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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SADEK, MT., org. In Uma introdução ao estudo da justiça [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. A organização do poder judiciário no Brasil. pp. 1-16. ISBN: 978-85- 7982-032-8. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. A organização do poder judiciário no Brasil Maria Tereza Sadek

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  • SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SADEK, MT., org. In Uma introduo ao estudo da justia [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. A organizao do poder judicirio no Brasil. pp. 1-16. ISBN: 978-85-7982-032-8. Available from SciELO Books .

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    Todo o contedo deste captulo, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio - Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.

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    A organizao do poder judicirio no Brasil

    Maria Tereza Sadek

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    pelas instituies que formam o sistema de justia. Vamos assim aprendendo (ou reaprendendo) que muito do que antes descartvamos como superestruturas ou como formalismos insubsistentes na verdade pesam, e muito, sobre o cotidiano dos cidados e os destinos da sociedade.

    Esta nova publicao da Editora Sumar d sequencia ao trabalho iniciado com o volume O Judicirio em debate (1994). tambm fruto do programa de estudos que o Idesp vem desenvolvendo com apoio da Fundao Ford e da Fapesp, entre outras instituies, a respeito do sistema de justia. Os estudos aqui reunidos so bastante diferenciados quanto a seus objetos, e mais ainda quanto aos mtodos de pesquisa em que se baseiam. Maria Tereza Sadek e Ronaldo Porto Macedo Jnior analisam o Judicirio e o Ministrio Pblico em perspectiva histrica, colocando em evidncia as alteraes que ambos sofreram no tocante a sua estrutura e a seus respectivos papis institucionais. A viso dos juzes sobre a chamada crise do Judicirio analisada noutra contribuio de Maria Tereza Sadek: uma pesquisa quantitativa realizada junto a 570 juzes. Este seu trabalho complementado por um texto a respeito do clima dessas entrevistas, providncia pouco comum, mas provavelmente til, tendo em vista o carter pioneiro desse projeto. Maria da Glria Bonelli tambm escreve sobre a magistratura, mas sob outro prisma analtico, procurando demonstrar como os conceitos e instrumentos da sociologia das profisses ajudam a compreender a carreira de magistrado, bem como as diferenas nas atitudes e comportamentos e eventuais tenses que soem transparecer entre os distintos segmentos da justia. Gess Marques Jnior faz uma descrio antropolgica do cotidiano do Judicirio, reproduzindo o clima peculiar da instituio, de seus ritos e rituais, de seus longos corredores, enfim de todo o claro/escuro que a caracteriza. Supomos que essa variedade de perspectivas dar ensejo a reflexes, questionamentos e qui at a debates acalorados. Se ocorrer isso, a presente publicao ter alcanado plenamente o seu objetivo.

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    A ORGANIZAO DO PODER JUDICIRIO NO BRASIL

    Maria Tereza Sadek

    Este texto descreve as mais importantes alteraes na estrutura do Poder Judicirio no perodo republicano. A nfase no aspecto estrutural justifica-se por trs motivos principais: primeiro, porque o nmero de rgos, sua competncia e sua composio alteraram-se repetidas vezes desde a proclamao da Repblica; segundo, porque as modificaes na delimitao e na distribuio de funes refletem diferentes respostas dadas pelos sistemas poltico e social ao problema central de distribuio da justia funo primordial do Poder Judicirio; e, finalmente, porque a evoluo estrutural do sistema permite uma visualizao sinttica das diferentes solues formais dadas aos dilemas da instituio judiciria em seu esforo por se impor como poder autnomo.

    Destas trs justificativas, a ltima merece um esclarecimento preliminar, j que menos evidente. A construo de uma identidade institucional mantm complexas relaes com a esquematizao formal de uma organizao. A institucionalizao de determinadas conquistas por exemplo, a vitaliciedade e a inamovibilidade da magistratura , permite avaliar diferentes graus de autonomia da instituio frente aos demais poderes, ao mesmo tempo em que indica a fora dos interesses e necessidades que atuam no mbito da organizao.

    Com estas preocupaes, procuraremos salientar os diferentes momentos que marcam a evoluo do Judicirio. Como se ver, a evoluo da instituio judiciria passou por importantes pontos de inflexo em direo a uma maior autonomia, pontos esses que no coincidem por completo com as datas de proclamao de novos textos constitucionais, embora se consolidem nas Cartas Magnas e em outros documentos legais.

    Antecedentes: as primeiras formas de Justia

    Embora o marco inicial desta anlise seja 1889, as instituies judicirias brasileiras so mais antigas do que a Repblica. A rigor, elas tm

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    seu embrio na independncia, ainda que organismos judicirios tenham sido implantados desde os primeiros tempos da colonizao1.

    No incio do perodo colonial, os administradores da justia juzes ordinrios, almotacs, vereadores e outros funcionrios eram nomeados pelos donatrios, que por sua vez se constituam tambm em autoridade mxima, com direito, inclusive, de receber pedidos de reexame das decises, em grau de recurso. Os tribunais da corte, sediados em Lisboa, s examinavam causas cveis de grande valor econmico.

    Com a instituio das governadorias gerais, a administrao da justia tornou-se formalmente menos personalizada, estruturando-se de acordo com as Ordenaes Filipinas em trs instncias. Na primeira estavam os juzes, os ouvidores gerais, os corregedores, almotacs, alcaides e vereadores, entre outros servidores. Para funcionar como segunda instncia foram instalados dois tribunais de justia, o Tribunal de Relao do Rio de Janeiro e o Tribunal de Relao da Bahia 2. No pice do sistema estavam o Desembargo do Pao de Lisboa e as juntas das capitanias, como tribunais de ltima instncia.

    Apesar dessa hierarquizao, antes da chegada de d. Joo VI, em 1808, no dispnhamos, a rigor, de uma estrutura com funes judiciais. A incipiente organizao judiciria era incapaz de se contrapor ao domnio do arbtrio, caracterizando-se muito mais como uma instituio com funes administrativas e policiais. Essa situao s comeou a se modificar no incio do sculo XIX, com a vinda da famlia real portuguesa para o Brasil, com a Independncia e, formalmente, com a Carta constitucional outorgada de 1824, que colocou o Judicirio como um dos quatro poderes, ao lado do Executivo, do Legislativo e do Moderador. Mesmo assim, nessa fase inicial, o Judicirio no apresentava efetivas condies nem de independncia, nem de eficcia.

    Mas esta estrutura inicial que, alm de suas precariedades e deficincias intrnsecas, sofria as limitaes decorrentes do poder de fato do imperador foi o embrio na construo do Judicirio brasileiro. No h

    1 Uma descrio detalhada da justia no perodo colonial pode ser encontrada em Nequete, 1975; Maluf, 1977. 2 O da Bahia foi instalado em 1609 e funcionou at 1626. Em 1652 foi reinstaurado, funcionando como o nico tribunal da Colnia. O do Rio de Janeiro foi criado em 1751.

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    como entender a evoluo e a estrutura do Judicirio na fase republicana se no se atentar para esses primrdios.

    A Justia provincial

    A transferncia da corte portuguesa para o Brasil inaugura um perodo decisivo na estruturao e no funcionamento da justia. O ano de 1808 foi o marco inicial de uma srie de mudanas que tero reflexos no perodo imperial e tambm no republicano.

    Foram vrias as modificaes introduzidas na organizao judiciria. Entre elas destaca-se como a mais importante a transformao da Relao do Rio de Janeiro em Supremo Tribunal de Justia, equiparado Casa de Suplicao de Lisboa. Com esta medida, criou-se um tribunal de ltima instncia, apto a examinar todos os recursos, por maiores que fossem os valores envolvidos, e com jurisdio sobre todo o Pas e tambm sobre as ilhas dos Aores e da Madeira. Foram tambm criados mais dois tribunais de relao, um no Maranho e outro em Pernambuco; instalou-se o Supremo Conselho Militar e de Justia; o Tribunal da Mesa do Desembargo do Pao e da Conscincia e Ordens; a Intendncia Geral de Polcia e juizados privativos.

    Toda esta complexa estrutura formalmente extinta em 1821 permaneceu aps o retorno da corte para Portugal e, mais importante, serviu como ncleo para as instituies judicirias do perodo ps-Independncia. A Constituio de 1824 regulamentou o Supremo Tribunal de Justia e determinou a criao de tribunais para o julgamento das causas em segunda instncia, nos moldes dos anteriores tribunais de relao. Compunham ainda a estrutura judiciria os juzes de direito, os juzes de paz e o jri popular.

    Embora a Carta de 1824 conferisse independncia ao Poder Judicirio, tratava-se de uma independncia bastante relativa, j que o mesmo texto constitucional dotava o imperador de amplos poderes, inclusive o de interferir no Judicirio e exercer controle sobre ele. A influncia do Poder Moderador verificava-se no apenas na faculdade de nomear a justia togada, mas principalmente em seu direito de suspender ou transferir juzes, previsto nos artigos 153 e 154 da Constituio.

    Decretos e leis ordinrias posteriores prosseguiram a tarefa de estruturar e definir as funes dos rgos da justia. Assim, no final do Imprio, estavam

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    estabelecidas as responsabilidades e as competncias dos juzes do Supremo Tribunal; das relaes; dos juzes de paz; dos juzes municipais; de rgos; dos provedores; dos substitutos e dos juzes de direito. O territrio nacional estava dividido em 11 circunscries, s quais correspondiam relaes, isto , tribunais provinciais, com funes de segunda instncia.

    Os juzes de direito eram nomeados pelo imperador; os juzes municipais eram escolhidos pelo presidente da Provncia em lista trplice organizada pelas cmaras municipais; os juzes de paz eram eleitos.

    O perodo republicano

    Importantes modificaes no Judicirio iro ocorrer durante o perodo republicano, afetando sua estrutura e sua organizao. Alteraes significativas foram feitas no apenas mediante prescries constitucionais, mas tambm por meio de emendas, decretos e leis ordinrias. O Judicirio, como de resto todas as demais instituies, sofrer a interferncia das inmeras crises que marcaram o perodo, refletindo de perto tanto a instabilidade poltica como a fragilidade institucional.

    Embora muitas das caractersticas do perodo anterior e mesmo pessoas antes investidas de autoridade judicial tivessem sido preservadas, as alteraes do perodo republicano foram profundas, a comear pela criao da Justia Federal, inexistente durante o Imprio, e pela redefinio das atribuies e competncias dos demais rgos, bem como das garantias da magistratura.

    Primrdios da Repblica

    No que se refere organizao da justia, a Constituio de 1891 introduziu uma inovao, que distinguir o Judicirio republicano daquele que o precedeu. Trata-se da dualidade da justia, expressa no convvio dos rgos da Justia Federal ao lado dos rgos da justia dos estados. Esta inovao foi objeto de acirrados debates durante os trabalhos da primeira Constituinte republicana e no decorrer de todo o perodo.

    Afora isso, a estrutura do Judicirio foi mantida, com a continuidade dos demais organismos preexistentes, ainda que com novos nomes. Foram-lhes dadas, contudo, novas atribuies, fato indicativo de que se desejava enfrentar o problema da subordinao da justia aos demais poderes. Assim,

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    na cpula do Poder Judicirio passou a figurar o Supremo Tribunal Federal, que transformou e ampliou os poderes do Supremo Tribunal de Justia da Carta de 1824. Este rgo nacional, alm dos poderes de rever decises dos tribunais de segunda instncia, de unificar a jurisprudncia e processar e julgar altas autoridades passou a ter competncia para declarar a inconstitucionalidade das leis. Outra modificao deu-se em sua composio, com a reduo do nmero de juzes de 17 para 15. Saliente-se, porm, que vrios dos bares e conselheiros da mais alta corte do Imprio assumiram cargos no recm-criado Supremo Tribunal Federal, o que denota a ausncia de um rompimento radical com a estrutura anterior.

    Logo abaixo do STF na hierarquia judiciria foram institudos os juzes da Unio, ou das questes federais. Campos Sales, ministro da Justia, sintetizou nos seguintes termos a necessidade desta alterao: no h governo federal sem Poder Judicirio independente das justias dos estados, para manter os direitos da Unio, guardar a Constituio e as leis federais3.

    A rigor, a Justia Federal no foi uma criao da Constituio de 1891. Surgiu um ano antes, por decreto. Seu formato e regulamentao foram objeto de uma legislao esparsa, nos anos seguintes, at que em 1922, na legislao ento consolidada, determinou-se que o Distrito Federal teria duas sees judiciais, e cada estado teria uma, assim como o Territrio do Acre. Os juzes seccionais eram nomeados pelo presidente da Repblica, em lista trplice organizada pelo STF.

    A justia dos estados herdou em linhas gerais a organizao judiciria provincial. A Constituio de 1891 silenciou sobre a sua organizao e sobre as garantias de seus juzes. S com a Reforma de 1926 tornaram-se expressas a inamovibilidade e a vitaliciedade dos magistrados e a irredutibilidade de seus vencimentos. Cabia aos estados a organizao de sua justia, cada um com seu Tribunal de Apelao e juzes de comarcas, municpios e distritos.

    A Constituio de 1934

    A Constituio de 1934 introduziu importantes modificaes na estrutura do Poder Judicirio, a ponto de se dizer que foi ela a primeira resposta constitucional crise do Judicirio. Havia, de um lado, presses no

    3 Citado em Victor Nunes Leal, Justia Ordinria Federal, 1972.

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    sentido de maior celeridade nos julgamentos e, de outro, a oportunidade de se voltar a discutir a dualidade da justia.

    O primeiro problema o da celeridade j havia sido objeto de intervenes do Governo Provisrio (1930-1934). Em 1931, por decreto, o STF sofrera modificaes quanto ao seu funcionamento interno. Para agilizar os julgamentos foram criadas turmas de cinco juzes, que seriam acrescidas de mais dois quando estivessem em pauta questes constitucionais. Supunha-se que essa providncia reduziria a morosidade no pronunciamento sobre os processos, j que as turmas assegurariam a duplicao dos julgamentos de recursos extraordinrios e agravos. Naquele momento, estes j haviam se multiplicado mais de 25 vezes, tomando-se como ponto de referncia o perodo em que o STF comeou a funcionar. O mesmo decreto (n 19.656/31) reduziu de 15 para 11 o nmero de juzes do Supremo.

    Com igual justificativa e expressando o reconhecimento ento existente da necessidade de justias especializadas, foram ainda regulamentados pela Constituio de 1934 dois novos rgos: a Justia Militar e a Justia Eleitoral 4. Foi tambm instituda a Justia do Trabalho, como rgo administrativo, no, porm, como rgo integrante do Poder Judicirio.

    A segunda questo, a dualidade, que nunca havia deixado de ocupar juristas e polticos, concentrou a maior parte do debate referente reforma do Judicirio. Muitos, na linha j pronunciada por Rui Barbosa, em sua plataforma de 1910, combatiam o dualismo da justia, pregando a volta unidade do Judicirio da Constituio de 1824. Outros propugnavam por uma dualidade mista ou por um compromisso com a dualidade. A Constituio de 1934 acabou por consagrar a dualidade (art. 104), instituindo, contudo a unidade do processo, em substituio ao pluralismo legislativo da Constituio anterior.

    A justia dos estados, ao contrrio do que se verificou na Constituio de 1891, foi bastante contemplada na de 1934, que criou a carreira da magistratura; tornou obrigatrio o concurso para os que nela desejassem

    4 A Justia Eleitoral atendia a uma importante bandeira do movimento vitorioso em 1930, que era a necessidade de eleies limpas (a verdade eleitoral), bem como a demanda de se retirar das foras polticas o controle e a administrao do processo eleitoral.

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    ingressar; regulou o acesso dos magistrados s entrncias e instncias e conferiu ao tribunal, com exclusividade, a prerrogativa de propor alteraes no nmero de juzes e em sua organizao interna.

    Enfraquecimento do Judicirio sob o Estado Novo

    Antes mesmo do golpe de 1937, a frgil independncia da justia j sofrera abalos. Em 1931, o Decreto n 19.711, invocando imperiosas razes de ordem pblica, aposentou seis juzes do STF. A Carta de 1937 avanou ainda mais nessa direo, solapando as bases do Judicirio. Conferindo ao chefe do Executivo amplos poderes e a faculdade de legislar por meio de decretos- leis, at mesmo sobre assuntos constitucionais, transformou o Legislativo e o Judicirio em poderes claramente subordinados. A Polaca instituiu o controle poltico sobre os membros do Judicirio e atribuiu ao Executivo a nomeao do presidente da mais alta corte de justia.

    No que se refere estrutura do Judicirio, interferncias importantes foram a extino da Justia Federal e da Justia Eleitoral. Atribuiu-se Justia Estadual de primeira instncia a competncia para processar e julgar todas as causas de interesse da Unio.

    O artigo 90 da Constituio de 1937 determinava que seriam rgos do Poder Judicirio: a) o Supremo Tribunal Federal; b) os juzes e tribunais dos estados, do Distrito Federal e dos territrios; c) os juzes e tribunais militares. importante notar que o problema enfrentado pelo Judicirio neste perodo est relacionado menos ao seu novo formato estrutural j que a eliminao da Justia Federal era uma demanda tambm endossada por setores democrticos e mais interferncia dominadora do Executivo e ausncia de garantias que permitissem magistratura agir de forma independente.

    A redemocratizao de 1945

    Com a redemocratizao do Pas, tornava-se imperativo garantir ao Judicirio efetivas condies para funcionar como poder autnomo. Para isso era fundamental assegurar constitucionalmente as garantias inerentes a uma magistratura independente. Estas medidas passaram a constar da Constituio de 1946, que tambm introduziu importantes mudanas na estrutura do Poder Judicirio. Foi reintroduzida a Justia Eleitoral, constitucionalizou-se a Justia do Trabalho como parte integrante do Poder Judicirio e criou-se o

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    Tribunal Federal de Recursos, rgo de segunda instncia, encarregado de examinar as causas da Unio, em grau de recurso. Inexistia a Justia Federal comum. Dessa forma, os juzes estaduais passaram a participar de dupla hierarquia: uma, respondendo aos respectivos tribunais de justia; outra, pela submisso de suas decises ao Tribunal Federal de Recursos.

    O perodo militar (1964-1985)

    Em outubro de 1965, a Emenda n 16 e o Ato Institucional n 2 introduziram novas mudanas no sistema judicirio, entre as quais se destacam: a) a restaurao da dualidade integral da justia, tal como na Constituio de 1891; b) aumento do nmero de ministros do STF para 16, passando a funcionar com trs turmas; c) irrecorribilidade das decises da Justia Eleitoral e da Justia do Trabalho para o STF, exceto no caso de habeas corpus, mandados de segurana e de inconstitucionalidade. Todas essas alteraes foram incorporadas pela Constituio de 1967, cujo artigo 107 estabeleceu os seguintes rgos como integrantes do Poder Judicirio: I. Supremo Tribunal Federal; II. Tribunais Federais de Recursos e Juzes Federais; III. Tribunais e Juzes Militares; IV. Tribunais e Juzes Eleitorais; V. Tribunais e Juzes do Trabalho.

    Os textos normativos de restabelecimento da Justia Federal estabeleciam uma seo judicial em cada estado ou territrio, com sede na capital, bem como no Distrito Federal. Os primeiros juzes deveriam ser nomeados pelo presidente da Repblica, em lista quntupla elaborada pelo STF.

    Se as inovaes imediatamente posteriores a 1964 permitiram acelerar os trabalhos, o fato que a justia, em especial a sua mais alta corte, foi afetada de forma dramtica em sua autonomia e independncia pelo desenrolar dos acontecimentos. A Constituio de 1967 conferiu to ampla margem de atribuies ao Executivo que acabou por transformar o Legislativo e o Judicirio em subpoderes, com funes de mera assessoria, ou de organismos complementares chefia do governo. O Ato Institucional n 5, de 13 de dezembro de 1968, modificou a Constituio e conferiu ao chefe do Poder Executivo poderes praticamente ilimitados. Tal como sucedera durante o Estado Novo, o presidente da Repblica passou a ter poderes para demitir, remover, aposentar ou colocar em disponibilidade os magistrados. Foram suspensas as garantias constitucionais da vitaliciedade e inamovibilidade.

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    Alm disso, o AI5 excluiu de apreciao judicial qualquer medida praticada com base em seus dispositivos e suspendeu o instituto do habeas corpus.

    Menos de dois meses depois, o governo militar voltou a interferir no Judicirio. O Ato Institucional n 6 atingiu diretamente o STF. Reduziu o nmero de ministros, de 16 para 11, como no perodo de 1931 a 1965. Tornou irrecorrveis as sentenas dos juzes singulares que tanto a Constituio de 1967 como as anteriores previam como recorrveis. Aboliu o recurso ordinrio das decises denegatrias de mandados de segurana pelos outros tribunais.

    A Emenda Constitucional n 1 de 17/10/1969 reformulou a Constituio de 1967, equivalendo, segundo muitos juristas, a uma nova Constituio. Segundo os preceitos dessa nova Carta outorgada, o Poder Judicirio foi estruturado abolindo-se a distino entre as justias da Unio e dos estados. Esse novo ordenamento baseava-se na suposio de que a jurisdio nacional, isto , nem federal nem estadual, e sim expresso de um poder estatal uno, no comportando, portanto, divises5. O Judicirio passou a ter a seguinte estrutura: I. Supremo Tribunal Federal; II. tribunais federais de recursos e juzes federais; III. tribunais e juzes militares; IV. tribunais e juzes eleitorais; V. tribunais e juzes do trabalho; VI. tribunais e juzes estaduais (artigo 112).

    Mais uma vez, buscava-se descongestionar os trabalhos do STF. Desta feita, contudo, a corte suprema foi investida de poderes para regular a admissibilidade de recursos das decises de tribunais inferiores.

    O Tribunal Federal de Recursos teve sua competncia acrescida, recebendo atribuies antes conferidas ao STF, tanto em grau de recurso como originrias. Afora isso, foi alterada a forma de investidura dos juzes federais: apenas os substitutos deveriam ser escolhidos mediante concurso de provas e ttulos; os efetivos passaram a ser nomeados entre os substitutos, de forma alternada, ora por escolha do presidente da Repblica, em lista trplice de merecimento elaborada pelo Tribunal Federal de Recursos, ora por antiguidade.

    5 Para uma elucidativa anlise das disposies constitucionais referentes ao Judicirio, ver Grinover, 1991.

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    Em 1977, procedeu-se a nova alterao na estrutura do Poder Judicirio, com a Emenda Constitucional n 7. Foi criado o Conselho Nacional da Magistratura, que passou a integrar o Judicirio. Este rgo tinha funo disciplinadora, competindo-lhe receber as reclamaes contra membros dos tribunais, sendo-lhe tambm facultado avocar processos disciplinares contra juzes de primeiro grau.

    A Emenda de 1977 introduziu outra inovao relevante e controversa. Trata-se do poder dado ao STF, por solicitao do procurador-geral da Repblica, de avocar toda e qualquer causa em curso perante qualquer rgo judicante. Uma vez avocada, cabia ao STF process-la e julg-la como se fosse questo de sua competncia originria. O fundamento da avocatria, como dispunha essa emenda constitucional, era o interesse pblico, entendido como imediato perigo de grave leso ordem, sade, segurana ou s finanas pblicas. Consequentemente, cabia ao Supremo e ao procurador-geral da Repblica avaliar a gravidade da leso a prevenir. Ora, como o procurador-geral da Repblica representava legalmente o presidente da Repblica e s ele tinha o direito de fazer arguies de inconstitucionalidade, acabava por se transformar em pilar principal do Poder Judicirio. Na interpretao de Ives Gandra da Silva Martins, como o Governo quem faz os decretos-leis e como o procurador-geral seu advogado principal, sobre ser demissvel ad nutum, evidente que o Poder Judicirio real est na figura do procurador-geral da Repblica, que, nas questes de urgncia, passa a decidi-las, tomando em funo da sua dependncia hierrquica, por melhor que seja, posies de defesa do Poder Executivo 6.

    A autonomia e a independncia do Judicirio eram tambm tolhidas pela ausncia de autonomia financeira. Esta situao era ainda mais grave nos tribunais estaduais, colocados na dependncia direta do Poder Executivo dos estados, por sua vez limitado pelo Executivo federal. A centralizao da arrecadao nas mos da Unio, somada competncia exclusiva do Executivo para iniciar leis que criassem cargos, funes e empregos pblicos, ou aumentassem vencimentos ou a despesa pblica, limitavam a presumvel autonomia dos tribunais, j que estes no podiam criar ou extinguir cargos, nem fixar seus respectivos vencimentos.

    6 Martins, Ives Gandra. A Constituio de 1967 in Porto, W. C. (org). Constituies do Brasil, Braslia, Instituto Tancredo Neves e Fund. E Naumann. 1987.

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    A Constituio de 1988

    A Constituio de 1988 representou um passo importante no sentido de garantir a independncia e a autonomia do Judicirio. O princpio da independncia dos poderes tornou-se efetivo e no meramente nominal. Foi assegurada autonomia administrativa e financeira ao Judicirio, cabendo a este competncia para elaborar o seu prprio oramento, a ser submetido ao Congresso Nacional conjuntamente com o do Executivo.

    No que se refere estrutura, houve ampla reorganizao e redefinio de atribuies nos vrios organismos que compem o Poder Judicirio. Para comear, o STF, como rgo de cpula, passou a ter atribuies predominantemente constitucionais. Logo abaixo na hierarquia foi criado o Superior Tribunal de Justia que incorporou parte das atribuies antes concentradas no STF. Foram institudos ainda o Juizado Especial de Pequenas Causas e a Justia de Paz Remunerada no mbito das justias dos estados, dos territrios e do Distrito Federal. Desapareceu o Conselho Nacional da Magistratura, para dar lugar ao Conselho da Justia Federal. O artigo 92 da Constituio assim nomeou os rgos do Poder Judicirio: I. o Supremo Tribunal Federal; II. o Superior Tribunal de Justia; III. os tribunais regionais federais e juzes federais; IV. os tribunais e juzes do trabalho; V. os tribunais e juzes eleitorais; VI. os tribunais e juzes militares; VII. os tribunais e juzes dos estados e do Distrito Federal e territrios.

    O STF teve sua competncia ampliada na rea constitucional, tendo em vista a criao do mandado de injuno e o considervel alargamento do nmero de agentes legitimados a propor ao de inconstitucionalidade (anteriormente atribuio exclusiva do procurador- geral da Repblica). Foi tambm lhe dada competncia para julgar originariamente as causas em que a magistratura direta ou indiretamente interessada, mas foi-lhe extrada, contudo, a funo que desempenhara desde a sua criao, de tribunal unificador da aplicao do direito federal infraconstitucional. Alm disso, a Constituio de 1988 retirou a representao avocatria da sua lista de competncias.

    De fato, a grande inovao, no que se refere estrutura do Poder Judicirio, foi a criao do Superior Tribunal de Justia, cujos principais fundamentos eram descongestionar o STF e assumir algumas das funes antes atribudas ao Tribunal Federal de Recursos. Trata-se de um rgo acima dos tribunais federais e dos tribunais dos estados, com as atribuies

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    principais de guardar a legislao federal e de julgar em recurso especial as causas decididas em nica e ltima instncia pelos TRFs ou pelos tribunais dos estados, dos territrios e do Distrito Federal. O STJ tem sede na Capital federal e possui jurisdio sobre todo o Pas. composto de 33 ministros, nomeados pelo presidente da Repblica, aps aprovao do Senado.

    Funcionando ao lado do STJ foi criado tambm o Conselho da Justia Federal, com finalidade de superviso administrativa e oramentria da Justia Federal de primeira e segunda instncia.

    A Justia Federal, recriada em 1965, foi mantida na Constituio de 1988. Foi, entretanto, extinto o Tribunal Federal de Recursos e institudos os tribunais regionais federais, com o objetivo de descentralizar a justia de segundo grau. Os tribunais regionais federais compem-se de no mnimo sete juzes, nomeados pelo presidente da Repblica.

    Compem ainda o Poder Judicirio as justias especiais: do trabalho, eleitoral e militar. Conferiu-se aos estados a organizao de sua justia, cabendo s constituies estaduais a definio da competncia dos tribunais, sendo a lei de organizao judiciria de iniciativa do Tribunal de Justia. A justia dos estados formada por rgos de primeiro e segundo graus. Os tribunais representam a justia de segundo grau. No primeiro grau esto os juzes de direito, tribunais do jri, juzes de paz e juizados especiais. Destaque-se tambm que, embora no tenha sido criada ainda uma justia agrria, o artigo 126 prev que, para dirimir conflitos fundirios, o Tribunal de Justia designar juzes de entrncia especial, com competncia exclusiva para questes agrrias.

    As garantias da magistratura

    As referidas mudanas na estrutura do Poder Judicirio mostram que este poder foi se tornando gradativamente mais complexo e, por outra parte, que no esteve imune s crises que marcaram a Repblica. A instabilidade institucional refletiu-se no apenas nas alteraes referentes estrutura, composio e s atribuies dos diferentes rgos que formam o Poder Judicirio, mas tambm, e talvez, sobretudo, no seu grau de autonomia.

    As interferncias no Judicirio e nos pressupostos de sua independncia constitucional foram constantes, e tanto mais graves, quanto mais precria era sua identidade institucional e mais dbeis as garantias da magistratura. Bem ou

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    mal, passamos de uma situao de alta fragilidade a uma outra em que o Judicirio conquistou graus mais elevados de autonomia. Este percurso no foi linear, nem progressivo. Durante o Imprio, o Poder Moderador tinha condies, a seu alvitre, de remover e de suspender magistrados. Neste perodo, eram toscos tanto o perfil quanto o grau de organizao de seus interesses. Durante a Repblica, caminhou-se no sentido de uma maior institucionalizao e de incorporao de garantias, no obstante os repetidos atos de solapamento da autoridade judicial. Em todos os momentos em que se quebrou a ordem democrtica, o Judicirio foi sensivelmente abalado. Assim, embora as vrias constituies republicanas tenham afirmado competncias dos organismos judiciais e incorporado garantias magistratura, representando um avano em relao aos perodos colonial e imperial, nem por isso o Judicirio deixou de ser alvo de medidas discricionrias.

    Conflitos entre o Executivo e o Judicirio repetiram-se, sempre em detrimento do Judicirio. Atribui-se ao presidente Floriano Peixoto uma frase que ilustra o desequilbrio de fato entre os poderes: O Supremo deu esse habeas corpus. E quem dar outro aos ministros do Supremo? Mas o presidente-marechal no um exemplo isolado entre os vrios momentos em que a autonomia do Judicirio foi contestada: os constantes desacatos de Hermes da Fonseca s decises da justia; a interveno de Getlio Vargas, anulando por decreto uma sentena do STF e reivindicando para si o poder de nomear os presidentes da mais alta corte; as aposentadorias compulsrias dos ministros Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima em janeiro de 1969, com base no Ato Institucional n 5, entre outros, podem ser igualmente citados.

    Embora os exemplos possam ser multiplicados, e vises mais apressadas sustentem que at hoje o Judicirio no consolidou sua autonomia, necessrio que se qualifique esta avaliao. Numa avaliao abrangente de sua histria, pode-se dizer que a organizao judicial se foi fortalecendo, mesmo nos perodos de recrudescimento autoritrio. Ou seja, a instituio apresentou respostas diferentes e crescentemente eficazes aos ataques sua autonomia, tomando descabida qualquer generalizao sobre sua congnita debilidade. Se no incio da Repblica as violncias impetradas contra o Judicirio significavam a sua completa anulao como poder, no decorrer do perodo pde-se observar disposio em resistir. Assim, mesmo durante o Estado Novo, quando o presidente Getlio Vargas interferiu no Judicirio, a ponto de nomear o presidente do STF, rompendo com as normas que at

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    ento regiam a composio daquele tribunal, nem por isso logrou a sua submisso absoluta. Do mesmo modo, durante o regime militar instalado em 1964, no se obteve uma anuncia completa ao Executivo. Mesmo sofrendo aposentadorias compulsrias e restries quanto a suas competncias, o Judicirio no se dobrou inteiramente. Houve, inclusive, momentos em que a instituio contribuiu de maneira significativa para a descompresso e o posterior encerramento do regime autoritrio7.

    O grau de independncia do Judicirio no resulta apenas da prescrio constitucional relativa independncia entre os poderes, embora tenha a seu ponto de partida. Ele est estreitamente relacionado ao processo de institucionalizao dos rgos judiciais. O ponto central dessa anlise a tentativa de apreender em que medida a organizao judiciria orientada por interesses e objetivos prprios e se mostra capaz de controlar atividades e recursos imprescindveis a sua sobrevivncia. Assim, do processo de recrutamento de seus membros dogmtica que rege o seu funcionamento, tem-se um conjunto de condies que permitem avaliar o grau de autonomia da instituio.

    A carreira da magistratura foi instituda pela Constituio de 1934 que, ao mesmo tempo, tornou obrigatrio o concurso para o ingresso. Desta forma, passou a caber quase exclusivamente organizao o reclina- mento de seus membros, diminuindo-se ponderavelmente a influncia de setores externos.

    Da mesma forma, a ascenso aos postos mais altos da carreira passou a ser cada vez mais controlada pela prpria instituio. Um passo decisivo nesta direo foi a consagrao do princpio de promoo obedecidos os critrios de antiguidade e merecimento. Reduziu-se a influncia dos governadores de estado e do presidente da Repblica ao se estipular que, no caso de promoo por merecimento, a escolha a ser feita pelo Executivo basear-se-ia em lista organizada pelos tribunais.

    Assim como o ingresso e a carreira, outro fator que contribui decisivamente para graus mais altos de independncia do Judicirio so as 7 Entre outros exemplos, poderia ser citada a atuao da Justia Eleitoral na garantia da lisura dos pleitos e proclamao dos resultados, mesmo quando estes contrariaram as expectativas governamentais. Tambm a Justia do Trabalho demonstrou independncia em relao ao Executivo em julgamentos contrrios poltica governamental. Mesmo a Justia Militar atuou com certa independncia, constituindo-se, no raras vezes, em arena para a denncia de abusos aos direitos civis e polticos.

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    garantias da magistratura: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. No por acaso, estas garantias constituram-se em alvo estratgico em todas as intervenes mais srias atentadas contra a instituio, como ocorreu no Estado Novo e sob o regime militar ps-64. A atual Constituio estabelece que o juiz adquire vitaliciedade aps dois anos de exerccio, dependendo a perda do cargo, nesse perodo, de deliberao do tribunal a que o juiz estiver vinculado (art. 95). Tambm tem o juiz assegurada a permanncia na sua sede, no podendo ser removido, nem por ato do Executivo, nem do prprio tribunal a que estiver subordinado. A irredutibilidade de vencimentos outra prerrogativa que garante autonomia ao juiz, resguardando-o contra presses. Assim, embora o Executivo tenha poder para nomear juzes (obedecidas determinadas regras), no tem competncia nem para destituir, nem para remover, nem para modificar seus vencimentos.

    As competncias de legislar sobre sua organizao interna e para controlar verbas so outras garantias constitucionais dadas ao Judicirio contra possveis interferncias dos outros poderes em sua atividade.

    As garantias conquistadas pela magistratura e as transformaes na estrutura do Poder Judicirio permitem dizer que a instituio tornou-se simultaneamente mais complexa e mais independente. Estes mesmos traos tm, contudo, levado a uma excessiva corporativizao da instituio, estimulando ou propiciando a construo de uma forte identidade interna, refratria a mudanas e, sobretudo a questionamentos de sua atuao e de certos privilgios.

    O processo de fortalecimento institucional do Judicirio, enquanto organizao teria ainda que ser apreciado do ponto de vista do cumprimento efetivo de suas funes. Referimo-nos, aqui, a um aspecto igualmente fundamental, qual seja, a efetividade da instituio na distribuio da justia. Este o questionamento mais intenso que o Judicirio vem enfrentando no Brasil, responsvel, por excelncia, pelo que se convencionou chamar de crise da justia. O equacionamento deste problema apenas em parte uma questo de ordem estrutural, no sentido que demos a este termo no presente texto. Uma anlise adequada deveria ir alm do formato organizacional, visto que se acham tambm em jogo questes atinentes ao relacionamento entre os poderes, ao ordenamento legal, a normas procedimentais e cultura jurdica, bem como aos demais componentes do sistema de justia.

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    A CRISE DO JUDICIRIO VISTA PELOS JUZES: RESULTADOS DE UMA PESQUISA QUANTITATIVA

    Maria Tereza Sadek

    Apesar de sua indiscutvel importncia como organizao encarregada de distribuir a justia, afetando o cotidiano dos cidados, e como protagonista indireto do processo poltico, o Judicirio no tem sido objeto central na preocupao dos cientistas sociais. Com o objetivo de comear a cobrir esta lacuna, o Idesp realizou uma pesquisa sobre a opinio dos magistrados a respeito da chamada crise do Judicirio.

    Foram entrevistados 570 juzes, sendo 529 da Justia Comum e 41 da Justia Federal, distribudos em cinco estados Rio Grande do Sul, Paran, So Paulo, Gois e Pernambuco , de maneira rigorosamente proporcional ao total de juzes de cada estado e respectiva distribuio em instncias e entrncias. Procurou-se, ao mesmo tempo, cobrir a diversidade regional do Pas e eventuais singularidades no pensamento do corpo de magistrados daqueles estados, visto que foram entrevistados cerca de 20% do total de juzes de cada um deles (ver tabela 1).

    Tabela 1 Distribuio dos juzes da Justia Comum e dos entrevistados

    entre os cinco estados (nmeros absolutos)

    Estados Juzes (*) Entrevistados Rio Grande do Sul 387 73

    Paran 318 48

    So Paulo 1520 297

    Gois 170 36

    Pernambuco 308 75 (*) Banco Nacional de Dados do Poder Judicirio, agosto de 1992.

    Os juzes do Rio Grande do Sul, por exemplo, so comumente caracterizados como ideologicamente mais progressistas, tendo em vista o vigor do chamado direito alternativo nesse estado. No Paran, h uma longa histria de disputas entre a magistratura e o Executivo estadual, o que possivelmente conferiria magistratura paranaense uma especificidade no conjunto de juzes do Pas. A caracterstica de So Paulo o grande nmero