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    AQUIVOC ENCONTRAASTRADUES NECESSRIAS COMPREENSO

    DASINTERPRETAESTEXTUAISQUECOMPEMAVERSOBRASILEIRADA

    EXPOSIO SOPHIECALLE cuide de voc. ESTABROCHURADEUSOEXCLUSIVODOSVISITANTESDURANTEA PERMANNCIANOESPAO

    EXPOSITIVO.PORFAVOR, AODEIXARASALA, ENTREGUE-AAUMMONITOR.

    SOPHIE CALLEcuide de voc

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    COLUNA

    Atormentado por animais, ele tateia cegamente para tentar encontrar seu caminho

    Morbidamente instvel, ele como um graveto ao vento.

    ESSAS NO SO AS PALAVRAS DE UM HOMEM ESTVEL,POR CAUSA DO LOUCO

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    COLUNA

    A IMPERATRIZ

    ELA CONTROLA A RETRICA

    Foi com a colaborao da imperatriz protetora dos escritores e a destreza queele tem com a linguagem que ele conseguiu compor essa carta.

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    Lobos uivam para a lua em frente ao reflexo ilusrio

    de uma mulher nua na gua Estamos entre mentiras e iluses,entre o medo do espelho e a fascinao narcisstica,

    entre a confuso e a complacncia.

    ESSAS NO SO AS PALAVRAS DE UM HOMEM SINCERO,POR CAUSA DA LUA

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    COLUNA

    ESSAS NO SO AS PALAVRAS DE UM HOMEM ADULTO E LIVRE,

    POR CAUSA DO ENFORCADO

    Nenhuma das cartas fala de desejo, amor ou lembranas.Em confronto com a confuso da LUA, a distrao e a poligamiado LOUCO, o cansao, a lassido e o desinteresse pelos outros

    do EREMITA, o desespero suicida do ENFORCADO,ele tenta atravs da IMPERATRIZ fazer um ltimo esforo para explicar.

    O que est por trs dessa carta pior do que o que ela diz. a carta de um homem que est desesperado, ameaado,

    que teve que fazer um grande esforo para conseguir dizer alguma coisa.

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    PSIQUIATRAFranoise Gorog

    Um homem Uma mulher

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    LATINISTAAnne-Marie Ozanam

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    Os latinos costumavam se identificar no comeo da carta, e no no final. Eu utilizei ignotuspara traduzirX, que significa, como em Harry Potter, aquele cujo nome no deve ser pronunciado cuius nomen nondicendum est.

    2J que a palavra email obviamente no existe no latim clssico, eu adotei a traduo proposta noLexicon Recentis Latinitatis, publicado pelo Vaticano (Libraria Editoria Vaticana).

    3Para traduzir dizer o que tenho a dizer de viva voz, eu escrevo: dizer, eu presente a voc presente,

    fazendo um pasticho da famosa frmula utilizada por Suetnio (A vida de Tito, VII) quando Tito deixaBerenice:Berenicen dimisit invitus invitam(ele a deixa contra a prpria vontade e contra a vontade dela).

    4Quodam: para atenuar o que seria (o que ) a natureza exagerada da seguinte formulao feita pelocavalheiro: uma espcie de angstia terrvel.

    5Tentei explorar o uso do poliptoto (repetindo a raiz currere:procurrere,praecurrere) para transmitir ametfora do cavalheiro (seguir adiante para tentar super-la).

    6Hesitei na traduo de a quarta. Eu deveria entender literalmente essa expresso e imaginar que ocavalheiro j tivesse outras trs namoradas? Nesse caso, eu deveria ter escrito: ne fieres umquam quarta amicamea(= que voc nunca se tornaria minha quarta namorada). Mas creio que as aspas nos levam a dar expresso um sentido mais figurado (como popularmente se diz ser apenas mais uma, ou servir deestepe ou fazer parte do harm). Para os gregos e romanos, o equivalente seria ser o tritagonista(o terceiro ator), aquele que tem o papel de coadjuvante, digamos (os povos antigos os chamavamde terceiros papis: em latim, agere tertias partes). Para manter a aluso s quatro namoradas, escrevi:representar os quartos papis, que no existe na Antiguidade, mas que, sem dvida, corresponderia aosnossos pobres figurantes.

    7Entendo que essa semana tem um sentido um tanto vago (recentemente). Se realmente quer dizer setedias, exatamente, poderamos escrever: septem ante diebus.

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    Entendo perfeitamente que se trata de procurar pelo telefone (meio de comunicao que eraobviamente desconhecido pelos latinos). Mas, em vez de buscar um equivalente noLexicon RecentisLatinitatis, eu deliberadamente dei ao verbo procurar um sentido de afirmao de autoridade.Evocare a palavra usada quando um general chama seus soldados para voltarem ao servio (= ele os recruta).O cavalheiro procura as suas amigas, que por definio esto sua disposio, quase da mesma maneiraque o dono assobia para chamar seus cachorros.

    9Devo admitir que eu no tinha certeza se a doura com a qual me trata era objeto de apreenderou de sentirei saudade. De qualquer maneira, a frase soa estranha. Apreender a doura no

    muito feliz, mas coordenar o substantivo doura com uma srie de verbos que so complementosde sentirei saudade (deixar de ver falar apreender e sua doura coisas das quais sentireiuma saudade infinita) me parece ainda mais sem sentido. Colocando de forma suave (e sejamos bem--educados aqui!), um zeugma bastante ousado. Alm disso, o cavalheiro est bastante atarefado comsuas negaes. Poder-se-ia dizer: Sentirei saudade, Sentirei saudade da maneira como voc v ascoisas, mas qual o significado de deixar de ver voc sentirei uma saudade infinita? A linguagempopular usa esse tipo de frase s vezes, mas absurdo e impossvel traduzir para o latim. Ento, tive queme afastar do texto para conseguir dar a ele um mnimo de coerncia.

    10Essa sucesso de oraes subordinadas (e muitas vezes relativas) est to texto. Sinto-me na obrigao de

    reproduzi-la, apesar de no considerar isso muito feliz.

    11A irrealidade do passado, ou uma afirmao atenuada? Escolho a irrealidade.

    12Os latinos sempre terminavam suas cartas com uale(continue bem). E um tanto interessante o fatode o cavalheiro ter repetido essa frmula de despedida. No posso deixar de pensar no selo com o qualRodolfo lacra sua carta de separao Emma Bovary, que carrega o dito:Amor nel cor.

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    ESCRITORA DE LIVROS INFANTOJUVENISMarie Desplechin

    A Pena do Diabo

    Sentindo que suas ltimas horas esto prestes a chegar, um pobre vivo pede que chamem seu nicofilho ao seu leito. Meu filho, disse ele, a nica herana que tenho para dar para voc essa varinhamgica que me foi deixada por sua me. Cuide bem dela, pois ela lhe conceder trs desejos. Mastambm tome cuidado, pois o Diabo a enfeitiou. Ao pronunciar essas ltimas palavras, ele se foi, eseu filho ficou profundamente triste.

    Chorando copiosamente, o jovem cortou dois troncos de carvalho e fez uma cruz. Depois, laboriosamente,cavou no cho duro um buraco grande o suficiente para enterrar seu pai, fincou a cruz no solo rido e rezoupara Deus receber a alma de seu pai no Paraso. Ao final do ritual, ele inspecionou sua terra. O solo era fino

    e havia pedras por todos os lados. Sob o sol escaldante, a grama crescia to rala e amarela que no serviriapara alimentar uma cabra sequer. O jovem colocou seus poucos pertences em uma sacola, pegou a varinhamgica e partiu, deixando a cabana para trs. Ele pegou a estrada, pois qualquer coisa que lhe aguardasse aofinal da jornada no poderia ser pior do que o destino que lhe estava reservado, caso ele ficasse. Pelo menosera isso o que ele pensava, pois era jovem e acreditava que havia um futuro melhor sua espera.

    Aps andar trs dias e trs noites por uma paisagem rida, encontrando apenas gafanhotos e corvos pelocaminho, ele estava to faminto que foi acometido por uma grande fraqueza. Sentado sombra de umarbusto cheio de espinhos, ele se preparava para a morte quando seus olhos pousaram sobre a varinhamgica. Que me importa se voc foi enfeitiada pelo Diabo?, ele disse a ela. Um homem que se preparapara a morte no pode esperar mais nada do Paraso. Que utilidade voc ter depois que eu for apenas uma

    carcaa seca debaixo de um junpero? Quando ele terminou de falar, a varinha comeou a tremer. D-mealgo para comer, ordenou o jovem, e sacie a minha fome at eu chegar ao meu destino.Imediatamente, os arbustos ao seu redor comearam a reviver e ficaram cobertos de doces e suculentasfrutas que ele nunca tinha visto. Um crrego nasceu no caminho, preenchendo o ar com seu suavemurmrio, e o jovem precisava apenas se abaixar para beber da sua gua, cristalina e perfumada. Ao saciarsua sede, ele se levantou e viu uma garota andando em sua direo. Ela carregava uma cesta cheia de avesassadas e um tipo de picadinho que lhe foi oferecido sem que ele precisasse pedir. Depois de satisfeito, nadadesapareceu: nem o crrego, nem as rvores, nem a garota; ao contrrio, eles reapareciam durante o percurso.Se o Diabo to generoso me dando comida, pensou o jovem, ento o Diabo meu amigo. E todoo medo que ele antes sentia desapareceu.

    Mais trs dias e trs noites se passaram e o jovem continuava a caminhar. A estrada era sinuosa e levavade um pomar de pssegos a um pomar de cerejas, mas, em meio a tudo isso, ele no encontrou qualquervilarejo ou aldeia ou pessoa, a no ser a garota da cesta que no falava uma palavra. Ele tinha a sensaode que a estrada se repetia, pois apareciam sempre as mesmas coisas, como se ele desse infinitas voltas napraa de um vilarejo. Ele foi tomado de um grande cansao e sentou-se. Para que continuar, ele disse,se eu apenas me canso nessa estrada que no d em lugar algum?

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    Ele estava quase se entregando ao desnimo, quando olhou para sua varinha mgica. Ah, coisinhado Diabo, ele disse, tire-me deste crculo vicioso e leve-me para um lugar charmoso e agradvel,onde eu possa conhecer pessoas de quem eu goste! Ele pensou ter visto a varinha se curvar, como seconcordasse e, quando fitou novamente a estrada, ficou encantado em ver que ela era agora uma reta.A menos de cem metros estavam as primeiras casas de uma cidade cujas torres e campanrios emergiam

    no horizonte, e de longe ele ouvia um alegre som de sinos, rgos e fanfarras.Se o Diabo to generoso a ponto de me dar companhia, pensou o jovem, ento, o Diabo meuamigo. E nasceu nele um sentimento de gratido pelo Diabo.

    Apesar das roupas empoeiradas, o jovem rapaz estava bem alimentado e cheio de esperana, ento, eleparecia disposto e saudvel ao chegar cidade. As pessoas da cidade, todos muito bonitos e vestidos deacordo com sua bvia riqueza, o receberam da forma mais calorosa que existe. Todos queriam saber quemele era e bastava ele comear a falar para que as pessoas corressem em sua direo para aplaudi-lo. Ele maltinha passado pelo porto da cidade e todos j queriam lhe dar as boas-vindas, lhe oferecer acomodao,convid-lo para refeies. Ele ficou amigo de todos, especialmente das garotas que pululavam ao seuredor. Ele escolheu trs delas para serem suas namoradas e elas nunca mais o abandonaram, encantadas

    com o fato de serem as favoritas. O jovem rapaz pensou ter chegado ao apogeu. Ele trancou a varinhamgica em um armrio, a varinha que tinha sido responsvel pela sua felicidade.O que mais eu poderia pedir a voc?, ele disse. Voc me deu tudo o que eu poderia desejar.

    Naquele momento, um profundo silncio se abateu sobre a cidade e todos os olhares se desviaram dele.Em todo lugar, os transeuntes abriam caminho. Nas ruas, estava formada uma imensa multido e todosos olhares estavam fixos no castelo. O jovem rapaz se perguntava que tipo de evento explicaria essefervor, quando viu uma procisso de homens de tnica precedida de centenas de tocadores de tambore rodeada por um batalho de mulheres armadas. No centro da procisso, sentada em um brilhantepalanquim apoiado no ombro de oito homens enormes, estava uma mulher cujo cabelo negro eracircundado por uma coroa de ouro. Conforme avanava, a Rainha sorria e acenava para seus sditos.Convencido de ser o mais encantador de todos os homens, o jovem rapaz esperou que ela parasse paracumpriment-lo, mas o comboio passou e a Rainha sequer desviou o olhar. Foi como se ele no existisse.Ao expressar sua surpresa a uma das suas trs amigas, ela logo o tranquilizou: A Rainha sai todos osdias. Se ela no o viu hoje, tenha certeza de que amanh o ver.

    Mas nem no dia seguinte ou no outro, nem nos dias que se seguiram, o olhar real dignou-se pousar sobreo infeliz rapaz. A procisso passava e a Rainha o ignorava, e ele ficou to irritado que perdeu o apetite eno conseguia mais dormir.Para que viver, se a Rainha sequer sabe que eu existo? Eu deveria ter ficado nas terras de meu pai, ondeno havia ningum para me desprezar.

    Ento, ele correu para a casa onde morava, tirou a varinha mgica do armrio e bateu violentamentecom ela no cho por trs vezes.Em nome do Diabo, ele gritou. Eu quero que a Rainha me ame! Este o meu ltimo desejo,independentemente do preo que eu tenha que pagar!

    O Diabo, que cochilava nas profundezas da Terra, dentro de uma fenda cheia de pus, poeira e sangue, abriuum dos olhos e levantou-se alegremente. H muito tempo ele no tinha muito que fazer na Terra, j que

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    tanto Deus quanto o homem invadiram um pouco o seu territrio, fazendo o mal to bem quanto ele.Ultimamente, lhe restava apenas esperar pela oportunidade de fazer um ou dois feitios, e isso ele podiafazer dormindo: nada mais natural para o Diabo do que criar uma galinha para alimentar os famintosou alterar estradas para fazer as pessoas se perderem. Em outras palavras, ele estava feliz por ter sidochamado. Ficar desempregado to chato para o Diabo quanto para qualquer um.

    Os golpes com a varinha tinham aberto um buraco profundo at a crosta da Terra e o Diabo entrounele para subir em direo luz. Seu rosto surgiu na superfcie e ele sorriu para o rapaz.Ol, ele disse rapidamente, eu sou o Diabo. Fui muito bem treinado, tenho timas referncias eposso comear imediatamente. E posso ajudar voc mais do que voc imagina.O rapaz deveria ter desconfiado, pois o Diabo nunca d alguma coisa sem pedir outra em troca e, emgeral, o preo a ser pago a vida do pobre coitado que recorreu a ele.Eu irei com voc, sugeriu o Diabo. Afinal de contas, ele no tinha nada melhor para fazer e estavacontente com a ideia de poder se divertir um pouco. Eu a farei amar voc.Feliz da vida, o jovem rapaz beijou o crnio peludo que saa do cho.Mas, ele acrescentou perfidamente, se o seu amor vier a acabar, eu nada poderei fazer por voc.

    Ele nunca acabar, protestou o jovem rapaz, porque eu sou uma daquelas pessoas cujo amor eterno.Como desejar, meu rapaz, concordou o Diabo. E rapidamente, ele emergiu do cho na forma de umganso com penas de cor cinza e negra, alm de um bico pontudo e afiado.Daquele momento em diante, o ganso nunca mais saiu de perto do jovem rapaz e os dois eram vistosjuntos o tempo todo pela cidade, juntamente com as trs garotas apaixonadas.

    O jovem alimentava o ganso com as melhores comidas, lhe deu uma poltrona macia para dormir eperfumava suas penas, que s vezes exalavam um odor de putrefao do subsolo. O Diabo nunca tinhasido to paparicado e no fez questo de agir com pressa. At que um dia, o jovem rapaz, cansado dever que a Rainha no se dignava olhar para ele, pegou o ganso pelo pescoo.Faa com que ela goste de mim ou eu baterei em voc com a varinha at suas penas sarem voando em

    todas as direes!Largue-me, gemeu o ganso, e eu resolverei tudo para voc. Com o bico, ele puxou trs penas dassuas asas.Com a primeira, voc desenhar um retrato seu que ser enviado para a Rainha. Com a segunda, vocdesenhar o retrato dela, a ser enviado para ela no dia seguinte. Com a terceira e ltima, voc desenharo retrato de vocs dois juntos e enviar no outro dia. E na manh do quarto dia, ela amar voc. E digoisso com a mesma certeza que tenho de que sou o Diabo.

    O jovem rapaz partiu para o trabalho. Ele se colocou na frente do espelho, parou, molhou aprimeira pena na tinta e desenhou suas prprias feies em uma folha de papel branco da melhorqualidade. Apesar de no ter qualquer experincia, sua mo deslizou no papel, desenhando um retrato

    perfeitamente parecido com ele. O ganso o observava com um ar maldoso, balanando levemente suapequena cabea; e, a cada movimento, o desenho tomava forma e parecia ganhar vida. Ao terminar, ojovem rapaz o contemplou com orgulho.Quem imaginaria que eu fosse to talentoso?, ele perguntou ao ganso. E, naquela mesma noite, eleconfiou o retrato primeira de suas amigas para ser levado Rainha.No dia seguinte, ele colocou em seu cavalete um pequeno retrato da Rainha. Era uma gravura feita poralgum artista da cidade e que podia ser comprada na rua a preo de banana. Ele pegou a segunda pena

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    do ganso e com a mesma facilidade do dia anterior, em poucas horas, desenhou um retrato to bonitoque parecia vivo.Meus retratos tm mais vida do que a prpria vida, ele exclamou com entusiasmo.A segunda amiga concordou em lev-lo ao palcio.

    No terceiro dia, com a terceira pena, em poucos minutos ele desenhou o retrato duplo no qual estavao seu rosto, juntamente com o da Rainha. Eles eram to bonitos, e seus olhos eram to cheios delealdade que, ao v-los juntos, era impossvel imagin-los separados.Rpido, leve para a Rainha o retrato que eu fiz, ele disse, entregando-o a sua terceira amiga. Destavez ela no tem outra escolha, a no ser me amar, pois sou um artista incomparvel. Ele continuou afalar sem parar sobre seu dom para pintura, mas, na verdade, tudo era trabalho do Diabo.

    No quarto dia, o cortejo real parou ao se aproximar do jovem rapaz. Inclinando-se para frente, aRainha o convidou para se juntar a ela no palanquim. Ele subiu e sentou-se bem perto dela, semdar a menor ateno para as suas amigas ou para o ganso, abandonando-os como se fossem traposvelhos cados de sua mala. O ganso e as amigas o observaram desaparecer ao longe. As garotas

    choraram, mas o ganso abria e fechava o bico avidamente, seus olhos brilhavam como diamantese suas penas se arrepiavam.

    Assim como todos os seus sditos, a Rainha era bela e carregava os atributos da sua riqueza comgrande elegncia. Ela governava seu reino com sabedoria, administrando favores e puniesdevidamente. Mas, s vezes, ela sofria com o tdio, pois seus dias eram todos iguais: sempre a mesmahistria de governar sabiamente, administrando os favores e as punies e saindo em procisso paraver seus sditos. A chegada dos trs retratos, a surpresa que lhe causaram e a admirao que ela sentiufizeram com que ela se apaixonasse pelo jovem rapaz. Ela o cobriu de bondade e lhe ofereceu todosos prazeres da corte. O jovem ficou mimado com seu amor, orgulhoso de ser o amante de uma rainhato bonita; mas ele estava com ela h apenas trs dias, quando comeou a temer que seu embuste fosserevelado e que sua felicidade lhe fosse arrancada.Sem a ajuda do ganso, ele no poderia atender aos pedidos de sua amante por mais retratos. E por sesentir fraco e desprotegido, ele comeou a desejar que a Rainha ficasse mais fraca e desprotegida ainda,para mant-la sob seu poder.

    Com o intuito de deix-la mais dependente, ele pediu a ela que cortasse um de seus braos para lhe darde presente.Ento, eu terei a mais completa prova do seu amor, ele disse, abraando-a.A Rainha, que o amava de perdio, cortou seu brao direito e o mandou para ele em uma cesta decedro. O jovem rapaz se deu por completamente satisfeito, mas sua paz no duraria muito tempo. Foi

    em vo v-la de vestido real, com uma manga solta flutuando ao seu lado: ele ainda temia que ela oabandonasse. Ento, pediu a ela que arrancasse um olho e desse de presente a ele.Ento terei finalmente certeza de que voc me ama mais do que qualquer coisa, ele disse a ela.A Rainha chamou seu cabeleireiro para arrancar seu olho direito e, depois, mandou coloc-lo em umacaixa de jacarand a ser posta no travesseiro do jovem rapaz. Mais uma vez, ele sentiu apenas um brevesentimento de gratificao: foi em vo olhar para o rosto dela e ver a cavidade do olho vazia, pois omedo de ser desmascarado lhe tirava toda a paz de esprito.

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    Mas pelo menos ser por escrito, dizia a carta.Como voc pde ver, no tenho estado bem ultimamente. Jamais menti paravoc e no agora que vou comear. Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situao que voc sabe to bem quanto eu

    ter se tornado irremedivel. Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente. Cuide de voc.

    Enquanto o jovem escrevia, o ganso, que estava debaixo da mesa, no parava quieto.Eu no sabia que tinha tanto talento para a escrita, suspirou o jovem rapaz ao reler e lacrar sua carta.

    Ele estava muito orgulhoso, mas isso tinha sido trabalho do Diabo.No tente encontrar a Rainha, ele aconselhou o ganso ao lhe estender a carta, pois eu temo que elatente se vingar e tente empalh-lo. Deixe a carta em um lugar onde ela possa ach-la e volte para meencontrar, pois agora eu preciso de voc mais do que nunca. O ganso pegou a carta no bico e voou emdireo ao palcio.

    A Rainha ainda estava em seus aposentos, deitada na cama, sentindo-se terrivelmente triste. Ao ver suajanela se abrir e um ganso negro e grande entrar, ela logo imaginou que o destino do seu amor estava selado.Voc um mensageiro do mau agouro, ela disse, virando seu belo rosto na direo dele. E eu sei anotcia que voc traz.Ah, no, respondeu grosseiramente o pssaro. Voc no sabe de absolutamente nada. Espere para ler

    esta carta antes de dizer o quo infeliz voc est.Por que voc to malvado?, perguntou a Rainha em um tom amvel e curioso.Eu no sou malvado, disse o ganso. Eu sou o Diabo.Ele a deixou ver o contedo da carta. Ao ler, em vez de chorar ainda mais, a Rainha ficou vermelha de raiva.Maldito!, ela exclamou. Eu dei meu brao, meu olho e minha liberdade a um escritor de cartas covarde.Ela agarrou o ganso pelas pernas e o segurou de cabea para baixo.Voc no o Diabo, ela gritou. Voc no passa de uma ave domstica vulgar e eu vou empalh-lo.O Diabo no estava com medo de ser empalhado, mas com muita raiva por ser caluniado daquela maneira.Eu sou mesmo o Diabo, ele protestou, e eu vou provar a voc. V e pegue para mim as trs caixasque voc estupidamente deu ao seu amante, e eu lhe devolverei tudo!

    A Rainha fez o que lhe foi pedido e o Diabo lhe devolveu seu brao, seu olho e sua liberdade.E agora, disse a Rainha, devolva-me ele, porque eu quero ter uma retribuio altura.Boa senhora, disse o Diabo, a senhora pode resolver sozinha essa questo. Estou cansado de tudoisso e vou para casa.Rapidamente, o ganso assumiu a forma do Diabo, que parece um homem de pernas arqueadas e patasde cavalo. Um abismo abriu na sua frente e, sem hesitar por um segundo sequer, o Diabo mergulhoupara dentro dele. Ele mal tinha desaparecido quando o abismo fechou novamente. Foi como se o Diabonunca tivesse sequer pisado na Terra.

    O jovem rapaz esperou o retorno do ganso. Ele estava ansioso para saber como a Rainha tinha reagido

    carta e esperava sinceramente ter-se livrado dela para sempre. Ao ouvir um barulho na sua porta, ele correupara abri-la, mas, em vez do Diabo, l estava a Rainha, rodeada pelas mulheres armadas de seu batalho.Traidor!, ela explodiu. Mentiroso covarde!As mulheres pegaram o pobre rapaz e o arrastaram, sem dar ateno s suas lgrimas e splicas, para serempalhado na cozinha real. Durante suas procisses dirias, o prazer da Rainha era exibi-lo entre seustocadores de tambor, com o objetivo de causar espanto em seu povo e assegurar que no futuro ningumprovocasse a ira real com cartas insensatas.

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    JUZAX.

    Um jurista ver essa carta como a ilustrao dos princpios fundamentais do nosso direito civil, pois ela

    se refere concluso e execuo de contratos.

    O que um contrato? um acordo voluntrio entre duas pessoas, cujo consentimento deve serlivre e ciente, para criar certa situao e organizar de forma precisa as regras segundo as quais elafunciona. Cada parte contratante entende que se beneficiar do contrato, mas, em troca, estarsujeita a certas obrigaes.

    O recipiente desta carta estabeleceu uma condio na concluso do contrato amoroso com oremetente: a amante no deve se tornar a quarta. Est claro que o amante achou essa condio umtanto severa desde o incio. Entretanto, ele a aceitou, ciente de que, sem tal compromisso de sua parte, o

    contrato no teria sido concludo.

    Aps honrar o contrato por algum tempo, o amante est a ponto de quebrar essa clusula fundamentaldo contrato, de forma irreversvel. A parte cocontratante ter o direito de usar isso como base parapedido de resciso, ou seja, anulao do contrato.

    Ento, por honestidade ou convenincia, o autor da carta antecipa a resciso do contrato.

    Um jurista tambm chamaria ateno para a extrema contratualizao do relacionamento, pois nos as leis que regem o relacionamento foram precisamente acordadas, mas tambm as regras queregem a consequncia do mesmo: o relacionamento amoroso no poderia ser seguido de amizade

    em hiptese alguma.

    De maneira geral, esta carta ilustra claramente o fato de que a forma como uma relao amorosa conduzida no muito diferente da negociao e execuo de um contrato de aluguel comum. Vinda deum jurista, tal afirmao no deveria ser vista como um sinal de cinismo; pelo contrrio, ela expressa ointeresse, a riqueza e a sutileza com os quais eles creditam os relacionamentos amorosos.

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    ETNOMETODOLOGISTABarbara Olszewska

    Ruptura sentimental, ruptura tecnolgica?

    __: (clic clic clic) no dia em que deixssemos de ser amantes,____________________ [clic clic clic clic clic] (perda de texto,rpido deslizamento em aclive, atividade de pesquisa) seriainconcebvel para voc me ver. Voc sabe que essa imposio me parecedesastrosa e injusta (j que voc ainda : v_________ B___ e R____) {e compreensvel(obviamente)} (omisso);____(clic) com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.Mas hoje, voc pode avaliar a importncia da minha deciso (clic) uma vez(clic) que estou disposto a me curvar diante da sua vontade,pois deixar de ver e de falar com voc, de apreender o seu olharsobre as coisas e os seres e a doura com a qual voc me trata__(clic)-- so coisas das quais sentirei uma

    saudade infinita. _________[clic clic clic clic clic](nova perda)

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    PAREDEDAESQUERDA

    ESCRITORA DE CARTASRafale Decarpigny

    ,

    H muito tempo voc foge de tudo, em direo sua prpria destruio e, para mim, sua carta aconfirmao. Mas suponho que voc saiba disso No h nada que eu ou qualquer outra possa fazer.

    Eu poderia expressar incompreenso, tristeza, raiva. Eu poderia lhe dizer que apenas o fato deresponder a essa mensagem seria demonstrar interesse demais. Eu poderia lhe dizer que teria preferidouma boa conversa aberta (?) a essa prolixidade na qual voc mergulha, como que para esconder suaevaso e as razes para ela.

    E bem.No, eu nem cogito ver voc. E voc entender que eu queira manter a maior distncia possvel

    entre ns. No haveria sentido em iniciar algo que seria apenas uma prolongao de nossas despedidas.

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    PAREDEDAFRENTE

    ESCRITORA DE PALAVRAS CRUZADASCatherine Carone

    HORIZONTAIS

    1. Neologismo desesperado do amante que se v em meio aos tormentos do amor. Acordo no Kremlin.2. Fil mignon. Assunto cotidiano, sofrimento para o autor da carta. Podemos imaginar o prazer que elesente. Um solitrio que ela gostaria de ter para si.3. ltimo recurso do amante abandonado. Emoo provocada por uma repentina tempestade nas guascalmas do amor. Possessivo.4. Artigo. Apago as chamas do amor. Escolher entre as Outras.5. Mudou de tom. O autor da carta se colocou atrs dele. To difcil de engolir quanto uma carta derompimento.6. Mostra elevao. Pai de Hedda Gabler. Variante de No me deixe!

    7. Abandonada s pressas por causa de outros prazeres. Ocupava o ocupado. V rpido!8. Que est na moda. Ela o amava, ele a amava, mas era temporrio. Terra natal de Abrao. Santo dosPireneus.9. Futuro prximo quando o choque do rompimento no passar de uma vaga memria. Ingnuo.Conjuno. Chegaram ao final.10. Boa ao. Cortado na base. Prefervel ao autor da carta s astutas artimanhas do jogo amoroso.11. Por um fio. Pequeno circuito. Presente no sangue.12. Suportar. Mulher de coral. Provenal, OK.13. Seu lugar certo entre o 5 e o 7. Lugar raso na costa. Ouvido em caravanas de nmades.14. Passo crucial para o amante forado a terminar. Item de bazar.15. As posies do amor abominadas pelo orgulhoso escritor da epstola. Jovem em sua primeira viagem

    ao redor do mundo. Oleaginoso.16. Fim do dia. Escala de msica. Privada de um prazer. Eminncias marinhas.17. Se apossar do bem do outro. Entrar na arena. Iniciais papais.18. A serem banidas para a exclusiva vantagem da NICA. Como o efeito do grande amor antes dochoque da separao.

    VERTICAISA. Nunca mais. Profundamente emocionada.B. Sem roupa ntima, pronta para o amor. O boi antes da carroa. Produtos do cotidiano. Desencadeouum contra-ataque.

    C. Promessa de jogos amorosos. Ato de autoridade. Forma de poder.D. ltima palavra. Como o autor da carta antes de ser possudo pelo demnio da disperso. Bom paraservir ou no presta para mais nada.E. O que cruel recusa essa alternativa possvel depois do amor. Campo de sereias. Possessivo. Dar o dia.F. Pea montada no Japo. Possua. Que te pertence (fem.). Contar lenhas. Esquadro.G. Um lugar que a inspirao da carta julga ser indigno dela. Restos no caixo. Prolas cultivadas.H. Indispensvel para colocar os votos. Bonito de se ver. Pele com sulcos.

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    I. Para o apostador ou alcolatra. Agradvel ou muito desagradvel na boca.

    J. Fica com a melhor parte. Comear um processo legal. Poema antigo. O indiano muito apreciado.K. Em todo o seu esplendor. Agente da percepo. Sempre se apresentando em Paris.L. Pronome. Pergunta sobre lugar. Cai bem. No ar ou na gua.M. Experimentar. Palavra de reconhecimento. Traz gua para o engenho.N. Velocidade de cruzeiro. Duro como ferro. Debaixo de um colcho romeno.O. Senhora do jogo, falsa vtima de um rompimento pelo qual ela certamente esperava.P. Balano desse rompimento: o duplo fracasso da amizade e do amor. Originrio.Q. Completamente chatas. Apresentao. Pronome.

    TRADUO DAS RESPOSTAS

    HORIZONTAIS

    1. Desassossego. Sigla: Desejos para o Futuro.2. Restaurante. Amor. Piolho de cobra. Verme.3. Recuar. Angstia. Sua.4. O. Extingo. Triar.5. Alterou. Muro. Amargo.6. Ergue. Ibsen. Fique.7. Largada. Servio de Trabalho. Saia.

    8. In. Amante. Ur dos Caldeus. P.9. Depois. Inocente. E. Descobriram.10. BA. Raso. Honestidade.11. Ligada. Volta. Ureia.12. Sofrer. Contralto. Sim.13. Seis. Esturio. Romani.14. Deciso. O.15. Farsa. Debutante. Prmula.16. UR. UT. Prejudicada. Ilhas.17. Usurpar. Tourear. Sua Santidade.

    18. Outras. Benfico.

    VERTICAIS

    A. Irremedivel. Comovida.B. Nua. Biso. Pes. Armou.C. Prazer. Decreto. Controle.D. Gemido. Generoso. Cozido.E. Amigo. Mar. Sua. Datar.F. N. Tinha. Tua. Medir em estere. T.G. Quarta. Ossos. Mergulhadas.

    H. Urna. Belo. Enrugada.I. Gin. Morango.J. Leo. Acionar. Lai. Vero.K. Radiante. Tato. Odeon.L. Eles. Onde. Orna. Re.M. Testar. Recibo. Barragem de acumulao.N. Velocidade econmica. Cromo. Leu.O. Sophie Calle.P. Desastroso. Oriundo.Q. Niveladas. Sesso. Se.

    NT: Algumas solues no foram traduzidas, pois se tratam de cavilhas: palavras falsas criadas apenas para

    completar o jogo, muito comuns em cruzadinhas de lngua francesa.

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    JOGADORA DE XADREZNathalie Franc

    O preto desiste.

    O jogo no poderia ter continuado? Olhemos com mais ateno.

    Ele o Rei preto. Ele frgil, malprotegido por seus Pees, exposto s ameaas das peas brancas. Eleno est em xeque-mate, ele no est sendo diretamente atacado, mas isso poderia acontecer em breve.Ele no o ser: ele est deitado, o que significa o final do jogo j perdido.

    Com ele, as trs Outras: trs Torres. A Torre, uma pea neutra. A segunda pea feminina, muitomenos valiosa e poderosa do que a Rainha. Pode-se ficar fascinado pelos Pees, que tm o poder de setransformar; pelos Cavalos, que podem se mover sobre as demais peas; pelo Bispo; pela Rainha, quetem o maior campo de ao; mas raramente pelas Torres, com seus movimentos previsveis, funcionaise eficientes, em linha reta.Que tipo de jogador de xadrez diria que sua pea favorita a Torre?

    Trs Torres, ento, porque no sabemos nada sobre os movimentos neste jogo. Tudo o que podemosver a posio final. Trs Torres. Um cenrio incomum, mas possvel. Algumas decises estranhasdevem ter sido tomadas para se chegar a esse ponto.

    Um Peo preto, tambm: proteo frgil e mnima que talvez pudesse ter mudado tudo se tivesse tidoa chance, se o Preto no tivesse desistido do jogo prematuramente.

    Em frente ao Rei preto, est o Rei branco. Ela. Seu alter ego. Diferente e semelhante. Aqui, o Reibranco avanou no tabuleiro e est protegido por outras peas. Cavalos prximos a ele, Bispo na longadiagonal: parece seguro. Mais frente, Pees que avanaram bastante. No xadrez, cada Peo tem aesperana de evoluir; a nica pea cuja condio pode mudar! Aqui, os Pees brancos avanaramjuntos, como uma promessa de mudana. Ser que eles assustaram o Rei preto de tal forma que ele noconsegue considerar sua permanncia no confronto?

    a vez das peas pretas jogarem. A posio final no era clara. Ela mudaria, a cada jogada.Um jogo de xadrez no pode parar no tempo. Cada lado faz suas escolhas, s vezes de forma intuitiva,s vezes depois de pensar muito, sem conseguir calcular todas as consequncias. Porm, difcil no searrepender dos erros cometidos quando se perde o jogo.

    Dizem que nunca se deve desistir no jogo de xadrez. Que um jogo s deve acabar com o xeque-mate.

    Aqui, a nica sada teria sido sacrificar as Torres pretas, mas no podemos saber qual seria a reao decada lado.

    O Rei preto est deitado.

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    OFICIAL DA INTELIGNCIA FRANCESALouise

    Carta codificada de acordo com o sistema do cdigo de Vigenre.

    A palavra-chave escolhida para a codificao foi Rompimento.

    IMYTB,FS GODTKQVVT AVZTDZ OSAOSIGMG KAQ IHQV S PXHQV B JIV HQCPA E QBNVF PT DUZN OCQ.

    AMH XQPB FSECE HMD TBK SJQDXBA.GBFC MCOT XPI IXF, EC FTVTS RLHRRA QMY YYMWDOYTVFI. R VCDC ET VA QRKSTCZWMOIFLS EO YXVTE CKDIWM TFUWGXBTWM. JUM IFISTWQ SM MRTLHZO FTZDZRE,QFBFGI M UHTZ EC BDAES STNVF SGIZHR VCZGM, HMZS FXULWD PLUEAMS GODP BQRGTF

    JIBTZ-XE, PHAF GQBXDI SBN. HIMCLA RBL QFBTTKQQBL, JFQQ XUBW HFO TCZSQA: RBLSI O CJIDXN. XI DOZIQHI B FSL QABXDSZBGJC: T BMEIF WSZLQX LQ ZRK OJ CGIZMW, AHOTVMCLA SOOWRAQCBQ YZ FSZC PT DQ-PNL, GVA RPHQV QX JFQQ JUM HREOJ.

    OOWMU UHX WJGA QIEXNLGV; OOWMU UHX ODOD KWOI R H GVI MBWD WRKWRAEJNUGVXBKSE EIDE DNS R OZVAFMN JIV AQ UIL WRFDIS CJMDIE UIJQMG WGXEHGYCDXHARGXG V AQ XUBIQX RV GQG BDEAJIZZA T, AQQ QOWUO, PT AQV FBAGZQHUQRGXTVZUO M SIAXFFGA, HM MUHBSKOEHM OSZ H GVI ODVFEGH S EO OTZFIMT RV EGT WMQBK ELS HDKQ XRF DFF YXU RSV H ARWE QMZISBQF DMGI YMZ, H ARWE QMZISBQF EGTRMQNBG KWHT, DAGR LOSS PXAES. NVVVW CJM M IFVFZHM HMDMN NA ISYTLUS, DNS DSGSMEEFLCJGQVW EI QBGJCXKMDMN GSCO BPZM IAVCEHDPZ HSPX.

    ARG ZD. MEXBN DZCD PQZHN; GC KSZWW OSAWWVG ETYGIE WS CVQ TFBPVVOI CQHBMHB XA HIQ BM QRPHBKFA. TVFS, RLHR GQBIZE, PHAVQQX I BVBVIIOD PA AYGKOJ.S ETQ NIZ H ELS UHAA WVZBZTURI BEET AZA Q TU CYR MWGC PT KUGYH SJHAJ MZXETBUC.

    VPUMMF FSEHU EIDE IHQV S ZD M MKBKO HIQ KWG GBFSRF.TDCHI HFO FIFGI DITKO HIQ KWOI VFDJ BA XVOMB WS ECEHI TMFMFZO: ZD LUE RF ELS

    PTQJWFXAFG PT AQV NFOEHQH, AQVVT WEQACKQFIXZ GODP DAGR FS MSD CWHEZXBKS.HDKQ WNUS HIQ TAEE VFDFGUD UQ TNKSTS PTAMWGKCJO, UCRGWGT (XA HIQ KWOINBBUO HT J., D.,) I PHAGFQTVEZRE (CSJUPUQRGX); QFA UHAA, NNFOZG BDLQVVT AVHAGVMV FXI RAUVW.

    YEF ACAS, HDKQ TBWS RJMAQMV N BAGCDIVOMN WO DWZWI PIPBGF, IYP DQD DNS VGFDCPMFICJHA P UQ GHKJRF PXIZXR WO JIM KWZXNWS, GCUH LQMKTF US HTZ HSPX S US RPTMVPHA MCOT, LQ ECKSVBPTZ A WRN CCVMG AAFEX OJ QAXAMW R HG JSDTA Q E QHIIO ODUM UHTZ MCOT UQ XETHR GA RWUWNL RRG CJIUW FXBKWDTQ GQN LOLRMSM URSBBZHM.PKARGXO F EGT IOSAMSTSD, HIUFN JIV BGCKM HRBLRFQX LQ EZTF MCOT LM QNGSZFM FCQ

    WRFDIS MBMU HRLRV EGT VAW PHBYSOTUAW, R XGJS MBWD WR XGKSZSMD IZ FWD S, FTVTSPXFKSLP, RMQNBG DCDGMD.QNL VFXQ, HMDMN T DZCD SIE JNKGRG YPVFIE NAR GUICMS DNS MCOT AMFR MC SSY

    FCMRGH SL HQG AQ XBKBRRA XZDIZXRZJQA, UQWZH QFA FDLA S NFCI EGT AQRGBAFG GBXQPB HIKFA. T M VYFMODSZIM QWFX ODCD FCQ QR HPIWSP I EIE ACESEIW OSZ OCTS YPQE

    YZT JVN, ODUA PGBAR DDDDM HB JIV VAJDQ IAMFV BE T YGI CXFDOZTKQV ABQF.UAHBMVVT ELS MH KAMFTG KWHTAEIZ MCDOPD CY VHFC UWRTZQRGX.QLWPT LQ ZBVS.

    O

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    CONSULTORA DE ETIQUETA E PROTOCOLOAliette Eicher, Condessa Von Toggenburg

    Sophie,

    O ttulo um tanto descuidado.

    H algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu ltimo email.Ele deveria ter respondido imediatamente.Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com voc e dizer o que tenho a dizer de viva voz.Frase desajeitada: pesada e deselegante.Mas pelo menos ser por escrito. E da?Como voc pde ver, no tenho estado bem ultimamente. Coitadinho! como se no me reconhecesse na minha prpria existncia. No nos interessa; ele no deveria falarde si.

    Uma espcie de angstia terrvel, contra a qual no posso fazer grande coisa, seno seguir adiante paratentar super-la, como sempre fiz. Essas coisas deveriam ser guardadas para si. Ele no deveria exibirsuas pequenas preocupaes.Quando nos conhecemos, voc imps uma condio: no ser a quarta. Que feio! A dama nuncadeveria ter tido necessidade de impor condies. Ele prprio deveria ter feito essa oferta, e com amaior discrio.Eu mantive o meu compromisso: h meses deixei de ver as outras, no achando obviamente um meiode v-las, sem fazer de voc uma delas. Que grosseria mencionar novamente esses relacionamentos, e um insulto ele sugerir que a Senhora pudesse ser uma delas.Achei que isso bastasse; achei que amar voc e o seu amor seriam suficientes para que a angstia queme faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dvida, de ser

    simplesmente feliz e generoso, se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que voctem por mim foi o mais benfico para mim, o mais benfico que jamais tive, voc sabe disso. A frase malconstruda, e ele est falando com a pessoa errada: o amor no deveria ser usado como remdiopara o mal-estar dele e a Outra no est l para cur-lo. Ao contrrio, ele deveria estar cedendo, estarenaltecendo a Outra, elogiando-a e respeitando-a.Achei que a escrita seria um remdio, que meu desassossego se dissolveria nela para encontrar voc.Mas no. Estou pior ainda; no tenho condies sequer de lhe explicar o estado em que me encontro.Nunca use expresses excessivamente egocntricas e pomposas acompanhadas de mim, meu eeu, como em meu desassossego e o estado em que me encontro.Ento, esta semana, comecei a procurar as outras. E sei bem o que isso significa para mim e em que

    tipo de ciclo estou entrando. Esses comentrios so inteis, ofensivos e humilhantes.Jamais menti para voc e no agora que vou comear. Bom, mas ele poderia ter economizadoessas enfticas declaraes de honestidade e todas essas justificativas que mal conseguem mascarar atremenda falta de considerao que ele tem pela Outra.Houve uma outra regra que voc imps no incio de nossa histria: no dia em que deixssemos de seramantes, seria inconcebvel para voc me ver novamente. Certamente. No se deve confundir amor eamizade. So duas reas cujos contedos so bem diferentes.

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    Voc sabe que essa imposio me parece desastrosa, injusta (j que voc ainda v B., R.,). Pobre

    vtima! e compreensvel (obviamente); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.Mas hoje, voc pode avaliar a importncia da minha deciso, uma vez que estou disposto a me curvardiante da sua vontade (hipcrita), pois deixar de ver voc e de falar com voc, de apreender o seu olharsobre as coisas e os seres e a doura com a qual voc me trata so coisas das quais sentirei uma saudadeinfinita. Que expresso mais estranha; mais uma vez ele faz de si prprio o centro de tudo.Acontea o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar voc da maneira que sempre amei(exatamente, teria sido melhor se essa maneira tivesse sido bem diferente), desde que nosconhecemos, e esse amor se estender em mim e, tenho certeza, jamais morrer. Sublime!Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situao que voc sabe to bem quanto eu ter se tornadoirremedivel, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro (comentrio muito presunoso.

    Alm disso, esse tal amor que ele sente no sinnimo de respeito nem de compromisso emocional,aparentemente).E justamente esse amor que me obriga a ser honesto com voc mais uma vez (de novo, o termo soasuprfluo e tem um tom repressor) como ltima prova do que houve entre ns e que permanecernico. Infelizmente, impossvel ficar contente com isso.Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente. Sim, claro: culpe a sua me, o padre, opresidente, a Madonna, ter lido Don Juan, os tumultos na periferia e sei l mais o qu.Cuide de voc. Finalmente, ele est pensando em algum alm dele mesmo.

    X

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    I thought that writing would be a remedy, that my restlessness would dissolve into it so that I couldfind you. But no. In fact it even became worse, I cannot even tell you the sort of state I feel I am in9.So I started calling the others again this week. And I know what that means to me and the cycle thatit will drag me into.

    I have never lied to you and I do not intend to start lying now.

    There was another rule that you laid down at the beginning of our affair: the day we stopped beinglovers you would no longer be able to envisage seeing me10. You know this constraint can only everstrike me as disastrous, and unjust (when you still see B and R) and understandable (obviously);so I can never become your friend.

    But now you can gauge how significant my decision is from the fact that I am prepared to bend toyour will, even though there are so many things 11not seeing you or talking to you or catching the wayyou look at people and things, and your gentleness towards me that I will miss terribly.

    Whatever happens, remember that I will always love you in the same way, my own way, I have eversince I first met you;12that it will carry on within me and, I am sure, will never die.

    But it would be the worst kind of masquerade to prolong a situation now when, you know as well as

    I do, it has become irreparable by the standards of the very love I have for you and you have for me, alove which is now forcing me to be so frank with you, as final proof of what happened between us andwill always be unique13.

    I would have liked things to have turned out differently.Take care of yourself.

    X14

    9Essa uma maneira particularmente prolixa de se expressar, mas ela igualmente prolixa em francs e eu quismanter os sinais do estado alterado do escritor, mesmo correndo o risco de parecer que a traduo no foi bem feita.10Aqui, a estrutura um tanto desajeitada da frase reflete uma estrutura de frase incomum e levemente formalem francs.11Mais uma vez, precisei acrescentar pontuao. A construo da expresso to miss bastante diferente emingls e em francs, e precisei introduzir o travesso para manter a mesma ordem de palavras da carta em francs,na qual a palavra missing apresenta um impacto maior ainda, porque s aparece no final da sentena. Alis, interessante notar que suponho que inadvertidamente ele diz que sentir saudade de nov-la e de no falarcom ela!12Eu coloquei ponto e vrgula porque foi difcil manter a mesma estrutura de frase no ingls sem prejudicar osentido.13Essa mais uma das suas sentenas emotivas e intrincadas. Ela poderia ser reformulada inmeras vezes, masminha inteno no apagar a maneira com a qual ele coordena as oraes; um sinal do seu estado emocionalno momento da escrita, com ideias atropelando umas as outras.14Este no propriamente um comentrio de tradutora, mas um comentrio mais geral: estou intrigada com esse

    X. Trata-se de um beijo ou das iniciais do escritor? Seria muito mais carinhoso terminar com um beijo mas uma atitude um tanto presunosa deixar no final de uma carta to solene e decisiva como essa apenas um beijo ouuma simples inicial.

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    PROFESSORA DE EDUCAO INFANTILLaure Guy

    1. D um ttulo para essa histria.

    2. Quem o heri da histria?3. Qual o elemento perturbador?4. Como o heri quebra o pacto?5. Como ele decide resolver seu problema?6. D outro final para a histria.

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    REVISORAValrie Lermite

    Pontuao: mudei-a somente Mudar todos os apstrofos

    onde necessrio. Mudar todas as aspas

    proposio

    Sentenalonga,malconstruda

    certo

    comeode sentenadesajeitado

    Repetioinadequada

    Texto curto, repetitivo. Eu marquei todasas repeties e destaquei com cor laranja

    as conjugaes do verbo saber e com amarelo as conjugaes do verbo dizer

    Alinhar direita

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    DIPLOMATALeila Shahid

    A primeira coisa que me chamou ateno na carta de X. foi ele ter optado por expressar sua deciso

    unilateral por escrito, como se estivesse preocupado que uma discusso ou confronto com aprotagonista pudesse minar sua determinao de terminar o relacionamento que parece ser importantepara ele, mas com o qual ele no consegue mais lidar.

    Como em qualquer negociao conduzida segundo um acordo, os termos de referncia so bastanteclaros: ser a nica amante e, no caso de rompimento, deixar de se ver. Dada a violao das resoluespreviamente estabelecidas e pelo fato de, devido a um tipo de angstia existencial, X. ter comeado aligar para as outras e a v-las novamente, terminar parece ser a deciso bvia a ser tomada. de se estranhar que X. parea sinceramente apegado protagonista e perturbado com a sua deciso,porm, incapaz de renegociar novos termos de referncia ou, podemos dizer, novas condies para o

    contrato amoroso.Irremedivel o termo que melhor representa a situao na qual X. se encontra, e que justifica sua deciso.

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    TRADUTORA DE LINGUAGEM SMSAlice Lenay

    Sophi,

    Ha algm tmp vnho kerendo escrever e respnder ao seu ultmo mail. Ao mm tmp, m pareceria mlhorcnversar c/ vc e dzer o q tnho a dzer d viva voz. Mas pelo mnos sera por escrito.Cmo vc pde ver, nao tnho estado bem ultima/te. Eh cmo c nao me reconhecesse na mnha propriaexistncia. 1 especie d angustia trrivel, cntra a qual nao psso fzer grd coisa, cnao sguir adiante p/ tentarsupera-la, cmo smpre fiz. Qdo nos conhecemos, vc impos 1 condicao: nao ser a 4. Eu mantive meucmprmiso: ha mses deixei d ver as outrs, nao axando obvia/te 1 meio d ve-las, s/ fzer d vc 1 dlas.Axei q isso bstase; axei q amar vc e o seu amor sriam sufcientes p/ q a angustia q m faz smpre qrerbscar outrs horizntes e m impde d ser tranquilo e, s/ dvida, d ser smples/te feliz e genroso, c akietasec/ o seu cntato e n certza d q o amor q vc tem por mim foi o + bnefico p/ mim, o + bnefico q ja+ tive,vc sabe diso. Axei q a escrita seria 1 remedio, q meu dsasosego c disolveria nla p/ encntrar vc.

    Mas nao. Estou pior ainda; nao tnho cndicoes squer d t explicar o estado em q me encntro. Entao, estasmana, cmecei a prcurar as outras. Eu sei bem o q isso significa p/ mim e em q tipo d ciclo estouentrando. Ja+ menti p/ vc e nao eh agora q vou cmear.Houve 1 outra rgra q vc impos no inicio d nossa historia: no dia em q deixasemos d ser amantes, seriainconcbivel p/ vc m ver nova/te. Vc sabe q esa imposicao m parece dsastrosa, injusta (ja q vc ainda veB., R.,) e comprnsivel (obvia/te); c/ iso, j+ poderia m tornar seu amigo.Mas hj, vc pode avaliar a importncia d mnha dcisao, 1 vez q estou disposto a m curvar diante d suavontde, pois dxar d ver vc e d falar c/ vc, d apreender o seu olhar sobre as koisas e os seres e a docurac/ qual vc m trata sao coisas das quais sentirei 1 saudde infinita. Aconteca o q acontecer, saiba q ncadeixarei d amar vc da mneira q smpre amei dsd q nos conhecemos, e ese amor c estendera em mim e,tnho certza, ja+ morrera.

    Mas hj, seria a pior das farsas mnter 1 stuacao q vc sabe tao bem qto eu ter se tornado irremdiavel, mmc/ todo o amor q cntimos 1 plo outro. E eh justa/te ese amor q me obriga a ser hnesto c/ vc + 1 vez,cmo ultma prva d q houve entre nos e q permancera unico.Gostaria q as coisas tivesem tomado 1 rumo dferente.Cuid d vc.

    X

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    HISTORIADORA ESPECIALIZADA EM SCULO 18Arlette Farge

    Ele certamente viveu no sculo 18. Pode no ter sido um grande aristocrata nem homem da corte,

    mas pelo menos possua algumas das maneiras e hbitos de cultura. E, ento, ele amava essa mulher;porm, ela estabeleceu uma condio que no se tornou apenas um fardo, mas o levou runa: elapediu que o olhar dele nunca mais pousasse sobre outra mulher. Ele parecia ter forte inclinao poralguns dos prazeres daquele sculo; seu mal-estar, sua melancolia e mesmo sua angstia e sua escritaevidenciavam tanto seu desejo por ela quanto pelo prazer furtivo de possuir outras. Um tantobanal, na verdade. Pode-se imaginar que sua jornada no os tenha levado a Ctera. Porm, um dia, elequebrou o pacto dos amantes, um pacto que no era fcil manter nesse sculo do Iluminismo no qual,para os libertinos instrudos, amar significava, sobretudo, apreender: apreender inteligncias, ateno,sentimentos, e sujeitar o outro sua influncia, mesmo se a carne mal se lembrasse. Tanto a carta deamor quanto a de rompimento colocavam os sentimentos em xeque: a neutralizao das emoes era

    sinnimo de distino.Tendo escolhido o lado da virtude em uma noite em que promessas tinham sido feitas, exatamentecomo apenas um sculo antes poder-se-ia ter escolhido o lado do piedoso, ele foi incapaz de mant-la;sendo um homem honrado, ele contou a ela. Ele ainda a amava, ele imaginava sua fria e chegou aantecip-la. Apesar de parecer pouco emocionado, as palavras revelavam que aquele libertino, queoutrora estivera certo de sua fora, estava desmoronando ante a tarefa e ante ela tambm. Ele sabia opreo da sua confisso: nunca v-la novamente. E o seu adeus talvez tenha soado como uma vez soarao seu ol. Ele no se debulhou em lgrimas porque colocou suapersonasocial para esconder qualquerexpresso de corao partido. A Revoluo de 1789 ainda estava por vir: alguns a desejavam, no hdvida; to remotos pareciam tanto ele quanto qualquer parte dela que se pudesse decifrar, de qualquermundo exterior que eles pudessem ter habitado. Esse foi verdadeiramente o Antigo Regime, cego

    vulnerabilidade. Para ele, portanto, ela nunca mais usaria seu vestido de gala; para ela, vesti-lo para eleestava agora fora de cogitao.

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    JORNALISTA DE AGNCIA DE NOTCIASBndicte Manier

    Celebridades da arteURGENTE Sophie Calle recebeu uma carta de X. terminando relacionamentoParis, 25 de janeiro de 2006 (Agncia News International) Na quinta-feira, a artista SophieCalle recebeu uma carta de X., na qual ele lhe informava estar terminando o relacionamento dos dois,informaram na noite de quinta-feira pessoas prximas artista.abm/sv/rd

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    HEADHUNTERChristiane Cellier

    O candidato tem um discurso intrincado

    Tenta ao mesmo tempo se explicar e se desculpar para evitar repreenso e para jogar a responsabilidadenos outros. Para ele, seria adequada uma posio na qual seu talento para escrita fosse bem aproveitado.Porm, sua admirvel capacidade para dispensar Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumodiferente. Cuide de voc poderia ser bem til ocasionalmente para empresas que estejam passandopor uma reestruturao na esperana de que no causasse muito protesto nos sindicatos

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    ESTUDANTEAmbre

    Ambre, idade: 9 anos e meio

    Eu a li e prestei bastante ateno nas palavras. Um homem est falando com uma mulher sobre ossentimentos dele.Ele escreve para dizer que quer se separar dela. bom, mas complicado.Tem umas palavras difceis: irremedivel e farsa. Eu acho que ele a ama.Ele diz que a amar para sempre.Se ele a ama, eu no se [sic] por que ele est deixando ela. Fala de divrcio.Ele diz que est vendo suas outras amigas de novo.Ele diz que gostava [sic] que as coiisas [sic] tivessem tomando [sic] um rumo diferente. Isso quer dizerque as coisas no vo terminar bem. triste.

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    PAREDEDAFRENTE/ PAREDEDADIREITA

    INTRPRETE DO TALMUDEEliette Abcassis

    Covardia ou sublimidade?

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    ASSISTENTE SOCIAL PENITENCIRIAM. L.

    Comx. prisioneiro

    Acredite-me, essa carta um maravilhoso smbolo de confiana, respeito e amor.Esse homem tem uma imagem positiva de voc e isso deve ajud-la a ter sua confiana de volta e arecuperar a autoestima perdida pelo fato de voc estar na priso.Aconselho voc a guardar essa carta que, tenho certeza, ir lhe dar fora na solido da sua cela.Apesar de ser uma carta de rompimento, eu recomendo que voc a leia novamente sempre que atristeza domin-la.

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    PESQUISADORA DE LEXICOMETRIAMicheline Renard

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    CRIMINOLOGISTAMichle Agrapart-Delmas

    ANLISE DE UMA CARTA ANNIMA

    Se for autntica, esta carta foi escrita aparentemente por um manipulador, um sedutor, cujosrelacionamentos com outras pessoas se baseiam na dominao e na ascendncia. Essa ascendncia no agressiva, doce e sutil; a ascendncia de um homem de fala mansa que tem poder, mas altamenteefetiva, porque ele consegue se exonerar de qualquer ato que possa ser percebido como negativo parafazer seu interlocutor se sentir culpado e para se colocar na posio de vtima.

    Ele queria escrever, responder, certamente est sendo sincero e tem a melhor das intenes, mas eleno o fez e, alm disso, como ele parece incapaz de lidar com conflitos, sua escrita deliberadamenteevasiva, afastando, assim, qualquer tipo de percepo ou julgamento que possa manchar sua imagem.

    certo que ele est terminando o relacionamento, mas somente por honestidade, pois ele fez umapromessa e manteve seu compromisso. E se ele voltou a ver as outras, porque ele no tem estadomuito bem. Sexualidade ansioltica. Ele est doente, tomado pela inquietude e somente as vozesdas outras amantes podem abrandar esse mal-estar.

    Ele pode olhar voc nos olhos e mentir. Ele quer projetar a imagem de uma pessoa frgil, bondosa, queno sabe repelir, reconhecer ou conter seus impulsos, e somente a angstia, pela qual ele no pode serresponsabilizado, obviamente, que o leva a escrever essa pequena obra de arte de baixeza, dominao emanipulao. No culpa dele, ele no fez de propsito mas certo que far novamente.

    Pois ele se apresenta como um homem infeliz por causa da sua suposta fidelidade, cuja autenticidade

    deveria ser parenteticamente verificada imediatamente.

    Ento, por ter ligado para as outras, ele quebrou o compromisso e se viu obrigado a terminar orelacionamento, assim se livrando da mulher que presumivelmente lhe imps algumas restries. E eleno gosta de restries ou de ordens.

    De forma casual, ele d uma alfinetada j que voc ainda v B. e R. assim colocando seuinterlocutor no papel de criminoso.E claro que ele sofrer se no puder mais v-la, mas ele rapidamente se curva deciso por elatomada de pararem de se ver, e ele a fez sentir-se um pouco mais culpada ao dizer que sentir saudade

    dela. No h dvidas de que a mulher para quem ele escreve o lisonjeava, mas ele no d a mnimapara o seu sofrimento, para a frustrao produzida pela dor que ele causa. Eu estou destruindo voc,estou partindo o seu corao, estou devastando voc, mas, o que quer que acontea, cuide de voc!

    Por fim, um pequeno refro romntico: Eu amo voc, nunca deixarei de amar voc, etc., etc. Como sefosse ela que o tivesse deixado. Os papis esto invertidos.

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    Ele um homem inteligente, culto, de bom nvel sociocultural, elegante, charmoso e sedutor

    que tem uma inteligncia refinada, sutil e um tanto abstrata. Ele orgulhoso, narcisista e egosta(usa o verbo na primeira pessoa do singular um sem-nmero de vezes). possvel que tenha estudadoliteratura. Provavelmente prefira jazz a rock. Eu o imagino usando um suter de gola alta em vez deterno e gravata.

    Ele deve ter uma cozinha pequena, onde prepara refeies simples e deliciosas.Ele deve ser charmoso, mas sua beleza no o que se chamaria de clssica.Ele um legtimo manipulador, perverso, psicologicamente perigoso e/ou um grande escritor.

    Deve ser evitado a todo custo.

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    ADVOGADACaroline Mcary

    re: CALLE/X

    Prezada senhora

    Li com muito ateno a carta de separao que lhe foi enviada por X., a qual me foi encaminhada, pelasenhora, para anlise.

    Se no h amor ideal aqui, esta missiva indica certamente uma combinao de infraes, ou seja, o fatode cometer simultaneamente vrias infraes em um s ato.

    A senhora me informou que X. se apresentou como escritor. Pode-se duvidar dessa capacidade, pois, na

    carta que a senhora recebeu, os seguintes elementos podem ser notados:

    - a falsidade da escrita.- a linguagem rgida, incorprea e superficial.- repeties.- falta de concordncia dos tempos verbais.

    Segundo o Artigo 313-1 do Cdigo Penal francs: Fraude , com o uso () de falsa capacidade, ()enganar pessoa fsica ou jurdica de forma a conduzi-la ao seu prprio prejuzo () prestar um servioou consentir um ato que demande ou dispense uma obrigao.

    No presente caso, a falsa capacidade de escritor que, de acordo com a jurisprudncia, podeser resultado da afirmao mentirosa de uma profisso privada (Crim 26, junho 1974) parececlaramente comprovada.

    2. No contexto do comrcio amoroso, que a senhora descreveu para mim, tambm h indicao de quea senhora foi enganada, no s como mulher, mas tambm na sua condio de consumidora.

    Ao ler a carta, pode-se observar que:

    - X. egocntrico e narcisista,

    - X. est com medo do desassossego,- X. no generoso,- X. recusa qualquer debate,- X. no quer perder coisa alguma,- X. somente pensa no dano que ele sofre

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    Todos estes elementos atestam fraude no que diz respeito natureza, forma, composio e s

    qualidades substanciais de um homem apaixonado.

    O Artigo L 213-11 do cdigo de defesa do consumidor francs prev punio de dois anos de priso e/ou multa de 37,500 para qualquer um que tenha enganado ou tentado enganar a parte contratante pormeio de qualquer tipo de procedimento () em relao natureza, forma, origem, s qualidadessubstanciais, composio ou ao contedo dos princpios teis de quaisquer bens.Sendo o comrcio amoroso no s o mais antigo, mas tambm mediado ao extremo, certamente oTribunal condenar X. priso por t-la enganado quanto ao vnculo amoroso.

    Concluso: a carta que a senhora recebeu lhe d grandes chances de ver X. condenado pelo tribunal por

    fraude e engano no que diz respeito s qualidades substanciais dos bens.

    O dano causado ainda est para ser definido: tempo perdido? Agresso ao ego? Doao de si a umafalsa capacidade?

    Cabe senhora, mesmo antes de chegar ao promotor pblico, julgar a convenincia de uma ao legal.Ser que a senhora no estaria dando crdito demais a X., ao dar-lhe um papel na cena judiciria?

    Estou sua disposio para discutir mais profundamente esse caso. Atenciosamente,

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    SEXLOGACatherine Solano

    No, no vejo motivo algum para lhe receitar antidepressivos. Voc est triste, s isso. Um evento triste

    sempre est ligado ao sofrimento, mas recorrer qumica no a soluo apropriada. Tenho certeza deque voc forte o suficiente para seguir em frente e encontrar dentro de voc tudo de que precisa paraagir e reagir.

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    CONTADORASylvie Roch

    Ativo total Nunca deixarei de amar voc 344 000

    Passivo total Jamais poderia me tornar seu amigo - 344 000

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    COMPOSITORAC. Chassol

    Carta de rompimento musicada.

    Glossrio:

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    ADOLESCENTEAnna Bouguereau

    Ele se acha!

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    DELEGADA DE POLCIAF. G.

    Capit de Polcia

    paraSenhora Sophie Calle

    Re: carta de rompimento do Senhor X.

    anexo: um dossi

    Abaixo esto minhas observaes sobre a carta de despedida enviada pelo seu ex-amante.Por meio da leitura desse texto, pode-se perceber que o mal-estar do autor caracterstico de umaatitude muito difundida entre os homens franceses:

    recusa ao compromisso e vadiagem sexual, favorecidos por dois fatores permanentes e quantificveis.H mais mulheres do que homens, e isso comea aos vinte anos de idade.Em Paris, 46% da populao do sexo masculino, logo, 54% do sexo feminino (estatstica oficial). Ao chegar aos quarenta anos de idade, uma mulher que quer casar tem a mesma probabilidade deencontrar um marido quanto de sofrer um acidente de carro! taxa de mortalidade masculina mais elevada, que afeta qualquer idade, deve-se acrescentar o fatorhomossexualidade, que tira ainda mais homens do mercado amoroso.Portanto, os homens esto em uma posio mais favorvel do que as mulheres, pois todos sabem que oque raro precioso. A insatisfao congnita de que o autor da carta sofre naturalmente alimentadapela profuso de mulheres ao seu redor.Acredito que essa carta tambm levante questes importantes sobre a natureza das relaes amorosas,

    mas se uma infrao foi cometida, ela no criminosa.Entendo a reclamao da senhora CALLE, mas no admissvel em termos penais, pois no parecehaver qualquer dano financeiro e, com relao ao prejuzo moral, ele inerente a todas as relaesamorosas, afinal, no nos apaixonamos por nossa prpria conta e risco?

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    PAREDEDADIREITA

    MEMonique Sindler

    Minha querida

    Creio que ele realmente , e sempre ser, um homem letrado, e no um homem simples. Entendo suatristeza e, apesar de tudo, no estou surpresa com essa carta que cheira a auto-obsesso.Bem, em sua defesa, ele faz tudo apropriadamente: desassossego (no mau), farsa (trgico),irremedivel (solene)Ele certamente tem talento literrio, e isso uma bno! Incorporar um Benjamin Constant e escreveruma carta de rompimento na qual a palavra principal, AMOR, conjugada em todos os tempos doindicativo. Como diria Woody Allen: Todos dizem Eu te amo.Compartilho do seu desapontamento com tudo isso, mas no precisa fazer muito drama.O seu amor durou apenas trs ou quatro estaes e vocs sequer chegaram a morar juntos. Se voc

    tivesse ficado 25 anos com um homem e depois fosse trocada por uma garotinha por causa da crise dameia-idade, essa seria uma situao clssica, e muito mais dolorosa. Pense que o que voc tem em mos o melhor tipo de carta.Um msico teria dito que ouviu uma nota errada em seu corao. Um encanador teria falado que seussentimentos esto vazando pouco a pouco, um eletricista teria mencionado um repentino curto--circuito e um representante de uma loja de eletrodomsticos teria recorrido ao fim da garantia.Lembremos de antigos provrbios: antes s do que mal-acompanhada, h males que vm para obem, etc.Linda, famosa e inteligente como voc , logo voc encontrar algum melhor. Falando em levar ofora, lembro de quando eu era mais nova e tive que lidar com Eu no mereo voc. Depois, eu tivemgoas piores, mas eu me arrependo dos meus arrependimentos. Apesar da humilhao e da raiva,

    havia sempre uma necessidade de tirar o melhor dessa situao, o que eu certamente fiz. Voc deixa,voc deixado, esse o nome do jogo, e para voc esse rompimento pode ser fonte de inspirao parauma nova obra de arte estou errada?

    Amo voc,Sua me

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    PAREDEDADIREITA

    CURADORAChristine Macel

    Quanto mais eu leio a carta de X., mais ela me comove.

    Eu gostaria que cada visitante se sentisse do mesmo jeito.A melhor maneira de conseguir isso seria fazer uma pilha de fac-smiles que eles pudessem levar e ler a ss.A carta ser exposta e distribuda no espao pblico.

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    SOPHIE CALLEcuide de vocDE 10 DE JULHO A 7 DE SETEMBRO DE 2009_SESC POMPEIA

    Rua Cllia, 93, Pompeia, So Paulo, SPTel. [11] 3871 7700 Fax [11] 3865 0324 www.sescsp.org.br

    De tera a sbado, das 10h s 21h_domingos e feriados, das 10h s 20h

    DE 22 DE SETEMBRO A 22 DE NOVEMBRO_MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIAAv. Contorno s/n, Solar do Unho, Salvador, BATel. [71] 3117 6141 Fax [71] 3117 6133 www.mam.ba.gov.br

    De tera a domingo, das 13h s 19h_sbados, das 13h s 21h