Revista facientifica digital

128
Dezembro 2013

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A revista tem um caráter multi trans disciplinar, visa difundir as pesquisas realizadas dentro e fora da Faculdade Ideal, primando pela excelência dos assuntos bem na diversificação das temáticas abordadas.

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Dezembro

2013

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CAIPO

JOGO PARA APRENDIZAGEM AMBIENTAL

Bruno Rafael da Costa Santos

Universidade Federal do Pará(UFPA)

[email protected]

Abstract. Forests store a vast wealth of its diversity. Unknown plants and

animals, timber, minerals and other resources are part of this treasure. In this

scenario, environmental protection has gained many adherents in recent years

among them we find doctors, psychologists and pedagogues. Thus, the area of

computing could not be left out, so this paper presents the Caipo (Game for

Environmental Learning), which was developed on the ruby with the primary

difference: The educational fun. This way the user learns while having fun in a

game with the same focus and style of traditional, differentiated by

Environmental Education that he promotes.

Resumo. As florestas guardam uma grande riqueza em sua diversidade: plantas

e animais desconhecidos, madeira, minérios e outros recursos fazem parte deste

tesouro. Neste cenário, a proteção ambiental é um tema bastante difundido e

necessário em nossa sociedade atual, tendo implicações nas práticas ,ensino e

conscientização da população. Como forma de apoiar de maneira lúdica os

conceitos relacionados à preservação ambiental, este artigo apresenta o

sistema Caipo (Jogo para aprendizado ambiental), que foi desenvolvido na

plataforma ruby tendo como principal diferencial: aprender brincando. Desta

forma, o usuário obtém conhecimento enquanto se diverte em um jogo com o

mesmo estilo dos tradicionais, diferenciado pela Educação Ambiental que ele

promove.

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1. Introdução

Em pleno século 21, ainda percebe-se que o homem não encontra-se perfeitamente

educado sobre a importância da preservação ambiental. O direito ambiental é um direito

de todos e não de indivíduos, onde os princípios ambientais buscam efetivar as condutas

de preservação para a presente e futura geração, com ações concretas que visam

minimizar os impactos atuais ao meio ambiente, bem como, os atos futuros lesivos a este

(CANOTILHO, 1998, p.35).

Como podemos ver, mesmo com programas de incentivo a preservação, e até mesmo

com leis mais rígidas, a destruição e utilização de forma irregular dos recursos naturais

para obtenção de lucros individuais, continua cada vez mais forte e impactando

negativamente no meio ambiente. A Educação Mediada por Computador é uma

metodologia de ensino largamente empregada nos países cujos índices de crescimento

tecnológico e educacionais são vistos como de fundamental importância para a

capacitação continuada de profissionais das mais variadas áreas.

Muito se fala sobre a chamada “Revolução da Tecnologia da Informação”, no

entanto, poucos pesquisadores têm ido tão a fundo ao estudo da conceituação e descrição

histórica dessa mais recente revolução técnico-social. “Contudo, à medida que a

tecnologia informática se populariza, aumenta a necessidade de a comunidade científica

se ocupar dessa questão” Primo (2001).

Sem dúvida alguma, a evolução tecnológica nos trouxe - e continuará nos trazendo -

conforto, agilidade, precisão, comodidade, dentre inúmeros benefícios. Não tratemos aqui

dos possíveis efeitos colaterais que possa resultar, como a substituição do homem em

atividades até então executadas somente por ele, ainda que à exaustão, os reflexos sobre

o meio-ambiente ou o vício humano de se cercar de tecnologia em casa, no lazer, nos

estudos, nos cuidados com a vida.

O grande diferencial da revolução das Tecnologias de Comunicação está na aplicação

do conhecimento para geração de novos conhecimentos e dispositivos de comunicação,

em um ciclo ágil e veloz de retroalimentação e inovação no seu uso. Desta forma, os

usuários dessas tecnologias se apropriam desses novos conhecimentos e, muitas vezes as

redefinem por si mesmos.

“Um ambiente de aprendizagem deve ser constituído pelos principais elementos

compositores de um processo educativo: os sujeitos (professores, estudantes, monitores,

etc.), os recursos, as metodologias e os espaços e tempos possíveis dentro do processo

educacional” Passerino (2007). Ambientes de aprendizagem que incorporam ferramentas

digitais ou computacionais entre seus recursos são conhecidos por Ambientes Digitais de

Aprendizagem (ADA).

Neste contexto surge o jogo Caipo, que tem como intuito, repassar de forma divertida

o aprendizado sobre a proteção e importância do meio ambiente através de perguntas

específicas sobre a natureza em várias etapas do game.

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2 Metodologia

Caipo é um jogo estilo RPG (Role Play Games). os RPGs são jogos tão abrangentes que

muitas vezes é difícil definir até que ponto certas variantes poderiam ou não ser

classificadas em um mesmo grupo. No entanto, o básico do RPG é um jogo de

interpretação de personagem onde existe um desenvolvimento tanto do personagem como

da história. Você possui uma história e um personagem que vai evoluindo de acordo com

certas tarefas que devem ser executadas no decorrer do jogo. Neste, você possui uma

tarefa que é salvar a natureza da destruição causada pelo homem. A figura 1 mostra a sua

tela inicial.

Figura 1 -Tela inicial Jogo Caipo

Neste, foi utilizado uma contextualização de destruição ambiental, onde o

personagem aprende sobre o meio ambiente em diálogos que ocorrem no decorrer da

história. Os jogadores são forçados a ler, entender, e assimilar pois, os textos são

informações lúdicas sobre o estudo do meio ambiente. Assim, eles são “obrigados a

aprender” pois estes temas serão alvo de perguntas no decorrer de todo o jogo, no qual,

as respostas corretas permitirão que ele prodiga. Veja figura 2 e 3.

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Figura 2 -Mostra de imagem de diálogos do jogo.

Figura 3 - Exemplo de pergunta e opções de respostas

Este jogo, foi criado em conjunto com uma equipe de professores de gestão

ambiental e Engenharia ambiental, os quais, foram responsáveis por selecionar e elaboras

as perguntas de uma forma mais assertiva. Ele foi criado na linguagem Ruby, uma

linguagem dinâmica, open source com foco na simplicidade e na produtividade. Tem uma

sintaxe elegante de leitura natural e fácil escrita, tornando assim, ainda mais simples seu

desenvolvimento em conjunto com o motor gráfico Maker Vx. Este, proporciona que

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sejam criados ambientes 2D de forma mais simples, aumentando a produtividade dos

programadores, tendo como única preocupação o fluxo das informações e a lógica do

sistema em termos de linhas de código.

Para este jogo, também foi desenvolvida uma versão em 3D, que utiliza como

motor gráfico Unity 3D. “Também conhecido como Unity 3D, é um motor de

jogo 3D proprietário e uma IDE criado pela Unity Technologies. Unity é similar

aoBlender, Virtools ou Torque Game Engine, em relação a sua forma primária de autoria

de jogos: a sua interface gráfica”. (Meijer 2010).

Com Unity, você otimiza seu desenvolvimento criando modelos na ferramenta

Blender por exemplo. “O Blender pode ser utilizado em qualquer área que seja

necessária a geração de modelos tridimensionais, geração de imagens renderizadas,

animação e jogos, como aplicações

em arquitetura, design industrial, engenharia, animação, produção de vídeo, e

desenvolvimento de jogos, graças ao seu motor de jogo embutido. Esta característica

pode ser ampliada e agilizada com o uso de scriptsem Python. Como modelador, foi

recomendado pela Peugeot, para ser usado em seus concursos de design de carros,

o Peugeot Design Contest”(Levy 2009).

A versão 3D encontra-se em fase beta, mas possui as mesmas características da

2D, tendo como diferencial sua qualidade gráfica mais atual, que proporciona um maior

interesse aos usuários por se comparar graficamente aos jogos mais atuais no mercado.

Veja algumas imagens abaixo:

Figura 4 - Demonstração Caipo 3D.

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Figura 5 - Demonstração Caipo 3D.

Figura 6 - Demonstração Caipo 3D.

3 Conclusão

Como podemos perceber, ainda há muito à ser feito em relação ao meio ambiente.

Não podemos medir esforços para que possamos mudar a grande degradação ambiental

que vem ocorrendo nos dias atuais. A informática pode ser utilizada para auxiliar nesse

meio, utilizando a tecnologia a favor da educação e da humanidade, afinal, ela tem este

objetivo.

Precisamos de incentivos para que estas metodologias de assimilação de

conhecimento possam ser utilizadas, pois, para mudarmos o futuro, melhorarmos a

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consciência das pessoas, nada melhor que plantarmos isso do berço, pois, se as novas

gerações chegarem com esta ideia, forem educadas de uma forma que, a proteção

ambiental seja um fator normal e cotidiano para elas, assim como olhar para os dois lado

da rua é uma coisa automática e necessária, muito temos a melhorar a nossa sociedade.

A informática veio para isso para auxiliar em assuntos cotidianos, maximizando os

resultados positivos, e utilizando uma nova dinâmica de ensino, mais intuitiva, divertida,

interessante e, ao mesmo tempo didaticamente falando, com excelentes resultados.

Precisamos rever nossos conceitos para que assim, possamos tornar nossa sociedade cada

vez melhor.

Referencias

CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2 ed. Portugal:

Almedina, 1998. R. and Renault, O. (1991) “3D Hierarchies for Animation”, In: New

Trends in Animation and Visualization, Edited by Nadia Magnenat-Thalmann and Daniel

Thalmann, John Wiley & Sons ltd., England.

LEVY, Collin. Revealed: Title, Character Design and 1st Minute. Disponivel em:

< http://www.sintel.org/news/revealed-title-character-design-and-1st-minute/>. Acesso:

25 de Outubro de 2013.

MEIJER, Lucas. Is Unity Engine written in Mono/C#? or C++. Disponível em:

<http://www.unity3d.com> Acesso: 20 de Outubro de 2013.

PASSERINO, Liliana Maria ; MONTARDO, Sandra Portella . Inclusão social via

acessibilidade digital: proposta de inclusão digital para Pessoas com Necessidades

Especiais (PNE). E-Compós (Brasília), v. 8, p. 1-18, 2007.

PRIMO, Alex. Ferramentas de interação em ambientes educacionais mediados por

computador. Educação, v. XXIV, n. 44, p. 127-149, 2001. Disponível em:

<http://www.pesquisando.atraves- da.net/ferramentas_interacao.pdf>.

SILVA, Luciano. Desenvolvendo Jogos com a Ferramenta Maker VX. 2010.

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Sugestão para Implantação da Gestão Estratégica de

Custo: Método Abc na Microempresa X Fornecedora de

Alimentos em Belém do Pará.

Dionisio Tadeu R. Ribeiro 1

1Faculdade Ideal –(FACI)

Caixa Postal 15.064 – 91.501-970 – Belém – PA – Brasil

[email protected]

Abstract. This article presents the investigation of the implementation of a cost

management technique called Activity Based Costing (ABC) on a small food supplier

business X. It was done in order to improve its cost structure and assist the manager to

make the right decisions. It was necessary to define the activities, tasks, departments and

managers of that organization, to allow the calculation of the unit costs of the production

of each final product. It is concluded that with the implementation of ABC costing system,

cost management is more dynamic and precise, facilitating the choice of strategies such

the definition of price or discounts. For the company X to remain competitive in the

market.

keys-word: 1. Costing ABC. 2. Cost management. 3. Implementation of a cost

management Activity Based Costing.

Resumo. Este artigo apresenta a investigação da implantação da ferramenta de

gerenciamento de custos chamada Actvity Based Costing (ABC) em uma microempresa

X fornecedora de alimentos. No intuito de melhorar sua estrutura de custo e permitir, ao

gestor, tomadas de decisões estratégicas mais acertadas. Para calcular os custos

unitários produçao de cada produto final, esta ferramenta utiliza como valores iniciais

as informações referentes às atividades, tarefas, departamentos e direcionadores da

organização estudada. Concluiu-se que com a implantação do sistema de custeio ABC, a

gestão de custo apresenta-se mais dinâmica e precisa, facilitando tomadas estratégicas

como formação de preço ou descontos, para que a empresa X apresente-se cada vez mais

competitiva no mercado.

Palavras Chaves: 1. Custeio ABC. 2. Gestão de Custo. 3. Implantação do Sistema ABC.

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1. Introdução A primeira guerra mundial serviu para que o mundo percebesse que muitos métodos

utilizados nas mais diversas áreas do conhecimento, não atendia às necessidades diante

de tantas complexidades relacionadas à estratégia, à logística, à contabilidade, etc. Com

isso muitas ciências tomaram forma e força na segunda guerra mundial, pode-se destacar

aqui a gestão estratégica de custo, especificamente o método de custeio por atividade –

ABC (Activity Based Costing).

Em um mercado cada vez mais competitivo, onde as empresas buscam

desenvolver produtos com mais qualidade a baixo custo, as organizações têm necessidade

de estarem bem preparadas para continuar competindo. E em decorrência da dinâmica

veloz do mercado mundial se faz necessário um sistema de custeio que possibilite

decisões mais eficácia nessas empresas. Sugere-se a implantação do sistema de Custo

Baseado em Atividades na microempresa X fornecedora de alimentos em Belém do Pará.

A proposta desse trabalho está alicerçada no emprego da fundamentação teórica

do método ABC para o gerenciamento dos custos com a finalidade de gerar melhorias e

auxiliar nas decisões estratégicas da empresa X de alimentos em questão.

O presente trabalho responderá ao seguinte questionamento: a implantação do

método de custeio ABC na microempresa X, fornecedora de alimentos em Belém do Pará,

facilitará as decisões estratégicas dessa empresa?

Este artigo tem como principal objetivo a investigação da implantação da

ferramenta de gerenciamento de custos chamada Actvity Based Costing (ABC) em uma

microempresa X fornecedora de alimentos em Belém do Pará. Especificamente, buscar-

se-á:

Fazer uma revisão do método de custeio ABC em pequenas organizações;

Propor a implantação do sistema de custeio ABC na microempresa X.

O artigo tem como hipótese: se o sistema de custeio ABC for implantado na

microempresa X, então as decisões serão tomadas de forma estratégica.

Várias são as metodologias de apuração de custos, sendo mais adotadas aquelas

que consideram o custeio por absorção, variável e por atividade. O custeio por atividade,

foco desse trabalho, visa demonstrar que as operações de uma organização podem ser

divididas e subdivididas em atividades, tais como recepção, requisição de materiais,

faturamento e cobrança.

Na ótica de Kaplan e Cooper (1998), as organizações que utilizam ABC buscam

conhecer em maiores detalhes suas estruturas de custos com o intuito de aumentar sua

competitividade. De fato, para a utilização do método ABC, existe a necessidade da

empresa ter suas planilhas de custos bem detalhadas, e seus processos administrativos e

operacionais bem definidos para facilitar, posteriormente, a visualização das atividades,

tarefas e direcionadores de custos.

Muitos foram os métodos originados no setor fabril, e por esta estrutura

organizacional, de modo geral, apresentar setores bem definidos quanto aos processos e

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atividades, tem a preferência pelos pesquisadores para implantações experimentais, como

por exemplo, o controle total de qualidade por toda a empresa, que hoje já é bastante

utilizado em empresas de serviços. Portanto, não é diferente com o método de custeio

ABC, que neste trabalho está direcionado para uma empresa prestadora de serviços.

Kaplan (1999) destaca que apesar do método ABC tenha suas origens nas fábricas, muitas

organizações de serviço também estão obtendo grandes benefícios com o uso dessa

abordagem.

Para Martins (1998) a justificativa teórica por trás do ABC considera que

praticamente todas as atividades de uma empresa existem para apoiar a produção dos bens

ou serviços e que, portanto, devem ser considerados como integrantes dos custos plenos

dos produtos. Gastos de apoio, que inclui logística, produção, marketing, vendas,

distribuição, serviços, tecnologia, administração financeira, informação e administração

geral, podem ser separados e associados aos produtos, em vez de serem tratados

simplesmente como gastos fixos ou indiretos. Neste contexto, é importante destacar que

a existência de todos os setores citados acima, só têm sentido porque existe o produto ou

serviço final, portanto é de fundamental importância a mensuração da contribuição

quantitativa e qualitativa de cada setor dentro da organização para a elaboração e

produção do produto ou serviço final.

Com a utilização do custeio ABC na organização, visa-se a redução de perdas e

de esforços desnecessários para a realização de produtos ou serviços. No mercado

competitivo a elevação da receita através do aumento de preços se torna bastante

complexa, portanto o foco deve ser voltado fundamentalmente para o controle e redução

dos custos. Martins (2003), ainda enfatiza que uma das grandes vantagens do ABC é a de

não restringir a análise ao custo do produto e sua lucratividade. A análise do ABC permite

que os processos ocorridos na empresa sejam custeados, pois são compostos por

atividades que se inter-relacionam. Com isso, possibilita a visualização das atividades que

podem ser melhoradas, reestruturadas ou, até mesmo, eliminadas dentro de um processo,

de forma a melhorar o desempenho competitivo da empresa.

Crepaldi (2012) critica os métodos tradicionais de custos adotados pelas empresas,

que obedece a uma base conceitual em linha com os princípios fundamentais de

contabilidade, destaca-se aqui o custeio por absorção. Provavelmente esse ferramental

motivou a inúmeros pesquisadores, na década de 1980, nos Estados Unidos da América

a desenvolverem o sistema Activity Based Costing, tal método procura reduzir

sensivelmente as distorções provocadas pelo rateio arbitrário dos custos indiretos. O

autor, citado acima, destaca que o método de custeio em questão oferece informações

econômicas importantes para fins gerenciais possibilitando decisões operacionais e

estratégicas.

O autor deste artigo considera que é possível rastrear todas as atividades da

empresa, desde que seja implantado um controle rigoroso e eficaz para registro das

aquisições de matéria prima e demais custos. Esse pensamento foi instigado durante a

pesquisa de campo quando o gestor da empresa X relatou que algumas atividades tinham

“custo zero”. Nakagawa (1995, p.39) cita que “os recursos de uma empresa são

consumidos por suas atividades e não pelos produtos que ela fabrica”. O objetivo do

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método de custeio ABC é rastrear as atividades mais relevantes da organização,

identificando rotas de consumo dos recursos e, através dessa análise, planejar o uso

eficiente e eficaz dos recursos utilizados pela empresa, otimizando seus resultados.

Portanto, o autor deste artigo discorda, com esta premissa de levar em conta somente os

processos mais relevantes da organização, visto que tornaria o sistema de custeio

fragilizado para tomada de decisões estratégicas.

Todos os autores citados até o momento defendem a utilização do método ABC,

porém é importante mostrar um posicionamento questionador representado aqui por

Cogan (1994, p. 7), que acentua o método ABC, em sua forma mais detalhada pode não

ser aplicável na prática, em virtude de exigir um número excessivo de informações

gerenciais que podem inviabilizar sua aplicação. O custo da coleta e manipulação

detalhada teria que justificar seu benefício. Numa fábrica, pode-se detectar mais de cem

atividades que contribuem para o “overhead” – caso se pense numa apuração exata de

todas essas atividades, o ABC seria impraticável.

Percebe-se, então, que na literatura há posicionamentos favoráveis e contrários à

utilização do ABC. Contudo, em razão das necessidades informativas da empresa

pesquisada, considerou-se que tal método seria o mais adequado ao contexto abrangido,

motivando a aplicação do ABC, que será detalhado nos capítulos do desenvolvimento

desse trabalho.

A modalidade da pesquisa com relação ao objetivo foi de caráter exploratório,

uma vez que o pesquisador se aproximou pela primeira vez do tema a ser pesquisado;

quanto ao tipo da pesquisa atendendo as fontes das informações foi de campo, pois houve

a necessidade do pesquisador estar presente no local onde o fato pesquisado ocorreu.

A classificação da observação quanto à estruturação foi sistemática ou planejada;

quanto à participação do observador foi participativa, pois o pesquisador se introduziu no

ambiente que foi pesquisado; a observação foi realizada por um único observador,

portanto foi individual; Foram utilizadas ferramentas de coletas de dados para serem

tabuladas e formuladas na gestão de desempenho.

2. Método de Custeio Abc em Pequenas Organizações Como o tema é desafiador ao pesquisador, fez-se necessário uma investigação de dois

trabalhos científicos relacionados com o tema deste artigo e, direcionados às empresas

prestadoras de serviços e da área industrial.

O primeiro trabalho apresenta o custeio baseado em atividades como uma visão

gerencial e financeira (SANTOS, 2010). O artigo em questão estudou o ramo industrial

de móveis plásticos num estudo de caso de uma empresa, o autor tinha como objetivo

confrontar a utilização do Custeio ABC com o Custeio por Absorção, e pode perceber

que utilizando o segundo método, a forma arbitrária que conduz o rateio dos custos

indiretos não lhe permitia uma análise mais segura relativa ao preço de custo unitário do

produto e, nesse sentido procurou-se visualizar as distorções geradas por um método em

relação ao outro.

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Santos (2010), após estabelecer um cenário com base nas informações obtidas na

empresa analisada, fez um confronto entre as vantagens e desvantagens dos dois métodos

de custeios e pode concluir que os métodos não são excludentes, que cada empresa deve

escolher o melhor método que se adapte à sua gestão de custo. E ainda, que os sistemas

de custeio ABC apresentam diversas vantagens que devem ser cuidadosamente analisadas

pelos gestores das empresas, no seu artigo, Santos (2010) afirma que o custeio ABC se

sobressaiu em relação ao outro método por diminuir as distorções causadas pelo rateio.

O segundo trabalho analisado traz o Modelo de Custeio Baseado em Atividades

para o Departamento de Corte em um Abatedouro de Aves (SILVA, 2007), onde se

procurou expor os resultados obtidos com o desenvolvimento e aplicação de um sistema

de Custeio Baseado em Atividades especificamente para o departamento de cortes de uma

indústria que promove o abate de aves, demostrando a utilização do modelo como

ferramenta auxiliar para a formação dos preços de venda dos produtos processados no

respectivo departamento estudado.

O autor objetivou em identificar uma forma para melhor distribuir os custos

indiretos do departamento de cortes na empresa analisada para os produtos processados,

visto que o sistema de custos atualmente utilizado pela mesma não reflete com a precisão

necessária a utilização dos recursos consumidos no departamento de cortes para cada tipo

de produto ali processados. O autor teve o cuidado em isolar outros componentes de custo,

necessários à concepção dos produtos analisados, como materiais diretos (embalagens),

por terem seus custos uma relação direta e individual com cada produto, não foram

contemplados neste trabalho. Os custos dos processos anteriores e dos processos

posteriores ao departamento de cortes, também não foram objetos deste estudo, visto que

o produto chega padronizado ao processo de cortes, e assim, com custos iguais para cada

carcaça de ave, e segue-me iguais condições na fase seguinte, em caixas de específicas.

Assim, Silva (2007), pode perceber que uma das características que diferenciam

o sistema ABC do tradicional Custeio por Absorção é que o ABC minimiza as possíveis

distorções que ocorrem com os rateios arbitrários dos Custos Indiretos de Fabricação para

os objetos de custos. Isso foi possível por meio da análise das atividades, bem como,

quando não rastreáveis, busca identificar critérios mais adequados para alocar os custos

indiretos de fabricação às atividades realizadas.

3.1. Proposta de Implantação do Sistema de Custeio ABC. Microempresa x. A implementação do ABC requer uma cuidadosa análise do sistema de controle interno

da entidade. Sem este procedimento que contemple funções bem definidas e fluxo dos

processos, torna-se inviável a aplicação do ABC de forma eficiente e eficaz.

O ABC, por ser também um sistema de gestão de custos, pode ser implantado com

maior ou menor grau de detalhamento, dependendo das necessidades de informações

gerenciais para o gestor, o que está intimamente ligado ao ramo de atividade e porte da

empresa.

A empresa X, que é objeto da pesquisa, iniciou suas atividades no ano de 2001

fornecendo alimentos para funcionários da construção civil e pequenas lojas comerciais.

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Assim que aumentou sua produção, em decorrência da aquisição de novos equipamentos

e contratações de novos funcionários, fez um contrato com uma grande empresa do ramo

comercial, atendendo a quatro grandes lojas, fornecendo em média 450 refeições por dia,

de domingo a domingo, num total de 13.500 refeições por mês. A Loja1 demanda 28,89%

das refeições, a Loja2 demanda 33,33% das refeições, a Loja3 demanda 26,67% e a Loja4

demanda 11,11% das refeições. O preço de cada refeição é igual a R$ 7,30, perfazendo

uma receita mensal de R$ 101.250,00.

Os principais produtos fornecidos pela Empresa X estão vinculados às proteínas

do prato principal: Carne Bovina, Carne de Frango, Carne de Peixe e Camarão. E em

cima desses produtos que a pesquisa direcionou seu rateio com base no custeio ABC.

A empresa X, caracteriza-se como uma empresa familiar, é instituída no regime

de Empresa de Pequeno Porte (EPP), dispondo de um regime tributário diferenciado,

simplificado e favorecido, aplicável às pessoas jurídicas consideradas como

microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), nos termos definidos na Lei no

9.317, de 1996, e alterações posteriores, estabelecido em cumprimento ao que determina

o disposto no art. 179 da Constituição Federal de 1988. Constitui-se em uma forma

simplificada e unificada de recolhimento de tributos, por meio da aplicação de percentuais

favorecidos e progressivos, incidentes sobre uma única base de cálculo, a receita bruta.

A empresa em estudo possui nove funcionários e cresceu de forma desordenada.

Apesar de suas atividades contábeis serem executadas por uma contadora, não existia

nenhum sistema de custeio para o rateio dos custos indiretos. Encontrou-se a estrutura de

gestão bastante comprometida por falta de organização das informações ou até mesmo

por falta delas. Como já era de se esperar, o proprietário da empresa X não separava os

gastos pessoais dos gastos da empresa. O proprietário acumulava diversas funções,

centralizando todas as decisões, sejam as mais simples ou as estratégicas.

Nesse momento foi sugerido ao proprietário que fizesse uma readequação

organizacional para possibilitar a implantação do custeio ABC, na tentativa da empresa

se ajustar às novas exigências de um mercado altamente competitivo, procurando adequar

seu comportamento ao da economia global, em busca da exatidão e da eficácia na

apuração dos custos.

Para Nakagawa (2001), um dos principais objetivos do ABC, consiste em facilitar

a mudança de atitudes nos gestores de uma empresa, onde os mesmos busquem

otimização do valor dos produtos para os clientes internos e externos.

Foram identificadas as atividades desempenhadas e seus respectivos custos;

alocação do custo de cada departamento ao custo da atividade; os direcionadores de

custos; e a forma que se podia dividir o custo da atividade pelo direcionador de custos.

No Quadro 1, são apresentadas as atividades desempenhadas de acordo com seus

centros de custos, o reconhecimento dessas atividades foi obtido através de entrevistas

com os funcionário, os quais explicaram as tarefas desenvolvidas em cada atividade.

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Quadro 1: Atividades analisadas.

Centro de Custos Atividades analisadas

Diretor/Proprietário Coordenar e supervisionar atividades da organização, visitar e

negociar com clientes novos contratos, preços e produtos, resolver

problemas junto ao cliente.

Gerência Administrativa Gerir pessoas

Setor de Compras Gerir compras, conferir notas fiscais, pagar fornecedores e

despesas, fazer demonstrações.

Setor de Finanças Gerir finanças

Gerência Comercial Vender refeições, formular contratos, visitar clientes e prospecção

de clientes.

Setor de Produção Cozinhar e preparar alimentos para entrega, serviços gerais.

Distribuição Entregar alimentos aos clientes, verificar satisfação do cliente.

Fonte: Elaboração Própria

Poder-se-ia aqui entrar num grau de detalhamento maior das atividades, como por

exemplo, criando-se um dicionário de atividades, mas o autor entendeu que num primeiro

momento não seria relevante.

As atividades apresentadas acima podem ser associadas segundo as regras:

a) Identificação das atividades gerais de fábrica.

b) Classificação das atividades relativas a:

Linha de produção: custos de nível unitário, como materiais diretos, mão-

de-obra, horas de máquina ou energia;

Lotes de produção: gastos com ajustes e preparação de máquinas e

equipamentos, aquisição e movimentação de materiais;

Suporte aos produtos: gastos relativos à engenharia do processo e

desenvolvimento de especificações dos produtos;

Suporte às instalações: gastos associados ao gerenciamento da fábrica, à

manutenção dos prédios e aos serviços gerais.

c) Atribuição aos produtos das despesas da linha de produção, de lote e

suporte aos produtos utilizando bases que permitam refletir o comportamento

subjacente da demanda dos produtos por essas atividades.

Sugestões de estágios para construções dos direcionadores de custos, segundo

Kapplan e Cooper, 1998:

Estágio 1: divisão dos custos atribuídos às atividades pelo número delas que

ocorreu durante o período analisado.

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Estágio 2: divisão dos custos atribuídos à atividade pela duração das atividades

que ocorrerão durante o período, permitindo o cálculo de diferentes durações para

diferentes processamentos.

Estágio 3: investigação dos custos reais necessários para a atividade em

determinado produto.

A seguir foram separados os gastos mensais diretos na tabela 1 e os gastos

mensais indiretos na tabela 2.

Tabela 1: Custos diretos mensais

Descrições dos gastos diretos Valor (R$)

Carne Bovina 12.000,00

Carne de Frango 12.000,00

Carne de Peixe 15.000,00

Camarão 2.430,00

Sobremesa 1.500,00

Polpas de Frutas 3.000,00

Hortifruti e Cereais 12.000,00

Açúcar (600 kg) 1.098,00

Feijão (390 kg) 1.595,10

Arroz (690 kg) 1.331,70

Macarrão (300 kg) 1.194,00

Farinha (330 kg) 1.914,00

Óleo (300 garrafas) 906,00

M.O.D. (5 cozinheiros) 5.098,23

SOMA 71.067,03

Fonte: Elaboração Própria - 2013

Tabela 2: Custos indiretos mensais

Descrições dos gastos indiretos Valor (R$)

Salários e Encargos (4 funcionários) 4.258,58

Gás de cozinha 2.300,00

Honorários contábeis 678,00

Serviços prestados 1.378,00

Luz 400,00

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Água 200,00

Diversos 450,00

IPTU 104,20

Aluguel 1.200,00

Uniformes 125,00

Vigilância Sanitária 16,67

Manutenção do prédio 500,00

Combustível (180 litros) 502,20

Depreciação (4 fogões e 4 freezer) 5 anos para ficar

obsoleto

186,66

Depreciação (2 veículos – 10 anos) 666,66

IPVA (2) 166,67

SOMA 13.132,64

Fonte: Elaboração Própria - 2013

No Quadro 2, são apresentados os recursos e seus respectivos direcionadores

utilizados na organização.

Quadro 2: Direcionadores de Recursos utilizados na Organização

Recursos Direcionador

Despesas de Pessoal Número de horas (tempo)

Água Estima de consumo (m3)

Energia Elétrica Kwh

Fonte: Elaboração Própria - 2013

No Quadro 3, são apresentadas as atividades desempenhadas na empresa e seus

respectivos direcionadores utilizados nas mesmas.

Quadro 3: Direcionador de Atividades

Atividades Direcionador

Coordenar e supervisionar atividades da

organização.

Tempo gasto para coordenar e supervisionar

Visitar e negociar com clientes Número de visitas

Gerir pessoas Número de funcionários contratados

Gerir compras Número de pedidos

Gerir finanças Tempo despendido

Page 18: Revista facientifica digital

Vender refeições, formular contratos, e

prospecção de clientes

Número de refeições

Cozinhar e preparar alimentos para entrega,

serviços gerais.

Número de refeições

Entregar alimentos aos clientes. Número de refeições

Fonte: Elaboração Própria - 2013

Na Tabela 3, são quantificadas as atividades de acordo com seus direcionadores

de custos. Para facilitar a distribuição quantitativa dos direcionadores de custo foram

identificados dois grandes departamentos: administrativo e produção. O departamento

administrativo com suas atividades principais de coordenar e supervisionar atividades da

organização e gerir compras no mês analisado foram alocadas 300 horas para o

departamento de produção; 78 horas para a produção de carne bovina; 78 horas para a

produção de carne de frango; 98 horas para a carne de peixe e 16 horas para o camarão.

O departamento de produção identificou que os serviços prestados poderiam ser

quantificados pelas horas de preparo, por mês, para cada proteína principal das refeições.

No caso, 60 horas para o preparo da carne bovina, 30 horas para a carne de frango, 8 horas

para a carne de peixe e 4 horas para o preparo do camarão.

Tabela 3: Direcionadores de Custos

Atividades Horas/mês %

Coordenar e supervisionar atividades da organização. 300 52,63%

Gerir compras 180 31,58%

Cozinhar e preparar alimentos para entrega, serviços gerais. 60 10,53%

Entregar alimentos aos clientes. 30 5,26%

Fonte: Elaboração Própria - 2013

A tabela 4 apresenta o tempo de preparo para as refeições de acordo com as

principais proteínas, onde a carne bovina demanda um maior tempo para a sua elaboração.

Tabela 4: Tempo de Preparo das Principais Proteínas

Atividades Horas/mês %

Carne bovina 60 58,83

Carne de frango 30 29,41

Carne de peixe 8 7,84

Camarão 4 3,92

Fonte: Elaboração Própria - 2013

Page 19: Revista facientifica digital

Na Tabela 5, são apresentados os gastos diretos, destacando-se os materiais

diretos (MD) e a mão-de-obra direta (MOD). A mão-de-obra direta foi rateada segundo

o volume de preparo de cada proteína, visto que a produção é realizada segundo o formato

de economia de escala, onde o processo produtivo é organizado de maneira que se alcance

a máxima utilização dos fatores produtivos no processo, procurando como resultado

baixos custos de produção e o incremento de bens e serviços.

Tabela 5: Custos Diretos em reais (R$) - mensais

Descrição do

gasto

Carne

bovina

Carne

frango

Carne

Peixe

Camarão Total

Materiais diretos 19.104,56 19.104,56 23.887,30 3.872,36 65.968,80

Mão-de-obra 1.476,45 1.476,45 1.846,07 299,27 5.098,23

Soma 20.581,01 20.581,01 25.733,37 4.171,63 71.067,03

Fonte: Elaboração Própria - 2013

A tabela 6 apresenta os gastos indiretos, salários e depreciação:

Tabela 6: Custos Indiretos em reais (R$) - mensais

Descrição dos gastos Administrativo Produção Total

Salário e encargos 2.056,00 4.258,58 6.314,58

Materiais indiretos 1.820,87 3.977,20 5.798,07

Depreciação/IPVA 833,33 186,66 1.019,99

Soma 4.710,20 8.422,44 13.132,64

Fonte: Elaboração Própria - 2013

Se a empresa empregasse o critério de alocação dos custos indiretos com rateio

baseado nos materiais direto (MD), a composição de custos da empresa poderia ser vista

de acordo com a tabela 7.

Tabela 7: Rateio dos custos indiretos pelo critério do MD em reais (R$) - mensais

Descrição do gasto Carne bovina Carne frango Carne peixe Camarão

Materiais diretos 19.104,56 19.104,56 23.887,30 3.872,36

Mão-de-obra 1.476,45 1.476,45 1.846,07 299,27

Custo direto 20.581,01 20.581,01 25.733,37 4.171,63

Custo indireto 3.803,21 3.803,21 4.755,33 770,89

Page 20: Revista facientifica digital

Rateio MD % 28,96% 28,96% 36,21% 5,87%

Custo Total 24.384,22 24.384,22 30.488,70 4.942,52

Unidades produzidas 4.500 4.500 3.000 1.500

Custo unitário 5,42 5,42 10,16 3,30

Fonte: Elaboração Própria - 2013

Tabela 9: Rateio pelo método ABC em reais (R$) - mensais

Descrição dos gastos Adm Prod. Boi Frango Peixe Camarão

Materiais diretos 19.104,56 19.104,56 23.887,30 3.872,36

MOD 1.476,45 1.476,45 1.846,07 299,27

Salário e encargos 2.056,00 4.258,58

Materiais indiretos 1.820,87 3.977,20

Depreciação 833,33 186,66

Subtotal 4.710,20 8.422,44 20.581,01 20.581,01 25.733,37 4.171,63

Custos transferidos Adm. -4.710,20 2.478,98 644,35 644,35 809,68 132,84

Critério: h adm 300 78 78 98 16

h adm % 52,63% 13,68% 13,68% 17,19% 2,82%

Subtotal 10.901,42 21.225,36 21.225,36 26.543,05 4.304,47

Custos transferidos Prod. 6.412,22 3.206,11 850,31 432,77

Critério: h prod 60 30 8 4

h prod % 58,82% 29,41% 7,80% 3,97%

Total 27.637,58 24.431,47 27.393,36 4.737,24

Unidades produzidas 4.500 4.500 3.000 1.500

Custo unitário 6,14 5,43 9,13 3,16

Fonte: Elaboração Própria - 2013

Page 21: Revista facientifica digital

4. Conclusão O artigo objetivou e realizou uma revisão do método de custeio ABC em pequenas

organizações e propôs a implantação do sistema de custeio ABC na microempresa X.

Para isso, houve a necessidade de pesquisas a artigos desenvolvidos na forma prática

nesse método de custeio e, a demonstração na melhoria de estruturação por parte da

empresa estuda. Visto que, inicialmente, encontrou-se uma estrutura organizacional não

propícia para a implantação do custeio ABC, havendo a necessidade de uma

reestruturação, identificando as atividades, tarefas, direcionadores de custos das

atividades, separando os gastos diretos dos indiretos. Foram identificados dois

departamentos e quatro importantes produtos para a empresa X.

A partir deste momento foi realizado um rateio pelo critério tradicional pelo

percentual de material direto, onde identificou-se que o custo unitário para a produção da

refeição de carne bovina foi de R$ 5,42, igualmente para o preparo da carne de frango,

R$ 10,16 para a carne de peixe e um valor menor para o camarão, R$ 3,30.

Verificou-se que usando o método de custeio ABC os custos unitários se

mantiveram, comparativamente, com a mesma ordem de grandeza, porém com resultados

diferentes. Por exemplo, para a produção da carne bovina, o custo unitário foi de R$ 6,14,

mostrando um aumento de 13,28%; já no caso da produção da carne de frango o custo

unitário no ABC foi de R$ 5,43, revelando um aumento de 0,18%; enquanto que para a

produção da carne de peixe o preço foi de R$ 9,13, mostrando uma redução percentual de

10,14% e para o camarão também houve uma redução de 4,24% no seu custo unitário.

O artigo evidenciou que a empresa X precisava de forma premente de uma

estrutura de custo organizada. O trabalho de campo possibilitou ao gestor da empresa

visualizar falhas na sua organização e providenciar melhorias para poder efetivar a

implantação do custeio ABC, que em um primeiro momento já mostrou a facilitação das

análises dos resultados para que o mesmo, o gestor, possa tomar decisões de forma

estratégica para a empresa. Respondendo ao questionamento do artigo.

O estudo agregado aos resultados da pesquisa permite corroborar com a hipótese

do trabalho, onde afirmava que se o sistema de custeio ABC for implantado na

microempresa X, então as decisões serão tomadas de forma estratégica. De forma prática,

após a apreciação do estudo, o gestor da microempresa em questão decidiu na redução do

fornecimento das refeições cuja proteína principal é o peixe, em decorrência de seu custo

unitário ser superior ao seu preço de venda. Acredita-se que o estudo já contribuiu para

uma melhor gestão desta microempresa.

Agora, cabe ao gestor da empresa X analisar suas necessidades e interesses para

implantação desse método de custeio, que segundo a opinião de vários autores, citados

nesse trabalho, destacam-se em função de reduzir as distorções causadas pelo rateio.

Page 22: Revista facientifica digital

7. Bibliografia

COGAN, S. Activity-based costing (ABC): a poderosa estratégia empresarial. 3. ed. São

Paulo: Pioneira, 1994.

CREPALDI, Sivlio Aparecido. Contabilidade Gerencial: teoria e prática. 6. ed., São

Paulo: Atlas, 2012.

KAPLAN, Robert S.; COOPER, Robin. Custo e Desempenho: administre seus custos

para ser mais competitivo. 1. ed, São Paulo: Futura, 1998.

MARTINS, Eliseu. Contabilidade de Custos. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1998.

NAKAGAWA, M.. ABC: custeio baseado em atividades. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2001.

SANTOS, Diego Leal Silva. Custeio Baseado em Atividades uma visão Gerencial e

Financeira. Artigo Científico, 2010.

SILVA, Almir Teles da. Modelo de Custeio Baseado em Atividades para o Departamento

de Corte em um Abatedouro de Aves. Artigo Científico. Maringá – Paraná, 2007.

Universidade Estadual de Maringá – UEM.

Page 23: Revista facientifica digital

A Aplicação da Logística Reversa em Instituições Públicas

de Saúde

Pablo Queiroz Bahia1, Adele Melo Silva2

1Faculdade Ideal –(FACI) 2 Centro Universitário Toledo Araçatuba –(UNITOLEDO)

[email protected],[email protected]

Abstract. In today's context of society , identifies the increasing concern of

organizations on the subject Environmental Performance . The health service

organizations stand out by developing one of the most complex , but it is an area

where the environmental management practices are still rare and that currently

is facing increasing legal requirements and demands from society for a position

more active regarding the protection and preservation of the environment . This

research aims to examine the application of Reverse Logistics in managing

waste in a health institution . This is a case study in a midsized Hospital located

in the city of Bethlehem , an exploratory survey with a questionnaire , and

documentary and bibliographic research . It was found that , although the

institution already has a Plan for Waste Management of Health Services , there

is still no effective segregation of materials discarded as junk.

Keywords: Reverse Logistics – waste – management – environment.

Resumo. Diante do atual contexto da sociedade, identifica-se o aumento da

preocupação das organizações sobre o assunto Desempenho Ambiental. As

organizações de serviços em saúde se destacam por desenvolverem uma das

atividades mais complexas, porém é uma área em que as práticas de gestão

ambiental ainda são pouco difundidas e que, atualmente, vem enfrentando o

aumento das exigências legais e cobranças da sociedade por uma postura mais

ativa quanto à proteção e preservação do meio ambiente. Esta pesquisa tem o

objetivo de analisar a aplicação da Logística Reversa no gerenciamento de

resíduos de uma instituição de saúde. Trata-se de um estudo de caso realizado

em um Hospital de médio porte localizado na cidade de Belém, uma pesquisa

exploratória, com aplicação de questionário, além de pesquisa documental e

bibliográfica. Foi verificado que, apesar da instituição já possuir um Plano de

Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde, ainda não existe uma

segregação efetiva dos materiais descartados como lixo..

Palavras-chave: Logística reversa – resíduos – gerenciamento – meio

ambiente.

Page 24: Revista facientifica digital

1. Introdução Diante do atual contexto da sociedade, identifica-se o aumento da preocupação e da

atenção das organizações sobre o assunto Desempenho Ambiental. Alguns dos fatos que

reforçam o interesse das instituições públicas e privadas pelo assunto, seja na geração de

produtos ou na prestação serviços, são: o conhecimento generalizado dos consumidores,

o crescimento da mobilização da opinião pública, o aumento das exigências legais, a

comunicação em velocidade inimaginável, além do ritmo deste tempo de produção e

consumo exacerbados que, no mínimo, faz com que se pense na proximidade de escassez

de recursos naturais.

O descarte de produtos é crescente, principalmente devido às constantes inovações

tecnológicas, que contribuem para a redução do tempo de vida útil do produto,

aumentando o volume de materiais descartados como lixo.

A área de serviços também contribui com os problemas ambientais, uma vez que

gera uma grande quantidade de resíduos, que estão associados ao desenvolvimento do

processo de prestação do serviço, como no caso de bancos, que descartam uma grande

quantidade de papel; lavanderias, que fazem uso de produtos químicos e são eliminados

ao final do processamento das roupas; clínicas e hospitais, que devolvem para o meio

ambiente uma variedade de tipos de materiais usados, entre outros.

As organizações prestadoras de serviços em saúde se destacam por desenvolverem

uma das atividades mais complexas, seja pela diversidade de processos, seja pela

sofisticação tecnológica ou pelos aspectos humanos e sociais envolvidos. Trata-se de uma

área em que as práticas de gestão ambiental ainda são relativamente pouco difundidas e

que, atualmente, vem enfrentando o aumento das exigências legais e cobranças da

sociedade por uma postura mais ativa quanto à proteção e preservação do meio ambiente.

Um importante avanço proposto pela legislação foi a criação dos Planos de

Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), em 2004, desencadeando

um processo de adequação e formalização das práticas nessa área.

A Logística Reversa, que, segundo Leite (2003), é definida hoje como a área da

logística que planeja, opera e controla o fluxo e as informações logísticas

correspondentes, do retorno dos bens após a venda e/ou o consumo desses ao ciclo de

negócios ou ao ciclo produtivo, utilizando canais de distribuição reversos, agregando-lhes

valor de diversas naturezas, caracteriza-se como um instrumento de gestão que pode ser

utilizado em qualquer atividade, seja na produção ou na prestação de serviço. Na área de

saúde, vem contribuir com as instituições geradoras de resíduos de saúde, no sentido de

dar um fluxo invertido que pode não só reduzir custos como também reduzir impactos ao

meio ambiente.

Nesse sentido, ter um programa de gerenciamento de resíduos efetivo tornou-se

mais que uma exigência legal; passou a ser um fator crucial na intenção de tornar a

produção e o consumo mais sustentáveis. E, por essa razão, justifica-se o

desenvolvimento de estudos que visem aprimorar os métodos de gerenciamento de

Page 25: Revista facientifica digital

resíduos, aliando-os aos conceitos atuais, que estão adaptados às recentes mudanças que

vem acontecendo.

Para o mercado global, a disponibilização de informações que proporcionem a

otimização da gestão da cadeia de suprimentos, considerando como parte integrante o seu

processo inverso, isto é, a logística reversa, pode significar mais do que um fator

competitivo, podendo se tonar um fator de sobrevivência.

O aperfeiçoamento das práticas de logística reversa para as organizações que já

iniciaram o desenvolvimento de trabalhos relacionados ao gerenciamento dos resíduos

gerados, tal como é o caso estudado, torna-se relevante à medida que aumentam as

exigências e a importância dessa prática no atual contexto. Também há de se considerar

que a necessidade de aperfeiçoamento se apresenta diretamente proporcional ao

crescimento da demanda pelos serviços, a qual cresce junto com a sociedade.

E nesse contexto, o desenvolvimento de estudos com temas atuais, como o exposto

no presente artigo, podem proporcionar ao pesquisador uma experiência acadêmica e

profissional de significativa importância, haja vista o conhecimento oportuno das causas,

efeitos e outras particularidades relacionadas ao objeto pesquisado, que somente um

estudo aprofundado pode oferecer.

Considerando as assertivas aqui apresentadas, é possível colocar o seguinte

problema de pesquisa: Como aplicar os fundamentos da Logística Reversa no

gerenciamento de resíduos de serviços de saúde?

Nesse sentindo, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar a aplicação da

Logística Reversa no gerenciamento de resíduos gerados por uma organização pública de

saúde.

Como objetivos específicos, pretende-se: 1) identificar os principais resíduos

gerados pela instituição de saúde; 2) mapear o destino dado aos principais tipos de

materiais descartados; e 3) apontar materiais que podem ser transformados por processos

de agregação de valor e retornados ao consumo.

Se for implementado o gerenciamento dos resíduos na organização de saúde

estudada e aliá-lo à aplicação da Logística Reversa, então, será possível ter um maior

controle sobre o quantitativo e tipos de resíduos gerados pela instituição, reduzir o

quantitativo de materiais desprezados como lixo, reduzir o desperdício, identificar

possíveis fontes de renda para a comunidade e contribuir com a limpeza e higiene do local

de maneira efetiva.

As organizações públicas de saúde, assim como todas as organizações que

possuem um certo nível de complexidade no desenvolvimento de suas atividades

econômicas, utilizam uma variedade de materiais que serão descartados ao fim do

processo de oferta do serviço de saúde. Muitos desses materiais podem ser reconduzidos

ao processo de consumo, por meio da transformação e agregação de valor. No entanto,

por se tratar de uma instituição que produz diversos tipos de resíduos , faz-se necessário,

Page 26: Revista facientifica digital

prioritariamente, um gerenciamento desse ponto específico da cadeia de suprimento, que

é a devolução ao meio ambiente da matéria-prima utilizada na produção do serviço.

A Logística Reversa está associada ao reaproveitamento de materiais e/ou ao fluxo

invertido do processo de consumo e prestação de serviço. Aplicar seus fundamentos na

realidade de uma organização complexa, tal como uma instituição prestadora de serviço

de saúde, exige um estudo detalhado sobre os métodos e particularidades a serem

consideradas, para que se alcance dos resultados esperados e que o processo se

desenvolva, ou se aplique, de maneira eficiente e eficaz.

2. Referencial Teórico

2.1. A história da logística no contexto global De acordo com Pozo (2010), a logística teve seu surgimento na atividade militar. Foi

durante a Segunda Guerra Mundial que tiveram origem muitos dos conceitos logísticos

utilizados atualmente. Desenvolvida visando colocar os recursos certos no local certo e

na hora certa, a logística era considerada pelos militares como a arte de transporte e

distribuição de suprimento das tropas em operações.

Nas batalhas contemporâneas, travadas no contexto de mundo globalizado, nas

quais todos estão direta ou indiretamente envolvidos, procuram-se delinear os objetivos,

ferramentas e componentes estratégicos, táticos e operacionais do jogo logístico.

No Brasil, o surgimento da logística se deu por volta dos anos 70, a partir de um

de seus aspectos: a distribuição física, tanto interna como externa. Empresas brasileiras

se viram diante da necessidade de abandonar o empirismo, fortemente presente no

processo de abastecimento nesse período e no anterior, para abastecer mercados

emergentes em um país de dimensões continentais, e com uma malha de transportes

incipiente.

Ainda é recente a desassociação direta do termo logística ao mero conceito de

transportar. Foi somente durante os anos 90 que o interesse de fato foi fomentado pelas

organizações empresariais, quando os profissionais de logística reconheceram o aspecto

vital da logística, associando-a ao gerenciamento de uma cadeia que pode representar a

obtenção da vantagem competitiva tão necessária no mercado Bertaglia (2003).

Nesse sentido, as empresas brasileiras se deram conta do imenso potencial implícito nas

atividades integradas de um sistema logístico e, dentro de estruturas organizacionais ainda

não tão bem definidas, começaram a utilizá-lo em grande escala Pozo (2010).

2.2. A administração de materiais

De acordo com Francischini (2004), a administração de material é definida como o

processo que planeja, executa e controla, considerando as condições mais eficientes e

econômicas, o fluxo de material, com base nas especificações dos artigos a comprar até a

entrega do produto acabado ao cliente.

Page 27: Revista facientifica digital

Trata-se, portanto, de um processo composto por diversas atividades

interdependentes, como a armazenagem, o manuseio de materiais, a embalagem, o

suprimento, a distribuição, entre outras.

2.2.1 Armazenagem e o manejo de materiais

Denomina-se armazenagem o processo que envolve a administração dos espaços

necessários para manter os materiais estocados, que podem ser interno, isto é, dentro da

fábrica, ou externo, em locais mais próximos dos clientes. Essa ação envolve fatores como

localização, dimensionamento de área, arranjo físico, equipamento de movimentação,

recuperação do estoque, recursos financeiros e humanos Pozo (2010).

O manejo de materiais está associado à armazenagem e também com a

manutenção dos estoques. A atividade de manuseio de materiais envolve a movimentação

de materiais no local da estocagem, que pode ser tanto estoques de matéria-prima, para o

processo produtivo, como de produtos acabados. Pode ser também a transferência de um

depósito para outro Pozo (2010).

2.2.2 A importância da embalagem no processo de armazenagem

De acordo com Pozo (2010), dentro da logística, a embalagem se caracteriza como um

processo que tem como objetivo a proteção dos produtos, evitando danos durante sua

movimentação. Um bom projeto de embalagem do produto propicia a perfeita e

econômica movimentação, sem desperdícios. Além disso, dimensões adequadas de

empacotamento incentivam o manuseio e armazenagem eficiente.

As embalagens são necessárias e em muitos casos podem ser materiais de fácil

reaproveitamento, seja novamente como embalagens ou como matéria prima para outro

produto. As imagens 01, 02 e 03 mostram o reaproveitamento de garrafões de água,

garrafas pets, e caixotes de madeiras, que são utilizados para proteger frutas e verduras

em seu transporte.

Figura 1 - Reaproveitamento de garrafões de água 20l na confecção de um novo produto. Fonte: Imagem extraída da internet.

Page 28: Revista facientifica digital

Figura 2 - Reaproveitamento de garrafas pets na confecção de novos produtos.

Fonte: Imagem extraída da internet.

Figura 3- Caixotes de madeira reaproveitados na confecção de móvel.

Fonte: http://www.estudiolampada.wordpress.com

2.2.3 Suprimento e distribuição

O processo de suprimento é definido como a disponibilização do produto para o sistema

logístico. Preocupa-se com a hora de fazer a seleção das fontes de suprimento, do

quantitativo necessário a ser adquirido, com o programa as compras e com a forma que o

produto é comprado. É uma atividade de apoio de extrema importância, pois as decisões

relacionadas a ela afetam os custos logísticos de maneira geográfica e temporal, de modo

a implicar na redução dos custos na organização como um todo Pozo (2010).

Já a distribuição se caracteriza como uma parte da logística com enorme

importância para o resultado final de uma organização. Uma de suas atribuições é suprir

o processo produtivo da empresa e os clientes no momento e lugar certos, na quantidade

exata, no tempo certo e no menor custo por meio de um planejamento estratégico da

Page 29: Revista facientifica digital

missão da organização, minimizando as necessidades de recursos financeiros e

incrementando o lucro Pozo (2010).

2.3 A logística reversa

A Logística reversa é um tema relativamente recente, em face a carência de produção

textual. Foi por volta dos anos 90 que começaram a surgir abordagens sobre o assunto,

graças ao aumento da preocupação com questões ambientais, novas legislações, atuações

dos órgãos de fiscalização e inquietação por perdas econômicas nas empresas

(ADMINISTRADORES.COM.BR, 2013).

As principais aplicações iniciais da logística reversa estão relacionadas ao uso de

sucatas na produção e à reciclagem de vidros, que tem sido praticados há bastante tempo.

Por outro lado, tem-se observado que o escopo e a escala das atividades de reciclagem e

reaproveitamento dos produtos e embalagens tem aumentado consideravelmente nos

últimos anos Lacerda (2000).

Chaves e Martins (2005) destacam outro aspecto que está ocasionando o

crescimento da importância da logística reversa nas operações logísticas. Segundo eles, a

causa desse crescimento dá-se ao grande potencial econômico que possui o processo

logístico reverso e que no momento não tem sido explorado como deveria.

Os canais reversos de uso estão ligados à reutilização de produtos ou materiais

com vida útil prolongada por meio de processos de transformação ou agregação de valor.

Quando apresentam condições de reutilização, podem representar valor para o mercado,

sendo comercializados diversas vezes até atingir seu fim de vida. A imagens 04 mostra a

reutilização de chapas de raio-x como matéria prima na confecção de novos produtos.

Figura 4- Reutilização de chapas de raio-x na confecção de capas de cadernos e

embalagens das folhas recicladas.

Fonte: Pequenas empresas grandes negócios 2011.

Os cartuchos de toner são outro exemplo de produtos que podem ter seu ciclo de

vida prolongado, pois além da possibilidade de serem recarregados, podem ser

remanufaturados. Isso significa que eles tem suas partes de desgaste trocadas. Um

cartucho de toner pode ter mais de sete peças trocadas Silva (2010).

Page 30: Revista facientifica digital

O assunto tem ganhado mais destaque atualmente, devido ao aumento do número

de pesquisas e do interesse das organizações. Com isso, conforme e Chaves e Chicarelli

(2005), o conceito de Logística Reversa evoluiu, estimulado pelo aumento da

preocupação com assuntos referentes à preservação ambiental e a busca pela redução de

custos das organizações.

Existe um consenso entre os autores que abordam o tema da Logística Reversa de

que sua aplicação consiste no retorno de produtos com o objetivo de revalorizá-los. Stock

(1998, apud LEITE 2003, p. 15) afirma que:

Logística Reversa: em uma perspectiva de logística de

negócios, o termo refere-se ao papel d a logística no retorno

de produtos, redução na fonte, reciclagem, substituição de

materiais, reuso de materiais, disposição de resíduos, reforma,

reparação e remanufatura [...].

A passagem ou a movimentação da matéria-prima, estoques, produtos acabados,

peças, embalagens e informações de maneira ordenada, planejada controlada, de um ou

mais pontos de consumo ou até mesmo do ponto de distribuição, para o ponto de

fabricação, reciclagem ou redistribuição, formam o fluxo reverso, ou de retorno de

retorno, podendo sofrer diversas ligações na cadeia de distribuição, de acordo com os

objetivos estratégicos e a causa do retorno (STOCK, 1998, apud LEITE 2003).

Segundo Lacerda (2002):

As iniciativas relacionadas à logística reversa têm trazido

consideráveis retornos para as empresas. Economias com a

utilização de embalagens retornáveis ou com o reaproveitamento

de materiais para produção têm trazido ganhos que estimulam

cada vez mais novas iniciativas. Além disso, os esforços em

desenvolvimento e melhorias nos processos de logística reversa

podem produzir também retornos consideráveis, que justificam os

investimentos realizados.

Nesse sentido, como afirmam Rogers e Tibben-Lembke (1999), a logística reversa

é aplicada para recuperação do valor ou para a realização de um descarte adequado. A

figura 5 apresenta o esquema do processo logístico direto e reverso.

Page 31: Revista facientifica digital

Figura 5 - Processo logístico direto e reverso

Fonte: Adaptado de Roggers & Tibben-Lembke (1999, p.5).

2.3.1 Sustentabilidade e meio ambiente

De acordo com Alves (2010), sustentabilidade significa sobrevivência, em face à

perenidade dos empreendimentos humanos e do planeta. Por isso, o desenvolvimento

sustentável implica planejar e executar ações, sejam elas desenvolvidas pelos governos,

pela iniciativa privada ou por organizações não governamentais, sejam elas locais,

nacionais ou globais, considerando, simultaneamente, as dimensões econômica,

ambiental e social.

Em nenhum outro caso existe condições tão favoráveis para o estabelecer vínculos

entre a atividade humana e o meio ambiente como quanto à forma como uma sociedade

administra os dejetos que produz. Esse argumento é vital, uma vez que transcende o

aspecto específico da gestão dos resíduos sólidos e abre um vasto campo de

aprofundamento em torno dos meios e fins para atingir algum grau de sustentabilidade

socioambiental. Outros fatos urbanos que, por excelência, estão relacionados com o tema

da sustentabilidade são as opções de transporte, o planejamento e uso do solo e o acesso

aos serviços de saneamento e infraestrutura básica, todos eles vinculados à

potencialização de riscos ambientais Jacobi (1994).

Resíduos sólidos é o tema que provavelmente melhor exemplifica as

possibilidades de formulação de políticas públicas minimizadoras ou preventivas.

Diversas experiências bem-sucedidas de gestão a partir de práticas alternativas mostram

que é possível romper com o círculo vicioso existente e engajar a população em ações

pautadas pela co-responsabilização e compromisso com a defesa do meio ambiente.

Em um contexto urbano marcado pela degradação permanente do meio ambiente

e do seu ecossistema, a análise dos determinantes do processo, dos atores envolvidos e

das formas de organização social que potencializam novos desdobramentos e alternativas

de ação numa perspectiva de sustentabilidade, portanto, são imprescindíveis à reflexão

em torno do desenvolvimento da sociedade atual Jacobi (1994).

Page 32: Revista facientifica digital

2.3.1.1 O gerenciamento de resíduos no contexto das instituições de saúde

O Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde é de grande relevância para o

processo de controle dos agentes de degradação ambiental que tem origem desse tipo de

atividade. Está normatizado na Resolução Diretora Colegiada nº 306 de 07 de dezembro

de 2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária; esse instrumento regulamenta o

procedimento técnico, por meio do Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de

Saúde – PGRSS.

O PGRSS tem como objetivos minimizar os impactos ambientais causados pelo

descarte dos resíduos que possam causar danos à saúde e ao meio ambiente,

caracterizados como perigosos e/ou infectantes, melhorar a qualidade de vida dos

usuários do serviço, dos colaboradores que manipulam resíduos perigosos e da

comunidade em geral ANVISA (2004).

Nesse sentido, determina os critérios técnicos de manejo desses resíduos e todas

as suas etapas: a segregação, o acondicionamento, o transporte interno, o armazenamento,

a coleta, transporte externos, o tratamento e a disposição final ANVISA (2004).

Os Resíduos de Serviço de Saúde são definidos pela Resolução 358 do Conselho

Nacional do Meio Ambiente CONAMA (2005) como todos os resíduos resultantes de

atividades relacionadas com o atendimento à saúde humana ou animal, inclusive os

serviços de assistência domiciliar e de trabalhos de campo; laboratórios analíticos de

produtos para saúde; necrotérios, funerárias e serviços onde se realizam atividades de

embalsamamento (tanatopraxia e somatoconservação); serviços de medicina legal;

drogarias e farmácias, inclusive as de manipulação; estabelecimentos de ensino e pesquisa

na área de saúde; centros de controle de zoonoses; distribuidores de produtos

farmacêuticos; importadores, distribuidores e produtores de materiais e controles para

diagnóstico in vitro; unidades móveis de atendimento à saúde; serviços de acupuntura;

serviços de tatuagem, entre outros similares

Esses resíduos também podem ser considerados infecciosos ou comuns, haja a

vista a diversidades de materiais utilizados em um serviço de saúde.

3. Metodologia da Pesquisa

3.1. Classificação da Pesquisa

Por tratar-se de uma pesquisa em que se busca registrar experiências vivenciadas em uma

instituição, a qual aponta a observação dessa realidade como uma possível forma de

minimizar a incompreensão das causas finais de fatos, atos e decisões, ocorridas no

contexto do tipo de instituição em questão, e como forma de capitalizar essas situações

vivenciadas, pode-se concluir que esta pesquisa é um estudo de caso Yin (2010).

Quanto à natureza da pesquisa, classifica-se como um resumo de assunto, pois,

conforme o conceito de Andrade (1997), trata-se de um estudo que dispensa a

originalidade. Também é definida como uma pesquisa exploratória, em relação à

classificação quanto aos objetivos. A mesma classificação pode defini-la como uma

pesquisa descritiva, já que se propõe a observação, registro, análise e interpretação de

Page 33: Revista facientifica digital

fatos. Quanto aos meios, é uma pesquisa de campo, bibliográfica e documental. A análise

dos dados obtidos foi feito com base em critérios quali-quantitativos.

Foi utilizado para população de pesquisa o grupo de pessoas que trabalham nos

setores associados ao gerenciamento de resíduos do HRAS, especificamente os servidores

da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e Divisão de Serviços Gerais

(DSG). A amostragem selecionada dentro do HRAS são os coordenadores dos referidos

setores, em virtude de serem os responsáveis pela elaboração dos planos táticos e

operacionais de gerenciamento de resíduos, e por deterem o conhecimento da realidade

da instituição em relação à segregação, o acondicionamento, o transporte interno, o

armazenamento, a coleta, transporte externos, o tratamento e a disposição final, sendo,

portanto, segundo o conceito de Tobar e Yalour (2001), os informantes-chave.

3.2. Delineamento da pesquisa Após o desenvolvimento da pesquisa bibliográfica e a seleção dos documentos a serem

analisados, buscou-se observar a realidade do processo de gerenciamento de resíduos do

hospital, partindo para aplicação de questionário, com perguntas abertas, para as pessoas

identificadas como as amostras válidas para o estudo. Foram feitas 12 perguntas,

divididas em três grupos, conforme o objetivo da coleta de informações, a saber: conhecer

os tipos e quantidades de materiais descartados como lixo, identificar o destino dado aos

diversos tipos de resíduos e verificar a percepção das oportunidades de melhorias por

parte dos responsáveis pelo gerenciamento de resíduos do hospital.

Antes da entrevista, foi esclarecido aos entrevistados sobre o objetivo e

importância da pesquisa, assim como sobre a relevância de sua colaboração. E, durante a

entrevista, foram instigados a dar maiores detalhes acerca do assunto em questão.

Os dados investigados foram extraídos, basicamente: do Plano de Gerenciamento

de Resíduos de Serviços de Saúde do Hospital, do relatório sobre o quantitativo e tipos

de reservatórios e recipientes de lixo, do Padrão de Materiais utilizados no Hospital, da

visita ao local de armazenagem de resíduos e, por fim, das informações obtidas com as

entrevistas.

3.3. O caso do hospital regional Dr. Abelardo santos

O Hospital Regional Dr. Abelardo Santos – HRAS oferece atendimentos em saúde de

diversos tipos, com uma capacidade média para 600 pacientes/dia, distribuídos em 66

leitos. Está localizado no Estado do Pará, na cidade de Belém, no Distrito de Icoaraci.

Possui uma estrutura física de médio porte e uma ampla área de terreno, dividida em 99

salas ou espaços físicos delimitados, de acordo com os tipos de atendimentos oferecidos.

O gerenciamento de resíduos no HRAS, apesar de já ter sido normatizado com a

elaboração do seu PGRSS no ano de 2012, ainda não está efetivamente implementado,

pois existe carência de recursos humanos e materiais para tal. A coleta de resíduos é feita

por dois tipos de empresas, a que recolhe o lixo comum e a empresa que recolhe o lixo

infectante, porém há a preocupação de muitos resíduos estarem sendo dispensados em

locais indevidos e de muitos materiais que tem potencial para reaproveitamento estarem

sendo misturados a resíduos contaminados, salientando-se que isso repercute não só na

Page 34: Revista facientifica digital

onerosidade do serviço ao hospital, como no risco à saúde das pessoas envolvidas com o

manejo dos resíduos e ao meio ambiente.

4. Tabulação de dados e análise de resultados Algumas das inadequações que foram relatadas no PGRSS do HRAS são: manejo

inadequado dos resíduos produzidos na Unidade, segregação somente de resíduos

perfuro-cortantes, uma percentagem de baldes sem tampas articuladas e sem simbologia,

falta de definição do fluxo de transporte de resíduos, destino final dos resíduos químicos

sem definição de neutralização e descarte, Política de Treinamento ainda em fase de

implantação, os carros para transporte dos resíduos são insuficientes para atender a

demanda, não existe local adequado para a lavagem e higienização dos carros de resíduos

e quantitativo insuficiente de pessoal para executar as atividades relacionadas com o

gerenciamento de resíduos.

Com o relatório sobre o quantitativo e tipos de reservatórios e recipientes de lixo,

elaborado pela Divisão de Serviços Gerais do HRAS, pode-se obter os seguintes dados:

149 recipientes, 4 tipos; 38 coletores com capacidade para 15 litros sem tampas e sem

pedal, 58 coletores com capacidade para 25 litros com tampa vai-e-vem, 50 coletores com

capacidade para 50 litros com tampa e pedal e 3 coletores com capacidade para 100 litros

com tampa e pedal. O gráfico 01 apresenta os tipos de recipientes e suas respectivas

quantidades.

Gráfico 01: Quantidade e tipos de recipientes de resíduos do HRAS.

Fonte: Dados da pesquisa

Além desses dados, foi verificado que o hospital não possui nenhum recipiente

para o descarte exclusivo de copos descartáveis, nenhum recipiente para coleta seletiva e

nenhum recipiente para o descarte de lâmpadas, de pilhas e baterias e que o reservatório

de resíduos é pequeno para o volume gerado, ficando expostas, sem nenhum abrigo,

muitas embalagens de papelão.

O Padrão de Materiais de uso do Hospital contém 9 grupos de materiais. O quadro

abaixo apresenta esses grupos com o seus respectivos quantitativos de itens, o item de

maior saída e seu volume de consumo anual aproximado.

38

58

50

3

Quantidades e tipos de recipientes de

resíduos Capacidade para 15

litros sem tampas e

sem pedalCapacidade para 25

litros com tampa vai-

e-vemCapacidade para 50

litros com tampa e

pedal

Page 35: Revista facientifica digital

Tabela 1. Grupos de materiais e quantidade de itens

O grupo dos Materiais Técnicos está subdividido em cinco tipos:

Material Hospitalar em Geral

Insumos de R-X

Insumos da Central de Esterilização

Insumos de Laboratório e

Insumos de Odontologia

Com a aplicação do questionário, obtiveram-se as seguintes informações:

I. Em relação aos tipos e quantidades de materiais descartados como lixo:

O maior volume de resíduos gerados é do tipo comum, porém os entrevistados

citaram materiais plásticos do tipo comum, como sacos e copos, e de uso associado

diretamente com atendimentos em saúde, como luvas de procedimento, frascos de soros

e equipos.

Os outros tipos de materiais, que não constam no Padrão de Materiais do Hospital,

são: alimentos, água mineral em garrafões de 20l e garrafas de 300ml, vestuários e peças

de manutenção predial em geral.

II. Sobre o destino dado aos diversos tipos de resíduos:

Ambos entrevistados informaram que há um processo licitatório para aquisição de

coletores de resíduos em número e especificações adequadas às necessidades do Hospital.

Existe um fluxograma criado para o descarte de um único tipo de resíduo, que são

os resíduos de partos, especificamente os produtos de fecundação humana sem sinais

vitais com peso menor que 500g.

Dos materiais como chapas de raio-x usadas, as carcaças de toners de impressoras,

caixotes de madeira e caixas, apenas as chapas de r-x e as carcaças de toners não são

descartadas como lixo; esses ficam depositados no Almoxarifado e ainda não possuem

Grupo Quant. de itens Item de maior saída Volume de saída

Expediente 119 Papel, alcalino A-4 900 resmas

Limpeza 18 Esponja dupla face 1.050 und

Insumos de lavanderia 05 Detergente líquido 22 bombonas

Insumos de informática 22 Toner 05a p/ impressora hp 150 und

Impressos 115 Ficha p/ identifição de

medicamento de paciente 40.000 folhas

Descartáveis 36 Copo descartável 180ml 12.000 pacotes

EPIs 22 Luva em latex 60 und

Medicamentos 235 Água Bi-destilada para

injeção 10 ml 300.000 ampolas

Materiais técnicos 423 Agulha descartavel, 40 x 12 25.8000 und

Page 36: Revista facientifica digital

destinação final definida e aqueles é a empresa que possui contrato de manutenção do

equipamento com o Hospital que os recolhe.

Não existe nenhuma cooperativa cadastrada para executar a atividade de

recolhimento de certos tipos de materiais descartados com lixo.

III. Sobre a percepção das oportunidades de melhorias por parte dos responsáveis pelo

gerenciamento de resíduos do hospital:

Foi relatado que a maior carência está na área onde se presta atendimentos de

urgência/emergência em virtude do grande fluxo de pessoas e da grande quantidade de

materiais utilizados. Segundo os entrevistados, nessa área há poucos recipientes para

resíduos, comparado à demanda, e muitas situações inadequadas em relação ao descarte

de materiais considerados como lixo.

Existem muitas oportunidades de melhora em relação ao gerenciamento de

resíduos no Hospital. Os projetos listados pelos entrevistados são: lançamento da Cartilha

de Orientação Sobre Resíduos, implantação da Coleta Seletiva HRAS, Semana de

Orientações para Segregação e Descartes de Resíduos, I Semana do meio ambiente HRAS

– 2013, implantação de posto permanente de recebimento de chapas de Raio X, para

população em geral, na instituição de saúde, campanha de devolução de medicamentos,

reaproveitamento do óleo vegetal após preparo de gêneros alimentícios, desenvolvimento

de campanha educativas, implantação de posto de coleta de pilhas, baterias e lâmpadas,

posto permanente de coleta de óleo de cozinha.

5. Considerações Finais

Com o presente trabalho pôde-se analisar a aplicação da Logística Reversa no

gerenciamento de resíduos gerados pela instituição pública de saúde estudada.

Identificou-se, portanto, que os resíduos que devem receber tratamento

diferenciado, por se tratarem de Resíduos de Serviços de Saúde, principalmente os

infectantes, no geral, estão sendo encaminhados a destinação adequada, haja vista que são

recolhidos por empresas especializadas, porém existe a carência de sistematização da

dispensação desses. Esses tipos de resíduos não são classificados por grupos, conforme a

RDC 306, por isso são considerados como um único tipo: infectantes.

O volume e a variedade de materiais utilizados no Hospital é grande e o número

de itens ou tipo de resíduo que possui um procedimento específico para o descarte é

insignificante. As chapas de raio-x são recolhidas pela empresa de manutenção do

equipamento, mas essa não informa a destinação dada ao material. Papelões são

descartados como lixo e as carcaças de toners não são reconduzidas ao mercado (não

existe projetos associados a essa questão). Também não existem projetos associados ao

incentivo de cooperativas de catadores de resíduo comum. Identifica-se, portanto, que

nenhum resíduo é descartado com o objetivo de reaproveitamento, já que apenas os

perfuro-cortantes e os produtos de fecundação humana são segregados e somente o

segundo possui uma sistematização em seu descarte.

Page 37: Revista facientifica digital

Os recipientes são um importante recurso no processo de gerenciamento dos

resíduos, uma vez que vão armazena-los e, se bem identificados e com capacidade e

estrutura de manejo adequadas, segrega-los. No hospital existe a carência em quantidade

e tipos de lixeiras e coletores de resíduos, porém já estão sendo tomadas as providências

para a resolução do problema.

Outra carência está relacionada aos recursos humanos, que são escassos e não há

treinamento para o desenvolvimento da atividade de gerenciamento de resíduos.

Os projetos de melhorias listados pelos entrevistados minimizaram ou

solucionarão muitos problemas relacionados ao descarte de resíduos. Para a aplicação da

Logística Reversa em uma instituição geradora de resíduos que podem causar danos ao

meio ambiente e à saúde, sem dúvida, um rigoroso processo de gerenciamento de resíduo

deve ser adotado e efetivado. Por isso, campanhas educativas, implantação de postos de

coletas, aquisição de recipientes adequados, treinamentos e capacitações, incentivo a

participação da comunidade, investimentos em estrutura física e em recursos humanos,

entre outros, são fatores que favorecem a aplicação dos fundamentos da logística reversa.

Dessa forma, considerando-se a hipótese de implementação efetiva do

gerenciamento dos resíduos na organização de saúde estudada e aliá-lo à aplicação da

Logística Reversa, ratifica-se que será possível ter um maior controle sobre o quantitativo

e tipos de resíduos gerados pela instituição, reduzir o quantitativo de materiais

desprezados como lixo, reduzir o desperdício, identificar possíveis fontes de renda para a

comunidade e contribuir com a limpeza e higiene do local de maneira efetiva.

Como última contribuição, apresenta-se como sugestão para trabalhos futuros a

investigação de formas de reconduzir à vida útil equipamentos, móveis e utensílios em

desuso ou inservíveis. O trato desses equipamentos, móveis e utensílios, no âmbito da

administração pública, é normatizado em um manual de administração de patrimônio, por

essa razão poderia se constituir numa inquietação a possibilidade de reutilização desses

materiais, adequando-se a essas normas.

Page 38: Revista facientifica digital

6. REFERÊNCIAS

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sobrevivência das organizações. Disponível em:

<http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/logistica-ferramenta-

estrategica-vital-para-a-sobrevivencia-das-organizacoes/33109/>. Acesso em: 08

nov.2013.

ANDRADE, Maria Margarida. Como preparar trabalhos para cursos de pós-graduação. 2

ed. São Paulo: Atlas, 1997.

ANVISA – AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução RDC

nº 306, de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento

de resíduos de serviço de saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil,

Brasília, 2004.

BERTAGLIA, Paulo Roberto. Logística: gerenciamento da cadeia de abastecimento. São

Paulo: Saraiva, 2003.

CONAMA - CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução 358. Dispõe

sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos do serviço de saúde e dá outras

providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 2005.

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JACOBI, Pedro. Pesquisa sobre problemas ambientais e qualidade de vida na cidade de

São Paulo. São Paulo: Cedec/SEI, 1994.

LACERDA, L. Logística Reversa: Uma visão sobre os conceitos básicos e as práticas

operacionais. Congresso Nacional de Engenheiro de Produção pela EE/UFRJ, 2000.

LACERDA, Leonardo. Logística reversa. Revista Tecnologística, VI. 74, n. 46-50, jan.

2002.

LEITE, P. R. Logística Reversa: meio ambiente e competitividade. São Paulo: Prentice

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POZO, Hamilton. Administração de recursos materiais e patrimoniais: uma abordagem

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http://equinox.unr.edu/homepage/logis/reverse.pdf>. Acesso em: 20 out 2013.

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conselhos e ideias para formular projetos e redigir teses e informes de pesquisas. Rio de

Janeiro: Fiocruz, 2001.

YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4 ed. Porto Alegre: Bookman,

2010.

Page 39: Revista facientifica digital

Análise das dificuldades de condenação e políticas de

enfrentamento ao tráfico transnacional de mulheres para fins

de prostituição forçada no estado do Pará.

Camila Florenzano Carvalho1, Mônica Martins Hagedorn1

1Faculdade Ideal –(FACI)

[email protected] , [email protected]

Abstract. The barriers geographics and the context of territorial formation of

the State of Pará also contribute to the international trafficking of women for

forced prostitution. Nevertheless, even with specific legislation, there are few

cases of this type criminal conviction to the rule. Therefore, it was considered

essential to analyze the difficulties and politics addressing this type of

trafficking. As soon, analyze were conducted to model the international and

national legal protection in force on the obtained, it was found that the absence

of public and the lack of adequate preparation of professionals are the main

causes of impunity.

Key-words: International trafficking women. Forced prostitution.

Condemnation.

Resumo. Os entraves geográficos e o contexto da formação territorial do

Estado do Pará contribuem para a instalação do tráfico internacional de

mulheres para prostituição forçada. Porém, ainda que com legislação

específica, poucos são os casos de condenação a esta modalidade criminosa no

Estado. Sendo assim, considerou-se imprescindível a análise das dificuldades

de condenação e políticas de enfrentamento a este tipo de tráfico. Para tanto,

foram realizadas análises aos modelos de proteção jurídica internacional e

nacional vigentes sobre o tema, bem como entrevistas com profissionais que

atuam no combate ao crime. Em conformidade com os resultados obtidos, foi

constatado que a ausência de políticas públicas e a falta de preparo adequado

dos profissionais são as principais causas de impunidade.

Palavras-chave: Tráfico internacional de mulheres. Prostituição forçada.

Condenação.

1. Introdução No Brasil, dados asseveram que cerca de três milhões de brasileiros, em condições de

legalidade diversas, residem em territórios alienígenas. Destes, a grande maioria exerce

alguma atividade laboral TERESI (2012). Todavia, neste universo migratório, um

elemento destaca-se negativamente: o tráfico transnacional de mulheres para fins de

trabalho sexual forçado.

Infiltrando-se nos diversos ramos da sociedade, especialmente naqueles em que o

Estado tem sua atuação comprometida, os criminosos aliciam mulheres que se encontram

vulneráveis e/ou em situação de vulnerabilidade. As vítimas, atraídas por promessas de

melhoria de vida, acabam rompendo com o meio em que vivem e passam a ser sujeito

passivo de uma rede criminosa.

Apesar dos esforços das legislações, o Pará assim como os demais Estados do

Brasil, é uma das rotas do tráfico internacional de mulheres para prostituição forçada.

Page 40: Revista facientifica digital

Dessa maneira, a presente pesquisa se justifica pelo conhecimento e análise crítica do

tema, bem como pela carência de estudos que apontem as possíveis causas de impunidade

deste crime no Estado do Pará, elucidando, ainda, a importância do Direito na temática.

Ressaltar-se-á as peculiaridades deste crime neste Estado.

2. Objetivos

2.1 Geral

1. Analisar as dificuldades de condenação e políticas de enfrentamento ao tráfico

transnacional de mulheres para fins de prostituição sexual forçada, no Estado do

Pará.

2.2. Específicos

1. Correlacionar o tráfico transnacional de mulheres com os aspectos históricos e

jurídicos do Brasil e da região Amazônica;

2. Correlacionar esta modalidade de tráfico com as convenções internacionais;

3. Identificar as políticas de enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de

prostituição forçada existentes no ordenamento jurídico brasileiro;

4. Identificar quais as dificuldades de condenar os criminosos no Estado do Pará;

5. Identificar as entidades empenhadas no combate a este tipo de crime neste Estado.

3. Fundamentação teórica

3.1. Considerações históricas O deslocamento de seres humanos entre regiões e mesmo transfronteiriços foi

fundamental à formação territorial de países e continentes sendo fator primordial ao

desenvolvimento da humanidade.

Paralelamente a esta evolução, têm-se relatos de conflitos entre povos distintos

que almejavam a ampliação de seu poderio sob novas terras. Nestas disputas era comum

que os vencedores dominassem os perdedores, que poderiam ser transformados em

escravos e posteriormente comercializados, uma vez que eram considerados apenas como

objeto de transação comercial

Em função de fatores econômicos e de modificações políticas e ambientais, os

séculos XIX e XX foram marcados pelo intenso movimento migratório. De acordo com

Becker (2010), o primeiro grande fluxo de pessoas ocorrido nas Américas foi o de

imigrantes oriundos das nações colonizadoras, tendo em vista que, o aumento da

economia colonial teve como conseqüência a necessidade de mão de obra, contribuindo

para o movimento forçado de africanos para este continente.

Sendo as migrações manifestações multifacetadas, seus impactos podem ser

observados tanto nas áreas de êxodo como nas de atração. Comparato (2005) descreve

que a evasão em massa de africanos foi uma das causas da definitiva fragilização do

continente, seja no âmbito econômico como no social.

No Brasil, no final do século XIX, o ingresso de imigrantes acarretou sérios

problemas. Além do aumento nos índices de pobreza e da comercialização negreira, uma

espécie diferenciada de tráfico surgiu: o de mulheres européias para prostituição forçada

nos grandes centros urbanos. A partir de então, a exploração feminina nos negócios do

sexo adquiriu nova roupagem, uma vez que o capitalismo contribuiu para a

internacionalização dos mercados e para a expansão dos prazeres

Page 41: Revista facientifica digital

Assim, diante da transformação da mulher em mercadoria, o tráfico de mulheres

européias foi estabelecido e considerado como crime transnacional. No entanto, a forma

como eram exploradas levou a comunidade internacional a pensar em medidas que

possibilitassem o combate a este crime.

3.2. Conceito

3.2.1. Tráfico de pessoas De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (2012 apud TERESI, 2012. p.

42), no mundo, aproximadamente 20,9 milhões de pessoas são vítimas deste crime. Tal

estimativa aponta que o tráfico de pessoas ocupa a terceira posição no ranking dos crimes

mais rentáveis, estando atrás do tráfico de armas e de drogas.

A discussão acerca do tráfico de pessoas encontra solo fértil no modelo

globalizado, através do mercado mundial do sexo, que estimula a exploração do

trabalhador e impõem um ritmo acelerado no crescimento de redes criminosas, fazendo

com que a vítima assuma uma posição desproporcional na relação de poder.

O tráfico de pessoas é visto como uma forma de trabalho escravo, pois é um crime

que cerceia a liberdade dos trabalhadores. É, também, uma clara herança do período

colonial, uma vez que, como no passado, a problemática está associada à submissão de

subordinados a um superior, além da formação de uma “escravidão interna” das relações

exploradoras na organização do trabalho e do fato da vítima ser destinada ao abandono

(HAZEU, 2008. p. 505 apud SAKAMOTO, 2007).

O conceito atual de tráfico de pessoas foi concebido a partir da promulgação do

Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado

Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em

Especial Mulheres e Crianças (ou simplesmente Protocolo de Palermo - 2000) que

representa um marco fundamental na discussão. O Brasil, através do Decreto nº

5.017/2004 promulgou o referido Protocolo que define o crime em questão como:

“o recrutamento, o transporte, a transferência, o

alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo

à ameaça ou uso da força ou a outras formas de

coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de

autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à

entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios

para obter o consentimento de uma pessoa que tenha

autoridade sobre outra para fins de exploração (...)”.

Dessa forma, o tráfico de pessoas pode ser cometido vislumbrando diferentes fins,

dentre os quais estão: o transplante ilegal de órgãos, o trabalho forçado, bem como o

trabalho escravo no mercado do sexo.

A prostituição, por não ser bem vista diante da sociedade, na maioria dos países,

é cercada de restrições. Ocultar e, até mesmo, negar a existência da mesma significa não

levar a cabo sérios problemas sociais, posto que, segundo Santos (et al, 2009) os valores

impostos para encobrir o problema, reproduzem sistemas dominadores que acabam

tornando exeqüível a escravidão moderna.

Sendo a prostituição forçada uma modalidade do tráfico internacional de pessoas,

o Código Penal brasileiro, em seu artigo 231 descreve o tráfico internacional de pessoas

para fim de exploração sexual como ato de: “promover ou facilitar a entrada, no território

nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração

sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro”.

Page 42: Revista facientifica digital

Em contrapartida, Hazeu (2008) aponta que no que tange a terminologia, os

conceitos de prostituição e de exploração sexual ainda são lacunosos e por isso, na

ocorrência deste crime, deve-se evitar o uso do termo “exploração sexual” para pessoas

que já atingiram a maior idade, uma vez que esta pode levar a uma visão preconceituosa

da prostituição como profissão. No entanto, o termo “exploração sexual” pode

perfeitamente ser usado quando o crime envolve crianças e adolescentes, pois o Estatuto

da Criança e do Adolescente assim prevê no caput do seu artigo 244-A.

3.2.2. A Amazônia e o estado do Pará como rota no tráfico internacional de

mulheres para fins de prostituição forçada. O tráfico de pessoas para fins de prostituição forçada é um crime que atinge,

indistintamente, homens e mulheres. Porém, ainda no século XXI, as mulheres são as

principais protagonistas. Benchimol (1999 apud Smith, 2009. p.3) mostra que a história

da ocupação do território amazônico possibilitou uma cultura de exploração da figura

feminina, uma vez que as mulheres eram designadas a servir os homens, estabelecendo,

assim, uma relação desproporcional entre os gêneros.

Atraídos por promessas de melhores condições de vida, tendo em vista o

desenvolvimento regional impulsionado pela implantação de grandes projetos, a Região

Amazônica, no passado, foi uma grande área de atração de pessoas.

O primeiro crescimento populacional expressivo da região foi motivado pela

extração do látex dos seringais, no século XIX. Fato que contribuiu para o

desenvolvimento das cidades de Belém e Manaus e que possibilitou a entrada de

imigrantes, principalmente nordestinos. Semelhante ao ocorrido, no século XX, com a

construção das estradas Belém-Brasília e da Transamazônica.

No Pará, foi possível observar um expressivo número de jovens em prostíbulos

localizados próximos a garimpos, no município de Itaituba, e junto ao Projeto Mineração

Rio do Norte, nos municípios de Oriximiná e Porto Trombetas (DIAS 1997 apud HAZEU,

2003).

Semelhante com o que aconteceu com mulheres do município de Cametá, a época

do Projeto Tucuruí (PINTO, 1997 apud HAZEU, 2003). Diante disso, muitas mulheres

vieram à região para se prostituir ou para trabalhar como domésticas, caracterizando o

tráfico interno de mulheres na região.

Observando o contexto do Estado do Pará é possível compreender a condição que

figura feminina, histórica e culturalmente, assumiu na sociedade. Encoberta por um

regime patriarcal, a mulher foi levada a servir sexualmente os homens. Tal fato

influenciou diretamente na posição desigual da mesma no mercado de trabalho e no

exercício de sua autonomia.

Em contrapartida, a falta de manutenção, a carência em investimentos políticos e

econômicos fez com que a mesma região se transformasse em área de êxodo. Homens,

mulheres, famílias deixaram a região buscando o que aqui vieram procurar. Nesse

cenário, o Pará se transformou em um grande “exportador” de mulheres para fins de

prostituição forçada no contexto internacional.

O município de Barcarena, nos dias atuais, vem ganhando destaque, pois as

vítimas, mulheres em sua grande maioria, vêm sendo levadas para países da Europa. A

reportagem vinculada no Jornal Popular 2013 revela que menores de idade são induzidas

a se prostituírem em navios estrangeiros atracados no porto de Vila do Conde. Os

criminosos ainda agem em municípios como: Rondon do Pará, Capanema, Breves, Portel,

Marabá, Bragança entre outros.

No Brasil, o Ministério Público Federal (MPF), entre janeiro de 2005 a julho de

2012 abriu 1,1 mil processos judiciais por tráfico transnacional de seres humanos.

Page 43: Revista facientifica digital

Atualmente, no Estado do Pará, existem 39 casos em andamento, entre processos judiciais

e inquéritos sob responsabilidade do MPF ou da Polícia Federal. JORNAL POPULAR

(2013).

4. Proteção jurídica

4.1. Normativa internacional As conferências internacionais há muito vêm tratando do tema, a iniciar pelo tráfico de

escravos, cuja repressão teve início em meados do século XIX, no tratado assinado entre

Inglaterra e Portugal (1810). Em 1815, um segundo tratado assinado pelos mesmos países

proibiu a comercialização e/ou tráfico de indivíduos nos arredores da costa africana e no

norte do Equador COMPARATO (2005).

Neste período, outros importantes tratados foram celebrados, dentre eles: os

tratados de Paris de 1814, as Declarações do Congresso de Viena de 1815, a Declaração

de Verona de 1822, os tratados de 1831 e 1833 entre França e Grã-Bretanha e o tratado

de Londres de 1862. Todos versavam sobre a violação aos princípios de justiça e

humanidade, além da repressão ao transporte de africanos por via marítima

COMPARATO (2005).

Reflexo direto do tratado de Paris (1814) foi a Convenção pactuada pela

Sociedade das Nações (1926). Em 1953, referida Convenção foi reafirmada pela

Organização das Nações Unidas (ONU) através do Protocolo de Emenda à Convenção da

Escravidão de 1926. Nos termos deste Protocolo o tráfico de escravos foi definido como:

“todo ato de captura, aquisição ou cessão de

um indivíduo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por

venda ou câmbio de um escravo, adquirido para vendê-lo ou trocá-

lo e, em geral, todo ato de comércio ou de transporte de escravos”.

Em 1956, a Convenção de Genebra reiterou estes conceitos e estendeu o

entendimento às práticas análogas à escravidão. Logo, os Estados Parte passaram a

estabelecer medidas administrativas e civis, uma vez que o ato - ou tentativa - de

transportar escravos passou a ser considerado crime (CASTILHO, 2007. p. 10).

Aliado a repressão ao tráfico negreiro foi possível observar a censura ao tráfico de

mulheres brancas. Assim,

“em 1904, é firmado em Paris o Acordo para

a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas (...). Durante as três

décadas seguintes foram assinados: a Convenção Internacional

para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas (Paris, 1910), a

Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres

e Crianças (Genebra, 1921), a Convenção Internacional para a

Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (Genebra, 1933), o

Protocolo de Emenda à Convenção Internacional para a Repressão

do Tráfico de Mulheres e Crianças e à Convenção Internacional

para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (1947), e, por

último, a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico

de Pessoas e do Lenocínio (LAKE SUCESS, 1949)” CASTILHO

(2007).

A Convenção e o Protocolo Final para Supressão do Tráfico de Pessoas e do

Lenocínio (1949) representou um marco na história do combate ao tráfico de seres

humanos, posto que, valorizou o indivíduo e sua dignidade, caracterizando o tráfico como

Page 44: Revista facientifica digital

algo lesivo ao bem-estar social. Em contrapartida, em razão de sua ineficácia surgiu a

Convenção de 1979 que visou impor que os Estados Partes tomassem medidas

vislumbrando erradicar todas as formas de tráfico e discriminação contra a mulher.

CASTILHO (2007).

Intitulada como “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”, a Quarta

Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995), dentre outros assuntos, discutiu e

fixou uma importante plataforma de ação, na qual ficou estabelecido que a prostituição

forçada é uma forma de violência, enquanto que a prostituição praticada livremente não

viola os direitos humanos.

Cabe pôr em evidência, também, que um dos objetivos estratégicos da

Conferência de 1995 foi estabelecer metas para prestar assistência às vítimas de

prostituição e do tráfico. Além disso, a mesma demonstrou preocupação com a saúde de

meninas e mulheres traficadas, tendo em vista que a contaminação por doenças

sexualmente transmissíveis é reflexo indireto deste mal.

Assim, o século XX foi marcado pelo enorme empenho advindo de Governos,

Organismos Internacionais e da própria comunidade civil. A Assembleia Geral da ONU

criou um comitê internacional vislumbrando a diminuição e extinção deste tipo de tráfico.

Em 1999, a Assembleia apresentou uma importante proposta, o Protocolo de Palermo.

A tipificação jurídica do tráfico de pessoas, expressa no Protocolo de Palermo é

genérica, associada unicamente a violência criminal. Todavia, este fator restringe o objeto

não permitindo uma análise sociocultural do fenômeno, tendo em vista que não leva em

consideração idade e sexo, LEAL (2007). O Brasil, através do Decreto nº 5.017/2004

promulgou o referido Protocolo.

4.2. Normativa Brasileira Impulsionado por incentivos alienígenas, o governo brasileiro encomendou pesquisas

sobre o tráfico de pessoas no Brasil. Pesquisas como estas definem os lugares mais

acometidos pelo crime, bem como o perfil das vítimas. Possibilitando, assim, a execução

de ações de combate ao crime e alterações na legislação interna.

Em razão disto, em 2002, foi realizado o estudo de abrangência nacional mais

importante: a Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins

de Exploração Sexual Comercial (PESTRAF) que apontou, dentre outros relevantes

aspectos, as rotas de tráfico interno e internacional de brasileiros.

O presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, em 2003, definiu como uma das

prioridades de gestão e diretrizes do plano plurianual o combate ao tráfico de mulheres e

meninas. Contudo, as políticas pensadas para a Amazônia não foram sólidas, uma vez

que outros projetos foram beneficiados e os investimentos do governo na área social

foram subtraídos, o que tornou ainda mais vulnerável a posição dos trabalhadores e das

mulheres, SODIREITOS (2007).

Nesse cenário de medidas para combater a exploração sexual, a lei nº 11. 106/2005

foi instituída para tutelar a moralidade pública sexual e, consequentemente, assentou

mudanças significativas; a começar pelo termo “tráfico internacional de pessoas”. Tal

denominação possibilitou a ampliação aos limites territoriais da pratica criminosa. Além

disso, a lei acrescentou a pena de multa à pena privativa de liberdade quando o crime

estiver associado a fins lucrativos GRECO (2009).

Já em outubro de 2006, o presidente assinou o decreto nº 5.948 que visou traduzir

os esforços antitráfico; realizados de acordo com o suporte dos mais diferentes ramos da

sociedade pública e civil.

Em observância aos graves efeitos do crime, a lei previu não só a definição, como

também sanção ao tráfico de seres humanos praticado em território nacional. Visto isso,

Page 45: Revista facientifica digital

o caput artigo 231-A institui que o tráfico interno de pessoas consiste em: “promover ou

facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da

prostituição ou outra forma de exploração sexual”.

Outra medida de extrema relevância anexa ao decreto nº 5.948/06 é a Política

Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Esta, por sua vez, está dividida em três

capítulos. O primeiro tem como finalidade definir o tráfico de pessoas e o correlacionar

com Protocolos Internacionais e as demais legislações do ordenamento jurídico brasileiro.

O segundo capítulo estabelece as diretrizes gerais acerca do enfrentamento, enquanto que

o capítulo subseqüente mostra as diretrizes específicas, dando enfoque, sobretudo à

prevenção e envolvendo as mais diversas esferas, quais sejam: educação, saúde, trabalho,

cultura, turismo, direitos humanos dentre outras.

Com base nisso, GRECO (2009) demonstra que fundamental à erradicação do

crime foi a determinação do caráter público incondicionado à instauração da ação penal.

Logo, tanto para tráfico internacional quanto ao interno de pessoas, é facultada qualquer

condição ou consentimento da vítima ou de seu representante legal.

Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff, instituiu a Coordenação Tripartite da

Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, por meio da assinatura do

decreto nº 7.901/2013 que autoriza a publicação do II Plano de Enfrentamento ao Tráfico

de Pessoas. Este plano visa o fortalecimento dos órgãos de combate ao crime, bem como

a ampliação da atividade dos organismos governamentais envolvido no enfrentamento,

prevenção e repressão ao tráfico de pessoas, além da capacitação dos profissionais e

instituições e redução das situações de vulnerabilidade ao tráfico de pessoas.

5. Pestraf e políticas de enfrentamento Em conformidade com o Instituto Interamericano del Niño/OEA (1998), o Relatório

Nacional PESTRAF apontou que a exploração sexual está associada ao abuso sexual -

seja ele intra ou extra-familiar – manifestado em diversas formas.

O PESTRAF mostrou que as mulheres, vítimas do tráfico internacional são

mandadas à Espanha, Holanda, Itália, Portugal, Suíça, Estados Unidos, Alemanha e,

também, para os países da América do Sul com o Brasil, como: Guiana Francesa,

Suriname, Paraguai, Venezuela, Argentina.

Resultados observados pela mesma pesquisa demonstram que há uma clara

relação entre desigualdade social e as rotas do tráfico, uma vez que as Regiões Norte e

Nordeste, que são economicamente mais pobres, estão no topo do ranking. Este fenômeno

está associado tanto a rota internacional quanto aquela dentro do próprio país.

O mesmo estudo alega que o tráfico de mulheres na Amazônia está ligado a prática

de aviamento vinculado à prostituição, ou seja, a chamada escravidão por dívida. Aliado

a isto existem outros fatores que agravam o problema, tais como: a corrupção, o crime

organizado, o contrabando e a frágil presença do Estado.

Todavia, a quantificação deste crime é algo extremamente complexo. Alguns

dados são baseados em aproximações e generalizações, tendo em vista que, algumas

vezes, os números são manipulados pelos poderes instituídos, visando satisfazer as

pressões nacionais e internacionais.

No entanto é grande o emprenho dos órgãos federais para combater o tráfico

humano. A Secretaria Nacional de Justiça coordena o “Programa de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas”, responsável pela cooperação técnica internacional. Outros órgãos

que vêm se aperfeiçoando no combate ao tráfico são: a Secretaria Nacional de Segurança

Pública, o Departamento da Polícia Federal e o Departamento da Polícia Rodoviária

Federal.

Page 46: Revista facientifica digital

A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e a Secretaria Especial dos

Direitos Humanos, uniram-se com o Ministério Público e alguns representantes da

sociedade civil para tentar buscar soluções para o problema e juntos construíram um texto

que inicialmente foi discutido no âmbito do Poder Executivo Federal, com a participação

do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho, e, em um segundo

momento, buscando legitimidade e participação popular, o texto foi levado à consulta

pública.

6. Materiais e métodos

6.1. Metodologia A pesquisa foi iniciada após o aceite da orientadora do projeto e aprovação da

Coordenadoria de Pesquisa da Faculdade Ideal.

A primeira etapa do estudo consistiu em realizar pesquisa bibliográfica ao acervo

virtual e físico, através de livros e periódicos. As informações também foram coletadas

em organizações não governamentais em defesa aos direitos humanos Na segunda etapa

realizou-se entrevista com um representante do poder público, Procurador Regional da

República Dr. Ubiratan Gazetta, e com o coordenador da organização não governamental

SODIREITOS Marcel Hazeu representando o outro setor da sociedade que visa o

combate e acolhimento das vítimas de tráfico de pessoas.

A escolha dos entrevistados foi feita vislumbrando verificar as diferentes

perspectivas deste crime. As informações foram registradas em questionários de

perguntas elaborados pela própria pesquisadora.

7. Resultados Em decorrência de sua economia, seu histórico e sua localização geográfica, o Estado do

Pará, sofre com as consequências do tráfico internacional de mulheres. Os aliciadores

utilizam as diferentes alternativas de transporte para retirada das vítimas do Estado. Este,

ainda, é um fator desfavorável para pesquisadores e órgãos do governo, pois não

proporciona números precisos acerca do tráfico e dificulta as ações de enfrentamento.

De acordo com o Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre

Tráfico Humano no Estado do Pará (2012. p. 101), o combate eficaz a esta espécie de

tráfico se dá por meio de um trabalho em rede, cujo objetivo é legitimar a proteção às

vítimas com atenção a questões fundamentais, como: a defesa dos direitos humanos, a

valorização da família e a responsabilização dos entes federados competentes.

No Estado do Pará, no que tange o combate do tráfico de pessoas, o executivo

estadual instituiu o Plano Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, através do

Decreto nº 423 que conta com a participação da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos

Humanos, Secretaria de Estado de Assistência Social, Secretaria de Estado de Saúde

Pública, Secretaria de Estado de Educação, Secretaria de Estado de Segurança Pública,

Secretaria de Estado da Cultura e organizações não governamentais.

Referido documento ressalta a importância do Sistema Único de Saúde e do

Sistema Único de Assistência Social, como forma de identificar e reduzir os casos de

tráfico internacional de mulheres, no Estado do Pará. As atividades, tanto da saúde quanto

da assistência social, devem ser voltadas à instrução, prevenção e proteção física e

psicológica dos vulneráveis, bem como ao resguardo à família, como ponto social

primário. Juntos, esses núcleos devem convergir à elaboração de políticas públicas

necessárias.

No âmbito da saúde, apesar da existência de programas que vislumbram a atenção

a saúde e do Plano Nacional de Diretrizes para Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, o

Page 47: Revista facientifica digital

Pará não possui ações políticas na Secretaria de Estado de Saúde Pública que protejam,

especificamente, as vítimas de tráfico de pessoas. O mesmo acontece com os serviços de

proteção social as vítimas de tráfico humano, já que inexiste um atendimento

especializado as mulheres e demais vítimas do crime.

O ambiente escolar com a sua função precípua de formação pedagógica do

indivíduo, também deve estar em conformidade com as políticas públicas de repressão ao

tráfico humano. Dentre os programas existentes, há o Projeto Escola Saudável que tem

por objetivo qualificar os próprios profissionais da educação a fim de incentivar a

produção científica para a identificação e diagnósticos precisos sobre o tráfico de pessoas.

De acordo com esta pesquisa, dentre os principais obstáculos à condenação dos

criminosos estão: a frágil cooperação entre o Brasil e os demais países, no que diz respeito

a este tema; a instabilidade dos sistemas jurídicos, sobretudo dos países de baixo índice

de desenvolvimento; a diferença na forma de tratamento do crime entre os países; a

carência em recursos nas áreas sociais e da saúde, a “imaturidade” profissional dos

indivíduos e/ou órgãos responsáveis pelo combate ao crime; além do preconceito incutido

na sociedade sobre a prostituição e a forma de organização do crime.

8. Discussão Após as atrocidades cometidas durante a segunda guerra mundial e a guerra fria, as

comunidades internacionais, através da comissão de direito internacional da ONU

buscaram coibir crimes contra a dignidade da pessoa humana, visando à implantação de

um sistema de responsabilização criminal mundial. Tal iniciativa ensejou a elaboração do

Estatuto de Roma (1998), aprovado pelo Brasil através do decreto nº 4.388/2002, que traz

em seu cerne os crimes contra a humanidade.

Assim, por ser uma clara violação ao direito do homem e levando em consideração

a amplitude do crime, no entendimento dos entrevistados, o tráfico internacional de

mulheres para prostituição forçada pode ser compreendido como um crime contra a

humanidade, dependendo da perspectiva, haja vista que conta com uma enorme rede

criminosa que reduz o indivíduo a condição análoga de escravo.

Corroborando com essas assertivas, NEDERSTIGT (2008) aponta que na ótica

jurídica, o tráfico humano, em amplo sentido é um paradoxo entre causa e efeito da

violação aos direitos humanos, tendo em vista que tem seu nascedouro nas disparidades

sociais e na ineficácia das políticas públicas. Fato que pode contribuir para a exploração

da pessoa humana causando degradação da sua dignidade e limitando o direito à vida, à

liberdade e ao de não ser submetido à escravidão em nenhuma de suas formas.

Uma importante barreira à condenação deste crime é que, no geral, as migrações

para áreas em processo de desenvolvimento servem como cenário para o tráfico que

envolve uma enorme rede pessoas, composta por aliciadores, traficantes, cafetinas,

“coiotes” e, até mesmo, conhecidos da própria vítima. Todos esses, muitas vezes, estão

acobertados por empresas legais e ilegais, além da indústria da moda, do emprego e do

entretenimento. E é a ligação entre os envolvidos que caracteriza a conexão transnacional.

Com a finalidade de reconhecer e instrumentalizar o enfrentamento ao tráfico

internacional de pessoas, os tratados internacionais vigentes assumem uma posição

fundamental na ordem jurídica dos países, já que promovem uma estrutura de repressão

ao crime e levam os signatários a tipificar condutas e aplicar sanções severas aos

violadores.

Acerca disto, os entrevistados concordam que estes tratados, como instrumento

político e jurídico, abordam de maneira satisfatória o tráfico internacional de pessoas,

entretanto não são suficientes à resolução da questão, que é fruto, sobretudo, da falta de

implantação dos mesmos. Desse modo, mais do que criar novos tratados é necessário

Page 48: Revista facientifica digital

discutir os já existentes a fim de identificar as necessidades reais de ampliação dos

mecanismos de combate.

A falta da incorporação material dos tratados e das leis está permeada pelo

preconceito existente, que inicia já na esfera internacional, tendo em vista que, de acordo

com os entrevistados, a lógica da diplomacia brasileira está voltada para o comércio, e

um brasileiro vitimado é visto como um produto maléfico à imagem do Brasil.

O eficaz combate ao tráfico de mulheres para fins de prostituição forçada implica

no envolvimento e na cooperação das autoridades judiciárias e policiais dos estados-

membros. Portanto, uma das preocupações na esfera nacional é a instituição de

mecanismos que permitam dada cooperação, COSTA (2004).

Porém, o descaso do Ministério das Relações Exteriores em relação ao tema,

atrelado a falta de cooperação jurídica internacional de determinados países faz com que

se estabeleça uma cadeia de dificuldades que se agrava, principalmente, quando se

observa a questão na América Latina, em especial no Suriname, em decorrência da

fragilidade institucional do país e permissividade por parte de uma cultura que subjuga a

figura e o corpo feminino.

QUAGLIA (2007) relata que ao ratificar o Protocolo contra Tráfico de Pessoas, o

Brasil promoveu significativa alteração na sua legislação. O dispositivo 231 do Código

Penal brasileiro foi alterado passando a tipificar o tráfico interno de pessoas e a versar,

especificamente, sobre o tráfico internacional de seres humanos. Todavia, na visão de

Marcel Hazeu, as leis brasileiras que abordam o tema ainda são insuficientes e/ou

contraditórias, o exemplo disto está na escolha, por parte do legislador, da palavra

prostituição no caput do artigo 231-A.

A interpretação deste dispositivo, segundo o entrevistado, pode acarretar sérios

problemas que permeiam as diversas atividades no mercado do sexo, posto que dá

margem a repressão e perseguição de prostitutas, bem como retira o foco dos outros

mercados que influenciam no tráfico internacional de mulheres.

Acerca da legislação brasileira, Dr. Ubiratan Cazetta observa que esta passou por

importantes avanços, principalmente na mudança dos termos “tráfico de mulheres” para

“tráfico de pessoas”, tal modificação permite ampliar o combate a este crime através da

questão do gênero. Em contrapartida, o entendimento sobre trabalho forçado ainda

precisa ser detalhado, já que, atualmente, não abarca questões relevantes, tal qual o

casamento servil que representa uma das formas de tráfico transnacional humano.

Muito embora haja um notável esforço da comunidade internacional juntamente

com o Estado brasileiro, através do Ministério da Justiça e da Polícia Federal, e, na sua

seara, a Secretaria de Justiça do Estado do Pará, a falta de políticas públicas,

investimentos na área social e a carência de pesquisas sérias sobre o assunto no Estado,

contribuem para o avanço e acabam dificultando a instauração do processo penal.

No Pará, como forma de remediar a situação, foi criada a Secretaria de Justiça do

Estado, no entanto o que era para ser mola propulsora no combate ao crime, mostrou-se,

em parte, como sendo um embargo à identificação e condenação dos indivíduos, em razão

da falta de capacitação dos profissionais, tais quais os membros da Polícia Federal. Fato

este relevante, pois a investigação depende de um trabalho complexo entre autoridades

alienígenas e inteligência nacional.

BARRETO E PRADO (2010 p. 201 apud BINDMAN, 2004) relatam que o forte

estigma relacionado à prostituição converge na vulnerabilidade à violação de direitos,

assim, grande parte das vítimas, não se vêem como merecedoras de direitos e, não

solicitam o amparo da lei, tendo em vista, principalmente o forte preconceito policial e

judicial.

Page 49: Revista facientifica digital

Corroborando com esta afirmativa, os entrevistados relatam que já

desestabilizadas pelo fato de terem sido enganadas e de ter estado em situação degradante,

algumas mulheres são deportadas e a grande maioria, entra no processo de vitimização o

que as distanciam do Poder Judiciário, em contraposição as aproximam de ONGs que são

figuras essenciais à identificação e combate ao crime. Esta distância do Estado em relação

às vítimas é preocupante, posto que a rede de tráfico atua, muitas vezes, na comunidade

de origem da vítima.

9. Considerações Finais Como se pôde identificar, a problemática do tráfico internacional de mulheres para

prostituição forçada no Estado do Pará não é algo dos dias atuais. Mesmo com o extenso

rol de normatização, inúmeras vítimas são retiradas do seio seu familiar e passam a sofrer

com as amarguras do cerceamento da liberdade de locomoção e do seu próprio corpo.

Logo, é de extrema importância que a sociedade civil tome conhecimento das

peculiaridades deste crime, principalmente, que o Estado brasileiro ponha em prática os

preceitos acordados nos tratados internacionais a fim de que não haja impunidade.

Necessária também se faz a atuação dos órgãos jurídicos e políticos na qualificação de

profissionais, bem como no mapeamento e identificação de rotas.

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sexual de mulheres: Representações sobre ilegalidade e vitimização. In Revista Crítica de

Ciências Sociais, 87, Dezembro 2009: 69-94

SMITH, Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira. Migração Feminina e o Tráfico de

Mulheres na Amazônia. Disponível em:

Page 52: Revista facientifica digital

http://www.andhep.org.br/anais/arquivos/Vencontro/gt6/gt06p07.pdf. Acessado em:

08/01/2013

SPRANDEL, Márcia Anita. DIAS, Guilherme Mansur. A temática do tráfico de pessoas

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jul/dez, 2010

TERESI, Verônica Maria. Guia de referência para a rede de enfrentamento ao tráfico de

pessoas no Brasil. Brasília : Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, 2012.

Page 53: Revista facientifica digital

OPORTUNIDADES DE DESENVOLVIMENTO DE

ALIANÇAS ESTRATÉGICAS EM IES A PARTIR DA

ANÁLISE DOS STAKEHOLDERS

Amanda Akemi Rodrigues Tanimoto1, Artur Neves de Assis1, Cintia Iketani1,

Daniel Nascimento e Silva2, Rony Ahlfeldt3

1Faculdade Ideal –(FACI), 2Universidade da Amazônia-(Unama), 3Pontifícia

Universidade Católica do Paraná – (Puc-Pr)

[email protected], [email protected],

[email protected], [email protected],

[email protected].

Abstract. This paper’s objective is to identify the opportunities of development

of strategic alliances through stakeholder analysis of the Ideal College, an

Undergraduate Institution that works in the Metropolitan Region of Belém

(Brazil), since the first semester of the 2000, and which today offer five

undergraduates programs for this region: Management, Accounting, Law,

Engineering and Pedagogy. For this, a quality-quantity case study was been

developed as a way to identify and classify its stakeholders, according to

Mitchell’s (1997) and Yoshino and Rangan’s (1996) methodology. Finally, was

been concluded that the Ideal College should be develop pre-competitive and

not-competitive strategic alliances with its definitive stakeholders, as a way to

improve its marketing competitiveness.

Key-words: Undergraduate Institutions (UI), strategic alliances, stakeholders

Resumo. O presente estudo tem como objetivo identificar as oportunidades de

desenvolvimento de alianças estratégicas a partir da analise dos stakeholders

da Faculdade Ideal, IES que atua na Região Metropolitana de Belém (Brasil),

desde o primeiro semestre do ano de 2000 e que, hoje, oferta cinco cursos

superiores para esta região: Administração, Ciências Contábeis, Direito,

Engenharia Civil e Pedagogia. Para isso, um estudo de caso do tipo quali-

quantitativo foi desenvolvido de forma a identificar e classificar os seus

stakeholders, com base na metodologia de Mitchell (1997) e Yoshino e Rangan

(1996). Ao final deste estudo, chegou-se à conclusão de que a Faculdade Ideal

deve desenvolver alianças estratégicas do tipo pré-competitivas e não-

competitivas com seus stakeholders definitivos com o intuito de melhorar a sua

competitividade no mercado.

Palavras-chave: Instituições de Ensino Superior (IES); alianças estratégicas,

stakeholders.

Page 54: Revista facientifica digital

1. Introdução

O tema alianças estratégicas vem sendo muito discutido por estudiosos na área da

Administração em virtude da importância da cooperação resultante da intensificação dos

vínculos interempresas. Vários estudos foram realizados nos últimos anos para entender

como a formação de alianças entre empresas pode garantir a sobrevivência e

competitividade principalmente de empresas de pequeno e médio porte. Dentre eles

destacam-se os trabalhos de Eiriz (2001), Klotzle (2002), Forte (2003) e Nogueira & Forte

(2004), dentre outros.

A partir destes estudos, percebe-se que a capacidade de sobrevivência das

empresas em um mercado cada vez mais competitivo depende, em grande parte, da

formação de alianças estratégicas com parceiros potenciais. Em um mercado cada vez

mais instável e cheio de incertezas, já não basta que os dirigentes das organizações

encontrem meios de definir seus objetivos apenas a partir dos interesses e ponto de vista

dos proprietários ou acionistas controladores, mas devem levar em consideração também

as necessidades e perspectivas de seus stakeholders.

Neste sentido, compreende-se como stakeholder “qualquer grupo ou indivíduo

que pode afetar ou ser afetado pela realização dos objetivos organizacionais”

(FREEMAN, 1984, p.46, apud MITCHELL et al, 1997, p.854). Conseqüentemente, a

análise dos stakeholders de uma organização pode ser considerada uma importante

ferramenta na identificação dos parceiros potenciais para o desenvolvimento de alianças

estratégicas. Por outro lado, o universo das Instituições de Ensino superior (IES)

configura-se como uma excelente oportunidade de estudo quanto ao desenvolvimento de

alianças estratégicas a partir da análise de seus stakeholders em virtude do potencial que

estas têm em relação à geração e/ou difusão de conhecimento (capital intelectual), o que

pode ser muito favorável no momento de atrair parceiros potenciais para o

desenvolvimento de novas tecnologias.

Em face disso, o presente estudo busca identificar tais oportunidades de

desenvolvimento de alianças estratégicas a partir da análise dos stakeholders da

Faculdade Ideal (FACI), IES que vem desenvolvendo suas atividades na Região

Metropolitana de Belém, no Estado do Pará, desde o primeiro semestre do ano de 2000 e

que, hoje, oferta cinco cursos superiores para esta região: Administração, Ciências

Contábeis, Direito, Engenharia Civil e Pedagogia. Mais especificamente, buscou-se: (a)

identificar e classificar os stakeholders potenciais dessa organização; (b) identificar seus

parceiros potenciais para formação de alianças estratégicas; e, por fim, (c) identificar os

tipos de alianças estratégicas mais adequadas para essa IES. Sendo assim, a seguir, uma

breve revisão de literatura é realizada de forma a contextualizar o leitor quanto aos

conceitos relevantes à consecução destes objetivos.

2. Alianças Estratégicas

Até o início dos anos 80, as alianças estratégicas eram pouco difundidas e aconteciam em

número muito reduzido, uma vez que o contexto era outro e não se pensava em formação

de redes entre as empresas, mas sim, entendia-se que era de grande importância o

desenvolvimento verticalizado da organização (Porter, 1980) como forma de otimizar a

sua produtividade e margens de lucro. Hoje, a situação é bem diferente, pois o mundo

vive em constantes mudanças e para que as empresas aumentem suas perspectivas de

sobrevivência no mercado, torna-se cada vez mais importante o desenvolvimento de

alianças estratégicas.

Page 55: Revista facientifica digital

Em Yoshino e Rangan (1996, p. 4), a “aliança estratégica é uma parceria

comercial que aumenta a eficácia das estratégias competitivas das organizações

participantes, proporcionando o intercâmbio mútuo e benéfico de tecnologias,

qualificações ou produtos baseados nestas”. De acordo com esses autores, é possível

classificar as alianças estratégicas, quanto ao seu tipo, com base em uma matriz que

relaciona conflito potencial e extensão da interação organizacional (Figura 1). Para isso,

observam-se os objetivos da aliança estratégica, os quais podem ser de:

1. Flexibilidade estratégica, considerada importante para a organização uma vez que

as empresas não devem se tornar muito dependentes da relação com uma

determinada empresa;

2. Proteção das competências vitais, que se trata de proteger o know-how que a

empresa possui, e assim buscar conservar as vantagens estratégicas que possui

para não perder o diferencial que a torna mais competitiva no mercado;

3. Aprendizado, objetivo fundamental para toda empresa que pretende desenvolver-

se e permanecer numa situação competitiva; e

4. Agregação de valor, que ocorre quando uma empresa consegue tirar mais valor de

uma atividade conjunta com outra organização do que se a realizasse sozinha.

FONTE: Yoshino e Rangan (1996, p. 19).

Figura 1 – Tipologia das alianças estratégicas, FONTE: Yoshino e Rangan (1996, p. 19).

As duas primeiras categorias de objetivos são consideradas defensivas, ou seja,

visam impedir a perda de eficiência da organização, e as duas últimas são consideradas

positivas, por estarem relacionadas com o aumento da eficiência organizacional.

Conforme Yoshino e Rangan (1996), a partir da construção da matriz entre essas

categorias é possível estabelecer níveis de: (a) conflito potencial, ou possibilidade de

haver conflito entre as empresas, podendo este conflito ser tanto de ordem tática quanto

de ordem estratégica, e (b) extensão da interação organizacional, ou seja, quanto ao

objetivo final de interação entre as empresas que pretendem se aliar. Consequentemente,

a relação entre o grau (alto ou baixo) de conflito potencial e o grau (alto ou baixo) de

extensão da interação organizacional forma quatro tipos possíveis de alianças

estratégicas, as quais podem ser denominadas de alianças pró-competitivas, não-

competitivas, competitivas e pré-competitivas.

As alianças pró-competitivas ocorrem, frequentemente, entre o mesmo ramo de

negócio e em cadeia vertical de valor. Nesse tipo de aliança estratégica, a interação entre

as empresas é baixa, contudo, elas tendem a não concorrer entre si, o potencial de conflito

é baixo, privilegiando, assim, os objetivos de conservar a flexibilidade estratégica e de

Alianças

pré-competitivas

Alianças

pró-competitivas

Alianças

Competitivas

Alianças

não-competitivas

Conflito potencial

Alto

Baixo Alto Extensão da integração organizacional

Page 56: Revista facientifica digital

agregar valor, em vez dos objetivos de proteger as competências vitais e de aprendizado

Yoshino e Rangan (1996).

As alianças não-competitivas, por sua vez, ocorrem no mesmo ramo de negócio,

porém, ocorrem entre não-concorrentes. Tem-se um nível de interação alto nesse tipo de

aliança e, com isso, normalmente obtêm-se uma baixa manutenção das prioridades de

manutenção da flexibilidade e da proteção das competências vitais. Por outro lado, a

agregação de valor e, principalmente, o aprendizado apresentam maior importância com

relação ao objetivo estratégico das empresas-parceiras.

Já as alianças competitivas possuem um alto nível de interação organizacional,

uma vez que as parceiras unem esforços para realização de atividades. Como são

concorrentes diretos do produto final oferecido ao mercado, o vazamento de informações

é prejudicial para a empresa, o que leva à proteção das competências estratégicas vitais.

Enfim, as alianças pré-competitivas normalmente são constituídas pela união de

empresas de ramos de negócios diferentes com o objetivo de trabalharem em atividades

bem definidas, estabelecendo assim uma interação limitada entre elas. Essas empresas

tendem a formar alianças para a junção de conhecimento e esforços para o

desenvolvimento de novos produtos. O Quadro 1 resume o comportamento das empresas

constituintes de cada tipo de aliança estratégica quanto aos seus objetivos estratégicos e

importância relativa de cada tipo de aliança.

Tipo de Aliança Flexibilidade Proteção Vital Aprendizado Agregação de

valor

Pré-competitiva Muito Alta Alta Média Baixa

Competitiva Baixa Muito Alta Alta Média

Não-competitiva Média Baixa Muito Alta Alta

Pró-competitiva Alta Média Baixa Muito Alta

Quadro 1 – Importância relativa dos objetivos estratégicos nas alianças FONTE: Yoshino e Rangan (1996, p. 22).

3. Stackholders

Freeman et al (2002 apud Nogueira et al, 2003) explicam que o termo stakeholder

começou a ser utilizado no início dos anos 60, quando o Standford Research Institute

realizou um trabalho pioneiro sobre o assunto. A partir desse estudo verificou-se que a

necessidade de desenvolvimento de propostas de estratégias de negócios que

compreendessem não apenas as expectativas de seus acionistas, mas também de seus

funcionários, clientes, fornecedores, instituições financeiras e da comunidade envolvida.

Como conseqüência de um ambiente de mercado cada vez mais instável e cercado de

incertezas, torna-se imperativo que organizações definam seus objetivos não apenas a

partir do ponto de vista dos proprietários ou acionistas, controladores ou investidores (que

representam os stockholders ou shareholders), mas levando em consideração também os

interesses dos seus stakeholders.

É importante ressaltar que o processo de gerenciamento de stakeholders implica

não somente conhecer quem são as pessoas, grupos, instituições ou organizações que

podem afetar ou influenciar o cumprimento da missão da organização, mas, também,

definir a capacidade de influência que estes possuem sobre a mesma. Logo, para que as

organizações possam gerenciar a sua relação com os seus stakeholders faz-se necessário

Page 57: Revista facientifica digital

que os identifique, o que nem sempre é fácil. Nesse sentido, Mitchell, Agle e Wood (1997)

propõem uma teoria de identificação de stakeholders que se baseia na reunião de certos

atributos que os atores, que afetam ou são afetados de alguma forma pela organização,

possuem. Para estes autores, stakeholders são atores (internos ou externos), que

influenciam ou são influenciados pelos objetivos ou resultados de uma dada organização

e que possuem pelo menos um dos três atributos básicos, que são: poder, legitimidade e

urgência. Aqueles que não possuem nenhum desses atributos não são considerados

stakeholders.

Assim, segundo Nogueira et al (2003), o atributo poder é explicado pelas variáveis

definidoras dos recursos coercitivos (força física e armas), dos recursos utilitários

(tecnologia, dinheiro, conhecimento, logística, e matérias-primas) e dos recursos

simbólicos (prestígio, estima e carinho); já o atributo legitimidade é expresso pelo desejo

das ações pela sociedade e o atributo urgência é avaliado em razão das pressões de tempo

e da criticidade das demandas da ação em questão. A Figura 2 representa a classificação

dos stakeholders proposta por Mitchell et al (1997), com base nas categorias de atributos

por eles definidas.

Figura 2 – Legitimidade, poder e urgência Fonte: Mitchell et al (1997).

A classificação funciona da seguinte forma: o ator que não possui nenhum dos

atributos é considerado um não-stakeholder; o ator que possui um atributo é considerado

um stakeholder LATENTE, que pode ser do tipo adormecido (poder), discricionário

(legitimidade) ou exigente (urgência); o ator que possui dois atributos é considerado um

stakeholder EXPECTANTE, que pode ser do tipo dominante (poder + legitimidade),

perigoso (poder + urgência), ou dependente (legitimidade + urgência); e aquele ator que

possui os três atributos é considerado um stakeholder DEFINITIVO. Este último é o mais

relevante, já que consegue reunir os três atributos e impõe, por isso, seus interesses sobre

os demais.

4. Metodologia da Pesquisa

O tipo de pesquisa utilizado para realizar este estudo é do tipo quali-quantitativo e de

cunho exploratório, uma vez que esse tema de pesquisa – identificação dos stakeholders

de IES para formação de alianças estratégicas – ainda é incipiente no Brasil. Contudo, na

medida em que se desenvolve, assume aspectos de pesquisa descritiva, pois descreve o

perfil dos stakeholders da IES analisada, e de uma pesquisa explicativa, na medida em

que compreende o porquê da formação de alianças estratégicas com determinados

stakeholders e de que modo estes poderão proporcionar aumento da competitividade da

Page 58: Revista facientifica digital

IES no seu ambiente de mercado. Esta afirmação pode ser fundamentada com base em

Yin (2005): (...) é provável que qualquer estudo empírico novo caracterize-se como sendo um estudo ‘exploratório’(...) mesmo um estudo exploratório deve ser precedido por afirmações sobre: o que será explorado, o propósito da exploração e os critérios através dos quais se julgará a exploração como bem-sucedida. (...) a teoria pode ser descritiva (...), e seu interesse deve se voltar a questões do tipo: o propósito do trabalho descritivo, a ampla, porém realista, variedade de tópicos que podem ser considerados uma descrição ‘completa’ do que está sendo estudado, o (s) provável (is) tópico (s) que será (ão) a essência da descrição.

Quanto à estratégia de pesquisa utilizada para a realização deste trabalho, adotou-

se o estudo de caso que, como define Yin (2005, p.26), “é a estratégia escolhida ao se

examinarem acontecimentos contemporâneos, mas quando não se pode manipular

comportamentos relevantes”. Logo, o estudo de caso foi a estratégia de pesquisa

escolhida, pois trabalhou-se com assuntos que estão ganhado maior reconhecimento no

mercado recentemente, de forma a interligar esses dois assuntos e aplicar-se em uma

Instituição de Ensino Superior particular, afim de propor formação de alianças

estratégicas entre a instituição de ensino e seus stakeholders, através da análise dos

mesmos.

A unidade de análise desta pesquisa é a Faculdade Ideal, que se caracteriza por

ser uma IES em proeminência na região metropolitana de Belém, Pará, que tem como

missão “educar para promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia, estando

comprometida com sua viabilização econômica, ambientalmente segura e socialmente

justa, calcada em ampla disseminação de valores éticos e de cidadania” (FACI, 2006)

Quanto ao processo de coleta de dados, inicialmente realizou-se uma pesquisa a

partir de documentos pertencentes à IES que continham os componentes do corpo

diretivo, coordenadores de curso, missão da faculdade, os cursos de graduação oferecidos

e as coordenadorias da FACI. Esta etapa da pesquisa visou a obter maior conhecimento

acerca da unidade de estudo de caso analisada. Da mesma forma, a pesquisa documental

possibilitou que se definisse melhor a questão de pesquisa, assim como, os seus objetivos

e metodologia.

Em um segundo momento, para identificação inicial dos stakeholders da FACI,

optou-se por uma amostra por conveniência, tomando como critério de escolha o universo

dos atores-chave no processo decisório no âmbito da IES analisada, ou seja, os ocupantes

de cargos de direção da faculdade, além dos coordenadores e dos professores mais antigos

na instituição, os quais possuem certo grau de influência nas decisões em nível

institucional. Definidos os atores a serem respondentes, foram agendados data e horário

com esses atores para a realização das entrevistas. Dessa forma, foram entrevistados, no

período de 26 a 30 de setembro de 2005, 18 (dezoito) colaboradores que trabalham junto

à Faculdade Ideal, incluindo o seu Diretor Geral, a Diretora Acadêmica, o Chefe do Setor

Financeiro, Coordenadores de Cursos, Professores e Gestores das coordenadorias da

Faculdade.

Durante as entrevistas, foram aplicados questionários semi-estruturados com

questões abertas, incitando os respondentes a discernir sobre o histórico da IES, assim

como sobre os eventos mais importantes ou que causaram maior impacto na vida da

Instituição. No momento da entrevista, solicitou-se permissão para todos os respondentes

Page 59: Revista facientifica digital

para que esta fosse gravada, o que facilitou muito no momento de se listarem os

stakeholders e para a posterior estruturação de um protocolo de estudo de caso. Dessa

forma, a compilação dos atores citados pelos respondentes durante as suas narrativas,

possibilitou uma listagem inicial de 52 (cinqüenta e dois) stakeholders relacionados ao

ambiente da IES; depois, estes stakeholders foram agrupados em 21 categorias. Por fim,

identificados e categorizados os stakeholders da unidade de análise estudada, foi possível

desenvolver um protocolo de estudo de caso (YIN, 2005), com o objetivo de mensurá-los

e classificá-los com base na tipologia de Mitchell et al (1997) e nos trabalhos

desenvolvidos por Almeida, Martins e Fontes Filho (1999).

Em um segundo momento, realizou-se a aplicação de um protocolo de estudo de

caso contendo questionários fechados e estruturados de forma a mensurar os graus de

legitimidade, poder e urgência dos stakeholders identificados. Para isso, manteve-se a

mesma amostra por conveniência das entrevistas anteriores. Portanto, este protocolo, que

foi aplicado no período de 21 de outubro a 01 de novembro de 2005, apresenta-se

estruturado em três partes. A primeira parte consiste na introdução que explica o objetivo

do questionário, como ele é constituído e o tempo aproximado para a realização do

mesmo; na segunda parte, é apresentada a lista de stakeholders categorizada; e na terceira

parte, constituída por 3 (três) questionários, mede o grau de poder, de legitimidade e de

urgência, sendo que, no início de cada um deles, encontrava-se uma explicação de como

preenchê-los.

O tratamento dos dados se deu com base em duas metodologias. Primeiramente,

na análise dos stakeholders da IES estudada, utilizou-se a metodologia proposta por

Almeida, Martins e Fontes Filho (1999) que, por sua vez, baseia-se na tipologia de

Mitchell et al (1997), para identificação e categorização dos stakeholders com base em

seus graus de poder, legitimidade e urgência. Em um segundo momento, para identificar

os tipos de alianças estratégicas mais adequadas para a IES analisada, foi utilizada a

metodologia proposta por Yoshino e Rangan (1996).

5. Resultados

A análise dos dados deste estudo foi dividida em duas etapas. A primeira consiste

na análise dos stakeholders; a segunda trata da formação de alianças estratégicas.

5.1 Análise dos stakeholders

A utilização da tipologia de Mitchell et al para classificar e priorizar os stakeholders da

IES sob análise foi de extrema importância para a realização deste trabalho, já que

possibilitou melhor compreensão de quais os tipos de stakeholders que a Faculdade possui

e quais devem ter as suas necessidades atendidas prioritariamente.

O Gráfico 1 e o Quadro 2 sintetizam a avaliação dos stakeholders. Percebe-se que

os respondentes indicaram que apenas 10 (dez) atores possuem grau de legitimidade

acima do ponto de corte (k = 1), demonstrando a desejabilidade das ações desses

stakeholders para a IES e para a sociedade, além de expressar o grau de importância do

relacionamento com a faculdade.

Quanto ao atributo urgência, os respondentes indicaram que apenas 12 (doze)

atores possuem grau acima do ponto de corte, demonstrando assim o alto grau de

exigência desses atores em não aceitar atrasos gerenciais, por parte da faculdade, para o

Page 60: Revista facientifica digital

atendimento das suas demandas. Em relação ao grau de poder, apenas 11 (onze) atores na

opinião dos respondentes, detêm uma quantidade significativa de recursos, sendo,

portanto, detentores de poder.

Gráfico 1 – Avaliação dos Stakeholders

Fonte: Baseado em dados primários

Quadro 2 – Avaliação dos Stakeholders

Stakeholders

Grau de

Poder

Normalizado

(GPN)

Grau de

Legitimidade

Normalizado

(GLN)

Grau de

Urgência

Normalizado

(GUN)

Índice

De

Preponderância

(IP)

Alunos (Clientes) 0,96 0,98 1,04 0,98

Centros e Instituições de pesquisa 1,16 1,03 0,99

1,18

Colaboradores (exceto professores) 0,97 0,89 0,95

0,83

Comunidade Acadêmica 1,01 0,99 1,05

1,05

Concorrentes 0,97 0,84 0,97 0,79

Clientes Institucionais 1,05 1,07 1,07

1,21

Empresas do Terceiro Setor 0,86 0,85 0,75

0,55

Fornecedores 0,93 0,91 0,92 0,78

Fundação Getúlio Vargas – FGV 1,20 1,02 1,03

1,26

Governo 1,03 0,98 1,04 1,05

Instituições Financeiras 1,13 0,95 1,05

1,14

MEC 1,19 1,21 1,20 1,74

Mídia 1,04 1,10 1,05 1,21

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

Stakeholders

Val

or

do

Gra

u

No

rmal

izad

o

Grau de Poder Normalizado Grau de Legitimidade Normalizado Grau de Urgência Normalizado

Page 61: Revista facientifica digital

Outras IES (Parceiras) 0,86 0,89 0,91

0,70

Parceiros da Central de Estágio 0,86 1,06 0,92

0,84

Parceiros Técnico-científicos 1,04 1,07 1,00

1,12

Professores 0,98 1,12 1,04 1,14

Proprietários 1,06 1,07 1,16 1,32

SEBRAE 0,96 0,87 0,87 0,72

Sindicatos e Associações de Classes 0,70 0,85 0,88

0,52

Sociedade 1,02 1,21 1,07 1,33

FONTE: Baseado em dados primários

Apresentam-se a seguir os gráficos dos graus de poder, legitimidade e urgência

separadamente, para que possam ser melhor visualizados e analisados. O stakeholder que

apresentou maior grau de poder foi a Fundação Getúlio Vargas (FGV), k = 1,20, e o que

apresentou menor grau de poder foram os sindicatos e associações de classe, k = 0,70,

conforme mostra o Gráfico 2.

Gráfico 2 – Avaliação do Grau de Poder dos Stakeholders

Fonte: Baseado em dados primários

Com relação à legitimidade (Gráfico 3), o MEC e a sociedade (k = 1,21) foram os

stakeholders que se destacaram com relação a este atributo. Os concorrentes (k = 0,84)

foram os que apresentaram menor grau de legitimidade.

Gráfico 3 – Avaliação do Grau de Legitimidade dos Stakeholders

Fonte: Baseado em dados primários

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

Stakeholders

Valo

r do

Grau

Nora

mliz

ado

Grau de Poder Normalizado

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

Stakeholders

Valo

r do

Grau

Norm

aliz

ado

Grau de Legitimidade Normalizado

Page 62: Revista facientifica digital

O gráfico de urgência (Gráfico 4) mostra que as empresas do terceiro setor apresentaram o valor de k = 0,75, sendo este o menor grau deste atributo; o MEC, com k = 1,20, foi considerado o ator com maior grau de urgência.

Gráfico 4 – Avaliação do Grau de Urgência

Fonte: Baseado em dados primários

Através do ponto de corte realizou-se a análise dos stakeholders, considerando

todos os valores menores, maiores ou iguais a k, que culminou no Quadro 3. Os resultados

mostram que os Clientes Institucionais, a Fundação Getúlio Vargas, o MEC, a Mídia, os

Parceiros Técnico-científicos, os Proprietários e a Sociedade; apresentam os graus de

poder, legitimidade e urgência maiores ou iguais ao ponto de corte, assim são

classificados como stakeholders definitivos, a partir da tipologia de Mitchell et al. Dentre

estes stakeholders, o que possui maior poder, segundo os respondentes, é a Fundação

Getúlio Vargas; por outro lado o MEC é o ator que possui maior legitimidade e urgência

segundo, uma vez que é o responsável pela regulamentação e fiscalização na área de

ensino.

Os professores foram considerados stakeholders dependentes, pois possuem k >

1 em relação aos graus de legitimidade e urgência, mas k 1 em poder. A comunidade

acadêmica, o Governo e as Instituições Financeiras foram classificados como

stakeholders perigosos, já que possuem os graus de poder e urgência acima de k e

legitimidade menor que k. Os Centros e Instituições de Pesquisa representam os

stakeholders dominantes da FACI, apresentando graus de poder e legitimidade acima do

ponto de corte, mas urgência abaixo deste ponto.

Dentre os stakeholders que apresentam apenas um atributos acima do ponto de

corte estão os alunos (clientes), classificados como stakeholders exigentes, pois possuem

apenas o atributo urgência acima de k; os Parceiros da central de estágio apresentaram

apenas o grau de legitimidade acima de k, sendo, portanto, stakeholders discricionários;

e os colaboradores, os concorrentes, as empresas do terceiro setor, os fornecedores, as

outras IES (parceiras), o SEBRAE e os sindicatos e associações de classe foram

classificados como não-stakeholders, pois não apresentam nenhum grau acima do ponto

de corte (k = 1).

Dos sete tipos de stakeholders (classificados por MITCHELL et al, 1997), a IES

possui 6 tipos, faltando-lhe apenas o tipo adormecido, que é aquele stakeholder que

possui apenas o grau de poder acima do ponto de corte.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

1,4

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

Stakeholders

Valo

r do

Grau

Norm

aliza

do

Grau de Urgência Normalizado

Page 63: Revista facientifica digital

Quadro 3 – Classificação dos Stakeholders da IES

Stakeholders Grau de Poder

Grau de

Legitimidade

Grau de

Urgência Classificação

Clientes Institucionais k k k Definitivo

FGV k k k Definitivo

MEC k k k Definitivo

Mídia k k k Definitivo

Parceiros Técnico-científicos k k k Definitivo

Proprietários k k k Definitivo

Sociedade k k k Definitivo

Professores 1 k k Dependente

Comunidade Acadêmica k 1 k Perigoso

Governo k 1 k Perigoso

Instituições Financeiras k 1 k Perigoso

Centros e Instituições de Pesquisa k k 1 Dominante

Alunos (Clientes) 1 1 k Exigente

Parceiros da Central de Estágio 1 k 1 Discricionário

Colaboradores (exceto professores) 1 1 1 Não -Stakeholder

Concorrentes 1 1 1 Não –Stakeholder

Empresas do Terceiro Setor 1 1 1 Não –Stakeholder

Fornecedores 1 1 1 Não –Stakeholder

Outras IES (Parceiras) 1 1 1 Não –Stakeholder

SEBRAE 1 1 1 Não –Stakeholder

Sindicatos e Associações de Classe 1 1 1 Não -Stakeholder

Fonte: Baseado em dados primários

6. Formação de Alianças Estratégicas

Com base na classificação de Mitchell, a segunda parte desta análise compreende

a possibilidade de formação de alianças estratégicas entre a IES sob análise e os seus

stakeholders considerados definitivos. Porém, é importante ressaltar que, dentre os atores

classificados como definitivos, encontram-se o MEC e a sociedade, os quais não podem

ser enquadrados para a formação de aliança estratégica devido as suas características. No

entanto, os demais (clientes institucionais, parceiros técnico-cientificos, Fundação

Getúlio Vargas, outras IES e parceiros da central de estágio) apresentam-se como

parceiros potenciais para a formação de alianças estratégicas, já que são instituições que

poderão acrescer inúmeros benefícios para a IES através do estabelecimento de relações

mais intensas. A seguir, apresentam-se as características que viabilizam à IES estabelecer

alianças estratégicas com estes stakeholders:

Page 64: Revista facientifica digital

a) Clientes Institucionais

Representados pelos Correios, Banco do Brasil, Associação Comercial de

Abaetetuba, Associação Comercial do Pará, CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) e

COESA (Cooperativa de crédito dos servidores da Assembléia Legislativa de Belém).

Essa categoria é formada por empresas clientes da Escola de Extensão da IES, que oferece

cursos de capacitação profissional.

b) Fundação Getúlio Vargas (FGV)

A FGV é uma fundação que possui grande reconhecimento no mercado nacional

na área do ensino superior, em relação a cursos de graduação e pós-graduação.

Atualmente, está atuando em parceria com a IES aqui estudada, oferecendo cursos de pós-

graduação (lato sensu) na área de administração, jornalismo e direito. A partir do primeiro

semestre de 2006 realizou uma nova parceria com a faculdade referente a certificação de

qualidade no curso de graduação em Administração.

c) Parceiros Técnico-Científicos

Os parceiros técnico-científicos citados foram a Companhia Vale do Rio Doce,

Albrás, Alunorte, Eletronorte, Rede Celpa, Câmara do Comércio, Federação das

Indústrias do Pará e Organização das Cooperativas Brasileiras do Pará. Em relação a estes

stakeholders, pode-se dizer que possuem grande prestígio em âmbito regional, nacional

e, alguns, até em âmbito internacional, como é o caso dos três primeiros. Alguns já

possuem parceria com a IES, através do curso de Engenharia, como por exemplo, a

Companhia Vale do Rio Doce. Porém, as parcerias existentes não são sólidas o suficiente;

trariam melhores resultados se fossem constituídas alianças de longo prazo com estes

atores.

Em relação à tipologia das alianças estratégicas, baseou-se na classificação

proposta por Yoshino e Rangan (1996). De acordo com essa tipologia, existem quatro

tipos de alianças estratégicas: pré-competitivas, pró-competitivas, competitivas e não-

competitivas. A Fundação Getúlio Vargas é o stakeholder da FACI que se configura como

parceiro potencial para a formação de aliança do tipo não-competitiva. As razões são que

não há uma postura de competição entre eles, ou seja, não são concorrentes diretos, e

podem realizar um trabalho conjunto baseando-se em um compromisso de esforço e de

tempo, o que proporcionaria uma maior ênfase no objetivo de aprendizagem. Portanto,

por meio dessa aliança as organizações parceiras teriam como objetivo estratégico

aumentar o seu know-how e agregar maior valor à organização.

Nessa aliança estratégica, dois objetivos que não ganhariam muita importância

seriam a flexibilidade e a proteção das competências vitais. O fundamento disso é que as

organizações acabariam dando uma maior importância a essa relação e acabariam

deixando com que algumas informações de uma passassem ao conhecimento da outra,

devido ao nível de interação necessário entre elas para fazer funcionar a contento a

aliança.

Os parceiros técnico-científicos e os clientes institucionais da IES necessitam

continuamente do desenvolvimento de novas tecnologias e do desenvolvimento das

habilidades de seus colaboradores, uma vez que alguns deles não possuem as

competências necessárias para o desenvolvimento de tais atividades. Como conseqüência,

esta é uma oportunidade de desenvolvimento de aliança estratégica entre estes

Page 65: Revista facientifica digital

stakeholders e a IES, pois a organização sob análise possui competência para realizar tais

atividades ao envolver seus professores e alunos e propiciar, dessa forma,

desenvolvimento de capacidades docentes e discentes, além de agregar valor aos

resultados institucionais da IES. O tipo de aliança mais adequado seria a do tipo pré-

competitiva, pois as empresas trabalham em ramos de negócios diferentes e, portanto, não

são concorrentes. Além disso, as atividades pelas quais poderiam ser realizadas as

alianças exigem precisão na definição, o que faz com que haja um esforço conjunto no

desenvolvimento do produto / serviço.

7. Conclusão

Este estudo mostrou que há três grupos de stakeholders capazes de estruturar alianças

estratégicas com uma Instituição de Ensino Superior paraense: aos grupos Clientes

Institucionais e Parceiros Técnico-Científicos recomendam-se alianças pré-competitivas;

para com a Fundação Getúlio Vargas, a aliança estratégica mais indicada é a pró-

competitiva, segundo a tipologia de Mitchell et al. Esses grupos representam os parceiros

potenciais para a formação de alianças estratégicas, ou seja, aqueles que são detentores

de potencialidades que poderão resultar em maior competitividade, caso haja efetiva

formalização dessas alianças.

Dentre estes 21 stakeholders levantados neste estudo, apenas sete (Clientes

institucionais, Fundação Getúlio Vargas-FGV, MEC, Mídia, Parceiros técnico-

científicos, Proprietários e a Sociedade) foram considerados definitivos para a instituição.

Professores foram enquadrados como stakeholders dependentes; a comunidade

acadêmica, o Governo e as Instituições Financeiras foram classificados como

stakeholders perigosos; os Centros e Instituições de Pesquisa representam os

stakeholders dominantes da; os alunos classificam-se como stakeholders exigentes; e os

Parceiros da Central de Estágio foram considerados stakeholders discricionários. Os

colaboradores, os concorrentes, as empresas do terceiro setor, os fornecedores, as outras

IES (parceiras), o SEBRAE e os sindicatos e associações de classe são classificados como

stakeholders irrelevantes. As expectativas dos stakeholders definitivos devem ser

atendidas de forma prioritária já que estes têm um grande poder de influência sobre a

organização.

Com relação aos alunos, aos professores e aos colaboradores, mesmo não sendo

classificados como stakeholders definitivos, verificou-se que são fundamentais para o

desenvolvimento da faculdade; os outros atores que merecem atenção da instituição de

ensino são as empresas do terceiro setor, principalmente para que a IES possa alcançar a

sua missão, centrada na promoção do desenvolvimento sustentável na Amazônia.

Dentre os stakeholders definitivos, apenas três (Clientes Institucionais, Fundação

GetúlioVargas e Parceiros Técnico-Cientificos) apresentam características que os

identificam como parceiros potenciais para a formação de alianças estratégicas. A

Fundação Getúlio Vargas é um stakeholder que se configura como parceiro potencial para

a formação de aliança do tipo não-competitiva.Através dessa aliança as organizações

parceiras teriam como objetivo estratégico aumentar o seu know-how e agregar maior

valor à organização, apesar de não ganhar em flexibilidade e a proteção das competências

vitais, devido o nível de interação exigido entre elas. Os Clientes Institucionais e os

Parceiros Técnico-Científicos da Faculdade Ideal necessitam continuamente do

desenvolvimento de novas tecnologias e do desenvolvimento das habilidades de seus

colaboradores. O tipo de aliança mais adequado é a do tipo pré-competitiva, pois as

Page 66: Revista facientifica digital

organizações trabalham em ramos de negócios diferentes, não sendo concorrentes.

Finalmente, algumas sugestões de trabalhos futuros que complementariam esta

pesquisa seriam o estudo das etapas do processo de formação das alianças estratégicas; o

estudo do gerenciamento das alianças estratégicas; e um possível estudo em relação à

possibilidade de formação de redes estratégicas a partir da análise dos stakeholders de

uma organização. Isso proporcionaria o aprofundamento necessário para a compreensão

dos fenômenos das alianças estratégicas e dos stakeholders no processo de planejamento

e gestão de organizações, especialmente na região amazônica.

8. Bibliografia

ALMEIDA, Geraldo Sardinha; FONTES FILHO, Joaquim Rubens; MARTINS,

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organizacionais. Anais... Encontro Nacional dos Programas de Pós-Graduação em

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Page 68: Revista facientifica digital

As contradições do discurso moderno de cidadania.

Jorge Alberto Ramos Sarmento1

1Faculdade Ideal –(FACI)

Belém – PA – Brasil

1Professor do Curso Direito – Faculdade Ideal (FACI)

[email protected]

Abstract. This paper seeks to present, although it very briefly, the way in which

the idea of citizenship shall be considered in the design of the main theorists of

political and legal modernity, taking into account the way in spite of these

discourses seek support analysis and resolution of problems and difficulties

presented in the modern social order, they present paradoxical character,

especially the speeches accordingly Marxist and Kantian taken in this work as

an example of the contradictions and ambiguities characteristics of a complex

period.

Key words: Modernity. Citizenship. Modern trough

Resumo. Este O presente trabalho procura apresentar, embora que de forma

muito resumida, a maneira através da qual a ideia de cidadania passa a ser

pensada na concepção dos principais teóricos do pensamento político e jurídico

da Modernidade, levando-se em conta a maneira como apesar desses discursos

procurarem fundamentar análises e resolução dos problemas e dificuldades

apresentadas na ordem social moderna, os mesmos apresentam caráter

paradoxal, destacando-se nesse sentido os discursos marxista e kantiano

tomados no presente trabalho como exemplo das contradições e ambiguidades

características de um período complexo.

Palavras Chaves: Modernidade. Cidadania. Pensamento moderno

1. Introdução

Considerando que a formulação do conceito de cidadania encontra-se vinculado ao

fenômeno da modernidade, é de fundamental importância procedermos uma análise,

ainda que de forma elementar, na doutrina desenvolvida pelos teóricos considerados os

precursores do pensamento moderno, cujas abordagens passam a expressar um espírito

renovador de igualdade e liberdade, na medida em que suas concepções passaram a

fundamentar e por assim dizer, legitimar as bases da nova ordem política social e

econômica das sociedades modernas. Um traço marcante e comum a esses intelectuais

que se situam na corrente de pensamento iluminista é justamente uma contraposição à

visão de mundo feudal, através da elaboração de um estado natural onde todos os homens

nascem livres e com direitos, destacando-se aqui que a própria concepção de direitos

humanos encontra-se vinculada à luta da burguesia e do resto do terceiro estado, no caso,

os camponeses, artesãos e o “povo”, desencadeando-se através dessa luta diferentes

práticas e ideias.

Na medida em que o terceiro estado passa a entender esses direitos como

extensivos tanto aos proprietários como aos não-proprietários, a burguesia, ao se

Page 69: Revista facientifica digital

estabelecer com classe hegemônica deixa de encarnar um papel revolucionário,

vinculando a ideia de direitos humanos de forma particular aos que possuem

propriedades, determinando dessa forma uma visão de cidadania eminentemente formal,

mais voltada para o caráter da dominação, levando-se em conta que a percepção de

direitos não se estabelece de forma qualitativa e quantitativa a todos os indivíduos

integrantes de determinada sociedade. É nessa perspectiva que o pensamento dos teóricos

contratualistas como Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau entre outros,

passam a expressar os princípios básicos do novo modelo de sociedade, cuja síntese mais

elaborada na forma de uma proposta teórica pode ser encontrada na concepção de

Immanuel Kant, na afirmação dos ideais liberais e cuja contraposição se estabelece no

pensamento de Karl Marx. Esses dois teóricos em particular nos fornecem em suas

concepções, um bom exemplo a respeito das contradições existentes nos discursos da

modernidade ao mesmo tempo em que passam a exteriorizar perspectivas diferentes

acerca da percepção do fenômeno da cidadania, elemento importante para o

estabelecimento da integração e coesão nas sociedades.

2. Hobbes e a nova ordem humana: a geometria como referência

Ocupando um lugar de referência e destaque na formulação da nova ordem moderna

encontramos Thomas Hobbes (1588-1679), cuja concepção acerca da natureza humana,

do comportamento dos indivíduos e das relações que os indivíduos estabelecem entre si,

veio apresentar um novo panorama no qual se deslumbra uma nova modalidade de

igualitarismo, talvez a tese mais importante desenvolvida por Hobbes, e que tem

profundas implicações para o conceito de cidadania.

Na concepção hobbesiana a igualdade não mais se refere aquela dos homens

perante o tribunal divino, tal qual defendida pelo pensamento cristão na Idade Média, mas

como o próprio Hobbes afirma “todos os homens são naturalmente iguais”, cuja prova

físico-mecânica encontra-se no fato de que todos os homens têm a capacidade igual de se

matar uns aos outros, até mesmo o mais fraco é dotado de força suficiente para matar

outro mais forte do que ele, seja porque recorre a uma “maquinação secreta”, seja porque

ele “se alia a outros que estejam correndo o mesmo perigo que ele”.

A nova ordem estabelecida pela moral geométrica (porque fundamentada no

modelo mecânico de Galileu) de Hobbes é, sobretudo, uma ordem humana, fundamentada

na celebração de um pacto social que passa a dar assentimento a figura do Estado, cujo

poder soberano é idealizada na figura do mostro bíblico Leviatã, o qual pelo poder que

lhe foi atribuído por cada um e todos os indivíduos, passa a ser a instituição capaz de

garantir a paz, a segurança e o bem-estar de todos.

(...) Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira

unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um

pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como

se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito

de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de

homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando

de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão

assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta

a geração daquele grande Leviatã , ou antes (para falar em termos mais

reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus

Imortal, nossa paz e defesa (HOBBES, 1983).

Hobbes (1983) começa a delinear uma idéia de cidadania a qual se encontra

vinculada à própria renúncia do poder individual, renuncia essa relacionada aos direitos

Page 70: Revista facientifica digital

e garantias que o indivíduo possuía no estado de natureza, e que em função do pacto social

são transferidos ao Estado. E é precisamente a partir desse referencial que a concepção

hobesiana adquire um sentido muito particular na medida em que o conceito de cidadão

passa a se articular com a noção de Estado, sociedade civil e contrato social.

As implicações mais profundas dessas teses de Hobbes referem-se ao rompimento

radical da concepção tradicional de uma sociedade hierarquizada e fundamentada em

categorias e diferenças tão valorizadas pelo pensamento antigo e medieval e cujas bases

teóricas remontam a tradição helênica, em particular as concepções platônicas e

aristotélicas, as quais durante séculos exerceram forte influencia no pensamento

ocidental, e que serviram de inspiração para uma linha de pensadores desde a antiguidade

até os tempos modernos, de Santo Agostinho (Cidade de Deus) a Tommaso Campanella

(Cidade do Sol) e Thomas Morus (Utopia), entre outros, onde o a concepção idealista e

ética eram tomados como referência para o estabelecimento de uma ordem social perfeita.

A partir da concepção de Hobbes (1983) essa visão passa a ser reformulada, adquirindo

um caráter laico e mais realista, porque fundado numa visão mecânica de mundo.

Para Hobbes, o homem em seu estado natural encontra-se em permanente conflito

com seus semelhantes, consequência do próprio comportamento do homem, o qual possui

como princípios a liberdade individual e o poder de tomar suas próprias decisões,

originando com isso a violência, as guerras e a morte.

Para Hobbes, a ideia de cidadão define o indivíduo que vive na cidade e que deve

obediência ao Estado e as leis dele oriundas. Esse cidadão tem a obrigação de obedecer

às leis do governo, na medida em que ele, assim como todos os cidadãos concordaram,

através do contrato social, em desistir de ser juiz em seu próprio caso. A celebração do

contrato obriga, pois o cidadão a uma obediência absoluta em relação ao soberano, pouco

importando se as normas emanadas desse poder refletem o certo ou o errado, o justo ou o

injusto, tendo em vista a obrigatoriedade do atendimento às leis por parte dos cidadãos.

E precisamente neste aspecto, Hobbes (1983) estabelece algumas razões que justificam

esse fato. Em primeiro lugar torna-se necessário o atendimento ao acordo estabelecido no

contrato, pelo qual todos concederam um poder absoluto ao Estado, cabendo aos cidadãos

a obrigação moral de cumprir o que foi acordado. Em segundo lugar surge a questão

relacionada ao auto-interesse, que reflete as disposições e as razões das pessoas em

obedecer ao Estado, não havendo por parte desse último a necessidade de impor. Por

último, Hobbes cita o medo da punição, através do qual o Estado pode aplicar a lei através

do uso da punição, em função dos cidadãos terem dado tal consentimento quando do

estabelecimento do contrato.

Hobbes aponta para o poder absoluto do Estado como pressuposto capaz de criar

apenas boas leis, sendo este um argumento convincente para que todos os cidadãos

obedeçam às leis emanadas do Estado.

No que concerne ao individualismo, princípio importante do liberalismo moderno,

ressalta-se que Hobbes desenvolve uma concepção antropológica de caráter estritamente

individualista, na medida em que o conhecimento da natureza humana implica no

conhecimento do homem enquanto individuo portador das forças através das quais será

possível um trabalho de síntese que permita inferir a pluralidade das individualidades.

Apesar de se deparar com uma série de dificuldades, as quais serão tratadas

por teóricos posteriores, Hobbes (1983) esforça-se em demonstrar através de seu sistema

geométrico que toda a problemática do poder encontra seus princípios assentados na

questão do individualismo, proporcionando dessa forma, um dos elementos mais

importante para o direito político moderno, através da qual se procura entender que se a

Page 71: Revista facientifica digital

unidade da vontade comum é que dá sentido ao Estado, não se pode esquecer que está no

individuo a origem de todo o poder.

Outra categoria importante do liberalismo moderno no pensamento de Hobbes, a

questão do universalismo é formulada de maneira particular através da formulação da

hipótese do contrato social, onde a força da razão se apresenta como capaz de

proporcionar a passagem do “estado de natureza” para o Estado. E é justamente neste

ponto que se torna evidente a presença de uma razão universal, como a força motivadora

da paz que se encontra assentada em um processo de autorização. Em outras palavras, o

estabelecimento de uma ordem universal surge como pressuposto necessário ao pleno

desenvolvimento do processo de acumulação de riquezas através da substituição da razão

privada, por uma razão fundamentada em uma moral universal, capaz de conter os

requisitos necessários ao modelo capitalista em formação, onde a unificação se torna

imprescindível a existência das nações, em contraposição a descentralização do antigo

modelo, e onde a universalidade de se estabelecer normas e valores é um requisito

necessário.

3. Locke: a cidadania pensada a partir do novo modelo liberal

Não menos importante que a concepção de Hobbes, destacam-se na tradição do

pensamento moderno as ideias de John Locke (1632-1704), cuja obra Two treatises of

government (Dois tratados sobre o governo) de 1690, apresentam as premissas

fundamentais do novo modelo político liberal, destacando-se no conjunto de suas idéias

os novos requisitos para a categorização da cidadania.

No primeiro tratado observa-se um grande esforço teórico de Locke para pôr fim

a uma longa tradição que legitimou o exercício do poder através de fundamentos

religiosos, na medida em que a partir de uma polêmica com Robert Filmer, argumenta

que o exercício do poder político não apresenta nenhuma analogia com a autoridade do

chefe de família, sendo tal comparação carente de fundamento e não possuindo

legitimidade objetiva. Outrossim, nem o pátrio poder e nem o poder político podem ser

transmitidos por herança, sendo esta última uma condição que somente pode ser aplicada

à propriedade.

Aspecto importante do primeiro tratado reside na denúncia por parte de Locke da

utilização abusiva das Sagradas Escrituras por parte de Robert Filmer na fundamentação

ilegítima de suas teses. Na verdade, a lei natural não autoriza o poder de uma única pessoa

sobre todas as outras, mas diferentemente, ela determina a liberdade. E a partir de uma

série de análises que se processam a partir desse pressuposto, Locke deduz que a condição

política original do homem é o “estado de natureza” no qual o homem se encontra em

perfeita liberdade, exercendo pleno domínio de si próprio e autor de seus direitos.

Locke concebe a igualdade de todos no estado de natureza, sendo que tal estado

pode vir a degenerar e transformar-se em um estado de guerra se um homem tentar

submeter outro homem a seu poder.

Disso resulta que aquele que tenta colocar a outrem sob seu poder

absoluto põe-se consequentemente em estado de guerra com ele,

devendo-se entender isso como uma declaração de propósito contrário

à vida (LOCKE, 2005).

O que caracteriza a singularidade do pensamento de Locke é que para este autor

o fato dos homens transferirem para outros o seu poder não significa perder a liberdade

Page 72: Revista facientifica digital

que possuíam no estado de natureza, na medida em que esta equivaleria a uma forma de

liberdade muito maior do que aquela anteriormente existente no estado natural, no qual

originou-se a desigualdade entre os homens, sendo a sociedade civil o contraponto

necessário contra a desigualdade.

Ao definir que os homens são livres e iguais porque são proprietários de seus

corpos, Locke (1983) desenvolve um conceito restrito de cidadania. No entanto, esse

conceito vai sendo redefinido, ganhando novos contornos ao longo de seus escritos, na

medida em que o referido autor afirma que a propriedade não é exatamente o corpo, mas

o fruto que o corpo produz pelo trabalho ao se apropriar da natureza.

Paulatinamente, Locke desenvolve sua argumentação até chegar a conclusão de

que somente aqueles que possuem propriedade podem ser considerados cidadãos. E

seguindo essa linha de raciocínio deduz que escravos, mulheres, crianças e doentes

mentais compõem o rol dos excluídos, uma vez que somente aqueles que possuem

condições de garantir o seu próprio sustento e o de seus dependentes é que podem gozar

dos mesmos direitos e deveres.

Conforme se observa, Locke (1983) aos poucos começa a redefinir a afirmação

inicial de que todos têm uma propriedade no próprio corpo, passando também a vincular

a ideia de propriedade privada ao exercício do trabalho, e com isso infere que o indivíduo

somente não trabalha, não enriquece e não adquire propriedade por incompetência própria

ou indolência.

Vista a partir dessa perspectiva, o modelo de divisão da sociedade passa a conferir

aos pobres uma série de atributos como a preguiça, indolência, degeneração,

imprevidência entre outros, com uma série de implicações tanto no contexto social como

psicológico.

O que fica evidente no pensamento de Locke (Lock 1983), situado numa linha de

pensadores considerados liberais conservadores, é a percepção de um caráter restrito de

cidadania, tendo em vista que tal conceito encontra-se atrelado à prosperidade econômica

pelo exercício do trabalho e à ideia de propriedade privada, contexto em que apenas

alguns podem ser considerados cidadãos.

4. Rousseau: cidadania como busca dos direitos individuais

Uma construção teórica de cidadania que apresenta diferenças significativas em

relação aos modelos formulados por Hobbes e Locke, os quais se situam como baluartes

do pensamento político moderno, é o de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que tem

sua originalidade particular no tocante a tentativa de resolver o problema da exploração,

sempre presente no processo de desenvolvimento histórico da humanidade e que mesmo

as mentes mais brilhantes do pensamento político moderno ainda não haviam conseguido

tratar de forma mais adequada.

O pensamento rousseauniano diferentemente dos teóricos contratualistas como

Hobbes (para quem o homem é mau e egoísta por natureza), enfatiza uma natureza

humana originária cujas principais características são a liberdade, o instinto de

sobrevivência e o sentimento de piedade. Nesse sentido, para contrapor o estado de

civilização, marcado pela degeneração dos valores e pela opressão, Rousseau apresenta o

estado natural do “bom selvagem” que traz como marca principal as virtudes naturais.

Page 73: Revista facientifica digital

Na obra O contrato social, na tentativa de elucidar um regime político, Rousseau

vai de encontro a todas as concepções que apontam para a força como elemento

indispensável para manter a ordem social e o próprio direito, apresentando uma acirrada

crítica contra toda forma de despotismo e tirania em um momento em que muitos

intelectuais apesar de defenderem a idéia de liberdade, apresentavam uma completa

passividade diante de um poder cada vez maior dos poderosos.

Para Rousseau (1983) nenhum homem possui autoridade natural sobre seu

semelhante, e nesse aspecto, assim como no que diz respeito a negação da teoria do direito

do mais forte, procede uma crítica a Hobbes. A renúncia à liberdade significa para o

homem a própria negação da sua qualidade de homem, aos direitos da humanidade e aos

próprios deveres.

Intrinsecamente relacionada à idéia de cidadania, a idéia de poder em Rousseau

fundamenta-se no fato de que tal poder encontra-se no povo, que renunciou à sua

liberdade em favor do Estado, o qual, por sua vez, passa a ser a expressão da vontade

geral, deduzindo-se, em última análise que o poder do Estado encontra-se fundamentado

somente na cidadania. No entanto, nem todos os cidadãos são iguais, e é justamente a

partir desse fato, consubstanciado na questão da desigualdade que Rousseau pretende

oferecer uma solução para o problema.

Enfim, cada um dando-se a todos não se dá a ninguém e, não existindo

um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se lhe

cede sobre si mesmo, ganha-se o equivalente de tudo o que se perde, e

maior força para conservar o que se tem (...). Cada um de nós põe em

comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da

vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte

indivisível do todo (ROUSSEAU, 1983).

Na concepção proposta por Rousseau, o cidadão é considerado “participante da

autoridade soberana”, como condição estabelecida pelo pacto, onde o corpo coletivo é

composto por todos aqueles que nele têm vez e voz. Levando-se em consideração que o

conceito de cidadão em seu aspecto mais rigoroso é aquele que produz a vontade coletiva,

a partir de sua atuação legislante, tal vontade coletiva seria a resultante do conjunto das

vontades dos associados e não simplesmente a somatória das vontades de cada um dos

indivíduos, expressas em seus interesses particulares, ou mais claramente, seria uma

expressão da vontade de cada indivíduo imbuído do interesse coletivo, com vistas ao bem

comum. Seria a partir de tais condições, conforme assinala Fortes (1996, p. 86) “que os

indivíduos que se integram à comunidade serão tão livres quanto antes”, uma vez que se

submetendo enquanto súditos à vontade geral, os membros da associação passam a se

submeter à própria vontade, na condição de cidadãos que participam da formação da

vontade coletiva.

Outro traço importante da concepção de cidadania em Rousseau conforme

assinala Manzini-Covre (2006, p. 28) reside na preocupação “em não separar a igualdade

(mais ligada ao aspecto econômico) da liberdade (cujo vinculo é mais político)”, fato esse

que se tornou um agravante a partir das conquistas obtidas pela burguesia, onde a questão

da igualdade passou a se vincular com a questão da propriedade. Essa preocupação em

não criar um divisor de águas entre o econômico e o político constitui importante

princípio no pensamento de Rousseau, na medida em que o mesmo reitera que nenhum

homem pode ser tão rico a ponto dessa riqueza lhe permitir comprar seu semelhante, e

Page 74: Revista facientifica digital

muito menos um outro tão pobre a ponto de se vender. Nessa linha de raciocínio,

Rousseau se antecipa na formulação de uma crítica a todo um processo de exploração do

homem sobre o próprio homem, e cujos mecanismos se tornarão cada vez mais sutis

através do desenvolvimento de novas técnicas, tornando o exercício da cidadania

perceptível apenas no nível econômico, quando na verdade deveria estar entremeado no

nível econômico e político, sem proporcionar uma disjunção entre liberdade e igualdade.

E nesse ponto o referido autor apresenta uma posição oposta àquela formulada por Locke.

5. Marx e Kant: as contradições do pensamento moderno de cidadania

As reflexões a respeito da cidadania contidas no desenvolvimento dos vários

discursos da modernidade nos ajudam a compreender os antagonismos e as contradições

e as ambiguidades contidas nas propostas que se estabelecem para a busca e manutenção

de uma nova ordem social, assim como para uma forma de organização social mais justa,

tomando-se como base um contexto predominantemente marcado pela exclusão social e

pela exploração do homem sobre o próprio homem. Nessa perspectiva,

a busca de subsídios na concepção kantiana como elemento que sintetiza e sistematiza

de certa forma o próprio ideal da concepção liberal e por outro lado, contrapor a essa

visão a concepção de Karl Marx, o qual elaborou uma visão de cidadania que implica

uma crítica radical as propostas apresentadas pelos teóricos liberais podem ser tomados

como um bom exemplo para a demonstração da temática que em linhas gerais

pretendemos abordar.

A partir de uma primeira análise, fica evidente que existem elementos conflitantes

nas abordagens propostas por esses dois autores a respeito da cidadania, elementos esses

que de forma clara podem ser identificados nas categorias de emancipação e de direito

da forma como articuladas por ambos os autores, categorias essas que assumem

perspectivas divergentes na constituição dos modelos teóricos construídos pelos

referidos. A ideia de direito é relevante para a análise da problemática da cidadania não

somente em função desta última encontrar-se fundamentada em uma determinada ordem

social determinada pelos mecanismos jurídicos, mas, sobretudo, pelo fato de que a

própria definição de cidadania se vincula ao exercício de uma tripartição de direitos, no

caso direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. No que se refere ao conceito de

emancipação, a mesma é percebida como um esforço para a obtenção de direitos políticos

ou de igualdade, geralmente referido a um grupo que foi privado de seus direitos, em

última análise significando equiparar o padrão legal de cidadãos em uma determinada

sociedade política.

A solução apresentada para essas questões se estabelece a partir do princípio de

que a concepção kantiana de cidadania, a qual pode ser inferida a partir de sua Doutrina

do Direito (1993), conforme ressalta Mascaro (2010) se situa em uma linha de raciocínio

que a torna legítima representante da tradição liberal burguesa. Por outro lado, Karl Marx

(2002) em um conjunto de idéias contidas na Questão Judaíca, integrante dos

Manuscritos Econômico-filosóficos, apresenta-nos um quadro de importantes reflexões

acerca da cidadania que se contrasta com o modelo liberal-moderno proposto por Kant

(1993). Desse ponto de vista, para Karl Marx, conforme observa Coutinho (2000) “só

uma sociedade sem classes – uma sociedade socialista – pode realizar o ideal da plena

cidadania, ou o que é o mesmo, o ideal da soberania popular e, como tal, da democracia”.

Dentro dessa perspectiva, o marxismo, a nosso ver, procura estabelecer uma ruptura

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estrutural com o ideário liberal moderno, levando-se em conta a forma como tal modelo

encontra-se fundamentado no individualismo.

Nas reflexões contidas em sua Doutrina do direito, Kant (1993) apresenta sua

“Doutrina universal do direito” em duas partes, sendo a primeira delas sobre o direito

privado e a segunda sobre o direito público. Essa apresentação adquire um caráter muito

pertinente na concepção do referido autor para o qual o fundamento do direito reside em

primeiro lugar no direito privado e posteriormente no direito público. Nessa perspectiva,

a propriedade privada e o contrato passam a ser considerados os elementos presentes já

no estado de natureza, antes mesmo da posterior transformação de tal situação natural em

civil. Ressaltamos que Kant (1993) ao tomar como referência a concepção lockeana de

estado de natureza, passa a adotar uma postura eminentemente liberal Dess, postura essa

que chega a ser radical quando o referido autor afirma que o Estado de direito garante

apenas a justiça para todos, e não o bem-estar dos seus cidadãos, conforme suas palavras:

Em sua reunião consiste a salvação do Estado (salus reipublicae suprema lex

est); não deve ser entendido por isto o bem dos cidadãos e sua felicidade;

porque esta felicidade pode muito bem (como afirma Rousseau) encontrar-se

muito mais doce e mais desejável no estado natural ou ainda mais sob um

governo despótico; não, a salvação pública consiste na maior conveniência da

constituição com os princípios do direito, como um estado, ao qual a razão,

por um imperativo categórico, nos obriga a aspirar (KANT, 1993 – grifos do

autor).

Essa posição assumida por Kant (1993) aponta para o fato de que os indivíduos,

por si próprios passam a ser responsáveis por sua felicidade, cabendo ao Estado apenas

garantir as possibilidades da liberdade dos indivíduos, devendo sua função limitar-se em

assegurar a aplicação da justiça. Nesse sentido, ao direito não cabe se ocupar com o

problema relativo ao sofrimento do povo, e nem com o fato de que todos possam exercer

plenos direitos de cidadania em determinada sociedade.

Em contraposição a essa concepção, que não deixa de refletir um dos princípios

fundamentais do liberalismo, no caso o individualismo, Marx apresenta uma concepção

de direito fundamentada em sua doutrina conhecida como materialismo histórico, pela

qual estabelece que dentre os fenômenos sociais (moral, religioso, jurídico, etc.,) haveria

um de importância fundamental: o econômico. encontra-se vinculada a um caráter de

ordem econômica e retrata determinada condição Assim sendo, toda relação jurídica

encode relações socioeconômicas predominantes, conforme ressalta o próprio autor:

Minha investigação desembocou no seguinte resultado: relações jurídicas, tais

como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si, nem

a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas

pelo contrário, elas se enraízam nas relações materiais de vida, cuja totalidade

foi resumida por Hegel sob o nome de sociedade civil (burgerliche

Gesellschaft), seguindo os ingleses e franceses do século XVIII; mas que a

anatomia da sociedade burguesa (burgueliche Gesellschaft) deve ser procurada

na Economia Política (MARX, 1985 – grifos do autor).

Em sentido paradoxal ao que estabelece Kant (1993), Marx (1982) projeta a partir

do ponto de vista acima uma perspectiva teórica que impossibilita a realização do

principal objetivo do direito que seria tornar possível a aplicação da justiça, fato que torna

a percepção do próprio direito como uma superestrutura ou epifenômeno a serviço das

Page 76: Revista facientifica digital

classes dominantes. Vista a partir dessa compreensão, a evolução jurídica reproduz a

própria evolução econômica, sendo o direito, assim como as restantes ideologias, uma

derivação extrínseca e superficial da infra-estrutura econômica, e como tal, não pode ser

visto como instrumento para a realização da justiça e nem a expressão da vontade do povo

ou de um legislador tal como defendido por Kant (1993). Por outro lado, se uma das

principais críticas de Marx reside na questão da propriedade privada, a qual em suas

origens mais remotas passou a determinar o próprio processo de exploração e

desigualdades sociais, para Kant, a garantia da propriedade privada surge como um

inabalável direito da razão, um direito natural:

A posse meramente física da terra (sua ocupação) já é um direito a uma coisa,

embora certamente não por si suficiente para considerá-la como minha.

Relativa a outros, visto que (na medida do que se sabe) é primeira posse, é

coerente com o princípio da liberdade externa e também está envolvida na

posse original em comum, que proporciona a priori a base sobre a qual

qualquer posse privada é possível. Consequentemente, interferir com o uso de

um pedaço de terra pelo seu primeiro ocupante significa lesá-lo. Realizar a

primeira tomada de posse tem, portanto, uma base jurídica (titulus

possessionis), que é posse original em comum; e o brocado “Felizes são

aqueles que tem sua posse” (beati possidentes), porque ninguém ser obrigado

a certificar sua posse é um princípio básico de direito natural, o qual estabelece

o tomar a primeira posse como uma base jurídica de aquisição com a qual pode

contar todo primeiro possuidor (KANT, 1993, p. 93-94 – grifos do autor).

Para Marx (2008), a lógica da constituição do sujeito de direito, da liberdade do

contrato, da autonomia da vontade, da igualdade entre os contratantes, tendo por início a

necessidade da própria circulação mercantil capitalista, apresenta uma clara explicação a

respeito da origem dos próprios direitos humanos. Diferentemente de representarem

conquistas da bondade humana ou da evolução do espírito, são necessidades práticas da

própria exploração capitalista.

A esfera que estamos abandonando, da circulação ou da troca de mercadorias,

dentro da qual se operam a compra e a venda da força de trabalho, é realmente

um verdadeiro paraíso dos direitos inatos do homem. Só reinam aí a liberdade,

igualdade, propriedade e Bentham. Liberdade, pois o comprador e o vendedor

de uma mercadoria – a força de trabalho, por exemplo – são determinados

apenas pela sua vontade livre. Contratam como pessoas livres, juridicamente

iguais. O contrato é o resultado final, a expressão jurídica comum de suas

vontades. Igualdade, pois estabelecem relações mútuas apenas como

possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade,

pois cada um dispõe do que é seu. Bentham, os relaciona é a do proveito

próprio, a vantagem individual, dos interessses privados (MARX, 2008).

Na contramão dessa concepção, Kant apresenta um projeto jusfilosófico que se

encontra fundamentado numa concepção contratualista muito própria, a qual passa a ser

o núcleo basilar para que o sistema jurídico se complete em sua racionalidade. Em tal

concepção, na idéia do contrato social (elemento promordial das teses liberais), e na

verdade na pressuposição da vontade geral do povo, é que reside para Kant (1998) a

legitimidade do direito

Page 77: Revista facientifica digital

Eis, pois, um contrato originário apenas no qual se pode fundar os homens na

constituição civil, por conseguinte, inteiramente legítima, e também uma

comunidade. Mas neste contrato (chamado contratus originarius ou pactum

sociale), enquanto coligação de todas as vontades particulares e privadas num

povo numa vontade geral e pública (em vista de uma legislação simplesmente

jurídica), não se deve de modo algum pressupor necessariamente como um fato

(e nem sequer é possível pressupô-lo). (...) (prática) indubitável: a saber, obriga

todo o legislador a fornecer as suas leis como se elas pudessem emanar da

vontade coletiva de um povo inteiro, e a considerar todo o súdito, enquanto

quer ser cidadão, como se ele tivesse assentido pelo seu sufrágio a semelhante

vontade. É esta, com efeito, a pedra de toque da legitimidade de toda a lei

pública (KANT, 1998).

Marx preconiza uma ruptura com o status quo representado pelo sistema

implantado, responsável pela alienação do homem pelo trabalho e nesse sentido, a idéia

de revolução adquire certa notoriedade como algo que representa uma re-ação ao que se

encontra enraizado, por sua negação de admitir a ascensão do proletariado, ou mesmo a

redução das desigualdades, enquanto que Kant (1993, p.160) sustenta uma visão

considerada conservadora a respeito do direito público ao tratar a respeito do poder

soberano e do direito à revolução. Para o referido autor, ainda que o soberano se trate de

um tirano, injusto, não há um direito de resistência do povo, que deve se conformar à

condição jurídica dada, sem postular uma revolução.

Ao tomar como referência o pensamento kantiano na expressão de um discurso

liberal, tal discurso passa a refletir as expectativas de um contexto histórico cujos

acontecimentos apontam para a vontade de domínio da natureza, a necessidade de

liberdade em relação às tradições, assim como o florescimento da vontade de libertação

das opressões. De forma geral, tal pensamento enfatiza a necessidade da emancipação, tal

como contida no pensamento de Rousseau, a quem Kant muito admirou e que o levou a

compreender a emancipação como a saída do homem de seu estado de menoridade.

Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da

qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu

entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado

dessa minoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas

na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de

outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento,

tal é o lema do esclarecimento [Aufklärung] (KANT, 1988, grifos do autor).

Depreende-se aqui que para Kant a ideia de emancipação, conforme visto

anteriormente, encontra-se vinculada a concretização dos princípios iluministas enquanto

fundamento essencial para a expressão da cidadania, princípios estes que preconizam

entre outras coisas a crença de que a razão é o único caminho possível para se atingir o

conhecimento do mundo, assim como a recusa das verdades ditadas pelas autoridades,

submetendo tudo ao crivo da crítica e estabelecendo a crença de que os seres humanos

alcançariam a felicidade na modificação da sociedade, mediante o reconhecimento e

aplicação da autonomia das pessoas (capacidade de cada indivíduo reger-se por suas

próprias leis), da civilidade dos cidadãos (virtude pela qual se tornam responsáveis pela

vida pública), da legitimidade das leis (as quais seriam promulgadas levando em

consideração o que todos e cada um dos cidadãos poderiam querer), da justiça das

instituições (princípio da imparcialidade que não faz distinção entre as pessoas) e da

tolerância entre as religiões (respeito à diversidade religiosa).

Page 78: Revista facientifica digital

Marx, diferentemente dos teóricos liberais, entre os quais se situa Kant e que

consideram a política como a dimensão fundante da sociedade, acredita que a

emancipação humana só se torna possível por obra do que ele denomina de sociedade

civil, ou por outros ternos, através das relações econômicas. Convém salientar que de

acordo com a análise marxista, esse processo de emancipação política possui suas raízes

históricas na passagem de um sistema de subsistência, típico da Idade Média, para o

sistema capitalista.

O fato de a sociedade capitalista encontrar-se dividida em uma dimensão privada

e uma dimensão pública seria, de acordo com Marx (2002), o fator responsável por uma

forma de cidadania imperfeita e incompleta, uma vez que a dimensão política (jurídico-

política) tendo como matriz a dimensão privada, seria sempre limitada e impossibilitada

de atingir um aperfeiçoamento indefinido. E é justamente nessa esfera pública que surge

a idéia de cidadania, razão pela qual se pode deduzir que ser cidadão não seria ser

efetivamente, mas apenas formalmente, livre, igual e proprietário. Sendo, portanto, da

cisão entre o Estado e a sociedade que emerge a distinção entre o indivíduo e a sociedade.

Nesse aspecto, fica evidente que de acordo com o pensamento marxista o fenômeno da

cidadania somente se torna possível em uma sociedade onde o público encontra-se

dissociado do privado.

A crítica de Marx (2002) sobre o conceito de cidadania, crítica essa que se

articula e se contrapõe a uma idéia de emancipação enquanto eliminação das

desigualdades e do próprio Estado, pode melhor ser percebida na Questão judaica, onde

o referido autor polemiza com teóricos de sua época a respeito da propositura de uma

questão muito “idealista” para o problema suscitado pelos judeus alemães que buscavam

a emancipação. A esse respeito, no início da obra, acrescenta Marx (2002) “Mas qual

emancipação eles [judeus] esperam? Certamente a emancipação civil, política”.

Marx estabelece que de acordo com o modelo idealista proposto na Alemanha

ninguém é politicamente emancipado. E se até os cristãos não podem ser considerados

livres, como poderiam os cristãos libertar os judeus? Nesse ponto reside o caráter egoísta

dos judeus, que reclamam direitos especiais enquanto judeus, considerando-se membros

de um povo eleito, mantendo-se, por isso, à margem da humanidade. Sendo a Alemanha

um Estado cristão, o pertencimento à religião cristã era condição necessária para ser

cidadão. Na condição de alemães, os judeus deveriam trabalhar pela emancipação política

da Alemanha e, como homens, lutar pela libertação de toda a humanidade. Nesse ponto

de vista, na medida em que o Estado cristão proporciona direitos aos judeus que requerem

a cidadania, ele não abre mão de sua essência de Estado, visto permanecer cristão da

mesma forma que o judeu ao ser emancipado. No entanto, enquanto o Estado assim como

os judeus permanecerem no seu princípio religioso, a emancipação torna-se algo

impossível de ser alcançado.

O erro contido nessa visão idealista enquanto esforço teórico para uma solução

de ordem prática envolvendo os judeus de sua época, segundo Marx, encontra-se no

caráter eminentemente hegeliano contido na mesma, segundo a qual, na medida em que

judeus e cristãos percebam sua religião enquanto uma fase de desenvolvimento do espírito

humano, não se enfrentarão mais num plano religioso, mas no plano crítico, científico e

humano.

Para Marx, a contradição existente na análise proposta consiste no fato da mesma

confundir emancipação política ou cidadania com a emancipação humana.

Uma análise mais pormenorizada da emancipação política permite a Marx

(2002) concluir que apesar da mesma poder estabelecer as condições necessárias para o

Page 79: Revista facientifica digital

exercício da igualdade, tal igualdade é meramente formal, na medida em que se desdobra

a partir das regras definidas pelo sistema político, o que implica numa dupla perspectiva

de vida humana: uma vida celestial e uma terrestre, enquanto indivíduo e enquanto

membro de uma comunidade política. E apesar dos homens pertencerem a uma

comunidade política, a qual em última análise busca o bem comum ou o interesse geral,

na vida real continuam a existir as diferenças de riqueza, nascimento, cultura, etc. as quais

não podem ser desconsideradas.

Dessa forma, apesar da emancipação política representar um grande progresso,

para Marx (2002) “não constitui a forma final de emancipação humana, mas é a forma

final desta emancipação dentro da ordem mundana até agora existente”.

Considerando que a questão da cidadania encontra-se vinculada a conquista dos

direitos do homem, Marx aponta para o fato de que tal conceito somente foi adotado no

mundo cristão a partir do século XIX, não sendo este uma ideia inerente ao homem, pelo

contrário, foi uma conquista a partir de uma série de lutas contra as tradições históricas,

nas quais o homem foi educado até os dias atuais. Dessa forma, devemos entender que os

direitos do homem não podem ser considerados como uma dádiva da Natureza ou mesmo

ou dote da história passada, mas, sobretudo o prêmio adquirido pela luta contra os

privilégios e a exclusão social que a história tem transmitido de geração a geração.

A partir de uma distinção entre direitos do homem e direitos do cidadão, Marx

(2002) conclui que esse “homem” distinto do “cidadão” é na verdade o membro da

sociedade civil. E com relação ao fato de ser chamado “homem” por fazer parte de uma

sociedade civil e de seus direitos serem denominados de “direitos do homem”, isso ocorre

devido à relação entre o Estado político e a sociedade civil, assim como pela característica

da emancipação política.

Portanto, se enquanto cidadãos os homens parecem iguais na vida política, na

vida prática os mesmos se encontram separados pelas desigualdades. O sufrágio universal

reflete essa tendência, onde predomina a igualdade de todos, mas na prática somente os

grupos que possuem maior poder econômico é que têm uma melhor possibilidade de

escolher e eleger seus candidatos.

Na contramão do pensamento marxista, Kant (1993) desenvolve uma concepção

política onde o Estado é pensado a partir de um modelo burguês iluminista, com um poder

tripartite. Executivo, legislativo e judiciário. E ao proceder suas reflexões a respeito das

atribuições inerentes a cada um desses poderes, Kant (1993) manifesta um certo

conservadorismo político no que concerne a idéia de cidadania, onde o referido autor,

embora reconhecendo no poder legislativo uma ligação com a vontade do povo, a qual

passa a se expressar por meio das eleições, na concepção kantiana o eleitor deve ser o

proprietário, no caso um indivíduo que possui meios próprios para viver, não se

submetendo ao trabalho controlado por um terceiro. Nessa perspectiva, Kant (1993)

procura estabelecer uma gradação de cidadania ao afirmar que o trabalhador subordinado

é também um cidadão, mas em função de não ser proprietário e nem dono de seus próprios

meios de subsistência, passa a ser um cidadão passivo, diferentemente do cidadão ativo,

do proprietário, daquele que se encontra apto para votar.

A partir dessa argumentação, Kant parece propor uma visão muito restrita de

cidadania, a qual passa a adquirir uma conotação meramente formal, na medida em que

apenas reflete a aptidão de votar. Enquanto que na visão marxista, o sufrágio universal

seria um mecanismo que encobre as desigualdades sociais, tendo em vista que legitima o

próprio poder econômico. Por outro lado, a distinção entre cidadãos ativos e passivos

assim como a segregação entre o trabalhador e a mulher são reveladores de quanto sua

Page 80: Revista facientifica digital

filosofia política (e do direito) apresenta uma tendência para o conservadorismo. A esse

respeito, através da análise da distinção de quatro critérios considerados fundamentais

para a justiça distributiva, com profundas implicações para a formação da cidadania,

Bobbio vê em Kant um genuíno intérprete da concepção liberal-burguesa, na medida em

que este passa, entre outras coisas a desconsiderar o critério de status, passando a aceitar

o critério do mérito.

Com relação a Marx, a proposição de ruptura com o sistema legitimado por um

direito político moderno nos leva a indagar a respeito da possibilidade da existência de

uma cidadania tão ampla que aponta para o fim de uma sociedade sem classes.

Outro aspecto a ser considerado na concepção marxista é a visão um tanto

finalista sobre o direito apresentada por esse autor, tendo em vista que a finalidade do

direito se prende somente a garantir e legitimar a dominação da classe burguesa, e se

existe um prognostico futuro a partir de uma sociedade sem classes como quer Marx,

Por seu turno, a concepção kantiana aponta para uma finalidade do direito a qual

regra geral segue o princípio da autonomia racional, principio esse que passa a

caracterizar o homem moderno como autodefinidor, e não somente como um ser é capaz

de interpretar conjuntos de significados a partir dos quais as coisas se posicionam

empiricamente na ordenação cósmica. Nessa linha de raciocínio o compromisso com a

razão seria capaz de superar o estado desumanizador da comunidade política e levar os

indivíduos a realização da plena cidadania, sob a condição de que tais indivíduos se

coloquem sob o domínio do direito.

6. CONCLUSÃO

As reflexões desenvolvidas por Marx e Kant a respeito da cidadania não somente refletem

as contradições e as aspirações de um determinado período, mas, sobretudo, nos

proporcionam novos elementos para a compreensão das contradições presentes nos

discursos políticos modernos, em particular quando tais discursos se direcionam para a

cidadania. Se de um lado Marx procura ressaltar uma cidadania que somente se torna

possível com a eliminação das desigualdades e do próprio Estado, por outro lado Kant

propõe uma concepção muito restrita de cidadania, a qual reflete os próprios interesses

do Estado liberal-burguês.

Page 81: Revista facientifica digital

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Paulo: Cortez, 2000.

GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. São

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civil. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Col. Os pensadores).

KANT, Immanuel. Doutrina do Direito. São Paulo: Ícone, 1993.

_______________. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1998.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (Col.

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____________. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1982 (Col.

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MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosoficos: A questão judaica. São Paulo:

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Abril Cultural, 1983. (Col. Os pensadores).

VILLEY, Michel. Filosofia do direito: definições e fins do direito: os meios do direito.

São Paulo: Martins Fontes, 2008.

Page 82: Revista facientifica digital

APLICAÇÃO DE GEOSISTEMAS E GEOTECNOLOGIA NO

BOSQUE RODRIGUES ALVES JARDIM ZOOBOTÂNICO

DA AMAZÔNIA - 2013.

¹André Luiz Silva da Silva, ²Diovan Moraes Cunha, ³Altem Nascimento Pontes,

³ Norma Ely Beltrão, 4Emmanuelle Thayse Athayde Bezerra.

¹Professor e Coordenador da Pós Graduação em Geoprocessamento Aplicado

da Faculdade Ideal - FACI. ²Acadêmico de Pós Graduação em

Geoprocessamento Aplicado da Faculdade Ideal - FACI.³ Professores Doutores

da UEPA. 4Acadêmica do curso de Administração da Estácio FAP.

Abstract. The Geossistemas, object of study of physical geography has been

fairly used to support the proposals in the process of use and occupation of the

land. In the era of information technology, the technology has a key role to

streamline access to information today is pervasive in increasingly fast speeds,

accordingly the management publishes must update themselves and make use of

tools that enable better decision making; to this end, a global view of events is

of fundamental importance, in order to solve a problem effectively, then arises

the Geotechnologies that are new forms of spatial analysis; This work makes a

brief categorization of Geosistemas and Geotechnology and how they can assist

the management publishes in its decision-making.

Key Words: Bosque Rodrigues Alves, Geosistema, Geotechnology, Publishes

Management, Technology

Resumo. Os Geosistemas, objeto de estudo da Geografia Física, tem sido

bastante utilizado para subsidiar as propostas nos processos de uso e ocupação

das terras. Na era da informática, a tecnologia tem um papel fundamental de

agilizar o acesso à informação que hoje é difundida em velocidades cada vez

mais rápidas. Nesse sentido, a gestão publica deve atualizar-se e fazer uso de

ferramentas que possibilitem uma melhor tomada de decisão. Para tanto, uma

visão global dos acontecimentos é de fundamental importância, para que se

possa resolver um problema qualquer de maneira eficaz. Surgem então as

Geotecnologias, que são novas formas de analise espacial. Este trabalho faz

uma breve categorização de Geosistemas e Geotecnologia, e como elas podem

auxiliar a gestão publica em sua tomada de decisão.

Palavras Chaves: Bosque Rodrigues Alves, Geosistema, Geotecnologia, Gestão Publica,

Tecnologia

Page 83: Revista facientifica digital

1. Introdução.

A utilização da teoria dos Geosistemas é discutida por diversos autores, entretanto na

Geografia é Antônio Christofoletti quem melhor sintetiza esta vertente de análise espacial

a partir da década de 1960. Porém a idéia de Sistemas já era discutida em outras

disciplinas, em particular na biologia com Ludving Bertalanffy nos anos de 1930.

O Geosistema é uma categoria de análise geográfica que parte do principio de que

os fenômenos seguem um encadeamento e correlação, desta forma a análise de uma visão

geral tenta abarca os acontecimentos de forma que se possam integrar nossos

conhecimentos em uma equipe multidisciplinar por exemplo. Cada profissional deve

contribuir com a sua área de acordo com diretrizes e metas da instituição em que exerça

suas atribuições; assim uma visão geral e em conjunto deve necessariamente contornar

determinada situação.

Para contribuir com a equipe multidisciplinar, surge o papel da Geotecnologia que

“amarra” a análise a um local, canalizando todas as forças que serão concentradas para

resolver um ou mais problemas de um determinado lugar. Surge para tanto a necessidade

da construção de um banco de dados que receberá contribuição de todos os profissionais

que compõem a equipe multidisciplinar.

A espacialização dos dados visa mostrar de forma objetiva um fenômeno

qualquer, canalizar esforços e ajudar a melhorar a gestão publica com economia de

recursos e tempo; a delimitação espacial restringe e particulariza características locais,

delimita determinados fenômenos e mostra o que acontece em determinada parte da Terra,

nos convidando a tentar desvendar os fatores que levaram até aquele evento.

2. Histórico do Bosque Rodrigues Alves.

Em 25 de Agosto de 1883 foi inaugurado o Bosque do Marco de Belém do Pará, inspirado

no Bois de Boulogne, parque localizado na cidade de Paris na França, com cerca de 8,5

Km² e uma área quase seis vezes maior que o Bosque Rodrigues Alves em Belém, ocupa

o lugar da antiga floresta de Rouvray. O Boulogne foi palco de diversos testes realizados

pelo brasileiro Alberto Santos Dumont entre 1898 e 1903 com seus inventos aeronáuticos.

Assim como o Bosque Rodrigues Alves para Belém, o Bois de Boulogne é um refúgio

para os moradores locais realizarem várias atividades esportivas e de lazer e local de visita

para turistas ou um simples passeio com a família.

A influência externa (européia), à época das reformas estruturais e da inauguração

definitiva do Bosque, é evidente em obras publicas nas quais se estabelecia o padrão de

urbanização com ruas largas e áreas verdes, com a valorização da natureza como

sinônimo de progresso e higiene.

Para a elite local, a Europa tornara-se o espelho de toda a modernização.

Os valores estéticos –ideológicos europeus, especialmente franceses

eram transportados para a sociedade amazônica, às ideias urbanísticas

eram calcadas na “cidade jardim” e no urbanismo de paris hausmaniana,

o governador Augusto Montenegro e o intendente Antonio Lemos eram

os porta—vozes deste projeto. A cidade de Belém se recria

ornamentando-se de jardins, bosques. Abrem-se grandes artérias,

reproduzindo-se os amplos boulevards franceses. (BELÈM; 2006)

Page 84: Revista facientifica digital

Desde sua inauguração o bosque passou por diversas reformas e adequações,

sendo varias vezes fechado ao publico. A principal reforma ocorreu de 1900 a 1903 sob

o comando de Antônio Lemos. A configuração das trilhas datam desta época, sendo

inclusive usado seixo do leito do rio Tocantins. A construção da gruta, da cascata, dos

lagos, também remontam à esta época. O zoológico do bosque começa a funcionar em

1904, nesta ocasião havia chegado da Europa quatro viveiros de ferro.

De 1907 a 1908 o projeto de iluminação do bosque foi elaborado e concluído, em

1939 o prefeito Abelardo Condurú fez alguns melhoramentos destacando-se a construção

de um anfiteatro para aulas ao ar livre. Lopo de Castro realizou em 1953 o repovoamento

do zoológico com animais exóticos, porém sem os devidos cuidados a maioria dos

animais acabou morrendo.

Nos anos de 1983 e 1984, na gestão do governador Jader Barbalho e do prefeito

Emanoel O`de Almeida, foram realizadas comemorações do centenário do Bosque,

sendo inclusive retomado os passeios de canoa e de charrete. Na administração de Almir

Gabriel foi inaugurado em 1985 o chalé de ferro que abriga hoje a administração do local,

e em 1988 na gestão do prefeito Coutinho Jorge o muro que circundava o bosque foi

substituído por grades de ferro.

Em 1995 Hélio da Mota Gueiros realizou uma reforma geral nos recintos dos

animais, nas construções existentes, iluminação, abastecimento de água, esgoto, além da

construção do auditório; outra reforma a se destacar foi a do chalé de ferro de 2003 que

recebeu reparos e pintura na gestão do prefeito Edmilson Rodrigues.

Em 17 de dezembro de 1906 o Bosque do Marco da Légua, por força da resolução

Nº 158 de 12 de Dezembro de 1906 do Conselho Municipal, passou a se chamar Bosque

Rodrigues Alves em homenagem ao presidente da republica.

Na história do Bosque houve uma lei que aprovava sua expansão, a Lei Nº206 de

24 de setembro de 1898, que autorizava o aumento do perímetro do Bosque da Tv. 25 de

Setembro (atual Rômulo Maiorana) até a Visconde de Inhauma (entre Tv. Mauriti e

Tenente Coronel Costa). Contudo, por conta da economia de recursos, tal ampliação não

foi realizada, sendo revogada a lei que autorizava a expansão.

Veja o mapa de como ficaria a área do Bosque.

Figura 1: Área ampliada do bosque, segundo a Lei Municipal nº 206 de 1989.

Fonte: Cunha e Silva. Projeto em execução.

Page 85: Revista facientifica digital

Destaca-se aqui que além de área de lazer, descontração e visita, o espaço pode

ser um centro de pesquisa à comunidade acadêmica e irradiador de conhecimento, pois

se trata de uma área muito especial por seu caráter peculiar: uma floresta isolada em meio

urbano, onde os comportamentos das espécies animais e vegetais podem servir de estudos

e projeções para outras áreas que estão sofrendo com a pressão urbana.

Esta visão do bosque como centro de produção de conhecimento não é nova. Em

1939, na administração do prefeito Abelardo Condurú, já havia esta preocupação. Veja o

que diz o documento da prefeitura de Belém: “(...)além de dotar o Bosque de uma série

de diversões ao ar livre; visando transformá-lo em centro de observações cientificas e de

irradiação de cultura e por isso mandou construir(...)um anfiteatro rústico, onde

estudantes paraenses do curso de História Natural poderiam ouvir as aulas dos

professores, sobretudo de botânica”.

3. Geosistemas

Quando pensamos em sistemas, logo nos vem à mente uma estrutura organizada, onde

cada parte desta estrutura possui determinada função, sendo assim cada elemento é

importante para que se chegue a um fim específico, sendo eles partes que se somam para

formar o todo organizado.

Na natureza há vários exemplos desses sistemas, sendo mais evidente o próprio

organismo humano. Daí a teoria dos sistemas nascer no seio da biologia com o biólogo e

filósofo Ludving Bertalanffy, que em 1947 explica as teorias globais sob o titulo de

Teoria Geral dos Sistemas, porém as discussões já eram apresentadas desde a década de

1930.

Posteriormente o conceito de sistema passa a ter um grande uso em outras áreas

do conhecimento, sendo usado na engenharia (industria) ciências humanas (teorias

sociais) e mais recente, com o desenvolvimento da informática, com sistemas de

informação. Para Bertalanffy o conceito da teoria dos sistemas é:

A teoria geral dos sistemas, portanto é uma ciência geral da totalidade, que até

agora era considerada um conceito vago, nebuloso e semimetafisico. Em forma elaborada

seria uma disciplina lógico-matemática, em si mesma puramente formal , mas aplicável

as várias ciências empíricas. Para as ciências que tratam do todo organizado, teria uma

significação semelhante à que tem a teoria das probabilidades para as ciências que se

ocupam de acontecimentos causais. Esta também é uma disciplina matemática formal

que pode ser aplicada a campos muito diversos, tais como a termodinâmica , a

experimentação biológica e medica, genética, estatística de seguros de vida etc...”

(Bertalanffy-2010)

Isto indica os principais propósitos da teoria geral dos sistemas segundo este autor:

1. Há uma tendência geral no sentido da integração nas várias ciências naturais e

sociais;

2. Esta interação parece centralizar-se em uma teoria geral dos sistemas;

3. Esta teoria pode ser um importante meio para alcançar uma teoria exata nos

campos não físicos da ciência;

4. Desenvolvendo princípios unificadores que atravessam verticalmente o universo

das ciências individuais, esta teoria aproxima-nos da meta da unidade da ciência;

5. Isto pode conduzir à integração muito necessária na educação cientifica.

Page 86: Revista facientifica digital

A teoria geral dos sistemas nos mostra a complexidade dos mais variados

fenômenos que ocorrem em nossa volta, e na geografia esta teoria foi também aplicada,

inicialmente, na geomorfologia com os estudos de Arthur N. Stralher em 1950. Porém

somente a partir da década de 1960 é que surgem trabalhos mais substancias decifrando

a teoria na geomorfologia, passando a ser referencia nos estudos geográficos, onde se

destacam os trabalhos de Jhon T. Hack, Richard A Chorley e Alan D. Howard.

Nesta mesma linha de pensamento, é Antonio Christofoletti quem aborda o tema

em seus estudos geomorfológicos e conceitua alguns tipos de sistema em geomorfologia,

dos quais destacamos os sistemas isolados, não isolados abertos e fechados, sistemas

morfológicos, sistemas em sequência, sistemas de processo respostas e sistemas

controlados. Nos deteremos nos dois primeiros.

Os sistemas isolados são aqueles que não sofrem mais perda e ganho de energia

ou matéria do ambiente em sua volta, portanto se conhece a quantidade de matéria e

energia, podendo-se então calcular a evolução e o tempo que decorrerá até o fim do

sistema.

Os sistemas não isolados, diferentes dos isolados, mantêm relações com os demais

sistemas do mundo que está em sua volta, inclusive sendo subdividido em fechado e

aberto. Nos Sistemas Não Isolados Fechados há troca de energia, porém não de matéria.

O exemplo maior deste tipo de sistema é o próprio planeta terra, que recebe energia solar

e também perde com a radiação para a estratosfera, contudo não há perda e ganho de

matéria a não ser em quantidades desprezíveis de meteoros ou meteoritos que adentram

as camadas superiores terrestres, e de satélites artificiais que são lançados pelo homem

ao espaço. Já nos Sistemas não isolados abertos ocorrem constantes trocas de energia e

matéria tanto absorvendo quanto liberando ao meio. Estes tipo de sistema são os mais

comuns de serem encontrados como. Por exemplo, em um animal qualquer.

Desta forma, compreende-se que o Bosque enquadra-se no sistema não isolado e

aberto pois recebe energia solar, irradia parte dessa energia através da evapotranspiração,

reflete a energia, recebe matéria como o CO2 no processo de fotossíntese e O2 na

respiração dos animais que lá se encontram.

Dentro de um sistema pode haver vários subsistemas, sendo a reciclagem da

matéria orgânica outro sistema que atua no Bosque e contribui para o equilíbrio do

sistema. Há vários outros atuando no local, porém ainda não temos como precisar o

numero exato de processos que ocorrem para que o Bosque se mantenha até hoje.

Sabemos entretanto de alguns, o que nos leva mais uma vez aos estudos de

Christofoletti, quando trata de sistemas ambientais, em seu trabalho sobre modelagem de

sistemas ambientais, ele cita as concepções de Chorley e Kennedy, que propõem uma

classificação estrutural e distinguem onze tipos de sistemas, todavia consideraram

somente quatro como importantes à Geografia Física e Analise Ambiental. São eles:

Sistema Morfológico: São compostos somente pela associação das propriedades

físicas do fenômeno (geometria composição, etc.), constituindo os sistemas menos

complexos das estruturas naturais, correspondem as formas, sobre as quais se podem

escolher diversas variáveis a serem medidas (comprimento, altura, largura, declividade,

granulometria , densidade e outras.).

Sistema em sequência ou encadeante: São compostos por uma cadeia de

subsistemas, possuindo tanto magnitude espacial quanto localização geográfica, que são

dinamicamente relacionados por uma cascata de matéria ou energia. Nessa sequência a

Page 87: Revista facientifica digital

saída (Output) de energia e matéria de um subsistema torna-se a entrada (Input) para outro

subsistemas de localização adjacente.

Sistema de processo resposta: São formados pela combinação de sistemas

morfológicos e sistemas em sequência. Os sistemas em sequência indicam o processo,

enquanto o morfológico representa a forma, a resposta a determinado estimulo. Sistemas

controlados são aqueles que apresentam a atuação do homem sobre os sistemas de

processos-respostas. A complexidade é aumentada pela intervenção humana como, por

exemplo, a barragem de um rio (Christofoletti—1980).

Trabalharemos com o conceito de sistema em sequência. O estudo de sistema

nesta categoria tem um caráter particular de observar a relação entre a entrada e a saída

de matéria e energia de um sistema ou subsistema para outro, sendo assim o índice de

detalhamento do processo de entrada (INPUT) e saída (OUTPUT) pode ser classificado

em três níveis de detalhe: modelo de Caixa Branca; Caixa Cinza; e Caixa Preta para

Chorley e Kenedy 1971 apud Christofoletti.

Nos estudo dos sistemas em sequência, a focalização analítica principal está em

verificar as relações entre a entrada e a saída. Conforme o grau de detalhamento que se

deseje obter, três maneiras distintas podem ser aplicadas.

*caixa branca— a tentativa é feita no sentido de identificar e analisar as

estocagens, fluxos e outros processos, a fim de obter conhecimento detalhado e

claro de como a organização interna do sistema funciona a fim de transformar um

input em output;

*caixa cinza— envolve conhecimento parcial do funcionamento do sistema,

quando o interesse se centraliza apenas em numero limitado de subsistemas, não

se considerando as suas operações internas;

*caixa preta— o sistema em seu todo é tratado como unidade, sem qualquer

consideração a propósito de sua organização e funcionamento interno. A atenção

dirige-se somente para o caráter do output resultante de inputs identificados.

(Christofoletti –1980).

Infere-se que o Bosque seja um sistema em sequência de caixa cinza, pois

sabemos que o sistema Bosque possui vários outros subsistemas, e que a entrada de um é

a saída de outro. Destes processos conhecemos apenas alguns, destacando-se o ciclo da

água, do carbono e oxigênio, porém sabemos parcialmente o ciclo da matéria orgânica,

ou seja, toda a serapilheira que corresponde à matéria orgânica decomposta que ocorre

no topo dos solos (GUERRA-2010). Não se sabe os processo que levam a decomposição

da matéria, desde a queda do material orgânico até ele ser (re)absorvido pelas raízes das

arvores. Quem decompõe? Quais os tipos de organismos e microorganismos que realizam

a decomposição da matéria no Bosque? Quais tipos de reações físico-químicas ocorrem?

Por está isolado, a decomposição no Bosque difere de um sistema em uma área de floresta

longe do meio urbano? Enfim, são inúmeras perguntas que podem começar a ser

respondidas.

Sabe-se que o processo ocorre. Sabe-se também que existem animais na fauna

livre que também participam no ciclo da matéria, contudo estes animais também são

sistemas. Então há uma complexidade que permite que o sistema Bosque permaneça e se

mantenha em equilíbrio ou parcialmente em equilíbrio até hoje.

Page 88: Revista facientifica digital

No aspecto florístico, a perturbação do equilíbrio do sistema ocorre pela

existência de uma espécie invasora conhecida como Rabo de Peixe Caryota urens L, que

é uma palmeira endêmica da Ásia (Índia, Bruma, Sirilanka e Malásia). O que se tem de

concreto é que esta espécie provoca uma desorganização do sistema. Por ter uma

dissipação muito rápida e eficaz, ela é a mais perigosa ao Sistema Bosque, pois ainda

conta com um mecanismo que contamina outras árvores com uma espécies de fungo

(ferrugem). Esta espécie inclusive está presente em cerca de 80% dos canteiros do

Bosque (considerando indivíduos Adultos, Jovens e Plântulas), ou seja, se nada for feito,

em pouco tempo o Bosque como conhecemos pode tornar-se um jardim de palmeiras.

Há outros fatores que também contribuem para a perturbação do sistema, entre

eles determinados fungos, bactérias, parasitas, excesso de umidade, o próprio lixo

produzido pelos visitantes, animais que são jogados para dentro do Bosque, entre outros.

Estes fatores devem ser estudados qualificados e quantificados para determinar o quanto

cada elemento contribui para a perturbação do sistema.

4. Geotecnologia

Com o avanço do meio técnico cientifico, diversas ciências tiveram que se adaptar

as tecnologias que foram surgindo, particularmente nas ultimas décadas. Com a

cartografia não foi diferente. Os lançamentos de satélites à estratosfera com a finalidade

de imagear a terra e facilitar a navegação com os satélites do Sistema de Posicionamento

Global (GPS) revolucionaram essa ciência e a própria Geografia, que faz uso da

cartografia, do Geoprocessamento, do Sensoriamento Remoto, e do Sistema de

Informação Geo-Referenciado (SIG) para analisar o espaço onde ocorrem os fenômenos

provocados tanto pelo homem quanto pela natureza.

Geotecnologia neste contexto é, segundo Silva, a ciência dos meios (Scruton,

1982). É a arte e a técnica de estudar a superfície da terra e adaptar as informações às

necessidades do meios físicos, químicos e biológicos. Fazem parte da geotecnologia o

processo digital de imagens (PDI), a Geoestatística e os SIG’s (Silva, 2003).

A Geotecnologia vai espacializar determinada demanda do Bosque, sendo assim

os mapas mostrarão o que atualmente ocorre no local. Deverá informar, orientar e

canalizar esforços e ações a serem implementadas na atividade. Neste intuito é que o

Geoprocessamento e o SIG podem ajudar o Bosque a sanar seus problemas, além de

construir sua historia com o implemento de um banco de dados.

A montagem de um banco de dados é tarefa crucial e que demanda muito tempo,

recursos e pessoal especializado. Para se ter uma idéia, o custo de um banco de dados

excede o custo de equipamentos e aplicativos em pelo menos 2 vezes. Rowley e Gilbert

(1989) sugerem que 70% do custo de implementação de um SIG refere-se à montagem

de uma base de dados. O mais significativo elemento básico é o pessoal especializado, ou

seja, os especialistas em configurar, implementar e operacionalizar os SIG’s. eles devem

ter treinamento específico e possuir uma visão global de trabalho interdisciplinar (Silva;

2003).

A amarração das coordenadas geográficas indica que o lugar é único no mundo e,

através delas e de acordo com a formação acadêmica de cada um, aquele lugar passará a

ser identificado por alguma característica. No caso do Bosque, latitudes e longitudes

identificadas nos mostram que ele encontra-se ao sul da linha do equador, oeste de

Greenwich, na América do Sul, mais precisamente na Amazônia brasileira. Poderíamos

Page 89: Revista facientifica digital

ainda aumentar a escala de detalhe passando de uma escala global/ regional para uma

escala local, onde o Bosque estará localizado no Estado do Pará, em sua capital Belém.

Conforme mapa a seguir.

Figura 2 – Composição de imagens Landsat _5_TM_20080814_223_061_I12_bandas 345.

Fonte: Cunha e Silva. Projeto em execução.

Daí observamos que o Bosque se encontra “encravado” em meio urbano, e que é

um fragmento de floresta ombrófila de terra firme, rodeada de construções em uma cidade

que tem poucas áreas verdes a oferecer a seus habitantes, tornando-o um enclave de

floresta em meio urbano.

A construção de um banco de dados permanente é de fundamental importância,

isto porque o Bosque precisa urgentemente do monitoramento e retirada de algumas

espécies arbóreas, como a já citada rabo de peixe. Além dela, outras espécies necessitam

de controle, dentre elas o Bambu Bambusa oldhamii e a Mangueira Mangifera indica.

Há que se fazer também o monitoramento das espécies nativas para controle

sanitário, identificando indivíduos doentes e ou parasitados, assim como necessidade de

podas e coleta de sementes. O Bosque possui ainda os animais de fauna livre, que devem

ser identificados e quantificados para se ter controle populacional, a fim de evitar outro

estresse ao sistema.

Sabe-se que muitas pesquisas e dados já foram gerados, porém como não há um

local em que estes dados possam ser armazenados de forma segura, muitos deles estão se

perdendo ou espalhados pela secretaria, o que nos leva a nova pesquisa e levantamento

do mesmo assunto: uma grande perda de tempo e dinheiro para refazer o trabalho que já

foi executado.

O mapa base 03 foi elaborado através de um arquivo de formato DWG encontrado

em um dos computadores do setor da flora do Bosque. A partir dele foi usado o software

Arc-Gis da empresa ESRI, para o Georeferenciamento do arquivo DWG. Nesta etapa foi

necessária antes a coleta de pontos de GPS no Bosque onde, para obter melhor precisão,

foram coletados dez coordenadas com a ferramenta Georeferecing. Com a área do Bosque

já “amarrada” em suas coordenadas geográficas, foi possível realizar um pequeno

Page 90: Revista facientifica digital

trabalho de verificação da área dos lagos existentes no Bosque, e para isto foi necessário

a criação dos SHAPES (.SHP) no Arc-Catalog, e a construção dos polígonos

identificando o perímetro dos lagos. Posteriormente foi criado cada canteiro e construção

existente no local.

Figura 3: Localização do Bosque Rodrigues.

Fonte: Cunha e Silva. Projeto em execução.

Apesar da existência de um mapa base com a identificação da flora do Bosque,

este mapa está em mídia impressa e em condições precárias por ser exemplar único e

muito usado. Este mesmo mapa também está em forma digital no formato PDF, porém

não se sabe onde está o banco de dados que deu origem a ele.

Basicamente conseguiu-se até agora a construção de um mapa base, que será

usado para diversas atividades do corpo técnico do DGAE, departamento que se encontra

sediado no Bosque. Outro mapa derivado da Base foi o comemorativo aos 130 anos do

Bosque, ocorrido no dia 25 de Agosto de 2013.

Figura 4 : Mapa em formato DWG

Fonte: Cunha e Silva. Projeto em execução.

Page 91: Revista facientifica digital

‘Hoje estão previstas diversas atividades em que a Geotecnologia pode ajudar:

monitoramento e retirada da palmeira rabo de peixe; identificação de umidade no solo

utilizando a agricultura de precisão; quantificação da serapilheira; rede de água, esgoto,

energia, telefonia e internet; monitoramento da fauna livre, rotas de alimentação, abrigos

entre outros; prédios e construções; identificação de trilhas para educação ambiental;

mapas temáticos; e geomarketing, que será descrito a seguir.

O Geomarketing também pode ser usado no Bosque, inicialmente com o publico

flutuante de visitantes e turistas. Desta forma, os dados obtidos com este levantamento

orientarão futuras intervenções no espaço para atender melhor determinadas demandas

que hoje o local não atende. Para tal, é necessário saber a renda deste visitante, sua

escolaridade, seu deslocamento até o bosque, quanto tempo ele esta disposto a ficar no

local, se há suporte para que o visitante possa prolongar sua visita, o que ele acha do

serviço prestado, se ele esta disposto a pagar mais por um serviço melhor e quanto a mais

seria este percentual, o que ele quer ver, o que ele quer comprar, a intenção é traçar um

perfil completo do usuário do bosque, quantificar e qualificar este usuário.

A intenção de aplicar o questionário é gerar mais um banco de dados que poderá

ser transformado em mapas temáticos identificando, por exemplo, de onde vem estes

visitantes, se a maioria é de Belém ou dos municípios da região metropolitana, destacando

Ananindeua e Marituba. A identificação do bairro de origem, principalmente da capital,

é um fator considerável pois verificaremos se a distância influencia na opção da busca

por lazer, constatando então quem visita mais o Bosque, se o que esta mais perto ou o que

está mais afastado.

5. Metodologia

Visando a utilização de ferramentas de sistema de informação geográfica – SIG para

caracterização da melhor necessidade, foram utilizados o software ArcGis 10.0,

licenciado pelo Laboratório de Análises Espaciais Logística e Transporte – LAELT

localizado na Faculdade Ideal – FACI, para o geoprocessamento dos dados geográficos

obtidos, e a confecção dos mapas temáticos. Assim, segue algumas diretrizes para uma

organização adequada, sendo elas o nível compilatório, o nível correlativo, o nível

semântico e por fim o nível normativo, considerando as seguintes etapas descritas por

Ross (2000).

Figura 5 – Resultado.

Fonte: Cunha e Silva. Projeto em execução.

Page 92: Revista facientifica digital

7. Conclusões

Confirmamos que até hoje o Bosque continua sendo usado como área de lazer,

descontração, passeio com a família, visita de turistas e serve também como local de

solenidades públicas; muito mais do que um lugar na cidade, é um local de boas

lembranças principalmente da infância quando íamos passear no Bosque. Ele é a extensão

de nossos quintais, daí ficarmos decepcionados com as condições atuais em que se

encontra.

Atualmente Bosque Rodrigues Alves, necessita de várias intervenções em todas

as áreas, principalmente no que se refere aos recintos dos animais que, segundo

notificações do IBAMA, estão fora dos padrões aceitos. Hoje o Bosque pertence à rede

de jardins botânicos na categoria C provisória, e precisa de muito mais recursos e

pesquisas para que eleve de categoria até atingir o padrão A na rede. A Geotecnologia

está aí para subsidiar estas pesquisas que qualificarão o Bosque como centro de pesquisa

e excelência e ,quem sabe, transformá-lo em uma Fundação .

A velocidade com que as informações são obtidas atualmente exige da

administração publica a tomada de decisão muito mais rápida do que outrora, uma vez

que se tratando da gestão publica quanto mais rápida for esta decisão melhores serão os

resultados menores os investimentos necessários.

No mais, o Bosque deve servir de modelo para outros parques da cidade como o

parque do Médici, e também de outras áreas verdes a serem criadas como o Parque

Amazônico e o Parque do Mosqueiro, e também região das ilhas de Belém, com destaque

para o Combú e Cotijuba. Hoje o DGAE que é responsável por estas áreas, e possui um

corpo técnico capacitado para realizar o plano de manejo, cabe à SEMMA e à Prefeitura

de Belém possibilitar estes estudos. Cabem agora estudos para que o sistema Bosque seja

por completo decifrado ou descrito, garantindo assim sua existência às futuras gerações.

Mapa 4 : Bosque Rodrigues Alves Jardim Botânico da Amazônia.

Fonte: Cunha e Silva. Projeto em execução.

Page 93: Revista facientifica digital

8. Referências

ATHAYDE; Rita de Cássia Lemos de;Estrutura Populacional e invasividade da Palmeira

Rabo de Peixe (Caryota urens L. ARECACEAE) : no tratamento de floresta primária em

área urbana.Jardim Zoobotânico da Amazônia Bosque Rodrigues Alves .Belém—

PA:Janeiro.Faculdade Ideal/FACI,(2009).

BELÉM ,Prefeitura de ; Secretaria Municipal de Meio Ambiente; Departamento de

Gestão de Áreas Especiais,relatório Técnico, Bosque Rodrigues Alves.Jardim

Zoobotanico da Amazônia, solicitação de registro e Enquadramento de Jardins Botânicos

. Belém-PA.Novembro.(2011).

BELÉM, Prefeitura Municipal de. Bosque Rodrigues Alves suas Historias e seus

Atrativos. Secretaria de Comunicação Social (SECOMUNS),Belém (1998).

BERTALANFFY, Ludwing Von, Teoria Geral dos Sistemas: Fundamentos,

desenvolvimentos e aplicações; tradução de Francisco M. Guimarães—5ºed. Petrópolis,

RJ: Vozes,(2010).

CHRISTOFOLETTI,Antonio. Geomorfologia; São Paulo:2º edição/ Editora Blucher,

(1980).

_________Modelagem de Sistemas Ambientais ; São Paulo. Editora Edgar Blücher

LTDA,(1979).

GUERRA, Antonio Teixeira. GUERRA, Antonio José Teixeira; Novo Dicionário

Geológico Geomorfológico –8º Ed .Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,(2010).

LANG,Stefan .BLASCHKE,Thomas; Análise da paisagem com SIG; Tradução:

L.Hermann Kux. São Paulo : Oficina de Texto, (2009).

SILVA, Ardemirio de Barros, Sistemas de Informações Geo-referenciadas : conceitos e

fundamentos: Campinas, SP; Editora da UNICAMPI, (2003).

Page 94: Revista facientifica digital

O PAPEL DA MÍDIA NO PROCESSO DA VIOLÊNCIA

Jorge Alberto Ramos Sarmento1, Savio Rangel U. Santiago1

1Curso de Direito – Faculdade Ideal (FACI)

[email protected],[email protected]

Abstract: That paper discusses, albeit very briefly the problem of violence and

their "modus operandi" from the new communication mechanisms of modern

life, in which sobrassai media and more particularly television as part diffuser

symbolic violence and more recently started using the spectacle and the

glamorization of such violence as a social control mechanism.

Key-Word: violence, media, rule of law

Resumo: O referido trabalho pretende discutir, ainda que de forma muito breve

o problema da violência e seu “modus operandi” a partir dos novos

mecanismos de comunicação da vida moderna, no qual se sobressai a mídia e

de forma mais particular a televisão enquanto elemento difusor de uma

violência simbólica e que mais recentemente passou a utilizar a

espetacularização e a glamourização dessa violência enquanto mecanismo de

controle social.

Palavras Chaves: violência, mídia, estado de direito

1. O fenômeno violento e o Estado Democrático de Direito.

O Estado se vê refém da violência e isso é bem mais que um simples fato. É uma realidade

estarrecedora. A proliferação do tráfico de drogas, que vem invadindo escolas, presídios,

creches, famílias e até hospitais é apenas um dos alarmantes problemas sociais graves que

atravessamos. Têm-se os graves problemas sociais e de saúde pública em consequência

do aumento devastador dos números de viciados em crack e outras substancias bem

piores, o que também repercute como fenômeno violento. Além disso, o tráfico de armas

e acentuado desenvolvimento do crime organizado têm sido uma das estruturas de um

“Estado de não-Direito, perigoso, desafiador e muito ousado que se alimenta do próprio

sistema protetivo e punitivo do Estado de Direito. Desse modo, Estado Paralelo,

parafraseando Canotilho, seria apenas um construto de Estado de não-Direito, e, portanto,

em colisão frontal com próprio Estado de Direito. Nesse sentido, em oposição necessária

ao Estado de Direito, trata-se não mais do governo das leis, mas sim do governo dos

homens violentos, pois que toda noção de certo e errado, de possível Justiça, baseia-se na

potencialidade de dano ou de uso da violência que se possa infringir ou direcionar ao

adversário. Assertiva o autor:

Tomar a sério o Estado de Direito implica, desde logo, recortar

com rigor razoável o seu contrário – o "Estado de não direito".

Três ideias bastam para o caracterizar: (1) é um Estado que

decreta leis arbitrárias, cruéis ou desumanas; (2) é um Estado em

que o direito se identifica com a "razão do Estado" imposta e

iluminada por "chefes"; (3) é um Estado pautado por radical

Page 95: Revista facientifica digital

injustiça e desigualdade na aplicação do direito (CANOTILHO,

1999, p. 12).

Somada a essa instintuinte e contracultural força violenta cujo formato se

aproxima muito bem do entendimento diretamente dicotômico e antitético do Estado

Oficial, tem-se, também, que o que os textos jornalísticos e os profissionais de segurança

pública denominam de “crime desorganizado”, que é o joio das condutas criminis

dispersantes e probabilisticamente determináveis, seja por um coerente estudo em

criminologia, seja pelo positivismo mais puro aplicado como “técnica” de ciências

sociais. O que se pretende dizer é que existe, sem rigor teórico algum, uma plataforma de

pessoas violentada e excluídas dos bens culturais e patrimoniais, o que produz e

desenvolve “microvilosidades antissociais” tendentes à proliferação de “condutas

criminis”, as quais estão endogenamente entrelaçadas, sem casuísmo algum, à

vulnerabilidade social e histórica, além de correlacionada a outras espécies de crimes,

como o tráfico de drogas, assassinatos, roubos, por exemplo.

A violência é o gênero conglomerante de todo e qualquer repertório de condutas

delituosas e agressivas aos valores convencionados e tutelados pela Ordem Jurídica. É a

ruptura antijurídica mais devastadora que o próprio crime, pois este se tipifica na conduta

e pode ser com ou sem resultado naturalístico, mas aquela, pelo contrário, repercute

violentamente na elaboração de “construtos valorativos transmutados”, antissociais,

“delinquíveis” e potencialmente reproduzíveis.

Sérgio Adorno já esboçara este cenário ao abordar criticamente as contribuições

de Ralph Dahrendorf que na obra Law and Order,

Sustém sua interpretação do dilema da sociedade contemporânea: as

lutas em torno do contrato são concomitantes a um processo reverso,

qual seja, caminhamos inexoravelmente para a anomia, isto é, para

a erosão da lei e da ordem, cujo principal indicador é a atual

incapacidade do Estado de cuidar da segurança dos cidadãos e de

proteger-lhes os bens. Em que se apoia essa constatação de

Dahrendorf? Em fatos, mais propriamente, nas tendências mundiais

ao aumento dos crimes e nas taxas sugestivas de uma retração na

capacidade punitiva do Estado (ADORNO, p 23).

No mesmo sentido, Cezar Bitencourt esboça o seguinte cenário ao mencionar a

amplificação do Direito Penal: Tradicionalmente as autoridades governamentais adotam uma

política de exacerbação e ampliação dos meios de combate à

criminalidade, como solução de todos os problemas sociais,

políticos e econômicos que afligem a sociedade. Nossos

governos utilizam o Direito Penal como panacéia de todos os

males (direito penal simbólico); defendem graves transgressões

de direitos fundamentais e ameaçam bens jurídicos

constitucionalmente protegidos, infundem medo, revoltam e ao

mesmo tempo fascinam uma desavisada massa carente e

desinformada. Enfim, usam arbitrária e simbolicamente o direito

penal para dar satisfação à população e, aparentemente,

apresentar soluções imediatas e eficazes ao problema da

segurança e da criminalidade (BITTENCOURT, 2013, p 440).

A preocupação de Bitencourt foi justamente em estabelecer critérios para facilitar

estudo e possível intervenção do Estado do que denominou de violência organizada (cujo

Page 96: Revista facientifica digital

subproduto é o crime organizado), violência moderna (a violência stricto sensu

telemática, do colarinho branco) e violência de massa (o caldo mais grosso de todas as

condutas criminis, o crime desorganizado).

A maioria das políticas públicas se volta para o estudo e para o controle da

violência visível, seja ela moderna, organizada ou de massa. Esse é o tipo de controle

morfológico exercido pelo aparelho estatal, que age muito mais pela coerção do que pela

prevenção, até porque o nível de prevenção confia o estado ao Direito Penal e sua

capacidade de punir.

Autores clássicos como Durkheim, Webber, Habermas, Dahrendorf apresentaram

estudos paradigmáticos de relevantes parâmetros epistemológicos para a ciência

sociológica no que tange o fenômeno da criminalidade, da ética e das instituições,

enquanto síntese subjetiva da racionalidade. Esses estudos contribuíram no sentido de

instrumentalizar as análises pertinentes às estruturas e instituições imbricadas na

dinâmica do sistema capitalista, possibilitando desenvolvimento de uma teoria social das

estruturas e das formas controle potencialmente simbólicas na reprodução dos

mecanismos de controle.

Para fins de contribuição a uma teoria dos “valores” violentos, cabe ressaltar a

importância das diferenças que existem entre as terminologias “violência”, esboçada aqui

em sentido amplo, “criminalidade”, enquanto propriedade latente e autônoma do

fenômeno “violência”, e crime, enquanto conceito jurídico stricto sensu. A diferença entre

esses conceitos se faz imprescindível, mormente o uso indiscriminado, manipulativo,

deformador, arbitrário e pouco técnico que tais termos vêm sofrendo pela mídia e,

atualmente, também nas redes sociais. Entretanto, a proposta conceitual é simples e

baseia-se, idiossincraticamente, na tese de que o cerne da questão são as relações de poder

assimétricas, a desigualdade a propulsora mola triunfante de todo e qualquer sistema de

exclusão.

O objetivo do presente artigo é esmiuçar o fenômeno violência e da criminalidade

(diferenciando-os) no sentido de alcançar uma análise psico-sociológica capaz de

albergar e identificar “arquétipos delictus” que desenvolvem e reproduzem formas de

construções simbólicas potencialmente delituosas, violentas e criminosas, e dessa forma

constituir a proposta de parâmetros para a adequação de ações preventivas para controle

de criminalidade. O principal recorte epistemológico dessa análise pretende apresentar

uma crítica à postura espetaculosa da grande mídia e a objetivação do sensacionalismo e

do populismo midiático enquanto instrumento puniendi da repercussão e manutenção do

fenômeno violento.

A implicação destrutiva do conteúdo violento midiático, quando utilizado

arbitrariamente contribui sobremaneira para a instalação de uma “cultura do crime” e da

impunidade que põe em xeque não somente as estruturas institucionalizadas e

democráticas como também os próprios direitos fundamentais.

2. Distinção entre crime, violência e criminalidade

A diferenciação entre os conceitos é deveras importante para os objetivos do presente

artigo, uma vez que tais termos sofrem diariamente bombardeios deturpadores, arbitrários

por parte da grande mídia e das redes sociais em virtude do forte apelo que tais veículos

de comunicação fazem objetivando de forma irresponsável e repugnante a amplificação

do Código Repressor, atacando muitas vezes as exceções como regra para “argumentar”

o descrédito das instituições públicas e do estado democrático de direito, manifestando

claramente interesses elitistas e de manutenção do status assimétrico das relações de

dominação.

Page 97: Revista facientifica digital

Dessa forma, far-se-á imprescindível essa teorização no sentido de que na sessão

discussão esboçaremos que no nível superestrutural os construtos simbólicos

relacionados ao fenômeno violência estruturam e dinamizam processos de naturalização,

internalização e homogeneização de condutas criminis, as quais são reproduzidas em uma

atmosfera de latente tendente à criminalidade.

Procurar respostas e solução para a questão sobre o que leva as pessoas a

cometerem atos de violência é uma tarefa extremamente difícil e não se encontra

exclusivamente em nenhuma ciência, e isso inclui a ciência jurídica também. O aumento

exponencial da violência, ao lado do desemprego, é um dos maiores problemas

enfrentados pela contemporaneidade, principalmente em países historicamente

assimétricos como o Brasil. Tal fato tem contribuído para que vários pesquisadores de

diversas disciplinas tenham tratado o tema de maneira especial e interdisciplinar,

investigando suas causas e propondo políticas efetivas de combate a esse flagelo da

autodestruição social.

Durante algum tempo, mais especificamente, antes do advento da Dignidade

Humana (Art. 1°, III CFRB), como diretriz programática constitucional de nossa nova

República, o estudo da violência era enviesado epistemologicamente enquanto fenômeno

sociológico e psicológico da sociedade brasileira, com a complexidade histórica da

desigualdade enquanto fenômeno matricial embrionário da criminalidade. Esse era o viés

padrão. Eram poucos ou escassos os trabalhos enfocados pela óptica jurídica, apesar da

grande contribuição da Sociologia Jurídica e o estudo da criminologia pelo prisma

sociológico do direito.

Autores clássicos como Durkheim, Webber, Habermas, Dahrendorf apresentaram

estudos paradigmáticos de relevantes parâmetros epistemológicos para a ciência

sociológica no que tange o fenômeno da criminalidade, da ética e das instituições,

enquanto síntese subjetiva da racionalidade. Esses estudos contribuíram no sentido de

instrumentalizar as análises pertinentes às estruturas e instituições imbricadas na

dinâmica do sistema capitalista, possibilitando desenvolvimento de uma teoria social das

estruturas e das formas controle potencialmente simbólicas na reprodução dos

mecanismos de controle.

Entretanto, a violência como matriz das condutas delituosas e antissociais possui

uma tradição epistemológica respeitável na antropologia e na psicologia, seja esta

comportamental ou psicanalítica. E essa propriedade referencial deve contribuir bastante

para uma teoria social acerca dos arquétipos da violência, afinal toda conduta é

comportamento, mas nem todo comportamento gera obrigatoriamente condutas, pois o

comportamento é um evento endógeno (produtos da consciência, o pensar, a intenção, a

construção simbólica, as subjetivações e conceitos) e sociologicamente exógeno, ou seja,

externo, social, intersubjetivo. A conduta é exógena, morfologicamente visível. Eventos

privados como o pensamento e a subjetivação não estão no campo da conduta, mas sim

do comportamento. (Skinner).

Essa distinção é deveras importante para efeitos teóricos, pois enquanto a

violência se relaciona com a complexidade de comportamentos, por esta mais ampla, o

crime, por sua vez, se relaciona mais apropriadamente com a conduta. É a conduta

subsumida ao tipo penal abstrato e genético que configura o delito puniendi.

Discutisse a questão do animus (furandi, laedendi, necandi), pois tais conceitos

são importantes para se verificar, por exemplo, a intenção do criminoso (crime culposo,

dolosos, preterdoloso). E de fato, essa construção anímica é deveras importante em

matéria de acusação e defesa. Entretanto, O animus, seja ele "necandi", "laedendi",

"furandi" é sempre uma inferência plausível ou não sobre (e sob) a conduta, que pode ser

dolosa, culposa ou preterdolosa! A conduta é o revestimento da pulsação anímica. É ela

Page 98: Revista facientifica digital

que acoberta a inferência; e ela que deixa os resquícios. O animus sem a conduta não é

crime. Ainda que "intercrimes", é necessário sempre o revestimento exógeno da conduta,

pois ao fato subsumido sempre precede a abstração típica.

Superada esta distinção litigiosa entre conduta e comportamento, o referido

esboço versa sobre condutas criminis e sua manutenção, desenvolvimento e perpetuação

enquanto produtos diretos dos arquétipos do gênero violência. Arquétipos estes que

possuem, invariavelmente, potencialidade simbólica e ideológica para que o fenômeno

da violência seja uma representação antimoral, antijurídica e de ruptura superestrutural.

A violência é um fenômeno ontológico da condição humana bem mais antigo que

a própria compreensão de humanidade. É, sobretudo, o “necandi” da aderência que

fricciona as mais diversas formas de organização social, e assim como qualquer

complexidade de conduta e comportamento, produz seus efeitos simbólicos

potencialmente contraculturais.

A violência não é propriamente um crime, mas pode repercutir e reverberar para

os propósitos de um “inconsciente coletivo” delituoso, corrupto, torpe e desprezível. A

violência é a estrutura do crime, seu mecanismo totalizante, seu efeito sociologicamente

estruturado, seu telos necessário.

A violência é o gênero matricial da agressividade enquanto energia destrutível de

si mesmo, dos outros e toda uma coletividade. Acompanha a humanidade desde os

primórdios arborícolas mais primevos, e é uma consequência reversa e antropológica da

agressividade enquanto princípio do prazer incondicional em subjugar, predisposta a

destruir. Freud já tinha atentado para essa característica ontológica da violência em sua

obra “O Mal-estar na Civilização”. Freud analisou, por exemplo, a violência aplicada ao

delírio de massa, o qual identificou como sendo o componente mais destrutivo do

pensamento religioso, além disso, este autor esboçou a capacidade de absorção da

agressividade humana para os fenômenos violentos, os quais transmutam o significado

dos valores sociais, adaptando à realidade de exclusão.

A violência é um fato social, diferentemente do crime que é a inscrição da conduta

delituosa que protege os bens jurídicos mais caros à coletividade, sendo o crime, portanto,

o subsidiário recorte fatídico do fato social violento, pois sendo condição sine qua non, a

tipificação para ser crime, é este sumariamente a medida coercitiva do fato social violento,

do valor eleito para ser protegido e da norma puniendi, enquanto diploma repressivo

especial e geral. Esse é o conceito de violência para fins deste esboço.

O conceito de crime é, de per si, um conceito stricto sensu, técnico e de antemão

apropriado à contextos sociais e políticos. Existe crime sem penalização? Por certo que

sim. Existe crime sem previsão legal? Por certo que não? Existe crime sem violência? Por

certo que sim. Existe crime sem punibilidade? Sim, pois a punibilidade não é requisito de

fato típico, antijurídico e culpável. É esse é o conceito prevalente de crime.

O crime não é ontológico, e sim uma construção cultural estruturada social e

juridicamente, cuja finalidade é controle subsidiário de determinadas condutas. Nesse

sentido, as criminalizações não passam de mecanismos próprios do sistema penal para

distribuir o status de criminoso a alguns indivíduos. Esse silogismo seletivo do sistema

penal vai incidir com maior intensidade sobre setores mais vulneráveis da sociedade, alvo

da real violência estatal. No que tange aos estratos sociais privilegiados, a violência de

conteúdo real não é sentida, ficando limitada ao seu conteúdo simbólico.

Dessa forma, o crime repercute enquanto fato jurídico stricto sensu e a violência

enquanto fato social, mais amplo e veementemente totalizante das condutas criminis,

gerando crises éticas e psicológicas na consciência coletiva. Preleciona Alysson L.

Mascaro quando trata acerca do assunto em sua obra “Lições de Sociologia do Direito”,

utilizando-se de uma comparação entre o fato social e o fato jurídico:

Page 99: Revista facientifica digital

O fato social, para Durkheim, é muito distinto daquilo

que o jurista chamará por fato jurídico. Para o jurista

moderno, determinados eventos têm a repercussão para

o direito, outros não. Em geral, ele identifica um fato

como sendo jurídico caso ele esteja previsto ou repercuta

no sistema de normas do ordenamento estatal. Os fatos

sociais, na perspectiva de Durkheim, são muito distintos

disso. Os fatos devem ser tratados como coisas, e sobre

elas deve incidir uma análise objetiva. Daí que os fatos

se apresentam com dados brutos, não qualificados

previamente segundo alguma norma ou mesmo segundo

algum juízo de valor. O fato jurídico já seria um fato

trabalhado a partir de alguma perspectiva, como a

normativa. O fato social não. Durkheim o deseja

compreender objetivamente, como uma coisa que se

apresente ao sociólogo. (MASCARO, 2007, p. 23).

Outro conceito que se relaciona intrinsicamente com violência e crime é o

conceito de criminalidade. Nesse esboço, desenvolve-se um conceito próprio de

criminalidade. Para tanto, há uma característica idiossincrática elementar do termo,

indicando ora quantum do crime, ora indicando índices de violência e “marginalidade”.

O cenário da criminalidade é o cenário das consequências do crime e da atmosfera

da violência que repercute e que de forma antecedente contribui chamamos de “sensação

de insegurança”, “sensação de impunidade”, ou seja, uma espécie latente de

dessensibilização do poder puniendi do Estado. Esse é o sentido latente de criminalidade.

Todas as áreas do pensamento humano se ocupam do fenômeno da criminalidade,

as Políticas Públicas, as organizações não governamentais, o Humanismo, a Ética, o

Direito, a Psicologia, as Ciências Sociais, a Religião, a Filosofia, enfim. Entretanto,

ninguém explora a criminalidade tão bem quanto à mídia e todo seu arcabouço jornalístico

e “redessocializável”. A mídia é o exaurimento da difusão da criminalidade, rendendo

aloprados picos de audiência, rendendo assim o mais novo “voyeurismo” da era pós-

neoliberal, a violência em bloco de “reality show”. Adiante discutiremos esta questão. No

momento importa o conceito próprio do termo criminalidade.

A criminalidade é como disse acima, o quantum do crime e da violência, sua

morfologia quantitativa, sua latência qualitativa, seus índices e sua notória audiência. A

criminalidade não possui só aspectos quantitativos, mas também se apresenta

qualitativamente em forma de significação, a “sensação de insegurança”, o nível ou grau

do quantum se têm de violência ou crime. Ou seja, a criminalidade é a atmosfera de toda

a violência que nos atinge, seu emaranhado próximo e longínquo. A criminalidade é a

instrumentalização simbólica da violência.

3. O mecanismo da violência a nível superestrutural

Não se pode falar em superestrutura sem citar o velho e saudoso Marx que contribui com

uma espécie de topografia dialética da manutenção e reprodução das relações

assimétricas.

Karl Marx quando desenvolveu seus estudos a respeito do capitalismo e das

relações de poder envolvendo a classe mantenedora dos meios de produção e a classe

proletária, despossuída que apenas detinha sua força de trabalho instrumentalizou suas

assertivas apropriadamente ao criar a topografia dinâmica das estruturas das relações

assimétricas. Desenvolveu Marx, os conceitos de infraestrutura econômica e

superestrutura ideológica. O clássico autor nada mais quis do que esboçar os mecanismos

Page 100: Revista facientifica digital

de controle, quais se relacionam assimetricamente na determinação de valores e ideias

dominantes. Sistema ideológico este que era fortemente influenciado pelas bases

materiais detentoras das forças produtivas e da técnica de apropriação da natureza.

Um dos reformuladores da teoria marxista da história, mormente ao que tange às

formas de construção simbólica foi John B. Thompson. Este teórico enfatizou que não

era somente a base material econômica o aporte de todo o mecanismo ideológico

hegemônico, mas sim apenas um recorte desse dinâmico processo. Assim uma ideia

relativamente contracultural poderia mudar as estruturas sociais desde que houvesse um

contexto apropriado para aceitação de seu discurso, até porque não existe uma ideia que

não seja produto de uma precedente realidade. Na verdade, assim como para outros

teóricos, a exemplo de Antonio Gramsci, a topografia das relações assimétricas nem era

mesmo uma bilateralização de estruturas como definia o velho Marx. Os processos

simbólicos e ideológicos eram muito mais complexos, difusos, sobremaneira,

multipolarizados.

O que nos importa dessa teoria é a seguinte tese: os valores convencionais,

hegemônicos possuem prevalência sobre os valores contraculturais subjugados. Os

símbolos hegemônicos reverberam as ideias dominantes de um pensamento dominante

convencionado e tendente a manter relações de poder desiguais, favorecendo o

distanciamento até mesmo na produção de significados entre os agrupamentos sociais. O

nível de desigualdade material e imaterial é alarmante e circunscreve diversos riscos. Isso

se torna ainda mais perigoso para a proliferação do fenômeno violento cujo ataque será

tendente à totalizar os indivíduos mais vulneráveis. Mas não é simplesmente as ideias

dominante que reverberam o cerceamento de um instituinte e inovador pensamento com

o proposito ainda mais simples de manter relações de poder. Há também a própria força

de um símbolo, de um significado como bordeamento e contorno para sustentação e

manutenção de maiores desigualdades. Há para cada símbolo um ícone embutido, nesse

caso, como herói, ou seja, os arquétipos da manutenção.

Isso tudo acontece na superestrutura ideológica proposta por Marx e seguidores.

A base econômica material ao influenciar reprodução do pensamento convencional,

hegemônico e dominante com o intuito de preservar relações de dominação, preencherá

os componentes simbólicos dos arquétipos dessa dominação. As formas de construção

simbólicas são potencialmente ideológicas e controlam comportamento e condutas no

sentido da não ruptura, do status quo, da juridicidade.

Entretanto, em sentido contrário, como uma fatídica e obscura “teoria da

emancipação do fenômeno violento”, desenvolvem-se formas simbólicas (latentes) que

mantém, albergam e reproduzem condutas criminis. Esse mecanismo de contracontrole,

manutenção e reprodução de condutas antissociais, antijurídicas rompem com a

internalização e significado de valores morais, convencionais e com próprio ordenamento

jurídico.

Carlos Magalhães em seu esboço “Teoria Sociológica, Políticas Públicas e

Controle Do Crime” visualiza o fenômeno como consequência direta da vulnerabilidade

subcultural a qual são submetidos os indivíduos diretamente afetados a experiência do

fenômeno violento.

Na verdade, os valores e normas que são internalizados pelos

membros da subcultura determinam seu comportamento. Em

um ambiente onde a agressividade, a violência ou a

delinquência são normativamente prescritos a contra-norma

será a não- agressividade, a não-violência ou a não-

delinquência (Wolfgang e Ferracuti, 1970). Aqueles que não

adotam o comportamento prescrito são ostracizados. Não são

Page 101: Revista facientifica digital

aceitos nos grupos que valorizam o comportamento contrário.

Miller, por exemplo, apresenta como particularmente

importantes, do ponto de vista dos adolescentes de classe

baixa, os grupos de convívio que se constituem nas ruas. Em

ambientes onde as famílias muitas vezes não podem cumprir

as funções de socialização que se atribuem a elas, o grupo de

colegas da rua assume essas funções. Tornam-se assim

fundamentais para os adolescentes. Cumprem funções

relativas à construção de identidade e ao aprendizado de

papéis sociais. Isso explicaria a forte pressão e a ampla adesão

ao comportamento desviante no caso dos jovens de classe

baixa. (MAGALHÃES, 1998, p. 25).

Por certo existem valores contraculturais de ruptura (radicais) e de não ruptura

(moderados, nivelados, diatópicos também). Para o estudo do fenômeno violência, em

seu sentido amplo, material e imaterial, laedendi-necandi, visceral e dissimilatório,

enquanto fenômeno sociológico de consequências sócio-políticas e psicológicas cabe

também observar a antijuridicidade enquanto propriedade incidente do fenômeno

violento.

Concluindo é possível vislumbrar que os arquétipos da violência encontram-se na

superestrutura de significação do próprio fenômeno violento, servindo para manter

relações desiguais, de dominação e de dissimilação material e moral de comportamentos

violentos. Ouso a dizer que, dentro dessa ótica, a mídia sensacionalista/populista

desempenha um papel quase que instrumental se não na criação, mas, por certo, na

reprodução de condutas criminis, permitindo maior “microvilosidades nas significações”

de fenômenos de ruptura social e jurídica, desestabilizando de forma perplexa, com o

pretexto da livre informação e do livre pensamento, os institutos do Estado Democrático

de Direito.

4. O papel da mídia no processo de banalização e espetacularização da violência

A mídia sensacionalista é o populismo imediato. É o casuísmo político. É o populismo

penal travestido de justiça. É a quimera invencível dos meios de manipulação de massa.

É a dose moral endógena do simbólico e a dose coercitiva exógena do significado. É a

forma transmutada do espetáculo.

Um grande professor, certa vez disse que “a notícia, hoje em dia, chega antes do

crime”. Com a velocidade da informação e com as grandes transformações

informacionais que atravessamos de forma volátil e sistematizada nos meios de

comunicação de massa e internet, é quase impossível não se operar a cada minuto

bombardeios maciços de ingredientes bombásticos, afinal é o que rende encanto,

audiência e liberdade para as pessoas.

Chamarei esse atributo sensacionalista da mídia de arquétipo “Cidadão Kane”,

justamente por ser esta apropriação a metonímia relativa à literatura britânica do magnata

Kane que tinha poderes de destruir mundos. A mídia sensacionalista/populista brasileira

que se dirige ao público mais desprovido de meios e bens culturais tira o mesmo proveito

de Kane, utilizando seu grande poder e influência para gerar a banalização de condutas

criminis, transformando o povo em tábula rasa, uma plateia dos grandes espetáculos

televisivos, recheados de voyeurismo.

Conforme procuramos estabelecer acima, não há como desconsiderar o relevante

papel da mídia no processo de difusão de ideias e na formação de consciências, sendo a

televisão um poderoso meio de comunicação de massas, onde de forma mais pertinente e

generalizada se processa a manipulação das mentes.

Page 102: Revista facientifica digital

Nesse contexto, a violência aparece como um dos temas mais recorrentes na

mídia, tema esse que se encontra presentificado em quase toda a programação, seja esta

de caráter estritamente jornalística, seja nos programas de outros gêneros como desenhos

animados, telenovelas, filmes, etc.

Questões a respeito da televisão como produtora e difusora de violência, bem

como o papel da mesma numa sociedade que cada vez mais tem banalizado essa violência,

em função de uma ordem social cada vez mais caótica adquirem um papel extremamente

relevante. No entanto, nessas brevíssimas considerações pretendemos compreender tão

somente o caráter da mídia no que concerne tratar cada vez mais o problema da violência

como uma forma de “espetáculo”, o qual não obstante o seu sentido violento e brutal, se

torna um valioso instrumento capaz de prender o espectador, fato que tem levado muitos

estudiosos a relacionarem a televisão com a “caverna” descrita por Platão no Livro VII

da República, tendo em vista que na televisão encontramos as imagens, as sombras e todo

um repertório de elementos que nos tornam prisioneiros de uma realidade cada vez mais

alienadora.

A presença do crime e da violência nos meios de comunicação tem sido uma

constante, e testemunho disso são os programas de cunho policial a afins que atualmente

proliferam em âmbito regional e nacional, sem desconsiderar os programas de apelo sado-

masoquistas que fizeram e continuam fazendo sucesso, assim como as lutas livres que

sem dúvida alguma, apesar de se inserirem no rótulo de esporte, não se destituem de um

teor de violência. É o arquétipo necandi do voyeurismo em formato “reality show”.

Em um período que a violência atinge níveis alarmantes em nosso País, a qual

passa a ser o principal problema a ser enfrentado pela sociedade, é compreensível que o

tema da violência, embora de forma paradoxal, passe a integrar o repertório mais

espetacular das massas. Aos poucos a violência não somente se banaliza, mas também

atinge os níveis mais diversos de nossa existência social, nos lares, nas escolas, nas ruas,

enfim convivemos numa dimensão com a violência na qual o processo de

espetacularização da mesma se torna cada vez mais necessário.

Quando nos referimos aos meios de comunicação e de forma mais particular sobre

a televisão, é pertinente considerarmos a força do poder simbólico que a mesma exerce

sobre os indivíduos, o qual se manifesta em função de dar visibilidade aos fatos e às

pessoas. Um poder de fazer-ver e fazer-crer que não se encontra nas palavras, mas,

sobretudo, na legitimidade que lhe é conferida pelos que falam e pelos que escutam. Esse

poder simbólico, tão característico da televisão, da nossa caverna atual, não somente passa

a reproduzir as relações de poder, mas também apresenta formas de mudar o mundo,

fazendo com que os fatos, os acontecimentos e a própria história sejam orientados e

construídos a partir de uma determinada visão. Eis aí o grande potencial ideológico da

mídia e da plataforma televisiva, não é a tão que em todas as partes do mundo aqueles

que exercem o poder da mídia exercem o verdadeiro poder de ver o mundo. A esse

respeito Bordieu acrescenta:

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de

fazer ver e crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo; poder

quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela

força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização,

só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário.

Isto significa que o poder simbólico não reside nos “sistemas

simbólicos” em forma de uma “illocutinary force” mas que se define

numa relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o

poder e os que lhe são sujeitos, quer dizer, na própria estrutura do

campo em que se produz e se reproduz a crença (BORDIEU, 1989, p.

14).

Page 103: Revista facientifica digital

Em nosso país, a televisão tem adquirido uma importância cada vez maior na vida

das pessoas, passando inclusive a suprir a falta de cultura, de informação escrita e até de

formação escolar da maioria da população. Nesse sentido, acrescenta-se a isso o fato que

o grau de poder da televisão em uma sociedade depende do grau de controle democrático

existente. Em sociedades de natureza mais autoritária como é o caso da sociedade

brasileira, que em pleno século XXI “não consegue concretizar os princípios do

liberalismo e do republicanismo” (Chauí, 1994, p. 47), a televisão passa a exercer um

poder maior através de sua programação, dando forma aos embates políticos e sociais,

assim como determinando a agenda de questões a serem discutidas ou priorizadas pelos

corpos políticos.

Nas últimas décadas tem-se observado a contribuição dos meios de comunicação

para a disseminação da violência produzindo a sua dramatização de forma

espetacularizada, na tentativa de atrair e garantir, cada vez mais a audiência. Em tais

circunstancias, a violência passa a adquirir uma conotação de mercadoria, e, portanto, um

produto de consumo, sendo que tal consumo passa a integrar o próprio processo de sua

produção, sob a forma de representação. Eis ai a construção do arquétipo da plataforma

performática televisiva, em que as espetacularizações atinge indiscriminadamente até o

mais simples mortal: arquétipo truman, em alusão ao filme “The Truman Show”, em que

um homem simples tem a sua realidade construída por um programa televisão. Essa é

uma violência em formato espetacularmente invisível, pois a sustentação popular

envolvida no voyeurismo de massa.

O processo de espetacularização da violência toma como referência os fatos do

cotidiano, retirados de seu contexto concreto e transmitidos na forma de eventos

fragmentados e desprovidos de sua vinculação com a história, com a sociedade e com a

economia, de sorte que a partir dessa lógica não interessa a um programa policial de

televisão mostrar os crimes de colarinho branco, os bandidos responsáveis por lesar os

cofres públicos, mas sim em mostrar os ladrões de galinhas, os meliantes, os marginais,

enquanto personagens que passam a ser considerados o grande problema da sociedade.

Em suas reflexões a respeito desse novo poder da mídia, o qual continua crescendo

a um ritmo acelerado em detrimento a passividade do púbico espectador, destacamos:

Nunca a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da

mídia foram tão fortes como hoje. Nunca os profissionais do espetáculo

tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos

os domínios – da arte à economia, da vida cotidiana à política -,

passando a organizar de forma consciente e sistemática o império da

passividade moderna (DEBORD, 1997, p.12).

Nesse processo de espetacularização, o que se torna elemento primordial é

justamente a capacidade de comover e mexer com os sentimentos, pouco importando a

forma pela qual a informação passa a ser apresentada, sendo o mais importante a

padronização de comportamentos, dando um tratamento para as notícias a partir de um

ponto de vista de “produtos” sujeitos à “lei de mercado”, surgindo em consequência disso

o recurso ao sensacionalismo e à violência através da glamourização do crime e a criação

de estratégias de sedução dos telespectadores. A esse aspecto de padronização midiática,

denominarei de arquétipo cimento social, posto que as notícias veiculadas em “formato

padrão” e em bloco possuem o telos de controlar e colmatar comportamentos com pre-

versões maniqueístas e de sentenças malévolas, costurando assim um significado moral

televisivo e por fim homogeneizando notícias de conteúdos diversos. Tudo na tentativa

de colmatar o vazio de mentes televisivas com os espetáculos maniqueístas.

Page 104: Revista facientifica digital

Nesse sentido, percebe-se que no chamado mundo do espetáculo, ou propriamente

a espetacularização do mundo, desaparecem as fronteiras entre jornalismo,

entretenimento e publicidade, na medida em que tais categorias passam a estar orientadas

para um único objetivo. E é justamente a partir desse ponto de vista que a rede televisiva

passou a ser transformar numa das principais fontes de construção da realidade social,

através da difusão de modelos de comportamentos, estilos de vida, hábitos de consumo e

opiniões políticas entre outras coisas. A violência operandi desse mecanismo também

constrói, desenvolve, adapta e fortalece os arquétipos de manutenção da plataforma

midiática e da rede televisiva.

5. Conclusão

A violência dissimilatória, visceral e os níveis de desigualdade que se encontram no bojo

do fenômeno violento possuem consequências relacionais e funcionais que estruturam

potencialidades ideológicas antissociais e de ruptura jurídica. A antijuridicidade material

que acompanha de forma incidental o fenômeno da violência é apenas uma das formas de

observar como se processa a internalização dos construtos simbólicos potencialmente

nocivos à coletividade. Nesse cenário, repleto de significados de rupturas sociais, a mísia

e plataforma televisiva performatiza a construção de uma subjetividade “deformática”,

agregando “contravalores” que desestabilizam os institutos do Estado Democrático de

Direito e os direitos fundamentais, afinal o fenômeno violento e sua performática e

legendária apreciação é um dos mais sofisticados mecanismos de controle de

comportamentos. O que sustenta o mecanismo desse controle é a produção simbólica de

arquétipos midiáticos que potencializam violentamente as formas desiguais, proliferando

na subjetividade coletiva um novo “mal-estar na civilização”, não tão freudiano, mas

inigualavelmente pulsional, simbólico e violento.

Embora que reconhecidamente a mídia não possa ser considerada como a única

causa da influência da violência na sociedade, ela é parte integrante, no entanto, de um

conjunto de fatores considerados como decisivos para o reforço e manutenção dessa

violência e até mesmo pelo processo de proliferação da mesma, na medida em que existe

hoje um número cada vez maior de telespectadores que cada vez mais são influenciados

pelas programações, as quais passam a contar com mecanismos mais sutis de atingir as

consciências coletivas através do apelo à espetacularização e glamourização da violência.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Sérgio. Conflitualidade e violência: reflexões sobre a anomia da

contemporaneidade. Tempo Social; Rev. da USP, maio/1998.

BITTENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal. 7ª Ed. São Paulo: Saraiva,

2013.

BORDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

CANOTILHO, J.J.G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra:

Almedina, 1999.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1974.

MAGALHÃES, Carlos Augusto Teixeira. Teoria Sociológica, Políticas Públicas e

Controle do Crime. Caderno de Filosofia e C. Humanas n° 11 – outubro/98 disponível

em http://www.policiaeseguranca.com.br/teoria_soc.htm. Acessado as 22:45,

19.11.2013.

MASCARO, Alysson L. Lições de Sociologia do Direito, São Paulo: Quartier Latin,

2007.

Page 105: Revista facientifica digital

O DIREITO À CIDADE E SANEAMENTO BÁSICO: uma análise do

Programa de Recuperação da Bacia Hidrográfica da Estrada

Nova/PROMABEN, de Belém/PA, 2013.

Manoel Alves da Silva1, Lucidéa de Oliveira Santos2, André Luiz Silva e Silva3,

Rildo Jardim Santos4 e Mateus Souza4

1Professor doutor em Ciências Ambientais e pesquisador financiado. - Faculdade Ideal.

Universidade do Estado do Pará. [email protected] 2Professora mestra em Planejamento do Desenvolvimento - Faculdade Ideal.

[email protected] 3Professor especialista em Geografia – Faculdade Ideal e IFPA. [email protected]

4Bolsistas do PIBc - ABRADESA - Faculdade Ideal

Abstract: This article presents the partial results of a research entitled “Analysis of the project

of Estrada Nova’s river basin recovering (PROMABEN)”. It shows and analyses the

relationships between the accesses to the basic sanitation services and the practice of the rights

to the city. A population that does not have access to drinkable water, sanitary sewers, treatment

of stormwater, management of solid waste, public lighting, paving and drainage, is having its

rights to the city, while the rights to the urban life is usurped. This dynamic, results on the

constitution of socio-enviromental segregation of spaces, the analysis object, as primarily by

imaging studies.

Key Words: Basic Sanitation, PROMABEN.

Resumo: O artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa intitulada “Análise do Projeto

de Recuperação da Bacia Hidrográfica da Estrada Nova (PROMABEN)”. Demonstra e analisa

as relações entre o acesso aos serviços de saneamento básico e o exercício do direito à cidade.

Uma população que não tem acesso à água potável, esgotamento sanitário, tratamento de aguas

pluviais, gestão de resíduos sólidos e iluminação pública pavimentação drenagem está tendo o

seu direito à cidade, enquanto direito à vida urbana, usurpado. Esta dinâmica resulta na

constituição de espaços de segregação socioambiental, objeto de análise deste estudo,

precipuamente, a partir de estudos de imagens.

Palavras Chaves: Saneamento Básico, PROMABEN.

Page 106: Revista facientifica digital

1. Introdução

Ledroit à laville ne peut se

concevoircommeunsimpledroit de visite oude

retourverslesvillestraditionnelles. Il nepeut se

formuler que commedroit à

lavieurbaine,transformée, renouvelée. Lefebvre,

Henri (1968). In Le droit à laville, Ed. Economica,

3ième édition, 2009, p108.

Estamos de fato condenados a vivermos em cidades? Lefebvre (2009) se reporta a Robert

Park e reitera que esta é uma condição imposta à humanidade pelo capitalismo. A cidade

supre ao capitalismo oferecendo infraestrutura às demandas cada vez mais especializadas,

seja em relação à mão de obra, matéria prima, recursos naturais, sejam logísticas

rodoviárias, aeroviárias, ferrovias e energéticas (hidrelétricas, por exemplo). Instituições

são construídas fazendo parte da cidade, dotando-a de novas funções. Mas, esta disputa é

também travada no campo das lutas simbólicas, na construção das imagens, dos símbolos,

dos significados, nos costumes e nas tradições definindo o que moderno e o que é

tradicional, transformando as cidades em mercadorias.

Neste contexto, qual é o papel e o espaço atribuído às pessoas? Cada vez mais a

disputa do espaço na cidade está se tornando um dilema, posto que os seres humanos terão

de conquistar o direito à cidade, uma vez que a logística construída, é inversa, visa

prioritariamente assegurar a circulação da mercadoria não estando na sua pauta viabilizar

qualidade de vida.

As cidades assumem a condição de base logística para a ação do capital conectada

por diferentes sistemas. Este impõe o controle social, político e cultural sobre o território.

As cidades estão cada vez mais fragmentadas, divididas em diferentes partes e separadas

por limites tênues. Criou-se a sensação de que se vive numa cidade na qual existem

microcidades, ou seja, territórios das elites contrastando com os territórios dos segregados

(Lefebvre, 1968).

É mister fazer a observação de que as políticas governamentais desenvolvidas a

partir das décadas de 1960 e 1970, direcionadas para Amazônia Legal, davam prioridade

às atividades madeireira e pecuária e logística visando a integração territorial, e a inserção

da região no capitalismo industrial. Neste caso, o Segundo Plano Nacional de

Desenvolvimento traz uma concepção de desenvolvimento consubstanciada na proposta

de polos envolvendo diferentes áreas: florestal; agroindustrial; madeireira; mineral;

siderúrgica; papel e celulose. Com esta proposta, o Estado faz uma opção, no sentido de

mudar a base produtiva da região, dotando-a de uma logística urbana industrial.

A estrutura sócio-política, segundo Becker (1994), caracteriza-se por um

momento histórico denominado de “abertura de fronteiras”, que se deu pelo deslocamento

induzido de massas populacionais e de recursos financeiros para o local. As mudanças

influenciaram as estruturas de poder vigentes na região, sobretudo as situadas em escala

local, uma vez que estas estavam sob controle do poder oligárquico.

À medida que as relações e as estruturas econômicas são modificadas, as

estruturas políticas existentes ficam obsoletas, ou melhor, há um conflito de interesses

entre os antigos grupos políticos e as novas lideranças. Esse fato provoca um novo arranjo

institucional, por meio da divisão do poder que adquire materialidade na criação de

“novas cidades” urbanizadas nas quais se articulam diferentes culturas. Passa-se a

Page 107: Revista facientifica digital

vivenciar permutas de experiências e propagandeia-se um novo ideário de

desenvolvimento social.

A divisão do trabalho fica cada vez mais especializada construindo complexas

relações entre o capital e o trabalho. Desta forma as médias cidades passam a ficar

conectadas às grandes cidades, os centros de decisão do mundo capitalista.

Neste contexto e partindo-se dessa situação, apresentamos as seguintes questões:

A sustentabilidade ambiental nas cidades amazônicas é possível? Sobretudo

considerando-se que cerca de 30% de todas as espécies de fauna e flora do mundo

encontram-se na Amazônia, por tratar-se da maior floresta tropical do planeta detentora

de serviços ecológicos, estratégicos em particular em época de aquecimento global e, de

recursos hídricos tornando-a objeto de interesses internacionais (Becker, 1995). É

possível tratar-se da questão urbana na Amazônia, no contexto do desenvolvimento

sustentável, incluindo crescimento econômico, subordinando-os á lógica da

sustentabilidade sócio ambiental?

A população da Amazônia e seu território - constituída majoritariamente por

índios, mestiços, caboclos, brancos, negros, distribuída no interior e no entorno da

floresta, com costumes e tradições das mais diversas – passaram por profundas mudanças

decorrentes do projeto de modernização capitalista implementado pelo governo federal,

sobretudo a partir da década de 1960 e até os dias atuais, segundo Aragon, apud Silva

(2006). No século XXI a população da Amazônia, significativamente, está nas cidades

segundo BECKER (1993 e 1995) e SILVA (2006)) pressionando as áreas de floresta e

em conflito com as populações amazônicas tradicionais como índios, mestiços, caboclos,

brancos, negros.

Mas para Altvater (1999), apud Silva (2006), o futuro dos países menos

desenvolvidos é bastante sombrio, incluímos com destaque a Amazônia, posto que

conseguir, simultaneamente, competitividade no mercado mundial, participação

democrática e sistemas de seguridade social nos tempos de globalização, é tão provável

quanto à “quadratura do círculo”. Por outro lado, considera-se também impossível que a

situação de globalidade se configure numa sociedade mundial baseada na igualdade, pelo

menos nos marcos do capitalismo. Tal diagnóstico leva-o a concluir que crescimento

econômico, bem estar social e modernização institucional perderam sua validade global.

A Amazônia se constitui um caso emblemático de espaço produzido pelo Estado

(Lefebvre, 1978).

A partir dessa situação-problema a questão central e norteadora da pesquisa é: O

Programa de Macrodrenagem para Bacia Hidrográfica da Estrada Nova (PROMABEN)

executado pela Prefeitura Municipal de Belém (PMB), em implementação, para viabilizar

saneamento básico em uma grande área de várzea da cidade de Belém, viabilizará o

acesso das populações locais aos serviços de saneamento e de infraestrutura urbana? Em

decorrência a hipótese trabalhada é: o PROMABEM assegurará uma logística urbanística

e subtrairá a segregação atual, mas por outro lado provocará uma reestruturação territorial

com o surgimento de novos atores e conflitos sociais podendo resultar no deslocamento

de expressiva porção da população residente por força da especulação imobiliária.

Criando-se novos territórios de segregação socioambiental no município ou na região

metropolitana.

Em relação aos procedimentos metodológicos para realização do estudo, no que se

refere ano de 2013, destacam-se: 1. Realização de pesquisa de campo do tipo observação

in lócus para captação e análise de imagens – fotografias e mapas - como instrumento de

informação visual pelo fato do estudo optar pela abordagem de José de Souza Martins,

contida na Sociologia da Imagem. Utilizamos, precipuamente, da imagem fotográfica

Page 108: Revista facientifica digital

como documento social num enfoque relacional associado a outros instrumentos e dados

também utilizados; 2 A pesquisa de campo é associado à pesquisa bibliográfica por meio

da realização de levantamento de estudos e pesquisas sobre saneamento, sustentabilidade

urbana e segregação social em cidades amazônicas; 3. Pesquisa documental levantando-

se e analisando-se os seguintes materiais para interpretação e cruzamentos: o Estudo de

Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental do PROMABEM (EIA/RIMA);

a Política Nacional de Meio Ambiente, a Política Nacional de Saneamento; a Política

Nacional de Resíduos Sólidos; Plano Nacional de Saneamento; Estatuto da Cidade; o

Plano Diretor Urbano de Belém, e; a Lei Orgânica do Município de Belém.

Os resultados obtidos e conclusões preliminares indicam que os serviços de

saneamento são ofertados de forma seletiva e desigual na cidade e na área pesquisa.

Enfatize-se, o presente texto apresentar os resultados parciais da pesquisa sobre

PROMABEN realizada por meio do apoio institucional e financeiro da Faculdade Ideal

(FACI). Este estudo se iniciou em 2011, todavia logística e financiamento só foi possível

a partir da aprovação do projeto de pesquisa após se submeter a um processo seletivo em

2013. Ela envolve um grupo de pesquisadores, que a conta com a participação dos alunos

de graduação e pós-graduação do Curso Tecnológico em Gestão Ambiental e com o

Núcleo de Meio Ambiente/NUMAFI. O grupo investigarem o PROMABEN, desde o ano

de 2011. Nesta fase do estudo já é possível demonstrar e analisar as relações entre o acesso

dos moradores da área aos serviços de saneamento básico e o exercício do direito à cidade.

Diante dos estudos, infere-se: uma população que não tem acesso à água potável,

esgotamento sanitário, tratamento de aguas pluviais, gestão de resíduos sólidos,

iluminação pública pavimentação drenagem; está tendo o seu direito à cidade enquanto

direito à vida urbana usurpado (Lefebvre, 2009). Esta dinâmica resulta na constituição de

espaços de segregação socioambiental. As cidades estão cada vez mais fragmentadas, em

diferentes territórios, divididas em diferentes partes, separadas, por limites tênues. Cria-

se a sensação de que se vive numa cidade, na qual existem “micro cidades” e “territórios

das elites”, contrastando com os territórios dos segregados.

2. Belém, o lócus do Projeto pesquisado, e o PROMABEN.

Belém ao longo dos quase 400 anos passou por intensas transformações sociais,

econômicas, culturais e ambientais. Uma cidade posicionada às margens da Baia do

Guajará e do Rio Guamá teria todas as características de uma cidade ribeirinha, mas ao

longo desses anos sua dinâmica socioeconômica foi alterada, embora guarde traços e

atividades de um passado recente, contudo não mais hegemônico. Belém assume a função

de base logística para a ação do capital, em seu projeto de expansão e modernização

econômica da Amazônica materializada no Projeto de Integração Nacional (PIN), nos

Planos de desenvolvimentos da Amazônia (PDAs).

Trata-se de uma cidade que no início do século XX (1920) tinha 206.331

habitantes, sendo que no início do século XXI, ano 2010 têm 1.393.399 habitantes. Essa

expansão populacional não acompanhou um adequado processo de urbanização.

Page 109: Revista facientifica digital

Figura 1 – Crescimento do Município de Belém

Fonte: Souza, 2013.

Belém está conectada a uma rede globalizada de circulação de mercadorias. Pode-se

afirmar que em Belém está a logística institucional de suporte às ações e negociações do

capital, com destaque para a rede de instituições financeiras, governamental e de

planejamento estatal: BASA/SUDAM, Banco do Brasil, Ministérios, sede das instituições

governamentais, das instituições bancárias e sede das empresas privadas. No entanto,

atividades e territorialidades herdadas de uma cidade fluvial, coexistem com as atividades

e instituições da “cidade metrópole”, conforme Trindade, apud Silva (2006).

Fotografia 1 – Orlada de Belém: trecho do Ver-o-Peso

Fonte: Alves, 2013

218.184206.331254.949

402.170

649.545

949.545

1.246.6891.280.614

1.393.399

0

200.000

400.000

600.000

800.000

1.000.000

1.200.000

1.400.000

1.600.000

1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010

Crescimento do Município de Belém entre os anos de 1920 à

2010

Page 110: Revista facientifica digital

De cidade ribeirinha a “cidade metrópole”, a construção da rodovia Belém-Brasília é

uma demonstração da intervenção do estado criando novos espaços. Becker (1993) chama

atenção para o fato de que a Amazônia, suas cidades, suas urbanidades, costumes, modos

de viver, estilos de vidas, perspectivas de vida, convivem com a pobreza material e a

riqueza, em particular de recursos naturais, em um contexto de mercantilização da

natureza, processo pelo qual elementos da natureza estão se transformando em

mercadorias fictícias.

Fotografia 2 - Orlada de Belém: trecho das feiras do bairro do Jurunas

Fonte: Andrade, 2013

Ao longo da orla, no bairro do Jurunas - Porto do Açaí - observa-se entrepostos de

venda de açaí, oriundos das ilhas. Trata-se de produção do tipo familiar, desenvolvidas

na porção insular, e comercializada na porção continental do município de Belém, em

“feiras ao ar livre” sem infraestrutura e zelo pelas regras sanitárias, mas que mobiliza um

continente expressivo de pessoas conforme se observa nas imagens acima.

No porto da Palha, observa-se uma intensa e diversificada atividade comercial:

comercialização de bebidas, de gêneros alimentícios em supermercados, mercearias,

bares, além de “boutiques” de roupas, venda de gás de cozinha, oficinas de reparos de

embarcações, estâncias de madeiras, entre outras. A “população ribeirinha” utiliza como

transporte pequenas embarcações, por meio da quais navegam das ilhas e de outros

municípios desembarcando na orla para comercializar e abastecer Belém, em particular

com a oferta de açaí. A comercialização do açaí gera emprego e renda. Outra parte é

ocupada por portos de comercialização de madeira.

A área do PROMABEN, onde correr a rotina descrita anteriormente, foi ocupada

também por empresas como a COPALA, comércios de médio porte e hotéis. A população

não tem direito a usufruir de sua orla, pois está privatizada pela diferentes atividades

comerciais e industriais. Como parte da área constituída de uso público destacam-se a

Page 111: Revista facientifica digital

Universidade Federal do Pará e Universidade Federal Rural do Pará, mas uma porção

significativa da orla está privatizada por atividades econômicas privadas.

Nas relações sociais existentes ao longo da Orla do rio Guamá observa-se um intenso

e conflitivo processo de transformação material e simbólica do espaço social. A estratégia

de modernização do espaço adequando-o aos interesses do capital imobiliário, por

exemplo, traz pelo menos duas dimensões a material e a simbólica, por meio da

desestruturação de lugares e símbolos, valores e identidades. As representações que os

diferentes atores sociais têm do espaço social é um campo em disputa, sendo assim o

PROMABEM, por se constituir por ações de modernização do espaço, caracteriza-se pela

seletividade do acesso aos serviços urbanos.

3. O Programa de Macrodrenagem.

Diante deste contexto o Programa de Macro drenagem é constituído de obras de

recuperação e implantação dos sistemas de drenagem, abastecimentos de água, coleta e

disposição de águas servidas, construção de vias, educação sanitária e ambiental. Trata-

se de uma ação do poder público que está sendo realizadas na bacia hidrográfica da

Estrada Nova.

O Programa de Macrodrenagem da Estrada Nova atenderá aproximadamente 242.

462 mil pessoas, sendo que os dois maiores bairros atingidos são do Guamá (94.510) e

Jurunas (64.478), seguidos do bairro do Condor (42.758), Cremação (31.268), Batista

Campos (19.136). A população (242. 462) dos bairros discriminados, é duas vezes

superior à população atual do município de Altamira localizado na Transamazônica.

Figura 2 – Representação da primeira etapa da Macrodrenagem

Fonte: Souza, 2013.

As obras da Bacia da Estrada Nova executadas pelo PROMABEN fazem parte de

um projeto da Prefeitura Municipal de Belém, contando com recursos próprios e

financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por meio de

empréstimo contraído pela PMB. O PROMABEN possui quatro diretrizes: Melhoria

Page 112: Revista facientifica digital

Ambiental e Habitacional; Infraestrutura Viária; infraestrutura Sanitária, e;

Sustentabilidade Social.

Fotografia 3 – Representação da primeira etapa da Macrodrenagem

Fonte: Santos, 2013.

O PROMABEN visa atingir sete bairros de área de várzea localizados à margem

do rio Guamá, sendo que os mais populosos são o Guamá e o Jurunas. Aproximadamente

300 mil habitantes ocupam a área do Projeto. Atualmente as obras estão localizadas nos

bairros do jurunas.

Foto 4 - Parte da obra concluída no bairro do Jurunas.

Fonte: Santos, 2013.

Page 113: Revista facientifica digital

A Bacia Hidrográfica da Estrada Nova é uma das mais populosas bacias que

compõem o Município de Belém, sua ocupação se deu de forma desordenada para uso

residencial por famílias de baixa renda.

O PROMABEN teve suas obras iniciadas em 2007, sendo que a previsão de

conclusão é para 2013, no entanto é perceptível que a obra se encontra em acentuado

estágio de atraso. Pode-se classificar a execução das obras em três estágios: obras

concluídas obras em execução, obras não iniciada.

4. Considerações

Por que é a população pobre que vive em áreas periféricas, suscetíveis às inundações,

desmoronamento, secas, erosão, vulneráveis e aos efeitos da degradação? Porque as

cidades, inclusive as amazônicas estão subordinadas a lógica do capital. Nesse contexto

o direito à cidade, e a vida urbana, ainda está por ser conquistado.

Embora o PROMABEN obedeça à lógica do capital; as obras estão sendo

realizadas em bairros cuja população é pobre formada por trabalhadores assalariados e

ocupados em atividades precarizadas. É nesse espaço que se encontra em curso um

processo de disputa por território. O um grande desafio garantir à manutenção desta

população na área após a conclusão das obras, pois o capital imobiliário investirá de forma

ofensiva no sentido de se apropriar dos espaços doravante dotados de saneamento básico.

A população atingida nesse processo corresponde a 242.462 habitantes, que

corresponde aos bairros já discriminados, é duas vezes superior à população atual do

município Altamira localizado na Transamazônica. O direito à cidade – na Amazônia -

como um direito à vida urbana ainda é algo que está por ser conquistado. Pois, ainda não

conquistamos o direito aquilo que já existe como direito básico, ou seja, ainda não temos

nem mesmo o básico.

O município de Belém está posicionado entre as dez cidades com o pior serviço

de saneamento básico, acompanhada de Ananindeua e Santarém, segundo o Instituto

Trata Brasil. Essa pesquisa teve como base dados de 2009 fornecidos pelo Sistema

Nacional de Informações relativas aos serviços de saneamento básico do Ministério das

Cidades, correspondendo a 81 municípios com população superior a 300 mil habitantes.

Considerando que a capital do estado do Pará, Belém, está entre os piores desempenhos,

pode-se deduzir que os demais municípios paraenses se encontram em situação igual ou

pior a de Belém, Ananindeua e Santarém.

Page 114: Revista facientifica digital

5. Referências

BECKER, Bertha. A Amazônia pós Eco-92. In: BURSZTYN, Marcel. Para pensar o

desenvolvimento sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1993.

______. A (des)ordem global, o desenvolvimento sustentável e a Amazônia. In:

Geografia e meio ambiente no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1995.

______. EGLER, Cláudio. A.G. Brasil: uma nova potência regional na economia-mundo.

2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

BRASIL, Estatuto da cidade. Estatuto da Cidade: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001,

que estabelece diretrizes gerais da política urbana. – Brasília: Câmara dos Deputados,

Coordenação de Publicações, 2001.

DARVEY, David. Liberdade da cidade. In GEOUSP – Espaço e tempo, São Paulo, No

26, pp. 09-17, 2009.

ENGESOLO Engenharia Ltda. Processo de Licenciamento Ambiental da Bacia

Hidrográfica da Estrada Nova no município de Belém. Belo horizonte, 2007.

IBGE, Indicadores de Desenvolvimento Sustentável; Doenças Relacionadas ao

Saneamento Ambiental Inadequado. Brasil, 2004.

htp://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/atlas_saneamento/publicacao.html

LEFF, Enrique. Sociologia e Meio Ambiente. In Leff, E. (Coord.). Ciências Sociais e

Formação Ambiental. 5ª ed. São Paulo; Cortez 1994.

____________(Coord.). Complexidade Ambiental. São Paulo; Cortez; 2003.

LEFEBVRE, Henri (1968). In Le droit à laville, Ed. Economica, 3ième édition, 2009,

p108.

PHILIPPI, JR.; ROMÉRO, A. M; BRUNA, C.G. Curso de Gestão Ambiental (coleção

ambiental). 1ºEd. São Paulo: Manole, 2004.

PINHEIRO, J. ; GIRARD, L. Metodologia para gerenciamento integrado dos resíduos

sólidos da bacia da Estrada Nova do município de Belém (PA). Belém, 2009.19f. Artigo

Científico (Centro Tecnológico, Campus Universitário Federal do Pará) Belém, 2009.

Disponível em: www.estudostecnologicos.unisinos. br/pdfs, acesso em 26/09/2011 ás 07:

28 hs.

P.M.B- Secretaria municipal de assuntos jurídicos – SEMAJ. Lei nº 8.655, de 30 de julho

de 2008. Dispõe sobre o Plano Diretor Belém e dá outras providências. Belém, 2008.

SILVA, Manoel Alves. Arranjos Políticos Institucionais: A Criação de novos municípios,

novas estruturas de poder e as lideranças locais - A divisão territorial de Marabá na década

de 1980. Tese de doutorado, NAEA/UFPa, 2006.

Page 115: Revista facientifica digital

FLORESTAS ESTADUAIS E AS CONCESSÕES

FLORESTAIS: obrigação do órgão gestor da destinação não

onerosa como medida preliminar a realização da concessão

florestal.

Syglea Rejane Magalhães Lopes1

1Faculdade Ideal –(FACI)

[email protected]

Abstract. This meta-paper describes the style to be used in articles and short

papers for Facientífica. For papers in English, you should add just an abstract

and for the papers in Portuguese, we also ask for an abstract in Portuguese

(“resumo”). In both cases, abstracts should not have more than 10 lines and

must be in the first page of the paper.

Key Words: Indigenous Peoples. Environment. Cultural and environmental

heritage. Fox Mountain Range the Sun.

Resumo: Este estudo aborda a temática gestão de florestas públicas com o

objetivo de analisar os procedimentos legais necessários quando da presença

de povos e comunidades tradicionais em áreas onde se deseja realizar as

concessões florestais. Para isso, utilizaram-se, além de levantamentos

bibliográfico, doutrinário e legislativo, estudos técnicos preliminares

realizados nas florestas públicas estaduais da Canha Norte – Trombeta e Faro.

Os resultados indicam a destinação não onerosa como uma forma de gestão

que deverá preceder a concessão florestal objetivando destinar a povos e

comunidades tradicionais os territórios que lhes são garantidos legalmente.

Contudo, as questões políticas e econômicas ainda colocam a eficácia desse

instrumento como um desafio.

Palavras-chave: Povos Indígenas. Meio Ambiente. Patrimônio ambiental

cultural. Raposa Serra do Sol.

1. Introdução

A Lei no. 11.284, de 02 de março, de 2006, regulamentou a gestão das florestas públicas

no Brasil (BRASIL, 2006). A partir de sua publicação as áreas públicas cobertas por

florestas passaram a ser gerenciadas por meio de um sistema específico, cujo órgão gestor,

na esfera federal é o Serviço Florestal Brasileiro – SFB e no caso específico do estado do

Pará o Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará – Ideflor (PARÁ, 2007).

Referida Lei trouxe também três modalidades de gestão de florestas públicas: a

gestão direta, a concessão florestal e a destinação não onerosa. Abaixo, segue uma

descrição de cada uma dessas modalidades.

A gestão direta ocorre quando o governo assume a exploração florestal

diretamente, contratando serviços de terceiros, se precisar. Nesse caso, é o próprio Poder

Público que gerencia a atividade.

Page 116: Revista facientifica digital

A concessão de florestas públicas está definida na Lei no 11.284/06, em seu art.

3o, inciso VII, como (BRASIL, 2006):

[...] delegação onerosa, feita pelo poder concedente, do direito de

praticar manejo florestal sustentável para exploração de produtos e

serviços numa unidade de manejo, mediante licitação, à pessoa

jurídica, em consórcio ou não, que atenda às exigências do

respectivo edital de licitação e demonstre capacidade para seu

desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

E a destinação não onerosa, que será trabalhada em maior detalhe, objetivando

esclarecer a relação existente entre a gestão florestal e os povos e comunidades

tradicionais. Trata-se de mecanismo que obriga o órgão gestor das floretas públicas quer

na esfera federal, estadual, ou municipal, antes de realizar as concessões florestais,

identificar e destinar as floretas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais

a essas comunidades, bem como lhes auxiliar com atividades de fomento e extensão

(BRASIL, 2006).

Ressalte-se que mesmo a lei se referindo a comunidades locais, seu significado

deverá ser compreendido de forma mais ampla. Por exemplo, não tem como se realizar

concessão florestal em terras indígenas ou de remanescentes de quilombolas. Aqueles,

pelo direito a posse permanente de seus territórios, e estes, pelo direto de propriedade,

ambos reconhecido na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

A Lei 11.284/06 (BRASIL, 2006) reforça essa interpretação ao prevê no art. 11

que o Plano Anual de Outorga Florestal – PAOF deverá excluir as: terras indígenas, áreas

ocupadas por comunidades locais, Reservas Extrativistas - Resex e Reserva de

Desenvolvimento Sustentável - RDS, todas consideradas territórios pertencentes a povos

e comunidades tradicionais.

E quanto aos territórios quilombolas ainda que não tenha feito referência, por

tratar-se de áreas privadas, estas estão incluídas na obrigação do Poder Público de

identificá-las para destiná-las de forma não onerosa, porquanto são consideradas

pertencentes a povos e comunidades tradicionais.

Da leitura do art. 6º, vê-se, que o legislador deu ênfase as demais comunidades

tradicionais, as quais, na atualidade, podem ser resguardadas de três formas: Resex, RDSe

Projetos de Assentamento Agroextrativista - PAE.

E ainda, inseriu como parte das modalidades de gestão não onerosa o Projeto de

Assentamento de Desenvolvimento Sustentável – PDS, cujo público alvo é agricultor

familiar. Portanto, incluiu categoria que mesmo não sendo comunidade tradicional,

também poderá ser beneficiada com a destinação não onerosa. E há uma lógica para isso,

pois essa categoria de projeto de reforma agrária obriga o uso da floresta em pé, só

permitindo atividade de agricultura em um percentual mínimo da área.

Nota-se que o papel do órgão gestor é identificar previamente povos e

comunidades tradicionais e agricultores familiares, para realizar a destinação não onerosa.

Para isso, o órgão gestor das florestas públicas deverá provocar os órgãos competentes

pela regularização do acesso a esses territórios.

Por exemplo, se estiver se tratando de povos indígenas há que se provocar a

Fundação Nacional do Índio – FUNAI; se forem comunidades remanescentes de

quilombolas há que provocar o Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA,

caso a área seja federal, ou, no caso específico do Pará, há que se comunicar o Instituto

de Terras do Pará – Iterpa, se a área pertencer ao Estado; ou ainda, o órgão municipal,

para áreas pertencentes aos municípios.

Page 117: Revista facientifica digital

Outro exemplo se refere as demais categorias de comunidades tradicionais, que

poderão ter direito ao território tanto por meio da criação de unidades de conservação,

nas categorias de Reserva Extrativista – Resex, ou Reserva de Desenvolvimento

Sustentável – RDS; ou ainda, por meio de projetos de assentamento agroextrativistas -

PAE.

Os dois primeiros encontram-se classificados como unidades de conservação, cuja

competência para criá-las na esfera federal foi repassada ao Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA para o Instituto Chico Mendes

de Conservação da Biodiversidade – ICMBio; na esfera estadual e municipal a

competência ainda permanece com os órgãos ambientais.

Referente aos assentamentos a competência é do INCRA e no Estado do Pará do

Iterpa, conforme a área seja federal ou estadual, respectivamente.

O presente trabalho objetiva analisar os procedimentos legais necessários quando

da presença de povos e comunidades tradicionais em áreas onde se deseja realizar as

concessões florestais. Para isso, se utilizou estudos técnicos preliminares realizados nas

Florestas Públicas estaduais da Calha Norte – Trombetas e Faro.

2. Arranjos institucionais objetivando preparar ás primeiras concessões

florestais no estado do Pará As áreas a serem disponibilizadas para concessão incluem unidades de conservação nas

categorias de: Florestas Nacionais – FLONAS e Áreas de Proteção Ambiental – APA;

inclui também áreas públicas com florestas, que ainda não foram destinadas.

Nos estados o processo é similar. Por exemplo, no Pará se tem as Florestas

Estaduais – Flotas e APAs, e áreas públicas estaduais com floresta ainda não destinadas.

Aqui, interessa, em particular, concentrar nas FLOTAs do Pará, mais precisamente

naquelas localizadas na Região da Calha Norte.

Importante, informar que a Lei de gestão obriga como procedimento preliminar à

concessão das floretas públicas a elaboração do plano de manejo da unidade de

conservação onde deseja realizar a concessão florestal. Esse plano é definido na Lei no

9.985/00 como: [...] documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos

gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e

as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos

naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à

gestão da unidade.

Das quatro FLOTAs criadas no Estado do Pará, a época, nenhuma dispunha de

plano de manejo. Objetivando cumprir essa exigência imposta pela própria Lei no.

9.985/00, que obriga, no seu art. 27, que as unidades de conservação disponham de plano

de manejo, inclusive impondo prazo de cinco anos a partir da data de sua criação,

conforme estabelece o parágrafo 3o. desse artigo.

No sentido de cumprir essa obrigação legal a Sema firmou em 05 de junho de

2007 Termo de Cooperação Técnica no 006/2007, cujo objeto é a cooperação e o apoio

técnico entre Sema, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - Imazon,

Conservação Internacional do Brasil - CI, e Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG para

elaboração dos planos de manejo de três florestas estaduais (Paru, Faro e Trombeta),

tendo incluído também a estação ecológica de Grão Pará e a Reserva Biológica do

Maicuru. Esse termo passou a ser referido pelos seus membros como consórcio.

Posteriormente, com a criação do Ideflor, órgão gestor das florestas públicas no

estado do Pará, este demandou sua participação no referido consórcio, que foi atendida

Page 118: Revista facientifica digital

por meio de termo aditivo ao Termo de Cooperação. A partir daí, o Ideflor passou a

compor os trabalhos de campo, principalmente as expedições realizadas nas FLOTAs de

Paru, Trombeta e Faro.

Oportuno informar que o Consórcio promoveu reuniões onde apresentou relatos

de algumas das expedições realizadas. Porém, ainda se aguardava pelo relato de outras

expedições, bem como e principalmente, pelos relatórios oficiais a serem encaminhados

a Sema que coordena o processo e esta encaminha aos demais membros do consórcio.

Esses dados são relevantes para condução da gestão florestal, principalmente

aqueles referentes a povos e comunidades tradicionais. Por isso, como parte dos

procedimentos internos do Ideflor, os técnicos eram orientados a produzirem relatórios

sobre as viagens onde deveria constar o máximo de informações.

Ressalte-se que uma vez identificadas ações cuja competência pertence ao Ideflor,

como parte dos procedimentos prévios à concessão florestal, o mesmo está obrigado por

lei a tomar as providências cabíveis.

Os resultados da última expedição indicaram a presença de povos e comunidades

tradicionais nas FLOTAs Trombeta e Faró. A lei obriga ao órgão gestor antes de realizar

a concessão florestal que este realize primeiro a destinação não onerosa.

Tal exigência, quando devidamente seguida, garante a povos e comunidades

tradicionais, direito aos seus territórios, bem como a clientes de reforma agrária em áreas

com floresta, caso se interessem em trabalhar a maior parte de suas atividades com a

manutenção das florestas em pé, nesse caso terão direito a terra, com limitações

específicas.

3. Expedições as Flotas Trombetas e Faro e a presença de povos e

comunidades tradicionais Nos dias 23 de agosto a 08 de setembro de 2008 foi realizada expedição a FLOTA

Trombetas, a qual se estendeu também a FLOTA Faro. De acordo com dados dos

relatórios apresentados pelos técnicos do Ideflor foi identificada presença de povos e

comunidades tradicionais tanto na FLOTA Trombetas quanto na Faro.

3.1. FLOTA Trombetas

Na expedição realizada à FLOTA Trombetas houve relato da presença de comunidades

remanescentes de quilombolas, as quais já haviam demandado junto ao Iterpa, ainda em

2005, o reconhecimento de seu território, trata-se da Comunidade Remanescente de

Quilombo Ariramba localizada em Oriximiná-Pa. Abaixo, registro fotográfico feito pelo

técnico do Ideflor da presença de quilombolas (Figura 1).

Figura 1. Quilombola

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Durante a expedição foram georreferenciados os castanhais utilizados pelas

comunidades quilombolas. No Ideflor, fez-se uma simulação de mapa a partir das áreas

georreferenciadas de castanhais, a fim de identificar a possível área de uso dos castanhais

pela comunidade quilombola. O que indica possíveis sobreposições com as FLOTAs

Trombeta e Faró (Figura 2).

Observa-se que o Decreto no. 2607, de 04 de dezembro de 2006 que criou a

FLOTA Trombetas, previu que caso viessem a ser identificadas comunidades

remanescentes de quilombolas na área destinada a FLOTA, as mesmas seriam

regularizadas por meio de concessão de direito real de uso, na forma prevista no art. 6o

da Lei no. 11.284/06. Essa previsão indica que o Poder Público deveria saber da existência

dessa comunidade, caso contrário não haveria sentido essa previsão.

O Decreto supracitado deu aos quilombolas tratamento similar aos demais povos

e comunidades tradicionais, para os quais inexiste previsão do direito de propriedade. E

logo em seguida, no art. 5o. do referido Decreto possibilita a comunidade quilombola

opinar pelo exercício do direito de reconhecimento de domínio previsto no art. 68 da

ADCT, nesse caso diz que as áreas serão excluídas por lei. Art. 22, § 7.º da lei 9.985/00

(BRASIL, 2000).

Referente à FLOTA Faro os relatos descrevem situação ainda mais grave,

porquanto informam a presença de povos indígenas e comunidades remanescentes de

quilombolas. Abaixo o mapa com pontos coletados pela equipe técnica de aldeias

indígenas e das áreas utilizadas pelos quilombolas, inclusive parte da Reserva Biológica

do Trombetas (Figura 2).

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Figura 2. Reserva Biológica do Trombetas.

Durante a expedição, técnicos realizaram registros fotográficos de pedras com

desenhos que chamam a atenção, bem como de utensílio indígenas (Figuras 3 e 4).

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Figura 3. Pedras e artefatos indígenas.

Houve também relato por parte da técnica da SEMA, Cláudia Leitão, de ter

recebido materiais arqueológicos entregues a eles durante a expedição.

Depoimentos nos dão conta de que povos indígenas teriam sido retirados daquele

local no passado, em razão de interesses minerários na área e agora estariam retornando,

contudo no local encontraram comunidades remanescentes de quilombolas.

O fato mais grave foi a existência de sério conflito entre povos indígenas e

quilombolas, incluindo o depoimento de que índios e quilombolas estariam colocando

armadilhas uns para os outros. Segundo, os técnicos os povos indígenas estariam exigindo

dos quilombolas uma quantidade das castanhas que coletam para terem direito de passar

pelo seu território.

Há registro de acordo formal firmado entre povos indígenas e comunidades

quilombolas em relação à delimitação de seus territórios (Figura 5).

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Figura 4. Termo de acordo legal entre as partes.

Mais um relato polêmico, foi que parte do território quilombola, estaria incidindo,

além da FLOTA Faro, com parte da área da Rebio do Trombetas.

Diferente do Decreto de criação da FLOTA Trombetas, o Decreto de criação da

FLOTA Faro nada previu referente à possibilidade de identificação de quilombolas e

regularização de suas áreas.

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4. Pretensões minerárias nas Flotas Trombetas e Faro Lançando mão dos dados levantados o Ideflor realizou o cruzamento das pretensões

minerarias em relação a essas áreas, que indica inúmeras solicitações de autorização e

pesquisa na área. Veja mapa abaixo produzido pelo Ideflor (Figura 6).

Esse mapa exige uma análise minuciosa, pois se essas áreas pertencem aos povos

indígenas e aos quilombolas o acesso aos recursos minerais se dará por meio de

procedimentos específicos. No caso dos povos indígenas, só com o seu consentimento e

após autorização do Congresso Nacional.

No caso dos quilombolas, como bem explanado por Andrade (2013, p. 2), ao se

reportar ao direito à consulta livre, prévia e informada referente aos quilombolas, também

afirma a necessidade do consentimento de quilombolas, conforme previsão da Convenção

169, art. 6o. que impõe aos governos a obrigação de: Consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,

particularmente, através de suas instituições representativa, cada vez que

sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de

afetá-los diretamente.

Além disso, a exploração mineral gera renda tanto para o Poder Público, por meio

dos royalties e demais tributos incidentes sobre a produção, como também para o setor

privado, em especial para os proprietários das terras (superficiários) onde ocorre a

extração mineral. Esse benefício se estende tanto ao proprietário quanto ao posseiro que

prove sua situação juridicamente.

Nota-se que o proprietário da terra onde houve a exploração mineral, nas fases de

pesquisa ou de lavra, terá direito a cinqüenta por cento do valor dos royalties

(Compensação Financeira pela Exploração Mineral - CEFEM) recolhidos aos cofres

públicos. Sendo os quilombolas proprietários e os índios “posseiros permanentes”, caso

a mineração venha a incidir em seus territórios estes deverão receber royalties.

Além disso, terão direito a uma renda pela ocupação de seus territórios, bem como

a indenização por danos e prejuízos que por ventura venham a ser causados pela pesquisa

e pela exploração mineral.

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Figura 5. Situação da mineração na área dos quilombolas.

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5. Análise jurídica a partir dos casos relatados

5.1.Flota Trombetas

No que se refere à FLOTA Trombetas verifica-se que o Decreto de criação pode ser

considerado inconstitucional, porque em 2006 quando foi promulgado já havia processo

para o reconhecimento da comunidade remanescente de quilombola do Ariramba.

Segundo Treccani (2006, p. 180-181) a Constituição Federal de 1988 ao se reportar a

essas comunidades utiliza a expressão reconhecer, isso: [...] significa que existe um direito pré-existente e que o Poder Público

tem a obrigação de expedir o título definitivo de propriedade. Os atos que

criam novas unidades de conservação, sem levar em conta o direito dos

quilombolas, deverão ser considerados inconstitucionais, enquanto os

atos que antecederam à constituição, não foram recepcionados pela

mesma.

Referido Decreto é inconstitucional porque os territórios das comunidades

tradicionais não podem ter outra destinação a não ser a titulação da área para as próprias

comunidades, nesse caso específico, aos quilombolas. Por isso, quando o Estado destinou

território pertencente a quilombola, ainda que esse não estivesse titulado, ele já sabia de

sua existência.

Os dois artigos (4o. e 5o.) do Decreto de criação da FLOTA Trombetas inseridos

como sendo uma “cautela” objetivando garantir aos quilombolas seus territórios, são

inconstitucionais. O art. 4o, por trazer previsão quanto à possibilidade dos quilombolas

virem a firmar contrato de direito real de uso com o Poder Público, quando a Constituição

Federal de 1988 lhes garantiu o direito de propriedade, sendo este indisponível.

Ressalte-se que o instrumento utilizado pelo Poder Público para agasalhar o

direito dos quilombolas, contrato de direito real de uso, este jamais substituirá o direito

de propriedade garantido constitucionalmente por meio do ADCT, no. 68, sendo, portanto

direito indisponível.

E, o art. 5o., também é inconstitucional porque previu a possibilidade do

quilombola “optar” pelo direito indisponível da propriedade. E que essa opção, uma vez

feita, para que se concretize, só mediante lei. Ou seja, o que é direito indisponível e

meramente declaratório está posto no Decreto como disponível e não mais declaratório,

porque passou a precisar de lei.

5.2. Flota Faro Nesta FLOTA os estudos demonstraram: a) a presença de povos indígenas e comunidades

quilombolas; b) sobreposição de territórios quilombolas com territórios indígenas; c)

sobreposição de territórios quilombolas com unidade de conservação de proteção integral

– Rebio Trombetas; d) presença de grileiros e e) demanda mineraria sobre as mesmas.

Verificou-se, à época, que como o Poder Público estaria impossibilitado de

realizar a destinação não onerosa como medida preliminar às concessões florestais, o

mesmo teria que resolver todas as pendências jurídicas para depois disponibilizar as

FLOTAs Trombetas e Faro à concessão florestal.

Os relatos permitiram indicar: a) o desrespeito a Convenção 169, da qual o Brasil

é signatário, cujo art. 13 garanti o acesso ao território por parte de povos e comunidades

tradicionais, e ao princípio do pluriculturalismo garantido tanto nos artigos 215 e 216

quanto no caso específico dos povos indígenas retratados também nos art. 231 e 232, bem

como ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT no. 68, no que se

refere aos quilombolas.

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Diante de flagrante desrespeito a Constituição Federal restou ao Ideflor, na

condição de órgão gestor das florestas públicas estaduais, e em cumprimento ao que

dispõe a lei de gestão em seu art. 6o. solicitar aos órgãos competentes a promoção de

medidas objetivando garantir aos povos e comunidades tradicionais localizados em suas

florestas o reconhecimento aos seus territórios.

6. Considerações Finais O trabalho demonstra a importância da destinação não onerosa como instrumento que

visa garantir a povos e comunidades tradicionais o direito a seus territórios. Contudo,

verifica-se tratar-se de um trabalho árduo, uma vez que ao buscar aplicação prática os

cenários encontrados serão os mais variados possíveis, como o encontrado nas FLOTAs

Trombetas e Faro.

O resultado da expedição indicou a presença de povos e comunidades tradicionais

nas FLOTAs Trombetas e Faro, impondo ao órgão gestor das florestas públicas – o Ideflor

-, a realização de diligências junto aos outros órgãos, a fim de que pudessem promover a

destinação não onerosa. Não há como o órgão gestor tratar do tema de forma isolada, a

questão exige ação por parte de vários órgãos. Por isso, a sugestão mais forte após a

expedição e a análise jurídica dos dados foi no sentido de trabalhar de forma

interdisciplinar buscando o máximo de informações possíveis antes de deliberar sobre as

áreas a serem disponibilizadas às concessões florestais. Nesse caso, a época sugeriu-se:

a) a composição de um Grupo de Trabalho, no qual deveriam tomar parte: Iterpa,

Ideflor, Sema e PGE, a fim de indicar a melhor solução jurídica referente ao

reconhecimento do direito dos quilombolas na FLOTA Trombetas;

b) que o Iterpa deveria comunicar a FUNAI sobre o conflito existente solicitando

providências imediatas, inclusive, informando ao Estado do Pará, se já existe

processo de reconhecimento de povos indígenas nessas áreas. Caso não haja que

sejam iniciados os estudos necessários para identificação;

c) que o Iterpa deveria informar ao ICMBio a sobreposição de parte da REBio

com as comunidades remanescentes de quilombolas.

d) que fosse formalizado por parte do Governo do Estado junto a Comissão Pró-

Índio a solicitação de estudos específicos para analisar o conflito existente entre

povos indígenas e comunidades quilombolas, objetivando a indicação de

alternativas para resolução do conflito.

e) que Ideflor providenciasse a retiradas dos grileiros das suas áreas.

Destarte verifica-se que a destinação não onerosa é um instrumento

imprescindível às concessões florestais e exige trabalho interdisciplinar prévio, como

forma de garantir os direitos dos povos e comunidades tradicionais a seus territórios. E,

ainda diante de interesses políticos e econômicos fazer valer a normas jurídicas ainda é

para a realizada amazônica brasileira um grande desafio.

Page 127: Revista facientifica digital

7. Referências Bibliográficas

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“consulta aos quilombolas. Disponível em: <

http://www.cpisp.org.br/acoes/upload/arquivos/Artigo%20-

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Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso

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BRASIL. Lei no. 11.284, de 02 de março, de 2006. Diário Oficial [da] República

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Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 jul. 2000. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm

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Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 fev. 2007. Disponível em:

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PARÁ. Lei nº. 6.963 de 16 de abril de 2008. Diário Oficial [do] Estado do Pará.

Belém, . disponível em: <..................>. Acesso em: 17 junho 2009.

TRECCANI, Girolamo Domenico. Terras de quilombo: caminhos e entraves do

processo de titulação. Girolamo Domenico Treccani. Belém: Programa Raízes, 2006.

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