Stephan Palmie

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Stephan Palmié O T RABALHO C ULTURAL DA GLOBALIZAÇÃO IORUBÁ 1 O Reverendo Samuel Johnson (1846-1901) era iorubá? À primeira vista, e diante do maciço consenso acadêmico segundo o qual The History of the Yorubas from the Earliest Times to the Beginning of the British Protectorate (1921) representa tanto uma conquista marcante da historiografia nativa africana colonial quanto a “base indispensável para todo e qualquer trabalho histórico e antropológico acerca dos Iorubá” (Peel 1989:198), essa questão pode parecer equivocada, ou mesmo perversa. Pois uma vez que Johnson foi de fato aclamado o “Tucídedes dos iorubá” (Smith 1994:168), que sentido poderia haver em debater sua “iorubidade”, mais do que questionar a “greguidade” do autor da História da Guerra do Peloponeso? 2 De toda forma, para nos atermos a um sentido mais concreto, qualquer resposta historicamente significativa a uma questão acerca do que alguns de nós hoje em dia chamaríamos a “identidade étnica” de Johnson demandaria uma especificação não apenas de seu objeto, mas também de seu predicado: o que foi ele, e quando? Pois que isso sabemos: à época de seu nascimento em Serra Leoa em 1846, ou até mesmo em 1897, quando completou o manuscrito do livro no qual elaborava um sentido de “iorubidade” – que se tornaria posteriormente um qualificador crítico de identificações étnicas na formação do estado-nação nigeriano em 1963 –, Johnson não era, ele próprio, um iorubá – ao menos em nenhum sentido

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  • Stephan Palmi

    O TRABALHO CULTURAL DAGLOBALIZAO IORUB1

    O Reverendo Samuel Johnson (1846-1901) era iorub? primeira vista,e diante do macio consenso acadmico segundo o qual The History of theYorubas from the Earliest Times to the Beginning of the British Protectorate (1921)representa tanto uma conquista marcante da historiografia nativa africana colonialquanto a base indispensvel para todo e qualquer trabalho histrico eantropolgico acerca dos Iorub (Peel 1989:198), essa questo pode parecerequivocada, ou mesmo perversa. Pois uma vez que Johnson foi de fato aclamadoo Tucdedes dos iorub (Smith 1994:168), que sentido poderia haver em debatersua iorubidade, mais do que questionar a greguidade do autor da Histriada Guerra do Peloponeso? 2 De toda forma, para nos atermos a um sentido maisconcreto, qualquer resposta historicamente significativa a uma questo acercado que alguns de ns hoje em dia chamaramos a identidade tnica de Johnsondemandaria uma especificao no apenas de seu objeto, mas tambm de seupredicado: o que foi ele, e quando?

    Pois que isso sabemos: poca de seu nascimento em Serra Leoa em 1846,ou at mesmo em 1897, quando completou o manuscrito do livro no qual elaboravaum sentido de iorubidade que se tornaria posteriormente um qualificadorcrtico de identificaes tnicas na formao do estado-nao nigeriano em1963 , Johnson no era, ele prprio, um iorub ao menos em nenhum sentido

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    vlido atualmente. Ele s se tornaria iorub no contexto das resultantes deprocessos os quais ele mesmo ajudara a desencadear, e nos quais podemos hojeretrospectivamente inseri-lo. Essas formas de incorporao narrativa em reverso inevitvel tendncia ao realinhamento retrospectivo do passado, como ArthurDanto (1965) a qualifica no so, por si mesmas, dignas de nota 3. Decerto,quando nos reportamos a Samuel Johnson em, digamos, 1854, como uma crianaiorub de oito anos de idade vivendo em Serra Leoa, estamos simplesmentedispondo os eventos de sua vida sob uma descrio que provavelmente no lheera disponvel poca (ou a ningum mais). poca esta em que ficou notriaa alegao de Sigismund Koelle (1854:5), segundo a qual seus colegas missionriosda Christian Missionary Society (doravante CMS)

    fizeram um uso bastante errneo do nome em referncia a toda anao [conhecida como Aku em Serra Leoa], supondo que se tratavada mais poderosa tribo Aku. Mas essa apelao [iorub] est sujeitaa objees muito maiores do que Aku, e deve ser imediatamenteabandonada, uma vez que, em primeiro lugar, a-histrica, jamaistendo sido usada por quem quer que seja em toda a nao Aku, exceo dos missionrios; em segundo lugar, ela envolve um duplouso do termo, o qual leva a uma confuso de noes, pois se emuma instncia a palavra tem de ser entendida como associada a umtodo, em outra ela apenas uma parte; e em terceiro lugar, sendoo nome incorreto, ela jamais poder ser recebida pelas diferentestribos como um nome para a sua nao como um todo.

    Mas a Histria provaria que Koelle estava errado. Aps pouco mais demeio sculo da publicao de seu Polyglotta Africana, os retornados cristianizadoschamados aku, como Samuel Johnson, no apenas invalidariam suas segundae terceira objees ao uso do termo iorub pela elite literria em Lagos ealgumas partes de seu interior. Alm disso, eles comeariam a projet-lo nopassado: a um tal ponto em que at mesmo seus ancestrais mticos passaram aser referidos atravs de uma descrio-iorub. E precisamente a que resideo problema: referir-se a Samuel Johnson ou Oduduwa, no caso como umprecursor iorub, em qualquer modo que no o metafrico, encerra-nos deuma tal maneira no presente que arrisca-se com isso obscurecer justamente asrealidades histricas que se supe abordar. claro que prescindir de (ou apenascolocar entre parnteses) extrapolaes regressivas basicamente inadmissveisde senso comum a partir de dados do sculo XX pode significar um convitea argumentos do tipo de invenes disso e daquilo argumentos em ltimainstncia estreis que, ao negarem a acessibilidade a qualquer realidade histricasob o discurso, no conduzem a nada alm da prpria reverso do objetivismo

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    que preconizam denunciar, conforme observa Amselle (1993:23). H, entretanto,um meio termo que, me parece, deve ser defensvel tanto em bases epistemolgicasquanto metodolgicas. Ele baseia-se no reconhecimento da historicidademutuamente implicada tanto na vida social quanto nas linguagens descritivasou analticas, atravs das quais a representamos. Poucos puderam ilustrar issomelhor que John Peel, e no esprito (embora no na letra) de suas contribuiesque eu gostaria agora de voltar a Samuel Johnson e a alguns de seus colegas-iorub dispersos pelo Atlntico, na esperana de investigar os limites do discursoe da agncia na fabricao do que talvez seja, hoje, a rubrica global iorub.

    ***

    Filho de um Saro de educao britnica que pode ou no ter sido umdescendente do alafin Abiodun (conforme sustentado por Ajayi 1994) , Johnsonpassou seus anos de formao na dcada de 1860 em uma casa residualmentePietista Alem ligada misso da Sociedade Missionria Crist em Ibadan,onde, na poca, o termo iorub no poderia ter tido muito mais sentido paraos sditos do (h muito tempo devastado) imprio de Oyo que um eptetohau. No detalharemos aqui at porque Peel j o fez exaustivamente (2000) como Johnson veio a fazer do imprio Oyo que jamais conhecera oprottipo de uma nao iorub crist, com base em sua experincia como umcatequista da CMS no bairro de Aremo em Ibadan e como pastor em NovoOyo. O que digno de nota, entretanto, que embora, para o bom Rev.Johnson, o termo iorub possa ter eventualmente vindo a circunscrever umprojeto, e at mesmo uma vocao, poca de sua morte seus referentes aindaeram mais um conjunto de potencialidades do que fatos polticos ou sociolgicosprecedendo a disperso atlntica de nmeros significativos de constituintes danao iorub sonhada por Johnson:

    Em termos de uma agenda pessoal, a Histria pode ser lida comouma aposta resoluta de um homem que fora involuntariamentearrancado de suas razes seus pais haviam sido escravizados e setornado cristos em Serra Leoa, voltando terra iorub em 1858,quando Samuel tinha onze anos para replantar-se em seu solonativo; um homem que percebera que sua terra natal necessitavaser re-imaginada e re-configurada de modo a que pudesse sentir-se verdadeiramente em casa. A memria de um Oyo de Abiodunque desaparecera tinha de ser conectada nova e ampliada categoriade iorub introduzida pela CMS, tanto quanto a cristandade deveriaser de alguma forma integrada em sua histria (Peel 2000:305).

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    Em todos os sentidos e para todos os propsitos prticos, pode-se dizer hojeem dia existir uma tal nao no mbito geogrfico que outrora formava a partesudoeste do protetorado colonial britnico da frica Ocidental, qual o nomeNigria sugerido originalmente por Lady Lugard veio se fixarpermanentemente aps a independncia. Contudo, assim como o nome Nigriano havia sido cunhado at a morte de Johnson em 19014, tambm o termoiorub ainda no designava uma entidade qual ele pudesse reivindicar umalealdade instrumental at a poca de sua morte.

    O mesmo poderia ser dito de um dos contemporneos de Johnson cujostraos no registro documental nos permitem reconstruir alguns detalhes intrigantesna vida de um certo Remigio Herrera, mas cuja importncia histrica estencapsulada no nome (evidentemente iorub) Adechina atravs do qual ele lembrado hoje entre os praticantes da religio afro-cubana conhecida comoRegla de Ocha ou Santera. Quando o Remigio-Adechina5 morreu de debilidadesenil em 1905, com oficialmente 98 anos, em sua casa no n 31 da Rua SanCiprin (posteriormente Fresneda) no Terceiro Distrito da cidade de Regla, elej havia adquirido a estatura de uma lenda viva, o ltimo babala africano ativoem Cuba. Atualmente Adechina visto como o fundamento do culto do If emCuba, e, portanto, como um agente crucial na globalizao daquilo que os maisde 700 delegados de um bom nmero de pases presentes no VIII CongressoInternacional de Orixs em Havana (junho de 2003) endossaram unanimementecomo a religio do sculo XXI. No entanto, a despeito da africanidade de oRemigio-Adechina, de suas escarificaes faciais orgulhosamente exibidas emsua nica fotografia conhecida6, do padro polignico de seu casamento (oubgamo dependendo do contexto da referncia)7, e de sua reputao como omais formidvel babala em Cuba no final do sculo XIX, provvel que se oRemigio-Adechina alguma vez chegou a ouvir a palavra iorub, isso s tenhaocorrido no fim de sua vida, e apenas em litorais ocidentais do Atlntico. Emoutras palavras, e de modo semelhante ao caso de Samuel Johnson, essaiorubidade um artefato de reconhecimento retrospectivo embora,novamente, assim como em Johnson, um tal reconhecimento seria impensvel seno fosse pelo impacto da agncia propriamente dita desses dois homens nosurgimento das formaes sociais e discursivas junto s quais tendemos, talvezum tanto ousadamente, a localiz-los hoje.

    Provavelmente nascido no fim da primeira ou no comeo da segundadcada do sculo XIX8, o homem que tornou-se conhecido como o Remigio-Adechina entrou no registro histrico com um jovem escravo em 1833, quandofoi batizado na igreja paroquial do municpio de Nueva Paz da Provncia deHavana. O nome que ele recebeu foi Remigio Lucum, maneira caractersticada poca, quando o primeiro nome de batismo era modificado com um termoindicando a procedncia africana9. No sabemos quando ou como Remigio Lucum

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    ganhou sua liberdade, mas certo que por ocasio de sua emancipao eletomou o sobrenome de seu antigo dono, Don Miguel Antonio Herrera. Por voltade 1881 ele foi registrado em um censo da cidade de Regla como o financeiramente confortvel dono de uma casa em San Ciprin. Temos tambma certido de nascimento de sua filha Josefa (1864) e de seu filho Teodoro(1866), e a lista de padrinhos de seu (segundo) casamento catlico em 1891com Francisca Burlet (a me de seus filhos conhecidos) no deixa dvidas deque, por volta de 1870, Remigio Herrera um pedreiro autnomo havia setornado um cidado socialmente bem conectado e modestamente abastado dacidade de Regla. Em outras palavras, era um membro moderadamente bem-sucedido no excessivamente digno de nota da burguesia de cor urbana(Deschamps Chapeaux e Prez de la Riva 1974), que crescera sob a sombra doEstado colonial e da economia agroindustrial escravagista, e que se lanara aosmovimentos de independncia de 1868 e 1895, mas que, poca da morte deHerrera, tornava-se cada vez mais amarga por causa de sua falta de incluso noprojeto nacional republicano cubano (Helg 1995).

    Para os nossos objetivos presentes, porm, h um conjunto de documentosmais significativo que data do perodo da ocupao americana em Cuba (1899-1902). Pois nele, o octogenrio Remigio Herrera aparece como signatrio deuma petio dirigida ao Gabinete do Prefeito de Havana e ao governo militaramericano arquivada por Jos Cornelio Delgado e Francisco Roche nointeresse de uma associao chamada Sociedad de Socorros Mutuos bajo laAdvocacin de Santa Brbara Perteneciente a la Nacin Lucum, sus Hijos yDescendientes10, registrada legalmente junto s autoridades coloniais espanholasem 1893, mas que ento via seus direitos quanto a realizar a dana africanaconhecida como tambor em feriados pblicos injustamente restringidos pelanova administrao civil de Havana11. Assim como os outros signatrios dapetio, o Remigio afirmava a sua condio civil como natural da frica, denacionalidade lucum12, e o estatuto oficial da associao anexado mostra queele tinha sido seu presidente honorrio desde pelo menos 1893. Conforme explicaademais o texto da petio, noutros tempos essa sociedade era um cabildo delucum13, e o prprio endereo da sede da associao Rua San Nicols, nobairro Jess Mara em Havana abre espao para especulaes sobre ela ter sidoidntica ao famoso cabildo lucum Chang Tedn, fundada na Rua Egido nocomeo do sculo XIX, mas baseada na Rua San Nicols durante seus anos dedecadncia. Mas sobretudo, atravs da retrospeco etnogrfica, a lista de nomesdas primeiras pginas do estatuto pode ser vista como um verdadeiro quem quem da religio afro-cubana no final do sculo XIX e comeo do XX. Comoo demonstra a meticulosa reconstruo das genealogias iniciticas da religioafro-cubana elaborada por David Brown (2003:62-112), ao menos sete dos trintaencarregados do sexo masculino so identificveis como os lderes babalas de

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    seu tempo14, enquanto pelo menos duas das vinte e trs encarregadas, BelnGonzlez e Margarita Armenteros, so reverenciadas hoje em dia como fundadorasde ramificaes importantes de linhagens iniciticas na Regla de Ocha.

    Evidentemente, o termo lucum circunscrevia aspectos significantes daidentidade pblica de o Remigio-Adechina, e bastante provvel que tambmcarregasse sentidos pessoais para ele prprio ainda que precisar o contedopropriamente dito dessas sentidos (pblicos ou privados) seja uma tarefa espinhosa. certo que lucum aparece nos registros espanhis como uma designao daorigem local ou regional de escravos africanos desde pelo menos 1547. O termotambm bem documentado para Cuba desde o comeo do sculo XVIII, e, deforma semelhante aos termos brasileiros nag ou quto, ele hoje geralmentevisto como um indicador da presena iorub e/ou de sua cultura tanto porestudiosos quanto pelos praticantes das religies nas quais o culto aos seresconhecidos como orichas/ orixs/ r proeminente15. Todavia, se o termolucum jamais teve algum referente unitrio ou ao menos diacronicamente estvelno passado distante, na poca em que o nome de o Remigio apareceu noestatuto da Sociedad de Socorros Mutuos bajo la Advocacin de Santa BrbaraPerteneciente a la Nacin Lucum, sus Hijos y Descendientes, certo que ele estavapassando por uma rpida e portentosa mudana. Pois que, deliberadamente ouno, na virada do sculo XX o Remigio-Adechina e alguns de seus colegasmembros da Associao embarcaram em um projeto curiosamente similar, aindaque radicalmente diferente, daquele que o Reverendo Samuel Johnson estiveradesenvolvendo em sua parquia Oyo mesma poca. Se Johnson, por um lado,ajudara a escrever e assim criar os fundamentos historiogrficos e hermenuticoscristos sobre os quais uma futura nao aberta a cada verdadeiro filho deIorub (Johnson 1921:642) poderia se tornar imaginvel (no sentido de BenedictAnderson), Adechina e seus colegas, por outro lado, imaginaram e assim criaramum conjunto de prticas rituais em que qualquer sentido de pertencimento pordescendncia foi substitudo por formas de parentesco ritual. Isso gerou o queem breve se tornaria uma religio de escopo virtualmente universal, aberta aquem quer que a adivinhao revelasse um filho dos orichas (hijo de santo)divinamente escholhido. Se no primeiro caso a tarefa do antroplogo histrico a de reconstruir o que John Peel (1989) chamou de o trabalho cultural daetnognese iorub, no segundo trata-se de delinear o que se poderia descreverprovisoriamente como o trabalho cultural da eclesiognese iorub16.

    ***

    Cabe aqui uma digresso acerca da natureza e significao histrica dotipo de instituio que o Remigio-Adechina e seus colegas peticionrios teriamchamado de cabildo de nacin. Modelada segundo as irmandades laicas e

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    estamentais ibricas do final da Idade Mdia, e mais especificamente segundoos conselhos (cabildos) de residentes estrangeiros (gente de nacin) nas cidadescastelhanas, a instituio dos cabildos de nacin aparentemente originou-se dosesforos das autoridades municipais de Sevilha para organizar (e assim controlar)o nmero cada vez maior de africanos e afro-europeus mendicantes que sealastravam pela cidade desde o final do sculo XV. Mas o modelo de associaesvoluntrias acreditadas oficialmente, baseado em percepes de origem comumauto-exprimidas por parte de estrangeiros ao reino (o sentido original, prEstado-Nao, da palavra espanhola nacin), rapidamente difundiu-se noambiente urbano do Novo Mundo, onde, assim como em Havana no incio dosculo XVII, o grande nmero de negros livres e de escravos extremamentemveis j havia se tornado um problema administrativo similar17. um tantoimpreciso se (e em que medida) o modelo sevilhano de cabildo de nacin foioferecido populao urbana africana de Cuba como uma forma de associaooficialmente sancionada ou se foi simplesmente sobreposta, post hoc, a gruposque surgiram de maneira independente. De todo modo, evidente que enquantocorporaes internamente estratificadas e grandemente autnomas, capazes decontrolar o recrutamento de seus membros, os cabildos de nacin exerceramuma influncia poderosa sobre os padres de socialidade que se desenvolveramentre os africanos, escravizados ou livres, na Cuba urbana. Por volta da segundametade do sculo XVIII no mais tardar essa instituio passou a sustentara formao de padres altamente diferenciados de identificao coletiva. Emboraos registros acerca da participao dos cabildos de nacin nas procisses deCorpus Christi em Havana remontem a 1571 (Ortiz 1921), apenas em 1755que se pode entrever o incio desse processo, quando o recm-nomeado Bispode Havana, Pedro Augustn Morell de Santa Cruz, ao notar que os negros dacidade estavam vivendo e morrendo como animais, por falta de cuidadospastorais, decidiu fazer uma ronda nas casas de reunio dos cabildos de nacinda cidade cujos membros ele julgasse engajados em formas escandalosas deidolatria. A sugesto do Bispo Morell de colocar os cabildos sob os cuidados dasparquias, cujos padres ele encorajava aprender lnguas africanas faladas porseus respectivos paroquianos, no foi levada em considerao. De toda forma,o inventrio sistemtico dos vinte e um cabildos de nacin proprietrios deimveis existentes na cidade por ele compilados (Marrero 1971-78, VIII: 158)oferece uma boa impresso do rol de possibilidades de identificao coletivaexistentes para os africanos livres ou escravizados em Havana na poca18. Em1821 o visitante britnico Francis Robert Jameson (1821:21) observou que

    As diferentes naes s quais pertenciam os negros na frica sodelineadas nas colnias tanto pelo senhor quanto pelo escravo; oprimeiro as considerando variavelmente caracterizadas quanto s

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    qualidades buscadas, o segundo juntando-se a essas unies com umverdadeiro esprito nacional [sic] sob permisso de seus senhores.

    No restam dvidas: podemos seguramente afirmar que os cabildos nosquais membros de tais naes congregavam eram, em um sentido crucial,comunidades intencionais, mais do que entidades criadas por um atoadministrativo. O esprito nacional a eles atribudo por Jameson, entretanto,era de um tipo muito diferente do que ele deve ter imaginado19, pois que emagudo contraste com as ideologias e prticas polticas que ento transformavamrapidamente o antigo conceito de natio no seio da mentalidade europia nomomento20, a terminologia utilizada para e pelos migrantes africanosinvoluntrios ao Novo Mundo no refletiu e nem o poderia a idiaessencialmente nova (at mesmo em seu contexto ocidental) de que as naeseram entidades polticas (ou proto-polticas) de ocorrncia natural: internamentehomogneas, mantidas coesas pela descendncia comum, claramente delimitadas,com linguagem, costumes e sentimentos compartilhados, existentes enquantotantum sui similibus gentes desde tempos imemoriais, agudamente separadas deoutras entidades semelhantes s quais seus respectivos constituintes noestendiam ou melhor, no deviam, em hiptese alguma, estender nenhumalealdade21.

    O caso do lucum cubano no final do sculo XVIII e sculo XIX certamentedesencoraja qualquer tentativa de identificar a onomstica do que por faltade termo melhor chamarei de identidades coletivas proto-iorub no Golfo deBenin com dados do Novo Mundo sobre algo que talvez fosse melhor descritocomo formaes sociais neo-africanas. De fato, estamos sim lidando com vinhoafricano em garrafas castelhanas. Mas a cepa e a safra so uma outra histria.Para comeo de conversa, a nomenclatura produzida pela proto-etnologia datrata de escravos, de impulso comercial, estonteante. Em um estudo sobrequalificadores onomsticos associados a escravos cuja identidade nacionalprimordial era dada como lucum no registro documental, Lpez Valds (1998)contou nada menos que 137 variaes sobre um tema, abrangendo desdeprovveis candidatos a interpretao post hoc como lucum egb, lucum egguad,lucum iech, lucum if ou lucum ey , passando por entidades etnologicamenteenigmticas tais como lucum barib, lucum chant, lucum jaus e lucum kang, at designaes completamente misteriosas como lucum yogo de ot, lucumcamisa ou lucum zza. Mas mesmo quando faziam eles prprios uso desses termos,aparentemente no se podia esperar que os lucum apresentassem padres denomeao que satisfizessem aos analistas de nossos tempos, inclinados a cont-los como (proto-) iorub. Um caso reportado pela primeira vez por DeschampsChapeaux (1971:42) e recentemente elaborado por Childs (2003:125) acerca deuma disputa por propriedade entre membros de um cabildo de lucum em 1778-

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    80 figura como um exemplo de forma alguma atpico. Uma das faces constitua-se por membros nascidos cubanos, que reivindicavam descendncia lucum eeram liderados por um certo Manuel Blanco que tentava impedir a venda dacasa do cabildo que um dia seus pais haviam ajudado a comprar. A essesopunha-se uma faco de lucum recm-chegados da frica, os quais haviamse tornado membros do cabildo e agora apoiavam a venda. Contudo, ainda quetodas as partes envolvidas na disputa estivessem engajadas em formas desocialidade para as quais o termo lucum havia se tornado uma rubrica, comoaparece nos tribunais, o cabildo havia sido originalmente fundado (h muitosanos atrs) pelas naes Lucum, especificamente os Nanga e os Barbae erecentemente admitia pessoas que se declaravam chabas e bambaras! Quemeram essas pessoas? E o que poderia ter o termo lucum a ver com qualquer umadelas? Muito provavelmente jamais saberemos.

    Nem o poderamos, uma vez que a questo em si pode estar indicando ummal-entendido fundamental no que concerne as realidades das relaes sociaisde ambos os lados do Atlntico. Esse mal-entendido emerge de um interfluxodiscursivo antigo e difundido entre concepes antropolgicas datadas sobreunidades sociais e/ou culturais22, concepes populares acerca da naturezatribal de padres africanos de socialidade remontando at o sculo XVIII e reivindicaes das partes contemporneas interessadas sejam historiadoresneo-revisionistas23, historiadores da arte determinados a salvar concepesessencialmente romnticas de pureza tnica h muito tempo associadas a noesestticas de autenticidade24, ou empresrios religiosos dos nossos dias25. Situemosa questo cruamente: dado o que sabemos sobre a complexidade e fluidez dasformas africanas pr-coloniais de associao, por que desejaramos sobrecarregarnossas tentativas de operacionalizar o emblema onomstico lucum com noespr-concebidas e claramente anacrnicas acerca de quem deve ter sido capaz dereivindicar legitimamente o pertencimento a uma natio lucuminorum por nsdefinida, a priori, de acordo com critrios de iorubidade os quais s comearama ganhar aceitao atravs dos esforos da CMS e de saros cristianizados comoSamuel Johnson? No seria mais frutfero menos nominalista, mais histrico abordar os cabildos lucum, to documentados como so em Cuba desde meadosdo sculo XVIII (i.e., bem antes das primeiras ondas macias de importao deescravos do Golfo de Benin terem sequer se aproximado da ilha), no como osincipientes enclaves-iorub em seu papel no Novo Mundo na gerao deformas culturais manifestamente similares a algumas (no muitas, frise-se) quea cultura iorub contempornea parece sugerir mas tratar o prprio termolucum como uma manta onomstica que cobriu, ora esse, ora aquele contedotnico africano ou cultural26? Que alguns desses contedos sejam afixados no apenas nos escritos dos etngrafos e historiadores do sculo XX, mas pelasprprias pessoas envolvidas seria ento menos o resultado de processos passados,

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    os quais temos poucas chances de reconstruir para alm do ponto onde nossasfontes baseadas no contato quedam-se em silncio (Amselle 1993), do que deesforos auto-conscientes da parte dos intelectuais dos nossos tempos de ambosos lados do Atlntico para recuperar, unificar e racionalizar, teolgica e/oupoliticamente, precisamente aqueles elementos de padres mais antigos deidentificao, prtica cultural e conhecimento esotrico que eles pensaram maistratveis em relao a seus respectivos projetos e s condies locais sob as quaiseles buscaram realiz-los27.

    ***

    Em quais dessas prticas e projetos atores do Novo Mundo como Adechinateriam estado envolvidos, e por que as suas resultantes nos parecem hoje toimpressionantemente iorub? Teriam sido eles os portadores de uma culturaiorub (soubessem eles disso ou no), cuja sintomatologia externa nosso fixoolhar diagnstico no deixa escapar pois que ademais orgulhosamente exibidasob esse mesmo rtulo por seus herdeiros espirituais, praticantes das hojeincontestavelmente chamadas religies derivadas-do-iorub? Ou sua agnciateria colocado em movimento uma sequncia de desenvolvimentos culturais quedeveramos tratar de estudar em seus respectivos contextos local e histrico ao invs de os referirmos a solues prontas sugeridas pelas listas-de-traos-etnolgicos acerca de uma cultura iorub atemporal derivada da imaginaoantropolgica (e nativa) de nosso tempo? Aqui instrutivo voltarmos uma vezmais lista de funcionrios no estatuto da Sociedad de Socorros Mutuos bajo laAdvocacin de Santa Brbara Perteneciente a la Nacin Lucum, sus Hijos yDescendientes. Pois como argumentou irrefutavelmente David Brown (2003:69),a maioria dos membros no era apenas de filhos e descendentes de lucum emum sentido biolgico, mas pessoas para quem o termo lucum j tinha passadoa circunscrever uma identidade religiosa. Tendo sido chamados pelos orixs,interpelados (para usar talvez inapropriadamente um vocabulrio althusseriano)em posies de sujeito religiosos criadas atravs de rituais de consagrao edefinidos por incluso em linhas (ramas) incipientes de descendncia inicitica,eles j eram produtos e por sua vez, produtores do que, para usar de certasmetforas hidrulicas de Fredrik Barth (1984), chamaremos de corrente detradio incipiente carregando formas culturais de uma religio afro-cubanaemergente avanada no tempo, e atravs do campo sociolgico de histria doNovo Mundo no sculo XX.

    Sob este ngulo, subitamente se entende a lista de dignatrios do estatutode forma bem diferente. Embora a petio de 1900 tenha sido exclusivamenteassinada por lucum de idade avanada (nenhum com menos de sessenta anos),o estatuto revela no apenas que, exceo de Adechina, todos os outros seis

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    grandes babalas no tinham nascido na frica (eram criollos ou seja, nascidosna ilha), mas tambm que um deles, Luis Pacheco, havia sido iniciado pelocriollo Pedro Pablo Prez este um filho de If do africano de primeira geraoEstban Quiones e portanto j representava um babala separado da fricapor duas geraes. E talvez ainda mais surpreendente seja que um dos oficiaisda Associao, Bonifcio Valds (Obe Wee), era um branco criollo dedescendncia espanhola. Como demonstrou Brown (2003: 77 ss.), Valds haviasido iniciado no If e da em diante foi feito um importante vetor doconhecimento divinatrio afro-cubano no sculo XX por o Carlos Ad B(Ojuani Bok), hoje lembrado como tendo ajudado o jovem Adechina areconsagrar o ikin africano, fruto de palmeiras utilizado na divinao if queengolira antes de atravessar o Atlntico e defecara ao chegar em Cuba. Deacordo com o esplndido trabalho etno-histrico de Brown (2003:cap.2) sobre asorigens do culto do If em Cuba, todos os babalas ativos em Cuba (e, porimplicao, a maior parte do sacerdotado do If ativo no Novo Mundo hoje)remontam sua descendncia inicitica a cinco fundamentos fundadores cujoperodo crucial de atividade ritual compreende-se aproximadamente entre 1880e 190528. O que isso indica, evidentemente, que para pessoas como BonifcioValds e muito provavelmente para seu iniciador o Carlos Ad B o termolucum tomara uma significao inteiramente nova. Ainda que a categoria lucumtenha sido por muito tempo um significante semanticamente flexvel flutuandopor sobre populaes de variadas disposies e origens tnicas, o fato quetanto o modo de recrutamento junto a uma identidade-lucum quanto aracionalizao de coletividades identificadas com o termo mudara radicalmente.Conforme formulou vigorosamente George Brandon (1984:89) h um tempoatrs: a diferena era que agora algum se tornava lucum no pelo nascimento,mas pela iniciao. Aquilo que um dia designara as fronteiras historicamenteflutuantes dos produtos dos processos contnuos da etnognese africana doNovo Mundo (Fardon 1987) tinha agora se solidificado em um conjunto delinhas de descendncia incitica precisamente marcadas (ramas), que sorecitadas at hoje (embora no necessariamente em ordem cronolgica) nasinvocaes (moyuba) dos nomes dos ascendentes de genealogia religiosa (e nobiolgica) que precedem (e validam) a maior parte das atividades rituais naRegla de Ocha, assim como entre os sacerdotes cubanos do If (babalas).

    Se o fato de um homem branco como Valds ter ocupado uma posioquase apical em algumas genealogias capaz de nos surpreender, isso certamentese deve mais a nossas pr-concepes e inquietaes acerca de noes como asde raa e autenticidade africana do que com as preocupaes de pessoas comoo Carlos Ad B e seus contemporneos nascidos na frica. Pois o ritual deiniciao que eles conceberam no apenas combinava o simbolismo dorenascimento no seio de um ofcio sagrado com uma estrutura emergente de

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    parentesco ritual moldada em parte no apadrinhamento catlico29, mas, ao faz-lo, obliterava-se a noo de que formas sublunares de identificao socialpoderiam afetar o estabelecimento de uma relao entre o ser humano e aentidade divina (seja um orix ou um if) que originava-se na iniciativa daltima (conforme revelado por procedimentos divinatrios). No conhecemos osmotivos de o Carlos Ad B e outros babalas africanos ou negros criollosenvolvidos na iniciao de Bonifcio Valds no sacerdcio de If, embora sepossa especular que eles esperavam beneficiar-se de sua posio social de bem-sucedido comerciante branco. Mas Remigio Herrera-Adechina j contava comhomens de negcio brancos entre os padrinhos de seu casamento catlico, e, dequalquer modo, os iniciadores de Bonifcio Valds no poderiam ter feito outracoisa seno racionalizar suas aes de acordo com os mandatos do prprio If.Nem o prprio Valds poderia ter feito diferente. O que quer que tenha significadopessoalmente para ele adquirir uma identidade lucum (no sentido religioso): aonvel mais amplo das coisas s quais ele teria se submetido ao tornar-se umbabala, sua volio era to irrelevante quanto a cor de sua pele (cf. Palmi2002b).

    Mas o caso de Valds encontra-se apenas no incio de uma longa histriairnica cujas mais recentes resultantes examinarei brevemente aps uma discussode como a religio (pois penso que agora podemos usar seguramente essetermo para designar as prticas e formas de identificao associadas com otermo lucum no comeo do sculo XX) que Valds e seus colegas criollosbabalas estavam praticando finalmente tornara-se uma religio-iorub.

    ***

    Apenas alguns meses aps a morte de o Remigio-Adechina, no vero de1905, o jovem advogado cubano Fernando Ortiz (1881-1969) entregou ummanuscrito a um editor espanhol que viria eventualmente e irrevogavelmente a mudar o nome, a natureza e estatuto etnolgico da prtica oracular, da qualse presume que o Remigio tenha vindo a depender financeiramente no ltimoano de sua vida. Em Los negros brujos (1906), que eventualmente tornou-se otexto fundador da antropologia cubana, Ortiz seguiu o exemplo de seu predecessorbrasileiro Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), cujo informante principal Martiniano Eliseu do Bonfim (1859-1943) o havia direcionado para a literaturaemergente acerca da parte sudoeste da at ento chamada Costa dos Escravosda frica Ocidental, de modo a que corroborasse a tentativa de Nina de indicaras origens africanas locais daquilo que observadores brasileiros haviam descritoanteriormente como manifestaes indiferenciadas de fetichismo africanosubsistente nas Amricas. Armado com LAnimisme Fetichiste des Ngres de Bahiade Nina Rodrigues (1900), Vocabulary of the Yoruba Language de Samuel Crowther

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    (1848), Grammar and Dictionary of the Yoruba Language do missionrio batistanorte-americano T.J. Bowen (1858), Etude sur le langue Nago de Pre Bouche(1880) e The Yoruba-Speaking Peoples of the Slave Coast of West Africa de A.B.Ellis(1894)30, Ortiz, raciocinando largamente a partir de similaridades em nomes dedivindades e outras correspondncias filolgicas (1973:28), pronuncioucategoricamente o que se tornaria o credo de todos os etngrafos subseqentesda religio afro-cubana:

    Na guerra natural das religies africanas, a religio dos negros iorubou nag triunfou tanto em Cuba quanto no Brasil, embora tenhamsido deixadas em estado debilitado pelo inimigo comum de todaselas, o catolicismo. Esses negros so aqueles que entraram em Cubacomo lucums.

    Muito simples e assim permaneceu at hoje. A litania, tanto dospronunciamentos dos acadmicos quanto dos praticantes, baseada no topos deuma correspondncia iorub/ lucum/ nag/ queto , hoje, digna de um esforobibliogrfico srio. Mais importante que isso, entretanto, ela ensejou o crescimentode uma formao textual caracterizada por movimentos retricos rpidos de idae vinda entre dados etnogrficos pertinentes aos dois lados do Atlntico a umtal grau que freqentemente no nada claro se o autor est falando de fatosetnogrficos no Golfo de Benin ou na Baa de Havana, de uma religio iorubatemporal ou de manifestaes historicamente especficas de prticas culturaislocais. Quer intencional ou no, o resultado tende a ser um borro transatlnticode dados inapropriadamente agregados que, tomados pelo valor declarado,sugerem a relativa insignificncia do espao e tempo quando se trata de detectarum ethos iorub distinto na frica ou alhures.

    Com isso no pretendo depreciar os srios esforos comparativos que, deboa f e freqentemente com bons resultados, basearam-se em tais procedimentosfundamentalmente a-histricos de curto-circuito entre unidades de anlise doVelho ou do Novo Mundo. Meu prprio campo de trabalho a antropologia dadispora africana claramente no existiria sem eles (Apter 1991; Yelvington2001). Mas penso que ( parte o novo revisionismo) podemos empreenderposies historicamente mais frutferas do que reiterar o que Matory (1999:97)chama de modelo da memria coletiva sem agente, sobre o qual esforos deestabelecimento de origens africanas para as formas culturais do Novo Mundotm sido h muito baseados. Pois, ao invs de traar a infinitamente repetidaequao lucum=iorub atravs da literatura acadmica em Cuba, deveramostratar de considerar as questes acerca de: a) como ela foi estabelecida comoum topos acadmico em primeiro lugar; e b) como ela finalmente penetrou detal forma entre os praticantes da religio afro-cubana que, como ocorreu no 8

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    Congresso de Orixs em Havana, em 2003, os babalas cubanos podiam sentar-se com seus colegas nigerianos, com pais- e mes-de-santo brasileiros, comdevotos de xang trinidadiano e com revisionistas-do-iorub norte-americanose concordar quanto ao fato de que estavam todos praticando essencialmente amesma religio.

    A primeira dessas questes est intimamente ligada ao papel que Martinianodo Bonfim teve literalmente na conduo de duas geraes de etngrafosbrasileiros, norte-americanos e franceses do nordeste do Brasil em direo concluso de que o que eles viram nos terreiros de candombl e com o queele, Seu Martiniano, estava conectado eram formas culturais iorub preservadasem sua pureza. Pois o que Fernando Ortiz havia feito em 1906 foi pouco maisdo que transferir, para pessoas para quem o nome iorub apenas comeava aganhar aceitao, a idia de Nina Rodrigues de que certas expresses culturaisafro-brasileiras poderiam ser interpretadas luz de uma literatura africanistaemergente31. Essa idia, por sua vez, como primeiro sugeriu Braga (1995) e comoMatory mostrou posteriormente com algum detalhe (1999, 2001), devia-se a SeuMartiniano: filho de escravos libertos em So Salvador da Bahia em 1859,Martiniano foi levado para Lagos por seu pai em 1875 onde ele freqentou aEscola Presbiteriana Faji, onde aprendeu ingls e iorub, e onde permaneceuintermitentemente at 188432. Um criollo brasileiro chegando a Lagos, talvezuma dcada e meia aps o babala ijex Philip Jos Meffre33: a carreira deMartiniano do Bonfim parece ter sido uma inverso daquela de Meffre. Enquantoo ex-escravo africano Meffre retornou do Brasil como um babala praticante etornou-se um protestante evanglico na terra iorub, Martiniano do Bonfimchegou em Lagos como um catlico batizado e tornou-se uma babala l. Maisque isso: enquanto Meffre tornou-se finalmente um dos mais ardentes missionriosconvertidos da CMS, bem como a principal fonte nativa para a monografia de1899 do Reverendo James Johnson intitulada Paganismo Iorub34, Seu Martiniano,por sua vez, logo aps ter retornado Bahia, tornou-se um dos mais persistentes,prolficos e, fundamentalmente, um dos mais efetivos informantes na histriada disciplina antropolgica. No se sabe como nem exatamente quando eleencontrou o jovem mdico legista Raimundo Nina Rodrigues, mas est claroque apesar do racismo e das especulaes evolucionistas de Nina, suas duasmonografias sobre a cultura afro-brasileira (Nina Rodrigues 1935, 1977) estampama marca do pensamento de Seu Martiniano. Mais tarde em sua vida, Martinianodo Bonfim, que gostava de se auto-intitular professor e tradutor de ingls,afetuosamente recordou sua relao com Nina (e.g., Landes 1994 [1947]:28), e,como contou ao reprter de O Estado da Bahia em 1936, ele e Nina haviam

    at mesmo planejado uma viagem a Lagos, e [Nina] j havia[contribudo] com 500 contos quando infelizmente morreu. Muitas

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    coisas teriam sido reveladas, pois da Nigria (a Costa dos Escravos)veio o maior nmero de cativos (citado em Braga 1995:45).

    Embora, ao que tudo indica, tenha sido um outro retornado brasileiro,Loureno Cardoso, um comerciante baseado em Lagos, que introduziu Nina aotrabalho de A.B. Ellis, foi Martiniano do Bonfim quem lhe traduziu a cartilhaescolar iorub Iwe Kika Ekerin Li Ede Iorub de A.L. Hethersett (Matory 1999:31),associando de maneira ainda mais slida a pesquisa sobre o Novo Mundo iorubcom a literatura emergente da CMS35, e particularmente com as produesliterrias do chamado renascimento lagosiano. Ao dar prosseguimento suacarreira de informante profissional36 aps a morte sbita de Nina em 1906,Martiniano do Bonfim deixou sua marca intelectual nos trabalhos de etngrafosbrasileiros como Manuel Querino, Artur Ramos e Edison Carneiro. Ele tambmserviu como um hbil interlocutor anglfono para os norte-americanos DonaldPierson, Ruth Landes, E. Franklin Frazier, Lorenzo Turner e Melville Herskovits,alm de ter impressionado postumamente o socilogo francs Roger Bastide como uso de sua considervel autoridade para prevenir a degenerao dos cultosafricanos (Bastide 1978:165), ao instituir o que, na verdade, eram inovaesbastante radicais. Ademais, provvel que tenha inspirado os estudos de PierreFatumb Verger acerca dos elos contnuos entre a Bahia e o Golfo do Benin. Masele tambm dirigiu a prpria comunidade do candombl baiano em direo a umentendimento de que as suas crenas e prticas estavam (ou, ao menos, deviamestar) em conformidade com uma idia de iorubidade que havia comeado aemergir no Golfo do Benin conformidade esta que de modo algum devia-se agncia de saros cristianizados ou viajantes brasileiros como ele. Um casorelevante a bem documentada colaborao com a prspera comerciante EugeniaAna dos Santos (1869-1938), mais conhecida como Me Aninha, a fundadorae lder poderosa do terreiro do Centro Cruz Santa do Ax do Op Afonj (casade candombl), estrategicamente construdo por ambos como o porta-estandarteda pureza-iorub na Bahia. Mas, como evidencia o caso amplamente discutido da criao por Martiniano, em 1930, da obrigao ritual dos Doze Obs deXang, o conceito de pureza da tradio africana que ele ajudara a estabelecere atrelar casa de Me Aninha ao proclamar, no Segundo Congresso Afro-Brasileiro na Bahia (1937), que tinha apenas despertado uma antiga instituioiorub ento esquecida no Brasil, era uma fico estratgica37: jamais existira nacorte do alafin de Oyo nenhuma instituio do tipo, e tentador inferir que elea inventara por conta prpria para a ocasio do Congresso de 1937. Mas se essefoi de fato o caso, certo que ele no partiu do zero. Quer suas inspiraestenham resultado das impresses acerca do esplendor do passado de Oyo,adquiridas durante sua estadia em Lagos, quer tenham derivado do seu acesso literatura missionria anglfona produzida durante o Renascimento de Lagos,

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    ou a publicaes etnogrficas mais recentes que comeavam a circular emesferas cada vez mais largas do sacerdotado do candombl brasileiro na dcadade 1930 (uma literatura que ele prprio tinha ajudado a moldar), a criao deSeu Martiniano, os Doze Obs de Xang, parecia estar to sintonizada com oque acadmicos como Edison Carneiro, Artur Ramos, Ruth Landes e DonaldPierson, etc, j sabiam ser aspectos essenciais de uma idia, agora literria, deiorubidade, que eles ratificaram de bom grado algo que o sacerdote e etngrafodo candombl Deoscoredes Maximiliano dos Santos (citado em Butler 2001:146) ele prprio um iniciado do Op Afonj chamou, em 1962, derestabelecimento da antiga tradio dos Obs de Xang, que, segundo ele,conferiu ainda mais prestgio ao Op Afonj e demonstrou a competncia econhecimento da ialorix Aninha Ob Biyi38.

    Embora menos documentado, o caso cubano apresenta um quadrosemelhante. Tambm l, a emergncia da tradio iorub esteve eminentementeligada colaborao entre detentores de ttulos sacerdotais e a figura singulare soberba da etnografia nativa cubana do sculo XX, Fernando Ortiz: um homemsaudado como o terceiro descobridor de Cuba (ou seja, aps Colombo e vonHumboldt), e que foi, ademais, instrumental, levando a Cuba a conexo-iorub discursiva que Nina Rodrigues e Martiniano do Bonfim desbravaram noBrasil, e oferecendo-a aos praticantes da religio afro-cubana como umaestratgia de legitimao. Estes ltimos, por sua vez, como se sabe, fizeram delabom proveito.

    ***

    At onde sabemos, no houve um verdadeiro equivalente a Martiniano doBonfim em Cuba39. Mas os sacerdotes da Regla de Ocha Fernando Guerra eSilvestre Erice, bem como os formidveis ol a (consagrados tocadores debat) Pablo Roche, Trinidad Torregrosa e Ral Daz so bons candidatos. Guerraconheceu Ortiz em um estgio muito inicial na carreira do primeiro(provavelmente por volta de 1909), apenas alguns anos aps o sucesso instantneode Os Negros Bruxos (1906) haver estabelecido o jovem Ortiz como odiagnosticador pblico do novo problema africano da nao, e como influentedefensor de algumas horrendas medidas para erradicar certas formas de magianegra que ameaavam retardar o progresso da civilizao cubana (Palmi 2002a).Sob o impacto de ondas macias de represso policial que o prprio Ortiz ajudoua desencadear como conseqncia de um alegado caso de sacrifcio infantilem 1904 (Chavez lvarez 1991; Helg 1995; Palmi 2002a; Bronfman 2004) porvolta do fim da primeira dcada do sculo XX, Guerra (ento provavelmente emseus sessenta anos) e seu genro, o septuagenrio lucum Pap Silvestre Erice,parecem ter decido confrontar seus perseguidores. A fim de fazer frente s

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    construes pblicas de suas prticas como selvageria africana reservada, elesabriram as portas da Sociedad Lucum Santa Rita de Casia y San Lzaro, fundadapor Erice em 190240, a jornalistas, acadmicos, visitantes estrangeiros e atmesmo ao ento detetive-chefe do corpo de polcia civil especial de Havana,Rafael Roche Monteagudo muitos dos quais, tais como a residente americanae prolfica historiadora amadora Irene Wright (1910:149-50), o criminologistaIsrael Castellanos (1916) e o prprio Roche Monteagudo (1925:79-83), publicaramrelatos vvidos 41 (embora largamente antagnicos). Fernando Ortiz nunca publicouum relato semelhante. De todo modo, embora continuasse a advogar a erradicaocientfica da bruxaria africana pelo menos at a segunda edio de Los negrosbrujos (1916), est claro que por volta de 1911 (no mais tardar) ele haviaestabelecido relaes com Fernando Guerra e os membros tanto da SociedadLucum Santa Rita de Casia y San Lzaro quanto da Sociedad de Socorros Mutuosbajo la Advocacin de Santa Brbara. Seus escritos pessoais contm uma cartaescrita mo datada daquele ano no qual Guerra, enquanto um secretrio doltimo, convida Ortiz, um homem da cincia do bom governo, a tornar-se seupresidente honorrio ostensivamente o mesmo cargo ocupado por RemigioHerrero-Adechina apenas dez anos antes42! No sabemos se Ortiz aceitou ahonra, mas est claro que ele retribuiu. No vero de 1912, pouco antes daexploso de uma macia violncia racista por ocasio da supresso do PartidoIndependente de Cor, Ortiz forneceu conselho legal a Guerra e seus associadossobre como readquirir permisso para utilizar os tambores bat em seus rituais43.Finalmente, em um folheto publicado em 1914 repreendendo alegaesjornalsticas de que haviam surpreendido Erice e Guerra em atividades rituaismoralmente questionveis, Guerra enfatizou o carter aberto de suas prticas,assegurando ao pblico leitor que se os jornalistas realmente tivessem estado emseu centro de reunies no bairro de El Cerro no dia em questo, a sua presenateria sido notada por duas testemunhas acima de qualquer suspeita: FernandoOrtiz e um colega da Irlanda, a quem Ortiz tinha trazido para observar ascerimnias que estavam tendo lugar na Associao quele dia (Palmi 2002a:215).Como argumentei antes (Palmi 2002a), est claro que Guerra (que nunca secansava de citar os artigos da nova Constituio cubana garantindo liberdadede religio) e seus colegas sacerdotes estavam sagazmente articulando umacooptao da considervel autoridade pblica de Ortiz, a fim de inscrever ascrenas e prticas rituais de suas Associaes em um projeto mais amplo auto-consciente de construo da nao cubana moderna. Mas para nossos propsitospresentes, interessante notar que todos os escritos de Guerra preservados noarquivo pessoal de Ortiz (ou publicados, como em Castellanos 1916:99) referem-se a tais crenas e prticas como a moralidade crist lucum. Isso pode estarrelacionado ao fato de que as partes cruciais da Constituio cubana de 1901(um documento notavelmente hbrido) foi modelado segundo a Constituio

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    espanhola de 1876 (adotada em Cuba em 1881) a qual reteve o catolicismocomo a religio estatal oficial, mas permitiu a prtica privada de outras fs,contanto que respeitassem a moral crist e a ordem pblica (Bronfman 2004:23).No pretendo tocar aqui no debate infinito e extremamente confuso acerca dosincretismo catlico44. Mas evidente que embora o objeto discursivo posto emcirculao na esfera pblica cubana por Guerra tenha se tornado uma religiono sentido legal estipulado por pela Constituio cubana, ela no era ou noera ainda uma religio iorub.

    Isso mudaria bem dramaticamente na dcada de 1930 e, tambm aqui,Fernando Ortiz desempenhou um papel significativo no processo. Infelizmente,at hoje carecemos de uma verdadeira biografia intelectual de Ortiz, mas noh dvidas de que ele reviu completamente suas avaliaes iniciais acerca doselementos de derivao africana na cultura cubana nacional: em algum momentoentre 1916 e o comeo da dcada de 1930 (mais provavelmente enquanto esteveexilado nos EUA durante a ditadura de Machado (1930-33) Ortiz passou de umcaador-de-bruxas cientfico, inspirado por uma antropologia criminallombrosiana, ao mais efetivo defensor pblico da incorporao de tradiesculturais africanas (e especificamente daquelas de derivao iorub) no projetode construo de uma cultura nacional cubana autnoma e autntica (Palmi1998). E, uma vez mais, seus contatos cada vez mais estreitos com praticantesda religio afro-cubana dessa vez atravs do cabildo da filha de RemigioHerrera-Adechina, Francisca (Pepa) Herrera-Echu B (1864-1946) em Regla foram cruciais para essa transformao. Pois quando, em maio de 1937, Ortizsubiu ao palco da prestigiosa Instituio Hispanocubana de Cultura para umaconferncia (Ortiz 1938) precedendo a primeira apresentao-concerto detodos os tempos, em um cenrio altamente cultural (o esplndido TeatroCampoamor), dos mesmos tambores que a polcia vinha confiscando por dcadas,e pelos quais Remigio Hererra-Adechina e Fernando Guerra lutaram fortementepara poder usar em rituais privados45 Ortiz havia se tornado um aluno, maisdo que um mero patrono do formidvel ol a (o consagrado tambor mestre)Pablo Roche (Okilpka). Foi com a ajuda de Roche e seus colegas mais jovensTrinidad Torregrosa e Ral Daz (todos trs associados ao grupo de culto dePepa Herrera) que Ortiz finalmente compilou seu captulo monogrficoverdadeiramente esplndido sobre a histria, a organografia, a importncia rituale a sociologia do tambor bat em Cuba (Ortiz 1952-55, VI: 204-342) e nesseponto, o autor estava pronto a reconhecer plenamente as suas contribuies.Igualmente notvel acerca do evento de 1937 foram as palavras com as quaisOrtiz o abrira:

    Estimada audincia: Agg Ile! Agg Ya! Agg Olof! Olrum mbae!Essas palavras e esses gestos rituais so uma simples invocao dos

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    deuses [sic] iorub, para que os espritos, quando seus cantossagrados forem reproduzidos aqui, no sejam ofendidos e no paremde tratar-nos com benevolncia fiel (Ortiz 1938:89).

    Lembrando a audincia de que no ltimo desses eventos a InstituioHispanocubana apresentara as mais avanadas composies modernistas deGilberto Valds (baseadas em temas afro-cubanos), Ortiz agora prometia aosouvintes no apenas as mais primitivas liturgias religiosas dos negros iorub eseus descendentes cubanos, preservadas como estavam em sua pureza ancestral,mas simultaneamente enfatizava que os

    negros lucum ou iorub, juntamente como os daomeanos, so osmais civilizados na frica Ocidental; [tm a] mais avanada religio,e cujos mitos e artes deram origem a idias sobre as suas relaesntimas com os povos antigos do Mediterrneo: Egito, Creta, Tartesos,Cartago... (ibid.:91).

    Ortiz, ento, havia completamente digerido Frobenius, e parece que sabiados debates sobre as origens iorub na literatura que vinha emergindo da Nigriadesde a dcada de 189046. Ele estava tambm bastante ciente do impacto queexposies de arte africana, e de msica negra norte-americana, haviam causadona vanguarda europia, e assim desempenhou ele prprio um importante papelna exaltao do movimento artstico primitivista conhecido como afrocubanismo(Kutzinski 1993; Moore 1997). Ademais, h boas chances de que suas refernciasno se tenham restringido aos trs tocadores de tambor, quatro akpun47 e vintemembros do coro imitando o padro antfono de canto de um evento ritual: poiscomo Brown demonstra ser altamente provvel (2003:147), por volta de 1930vrios babalas (inclusive Eulogio Rodriguez-Tata Gaitn e Guillermo Castro)estavam no apenas servindo de informantes para Ortiz, mas parecem ter idobeber gua na [sua] fonte (i.e., na impressionante biblioteca de literaturaafricana que Ortiz havia compilado at ento)48. poca em que Pepa, a filhade Adechina, morreu em 1946, bastante provvel que a significao polticae o potencial legitimador de designar suas crenas e prticas como umacontinuao cubana das tradies iorub j tivesse se tornado claro para ela, eparticularmente para os membros mais jovens de grupo de culto.

    Em meados da dcada de 1950, e em uma das primeiras publicaesimpressas extensas de autoria de um praticante da religio afro-cubana Manualde Orihat, de Nicols Valentin Angarica finalmente temos uma reclamaoexplcita no apenas quanto s origens iorub da Regla de Ocha e do If, masquanto sua iorubidade essencial a qual, segundo Angarica, necessitava derestaurao. No prefcio, um certo Dr. Jos Roque de la Nuez (Efn Yom)49

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    repreende explicitamente a etngrafa Lydia Cabrera (cunhada de Ortiz, cujolivro El Monte havia aparecido apenas alguns anos antes) por terindiscriminadamente compilado dados de fontes mal qualificadas, e alm disso,por ter gerado a impresso errnea de uma linguagem africana unificada,enquanto, segundo Roque, certo que a frica foi o bero de uma civilizaoFEUDAL, na qual tribos de tipo feudal existiam, e onde cada tribo tinha umalinguagem tpica prpria, diferente da linguagem de cada uma das outras tribos...costumes prprios, e uma religio de acordo com a divindade religiosa queadoravam... (Angarica 1955:3). Em contraste com acadmicos profanos comoCabrera, Roque (ibid.:4) continua, Angarica tomou o mximo cuidado no sentidode retificar tais erros, pois um dicionrio e uma Bblia traduzidos para a lnguaiorub vieram [recentemente] parar em suas mos. O prprio Angarica, por suavez, enfatizou que, a despeito de ter nascido criollo, seus laos ntimos com ossentimentos dos lucum e arar, somados sua associao ao seu Credo Religioso,permitiram [a ele] trazer para a luz da civilizao, sem distores, a verdade daReligio Lucum da terra iorub (ibid.:9). Contendo um relato sofisticado ealtamente racionalizado teologicamente acerca de um panteo lucum50,modelado auto-conscientemente segundo fontes clssicas, os esforos deAngarica estranhamente assemelham-se queles de telogos-iorub de meadosdo sculo XX, como Lucas (1948) ou Idowu (1962). E, de fato, a esse respeito,o Manual de Orihat claramente representa um movimento astuto de oposiotanto s vilificaes prprias a uma fase anterior de representaes da religioafro-cubana como selvageria africana, quanto o primitivismo do movimentoafro-cubanista que emergiu entre intelectuais e artistas nos anos de 1930(Kutzinski 1993; Moore 1997). Ao faz-lo, Angarica posicionou-seestrategicamente como o herdeiro daquilo que comeava a ser pensado comouma Tradio Iorub transatlntica estendida, validada por uma literaturaacadmica e popular, rapidamente crescentes. Mas, quanto a Angarica, eletambm encontra-se no comeo de uma tradio essencialmente nova: da qual,por volta da dcada de 1970, no mximo, emergiria um movimento globalunificado em torno da devoo de divindades agora vistas unanimamente comode origem e essncia iorub.

    No caso cubano, percebemos os primeiros indcios dessa tradio emergentequando (provavelmente no final da dcada de 1950) o autor-praticante PedroArango interpolou cerca de quarenta pginas de Deuses da frica de PierreVerger (1954) em seu do contrrio pouco digno de nota Manual de Santera(reimpresso integralmente em Menendez 1998)51. Particularmente uma vez queo prprio Verger contava-se entre os que pioneiramente criaram a impresso deuma continuidade iorub transatlntica, ao apresentar seus dados impressionantessobre a Bahia lado a lado com seus dados igualmente destacados concernentesao sudoeste da Nigria e ao Benin: o efeito espantoso. Aps mais de 160

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    pginas de explicaes sobre procedimentos rituais, signos de divinao e seusmitos associados, preces bilnges (em espanhol e lucum), ou receitas mgicas,o leitor subitamente imerso em uma narrativa justapondo detalhados dadosetnogrficos pertinentes ao Brasil e a diferentes localidades no Golfo de Benin,ordenados de uma tal maneira que torna suas divergncias meras variaeslocais de um tema transatlntico: os orixs, seus atributos e as formas de devooque recebem. Embora as estratgias textuais de Arango sejam ainda um tantodesajeitadas, as impresses que elas criam apontam o caminho para o futuro, noqual as crenas e prticas associadas com o termo lucum podem, e devem, serassimiladas a esse espectro transatlntico de formas culturais relacionadas aosorixs e portanto, em ltima instncia e essencialmente iorub; algo que hoje pouco mais que uma idia pr-estabelecida52.

    De forma previsvel, e assim como no Brasil, a interface etnogrfica comeaa registrar esses desenvolvimentos praticamente ao mesmo tempo. Quando oaluno de Herskovits, William Bascom53, foi para Cuba nos veres de 1948 e1950, ele no teve dificuldade alguma para realizar essas assimilaes etnolgicastransatlnticas. No de se surpreender que ele tenha visto muitas cerimniasnas quais sacrificavam-se animais aos orixs iorub, tocava-se msica iorub emtambores africanos, cantava-se cantos com letra e msica iorub e danarinoseram possudos pelos orixs (Bascom 1951:14). Embora seja razovel a suaafirmao de que havia duzentos babalas ativos em Havana na poca, o fatode que ele inclui seu informante Akilapa entre eles (i.e., o formidvel ol aPablo Roche-Okilapka) tanto revela o seu mal entendimento da incumbnciareligiosa de Roche quanto ilumina a conexo que Ortiz havia obviamentearquitetado entre eles. Embora Bascom sustente que tenha podido provar quea lngua iorub efetivamente falada, e no apenas recitada em Cuba (:17),mais tarde, em um outro ensaio (Bascom 1953:164), ele admite: tendo quedepender de um intrprete para o espanhol, percebi que com meu prpriodomnio limitado do iorub eu poderia ao menos fazer algumas perguntaselementares na lngua africana. Embora isso crie dvidas acerca de se ele teriasido de fato capaz de dizer que muitos informantes, na verdade, dominavammais o iorub do que eu mesmo, Bascom (:164) clarifica alguns dos mecanismosatravs dos quais essa competncia lingstica fora adquirida. Pois

    Como parte de seu treinamento nos cultos afro-cubanos, at mesmoos nefitos adquirem um vocabulrio na linguagem africana o qualpode ser identificado atravs da comparao com os dicionriospublicados da frica. Esses vocabulrios so sistematicamenteaprendidos por meio da instruo transmitida pelos mais avanadosnos cultos, e so copiados mo naqueles cadernos de santera,como so chamados os cultos iorub. Cadernos manuscritos de santera

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    so vendidos, enquanto os livros mais completos podem ser compradosdatilografados em lojas especializadas em vender a parafernliautilizada nos altares e casas de culto (Bascom 1953:163ss, grifosmeus)

    possvel que o precursor mimeografado do Manual de Orihat El Lucumal Alcanze de Todos (provavelmente do fim dos anos de 1940), de Angarica, maisum manual de santera que uma cartilha de lngua54 tenha figurado entreaqueles livros mais completos que estavam agora entrando em uma complexadinmica de intertextualidade com os relatos etnogrficos de performancesparcialmente informadas por eles. E mais: enquanto, por um lado, etngrafoscomo Bascom estavam agora registrando formas de conhecimento afro-cubanoque haviam se tornado em parte livrescas e elaboradas sobre construesessencializadas da religio iorub derivando de fontes crists nigerianas ou deetnografias iorub, conforme argumentaram Dianteill e Swearingen (2003), poroutro lado, os prprios praticantes comearam a reinvestir nas etnografias cubanasenquanto textos hierogrficos designados a guiar a prxis ritual e continuarama faz-lo at os dias de hoje55. O resultado, ao que parece, uma dialtica entretextos e prticas heterogneos, os quais, durante pelo menos o ltimo meiosculo, seguem numa espiral constante em direo ao telos de um mundo iorubreligioso transatlntico como quer que se queira entender esse termo.

    ***

    Os limites de espao no presente artigo no me permitiro traar a histriacomplicada e altamente irnica que comeou a desdobrar-se a partir de1959, quando centenas, talvez milhares, de praticantes do que agora se podepensar como uma religio iorub do Novo Mundo comearam o xodo da Cubarevolucionria, e com a quase simultnea iniciao, em 1958, do empresriocultural norte-americano Walter Serge King-Ob Efuntola Adebalu AdefunmiI na Regla de Ocha, em Matanzas, Cuba. J lidei com os dois temas anteriormente(Palmi 1991, 1995 e 1996), e eles so hoje bem documentados (por ex., Brandon1993; Clarke 1997; Brown 2003; Dianteill 2002; Argyriadis e Capone 2004; eFrigerio 2004). Mas eu gostaria de concluir abordando brevemente um aspectodessa histria que ainda no recebeu pelo menos at onde eu sei atenosuficiente: as contribuies dos nigerianos do final do sculo XX para o trabalhocultural envolvido nos processos eclesiogenticos a partir dos quais emergiuuma religio, com aspiraes a ser mundial, centrada no culto aos r/ orisha/oricha/orix.

    O mais conhecido protagonista dessa histria, embora de nenhuma formao nico, o crtico literrio nigeriano Wande Abimbola (1932), ex-professor e

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    vice-cnsul da Universidade de Ile Ife, poltico, babala e empresrio cultural um homem a quem Matory chamou um novo Martiniano (2001:187), e Peelum araba56 en partes fidelibus (1990:341). Muito provavelmente, a carreira deAbimbola como o prcer de um novo tipo de mundo iorub transcontinentalcomeou em 196857. Neste ano, ele organizou (com o patrocnio do governofederal nigeriano!) a concesso do antigo ttulo oyo de bl (chefe da vila) daBahia ao sacerdote do candombl e etngrafo Deoscoredes Maximiliano dosSantos (mestre Didi), um iniciado no terreiro Op Afonj de Me Aninha,fechando, assim, o crculo entre um Oyo da imaginao de Martiniano doBonfim e uma Bahia que agora tinha se tornado um distrito dentro de umimprio que, nas palavras de Matory (1994), j tinha deixado de ser. Eleprprio um recm-graduado do Programa de Estudos Africanos da NorthwesternUniversity, e recentemente designado professor de Estudos Iorub da Universidadede Lagos, Abimbola completou seu doutorado em literatura e tornou-se umbabala praticante em 1971. No final de 1975 o encontramos de volta Bahiapara uma viagem de um ms, financiada pelo Projeto de Pesquisa sobre a Disporada Universidade de Ife. A viagem de Abimbola foi organizada in lococonjuntamente com o lingista Olabiyi Babalola Yai (um outro emissrio daUniversidade de Ife), mestre Didi e Pierre Verger, o infatigvel francs queperegrinava entre os mundos religiosos da frica e do Novo Mundo, e que,embora j estivesse h muito estabelecido na Bahia, logo ocuparia um posto deprofessor visitante em Ife, onde se submeteria iniciao no culto do If noBenin e se tornaria o primeiro babala francs iniciado na frica e ativo noNovo Mundo.

    Nesse relatrio apresentado no 42 Congresso Internacional dosAmericanistas, em Paris em 1976, Abimbola conclui que as suas observaes naBahia forneciam claras evidncias a respeito da forte ligao e respeito que opovo do Brasil ainda tem pelas divindades iorub (Abimbola 1979:634).Entretanto, diante de uma perda de competncia lingstica em iorub, osdevotos baianos no entendem plenamente o significado lingstico dos textoslitrgicos, uma situao que dolorosa para muitos dos devotos dos orixs, osquais pagariam qualquer preo para adquirir a habilidade lingstica necessriapara um entendimento de seu prprio repertrio [religioso] (:634). Felizmente,prossegue Abimbola,

    Desde o comeo da dcada de 1960, o prprio governo brasileirodeu ao menos uma prova de interesse no problema. Assim, o primeironigeriano fora enviado Bahia em 1960 para ensinar a lngua iorub:E.L. Laebikan, j falecido, renomado especialista em linguagemiorub antes mesmo de ter deixado a Nigria. Mas Laebikan eragrandemente ignorante dos modos dos orixs, e na Nigria ele se

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    via como um cristo. Portanto, logo que chegou ao Brasil no podiaentender as pessoas a quem devia ensinar a lngua iorub. Mas logotratou de ajustar-se e aprender mais sobre os orixs, j que seucorpus de alunos era composto primordialmente de babalorixs eialorixs. Durante a minha visita ao Brasil, os baianos lembraramternamente de Laebikan e cantaram algumas das canes que lhehaviam ensinado (Abimbola 1979:643ss)

    Podemos nos perguntar se esses alunos de Laebikan no teriam cantadohinos da CMS para Abimbola! Ainda que possamos presumir que Abimbola osteria reconhecido, claro que os espritos do Bispo Samuel Crowther, de JamesJohnson e talvez at mesmo de Philip Meffre tenham eventualmente rondado asala de aula de E.L. Laebikan na Bahia. Pois a questo acerca do que constituium iorub de verdade est, evidentemente, intimamente associada aos debatesmissionrios de meados do sculo XIX sobre a traduo da Bblia para o que,na verdade, estava para se tornar um idioma sinttico (amplamente compostode vocabulrio egba, estruturado por uma gramtica oyo, atravessado porislamicismos, e assim por diante), o qual alastrou-se apenas gradualmente eintermitentemente atravs do sudoeste da Nigria, seguindo os caminhos dadisseminao das bblias, hinos e cartilhas escolares da CMS (Peel 2000:283-88et passim). Realmente, qualquer que fosse a sua expertise lingstica, Lasebikantambm parece ter passado pelo mesmo ordlio transatlntico, embora ao inverso,que transformou Philip Meffre de um babala brasileiro nascido africano em umcristo iorub. Mas graas aos seus esforos, os critrios que o Bispo CharlesPhilips usou, em 1890, para definir iorubidade a saber: (1) linguagem comum;(2) tradio de uma origem comum, Ile-Ife como bero da raa (citado em Peel2000:286) estavam agora sendo vigorosamente inseridos nos discursos do NovoMundo por sucessores de Lasebikan, j desencumbidos do lastro intelectualcristo que tornara a sua tarefa na Bahia to rdua, mas que ironicamente foraparte integrante da formao inicial da idia de uma nao iorub no sculoXIX no Golfo de Benin.

    O prximo embaixador da nao iorub transcontinental parece ter sidoYai, que desta vez financiado pela Universidade de Ife parece ter agradadotanto a seus anfitries baianos que estes enviaram um pedido atravs daEmbaixada Nigeriana em Braslia para que Yai pudesse ficar mais tempo(Abimbola 1979:635). No inverno de 1975, entretanto, o prprio Abimbola levouo assunto a um nvel mais alto de racionalizao. Consideremos aqui a suaabordagem do irritante tema do sincretismo:

    Um devoto africano dos orixs a princpio surpreendido pelosincretismo das divindades iorub com os santos catlicos. Enquanto

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    um verdadeiro africano interessado na promoo das autnticastradies africanas, uma pessoa pode perguntar-se se o sincretismo algo a ser de fato encorajado (Abimbola 1979:636).

    Ainda assim segundo Abimbola em uma passagem que inesperadamenteressoa com as estratgias pastorais do Segundo Conclio do Vaticano, comendadasem relao s formas sincretsticas latino-americanas de religiosidade popular(embora, claro, de um ponto de vista muito diferente!) tal sincretismo noobscurece a verdadeira mensagem dos orixs ao povo brasileiro, pois dada aatmosfera catlica geral na qual todo mundo tem que operar no Brasil, trata-se mais de uma tendncia exterior do que interior (ibid.). Alm disso,tradicionalistas africanos respeitam a f de outros como igualmente autnticas,e como uma experincia de que eles prprios tambm podem participar (ibid.).

    poca de seus pronunciamentos no Congresso Internacional dosAmericanistas, Abimbola, claro, pode no ter estado plenamente ciente daemergncia, durante os anos de 1960, do que ficou conhecido como movimentoReversionista-Iorub nos EUA. Defendendo no apenas uma agendaradicalmente anti-sincretstica (Shaw & Stewart 1994; Palmi 1995), masadotando uma ideologia reflexiva das concepes distintivamente norte-americanas de uma coincidncia necessria entre africanidade e negritude(conforme localmente concebidas), as formas de identidade-iorub propagadaspela comunidade teocrtica de Ob Ofuntola Oyotunji em Oyotunji, Carolinado Sul, ou pelo Arquiministrio Teolgico Iorub no Brooklyn no subscreviamimediatamente situao que Abimbola enfrentava no Brasil. Como refletiuvinte anos mais tarde, quando ensinando na Universidade de Boston,

    Algumas pessoas sentem que no querem ver nenhum homem branconessa religio. Mas ns continuamos lembrando-lhes de que, paracomear, homens brancos j esto nela atravs de Cuba ou doBrasil, lugares de onde a religio veio para c [i.e., para os EUA]em primeiro lugar! (Abimbola 1997:29).

    Pois, como ele j havia apontado em 1976,

    o ponto importante aqui que, no Brasil, os orixs cessaram de seruma propriedade apenas das pessoas negras. Tanto brancos quantomulatos tambm participam da devoo aos orixs, e h na verdadealgumas pessoas entre as classes de elite cuja sinceridade da devooaos orixs no pode ser questionada. As divindades dos Iorubconhecidas como orixs se tornaram, graas trata de escravos,uma religio mundial, oferecendo um novo modo de vida a muitas

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    pessoas negras e brancas nas duas Amricas e no Caribe (Abimbola1979:636, minha nfase).

    E assim foi. Em uma inverso altamente original das interpretaesprovidencialistas da escravido, comuns tanto a cristos negros na Amrica doNorte desde o sculo XVI (de Phyllis Wheatley a Alexander Crummell) quantoaos saros cristos do sculo XIX (como Crowther e Johnson)58, agora ela tornava-se o meio histrico, no para o surgimento de uma igreja crist negra diaspricacujos membros finalmente trariam a luz do evangelho aos seus obscurecidosirmos africanos, mas para a disseminao transcontinental de uma ReligioTradicional Africana, cujos arautos tinham de ser enviados alhures, de modoque pudessem carregar sua mensagem de paz e conciliao racial atravs doglobo. Aprendemos com o If, diria Abimbola (1997:29) a um acadmicoamericano, Ivor Miller, vinte anos mais tarde,

    Que a cidade de Il Ife a terra natal do Homem. Cr-se que elaseja o lugar onde todos os homens, brancos e negros, foram originadose de onde se dispersaram para outras partes do mundo. Quandouma pessoa vem para Il Ife, qualquer que seja a sua cor ounacionalidade, dizemos Bem-vindo de volta, bem-vindo sua terra.

    Seguindo a interpretao de Abimbola, podemos dizer que quando ele,Mestre Didi e a santera porto-riquenha Marta Vega encontraram-se em NovaIorque em 1981, onde pela primeira vez eclodiu a idia de produzir uma sriede Congressos Internacionais de Cultura e Tradio dos Orixs, sob o patronatode Oni de If, eles estavam apenas avanando sob a forma escrita uma narrativaprovidencial, em elaborao desde o comeo do mundo ou, mais objetivamente,desde pelo menos o comeo dos esforos da CMS no Golfo de Benin em meadosdo sculo XIX.

    Muito mudou desde 1981. E o que mudou lana uma luz profundamentediferente sobre eventos que podem ter transpirado nos quartos dos fundos deuma bodega de Havana de propriedade do prspero comerciante criollo brancoBonifcio Valds, onde o Carlos Ad B e seus desconhecidos colegas babalasafricanos ou criollos consagraram seu primeiro branco filho de If e pai dosegredo (pois isso o que significa o termo babala em iorub-padrocontemporneo). A julgar pelo modo como as coisas esto hoje aps oitoCongressos Internacionais de Cultura e Tradio dos Orixs desde 1981 , adeciso de o Carlos Ad B foi plenamente corroborada. Soubesse ele ou no,o prprio If o havia guiado por caminhos que, atravs de um realinhamentoretrospectivo adequado, hoje nos aparecem como os primeiros passos vacilantesem direo globalizao de uma entidade que nos dias de hoje podemos

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    chamar de uma religio iorub que transcendeu tanto os limites deafricanidade quanto os de raa. Mas ser mesmo? Certamente, a questo mais complicada do que a forma pela qual Ministro da Cultura de Cuba, AbelPrieto, a apresentou na oitava edio desse Congresso, no vero de 2003 asaber, que caberia a todos os terceiromundistas arregimentarem-se em tornodo chamado dos orixs, fornecendo, como de fato ocorreu, um saudvel antdotoao veneno cultural emanando de Hollywood59. Mas, uma vez que o prprioEstado socialista cubano alinhou-se com os prognsticos do If, facilitando aaquisio de uma propriedade em uma parte nobre do centro de Havana por umconglomerado de babalas antenados com a internet e bem conectadosglobalmente, habilmente auto-designados como a Associao Cultural Iorubde Cuba, bem, quem sou eu para dizer alguma coisa? A questo final, portanto,pode ser a seguinte: teria sido Samuel um iorub no mesmo sentido projetadohoje em dia por Wande Abimbola, o Yoruba Theological Archministry ou pelaAsociacin Cultural Yoruba de Cuba? No posso responder a isso. Mas suspeitoque a resposta tenha de ser sim e no.

    Traduo: Ana Paula Lima Rodgers

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    Notas

    1 Este artigo foi inicialmente publicado em Toyin Falola (ed.) Christianity and Social Change in Africa:Essays in Honor of J.D.Y. Peel. Durham, NC: Carolina Academic Press, 2005. O artigo estreproduzido aqui em traduo com a permisso da editora. Gostaria de agradecer a assistncia deJoo Felipe Gonalves na confecco da verso portuguesa deste artigo. (N.T.)

    2 Ironicamente, a resposta provavelmente deveria ser afirmativa para ambos os casos, j que noapenas a prpria noo de Grcia fundamentalmente uma construo do sculo XIX (Herzfeld1982), mas as prprias origens atenienses de Tucdedes so minadas por suas conexes e interesse