxasdiferenciaisdecrescimentono âmbito urbano, promovendo uma concentração comercial progressivamente maior, edesequilíbriosnotecidourbano.

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Vale recordar que as trajetórias de intensificação comercial tendem a emergir espontânea einesperadamentenoespaço.Devidoàexistênciadeeventoscasuais,acompetiçãonolongoprazoépoucoprevisível.Deveexistirumaprimeirafasenaqualossetorescomerciaissejamdiversoseproporcionados em volume, mas na sua evolução aparecerão mecanismos irreversíveis derealimentação, que ‘organizarão’ o caos comercial inicial sobre um padrão de concentraçãoespacialespecífico,oqualéimprevisívelapriori(Boschma,2004).Oimpactodoambientelocaléconsideradodemenorrelevâncianaetapainicialdaformaçãodeumnovopolocomercial.

Ospolosdecomercioespecializadoterminamporacumularconhecimentoecompetênciasbásicasparaatuarcomomecanismosdeincentivoedeseleçãotipológicas.Definemumnicho,constituídonasuamaioriapelospequenoscomérciosvarejistas,masnasuavez,essenicho,qualitativamenteespecializado, exerce pressões que reforçam uma tipologia comercial, enquanto desfavorecemoutras. Pelo que é admissível que, progressivamente, a própria via urbana vai constituindo umnovoníveldeseleçãoambientaldetipologias.

É importanteobservarqueomesmoprocessoquepromoveaespecialização intensivadecertasvias, promove, na sua vez, a diversificação comercial em outras, de modo a explorar soluçõescompetitivas alternativas. Assim, são asseguradas as vantagens competitivas que darão lugar àvariedadecomercialurbana.

Aespecialização comercialdas vias sobreumsetorespecíficodomercado,embora restringeouelimina a oferta geral de outros setores, amplifica enormemente a diversidadedeprodutos, nocasodaruaSantaIfigênia,nossetoresdebaseeletro-eletrônicaeinformática.Emconsequência,aseleçãocomercialtendeaaumentaravariedadedeprodutosintrasetorial,emlugarderestringi-la; do mesmo modo que diminui a variedade intersetorial. Essa característica é devedora daexistênciademúltiplosmicro-nichoscomerciaisparacadaproduto,jáqueaespecializaçãointensapermite explorar competitivamente novas regiões no espaço comercial do mercado. No casocontrário, poucos produtos seriam compartilhados por muitos, e os preços, em consequência,tenderiamadesceratéajustar-seàprocura,sempreinferioràoferta.

Assim, a especialização combase emumprocessode seleçãode setores comerciais específicospromoveaexploraçãodenovassoluções,deinovaçãoemumprocessochamadoporSchumpeterdedestruiçãocriativa(Schumpeter,1939),noqual,soluçõesnovasderivadasdabuscaemnichoscompetitivosinexploradossubstituemsoluçõesexistentes.

Amesma formadediversificaçãopormédio da seleção também semostra noprocessopredialtipológico.Devidoànaturezamutáveleimparáveldainovaçãonasformasdecomercialização,degestão econômica, ou de mudanças sociais, as tipologias arquitetônicas, em correspondência,terminarãoporajustar-seàsnovascondiçõesparapersistirnoambienteurbano.Aadaptaçãoéodefinitivo ‘fator de ordem’; forma e função seguem à adaptação. E como subprodutos daadaptação,emergemnovasvariedades tipológicas,diversificando-se,agregandonovasmutaçõesprediais,estandardizandoprocessos,oumecanizandoouso.

ASRUASCOMERCIAISPAULISTANAS

Asruasespecializadaspaulistanasconstituemumfenômenoamplamenteestendidonoseutecidourbano.EstudosrealizadosparaacidadedeSãoPaulomostramaexistênciademaisde70ruasdecomércioespecializado(CominVargas,2000;Silva,2013)(Figura1),considerandoumâmbitode

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estudo restringido à área central expandida da cidade delimitada pelos dois rios principaisPinheirosyTietê.

Asvantagens locacionaisdaaglomeraçãopodemdar-se segundoduasvias:do ladodaoferta, aconcentração não oferece vantagens competitivas significativas, devido à regulaçãoconsideravelmentehomogêneadopreço finaldevendaentreoscomerciantes;massimofereceeconomiasdeescalarelacionadascomadisponibilidadedeinfraestrutura,logística,ouknow-how.Doladodaprocura,aaglomeraçãoatuacomoatraçãogravitacionaldoconsumidorparaumúnicodestinocentralizador,atingindoumrádiodevendafinaldeâmbitourbano,periurbano,ouinclusoregional.

Dopontodevistadadistribuiçãocomercialurbana,aaglomeraçãocomercialficalongedeserumaopçãoequilibradasobreosstandardsmínimosdesejáveisparaocomérciodebairro.Do ladodaoferta,osvendedoresperdemvantagenscompetitivaspelasuafaltadeexclusividade.Doladodaprocura, perde-se a proximidade aos pontos de venda, promovendo deslocamentos pendularesintraurbanos,assimcomotambémsãorelaxadasasrelaçõesentreclienteevendedor,propiciandorelaçõesmaisfracas,commenosgarantias,emenorconfiançanoproduto.

Talvezpor essa flexibilizaçãodas relações comerciais de venda, acrescentadodeummodelodeexpansãourbanaquetemseconcentradomaioritariamenteemproldostecidosmonofuncionais,alocalizaçãocomercialdistributivanãoseconsolidoucomoopçãopreferentenocontextourbanopaulistano. E em consequência, tem dado lugar à aparição e consolidação dos eixos comerciaismonosetoriaisdequeestamosfalando.

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Figura1.RuascomerciaisespecializadasdeSãoPauloElaboração:HelianaCominVargas.ApareceemSILVA,J.C.RuasComerciaisEspecializadaseaDinâmicadaCidadedeSãoPaulo.[S.l:s.n.].,2013

EVIDÊNCIASDAESPECIALIZAÇÃOCOMERCIAL.OCASODARUASANTAIFIGÊNIA

Se observamos a configuraçãomorfológica de edificações e lotes da rua Santa Ifigênia, logo sedestaca um padrão morfológico que converge para lotes de pequenas dimensões de frente ecompridos de fundo, com edificações de entre uma a quatro alturas, cuja função comercial sedesenvolve mormente no térreo, enquanto os andares superiores são usados paraarmazenamentoouescritórios.Esta tipologiaedilícia repete-se intensivamente,dandosuporteàfunçãocomercialdobairro(Figuras2,3y4).

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Figura2.ElevaçõesdossobradostípicosdecomeçosdoséculoXX,algunsdelesaindaexistentes.Fonte:ObrasParticulares,AcervodoArquivoHistóricoMunicipal.Formatação:oautor

Figura3.PlantasdossobradostípicosdecomeçosdoséculoXX.Fonte:ObrasParticulares,AcervodoArquivoHistóricoMunicipal.Formatação:oautor

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Figura4.ElevaçãoeplantastérreoeprimeiradesobradomistonaruaSantaIfigênia.Fonte:ObrasParticulares,AcervodoArquivoHistóricoMunicipal.

Comopodeserobservadonamudançadageometriadoparcelamentodasquadrasqueenvolvema rua Santa Ifigênia entre os anos 1982 e 2015 (Figura 5), os lotes são predominantementemantidosemdimensões reduzidas,mostrandoumaalta fragmentaçãocomoocorre tipicamentenosbairros residências.Noentanto,a função residencialda ruaé significativamente reduzida,acustadecederespaçoparaocomercio.

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Figura5.ParcelamentodoslotesdasquadrasdaruaSantaIfigêniadesdeoano1892atéo2015.Fonte:Mapasdiversos.Elaboração:oautor.

Figura6.SinalizaçãodaruaSantaIfigênianomapaSaraBrasilde1930.Fonte:SaraBrasi.Elaboração:oautor

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Passemos a ver as evidências que podem ser tiradas da conformação do eixo comercial da ruaSantaIfigênianotecidopaulistano:

a. Nãoéumprocessoguiado,masespontâneo.

Naregulaçãourbanísticadousodosolodaregião,aparecidaporvezprimeiracomalegislaçãodezoneamentode 1972, não tem sidodirecionadoo crescimento comercial emnenhumadireção.Umplanejamentocentralizadotivessedadoorigemaprocessosdeocupaçãodeáreascomerciaismaiores,evitandoaatomizaçãodeagentesquedefatointervêmnoprocessodeocupação,eosriscosderivadosdeplanejarparamuitos,frenteoplanejamentoparapoucos.Portanto,oprocessorespondeaumaaçãoespontâneadescentralizadabottom-up,deagentesindividuaisquedecidementrarnomercadoapartirdeumpequenonegócioouloja.

Assim,o capital investidoébaixo–emborapossa suporumadescapitalização inicial significativapara o novo empresário-, e dessamaneira, o risco derivado também o será. Esta estratégia deocupaçãocomcapitaisrelativamentebaixosedepoucoriscoé,nasuavez,dinâmicaeresiliente,porquantoqueasaídaeentradadenovosagentesnomercadoproduzir-se-ásemgrandessaltos.Époressemotivo,queépressupostoumagrandepermanênciatemporaldotipocomercial.

Além disso, e promovido pela espontaneidade do processo, não se verifica uma premeditaçãofuncional do setor comercial que se desenvolverá no longo prazo da via. Essa questão éevidenciadapelapráticainexistênciadossetoresfinalmenteespecializadosemmuitasdasviasemformação e primeiras fases da urbanização dasmesmas, sendo o caso do setor de eletrônicos,aparecidosomenteapartirdosanos1950.

b. Éumprocessohistórico.

Aconsolidaçãocomercial intensivanecessitade tempo,precisamentepelacondiçãoespontâneadescrita anteriormente. Trata-se de um processo progressivo, onde vão se somandogradativamente novas unidades comerciais. A rua não nasce saturada de comércio, já que nãoexistem dinâmicas de consumo consolidadas que levem a garantir a procura no curto emédioprazo.Juntocomisso,asorigensdamaioriadasruasparaocasopaulistanonãotiveramtantoavercomumcrescimentopreviamenteplanejado,mascomumaexpansãogradualdeedificaçõesvisandoresponderàsdemandasdecrescimentodemográfico.

No processo de formação histórico, muitas das edificações originais se destinavam para finsespecíficosdistintosaoscomerciais,eàmedidaqueocomércioseconsolidava,colocavamaisemaispressãonasedificaçõesparaseremtransformadasparcialoutotalmenteemtipologiascomfunçãocomercialincluída.

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Gráfico1.Modelodeespecializaçãoediversificaçãotipológicasegundoopathdependence.Fonte:Oautor.

c. Éumfenômenogeográficoprincipalmentecentral.

Na consideração histórica da formação comercial, será favorecida a proximidade dos eixoscomerciais à origem urbana, tanto espacial como temporalmente. A especialização comercialconseguiudar-seondeasedimentaçãodeusosdaedificaçãotevemaistempo,e,porconseguinte,noslugarespróximosaocentrohistórico.EssaproximidadecentralpodeserobservadanaFigura1.Asruasespecializadasmostramaxialidadeinternaouperiféricadirigidaparaocentrohistórico,beneficiáriasdaconexãocomele,ouemvetorperpendicularataisviasaxiais.Nãoporissoqueofenômenodeespecializaçãosejaexclusivamentecentral;apareceemmenormedidaemcasosdereconversãoaceleradadotecidocomercialemáreasurbanasperiféricas.

d. Éumfenômenoderepetiçãodeumamesmasoluçãofuncional.

Aespecializaçãocomercial,comoseunomeindica, implicaquealgumadasfunçõesurbanassejarepetidaatéalcançarummáximoabsolutomuitosuperioraoutrasfunçõesdamesmarua,ouatésaturaroestoqueconstrutivoedificáveldaáreacomamesmafunção.Doquesederivaqueoutrasfunções entrarão em competição com a função comercial, e tenderão a ser expulsasprogressivamente.Arepetiçãodamesmasoluçãocomercialimpõeumascondiçõesdeusodaruaqueafazempoucoapropriadasparausosalternativos,comooresidencial,porexemplo.

e. Éumfenômenoderepetiçãodamesmasoluçãotipológica.

Asexigênciasfuncionaiscomerciaisinduzemumastipologiaspreferenciais.Otipodecomérciodevenda de varejo, com acesso frontal direto e amplo à rua, armazém posterior ou superior,tamanhos médios compreendidos entre os 50 e os 250 metros quadrados, está perfeitamenteadaptadoaocapitalaquisitivodeumaúnicapessoajurídica,ouumpequenogrupodeinversoresmédios.Aaquisiçãodo imóvel comercialépossívelpormédiodo sistemadecréditodisponível.Imóveis comerciais maiores são produtos de uma expansão no crédito e um maior poder decompradosagenteseconômicos, fatoresestesquenãoestavammuitopresentesnaformaçãoe

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desenvolvimento inicial das ruas,mas simemetapasposteriores, ondeaparecemoperaçõesdeagrupaçãomúltipladeloteseimóveisporgrandesredesdevarejo.

Porconseguinte,atipologiaedilíciaseadaptaadequadamenteaotipo‘sobrado’,sendoobjetoderepetição,enasua repetição,domesmomodoqueparaocaso funcional,expulsaou impedeaentrada de outras tipologias que não respondam com igual aptidão ao comércio varejista. Essefenômenoé de suma importância, já que a função comercial é apoiada emum suporte edilíciotipológicodeterminado,mas, ao tempoqueo reproduz,promovena suavez, aamplificaçãodoprocesso de especialização comercial mesmo, trazendo maiores vantagens locacionais para talfunção.Dessemodo,afunçãopromoveatipologia,eatipologiapromove,nasuavez,afunção,emumprocessodefeedbackpositivoquetendeacrescernotempo.

f. Devedar-secontinuidadefuncional.

Para que o comércio se consolide geográfica e temporalmente, deve produzir-se a herança nosusos e formas que permitem que uma determinada função comercial tenha lugar de formacontinuada.Emconsequência,otecidoempresarialdeveráserenovaracadanovociclogeracionaldeempreendedores,easedificaçõesterãodesersubstituídasoutransformadasparaajustar-seàsinovaçõesconjunturaisdaépoca.

Dessa adaptação conjuntural surge a evolução das tipologias edilícias. Tal evolução consistirábasicamente em dois operações: reforma ou renovação, ou igualmente, transformação ousubstituição. Através da transformação os imóveis são reformados, reabilitados, ampliados,consertados ou acondicionados para acolher-se melhor à função comercial. De esta operaçãocostumammanter-se características que identificam notavelmente a construção original, e quemostram um valor histórico. Em termos gerais, a tipologia é mantida –estrutura, vão livre,elementosdecomunicação,fachada,ouaberturas-,masficaparcialmentedescontextualizada,aotersofridoagregaçõesdeelementosdestoanteseoperaçõesdeesvaziadointerno.

Poroutro lado,atravésdaoperaçãode substituiçãoporobsolescênciadaedificação,dá-seumanovaoportunidadenainovaçãotipológica.Apesardaeventualpossibilidade,astipologiastendema replicarmodelos originais em relação a questões básicas, simplificandoo estilo arquitetônico,alterandoaestrutura–originalmentedemurosdecargadetijolos,eposteriormentedeconcretoarmado-, reduzindoasaberturas, e, emocasiões, aumentando levementeonúmerodeplantas.Algumas alterações tipológicas são mais críticas, e aparecem em etapas avançadas daespecializaçãocomercial.Noentanto,acontinuidadefuncionalparecequesedádeacordoaumprocesso de transformação ou substituição das edificações quemantem, permite e assegura acontinuidadecomercialdarua.

g. Aespecializaçãoretardaocicloderenovaçãourbana.

Aconsequênciadostrêspontosanteriores,osciclosderenovaçãoedilícianãosóestarãoexpostosaseuprópriociclovitaldeobsolescência,mastambémestarãosupeditadasaosciclosdonegócioempresarial geral e do setor econômico produtivo dominante. Essa programação interna dasedificaçõeslastraránoseuavançaràstipologiasqueasinternalizam,atrasandonotempoosciclosde renovação edilícia médios. Esta consideração acontece apesar da especialização ter lugarprincipalmenteemlocalizaçõescentraissometidasafortepressãolocacionalimobiliária.

Emvirtudedeessacondição,operfiletáriopredialcaraterísticodasruasespecializadasmostraráumaaltapermanênciadeimóveisantigos,emboramuitosdelescomníveisbaixosdepreservação,assimcomoumaescassarenovaçãotipológicabaseadaemmodelosverticalizadosmaisrecentes.

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h. Éumprocessorobustoàmudançatipológica.

A fixaçãoepersistência tipológicados sobrados, que geralmente atuamcomo sededonegócio,temsidopossívelevitandoaentradadeoutrastipologiasdemaiorporte,quenasuaconfiguraçãohabitualpaulistana,perdemafunçãocomercialdesenvolvidanotérreo.

Historicamente, temhavidouminteressedaadministraçãomunicipalemelevaro índicedesolocriadodaregiãodeSanta Ifigênia,comoevidenciaaregulaçãodezoneamentodecadaépoca.AprimeiraLeiGeraldeZoneamentode1972–Leinº7.805-,classificaaáreacomoZonaCinco(Z5),ouseja,zonadeusomistodedensidadedemográficaalta;ocoeficientedeaproveitamentoerade3.5, pudendo atingir o valor de 4, sempre que não se completasse a ocupação máximaestabelecidaparaaárea.Posteriormente,nalegislaçãodezoneamentode2004–Leinº13.885-,aárea fica registrada como Zona de Centralidade Polar-b, com coeficiente básico de 2, pudendoatingirummáximode4.Observa-seum interessenadinamização imobiliáriada regiãoonde selocalizaaruaSantaIfigênia,propiciandoapossibilidadedeverticalizaçãoelevada.Noentanto,osíndicesdeconstruçãoefetivosficamlongedesaturaroestoquemáximodisponível.Essacondiçãoé devida à robustez tipológica da função-forma propiciada pelo comércio especializado natipologiadesobrado.

Umaconsequênciadoanterior se refletenaescassamudançasubstancialnos remembramentosde lotes em formatos de grande tamanho. Com isso, é desestimulada a construção de grandesempreendimentos, devido à carência de solo e a dificuldade de expulsar seus moradores,maiormentecomerciantes.

i. Aespecializaçãoaumentaapressãoespeculativa.

Dado o retardo e a preservação de tipologias edilícias antigas descritas, as ruas especializadasfazemumusopoucointensodoestoqueconstrutivopotencialqueasáreasforamadquirindoaolongodotempoatravésdassucessivasatualizaçõesdalegislaçãodousoeocupaçãodosolo.

Essefator,somadoasuacondiçãodecentralidadeurbana–apoiadoemumsuporteexistentedeserviçose infraestruturasurbanasadequado-, tornamas ruascomocenáriosapropriadosparaaintervençãoimobiliária.

Os diferentes agentes imobiliários ativos, incluído aqui o agente público, colocarão pressões deocupaçãoeespeculaçãocrescentesemtaisáreas,desencadeandoumconflitodeinteressesdiretoentre o setor comercial continuísta e o setor imobiliário intervencionista. Essas pressõesespeculativas são relaxadaspela continuidadecomercialpropiciadapelosproprietáriosmesmos.Atravésdatransferênciadonegócioentreproprietários,ouinclusivecomtransferênciainter-vivosemregimedeherança,osempresáriosevitamoperaçõesderenovaçãomassivasqueabririamojogoàentradadenovosagenteseconômicos,eaumnovociclodeespeculaçãosobreosolo.

j. Apreservaçãopatrimonialcomoproteçãocontraoaumentoespeculativo.

Ocorrem casos em que o setor comercial dominante de uma rua especializada não ésuficientemente poderoso para resistir às ameaças especulativas descritas no ponto anterior.Nessecaso,deverãoaparecernovosmecanismosdeproteçãocontraumainvasãoereconversãode usos por parte do setor imobiliário para dar continuidade ao caráter comercial principal.NocasodeSãoPaulo,essesmecanismos têmderivadocuriosamentedapreservaçãodas tipologiasedilíciasapartirdotombamentoindividualizado.

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Graçasà inserçãodasruasnumaenvoltóriadepreservaçãohistóricaouobjetodealgumtipodetombamentoindividualdosprédios,asruasespecializadastêmentradonaagendadosórgãosdepreservaçãodopatrimôniomaterialedificado -oCondephaateoConpresp-,ecom isso,osusosque incorporam as edificações. Dessa forma, dá-se continuidade do comercio através de umainteressante inversão de fatores: inicialmente, a função possibilitou a permanência dos tiposedilícios antigos, ao estar bem adaptada a suas configurações espaciais e de gestão; em fasesposteriores, e commovimentos especulativos galopantes sobre tais ruas, os tipos edilícios sãoagoraprotegidospelomecanismodepreservaçãohistórica,esendoassim,protegemnasuavezafunçãoqueincorporam.

Esse fato é de especial relevância,mostrando a evolução da relação forma-funçao: (I) a funçãopreservaaforma,(II)aformapreservaafunção.Taismedidasdeproteçãoaumentamarobustez–ouresiliênciaurbana-darelaçãotipológicaefuncionalfrenteàmudança,edessamaneira,formaefunçãoiniciamumnovociclodeestabilidade.

Em outras situações, as ruas especializadas não conseguiram escapar da pressão especulativaatravésdemecanismosdeproteção,comonocasodaruaBrigadeiroTobias,próximaaoiniciodarua Santa Ifigênia. Esta rua, ao igual queno casoda Santa Ifigênia, estavaespecializadaemumsetor comercial especifico, as balanças, até a década de 1980. A intensa reconversão edilíciaalterou radicalmente a fisionomia urbana da rua, introduzindo tipologias de grande porte, comusos diferentes aos comerciais, grande extensão de fachada em planta térrea para entrada deestacionamento,esubstituindoastipologiasantigasexistentesquemantinhamosetorcomercialdebalanças.Hojeemdia,nãosobrounenhuma lojadebalanças,ea ruaapresentaumaspectopouco atrativo para a circulação de pedestres. Nesse caso, não foram ativadas regulações detombamentodopatrimônio,cedendoopassoàintervençãoimobiliária.

k. Éumfenômenoapoiadonaslógicasexpansionistasdeacumulaçãocapitalista.

A aceleração da atividade comercial da rua Santa Ifigênia e seu processo de homogeneizaçãosobreossetoresdeeletro-eletrônicoseinformáticainicia-senadécadade1950,intensificando-senotavelmente nas décadas de 1970, 1980, e mostrando um crescimento muito acelerado nasdécadasde1990,2000,e2010,comaaberturaaocomérciointernacionaliniciadanosanos1990.É coincidente com a nova fase de liberalização extrema da economia, e a abertura amercadosasiáticosespecializadosemprodutosdetecnologia(Harvey,2011).

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A especialização comercial não é inerente a esta época com exclusividade, dado que já existiadesdeos iniciosda configuraçãourbanapaulistana a começosdo séculoXIX, comomostramosestudosdahistoriadoraBeatrizBueno(2004)sobreocentrohistóricodeSãoPaulo(Figura7).Noentanto, a velocidade do processo de saturação espacial comercial, e de especialização em umsetor particular dão-se com maior intensidade a partir da entrada em jogo do novo sistemaneoliberal.Esobreessabase,aindamantemumregimedecrescimentopropicio.

Figura7.Usoscomerciaisemistosnotecidourbanodocentrohistóricopaulistano.Fonte:BeatrizBueno,(2004)

l. Éumprocessoemconstantecompetiçãointraurbana.

As ruas especializadas, na sua formação e consolidação, atuam como polos de atraçãogravitacional de algum setor comercial específico. A partir desse processo de concentração,possíveiscompetidoresdocomérciovarejistasãoatraídosataislogradouros.Aquelesquefiquemforaconservarãoseunegócioàcustadamaioratraçãoexercidapelasruasespecializadas,edessemodo, sofrerão os desequilíbrios competitivos que as economias de escala favorecem. Sendoassim,zonasurbanascomalgum impactoemdeterminadosetorcomercial serãodesfavorecidaspelaexistênciaderuasespecializadascommaioratraçãodoconsumidor,gerando-seassimetriasurbanasqueproduzemumatendênciagradualparaumprocessodesimplificação,concentraçãoehomogeneizaçãourbana,emtermosfuncionais.

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CONCLUSÕES

A teoria evolutiva oferece um corpo teórico sólido para explorar o sistema urbano no seuconjunto.Algumasdasepistemologiasqueoferecemossistemasevolutivosemoutrasdisciplinaspodemserimportadasàurbanística,entantoqueoutrasnão,deverãosurgirdointeriordaprópriadisciplina.A análiseprática sobre a construçãomorfológica e funcional da cidade ficapendenteagoraparasercontrastadanosseusresultados,àluzdateoriaproposta.Emsoma,asexpectativasgeradas pela teoria evolutiva abrem um novo campo de ação e pesquisa, que deve renovar oinstrumentalmetodológicodoqueconstaourbanistaparaaanáliseurbana.

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