Revista Lupa #7

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REVISTA DA FACOM-UFBA. ANO IV, N. 7. SALVADOR, VERÃO 2009 ISSN 1982-2995 12 SEU ESTÁGIO É LEGAL? 21 MAPAS : DO PERGAMINHO AO SMARTPHONE 28 CINEMA BAIANO 13° 0’5.57” S 38°30’36.42” O Lupa, Facom, UFBA

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Revista da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom - UFBA)

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Lupa é uma publicação da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). ISSN 1982-2995. Turma da disciplina Comunicação Jornalística 2009.1. Ano IV, Número 7. Salvador, Verão de 2009. Distribuição Gratuita.

Faculdade de Comunicação da UFBA Rua Barão de Geremoabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. CEP: 40170-115Tel: (71) 3283-6174, 3283-6177 Fax: (71) [email protected]: 13° 0’5.57”SLongitude: 38°30’36.42”O

_ Reitor da UFBA:Prof. Naomar de Almeida Filho_ Diretor da Facom:Prof. Giovandro Ferreira_ Coordenação Editorial:Profa. Graciela Natansohn (DRT/BA 2702)._ Chefe de Redação: Cadu Oliveira_ Revisores: Cadu Oliveira e Carlene Fontoura_ Edição de Fotografia:Labfoto - Prof. Paulo Munhoz_ Projeto Gráfico:Alice Vargas (www.avargas.com.br)

_ Redação: (editores)__ Circo Urbano: Eudes Benício__ Prova dos Nove: Roberta Rodamilans__ Meio e Mensagem: Jairo Gonçalves__ Impressões: Labfoto/Facom__ Passepartout: Carlene Fontoura__ Cubo Mágico: Leonardo Pastor_Repórteres: Albano Moura, Alex Oliveira, Camila Giuliani, Carlene Fontoura, Cristiani Cardozo, Daniele Silva, Denise Marinho, Elenira Onija, Eron Rezende, Eudes Benício, Fernanda Soares, Gisele Santos, Hanna Nolasco, Jairo Gon-çalves, Joseane Rosa, Joseanne Guedes, Laís Gomes, Laís Meirelles, Leonardo Pastor, Naiá Braga, Priscila Machado, Priscila Machado, Rafael Valois, René Salomão, Roberta Roda-milans, Roberto Martins, Taisse Abreu, Yuri Soares._Ilustração: Emanoel Caria, João Martins, Salvador Ferrea, Suelen Novaes, Valnei Goes. _Fotografia:Alex Oliveira (editor), Calil Neto, Claudia Reis, Camila Giuliani, Clara Marques Campos, Sarah Corral, Priscila Machado, Naiá Braga, Laís Meirelles, Vanessa Ramos, Rafael Mar-tins, Vanie Sena, Roberta Rodamilans, Fabíola Freire, Rodrigo F. Wanderley, Talitha Andrade. _ Direção de Arte e Diagramação:Alice Vargas_ Agradecimentos:Miguel Pedro da Silva Neto, pela consultoria em cartografia.

_ Impresso em:PrintColor Gráfica e Editora Ltda. Fortaleza._ Tiragem:4000 exemplares

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Saber onde estamos e para onde vamos, mais do que um dilema filo-sófico, parece ser uma questão de ordem imediata. As distâncias e os espaços mais remotos cabem na palma da mão. É só pegar o celular, entrar no ciberespaço e saberemos o caminho exato entre Katmandu e Feira de Santana. E não é só isso: você pode mostrar que esteve re-almente ali, lincando ao mapa aquela foto meio escura e fora de foco, pra todo mundo ver. Virtudes e defeitos da colaboração online, os mapas também já não são os mesmos. Saiba o por que nesta edição n. 8 da Lupa. E também: poetas, palhaços, gente grande brincando de faz de conta, velhinhos que pegam ondas, gente que malha até a exaustão e outra que se obstina em fazer cinema baiano. Sirva-se e até a próxima.

Graciela Natansohn

CAPAImagem de Satélite

do Google Earth (DigitalGlobe),

referente a página 23.

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Para onde vamos?

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A matéria “Nada Será Como Antes”, publicada com destaque de capa na revista Lupa #5, foi campeã no Expocom Nacional, que aconteceu entre 4 e 7 de setembro de 2009 em Curitiba, Paraná. A matéria, pro-duzida pelos alunos do curso de Jor-nalismo da UFBA, Samuel Barros e Edna Matos, concorreu na categoria Jornalismo, modalidade Reportagem Informativa.

O evento é organizado pela Socieda-de Brasileira de Estudos Interdisci-plinares da Comunicação – INTER-COM. Matéria publicada na Lupa #5, pag 05-09

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CARTA DO LEITOR

FALECOM [email protected]

Comentário recebido por e-mail:

24-08-2009Bom dia Graciela,vi a Lupa no cinema do Museue achei interessante essa estratégiade distribuição da revista. Parabéns!AbraçosNildão

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RIO

EDITORIAL03 Editorial Expediente

IMPRESSÕES

18 Ensaio fotográfico de Fabíola Freire

CIRCO URBANO

05 Vigorexia: vaidade ou doença?07 Faculdade da terceira idade09 Alda Motta fala sobre velhice

PROVA DOS NOVE

10 Fim do Vestibular?12 Seu estágio é legal?14 A apaixonante profissão de editar!15 A poesia de Elisa Lucinda17 Confissões de Rubem Alves

PASSEPARTOUT26 O mundo precisa de palhaços28 Cinema Baiano30 A câmera Lomo

CUBO MÁGICO32 Textos literários do Concurso Lupa34 Bactérias, vírus e outras pestes

MEIO E MENSAGEM20 Confissões de Casemiro Neto21 Mapas: do pergaminho ao smartphone24 ARG This is not a game

ILUSTRADO35 João Martins

Foto: Sarah CorralFoto: Talitha Andrade

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Foto: Divulgação

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ERRATA

Na matéria “Tempo de Museu na UFBA”, publicada na revista Lupa #6, informamos que o ingresso do Museu de Arte Sacra (MAS) custa R$ 2,00. O correto é R$ 5,00 (inteira) e R$ 3,00 (meia).

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Qual o limite entre vaidade exagerada e distúrbio alimentar? Sheyna Vasconcellos - Quando a vaidade começa a atrapalhar a vida em relação às atividades normais do indivíduo, a ponto de ele deixar de sair, trabalhar e se divertir por causa da fixação pelo corpo que deseja ter. No caso da anore-xia e da vigorexia, o sujeito tem a dis-torção da imagem. Não adianta chegar para um anoréxico e dizer: “Não, você está magro!” Ele não acredita, pois tem uma imagem incorporada que não está submetida a nenhuma informação que as outras pessoas possam dar.

O paciente demora a perceber que a sua vaidade excessiva virou uma doença? SV - Normalmente o paciente não se dá conta, a família é que percebe e leva até a clínica. Isso acontece com anoréxicos e vigoréxicos, eles tem um comporta-mento obsessivo: têm que malhar, têm que ficar magros. Eu posso dizer que o tratamento começa na tentativa de diagnosticar o que leva esse sujeito a malhar exageradamente. Ver se é somente pelo fator corporal ou se é uma forma de suprir qualquer outro tipo de perda. Temos que estudar o contexto em que a pessoa vive, a família e todos os fatores que podem levar a esse tipo de distúrbio. Tentamos ver qual é a causa, se é depressão, ansiedade e aí tratamos diretamente o problema.

Entrevista a Laís Meirelles e Denise MarinhoIlustração Emanoel Caria | Foto Laís Meirelles

ESCRAVOS DO ESPELHO

O que é vigorexia?

Vigorexia (overtraining em inglês) ou transtorno dismórfico muscular ocor-re quando o volume e a intensidade de exercício físico praticado por um indivíduo excede a sua capacidade de recuperação, tornando-o obcecado e trazendo-lhe sérios problemas musculares. Quem possui o distúr-bio apresenta uma autoimagem um tanto distorcida, em quadro psico-logicamente patológico. Indivíduos acometidos desta síndrome (também chamada de Síndrome de Adônis) são pessoas que, mesmo quando es-tão fortes, se sentem fracas ao se vi-sualizarem em espelhos, de maneira similar aos acometidos de anorexia, que sempre se veem gordos.

_ Ir à academia, tomar suplementos ou esteróides anabolizantes, mudar completamente os hábitos alimentares. Qual o limite entre vaidade e do-ença? Nos tempos da ditadura do corpo ideal, os jovens são as principais vítimas de transtornos alimentares como a anorexia, a bulimia e - o mais recente e ainda desconhecido por muitos profissionais da área de saúde - a vigorexia, que pode atingir jovens do sexo masculino com fixação por um corpo cada vez mais musculoso.Visando um conhecimento mais aprofundado sobre o assunto, conversa-mos com a Dra. Sheyna Cruz Vasconcellos, pós-graduada em Trans-tornos Alimentares e Obesidade, que atualmente coordena o Núcleo de Psicologia do Hospital das Clínicas, e com o personal trainer Renato Souto da Franca, pós-graduado em Fisiologia do Exercício, que trabalha atualmente como coordenador técnico de musculação e já tem dez anos de experiência na área.

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O que há em comum entre a bulimia, a anorexia e a vigorexia? E quais as diferenças?SV - Podemos colocar como intersecção dos três distúrbios a preocupação com o corpo. A anorexia está mais próxima da vigorexia e as duas podem levar à morte, já a bulimia é considerada mais “leve”. A diferença é que a anorexia acontece, em sua maioria, em mulhe-res e a vigorexia, em homens. É difícil acontecer o contrário.

Até que ponto o fisiculturismo e a vigorexia estão próximos?SV - Não se pode confundir vigoréxico com malhado. Não podemos afirmar que só porque o cara vai para academia ou toma bomba ele é vigoréxico. Quem tem o distúrbio compromete a vida em função da fixação. Acredito que, na verdade, o fisiculturismo é um esporte. Claro que podem existir atletas que tenham tendência a isso, mas nem todo fisiculturista necessariamente é vigoré-xico. O sujeito pode estar engajado com a questão corporal por conta do esporte e na sua vida pessoal não ter esse tipo de preocupação. O vigoréxico fica as 24 horas de seu dia preocupado com o corpo, com o que come, em ir para aca-demia, e compromete todas as outras atividades de sua vida.

Faz sentido culpar a mídia pelo desen-volvimento desse distúrbio?SV - A gente culpa muito a cultura e a mídia por conta desses transtornos, mas se a mídia fosse realmente a principal culpada, como tanto se especula, todos nós apresentaríamos esses distúrbios. O que está em primeiro plano é muito mais a estrutura familiar: como esse sujeito foi criado, tratado, o contexto em que vive e os valores que lhe foram passa-dos. Se a pessoa já é vulnerável por con-ta da família, a mídia só vai modelar o

transtorno dela. A mídia dá a coloração do problema, mas não é a raiz.

Como estimular a autoconfiança dos jovens para que não caiam nessa armadilha?SV - Estimular a autoconfiança é algo meio difícil. A gente tem que enten-der por que a pessoa está sensível ao transtorno, por que ela tenta tanto corresponder a expectativas. Os fatores da doença podem ser múltiplos, talvez alguns acontecimentos da ordem da rejeição. Por isso, é difícil essa “receita pra bolo”. O psicólogo tenta entender por que esse sujeito está vulnerável para poder tratar a partir daí.

O que leva as pessoas a buscarem desenfreadamente uma aparência diferente da que possuem?Renato Franca - É mais por uma questão de estética. A maioria que nos procura busca beleza, mas não entende que a estética é consequência de um trabalho voltado para a saúde. Muitas meninas aparecem aqui com aquelas revistas Boa Forma, Corpo, querendo todos aqueles resultados em poucos dias, aí tenho que explicar que não é bem daquela forma, que aquilo é para

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vender revista. Por isso digo que tenho um trabalho duplo: de orientação de exercícios e de conscientização.

Sabemos que a maioria dos jovens que malham toma suplementos proteicos. Você orienta os jovens a tomar esses suplementos? RF - Não, essa função de orientação e prescrição é da área de saúde, voltada para os nutricionistas. Nós não temos respaldo legal para prescrever qual-quer forma de suplemento alimentar. Na academia em que trabalho existe o Departamento de Nutrição. A maioria que procura este tipo de suplemento é homem, poucas mulheres procuram. Já tomei suplementos porque fui fisicul-turista e nesse esporte o consumo de suplementos é necessário para se obter os resultados esperados.

Consegue perceber, entre seus alu-nos, o limite entre a vaidade exagera-da e a tendência para a vigorexia?Entre os meus alunos mesmo, percebo isso quando eles estão em uma busca constante por um corpo musculoso, já partindo para o uso de esteróides. Essas pessoas já estão bem vulneráveis à vigorexia.

Alguns médicos desportistas afirmam que é impossível chegar ao corpo de um fisiculturista sem tomar algum tipo de anabolizante. Você também acredita nisso? RF - Pela minha experiência, para que os fisiculturistas cheguem naquele padrão de competição internacional, se faz necessário o uso de algumas subs-tâncias ilícitas. Quando competia, não existia um sistema rigoroso de controle antidoping. É difícil o atleta chegar a um patamar de competidor sem ingerir esteróides anabolizantes.

Dra. Sheyna Cruz Vasconcellos e o personal trainer Renato Souto da Franca

“Não se pode confundir vigoréxico com malhado. Não

podemos afirmar que só porque o cara vai para a academia ou toma bomba ele é

vigoréxico”

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Nas faculdades da terceira idade, prova e lista de chamada são coisas do passado. É de dar inveja aos mais jovens!

Texto Priscila Machado e Renê Salomão | Foto Sarah Corral e Priscila Machado

Aposentando a cadeira de balanço

_ Almerinda, 66 anos. Ritta, 76. Jandi-ra, 70. Francisco, 78. Ivete, 68. Maria do Carmo, 70. Evandro, 80. Maria de Lourdes, 75. Jayme, 77. Muitas expe-riências, diferentes histórias, algo em comum: eles estão vivendo a maturida-de. Será esta a fase da vida mais triste e sem sentido? Longe disso. Para todos eles, a velhice tem outro significado, o da participação. E eles a encontram em um lugar em especial, nas faculdades da terceira idade.

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_ Os motivos das matrículas são muitos. O mais recorrente é a falta de atividade depois da aposentadoria. No caso de Dona Almerinda, depois de uma vida dedicada a cuidar de pessoas como enfermeira, decidiu cuidar dela mesma: hoje, divide o tempo entre a família e a faculdade. Já Dona Ritta também não quis ficar parada depois que deixou de ser gerente de pessoal de uma empre-sa. Os filhos dão o maior apoio, mas o marido está um pouco incomodado. “Ele disse que depois que entrei na faculdade não tenho mais tempo para ele”, explica.

Surf para idosos?

_ O surf para muitos é um esporte de jovens, preferencialmente para homens. Mas para esse grupo de surfistas não é bem assim. Todas as sextas-feiras, às 8 da manhã, um grupo composto por doze idosos, na maioria mulheres, se reúne para aprender algumas práticas de surf na praia do Porto da Barra. Trata-se de um curso da Faculdade da Felicidade, que funciona na Faculdade Social da Bahia (FSBA). Desde fevereiro de 2009, é ministrado por Bruno Pitanga, pro-fessor de educação física e ex-campeão baiano de surf, que garante que “para o surf não existe limitação de idade”. _ Dona Jandira equilibra-se com difi-

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culdade, aos seus 70 anos, mas, mesmo com um pouco mais de esforço, conse-gue ficar em pé na prancha. Ela, que já teve aneurisma e derrame, assegura que depois das aulas sente maior resistência física e menos dores musculares. Segun-do o professor Bruno, a prática regular desse esporte, além de combater a obe-sidade e reduzir a hipertensão arterial, desenvolve o equilíbrio e a coordenação motora. Após o aprendizado, os alunos até pegam ondas pequenas no mar de Jaguaribe. Sob prévia avaliação médica, claro.

É faculdade mesmo?

_ A instituição pioneira voltada exclu-sivamente para idosos foi a Primei-ra Escola Aberta à Terceira Idade, fundada em 1977 pelo Serviço Social do Comércio (SESC). Com o aumento considerável da população idosa e, consequentemente, a necessidade de colocar a terceira idade em foco, surgiu em 1993 a Faculdade Livre da Terceira Idade, instituição privada fundada pela educadora Olga Mettig, localizada no bairro de Nazaré, em Salvador. Em 1994, surgiu a UATI, Universidade Aberta à Terceira Idade, que é um pro-grama de extensão da Universidade Es-tadual da Bahia (UNEB), cuja proposta inicial de atender a população de baixa renda se modificou a partir do interesse

de algumas pessoas de classe média, o que tornou o público mais diversificado, como afirma Sonia Bamberg, coordena-dora do curso.¬ _ As faculdades da terceira idade têm um projeto pedagógico como qualquer outra instituição de ensino. A diferen-ça em relação ao projeto pedagógico tradicional é a flexibilidade. Os idosos não fazem prova, nem perdem por falta. Alguns deles confessam que quando não estão com vontade de entrar na sala de aula ficam no corredor, batendo papo. Para a diretora da Faculdade da Felicidade, Lucinha Palmeira, o projeto está pautado no conhecimento sobre o idoso, adquirido da experiência em gerontologia, e no tripé que compreende atividades lúdicas, corporais e educacio-nais. Segundo Lucinha, toda e qualquer atividade deve ser feita de forma pra-zerosa. “Eles (os idosos) têm que sentir prazer no que fazem. Se não for assim, não tem sentido”, resume._ Já a diretora da Faculdade da Maturi-dade, Graça Sena, explica que nenhum idoso entra numa dessas faculdades para buscar formatura ou ingressar no mercado de trabalho, mas para se atualizar e aplicar os conhecimentos na própria vida. As faculdades da terceira idade aceitam alunos com diferentes formações e têm como pré-requisito que os alunos sejam alfabetizados. A única que não tem essa exigência é a UATI/UNEB, que, em parceria com o Ministério da Educação, promove um processo de alfabetização com conces-são de diploma. Nesse caso, segundo a coordenadora do curso Sonia Bamberg, os alunos fazem questão de receber o diploma vestidos a rigor.

E a vida começa aos 60...

_ Nas aulas de dança de salão, a primei-ra dica dada pelo professor Jonas Car-los é em relação de respeito ao limite do corpo. A aula não se diferencia tanto de uma aula comum. “É uma aula técnica que não precisa obedecer à rigidez de um determinado padrão”, explica. Um detalhe curioso é que a turma só tem

Segundo dados do IBGE, a população idosa em Salvador passou de 5,5% em 1991 para 6,8% em 2000.

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“Curioso Caso de Benjamin But-ton”, filme de 2008. Dirigido por David Fincher e protagonizado por Brad Pitt e Cate Blanchett. Ben-jamin é um bebê que nasce doente e com a aparência de uma pessoa em torno dos 80 anos. À medida que envelhece em idade, seu corpo rejuvenesce. O filme aborda o en-velhecimento visto no seu inverso. O filme ganhou três Oscars.

De cara com a velhice... E não precisa correr!Entrevista a Eudes Benicio e Naiá Braga

Alda Motta, doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, profes-sora do Departamento de Sociologia e cofundadora do NEIM, Núcleo de Estu-dos Interdisciplinares sobre a Mulher, nos apresenta, com propriedade, um novo olhar sobre a velhice e a consciên-cia de que ser velho também é uma arte. É interessante perceber como a nossa visão sobre a velhice pode ganhar um novo upgrade.

A senhora é também seu próprio obje-to de estudo?Alda Motta - Todo o tempo. Primeiro, vivendo como mulher e percebendo as diferenças de idade. Em 71, eu era uma mulher jovem. Agora, sou uma mulher envelhecendo, idosa. Isso ajuda muito a dar um insight nas coisas. Eu, professora, ativa, respeitada, percebo frases como “ainda faz isso?”. Quer dizer, sempre implica uma admiração ou surpresa com o que uma idosa pode estar fazendo.

Qual seria a raiz desse preconceito?AM - Assim como há um diferencial e um conflito de classes, há um diferen-cial e um conflito de gerações. “Tem que sair pra dar lugar aos jovens”. Velho é tido como aquele que vai enfeiando, murchando, vai perdendo característi-cas em relação à beleza, em relação à força, e que começa a apontar para um futuro que evidentemente é a morte. Você não vai ficar menino como Benja-min Button.

Criou-se um clima de que “se a velhi-ce me alcança, estou sendo derrotado por ela”?AM - É, exato. Há uma coisa curiosa, sempre se pergunta, até na própria mídia: “Como é que você conseguiu ser centenário? Qual o seu segredo?”. Brin-co que esse é um segredo que ninguém quer saber. Fotos de Sebastião Salgado, por exemplo, que mostram o rosto de uma velha como se fosse a terra resse-quida... Que beleza! Mas ninguém quer ser essa beleza.

Idosos socialmente ativos são uma realidade em Salvador? AM - Não podemos pensar de uma maneira geral. Há os pouco idosos e os

muito idosos. Temos idosos desde os 50 até os que têm mais de 100 anos. Os chamados idosos jovens têm programas e oportunidades bem maiores que os muito idosos. Existem programas ditos “para a terceira idade”, mas que fun-cionam pra dar algum proveito financei-ro a quem realiza.

O que a senhora diria aos jovens que parecem ignorar a chegada da velhice?AM - O tempo flui muito depressa! Quando menos esperar, você vai estar lá. Não se deve ter medo da velhice. Se você não tem medo da velhice, vai vivendo e construindo coisas, não tem por que parar!

“Você não vai ficar menino como Benjamin Button.”

Aprendizado

Faculdade da MaturidadeRua da Mangueira, 33 Nazaré, CEP 40.040-400. Salvador-Bahia. Tel.: (71) 2108-1500. Valor Mensal: R$ 185,00.

Faculdade da FelicidadeFaculdade Social da Bahia Rua Engenheiro Milton de Oliveira, 176 Barra. CEP 40.140-100. Salvador- Bahia. Tel.: (71) 4102-0620. Valor Mensal: R$ 250,00.

Universidade Aberta para a 3ª Idade(UATI) Rua Silveira Martins, 2555 cabula. CEP 41.195-001. Salvador- Bahia. Tel.: (71) 3117-2275. Valor Mensal: R$ 15,00.

mulheres e Carlos precisa se revezar entre elas. Mesmo numa faixa etária em que muitos dos alunos sofrem de osteoporose e reumatismo, não há nenhum tipo de restrição para parti-cipar das aulas. No ritmo das canções juninas, as 12 alunas que participa-vam da aula se alongaram, ouviram atentas as instruções e dançaram, uma de cada vez, com o professor._ Para Seu Francisco, que chegou à Faculdade da Maturidade em março de 2007, a aula de tecelagem é uma das que mais lhe chamam atenção. Em junho do mesmo ano arranjou uma namorada. “Aqui só tem um problema: tem pouco homem, brinca, olhando para as alunas. _ As atividades desenvolvidas nas faculdades da terceira idade visam um desafio maior, que é a qualida-de de vida na maturidade. Objetivo alcançado por Yvette Paiva, 68 anos. “Quando estou aqui, esqueço que tenho problemas. A gente passa a se arrumar melhor, e muitas pessoas depressivas até melhoram completa-mente a autoestima”, conta. Segundo a geriatra Elvira Cortes, as faculda-des da terceira idade desempenham um papel importante na vida dos idosos. “É um espaço onde os idosos têm autonomia. Isso é excelente”, resume._ Numa fase da vida em que a solidão é mais propícia a ser um risco, as faculdades da terceira idade surgem para preencher os espaços vazios deixados pela família, amigos ou pela falta de atividade, ampliando os relacionamentos e transformando os idosos em pessoas plenas e mais participativas.

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E esse modelo é o ideal? NF - O Enem antigo já tinha sido consi-derado como viável, caso ele fosse maior e não tivesse apenas 63 questões, caso fosse mais estável, quer dizer, não varias-se de ano para ano; e caso ele pudesse ter uma cobertura maior de área e não fosse apenas sobre conhecimentos gerais. O MEC, ao propor o novo Enem, prati-camente preencheu todas as condições que havíamos levantado como limitações do Enem antigo. Daí foi muito fácil para os nossos conselhos superiores, no caso o conselho acadêmico, o CONSEPE, aprovar que a nossa universidade, desde já, empregue o novo Enem para os cursos novos no modelo da Universidade Nova, como os bacharelados interdisciplinares (BIs) e os cursos superiores em tecnolo-gia.

Quando o novo exame vai ser aplicado para a seleção nos cursos tradicionais?NF - No futuro. É o que vamos avaliar. Até porque são muito parecidos. A primeira etapa do vestibular da UFBA já tem um componente de verificação de competências e habilidades. Vai ser possível, por exemplo, tomar esse exame várias vezes ao ano e será ofertado em até seis vezes. Essa é a previsão do MEC. Uma das coisas injustas do vestibular é o fato dele ser num dia só, num período só, de maneira que se alguém teve naquele dia um mau desempenho, porque não foi um bom dia, terá mais chances para apre-sentar sua melhor nota. Nós não temos pressa de fechar isso, porque teremos tempo de amadurecer dentro das próprias unidades da UFBA.

Qual o ponto falho no vestibular que prejudica o ingresso dos estudantes oriundos das escolas públicas nas uni-versidades públicas?NF - Não só um ponto falho, acho que existe um defeito sério que é essa nature-za memorizadora. O mundo mudou muito.

Antigamente os profissionais precisavam carregar no seu aparato mental informa-ções necessárias em sua profissão. Era um tempo em que as informações não eram um bem tão aberto como hoje em dia. Por exemplo, um pen drive carrega muitas enciclopédias. Você entra na in-ternet e tem uma série de informações do mundo inteiro. Não faz mais sentido você verificar se as pessoas sabem coisas, por-que a universidade é um lugar, justamen-te, em que as pessoas vão ser formadas no conhecimento de certos conteúdos, na aquisição de certas competências e na de-monstração de certas habilidades, e para isso você não precisa de memorização.

Segundo o INEP, 89% das escolas da rede pública tiveram desempenho abaixo da média nacional no exame. O

Entrevista a Renê Salomão e Priscila Machado

UFBA adota novo Enem para processo de seleção de alunos

O novo Enem será mais democrático que o atual vestibular?Naomar Filho - Eu não tenho a menor dúvida sobre isto. O atual modelo do vesti-bular tem uma lógica que é a da exclusão. Isso porque o vestibular, tal como existe nas universidades públicas no Brasil, é organizado para selecionar sujeitos e ex-cluir todos os outros. Só que a seleção dos sujeitos é pautada pelos cursos de maior competição e faz com que o instrumento seja desenhado para aquele grau máximo de precisão, para discriminar quem fez 17.000 pontos daquele que fez 17.001. Essa lógica se baseia na verificação de conhecimento acumulado, do que a pessoa já sabe e não do que ela é capaz de compreender. O Enem, desde sua criação em 1998, tem uma lógica diferente dessa. Em vez de verificar a memorização do conhecimento armazenado, ele oferece esse conhecimento no enunciado e as pessoas, com base naquelas informações, são desafiadas a interpretar e demonstrar a sua interpretação. Essa lógica já foi apreciada em nossa universidade quando discutimos a Universidade Nova.

senhor acredita que esse novo exame continua sendo um método de exclu-são?NF - Não, é de inclusão também. Isso significa que os 11% estavam acima. Esses alunos não entravam na universi-dade pública. Iam para as universidades privadas, pagando cursos noturnos ou financiando as mensalidades. Eles eram excluídos da corrente central da forma-ção. Os 30%, que superavam a média nas escolas privadas, entravam em massa nas universidades. Acho que no momento ainda não é possível estimar o grau de transformação que essa intervenção vai produzir no sistema. Mas uma transfor-mação já dá para perceber, que é o tema das diretrizes curriculares, no ensino mé-dio. A escola pública sempre dá a menos, não tem investimento nem motivação, e a escola privada sempre dá a mais, para que o sujeito seja adestrado para entrar num teste que vai à precisão. Ao estabele-cer que o novo Enem cubra essas áreas, o exame vai regular o que são conteúdos do ensino médio.

_ Autor de dois livros recentes sobre a temática do universo acadêmico (“Univer-sidade Nova: Textos críticos e esperan-çosos” e “Universidade no Século XXI: Para uma universidade nova”), Naomar de Almeida Filho, reitor da Universida-de Federal da Bahia, propõe mudanças significativas para o atual modelo das universidades brasileiras. O novo Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, proposto pelo Ministério da Educação, pretende substituir o vestibular nas insti-tuições federais brasileiras. Em entrevista feita no Museu de Arte Sacra da Bahia, o reitor falou com entusiasmo sobre o novo processo e sobre sua aplicação, ainda este ano, em alguns cursos, e esclareceu alguns contrapontos.

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Acredita que os cursinhos conseguirão se adequar a esse novo modelo?NF - Eu acho difícil, eles vão fazer um esforço muito grande, mas eu acho que esse ramo de negócios terá que mudar ra-dicalmente ou desaparecer. Eu não sei se essas mudanças farão com que o negócio permaneça tão lucrativo quanto é o ades-tramento para passar em teste. É difícil montar um programa que vai desenvolver habilidades, inteligências, competências, vocação, não é tão simples assim.

No último vestibular da UFBA, mais de 43 mil candidatos concorreram a quase 7 mil vagas. A procura é bem maior que a oferta. Como resolver essa difícil equação?NF - Um contingente grande procura pou-cos cursos e poucos procuram as muitas

Mudanças

O MEC anunciou no dia 31 de março a proposta de criação de um novo Enem que substitua os vestibulares das universidades federais do país. As quatro áreas que comporão o Enem são: linguagem, ciências da natureza, ciências humanas e mate-mática. A prova terá 180 questões e uma redação, será aplicada em dois dias e poderá ser utilizada como seleção em cinco cursos diferentes nas instituições de sua preferência (também limitadas a cinco). O exame pretende agregar língua estrangeira no ano de 2010.

vagas dos outros cursos. A nossa univer-sidade não preenche todas as vagas que disponibiliza. As pessoas estão se fixando muito no novo Enem, que é um instru-mento, mas não estão pensando num sistema nacional unificado de avaliação. No momento em que tivermos uma rede de instituições públicas brasileiras usando a mesma lógica do processo seletivo em um sistema de distribuição, será abrangi-do um contigente maior, de modo muito mais racional. Mas nunca haverá vagas suficientes para todos.

Alguns setores da universidade e da sociedade se queixam que não houve um debate prévio sobre a implantação deste novo modelo de seleção. O senhor concorda?NF - Algumas instituições, de fato, não discutiram. O governo, de alguma manei-ra, pegou velocidade, só que as universi-dades continuam no velho ritmo. Tudo é uma discussão que tem que ir à raiz de tudo. A dívida social da educação brasi-leira é de tal monta, que qualquer demora é atraso. Claro que temos que fazer as

coisas de um modo cuidadoso e pensado. Agora, a gente não pode ficar paralisado pela demanda do que discutir. Sobre esse aspecto especifico, nós já temos uma discussão aqui avançada. Haverá sempre setores da universidade que, ou se recu-saram a participar da discussão, ou, por estarem ocupados com suas atividades e iniciativas, não participaram do processo. O nosso CONSEPE aprovou a proposta. Claro que os BIs têm seu processo de seleção, porém a gente vai avaliar o que é esse novo Enem e o que está proposto, mas ainda não apresentado. Para se substituir a primeira fase do vestibular da UFBA pelo Enem, tem que se discutir devagar, mas devagar não são anos, tem que ser em meses.

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“Na empresa onde estagio, sabem da importância do esta-giário, porém a remuneração é muito baixa para uma mão de obra tão qualificada e que possui obrigações e responsabilidades de uma pessoa formada. Iniciei o estágio ainda sob a antiga Lei e, com o encerramento do contrato, houve interesse da empresa na renovação, que deveria estar de acordo com a nova lei.”

“Fui contratada em um programa de estágio específico do Governo do Estado. No contrato, não existe nada sobre a questão da flexibilidade nos dias de prova, porém quando preciso faltar por qualquer atividade impor-tante da faculdade, não encontro nenhum impedimento. Dos conhe-cimentos aprendidos na faculdade, utilizo muito pouco. Fico muito feliz quando faço algo que realmente tenha relação com o que aprendo na faculdade, mas isso é exceção.”

“Desde o processo seletivo (final de 2008), já estava definido que os estagi-ários só poderiam trabalhar 6 horas/dia. Como minha faculdade não permite que os alunos estagiem no Pólo Petroquími-co por 30 horas semanais, a empresa deu também a opção de 18 horas (três vezes por semana). Para que o estagiário possa trabalhar na BRASKEM, é im-prescindível que o contrato seja também assinado pela faculdade, por isso, não havia como infringir nenhuma regra. A empresa sempre me tratou como estagi-ário, entende que sou um estudante, não um engenheiro formado.”

Texto Roberta Rodamilans, Laís Gomes e Taisse Abreu | Foto Rafael Martins

Saiba como vem sendo tratada a nova Lei do Estágio

Seu estágio é legal?

_ “Ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo do estudante”. Este é o con-ceito definido pela nova Lei do Estágio, de 25 de setembro de 2008. Mais clara e rigorosa que a anterior, a nova lei trouxe benefícios para os estudantes, inseguran-ça para o mercado de estágios e muitas dúvidas de todos os lados. Um ano após a sua promulgação, saiba o que estudantes, instituições de ensino, agentes de inte-gração e empresas andam fazendo com a nova lei._ Foi um começo turbulento. A lei que atualiza as normas de estágio no Brasil entrou em vigor justamente no período em que o mundo começou a enfrentar a atual crise econômica que abalou o mercado de

trabalho, arrefecendo também o núme-ro de contratações de estagiários. Para Maria Aparecida Adan, secretária da gerência do CIEE-BA (Centro de Integra-ção Empresa-Escola), a retração se deveu principalmente ao processo de adequação pelo qual as empresas tiveram que passar. Contudo, Adan garante que a situação está se normalizando sistematicamente, à medida que todos se familiarizam com as novas disposições. Além do processo de adaptação, Edneide Lima, gerente do IEL-BA (Instituto Euvaldo Lodi), atribui a retração da oferta de estágios a um maior rigor da nova lei. “Tudo o que é rigoroso, causa certo temor em quem não está trabalhando como deveria”, ressalta._ Estágio não é trabalho, é um ato educativo desenvolvido no ambiente de

trabalho. E a lei veio para deixar isso muito claro. Ela estabelece que a prática de estágio só seja permitida desde que contribua para a formação do aluno. Ed-neide Lima explica que, no caso de ensino superior e técnico, o estágio é o momento de o estudante desenvolver o conteúdo aprendido em sala de aula, sendo uma ponte para o mercado de trabalho. Além de proteger o estudante, a nova Lei veio para incentivar a prática do estágio, oferecendo condições mais adequadas para o desenvolvimento das atividades. São ações que intensificam o caráter pe-dagógico do estágio e elevam a qualidade das ações implementadas na prática. Um exemplo importante é a exigência de um supervisor de estágio na empresa e o acompanhamento pedagógico pela

João Rafael, 21 anos, estudante de Arqui-tetura e estagiário de um escritório de enge-nharia e arquitetura contratado através do IEL.

Luana Oliveira, 21 anos, estudante de Urbanismo e estagiária da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano (SEDUR).

Rodrigo Magario, 22 anos, estudante de Engenharia Mecâ-nica e estagiário da BRASKEM contratado através do IEL.

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instituição de ensino. A estudante de psi-cologia Bárbara Rebouças acredita nesse caráter pedagógico do estágio. ‘‘A lei está certíssima. Enquanto não aparece nada que realmente vá acrescentar minha for-mação, prefiro me concentrar no estudo apenas. Estágio tem que valer a pena’’._ Pseudo-estágio. É como podemos cha-mar o caso do estudante de Jornalismo Eudes Benicio. A função por ele exercida, call center, não está em conformidade com seu curso universitário, sendo o que Edneide Lima chama de uma “função equivocada”. Estágios em call center, telemarketing e recepção, por exemplo, podem ser importantes apenas nos se-mestres iniciais do curso, para o desen-volvimento de habilidades como a fluência oral. Edneide explica que, para o estudan-te que não precisa desenvolver essa habi-lidade, uma experiência de atendimento não irá acrescentar nada. Louise Farias, assessora da SoulRH defende os estágios com funções de atendimento argumen-tando que são atividades que ‘‘dão asas à visão pública e à comunicação em geral, não fugindo em hipótese alguma das cláusulas legais’’. Ela acredita que a nova lei deixa brechas para várias interpreta-ções e algumas faculdades são radicais e não conseguem enxergar que algumas atividades em particular contribuem para um bom desenvolvimento na formação do aluno. Entretanto, o que parece óbvio nes-tes casos é a intenção de utilizar o estu-dante como mão-de-obra barata, já que a contratação de um estagiário não implica a carga tributária de um funcionário efe-tivo. Acontece que, na maioria dos casos, os estudantes se submetem a esse tipo de função pela necessidade de manter seus estudos. Dessa forma, ganha o discurso do “se você não quer, tem quem queira”, onde as empresas deixam claro que, além de mão-de-obra barata, os estudantes são também uma mão-de-obra descartável. _ “O maior fiscal do estágio é o próprio estagiário”. É o que pensa Edneide Lima, que dá orientações sobre como o estudante deve agir em caso de insatis-fações em relação à função exercida. A primeira providência é tentar uma conver-sa franca com o supervisor de estágio, ar-gumentando, por exemplo, que a atividade realizada não tem complementado sua formação ou mesmo que acredita já ter esgotado as possibilidades de aprendizado dentro da função exercida. Se a empresa não oferece esta abertura, a melhor opção é acionar a agência de integração que intermediou o contrato de estágio. Ela deverá inspecionar a empresa e tomar as medidas cabíveis para o cumprindo do propósito de orientar e proteger o estudante. Vale ressaltar que também as agências de integração estão sujeitas a punições previstas pela nova lei caso haja o descumprimento de suas atribuições.

Elas têm a obrigação de garantir que o conceito de estágio se valha na prática e que os benefícios previstos por lei, como a bolsa-auxílio, estejam, de fato, chegando ao estudante._ A bolsa-auxílio é obrigatória para o estágio não-obrigatório, mas não existe um mínimo. O que há é uma procura de mercado e uma média que as empresas já praticam. Esta é uma brecha da lei, que algumas empresas utilizam para praticar valores muito baixos de modo a explorar uma mão-de-obra qualificada, como é o caso do estudante de Arquitetura João Rafael Santos. Cursando o sétimo semestre do curso, ele se sente desvalo-rizado pela remuneração e reclama que seus gastos como estudante são enormes. Além de suprir algumas necessidades do estagiário, como alimentação, a bolsa é importante para o investimento nos estu-dos, em forma de livros, cursos e viagens. Dessa forma, é peça papel fundamental no processo formativo do estudante._ A nova Lei possui alguns exageros na opinião de Edneide Lima. “Ela quis prote-ger demais o estudante e acabou errando na medida”. Para Edneide, o rigor das no-vas disposições é necessário, pois a antiga lei não era clara e muita coisa acabava ficando por conta de interpretações, mas alguns pontos poderiam ser negociados. É o caso da liberação em dias de prova. “Se a carga horária já foi reduzida para

que o aluno possa estudar e frequentar assiduamente as aulas, não há a necessi-dade dessa liberação. É um contrassen-so”. Apesar disso, ela reconhece que essa negociação entre chefe e estagiário é algo complicado pois “assim como há alguns muito complacentes e compreensivos, há os que só estão interessados em explorar o estudante”. Outro exagero apontado por Edneide é a limitação da carga horária diária em seis horas. “Isso fez uma ba-gunça nos estágios do Pólo Petroquímico de Camaçari e acabou retraindo em muito as contratações”. Ocorre que, por conta da distância, os estagiários utilizavam o mesmo transporte dos empregados, que trabalham oito horas diárias. Mesmo assim, não ultrapassavam 30 horas semanais, pois só trabalhavam três dias na semana, compatibilizando horários na faculdade. Segundo o IEL, maior respon-sável pela contratação de estagiários do Pólo, os estágios de lá representam boa parcela da oferta de vagas para os cursos de engenharia e algumas empresas che-garam a pensar em desistir de contratar estagiários. _ Aos poucos, a nova Lei vai sendo assimilada. As novas regras vêm em um momento oportuno, em que o país precisa acelerar o processo de formação de bons profissionais. E o estágio, quando obedece às exigências legais e tem como finalidade o aprendizado do estudante, gera benefí-cios para toda a sociedade.

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Criado em 1999 e presidido pelo IEL-BA, reúne-se uma vez por mês e é formado por instituições como: Banco do Brasil, TV Bahia, Secre-taria da Educação, UFBA, UNEB, UNIFACS, CEFET-BA e Odebrecht. Seu objetivo é promover ações que visem à melhoria da qualidade do estágio, além de discutir a atual legislação. O Fórum de Estágio da Bahia também premia as melhores empresas para estagiar. As vencedo-ras de 2008 foram Yazaki Autoparts do Brasil Ltda, Deten Química S.A. e Lacerta Consultoria, Projetos e Assessoria Ambiental Ltda.

Principais benefícios da nova Lei:

- Jornada de trabalho de, no máximo, 6 horas. - Obrigatoriedade do pagamento de bolsa-auxílio e auxílio-transporte.- Direito de sair mais cedo em dia de prova. - Férias remuneradas, preferencial-mente durante o recesso escolar. - Permanência máxima de dois anos em uma mesma empresa. - Reservas de vagas para portadores de necessidades especiais.

IEL Instituto Euvaldo Lodi:www.fieb.org.br/ielCIDE Estágios: www.cideestagios.locaweb.com.brCIEE Centro de Integração Empresa-Escola: www.ciee.org.br

Onde buscar um estágio

Fórum de Estágio da Bahia

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Entrevista a Taisse Abreu | Foto Clara Marques Campos

mundo vai poder ter acesso ao conteúdo do que é produzido na Universidade. Esse projeto já está quase no momento de ser efetivado. O projeto piloto vai ser com o conteúdo dos livros da Edufba, que já começaremos a disponibilizar.

Como a Edufba vai poder disponibilizar esse conteúdo?FR - O Conselho Editorial estabeleceu que duas coleções nossas serão disponibiliza-das de início, a de manuais e a de sala de aula. Quanto aos outros títulos publicados no passado, teremos que ter a autorização dos autores, por conta da lei do direito au-toral. Mas os autores já estão assinando o termo incluído no contrato que fala do acesso livre para o que estamos publican-do agora.

Então você é a favor do e-book e das editoras virtuais?FR - Sou. O que eu não sou a favor é da fotocópia do livro.

Você acha que uma editora universitá-ria tem condições de concorrer com as editoras comerciais?

FR - Acho que elas não concorrem, até porque as editoras universitárias muitas vezes publicam aquilo que dificilmente se-ria publicado por uma editora comercial.

Autores particulares também podem procurar a editora? Sim. Muitos autores nos procuram pela qualidade das nossas publicações. Eu digo isso com muito orgulho e com muita sinceridade porque acho que a Edufba é a editora que hoje, no estado, vem cumprin-do com esse papel de investir na publica-ção. O autor não paga para ter o seu livro publicado, às vezes há uma captação de recursos de fundações e órgãos financia-dores. Além disso, a gente comercializa, distribui e faz a divulgação. Tudo é uma questão do tipo de livro que o autor queira publicar. Livros de poesia ou de memória, por exemplo, não fazemos com o selo da Edufba. O livro sai com o próprio selo do autor ou como edição do autor, fazemos prestação de serviço. Claro que fazemos esses livros com a mesma responsabili-dade e cuidado dos nossos, mas acaba o nosso contrato de trabalho quando a gente entrega o livro pronto ao autor.

_ Flávia Rosa, jornalista e atual diretora da Editora da Ufba fala sobre o funcio-namento da editora e todo o processo que envolve a produção de um livro dentro de uma editora universitária. Leia e fique por dentro você também de como tudo isso funciona.

Algumas pessoas acreditam que os suportes impressos correm o risco de perder seu espaço para a internet. A in-ternet é vilã ou parceira nessa história?Flávia Rosa - Parceira. A grande facilida-de da internet são as bases de dados e pe-riódicos científicos com acesso livre. Hoje existe um movimento mundial em torno do acesso livre e nós estamos já cami-nhando para isso. Inclusive, é meu objeto de estudo no doutorado a implantação do repositório institucional da UFBA.

O que é seria esse repositório? FR - É um ambiente virtual onde seriam disponibilizados conteúdos, a produção científica da instituição, para acesso livre, no intuito de ampliar essa visibilidade. Qualquer pessoa em qualquer lugar do

“Sou a favor do e-book, mas não da fotocópia de livros”

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Texto Cristiani Cardozo e Elenira Onija

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_ Foi numa sexta-feira de maio que conseguimos um minuto da atenção de Elisa Lucinda. Na verdade foram uns 52 minutos de boa conversa, intensa, direta, sem rodeios, cheia de poesia e, de vez em quando, de uns arrepios na pele. O estúdio da Rádio FACOM foi tomado pela presen-ça fantástica da voz dessa feiticeira-poe-ta, autorizada pelo “Deus da parecença a ser a dona da palavra sem dono, de tanto dono que tem”. Um brinde às intempéries e vicissitudes que fizeram dessa experi-ência uma joia na nossa trajetória como jornalistas!

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de Falar Mal da Rotina, que passou por diversas cidades brasileiras, dentre elas Salvador, onde está sediada a segunda filial da Escola Lucinda de Poesia Viva._ Elisa fez casa e escola para a poesia. Há dez anos está a frente da Escola Lucinda de Poesia Viva, com sede na Casa Poema, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Para quem teve seu primeiro contato com a poesia através de “batatinha quando nasce”, a escola é a outra margem do rio. Foi com o slogan “como falar poesia sem ser chato” que ela criou a sua primeira oficina, Te Pego pela Palavra, há dez anos. E pegou mesmo. Da oficina surgiu a escola, onde se aprende a falar poesia de um modo natural, coloquial, vivo, sem os vícios e afetações da declamação tradi-cional. Pessoas de 5 a 90 anos passaram pelas oficinas, em especial professores da rede pública de todo o país, através de

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_ “Tem uma hora que o dom grita e não tem mais o que fazer, senão ele te mata”. Essa hora lhe chegou em tempos idos, quando, exercendo a profissão de jornalis-ta, entrevistava a cantora Elba Ramalho, há mais ou menos 21 anos. O grito foi tão alto, que a moça chegou em casa com os olhos marejados e, ao ser interpelada pela mãe, foi categórica: “Não quero mais dar a notícia, quero ser a notícia”. Deixou sua terra natal, o Espírito Santo, e se mudou para o Rio de Janeiro._ A moça é fada mundana, é da esqui-na, do palco, da tela, da rua, da viela. O cotidiano, a rotina são ingredientes preciosos para seu feitiço. Parece fácil? Mas é difícil! Trata-se de uma simplicida-de deveras sofisticada. Extrair magia das coisas ordinárias exige desvelo para com o oficio. Esse desvelo levou mais de 300 mil pessoas a assistirem ao espetáculo Parem

uma parceria com o MEC. “A poesia é multidisciplinar, você pode dar uma aula de geografia, de matemática, de geome-tria com a poesia”, diz Elisa._ E poesia dá dinheiro, dona moça? “È dos nossos dons que deve vir nosso ganha-pão, essa é a boa escalação do mundo. E tudo pode dar dinheiro, se esta for a questão”. Tendo a poesia por oficio, tudo que lhe trouxe o pão esteve intimamente ligado a ela. Seu primeiro livro, O Seme-lhante, foi publicado em 1995 e de lá para cá são mais de dez publicações, peças teatrais e oficinas. Passeou pelo cinema e pela TV, onde fez cinco novelas, das quais duas foram de Manoel Carlos, em horário nobre da Rede Globo. A opção por um oficio nunca é simples, mas, como decreta Elisa, “o dom é uma ordem interna, e quem tem dom tem mais trabalho”.

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tem que aprender isso”. Se ela não quer aprender, não está seduzida por aquilo, então ela não vai aprender.

Não há coisas que, embora não sejam prazerosas, são necessárias?RA - Quando eu digo que tem que ser prazeroso, eu digo que é preciso que faça sentido. Há muitas coisas que não são prazerosas, mas fazem sentido porque elas têm a ver com a vida. Por exemplo, ensinar a criança sobre os perigos de uma casa não é prazeroso, é desagradável, mas isso é importante porque faz sentido, e ela compreenderá que isso faz sentido.

Como foi o aluno Rubem Alves?RA - Eu achava a escola muito desinte-ressante. No curso primário fui um aluno

_ Um crítico e entusiasta da educação. Assim poderíamos, de leve, definir Rubem Alves. De leve porque, para alguém que já foi de engenheiro a pastor, psicanalista a professor, definições são mera formali-dade. Autor de mais de 80 livros, admite, sem cerimônias: “Fui um mau aluno”. E explica de forma apaixonada o porquê. Encontramo-nos com Rubem Alves nas ondas da Rádio Facom, para uma breve prosa.

Você se formou engenheiro. Como se deu o seu envolvimento com a educa-ção?Rubem Alves - Sabe que eu não sei como é que a coisa aconteceu... Eu pensava em ser engenheiro, médico, depois mudei a cabeça, fui ser pastor protestante, que tem muito a ver com comunicação, com ensinar as pessoas, mas não sei como fui parar na educação. Acho que foi por amor às crianças, por mim mesmo e porque eu achava muito divertido aprender.

Qual seria o papel do professor?RA - O professor é um sedutor. A gente tem que mostrar para as crianças que as coisas do ensino são divertidas, são humorosas, interessantes. Não é só dar a matéria e dizer para a criança: “Você

razoável, no ginásio fui um mau aluno, tirei muita nota baixa, colei demais. Colei muito porque as coisas não faziam sentido, mas eu me interessava por coisas que não tinham nada a ver com a escola. Os interesses das crianças são muito diversificados, não são necessariamente os interesses que aparecem nas grades curriculares.

Como seria a escola ideal?RA - Eu já visitei essa escola, é uma escola que encontrei em Portugal, que não tem professor dando aula e as crianças aprendem, porque elas pesquisam aquilo que é de interesse delas. Falei muito sobre isso no meu livro A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.

Como foi a experiência de escrever o livro “A poesia do Encontro” com a poeta, atriz e cantora Elisa Lucinda?RA - A primeira vez que eu fiz isso com outra pessoa foi com o Gilberto Dimens-tein. Nós fomos para a editora, sem preparar nada, sem agenda, sem roteiro, sem coisa nenhuma, e nós conversamos durante quatro horas sobre educação. Sai então o livro Fomos Mau Alunos. Depois o Gilberto Dimenstein teve a idéia de fazer algo parecido comigo e a Elisa Lucinda, e então nós nos reunimos sem preparar nada e falamos sobre poesia um tempão. Aí surgiu o livro.

Quais foram as referências mais importantes na sua formação?RA - Não sei. Estudei piano, psicanálise, literatura, não foi nada sistemático. Eu não fui formado por curso que eu tenha feito. Eu não acredito que os cursos mudem a cabeça das pessoas. Eu era curioso, queria ler e perguntava. Foi isso que me marcou muito: uma insatisfa-ção constante e a capacidade de fazer perguntas.

“Fui um mau aluno”Confissões de Rubem Alves

Entrevusta a Elenira Onija e Cristiani Cardozo

“Na escola colei muito porque as

coisas não faziam sentido”

Conheça A Casa de Rubem Alveswww.rubemalves.com.br

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Versão em preto e branco, de autoria de Fabíola Freire, apresenta a idéia de que nossas capacida-des cognitivas cada vez mais estão sendo atrofiadas em nossos relacionamentos. Através da com-

binação entre o humano e o inorgânico, o projeto propõe que vivemos tentando simplificar e ordenar de-masiadamente nossa existência que acabamos enxergando somente o preto e o branco. Ignoramos a complexidade das nuances de cor do olhar humano e assim terminamos minimizando a vida. Vivemos de-sejando que as possibilidades materializem-se com a promessa de que cada relação possa ser a perfeita.

Foto e Texto Fabíola Freire

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_ Casemiro Neto, formado em jornalis-mo pela UFBA, queria mesmo era fazer psicologia. Sua carreira começou como estagiário na TV Itapoan. Depois de quatro anos na emissora, foi trabalhar na TV Educativa, onde atuou como repórter, apresentador e editor. Em 1991, foi para a TV Bahia, onde trabalhou em vários campos, principalmente como repórter. Lá, ele ficou conhecido ao se tornar apresentador do Bahia Meio Dia, onde foi responsável pela criação do quadro “Desaparecidos”. Hoje, Casemiro é apre-sentador do programa Que Venha o Povo, da TV Aratu.

Qual o principal motivo que o levou a sair da TV Bahia?Casemiro Neto - Uma proposta profissio-nal que a emissora não permitiria que eu tivesse. Lá, eu sempre quis um programa, mas o espaço na grade estava sempre ocupado com os telejornais. Cheguei a um ponto na TV Bahia que não tinha mais para onde ir. Não serei hipócrita de dizer que o dinheiro não pesou, porque pesa. Eu não sairia da TV Bahia para ganhar menos. Mas não foi só isso. Foi a liberdade que eu tenho na TV Aratu de fazer um programa onde eu falo o que eu quero, onde eu faço o que eu quero, onde eu trago quem eu quero, e na TV Bahia, como em outra televisão, para fazer isso eu teria que passar por vários chefes. Não

é que aqui não exista hierarquia, é que lá o jornal era mais engessado.

Alguma vez sofreu censura na TV Bahia?CN - Vários tipos de censura, não só na TV Bahia, em qualquer televisão tem censura. A Bahia inteira sabe que a TV Bahia pertence a um grupo político e, como qualquer televisão que pertence a um grupo político, esse dedo político é forte. Então, você não tem espaço para falar o que pensa. Eu me sentia limitado, como todo profissional se sente limitado na TV Bahia, trabalhando em um lugar onde você vai fazer uma entrevista com um político ligado ao grupo e não pode perguntar o que muita gente quer saber. Como eu não podia perguntar no ar, eu perguntava depois do programa.

Qual a melhor e pior lembrança que você tem da TV Bahia?CN - A melhor lembrança são os meus amigos de lá (risos) e a pior é a escravi-dão, a falta de reconhecimento profissio-nal. Na TV Bahia não existe liberdade.

Em entrevista ao portal Aratu Online, você disse que tinha por objetivo fazer um programa de qualidade, sem baixa-ria e sensacionalismo. Esse objetivo foi atingido?CN - Eu acho que falta. Estou sempre achando que falta alguma coisa. Falta

mais cultura, falta mais tempo para o programa. Eu queria ter mais tempo.

Qual a principal diferença entre o jornalismo que você faz no programa Que Venha O Povo e o que fazia na TV Bahia?CN - A liberdade. Essa é a principal diferença. A palavra liberta. Falar o que eu quero - dentro dos limites, claro. Não vou xingar, mas às vezes eu falo “saca-na”, “vagabundo”, “canalha”. Eu preciso até me policiar mais, tem coisas que me irritam mesmo, não estou fazendo teatro. Aqui eu não faço um telejornal, eu faço um programa jornalístico. Na hora que me vem na cabeça falar sobre a chuva, sobre a política, eu falo, já o telejornal tem um script, um roteiro.

Qual sua opinião sobre o jornalismo sensacionalista?CN - Eu não gosto. Assisto por obriga-ção. Tem dias que meu programa está de uma maneira que, se estivesse em casa, não sei se assistiria. Eu sou sincero. E é um horário totalmente inadequado. O horário do almoço deve ser respeitado, eu tenho essa preocupação inclusive com as crianças que assistem a esses programas. Digo sempre: encare a sua cidade, porque a realidade é essa. Mas você pode mostrar de uma maneira que não seja assim tão bruta, tão chocante, principalmente por causa do horário.

Entrevista a Gisele Santos e Jairo Gonçalves | Foto Vanie Sena

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Por que o apresentador trocou de emissora após 19 anos de trabalho na TV Bahia

A outra face de Casemiro

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_ Cansado de ter que comprar aquele imenso mapa de papel, apenas para sa-ber a distância que irá percorrer na via-gem de fim de ano? Esqueça o passado e mergulhe de vez na tecnologia: acesse mapas pela internet! _ Os mapas online chegaram com tudo e representam uma nova visão da cartografia, ligando a geografia com a comunicação. Esses mapas são produzi-dos a partir de informações dos mapas tradicionais e de fotografias de satélites. Graças à possibilidade de uma visualiza-ção multiescalar do espaço e da chance que o usuário tem de produzir seu próprio mapa, localizando pontos e acrescentan-do conteúdos às localidades, os mapas online agradam um número cada vez maior de adeptos pela facilidade de uso. No Brasil, um em cada três internautas usa esse serviço, segundo dados divulga-dos pelo Ibope/NetRatings. _ Há cerca de dez anos, quando surgi-ram, eles tinham a função de mostrar a localização de lugares ou detalhar as imagens de satélites. Hoje, é possível para qualquer usuário de internet incluir fotos, depoimentos e desenhos.

Para que servem os mapas colaborativos?

_ Breno Fernandes, estudante de jorna-lismo da UFBA, utiliza mapas online com muita frequência, principalmente quando viaja. A relação dele com os mapas ficou mais estreita quando, ao chegar em Oslo (Noruega), não encontrou nenhuma informação em português na internet e acabou recorrendo ao Google Maps (www.googlemaps.com), onde encon-trou um mapa com vídeos e fotos e pode traçar seu trajeto a partir das imagens que viu. “Sempre uso o Google Maps, nem que seja para saber como chegar do aeroporto ao hotel. Melhor do que ficar na mão de taxistas. Assim não me sinto nem um pouco inseguro”, confidenciou o estudante. _ Outro uso dos mapas online é o de criar redes de comunicação e partilhar informação dentro de uma comunida-

de. A professora e pesquisadora em comunicação Graciela Natansohn trabalha numa pesquisa sobre estratégias de comunicação em saúde, para dar su-porte às ações de controle da tuberculose no Centro Histórico de Salvador. O projeto prevê a criação de mapas para visualizar, acessar e compartilhar facilmente as informações sobre os recursos de saúde, disponíveis e modificáveis por todos os usu-ários e profissionais da saúde dessa comunidade. A professora afirma que “o mapeamento interativo e colaborativo pode contribuir para a criação de redes de informação e comunicação que podem

DO PERGAMINHOAO SMARTPHONE!

Texto Camila Giuliani e Fernanda Soares

Você não tem mais motivo para se perder!

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auxiliar no planejamento e na tomada de decisões, no que se refere às ações educativas e comunicati-vas no controle da tuberculose”._ Em Fortaleza, foi criado o “mapa dos bura-cos”, a partir de uma manifestação iniciada por twitteiros que convidaram pessoas a contribuir com indicações de pontos na cidade em que havia buracos. Com a mobilização via internet, jornais de grande circulação no estado e a maior emissora de TV do Ceará publicaram notícias a respeito do problema. Depois disso, a Prefeitura de Fortaleza decretou uma operação tapa-buracos em caráter emergencial.

Sorria: você está sendo vigiado!

_ Apesar de tantas funcionalidades, nem tudo são flores. Os mapas online, além de ajudar as pessoas a encontrar lugares que procuram e a apropriar-se de um determinado espaço com valor sentimental, também possibilitam o monitoramento dos indiví-duos. A ferramenta Google Latitude (www.google.com/latitude) oferece às pessoas a capacidade de “se encontrar no espaço”. Com GPS no celular, notebook ou até mesmo digitando o endereço de

“Quando viajo, sempre uso o Google Maps, nem que seja para saber como chegar do aeroporto ao hotel”. (Breno Fernandes)

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“Os mapas estão sempre no limite do controle do território ou da paranóia da vigilância” (André Lemos)

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Mapas digitais em telefones

Se você tiver um celular com internet e GPS, poderá acessar mapas pelo portátil.

Para usar o aplicativo, basta entrar no ende-reço www.maps.google.com pelo navegador HTML do próprio celular. Além de acessar sua localização no mapa e as direções para chegar a um determinado endereço, você terá informações sobre o trânsito e muito mais.

Para aqueles que querem mais proximidade com o Google Maps do computador, é só baixar no celular o programa Google Mobile. Além das funções da versão tradicional do serviço, o aplicativo fornece mapas com-pletos, visualização de satélite e animações que movimentam o mapa para a direção desejada.

“Os mapas colabora-tivos são um espelho da nossa atual rela-ção com o espaço”. (Leonardo Branco)

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Como assim?

Mapas colaborativos? São mapas acessados via internet, em que qualquer usuário pode acrescentar conteúdo.Twitteiros? Integrantes de uma rede social na web denominada Twitter. Wikicrimes e Citix? São softwares que permitem o acesso e o registro de ocorrências criminais no com-putador diretamente em um mapa digitalizado.

A evolução dos mapas

•Início da cartografia moderna•Século das Grandes Navegações•Mapas como sinônimo de poder •Acesso restrito ao clero e à nobreza•Poucos chegavam à proximidade com o real

Século XV•Mapas com coordenadas definidas •São relacionados à expansão da geografia como disciplina

Século XIX

•Busca pela perfeição das dimensões e distâncias dos territórios•Deformações de caráter político

Século XX•Imagens de satélite, georreferen-ciados•Acesso via internet•Interativos, possibilidade de inserir conteúdos

Século XXI

onde está, as pessoas que participam da sua rede de relacionamentos podem saber o local exato em que você se encontra. _ Existem ainda os mapas de crimes, hos-pedados no Wikicrimes (www.wikicrimes.org) e no Citix (www.citix.terra.com.br), onde as pessoas de uma determinada cidade ou região registram os pontos onde presenciaram assaltos, roubos, entre outros crimes.

_ Para Leonardo Branco, geógrafo e mestrando em Comunicação e Cultura na UFBA, essas redes, chamadas georrefe-renciadas, podem servir de prestação de serviço à sociedade. Branco acredita que “os mapas colaborativos são a expressão, um espelho da nossa atual relação com o espaço”. André Lemos, professor da Faculdade de Comunicação da UFBA e pesquisador em cibercultura, acredita também que “mapas colaborativos que possam trazer visibilidade para algo que passa desapercebido são uma dimensão cidadã interessante”. No entanto, acredi-ta que os mapas trazem “uma espécie de paranoia sobre a vigilância e a segurança que faz com que cada um gere um olhar de desconfiança sobre o espaço”._ Lemos afirma que os mapas estão sempre no limite do controle do território e surgem para fazer com que as pessoas mantenham olhar vigilante sobre tudo. “Por um lado pode ser interessante, mas, por outro lado, ele traz essa insegurança generalizada ou esse estado de visibilidade generalizada que também pode ser um pouco constrangedor”, explica.

Crie o seu!

_ Qualquer pessoa hoje pode mapear, por exemplo, as sorveterias de uma cidade ou os bares de que mais gosta. O usuário pode também escolher se irá comparti-lhar esses dados com outros usuários ou guardar para uso pessoal._ No Google Maps, ao acessar sua conta, pode-se acessar os mapas pessoais. Os endereços solicitados no site também são armazenados na memória do sistema, caso o usuário queira acessá-los novamen-te. Para criar um mapa pessoal, basta ter uma conta de e-mail do Google (www.google.com), acessar o site e selecionar a opção “criar um mapa”. Além de criar o próprio mapa, há também a opção de incluir informações em outros mapas públicos, o que gera a interação que faz o sucesso do dispositivo.

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almente, ele as divulga para o restante da comunidade.

Desvendando Beatriz Salermo

_ Em meio a um evento sobre comuni-cação e tecnologia, uma jovem sentada na plateia pede o microfone para fazer perguntas ao palestrante. Diz chamar-se Beatriz, e, sob olhares perplexos das pessoas em volta, começa a falar da necessidade de ajuda para uma inves-tigação sobre uma suposta Fórmula do Conhecimento. Irritada por não conse-guir apoio, levanta-se e sai do auditório_ Esse incidente foi o marco inicial do primeiro ARG completamente realizado no Nordeste, Fórmula do Conhecimento. Segundo Luiz Adolfo Andrade, rotei-rista do jogo, a importância dessa inves-tida, além do pioneirismo, foi conseguir formar um público que provavelmente participará de outros ARGs. “Ser o responsável pelo primeiro ARG enrai-zado no Nordeste me dá um orgulho enorme”, afirma Luiz.

real como plataforma de jogo”. Além disso, sua principal característica é a de misturar ficção com realidade, “progre-dindo através de enigmas resolvidos em comunidade”. No entanto, segundo ele, por se tratar de um gênero novo, não se pode tomar nenhuma definição como regra. _ Ao contrário de outros tipos de jogos, os Alternate Reality Games propiciam um aumento da interação entre os joga-dores. É necessário não apenas o con-tato online, através de redes sociais na internet, mas também na rua, formando uma espécie de equipe de trabalho. _ Em geral, os próprios jogadores criam comunidades no Orkut para, assim, poderem trocar informações sobre o desenrolar do jogo. Quando algum site relacionado à narrativa é descober-to, ou um código decifrado, todos os participantes ficam sabendo através de um novo tópico de discussão criado. Da mesma forma, no momento em que algum jogador recebe informações dos personagens por telefone, ou até pesso-

_ Sol quente, bela vista para o Porto da Barra. Saindo do Forte São Diogo, um grupo de pessoas começa a chamar a atenção. Repentinamente, uma garota pula em cima de um rapaz, buscando tirar algo de suas mãos. Em seguida, tentam segurá-la para, depois, levá-la a um posto policial. Ali, ela é presa._ Para aqueles que estão em volta, tudo parece apenas um incidente estranho. Para os envolvidos, trata-se de um ARG – sigla para Alternate Reality Game –, um jogo baseado na mistura de elemen-tos reais com uma trama fictícia.

This is a game

_ Desconhecidos ainda até pelos mais afoitos a novidades, os Alternate Reality Games representam um segmento diferenciado de entretenimento. Para André Sirangelo, roteirista de ARGs, como o Zona Incerta, esse tipo de jogo se desenvolve a partir de “narrativas interativas que tomam forma em todas as mídias possíveis e usam o mundo

Texto Hanna Nolasco e Leonardo Pastor | Foto Vanessa Ramos e Rafael Martins

No meio do caminho entre ficção e realidade, surge um novo tipo de entretenimento que pretende revolucionar a forma como vemos os jogos

Os atores Alice Cunha (personagem Érika Vegas), Felipe Benevides (Jairo Jordão) e Maria Bela (Beatriz Salermo): atores personagens de ARG.

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_ O enredo do jogo girava em torno da história de Beatriz Salermo, uma garota que veio do Rio de Janeiro para Salva-dor devido ao desaparecimento de seu tio-avô Hélio. Ele desenvolvia a Fórmula do Conhecimento, projeto importante que era visado por pessoas gananciosas. A função dos jogadores, portanto, seria ajudar Beatriz a encontrar a fórmula, escondida por seu tio-avô, e impedir que ela caísse em mãos erradas._ As discussões sobre os enigmas ocorriam na comunidade do Orkut Desvendando Beatriz Salermo, que acabou por se tornar um segundo nome para o ARG. Aconteceram também alguns momentos de live-action – nome dado às “missões” na rua: no Campo Grande, na Biblioteca Central da UFBA e no Porto da Barra. Em alguns desses locais os atores se encontravam com os jogadores, a fim de dar informações e colaborar com a busca. No primeiro deles, por exemplo, depararam-se logo com Beatriz. Enquanto conversavam, um telefone público próximo começou a tocar. Era Jairo Jordão, ex-ajudante do professor Hélio. “Vá ao local da placa em latim e encontre um bilhete e três números”, disse, calmamente. Em gru-po, os jogadores seguiram em busca do tal bilhete. Foram encontrá-lo no Forte de São Pedro. Nele, havia poucas pala-vras e números escritos. Mais um código que, posteriormente, seria decifrado na comunidade.

Realidade ou ficção?

_ O ponto forte do jogo, de fato, está na capacidade de criar uma tensão entre o real e o que é próprio da ficção. Os jogadores, aliás, cobram essa quebra de fronteiras. Para Ari Cabral, publicitá-

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“Não se pode ficar treinando pessoas a ignorar a realidade” (Ilka Bichara)

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rio, 31 anos, “um ARG deve ser exato na medida da mistura entre o ficcional e o real”. _ Para estimular o clima contínuo de veracidade, criou-se uma espécie de pacto silencioso, chamado de TINAG – This Is Not a Game. Por mais que se saiba da natureza ficcional de um certo enredo de ARG, tenta-se fazê-lo sempre como se fosse real. Ou seja, apesar de a maioria saber se tratar de um jogo, não se diz explicitamente que aquilo é na verdade uma narrativa de game. _ Em diversos momentos, claro, a tensão entre jogo e realidade é grande. Rafael de Oliveira, 23 anos, conheci-do na internet por Moskito, e hoje um autodenominado viciado em ARGs, já passou por experiências de confusão entre mundo real e ficcional. Em um dos primeiros jogos que participou, o Obsessão Compulsiva, assustou-se quando passou a receber telefonemas ameaçadores de personagens e, por e-mail, fotos de pessoas torturadas. Para piorar, apaixonou-se por uma das jogadoras e, quando o vilão do game ameaçou matá-la, quase enlouqueceu. “Mas foi tudo uma questão de respi-rar, botar os pés no chão e continuar”, justifica. _ A experiência de lidar com esse tipo de jogo é muitas vezes perturbadora. “Quando uma pessoa não consegue distinguir a ficção da realidade, ela tem alguma patologia, uma alucinação”, diz Ilka Bichara, coordenadora do Progra-ma de Pós-Graduação em Psicologia da UFBA. Há uma linha tênue separando o campo da fantasia e da realidade nas brincadeiras. “É preciso ter um certo cuidado. Não se pode ficar treinando pessoas a ignorar a realidade”, explica Ilka._ O que pode gerar uma preocupação

maior não é o fato da mistura entre realidade e ficção, mas o vício. “Às vezes a pessoa tem a noção de que aqui-lo é apenas um jogo, mas como ela não tem outros atrativos, fica só nisso”, diz Fabrício de Souza, professor de psicologia da UFBA, que atualmente pesquisa a interação humana em termos lúdicos, a partir de mídias digitais. O perigo aparece quan-do o jogo atrapalha as atividades rotineiras do indivíduo. É o caso de Rafael, citado acima, quando diz ser viciado em ARGs. “Passo horas

e horas da madrugada em chats com outros jogadores ou procurando pistas pela net”, admite. Os dois psicólogos, no entanto, concordam que jogar é ati-vidade cultural e toda prática cultural é exercício humano._ Os jogadores confirmam: “Realizei muitos contatos na internet, conheci pessoas realmente incríveis”, diz Tácio Lobo, 19 anos, já experiente em parti-cipar de ARGs. Em sua visão, um dos lados mais positivos é o dos live-action. Eles são, para Tácio, o que há de mais interessante nesse tipo de jogo. Já Ari Cabral diz que o ponto forte está, na verdade, na chance de “compartilhar experiências, habilidades e capacida-des”. Para ele, “a interação é a base de um bom ARG”._ No entanto, não faltam críticas aos ARGs recentes. “Eu achava fake demais, muito fora da Bahia, do Brasil. Depois fui vendo que poderia lapidar um pouco as coisas”, admitiu o ator Felipe Benevides sobre o ARG Fórmula do Conhecimento. Alguns jogadores, inclusive, pensam de forma semelhante. “Aprendi muito sobre códigos, mas acho que eles deveriam apostar mais na his-tória”, disse Ari Cabral. Já a atriz Alice Cunha apontou a similaridade entre este roteiro e os demais a que ela teve acesso como um problema: “Os outros ARGs eram bem parecidos”. _ Semelhantes ou não, eles crescem cada vez mais no Brasil. Tornam-se um vício para alguns e causam estranha-mento em outros. Mas se, por acaso, você se envolver com um possível ARG, lembre-se: isso não é um jogo.

Fabrício Souza, psicólogo.

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Entrevista a Alex Oliveira e Roberto Martins | Foto Talitha Andrade

_ Alexandre Casali faz teatro desde os onze anos de idade. Entrou na faculdade de teatro em 1996, ao mesmo tempo em que estava passando por um trabalho de autoconhecimento, que o levou a trancar a faculdade durante um ano. Foi morar no Vale do Capão para se dedicar a leituras e tentar descobrir aquilo que realmente o faria despertar como ser humano. Começou a dar aula para crianças, descobrindo, dessa forma, a verdade cínica delas. Em 1998, decidiu retornar para Salvador no intuito de continuar os estudos. Começou a fazer performances em festas e eventos, como a Bienal da UNE. Foi quando reencontrou Eric Steffen na faculdade de teatro, que o convidou para fazer um trabalho de clown. Ficou com um pouco de medo de ser relacionado à arte do palhaço, mas depois compreendeu a lógica do clown como um palhaço do teatro e resolveu abraçar a ideia. Antes ele era um ator que tinha um clown. Hoje, é um palhaço que tem um ator.

No clown ocorre a mistura entre o cô-mico e o trágico. Qual é a importância dessa arte no mundo contemporâneo?Alexandre Casali - Todos nós somos educados para sermos vencedores e o palhaço é o perdedor. Só que ele é um perdedor feliz! Quando a gente vai ver um palhaço se apresentando, nós vamos ver uma pessoa que está errando, que está sendo estúpida, mas, em vez de esconder isso, como normalmente fazemos, o palhaço está oferecendo isso para o circo ou para o teatro inteiro. Quem sabe as pessoas que vão rir do palhaço não poderiam parar e rir de si mesmas? É assim que os palhaços en-frentam as grandes catástrofes. A gente escuta muito na escola que o importante não é vencer, e sim competir. Eu fui des-cobrindo que isso é um grande veneno. O palhaço traz a lição de que o importante não é competir, é não se levar a sério, é rir de si. Se você encontra um palhaço e, na interação com ele, pretende ganhar, isso é um prato cheio para um palhaço

que só quer perder. É em cima da minha própria derrota e da sua esperteza que eu vou tirar a minha piada.

Existem dois tipos clássicos de clown: o branco e o augusto. Em qual desses dois você se encaixa?AC - O palhaço de cara branca é elegan-te, representa a inteligência e a beleza. Não se irrita com o palhaço parceiro, está sempre tentando conduzir a cena. Já o augusto representa os idiotas, os que perdem e fazem o papel de bobo. Quando não existe o cara branca e existem dois palhaços, os dois são pas-palhos. E isso está inserido em vários contextos, como o Gordo e o Magro, no cinema. Por isso eu acredito que sou um pouco dos dois em cena. Mas existem vários outros tipos de palhaços, como o excêntrico e o vagabundo, no caso do Chaplin.

O clown pode ter um lado cômico mais crítico em relação aos problemas

Alexandre Casali revela o palhaço interior

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O MUNDOPRECISA DE PALHAÇOS

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atuais ou o descomprometimento gera um riso mais solto do público?AC - Eu acho os dois benéficos. Há pouco tempo tive contato com o Yoga Taoísta, através de um mestre chamado Tathya. Eles se curam há oito mil anos com o riso. Eu não discrimino o riso banal, a piada vazia que faz você rir por uma bobagem, assim como eu acho genial quando você consegue trazer uma dramaturgia, um mote contemporâneo para trazer uma piada de reflexão. Tem gente que busca só uma, ou só outra. Eu trabalho as duas. Piadas, às vezes, são cruéis, mas de qualquer forma você vai rir daquilo.

Num espetáculo em um espaço aber-to, como no Museu de Arte Moderna da Bahia, o MAM, como funciona lidar com um público mais eufórico durante a apresentação? AC - O estilo que eu faço é um pouco diferente do que se faz aqui, é um estilo mais universal que junta a arte do palhaço, a arte de rua, a improvisação e o circo. Na rua é onde eu me reali-zo, porque estou brincando com Deus, brincando com o universo. É claro que hoje eu tenho um feeling para cer-tas pessoas que entram, eu dou certo espaço, e muitas vezes querem tomar o espetáculo, aí o espetáculo vai embora e não se sustenta. Mas, em geral, eu estou sempre interagindo e até ten-tando transformar essas relações mais difíceis. No MAM, por exemplo, sempre aparece um rapaz, que, por conta de um pouquinho de atenção que eu dou pra ele, termina querendo chupar essa ener-gia de comunhão que já foi estabelecida com o público. Pra mim o espetáculo é interativo, até porque a minha intenção é mostrar que o artista pode ser qual-quer um e que ali é mais um ensaio para o artista que tem dentro das pessoas.

Por que o MAM? AC - As pessoas não estão acostumadas a pagar o artista de rua. Aqui no Brasil, você passa o chapéu e as pessoas lhe vinculam a uma espécie de mendigo. Eu particularmente fui apresentar no MAM pelo público que eu vi ali. Interessava-me esse público mais culto, que busca uma arte requintada. Eu trago tam-bém a arte de rua, que não é o palhaço banal, então é também uma forma de divulgar esse trabalho diferente. Ali dá um chapéu “básico”. A gente não é re-munerado, então tem que ser um lugar que valha a pena trabalhar, porque vive-mos disso, não é só um hobby. Eu faço questão de não fazer outra coisa para ter que utilizar a minha criatividade. Estou abrindo aquele espaço no MAM, trazendo outras pessoas que estão exer-

citando esse trabalho, exatamente para pegar esse público. Aquele espaço ajuda a amadurecer a lógica do palhaço. A gente começa a fazer o palhaço trazen-do uma lógica um pouco infantil, muito vinculada à criança, mas é interessante exercitar com um público mais adulto, porque somos forçados a trazer outro tipo de piada.

Carlitos é o clown de Chaplin, pessoal e único, mesmo se desempenha o papel de O grande ditador, do vaga-bundo em O Garoto ou do operário em Tempos Modernos. Como o clown pode enriquecer o cinema?AC - O que acontece ali com Carlitos, que eu gosto de chamar de vagabundo, remete à tradição do palhaço, porque muitos palhaços eram vagabundos. Ele fez durante anos o mesmo personagem, algo que é antológico no teatro. Eu acredito que a personalidade é um tipo de personagem que ensina a gente a ser o que a gente quer. Depois a gente começa a defender esse personagem e vai acoplando certas coisas. Eu acho genial o trabalho de Chaplin por isso, ele manteve anos fazendo o mesmo personagem, que ele luta para conser-var até a despedida no filme O Grande Ditador, que é o momento em que o obrigam a falar. Hoje em dia, o ator praticante aborta os seus personagens.

Criamos um personagem três, quatro vezes e passamos um ano em cartaz, depois nos dedicamos a outra coisa. Tem dez anos que eu faço o mesmo palhaço, o Biancorino, que apresento no MAM. Trazer o clown para o cinema é necessá-rio para pregar isso para o teatro. Com essa moda fast-food, as coisas tendem a serem muito rápidas.

Somos todos um pouco palhaços?AC - Numa questão mais pejorativa, somos de fato palhaços, porque estamos sempre sendo subjugados pelo nosso próprio poder de decisão. Ao mesmo tempo, essa questão é mais profunda. Eu tenho trinta e um anos e durante todo esse tempo sou Alexandre. Com o Biancorino, fui descobrindo que Alexandre é um personagem. Temos máscaras pra certas situações, atuamos de certas formas. No sentido do clown, consigo ver em todo mundo um palhaço, uma vulnerabilidade, uma impotência. A educação, os código morais, éticos e es-téticos foram fazendo com que fôssemos polidos. Temos saliências, e a sociedade vem através da escola e corta-as, e ficamos como uma bola. Considero o palhaço como um ouriço. Não tem nada pior na sociedade do que um palhaço, nada mais inútil. Por isso ele ganha a liberdade de ser o que é e pode dizer a verdade.

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Texto Carlene Fontoura e Joseanne Guedes

_ Na construção de sua ”estética da fome”, Glauber Rocha fez parecer fácil produzir cinema na Bahia: ”câmera na mão, ideia na cabeça”. Contudo, os cine-astas baianos enfrentam muitos percal-ços antes e depois do famoso “câmera, ação!”. Alguns apostam nas suas ideias com poucos recursos; outros preferem dobrar os investimentos para produzir algo mais complexo. _ “De altíssima qualidade técnica e estética e um potencial de crescimen-to enorme”. É assim que o cineasta, produtor, roteirista e sócio da DocDoma Filmes, Lula Oliveira, descreve a atual produção fílmica na Bahia. Assim como a DocDoma Filmes, outras produtoras como a Truque Produtora de Cinema e a Araçá Azul têm crescido no cenário baiano, com o papel de apoiar e incentivar os novos cineastas. A atuação destas e de outras produtoras transparece no crescente número de curtas e longas-metragens realizados nos últimos anos. Nomes como Paulo Alcântara, João Rodrigo Mat-tos, Cláudio Marques, Marília Hughes, Cecília Amado e veteranos como Edgard Navarro, Adler Paz, Moacyr Gramacho, Geraldo Sarno, Sérgio Machado, Pola Ribeiro, dentre outros, têm contribuído para o desenvolvimento da produção cinematográfica baiana. Esta diversidade de profissionais possibilita a execução de filmes com diferentes abordagens, abrin-do espaço para o diálogo com diversos setores da sociedade.

Calcanhar de Aquiles

_ Apesar da vasta produção de filmes na Bahia, algumas dificuldades persistem. Na opinião de Cláudia Reis, produtora do longa Capitães da Areia, o problema maior se encontra na mão de obra local: “Aqui na Bahia não tem um aprendizado, muitos não sabem nem o que seja uma produção cinematográfica e já partem para dirigir”. Além disso, a pouca verba destinada ao setor audiovisual ainda preocupa, impedindo que alguns projetos sejam concluídos no tempo esperado ou realizados como estavam previstos. “A dificuldade para a produção é sempre o fato de conseguirmos menos dinheiro do que precisamos e termos que abrir mão de algumas coisas”, afirma Sylvia Abreu, responsável pela Truque Produtora de Cinema. Foram precisos dois anos para o cineasta Edgar Navarro finalizar o longa Eu me lembro, por causa da falta de verba. Mesmo tendo passado por essa experiência desgastante, a atual produ-ção fílmica na Bahia é vista por ele com otimismo e esperança, tanto que ainda arranjou forças para produzir seu recente filme, O homem que não dormia._ Mas, o grande desafio para os cineastas baianos encontra-se na distribuição, an-tigo problema enfrentado em todo o país. Há muitas desigualdades na competição entre o cinema considerado independen-te, que geralmente é realizado longe dos grandes centros, e aqueles cujos orçamen-

tos são superiores e que estão atrelados a intensas campanhas publicitárias. Segundo Sylvia Abreu, “a distribuição de filmes é o calcanhar de Aquiles do cinema independente”.

O Estado interpretando seu papel

_ Mesmo com a participação de órgãos como a Bahia Film Commission, a Direto-ria de Artes Visuais e Multimeios (Dimas), Secretaria de Cultura do Estado Bahia (Secult) e o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb), que incenti-vam a produção fílmica baiana, os investi-mentos estatais ainda não são o bastante para retirar as personagens do papel. _ Cláudia Reis demonstra indignação: “Olha, essa parte eu prefiro não comen-tar. Na verdade, ainda acho que fica bas-tante a desejar”. João Rodrigo Mattos, diretor do longa “Trampolim do Forte”, também critica a atuação do Estado afir-mando que “os investimentos ainda não são suficientes para atender as demandas nem dos antigos, quem dirá dos novos cineastas, que já não são poucos”. _ De acordo com Adler Paz, diretor do curta Cães, existe até esforço e boa vontade do governo baiano em querer distribuir os investimentos da forma mais democrática possível, mas “o orçamento para a cultura ainda pode ser considerado muito baixo”. Na opinião de Lula Oliveira, o governo do Estado tem desenvolvido po-líticas de fomento à produção, através dos

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Projetos

Em parceria com o Ministério da Cultura, o “Projeto Lanterninha - arte e educação em movimento” exibe filmes brasileiros para alunos do ensino médio de nove escolas públicas de Salvador, através da criação de cineclubes, além de re-alizar oficinas e concursos de redação ao final do ano letivo. Os quatro melhores textos viram roteiros de vídeos. www.projetolanterninha.com.br

Uma importante iniciativa para a preservação do acervo audiovisual baiano é o Projeto de Mapeamento da Filmografia Baiana, idealizado pelas pesquisadoras Laura Bezerra, Izabel de Fátima Cruz Melo e Marta Cabral. O site Filmografia Baiana foi criado para a divulgação deste projeto, que contou com financiamento de R$ 26 mil do Fundo de Cultura do Governo do Estado. De acordo com a equi-pe, uma das maiores utilidades do banco de dados do cinema baiano é a identifi-cação e o resgate de obras que estão em risco de desaparecer devido ao precário estado de conservação. www.filmografiabaiana.com.br

Redenção (1959) - Roberto Pires O primeiro longa-metragem produzido na Bahia por uma equipe de cineastas baia-nos, o filme Redenção, completou 50 anos de sua exibição inaugural em 2009. Mas o filme continua ameaçado de extinção, por falta de recursos para a recuperação.

Barravento (1962)- Glauber RochaFoi o primeiro longa-metragem dirigido por Glauber Rocha. Bar-ravento é o momento de violência, quando as coisas de terra e mar se transformam resultando em súbitas mudanças.

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) – Glauber RochaConsiderado o marco do Cinema Novo, foi indicado à Palma de Ouro, prêmio de maior prestígio do Festival de Cannes (1964), Prêmio no Festival de Cinema Livre da Itália e Prêmio da Crítica no Festival Internacional de Cinema de Acapulco.

Meteorango Kid (1969) - André Luiz OliveiraEntrou para a história como um dos principais filmes marginais do cinema brasileiro e ganhou o prêmio do público no Festival de Brasília.

Superoutro (1989) – Edgard Navarro Melhor Média-Metragem no Festival de Gramado 1989. Melhor Direção no Festival de Gramado 1989. Prêmio Especial do Júri no Festival de Gramado 1989.

Eu me lembro (2006) – Edgard Navarro Ganhou 7 Troféus Candango no Festival de Brasília e foi exibido fora de com-petição na mostra Première Brasil, no Festival do Rio 2006.

O Guarani (2008) – Marília Hughes e Cláudio MarquesDocumentário vencedor, dentre outros prêmios, do Grande Prêmio Festival do Júri Popular 2009.

editais do Fundo de Cultura e de políticas de desenvolvimento do setor cinemato-gráfico, como o projeto de construção da Rede de Audiovisual da Bahia.

Filme ba(h)iano?

_ De acordo com os critérios internacio-nais utilizados para a definição de loca-lidade, para ser reconhecido como filme baiano é preciso que a produtora (em-presa) ou o produtor (pessoa física) seja estabelecido no estado, e não o diretor. O cineasta Edgar Navarro acredita que “um filme pode ser considerado bahiano (ele prefere escrever com h) quando, além de ser rodado na Bahia, a maior parte dos integrantes da equipe e do elenco envolvidos na produção são nascidos ou radicados no estado”. Opinião parecida tem o cineasta Paulo Alcântara, diretor

do filme “Estranhos” ao defender que filme baiano é aquele produzido por uma produtora baseada na Bahia, que pague impostos no estado e seja registrado com o Certificado de Produto Brasileiro (CPB) como sendo baiano. _ Para João Rodrigo, essa questão deve ser vista por um outro ângulo, afirmando que “o que temos que fazer é cinema brasileiro produzido na Bahia”, além de destacar que o cinema deve ter “um apelo universal, uma amplitude para dialogar em várias dimensões com os mais diversos públicos”. Adler Paz, ao preferir que seu filme “seja chamado de brasileiro mesmo”, considera esse tipo de debate pouco produtivo. Essa discussão parece estar longe do fim, mas a divergência de opiniões contribui para um debate mais maduro e consciente acerca da identidade do filme baiano.

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Os cineastas João Rodrigo Mattos (1), Paulo Alcântara (2), Moacyr Gramacho (3) e Edgard Navarro (4).

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Texto Eron Rezende e Rafael Valois

da guerra fria ao hypeA trajetória da máquina fotográfica russa que saiu das barbas de um general e virou fenômeno moderno.

_ O ano é 1991. Dois estudantes austrí-acos decidem passar o verão em Praga. Três horas de viagem e alguns roteiros traçados. Desembarcam, rumam para o hotel e abrem as malas. Resultado: desco-brem que haviam esquecido as máquinas fotográficas em casa. Desesperados, correm até o cubículo mais próximo para comprar algo capaz de registrar as férias. Devido ao preço em conta e ao tamanho reduzido, levam duas máquinas russas._ Pode até parecer folclore, mas foi as-sim, através do encontro entre dois jovens austríacos e duas câmeras russas, que surgiu um dos fenômenos mais curiosos da cultura moderna. Explica-se: quando os dois estudantes retornaram a Viena e re-velaram os negativos das fotos, obtiveram algumas surpresas. Cores estouradas, bordas escuras, foco distorcido e uma série de efeitos não planejados. A máquina que haviam comprado era uma LC-A (Lomo Compact Automat), ou, simples-mente, uma Lomo. _ Entusiasmados com os efeitos obtidos nas fotos, os dois iniciaram um movi-mento de difusão. Rapidamente, jovens de Viena iam até Praga apenas para comprar a máquina. A coisa foi crescendo e, em 1993, uma Sociedade Lomográfica Internacional foi fundada: o entusiasmo pela máquina de design retrô e ar comu-nista havia alcançado as mais diversas partes do mundo.

Sociedade Lomográfica, ar comunista?

_ Como qualquer míssil russo, a Lomo tinha um RG bélico. Em plena Guerra Fria, o general Igor Petrowitsch, braço direito do ministro da Defesa da União Soviéti-ca, estava cansado de máquinas estrangeiras, quase espiãs, dentro do bloco comu-nista. Convocou, então, físicos, químicos, fotógrafos, e ordenou que planejassem uma máquina compacta, de fácil manejo, semelhante aos bem-sucedidos modelos japoneses e americanos, e que servisse para mostrar ao mundo, sobretudo aos EUA, que a União Soviética tinha máquina fotográfica própria. Surgia a Lomo._ Esse passado, por si só, já valeria algum tipo de culto. Mas a máquina acabou saindo melhor do que o esperado. A lente diferenciada e a alta capacidade em captar a luz fizeram da Lomo uma “máquina que pinta quadros”, como dispara o fotógrafo chileno Manuel Malbran, com seus três modelos de Lomo pendurados no pescoço. Segundo ele, que viaja com as câmeras russas pelos países da América Latina fotografando rituais folclóricos, a câmera “não só satura as cores, como proporciona uma nova atmosfera para a imagem”._ Esse misto de qualidades técnicas com um passado bélico é o que parece explicar a rápida legião de fãs que se formou em torno da máquina. Desde que os jovens austríacos colocaram a Lomo sob os holofotes ocidentais, o número de interessa-dos só fez aumentar. E aí veio o salto: a Sociedade Lomográfica saiu dos fundos de uma universidade para ganhar corpo como uma lucrativa empresa, bem aos moldes do sistema._ “Olha, no início me empolguei muito com a questão de uma sociedade internacio-nal de fotógrafos. Mas durou pouquíssimo, visto que eles são essencialmente uma empresa, com todo um marketing por trás”, é o que diz a fotógrafa pernambucana Renata Roberta, responsável por duas mostras com fotos tiradas por câmeras Lomo, a Recife Mostra Lomo (em Recife) e a Let’sLomo (em São Paulo). “Eles utilizam a internet para divulgar uma ‘filosofia Lomo’ e, quando você vê, já está

Cartaz original da Sociedade Lomográfica Internacional

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Tnão possuindo um movimento organizado, com festivais e saídas marcadas, a cidade já conta com suas Lomo”, conta a baiana Mariana David._ E mais: a máquina virou sinônimo de modernidade. “Na abertura da Let’s Lomo, as pessoas eram tão, mas tão descoladas, que me perguntei se eu estava cool o suficiente”, ilustra a pernambucana Renata, fazendo referência ao fato de que moderno agora é quem exibe uma câmera que ainda utiliza filmes de 35 ou 120 milímetros. “É curioso presenciar este encontro Lomo-moda-hype. Muita gente compra a máquina apenas pela onda, pelo modismo, para se mostrar antenado”, completa._ Mas o hype das Lomo parece ser bem recebido. No bojo do sucesso da máquina russa está um movimento de resgate da fotografia analógica, do desejo de pro-duzir uma “fotografia orgânica”, como define o Manuel Malbran.

Para saber mais sobre Lomos e

generais russos:

Site da Sociedade Lomográfica In-ternacional: www.lomography.com

no site da Sociedade comprando alguma coisa”. E, de fato, no site vende-se de tudo: Lomo, máquinas similares, álbuns, latinhas para filmes, livros, lentes e chaveiros. Em meio a frases da chamada “filosofia Lomo”, como “leve sua câmera para onde você for” e “não pense, apenas fotografe”, fica fácil gastar por volta de 300 dólares com alguns cliques. A so-ciedade possui hoje 500 mil cadastrados no site, mas a maioria apenas participa postando fotos. Os lucros das vendas, bem, esses ficam restritos ao grupo inicial de fundadores.

Filosofia ou não, é um (bem-vindo) hype

_ Pertencendo ou não à sociedade, rezan-do ou não na cartilha da “filosofia Lomo”, o fato é que o número de usuários da máquina russa só cresce. “Aqui em Sal-vador já é possível perceber isso. Mesmo

No rastro do sucesso da Lomo, veio a popularização de uma série de outras máquinas fotográficas similares, as Toy Cameras. O nome é uma referência ao material utilizado na fabricação, o plás-tico, que as deixa com ar de brinquedo. Produzindo efeitos semelhantes aos da Lomo, como saturação das cores e foca-gem pouco precisa, a Holga e a Diana, ambas de fabricação chinesa, são as mais famosas representantes das Toy Cameras.

Toy Cameras

a filosofia LoMoCriadas pela Sociedade Lomográfica Internacional (seja como forma de propaganda ou não), eis algumas das regras básicas para quem quer fotografar com a máquina russa:

1. Leva a sua Lomo para onde for.2. Fotografe a qualquer hora do dia ou da noite.3. A Lomografia não interfere na sua vida, ela é parte dela.4. Não pense, apenas fotografe.5. Seja rápido.6. Não se preocupe com regras.

_ ”Sim, é saudável essa intensa procura pelas Lomo, tem muita gente desenvol-vendo trabalhos inventivos e relevantes na fotografia analógica, pouco se importan-do se é coisa da moda ou não”, concorda Renata. Nesse caso, a Lomo parece servir menos aos seguidores de tendências e mais aos interessados em produzir algo diferenciado e distante dos megapixels e telas de LCD. “O mais importante, a meu ver, é perceber que aquilo que a Lomo oferece é a própria linguagem da fotografia analógica, que é riquíssima em possibilidades”, finaliza a fotógrafa pernambucana._ Artefato ideológico comunista, objeto lucrativo na mão de uma sociedade inter-nacional, símbolo do resgate da fotografia analógica. Seja como for, a Lomo, com seu desenho quadrado e falando russo, já tem uma biografia capaz de provocar inveja à mais curvilínea e luminosa das máquinas fotográficas.

LOMO: 25 anos

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O que escapa

_ Dez minutos depois de expresso, o dita-do popular ainda lhe incomodava: “Mer-da, que merda que eu falei”. Foi antes da palestra, na mesa dos lanches, quando Léo tentava separar um copo plástico do outro e o sujeito ao lado apanhava uma uva. Como conseguiu apenas rasgar mais a embalagem dos copos, Léo se sentiu obrigado a elevar-se diante do outro com uma frase original. Mas não, veio um dita-do, daqueles que tias, diretoras e ninguém mais têm coragem de dizer. O sujeito suspendeu as sobrancelhas e respondeu: “Pois é”. Pegou, então, dois pãezinhos e se sentou do outro lado. Léo seguiu para uma cadeira logo perto, com os dedos na testa e o pensamento obsessivo. Só o afastou quase ao fim da palestra, no mo-mento em que decidiu ainda se redimir, ou seja, conversar até soltar uma frase tão sublime que suprimisse a outra. Cumpriu o princípio na porta do auditório, num diá-logo casual. O sujeito acatou e foi falando e ouvindo, mais ouvindo, um amontoado de mensagens até o ponto de ônibus. Mas mesmo assim Léo não disse nada que fosse para cima o que ele proporcional-mente havia feito para baixo. Precisou pedir contato. Ligou, bateu papo. Nada.

Chamou para sair, bebeu até às duas e o viu dançar e sumir com uma amiga às três. O sujeito não era muito agradável, falava de assuntos que nunca casavam com o ambiente e sempre tendo em si um sorriso com ar de deboche. Mas presen-ciara um instante de fraqueza intelectual e isto precisava ser superado. Na segunda vez que saíram, Léo descreveu a trajetória de toda a filosofia em uma hora e contou curiosidades sobre o Egito Antigo. O sujeito não se envolveu, ou pelo menos não apresentou a comoção necessária. Na ter-ceira, na mesa de um boteco, Léo já havia esgotado os assuntos. Ficou brincando com os palitos da porção de batata fritas, enquanto esperava na memória uma expressão construtiva e do garçom, uma cerveja. Passados sete minutos, nenhuma das duas veio. Comentou com o sujeito sobre a cerveja, que deu de ombros. Passados mais cinco, Léo suspendeu os braços e reclamou com todos aqueles que estavam no balcão. O sujeito, com a boca entreaberta, provavelmente pensando em outro lugar ou outra vida, proferiu baixi-nho: “A quem sabe esperar o tempo abre as portas”. Somente distração, mas uma frase não pode em circunstância nenhuma

Saulo M. Dourado (Estudante de Filosofia - UFBA)

ser perdoada. Léo se virou devagar e sor-riu, imenso, para logo responder: “Toma a minha metade da conta”. Saiu em alguns passos, olhou para o relógio do celular, notou que ainda era cedo e se encaminhou para a casa da prima, uns minutos dali. “Se eu não me redimo”, pensou ele na calçada, “pelo menos ninguém faz nada melhor”. E parou: “Opa, acho que inven-tei um ditado”. Dedicou o resto dos dias para popularizá-lo.

Ilustração Salvador Ferrea

Quem não arriscanão publicaTextos selecionados no Concurso de Criação Literária da Lupa, com o tema Ditados Populares

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_ E como quem tem boca não manda assoprar, Maria Preá com seu bocão de megafone, soltava seu verbo até que a família do pinguço, exausta de bater boca e com vergonha, jogava a toalha, concordando em pagar a dívida._ Pois é! Com a Maria Preá a rapadura é doce mas não mole não! E água mole em pedra dura tanto bate até que fura!_ Dívida no boteco de dona desgraça-dona é sagrada, e ai daquele que não pagar! A vingança vem a galope, porque com ela, aqui se faz aqui se paga! E o galope de Maria Preá é em cima dos tamancos, acompanhado dos requebros nervosos de seu pandeiro.

Reinaldo de Souza Oliveira (Estudante de Letras Vernáculas - UFBA)

Maria Preá, a dona do Boteco Quente

_ A nêga virada no estopor, o miserê de calçolão, quando subiu nas tamancas o tempo fechava! E com ela era assim, a conta dos mortos quem faz são os vivos.Maria Preá fazia a conta e mandava para casa do falecido com o seguin-te recado: “farinha pouca meu pirão primeiro”. Não adiantava a família reclamar, porque se chiar resolvesse, sal de fruta não morria afogado! A desgra-çadona de fogo nas ventas e “sangue no olho” marcava em cima! Era todo santo dia na porta do defunto armando seu quiproquó (confusão), desfilando seu ar-senal de palavrões e pragas. A baixaria se dava dia e noite, e a família do filho de uma ronca e fuça (porca), ouvia o trovejar da voz de Maria Preá cobrando a dívida como se fosse a trombeta do apocalipse.

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O Entre línguasLeonardo Pastor

_ Sentia muito prazer. Pele quente, várias línguas a lambê-la. Deliciava-se, inteiramente, com diversos corpos em redor, acariciando-a, deixando-a feliz; muito feliz. – Aqui, Tom. – Isso... – Eric, venha cá. – Fred, ai, que gostoso.Seria imoral para uma velha? Sim, uma velha e seus doze gatos.

Foi elaAlex Oliveira

_foi ela,ela mesmo.Ela veio dessa forma:devaneia,sem gentilezas,nua,com a pureza da alma.Ela é transgressora,e fiel com as ideias.É tão cômico, percebe-me assim:pasmo!Hoje em dia ela é meu presente,me enche,PREENCHE,trans-bor-da,mantendo-me no nível certo para fazer com que eu sejaequilibrado.E na minha forma de ver:anômalo aos seres fiéis as normas implan-tadas.Hoje a poesia me chama pelo nome.

A linguagem é um vírus. W. Burroughs

Pensamentos privadosYuri Soares

_ Chega. Abaixa. Senta. Limpa. Levanta. Sai. Todo dia é a mesma cena. No início era aquela maravilha, tudo novo. As merdas a gente relevava. Mas com o passar dos anos eu paro e penso “Meu Deus! Olha o que eu me tornei!”. Hoje em dia não tem carinho, é tudo com pressa, com stress. Às vezes parece que eu sou o fardo e não o alívio. E ainda tem aqueles dias, depois de feijoadas e batatas doces, ele fica impossível. De vez em quando penso que ele não se importa comigo, que ele só me usa. Assim não tem quem agüente. Merda de vida.

Ilustração Valnei Goes

SerAlbano Moura

_ O ser é um seio feminino. O ser vem do leite do menino. O ser tão pequenino e sem jeito. O ser é o fino bico do peito.

ser.ser usar.ser ousar.ser pensar.ser como se ésem parecer.ser para ser.ser por ser.ser ser.ser.

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“Ela esperando ele”

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