“SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA - UEPB CENTRO DE HUMANIDADES “OSMAR DE AQUINO” DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PRPGP COORDENAÇÃO GERAL DOS CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA CULTURAL JOSÉ CUNHA LIMA “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM ESTUDO SOBRE A SAUDADE NA MÚSICA DE LUIZ GONZAGA GUARABIRA - PB - 2011 -

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAIacuteBA - UEPB

CENTRO DE HUMANIDADES ldquoOSMAR DE AQUINOrdquo

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA E HISTOacuteRIA

PROacute-REITORIA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO E PESQUISA - PRPGP

COORDENACcedilAtildeO GERAL DOS CURSOS DE ESPECIALIZACcedilAtildeO

CURSO DE ESPECIALIZACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA CULTURAL

JOSEacute CUNHA LIMA

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

GUARABIRA - PB

- 2011 -

JOSEacute CUNHA LIMA

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Trabalho de conclusatildeo do curso de Especializaccedilatildeo apresentado como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Especialista em Histoacuteria Cultural da Universidade Estadual da Paraiacuteba Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes

GUARABIRA - PB

- 2011 -

FICHA CATALOGRAacuteFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA SETORIAL DE GUARABIRAUEPB

L732s Lima Joseacute Cunha

―Saudade o meu remeacutedio eacute cantar um estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga Joseacute Cunha Lima ndash Guarabira UEPB 2011

67 f

Monografia Especializaccedilatildeo (Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC) ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba

―Orientaccedilatildeo Prof Dr Mariacircngela de Vasconcelos Nunes

1 Muacutesica 2 Saudade 3 Luiz Gonzaga

ITiacutetulo

22ed 780981

Dedico este trabalho a todos aqueles que contribuiacuteram para sua conclusatildeo E em especial a minha matildee Ivaneide maior incentivadora

AGRADECIMENTOS

Para a conclusatildeo deste trabalho pude contar com a contribuiccedilatildeo de vaacuterias pessoas E a essas pessoas prestarei aqui em poucas palavras os mais sinceros agradecimentos

Aos meus pais Ivaneide da Cunha Lima e Joatildeo Lima Cunha pela paciecircncia incentivo e confianccedila no decorrer dos estudos e principalmente no decorrer da vida Gratiacutessimo

Agraves minhas irmatildes Janete e Janaiacutena Cunha Lima por me compreender

em todos os momentos com toda paciecircncia e disponibilidade Aos meus avoacutes em especial a vovoacute Irene tios e tias primos e primas

maternos e paternos Sem esquecer eacute claro dos amigos pelo incentivo direto ou indireto durante o estudo e a vida

Agrave tia Socorro Irani e Irilene e aos tios Ribamar e Ivanildo pela atenccedilatildeo

para comigo sem nunca medir esforccedilos quando solicitados Ao Administrador de Empresas Ronaldo Arauacutejo meu primo pela

disponibilidade nas horas oportunas Ao amigo Geoacutegrafo Especialista em Geografia e Territoacuterio Andreacute da

Cunha Ferreira pelo companheirismo e incentivo pois soacute sabe como eacute a vida acadecircmica quem passa por ela

Agrave amiga professora Odjane da Silva Lima Melo e a Geoacutegrafa Odirlane

da Silva Lima e sua egreacutegio famiacutelia pelo incentivo e pela generosa ajuda na elaboraccedilatildeo do resumo e no acompanhamento deste trabalho

A todos os meus alunos turmas de 2008 e 2009 por ter a compreensatildeo

de entender quando a necessidade da ausecircncia de sala de aula por causa da universidade

Aos funcionaacuterios do Centro Histoacuterico e Cultural do Riachatildeo

representados aqui pela amiga Emiacutelia Cristina da Cunha Brandatildeo pela inestimaacutevel ajuda na busca pelas referecircncias que construiacuteram este estudo

Ao motorista e amigo Joseacute Antocircnio Cunha Pereira e sua famiacutelia por

sempre ter me transladado com extrema seguranccedila e disponibilidade Ao motorista Joseacute Edvan Barros Bezerra e sua famiacutelia por ter me

ajudado sempre que solicitado Agrave amiga Geoacutegrafa Especialista em Geografia e Territoacuterio Ivacircnia Gomes

de Arauacutejo Silva e sua famiacutelia pelo incentivo e apoio nos momentos em momentos difiacuteceis

A Mestre em Geografia Rosimeri Estevatildeo pelo apoio intelectual no decorrer deste estudo

Agrave Alzeni Ribeiro Gomes Primeira Oficial do Registro Civil do Municiacutepio

de Riachatildeo pela referecircncia cedida para a construccedilatildeo deste trabalho A professora Suzete de Aquino Torres e sua famiacutelia por seu apoio

teacutecnico e incentivo A Ginaldo Ribeiro da Silva e sua famiacutelia pela generosa ajuda no apoio

teacutecnico na produccedilatildeo deste trabalho As Amigas Historiadoras Idaiana e Isabela Almeida Cunha pela

contribuiccedilatildeo durante a especializaccedilatildeo Ao Professor Doutorando Francisco Fagundes de Paiva Neto pela

referecircncia cedida para a elaboraccedilatildeo dessa pesquisa Ao Historiador Solano Alves Canavieiras pela referecircncia cedida para o

desenvolvimento deste trabalho Aos Historiadores e amigos Rodrigo da Cunha Torres e Joseacute Robson

Berto da Cunha e sua famiacutelia pelo apoio logiacutestico e incentivo Tambeacutem quero agradecer aos acadecircmicos do RiachatildeoPB em especial

a Maria Aparecida (Cida) e Francisca (Linda) pela generosa e inestimaacutevel contribuiccedilatildeo orientaccedilatildeo e conselhos

A todos os amigos e colegas da Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Cultural

turma 20092010 Por terem me dado apoio total e irrestrito quando solicitei sem falar nas discussotildees que elucidaram inuacutemeras duacutevidas E em especial agrave Izabel e Iolanda companheiras de longa data

Ao Historiador Especialista em Histoacuteria Cultural e amigo de todas as

horas Ivanildo Barbosa Lira e sua famiacutelia pelo incentivo paciecircncia e apoio logiacutestico

A todos os funcionaacuterios e professores da UEPB em especial aos que

participaram da especializaccedilatildeo de modo direto Pois sem eles este trabalho natildeo existiria Muito obrigado

E em especial gostaria de agradecer agrave Profordf Drordf Mariacircngela de

Vasconcelos Nunes minha orientadora primeiro pela paciecircncia para comigo Segundo pela frondosa erudiccedilatildeo na confecccedilatildeo do trabalho Terceiro por ter me concedido a liberdade que necessito para a elaboraccedilatildeo deste trabalho Grato

Agradeccedilo e dedico este trabalho a Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo pois ele cedeu as bases para a realizaccedilatildeo desta reflexatildeo monograacutefica

E que me desculpem aqueles que talvez tenha esquecido de mencionar aqui Por isso muito obrigado a todos

―Saudade e histoacuteria satildeo pois a luta incessante contra o esquecimento

Durval Muniz de Albuquerque Jr

―Saudade torrente de paixatildeo Emoccedilatildeo diferente Que aniquila a vida da gente Uma dor que natildeo sei de onde vem

Elizeth Cardoso

―Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos e vazios

Charlie Chaplin ―Chega de saudade a realidade eacute que sem ela natildeo haacute paz natildeo haacute beleza eacute soacute tristeza e a melancolia que natildeo sai de mim natildeo sai de mim natildeo sai

Tom Jobim e Viniacutecius de Moraes

―Natildeo deixe que a saudade sufoque que a rotina acomode e que o medo te impeccedila de tentar

Luis Fernando Veriacutessimo

―Saudade eacute um parafuso Que quando entra natildeo sai Soacute entra se for torcendo Porque batendo natildeo vai Depois que enferruja dentro Nem destorcendo natildeo sai

Euriacutecledes Formiga

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Autor JOSEacute CUNHA LIMA Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes Banca Examinadora Profordf Drordf Marisa Tayra Teruya Profordf Drordf Elisa Mariano de Medeiros Noacutebrega

Resumo

Este trabalho analisa historicamente a saudade com objeto de estudo utilizando como base a muacutesica de Luiz Gonzaga Isto soacute eacute possiacutevel por causa dos avanccedilos epistemoloacutegicos produzidos pela Histoacuteria Cultural Para tanto discuto os meandros formadores do documento como meio de pesquisa ateacute chegarmos aos conceitos modernos de produccedilatildeo documental Posteriormente relato a histoacuteria da muacutesica popular brasileira e a inserccedilatildeo do baiatildeo como ritmo do Nordeste Por fim discorro sobre a saudade que estaacute presente na obra gonzagueana Para isto utilizo autores como Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) entre outros Portanto para esta analise foi escolhido muacutesicas que falam sobre o sentimento da saudade no periacuteodo que corresponde aos anos de 1945 a 1958 que foi o auge do baiatildeo Palavras-chave Luiz Gonzaga Saudade Muacutesica e Baiatildeo Abstract This study analyzes historically the absence as an object of study using as basis the Luis Gonzagalsquos song This is only possible because of the epistemological advances produced by the Cultural History For this I discuss the methods which formed the document as a way of research until we get to the modern concepts of the documental production After that I relate the history of the Brazilian Pop Music and the inclusion of the Baiatildeo as a rhythm of the Northeast At the end I discuss about the absence which we find in the Gonzagueanarsquos songs For this I use authors as Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) and so on So for this study were chosen songs that show the feeling ―absence in the period between 1945 until 1958 which was the peak of the Baiatildeo Key-words Luiz Gonzaga Absence Music and Baiatildeo

LISTA DE IMAGENS

p

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando 37

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo 38

IMAGEM 03 Saudade o quadro 44

IMAGEM 04 A Flor da Saudade 45

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares 56

IMAGEM 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil 67

IMAGEM 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro 67

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 2: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

JOSEacute CUNHA LIMA

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Trabalho de conclusatildeo do curso de Especializaccedilatildeo apresentado como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Especialista em Histoacuteria Cultural da Universidade Estadual da Paraiacuteba Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes

GUARABIRA - PB

- 2011 -

FICHA CATALOGRAacuteFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA SETORIAL DE GUARABIRAUEPB

L732s Lima Joseacute Cunha

―Saudade o meu remeacutedio eacute cantar um estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga Joseacute Cunha Lima ndash Guarabira UEPB 2011

67 f

Monografia Especializaccedilatildeo (Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC) ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba

―Orientaccedilatildeo Prof Dr Mariacircngela de Vasconcelos Nunes

1 Muacutesica 2 Saudade 3 Luiz Gonzaga

ITiacutetulo

22ed 780981

Dedico este trabalho a todos aqueles que contribuiacuteram para sua conclusatildeo E em especial a minha matildee Ivaneide maior incentivadora

AGRADECIMENTOS

Para a conclusatildeo deste trabalho pude contar com a contribuiccedilatildeo de vaacuterias pessoas E a essas pessoas prestarei aqui em poucas palavras os mais sinceros agradecimentos

Aos meus pais Ivaneide da Cunha Lima e Joatildeo Lima Cunha pela paciecircncia incentivo e confianccedila no decorrer dos estudos e principalmente no decorrer da vida Gratiacutessimo

Agraves minhas irmatildes Janete e Janaiacutena Cunha Lima por me compreender

em todos os momentos com toda paciecircncia e disponibilidade Aos meus avoacutes em especial a vovoacute Irene tios e tias primos e primas

maternos e paternos Sem esquecer eacute claro dos amigos pelo incentivo direto ou indireto durante o estudo e a vida

Agrave tia Socorro Irani e Irilene e aos tios Ribamar e Ivanildo pela atenccedilatildeo

para comigo sem nunca medir esforccedilos quando solicitados Ao Administrador de Empresas Ronaldo Arauacutejo meu primo pela

disponibilidade nas horas oportunas Ao amigo Geoacutegrafo Especialista em Geografia e Territoacuterio Andreacute da

Cunha Ferreira pelo companheirismo e incentivo pois soacute sabe como eacute a vida acadecircmica quem passa por ela

Agrave amiga professora Odjane da Silva Lima Melo e a Geoacutegrafa Odirlane

da Silva Lima e sua egreacutegio famiacutelia pelo incentivo e pela generosa ajuda na elaboraccedilatildeo do resumo e no acompanhamento deste trabalho

A todos os meus alunos turmas de 2008 e 2009 por ter a compreensatildeo

de entender quando a necessidade da ausecircncia de sala de aula por causa da universidade

Aos funcionaacuterios do Centro Histoacuterico e Cultural do Riachatildeo

representados aqui pela amiga Emiacutelia Cristina da Cunha Brandatildeo pela inestimaacutevel ajuda na busca pelas referecircncias que construiacuteram este estudo

Ao motorista e amigo Joseacute Antocircnio Cunha Pereira e sua famiacutelia por

sempre ter me transladado com extrema seguranccedila e disponibilidade Ao motorista Joseacute Edvan Barros Bezerra e sua famiacutelia por ter me

ajudado sempre que solicitado Agrave amiga Geoacutegrafa Especialista em Geografia e Territoacuterio Ivacircnia Gomes

de Arauacutejo Silva e sua famiacutelia pelo incentivo e apoio nos momentos em momentos difiacuteceis

A Mestre em Geografia Rosimeri Estevatildeo pelo apoio intelectual no decorrer deste estudo

Agrave Alzeni Ribeiro Gomes Primeira Oficial do Registro Civil do Municiacutepio

de Riachatildeo pela referecircncia cedida para a construccedilatildeo deste trabalho A professora Suzete de Aquino Torres e sua famiacutelia por seu apoio

teacutecnico e incentivo A Ginaldo Ribeiro da Silva e sua famiacutelia pela generosa ajuda no apoio

teacutecnico na produccedilatildeo deste trabalho As Amigas Historiadoras Idaiana e Isabela Almeida Cunha pela

contribuiccedilatildeo durante a especializaccedilatildeo Ao Professor Doutorando Francisco Fagundes de Paiva Neto pela

referecircncia cedida para a elaboraccedilatildeo dessa pesquisa Ao Historiador Solano Alves Canavieiras pela referecircncia cedida para o

desenvolvimento deste trabalho Aos Historiadores e amigos Rodrigo da Cunha Torres e Joseacute Robson

Berto da Cunha e sua famiacutelia pelo apoio logiacutestico e incentivo Tambeacutem quero agradecer aos acadecircmicos do RiachatildeoPB em especial

a Maria Aparecida (Cida) e Francisca (Linda) pela generosa e inestimaacutevel contribuiccedilatildeo orientaccedilatildeo e conselhos

A todos os amigos e colegas da Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Cultural

turma 20092010 Por terem me dado apoio total e irrestrito quando solicitei sem falar nas discussotildees que elucidaram inuacutemeras duacutevidas E em especial agrave Izabel e Iolanda companheiras de longa data

Ao Historiador Especialista em Histoacuteria Cultural e amigo de todas as

horas Ivanildo Barbosa Lira e sua famiacutelia pelo incentivo paciecircncia e apoio logiacutestico

A todos os funcionaacuterios e professores da UEPB em especial aos que

participaram da especializaccedilatildeo de modo direto Pois sem eles este trabalho natildeo existiria Muito obrigado

E em especial gostaria de agradecer agrave Profordf Drordf Mariacircngela de

Vasconcelos Nunes minha orientadora primeiro pela paciecircncia para comigo Segundo pela frondosa erudiccedilatildeo na confecccedilatildeo do trabalho Terceiro por ter me concedido a liberdade que necessito para a elaboraccedilatildeo deste trabalho Grato

Agradeccedilo e dedico este trabalho a Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo pois ele cedeu as bases para a realizaccedilatildeo desta reflexatildeo monograacutefica

E que me desculpem aqueles que talvez tenha esquecido de mencionar aqui Por isso muito obrigado a todos

―Saudade e histoacuteria satildeo pois a luta incessante contra o esquecimento

Durval Muniz de Albuquerque Jr

―Saudade torrente de paixatildeo Emoccedilatildeo diferente Que aniquila a vida da gente Uma dor que natildeo sei de onde vem

Elizeth Cardoso

―Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos e vazios

Charlie Chaplin ―Chega de saudade a realidade eacute que sem ela natildeo haacute paz natildeo haacute beleza eacute soacute tristeza e a melancolia que natildeo sai de mim natildeo sai de mim natildeo sai

Tom Jobim e Viniacutecius de Moraes

―Natildeo deixe que a saudade sufoque que a rotina acomode e que o medo te impeccedila de tentar

Luis Fernando Veriacutessimo

―Saudade eacute um parafuso Que quando entra natildeo sai Soacute entra se for torcendo Porque batendo natildeo vai Depois que enferruja dentro Nem destorcendo natildeo sai

Euriacutecledes Formiga

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Autor JOSEacute CUNHA LIMA Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes Banca Examinadora Profordf Drordf Marisa Tayra Teruya Profordf Drordf Elisa Mariano de Medeiros Noacutebrega

Resumo

Este trabalho analisa historicamente a saudade com objeto de estudo utilizando como base a muacutesica de Luiz Gonzaga Isto soacute eacute possiacutevel por causa dos avanccedilos epistemoloacutegicos produzidos pela Histoacuteria Cultural Para tanto discuto os meandros formadores do documento como meio de pesquisa ateacute chegarmos aos conceitos modernos de produccedilatildeo documental Posteriormente relato a histoacuteria da muacutesica popular brasileira e a inserccedilatildeo do baiatildeo como ritmo do Nordeste Por fim discorro sobre a saudade que estaacute presente na obra gonzagueana Para isto utilizo autores como Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) entre outros Portanto para esta analise foi escolhido muacutesicas que falam sobre o sentimento da saudade no periacuteodo que corresponde aos anos de 1945 a 1958 que foi o auge do baiatildeo Palavras-chave Luiz Gonzaga Saudade Muacutesica e Baiatildeo Abstract This study analyzes historically the absence as an object of study using as basis the Luis Gonzagalsquos song This is only possible because of the epistemological advances produced by the Cultural History For this I discuss the methods which formed the document as a way of research until we get to the modern concepts of the documental production After that I relate the history of the Brazilian Pop Music and the inclusion of the Baiatildeo as a rhythm of the Northeast At the end I discuss about the absence which we find in the Gonzagueanarsquos songs For this I use authors as Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) and so on So for this study were chosen songs that show the feeling ―absence in the period between 1945 until 1958 which was the peak of the Baiatildeo Key-words Luiz Gonzaga Absence Music and Baiatildeo

LISTA DE IMAGENS

p

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando 37

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo 38

IMAGEM 03 Saudade o quadro 44

IMAGEM 04 A Flor da Saudade 45

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares 56

IMAGEM 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil 67

IMAGEM 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro 67

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

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10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 3: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

FICHA CATALOGRAacuteFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA SETORIAL DE GUARABIRAUEPB

L732s Lima Joseacute Cunha

―Saudade o meu remeacutedio eacute cantar um estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga Joseacute Cunha Lima ndash Guarabira UEPB 2011

67 f

Monografia Especializaccedilatildeo (Trabalho de Conclusatildeo de Curso - TCC) ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba

―Orientaccedilatildeo Prof Dr Mariacircngela de Vasconcelos Nunes

1 Muacutesica 2 Saudade 3 Luiz Gonzaga

ITiacutetulo

22ed 780981

Dedico este trabalho a todos aqueles que contribuiacuteram para sua conclusatildeo E em especial a minha matildee Ivaneide maior incentivadora

AGRADECIMENTOS

Para a conclusatildeo deste trabalho pude contar com a contribuiccedilatildeo de vaacuterias pessoas E a essas pessoas prestarei aqui em poucas palavras os mais sinceros agradecimentos

Aos meus pais Ivaneide da Cunha Lima e Joatildeo Lima Cunha pela paciecircncia incentivo e confianccedila no decorrer dos estudos e principalmente no decorrer da vida Gratiacutessimo

Agraves minhas irmatildes Janete e Janaiacutena Cunha Lima por me compreender

em todos os momentos com toda paciecircncia e disponibilidade Aos meus avoacutes em especial a vovoacute Irene tios e tias primos e primas

maternos e paternos Sem esquecer eacute claro dos amigos pelo incentivo direto ou indireto durante o estudo e a vida

Agrave tia Socorro Irani e Irilene e aos tios Ribamar e Ivanildo pela atenccedilatildeo

para comigo sem nunca medir esforccedilos quando solicitados Ao Administrador de Empresas Ronaldo Arauacutejo meu primo pela

disponibilidade nas horas oportunas Ao amigo Geoacutegrafo Especialista em Geografia e Territoacuterio Andreacute da

Cunha Ferreira pelo companheirismo e incentivo pois soacute sabe como eacute a vida acadecircmica quem passa por ela

Agrave amiga professora Odjane da Silva Lima Melo e a Geoacutegrafa Odirlane

da Silva Lima e sua egreacutegio famiacutelia pelo incentivo e pela generosa ajuda na elaboraccedilatildeo do resumo e no acompanhamento deste trabalho

A todos os meus alunos turmas de 2008 e 2009 por ter a compreensatildeo

de entender quando a necessidade da ausecircncia de sala de aula por causa da universidade

Aos funcionaacuterios do Centro Histoacuterico e Cultural do Riachatildeo

representados aqui pela amiga Emiacutelia Cristina da Cunha Brandatildeo pela inestimaacutevel ajuda na busca pelas referecircncias que construiacuteram este estudo

Ao motorista e amigo Joseacute Antocircnio Cunha Pereira e sua famiacutelia por

sempre ter me transladado com extrema seguranccedila e disponibilidade Ao motorista Joseacute Edvan Barros Bezerra e sua famiacutelia por ter me

ajudado sempre que solicitado Agrave amiga Geoacutegrafa Especialista em Geografia e Territoacuterio Ivacircnia Gomes

de Arauacutejo Silva e sua famiacutelia pelo incentivo e apoio nos momentos em momentos difiacuteceis

A Mestre em Geografia Rosimeri Estevatildeo pelo apoio intelectual no decorrer deste estudo

Agrave Alzeni Ribeiro Gomes Primeira Oficial do Registro Civil do Municiacutepio

de Riachatildeo pela referecircncia cedida para a construccedilatildeo deste trabalho A professora Suzete de Aquino Torres e sua famiacutelia por seu apoio

teacutecnico e incentivo A Ginaldo Ribeiro da Silva e sua famiacutelia pela generosa ajuda no apoio

teacutecnico na produccedilatildeo deste trabalho As Amigas Historiadoras Idaiana e Isabela Almeida Cunha pela

contribuiccedilatildeo durante a especializaccedilatildeo Ao Professor Doutorando Francisco Fagundes de Paiva Neto pela

referecircncia cedida para a elaboraccedilatildeo dessa pesquisa Ao Historiador Solano Alves Canavieiras pela referecircncia cedida para o

desenvolvimento deste trabalho Aos Historiadores e amigos Rodrigo da Cunha Torres e Joseacute Robson

Berto da Cunha e sua famiacutelia pelo apoio logiacutestico e incentivo Tambeacutem quero agradecer aos acadecircmicos do RiachatildeoPB em especial

a Maria Aparecida (Cida) e Francisca (Linda) pela generosa e inestimaacutevel contribuiccedilatildeo orientaccedilatildeo e conselhos

A todos os amigos e colegas da Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Cultural

turma 20092010 Por terem me dado apoio total e irrestrito quando solicitei sem falar nas discussotildees que elucidaram inuacutemeras duacutevidas E em especial agrave Izabel e Iolanda companheiras de longa data

Ao Historiador Especialista em Histoacuteria Cultural e amigo de todas as

horas Ivanildo Barbosa Lira e sua famiacutelia pelo incentivo paciecircncia e apoio logiacutestico

A todos os funcionaacuterios e professores da UEPB em especial aos que

participaram da especializaccedilatildeo de modo direto Pois sem eles este trabalho natildeo existiria Muito obrigado

E em especial gostaria de agradecer agrave Profordf Drordf Mariacircngela de

Vasconcelos Nunes minha orientadora primeiro pela paciecircncia para comigo Segundo pela frondosa erudiccedilatildeo na confecccedilatildeo do trabalho Terceiro por ter me concedido a liberdade que necessito para a elaboraccedilatildeo deste trabalho Grato

Agradeccedilo e dedico este trabalho a Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo pois ele cedeu as bases para a realizaccedilatildeo desta reflexatildeo monograacutefica

E que me desculpem aqueles que talvez tenha esquecido de mencionar aqui Por isso muito obrigado a todos

―Saudade e histoacuteria satildeo pois a luta incessante contra o esquecimento

Durval Muniz de Albuquerque Jr

―Saudade torrente de paixatildeo Emoccedilatildeo diferente Que aniquila a vida da gente Uma dor que natildeo sei de onde vem

Elizeth Cardoso

―Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos e vazios

Charlie Chaplin ―Chega de saudade a realidade eacute que sem ela natildeo haacute paz natildeo haacute beleza eacute soacute tristeza e a melancolia que natildeo sai de mim natildeo sai de mim natildeo sai

Tom Jobim e Viniacutecius de Moraes

―Natildeo deixe que a saudade sufoque que a rotina acomode e que o medo te impeccedila de tentar

Luis Fernando Veriacutessimo

―Saudade eacute um parafuso Que quando entra natildeo sai Soacute entra se for torcendo Porque batendo natildeo vai Depois que enferruja dentro Nem destorcendo natildeo sai

Euriacutecledes Formiga

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Autor JOSEacute CUNHA LIMA Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes Banca Examinadora Profordf Drordf Marisa Tayra Teruya Profordf Drordf Elisa Mariano de Medeiros Noacutebrega

Resumo

Este trabalho analisa historicamente a saudade com objeto de estudo utilizando como base a muacutesica de Luiz Gonzaga Isto soacute eacute possiacutevel por causa dos avanccedilos epistemoloacutegicos produzidos pela Histoacuteria Cultural Para tanto discuto os meandros formadores do documento como meio de pesquisa ateacute chegarmos aos conceitos modernos de produccedilatildeo documental Posteriormente relato a histoacuteria da muacutesica popular brasileira e a inserccedilatildeo do baiatildeo como ritmo do Nordeste Por fim discorro sobre a saudade que estaacute presente na obra gonzagueana Para isto utilizo autores como Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) entre outros Portanto para esta analise foi escolhido muacutesicas que falam sobre o sentimento da saudade no periacuteodo que corresponde aos anos de 1945 a 1958 que foi o auge do baiatildeo Palavras-chave Luiz Gonzaga Saudade Muacutesica e Baiatildeo Abstract This study analyzes historically the absence as an object of study using as basis the Luis Gonzagalsquos song This is only possible because of the epistemological advances produced by the Cultural History For this I discuss the methods which formed the document as a way of research until we get to the modern concepts of the documental production After that I relate the history of the Brazilian Pop Music and the inclusion of the Baiatildeo as a rhythm of the Northeast At the end I discuss about the absence which we find in the Gonzagueanarsquos songs For this I use authors as Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) and so on So for this study were chosen songs that show the feeling ―absence in the period between 1945 until 1958 which was the peak of the Baiatildeo Key-words Luiz Gonzaga Absence Music and Baiatildeo

LISTA DE IMAGENS

p

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando 37

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo 38

IMAGEM 03 Saudade o quadro 44

IMAGEM 04 A Flor da Saudade 45

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares 56

IMAGEM 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil 67

IMAGEM 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro 67

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

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FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 4: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Dedico este trabalho a todos aqueles que contribuiacuteram para sua conclusatildeo E em especial a minha matildee Ivaneide maior incentivadora

AGRADECIMENTOS

Para a conclusatildeo deste trabalho pude contar com a contribuiccedilatildeo de vaacuterias pessoas E a essas pessoas prestarei aqui em poucas palavras os mais sinceros agradecimentos

Aos meus pais Ivaneide da Cunha Lima e Joatildeo Lima Cunha pela paciecircncia incentivo e confianccedila no decorrer dos estudos e principalmente no decorrer da vida Gratiacutessimo

Agraves minhas irmatildes Janete e Janaiacutena Cunha Lima por me compreender

em todos os momentos com toda paciecircncia e disponibilidade Aos meus avoacutes em especial a vovoacute Irene tios e tias primos e primas

maternos e paternos Sem esquecer eacute claro dos amigos pelo incentivo direto ou indireto durante o estudo e a vida

Agrave tia Socorro Irani e Irilene e aos tios Ribamar e Ivanildo pela atenccedilatildeo

para comigo sem nunca medir esforccedilos quando solicitados Ao Administrador de Empresas Ronaldo Arauacutejo meu primo pela

disponibilidade nas horas oportunas Ao amigo Geoacutegrafo Especialista em Geografia e Territoacuterio Andreacute da

Cunha Ferreira pelo companheirismo e incentivo pois soacute sabe como eacute a vida acadecircmica quem passa por ela

Agrave amiga professora Odjane da Silva Lima Melo e a Geoacutegrafa Odirlane

da Silva Lima e sua egreacutegio famiacutelia pelo incentivo e pela generosa ajuda na elaboraccedilatildeo do resumo e no acompanhamento deste trabalho

A todos os meus alunos turmas de 2008 e 2009 por ter a compreensatildeo

de entender quando a necessidade da ausecircncia de sala de aula por causa da universidade

Aos funcionaacuterios do Centro Histoacuterico e Cultural do Riachatildeo

representados aqui pela amiga Emiacutelia Cristina da Cunha Brandatildeo pela inestimaacutevel ajuda na busca pelas referecircncias que construiacuteram este estudo

Ao motorista e amigo Joseacute Antocircnio Cunha Pereira e sua famiacutelia por

sempre ter me transladado com extrema seguranccedila e disponibilidade Ao motorista Joseacute Edvan Barros Bezerra e sua famiacutelia por ter me

ajudado sempre que solicitado Agrave amiga Geoacutegrafa Especialista em Geografia e Territoacuterio Ivacircnia Gomes

de Arauacutejo Silva e sua famiacutelia pelo incentivo e apoio nos momentos em momentos difiacuteceis

A Mestre em Geografia Rosimeri Estevatildeo pelo apoio intelectual no decorrer deste estudo

Agrave Alzeni Ribeiro Gomes Primeira Oficial do Registro Civil do Municiacutepio

de Riachatildeo pela referecircncia cedida para a construccedilatildeo deste trabalho A professora Suzete de Aquino Torres e sua famiacutelia por seu apoio

teacutecnico e incentivo A Ginaldo Ribeiro da Silva e sua famiacutelia pela generosa ajuda no apoio

teacutecnico na produccedilatildeo deste trabalho As Amigas Historiadoras Idaiana e Isabela Almeida Cunha pela

contribuiccedilatildeo durante a especializaccedilatildeo Ao Professor Doutorando Francisco Fagundes de Paiva Neto pela

referecircncia cedida para a elaboraccedilatildeo dessa pesquisa Ao Historiador Solano Alves Canavieiras pela referecircncia cedida para o

desenvolvimento deste trabalho Aos Historiadores e amigos Rodrigo da Cunha Torres e Joseacute Robson

Berto da Cunha e sua famiacutelia pelo apoio logiacutestico e incentivo Tambeacutem quero agradecer aos acadecircmicos do RiachatildeoPB em especial

a Maria Aparecida (Cida) e Francisca (Linda) pela generosa e inestimaacutevel contribuiccedilatildeo orientaccedilatildeo e conselhos

A todos os amigos e colegas da Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Cultural

turma 20092010 Por terem me dado apoio total e irrestrito quando solicitei sem falar nas discussotildees que elucidaram inuacutemeras duacutevidas E em especial agrave Izabel e Iolanda companheiras de longa data

Ao Historiador Especialista em Histoacuteria Cultural e amigo de todas as

horas Ivanildo Barbosa Lira e sua famiacutelia pelo incentivo paciecircncia e apoio logiacutestico

A todos os funcionaacuterios e professores da UEPB em especial aos que

participaram da especializaccedilatildeo de modo direto Pois sem eles este trabalho natildeo existiria Muito obrigado

E em especial gostaria de agradecer agrave Profordf Drordf Mariacircngela de

Vasconcelos Nunes minha orientadora primeiro pela paciecircncia para comigo Segundo pela frondosa erudiccedilatildeo na confecccedilatildeo do trabalho Terceiro por ter me concedido a liberdade que necessito para a elaboraccedilatildeo deste trabalho Grato

Agradeccedilo e dedico este trabalho a Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo pois ele cedeu as bases para a realizaccedilatildeo desta reflexatildeo monograacutefica

E que me desculpem aqueles que talvez tenha esquecido de mencionar aqui Por isso muito obrigado a todos

―Saudade e histoacuteria satildeo pois a luta incessante contra o esquecimento

Durval Muniz de Albuquerque Jr

―Saudade torrente de paixatildeo Emoccedilatildeo diferente Que aniquila a vida da gente Uma dor que natildeo sei de onde vem

Elizeth Cardoso

―Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos e vazios

Charlie Chaplin ―Chega de saudade a realidade eacute que sem ela natildeo haacute paz natildeo haacute beleza eacute soacute tristeza e a melancolia que natildeo sai de mim natildeo sai de mim natildeo sai

Tom Jobim e Viniacutecius de Moraes

―Natildeo deixe que a saudade sufoque que a rotina acomode e que o medo te impeccedila de tentar

Luis Fernando Veriacutessimo

―Saudade eacute um parafuso Que quando entra natildeo sai Soacute entra se for torcendo Porque batendo natildeo vai Depois que enferruja dentro Nem destorcendo natildeo sai

Euriacutecledes Formiga

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Autor JOSEacute CUNHA LIMA Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes Banca Examinadora Profordf Drordf Marisa Tayra Teruya Profordf Drordf Elisa Mariano de Medeiros Noacutebrega

Resumo

Este trabalho analisa historicamente a saudade com objeto de estudo utilizando como base a muacutesica de Luiz Gonzaga Isto soacute eacute possiacutevel por causa dos avanccedilos epistemoloacutegicos produzidos pela Histoacuteria Cultural Para tanto discuto os meandros formadores do documento como meio de pesquisa ateacute chegarmos aos conceitos modernos de produccedilatildeo documental Posteriormente relato a histoacuteria da muacutesica popular brasileira e a inserccedilatildeo do baiatildeo como ritmo do Nordeste Por fim discorro sobre a saudade que estaacute presente na obra gonzagueana Para isto utilizo autores como Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) entre outros Portanto para esta analise foi escolhido muacutesicas que falam sobre o sentimento da saudade no periacuteodo que corresponde aos anos de 1945 a 1958 que foi o auge do baiatildeo Palavras-chave Luiz Gonzaga Saudade Muacutesica e Baiatildeo Abstract This study analyzes historically the absence as an object of study using as basis the Luis Gonzagalsquos song This is only possible because of the epistemological advances produced by the Cultural History For this I discuss the methods which formed the document as a way of research until we get to the modern concepts of the documental production After that I relate the history of the Brazilian Pop Music and the inclusion of the Baiatildeo as a rhythm of the Northeast At the end I discuss about the absence which we find in the Gonzagueanarsquos songs For this I use authors as Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) and so on So for this study were chosen songs that show the feeling ―absence in the period between 1945 until 1958 which was the peak of the Baiatildeo Key-words Luiz Gonzaga Absence Music and Baiatildeo

LISTA DE IMAGENS

p

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando 37

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo 38

IMAGEM 03 Saudade o quadro 44

IMAGEM 04 A Flor da Saudade 45

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares 56

IMAGEM 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil 67

IMAGEM 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro 67

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

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10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 5: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

AGRADECIMENTOS

Para a conclusatildeo deste trabalho pude contar com a contribuiccedilatildeo de vaacuterias pessoas E a essas pessoas prestarei aqui em poucas palavras os mais sinceros agradecimentos

Aos meus pais Ivaneide da Cunha Lima e Joatildeo Lima Cunha pela paciecircncia incentivo e confianccedila no decorrer dos estudos e principalmente no decorrer da vida Gratiacutessimo

Agraves minhas irmatildes Janete e Janaiacutena Cunha Lima por me compreender

em todos os momentos com toda paciecircncia e disponibilidade Aos meus avoacutes em especial a vovoacute Irene tios e tias primos e primas

maternos e paternos Sem esquecer eacute claro dos amigos pelo incentivo direto ou indireto durante o estudo e a vida

Agrave tia Socorro Irani e Irilene e aos tios Ribamar e Ivanildo pela atenccedilatildeo

para comigo sem nunca medir esforccedilos quando solicitados Ao Administrador de Empresas Ronaldo Arauacutejo meu primo pela

disponibilidade nas horas oportunas Ao amigo Geoacutegrafo Especialista em Geografia e Territoacuterio Andreacute da

Cunha Ferreira pelo companheirismo e incentivo pois soacute sabe como eacute a vida acadecircmica quem passa por ela

Agrave amiga professora Odjane da Silva Lima Melo e a Geoacutegrafa Odirlane

da Silva Lima e sua egreacutegio famiacutelia pelo incentivo e pela generosa ajuda na elaboraccedilatildeo do resumo e no acompanhamento deste trabalho

A todos os meus alunos turmas de 2008 e 2009 por ter a compreensatildeo

de entender quando a necessidade da ausecircncia de sala de aula por causa da universidade

Aos funcionaacuterios do Centro Histoacuterico e Cultural do Riachatildeo

representados aqui pela amiga Emiacutelia Cristina da Cunha Brandatildeo pela inestimaacutevel ajuda na busca pelas referecircncias que construiacuteram este estudo

Ao motorista e amigo Joseacute Antocircnio Cunha Pereira e sua famiacutelia por

sempre ter me transladado com extrema seguranccedila e disponibilidade Ao motorista Joseacute Edvan Barros Bezerra e sua famiacutelia por ter me

ajudado sempre que solicitado Agrave amiga Geoacutegrafa Especialista em Geografia e Territoacuterio Ivacircnia Gomes

de Arauacutejo Silva e sua famiacutelia pelo incentivo e apoio nos momentos em momentos difiacuteceis

A Mestre em Geografia Rosimeri Estevatildeo pelo apoio intelectual no decorrer deste estudo

Agrave Alzeni Ribeiro Gomes Primeira Oficial do Registro Civil do Municiacutepio

de Riachatildeo pela referecircncia cedida para a construccedilatildeo deste trabalho A professora Suzete de Aquino Torres e sua famiacutelia por seu apoio

teacutecnico e incentivo A Ginaldo Ribeiro da Silva e sua famiacutelia pela generosa ajuda no apoio

teacutecnico na produccedilatildeo deste trabalho As Amigas Historiadoras Idaiana e Isabela Almeida Cunha pela

contribuiccedilatildeo durante a especializaccedilatildeo Ao Professor Doutorando Francisco Fagundes de Paiva Neto pela

referecircncia cedida para a elaboraccedilatildeo dessa pesquisa Ao Historiador Solano Alves Canavieiras pela referecircncia cedida para o

desenvolvimento deste trabalho Aos Historiadores e amigos Rodrigo da Cunha Torres e Joseacute Robson

Berto da Cunha e sua famiacutelia pelo apoio logiacutestico e incentivo Tambeacutem quero agradecer aos acadecircmicos do RiachatildeoPB em especial

a Maria Aparecida (Cida) e Francisca (Linda) pela generosa e inestimaacutevel contribuiccedilatildeo orientaccedilatildeo e conselhos

A todos os amigos e colegas da Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Cultural

turma 20092010 Por terem me dado apoio total e irrestrito quando solicitei sem falar nas discussotildees que elucidaram inuacutemeras duacutevidas E em especial agrave Izabel e Iolanda companheiras de longa data

Ao Historiador Especialista em Histoacuteria Cultural e amigo de todas as

horas Ivanildo Barbosa Lira e sua famiacutelia pelo incentivo paciecircncia e apoio logiacutestico

A todos os funcionaacuterios e professores da UEPB em especial aos que

participaram da especializaccedilatildeo de modo direto Pois sem eles este trabalho natildeo existiria Muito obrigado

E em especial gostaria de agradecer agrave Profordf Drordf Mariacircngela de

Vasconcelos Nunes minha orientadora primeiro pela paciecircncia para comigo Segundo pela frondosa erudiccedilatildeo na confecccedilatildeo do trabalho Terceiro por ter me concedido a liberdade que necessito para a elaboraccedilatildeo deste trabalho Grato

Agradeccedilo e dedico este trabalho a Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo pois ele cedeu as bases para a realizaccedilatildeo desta reflexatildeo monograacutefica

E que me desculpem aqueles que talvez tenha esquecido de mencionar aqui Por isso muito obrigado a todos

―Saudade e histoacuteria satildeo pois a luta incessante contra o esquecimento

Durval Muniz de Albuquerque Jr

―Saudade torrente de paixatildeo Emoccedilatildeo diferente Que aniquila a vida da gente Uma dor que natildeo sei de onde vem

Elizeth Cardoso

―Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos e vazios

Charlie Chaplin ―Chega de saudade a realidade eacute que sem ela natildeo haacute paz natildeo haacute beleza eacute soacute tristeza e a melancolia que natildeo sai de mim natildeo sai de mim natildeo sai

Tom Jobim e Viniacutecius de Moraes

―Natildeo deixe que a saudade sufoque que a rotina acomode e que o medo te impeccedila de tentar

Luis Fernando Veriacutessimo

―Saudade eacute um parafuso Que quando entra natildeo sai Soacute entra se for torcendo Porque batendo natildeo vai Depois que enferruja dentro Nem destorcendo natildeo sai

Euriacutecledes Formiga

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Autor JOSEacute CUNHA LIMA Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes Banca Examinadora Profordf Drordf Marisa Tayra Teruya Profordf Drordf Elisa Mariano de Medeiros Noacutebrega

Resumo

Este trabalho analisa historicamente a saudade com objeto de estudo utilizando como base a muacutesica de Luiz Gonzaga Isto soacute eacute possiacutevel por causa dos avanccedilos epistemoloacutegicos produzidos pela Histoacuteria Cultural Para tanto discuto os meandros formadores do documento como meio de pesquisa ateacute chegarmos aos conceitos modernos de produccedilatildeo documental Posteriormente relato a histoacuteria da muacutesica popular brasileira e a inserccedilatildeo do baiatildeo como ritmo do Nordeste Por fim discorro sobre a saudade que estaacute presente na obra gonzagueana Para isto utilizo autores como Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) entre outros Portanto para esta analise foi escolhido muacutesicas que falam sobre o sentimento da saudade no periacuteodo que corresponde aos anos de 1945 a 1958 que foi o auge do baiatildeo Palavras-chave Luiz Gonzaga Saudade Muacutesica e Baiatildeo Abstract This study analyzes historically the absence as an object of study using as basis the Luis Gonzagalsquos song This is only possible because of the epistemological advances produced by the Cultural History For this I discuss the methods which formed the document as a way of research until we get to the modern concepts of the documental production After that I relate the history of the Brazilian Pop Music and the inclusion of the Baiatildeo as a rhythm of the Northeast At the end I discuss about the absence which we find in the Gonzagueanarsquos songs For this I use authors as Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) and so on So for this study were chosen songs that show the feeling ―absence in the period between 1945 until 1958 which was the peak of the Baiatildeo Key-words Luiz Gonzaga Absence Music and Baiatildeo

LISTA DE IMAGENS

p

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando 37

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo 38

IMAGEM 03 Saudade o quadro 44

IMAGEM 04 A Flor da Saudade 45

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares 56

IMAGEM 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil 67

IMAGEM 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro 67

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 6: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

A Mestre em Geografia Rosimeri Estevatildeo pelo apoio intelectual no decorrer deste estudo

Agrave Alzeni Ribeiro Gomes Primeira Oficial do Registro Civil do Municiacutepio

de Riachatildeo pela referecircncia cedida para a construccedilatildeo deste trabalho A professora Suzete de Aquino Torres e sua famiacutelia por seu apoio

teacutecnico e incentivo A Ginaldo Ribeiro da Silva e sua famiacutelia pela generosa ajuda no apoio

teacutecnico na produccedilatildeo deste trabalho As Amigas Historiadoras Idaiana e Isabela Almeida Cunha pela

contribuiccedilatildeo durante a especializaccedilatildeo Ao Professor Doutorando Francisco Fagundes de Paiva Neto pela

referecircncia cedida para a elaboraccedilatildeo dessa pesquisa Ao Historiador Solano Alves Canavieiras pela referecircncia cedida para o

desenvolvimento deste trabalho Aos Historiadores e amigos Rodrigo da Cunha Torres e Joseacute Robson

Berto da Cunha e sua famiacutelia pelo apoio logiacutestico e incentivo Tambeacutem quero agradecer aos acadecircmicos do RiachatildeoPB em especial

a Maria Aparecida (Cida) e Francisca (Linda) pela generosa e inestimaacutevel contribuiccedilatildeo orientaccedilatildeo e conselhos

A todos os amigos e colegas da Especializaccedilatildeo em Histoacuteria Cultural

turma 20092010 Por terem me dado apoio total e irrestrito quando solicitei sem falar nas discussotildees que elucidaram inuacutemeras duacutevidas E em especial agrave Izabel e Iolanda companheiras de longa data

Ao Historiador Especialista em Histoacuteria Cultural e amigo de todas as

horas Ivanildo Barbosa Lira e sua famiacutelia pelo incentivo paciecircncia e apoio logiacutestico

A todos os funcionaacuterios e professores da UEPB em especial aos que

participaram da especializaccedilatildeo de modo direto Pois sem eles este trabalho natildeo existiria Muito obrigado

E em especial gostaria de agradecer agrave Profordf Drordf Mariacircngela de

Vasconcelos Nunes minha orientadora primeiro pela paciecircncia para comigo Segundo pela frondosa erudiccedilatildeo na confecccedilatildeo do trabalho Terceiro por ter me concedido a liberdade que necessito para a elaboraccedilatildeo deste trabalho Grato

Agradeccedilo e dedico este trabalho a Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo pois ele cedeu as bases para a realizaccedilatildeo desta reflexatildeo monograacutefica

E que me desculpem aqueles que talvez tenha esquecido de mencionar aqui Por isso muito obrigado a todos

―Saudade e histoacuteria satildeo pois a luta incessante contra o esquecimento

Durval Muniz de Albuquerque Jr

―Saudade torrente de paixatildeo Emoccedilatildeo diferente Que aniquila a vida da gente Uma dor que natildeo sei de onde vem

Elizeth Cardoso

―Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos e vazios

Charlie Chaplin ―Chega de saudade a realidade eacute que sem ela natildeo haacute paz natildeo haacute beleza eacute soacute tristeza e a melancolia que natildeo sai de mim natildeo sai de mim natildeo sai

Tom Jobim e Viniacutecius de Moraes

―Natildeo deixe que a saudade sufoque que a rotina acomode e que o medo te impeccedila de tentar

Luis Fernando Veriacutessimo

―Saudade eacute um parafuso Que quando entra natildeo sai Soacute entra se for torcendo Porque batendo natildeo vai Depois que enferruja dentro Nem destorcendo natildeo sai

Euriacutecledes Formiga

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Autor JOSEacute CUNHA LIMA Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes Banca Examinadora Profordf Drordf Marisa Tayra Teruya Profordf Drordf Elisa Mariano de Medeiros Noacutebrega

Resumo

Este trabalho analisa historicamente a saudade com objeto de estudo utilizando como base a muacutesica de Luiz Gonzaga Isto soacute eacute possiacutevel por causa dos avanccedilos epistemoloacutegicos produzidos pela Histoacuteria Cultural Para tanto discuto os meandros formadores do documento como meio de pesquisa ateacute chegarmos aos conceitos modernos de produccedilatildeo documental Posteriormente relato a histoacuteria da muacutesica popular brasileira e a inserccedilatildeo do baiatildeo como ritmo do Nordeste Por fim discorro sobre a saudade que estaacute presente na obra gonzagueana Para isto utilizo autores como Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) entre outros Portanto para esta analise foi escolhido muacutesicas que falam sobre o sentimento da saudade no periacuteodo que corresponde aos anos de 1945 a 1958 que foi o auge do baiatildeo Palavras-chave Luiz Gonzaga Saudade Muacutesica e Baiatildeo Abstract This study analyzes historically the absence as an object of study using as basis the Luis Gonzagalsquos song This is only possible because of the epistemological advances produced by the Cultural History For this I discuss the methods which formed the document as a way of research until we get to the modern concepts of the documental production After that I relate the history of the Brazilian Pop Music and the inclusion of the Baiatildeo as a rhythm of the Northeast At the end I discuss about the absence which we find in the Gonzagueanarsquos songs For this I use authors as Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) and so on So for this study were chosen songs that show the feeling ―absence in the period between 1945 until 1958 which was the peak of the Baiatildeo Key-words Luiz Gonzaga Absence Music and Baiatildeo

LISTA DE IMAGENS

p

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando 37

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo 38

IMAGEM 03 Saudade o quadro 44

IMAGEM 04 A Flor da Saudade 45

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares 56

IMAGEM 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil 67

IMAGEM 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro 67

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

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_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 7: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

―Saudade e histoacuteria satildeo pois a luta incessante contra o esquecimento

Durval Muniz de Albuquerque Jr

―Saudade torrente de paixatildeo Emoccedilatildeo diferente Que aniquila a vida da gente Uma dor que natildeo sei de onde vem

Elizeth Cardoso

―Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos e vazios

Charlie Chaplin ―Chega de saudade a realidade eacute que sem ela natildeo haacute paz natildeo haacute beleza eacute soacute tristeza e a melancolia que natildeo sai de mim natildeo sai de mim natildeo sai

Tom Jobim e Viniacutecius de Moraes

―Natildeo deixe que a saudade sufoque que a rotina acomode e que o medo te impeccedila de tentar

Luis Fernando Veriacutessimo

―Saudade eacute um parafuso Que quando entra natildeo sai Soacute entra se for torcendo Porque batendo natildeo vai Depois que enferruja dentro Nem destorcendo natildeo sai

Euriacutecledes Formiga

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Autor JOSEacute CUNHA LIMA Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes Banca Examinadora Profordf Drordf Marisa Tayra Teruya Profordf Drordf Elisa Mariano de Medeiros Noacutebrega

Resumo

Este trabalho analisa historicamente a saudade com objeto de estudo utilizando como base a muacutesica de Luiz Gonzaga Isto soacute eacute possiacutevel por causa dos avanccedilos epistemoloacutegicos produzidos pela Histoacuteria Cultural Para tanto discuto os meandros formadores do documento como meio de pesquisa ateacute chegarmos aos conceitos modernos de produccedilatildeo documental Posteriormente relato a histoacuteria da muacutesica popular brasileira e a inserccedilatildeo do baiatildeo como ritmo do Nordeste Por fim discorro sobre a saudade que estaacute presente na obra gonzagueana Para isto utilizo autores como Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) entre outros Portanto para esta analise foi escolhido muacutesicas que falam sobre o sentimento da saudade no periacuteodo que corresponde aos anos de 1945 a 1958 que foi o auge do baiatildeo Palavras-chave Luiz Gonzaga Saudade Muacutesica e Baiatildeo Abstract This study analyzes historically the absence as an object of study using as basis the Luis Gonzagalsquos song This is only possible because of the epistemological advances produced by the Cultural History For this I discuss the methods which formed the document as a way of research until we get to the modern concepts of the documental production After that I relate the history of the Brazilian Pop Music and the inclusion of the Baiatildeo as a rhythm of the Northeast At the end I discuss about the absence which we find in the Gonzagueanarsquos songs For this I use authors as Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) and so on So for this study were chosen songs that show the feeling ―absence in the period between 1945 until 1958 which was the peak of the Baiatildeo Key-words Luiz Gonzaga Absence Music and Baiatildeo

LISTA DE IMAGENS

p

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando 37

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo 38

IMAGEM 03 Saudade o quadro 44

IMAGEM 04 A Flor da Saudade 45

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares 56

IMAGEM 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil 67

IMAGEM 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro 67

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

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10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 8: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

ldquoSAUDADE O MEU REMEacuteDIO Eacute CANTARrdquo UM ESTUDO

SOBRE A SAUDADE NA MUacuteSICA DE LUIZ GONZAGA

Autor JOSEacute CUNHA LIMA Orientadora Profordf Drordf Mariacircngela de Vasconcelos Nunes Banca Examinadora Profordf Drordf Marisa Tayra Teruya Profordf Drordf Elisa Mariano de Medeiros Noacutebrega

Resumo

Este trabalho analisa historicamente a saudade com objeto de estudo utilizando como base a muacutesica de Luiz Gonzaga Isto soacute eacute possiacutevel por causa dos avanccedilos epistemoloacutegicos produzidos pela Histoacuteria Cultural Para tanto discuto os meandros formadores do documento como meio de pesquisa ateacute chegarmos aos conceitos modernos de produccedilatildeo documental Posteriormente relato a histoacuteria da muacutesica popular brasileira e a inserccedilatildeo do baiatildeo como ritmo do Nordeste Por fim discorro sobre a saudade que estaacute presente na obra gonzagueana Para isto utilizo autores como Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) entre outros Portanto para esta analise foi escolhido muacutesicas que falam sobre o sentimento da saudade no periacuteodo que corresponde aos anos de 1945 a 1958 que foi o auge do baiatildeo Palavras-chave Luiz Gonzaga Saudade Muacutesica e Baiatildeo Abstract This study analyzes historically the absence as an object of study using as basis the Luis Gonzagalsquos song This is only possible because of the epistemological advances produced by the Cultural History For this I discuss the methods which formed the document as a way of research until we get to the modern concepts of the documental production After that I relate the history of the Brazilian Pop Music and the inclusion of the Baiatildeo as a rhythm of the Northeast At the end I discuss about the absence which we find in the Gonzagueanarsquos songs For this I use authors as Albuquerque Jr (2001 2006 2007 2008) Lourenccedilo (1999) Caldas (1989) Le Goff (2003) Vianna (1998) Dreyfus (1996) Napolitano (2002 2005) Tinhoratildeo (1997 1998) and so on So for this study were chosen songs that show the feeling ―absence in the period between 1945 until 1958 which was the peak of the Baiatildeo Key-words Luiz Gonzaga Absence Music and Baiatildeo

LISTA DE IMAGENS

p

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando 37

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo 38

IMAGEM 03 Saudade o quadro 44

IMAGEM 04 A Flor da Saudade 45

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares 56

IMAGEM 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil 67

IMAGEM 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro 67

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

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DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

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OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 9: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

LISTA DE IMAGENS

p

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando 37

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo 38

IMAGEM 03 Saudade o quadro 44

IMAGEM 04 A Flor da Saudade 45

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares 56

IMAGEM 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom 66

IMAGEM 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil 67

IMAGEM 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro 67

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

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TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

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Page 10: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

SUMAacuteRIO 1 Introduccedilatildeo 10 I ndash Capiacutetulo 2 O Documento O Mister do Historiador 12 2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento 17 II ndash Capiacutetulo 3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira 22 3 1 Eu sou o Samba 24 3 2 Eu sou o Raacutedio 30 3 3 Eu sou o Baiatildeo 34 III ndash Capiacutetulo 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute Cantarrdquo 41 4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade 41 4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga 47 4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute 54 5 Consideraccedilotildees Finais 59 6 Referecircncias Consultadas 60 7 Anexos 65

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 11: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

1 INTRODUCcedilAtildeO

Entendo a histoacuteria como algo que oscila entre arte e ciecircncia Arte e

ciecircncia que inventam ou reconstroem o passado Utilizando para isto todos os

vestiacutegios produzidos pelo ser humano no decorrer do tempo ou como

corrobora Albuquerque Jr (2007 88) dizendo ―a histoacuteria precisa escapar deste

discurso racional deve reintroduzir a arte em seu discurso tornar a

sensibilidade a imaginaccedilatildeo e a intuiccedilatildeo partes de seus instrumentos de

trabalho

Partindo deste entendimento este trabalho embasou-se

metodologicamente nas teorias desenvolvidas pelos estudos culturais1

Assim busco entender a muacutesica como fonte de pesquisa Tentando

compreender as representaccedilotildees contidas nesta Segundo Joseacute M Wisnik

(Apud Vilarino 1999 9) diz ―natildeo eacute possiacutevel detectar aspectos de

determinadas eacutepocas no niacutevel do seu sentirlsquo senatildeo pela arte e mais

precisamente pela muacutesica Natildeo haacute vestiacutegio histoacuterico mais envolvente do que a

muacutesica de determinados periacuteodos

Portanto o intuito desse trabalho eacute fazer uma breve analise

historiograacutefica sobre a afetividade mas precisamente sobre a saudade Pois

segundo Lourenccedilo (1999 32) todos noacutes ―temos saudade da infacircncia da

escola de algueacutem dum determinado momento ou seja se temos este

sentimento eacute porque ele tem histoacuteria e por isso tem que ser relatado ou

reconstruiacutedo

Sendo assim pretendo relatar a partir da musicografia de Luiz

Gonzaga o sentimento da saudade presente em migrantes nordestinos que

deixavam o seu lugar seus parentes e principalmente o seu amor em busca

de melhores condiccedilotildees de vida Essa migraccedilatildeo tornou a Regiatildeo Nordeste do

Brasil segundo Albuquerque Jr (2001) a regiatildeo construiacuteda a partir da saudade

____________________ 1 Estudos Culturais ndash grupo fundado em 1964 na Universidade de Birmigham

(Inglaterra) cujo objetivo principal era problematizar a compreensatildeo da cultura

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

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_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 12: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Portanto o objetivo deste trabalho eacute estudar a saudade que

nordestinos demonstravam a partir das muacutesicas de Luiz Gonzaga Utilizando os

anos entre 1945 (iniacutecio do Baiatildeo) e 1958 (decliacutenio do ritmo) como periacuteodo

norteador para a pesquisa

Para isto dividi o trabalho em trecircs capiacutetulos O primeiro eacute constituiacutedo

por um conjunto de analises de textos que discutem a importacircncia e

abrangecircncia do documento para o historiador Para essa abordagem utilizo

principalmente os estudos desenvolvidos por Le Goff (2003)

No segundo capiacutetulo faccedilo um breve estudo da muacutesica popular

brasileira chegando ateacute ao ano de 1958 data em que o baiatildeo de Luiz

Gonzaga2 entrou em decliacutenio nas capitais do sudeste do paiacutes Ainda aponto

autores que estudaram a musicalidade produzida nas primeiras deacutecadas do

seacuteculo XX Como Napolitano (2002 e 2005) e Tinhoratildeo (1997 e 1998)

No terceiro capiacutetulo faccedilo um relato etimoloacutegico e historiograacutefico da

palavra saudade como parte da cultura portuguesa e herdada pelo povo

brasileiro Posteriormente discuto a construccedilatildeo no Nordeste como a regiatildeo da

saudade Utilizando para isto 3 (trecircs) muacutesicas de Luiz Gonzaga e Humberto

Teixeira que satildeo No Meu Peacute de Serra3 Qui Nem Jiloacute4 e Saudade Doacutei5 E 1

(uma) muacutesica de Gonzaga e Antonio Barros que foi Saudades de Helena6 Os

autores que auxiliaram nas analises foram Lourenccedilo (1999) e Albuquerque Jr

(2001 2006 2007 e 2008)

Espero que cada capiacutetulo seja um elo entre a histoacuteria e esse

sentimento que estaacute dentro de todos noacutes e que se manifesta de modo

diferente em cada ser Ou seja natildeo temos saudades eacute a saudade que nos

tecircm

____________________ 2 Quero deixar claro que esta pesquisa natildeo eacute um estudo biograacutefico sobre a obra do

―Rei do Baiatildeo 3 No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 4 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 5 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 6 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 13: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Capiacutetulo ndash I

2 O Documento O Mister do Historiador

Natildeo existe um documento-verdade

Todo o documento eacute mentira

Jacques Le Goff

Neste capiacutetulo discuto sobre o documento Sua origem recente como

atingiu a histoacuteria e sua diversificaccedilatildeo valor e gecircnero em especial a muacutesica A

construccedilatildeo da memoacuteria coletiva ou individual de um povo eou naccedilatildeo tem como

forma cientiacutefica ou para muitos literaacuterios estudadas pela histoacuteria utilizando

como meandro o documento Este foi e continua sendo a fonte primaz do

historiador para fazer suas pesquisas que tem que levar em consideraccedilatildeo que

o relato documental conteacutem um conhecimento do passado

Assim a escrita da histoacuteria como ciecircncia ou literatura eacute possiacutevel

graccedilas aos registros do passado estes possibilitam a reconstruccedilatildeo da

memoacuteria Os escritos nos satildeo apenas fragmentos do passado escolhidos por

seus autores Como descreve Le Goff (2003 525)

De fato o que sobrevive natildeo eacute o conjunto daquilo que existiu no passado mas uma escolha efetuada quer pelas forccedilas que operam no temporal do mundo e da humanidade quer pelos que se dedicam agrave ciecircncia do passado e do tempo que passa os historiadores

Cabe salientar a definiccedilatildeo do termo documento que vem sofrendo

variaccedilotildees no tempo e no espaccedilo Etimologicamente segundo Cunha (2000

274) o verbete documento se origina do latim ldquodocumentumrdquo sua transcriccedilatildeo

seria o mesmo que tiacutetulo ou diploma que serve de prova declaraccedilatildeo escrita

para comprovaccedilatildeo

Para Houaiss e Villar (2001 1069) documento eacute qualquer escrito

usado para esclarecer determinada coisa Qualquer objeto que elucide instrua

prove ou comprove cientificamente algum fato ou acontecimento que confira

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

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10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

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TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 14: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

(decirc) autenticidade a algo histoacuterico Portanto pode ser considerado todo e

qualquer meio ou instrumento de divulgaccedilatildeo de determinado assunto ou tema

No seacuteculo XIX documento era um produto graacutefico ou seja dependia

unicamente do ato de escrever para registrar algum tema que comprovasse a

existecircncia ou a exatidatildeo de um fato ou acontecimento buscando sempre a

―verdade histoacuterica a partir de uma afirmaccedilatildeo formal do acontecido

O documento que para a escola histoacuterica positivista do fim do seacuteculo XIX e do iniacutecio do seacuteculo XX seraacute o fundamento do fato histoacuterico ainda que resulte da escolha de uma decisatildeo do historiador parece apresentar-se por si mesmo como prova histoacuterica () Aleacutem do mais afirma-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF idem 527)

O espiacuterito da Histoacuteria Positivista foi fundamentada tendo como alicerce

o documento que nesta concepccedilatildeo se impotildeem por si proacuteprios como fonte

histoacuterica Todavia destacam-se vaacuterias palavras que emergiram para endossar

as ideias positivistas podemos citar prova (com o sentido instrumento eou

testemunho) com isso tentou-se aglutinar meacutetodos de reconstruccedilatildeo da

memoacuteria coletiva ou individual e da histoacuteria ao desejar provar cientificamente o

acontecido

Para os teoacutericos dessa corrente a criacutetica do documento tradicional foi

essencialmente uma procura da autenticidade atribuindo uma importacircncia

fundamental agrave dataccedilatildeo Em suma para os positivistas a histoacuteria eacute ciecircncia e o

documento eacute tudo para a construccedilatildeo da histoacuteria

Com a Escola Positivista o documento triunfa O seu triunfo [] a partir de entatildeo todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de historiador recordaraacute que eacute indispensaacutevel o recurso ao documento (LE GOFF Op Cit 529)

Portanto para os positivistas que enunciavam os princiacutepios e os

meacutetodos dos estudos histoacutericos afirmando que ―natildeo haacute histoacuteria sem

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

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DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 15: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

documentos Para Lefebvre (apud Le Goff 2003) Natildeo haacute notiacutecia (relatos ou

fatos) histoacuterica sem documentos

A conceituaccedilatildeo de documento se modificava drasticamente no Seacuteculo

XX Todavia o seu conteuacutedo se ampliava com o advento da Histoacuteria Cultural

Em princiacutepio o documento era somente um texto o que limitava o estudo de

determinados fatos abrindo a necessidade de novos episteacutemes

(conhecimentos)

Devemos destacar a oacutetica sobre o documento a partir da Escola dos

Annales7 pioneiros de um novo pensamento historiograacutefico que estudaram

sobre a necessidade de ampliaccedilatildeo do conceito de documento ―A histoacuteria faz-

se com documentos escritos sem duacutevida Quando estes existem Mas pode

fazer-se deve fazer-se sem documentos escritos quando natildeo existem

(FEBVRE 1989 428)

Bloch e Febvre fundadores dos Annales davam iniacutecio a uma criacutetica em

profundidade da noccedilatildeo de documento ―Os historiadores ficam passivos

demasiado frequentemente perante os documentos () acaba por se revestir

para eles de um sentido deleteacuterio (LE GOFF Idem 534)

Portanto na concepccedilatildeo dos Annales tudo que pertence ou foi

produzido pelo ser humano pode ser utilizado como documento para a

investigaccedilatildeo historiograacutefica Nesta perspectiva eacute entendido o passado a partir

de um esforccedilo investigativo usando como fonte o que utilizado pela sociedade

como produto Sobre o tema Marc Bloch (1974) fala sobre a ampliaccedilatildeo do

documento ―Seria uma grande ilusatildeo imaginar que cada problema histoacuterico

corresponde um tipo uacutenico de documentos especializado para esse uso

________________________________

7 BURKE (1997 11) ao referi-se ao Annales disse ―Produccedilatildeo intelectual no campo da historiografia no seacuteculo XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notaacutevel e significativo origina-se na Franccedila La nouvelle histoire como eacute frequentemente chamada eacute pelo menos tatildeo conhecida como francesa e tatildeo controvertida quanto la nouvelle cuisine Uma boa parte dessa nova histoacuteria eacute o produto de um pequeno grupo associado agrave revista Annales criada em 1929 Embora esse grupo seja chamado geralmente de a ―Escola dos Annales por se enfatizar o que possuem em comum seus membros muitas vezes negam sua existecircncia ao realccedilarem as diferentes contribuiccedilotildees individuais no interior do grupo

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 16: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Para Foucault (2008 7-8) os problemas da histoacuteria podem ser

sintetizados numa soacute frase criticar ou questionar o documento E acrescenta

―o documento natildeo eacute o feliz instrumento de uma histoacuteria que seria em si mesma

e de pleno direito memoacuteria a histoacuteria eacute para uma sociedade uma certa

maneira de dar status e elaboraccedilatildeo agrave massa documental de que ela natildeo se

separa

Nesta perspectiva o documento deve ser problematizado e os

historiadores devem consultar os mais variados tipos de documentos Este

aprofundamento do termo (ou conteuacutedo) do documento foi ampliando-se a

partir da deacutecada de 1960 pois houve a eclosatildeo de novas miacutedias ou

simplesmente o avanccedilo tecnoloacutegico das miacutedias existentes provocando uma

verdadeira ―Revoluccedilatildeo Documental

A partir dos anos de 1980 ocorreu uma reviravolta na historiografia

Segundo Pesavento (2006) ―o maior legado que as demais correntes

ideoloacutegicas eou filosoacuteficas deram a Histoacuteria Cultural eacute que a partir de agora os

documentos natildeo satildeo mais a uacutenica forma de construir a histoacuterialsquo Rompeu-se

com a busca incessante pela verdade Sendo assim surge uma nova ―Era

natildeo mais a era de certezas normativas de leis e modelos a regerem o social e

o poliacutetico

O interesse da memoacuteria coletiva e da histoacuteria jaacute natildeo se cristaliza

exclusivamente pelos acontecimentos narrados pelos documentos pois quase

tudo passou a ser considerado um registro histoacuterico Entretanto toda esta

dilataccedilatildeo da memoacuteria histoacuterica teria maior ecircxito quando pesquisado a partir dos

novos documentos esses produzidos com o advento da revoluccedilatildeo tecnoloacutegica

que deu subsiacutedio para a ampliaccedilatildeo dos meios difundidores dessas ―novas

miacutedias

A memoacuteria coletiva ou individual e a construccedilatildeo da histoacuteria

valorizaram-se com essa ―revoluccedilatildeo documental que tende a promover um

objeto novo de pesquisa que muitas vezes rompe com uma histoacuteria linear

dando meios para a introduccedilatildeo da descontinuidade histoacuterica Surgindo novos

meios para o armazenamento de fontes documentais em fitas discos e

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

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10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 17: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

peliacuteculas Tudo fazendo parte do patrimocircnio cultural da sociedade do seacuteculo

XX Le Goff (Op Cit 535-536) afirma ―o documento natildeo eacute qualquer coisa que

fica por conta do passado eacute um produto da sociedade que o fabricou segundo

as relaccedilotildees de forccedilas que aiacute detinham o poder Portanto a anaacutelise do mesmo

permite recuperar ou reconstruir a memoacuteria coletiva utilizando qualquer

produto produzido pela sociedade

Temos que levar em consideraccedilatildeo segundo Le Goff (Idem 535) que

Natildeo existe um documento objetivo inoacutecuo primaacuterio A ilusatildeo positivista (que bem entendido era produzida por uma sociedade cujos dominantes tinham interesses em que assim fosse) a qual via no detectar-se ao niacutevel dos dados mediante os quais a atual revoluccedilatildeo documental tende a substituir os documentos

A partir da compreensatildeo dos Annales o ―documento adquiriu um

significado mais amplo utilizando novos meios como o documento ilustrado

documento sonoro a iconografia (imagem) ou qualquer outra expressatildeo

humana Mas ao mesmo tempo deve ser entendido com um produto

manipulado conforme Le Goff (Idem) afirma

[O documento] eacute antes de mais nada o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente da histoacuteria da eacutepoca da sociedade que o produziram mas tambeacutem das eacutepocas sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecido durante as quais continuou a ser manipulado ainda que pelo silecircncio O documento eacute uma coisa que fica que dura e o testemunho o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser um primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente

A relaccedilatildeo entre os historiadores e as fontes documentais tambeacutem

sofreu modificaccedilotildees As fontes mesmos as oficiais natildeo satildeo mais vistas como

―verdades absolutas ou como testemunhos neutros da construccedilatildeo do

passado passando pelos que analisaram seus discursos e reconheceram

seus vieses e que desconstruiacuteram seu conteuacutedo primaacuterio contextualizando as

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

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10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 18: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

ideias existentes nas entrelinhas Todavia os documentos podem ser

subdivididos em gecircneros documentais Principalmente o gecircnero audiovisual

em que a muacutesica estaacute inserida

2 1 Histoacuteria Muacutesica e Documento

Segundo Napolitano (2005) existem trecircs grandes grupos de estudos

sobre a muacutesica que estatildeo divididos por aacutereas A primeira eacute a Musicologia

Histoacuterica que concentra seus estudos na vida e obra dos compositores e das

formas eruditas de produccedilatildeo musical A segunda divisatildeo eacute a Etnomusicologia

que enfoca o estudo das formas e manifestaccedilotildees musicais dos grupos

comunitaacuterios de caraacuteter socialmente integrador ou ritualiacutestico cuja praacutetica

musical natildeo estaacute voltada ao consumo massificado ou seja pesquisa a muacutesica

folcloacuterica E por fim a terceira subdivisatildeo que satildeo os ―Estudos em Muacutesica

Popular que estuda ou pesquisa os variados gecircneros ou cancioneiros

consagrados pelo mercado musical Esse modo de estudo seraacute o cerne desse

trabalho que tem como base para a pesquisa

O uso de fontes escritas (aleacutem das ―letras das canccedilotildees) para a pesquisa histoacuterica em torno da muacutesica popular merecia uma discussatildeo especiacutefica pois no caso da muacutesica brasileira essa opccedilatildeo heuriacutestica tem dado o tom das anaacutelises e da organizaccedilatildeo de uma pauta de conteuacutedos historiograacuteficos As crocircnicas de eacutepoca memoacuterias autobiografias entrevistas (radiofocircnicas ou impressas) artigos de criacutetica musical mateacuterias de imprensa entre outros tipos de fontes escritas foram mais utilizados nos estudos de muacutesica popular no Brasil do que fonogramas partituras ou performances registradas em viacutedeo (NAPOLITANO 2005 254)

Assim entendo as letras das muacutesicas como um documento produzido

por determinada sociedade passiacutevel de ser analisada Por isso estudo a

produccedilatildeo bibliograacutefica do gecircnero musical e do cantor no caso Luiz Gonzaga e

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

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10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 19: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

o Baiatildeo no periacuteodo que corresponde ao surgimento do riacutetmico regional em

1945 ateacute ao seu decliacutenio em 1958 Anaacutelise que farei nos proacuteximos capiacutetulos

A relaccedilatildeo da histoacuteria com a muacutesica ou canccedilatildeo como documento

consiste num amplo manancial para a pesquisa da Histoacuteria Cultural Para

Moraes (2000) ―o trabalho investigativo nessa aacuterea da histoacuteria social e cultural

que a muacutesica ainda permanece bastante complicado principalmente para os

temas relacionados agrave muacutesica popular Isso acontece porque a canccedilatildeo eacute a

forma artiacutestica que se difunde por meio de som e ritmo expressos nos diversos

estilos (gecircneros) permitindo realizarmos diversas atividades de pesquisa

levando em consideraccedilatildeo a dificuldade para se trabalhar com muacutesica

Napolitano (2002 86) nos diz

Para aquele que se propotildee a estudar a histoacuteria da muacutesica eacute preciso ir aleacutem Natildeo basta dizer que uma muacutesica significa isto ou aquilo Eacute preciso identificar a gravaccedilatildeo relativa agrave eacutepoca que pretendemos analisar (uma canccedilatildeo pode ter vaacuterias versotildees historicamente datadas) localizar o veiacuteculo que tornou a canccedilatildeo famosa mapear os diversos espaccedilos sociais e culturais pelos quais a muacutesica se realizou em termos socioloacutegicos e histoacutericos

A muacutesica tambeacutem nos permite estudar aspectos poucos elucidado em

outros documentos como diz Moraes (2000) ―a muacutesica pode se tornar um

recurso importante para se entender ou problematizar aspectos dificilmente

perceptiacuteveis por outras fontes Pois a mesma abre fronteiras para novas

pesquisas Como por exemplo analisar a sensibilidade ou afetividade de um

determinado gecircnero musical de se representar como porta-voz de um povo ou

de uma regiatildeo

Nas palavras de Napolitano (2002 77) ―a canccedilatildeo ocupa um lugar

muito especial na produccedilatildeo cultural Em seus diversos matizes ela tem sido

termocircmetro caleidoscoacutepio8 e espelho natildeo soacute das mudanccedilas sociais mas

sobretudo das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais

profundas ______________________________

8 Pequeno instrumento ciliacutendrico em cujo fundo haacute fragmentos moacuteveis de vidro colorido os

quais ao refletirem-se sobre um jogo de espelhos angulares dispostos longitudinalmente produzem um nuacutemero infinito de combinaccedilotildees de imagens de cores variegadas Sucessatildeo raacutepida e cambiante (de impressotildees de sensaccedilotildees) Q v FERREIRA Idem 372

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 20: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Por isso devo pensar a importacircncia em explorar esses significados

impressos nas muacutesicas como uma forma de interpretar a sociedade suas

mensagens ideoloacutegicas filosoacuteficas e culturais concebendo a muacutesica-

documento como um veiacuteculo de forte poder de comunicaccedilatildeo difusatildeo e

construccedilatildeo imageacutetica ou de identificaccedilatildeo no meio urbano eou posteriormente

rural

Partindo desse princiacutepio ao analisar a muacutesica popular produzida pela

induacutestria fonograacutefica do iniacutecio do seacuteculo temos como base e suporte

privilegiado a produccedilatildeo musical urbana voltada para a pesquisa baseada no

fonograma (registro exclusivamente sonoro em suporte material como disco

fita magneacutetica etc ndash Ferreira idem 925)

Este ainda eacute o principal ―corpus documental privilegiado do

pesquisador em muacutesica popular do seacuteculo XX (NAPOLITANO 2006 256)

Todavia a muacutesica ainda eacute pouco explorada de forma mais ampla pelos

historiadores por exemplo encontram dificuldade para ler o texto meloacutedico rico

em significados e marcas de uma eacutepoca Com o surgimento das novas

tecnologias a pesquisa em muacutesica popular foi facilitada Pois conseguimos

analisar a produccedilatildeo musical dos compositores e cantores por meio da internet

Outra fonte importante para o estudo da muacutesica popular comercial eacute o

cinema Pois nas deacutecadas de 1930 1940 e 1950 (recorte temporal desta

pesquisa) existiu o chamado filme musical que foi um importante tipo de

produto musical difundido no paiacutes

[Analisando o] painel documental eacute possiacutevel perceber o rico manancial de fontes fiacutelmicas e fonograacuteficas que ainda natildeo foram incorporadas pelo historiador da muacutesica Somente a partir da deacutecada de 1990 os trabalhos historiograacuteficos estatildeo trabalhando de maneira mais ampla e sistemaacutetica com fontes audiovisuais e sonoras para o estudo da muacutesica popular (NAPOLITANO Idem 257)

Portanto a muacutesica como documento deve ser analisada a partir de

uma criacutetica sistemaacutetica que decirc conta de seu ―estabelecimento como fonte

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

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10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 21: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

histoacuterica (dataccedilatildeo autoria condiccedilotildees de elaboraccedilatildeo coerecircncia histoacuterica do seu

testemunholsquo) e do seu conteuacutedo (potencial informativo sobre um evento ou um

processo histoacuterico) (Idem 266) Temos que levar em consideraccedilatildeo tambeacutem

que na muacutesica a textura ou colocaccedilatildeo de uma voz os timbres e o equiliacutebrio

entre os instrumentos o andamento e as divisotildees riacutetmico-meloacutedicas satildeo

estruturas que interferem no sentido conceitual corpoacutereo e emocional da letra

produzindo interpretaccedilotildees diferentes mudando com isso o sentido ou o que vai

ser pesquisado

Com tudo isso ao se usar a muacutesica popular como documento histoacuterico

torna-se necessaacuterio perceber que a canccedilatildeo estaacute inserida em um contexto

social econocircmico poliacutetico e cultural Sendo uma siacutentese de parte da sociedade

que se ver representada por aquele estilo ou gecircnero musical cantor ou

compositor Desta forma a muacutesica como praacutetica social ou cultural translada-se

para um elemento construtor ou transmissor de identidades coletivas

individuais regionais ou nacionais presentes nas canccedilotildees

Outro fator importante para a pesquisa com muacutesica popular eacute termos a

clareza de estaacute lidando com um elemento subjetivo (que proveacutem de um sujeito

enquanto agente individual ou coletivo) Como descreve Moraes (2000 213 -

214)

Aqueles que se arriscam em trabalhar com a canccedilatildeo popular como fonte documental tambeacutem apontam sua suposta condiccedilatildeo excessivamente subjetiva como dificuldade adicional Inicialmente porque a muacutesica aleacutem de seu estado de imaterialidade atinge os sentidos do receptor estando portanto fundamentalmente no universo da sensibilidade Por tratar-se de um material marcado por objetivos essencialmente esteacuteticos e artiacutesticos destinado agrave fruiccedilatildeo pessoal eou coletiva a canccedilatildeo tambeacutem assume inevitavelmente a singularidade e caracteriacutesticas especiais proacuteprias do autor e de seu universo cultural Aleacutem disso geralmente uma nova leitura eacute realizada pelo inteacuterpreteinstrumentista E finalmente o receptor faz sua (re) leitura da obra agraves vezes trilhando caminhos inesperados para o criador

Sintetizando ao se trabalhar com a muacutesica popular na pesquisa

histoacuterica devemos levar em consideraccedilatildeo que a muacutesica eacute um documento

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

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10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 22: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

subjetivo ou seja repleto de significados interpretaccedilotildees e reinterpretaccedilotildees

Sendo assim tornasse sine qua non a importacircncia que aja a sensibilidade ou

disponibilidade de explorar o que a canccedilatildeo pode oferecer natildeo havendo

restriccedilatildeo mas buscando suas diversas possibilidades ou potencialidades

Todavia temos que levar em conta o desafio do pesquisador Como relata

Napolitano (2002 77 - 78)

O grande desafio de todo pesquisador em muacutesica popular eacute mapear as camadas de sentido embutidos numa obra musical bem como suas formas de inserccedilatildeo na sociedade e na histoacuteria evitando ao mesmo tempo as simplificaccedilotildees e mecanicismo analiacuteticos que podem deturpar a natureza polissecircmica (que possui vaacuterios sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza esteacutetica

Portanto o caraacuteter da pesquisa tem que observar a relevacircncia em se

notar os dados soacutecios - histoacutericos da muacutesica popular ou seja quem produz

como foi difundida quem consumiu que mensagem expressava a que gecircnero

artiacutestico estava inserido Situar a canccedilatildeo como algo que reflete ou constitui os

padrotildees sociais culturais e afetivos e a que tempo e espaccedilo ou a obra que

pertence e quais as influecircncias sofridas Conquanto a regra baacutesica para a

anaacutelise ou a pesquisa da canccedilatildeo como documento histoacuterico deve partir do

pressuposto da delimitaccedilatildeo histoacuterica e temporal da muacutesica e de seus ritmos E

de reconhecer a problematizaccedilatildeo os testemunhos e a multiplicidade de temas

ou conceitos contidos na canccedilatildeo de determinado periacuteodo

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

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9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 23: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Capiacutetulo ndash II

3 Meio Seacuteculo de Muacutesica Brasileira

―Se vocecirc tiver uma boa ideia eacute melhor fazer uma canccedilatildeo

Jaacute disse um famoso compositor brasileiro

Marcos Napolitano

Nesse capiacutetulo busco estudar a histoacuteria da Muacutesica Popular Brasileira

(MPB) produzida desde a realizaccedilatildeo do primeiro fonograma passando pelo

apogeu do samba ateacute chegar ao iniacutecio da corrente musical conhecida como

Bossa Nova que foi o gecircnero musical que substituiu o Baiatildeo fonte de pesquisa

desse trabalho

Primeiramente cabe salientar que a muacutesica brasileira natildeo comeccedilou no

seacuteculo XX ndash recorte temporal deste capiacutetulo - Pois desde o Periacuteodo Colonial

(1500 a 1822) jaacute eram produzidas muacutesicas que tinham como caracteriacutesticas o

hibridismo de sons indiacutegenas negros e portugueses (Caldas 1989) Devo

destacar o Cateretecirc (de origem indiacutegena em que os danccedilarinos satildeo

distribuiacutedos em fileiras opostas) o Cantochatildeo (canto lituacutergico da Igreja Catoacutelica

que se assemelha ao canto gregoriano) e o lundu (danccedila de par solto de

origem africana)

No Periacuteodo Imperial (1822 a 1889) desenvolveram-se outros ritmos

como a modinha o choro ou chorinho e o maxixe Segundo Caldas (Idem 19)

a modinha tem como caracteriacutestica ser um ―gecircnero de romanccedila de salatildeo

fortemente marcado pela influecircncia da oacutepera italiana sai dos salotildees imperiais

das festas dos nobres para os festejos de rua Vejamos o que diz Napolitano

(2002 40-41) sobre esse ritmo e suas origens

A modinha trazia a marca da melancolia e uma certa pretensatildeo erudita na interpretaccedilatildeo e nas letras sobretudo na sua forma claacutessica adquirida ao longo do II Impeacuterio Quase uma aacuteria operiacutestica com inclinaccedilotildees para o liacuterico e o melancoacutelico A modinha surge em fins do seacuteculo XVIII derivada da moda portuguesa

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 24: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

O choro ou chorinho surgiu no final do seacuteculo XIX na Capital do Paiacutes

(Rio de Janeiro) tendo como caracteriacutesticas a utilizaccedilatildeo de instrumentos como

a flauta o violatildeo e o cavaquinho Os grupos de chorotildees eram responsaacuteveis

pelas serenatas e bailes familiares Este ritmo apresenta um caraacuteter musical

sentimentalisto e melancoacutelico ―O Choro se refere com a nostalgia de uma

coisa perdida nada mais significa do que a aparecircncia da estrutura social

sedimentada no Segundo Impeacuterio (TINHORAtildeO 1997 110) Observemos o

que narra Napolitano sobre esse gecircnero musical

O choro acabou por galvanizar uma forma musical urbana brasileira sintetizando elementos da tradiccedilatildeo e das modas musicais da segunda metade do seacuteculo XIX Nele estavam presentes o pensamento contrapontiacutestico do Barroco o andamento e as frases musicais tiacutepicas da polca os timbres instrumentais suaves e brejeiros levemente melancoacutelicos e a sincopa que deslocava a acentuaccedilatildeo riacutetmica ―quadrada dando-lhe um toque sensual e ateacute jocoso (NAPOLITANO 2002 45-46)

Sobre o outro ritmo o maxixe veja o que diz Ferreira (1999 1302)

sobre as caracteriacutesticas e as origens desse ritmo

Danccedila urbana geralmente instrumental de par unido originaacuterio da cidade do Rio de Janeiro onde apareceu entre 1870 e 1880 como resultado da fusatildeo da habanera [danccedila de origem afro-cubana] e da polca [danccedila de origem europeia] com uma adaptaccedilatildeo do ritmo sincopado africano Era em compasso binaacuterio simples andamento raacutepido e caracterizavam-na requebros de quadris voltas quedas e movimentos de rosca (parafusos) acompanhados de passos convencionados ou improvisados pelos danccedilarinos

Entretanto segundo Vasco Mariz (2006) o que provocou o advento da

chamada ―muacutesica brasileira na transiccedilatildeo do seacuteculo XIX para o XX foi o

carnaval Pois era o maior incentivador para o desenvolvimento da muacutesica

popular ―Os grandes festejos anuais de Momo constituiacuteam o centro de atraccedilatildeo

de todas as atividades musicais urbanas e serviram de estiacutemulo para a

produccedilatildeo de modinhas polcas maxixes marchinhas e sambas (MARIZ Idem

37)

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 25: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

3 1 Eu sou o Samba

No iniacutecio do seacuteculo XX comeccedilam a surgir agraves bases do que seria o

samba Dos morros e dos corticcedilos do Rio de Janeiro comeccedilam a se misturar

os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem

aos orixaacutes Sobre o samba veja o relato de Caldas (1989) trata-se de um

sincretismo musical onde originalmente estatildeo presentes a polca europeia que

lhe forneceu os movimentos iniciais a habanera influenciando o ritmo o lundu

e o batuque com o sincopado e a coreografia e o brasileiro ―jeitinho de cantar

e de tocar

Desde o iniacutecio o samba se ramificou em correntes eou formas de

cantaacute-lo e tocaacute-lo Por isso que estudiosos como Caldas (1989) e Napolitano

(2002) o dividiram em samba de morrolsquo (mais raacutepido e acentuado) e samba

de cidadelsquo (mais cadenciado e meloacutedico) Viana (1995) explica esse litiacutegio no

samba dizendo ―A ruptura que estaacute na origem do samba paradoxalmente

instituiu uma tradiccedilatildeo um conjunto de caracteriacutesticas esteacuteticas que passaram a

ser consideradas autecircnticaslsquo Voltando aos tipos de samba observe o relato

de Caldas (Op Cit 29) sobre o samba de morrolsquo

Eacute produzido pelos compositores dos morros e das favelas do Rio de Janeiro Muito proacuteximo ao batuque (outro ritmo afro-brasileiro) ganha forccedila e popularidade a partir de 1922 justamente quando surgem as escolas de samba Trata-se de um ritmo extremamente rico em coreografia constantemente apresentado nas tradicionais rodas de samba ou nos desfiles carnavalescos dos blocos e das escolas de samba Os meneios remelexos sacolejos rebolados e saracoteios muito precisos harmocircnicos e sensuais formam sem duacutevida a base coreograacutefica do estilo musical mais popular em nosso paiacutes

E sobre o samba da cidade ou asfalto Veja as caracteriacutesticas descritas

por Napolitano (Idem 52) ―uma tradiccedilatildeo que passaraacute a ter uma geografia

cultural especiacutefica [sabem que a origem eacute o morro mas] ao mesmo tempo se

confundiraacute com a proacutepria ideia de brasilidade ateacute pela forccedila do raacutedio como

meio de comunicaccedilatildeo de massas

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 26: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Em meio a todos esses movimentos musicais foi produzido em 1902

pela Casa Edison9 o primeiro registro fonograacutefico Era a gravaccedilatildeo do disco

―Isto eacute Bom lundu de Xisto [de Paula] Bahia (1841 a 1894 ndash ver imagem em

anexo) cantado por Bahiano (Manoel Pedro dos Santos ndash 1880 a 1944 ndash ver

imagem em anexo) Veja como descreve Napolitano (Idem 46) como era os

siacutembolos ou as caracteriacutesticas das primeiras gravaccedilotildees

Tiacutenhamos portanto uma vida musical intensa e diversificada Nos quinze primeiros anos de histoacuteria fonograacutefica brasileira o que predominava era a repeticcedilatildeo dos padrotildees fonograacuteficos internacionais vozes operiacutesticas e empostadas acompanhamentos orquestrais compactos (cordas e metais) e formas musicais com aspiraccedilotildees a serem ―muacutesica seacuteria (sobretudo trechos de operetas modinhas solenes valsas brejeiras toadas ―sertanejas parnasianas)

Muacutesica Isto eacute bom ndash Xisto Bahia A renda de tua saia Vale bem cinco mil reis Arrasta mulata a saia Que eu dou cinco e satildeo dez Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Levanta a saia mulata Natildeo deixa a renda arrastar E a renda custa dinheiro Dinheiro custa ganhar Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Iaiaacute vocecirc quer morrer Se morrer morramos juntos Eu quero ver como cabe Numa cova dois defuntos Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

O inverno eacute rigoroso Bem dizia a minha avoacute Que dorme junto tem frio Que faraacute quem dorme soacute

________________________________

9 Para melhor conhecer a histoacuteria da Casa Edison ver FRANCESCHI Humberto

Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 27: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Os rapazes gostam de moccedilas E os solteiros tambeacutem Eu como sou rapaz solteiro Gosto mais do que ningueacutem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Se eu brigar com meus amores Natildeo se intrometa ningueacutem Que acabado os arrufos Ou eu vou ou ela vem Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Me prendam a sete chaves Que assim mesmo hei de sair Natildeo posso ficar em casa Natildeo posso em casa dormir Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei Isto eacute bom isto eacute bom isto eacute bom que doacutei

Entretanto devo destacar o ano de 1917 como um marco para o

samba Pois Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890 - 1974) mais conhecido

como Donga (ver imagem em anexo) que compotildee o primeiro samba que se

tem notiacutecia ―Pelo Telefone Entretanto ―os fatos que o cercam satildeo por vezes

contraditoacuterios e merecem atenccedilatildeo e pormenores [] ―que ao contraacuterio do que

pensa muita gente natildeo foi soacute Donga o autor daquele samba na realidade ele

teria escrito apenas a introduccedilatildeo MARIZ (2006 84-85) Gerando com isso

muitos conflitos entre o grupo de samba frequentado pelo mesmo Sobre as

polecircmicas do samba de Donga10 Caldas (Idem 32) ratifica

O sucesso da muacutesica foi muito maior do que o esperado e consequentemente a briga pela autoria foi na mesma proporccedilatildeo embora natildeo existisse na eacutepoca o pagamento de direitos autorais Neste caso obviamente o que entra em jogo eacute a vaidade pessoal aleacutem da ira coletiva contra a possiacutevel desonestidade de Donga

_____________________________

10 Para melhor conhecer a biografia de Donga Cf MARIZ Vasco Donga marco da histoacuteria do

samba In A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em httpdicionariompbcombrdonga

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

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_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 28: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Marcos Napolitano (Op Cit 50) sobre esta tensatildeo diz

Quando Donga registrou a muacutesica ―Pelo Telefone colocando-lhe o roacutetulo de ―samba ele realizou um gesto comercial e simboacutelico a um soacute tempo comercial porque registrava uma muacutesica que reunia elementos de circulaccedilatildeo puacuteblica e simboacutelica na medida em que tanto o registro de autoria (na Biblioteca Nacional em 1916) quanto o fonograacutefico (com o selo Odeon em 1917) permitiam uma ampliaccedilatildeo do circulo de ouvintes daquela muacutesica para ―aleacutem do grupo social original

Assim a muacutesica passa a ser produzida em escala comercial sendo um

aspecto que estimulou a autoria individual Fazendo surgir uma tradiccedilatildeo dos

negros e mulatos que se reuniam em rodas de sambas e compunham

coletivamente

Muacutesica Pelo Telefone

Composiccedilatildeo Donga e Mauro de Almeida

O chefe da poliacutecia Pelo telefone manda me avisar Que na carioca Tem uma roleta para se jogar

Ai ai ai Eacute deixar maacutegoas pra traacutes oacute rapaz Ai ai ai Fica triste se eacutes capaz e veraacutes

Tomara que tu apanhe Pra natildeo tornar fazer isso Tirar amores dos outros Depois fazer teu feiticcedilo

Olha a rolinha sinhocirc sinhocirc Se embaraccedilou sinhocirc sinhocirc Eacute que a avezinha sinhocirc sinhocirc Nunca sambou sinhocirc sinhocirc Porque este samba sinhocirc sinhocirc De arrepiar sinhocirc sinhocirc Potildee perna bamba sinhocirc sinhocirc Mas faz gozar sinhocirc sinhocirc

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 29: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Segundo Napolitano (2002) a origem da palavra samba estaacute

relacionada com os espaccedilos sociais onde ocorriam festas frequentadas por

negros e mulatos

A palavra samba designava as festas de danccedila dos negros escravos sobretudo na Bahia do seacuteculo XIX com a imigraccedilatildeo negra da Bahia para Rio de Janeiro as comunidades baianas se estruturaram de forma espacial e cultural e tiveram nas ―tias velhas senhoras que exerciam um papel catalisador na comunidade o seu elo central A primeira geraccedilatildeo do samba Joatildeo da Baiana Donga e Pixinguinha entre outros tinha a marca do maxixe e do choro e a partir das comunidades negras do centro do Rio principalmente nos bairros da Sauacutede e da Cidade Nova irradiou esta forma para toda a vida carioca e posteriormente para toda a vida musical brasileira (NAPOLITANO Idem 49)

Sendo assim samba ―nasceu em meio agraves zonas mais problemaacuteticas

da antiga capital do paiacutes Como a Cidade Nova mas tambeacutem devemos

destacar as periferias favelas e morros que eram espaccedilos de uma populaccedilatildeo

que se adequava as condiccedilotildees financeiras e urbaniacutesticas que uma metroacutepole

passou a ter ―um ambiente de extrema criatividade e diversificaccedilatildeo cultural

dada a conjunccedilatildeo de experiecircncias fragmentada de usos e costumes de

diferentes procedecircncias (VIANNA 1998 100)

O samba emergiu no terreno da malandragem e da esperteza para se

viver sendo tambeacutem o espaccedilo da confluecircncia de culturas vindas das regiotildees

pobres do paiacutes mas com a presenccedila de tipos estrangeiros que influenciaram

na melodia do novo ritmo Portanto a muacutesica aparece no significado desse

periacuteodo como um canal de integraccedilatildeo ou interaccedilatildeo entre classes oue culturas

e onde os indiviacuteduos das camadas populares se divertiam

Mas o pesquisador supracitado narra as casas das ―tias como o lugar

de fomento do samba ou como diz Napolitano (Idem) eram os laboratoacuterios

musicais da eacutepoca As casas das ―tias eram espaccedilos reservados paras as

festas de sambas e para aglutinaccedilatildeo de culturas Como descreve Vianna (Op

Cit 103)

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 30: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

As festas das tias baianas eram espaccedilos de sociabilidade onde se reforccedilavam os valores e a vitalidade criativa do grupo Essas festas duravam pelo menos trecircs dias com comida bebida muacutesica e danccedila baile na sala de visitas partido alto nos fundos e batucada no terreiro Muitas vezes eram interrompidas por batidas policias pois as reuniotildees populares eram percebidas como desordens Mas nunca na casa da tia Ciata () cujo marido trabalhava no gabinete do chefe de poliacutecia e garantia a permissatildeo e dois soldados para a seguranccedila das festas Tia Ciata era uma poderosa mediadora cultural Por conta de seus saberes curou uma ferida do entatildeo presidente Wenceslau Braacutes e por isso foi agraciada com o referido emprego para o marido

Por isso que a casa da Tia Ciata (1854 - 1924) eacute considerada um dos

berccedilos do samba Primeiro por ter sido ali onde foi composto o samba ―Pelo

Telefone Segundo por ser um espaccedilo em que se podia cantar e danccedilar esse

gecircnero musical sem a perseguiccedilatildeo do estado Sobre Tia Ciata (ver imagem

em anexo) Caldas (Idem 36-37) complementa

Em fins dos anos 20 a casa da babalorixaacute11 dona Hilaacuteria de Almeida (Tia Ciata) na Praccedila Onze jaacute natildeo era mais o uacutenico ponto de encontro dos sambistas Gecircneros musicais como a polca a habanera o maxixe a quadrilha o xote e a valsa grandes sucessos dos carnavais do iniacutecio da deacutecada cediam espaccedilo para o samba que se expandia para outros lugares da cidade

O samba comumente praticado nos morros cariocas natildeo era mais soacute

de laacute era tambeacutem um siacutembolo da ascensatildeo da identidade nacional promovida

e estimulada pelo Governo Federal signo da autenticidade mesticcedila da cultura

brasileira Deixando de ser perseguido e se transformando na muacutesica do

Brasil

___________________ 11 Chefe espiritual e administrador de um candombleacute ou de um xangocirc ou de certos centros de umbanda babaloxaacute pai-de-santo pai-de-terreiro (Cf FERREIRA 1999 248)

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

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TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 31: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

3 2 Eu sou o Raacutedio

Natildeo daacute para falar de muacutesica no Brasil sem citar um outro elemento

importantiacutessimo para a popularizaccedilatildeo de vaacuterios artistas e ritmos Este elemento

natildeo era muacutesico Natildeo compunha natildeo tocava instrumentos e sequer tinha matildeos

para tal pois natildeo era uma pessoa e sim um objeto cada vez mais presente

nas casas brasileiras a partir da deacutecada de 1930 o raacutedio Sobre este

instrumento de difusatildeo Moraes (2000 216) escreve

Com relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo difusatildeo e circulaccedilatildeo eacute preciso levar em conta que a canccedilatildeo popular urbana na sua forma contemporacircnea () associa-se imediata e irreversivelmente aos meios de comunicaccedilatildeo e ao mercado Esses meios que despontaram de forma ascendente entre o final dos anos vinte e a deacutecada de 1930 foram determinantes na alteraccedilatildeo dos modos de produccedilatildeo e difusatildeo da culturamuacutesica popular e por consequecircncia nas formas de sentir refletir e ver o mundo O cotidiano das pessoas foi transformado irreversivelmente pelo raacutedio disco profissionalizaccedilatildeo dos artistas loacutegica dos espetaacuteculos e imprensa especializada As relaccedilotildees com os meios de comunicaccedilatildeo foram e ainda satildeo contraditoacuterias variando da mais profunda pobreza esteacutetica passando pelos mais niacutetidos e fortes interesses comerciais ou ideoloacutegicos chegando a uma incriacutevel e rica divulgaccedilatildeo da produccedilatildeo cultural

A Era do Raacutedio como ficou conhecida Teve iniacutecio com a primeira

transmissatildeo radiofocircnica do Brasil que aconteceu no ano de 1922 com um

pronunciamento do entatildeo Presidente da Repuacuteblica o paraibano Epitaacutecio

Pessoa (1919 a 1922) com a transmissatildeo da Oacutepera O Guarani do Maestro

Carlos Gomes diretamente do Teatro Municipal no Rio de Janeiro Vejamos o

que diz Caldas (1989 27) ―com o advento do raacutedio em 1922 marcando o iniacutecio

da cultura de massa em nosso paiacutes a canccedilatildeo popular ganha novo impulso e

novos rumos

As primeiras raacutedios difusoras do Brasil inauguraram suas transmissotildees

somente em 1923 Na programaccedilatildeo aleacutem dos noticiaacuterios as emissoras

comeccedilaram a investir na muacutesica que ―foi favorecida logo em iniacutecios da deacutecada

de 1930 pelo aparecimento dos raacutedios providos de vaacutelvulas eleacutetricas de

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

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TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 32: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

ampliaccedilatildeo que permitiam uma recepccedilatildeo muito clara atraveacutes de alto-falantes

(TINHORAtildeO 1998 298)

Os programas radiofocircnicos eram transmitidos ao vivo diretamente dos

auditoacuterios com a participaccedilatildeo dos melhores artistas da eacutepoca com ―vozes de

estilo operiacutestico como as de Augusto Calheiros Francisco Alves Vicente

Celestino Orlando Silva e Siacutelvio Caldas () ganharam popularidade

rapidamente (CALDAS Op Cit 27)

Durante as deacutecadas de 1930 40 e 50 ndash Era de Ouro do Raacutedio -

muacutesicas como ―Aquarela do Brasil Ave Maria do Morro Estatutos da

Gafieira ―Mulata assanhada e ldquoCarinhoso cantavam a alegria as belezas

naturais do Brasil as mazelas a malandragem do povo brasileiro

Com o crescimento e popularizaccedilatildeo do raacutedio nas deacutecadas de 1920 e

1930 a muacutesica popular brasileira cresceu ainda mais Nesta eacutepoca inicial do

raacutedio brasileiro destacam-se os seguintes cantores e compositores Ary

Barroso Lamartine Babo Dorival Caymmi Lupiciacutenio Rodrigues e Noel Rosa

Gradativamente o raacutedio vai tomando lugar como importante veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo e entretenimento da populaccedilatildeo brasileira Era mais raacutepido

transmitir fatos pelas ondas do raacutedio do que pelos jornais E logo os

comerciantes colocavam raacutedios em seus estabelecimentos para atrair a

freguesia Como narra Caldas (Idem 40)

Entre os patrocinadores obviamente natildeo poderia faltar um produto de beleza surgia o Creme Rugol para ―manter a pele sempre jovem Mas havia tambeacutem o Xarope Bromil ―contra a tosse e o pigarro e Kolynos o ―uacutenico dentifriacutecio que deixa seus dentes mais brancos

Mas eacute a partir de 1930 com o governo do presidente Getuacutelio Vargas

(1930 a 1945) que o aparelho e as estaccedilotildees de raacutedio no Brasil tem seu

boom enquanto instrumento de comunicaccedilatildeo de massa e difusatildeo cultural

Como descreve Lima (2008 50)

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 33: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Um meio de divulgaccedilatildeo e integraccedilatildeo nacional estava se popularizando o raacutedio que segundo os dados oficiais do Departamento de Correios e Teleacutegrafos desde 1939 jaacute haviam registrado no paiacutes 360 mil aparelhos catalogados Era agrave eacutepoca aacuteurea das transmissotildees ―ao vivo de muacutesicas e as apresentaccedilotildees musicais que correspondiam a cerca de 50 (por cento) da programaccedilatildeo Haviam por volta de 1947 cerca de 51 estaccedilotildees de raacutedio divididas assim pelos estados brasileiros 12 no Rio de Janeiro 24 em Satildeo Paulo 3 na Bahia em Minas Gerais e Pernambuco 2 no Rio Grande do Sul Cearaacute e Paraacute Portanto tornou-se interessante descrevermos os nomes das principais emissoras que eram Raacutedio Clube do Brasil Philips Cajuti Cruzeiro do Sul Record Bandeirantes Cultura e Tamoio em Satildeo Paulo Mayrink Veiga Vera Cruz Nacional e Tupi no Rio de Janeiro No Nordeste as mais importantes eram as raacutedios Jornal do Commeacutercio Clube e Tamandareacute no Pernambuco e na Paraiacuteba destaca-se a Raacutedio Tabajara (fundada em 1937) Esse meio de difusatildeo e organizaccedilatildeo musical soacute perdeu esse status apoacutes a consolidaccedilatildeo da televisatildeo em 1960 uma deacutecada apoacutes a sua fundaccedilatildeo

Devo destacar tambeacutem que o Governo Vargas na eacutepoca incentivou o

desenvolvimento profissional teacutecnico e comercial dos profissionais que

trabalhavam diretamente nas raacutedios brasileiras Mas ao mesmo tempo em que

incentivava o desenvolvimento da induacutestria do raacutedio o governo censurava

aqueles meios de comunicaccedilatildeo ou muacutesicos que eram opositores do regime

principalmente apoacutes o golpe de 1937 (ano de implantaccedilatildeo do Estado Novo)

Veja o que Caldas (1989 41) relata

A censura preacutevia vigiava de perto a muacutesica popular Canccedilotildees de teor poliacutetico soacute eram divulgadas pelo raacutedio quando elogiosas ao Estado Novo Algumas que contestavam foram sumariamente destruiacutedas e seus autores presos

O Governo Vargas tambeacutem ficou marcado por uma forte propaganda

nacionalista focando justamente na identidade do povo brasileiro ―Foi soacute a

partir de 1930 que o raacutedio alcanccedilou maior abrangecircncia em grande parte em

funccedilatildeo do interesse poliacutetico do Estado que percebe sua utilizaccedilatildeo como

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

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_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 34: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

veiacuteculo capaz de divulgar em todo o territoacuterio o sentimento de nacionalismo

CALDAS (Idem 38)

Portanto na perspectiva oficial era necessaacuterio ressaltar a identidade

nacional brasileira buscada nas raiacutezes ou seja no folclore popular que eram

propagadas pelas ondas do raacutedio Como descreve Napolitano (2002 58-59)

Natildeo se tratava apenas de um capricho intelectual de alguns amantes refinados da muacutesica popular Essa estrateacutegia era importante em meio agrave febre folclorista que tomou conta do meio intelectual e acadecircmico () A folclorizaccedilatildeo das representaccedilotildees do povo brasileiro era um processo em curso desde o Estado Novo (1937 - 1945) e funcionava como estrateacutegia cultural e ideoloacutegica na manipulaccedilatildeo de identidade ―nacional-popular e consequentemente como legitimaccedilatildeo dos canais de expressatildeo dos grupos populares na arena poliacutetico-cultural como um todo arena esta controlada pelas elites Na medida em que se afirmava o nacional-populismo como forma de articular as elites e as classes populares a folclorizaccedilatildeo do conceito de povo

Para tudo isso o raacutedio foi fundamental E como o governo incentivava

o entretenimento - ateacute mesmo para desviar o foco das criacuteticas - as raacutedios

passaram a contratar artistas para seus programas de auditoacuterio ao inveacutes de soacute

convidaacute-los para um ou dois programas ainda mais apoacutes a liberaccedilatildeo dos

reclames (comerciais) entre a programaccedilatildeo jaacute que as raacutedios dependiam dos

anunciantes para manter a programaccedilatildeo ―Em 1931 regulamenta-se a

utilizaccedilatildeo comercial do raacutedio e em 1932 vamos encontrar as primeiras

propagandas do Governo misturadas agraves muacutesicas tocadas no raacutedio (CALDAS

Idem 38)

O raacutedio contou com artistas como Carmen Miranda Ataulfo Alves

Dolores Duran Nelson Gonccedilalves Orlando Silva Siacutelvio Caldas Araci de

Almeida e Dalva de Oliveira entraram para a histoacuteria da muacutesica brasileira

Interpretando composiccedilotildees de Lamartine Babo Ary Barroso Braguinha

Joubert de Carvalho Noel Rosa e Cartola entre outros alguns dos quais

extremamente afinados com o projeto varguista como Ary Barroso Enquanto

outros a exemplo de Noel Rosa tentava burlar a censura

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 35: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Durante a deacutecada de 1950 o Brasil talvez tenha assistido ndash ou melhor

ouvido ndash o aacutepice do raacutedio presente na imensa maioria de lares brasileiros

Assim como hoje em dia a TV influecircncia opiniotildees e costumes na eacutepoca o

raacutedio ajudava a construir parte desta cultura brasileira produzida pelos proacuteprios

brasileiros

Entretanto na segunda metade da deacutecada de 1940 acontecem

mudanccedilas Tanto no raacutedio que ―era um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo consolidado e

em franco processo de expansatildeo sobretudo entre as camadas populares

urbanas Na muacutesica que ―inaugurava-se uma nova etapa marcada pela

penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros (NAPOLITANO Idem 56-57) e

nacionais Como no governo pois havia terminado a chamada ―Era Vargas

(1930 a 1945) Dando iniacutecio no cenaacuterio musical brasileiro a um novo gecircnero

musical o ―Baiatildeo de Luiz Gonzaga

3 3 Eu sou o Baiatildeo

A partir de 1945 o Brasil passou por algumas mudanccedilas importantes

Primeiro no campo poliacutetico foi agrave chegada ao poder de um novo Presidente da

Repuacuteblica Eurico Gaspar Dutra Segundo no campo econocircmico o mundo natildeo

estava mais em guerra mas vivia dividido entre duas ideologias a capitalista e

a comunista O paiacutes estava diretamente alinhado com os EUA (Estados Unidos

da Ameacuterica) em sua poliacutetica externa E terceiro no campo cultural o samba

deixou de ser o ritmo da moda Como discorre Caldas (Idem 43)

A cultura brasileira em geral e a muacutesica popular brasileira ingressam numa fase muito mais criativa Destaque-se o nuacutemero de novos artistas que acorrem ao Rio de Janeiro para apresentarem sua arte O novo clima poliacutetico de certa forma estimulava a isso

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

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VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 36: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Napolitano enfatiza quais foram os novos ritmos que emergiram no

poacutes-guerra aqui no Brasil

No campo especiacutefico da muacutesica popular inaugura-se uma nova etapa marcada pela penetraccedilatildeo de novos gecircneros estrangeiros principalmente o bolero a rumba cha-cha-cha e o cool jazz O baiatildeo e outros gecircneros ―regionais (embolada coco moda-de-viola) tambeacutem foram ganhando espaccedilo no raacutedio tornando-se referecircncia para aleacutem das regiotildees de origem (NAPOLITANO 2002 56-57)

Entre os gecircneros supracitados estaacute o baiatildeo que inicialmente

designava um tipo de reuniatildeo festeira dominada pela danccedila O folclorista

Cacircmara Cascudo (1974) o associa aos termos baiano e rojatildeo Este uacuteltimo

seria o pequeno trecho musical executado pelas violas no intervalo dos

desafios da cantoria Como nos explica Dreyfus (1996 110-112)

O termo ―baiatildeo sinocircnimo de rojatildeo jaacute existia designando na linguagem dos repentistas nordestinos o pequeno trecho musical tocado pela viola que permite ao violeiro testar a afinaccedilatildeo do instrumento e esperar a inspiraccedilatildeo assim como introduz o verso do cantador ou pontua o final de cada estrofe No repente ou no desafio cuja forma de cantar eacute recitativa e monocoacuterdia o ―baiatildeo eacute a uacutenica sequecircncia riacutetmica e meloacutedica

Todavia quem imprimiu o formato urbano a este gecircnero foi o

sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989)

Imigrante pobre que no comeccedilo da deacutecada de 1940 passava o pires nos

bordeacuteis do Mangue carioca enquanto tirava na sanfona os ritmos da eacutepoca

como valsas mazurcas polcas sambas e serestas Estimulado por

frequentadores conterracircneos anexou a seu repertoacuterio coisas do sertatildeo entre

elas o baiatildeo Observe o que diz Mariz (2006 42-43) sobre esse ritmo

Em 1946 apareceu no cenaacuterio da muacutesica popular brasileira o avassalador baiatildeo trazido do norte por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira O ecircxito seria estrondoso pela valiosa contribuiccedilatildeo riacutetmica que o baiatildeo apresentava justamente em uma eacutepoca na qual os ritmos nacionais se amoleciam pela interpretaccedilatildeo defeituosa de nossos cantores famosos e a crescente influecircncia estrangeira

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 37: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Segundo Albuquerque Jr (2009) Luiz Gonzaga eacute o criador da ―muacutesica

nordestina Ele passou por Satildeo Paulo e Rio de Janeiro apoacutes dar baixa do

Exeacutercito onde tinha sido corneteiro Nascido na Fazenda Caiccedilara municiacutepio de

Exu Pernambuco Como complementa Vianna (1998) os anos 40 foram anos

de ascensatildeo de Gonzaga e de definiccedilatildeo musical da muacutesica Nordestina Pois

ele fez sua primeira gravaccedilatildeo como artista (1941) onde inventou um ritmo

chamado de ―xamego dando um estilo proacuteprio as suas muacutesicas

Gonzaga ao aproxima-se do compositor e advogado cearense

Humberto Cavalcanti Teixeira (1916 - 1979) obteve o respaldo poeacutetico teluacuterico

(letra) que faltava ao baiatildeo que nesse momento soacute tinha melodia Teixeira

admitia que a ideia do novo ritmo tinha sido unicamente do parceiro Como

descreve Dreyfus (1996 112) que Gonzaga planejou meticulosamente o

lanccedilamento nacional do baiatildeo junto com outros gecircneros nordestinos

A ideia de Luiz Gonzaga era fazer uma grande campanha para lanccedilar a muacutesica do nordeste nos grandes centros urbanos Tanto que ao contraacuterio de gecircneros musicais no Brasil () que surgiram de repente sem nenhuma programaccedilatildeo no caso do baiatildeo houve um real planejamento uma intenccedilatildeo de lanccedilar no Sul e portanto para todo o Brasil de forma estilizada ou melhor amaciada adaptada ao paladar urbano a muacutesica nordestina da qual o ritmo essencial escolhido para essa estilizaccedilatildeo foi o do baiatildeo e isso partiu da cabeccedila de Luiz Gonzaga e soacute da cabeccedila dele (DREYFUS Idem)

O sucesso da muacutesica de Gonzaga na empreitada foi tatildeo grande que

ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 ateacute meados

dos 50 Tornando-se ―uma das figuras mais populares da deacutecada dos 50 ()

sua associaccedilatildeo com Humberto Teixeira produziu obras que se popularizaram

extraordinariamente e foi coroado solenemente como Rei do Baiatildeolsquo (MARIZ

Idem 108)

A bordo de sucessos monumentais como Baiatildeo (que deu origem ao

gecircnero musical) e mais Asa Branca Juazeiro Paraiacuteba Qui nem jiloacute Respeita

Januaacuterio Sabiaacute Vem Morena Baiatildeo de Dois Imbalanccedila Noites Brasileiras e

inuacutemeros outros sucessos (aleacutem de divulgar outros ritmos nordestinos como o

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

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DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

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PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 38: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

xote o xamego a toada o coco o xaxado e ateacute o maracatu) Gonzaga colocou

o Nordeste no mapa musical e cultural do Brasil e posteriormente do mundo

No auge as prensas da gravadora RCA (atual BMG) onde era

contratado trabalhavam quase exclusivamente para seus discos Lembremos

―que no auge o baiatildeo chegou a dominar 80 (por cento) das execuccedilotildees

musicais em todo o Brasil Sendo cantado pelas Rainhas do Raacutedio Marlene

Emilinha Borba Isaura Garcia Dalva de Oliveira Carmeacutelia Alves e ateacute pela

internacional Carmem Miranda (LIMA 2008 35)

Aleacutem de Humberto Teixeira Gonzaga teve outro parceiro fixo o meacutedico

pernambucano Joseacute de Souza Dantas Filho o Zeacute Dantas (1921-1962) ele

―tinha forte tendecircncia para a muacutesica inspirado no sofrimento da sua gente

sertaneja fonte de toda a obra musical que realizou A poesia de Dantas trouxe

para os xotes e os baiotildees a problemaacutetica social vivida pelos nordestinos

impregnando-se de conteuacutedo poliacutetico e social (OLIVEIRA 1991 86) Zeacute

Dantas responsaacutevel por obras primas como a toada A Volta da Asa Branca A

Danccedila da Moda (referecircncia ao sucesso do baiatildeo) Riacho do Navio Algodatildeo

Cintura Fina Vozes da Seca (considerada a primeira canccedilatildeo de protesto

lanccedilada no paiacutes Ver Mariz 2006 108) entre outras composiccedilotildees

IMAGEM 01 Luiz Gonzaga Cantando Foto Maacuterio Luiz Thompson Disponiacutevel em httpwwwmpbnetcombrmusicosluizgonzagaindexhtml

De todo canto do paiacutes surgiam novos compositores ou cantores de

baiatildeo como o maranhense Joatildeo do Vale o pernambucano Luiacutes Vieira

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

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TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 39: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

parceiros e fornecedores de repertoacuterio como o mineiro Hervecirc Cordovil o

cearense Guio de Moraes Onildo de Almeida Joatildeo Silva Joseacute Marcolino e a

dupla carioca Armando Cavalcanti e Klecius Caldas autor de Boiadeiro prefixo

de seu programa na Raacutedio Nacional Aleacutem de inuacutemeros concorrentes do rei

Gonzaga o baiatildeo ostentava ainda uma rainha e uma princesa

respectivamente Carmeacutelia Alves e Claudette Soares Outra a quem o soberano

apadrinhou pessoalmente foi agrave pernambucana Inecircs Caetano de Oliveira

artista que estourou no Nordeste com o nome de Marinecircs e sua Gente

IMAGEM 02 A Corte do Baiatildeo Disponiacutevel em lthttpwwwobreirosdeirajacombrherve-cordovil-2htmlgt

A siacutentese instrumental imaginada por Gonzaga para acompanhar o

ritmo nordestino mdash foi agrave sanfona zabumba (fazendo o baixo) e triacircngulo mdash que

virou epidemia entre os grupos que tocavam o gecircnero do ―norte Mas que soacute

foi formado por volta de 1950 como afirma (DREYFUS 1996 150) Diga-se de

passagem antes o Baiatildeo era acompanhado por vaacuterios instrumentos como o

pandeiro bandolim cavaquinho violatildeo entre outros

A partir da deacutecada de 50 [Luiz Gonzaga] sentiu a necessidade de aprofundar o compromisso com a muacutesica de sua terra e cria um conjunto cujas raiacutezes estariam no nordeste Aleacutem do mais com banda proacutepria teria o domiacutenio completo do seu trabalho Para isso ele comeccedilou a imaginar nova

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

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FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

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OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 40: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

instrumentaccedilatildeo capaz de interpretar plenamente o baiatildeo realccedilando-lhe as caracteriacutesticas salientando-lhe o sabor E foi lembrando os instrumentos tradicionais da muacutesica do Nordeste que constituiu o conjunto que melhor traduziu a alma de sua muacutesica

A partir da segunda metade da deacutecada de 1950 o baiatildeo entrou em

decliacutenio Junto a isso inicia-se no Brasil um grande movimento musical a

Bossa Nova nascida entre os muacutesicos da classe meacutedia do Rio de Janeiro Na

verdade esse novo gecircnero a Bossa Nova era uma forma diferente de cantar o

―velho samba abusando do violatildeo e do piano em um ritmo mais cadenciado e

que com o tempo incorporou alguns elementos esteacuteticos do jazz norte-

americano e acabou virando um ritmo uacutenico no mundo feito por brasileiros que

passou a ser consumido pelo planeta Destacam-se cantores como Elizeth

Cardoso Tom Jobim12 e Joatildeo Gilberto A Bossa Nova leva as belezas

brasileiras para o exterior fazendo grande sucesso principalmente nos

Estados Unidos Marques (2008 73) sintetiza essa nova corrente musical

Ao final da deacutecada de 50 atraveacutes da Bossa Nova o diaacutelogo com a muacutesica internacional jaacute se impunha agrave muacutesica universitaacuteria No entanto esse diaacutelogo natildeo era traduzido ou expliacutecito em um manifesto programaacutetico ou uma referecircncia temaacutetica As melodias de Tom Jobim e sobretudo o violatildeo de Joatildeo Gilberto conferiram o status de produccedilatildeo nacional ao movimento

Apoacutes o suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 Juscelino Kubitschek foi

eleito tornando-se o ―Presidente Bossa Nova como era conhecido mudou a

capital do Rio de Janeiro para Brasiacutelia cidade no planalto central projetada e

construiacuteda para servir de centro governante do paiacutes Nesse periacuteodo a muacutesica

buscou se modernizar e o baiatildeo com isso passou pelo ostracismo que o

samba passou em meados da deacutecada de 1940

___________________ 12 Para melhor conhecer a biografia da maioria desses personagens (cantores e compositores) citados nesses textos Cf MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ediccedilatildeo Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006 Ou no Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 41: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Todavia Gonzaga natildeo foi esquecido ele foi reabilitado por uma

geraccedilatildeo nordestina que o ouvia no raacutedio a exemplo do paraibano Geraldo

Vandreacute (que regravou Asa Branca como canccedilatildeo de protesto em 1965) aos

baianos tropicalistas Caetano Veloso Gilberto Gil e Gal Costa aacutevidos releitores

de sua obra Devo destacar que politicamente Gonzaga eacute considerado

conformista e natildeo contestador dos padrotildees poliacuteticos da eacutepoca Mas isso eacute uma

outra histoacuteria

Em alguns momentos a muacutesica popular brasileira ajudou na

propaganda poliacutetica e estava tambeacutem empenhada na fabricaccedilatildeo subjetiva da

identidade do povo Em outros lutou contra o silecircncio imposto pelos

governantes ou somente contou os sofrimentos das secas Refletindo as

mazelas que a populaccedilatildeo sofria Expocircs feridas Caracterizou elementos da

populaccedilatildeo Popularizou costumes e giacuterias

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 42: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Capiacutetulo ndash III 4 ldquoSaudade o meu remeacutedio eacute cantarrdquo

A Saudade natildeo tem Histoacuteria

Eduardo Lourenccedilo

Neste capiacutetulo analiso historiograficamente a evoluccedilatildeo do termo

saudade e sua construccedilatildeo histoacuterica Depois observo a partir das muacutesicas No

Meu Peacute de Serra Qui nem Jiloacute Saudades de Helena e Saudade Doacutei cantadas

por Luiz Gonzaga como a saudade era retratada entre os migrantes

nordestinos nas deacutecadas de 1940 e 1950 auge do baiatildeo

4 1 Sou Portuguesa Breve Histoacuteria da Saudade

Saudade expressatildeo de origem latina oriundo de solitatersquo ou

soledadersquo que eacute uma derivaccedilatildeo da palavra solidatildeo Etimologicamente segundo

Cunha (2000) seus primeiros registros satildeo encontrados por volta do seacuteculo XIII

como saydadersquo soidadersquo e suidadersquo presentes em poemas trovadorescos

Sendo tambeacutem uma ―lembranccedila nostaacutelgica e ao mesmo tempo suave de

pessoas ou coisas distintas ou extintas acompanhada do desejo de tornar a

vecirc-las ou possuiacute-las (CUNHA Idem 708)

Ferreira (1999 1822) complementa dizendo que eacute um ―pesar pela

ausecircncia de algueacutem que nos eacute querido Portanto podemos considerar que a

saudade eacute o sentimento em que as pessoas dedicam agraves lembranccedilas de seus

parentes ou pessoas que estatildeo ausentes de fatos que viveram ou de lugares e

objetos que marcaram suas vidas Isso fez com que a palavra saudade se

tornasse siacutembolo de melancolia e sofrimento Como descreve Houaiss e Villar

(2001 2525)

Saudade sentimento melancoacutelico de incompletude ligado pela memoacuteria a situaccedilotildees de privaccedilatildeo de presenccedila de algueacutem ou de

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

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VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 43: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

algo de afastamento de um lugar ou de uma coisa ou agrave ausecircncia de certas experiecircncias e determinados prazeres jaacute vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejaacutevel

Embora no senso comum o termo saudade soacute exista na liacutengua

portuguesa e por isso parece ser um dos vocaacutebulos mais bonitos e expressivos

de nossa liacutengua sabemos que o sentimento eacute universal e que eacute percebido e

expressado mundialmente de forma diferente Como narra Lourenccedilo (1999 15)

―sob outros nomes ou sem nomes a saudade eacute universal natildeo apenas como

desejo de eternidade mas como sensaccedilatildeo e sentimento vividos de eternidade

Ela brilha sozinha no coraccedilatildeo de todas as ausecircncias

A histoacuteria da palavra Saudade se confunde com a Histoacuteria de Portugal

De um povo navegante que se lanccedilava ao mar em busca de ―conquistas Se

deparavam com uma terra estranhalsquo longe de seus entes queridos essa

marca ficou presente na memoacuteria dos que navegavam e dos que ficavam em

terra esperando o retorno Tornando-se a caracteriacutestica de um povo

Segundo Lourenccedilo (Idem 31) ―da saudade fizeram uma espeacutecie de

enigma essecircncia do seu sentimento a ponto de a transformarem num mito O

periacuteodo das ―grandes navegaccedilotildees e o destino errante dos portugueses faziam

da saudade o principal sentimento

Raridade do termo raridade do sentimento quanto basta para que no espiacuterito dos portugueses tome forma a ideia de que a lama portuguesa vive e experimenta com deleite e intensidade sem par um estado que soacute nessa palavra intraduziacutevel eacute possiacutevel exprimir Com a ajuda dos poetas a cultura portuguesa iraacute inscrever-se com uma espeacutecie de complacecircncia no ciacuterculo da saudade e Portugal torna-se miticamente a terra da Saudade (LOURENCcedilO 1999 23)

Mas foi com o monarca Dom Duarte (1391 - 1438) no seacuteculo XV que a

palavra saudade definitivamente eclodiu e se incorporou agrave liacutengua e agrave alma

sentimental portuguesa Para Albuquerque Jr (2006) foi durante a expansatildeo

mariacutetima portuguesa que surgiu o primeiro grande surto saudosista Em que ―D

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

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MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 44: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Duarte elabora a primeira meditaccedilatildeo conhecida sobre a Saudade Bastaria esta

razatildeo para merecer um lugar agrave parte naquilo a que podemos chamar Histoacuteria

da Saudadelsquo (Idem 22)

O monarca-poeta Dom Duarte escreveu o livro sobre a saudade

sendo considerado por muitos pesquisadores de auto-ajuda cheio de

sentimentalismo e inseguranccedila quanto a sua capacidade de governar na

ausecircncia de sua matildee Filipa de Lencastre13 que havia morrido em

consequecircncia da peste negra14 Sendo assim a afetividade deu outro sentido a

saudade Como descreve Albuquerque Jr

D Duarte estaacute preocupado com a saudade apenas como forma de afecccedilatildeo da alma que perturba sua sauacutede retira a paz bem supremo para os cristatildeos Ele pensa a saudade enquanto afliccedilatildeo da alma que maltrata os homens que os fazem viver entre a tristeza o nojo e o prazer A saudade por ter este caraacuteter ambiacuteguo ndash jaacute que provoca simultaneamente sofrido e consolo do sofrimento forma de recuperaccedilatildeo do bem ou do ente perdido - pode facilmente se constituir em doenccedila permanente do espiacuterito que se compraz a este dilaceramento este oscilar entre o doce e o amargo a luz e a sombra (ALBUQUERQUE JR 2006 120)

Para Jorge Dias (1995) a saudade eacute um sentimento poeacutetico de fundo

amoroso ou religioso que pode tomar a forma panteiacutesta de dissoluccedilatildeo na

natureza ou se compraz na repeticcedilatildeo obstinada das mesmas imagens ou

sentimentos Outras vezes eacute a acircnsia permanente da distacircncia de outros

mundos de outras vidas

Lourenccedilo (1999) nos diz ―o sentimento de saudade natildeo eacute o centro das

suas anaacutelises nem desempenha o papel uacutenico que teraacute mais tarde de

sentimento-chave por meio do qual o enigma da alma portuguesa

supostamente se revela

_______________________________

13 Filipa de Lancaster - Nasceu em Leicester ndash Inglaterra ndash em 1359 e morreu em Portugal em

1415 Tornou-se rainha de Portugal atraveacutes do casamento com o rei D Joatildeo I celebrado em 1387 na cidade do Porto Cf httpptwikipediaorgwikifilipa_de_lencastre 14

Foi como ficou conhecida durante a Baixa Idade Meacutedia (seacuteculos XI ao XV) a pandemia de peste bubocircnica que assolou a Europa durante o seacuteculo XV e que dizimou entre 25 e 75 milhotildees de pessoas ou um terccedilo da populaccedilatildeo da eacutepoca A doenccedila eacute causada pela bacteacuteria Yersinia pestis transmitida ao ser humano atraveacutes das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-

pretos (Rattus rattus) ou outros roedores Cf lthttpptwikipediaorgwikipeste-negragt

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 45: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Natildeo poderia haver periacuteodo mais propiacutecio Aleacutem das ―grandes

navegaccedilotildees havia o sentimento da perda de um ente no caso a matildee

IMAGEM 03 Saudade O Quadro ndash 1899

Autor Joseacute Ferraz de Almeida Juacutenior

Disponiacutevel em

httpallenvazblogspotcom200912

jose-ferraz-de-almeida-junior-html

No quadro de retrata a saudade o pintor Almeida Juacutenior mostra uma

mulher lendo uma carta repleta de sentimentalismo com os olhos cheios de

laacutegrimas com a saudade em sua expressatildeo Segundo relatos o artista teria

retratado ali uma de suas amadas sentindo sua ausecircncia

Voltando a Portugal segundo Albuquerque Jr (2006) houve outros

surdos saudosistas no seacuteculo XVII com o escritor D Francisco Manoel de

Melo Mas foi no seacuteculo XIX com o romantismo que a saudade voltou a ser

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

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ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 46: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

tema de inuacutemeros inscritos com poetas como Alexandre Herculano e Almeida

Garret e no seacuteculo XX com o escritor Teixeira de Pascoais sendo os maiores

representantes deste saudosismo Como descreve Ferreira (1999 1823) que

era um

Movimento literaacuterio portuguecircs essencialmente poeacutetico da primeira metade do seacuteculo XX que enunciava uma doutrina filosoacutefica muito vaga ou saudosista baseada nos afetos caracteriacutesticos de uma pretensa ―alma portuguesa e cujo expoente foi o poeta Teixeira de Pascoais (1878 - 1953)

O sentimento saudosista do portuguecircs eacute tatildeo presente historicamente

que vulgarmente vaacuterias plantas conhecidas cientificamente como Dipsacaacuteceas

receberam o nome de flor da saudade Como narra Ferreira (1999 1822)

―designaccedilatildeo comum a diversas plantas da famiacutelia das dipsacaacuteceas

principalmente da espeacutecie Scabiosa mariacutetima e agraves suas flores escabiosa e

suspiro Presente nos campos do paiacutes que tambeacutem satildeo conhecidas como

saudades-perpeacutetuas e saudades-roxas Muito comum nos terrenos secos e

pedregosos do Sul de Portugal

Imagem 04 A Flor da Saudade Foto Augusto Mota Disponiacutevel em

lthttpwwwolhaowebptpersonalidadesadrianobaptistaadrianoflores

htmlgt

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 47: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Trazendo um pouco para a histoacuteria do Brasil o termo saudade

tambeacutem estaacute presente em nossa produccedilatildeo literaacuteria poeacutetica e musical Tendo

como ponto aacutepice o dia 30 de Janeiro O Dia da Saudade

Sendo que esse sentimento nunca foi ligado agrave identidade nacional

Albuquerque Jr (2006) destaca os trabalhos de Gilberto Freyre e Luiacutes da

Cacircmara Cascudo como resgatadores de saudade ―Em Freyre a saudade

seria portanto uma atitude existencial uma forma de viver o tempo e de se

relacionar com a vida uma forma de reaccedilatildeo ao caraacuteter passageiro e efecircmero

do existir humano e das accedilotildees que pratica (ALBUQUERQUE JR Idem 135)

Para Damatta (1993) a saudade eacute uma categoria do espiacuterito humano e

tem dentro de si uma mistura luso-brasileira repletas de valores ideoloacutegicos

histoacutericos e sociais A saudade eacute um sentimento universal pois trata da

experiecircncia da mudanccedila da duraccedilatildeo da demarcaccedilatildeo e da consciecircncia

reflexiva do tempo e espaccedilo que eacute inerente ao ser humano Pois ―os que

nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo

sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

A saudade expressa portanto uma categoria socioloacutegica que pode ser

historicamente estudada Estaacute relacionada agraves vivecircncias as mudanccedilas e satildeo

apreendidas e construiacutedas socialmente ou historicamente a partir de vaacuterias

fontes e experiecircncias

Pois a existecircncia social da saudade como foco ideoloacutegico e cultural vai

nos permitir a percepccedilatildeo aguda do sentimento Portanto a saudade eacute uma

construccedilatildeo individual coletiva e fragmentada de um povo que estaacute presente na

memoacuteria dos que sentem falta de algo ou seja estatildeo incompletos Como

enfatiza Albuquerque Jr (2008 127)

A saudade tambeacutem pode ser um sentimento coletivo pode afetar toda uma comunidade que perde suas referecircncias espaciais ou temporais toda uma classe social que perdeu historicamente a sua posiccedilatildeo que viu os siacutembolos de seu poder esculpido no espaccedilo serem tragados pelas forccedilas tectocircnicas da Histoacuteria

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

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TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 48: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

O povo Nordestino sofreu e sofre com esse sentimento que foi

expressado muito bem na obra ou seja nos versos de Luiz Gonzaga o ―Rei do

Baiatildeo

4 2 A Saudade na Muacutesica de Luiz Gonzaga

Ao analisar a musicografia produzida por Luiz Gonzaga logo observo

que a saudade eacute um tema renitente e presente na vida do migrante e do

sertanejo que fica esperando a notiacutecia do parente que se foi em busca de

―melhores condiccedilotildees de vida ou esperando pelo retorno mas ateacute o ―regresso

eacute obra da saudade (LOURENCcedilO 1999 33)

A muacutesica a seguir No Meu Peacute de Serra Surgiu no encontro fortuito

entre migrantes que se encontraram num espaccedilo que natildeo era o seu (o Rio de

Janeiro em meados da deacutecada de 1940) e que por isso fizeram reviver as

lembranccedilas do seu lugar de origem a partir do que era tiacutepico de sua regiatildeo ―A

gente quer[ia] ouvir alguma coisa Nordeste que fale da terra da saudade da

serra e do sentimento daquele nosso Noacutes somos vizinhos () e a saudade eacute

uma soacute (OLIVEIRA 1991 20) Observe o que relata Dominique Dreyfus sobre

a muacutesica

―Peacute de Serra na realidade eacute uma polca charmosa e alegre que encantou os fregueses do Cidade Nova e ateacute os passantes na rua que pararam agrave porta do bar para curtir o som fascinante da sanfona Gonzaga nunca esqueceria a felicidade que sentiu ao ver o puacuteblico rindo aplaudindo gritando pedindo bis

(DREYFUS 1996 82)

No Meu Peacute de Serra

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

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LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

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PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 49: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Laacute no meu peacute de serra Deixei ficar meu coraccedilatildeo Ai que saudades tenho Eu vou voltar pro meu sertatildeo No meu roccedilado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo o que queria Laacute se danccedilava quase toda quinta-feira Sanfona natildeo faltava e tome xote a noite inteira O xote eacute bom De se danccedilar A gente gruda na cabocla sem soltar Um passo laacute Um outro caacute Enquanto o fole taacute tocando taacute gemendo taacute chorando Taacute fungando reclamando sem parar

A partir desse acontecimento Gonzaga comeccedilou a valorizar os valores

culturais de sua produccedilatildeo musical influenciada pelos ritmos nordestinos Como

afirma Vianna (Op Cit 51) ―A partir de entatildeo tomou consciecircncia do valor de

sua cultura musical naquela cidade cheia de conterracircneos da possibilidade de

afirmar sua personalidade e originalidade musical

Cabe salientar que nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o Nordeste

brasileiro comeccedilou a enfrentar uma seacuterie de dificuldades econocircmicas poliacuteticas

e sociais no qual os principais prejudicados foram aqueles que faziam parte

das camadas mais pobres da populaccedilatildeo oriundos dos meios rurais onde eram

pequenos proprietaacuterios posseiros arrendataacuterios meeiros e moradores que na

sua maioria eram trabalhadores sazonais que acabaram sendo

concomitantemente ―expulsos ou ―expropriados de seus pedaccedilos de terras

em funccedilatildeo do crescente monopoacutelio da terra

Outro problema era as grandes secas consecutivas que tambeacutem

favoreceram esse processo migratoacuterio que forccedilava os nordestinos a deixarem

seu lugar investindo seus parcos rendimentos para comparem as passagens

para o ―sul do paiacutes onde era mais um nortista para ser representado pelas

canccedilotildees gonzagueanas Como afirma Vianna (1998 57) ―E como a miseacuteria

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

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FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

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PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 50: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

agravada pela seca no Nordeste fazia a migraccedilatildeo para o Sudeste aumentar

seu puacuteblico no Rio [de Janeiro] aumentava

Em torno desse movimento migratoacuterio do ―nortista para o ―sul

(sudeste) o migrante deixava para traacutes parte de sua histoacuteria ou seja natildeo ficam

apenas as terras onde moravam trabalhavam e construiacuteam sua cultura Mas

tambeacutem pequenos traccedilos objetos e costumes que fazem parte de sua memoacuteria

coletiva ou individual e que seraacute levado e reinventado para onde o migrante

for Como relata Albuquerque Jr (2007 120)

Fizeram de Gonzaga um iacutedolo daquelas populaccedilotildees nordestinas que viviam nas grandes cidades do Sul e que sentiam enorme saudade dos lugares de onde haviam saiacutedo tema privilegiado de suas muacutesicas onde o sertatildeo aparecia idealizado e este desejo de voltar era permanentemente

repetido

Longe de casa estas lembranccedilas afloram na memoacuteria do nordestino

como uma saudade de tudo que estaacute longe o migrante procura forccedilas na dor

da saudade para superar as dificuldades que esta enfrentando rememorizando

as recordaccedilotildees do seu tempo de crianccedila ao qual todos eram amigos e

brincavam juntos compartilhando a cultura da regiatildeo ―Na verdade soacute quando agrave

ausecircncia fiacutesica se acrescenta o sentimento de que se romperam os laccedilos com

esse lugar que fazia parte de noacutes (LOURENCcedilO Idem 33)

Sendo assim Luiz Gonzaga um nordestino-migrante nas cidades do

sudeste e conhecendo bem a realidade dos ―nortistas ao qual obrigava os

seus proacuteprios ―filhos a saiacuterem de seu lugar de origem Buscou relatar tambeacutem

o retorno o reviver do seu espaccedilo e de sua afetividade

Perante o lugar revisitado uma nostalgia saudosa o que mostra bem que a saudade se enraiacuteza numa outra experiecircncia () que eacute ao mesmo tempo a mais universal e a mais pessoal () como filhos nascidos no coraccedilatildeo do tempo e expulsos do seu lugar de nascimento () Os que nunca mudaram de lugar levados pela matildeo do acaso ou da necessidade natildeo sentem nostalgia dele (LOURENCcedilO Idem 34)

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 51: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Com o passar dos anos as ondas migratoacuterias natildeo cessaram pois era

necessaacuterio ir para em busca de ―novos horizontes procurando sustento para

suas famiacutelias Entretanto a saudade estava presente em versos tristes em

olhares que natildeo conseguiam disfarccedilar o sentimento gerador de anguacutestia onde

emerge a saudade Para Oliveira (Idem 68) ―a saudade eacute o sentimento que

natildeo falta nas canccedilotildees de Luiz Gonzaga Saudade da terra e amor a mulher [E

a muacutesica] Qui Nem jiloacutelsquo eacute a grande definiccedilatildeo numa melodia simples

Que Nem Jiloacute

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira Se a gente lembra soacute por lembrar O amor que a gente um dia perdeu Saudade inteacute que assim eacute bom Pro cabra se convencer Que eacute feliz sem saber Pois natildeo sofreu Poreacutem se a gente vive a sonhar Com algueacutem que se deseja rever Saudade entonce aiacute eacute ruim Eu tiro isso por mim Que vivo doido a sofrer Ai quem me dera voltar Pros braccedilos do meu xodoacute Saudade assim faz roer E amarga qui nem jiloacute Mas ningueacutem pode dizer Que me viu triste a chorar Saudade o meu remeacutedio eacute cantar

Percebo que o tema saudade eacute uma constante nas muacutesicas do ―Rei do

Baiatildeo saudade da terra do lugar dos amores da famiacutelia dos animais de

estimaccedilatildeo do roccedilado Albuquerque Jr (2009 177) Complementa dizendo

―Luiz Gonzaga se tornou aquele artista capaz de atender agrave necessidade do

migrante de escutar coisas familiares sons que lembravam sua terra sua

infacircncia sons que o levavam ateacute este espaccedilo da saudade em meio a toda a

polifonia do meio urbano

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 52: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

O interessante na saudade gonzagueana eacute que ela eacute comparada a um

fruto o jiloacute Fruto que tem culturalmente a designa o sabor amargo Amargo

como saudade de quem parte ou de quem espera Mas que muitas vezes pode

servir de remeacutedio para as horas nostaacutelgicas de lembranccedilas Como ratifica

Albuquerque Jr (Idem 118) ―A saudade coloca-nos diante do vazio da proacutepria

temporalidade da necessidade urgente de preenchimento deste vazio com

nossas vivecircncias com nossas experiecircncias nossos sentimentos e sentidos em

relaccedilatildeo agraves coisas e agraves pessoas

A lembranccedila eacute uma fonte poderosa para a saudade surgir mas a

memoacuteria nem sempre deixa o migrante feliz na maioria das vezes o faz sofrer

Por isso emerge o sabor amargo da saudade

A saudade eacute uma felicidade triste que nasce do encontro fugidio com uma lembranccedila eacute o prazer nascido do fugaz contato com um objeto de desejo que se torna presente por instantes mas que jaacute vem com o perfume de sua morte anunciada de seu retorno ao tempo do qual emergiu (ALBUQUERQUE JR Op Cit 121)

O Nordeste parece sempre estar no passado na memoacuteria evocada

saudosamente para quem estaacute nas cidades do ―sul do paiacutes Tudo se

transforma em saudade a partir do pensamento do migrante ao ouvir os baiotildees

Eacute a lembranccedila da casa abandonada esse gosto de mel e de laacutegrimas que a palavra-mito dos portugueses sugere Mas natildeo eacute nesse destino que devemos colher a origem a essecircncia do sentimento que a si mesmo se plasma na palavra no pensamento da saudade (LOURENCcedilO Idem 12)

Por isso que a regiatildeo nordestina eacute representada como sendo um

sertatildeo miacutetico em que se quer voltar sempre Um hinterlacircndio em que tudo

parece estar como antes da migraccedilatildeo um espaccedilo sem histoacuteria oficial sem

modernidade e avesso as mudanccedilas tecnoloacutegicas Um espaccedilo refeacutem as

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 53: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

intempeacuteries climaacuteticas preso ao ciclo da natureza fragmentado entre veratildeo

periacuteodo das secas e inverno periacuteodo das chuvas

Na perspectiva do discurso gonzagueano a cidade eacute o local da perda

dos valores tradicionais e culturais do Nordeste da vida longe da natureza que

lhe nutre da perda dos entes das almas maculadas Local do trabalho

repetitivo e monoacutetono O sertatildeo das muacutesicas de Gonzaga eacute um espaccedilo em

que fica fora das transformaccedilotildees histoacutericas e sociais que ocorrem no Brasil

Lourenccedilo (idem 33) sobre isso nos diz

Se nos afastarmos desse lugar afetivo que nos pertence e a que pertencemos sentimos entatildeo aquilo a que chamamos nostalgia o estar longe da nossa casa do nosso lar do lugar onde nascemos na acepccedilatildeo proacutepria e figurada

Na cidade seu pouso chega a ser desumano natildeo tendo condiccedilotildees

miacutenimas de pagar o aluguel de um espaccedilo melhor dividindo com outros na

mesma situaccedilatildeo formando as pensotildees na qual a privacidade eacute a menor

possiacutevel e onde a tristeza emerge com mais forccedila

Portanto percebemos claramente nas canccedilotildees do ―Rei do Baiatildeo o

conflito e a dor do nordestino ao ter que viajar para lugares estranhos ao seu

conhecimento Quanto mais os anos passam mais aumenta a saudade e com

isso a vontade de retornar ao lugar de origem Como afirma Lourenccedilo (Idem

32) ―Saudade ndash eacute memoacuteria em estado de incandescecircncia que natildeo se

confunde no entanto com ela pura irrupccedilatildeo do passado no presente ou fuga

do presente para o mais antigo de noacutes mesmos

As canccedilotildees de Gonzaga entre os nordestinos que participavam da

construccedilatildeo de uma identidade regional entre indiviacuteduos que satildeo igualmente

marcados nestas grandes cidades por estereoacutetipos Eles comeccedilam a se

perceber com ―iguaislsquo em sua dor de saudade falando o mesmo sotaque

tendo os mesmos gostos valores e costumes que natildeo ocorriam quando

estavam no seu lugar

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 54: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Sendo assim os baiotildees faziam emergir no inconsciente dos migrantes

o Nordeste da Saudade Pois ―a sensaccedilatildeo sonora presente traz pedaccedilos de

passado cruza tempos e espaccedilos fazendo o Nordeste surgir no Sul ou o Sul

no Nordeste (ALBUQUERQUE JR Idem 180)

Luiz Gonzaga procura ligar sua muacutesicas as subjetividades diacutespares que

vai produzir um ―ser nordestino migrante movido pela saudade explorando

esse sentimento que os ligam a um lugar seu timbre repleto de dor eacute um

siacutembolo o da saudade do Nordeste produzindo uma sensaccedilatildeo de proximidade

regional A maioria das letras como os arranjos exploram as lembranccedilas

emoccedilotildees e ideias ligadas a este espaccedilo distante e abstrato que soacute a saudade

faz explodir Veja o que relata Lourenccedilo sobre o tema

A tristeza eacute experimentada como idealmente passageira a saudade pelo contraacuterio faz do ―passageiro algo de idealmente presente Na verdade natildeo temos saudades eacute a saudade que nos tem que faz de noacutes seu objeto Imersos nela tornamo-nos outros Todo o nosso ser ancorado no presente fica de suacutebito ausente (LOURENCcedilO Idem 32)

As canccedilotildees gonzagueanas satildeo sempre um elo entre esse ―espaccedilo

afetivo que ficou no passado que soacute a saudade faz reviver Um espaccedilo em

que o ser humano e a natureza se entrelaccedilam ateacute no sofrimento Ou como diz

Lourenccedilo (1999 12) ―memorial incomparaacutevel de nostalgia e saudade dedicado

agrave pura ausecircncia como forma suprema da presenccedila

Longe de casa e tomado pelo sentimento da saudade o nordestino

migrante implora a Deus por chuva para poder regressar A chuva natildeo

simboliza(ria) apenas o retorno para realizar o plantio mas a superaccedilatildeo da

saudade pela volta daquele que um dia partiu A chuva na voz de Luiz

Gonzaga ultrapassa o fenocircmeno metereoloacutegico sendo a superaccedilatildeo do sentido

do que eacute a saudade

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 55: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

4 3 A Saudade amarga ―Qui Nem Jiloacute

As duas muacutesicas seguintes natildeo fazem parte dos grandes sucessos da

carreira do ―Rei do Baiatildeo satildeo respectivamente Saudade Doacutei e Saudades de

Helena Pois lembremos que na medida em que as dificuldades de

sobrevivecircncia comeccedilam a aflorar no ser humano migrante a dor da saudade o

desejo de voltar a sua terra natal voltar e reencontrar o seu amor perto dela

ficar e nunca mais se separar eclode com mais forccedila

Saudade Doacutei

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai Saudade doacutei Se eacute bom pra sentir Pra curtir pra sonhar Vejam soacute mais que som Que o meu fole dar Se eacute dengo a roer Que tu quer recordar Tamos aiacute com meu fole Pra te ajudar Lalaiaacute lalaiaacute Lalaiaacute lalaiaacute Ai ai ai ai bis

Desta forma este espaccedilo que ao mesmo tempo traz lembranccedilas de

amor se transforma em dor em um universo de saudade ao qual o sonhar eacute

associado agraves mulheres que procuram iluminar mesmo de forma singela e

distante a vida do seu amado

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 56: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Ficando a espera muitas vezes de algueacutem que disponibilizem um

pouco de tempo para expressar a afliccedilatildeo daquele que estaacute tomado pela

saudade A tomada do espaccedilo desse ser nordestino que fica a espera de

notiacutecias de seu amado de chuva para a plantaccedilatildeo e para os animais ficando a

espera da esperanccedila fomentada pela saudade

Nesse momento a mulher representa o fruto do ser nordestino diante

da saudade que todos os nordestinos sentem daqueles que partiram para o

―sul Como natildeo sentir a dor da saudade de um ser que partiu em busca de um

destino incerto aquele que um dia jurou nunca se separar da famiacutelia agora

partindo para longe de nossa presenccedila fazendo surgir o medo que estes

migrantes natildeo voltem invade o interior dos que ficam soacute lhe resta a presenccedila

da saudade

Saudade esta sentida por todos aqueles que vivem longe daqueles

que amam mas que precisam deixar o seu coraccedilatildeo no Nordeste Esta situaccedilatildeo

de saudade eterna proacutexima agrave melancolia do sentimento de perda de condiccedilatildeo

uacuteltima do ser terminou sendo cantada em versos e prosa pelos baiotildees de

Gonzaga

Saudades de Helena

Composiccedilatildeo Luiz Gonzaga e Antonio Barros

Saudade ta me matando Helena vem me buscar Eu passo as noites chorando E os dias passo a chorar Sem Helena a minha vida Eacute tristeza eacute solidatildeo Eacute seca braba no norte Eacute morrer na inundaccedilatildeo Eacute brincar com a tristeza Eacute viver sem poder viver Eacute morrer de amor por um beijo Eacute a luz dos olhos natildeo ter O nosso amor eacute tatildeo grande Maior que o nosso natildeo tem Helena me compreende Juntinhos vivemos bem Mas logo vem a saudade

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 57: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

Distantes vamos ficar Se Helena fica chorando Eu tambeacutem fico a chorar

Segundo Lima (2008 35) Helena Neves Cavalcanti foi muito marcante

para a carreira artiacutestica de Gonzaga aleacutem do grande amor da vida do cantor

Ela trabalhou como contadora do mesmo a vida toda Por tudo isso ela

recebeu o apelido carinho de ―Madame Baiatildeo

Sobre Helena esposa de Gonzaga Dreyfus (Idem 124) escreveu

―Nascida em 1926 no Recife Helena perdera o pai farmacecircutico em Gravataacute

quando tinha apenas cinco anos Chegara no Rio em 1944 com a matildee ()

Esta se formara em contabilidade e trabalhava entatildeo num laboratoacuterio

farmacecircutico Fora laacute onde ouvira falar de Luiz Gonzaga pela primeira vez

IMAGEM 05 Dona Helena ao lado de Luiz Gonzaga e familiares

Disponiacutevel em lthttpwwwboamusicaricardinhocomluizgonzaga_97htmlgt

A saudade nos versos eacute um sentimento doentio sentido muito presente

nas poesias do Romantismo Portuguecircs e que tambeacutem se aproxima da doenccedila

que os escravizados que viam para o Brasil sofriam conhecida como banzo

Que segundo Ribeiro (1957 207) era ―uma moleacutestia estranha que eacute a saudade

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 58: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

da paacutetria uma espeacutecie de loucura nostaacutelgica ou suiciacutedio forccedilado o banzo

dizima-os pela inaniccedilatildeo e fastio ou os torna apaacuteticos e idiotas

O homem que parte para distante de sua amada deixando com ela o

seu coraccedilatildeo o oacutergatildeo humano que representa o amor e a vida (ver Del Priore

2006) A saudade que jaacute estaacute presente antes mesmo da partida A partir do

instante que o homem deixa seus entes e sua mulher ele passa a natildeo mais

viver por isso que ele entrega o seu ―coraccedilatildeo aos que ficam como

companhia cotidiana a saudade ―Espaccedilo e tempo satildeo para noacutes realidades o

resto daquilo que amamos lugar da uacutenica e precaacuteria felicidade (LOURENCcedilO

Idem 33)

Sem a mulher querida o homem natildeo vive E soacute a saudade para

demonstrar este amor que aflora a partir da distacircncia Que na muacutesica a

saudade eacute comparada as secas que assolam o Nordeste e que faz o

nordestino sofrer ou seja um sentimento que afeta a todos tanto fisicamente

como psicologicamente Ou ateacute a cegueira em que limitar a movimentaccedilatildeo e

percepccedilatildeo do ser humano

A saudade eacute portanto um afeto que chega ou parte sem nos avisar agraves

vezes nos faz chorar ou rir Todavia estas recordaccedilotildees do passado natildeo satildeo

necessaacuterias para sanar o vazio que sentimos dos que partem Longe do seu

lugar ateacute mesmo uma muacutesica faz o migrante chorar lembrando de tudo que

deixou

Entretanto natildeo foi criando ainda um medidor da saudade ou seja natildeo

podemos medir a melancolia provocada pela saudade pois a afetividade

provoca em cada um de noacutes um sentimento uacutenico e intraduziacutevel Eduardo

Lourenccedilo (Idem 26) explica esse sentimento dizendo ―A saudade eacute descrita

com perfeita precisatildeo como uma afliccedilatildeo da alma entre a tristeza () e o

prazer Por outras palavras inspira umas vezes mais tristeza que prazer

outras mais prazer que tristeza

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 59: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

A mulher na muacutesica de Luiz Gonzaga estaacute representando todos

aqueles que se sentem invadidos pela saudade daqueles que estatildeo distantes

Onde os problemas seratildeo sanados com o retorno do migrante

Ao relembrar o passado num tempo presente a saudade eacute muito

importante pois entra como elemento de conexatildeo nos permitindo reviver

relembrar e juntar os sentimentos utilizando a memoacuteria como fio condutor

Como enfatiza Lourenccedilo (Idem 32) ―natildeo seraacute a saudade um nome entre

outros com que se exprime alguma coisa de mais universal-precisamente a

dificuldade para todo o ser feito de tempo

No entanto a saudade eacute um sentimento presente na memoacuteria de todos

noacutes mas eacute incomparaacutevel e que sentimos muitas vezes sem perceber mas

natildeo temos como nos afastar deste sentimento que nos deixa triste para reviver

o que nos eacute ausente e feliz quanto conseguimos atenuar ou ateacute fantasia essa

necessidade ou ausecircncia Vejamos o que diz Lourenccedilo sobre isto

A memoacuteria oferece-nos assim o que passou como se existisse e a imaginaccedilatildeo satildeo como se dizia uma espeacutecie de ―faculdade da alma maneiras de encerrar os seus modos de representaccedilatildeo A saudade natildeo eacute da ordem da representaccedilatildeo mas da pura vivecircncia (Op Cit 32-33)

Portanto para Albuquerque Jr (2001 65) ―a saudade eacute um sentimento

pessoal de quem se percebe perdendo espaccedilos queridos de seu ser dos

territoacuterios que construiu para si ou dos territoacuterios que foram criados para o ser

humano Como eacute o exemplo da instituiccedilatildeo da Regiatildeo Nordeste enquanto

espaccedilo da saudade Sendo assim ―Ele (Luiz Gonzaga) demarcou as fronteiras

do territoacuterio nordestino (Op Cit 182)

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 60: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Falar sobre muacutesica num trabalho acadecircmico de Histoacuteria representou

um desafio devido agraves dificuldades da leitura do texto meloacutedico e os sentidos

polissecircmicos das canccedilotildees

Para realizar este trabalho foi importante a contribuiccedilatildeo dos conceitos

desenvolvidos pela Histoacuteria Cultural Suas teorias inspiraram as pesquisas ao

proporcionar uma melhor compreensatildeo do objeto a ser estudado no caso um

estudo sobre a saudade na muacutesica de Luiz Gonzaga o ―Rei do Baiatildeo

Como fonte para o historiador a muacutesica permite muacuteltiplos olhares e

por isso leituras diversas Muitas vezes as interpretaccedilotildees que fazemos de

suas letras difere do sentido que o compositor ou cantor lhes atribuiu As

manifestaccedilotildees artiacutesticas em geral e a canccedilatildeo em particular parecem tomar

vida proacutepria na medida em que extrapolam as intenccedilotildees de seus produtores

A pesquisa mostrou que os baiotildees de Gonzaga passaram a ser um

produto siacutembolo da regiatildeo nordestina a partir da segunda metade da deacutecada

de 1940 Usando o raacutedio como meio difundidor de suas muacutesicas e os

migrantes nordestinos como puacuteblico alvo de suas canccedilotildees Portanto o ritmo

tornou-se divulgador da sensibilidade e da afetividade cultural de um povo

Por natildeo ter formaccedilatildeo em muacutesica ou ateacute mesmo conhecimento baacutesico

para lidar com a estruturaccedilatildeo meloacutedica nessa pesquisa me ative a tentar

trabalhar com o texto musical ou seja com a letra

Em suma o Nordeste eacute a regiatildeo em que a saudade se manifesta haacute

muito tempo Um espaccedilo em que a afetividade eacute um delimitador do espaccedilo ou

seja um siacutembolo Em que a histoacuteria serve para conectar temporalidades e

espacialidades muacuteltiplas interpretando representaccedilotildees discursos e no nosso

caso sentimento de saudade E que Luiz Gonzaga ajudou a construir esse

Nordeste no imaginaacuterio dos nordestinos que tecircm as marcas da saudade em

seu ser

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 61: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

6 REFEREcircNCIAS CONSULTADAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de A Invenccedilatildeo do Nordeste e Outras Artes 2ordf Ed Satildeo Paulo Cortez 2001

_________________ ______________ Nos destinos de fronteira histoacuteria espaccedilos e identidade regional Recife Bagaccedilo 2008 _________________ ______________ Preconceito contra a origem geograacutefica e de lugar As fronteiras da discoacuterdia Satildeo Paulo Cortez 2007 (coleccedilatildeo Preconceitos v 3) _________________ ______________ Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007 _________________ _______________ As Sombras do Tempo A saudade como maneira de viver e pensar o tempo e a histoacuteria In Marina Haizenreder Ertzogue e Temis Gomes Parente (orgs) Histoacuteria e Sensibilidade Brasiacutelia Pararelo 15 2006 ANDRADE Manuel Correia de A Terra e o Homem no Nordeste 4ordf Ed Satildeo Paulo Editora Ciecircncias Humanas 1980 BLOC Marc Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria Traduccedilatildeo Maria Manuel Miguel e Rui Graacutecio 2ordf Ed Lisboa Europa-Ameacuterica 1974 BURKE Peter A Escola dos Annales (1929 - 1989) a Revoluccedilatildeo Francesa da Historiografia Traduccedilatildeo Nilo Odalia Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Editora da UNESP 1997 _______ ____ O que eacute Histoacuteria Cultural 2ordf ed Traduccedilatildeo Sergio Goes de Paula Rio de Janeiro Jorge Zahar ed 2008

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

Page 62: “SAUDADE O MEU REMÉDIO É CANTAR”: UM …dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1655/1...da saudade, no período que corresponde aos anos de 1945 a 1958, que foi o auge

CAcircMARA CASCUDO Luiacutes da Dicionaacuterio do Folclore Brasileiro 10ordf Ed Rio de Janeiro Ediouro 1974

CALDAS Waldenyr Iniciaccedilatildeo agrave Muacutesica Popular Brasileira 2ordf Ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989 (Seacuterie Princiacutepios)

CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio Etimoloacutegico da Liacutengua Portuguesa 2ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 DAMATTA Roberto Carnavais Malandros e Heroacuteis Para uma sociologia do Dilema Brasileiro 6ordf ed Rio de Janeiro Rocco 1997 ________ _______ Conta de mentiroso sete ensaios de antropologia brasileira Rio de Janeiro Rocco 1993 DEL PRIORE Mary Histoacuteria do amor no Brasil 2ordf Ed Satildeo Paulo Contexto 2006 DIAS Jorge O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda 1995

Dicionaacuterio Cravo Albim de Muacutesica Popular Brasileira disponiacutevel em lthttpdicionariompbcombrgt

DREYFUS Dominique Vida do Viajante a Saga de Luiz Gonzaga Satildeo Paulo Editora 34 1996

FRANCESCHI Humberto Moraes A Casa Edison e seu tempo Satildeo Paulo Biscoito Fino 2002 FEBVRE Lucien Combates pela Histoacuteria 3ordf Ed Lisboa Editorial Presenccedila 1989

FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

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FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Dicionaacuterio XXI O Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa 3ordf Ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 FOUCAULT Michel A Arqueologia do Saber Trad Luiz Felipe Baeta Neves 7ordf Ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro de Salles Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LE GOFF Jacques Histoacuteria e Memoacuteria Traduccedilatildeo Bernardo Leitatildeo [et all] 5ordf Ed Campinas Editora da UNICAMP 2003

LIMA Joseacute Cunha Luiz Gonzaga o Baiatildeo e o Nordeste Construccedilatildeo da Identidade Nordestina na Deacutecada de 1950 Monografia (Licenciatura Plena em Histoacuteria ndash Universidade Estadual da Paraiacuteba Centro de Humanidades GuarabiraPB) 2008

LOURENCcedilO Eduardo Mitologia da Saudade Seguindo de Portugal como destino Satildeo Paulo Companhia das Letras 1999

MARIZ Vasco A Canccedilatildeo Popular Brasileira 7ordf Ed Rio de Janeiro Editora Francisco Alves 2006

MARQUES Roberto Nordestinidade muacutesica e desenraizamento ou eram os tropicalistas nordestinos In Emerson Giumbelli Juacutelio Cesar Valladatildeo Diniz e Santuza Cambraia Naves (Orgs) Leituras Sobre Muacutesica Popular Reflexotildees Sobre Sonoridades e Cultura Rio de Janeiro Editora 7 Letras 2008

MORAES Joseacute Geraldo Vinci de Histoacuteria e Muacutesica canccedilatildeo popular e conhecimento histoacuterico In Revista Brasileira de Histoacuteria ANPUH Humanidades FAPESP 2000 2039 p 203 ndash 221 Disponiacutevel em lehttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttexamppid=s0102-01882000000100 009ge

PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

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PESAVENTO Sandra Jatahy Histoacuteria e Histoacuteria Cultural Belo Horizonte Autecircntica 2003 NAPOLITANO Marcos Histoacuteria e Muacutesica Histoacuteria Cultural da Muacutesica Popular Belo Horizonte Autecircntica 2002 ___________ ______ Fontes Audiovisuais A Histoacuteria depois do papel In Carla Bassanezi Pinsky (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

OLIVEIRA Gildson Luiz Gonzaga o Matuto que conquistou o Mundo 3ordf Ed Recife Editora Comunicarte 1991

ORTIZ Renato A Moderna Tradiccedilatildeo Brasileira Cultura Brasileira e Induacutestria Cultural 5ordf ed Satildeo Paulo Brasiliense 1994 PINSKY Carla Bassanezi (org) Fontes Histoacutericas Satildeo Paulo Contexto 2005

PORTELA Patriacutecia de Oliveira Apresentaccedilatildeo de trabalhos acadecircmicos de acordo com as normas de documentaccedilatildeo da ABNT Informaccedilotildees baacutesicas Uberaba UNIUBE 2005

RIBEIRO Joatildeo Histoacuteria do Brasil 16ordf Ed Rio de Janeiro Livraria Satildeo Joseacute 1957

TINHORAtildeO Joseacute Ramos Histoacuteria Social da Muacutesica Popular Brasileira Satildeo Paulo Editora 34 1998

__________ _________ Muacutesica Popular um Tema em Debate 3ordf Ed Satildeo Paulo Editora 34 1997

VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpmol-taggeblogspotcom2009_05_27_archivohtmlgt

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VARGENS Joatildeo Baptista M (Org) Notas Musicais Cariocas Petroacutepolis Vozes 1986 (coleccedilatildeo Debates Culturais)

VIANA Hermano O Misteacuterio do Samba Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1995

VIANNA Letiacutecia CR Bezerra da Silva Produto do Morro Trajetoacuteria e obra de um Sambista que natildeo eacute santo Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999

VILARINO Ramon Casas A MPB em Movimento Muacutesica Festivais e Censura 4ordf ed Satildeo Paulo Olho dlsquoaacutegua 1999

DISCOGRAFIA

No Meu Peacute de Serra GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Xote RCA 1946 Qui Nem Jiloacute GONZAGA L e TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga Baiatildeo RCA 1950 Saudade Doacutei TEIXEIRA H Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1957 Saudades de Helena GONZAGA L e BARROS A Inteacuterprete Luiz Gonzaga RCA 1958

ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

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ANEXOS

Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

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Imagem 06 Xisto Bahia Compositor do Lundu ―Isto eacute Bom

Disponiacutevel em httpwwwbeakauffmanncommpb_5html

Imagem 07 Bahiano Cantor do Lundu ―Isto eacute Bom Disponiacutevel

em httpblogdogutembergblospotcom(200812)bahianohtml

Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

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Imagem 08 Donga Cantor e Compositor do Primeiro Samba Gravado no Brasil

Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrseppirinformativos semana04 _10 dezembro2004html

Imagem 09 Tia Ciata Matriarca do Samba Brasileiro

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