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ndiceEDITORIALCOMANDANTE DA AMAN Gen Bda Gerson Menandro Garcia de Freitas SUBCOMANDANTE DA AMAN Cel Inf Fernando Velzo Gomes Pedrosa SUPERVISOR Cel Inf Affonso Henrique Stanislawczuk de Moura Comandante do Corpo de Cadetes COMISSO EDITORIAL Maj Art Francisco Gladson Sales Alves 1 Sgt Com Roberto Carlos Fonseca REVISO Cel Eng R1 Francisco Jos Vita Maj Com Andr Marcelo Souza de Araujo ADMINISTRAO, REDAO E DISTRIBUIO AMAN, Corpo de Cadetes: Rod. Presidente Dutra, Km 305 - Resende, Rio de Janeiro CEP 27534-970 Tel.: (24) 3358-4500 / (24) 3358-4779 www.aman.ensino.eb.br/sanguenovo e-mail: [email protected] CRIAO, ARTE-FINAL, FOTOLITO E IMPRESSO Grfica e Editora Multigrfica - (14) 3496 7782

Mensagem do Comandante...............................................................................02 Mensagem do Supervisor ......................................................................................03

EXPERINCIAS PROFISSIONAISO Componente Militar da MINUSTAH ..................................................04 Emprego do Caador no Haiti..........................................................................08 Peloto de Engenharia no Haiti.........................................................................10 Curso Avanado de Infantaria no Chile....................................................12

LIDERANAQuatro Elementos da Coragem........................................................................15 Liderana em Combate.............................................................................................17 O Condicionamento Fsico e a Liderana Militar ...........................18

DOUTRINA MILITAROperaes Psicolgicas no Exrcito Brasileiro..................................20 Fuzil 5,56mm M16......................................................................................................23 Segurana Alimentar ..................................................................................................26 Viatura Marru.................................................................................................................28

HISTRIA MILITARA Guerra dos Beres..................................................................................................30 O Carro de Combate no Exrcito Brasileiro.........................................32 Fuzil Mauser, Modelo Brasileiro, 1908,... .................................................34

ATIVIDADE FSICA E SADEA Privao do Sono em Atividades Militares.......................................36 Sade Vocal.........................................................................................................................38 Treinamento para Flexo na Barra Fixa........................................................41

PONTO DE VISTAA Importncia do Aprendizado de Idiomas........................................45 Viagem de Cadetes ao Chile em 2007....................................................47 Viagem de Cadetes ao Peru em 2007 ......................................................49 Viagem de Cadetes Colmbia em 2007............................................51 Impresses da Misso Haiti.................................................................................53

Nossa capa: Aes do Exrcito Brasileiro no Haiti. Os conceitos emitidos nas matrias assinaladas so de exclusiva responsabilidade dos autores, no refletindo, necessariamente, a opinio da AMAN. A revista no se responsabiliza pelos dados cujas fontes estejam citadas. Salvo expressa disposio em contrrio, permitida a reproduo total ou parcial das matrias publicadas, desde que mencionados o autor e a fonte. Aceita-se intercmbio com publicaes nacionais e estrangeiras. Os originais devero ser produzidos em arquivo digital, acompanhados de foto do autor com uniforme 3 D1 ou 4A, sntese do currculo, resumo do artigo, palavras-chave e endereo postal. Solicita-se a compreenso para a deciso - a cargo dos responsveis pela revista - sobre a publicao dos artigos enviados para a AMAN. Apenas os originais, aproveitados ou no, podero ser restitudos aos autores. As referncias bibliogrficas devem ser feitas de acordo com as normas da Associao Brasileira de Normas Tcnicas ( ABNT ). Por imposio do espao, a Redao , sem alterar o sentido e o contedo, pode fazer pequenas alteraes no texto original. Publicao sem fins lucrativos.

SAFOKit Escalador Militar....................................................................................................55

ESSE EU RECOMENDOO Monge e o Executivo ..........................................................................................57 Transformando Suor em Ouro..........................................................................57

PANORAMA DAS AGULHAS NEGRAS..............................58 TNEL DO TEMPO .....................................................................................................60Sangue Novo 01

Editorial

Mensagem do ComandanteSANGUE NOVO: 6 ANOS FORTALECENDO O ESPRITO MILITAR DOS JOVENS LDERES.

ps breve pausa, para recuperar o flego financeiro, a Revista Sangue Novo retorna sua verso impressa. sempre oportuno lembrar os objetivos da revista: estimular a mentalidade de registro de idias; aprimorar a cultura geral e profissional; incentivar o hbito de leitura de obras selecionadas; desenvolver o interesse pela Histria Militar; contribuir para o desenvolvimento dos atributos da rea afetiva, especialmente a forja da liderana; e fortalecer o esprito militar. Os pblicos-alvo prioritrios desta publicao so os alunos de Escolas de Formao e os lderes de pequenas fraes, ou seja, os jovens oficiais e

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graduados o sangue novo que, com muita vibrao, energiza e oxigena as escolas e os quartis do Exrcito Brasileiro. Por isso mesmo, estimulo os nossos leitores a que participem da elaborao da revista. Enviemnos lies aprendidas, experincias em cursos ou estgios, artigos sobre atributos da rea afetiva, processos, tcnicas e meios auxiliares de instruo, mementos e NGA operacionais, casos histricos, sntese de livros... enfim, convido-os a registrar e difundir idias e ensinamentos castrenses. Com o foco nos jovens quadros da Instituio, a Sangue Novo espera irradiar entusiasmo, conhecimento e valores profissionais. Boa leitura.

O Gen Bda Gerson Menandro Garcia de Freitas o Comandante da AMAN.

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Editorial

Mensagem do Supervisor

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este ano de 2007, a Revista Sangue Novo renova o seu compromisso de transmitir ao "sangue novo" do Exrcito Brasileiro as experincias profissionais, aspectos do domnio humano, ferramentas de desenvolvimento da liderana e trabalhos de doutrina e pesquisa vividas por militares da Fora. Especialmente nesta edio, a revista traz como escopo artigos sobre a participao do Exrcito Brasileiro nas aes de manuteno da paz no Haiti, particularmente aqueles relacionados s aes da MINUSTAH. Esses artigos nos apresentam diversos ensinamentos colhidos por nossos colaboradores, fruto de suas experincias pessoais em um conflito armado. Tambm nesta edio, o leitor encontrar temas por demais interessantes e de significativo valor para a profisso militar. Destaca-se o fato de que, durante a preparao desta edio da revista Sangue Novo, a comisso responsvel por selecionar os assuntos a serem publicados deparou-se com uma inusitada dificuldade: a grande quantidade de artigos remetidos por nossos

colaboradores. Foram muitas e excelentes as matrias enviadas, sendo muito difcil a escolha final dos artigos que comporiam a revista. A comisso editorial acredita que isso reflete a conscincia profissional e o compromisso de nossos colaboradores com a Fora que, atravs de suas experincias pessoais, buscam transmitir ao "sangue novo" do nosso Exrcito importantes ensinamentos colhidos. Numa tentativa de repetir este feito na prxima edio, a comisso editorial da Revista Sangue Novo disponibiliza seu endereo eletrnico ([email protected]) e, desde j, agradece aos nossos leitores e colaboradores que, por amor profisso, desejem colaborar com o aprimoramento e amadurecimento profissional dos jovens quadros de nosso Exrcito, por meio do envio de matrias para esta revista. Todos os artigos enviados sero analisados e, se possvel, sero includos na revista. Os artigos porventura no publicados permanecero em um banco de dados, visando servir como futura e valiosa fonte de ensinamentos profissionais.

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Experincias Profissionais

O Componente Militar da Misso das Naes Unidas para a Estabilizao do HaitiGeneral-de-Exrcito AUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA* A CRISE PRECIPITANDO O MANDATO DA ONU

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o final de 2003, iniciou-se uma grave crise no Haiti, que culminou, em fevereiro de 2004, com a renncia do Presidente Aristide e sua partida, no dia 29. Nesse mesmo dia, a Fora Interina Multinacional (MIF), aprovada s pressas pelo Conselho de Segurana (CS) da ONU, iniciava seu desdobramento em territrio haitiano. Sua atuao manteve a violncia em nveis aceitveis e trouxe alguma estabilidade ao pas, evitando o total colapso das instituies. Simultaneamente, intensificaram-se as negociaes, capitaneadas pela ONU e por outros atores internacionais (EUA e Frana, principalmente), com pases, como o Brasil, que se interessassem em participar da misso. Em 30 de abril de 2004, o Conselho de Segurana estabeleceu, pela Resoluo 1542, a Misso das Naes Unidas para Estabilizao do Haiti (MINUSTAH), amparada no Captulo VII da Carta das Naes Unidas. De forma genrica, sua principal misso era assegurar um ambiente seguro e estvel, que permitisse ao pas voltar normalidade institucional, retomar o estado de direito e realizar eleies livres, democrticas e transparentes. Com esse objetivo, a MINUSTAH devia apoiar o governo transitrio do Haiti: na reforma e reestruturao da Polcia Nacional do Haiti (PNH); em um abrangente programa de desarmamento, desmobilizao e reintegrao (DDR) para todos os grupos armados ilegais; no monitoramento do respeito aos direitos humanos e na manuteno da ordem pblica por meio de apoio operacional PNH. Lamentavelmente, a MINUSTAH recebeu papel e estrutura limitadssimos para coordenar as aes humanitrias e os projetos de desenvolvimento no Haiti. ESTRUTURA DA MISSO

ORGANIZAO DA MINUSTAH

ASSUNTOS POLTICOS

SRSGPRINCIPAL DSRSG

ASSUNTOS LEGAIS COM & INFO

FORCE COMMANDER

DSRSG

ADMIN FORA MILITAR SEGURANA DIREITOS HUMANOS JUSTIA

POLCIA CIVIL INTERNACIONAL

(UNPOL)

ASSUNTOS HUMANITRIOS

DDR HIV/AIDS

GENDER ASSUNTOS CIVIS ELEITORAL AGENCIAS INFANCIA

O papel da fora militar e sua interao com os demais componentes TAREFAS E ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELA FORA MILITAR Com base no mandato da misso, foram definidas as principais tarefas que competiam fora militar: - Prover segurana nas principais cidades e suas cercanias; - Proteger instalaes vitais; - Prover segurana ao longo das principais rodovias; - Dissuadir e impedir o engajamento de grupos armados em atos violentos e/ou criminosos; - Proteger o acesso infra-estrutura humanitria; - Realizar aes de desarmamento em coordenao com a UNPOL e com a PNH; - Apoiar a PNH e a UNPOL na proteo de manifestaes pacficas e no controle de distrbios civis; - Monitorar os principais pontos de passagem na fronteira; - Proteger as instalaes humanitrias do governo e da ONU; - Garantir a segurana e a liberdade de movimento do pessoal da ONU; - Proteger civis sob iminente ameaa de violncia; e - Monitorar o ambiente de segurana, atuando preventivamente para impedir a escalada de ameaas. O cenrio encontrado e o cumprimento das tarefas acima obrigaram a fora militar a envolver-se, desde o primeiro momento, nas mais diversas atividades, abrangendo quase todo o espectro de operaes militares e de aes humanitrias. Merecem destaque: - Patrulhas diurnas, noturnas, a p, motorizadas e mecanizadas;

A MINUSTAH foi instalada como misso multidimensional e integrada. O primeiro chefe da misso, Representante Especial do Secretrio Geral (SRSG), foi o experiente e competente diplomata chileno Juan Gabriel Valds. O componente de maior visibilidade a Fora Militar, cujo comando coube, at agora, a um General do Exrcito Brasileiro. Hoje, a Fora Militar comandada pelo General-de-Brigada Carlos Alberto dos Santos Cruz. Muitas pessoas, inclusive alguns jornalistas, confundem o componente militar com a prpria misso. Na realidade, Fora Militar cabe manter um ambiente seguro e estvel, interagindo com os demais componentes da misso para que eles atinjam os objetivos previstos nos campos poltico e de direitos humanos. Nessa tarefa, conta com dois grandes parceiros, com os quais divide a responsabilidade: a Polcia das Naes Unidas (UNPOL) e a Polcia Nacional do Haiti (PNH).

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DESDOBRAMENTO EM Abr 07

logstica est na mo de civis, subordinados ao Chefe da Administrao (CAO), a quem compete todas as decises. As deficincias no apoio areo s operaes Desde o incio da misso, rigorosas regras de segurana e razes contratuais mantiveram os helicpteros, inclusive os militares, fora do controle do Comandante da Fora (todas as aeronaves so controladas pelo CAO). Com isso, o apoio areo aproximado s operaes terrestres inexiste. Falta de um servio de inteligncia A ONU no prev, nas misses de paz, um servio de inteligncia. A misso fica extremamente vulnervel a boatos. Inmeras vezes foi necessrio empregar tropa para investigar informes cuja veracidade no se confirmava. Tal situao, sobretudo nos momentos de crise, produzia elevado e desnecessrio desgaste.

CONTINGENTES DE 13 PASES

- Escolta e segurana de comboios de ajuda humanitria; - Proteo aproximada de autoridades, incluindo a segurana pessoal do Primeiro-Ministro e a guarda do palcio presidencial, alm da proteo de visitantes ilustres; - Segurana de instalaes consideradas sensveis pelo governo do Haiti ou pela MINUSTAH, incluindo o Porto, a sede da misso e o Palcio Presidencial; - Segurana de grandes eventos, como o jogo Brasil X Haiti e o carnaval; - Pontos de bloqueio, pontos fortes e pontos de controle. - Controle, acompanhamento e proteo de manifestaes populares; - Ajuda humanitria (todos os contingentes tm atuado para melhorar as condies de vida da populao); - Operaes conjuntas com a PNH e com a UNPOL; - Aes humanitrias em emergncias. O grande destaque foi a atuao aps a tempestade que, em setembro de 2004, alagou inteiramente a cidade de Gonaives; - Negociaes para evitar conflitos; - Retomada de prdios pblicos, ocupados ilegalmente pelos exmilitares e rebeldes; e - Operaes militares de grande envergadura, contra gangues e exmilitares. OS GRANDES DESAFIOS NA ATUAO DA FORA MILITAR Desde o incio da misso, a Fora Militar enfrentou intensos desafios. A maior parte nasceu do cenrio haitiano, da atuao de outros atores internacionais, ou mesmo das peculiaridades do sistema ONU. Dentre os inmeros desafios enfrentados, destacam-se: O efetivo previsto e disponvel Em qualquer operao militar, 30% do pessoal estar empenhado, obrigatoriamente, em atividades logsticas. Alm da necessidade imperiosa de repouso a cada 24 horas, a ONU impe, com sabedoria, que, a cada dois meses, o participante da misso tenha cinco dias de descanso, de preferncia fora da rea de misso. Em Porto Prncipe, juntando-se Fora Militar, UNPOL e PNH, empregvamos, no mximo, 1700 agentes legais por dia, em uma cidade de 2 milhes e 500 mil habitantes. Como termo de comparao, Braslia, com populao semelhante, possui mais de 20.000 policiais, alm da fora federal. A estrutura e as peculiaridades do sistema ONU A estrutura e as peculiaridades do sistema ONU, desconhecidas para a maioria dos militares, tambm se mostraram um problema grave. A

Os grupos armados e o desarmamento No Haiti, ao longo da Histria, em funo dos constantes conflitos, diferentes grupos armaram-se, de forma legal ou ilegal. O direito posse de armas est previsto na Constituio haitiana. O mandato da MINUSTAH prev um amplo processo de desarmamento, desmobilizao e reintegrao (DDR) e a fora militar tem se engajado no problema. A maior parte das armas est nas mos dos integrantes dos diversos grupos, que se homiziam em favelas e outros locais densamente habitados, pauprrimos e de difcil acesso. O desemprego contribui para invalidar a reintegrao dos marginais sociedade.

Cit Soleil: 300 mil habitantes vivendo na mais completa misria

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pacificao dessas reas resultado de uma combinao perfeita de operaes militares e de aes humanitrias, meticulosamente planejadas e executadas, num esforo permanente e continuado dos sucessivos contingentes brasileiros que integraram a misso. Operando a partir de bases de combate e pontos fortes estabelecidos no interior dessas favelas, a tropa foi, progressivamente, conquistando o terreno, reduzindo o poder de combate e a liberdade de ao das gangues, e desestruturando suas redes de sustentao. Simultaneamente as aes humanitrias contribuem para a conquista do respeito e do apoio da populao. Como conseqncia desse progresso significativo na segurana de Porto Prncipe, algumas agncias civis da ONU, ONG's e instituies do Estado haitiano, entre as quais a PNH, puderam reiniciar suas atividades dentro das comunidades, com enormes benefcios para a populao.

Patrulha brasileira no corao da favela de Bel AirAtuando com moderao, procurando observar os princpios fundamentais que regem a atuao das foras militares em operaes de paz e, principalmente, evitando o uso indiscriminado da violncia, o componente militar da MINUSTAH vem contribuindo para a criao e manuteno de um ambiente seguro e estvel no Haiti. Tudo isso demandou sacrifcios. At o momento, mais de 30 militares, brasileiros e de outros pases, foram feridos em combate. Outros quinze perderam suas vidas em servio. Em que pese a existncia de elementos desestabilizadores, o Haiti, amparado em um magnfico trabalho poltico do Embaixador Juan Gabriel Valds, conduziu um processo eleitoral livre, democrtico e transparente, com pouqussimos incidentes. O governo, chefiado por REN PREVAL, e o parlamento, eleito pelo povo, tomaram posse em clima de tranqilidade.

PERSPECTIVAS FUTURAS A longo prazo, tudo depender da aplicao dos recursos prometidos em investimentos socioeconmicos. O planejamento inicial previa a gradativa reduo do efetivo de tropas, medida que os resultados dos investimentos em desenvolvimento e o efetivo emprego da PNH garantissem uma maior estabilidade. Como os investimentos prometidos no ocorreram e a PNH continua despreparada e insuficiente, o Conselho de Segurana foi obrigado a autorizar um aumento do efetivo da misso. A ONU assumiu compromissos pblicos a longo prazo. Os pases americanos que atualmente contribuem com tropas ou policiais para a MINUSTAH declaram-se prontos a manter seus efetivos no Haiti pelo tempo que o governo haitiano e o Conselho de Segurana da ONU

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julgarem necessrio. No momento, fica difcil prever o que ocorrer no futuro. Se os investimentos tardarem e a PNH continuar despreparada, to cedo no se poder pensar em retirar tropas, sem que, imediatamente, se degrade a situao de segurana no pas. Aristide continua a representar uma sombra na poltica haitiana. Sua volta constantemente reclamada por seus seguidores mais fanticos. A governabilidade depender da recuperao econmica, diretamente ligada ao nvel de emprego e ao desarmamento das gangues. CONCLUSES PESSOAIS Apesar de todas as dificuldades, o balano da Misso das Naes Unidas para a Estabilizao do Haiti altamente positivo. Nos mais diversos nveis, desde o poltico-estratgico at o ttico, as lies tm sido valiosas. Os militares que tm a ventura de participar dessa escola de vida desenvolvem seu potencial de liderana e o conhecimento individual de seus limites, ficando em condies de us-los em todas as situaes futuras. No que tange ao relacionamento das Foras Armadas com os parceiros regionais, atingimos um nvel excelente de integrao e comunho de esforos e objetivos. Comandantes e tropas de Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Equador, Guatemala, Paraguai, Peru e Uruguai tm operado juntos, com impecvel sinergia. Vrias vezes externei minha discordncia quanto estratgia adotada pela "comunidade internacional" em relao ao Haiti. Fazia eco s

manifestaes de desapontamento do embaixador Juan Gabriel Valds, Representante Especial do Secretrio-Geral da ONU e Chefe da Misso, e dos governos de pases latinos. Considero primordial que alguma coisa acontea de prtico e visvel, em termos de reconstruo nacional. Desejo que a elite intelectual e poltica do Haiti assuma o papel que lhe cabe e se una em torno de um pacto de governabilidade. Esquea as desavenas do passado e aproveite a presena estrangeira (bemintencionada e financeiramente poderosa) para recuperar a estabilidade, incentivar os investimentos e o crescimento econmico. Espero que o fantstico e sofrido povo haitiano, pioneiro na conquista da sua independncia, seja capaz de restabelecer a democracia e o Estado de direito, de reconstruir o pas e pavimentar um futuro melhor.

Referncias 1. importante ressaltar que o mandato da MINUSTAH amparado no captulo VII, que autoriza as medidas necessrias imposio da paz, uma vez que, ainda hoje, persiste alguma confuso entre aqueles que insistem em classificar a misso como uma simples misso de manuteno da paz. A utilizao do captulo VII e o reconhecimento de apenas uma parte como legtima (o governo transitrio do Haiti) caracterizam uma misso de imposio da paz. 2. United Nations Mission in Haiti (UNMIH) 1993 a 1996; United Nations Support Mission in Haiti (UNSMIH) 1996 a 1997; United Nations Transition Mission in Haiti (UNTMIH) 1997; e Mission de

PALAVRAS-CHAVE: Haiti, ONU, Brasil, Componente Militar.

*O General-de-Exrcito AUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA graduouse pela AMAN, como oficial de Cavalaria, em 1969. Como General-de-Diviso, foi o primeiro Comandante, por um ano e trs meses, da Fora de Paz da MINUSTAH. Atualmente, o Comandante do Comando Militar da Amaznia.

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Experincias Profissionais

Emprego do Caador no HaitiMarcelo Martini Monteiro* O artigo trata do emprego do caador na Misso para Estabilizao do Haiti (MINUSTAH), abordando as principais funes exercidas e algumas situaes ocorridas durante a atuao do 4 Contingente em solo haitiano.

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atividade de reconhecimento das posies da tropa brasileira, o que o perodo de novembro de 2005 a junho de 2006, a possibilitou sua captura. 12 Bda Inf L (Amv) constituiu o 4 contingente da Ainda no ms de dezembro, na regio de Cite Militaire, uma frao misso de paz no Haiti levando consigo uma inovao da 2 Cia Fuz F Paz, que ocupava um posto de observao durante a noite, em seu modus operandi: a presena de caadores foi alvejada e, graas presena do caador, portando luneta de viso integrando os pelotes de fuzileiros na proporo de um noturna e mira laser, pde responder aos fogos de modo bastante eficaz por grupo de combate. atravs de um tiro de frao conduzido com o emprego de munio O caador mostrou-se extremamente til nas operaes dirias traante, disparada pelo caador nos pontos de onde partiam os disparos naquele complexo ambiente operacional, com emprego da tropa em rea da fora adversa. Alm disso, neste mesmo dia, o caador orientou, a urbana contra uma fora adversa bem armada e que atuava de maneira partir do P Obs, a ao de um Pel C Mec dentro das estreitas vias da totalmente descaracterizada. localidade, que realizava o reconhecimento pelo fogo nas posies Neste contexto, o caador mostrou-se extremamente valioso, atravs designadas pelo caador. da execuo das seguintes tarefas: Pode ser destacado tambm o emprego de equipes de caadores no - Busca e interdio de alvos; Palcio Nacional do governo haitiano e em suas adjacncias, no - Conduo do tiro de frao em condies de baixa luminosidade e monitoramento de passeatas e protestos, particularmente quando da escurido; visita do presidente da Repblica Dominicana ao Haiti, situao em que - Monitoramento de Regies de Interesse para a Inteligncia; - Monitoramento das atividades da fora adversa; - Segurana de PBCE e PBCVU; - Reforo segurana de PSE e segurana de autoridades; - Ocupao de posies de bloqueio nas operaes de cerco e vasculhamento; - Reconhecimentos em geral. Durante o desencadeamento da operao Barba Branca, que constou de um cerco e vasculhamento na regio de Cit Militaire, rea considerada vermelha pelo comando da MINUSTAH, pois havia Caador na guarita Material do caador a ao constante de integrantes da fora adversa, os caadores foram empregados nas seguintes misses: monitoramento de RIPI4 (entroncamentos da Rue Magnlia com Route Nationale 1), ocupao de posies de bloqueio nos limites da zona de ao e operao de postos de observao para orientar a tropa e alertar para fuga de elementos adversos. Nesta misso um caador, a partir de uma posio de bloqueio, respondeu a fogo da fora adversa com eficcia, sendo o tiro realizado a uma distncia de 250 metros. Fz caador PBCVU Sonapi Tambm ocorreu a observao de elementos da fora oponente em3. Posto de Segurana Esttica 4. Regio de Interesse para a Inteligncia

1. Posto de Bloqueio e Controle de Estradas 2. Posto de Bloqueio e Controle de Vias Urbanas

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o perodo de novembro de 2005 a junho de 2006, a 12 Bda Inf L (Amv) constituiu o 4 contingente da misso de paz no Haiti levando consigo uma inovao em seu modus operandi: a presena de caadores integrando os pelotes de fuzileiros na proporo de um por grupo de combate. O caador mostrou-se extremamente til nas operaes dirias naquele complexo ambiente PFT operacional, com emprego da tropa em rea urbana contra uma fora adversa bem armada e que atuava de maneira totalmente descaracterizada. Neste contexto, o caador mostrou-se extremamente valioso, atravs da execuo das seguintes tarefas: - Busca e interdio de alvos; - Conduo do tiro de frao em condies de baixa luminosidade e escurido; - Monitoramento de Regies de P Obs Interesse para a Inteligncia; - Monitoramento das atividades da fora adversa; - Segurana de PBCE e PBCVU; - Reforo segurana de PSE e segurana de autoridades; - Ocupao de posies de bloqueio nas operaes de cerco e vasculhamento; - Reconhecimentos em geral. Durante o desencadeamento da operao Barba Branca, que constou de um cerco e vasculhamento na regio de Cit Militaire, rea considerada vermelha pelo comando da MINUSTAH, pois havia a ao constante de integrantes da fora adversa, os caadores foram empregados nas seguintes misses: monitoramento de RIPI4 (entroncamentos da Rue Magnlia com Route Nationale 1), ocupao de posies de bloqueio nos limites da zona de ao e operao de postos de observao para orientar a tropa e alertar para fuga de elementos adversos. Nesta misso um caador, a partir de uma posio de bloqueio, respondeu a fogo da fora adversa com eficcia, sendo o tiro realizado a uma distncia de 250 metros. Tambm ocorreu a observao de elementos da fora oponente em atividade de reconhecimento das posies da tropa brasileira, o que possibilitou sua captura. Ainda no ms de dezembro, na regio de Cite Militaire, uma frao da 2 Cia Fuz F Paz, que ocupava um posto de observao durante a noite, foi alvejada e, graas presena do caador, portando luneta de viso noturna e mira laser, pde responder aos fogos de modo bastante eficaz

Vasculhamento do Cemitrio

Ponto forte 16

atravs de um tiro de frao conduzido com o emprego de munio traante, disparada pelo caador nos pontos de onde partiam os disparos da fora adversa. Alm disso, neste mesmo dia, o caador orientou, a partir do P Obs, a ao de um Pel C Mec dentro das estreitas vias da localidade, que realizava o reconhecimento pelo fogo nas posies designadas pelo caador. Pode ser destacado tambm o emprego de equipes de caadores no Palcio Nacional do governo haitiano e em suas adjacncias, no monitoramento de passeatas e protestos, particularmente quando da visita do presidente da Repblica Dominicana ao Haiti, situao em que houve vrias manifestaes violentas nas proximidades do citado Palcio. Nesta data pde ser realizado um eficiente monitoramento da regio e das turbas que para l se dirigiam, o que ofereceu subsdios valiosos para o comando da operao no que diz respeito ao reajuste do dispositivo de segurana e emprego da tropa de controle de distrbios. No tocante segurana de PBCE e PBCVU, uma das situaes em que o caador foi empregado ocorreu na regio de Av New Boulevard, na

PALAVRAS-CHAVE: Haiti, caador, operaes de paz, ambiente urbano

*O autor Capito de Infantaria da Turma de 1995 da AMAN, integrou a Misso para Estabilizao do Haiti (MINUSTAH) no perodo de novembro de 2005 a junho de 2006 e possui o Estgio de Caador realizado na AMAN. Atualmente, exerce a funo de instrutor do Curso de Infantaria da AMAN.

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Experincias Profissionais

Peloto de Engenharia no HaitiJoo Paulo Carvalho de Alencar* A Engenharia no apoio ao Batalho de Fora da Paz na Misso das Naes Unidas de Estabilizao do Haiti (MINUSTAH)

O que tiver de ser feito, ser feito.Lema do 5 Contingente de Fora de Paz

O OGp Eqp

Peloto de Engenharia, orgnico do Batalho Brasileiro da Fora de Paz no Haiti (Pel E F Paz), tem por misso atuar no apoio mobilidade, contramobilidade e proteo da unidade da qual faz parte, por meio da realizao de trabalhos tcnicos e do apoio geral de Engenharia. Para atender s necessidades mnimas de apoio especializado, est organizado em grupos, de acordo com a doutrina da Arma e com a natureza das misses a serem desenvolvidas no ambiente de operaes. Sua constituio a seguinte: ComandoAbastecimento rotineiro nos pontos fortes

Gp Instl

Gp Sup Agu dotado de militares

Carregadeira sobre rodas realizando desobstruo de via

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Carregadeira sobre rodas com proteo de chapas de ao

Caamba basculante com proteo de sacos de areia e coletes

Distribuio de gua em Porto Prncipe

d. pequenos trabalhos de reparao de estradas; e. limpeza de reas suspeitas de estarem minadas ou armadilhadas;

O retorno com a certeza da misso cumprida

PALAVRAS-CHAVE: Haiti, Engenharia, Higiene, gua.

*O autor, 1 Tenente de Engenharia da Turma de 2003, atualmente, instrutor do Curso de Engenharia da AMAN. Participou do quinto contingente brasileiro na MINUSTAH.

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Experincias Profissionais

Curso Avanado de Infantaria no ChileMarcelo Sousa de Pinho* Um intercmbio profissional entre os Exrcitos Brasileiro e Chileno.

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Exrcito Brasileiro possui intercmbios com distintas naes amigas em diversas reas de interesse militar. O presente artigo visa a abordar aspectos do Curso Avanado para Oficiais das Armas (CAOA), na Escola de Infantaria Chilena. A formao do oficial do Exrcito do Chile diferente da formao do oficial do Exrcito Brasileiro. O cadete passa quatro anos estudando na Escuela Militar (Escola Militar), equivalente AMAN. Durante o perodo de formao, o cadete no tem contato com as Armas, Quadros e Servios; ele faz a sua escolha apenas no final do curso, ocasio em que promovido a alferes. A partir deste momento, os alferes das distintas Armas, Quadros e Servios fazem o Curso Bsico para Oficiais das Armas (CBOA) nas respectivas Escolas das Armas e Servios do Exrcito do Chile: Escuela de Infantera (Escola de Infantaria), Escuela de Caballera Blindada (Escola de Cavalaria Blindada), Escuela de Artillera (Escola de Artilharia), Escuela de Ingenieros (Escola de Engenharia), Escuela de Telecomunicaciones (Escola de Telecomunicaes) e Escuela de los Servicios y Educacin Fsica (Escola dos Servios e Educao Fsica). Esse curso, que tem por objetivo capacitar o oficial subalterno chileno a comandar fraes nvel seo ou peloto, inicia-se, geralmente, no ms de janeiro e possui a durao de seis meses.

Posteriormente, o oficial promovido a subteniente, que equivale no Brasil ao posto de 2 tenente. Depois de 5 anos de formado, promovido a teniente, no Brasil, 1 tenente. Nesse ltimo posto, passa mais 4 anos, sendo que no ltimo ano matriculado no Curso Avanado para Oficiais das Armas (CAOA), quando volta a estudar nas distintas Escolas das Armas e Servios, onde freqentou o Curso Bsico. O Curso Avanado tem a durao aproximada de seis meses e, geralmente, inicia-se no ms de julho. Seu objetivo capacitar o oficial chileno a comandar uma unidad fundamental (frao valor subunidade) e a compor o estado-maior de uma unidad de combate (frao valor batalho). O Curso Avanado de extrema importncia para o oficial chileno, porque pr-requisito para a promoo a capito. Outro pr-requisito para essa promoo estar habilitado em um idioma estrangeiro. Quem conclui o Curso Avanado e no est habilitado em outro idioma no promovido, at que se habilite num prazo aproximado de 8 meses. O idioma mais estudado pelos militares chilenos o ingls, tendo em vista que o pas est alinhado Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN). As Foras Armadas Chilenas passaram, inclusive, a adotar o padro OTAN para confeco de calcos e ordens grficas. A terminologia utilizada nesses documentos escrita no idioma ingls.

Smbolo da Escuela de Infantera

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Servios. Esse exerccio acontece nas cidades de Arica e Iquique, onde h regimentos reforados, unidades que so prioridade do Exrcito Chileno. A doutrina da infantaria mecanizada est sendo atualizada constantemente no Chile. O pas est adquirindo novos armamentos, novos carros e novos meios de comunicao. Novos procedimentos logsticos esto sendo adotados e experimentados, assim como condutas tticas, procedimentos tcnicos e de combate. Sem dvida, essa uma oportunidade de intercmbio interessante para o Exrcito Brasileiro. Devem ser envidados esforos para que o Brasil continue enviando militares para freqentar esse curso com o objetivo de adquirir novos conhecimentos, lies aprendidas, alm de difundir a excelncia do padro do militar brasileiro. Com isso, estreitam-se os laos com a nao amiga do Chile, fortalecendo as relaes dos pases da Amrica do Sul.Estrangeiros

A idealizao da Escuela de Infantera surgiu com o trmino da Guerra do Pacfico (final do sculo XIX), quando o Alto Comando do Exrcito Chileno resolveu criar uma escola para repassar os conhecimentos tticos, tcnicos e a doutrina de Infantaria para seus militares. Esse estabelecimento de ensino teve como seu primeiro diretor, o Ten Cel Don Ramon Perales. O smbolo da Escuela de Infantera um capacete, disposto sobre uma baioneta e uma granada cruzadas, smbolo da Infantaria. A letra E no capacete, corresponde Escola e a coroa de louros representa os conhecimentos transmitidos. O Dia da Infantaria Chilena celebrado em 07 de junho, em homenagem ao ato histrico do assalto e conquista do Morro de Arica, no ano de 1880, na Guerra do Pacfico. Essa Escola subordinada ao Comando de Institutos Militares e est na comuna de San Bernardo, regio metropolitana de Santiago, capital chilena. A Escuela de Infantera tem como misso principal a manuteno da doutrina da Arma de Infantaria Chilena atravs dos cursos para os oficiais e suboficiais (praas chilenos). Relato de experincia pessoal A seleo Concorri ao processo de seleo para o CAOA por estar habilitado no idioma espanhol e tambm no idioma ingls, alm de pertencer turma da vez para misses ou cursos no exterior no ano de 2006. Cabe ressaltar que o Exrcito do Chile disponibilizou uma vaga para oficiais do Exrcito Brasileiro para o ano de 2006, o que no ocorre todos os anos. Fui designado para freqentar o CAOA de Infantaria, tendo-o concludo com aproveitamento em 07 de dezembro de 2006. O curso teve a durao aproximada de seis meses e, no seu currculo, destacaramse as seguintes matrias: Ttica de Infantaria, Apoio ao Combate, Ttica Geral, Organizao e Pessoal, Logstica, Inteligncia, Curso Interarmas, Liderana Ttica, Educao Fsica Militar e Direito Militar. A maior carga horria destinada para Ttica, Logstica, Inteligncia e Pessoal, que so os 04 Sub-Sistemas do Sistema Operacional do Exrcito do Chile, com nfase Infantaria Motorizada e Mecanizada. O CAOA de Infantaria atualmente um curso com base terica sobre a doutrina de Infantaria do Exrcito do Chile, mesclado com excurses tticas ao terreno, exerccios de curta e longa durao no terreno, perodo de instruo interarmas e um exerccio de longa durao no norte do pas, no Deserto do Atacama. Esse exerccio constitui-se numa operao de duas semanas com tropa mecanizada e blindada junto VI Diviso de Exrcito, sendo o ponto alto do Curso. Nessa oportunidade, os alunos das diversas Armas, Quadros e Servios tm a oportunidade de compor os estados - maiores das foras tarefas e unidades nvel batalho, assim como, de comandar fraes valor companhia mecanizadas e blindadas das distintas Armas, Quadros e

Preparao para o curso Aps ser designado para o curso pelo Comandante do Exrcito, busquei informaes mais especficas sobre ele. Naquele momento, tinha somente a idia de que se tratava de um curso de aperfeioamento de oficiais de Infantaria. Raciocinava com matrias relativas a comando de companhia e estado-maior de batalho, assuntos ministrados no 4 ano de Infantaria e, com mais profundidade, na EsAO. Partindo desse princpio, pedi informaes do curso Assessoria Um Gab Cmt Ex e Aditncia do Exrcito Brasileiro no Chile. Dias depois, recebi, por meio do adido militar do EB no Chile, um CD da Secretaria de Estudos, da Escuela de Infantera, que continha informaes mais detalhadas sobre o CAOA, como: cronograma, plano de matrias e orientaes especficas quanto a uniformes, despesas e alojamento. Junto a esse contedo, veio uma carta de orientaes aos futuros alunos, do diretor do curso, um capito do Exrcito do Chile, com o qual retirei o restante de dvidas. Tudo foi resolvido via Internet. Alm destes contatos, busquei mais informaes na Internet sobre o Chile, o Exrcito do Chile e a Escuela de Infantera. Fiz contato com o Ten Cel HEBER, do EB, aluno da Academia de Guerra, em Santiago, no Chile. Fiz contato tambm com o Ten Cel Inf Andr Lus Novaes Miranda, ltimo aluno brasileiro do CAOA. O Ten Cel NOVAES freqentou-o no ano de 1993, quando era um capito aperfeioado. Naquela poca, o curso tinha uma durao de 10 meses e se iniciava em fevereiro. Estudei o anteprojeto do manual de Companhia de Fuzileiros edio 2005, que est sendo revisado pelo Curso de Infantaria da AMAN. Li alguns assuntos contidos nos CD do C Inf AMAN e C Inf EsAO e tambm um bom guia turstico do Chile. Tudo contribuiu de forma significativa na preparao para a misso. muito interessante ter o mximo de informaes sobre o curso ou a misso, a nao amiga, o idioma, a histria, a cultura e o turismo. Sem dvida, dominar o espanhol de fundamental importncia para um bom desempenho no curso. Assim, pedi orientaes aos professores da Cadeira de Idiomas da AMAN e, por meio da 3 Seo da AMAN, foi solicitada minha matrcula no Estgio de Espanhol no Centro de Estudos de Pessoal (CEP), no Rio de Janeiro. Esse Estgio de Idiomas extremamente importante na preparao intelectual do militar, tendo em vista que o aluno, no CEP, faz uma imerso no idioma estrangeiro por um perodo de aproximadamente dois meses. Normalmente, o militar no dispe de tempo para estudar idiomas na sua unidade e, por isso, cresce de importncia realizar esta preparao no CEP. Paralelamente ao estgio no CEP, muito vlido escutar msicas e assistir a canais de televiso e a filmes em espanhol. A vida durante o curso Na Escuela de Infantera, h um Cassino de Oficiais onde todos alunos ficam alojados durante o curso. Cada dupla de alunos recebe um apartamento (sute). Geralmente, os estrangeiros so colocados juntos.

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No meu caso, dividia um apartamento com um oficial uruguaio. Cada aluno estrangeiro tem um padrinho, que um tenente chileno, matriculado no CAOA e que trabalha na Escuela de Infantera. Esse padrinho acompanha o aluno estrangeiro desde a sua chegada at o seu ltimo dia no Chile. O curso se inicia com uma semana de provas escritas sobre a fase a distncia, que os estrangeiros no realizam. H tambm uma prova fsica (composta de corrida de 3200m, barra e abdominal), que a primeira prova dos estrangeiros e cuja nota vale para classificao no curso. Na primeira semana, os alunos sofrem uma primeira observao e conceituao pelos instrutores. No incio do curso, os alunos so divididos em grupos de quatro militares para a realizao dos diversos trabalhos e provas em grupo. Os estrangeiros integram os grupos com seus padrinhos, havendo, no mximo, um aluno estrangeiro por grupo. A rotina diria cansativa por causa dos horrios e da quantidade de provas e trabalhos. O dia inicia com um caf da manh, que acontece das 06h30min s 07h30min. Um aspecto interessante que o funcionamento do rancho no Exrcito do Chile similar ao de um restaurante. L, a comida paga pelo militar, diferentemente do que ocorre no EB. Os oficiais pedem a comida que desejam, preenchem um vale, que uma espcie de FO e, no fim do ms, pagam o que consumiram durante todo o perodo. As instrues iniciam geralmente s 8h e se estendem at s 14h30 min. Durante todo esse perodo, h dois ou trs pequenos intervalos de dez minutos. Aps o trmino das instrues, por volta das 15h, os alunos almoam. H provas inopinadas sobre as matrias ensinadas praticamente todos os dias. A maioria delas de curta durao (10 minutos) e ocorre durante as instrues. Os instrutores, geralmente, no passam orientaes para as provas.

H muito trabalho em grupo. Diariamente, so passadas tarefas de planejamento, de acordo com as matrias ensinadas. Tudo o que produzido pelo grupo avaliado pela equipe de instruo e vale nota. No estava previsto treinamento fsico militar dirio durante o curso. Havia TFM somente s segundas-feiras e, nos demais dias da semana, sua prtica era por conta dos alunos, nos horrios livres. Quanto parte financeira, o soldo do militar enviado ao Banco do Brasil (BB) de Miami. Antes de partir para a misso, o oficial abre uma conta naquele banco e se cadastra para utilizar o Internet Banking, com auxlio da Assessoria Um do Gabinete do Cmt Exrcito. No Chile, o militar pode abrir uma conta no Banco do Brasil de Santiago, ou pode realizar transferncias do BB Miami para seu banco, no Brasil, pelo Internet Banking, realizando saques nos caixas eletrnicos dos bancos chilenos com seu carto de crdito, habilitado para uso no exterior. Sem dvida, o maior obstculo, no incio o idioma. Mesmo estudando antes da misso, um brasileiro sente dificuldade para entender o que se fala ao chegar no Chile, porque os chilenos falam muito rpido e com muitos modismos e grias (chilenismos). A maioria utiliza conjugaes verbais erradas, criadas por eles mesmos. Devido diferena de sotaque, no incio, existe tambm uma dificuldade para ser entendido. Mas, se o militar conhece a gramtica, o espanhol correto, no vai ter problemas nas provas escritas e orais (emisses de ordens, exposies em jogos de guerra, de situaes gerais e particulares etc). Naturalmente, com o passar do tempo, o brasileiro se acostuma com o sotaque chileno e entende tudo que est sendo transmitido. Quanto ao contedo transmitido, a essncia dos conceitos relacionados Infantaria Chilena similar brasileira, havendo pequenas diferenas, no que diz respeito a nomenclaturas e procedimentos. Devido alicerada e slida formao do oficial brasileiro, a adaptao a novos ambientes torna-se facilitada. O oficial brasileiro destaca-se pelo vigor fsico e excelente desempenho perante os outros militares que trabalham com ele.

PALAVRAS-CHAVE: Curso Avanado, Infantaria, Chile, Intercmbio

*O autor 1 Tenente de Infantaria da Turma de 2001. Atualmente, instrutor da Seo de Instruo Especial da AMAN.

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Quatro Elementos da CoragemCarlos Roberto Carvalho Darz*

Como se comporta o lder combatente sob fogo inimigo? O texto a seguir apresenta dois casos histricos que destacam alguns atributos que permitem a um comandante conduzir seus homens com eficincia sob fogo no cumprimento da misso.

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unca se vira um amanhecer como aquele 6 de junho de 1944. Sob um cu denso e cinzento, a imensa frota aliada de invaso postava-se diante das cinco praias da Normandia. A libertao do continente europeu havia comeado. Na praia de Omaha, no centro do dispositivo, a barcaa que conduz uma companhia de Rangers vence a arrebentao e comea a arriar sua rampa de proa em meio a uma floresta letal de minas e obstculos de ao, concreto e arame farpado. No exato momento em que a rampa baixada totalmente, os canhes e as metralhadoras alems abrem fogo queima roupa. Instantaneamente, oito infantes caem atingidos pela primeira rajada, os demais se lanam s guas tentando chegar praia. A progresso difcil, o equipamento molhado pesa em demasia e a areia dificulta o movimento. As granadas continuam a cair e o fogo amarrado das armas automticas, cada vez mais preciso, cobra seu tributo. Mais uma dezena de soldados abatida assim que atinge a areia. Os homens procuram desesperadamente encontrar abrigo mas ... a praia um terreno aberto e a busca por um local seguro em vo. Juntamente com seus homens, em meio s ondas tingidas de sangue, o capito posiciona-se atrs de um obstculo de ao em forma de ourio, construdo com trilhos ferrovirios inservveis, nica estrutura existente na ampla faixa de areia da praia. Os projteis de 7,62mm das metralhadoras atingem o ao produzindo um zunido desconcertante. Uma granada de artilharia arrebenta vinte metros esquerda de sua posio, arrancando-lhe o capacete de ao da cabea e mutilando um soldado menos afortunado. Atordoado pelo impacto e pela tenso, o capito consegue, com muito esforo, recolocar seu capacete na cabea e levanta seus olhos. O estado emocional provocado pelo cenrio de morte e destruio faz com que, apesar do rudo ensurdecedor da batalha, o capito mergulhe em um profundo silncio. Outra granada cai, ainda mais perto do que a anterior, mas o capito no ouve seu arrebentamento. A cinco metros de sua posio, um dos homens de sua companhia, tambm precariamente agachado atrs de um ourio, grita desesperadamente algo para o oficial. O capito se esfora para ouvi-lo, mas a tenso e o estado de torpor em que se encontra no permitem a compreenso da mensagem. Novamente o soldado grita, mas o comandante somente consegue ver o movimento labial e permanece inebriado pelo mais absoluto silncio. Repentinamente, em meio a novas exploses e rajadas de metralhadora, o capito recobra seu equilbrio e, liberto de sua surdez momentnea, consegue finalmente ouvir o apelo desesperado de seu soldado: - Capito, e agora? O que vamos fazer? Recomposto, tomando as rdeas da situao, o capito registre-se, um excelente oficial Ranger, considerado um lder por seus comandados comea a emitir ordens coerentes e oportunas, conduzindo sua companhia para a praia: - Para a praia, vamos! Avanar! Mais trs soldados so colhidos pela metralha, mas o oficial continua impulsionando seus homens: - Vamos, temos que achar a sada da praia. Quem ficar aqui vai morrer. Sigam-me! Impassvel diante do perigo, lidera seus homens atravs das granadas e da metralha diretamente contra as posies inimigas. Ao cair da tarde, sua companhia consegue abrir passagem para as demais unidades, estabelecendo definitivamente a cabea de ponte no Dia D. Sua subunidade havia sido a primeira de toda a diviso a sair da praia e a conquistar uma posio defensiva alem.

A cena acima descrita, mostrada no celebrado filme O Resgate do Soldado Ryan, retrata com clareza como difcil exercer a liderana sob fogo, vencer os prprios receios e conduzir os homens vitria. Como me comportarei em combate? Conseguirei superar o medo de ser ferido, ou morto? Serei capaz de manter o equilbrio emocional e transmitir ordens e orientaes seguras a meus comandados? Caso seja ferido, serei capaz de prosseguir na misso at o fim? Indagaes como estas certamente passam pela mente de todo lder militar que, por ofcio, deve estar em condies de conduzir sua frao at um objetivo fortemente defendido pelo inimigo. Na verdade, responder a estas questes no uma tarefa fcil. A coragem um atributo indispensvel ao exerccio da liderana militar, particularmente quando envolve as operaes reais sob fogo inimigo, onde o risco de vida iminente. O episdio a seguir revela como o combatente pode, mesmo nas piores condies, superar a dor, manter a liderana e dirigir seus comandados conquista de seus objetivos. Durante a 2 Guerra Mundial, o Tenente-Coronel Dollard Mnard comandava um batalho do Regimento de Fuzileiros de Mont Royal, do exrcito canadense. Como preparao para a invaso da Normandia e com a finalidade de testar suas recm-criadas unidades de comandos, os britnicos planejaram, em 1942, um assalto anfbio contra o porto de Dieppe, localizado na Frana sob ocupao nazista. O Regimento de Mont Royal foi uma das muitas unidades que participaram da primeira leva do assalto. Nesta ao, o Tenente-Coronel Mnard foi ferido cinco vezes, mas permaneceu firme liderando seus homens e sobreviveu para contar sua histria. Em entrevista concedida aps o trmino da guerra, destacou quatro elementos que o fizeram manter a coragem sob fogo. Sua experincia pessoal, revestida de relevantes ensinamentos para o lder combatente, relatada a seguir: Segundo as minhas concluses, houve quatro elementos no que eles chamam de bravura. O primeiro eu batizaria de otimismo, ou egosmo, ou impulsividade. O segundo foi a disciplina, o treinamento que recebemos no exrcito. O terceiro, pura e simples raiva. Sede e fome de vingana. Quanto ao quarto e ltimo, a melhor maneira que tenho de defini-lo, um profundo sentimento misto de indiferena e despeito. A ao de Dieppe foi uma ao de comandos em grande escala. Eu comandava um batalho de 600 homens que tinha por misso desembarcar na praia, ajudar a desobstruir o arame farpado, limpar o terreno de posies de metralhadoras, conquistar alguns objetivos e capturar o maior nmero possvel de prisioneiros para a Inteligncia Militar. Durante a longa travessia noturna do Canal da Mancha, pus-me a pensar quantos daqueles homens retornariam com vida de Dieppe. Cada um deles sabia, to bem quanto eu, que amos ter um bocado de mortos e feridos. Mas, com toda a franqueza, nem pensei que eu pudesse ser morto, e no creio que um s soldado, em todas aquelas lanchas, pensasse de modo diferente a seu prprio respeito. por isso que afirmo que o primeiro elemento da coragem uma espcie de otimismo ou egosmo. Vamos agora ao segundo elemento: Quando avistamos Dieppe, pouco antes do amanhecer, sabamos que haveria tiroteio pesado em toda a frente. medida que nos aproximamos da praia, a fuzilaria e o canhoneio comearam. Aqueles ltimos cinqenta metros foram

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Desembarque de Normandiaterrveis. Os alemes comearam a regular bem os tiros. Eu tinha a garganta seca e apertada. Queria fazer alguma coisa, ao invs de estar ali sentado naquele bote. No instante em que a embarcao raspou na praia, pulei fora dela e pus-me a seguir a passagem aberta pelos engenheiros atravs do arame farpado... Acho que tinha dado trs passos quando o primeiro balao me atingiu. A gente sempre diz que um projtil atinge, quando a verdade que ele martela a gente tal qual um malho de ferreiro o faria. De comeo, no havia dor nenhuma. um safano tamanho que a gente fica sem saber exatamente onde foi ferido e com o que. Esse tiro entrou-me no alto do ombro direito e botou-me no cho. No perdi os sentidos, mas senti-me confuso e abalado. Um de meus homens correu para mim e eu bradei: 'V para diante! Eu estou bem!' No sei por que razo disse aquilo, porque a verdade que eu no sabia como estava. Mas consegui por-me em p, e com a mo esquerda apalpei o ombro direito: estava molhado e pegajoso. Olhando para a mo, vi-a coberta de sangue, por onde percebi que estava sangrando seriamente. Creio que foi ento que a disciplina e o treinamento entraram em ao. O instinto natural de qualquer soldado destreinado, que se visse naquela praia, teria sido cavar na areia um buraco bem fundo, e meter-se l dentro com os olhos fechados at que acabasse a pancadaria. Mas a disciplina e o adestramento mostraram-se suficientemente fortes para me fazer seguir para diante. Reparei que a posio inimiga diante de ns ainda agentava e comecei a flanque-la com parte de meus homens. O segundo apanhou-me cerca de minuto e meio mais tarde. Desta vez senti a dor porque o projtil queimou-me a bochecha e levou-me um bom pedao de carne. Tornei a erguer a mo esquerda ao rosto e toquei a ferida. curioso, como a gente tem esta tendncia de tocar no lugar onde foi ferido. Parecia que algum me tinha passado um anzol pelo rosto, deixando-o estraalhado e em carne viva. Agachei-me o mximo que pude e continuei a avanar. Tinha caminhado uns vinte metros quando um de meus homens tombou, encolhido na areia. Era um dos meus melhores amigos, um major. Tnhamos estado juntos na ndia, em Hong Kong e em Cingapura. Eu o tinha em alta conta. O ferimento era fatal, ele apertava o estmago com ambas as mos, estava plido e respirava com grande dificuldade. Comecei a remexer o meu kit de primeiros socorros e acabei por conseguir encontrar trs comprimidos de morfina. O major abriu a boca e botou a lngua para fora sem tirar os olhos dos meus. Depus-lhe na lngua um comprimido, que ele engoliu. Nada mais me era possvel fazer por ele. E ele o sabia tanto quanto eu. Continuei a marchar contra a posio inimiga. At aquele momento eu tinha sido mais ou menos valente, digamos, graas disciplina e ao

treino. No tinha me sentido particularmente irritado por causa de minhas prprias feridas. Mas agora, depois de ter visto cair o meu amigo com o ventre despedaado, fiquei cego de raiva. Tudo quanto eu queria era matar, tirar a desforra, liquidar contas. A raiva que eu sentia atuava como uma espcie de anestsico geral. Quando pulamos por cima do parapeito apanhei o terceiro tiro: desta vez o projtil atravessou lado a lado o meu pulso direito. Mal dei por tal. Entretanto, eu tenho certeza que em condies normais isto , se no estivesse exaltado, fora de mim por causa da emoo eu teria desmaiado se um impacto de grosso calibre me tivesse atingido daquele jeito. A raiva continuou me levando por ali afora, at chegar posio inimiga. Uma vez ali, verifiquei que meus homens a tinham limpado muito bem, com granadas de mo explosivas e incendirias. Daquela posio eu pude ter uma idia clara do que estava passando e orientar pelo rdio as vrias companhias do meu batalho. Dentro de uma hora tnhamos todo aquele setor da praia sob nosso controle. Mas ainda havia um bom nmero de atiradores naquelas redondezas e um deles fez-me outro furo na pele. Desta vez foi na perna direita, logo acima do joelho. O efeito da martelada foi idntico ao primeiro, mas, ainda assim, consegui agentar-me de p. J os nossos homens haviam conseguido infiltrar-se na cidade e eu estava louco por me juntar a eles, mas comecei a me sentir enfraquecido e com o corpo dormente. Quando o quinto tiro me atingiu, bem acima do artelho direito, senti que a perna fugia sob o corpo e ca pela segunda vez. Esse ferimento foi a sentena final. Tentei de novo erguer-me e no fui capaz. Senti uma espcie de calor e moleza em todo o lado direito do corpo. Foi ento que a dor comeou a crescer e, assim, perdi os sentidos. Vim a saber depois que dois de meus homens tinham-me carregado pela praia abaixo e me reembarcado em um dos botes. Quando acordei os avies alemes estavam sobre ns metralhando. As baterias antiareas dos barcos faziam um imenso barulho a minha volta, uma delas disparava a menos de trs metros de minha cabea. Olhei em volta e dei-me conta de que estava deitado bem em cima das caixas de munio dos canhes. Bem sabia que bastava um tiro inimigo para fazer voar tudo aquilo s nuvens, mas, a essa altura, nada me aborrecia: 'Se eles ainda desta vez no me apanharam, nunca mais me pegam!' E neste pensamento, acho eu, se traduz o quarto elemento daquilo que eles denominam coragem. O tenente-coronel Mnard conduziu seus homens com extrema liderana, permanecendo, mesmo ferido, preocupado com a integridade deles e, acima de tudo, com o cumprimento da misso que havia sido atribuda a seu batalho. A aceitao do risco e do sacrifcio inerente profisso militar, ainda mais quando se trata da conduo de homens em combate. Quando se defronta com o perigo real e imediato, mesmo o soldado mais motivado apresenta a tendncia para a passividade e autopreservao. Nesta hora, o exemplo que arrasta os homens a prosseguirem na misso e os leva superao pessoal, que extrapola os limites humanos. Durante um combate o ser humano revela aquilo que ele tem de melhor e de pior. Quando aferrados ao terreno pelo fogo inimigo, inseguros, muitas vezes apavorados, os soldados ho de seguir quem lhes apresente uma direo. Cabe ao lder conduzir seus homens na direo certa, levando-os a realizar tarefas que, por si mesmos, certamente no conseguiriam. Sob o fogo adverso, o lder, mais do que nunca, a fora motriz que assegura o cumprimento da misso.Referncias bibliogrficas: AMBROSE, Stephen. O Dia D. Rio de Janeiro: Bibliex, 1998. __________. Band of Brothers. So Paulo: Bertrand Brasil, 1992. ESSAME, H. A conquista da Normandia. Rio de Janeiro: Renes, 1978. KELLETT, Anthony. Motivao para o combate. Rio de Janeiro: Bibliex, 1987. MASON, David. Ataque a Saint Nazaire. Rio de Janeiro: Renes, 1976. WALL, C.B. Segunda Guerra Mundial - Ultra-secreto. Rio de Janeiro: Ypiranga, 1965. YOUNG, Peter. Comandos-Os soldados-fantasma. Rio de Janeiro: Renes, 1975PALAVRAS-CHAVE: Liderana em combate, coragem, conduta sob fogo

*O autor Major de Artilharia da Turma de 1991. Atualmente, exerce a funo de Chefe da Seo do Servio de Material Blico da Diviso Logstica da AMAN.

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Liderana em CombatePOR QUE O SOLDADO CUMPRE MISSES DE ALTO RISCO?Seo de Doutrina e Liderana

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ue razes levariam um soldado a cumprir uma ordem ou a tomar iniciativa de avanar sob o fogo inimigo, pondo em perigo a prpria vida? Onde quer que se realizem pesquisas sobre os fatores psicolgicos que atuam sobre os homens no campo de batalha, pode-se observar que o medo uma fora comum e sempre presente nos combates. E justamente o medo que faz o soldado vacilar e no cumprir as ordens. O medo paralisa o indivduo, faz com que ele no atire contra o inimigo e fuja em pnico. Mas ento, que motivos levariam o soldado a controlar o medo e a lutar com aparente coragem? O Cel Dandridge Malone, um Ranger, que serviu 30 anos no Exrcito dos Estados Unidos da Amrica e combateu em vrias guerras, aponta em seu livro SMALL UNIT LEADERSHIP (LIDERANA NA PEQUENA FRAO) os motivos pelos quais o soldado cumpre misses de alto risco:

5 MOTIVO Porque acredita que ser levado corte marcial se no cumprir a ordem. 6 MOTIVO Porque acredita que cumprir a ordem sua obrigao (este motivo est ligado obrigao de defender a ptria). 7 MOTIVO Porque visualiza que ser recompensado se aceitar o desafio. 8 MOTIVO Porque conclui que assumir o risco menos perigoso que ficar onde est. 9 MOTIVO Porque julga que se sentir culpado e ter remorso se no cumprir a ordem. 10 MOTIVO Porque quer provar que corajoso ou quer obter o reconhecimento do grupo. 11 MOTIVO Porque odeia o inimigo. 12 MOTIVO Porque incorporou o hbito de cumprir ordens. 13 MOTIVO Porque gosta da sensao do combate e do perigo. V-se que os quatro primeiros e principais motivos apresentados pelo Cel Malone esto muito ligados ao esprito de corpo das pequenas fraes, camaradagem que se desenvolve entre os homens e confiana dos soldados no seu comandante imediato, o tenente. Os cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, em um futuro muito prximo, sero tenentes comandantes de pelotes e sees. Por isso, observando seus oficiais instrutores, eles devem aprender: - a praticar a verdadeira camaradagem; - a desenvolver o esprito de corpo das pequenas fraes; e - como agir para obter a confiana dos subordinados. Devem aprender, ainda, a controlar o medo para que, nos corpos de tropa, possam servir de exemplo aos seus soldados, pois os subordinados no os seguiro pela autoridade que estiverem investidos, mas pela CORAGEM que demonstrarem.

1 MOTIVO Porque sabe que seus camaradas contam com ele. A experincia mostra que os soldados combatem corajosamente e enfrentam o perigo para defender e ajudar os seus companheiros, mas, para que isso acontea, preciso que seja criado o esprito de corpo da pequena frao e que os homens estejam ligados entre si por laos de verdadeira camaradagem. 2 MOTIVO Porque acha que, se no cumprir a misso, ser chamado de covarde e discriminado pelos companheiros. No homem comum, fugir ao perigo um impulso normal. Entretanto, no seio dos exrcitos, aceitvel que fugir do perigo, quando isto acarreta falta ao cumprimento do dever, constitui ato de covardia que conduz desonra e ao repdio do indivduo pelo grupo. 3 MOTIVO Porque acredita que o seu comandante sabe tomar a melhor deciso. Explicando de outra forma, o soldado obedece ordem para cumprir a misso de alto risco porque confia no seu comandante de frao e acredita nele. Dessa forma, v-se a importncia e a influncia do tenente que, efetivamente, tem de liderar os seus homens. 4 MOTIVO Porque quer ser solidrio com o seu comandante. Novamente, surge a importncia do tenente que lidera e que estimado pelos subordinados. Quando isso acontece, todos se esforam para no decepcion-lo. Entretanto, se o tenente no for capaz de conquistar a confiana dos soldados, isso no ocorrer. A esses quatro principais motivos, o Cel Malone acrescenta mais nove, que ocorrem com menor freqncia:

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O Condicionamento Fsico e a Liderana MilitarFlvio Augusto Cerqueira Guedes*

O artigo aborda a relevncia do condicionamento fsico para o desenvolvimento da liderana militar.A liderana e a vontade de lutar esto em destaque entre os demais fatores que influenciam o poder de combate. Essa visualizao nos leva a concluir que o poder de combate algo que pode variar conforme o esprito de luta, a vontade dos homens e a capacidade de liderana dos sargentos e do tenente comandante de peloto. O tenente o responsvel pela segurana e sobrevivncia do peloto, assim como pela realizao das difceis misses que lhes so atribudas, freqentemente em face das desvantagens esmagadoras e dos obstculos aparentemente intransponveis.(Donough) INTRODUO A fim de melhor organizar o suporte bibliogrfico pesquisado, analisaremos, inicialmente, alguns conceitos bsicos sobre o assunto. Em seguida, exploraremos as relaes entre a liderana e a arma de infantaria, a liderana e o comandante de peloto e a liderana militar e o condicionamento fsico. LIDERANA O termo liderana extremamente amplo e ramificado. Vejamos algumas definies de liderana e lder. A liderana descrita como a capacidade e a determinao de reunir indivduos para a consecuo de um objetivo comum, inspirando confiana em todos, segundo Montgomery (KELLET, 1987, p.171), ou ainda como a capacidade de influenciar pessoas atravs de idias e aes, segundo Ribeiro. (1972, p.52) As IP 20-10 (1991, p.2.2) define lder como militar habilitado a conduzir subordinados ao cumprimento do dever, em razo do cargo de chefia que exerce. A LIDERANA E A INFANTARIA A Infantaria a arma do combate aproximado, que pode executar aes independentes limitadas, utilizando seu prprio armamento, podendo operar em qualquer tipo de terreno e sob quaisquer condies de tempo e visibilidade. Baseado na anlise de sua prpria misso, verifica-se o quo difceis so as misses impostas a este tipo de tropa, exigindo de todos, especialmente de seus comandantes, qualidades que conduzam seus homens ao cumprimento das misses. A histria militar est repleta de passagens e de exemplos em que as tropas de infantaria superaram a fome, a fadiga e as severas condies climticas devido, efetivamente, atuao de seus lderes. Em um levantamento feito entre infantes no teatro de operaes do Mediterrneo, em 1944, pediu-se aos entrevistados que dessem as principais caractersticas do melhor combatente que conheciam pessoalmente. Quando os entrevistados responderam que o melhor militar que conheciam era um oficial, a liderana foi citada um nmero de vezes que chegou quase ao dobro das caractersticas citadas logo a seguir: coragem e agressividade. (KELLET, 1987, p.171) A tropa de Infantaria sofre, pela fora de sua destinao, as tenses do campo de batalha. Para resistir a estas tenses imprescindvel que ela possua elevado valor moral; este, por sua vez, guarda ntima relao com o grau de liderana militar dos oficiais que a comandam.

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liderana vem sendo, ao longo do tempo, um assunto amplamente estudado e debatido por pessoas que reconhecem sua importncia para a motivao e a conduo de homens e mulheres para a conquista de objetivos comuns. A liderana militar foi estudada pela primeira vez, em profundidade, por psiclogos americanos, durante a Segunda Guerra Mundial e, com mais amplitude, pelos ingleses. Desde ento, o valor da liderana militar no campo de batalha passou a ser enaltecido e estudado por diversos pesquisadores. (KELLET, 1987, p.131) Experincias e observaes, de autores diversos, destacam a importncia do condicionamento fsico para a liderana militar. O bom condicionamento fsico, juntamente com outras caractersticas, trar credibilidade ao lder. A credibilidade desenvolver a confiana dos subordinados. A confiana transformar-se- em respeito e este permitir que o militar exera a liderana. (HECKSHER NETO, 1998, p.24) Na vida militar, o conhecimento, o desenvolvimento e a aplicao da liderana crescem de importncia, uma vez que os perigos e desafios inerentes a esta atividade fazem com que os medos e receios das pessoas sejam despertados. A profisso militar exige a nossa vida. (CASTRO, 83, p.131) Desta forma, somente a liderana do comandante ser capaz de fazer com que estes homens superem suas limitaes e cumpram as misses. O sucesso ou fracasso do grupo depende, em grande parte, do lder e do que ele faz. (JUNIOR apud EGBERT, 1953) Ciente da importncia do lder militar, a AMAN, no incio dos anos 90, iniciou a implantao de um Projeto Liderana. Este teve como objetivo principal desenvolver no cadete, de forma sistemtica, os atributos da rea afetiva necessrios ao exerccio da liderana. Em 2001, o comando da AMAN sentiu a necessidade de criar uma seo que se dedicasse ao gerenciamento, ao desenvolvimento e ao planejamento de tudo que se relacionasse ao atributo liderana, a ser desenvolvido pelo futuro oficial de carreira do Exrcito Brasileiro. Foi criada ento, a Seo de Liderana e Apoio Doutrina (SLAD).

A LIDERANA E O COMANDANTE DE PELOTO A importncia da liderana sobre as tropas de infantaria foi verificada nas afirmaes acima. No entanto, no escalo peloto, esta liderana cresce de importncia devido s adversidades a que esta frao submetida e, principalmente, pela proximidade entre comandante e subordinados. O comandante de peloto responsvel pela instruo, pela disciplina, pelo controle e pelo emprego ttico de sua frao; ele a instrui, visando a desenvolver a noo de responsabilidade e a capacidade de comando de seus subordinados.

DESENVOLVIMENTO As caractersticas exigidas de um comandante de pequena frao, para ser capaz de preparar homens e comand-los em batalha, com grande possibilidade de xito so, entre outras: a coragem, a inteligncia e a aptido fsica. (MARSHALL, 2003, p.167)

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A arte de influenciar o comportamento humano tem extraordinria importncia para os comandantes de todos os escales, particularmente dos baixos escales, cujos chefes arcam pessoalmente com a pesada carga da liderana direta das aes de combate. (CASTRO, 1983, p.131) A qualidade da liderana mais importante no nvel peloto do que em qualquer outro, pois nesse nvel que o tenente arca com as duas inexorveis responsabilidades: a da misso e a do soldado. (DONOUGH, 1989, p.28) So diversas as caractersticas necessrias ao exerccio da liderana. Podemos citar dentre elas: a competncia, a verdade, a confiana, a lealdade e a disciplina. No prximo tpico ser abordada a importncia do condicionamento fsico e sua influncia no desenvolvimento da liderana militar. A IMPORTNCIA DO CONDICIONAMENTO FSICO PARA A LIDERANA MILITAR Em anlise histrica da Academia Militar dos EUA, constatou-se que havia cinco caractersticas individuais cuja ausncia resultou em desastres no campo de batalha. So elas: sentimento do terreno, tenacidade inabalvel, extraordinria audcia, bom senso e confiana em suas condies fsicas. O bom condicionamento fsico para o exerccio da liderana do comandante de peloto de infantaria est relacionado basicamente a trs aspectos: a necessidade de se dar o exemplo, o aumento da resistncia fadiga e a manuteno da sade. O EXEMPLO

O comandante de peloto de infantaria deve possuir um nvel de condicionamento fsico necessrio para que ele seja o ltimo homem de seu peloto a esmorecer no combate, podendo assim motivar seus homens e impulsion-los para o cumprimento das misses. Castro (1983, p.139) resume assim todas essas afirmaes: O comando nos baixos escales, sendo direto e pessoal, exige grande robustez, vigor e iniciativa por parte do lder. Em combate, principalmente, o esforo fsico exigido do lder extremo. O esgotamento pode causar uma inibio do raciocnio. Por esta razo, oficiais e praas devem manter-se sempre nas melhores condies fsicas. A MANUTENO DA SADE Segundo Fox, Bowers e Foss ( 1991, p. 139), a prtica de exerccios fsicos tem relao direta com o aumento da vascularizao do corao, aumento da dimenso dos vasos sanguneos, aumento da capacidade de coagulao do sangue e com a reduo das concentraes de colesterol e de triglicerdeos do sangue. Do mesmo modo contribui para a diminuio da presso arterial, diminuio das vulnerabilidades a disritmias cardacas, alm de auxiliar na preveno de doenas respiratrias, cnceres e doenas coronarianas, entre outras. Desta forma, inequvoco afirmar que o bom condicionamento fsico est diretamente relacionado com a boa sade. A sade deficiente uma das barreiras que prejudica a eficcia da liderana. (CCL, EsAO, 2002, p. 24) CONCLUSO

Diversos pesquisadores e escritores apontam o exemplo como o principal e mais importante instrumento para liderar homens em combate. Todo lder deve ser modelo de exemplo a todo momento. (CASTRO, 1983, p.134) ... em servio ativo, h pouco risco de que um oficial seja visto com desdm por seus subordinados, desde que ele prprio seja capaz de fazer at melhor aquilo que determina tropa que execute..., segundo Xenefonte. (KELLET, 1987, p.170) No diga s pessoas para fazer coisas difceis; d o exemplo fazendo voc mesmo. (COHEN, 2002, p.71) Numa frao um peloto o chefe deve estar em condies de executar o trabalho de qualquer homem melhor do que ele mesmo. (CASTRO, 1983, p.140) Nestas afirmaes fica claro que o comandante de peloto de infantaria no necessita ser um excepcional atleta, porm deve possuir as condies fsicas necessrias para executar tudo aquilo que exige de seus subordinados. A impossibilidade de se dar o exemplo trar conseqncias devastadoras sua liderana. Tudo o que os soldados podiam fazer, Alexandre, O Grande, podia fazer melhor. (DUNNUNGAN e MASTERSON, 2000, P.201)

Todos os exrcitos do mundo reconhecem a importncia desta matria. No caso especfico do Exrcito Brasileiro, cujos recursos materiais so escassos, o papel do homem no combate cresce de importncia. Sendo a liderana um fator multiplicador do poder de combate, as dificuldades provenientes desta escassez de meios podero ser superadas por homens motivados e dispostos a combater, seguindo sempre as ordens e os exemplos dados pelos verdadeiros lderes.

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A FADIGA A guerra o domnio do esforo fsico e do sofrimento. Para que o homem no seja dominado por estes aspectos, ele precisa possuir uma certa fora fsica e mental, inata ou adquirida, que o torna indiferente a eles. (ABREU, 2002, p.1 1) Sobretudo nas Foras Armadas, so necessrios acentuada resistncia fadiga e hbitos de trabalho sob toda condio de clima ou tempo. (PASSARINHO, 1987, p.109) A aptido fsica essencial em uma Fora Armada, e a razo para isso tornar homens capazes de resistir s privaes e fadiga. O lder deve servir de exemplo neste caso, pois, se for considerado incapaz ou inclinado autocomplacncia, as praas percebero que ele no tem autodisciplina. (ROSKILL, 1999, p.60)

PALAVRAS-CHAVE: Condicionamento fsico, Comandante, Liderana

*O autor Capito de Infantaria da Turma de 1996. Apresentou trabalho de concluso da EsAO sobre o tema, atualmente, instrutor da Seo de Educao Fsica da AMAN.

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Doutrina Militar

As Operaes Psicolgicas no Exrcito BrasileiroWanderli Baptista da Silva Junior* O artigo tem por finalidade apresentar aspectos importantes da especializao e da estrutura das Operaes Psicolgicas no Exrcito Brasileiro. Capture suas mentes, e seus coraes e almas lhe seguiro. HISTRICO das Op Psc, importante arma no-letal, que poupa vidas, antes, durante e aps o combate. SISTEMA DE OPERAES PSICOLGICAS DO EXRCITO (SOPEX) O SOPEX, como sub-sistema de Informao, tem a finalidade de cria melhores condies para atuao do Exrcito Brasileiro como eficaz instrumento de defesa da Ptria, da garantia da lei e da ordem e dos poderes constitucionais. Alm disso, multiplica o poder de combate da Fora Terrestre nas operaes militares, contribui para o fortalecimento da vontade nacional e anula as aes de contra-propaganda executadas por agentes externos e internos.

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histria revela que as Operaes Psicolgicas (Op Psc) tm sido empregadas desde as mais remotas pocas. A Bblia Sagrada relata um dos primeiros exemplos do uso de aes psicolgicas que se tem notcia, com Gideo empregando o pnico em proveito da ao ttica, pelos israelitas, face ao seu inimigo, os midianitas. No Brasil, o maior exemplo de utilizao das tcnicas de aes psicolgicas coube ao Duque de Caxias. Ele instigou nas hostes adversrias a discrdia, isolou a liderana da tropa, quebrou sua vontade de lutar e, finalmente, esvaziou todo o esprito separatista, transformando inimigos em amigos para uma causa comum, a construo de um grande Brasil. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha Nazista despontou nesta rea, tendo Goebbels, Ministro da Propaganda, como o grande responsvel pela guerra psicolgica por meio da propaganda alem. Nesta poca, o Brasil criou o seu Departamento de Imprensa e Propaganda. Na dcada de 60, o Centro de Estudo de Pessoal (CEP) realizou trs cursos de Op Psc. Em 1985, houve a subordinao das Op Psc Comunicao Social, com a criao do Centro de Comunicao Social do Exrcito (CComSEx). Mais tarde, o CComSEx props ao Estado Maior do Exrcito (EME) no subordinar as Op Psc ao Sistema de Comunicao Social, mas que fosse constituido um Sistema de Operaes Psicolgicas e realizadas reunies de integrao doutrinria. Atualmente, as Op Psc tm a sua importncia reconhecida pela Fora Terrestre. Aps a reunio de integrao sistmica, em abril de 2002, foi ratificada a necessidade de as Op Psc constiturem-se em um sistema prprio e de serem elaborados cursos, estgios e uma organizao militar de Op Psc. Assim, foi criado, em 22 de julho do mesmo ano, o Destacamento de Operaes Psicolgicas, subordinado Brigada de Operaes Especiais, sediada em Goinia GO. Em 4 de outubro de 2004, foi aprovada a Diretriz Estratgica de Operaes Psicolgicas, orientando o planejamento e a execuo das aes necessrias para o Sistema de Operaes Psicolgicas do Exrcito (SOPEx). Criava-se, assim, o espao para o desenvolvimento doutrinrio

SISTEMA DE INFORMAES DO EXRCITO

SIEx

SIOp

SIGELEx

SICOMEx SINFEx

SOPEx

SISCOMSEx SIMAGEx SINFORGEx

C2

O trabalho desenvolvido pelas Op Psc - procedimento tcnicoespecializados, operacionalizados de forma sistemtica para apoiar a conquista de objetivos polticos e/ou militares e desenvolvidos antes, durante e aps o emprego da Fora, visando motivar pblicos-alvos amigos, neutros e hostis a atingir comportamentos desejveis proporciona a conquista de comportamentos desejveis nos pblicosalvo. Integrado aos outros sistemas componentes do Sistema de Informao do Exrcito (SINFOEX), principalmente os de Inteligncia,

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Comunicao Social e Guerra Eletrnica, o SOPEX gera condies favorveis para a conquista de objetivos estratgicos, operacionais e tticos. A Marinha do Brasil e a Fora Area Brasileira iniciaram, atravs do Exrcito Brasileiro, a formao de especialistas em Op Psc, visando aprimorar esta importante atividade operacional. Com isso, as Foras Armadas prosseguem na integrao e no aperfeioamento dos conhecimentos de Op Psc, proporcionando condies para o desencadeamento de futuras campanhas de operaes psicolgicas combinadas.

A ORGANIZAO MILITAR DE OPERAES PSICOLGICAS Com a formao de especialistas em Op Psc no exterior (Peru e EUA), em 2001, as atividades de Op Psc passaram a ser tratadas com maior propriedade na Fora Terretre. Aps a 1 Reunio de Integrao Doutrinria, em abril de 2002, assinalou-se a imperiosa necessidade de ser criada uma unidade de Op Psc, fator este que permitiria um melhor emprego das atividades de Op Psc nas operaes combinadas e, conseqentemente, o desenvolvimento de uma doutrina. Atualmente, as atividades de Op Psc, no mbito do Exrcito Brasileiro, tm sido desenvolvidas a partir do Destacamento de Op Psc, organizao militar concebida como ncleo de um batalho. O Plano Bsico de Operaes Psicolgicas, de maro de 2005, prev a evoluo deste ncleo de batalho para batalho, durante o binio de 2006 / 2007.

ORGANOGRAMA DO Btl Op PscBATALHO DE OPERAES PSICOLGICAS

Btl Op Psc

EM

Cia Op Psc

Cia Produo e Disseminao

Cia C Ap

Cia As Civis

COMPANHIA DE OPERAES PSICOLGICAS

COMPANHIA DE PRODUO E DISSEMINAOCia Prod Dsmn

COMPANHIA DE ASSUNTOS CIVIS

Cmdo

Cmdo

Se Cmdo

Se Op Psc

Se Teste Avaliao

Se Tcnica

Seo Cmdo

Se Prod Dsmn

Peloto Peloto Ttico Ttico1 2

Se Cmdo

COCM

Seo As Civ

Gp A

Gp B

Gp C

Gp D

Grupo Planejamento

Grupo Coordenao

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Visita ao Estado Maior do Exrcito durante o Curso Op Psico 2006/1O CURSO DE OPERAES PSICOLGICAS A formao dos profissionais de Op Psc, com as especificidades e qualificaes inerentes essa atividade, de responsabilidade do Centro de Instruo de Operaes Especiais (CIOpEsp), sediado no Rio de Janeiro. Alm dessa atribuio, cabe ao CIOEsp desenvolver doutrina na rea de Op Psc. O fato de o Curso de Op Psc ser realizado em uma unidade subordinada Brigada de Operaes Especiais (Bda Op Esp), justifica-se em razo de as Op Psc serem classificadas como de caractersticas especiais, ou seja, so executadas por meio de procedimentos tcnicosespecializados e operacionalizados, em nveis estratgicos e operacionais. A fim de atender estruturao da Bda Op Esp e dar continuidade formao dos recursos humanos para compor os quadros do SOPEX, o Comando do Exrcito determinou a realizao, no CIOpEsp, do primeiro Curso de Op Psc, iniciado em julho de 2006, com durao de 16 semanas. Com este pioneirismo, somaram-se aos alunos da Fora Terrestre, oficiais e sargentos da Marinha do Brasil e da Fora Area, ratificando a crescente integrao das Foras Armadas, o que permitir o desenvolvimento de uma doutrina de Op Psc em operaes combinadas.

rgo que ministra o Curso de Operaes PsicolgicasO curso de Op Psc est dividido em duas grandes fases: instrumental e operativa. A fase instrumental do curso tem a durao de 10 semanas. Para os oficiais-alunos so ministradas instrues que servem de base para as Op Psc, tais como: doutrina e regulamentao, psicologia, sociologia, antropologia, propaganda e contra-propaganda, publicidade, gerenciamento de crise, negociao, mdia e meios de difuso. Simultaneamente, nesta fase os graduados-alunos especializam-se em mdia eletrnica, produo grfica, produo de vdeo, fotografia e rdiodifuso. Palestrantes, civis e militares, experimentados em suas reas de conhecimento, orientam e supervisionam os alunos nos estudos e prticas das atividades curriculares. Ainda nesta fase, diversas visitas so realizadas para consolidar conhecimentos e ampliar a viso de integrao entre os diversos sistemas da Fora Terrestre e de instituies civis. A partir da dcima primeira semana, inicia-se a fase operativa do curso, quando os futuros especialistas em operaes psicolgicas colocam em prtica os conhecimentos adquiridos na fase instrumental. Nesta segunda fase, os alunos realizam os planejamentos de operaes em sala de aula e, posteriormente, ainda na funo de alunos, so colocados a praticar em uma operao de grande comando. Os oficiais, subtenentes e sargentos interessados no curso devero enviar os seus requerimentos, atravs do canal de comando, para a Brigada de Operaes Especiais, de acordo com a Diretriz Reguladora para Inscrio, Matrcula e Execuo dos Cursos e Estgios de Operaes Psicolgicas.

Panfleto produzido pela atividade de Op Psc

*O autor Capito de Infantaria da Turma de 1996 e especializado no curso de Operaes Psicolgicas, no Centro de Instruo de Operaes Especiais. Atualmente, instrutor do Curso Avanado da AMAN.

PALAVRAS-CHAVE: operao psicolgica, histrico, organizao, doutrina, emprego.

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Doutrina Militar

Fuzil 5,56mm M16Vincius Gonalves Souza* A seleo das ferramentas mais adequadas ao cumprimento de uma misso facilita sobremaneira a execuo desta. A preparao adequada do combatente e a escolha das ferramentas mais modernas e eficientes tornam o binmio homem-equipamento uma mquina indestrutvel. INTRODUO Em 1948, os EUA conduziram um estudo com o objetivo de analisar o comportamento do soldado em um combate de infantaria durante a 2 GM. Esse estudo concluiu o seguinte: a) o tiro instintivo foi mais utilizado que o tiro apontado; b) raramente os engajamentos se davam a mais de 300m; e c) a grande maioria dos acertos seguidos de morte davam-se a at 100m. Em 1957, os americanos, sabedores da superioridade da munio alem desenvolvida durante o conflito, decidiram dotar seus combatentes com o FUZIL M14, calibre 7,62 x 51mm OTAN (Fig 1), fuzil este que obteve xito nos combates na Pennsula da Coria. Vivia-se, ento, a Guerra Fria, e a URSS adotava o calibre 7,62 x 39mm (Fig 1), empregado no FUZIL AK-47 (Fig 3). Esse calibre lhe conferiu inmeras vantagens logsticas em relao ao calibre da OTAN. Fruto dessa percepo, o Exrcito Americano decidiu colocar em execuo o Programa da Munio de Pequeno Calibre e Alta Velocidade (Small Caliber High Velocity Program), para dotar seus homens de um fuzil leve (at 3 Kg sem carregador), capaz de atirar em rajadas e com efetivo controle sobre o grupamento do tiro automtico, caractersticas equivalentes s do fuzil russo.

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mdia, freqentemente, tem divulgado informaes sobre armamentos modernos. Muito nos perguntado sobre esses armamentos e ns, militares, s vezes, somos surpreendidos com assuntos que deveramos dominar. Devido ao aumento da criminalidade, tem sido comum, nas manchetes dos jornais, a veiculao de nomes de armamentos como: AK 47, AR 15, M16, UZI e outros. Neste artigo, apresentaremos um pouco da histria e algumas caractersticas do Fuzil 5,56mm M16. UM POUCO DE HISTRIA

Durante a 2 Guerra Mundial, os EUA utilizavam como principal arma individual de combate o FUZIL M1 GARAND, de calibre .30-06, cuja adoo vinha desde a 1 GM. No entanto, os fuzis do incio do sculo passado, apesar de sua excelente qualidade de fabricao e alta preciso, eram de difcil manejo e pesados e, por isso, no muito recomendados como armamento de infantaria. Para atenuar essa situao,

Fig 2 - AK 47

Fig 3 - Sturmgewehr 44

DO AR10 AO M16

Fig 1 - 7,92 Kurz, 7,62 x 51mm OTAN, 7,62 x 39mm e 5,56 x 45mmainda no decurso da 2 Grande Guerra, os americanos adotaram a CARABINA M1, calibre .30, com o objetivo de prover oficiais e praas de uma arma com potncia e alcance intermedirio entre os fuzis e submetralhadoras. No final da 2 GM, os alemes desenvolveram o fuzil Sturmgewehr 44 (Fig 3), que utilizava o calibre 7,92 Kurz (Fig 1), o que dava s tropas alems uma notvel superioridade no que diz respeito ao armamento individual. Este fuzil considerado o primeiro fuzil de assalto (sturm= assalto gewehr=fuzil), pois conjugava um maior controle do fogo automtico, com a reduo no peso da arma e a possibilidade do transporte de um maior nmero de munies.

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PROBLEMAS NO VIETN Com as condies adversas da selva do sudeste asitico e com a falta de experincia dos soldados americanos do contingente, o M16 no

Fig 4 - AR 10

obteve pleno xito no seu debut em combate. Com a chegada do M16 ao campo de batalha, chegava tambm o primeiro fuzil com a possibilidade de realizar o tiro automtico (rajada). No entanto, a inexperincia dos soldados fazia com que ao menor toque no gatilho o carregador fosse esvaziado. Concomitantemente, havia problemas tcnicos como o fato de a mola do carregador ser muito forte e no permitir a colocao dos 20 cartuchos (s permitia a colocao de 17 ou 18 tiros). Havia ainda um problema mais crtico: a plvora da munio era diferente da do projeto de concepo da arma. A plvora utilizada nos testes era a IMR (Improved Military Rifle), plvora de base dupla, cuja queima deixava poucos resduos e possua o pico de presso ainda na cmara. J a plvora efetivamente empregada na munio era a de base simples com gros esfricos que, embora mais barata, deixava mais resduos e apresentava o pico de presso na altura do evento de admisso dos gases. Dois problemas decorriam dessa pequena diferena entre os propelentes: a) aumento da velocidade do ciclo de funcionamento; e b) falha na extrao. Como o pico de presso ocorria na altura do evento de admisso, a velocidade com que os gases passavam pelo cilindro de gases e atingiam o impulsor do ferrolho era maior. Como o impulsor do ferrolho responsvel pelo destrancamento, esta fase do funcionamento passava a ocorrer antes da obturao total dos gases. A obturao ocorre pela dilatao do estojo e a conseqente aderncia deste com a cmara do armamento. Como a velocidade dos gases era maior, no havia tempo para a completa obturao. Com isso, a presso que ainda havia na cmara, literalmente, degolava o estojo deixando parte deste na cmara e permitindo que os gases sassem violentamente pela culatra. Reforando o problema do aumento da velocidade de funcionamento, os resduos da queima da plvora, depositados na cmara e na rea de carregamento, aumentavam a fora para extrair o estojo deflagrado pelo aumento do atrito. Para solucionar o problema da falha de extrao, decidiu-se revestir a cmara com uma camada de cromo para diminuir o atrito e facilitar a extrao de estojo. Para o problema do aumento do ciclo de funcionamento, havia duas opes: a) alterar a plvora; e b) adotar um mecanismo para retardar a abertura. A primeira opo era economicamente invivel, considerando que a Guerra do Vietn estava em curso e havia milhes de cartuchos estocados para serem distribudos. Foi adotado ento um recurso paliativo, com o aumento da massa das peas que se opem ao movimento de abertura, tais como mola recuperadora e haste guia da mola. PROBLEMAS RESOLVIDOS Em 1967, os problemas j estavam todos resolvidos e algumas

novidades foram inseridas no novo modelo: o carregador, antes de ao, passou a ser de alumnio e a comportar 30 cartuchos; a cmara passou a ser cromada para diminuir a deposio de resduos provenientes da queima da plvora; a velocidade do ciclo de funcionamento foi dimin